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EDWARD LOPES FUNDAMENTOS DA LINGUISTICA CONTEMPORANEA (da Universidade de S. Paulo) Manco Qniléia here. achede Maio A 1999. x EDITORA CULTRIX SAO PAULO AW ph 1495 Temos, ai figuradas, as seguintes ocorréncias: Awa ak Besb} signos em grau zero (sem “desvio”) Coc Besa = sinédoque generalizante J ope | Cora sinédoque particularizante | metonimias Deva = metéfora todas j4 abordadas neste tépico; mas temos, além disso, as represen- | tagdes de diferentes planos de expresséo ([‘jati], [‘kica], [2jbar. i ka‘sw]) para o mesmo efeito de sentido (PC “iate’), o que caracte- riza a sinonimia (cf. Fig. 44): PE [éjbarka‘saw] (iati] [(‘ki£a] PC “jate” Fic. 44 — Sinonimia e, inversamente, na mesma Fig. 43 aparece a representagao de dife- rentes sentidos através de um mesmo PE, © que constitui o fené- meno da polissemia, cf. Fig. 45: PE [Sbarka'saiv] PC “embarcacio” Len Fic. 45 — Polissemia 6.3.5. A DescricAo SeMANTICA DE Portier (”) 6.3.5.1. Sema, Semema, Semema Absoluto e Semema Relativo Sabe-se que nao existem duas cadeiras idénticas. Isso nao im- pede que as pessoas se ponham de acordo quando falam sobre ca- deiras, o que demonstra existir uma série de tragos pertinentes na nogio desse objeto, série essa que é conhecida pelos varios falantes (71) Apud Baldinger, 1970. 75 ss. 264 da mesma lingua. Quais séo os tracos distintivos que compéem o “objeto mental” cadeira e fazem de “cadeira” uma unidade léxica? Se uma pessoa d4 regularmente a resposta /x/ quando a co- locamos diante de uma série de objetos (x}, x*...x), entéo /x/ é a unidade léxica (na terminologia de Pottier, lexia) que designa tais objetos nessa lingua. Tomando varios objetos designados pela lexia “cadeira”, fagamos a descrigéo de cada um deles do modo mais com- pleto (Fig. 46). O simbolo “q” designaré as caracteristicas encon- tradas em todos eles e os sinais (1) e (—-) marcarfo, respectiva- mente, a existéncia ou nao dessas caracteristicas em cada cadeira in- dividualmente considerada. de madeira . q® = para sentar-se . Fic. 46 Esse levantamento faz surgir um certo numero de problemas. Em primeiro lugar, certas caracteristicas recebem sempre uma res- posta “sim” (-+-), ao passo que outras recebem respostas “sim? ou “nao” (+ / —). Isso se deve & presenga eventual de tracos adicio- nais em determinadas cadeiras (ser de “veludo”, etc.). Tais tragos ndo sdo_ pertinentes porque ndo sdo constantes. Assim, a pergunta Sobre se a cadeira tem quatro pés nem sempre pode ser respondida com um “sim”: hé cadeiras com trés pés, por exemplo. Desse modo verificamos que o nimero de pés é varidvel, mas o ter pés é uma constante (por isso é trago pertinente). Consideraremos que numa série de N objetos, o traco q é per- tinente (ou seja, é uma unidade minima de plano de contetido — ou sema “s” —), se ele aparecer n vezes. Completando a Figura 46, témos (Fig. 46-A) : 265 com pés ., de madeira . Para sentar-se . para uma pessoa vermelha +++ |4t+ I++t+t4+ lt+44 1+ leele i+ =z :aeerees Fic. 46-A Na coluna reservada 4 “cad. N” (simula abstrata de todas as cadeiras) aparece um certo nimero de tragos pertinentes (semas) que ocorrem n vezes (marcados por +): - 8, = com encosto Ss, = com pés S, = para sentar-se Sg — para uma -pessoa Esse conjunto constitui o semema de /cadeira/. A lexia cadeira tem um semema absoluto cujos elementos (ou semas) ‘constantes as- sim se organizam: (cadei S + + s+ Se Se repetirmos a experiéncia com “poltrona”, seu semema sera: S, (poltrona) = s, + s, + s, + 8, + 58, onde s, = com bragos. Pottier efetuou alguns testes para mostrar que o sema s, é 0 trago semAntico pertinente para diferengar “cadeira” de “poltrona”. Em questiondrios realizados em Nancy e Poitiers pediu a alunos que completassem as duas frases francesas: 1. Je voudrais m’asseoir sur .. , 2. Je voudrais m’asseoir dans . . “Queria assentar-me sobre...” . “Queria assentar-me numa...” As Tespostas ao teste 1 indicavam, indiferentemente, “cadeira” ou ‘poltrona”’; nesse caso era o sema “para sentar-se” que entrava em 266 jogo. Mas ao completar a questio 2, a resposta mais freqiiente foi “fauteuil” “poltrona”. Tratava-se, entao, do “s,”, pois ha em fran- cés uma oposicao “sur”/“dans” do tipo “nao interioridade” / ‘inte- rioridade”. A “interioridade”, traco presente em “dans”, sugere o bloqueio de “‘cadeira” (desprovida de bragos) e a aceitagio de “pol- trona” (contendo o sema “com bracos”). A comparagao entre os dois sememas, incluidos no mesmo con- junto de objetos (“méveis”) capacita-nos a isolar o semema relativo de cada um deles. Com efeito, “cadeira” e “poltrona” possuem -qua- tro semas em comum, tendo “poltrona”, exclusivamente, além dos semas compartilhados com “cadeira” mais 0 sema “com bragos”: S, “cadeira” = s, + s, + 5, + 6 S, “poltrona” = s, + s, + s, + 5 + & Isto equivale a dizer, que, dentro de um mesmo conjunto de objetos, “cadeira” e “poltrona” se definem, relativamente um a outro, do seguinte modo: (a) apresentam os semas comuns “s, + s, + 8; + 8%”; (b) “poltrona” possui, além dos semas presentes em (a) acima, mais s, (o sema “com bragos’) ; (c) “cadeira” possui, além dos semas presentes em (a) acima, mais um sema relativo (s,), marcado negativamente, e que define “cadeira” relativamente dquilo que nela falta quando @ comparamos com “poltrona”. () Assim: S. absoluto “cadeira” = + + % + S, relativo “cadeira” = 5 + % + % + % + (— &) (72) Por “semema relativo” compreende-se “semema_ relativo a um conjunto dado”. Em relagéo a um conjunto dado, ou seja, a um mesmo campo seméntico, 0 semema relativo permite isolar os parciais iguais (mercé aos quais diferentes sememas se retinem em campos associativos) e, ao mesmo tempo, isolar os parciais diferentes (gragas aos quais distinguimos, no interior. do_mesmo campo semintico, seus varios elementos). E esse o interesse dos arquissememas (= sema que domina um campo semantico). { a nr ore Eee 267 6.3.5.2. A Definigéo do Arquissemema 6.3.5.3. Arquissemema e Arquilexema O arquissemema é 0 sema que domina um campo semfntico qualquer. Ele se define como a intersecgdo dos sememas componentes de um mesmo campo associativo. Seja: ~ hop ado ‘ I, 8, = com encosto 3 8, = com pé(s) / yin 8, = para uma pessoa } 8, = para sentaf-se Ss. = com bracos j Ss = com material rigido Um levantamento dos semas pertinentes de cinco objetos do mesmo campo (cadeira, poltrona, tamborete, canapé € “pouf”), daria o se- guinte quadro (Fig. 47): Fic. 47 A leitura horizontal desse quadro, da esquerda para a direita, dé dos pememay de cada objeto considerado (S' = cadeira, S? = poltrona, _ S° = tamborete, S, = canapé, $5 = “pouf”) uma dupla definigio. Assim: _ [= absoluto de “cadeira” Si + S + Ss + & + Se ] (ou seja, com encosti se, de material’ rigido) ; fo, com pés, p/ uma pessoa, p/ sentar-se, S! relativo de adeira” = s: + s+ & + % + (—%) + & (ou seja, os mesmos semas anteriores mais um sema “negativo” (—S) = menos o sema “com bragos”.) Vé-se, aqui, que a definigéo do semema: (a) é feita no a partir do significante, mas de tragos minimos do plano do contetdo; (b) é feita diferencialmente, como postulavam Saussure (“na lingua nZo ha senio diferengas”) e Hjelmslev. Visto no interior de um mesmo campo semAntico cada semema apre- senta, ao mesmo tempo, um aspecto conjuntivo (que lhe permite integrar-se nesse campo particular) e um aspecto disjuntivo, sua diferenga especifica (que lhe permite indi- duar-se frente aos demais sememas desse campo). Mas podemos também fazer uma leitura vertical da Fig. 47, de cima para baixo. Isolaremos, entdo, os semas que se comportam como invariantes no interior do mesmo campo. (78) Dos seis semas arrolados, apenas dois (s, € s,) estdo presentes em todos os sememas considerados (em n objetos aparecem n vezes). Eles constituem a intersecg’o dos conjuntos relativos dos seis se- memas vistos (S!, S*, S%, S#, S®, SS): S19 S29 S83 S47 S51 S*= (sm, &) Reunidos num conjunto sémico, s, (— cdm pés) e s, (— para sentar- -se) formam o semema de uma unidade léxica da lingua portuguesa: eles definem o semema de “assento” (fr. siége, esp. asiento). © “assento” se define, ai, como um objeto que est4 elevado do solo (isto é, “com pés”) e que serve A fungio de sentar-se. Assento, é uma cover-word que por ser a base comum de um campo semantico ao qual domina (0 campo semantico dos “assentos”), € um arqui-” Texema (como fruta, docentes, parentes, etc.). Por outro lado, como os semas que compdem seu plano de contetido formam um semema que é a base comum invariante para qualquer outro semema do campo dos assentos, o semema de Jassento/ é um arquissemema. (") (73) ‘Tais semas invariantes constituirio 0 nucleo sémico, ou figura sémica na semAntica de A. J. Greimas. (74) © arquilexema “assento” € por sua vez dominado, no_ interior de um campo semfntico mais vasto, pelo arquilexema ‘“méveis”, sendo, “m6- veis” dominado, num campo mais abrangente, pelo arquilexema “artefatos”, etc. 269 Como nota Kurt Baldinger (1970. 83), 0 arquissemema é co a todos os sememas do mesmo conjunto conceptual (cam; mum é trago distintivo diante de outros sistemas conceptuais (de “sodiyeign por exemplo). Desse modo, a relaco entre arquissemema ¢ ae > entre semema e sema, é de implicagao (ou de englobante / englobado)’ arquissemema C semema; semema C sema ou: assento WL cadeira Pelo estudo de B. Pottier, vé-se que os contetidos de uma lingua natural se deixam captar dentro de um processo generalizador, se- gundo o qual cada trago do conteido (sema) é reunido em um con- junto (semema), ligando-se esse conjunto a outros, formando campos associativos dominados por uma mesma base comum de semas inva- riantes (ntcleos sémicos), os quais, se se formalizam ao nivel de manifestagao das linguas como unidades léxicas, séo arquilexemas dotados, na estrutura imanente, de um semema (arquissemema) co- mum, como nticleo sémico, a qualquer dos elementos do campo. Cada campo é, por sua vez, dominado por um campo mais amplo: 2 caniches + 4 perdigueiros 6 c&es (arquilexema 1) 6 cies + 3 gatos 9 animais (arquilexema 2, mais geral do que 1) 9 animais + 2 homens 11 seres vivos (arquilexema 3, mais geral do que 2) 11 seres_vivos + 2 méveis 13 “coisas” (arquilexema universal, 0 mais geral da lingua). - Palayras como “coisa”, “trogo”, “negécio”’, capazes de substituir to- dos os substantivos da lingua, e, as vezes, até nomes de pessoas, 270 “coi (“coisa, como é a eu i i is pal a ue, voce se chama?”), constituem os arquilexemas mai s. comporta, em portugués, i- lexema_ universal. Pa Lith ereeanpall Maat Observagées: (a) ° ponto de partida do estudo de Pottier é a lexia “cadeira”, nao o objeto “cadeira”; z (b) na instancia de manifestagio das linguas nao temos “se- memas”, temos “lexias” (lexia = lexicalizagio memorizdvel de um semema; arquilexia = lexicalizagao de um arquis- semema). 6.3.5.4. Classemas 6.3.5.5. Ambigiiidade Classematica . Em 1963, no artigo Recherches sur analyse sémantique en Lin- guistique et en traduction mécanique, B. Pottier procurava definir o conteido da unidade léxica “cadeira”. Partia, entao, das unidades minimas (semas) e se encaminhava dai para a definicéo de unida- des mais vastas (semema, arquissemema). No decorrer de seus es- tudos, aquele semanticista percebia que toda unidade léxica esta no cruzamento de dois movimentos semAnticos: (a) um deles, relaciona as unidades minimas do conteado no interior da propria lexia (semas especificos, cujo contetdo constitui 0 semema) ; . (b) 0 outro, poe esse semema em relagdo com classes semAntico- -funcionais de distribuigao, pertencentes 4 langue mas sele- cionadas no interior de frases (classemas) . . Por isso, na segunda parte daquele mesmo trabalho de 1963, Pottier inverte o procedimento que seguira na primeira parte. Ele procedera, a seguir, do mais geral (classes re ae ou classemas) procurando jdentificar os elementos qué-sejam capazes de saturar as trés primeiras classes em que divide todos*es_sememas da lingua: a classe dos objetos, a dos animais e a das pessoas; Se perguntarmos 1. Vocé viuo . 271

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