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PORTUGUÊS BRASILEIRO II
contato lingüístico, heterogeneidade e
história
P886
Português Brasileiro II: contato lingüístico, heterogeneidade e história / Claudia Roncarati e Jussara
Abraçado (organizadoras) — Niterói : EdUFF, 2008.
398p. ; 23 cm.
Inclui bibliografias
ISBN 978-85-228-0466-5
1. Língua Portuguesa - Brasil. 2. Linguagem e língua - variação. 3. Lingüística I. Título.
CDD 170.4
Contato lingüístico
A influência do princípio do peso na ordem verbo-sujeito no
português de contato do Alto Xingu1
Segundo a Tabela proposta, NA é dominante porque ocorre tanto com DemN quanto
com NDem, enquanto AN ocorre somente com DemN. Da mesma forma, DemN é
dominante, uma vez que ocorre tanto com NA quanto com AN, ao contrário de NDem que
ocorre somente com NA. As ordens que não são dominantes (AN e NDem) são chamadas
de recessivas por Greenberg.
A partir dos princípios da dominância e da harmonia, Greemberg introduziu a noção de
“motivações em competição”: enquanto a dominância favorece algum tipo de ordem, como,
por exemplo, a ordem NA, a harmonia pode favorecer um alinhamento do adjetivo com
outros modificadores, dando origem à variação que se observa translingüisticamente.
Mas foi Hawkins (1980, 1983) quem forneceu elementos para confirmação e explicitação
do princípio da dominância. Ao estudar a ordem nome-modificador, postulou a atuação de
duas outras motivações em competição: “o princípio do peso” (heaviness) e o “princípio da
mobilidade” (mobility):
I. Princípio do peso: estabelece a existência de uma tendência segundo a qual os
modificadores mais pesados aparecem mais comumente após o nome, enquanto os
mais leves, ao contrário, costumam antecedê-lo;
II. Princípio da mobilidade: estabelece a existência de modificadores mais sujeitos à mudança
na ordem do que outros.
Dos princípios propostos por Hawkins, o que particularmente nos interessa é o princípio
do peso. Associando a noção de peso ao tamanho dos modificadores, o autor apresenta uma
escala na qual os modificadores por ele estudados estão dispostos de acordo com o seu peso:
(+pesados) (- pesados)
Cláus. relativa < sintag. genitivo < adj. < dem. < num.
Agradecimentos
Gostaríamos de agradecer ao Professor Doutor João A. de Moraes pelo incentivo constante à pesquisa, pelos
comentários sempre bem humorados, pelas sugestões de leitura, pela paciência, pela compreensão e, sobretudo,
pela sua luz na interpretação dos resultados apresentados neste estudo. Sem ele esta pesquisa nunca teria existido.
A Cirineu Cecote Stein, nosso agradecimento tanto pelas horas que dedicou a montar a parte ilustrativa deste
artigo, quanto por seus comentários, críticas e sugestões. Ao professor Doutor Juan Manuel Sosa, agradecemos
sua generosidade. Como Professor Visitante da UFRJ, em 2004 e em 2005, ele soube levar-nos sempre além
pelos caminhos da entoação, graças à sua brilhante tese, mas também a seu sorriso caraquenho e à sua amizade.
Nosso grande obrigado também à Professora Doutora Anne Catherine Simon, que tão amavelmente nos
acolheu junto a sua equipe no Projeto Valibel da Universidade Católica de Louvain, e, claro, ao Projeto Europeu
de Bolsas Coimbra, organismo que financiou nosso estágio de pesquisa nessa excelente e cordial instituição belga
de janeiro a março em 2007. Fruto desse estágio em Valibel e das discussões com os membros de sua equipe é a
escrita deste trabalho. Gostaríamos de agradecer ainda às professoras da Universidad de la República, Virginia
Bertolotti e Doutora Magdalena Coll, que tão amigavelmente nos orientaram na pesquisa de campo em 2006 e
na bibliografia referente aos estudos desta região de fronteira. Esperamos que este seja o primeiro de muitos
estudos em cooperação com elas.
NOTAS
Interpretamos o acento tonal do pretonema como H*+L, ao contrário do que propõe Moraes (2002, 2006) para o
enunciado interrogativo de fala carioca L*+L. Optamos por esta notação considerando o conjunto das realizações
das quatro informantes cariocas – sobem na tônica e descem na pós-tônica no pretonema dos enunciados
interrogativos com ou sem foco – em oposição às realizações das informantes de Santana do Livramento. Nossa
interpretação coincide com a de Moraes (2002, 2006), no sentido de marcar a queda final no pretonema, mas
difere com relação à interpretação do tom baixo inicial no enunciado interrogativo, considerado, no nosso caso,
alto por levar em conta essa ligeira subida na tônica que se acentua quando o pretonema está sob foco, como se vê
na Figura 8b.
Este padrão circunflexo nos enunciados interrogativos totais do EU lembra mais o padrão circunflexo do PB do
que o padrão descendente caribenho, e marca uma diferença dialetal importante com Buenos Aires.
Talvez por esta razão Moraes (2002, 2006) tenha considerado a sílaba acentuada do pretonema como (L*), pois o
ponto culminante de Fo nos enunciados interrogativos de fala carioca estaria na tônica do tonema, o que não
ocorre nem na variante de Santana do Livramento, cujo ponto culminante está na pós-tônica do pretonema, nem
nas duas variantes do espanhol uruguaio, cujo ponto culminante de Fo está localizada em dois pontos do
enunciado, tanto na pós-tônica do pretonema, quanto na pós-tônica do tonema.
O bilingüismo pomerano-português na região de
Pelotas
ATITUDE LINGÜÍSTICA
Os dados apurados nos questionários, assim como as entrevistas livres,
mostraram uma atitude favorável ao uso e à manutenção do pomerano nas
duas comunidades. Verificou-se a existência de regras tácitas para uso do
pomerano no lar, com pessoas mais velhas e, em Arroio do Padre, mesmo
com crianças em idade pré-escolar, “pois, elas precisam aprender o pomerano
em casa”. Mas encontramos também algumas manifestações contrárias,
principalmente em Três Vendas, sob a alegação de que o uso do pomerano no
lar prejudicaria a aprendizagem do português na escola ou de que era “um
dialeto que nem os alemães entendem”. Mas os resultados dos questionários
mostram que em Arroio do Padre 81% dos informantes insistem ou insistirão
no uso do pomerano. Compreensivamente, este percentual é de somente 45%
em Três Vendas como mostra o Gráfico 4.
Gráfico 4 – Insiste no uso do pomerano em casa (atitude lingüística)
A expectativa sobre as chances de o pomerano continuar a ser falado
também divide as duas comunidades. Em Arroio do Padre, a grande maioria
dos informantes (93,3%) acredita que o pomerano continuará a ser falado na
comunidade. Já em Três Vendas, apenas 41,7% dos informantes acreditam
nessa possibilidade, conforme mostra o Gráfico 5:
Gráfico 5 – O pomerano continuará a ser falado na comunidade?
Interlocutores potenciais
1. Avós e sua geração
2. Pais e sua geração (tios)
3. Esposo(a)
4. Filhos e sobrinhos
5. Irmãos e primos
6. Amigos, vizinhos da mesma geração (ex-colegas de escola)
7. Vendedores (lojas, venda, supermercados), caixas de banco, etc.
8. Professor(a) (agora ou quando esteve na escola, colégio)
9. Médico, enfermeira, agente de saúde
10. Pastor (informantes são todos protestantes)
11. Deus (orações)
12. Autoridades (prefeitura, Estado, etc.)
Tabela 3 – Padrões de escolha da língua em Três Vendas
INTERLOCUTORES POTENCIAIS
INF. IDADE 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 ÍNDICE A
25 15 PA PA - - P P P P P P P - .22
26 21 A AP - - PA P P P P P P P .30
27 19 AP AP - - P P P P P P P P .20
28 12 PA PA - - P P P P P P P - .22
29 14 PA PA - - P P P P P P P - .22
30 16 PA PA - - P P P P P P P - .22
31 15 PA PA - - PA P P P P P P - .33
32 17 AP AP - - PA P P P P P P - .33
33 26 A AP P P PA P P P P P P P .25
34 35 A AP P P PA PA PA P P P P P .41
35 48 A A AP AP AP PA PA P P P P P .58
36 49 A A AP AP AP AP AP P P AP AP P .75
37 27 AP AP P P PA PA PA P P P P P .41
38 31 AP AP P P PA PA PA P P P P P .41
39 47 A A PA PA PA PA PA P P P P P .58
40 47 A A AP AP AP AP AP P AP AP AP P .83
41 59 A A AP PA PA PA PA P P P P P .58
42 65 A A A A PA PA PA P P P P P .58
43 53 A A AP P P PA PA P P P P P .41
44 62 A A A PA PA AP PA P P P P P .58
45 72 A A A A A A AP A AP A A P .91
46 55 A A AP PA PA PA PA P P P P P .58
47 53 A A A PA PA PA PA P P P P P .58
48 69 A A A A A AP AP A AP AP AP P .91
INDICE A 1.00 1.00 .75 .68 .57 .83 .66 .08 .12 .25 .16 0
Heterogeneidade
Retratos da variação entre você e tu no português do
Brasil: sincronia e diacronia
Peças em a você/
a ti/
análise para
para teu(s)/ seu(s)/
tu você te você o/a lhe você/ 2ª 3ª
ti/entre tua(s) sua(s)
entre
outros
outros
Quebranto 29/33 4/33 53/76 0/76 7/76 16/76 9/10 1/10 43/94 51/94 134/213 89/213
(1908) (88%) (12%) (70%) (0%) (9%) (21%) (90%) (10%) (46%) (54%) (63%) (37%)
O simp..
13/123 110/123 24/118 6/118 29/118 59/118 4/17 13/17 9/94 86/94 50/353 303/353
Jeremias
(11%) (89%) (20%) (5%) (25%) (50%) (25%) (75%) (9%) (91%) (14%) (86%)
(1918)
O hósp..
0/142 142/142 0/62 2/62 18/62 42/62 0/10 10/10 0/93 93/93 0/307 307/307
Quarto 2
(0%) (100%) (0%) (3%) (29%) (68%) (0%) (100%) (0%) (100%) (0%) (100%)
(1937)
Dona Xepa 1/132 131/132 4/21 8/21 2/21 7/21 0/8 8/8 3/78 75/78 8/239 231/239
(1952) (1%) (99%) (19%) (38%) (10%) (33%) (0%) (100%) (4%) (96%) (3%) (97%)
Tôda... fera 3/330 327/330 25/42 0/42 3/42 14/42 0/35 35/35 11/90 79/90 39/497 458/497
(1962) (1%) (99%) (60%) (0%) (7%) (33%) (0%) (100%) (12%) (88%) (8%) (92%)
C.de bens 0/315 315/315 9/36 1/36 10/36 16/36 0/21 21/21 0/85 85/85 9/457 448/457
(1980) (0%) (100%) (25%) (3%) (28%) (44%) (0%) (100%) (0%) (100%) (2%) (98%)
Intensa
0/177 177/177 10/29 2/29 2/29 15/29 0/29 29/29 8/126 118/126 18/361 343/361
Magia
(0%) (100%) (34%) (7%) (7%) (52%) (0%) (100%) (6%) (94%) (5%) (95%)
(1995)
C. do leque 29/74 45/74 15/25 2/25 2/25 6/25 0/3 3/3 5/33 28/33 49/135 86/135
(1995) (40%) (60%) (60%) (8%) (8%) (24%) (0%) (100%) (15%) (85%) (36%) (64%)
75/ 1251/ 140/ 21/ 73/ 175/ 13/ 120/ 79/ 615/ 307/ 2255/
Total 1326 1326 409 409 409 409 133 133 693 693 2562 2562
(6%) (94%) (34%) (5%) (18%) (43%) (11%) (89%) (11%) (89%) (12%) (88%)
117 - bola do joelho, bolacha, bolacha do joelho, catraca, maçã do joelho, menina do joelho,
RÓTULA pataca, patela, patela do joelho, roda, rótula
157 -
atiradeira, badoque, baleadeira, estilingue, funda, setra, peteca
ESTILINGUE
157 -
arraia, pandorga, papagaio, pipa
ESTILINGUE
Variação diastrática
Do ponto de vista da variação diastrática, a análise de registros de
informantes de nível fundamental vem apontando uma série de variantes
fônicas e morfossintáticas, como, por exemplo, a iotização da lateral palatal ou
da lateral alveolar seguida da vogal /i/, em vocábulos como veio (velho), sandaia
(sandália), respectivamente; a despalatalização da lateral palatal, como em mulé
(mulher); culé (colher); a palatalização do iode, como em telha (teia), a
neutralização entre a lateral e o tepe, nos grupos consonânticos de oclusiva ou
fricativa labial + /l/, como /kl/, /pl/, /fl/, como em crara (clara), pranta
(planta), frô (flor); a metátese, nos grupos de oclusiva mais tepe, como em
partilera (pratileira), bargia (braguilha); a emissão sincopada de formas
proparoxítonas, como pólv(o)ra, fósf(o)ro, sáb(ad)o; as realizações africadas
palatais depois de semivogal anterior alta, como em muntcho (muito) e dodjo
(doido).
Do ponto de vista morfossintático podem ser citadas estruturas como nós
vai, a gente cantemo, eles vai, o pessoal véve; formas indicativas ovo (ouço), cabo (caibo) e
formas plurais como chapéis (chapéus), degrais (degraus).
Variação diafásica
Exemplos de variação diafásica, ou, mais precisamente, diastrático-diafásica
analisados por Mota (2002) encontram-se quando se comparam as respostas a
questões do QFF com as ocorrências obtidas em discursos livres, no decorrer
do inquérito ou em sua parte final, nos temas sugeridos ao informante para
que ele os desenvolva livremente (relato de fatos marcantes de sua vida, fatos
contados por terceiros etc.), como em:
a) muito realizado, quase categoricamente, como , como resposta à
questão “Qual é o contrário de pouco?” (QFF, 77), em inquéritos realizados
em capitais nordestinas, e como , , várias vezes, durante o
inquérito, com maior freqüência na fala de indivíduos de menor grau de
escolaridade, dado o caráter diastrático da variante palatalizada;
b) mesma registrada como como resposta à questão 156 do QFF, e
com a fricativa laríngea , em outros trechos do inquérito, em
discursos livres; e
c) realizações do tipo trabalhano, cozinhano, ameaçano, gritano, esperano, desceno,
sabeno, correno, com simplificação, por assimilação, do morfema identificador do
gerúndio, documentado, com freqüência, mesmo em falantes de escolaridade
alta, em elocuções espontâneas, emitidas rapidamente, embora esses mesmos
informantes realizem fervendo, remando e dormindo, como respostas,
respectivamente, às questões 27, 52 e 148 do QFF.
A variante diastrática pode também distinguir, em alguns casos, referentes
distintos, como se verificou, com relação ao vocábulo mulher, em 32 inquéritos
de Salvador, Aracaju, Maceió e Recife, analisados por Carneiro e Mota (2006):
a realização com a consoante lateral palatal (mulher) ocorreu categoricamente
como resposta à questão 129 do QFF, assim formulada: “Eva foi a primeira
__”, enquanto a variante com despalatalização da lateral (mulé) registrou-se, em
geral na fala de informantes de nível fundamental, nos sintagmas mulé da vida,
mulé da rua, mulé de cabaré, mulé vagabunda, em relação à prostituta, tema da
pergunta 142 do QSL.
Variação diageracional
Documenta-se a variação diageracional, principalmente no nível léxico-
semântico, em ocorrências do tipo “tá de boi”, “boca da noite”, “argueiro”,
documentadas na fala de indivíduos da segunda faixa etária, de referência,
respectivamente à menstruação (QSL 121), começo da noite (QSL 28.) e cisco que cai
no olho (QSL 90) formas, em geral, desconhecidas pelos falantes jovens.
O trecho a seguir, extraído do inquérito à informante de faixa etária 2, de
nível universitário, natural de Maceió, ilustra a variação diageracional e, ao
mesmo tempo, diastrática:
INF. – A gente aqui, ói, aqui tem vários nome, né, a gente pode chamá: menstruação muita gente
chama boi, muita gente chama regra, muita gente diz assim: naqueles dias, tá entendendo?
INQ. – Agora, essa muita gente, assim, vamos dizer, é mais o quê, o pessoal mais jovem, o pessoal
mais velho...?
INF. –Boi geralmente é aquelas pessoas ignorante, antiga..., né? Agora a gente não, a gente já diz
menstruação, né?
INQ. – E regra, quem é que fala, é esse pessoal mais antigo, também?
INF. – Também, é... A minha sogra mesmo dizia muito assim: “naqueles tempo” Aí até meu marido,
aí, às vezes, com o costume dela, ele sempre diz, sabe, quando eu estou meia nervosa, ele diz: ói,
toda vez que você está naqueles tempo, você fica....
A hesitação, com relação ao verbo pegar, entre as formas tinha pego e tinha
pegado, documentada na questão 103 do QFF — incluída com o objetivo de
verificar-se a alternância entre vogais médias, abertas ou fechadas, em sílaba
acentuada (pégo e pêgo) — em falantes da 2ª faixa etária, é um outro exemplo
de variação geracional, ilustrativo da substituição que se vem observando, pelo
menos em algumas áreas do português do Brasil, das formas participiais
analíticas pelas sintéticas, independentemente do verbo auxiliar que as
acompanha ou da existência anterior de duplo particípio (como em falo por
falado, trabalho por trabalhado, noivo por noivado, etc.).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Implantado há dez anos, o Projeto Atlas Lingüístico do Brasil, que retoma
um desejo de há muito manifesto pelos dialetólogos brasileiros dos meados do
século XX, tem, na sua curta história, fatos a destacar.
Primeiramente, sem se ter conseguido um financiamento global, mas
contando com auxílios de instituições financiadoras da pesquisa, em
momentos diversos, a membros do Comitê Nacional, e com a colaboração
advinda das Universidades que mantêm vínculo com o Projeto, atingiu-se, no
presente, a documentação de 50% dos pontos da rede, exatamente 125, tendo
já concluído o levantamento em sete estados. Isto significa dispor-se de uma
parte representativa do corpus, sobretudo por contar-se com a integralização
dos dados em todas as capitais.
Em segundo lugar, o Projeto ALiB vem contribuindo para o
desenvolvimento das pesquisas de natureza dialetal, despertando interesse pela
Geolingüística e estimulando a criação de equipes voltadas para esse ramo dos
estudos lingüísticos. Tem, por outro lado, contribuído com pesquisas
individuais ou de grupos, sobretudo ao tornar disponível para os interessados
na área os Questionários ALiB que vêm sendo utilizados na sua forma própria
ou servindo de modelo para a criação ou adaptação de outros. Esse papel do
ALiB fez com que Mota e Cardoso (2006b) reconhecessem uma quarta fase na
história dos estudos dialetais brasileiros, cujo início está vinculado à
implantação desse Projeto nacional, expandindo assim o que Ferreira e
Cardoso (1994) propuseram em substituição à divisão de Nascentes (1952,
1953a, 1953b).
A série Documentos (AGUILERA; MOTA; MILANI, 2004; MOTA;
CARDOSO, 2006b) vem trazendo informações sobre a metodologia seguida,
com apresentação de textos teóricos e depoimentos que informam sobre esses
primeiros momentos do Projeto, enquanto se aguarda a publicação do Atlas
propriamente dito, cujo volume 1 encontra-se em fase de elaboração.
Ao se proceder a esta avaliação do andamento do Projeto ALiB pode-se,
com uma visão crítica da realidade das condições de pesquisa na área de
Letras, concluir que, dentro das possibilidades que se apresentam, foi feito o
melhor que se pôde, porque para mais não se teve engenho e arte.
REFERÊNCIAS
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Imprensa Oficial do Estado, 1994.
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da Paraíba. Brasília, DF: UFPB/CNPq, 1984.
CARDOSO, Suzana Marcelino Cardoso. As “cores” do arco-íris no Brasil. In:
AGRELO, A. I. B. (Ed.). Novi te ex nomine: estudos filolóxicos ofrecidos ao
Prof. Dr. Dieter Kremer. A Coruña: Fundación Pedro Barrié de la Maza, 2004.
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______. Atlas Lingüístico de Sergipe – II. Salvador: EDUFBA, 2005.
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da consoante lateral palatal em inquéritos do Projeto Atlas Lingüístico do Brasil.
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Instituto de Letras da UFBA, 2006.
COMITÊ NACIONAL DO PROJETO ALiB. Atlas Lingüístico do Brasil:
questionários.Londrina: Ed. UEL, 2001.
CRUZ, Maria Luíza de Carvalho. Atlas Lingüístico do Amazonas (ALAM). 2004.
Tese (Doutorado em Lingüística)–Faculdade de Letras, Universidade Federal
do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2004.
FERREIRA, Carlota et al. Atlas Lingüístico de Sergipe. Salvador: UFBA:
Fundação Estadual de Cultura de Sergipe, 1987.
FERREIRA, Carlota; CARDOSO, Suzana. A dialectologia no Brasil. São Paulo:
Contexto, 1994.
KOCH, Walter; KLASSMAN, Mário S.; ALTENHOFEN, Cleo. Atlas
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Letras, Fortaleza, n. 24, v. 1-2, p. 70-74, 2002.
MOTA, Jacyra Andrade; CARDOSO, Suzana Alice M. da Silva. Para uma nova
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CARDOSO, Suzana Alice M. da Silva (Org.). Documentos II: Atlas Lingüístico
do Brasil. Salvador: Quarteto, 2006a.
MOTA, Jacyra Andrade; CARDOSO, Suzana Alice M. da Silva (Org.).
Documentos II: Atlas Lingüístico do Brasil. Salvador: Quarteto, 2006b.
NASCENTES, Antenor. Études dialectologiques du Brésil. ORBIS – Bulletin
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RAZKY, Abdelhak. Atlas Lingüístico Sonoro do Pará. Belém: CAPES: UFPa:
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RIBEIRO, José at al. Esboço de um Atlas Lingüístico de Minas Gerais. Rio de
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ROSSI, Nelson; FERREIRA, Carlota; ISENSEE, Dinah. Atlas prévio dos falares
baianos. Rio de Janeiro: INL-MEC, 1963.
NOTAS
Entre os quais se incluem teses de doutorado de abrangência geral do estado.
Levantamento iniciado pela Bolsista Voluntária Milena Pereira e continuado/concluído pela Bolsista
PIBIC Kássya Correa, como parte de suas atividades no período de vigência da bolsa (2006-2007).
Crenças de professores e alunos de português de
escolas públicas de Juiz de Fora-MG45
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao ter suas propriedades de verbo predicador minimizadas, haver, fazer e ter
renovam-se semântica e gramaticalmente, assumindo a função de marcar
referência temporal. Nesse domínio funcional, tais verbos atuam, então, como
elementos funcionais com propriedades que os relacionam às categorias de
verbo predicador e elemento gramaticalizado (constituinte gramatical de expressão
adverbial). Apresentam-se, portanto, como extensões de uso que parecem
situar-se diferentemente entre os pólos lexical e gramatical do continuum de
gramaticalização de verbo predicador a verbo instrumental.
No fenômeno variável em foco, destacaram-se as motivações funcionais.
Com os resultados aqui expostos, percebeu-se que a variante haver é a mais
produtiva em expressões temporais, seja na modalidade escrita ou oral, na
variedade brasileira ou européia.
Para compreender melhor o fenômeno de alternância de haver, fazer e ter
nas construções que sinalizam referência a tempo cronológico, é importante
pesquisar o processo de gramaticalização de cada verbo, ampliar a amostra de
expressões temporais nas duas variedades e modalidades consideradas
(principalmente, em fontes do português europeu) e considerar aspectos
comunicativos que foram destacados como possíveis interferências nos efeitos
detectados.
REFERÊNCIAS
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Janeiro: Lucerna, 1999.
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p. 97-195.
NOTAS
A amostra foi constituída com base no acervo dos Projetos CRPC-Lisboa (Corpus de Referência do
Português Contemporâneo e Português Fundamental) e VARPORT (Análise Contrastiva de Variedades
do Português – <http://www.letras.ufrj.br/varport>) – Brasil e Portugal –, NURC-RJ, PEUL e em
jornais brasileiros e portugueses (Jornal da UFRJ, O Globo e Jornal do Brasil em 2005; Diário de Notícias e
Jornal de Notícias em 2005/2006). Conta, ainda, com dados do português brasileiro oriundos de textos do
acervo do Projeto Discurso & Gramática e de redações escolares. Embora muitos tenham sido os
inquéritos/textos de língua falada consultados, só se conseguiu compor uma amostra de 361 ocorrências
de expressões temporais com haver, fazer ou ter. Nessa amostra, 308 dados são do português brasileiro e
apenas 53 são do português europeu.
Tal possibilidade é citada por Móia (1998).
Por exemplo: Vai para dez anos que não a vejo.
Essa suposição já desencadeou novos estudos no âmbito do Projeto PREDICAR: Maíra de Paiva, aluna
de iniciação científica, já prepara projeto de dissertação de Mestrado sobre a gramaticalização de HAVER
em expressões temporais e Ana Paula Fernandes Klem, também aluna de iniciação científica, dedica-se a
leituras para a elaboração de um projeto de dissertação de Mestrado a respeito da gramaticalização de
TER, que prevê a análise desse item em expressões temporais.
A ordem das orações nos discursos falados e escritos
O Quadro acima mostra que, no que diz respeito à fala e à escrita, as diferenças mais
interessantes concernem à própria distribuição dos conectores pelas duas modalidades: que
ocorre exclusivamente na fala enquanto a locução já que e a preposição por, quase que
categoricamente na escrita. Mostra, igualmente, que, à exceção das orações de causa
encabeçadas por como, que se antepõem categoricamente às nucleares (PAIVA, 1991; NEVES,
1999), as demais tendem a se pospor a suas orações nucleares, independentemente do tipo
textual. A manipulação da ordem não-marcada parece, no entanto, sensível ao tipo de
conector: é mínima e restrita à fala em se tratando de porque, que e já que; é mais provável na
escrita em se tratando da preposição por.
As orações antepostas de causa introduzidas por porque ocorreram nas seqüências
narrativas, geralmente caracterizadas pelo grande envolvimento emocional dos falantes com
os eventos em questão. Elas tendem a elaborar informações apresentadas previamente como
é o caso de (7) ou, então, a expressar informação compartilhada pelos interlocutores, como é
o caso de (8):
(7)
...ai quando desci, já desci gritando. Meu pai me agarrou, assim.Tinha (balbucio) que me levar para o pronto socorro
para tomar injeção para mim dormir. Aí pronto: fiquei dormindo, ele subiu foi ver minha mãe, depois me trouxe para
casa. Ai, depois passou, eu não fui mais ver ela. Porque eu não sabia me controlar, eu não podia ir ver. Para irritar ela, não
adiantava, não é?
[Falante 6, Amostra Censo 1980]
(8)
“Rose, ela está para ganhar neném, ela está com hemorragia”. Eu tinha lido naquele Menino ou Menina, então eu fiquei
bem entrosado sobre esta parte, né?
E: Ham
F:”Rose, isso é hemorragia.” A Rose: “Que é que nós vamos fazer?” “Liga para doutora Janete. Rose, cadê minha
cueca?” Eu perdi a cueca, eu não sabia mais onde estava. Porque lá não tem elevador, eu desci a escada.
[Falante 42, Amostra Censo 1980]
Em (7), o falante, frente à tentativa de suicídio da mãe, já arrancara os cabelos e já chegara
ao hospital gritando, sinais de descontrole; em (8), o entrevistado já havia descrito seu
apartamento, localizado em um prédio pequeno e modesto no subúrbio.
Percentualmente mais numerosa, a anteposição das orações encabeçadas pela preposição
por se restringe à escrita. Os enunciados antepostos servem à re-introdução de informação já
mencionada no co-texto precedente, lembrando tópicos sentenciais: ocorrem na posição
inicial, tendem a expressar informação dada e circunscrevem o quadro de referência relevante
para o que vai ser expresso pela oração seguinte. Essa interpretação é reforçada pela presença
de vírgula, como ilustra o trecho seguinte:
(9)
Lembre-se que para conhecer e curtir toda a ilha com calma, é bom reservar três dias – e tratar tudo com antecedência.
Por ser uma área de preservação ambiental, a entrada é restrita a 5 mil pessoas por dia e na temporada há quem fique no
continente aguardando a volta de alguns visitantes para enfim conseguir embarcar.
[Jornal do Brasil, 11 set. 2005]
Porque, a conjunção prototípica para a expressão de causa, apresenta uma distribuição
simétrica no que concerne aos textos falados e escritos: emprego mais recorrente nas
seqüências argumentativas e utilização mais restrita nas porções narrativas e descritivas. Que,
por seu turno, ocorre apenas na fala e apresenta uma distribuição diversa daquela exibida por
porque, como mostra a freqüência rarefeita nas seqüências textuais argumentativas. Já que e por,
de uso mais escasso, tendem a se concentrar nos textos escritos, particularmente narrativos,
apresentando distribuição complementar no que tange às porções argumentativas e
descritivas.
No que tange à ordem marcada − anteposição − todas as orações se caracterizam por
expressar informação dada ou acessível, conformando-se ao princípio que prevê que a
informação dada ou disponível preceda a informação nova na linearidade do discurso.
Orações comparativas de igualdade
A relação semântica de comparação de igualdade foi sinalizada por uma grande variedade
de conectores: (tanto) quanto, (tanto) como, enquanto, no mesmo nível que, que nem, igual. Alguns
foram empregados apenas na modalidade falada casual, como é o caso de que nem, igual, em
processo de gramaticalização (LIMA-HERNANDES, 2005); outros foram utilizados tanto
nos textos orais quanto escritos.
Diante dessa variedade de conectores e do fato de que a relação comparativa de igualdade
pode ser expressa por estruturas sintáticas distintas, submetemos nossos dados a diferentes
recortes, visando a identificar as variáveis lingüísticas que poderiam estar associadas à
anteposição e posposição da oração em estudo. Inicialmente, distinguimos as estruturas
correlatas, exemplificadas em (10) e (11), das não-correlatas, exemplificadas em (12) e (13),
obtendo a distribuição que se vê no Quadro 2.
(10)
Os especialistas em economia pelos quatro cantos do país pregam que há uma luz no fim do túnel. Os milhões de
brasileiros certamente também têm esperanças de dias melhores. O que difere 2004 dos anos anteriores? Tão simples
quanto a pergunta é a resposta. Estamos em um período eleitoral. Nunca tantos candidatos disputaram vagas nas
prefeituras e nas câmaras. Mais uma vez, eles vão ocupar espaços na mídia e pedirão os votos dos eleitores.
[O Povo, 12 jan. 2004]
(11)
E: A tendência é piorar a situação?
F: A situação tanto pode piorar como pode melhorar, isso aí ninguém sabe, segundo dizem, por aí, que o mundo vai
acabar dois mil e nós já estamos quase lá, falta pouco, certo? Mas daqui para lá eu já devo até ter embarcado lá para
outro lado, mas tudo bem, vamos ver como é que fica.
[Falante 7, Amostra Censo 1980]
(12)
Durante seis anos, sem saber, fui submetido a uma espécie de doping legal. Antes, davam essa sustância a cavalos, mas
depois de exames chegaram à conclusão de que era muito forte até mesmo para os cavalos − disse o americano de 44
anos, numa declaração que cai como uma bomba depois que Rusedski afirmou, semana passada, que além dele outros 46
tenistas foram flagrados com doping, mas nenhum caso foi divulgado.
[Extra, 13 jan. 2004]
(13)
Também me acham preconceituoso quando mudo de assunto, ao falarem, por exemplo, na misteriosa sabedoria oriental,
botando no mesmo saco chineses (que em si já são numerosos sacos), japoneses, coreanos e até indianos. Claro, não
existe sabedoria oriental homogênea nenhuma, assim como não existe uma única cultura africana. Dão-me aulas, para citar
um caso, sobre a comida japonesa e como a misteriosa sabedoria oriental descobriu séculos antes de nós que o peixe é
uma fonte sadia de proteína animal e que alimentos crus não só podem ser saborosos como mais nutritivos.
[O Globo, 10 abr. 2005]
Os números acima mostram que, no que diz respeito à estrutura das orações comparativas
de igualdade, as não-correlatas constituem a categoria não-marcada, interpretação que é
confirmada pela freqüência e reforçada pela ausência de restrições contextuais: elas são
empregadas em todas as seqüências textuais investigadas. Independentemente da
configuração sintática, os mesmos números mostram que a posição não-marcada é
representada pela posposição, categórica na fala.
Um outro recorte privilegiou os conectores que encabeçavam o enunciado comparativo e
a configuração estrutural da oração complexa de comparação de igualdade. Assim, o
composto oracional pode ser constituído por orações que especificam todos os argumentos,
como (14) exemplifica, ou apresentar uma das orações sem especificação de argumentos,
como se vê em (15) e (16), em virtude do compartilhamento de informação:
(14)
Há importantes diferenças entre “política fiscal e política monetária” e “regime fiscal e regime monetário”: enquanto
aquelas referem-se ao estado corrente ou atual das variáveis fiscais e monetárias, estes aplicam-se não só ao que está acontecendo
com elas, mas, principalmente, com, lhes venha a acontecer, em um considerável horizonte de tempo; as primeiras são
conjunturais e os segundos estruturais.
[Jornal do Brasil, 8 nov. 2004]
(15)
No interior do carro há um cockpit de fibra de carbono. É como se fosse um monoposto dentro do cupê. Estruturas
deformáveis no bico e na traseira do Audi evitaram grandes prejuízos no acidente de sábado. Suspensão e motor saíram
ilesos, assim como o piloto.
[O Globo, 8 jun. 2005].
(16)
F: Não é? Hoje em dia, a gente vê muito mulher fazendo esse serviço, não é? então, assim como ela pode varrer a rua,
não é? E ela não [é] é e ela tem <q-> tanto ih! A mulher está provando, aí, não é? E comprovando que ela é tão
inteligente quanto o homem, não é?
E: Ham.
F: Não porque eu tenha tido duas filhas mulheres que eu defenda isso não.
[Falante 45, Amostra Censo 1980]
Apresentaremos o número de ocorrências, sem percentagens, visto que nosso controle da amostra se fez pelo número de
palavras que compõem as seqüências textuais, não pelo número de suas orações.
Em se tratando de orações de causa, comparação e condição, a intercalação foi pouco explorada, razão por que não será
considerada. Esta posição é relevante para as orações de conformidade, como mostraremos em 2.3.
A distribuição de orações introduzidas por desde que é interessante: a única ocorrência na fala apresenta-se anteposta
enquanto as duas ocorrências na escrita se manifestam pospostas à oração núcleo.
As outras duas propriedades que contribuíram para essa interpretação têm a ver com o fato de as orações condicionais e os
tópicos expressarem informação dada e compartilharem as mesmas marcas morfológicas, em algumas línguas de Papua Nova
Guiné, em especial Hua.
Aportes sociolingüísticos à alfabetização
i 371/472 .37
I 793/960 .52
j 81/83 .89
Input – .86 –
O input, medida global do índice de aplicação da regra, foi igual a .86. Isso
indica que essa regra apresenta alta probabilidade de aplicação no falar
itaitubense.
Os resultados estatísticos mostram que [j] favorece significativamente a
aplicação da regra com peso relativo igual a .89, o maior peso relativo obtido
na análise quantitativa. O contexto [I] também favorece a palatalização, mas
seu peso relativo, igual a .52, indica que a probabilidade de aplicação da regra é
bem inferior à verificada para [j]. Já o contexto [i] apresenta efeito
desfavorecedor. Esse fator recebeu peso igual a .37, o que indica que a
probabilidade de aplicação da regra é desfavorecida quando a variável se
encontra diante de [i].
A princípio, parecia que os dois primeiros fatores poderiam ser
amalgamados, pois era possível pensar que não importava se o segmento que
detonava a regra decorria ou não de uma derivação. Entretanto, alguns
argumentos se somam aos índices estatísticos obtidos e justificam a
manutenção dos fatores dispostos na Tabela 1.
Uma reavaliação lingüística dos segmentos que compunham esse grupo de
fatores mostrava que, tomando-se por base sua geometria, sua avaliação no
IVARB não forneceria dados relevantes quanto ao tipo de segmento que
estaria condicionando mais significativamente a palatalização de /l/. Como se
sabe, é o ponto de articulação que está diretamente envolvido na regra de
palatalização (HORA, 1990; BISOL; HORA, 1995; OLIVEIRA, 2007). Como
se pode ver, todos os segmentos que compunham o grupo de fatores contexto
seguinte apresentavam o mesmo traço de articulação oral, o [coronal]. Sendo
assim, os pesos relativos fornecidos pelo IVARB não poderiam,
aparentemente, apontar nenhuma informação relevante quanto a esse aspecto.
Já havia ficado claro que a palatalização de /l/ ocorria produtivamente, no
falar de Itaituba, diante de segmentos [+voc], [+ant] [-aberton]. Entretanto,
havia diferença entre os pesos relativos que cada segmento apresentava. Assim,
haveria um outro condicionador da regra que deveria ser avaliado nesse grupo
que não era o ponto de articulação. Se apresentavam a mesma geometria
pertinente à palatalização, o que estaria condicionando a significativa diferença
entre os resultados? É isso que se discutirá na seção seguinte.
Uma interpretação fonético-fonológica
Como se sabe, vogais e glides apresentam o mesmo conjunto de traços.85
Eles se constituem em duas categorias de segmentos que apresentam a mesma
geometria. A característica do glide só é atribuída a um determinado segmento
no processo de estruturação silábica (CLEMENTS, 1991; CLEMENTS;
HUME, 1995). Esse dado, somado aos pesos relativos referentes a cada fator,
dava indícios de que a sílaba deveria exercer algum tipo de interferência sobre
esses resultados, visto que a diferença entre eles se mostrava escalonar quando
se levava em consideração a posição que os segmentos ocupavam na sílaba
e/ou no tipo de sílaba. O segmento que se constituía C2 na sílaba que
apresentava a estrutura C1C2V ([j]) era o que mais favorecia a regra. Os dois
outros figuravam em sílabas que apresentavam o padrão CV, mas a posição do
segmento em relação ao acento e à posição da sílaba pareciam também ter
reflexos sobre a palatalização, pois o que se encontrava em sílaba átona final [I]
favorecia a regra enquanto o que não figurava nesse tipo de sílaba a inibia [i].
O alto índice de aplicação da regra de palatalização de /l/ diante de /j/
parecia estar diretamente relacionado à estrutura silábica. Esse contexto
favoreceu a palatalização de /l/ mais do que o contexto [i]. Conforme foi dito,
a diferença entre [i] e [j] tem relação com a posição que ocupam na sílaba, ou
seja, apresenta a mesma geometria. Assim, a diferença referente aos resultados
da palatalização de /l/ estaria ligada à configuração fonética dos segmentos
avaliados. Esta, por sua vez, decorria do tipo de sílaba em que se
encontravam.86
O segmento [j] apresenta soância inferior à de [i] (SILVEIRA, 1982;
WETZELS, 1995). Portanto, apresenta, também, mais contrição do que [i].
Clements e Hume (1995) afirmam que a diferença entre /i/ e /j/ é dada pela
estrutura silábica. Assim, a condição de [j], ou seja, o fato de apresentar maior
constrição é condição imposta por essa estrutura. Note-se que /j/ exige maior
fechamento do que /i/ na sua produção, segundo Silveira (1982), por causa da
posição que ocupa: C2.
Como [j] se localiza numa zona muito próxima da zona das consoantes,
pois apresenta maior constrição do que [i], devido ao esforço que exige na sua
produção, poder-se-ia situá-lo entre as líquidas e os vocóides altos,
argumentando-se em favor de uma gradiência de soância/constrição, em que
[j] ficaria em posição intermediária entre os graus dois e três da escala proposta
em Clements (1989):
Figura 1 – Escala de soância e constrição
Fonte: Clements (1989, p. 19)
Essa proposta tem justificativa também na alternância entre [j] [l] e []. São
segmentos muito próximos, por isso, alternam-se produtivamente. De outra
parte, os graus de soância/constrição apresentariam gradiência.
O fato de a palatalização ser condicionada por segmentos que estão
dispostos numa escala, em ordem decrescente, na direção /i/, /e/, quando se
tomam como exemplos dados do latim, porque a frontal alta apresenta mais
constrição do que /e/, explica a posição de /j/ antes de /i/ nessa escala.
Obtém-se, assim, em termos não absolutos, uma nova escala: [j i] no que se
refere à palatalização de /l/. Essa mesma seqüência pode ser construída
quando se tomam por base também os dados estatísticos, pois /j/ favoreceu a
palatalização mais do que /i/. Cabe reafirmar que a posição de /j/, nessa
escala, é definida pela estrutura silábica, pois sua constrição está ligada à
posição que ocupa na sílaba.
A mesma construção que foi feita para explicar os resultados referentes a
[i] e [j] pode ser retomada para explicar os resultados relativos a [I]. Note-se
que [I], a reduzida que ocorre em sílaba átona final no PB, apresenta
foneticamente mais constrição do que [i]. Sua condição também é dada pela
posição que ocupa num dado tipo de sílaba (CV), a átona final. Isso explica
seu peso relativo intermediário entre [i] e [j].
Esse dado traz à tona a necessidade de buscar na realização fonética
algumas explicações. Guy e Bisol (1991) assinalam a necessidade de considerar
multivalores de traços e o continuum entre eles, o que tem sido proposto
também por Barbosa (1997) e Albano (2001). Muitas vezes, só a recuperação
desse continuum é capaz de permitir que se entendam as variações que ocorrem
numa dada língua.
A interação entre informações empíricas e teóricas ajuda a entender
melhor os resultados referentes aos fatores do grupo contexto seguinte. A
princípio, parece que a análise estatística não tem nada a dizer sobre os
resultados a eles referentes, pois os segmentos que constituem esse grupo
apresentam a mesma geometria. A resposta, como se disse acima, não deve ser
buscada, nesse caso, apenas na fonologia, mas na fonética, pois, aqui, tem-se
uma limitação na teoria dos traços embora seja essa teoria, mais
especificamente a Geometria dos Traços, que ajuda a compreender esses
resultados por meio da escala de soância/constrição proposta em Clements
(1989).
Em termos categóricos [i] e [j] apresentam a mesma abertura e constrição.
Entretanto, quando se considera a gradiência no traço [abertura] desses
segmentos, percebe-se que há um continuum entre eles, ou seja, não têm
exatamente a mesma abertura. [j] é menos soante do que [i]; por isso, apresenta
mais constrição. Em termos fonéticos [I] também é menos soante do que [i].
As vogais, quando se encontram em contextos enfraquecidos, exigem mais
energia articulatória (CAGLIARI, 1974). Apresentam, assim, menos abertura.
Bisol (2002) assinala que uma vogal sem acento possui menos soância do que
uma vogal com acento. Se [j I] são inacentuados, obviamente, apresentam
menos soância do que [i], e assim, menor abertura também e mais constrição.
Ressalta-se, novamente, que a condição desses segmentos é dada pela estrutura
silábica e que glides como [j] são derivados de vogais altas por silabação.87
Cagliari (1974) relaciona a palatalização à energia articulatória. Bhat (1978),
autor que estudou a palatalização em 120 dialetos, assinala que a palatalização
das apicais está diretamente relacionada a segmentos altos, como [i j], e a
posições inacentuadas. Cabe relembrar que [j] derivou de um segmento
vocálico que ocupava posição marginal.
Assim, para usar as palavras de Guy e Bisol (1991), resultados que,
aparentemente, parecem difíceis de serem coadunados à teoria dos traços,
tornam-se claros quando se leva em consideração a escala contínua de valores,
a gradiência desses valores. De outra parte, como dizem os autores (GUY;
BISOL, 1991, p. 129), “O princípio da hierarquia sonora presta coerência à
abordagem variacionista. E os dados o confirmam”.88
Para finalizar, cabe assinalar que os resultados estatísticos revelam que
ocorreu produtiva palatalização diante de [j] e de [I], segmentos que
apresentam alta constrição dentre os contextos fonéticos avaliados. Sendo
assim, parece razoável relacionar a produtiva palatalização de /l/ ao grau de
constrição dos segmentos que se constituem gatilho dessa regra. Para
fortalecer esse ponto de vista, apresentam-se, a seguir, alguns resultados
oriundos de pesquisa realizada em nove Atlas Lingüísticos e de outros estudos
sobre a palatalização.
O QUE DIZEM OS ATLAS LINGÜÍSTICOS
Os atlas consultados para esta pesquisa foram: Atlas Prévio dos Falares
Baianos (1963), Esboço de Atlas Lingüístico para Minas Gerais (1977), Atlas
Lingüístico de Sergipe (1987), que caracterizam os falares baianos, segundo
Nascentes (1953), Atlas Lingüístico da Paraíba (1985), Atlas Lingüístico do Paraná
(1994), Atlas Etnolingüístico da Região Sul (2002), Atlas Lingüístico Sonoro do Pará
(2003), Atlas Lingüístico do Pará (em andamento) e Atlas Lingüístico de Sergipe II
(2005). O levantamento bibliográfico sobre a palatalização, a partir dos dados
dos Atlas Lingüísticos, revelou que a palatalização ocorre mais produtivamente
com as oclusivas alveolares /t d/, aplicando-se mais freqüentemente à oclusiva
alveolar surda. Esses documentos revelaram também a ocorrência de
palatalização da nasal alveolar /n/.
Excetuando-se os Atlas Paraenses (ALiPA e ALiSPA), em que a freqüência
da variante palatal [] superou significativamente a ocorrência da variante
alveolar [l] para /l/, raríssimos registros de palatalização com a lateral alveolar
/l/ foram documentados. Quando ocorreram, restringiram-se praticamente à
forma família.89
A palatalização de /l/ só ocorre no APFB nas formas cálice e malina,
respectivamente uma e duas vezes; e no ALERS, no vocábulo família, de forma
bastante produtiva. Nos demais Atlas não há registro de ocorrência de
palatalização de /l/. Isso sugere que um segmento como /l/, que apresenta
menos constrição que /t d n/, parece ser menos alcançado pela palatalização.
O QUE DIZEM ALGUNS ESTUDOS SOBRE A PALATALIZAÇÃO DE
OUTROS SEGMENTOS
Diversas pesquisas sobre a palatalização apontam o glide, contexto que
apresenta alta constrição, como altamente favorecedor da palatalização. Isto
pode ser confirmado em Hora (1990), Santos (1997), Pagotto (2003), Oliveira
(2007), dentre outros. Os resultados de pesquisas sobre a palatalização no
Brasil revelam também que a sonoridade exerce atuação sobre o fenômeno.
Veja-se o que dizem algumas pesquisas sobre o tema.
Cagliari (1974), ao estudar a palatalização em língua portuguesa, atestou
que essa regra é mais produtiva com /t/ do que com /d/. Segundo o autor,
pode ocorrer palatalização de /t/ e de /d/ ou apenas de /t/. Entretanto,
nunca se tem a palatalização só da oclusiva alveolar sonora. Para ele, isso indica
que a sonoridade se constitui em uma espécie de resistência à palatalização.
Mota (1995) também estudou a palatalização das oclusivas alveolares. Ela
afirma que a oclusiva alveolar surda /t/ sofre a aplicação da regra mais do que
sua homorgânica sonora /d/.
Santos (1997) estudou a palatalização na fala de Maceió, capital onde a
palatalização se encontra em estágio pouco avançado. A autora informa que
não encontrou nenhum caso de aplicação da regra com a oclusiva dental
sonora /d/. Acrescenta que, diferentemente, encontrou 6, 5% de palatalização
da oclusiva dental surda /t/.
Pagotto (2003) também faz referência ao fato de a oclusiva alveolar surda
/t/ palatalizar mais do que sua correspondente sonora /d/ na fala do Rio
Grande do Sul. A mesma informação é corroborada por Vieira (s/d) para a
fala de Curitiba e do Paraná.
Esse obstáculo parece estender-se não apenas aos segmentos alveolares,
pois Rollemberg (1994), ao tratar da palatalização das velares /k/ e /g/,
assinala que ocorreram mais casos de palatalização com a velar surda (59
ocorrências) do que com sua homorgânica sonora (13 ocorrências).
Parece que a sonoridade atua como uma espécie de desacelerador da
aplicação da regra de palatalização. Como /l/, em língua portuguesa, é um
segmento sonoro, a palatalização é freada. Talvez fosse possível até se
estabelecer uma hierarquia de ocorrência de palatalização para /t d l/ no PB.
Eles ficariam assim dispostos, quando se tomam por base as pesquisas aqui
consultadas:
(01)
/t/ /d/ /l/
De acordo com os resultados das pesquisas sobre a palatalização no Brasil,
parece que /t/ palataliza mais que /d/ e esse, por sua vez, mais que /l/. Há,
entretanto, uma outra consideração a fazer sobre essa escala. Ela diz respeito à
palatalização de /n/.
Conforme já foi dito anteriormente, tomando-se por base os estudos
dialetológicos, /n/ parece submeter-se à palatalização mais do que /l/ (Atlas
Lingüísticos). Como ambos são sonoros em língua portuguesa, talvez seja
necessário um outro critério para construir essa gradiência de palatalização.
Além da sonoridade, outro argumento que pode ser usado para explicar a
baixa produtividade da palatalização de /l/ em Língua Portuguesa é a escala de
soância/constrição, conforme se vê abaixo:
(02)
OBSTRUINTES > NASAIS > LÍQUIDAS > GLIDES > VOGAIS
De acordo com a classificação acima, os segmentos menos soantes são as
obstruintes e os mais soantes, as vogais. A aplicação da palatalização (PAL)
teria relação com essa escala de soância/constrição, isto é, essa regra se
aplicaria mais livremente aos segmentos menos soantes, mais constritos, como
as obstruintes, passando depois à nasal e, finalmente, alcançando a líquida. Ter-
se-ia uma nova escala, tomando-se como base a escala de soância/constrição:
Figura 2 – Incidência de palatalização de acordo com graus de soância
chante /∫ãtə/
chantes /∫ãts/
chantet /∫ãtət/
chantons /∫ãtəns/
chantez /∫ãtez/
chantent /∫ãtənt/
O -R EM CODA SILÁBICA
O -R em coda silábica é o tema de Brandão (1997), que, na perspectiva
sociolingüística, também analisou a variável em contexto medial e final de
vocábulo. Em posição externa, é bastante significativo o cancelamento, regra
com 78% de aplicação e input .85 e que tem nos indivíduos mais velhos seu
mais alto índice de ocorrência (81%), decrescendo para 79% e 75%,
respectivamente, nas faixas B (36-55 anos) e A (18-35 anos).
Como salienta a autora, “outra é a realidade quando o /R/ se encontra em
situação medial de vocábulo” (p. 52), caracterizada pelo polimorfismo de
realizações. Num total de 1.845 ocorrências, obtiveram-se os seguintes
resultados gerais: tepe (5%), vibrante alveolar (21%), aproximante retroflexa
(13%), fricativa velar (44%), aspirada (8%) e cancelamento (10%).
Eliminando-se as ocorrências de cancelamento em coda interna, as
variantes [+ant] – entre elas computados o tepe, a vibrante e a aproximante
retroflexa – correspondem a 43% dos 1.663 dados, enquanto as variantes [-
ant] – as fricativas velar e aspirada – a 57%, o que faz destas últimas a norma
regional. Devido, no entanto, à significativa presença de variantes [+ant],
decidiu-se analisar sua aplicação, mostrando-se relevantes, em primeiro e
segundo lugares, a faixa etária e a área geográfica e, em seguida, os fatores
estruturais classe do vocábulo, contexto subseqüente e intensidade da sílaba (p. 53).
Como mostra a Figura 3, na faixa C (56 anos em diante), concentram-se as
variantes [+ant] (p. r. .79) e, na A, as [-ant] (p.r. .15), o que permite dizer que
está em curso, na região, um processo de posteriorização de /R/:
Figura 3 – Gráfico realizado com base em pesos relativos
Por outro lado, a comparação dos resultados presentes na Figura 1 (no que
toca ao contexto medial de vocábulo) e na Figura 4, demonstra que, no que se
refere tanto ao -S quanto ao -R em coda silábica interna, as variantes [+ant] e
[-ant] são motivadas por fatores de natureza sociogeográfica, as primeiras
predominando em áreas com traço [+rural], as segundas em zonas mais
urbanizadas.
AS LATERAIS
Quandt (2004) dedicou-se ao estudo da lateral anterior em coda silábica e
em ataque complexo na fala das mesmas localidades. Sua pesquisa, de caráter
variacionista, também se baseou nos fundamentos da Fonologia Experimental,
pois tinha, como um de seus objetivos, testar a hipótese de que a troca de [l]
por [ɾ] em grupos consonantais
seria motivada pela tendência, de caráter subliminar, à abertura de sílaba, tendo em vista que a
realização do tepe implica a produção de um segmento vocálico, acusticamente próximo à vogal que
o segue. Assim, prato e preto, por exemplo, seriam produzidos como [pɐ´ɾatʊ] e [pǝ´ɾetʊ], sem que, no
nível consciente, o falante disso se apercebesse (p. 16-17).
A análise de /l/ em coda silábica foi realizada com base em um corpus de
4.229 dados, tendo-se registrado formas de concretização que constam da
Tabela a seguir:
Tabela 3 – Índices referentes à variação de /l/ em posição de coda
silábica
ÍNDICES Variação de /l/ em coda silábica
Variantes [w] [ł] [l] [ɾ] [h] [ɻ] [ø]
Ocorrências 3669/4229 12/4229 8/4229 119/4229 2/4229 22/4229 397/4229
Percentuais 87 % 0% 0% 3% 0% 1% 9%
Contexto antecedente
Dimensão do vocábulo
Variáveis selecionadas Intensidade da sílaba
Modo de articulação da cons.subseqüente
Natureza do segmento subseqüente
Input da regra inicial .10
de seleção .02
Significância .017
A lateral palatal foi focalizada por Brandão (2006, 2007), com base em
3.501 dados, em que predomina a lateral palatal com 2.514 ocorrências (72%),
enquanto a iotização e sua permuta pela lateral alveolar atingem, ambas, o
mesmo índice de 5%. (Tabela 7):
Tabela 7 – Índices relativos à variável (ʎ) em 3.501 dados
Variante OCO Perc. Exemplo
[ʎ] 2.514 72% [‘kiʎɐ] <quilha>
[lj] 610 17% [‘filjʊ ] <filho>
[l] 181 5% [mu´lɛ] <mulher>
[j] 174 5% [ma´jeɾɐ] <malheira>
[ø] 21 1% [‘miʊ ] <milho>
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Para finalizar esta breve descrição de algumas características da fala popular
de parte do estado do Rio de Janeiro, cabe resumir os resultados aqui expostos
com o objetivo de esboçar algumas normas de pronúncia das comunidades em
foco, devendo-se salientar que os fenômenos focalizados, apesar de motivados
por fatores de natureza extralingüística, apresentam forte condicionamento
estrutural.
1) Na fala de 13 comunidades dos municípios de São João da Barra,
Itaocara, Cambuci, São Fidélis, Campos, Itaperuna e Macaé, que integram as
Regiões Norte e Noroeste do Estado:
a) constitui norma a concretização de -S em coda silábica como fricativa
alveolar, a exemplo do que se verifica na fala de Cordeiro, Cantagalo, Duas
Barras e São Sebastião do Alto, na região Serrana, embora se observe o
processo de palatalização, condicionado por fatores estruturais e
extralingüísticos;
b) a palatalização de -S é mais freqüente nas localidades mais urbanizadas,
quer litorâneas, quer interioranas, sendo mais produtiva entre falantes mais
jovens;
c) predominam as variantes [-ant] de -R em coda silábica – fricativa velar e
glotal –, embora, sobretudo entre falantes mais velhos de comunidades rurais,
as variantes [+ant] – tepe, vibrante alveolar, aproximante retroflexa – se
mostrem bastante produtivas;
d) pode-se traçar uma isófona geoetária das variantes [+ant] de -R pós-
vocálico que congrega os falantes mais velhos da área litorânea, desde Barra do
Itabapoana, na divisa com o Espírito Santo, até Farol de São Tomé, no
Município de Campos, e que se interioriza abarcando os indivíduos de todas as
faixas etárias de Ponta Grossa dos Fidalgos;
e) a vocalização da lateral anterior em coda silábica predomina em todas as
áreas, embora se registre sua permuta por segmentos consonantais, o que é
mais freqüente na fala de indivíduos com mais de 56 anos e analfabetos;
f) o rotacismo em ataque silábico complexo, embora menos produtivo do
que a manutenção da lateral, prepondera entre falantes analfabetos da faixa
etária intermediária (36-55 anos);
g) a lateral posterior é predominantemente produzida como palatal,
embora se observe sua concretização como [lj] e [j], a primeira uniformemente
distribuída por todas as gerações, sobretudo na área litorânea; a última, mais
freqüente na fala dos indivíduos mais velhos e na zona interiorana;
h) as oclusivas dentais apresentam polimorfia de realizações (dental,
palatalizada, africada alveolar, africada pós-alveolar), embora seja norma sua
concretização como africada pós-alveolar.
2) As análises empreendidas sugerem que:
a) poucos são os fenômenos variáveis, no âmbito fonético-fonológico, que
apresentam apenas motivações de natureza estrutural, sendo de grande
importância para o conhecimento da opção por uma ou outra variante, o
controle de variáveis como faixa etária, nível de instrução, gênero e, ainda, área
geográfica;
b) as normas de pronúncia de grande parte do estado do Rio de Janeiro
não se identificam integralmente com as observadas na cidade do Rio de
Janeiro e seu entorno, pelo menos no que diz respeito ao -R e -S em coda
silábica;
c) é imprescindível realizar pesquisas no âmbito da fala popular para
melhor se conhecer a realidade lingüística fluminense e, com base nelas, buscar
as macromotivações sociopolíticoculturais determinantes das variações
registradas;
d) projetos como o Atlas Fonético do entorno da Baía de Guanabara (AfeBG), já
divulgado, o Micro Atlas Fonético do Rio de Janeiro (MicroAFERJ) e o Atlas
Lingüístico Sonoro do Rio de Janeiro (ALISON), conjugados ao Atlas Lingüístico do
Brasil (AliB), os três últimos em andamento, em muito irão contribuir para o
desvendamento dessa realidade, bem como para a elaboração de novas
pesquisas sociolingüísticas e, no futuro, para a conseqüente fixação das áreas
lingüísticas fluminenses.
REFERÊNCIAS
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Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2001.
NOTA
Em Brandão (2005), encontram-se dados sobre a equipe, bem como sobre a história e as contribuições
do Projeto APERJ.
A variação na ordem dos clíticos pronominais em
complexos verbais: condicionamentos
morfossintáticos e prosódicos
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Neste artigo, chamamos a atenção para alguns pontos relacionados às
expressões lexicalizadas (ou em processo de lexicalização) no português
brasileiro: a) essas expressões são usadas com maior freqüência do que
supomos; b) elas têm alto rendimento comunicativo e assumem funções
discursivas diversas, de acordo com o gênero (ou subgênero) do texto que
constroem; c) elas, de certa forma, apresentam maior grau de estabilidade
referencial, pois funcionam em bloco e são coletivamente pré-fabricadas.
A retomada dos estudos lexicais sob a ótica de abordagens discursivas e
cognitivas abre novas possibilidades de estudo sobre o uso do léxico em uma
determinada comunidade. Os movimentos de estabilização e desestabilização
referencial deixam de ser um problema e passam a ser considerados mais
positivamente como fenômenos inerentes ao processo de referenciação; os
meios lingüísticos de que os falantes se valem para falar do mundo passam a
ser considerados como estratégias fundadas cognitiva e discursivamente. Sem
comprometimento da coerência teórica e metodológica, os estudos sobre
lexicalização no português brasileiro poderão juntar-se aos estudos
funcionalistas sobre gramaticalização.
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NOTAS
3 A amostra foi recolhida com a colaboração de Fernando Miranda, bolsista PIBIC/CNPq.
4 As abordagens atuais preferem o termo referenciação ao termo referência, para indicar que se leva em conta
não somente um sujeito do ponto de vista físico, mas ainda um sujeito sociocognitivo mediante uma
relação indireta entre os discursos e o mundo.
5 Em nota, Marcuschi (2004, p. 284) remete a trabalho anterior (MARCUSCHI, 2000), em que discute o
conceito de cognição distribuída e apresenta diversas posições a respeito da questão. “O conceito é
complexo”, afirma o autor, “controverso em alguns casos, mas tem grande utilidade para se pensar em
especial atividades conjuntas e permite tomar a noção de ‘atividade’ como unidade de análise”.
6 O estudo da mudança em tempo aparente está baseado no pressuposto de que diferenças lingüísticas
entre gerações podem espelhar desenvolvimentos diacrônicos, quando outros fatores se mantêm
constantes (PAIVA; DUARTE, 2003, p. 15).
7 O estudo de painel, através da comparação de amostras de fala dos mesmos falantes em diferentes
pontos do tempo, permite captar mudanças ou estabilidade no comportamento lingüístico do indivíduo e
pode fornecer elementos necessários para distinguir entre mudança geracional e mudança na comunidade
(PAIVA; DUARTE, 2003, p. 17).
8 O estudo do tipo tendência, por sua vez, compara amostras aleatórias da mesma comunidade de fala,
estratificadas com base nos mesmos parâmetros sociais, em dois momentos do tempo [...]. Essa técnica,
que nada diz sobre o comportamento lingüístico do indivíduo, permite depreender a direcionalidade do
sistema na comunidade lingüística e verificar em que medida mudanças na configuração social de um
grupo podem se refletir na propagação, na estabilização ou no recuo de processos de mudança (PAIVA;
DUARTE, 2003, p. 17).
9 Essa coleta foi feita com a colaboração de Andréia Mello Rangel e de Isabella Venceslau Fortunato,
bolsistas PIBIC/CNPq.
0 Koch (2002, p. 37) apresenta a re-ativação como um dos momentos em que a memória opera, entre outras
coisas, a reprodução, o processamento textual.
Crenças e atitudes lingüísticas: quem fala a língua
brasileira?111
INTRODUÇÃO
As várias áreas da lingüística, incluindo-se a sociolingüística, a lingüística
histórica, a filologia e a dialetologia têm, no Brasil, uma significativa história de
reflexão sobre os problemas da língua portuguesa falada neste país-continente:
são muitos os pesquisadores e instituições que vêm-se dedicando a esses
ramos da Lingüística e centenas de pesquisas se materializaram em obras, seja
sob a forma de livros e artigos, seja em disseminações em eventos científicos e
vieram à luz, fomentando em escala geométrica outros tantos estudos sobre os
achados anteriores.
No âmbito da sociolingüística, da lingüística histórica e da filologia,
resumidamente, podemos citar pelo menos oito grandes Projetos institucionais
e interinstitucionais, dos quais se originaram centenas de trabalhos científicos
de várias naturezas: NURC, ALFA, CENSO, VALPORT, VARSUL, Filologia
Bandeirante, PROPHOR, PHPB.112
No âmbito da dialetologia, em particular, desde o início do século passado,
iniciando-se de forma sistemática com Amaral (1920) e Nascentes (1922), os
pesquisadores vêm descrevendo e discutindo a distribuição diatópica dos
falares brasileiros. Mais especificamente, Nascentes (1922), em O Linguajar
carioca, sugere uma divisão dialetal do português falado no Brasil, que
compreende dois grandes grupos: o Falar Nortista e o Falar Sulista. No
primeiro grupo, coloca os sub-falares amazônico, nordestino e baiano; no
segundo, os sub-falares mineiro, fluminense e sulista. Esta divisão dialetal,
entretanto, proposta há mais de 80 anos para um Brasil essencialmente rural
(75% da população brasileira vivia no campo no início do século passado,
segundo dados do IBGE), ainda não foi devidamente discutida ou mesmo
avaliada, devido à ausência de um atlas lingüístico que abrangesse o país como
um todo. Até o início do século XXI, mais precisamente até 2004, contava-se
apenas com oito atlas regionais ou estaduais publicados.113
O Atlas Lingüístico do Brasil – doravante ALiB
(<http://www.alib.ufba.br>), projeto criado em 1996, na Universidade Federal
da Bahia, e coordenado por um Comitê Nacional, formado por uma equipe
multiinstitucional – concluiu a coleta de dados nas capitais brasileiras, e em
mais da metade dos 250 pontos previstos, contando, pois, com um farto
material para estudos sob as mais diversas óticas, seja no âmbito da fonética e
da fonologia, do léxico, da semântica, da morfossintaxe, do discurso, e da
metalingüística, entre outros. Sob este último enfoque, o metalingüístico, é que
está calcado o presente estudo.
A inclusão de questões metalingüísticas talvez seja uma regra nos atlas
espanhóis, como acontece nos Atlas Linguístico de Catalunya, Atlas Lingüístico-
Etnográfico de Andalucía, Atlas Lingüístico-Etnográfico de las Islas Canarias e Atlas
Lingüístico de la Península Ibérica, cujas cartas específicas serviram de base para as
discussões de Alvar (1986). No caso da geolingüística brasileira, esta é a
primeira vez que um atlas se propõe investigar, mesmo que de modo menos
complexo, o que pensam os brasileiros sobre a sua língua, sobre a língua dos
que falam diferente em sua cidade, em outros lugares do país e em outras
épocas.
A relevância de estudos dessa natureza se encontra muito bem defendida
em Estudio sociolingüístico de Alcalá de Henares (BLANCO CANALES, 2004) em
que a autora, embora desenvolvesse um trabalho sobre as mudanças
lingüísticas na fala alcalaína voltadas para aspectos fonéticos e
morfossintáticos, considerou que a inclusão de um estudo das crenças e
atitudes seria uma ferramenta a mais para a interpretação dos dados. E com
essa incursão pelo interior de seus informantes pretendia obter
[...] información sobre el sistema de creencias a propósito de sus propias hablas y las de sus
conciudadanos, y ver a qué tipo de actitudes positivas o negativas, dan lugar tales creencias. Ello nos
ayudará a detectar cuáles son – si los hubiera – los hechos lingüísticos estigmatizados y cuáles otros
gozan de prestigio (explicito o implicito). A partir de aquí podremos examinar con mayor claridad la
dirección que están tomando los cambios en marcha y valorar cuál es la tendencia que muestra
mayor presión sobre el habla de los alcalaínos, si es el desprestigio de ciertas variedades lingüísticas,
y por lo tanto, la defensa de su norma, o la firme expansión de algunos fenómenos, apoyada tanto
en el peso numérico de los hablantes como en la propia evolución interna de la lengua. (BLANCO
CANALES, 2004, p. 81-82)
Dessa forma, aproveitando as entrevistas das 25 capitais,114 propomos um
estudo inédito115 sobre a língua falada no Brasil: as crenças e atitudes
lingüísticas de falantes urbanos da língua portuguesa. Trata-se das respostas
dadas, por oito informantes de cada uma dessas capitais, às questões de
números um a seis, de natureza metalingüística, constantes dos Questionários
ALiB (COMITÊ NACIONAL DO PROJETO ALiB, 2001).
Assim procedendo, isto é, por meio dessa incursão ao interior de nossos
informantes, pretendemos obter informações sobre o sistema de crenças a
propósito de suas falas, das de seus concidadãos e de seus patrícios, habitantes
de outras cidades ou regiões.
O corpus constitui-se, pois, das 1200 respostas116 previstas no Projeto e que
integram o acervo oral do Projeto Atlas Lingüístico do Brasil.117
As perguntas de natureza metalingüística (Comitê Nacional 2001, p. 46)
feitas aos 200 informantes são:
1. Como chama a língua que você/ o (a) senhor(a) fala?
2. Tem gente que fala diferente aqui em _________? (citar a cidade onde está)
(Se houver, identificar os grupos que “falam diferente”).
3. Poderia dar um exemplo do modo como falam essas pessoas que “falam
diferente”?
4. Em outros lugares do Brasil, fala-se diferente daqui de ___________ ?
(citar a cidade onde está)
5. Poderia dar um exemplo do modo como falam em outros lugares do
Brasil?
6. No passado, falavam diferente aqui?
Neste artigo procedemos à análise da questão de nº 1,118 com a proposta de
verificar, a partir dessas amostras estratificadas, que língua os brasileiros crêem
falar. Desta forma, pretendemos descrever as diferenças e as semelhanças que
se estabelecem na crença e nas atitudes dos falantes sobre a língua que falam,
quando consideradas as variáveis externas: faixa etária, gênero/sexo, nível de
escolaridade e origem do informante, conforme a divisão do Brasil nas cinco regiões
geográficas: Norte, Nordeste, Centro-Oeste, Sudeste e Sul.
Trata-se de um trabalho de natureza qualitativa uma vez que os dados não
permitiram um tratamento quantitativo mais amplo, conforme se verá no
desenvolvimento da análise.
FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
Neste espaço fazemos uma breve retrospectiva das leituras a que tivemos
acesso, diretamente ou através da ótica de outros pesquisadores e, na
seqüência, discutimos os conceitos que sustentam este trabalho.
Um olhar panorâmico sobre o estado da arte
Este trabalho fundamenta-se nos princípios das crenças e atitudes
lingüísticas firmados por Wallace Lambert (1964), M. Fishbein (1965) e Milton
Rokeach (1968), analisados por Moreno Fernández (1998); bem como nas
discussões de Alvar (1986), López Morales (1979, 1983, 1989), Moreno
Fernández (1998, 2004), Almeida (1999) e Labov (2006).
Nosso contato com a bibliografia sobre o tema permitiu verificar que, na
Espanha, a crença e as atitudes lingüísticas têm gerado um número
considerável de pesquisas levadas a efeito por estudiosos espanhóis, desde
finais da década de 1970 até os dias atuais, com enfoque nas diversas
manifestações das línguas espanhola, catalã e galega, e suas variedades
regionais, dentro dos limites do país (ROJO, 1981; BIERBACH, 1983, 1988;
CARBONERO, 1985; WILLIAMS, 1987; MARTÍN BUTRAGUEÑO, 1993;
BLAS, 1994; GÓMEZ MOLINA, 1998; BLANCO CANALES, 2004).
Por outro lado, não menos importantes são as discussões de pesquisadores
espanhóis sobre as crenças e atitudes de falantes nativos dos vários países
americanos hispanofônicos, situados nas Américas. Dentre as primeiras
pesquisas sobre o tema, citam-se as de Alvar, junto a portorriquenhos,
dominicanos, colombianos, guatemaltecos, entre outros (1981, 1982, 1983,
1984 e 1986), López Morales (1983) sobre o Caribe Hispanico; e Alvar e Quilis
(1984) sobre as crenças lingüísticas dos cubanos e Quilis (1983) sobre as
atitudes lingüísticas dos equatorianos.
Além desses, pudemos analisar alguns trabalhos levados a efeito por
pesquisadores latino-americanos, naturais dos respectivos países
hispanofônicos, como os de Malanca de Rodriguez et alii, 1981, na Argentina;
Granda, no Paraguai (1981); e Postigo y Díaz, sobre falantes bolivianos na
Argentina (1996).
No Brasil, o primeiro trabalho a que tivemos acesso,119 o de Alves (1979),
trata das atitudes lingüísticas de falantes nordestinos em São Paulo. Depois
deste, houve um hiato de quase 20 anos para o assunto voltar ao centro de
interesse da academia. E, podemos afirmar com segurança, que não nos falta
matéria-prima para trabalhos de alto nível, se levarmos em conta a dimensão
territorial do Brasil; as múltiplas variedades lingüísticas regionais do português
constantemente em luta; as questões de prestígio, rejeição e preconceito
lingüísticos; o problema do bilingüismo e do contato lingüístico em regiões de
fronteira com os países hispanofônicos – Uruguai, Paraguai, Argentina,
Bolívia, Colômbia, Peru, Venezuela e Guianas (estas convivendo com os
falares nativos e as respectivas línguas européias – francês, inglês e flamengo);
e, internamente, em regiões de alta concentração de imigrantes alemães,
poloneses, italianos, japoneses, coreanos, árabes, entre outros; sem esquecer
das centenas de línguas indígenas, faladas por milhares de nativos e mestiços,
que ainda sobrevivem no interior do Brasil.
Dessa forma, os demais trabalhos sobre as atitudes lingüísticas são mais
recentes: Ramos (1998) trata da atitude lingüística de falantes da cidade de João
Pessoa – Paraíba; Bisinoto (2000) analisa a atitude sociolingüística em Cáceres
– Mato Grosso, trabalho ao qual nos reportaremos na análise de nossos dados;
Confortin (2001) discute as atitudes lingüísticas de falantes bilíngües nas
regiões de alta concentração de imigrantes italianos, alemães e poloneses no
interior do Rio Grande do Sul; Barbosa (2002) aborda a questão do não-
sotaque no processo de formação da identidade lingüística dos falantes de
Brasília, capital construída no centro goiano nas décadas de 1950-1960, e
povoada por brasileiros oriundos das mais diversas regiões do país; Mello
(2003) analisa as atitudes lingüísticas de adolescentes americano-brasileiros; e,
finalmente, o já citado trabalho acadêmico de Amâncio (2007), sobre a atitude
lingüística dos falantes na Tríplice Fronteira, ou Cidades Trigêmeas: do lado
brasileiro Barracão, no Paraná, e Dionísio Cerqueira, em Santa Catarina; e do
lado argentino Bernardo de Irigoyen.
Principais conceitos que embasam este trabalho
Para a discussão sobre “quem fala o brasileiro”, ou “que língua se crê falar
no Brasil”, é importante esclarecer os princípios que dão sustentação teórica a
este trabalho. Para isso apresentamos os conceitos adotados pelos principais
especialistas sobre identidade, crenças e atitudes lingüísticas, bem como os
componentes das crenças e seus métodos de estudo, procurando ilustrar,
quando possível, com resultados de pesquisas levadas a efeito tanto na
Espanha, quanto em países hispanofalantes e no Brasil.
O que é identidade e como se manifesta
Para Moreno Fernández (1998, p. 180) identidade é a característica ou o
conjunto de características que permitem diferenciar um grupo de outro, uma
etnia de outra, um povo de outro. A identidade pode ser definida, também,
sob duas formas a) objetiva, ou seja, caracterizando-a pelas instituições
(educacionais, artísticas, políticas, culturais, sociais, religiosas) que a compõem
e pelas pautas culturais (usos, costumes, tradições) que lhe dão personalidade;
ou b) subjetiva antepondo o sentimento de comunidade partilhado por todos os
seus membros e a idéia de diferenciação com respeito aos demais.
A variedade lingüística pode ser interpretada como um traço definidor da
identidade do grupo (etnia, povo) e, desse modo, qualquer atitude em relação
aos grupos com determinada identidade pode, na realidade, ser uma reação às
variedades usadas por esse grupo ou aos indivíduos usuários dessa variedade,
uma vez que as normas e marcas culturais de um grupo se transmitem ou se
sedimentam por meio da língua, atualizada na fala de cada indivíduo.
O que é atitude lingüística e como se manifesta
A atitude lingüística é uma manifestação da atitude social dos indivíduos,
que pode centrar-se e referir-se especificamente tanto à língua como ao uso
que dela se faz na sociedade (MORENO FERNÁNDEZ, 1998, p. 179-180).
Normalmente as atitudes costumam ser a manifestação de preferências e
convenções sociais acerca do status e prestígio de seus usuários e, nesse caso,
são os grupos sociais de mais prestígio social, ou os mais altos na escala
socioeconômica os que ditam a pauta das atitudes lingüísticas das
comunidades de fala.
Ao se referir ao comportamento do falante em relação à própria variedade,
duas atitudes podem ocorrer: a de valorização e a de rejeição. Foi o que
registrou Alves (1979), citado por Amâncio (2007, p. 46-47), sobre as atitudes
lingüísticas de nordestinos que moravam em São Paulo. Observou que os
migrantes nordestinos (baianos e pernambucanos) de nível superior e classe
econômica mais alta (grupo A) avaliavam positivamente o próprio falar, ou
seja, o de seu estado de origem. Em contraposição, os de condições
socioeconômicoculturais mais baixas (grupo B) consideravam o dialeto
paulista “mais bonito, correto e adiantado” que o falar nordestino, e
manifestavam o desejo de falar como o paulista. A atitude destes falantes do
grupo B, de valorização da fala paulista e de rejeição à fala de sua origem,
reforça o conceito de prestígio lingüístico, ou seja, o processo de concessão de estima
e respeito para indivíduos ou grupos que reúnem certas características e que leva à imitação
das condutas e crenças desses indivíduos ou grupos.
Alves conclui que a adoção de uma variedade de prestígio seria, para estes
informantes, uma porta aberta para a ascensão social, ao contrário da
manutenção da variedade de origem, que os remetia sempre a uma realidade
social da qual gostariam de se desligar. A propósito da avaliação que o falante
faz de sua variedade lingüística, são oportunas as palavras de Moreno
Fernández (1998, p. 181):
[...] no siempre se mira lo propio con los mejores ojos porque es possible encontrar, por ejemplo,
que algunos hablantes de variedades minoritarias tienen una actitud negativa hacia su propia lengua,
generalmente cuando esas variedades no les permiten un ascenso social, una mejora económica o
cuando les imposibilitam el movimiento por lugares o círculos diferentes de los suyos. Esto no
significa que no se valore en absoluto la lengua propia o que no se le conceda el más mínimo
aprecio.
Essa assertiva vai ao encontro das conclusões a que chegaram Malanca de
Rodríguez Rojas et al. (1981) na pesquisa feita na cidade de Córdoba
(Argentina) sobre a atitude dos falantes diante da língua espanhola européia e a
variedade do espanhol falada na localidade. As autoras partem de dois
pressupostos: a) o falante argentino já superou a atitude de hispanofobia “[...]
que provocou em nossos românticos a pretensão de uma língua diferente da
peninsular, como manifestação de liberdade cultural”; e b) a realidade histórica
da imigração significa para ele uma nova maneira de ser argentino, do ponto
de vista étnico, e, além disso, uma nova maneira de falar a língua herdada dos
conquistadores, posto que esta não só reflete a acomodação do espanhol a
uma realidade inédita, senão pela pressão das línguas dos imigrantes.
A pesquisa, realizada com informantes de nível culto, permitiu as seguintes
conclusões: a) o falante cordobês opta por um modelo lingüístico: a língua dos
conquistadores, mas não a dos imigrantes espanhóis, que em nenhum caso se
apresenta como ideal; b) os falantes têm clara consciência dos caracteres que
distinguem o espanhol local do espanhol peninsular e reafirmam a necessidade
de fundamentar a unidade idiomática na diversidade, uma vez que acreditam
que Argentina e Espanha são realidades distintas, bem como as regiões do país
também são distintas entre si; e c) o respeito pela tradição idiomática está
ligado ao prestígio da cultura local, mas inibe o falante de assumir como oficial
alguma variedade regional argentina, acreditando que possam ser usadas, mas
não legalizadas como válidas.
Pontos de vista e métodos de estudo das crenças e atitudes
Fasold (1993) indica dois pontos de vista para o estudo das atitudes: a
mentalista e a condutivista. Esta, a condutivista, interpreta a atitude como uma
conduta, uma reação ou resposta a um estímulo, no caso a língua ou a
variedade usada por uma comunidade de fala.
A concepção mentalista, de natureza psico-sociológica, que nos parece ser
a mais aceita pelos pesquisadores, refere-se a uma categoria intermediária entre
um estímulo e uma ação individual e concebe a atitude como um estado
interno do indivíduo, uma disposição mental em relação a condições e fatos
sociolingüísticos concretos. De acordo com Lambert, a atitude se constitui de
três elementos que se situam no mesmo nível: o saber ou crença (componente
cognoscitivo); a valoração (componente afetivo); e a conduta (componente
conativo), o que significa dizer que a atitude lingüística de um individuo é o
resultado da soma de suas crenças, conhecimentos, seus afetos e sua tendência
a comportar-se de una forma determinada diante de uma língua ou de uma
situação sociolingüística.
Gómez Molina (1998, p. 31), no estudo sobre as atitudes lingüísticas na
região metropolitana de Valência – Espanha, discute o papel que cada um
desses componentes representa na manifestação da atitude lingüística do
falante diante da fala do outro:
O componente cognitivo é, provavelmente, o de maior peso específico; nele intervêm os
conhecimentos e pré-julgamentos dos falantes: consciência lingüística, crenças, estereótipos,
expectativas sociais (prestígio, ascensão), grau de bilingüismo, características da personalidade etc.;
este componente conforma, em grande medida, a consciência sociolingüística.
O componente afetivo se baseia nos juízos de valor (estima-ódio) acerca das característica da fala:
variedade dialetal, acento; da associação com traços de identidade; etnicidade, lealdade, valor
simbólico, orgulho; e do sentimento de solidariedade com o grupo a que pertence. Às vezes os
componentes cognoscitivo e afetivo podem não estar em harmonia.
O componente conativo, por sua vez, reflete a intenção de conduta, o plano de ação sob
determinados contextos e circunstâncias. Mostra a tendência a atuar e reagir com seus interlocutores
em diferentes âmbitos ou domínios: rua, casa, escola, loja, trabalho.
Moreno Fernández (1998, p. 184) registra que, para López Morales (1993),
a atitude está dominada por um só componente – o conativo, separando o
conceito de crença do conceito de atitude e colocando-os em níveis diferentes.
As crenças dão lugar a atitudes diferentes; estas, por sua vez, ajudam a
conformar as crenças, junto com os elementos cognoscitivos e afetivos, tendo
em conta que as crenças podem estar baseadas em fatos reais ou podem não
estar motivadas empiricamente.
Considerando que as atitudes estão formadas por comportamentos
(componente conativo), por condutas positivas (de aceitação) ou negativas (de
rejeição), verificamos que podem ilustrar esta concepção as pesquisas
realizadas no Brasil por Bisinoto (2000), sobre as atitudes lingüísticas em
Cáceres, no Mato Grosso, e por Confortin (2001), sobre as atitudes lingüísticas
de falantes bilíngües:
A região de Cáceres, no Mato Grosso, bem como todo o vale do rio
Cuiabá, era (ou ainda é) marcada por um dialeto, conhecido como o cuiabanês,
cujas principais características, do ponto de vista morfossintático, são a não-
marcação do feminino em construções nominais, do tipo, “meu mamãe, o casa
de mamãe está limpo”; e do ponto de vista fonético pela troca dos ditongos
nasais ão por om, ã por ão, como em “coraçom, amanhão”, por coração e
amanhã. A região do Mato Grosso – bem como todo o Centro-Oeste – até
meados do século XX esteve isolada do resto do país e com baixa densidade
demográfica. A partir do início da construção de Brasília e da transferência da
capital federal para Goiás, a região foi “invadida” por sulistas: gaúchos,
catarinenses e paranaenses, em grande parte fazendeiros latifundiários, que se
dedicavam à agricultura e à criação de gado, cujos dialetos fizeram ressaltar as
diferenças lingüísticas até então vigentes na comunidade, e passaram a ser
estigmatizadas, inicialmente pelos migrantes, depois, gradativamente, pelos
próprios falantes nativos.
Bisinoto entrevistou nativos e migrantes distribuídos em dois grupos: um
formado por profissionais de língua portuguesa (professores, jornalistas,
radialistas e advogados) e outro formado por não-profissionais da língua
portuguesa, escolarizados ou não escolarizados. Ao final, constatou que os
informantes, independentemente de serem nativos ou migrantes, profissionais
ou não-profissionais da língua portuguesa, tinham consciência do falar
característico de Cáceres e do desprestígio atribuído a tal variedade, como se
pode verificar nas conclusões de Bisinoto (2000, p. 103 apud AMÂNCIO,
2007, p. 47):
[...] a variedade lingüística local é estigmatizada socialmente e as formas lingüísticas estereotipadas
evidenciam o enfraquecimento e prenunciam um possível desaparecimento do falar nativo.
Entretanto, vale relembrar que a estigmatização da linguagem não é uma prática unilateral como se
suspeitava, ou seja, não se restringe às atitudes preconceituosas dos imigrantes. Ela é patente na
auto-rejeição do nativo que, quando nega a sua origem, recusa-se a admitir as diferenças,
envergonha-se de seu falar. O nativo internaliza (ou dissimula perante o ouvinte) o estigma
manifestado pelo imigrante, reproduzindo-o. O que difere essencialmente essas atitudes é a sua
motivação. As razões que induzem o comportamento e as reações do imigrante são muito diversas
das que orientam os interesses e a conduta dos nativos.
Confortin (2001) faz um trabalho diferente: analisa as atitudes lingüísticas
de falantes bilíngües (de português e italiano, português e alemão e português e
polonês), provenientes de micro comunidades no Rio Grande do Sul formadas
por imigrantes italianos, alemães e poloneses. Ao final, Confortin identificou
três atitudes diversas com relação aos pares de línguas e culturas contrapostas:
a) atitude de apego à língua materna, um sentimento de orgulho por tudo o
que se relaciona à etnia, sem que isso signifique uma rejeição à cultura
brasileira; b) atitude de adoção, sem restrições, da cultura e da língua brasileira,
atitude esta que parece vir acompanhada de um sentimento de inferioridade
pela cultura materna, que se manifesta em atitudes como não querer falar a
língua materna e disfarçar a própria identidade étnico-cultural; e c) atitude
direcionada a conservar o que pode dos valores da cultura materna, ao mesmo
tempo que cultua a língua e a cultura brasileiras (2001, p. 130).
A autora acrescenta que
Além da identificação dessas atitudes e apesar da heterogeneidade dos informantes, foram
identificadas atitudes constantes em todos os bilíngües quanto aos dois sistemas lingüísticos:
lealdade à língua e à cultura maternas manifestadas no desejo de que a língua de cada etnia seja
ensinada nas escolas como disciplina obrigatória e de que sejam incentivadas e divulgadas atividades
que visem a resgatar e tornar conhecidos aspectos relativos à cultura étnica do italiano, do alemão e
do polonês. (2001, p. 131)
Ambos os estudos demonstram com seus resultados que a atitude
lingüística desses falantes – seja o migrante gaúcho em terra cacerense, ou o
descendente de imigrantes europeus analisando a fala familiar – está alicerçada
no tripé dos componentes cognoscitivo, afetivo e conativo.
Quanto aos métodos de estudo das atitudes, os mentalistas recorrem a dois
grupos: diretos e indiretos. As medições diretas são praticadas sobre materiais
recolhidos por meio de questionários ou entrevistas. Os questionários podem
ter uma estrutura aberta (o informante emite a resposta que crê mais adequada)
ou fechada (oferecem-se ao informante possibilidades limitadas de respostas).
As medições indiretas se aplicam sem que o informante tenha consciência
de qual é o objeto de interesse (a atitude). Entre as medições indiretas a mais
utilizada tem sido a matched guise proposta por Wallace Lambert, nos anos 1960,
denominada em espanhol técnica de pares ocultos, das máscaras ou dos pares falsos.
Em sua origem, são entrevistados falantes bilíngües dominadores das línguas
que se deseja investigar. Esses bilíngües lêem um mesmo texto em cada uma
das línguas estudadas, e as leituras são gravadas numa fita, alternadamente, de
tal forma que pareça que cada texto foi emitido por um falante diferente: os
ouvintes podem chegar a pensar que ouviram o dobro de vozes, de pessoas,
das que realmente participaram do experimento. Os ouvintes bilíngües depois
de ouvir os textos devem apontar várias características dos falantes, não da
língua, traços como a simpatia, a inteligência, a decisão, o atrativo, a origem
social. Para recolher essas pontuações se utilizam escalas – escalas de
diferencial semântico – em cujos extremos se situam os pólos opostos de uma
determinada característica (simpático – antipático) (p. 187).
FALAMOS A LÍNGUA PORTUGUESA OU FALAMOS A LÍNGUA
BRASILEIRA?
A questão da denominação da língua oficial falada no Brasil tem sido alvo
de polêmica desde o século XIX quando se iniciaram os primeiros
movimentos pela independência política de nosso país, até então sob o
domínio português. Políticos, romancistas, poetas, historiadores e lingüistas,
cada qual em sua tribuna, se alternavam nas discussões e na defesa da
existência de uma língua essencialmente brasileira.
Melo (1971) e Houaiss120 (1975) dedicaram-se a retomar o problema e
colocar a questão no seu devido lugar: falamos o português numa variante
brasileira, que é a soma das variantes regionais, concretizadas no léxico, na
fonética, na morfossintaxe e na prosódia.
Parece-nos que, assim como nossos vizinhos argentinos já venceram a fase
da hispanofobia, nós, os brasileiros, vencemos a da lusofobia. No entanto,
puristas de plantão, vez ou outra, procuram reavivar a luta por uma língua sem
“máculas”, sem a contaminação de galicismos (CASTRO LOPES, 1935),
anglicismos (REBELO, 2002),121 e, quem sabe, daqui a pouco de arabismos ou
de sinoismos (é este o nome que se dará à influência chinesa sobre a língua do
Brasil?).
Um problema que demandou muita saliva, tinta e papel ao longo de 200
anos, sensibilizou o grande público? É o que vamos observar na fala de nossos
informantes.
ASPECTOS METODOLÓGICOS
Como já expusemos, o corpus se constitui das respostas dadas à Questão nº
1, destacada da seção Perguntas Metalingüísticas dos Questionários do ALiB
(Comitê Nacional: 2001) pelos informantes de 25 capitais,122 assim distribuídas:
da Região Norte, seis capitais – Macapá (ponto 002), Rio Branco (ponto 003),
Manaus (ponto 006), Belém (ponto 012), Rio Branco (ponto 020) e Rondônia
(ponto 021); da Região Nordeste, nove capitais – São Luís (ponto 026),
Teresina (ponto 034), Fortaleza (ponto 041), Natal (ponto 053), João Pessoa
(ponto 061), Recife (ponto 070), Maceió (ponto 077), Aracaju (ponto 079) e
Salvador (ponto 093); da Região Centro-Oeste, três capitais – Cuiabá (ponto
108), Campo Grande (ponto 115) e Goiânia (ponto 123); da Região Sudeste,
quatro capitais – Belo Horizonte (ponto 138), São Paulo (ponto 179), Vitória
(ponto 190) e Rio de Janeiro (ponto 202); e, finalmente, da Região Sul, três
capitais – Curitiba (ponto 220), Florianópolis (ponto 230) e Porto Alegre
(ponto 243).
Trata-se de uma pesquisa obtida por meios diretos, mediante a gravação
em áudio de questionário de estrutura aberta em que o informante pôde emitir
a resposta que acreditava a mais adequada. Para a avaliação das crenças e
atitudes constam apenas as seis questões na seção Questões metalingüísticas,
inseridas no final da entrevista, depois que o informante respondeu a exatas
429 questões.123
O universo dos informantes124 das capitais constitui-se, pois, de 200
brasileiros, nascidos e radicados nas respectivas localidades pesquisadas, sendo
100 homens e 100 mulheres, dos quais, 100 têm curso superior completo e 100
freqüentaram apenas o fundamental (completo ou incompleto), 100 estão na
faixa dos mais jovens, isto é, entre 18 e 30 anos e os outros 100 estão na faixa
dos 50 a 65 anos. O quadro abaixo permite a visualização do universo dos
informantes:
Quadro 1 – Universo dos informantes
Fundamental Superior
Variáveis externas Total
18-30 50-65 18-30 50-65
Homens 25 25 25 25 100
Mulheres 25 25 25 25 100
Total 100 100 200
Recolha do material
A coleta de dados foi realizada pela equipe de investigadores especialmente
preparada para tal, sob a supervisão de cada um dos diretores científicos.125 As
perguntas metalingüísticas, embora não aprofundem, em sua totalidade,
questões de crenças e atitudes, tal como se espera de pesquisas especialmente
desenhadas para este fim, permitem uma visão geral da avaliação que os
falantes brasileiros fazem da própria língua e da língua falada pelo outro.
A análise que fizemos baseou-se, inicialmente, na entrevista em áudio e,
posteriormente, para facilitar a análise, buscou-se a transcrição de cada uma
delas.
ANÁLISE DESCRITIVA
Nossa análise compreende duas partes: a dos que acreditam falar a língua
portuguesa e a dos que usam outra terminologia.
Minha língua é o português
As respostas dadas a essa questão demonstram que a maioria absoluta
(92%) acredita falar a língua portuguesa, seja por lhes terem ensinado na
escola, seja por nunca terem questionado a denominação e origem dela.
Vejamos alguns comentários, extraídos do corpus:
1 - A língua que eu falo? Essa língua que eu falo... essa nossa aqui é português, né? É só o português
mesmo que é a nossa (002/3).
2 - A língua? Bom, eu aprendi que essa língua que a gente fala é a língua portuguesa, acho... (003/2)
Alguns tinham dúvida se falavam ou não o português, como se pode
observar pela devolução da pergunta ao inquiridor, ou pela exposição dessa
dúvida. Geralmente são os informantes mais idosos e com menor escolaridade
que manifestam essa atitude:
3- Nosso idioma não é purtuguês? (012/4).
4- Eu falo portuguêis, penso que falo portuguêis.(risos). (053/3).
5- Chiii... a minha deve sê portuguesa, né (179/3).
Informantes mais jovens de baixa escolaridade mantinham uma atitude de
neutralidade, ora imputando a outros, de forma indeterminada, a denominação
da língua que falam, ora duvidando se a sua fala poderia ser encaixada naquilo
que a escola denomina de língua portuguesa, devido à distância que sente entre
o que via/ouvia na escola e o que avalia em sua comunicação:
6- Diz que é o português, né? (093/1).
7- Portuguesa.. Acho que é portuguesa. Num é muito clara, mais é... (rindo) embaraçoso (179/1).
Outros demonstraram alguma dificuldade para encontrar um nome para a
própria língua, como se pode observar na fala do senhor de Rio Branco, da
segunda faixa etária, que freqüentou apenas alguns anos de escola:
8- A minha língua? Como é que dá o nome… é o português mesmo (020/3).
A vacilação pode-se dar também pelo inusitado da pergunta que aparece
depois de quase três horas de questionamentos, depois de o informante ter
respondido a mais de 300 questões sobre a língua, mesmo que não lhe tenham
deixado claro o objetivo da entrevista. Vejamos os diálogos entre a inquiridora
(INQ) e dois informantes (INF) idosos, um homem e uma mulher, ambos de
baixa escolaridade, de duas capitais da Região Nordeste:
9- INQ – Como chama a língua que o senhor fala?
INF – ((silêncio))
INQ – A língua que o senhor fala. Não sabe como é que se chama? O senhor sabe!
AUX – Eu sou professora de quê?
INF – De ingrês (risos). A minha língua é... (pausa)
INQ – O senhor fala inglês?
INF – Português (061/3).
10- INF. – Nossa língua?
INQ. – Sim.
INF. – A nossa língua? Que nós estamos falando aqui? Num é portuguesa, não? (079/4).
Em outros momentos, o informante reflete sobre a língua falada ideal e a
da norma que está ao seu redor, demonstrando uma preocupação com o falar
correto, ideal que reconhece como inatingível. Busca também uma causa para
esse estado “deturpado” da língua, atribuindo-o à influência dos grupos de
imigrantes procedentes do mundo inteiro. Não se trata de informante jovem
ou com alto nível de escolaridade, é uma dona de casa com mais de 60 anos
que revela uma consciência lingüística bastante afinada, sensível às variações
lingüísticas que estão ao seu redor.
11- É a portuguesa, né? que o português ninguém sabe falá... a verdade é essa, aí muntcha gente fala
... a gente diz vasculhante, mas num é vasculhante... o nome é basculhante... né? qué dizê que o
português ninguém sabe falá. (É porque há) otras língua que o pessoal fala muntcho aqui no Brasil,
purque o Brasil é que tem todo o pessoal de fora, né? Purque todo país tem aqui no Brasil
(077/4).126
Ao lado da crença sobre a língua falada (o português), observou-se,
também, num informante jovem de baixa escolaridade, neto de indígenas, a
atitude de avaliação negativa, de rejeição mesmo à fala de seus ancestrais. A
resposta foi colhida ocasionalmente pela inquiridora, porque o questionário
não prevê indagações sobre a língua dos antepassados. Conhecedora da
significativa presença de indígenas e mestiços na sociedade roraimense, a
entrevistadora indaga do jovem mestiço se aprendeu a língua dos wapichana.127
A reposta foi dada prontamente: “Não. Esse “wapichana”.... esse negócio aí
não é pra mim, não (003/1).”
Esta primeira parte da análise das respostas deixa evidente que a escola é
um agente muito forte na propagação da língua oficial e de cultura e,
conseqüentemente, na sedimentação da crença de seus usuários. Por outro
lado, a ausência de escolaridade ou o pouco tempo de permanência nos
bancos escolares podem gerar a indecisão e a incerteza, pois, como vimos, os
que demonstraram qualquer oscilação ou dúvida no momento de explicitar a
língua que fala – 11 no total, pertencem ao grupo dos menos escolarizados:
002/3, 003/2, 012/4, 020/3, 053/3, 061/3, 077/4, 079/4, 093/1, 179/1 e
179/3. Outro indício interessante é que, entre esses 11 informantes, quatro são
da Região Norte e cinco da Região Nordeste, na qual se registram os maiores
índices de analfabetismo e, apenas dois são da Região Sudeste. A maior
incerteza, ou vacilação, foi manifestada pelos idosos (8) – que estão afastados
da escola há muitos anos, quiçá quatro ou cinco décadas, portanto, estão
pouco familiarizados com o jargão escolar (aulas de português, curso de
Língua Portuguesa) – e pelos homens (7). Este número, embora pareça
inexpressivo, traz um indício sobre as diferenças entre os papéis feminino e
masculino, corroborando pressupostos teóricos levantados por Labov (2006,
p. 488-489):
Pero en todos los otros casos revisados aquí, son las mujeres quienes son los agentes activos de la
diferenciación sexual. Como innovadoras de la mayor parte de los cambios lingüísticos, crean
espontáneamente las diferencias entre ellas mismas y los hombres. Al adoptar nuevos rasgos
prestigiosos más rapidamente que los hombres, y al reaccionar más marcadamente contra el uso de
formas estigmatizadas, las mujeres son de nuevo las agentes de difereciación principales,
respondiendo más rapidamente que los hombres a los cambios en el estatus social de las variables
lingüísticas.
O CORPUS ANALISADO
Trabalhamos com um corpus constituído de três gêneros jornalísticos: a
crônica, a notícia e o artigo de opinião. Foram analisados cerca de 30 textos de cada
gênero e foram levantados todos os referentes com duas ou mais menções.131
Com relação ao conceito de gênero, é preciso que se distinga esta noção das
noções de domínio discursivo e de tipo de texto. Quando se fala em discurso
jornalístico, o que se tem em mente é uma atividade, não definidora de um
gênero, mas desencadeadora de vários gêneros, tal como outras atividades: a
jurídica, a acadêmica, etc. Trata-se, portanto, de uma esfera de produção
discursiva – um domínio discursivo (MARCUSCHI, 2002).
Já crônicas, notícias, artigos de opinião, são gêneros, entendidos como
atualizações, em diferentes situações concretas de uso, de estruturas
disponíveis na língua, com propósitos específicos (PAREDES SILVA, 1997).
Ou, no dizer de Bakthin, “tipos relativamente estáveis de enunciados”. Os
gêneros, por sua vez, são compostos por estruturas lingüísticas, seqüências ou
segmentos textuais identificáveis por traços lingüísticos – os tipos de textos –
que, diferentemente dos gêneros, não passam de um conjunto limitado, cujos
componentes podem variar conforme o autor: narrativo, descritivo,
argumentativo, expositivo, injuntivo, dissertativo.
Vale a pena determo-nos um pouco nessas diferenças, porque serão
relevantes no correr de nossa argumentação. Assim, a crônica atual é
apresentada como um texto leve, rápido, para consumo. É um texto auto-
referente, em primeira pessoa e procura representar um momento mais
descontraído para o leitor, em meio à turbulência do noticiário. Cinco cronistas
semanais do jornal O Globo estão neste subconjunto.132 Na seleção das
crônicas, foram privilegiados textos que apresentassem uma temática do
cotidiano e a predominância, embora não exclusividade, de seqüências
narrativas.
Com o objetivo de evitar a heterogeneidade no que se refere ao gênero
notícias, nos restringimos às noticias da cidade, excluindo-se o noticiário político,
econômico, esportivo etc. Os jornais consultados foram: O Dia, Extra, Jornal do
Brasil, O Globo.
Quanto aos artigos de opinião, foram extraídos da página de Opinião dos
jornais, mas apenas de O Globo e do Jornal do Brasil, uma vez que os chamados
jornais mais populares não têm artigos de opinião do mesmo teor.133 Podem
ser escritos por jornalistas com colunas fixas, regulares (Villas-Boas Correa,
Dora Kramer etc.) ou por colaboradores eventuais, especialistas das áreas em
que escrevem (políticos, filósofos, engenheiros, professores etc.).
A ANÁLISE
Todos esses textos foram submetidos a tratamento estatístico, utilizando-se
o pacote de programas VARBRUL para análise da variação, e trabalhando-se
basicamente com o mesmo conjunto de variáveis lingüísticas. O ponto de
partida foi a alternância entre as retomadas de um referente por nome,
pronome ou anáfora zero.
Assim, a questão da continuidade tópica ou referencial foi aferida através
dos parâmetros de Givón (1983), codificados como variáveis lingüísticas
(distância, persistência, interferência/ambigüidade). Neste artigo, porém,
interessa-me o fator distância, já que este foi o primeiro grupo de fatores
selecionado pelo programa VARBRUL, o que significa que ele foi considerado
o mais relevante para a escolha entre nome e pronome, nos três gêneros
analisados. A distância referencial foi medida mediante o número de orações em
que se deu a última menção do referente (uma contagem à esquerda,
portanto). A Tabela 1 abaixo apresenta os resultados, em pesos relativos, da
influência desse fator para a preferência por nome vs. pronome nos três
gêneros investigados:
Tabela 1 – Efeito da distância referencial na retomada nominal (vs.
pronominal)
Distância Crônicas Notícias Art. opinião
0 (mesma oração) .18 .07 .02
Oração anterior .23 .15 .14
2 orações .38 .34 .30
3 orações .59 .45 .38
4 orações .69 .69 .30
5 orações .62 .70 .65
6 orações .74 .82 .40
7 ou + orações .86 .81 .87
PARA CONCLUIR
Em suma, a análise de diferentes gêneros jornalísticos ajuda a desfazer o
mito da “pobreza lingüística“ associada ao uso da repetição na modalidade
escrita. Se, por um lado, vimos ser ainda verdade que há restrições à repetição
sucessiva quando é possível lançar mão de outros recursos (sinônimos,
apelidos, títulos, cargos etc.) na expressão de um referente, como nos gêneros
notícias e crônicas, por outro lado ela detém uma função importante como
estratégia organizadora e estruturadora do tema do texto, particularmente no
gênero artigo de opinião. Nesse caso, como o que está em jogo são especialmente
idéias, e não personagens, a reiteração de um termo/uma expressão tem papel
coesivo e traz contribuições para a construção do significado e para a clareza
do texto. Desse modo, a repetição pode, enfim, mostrar sua face positiva na
escrita.
REFERÊNCIAS
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University of Texas Press, 1986.
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Amsterdam: John Benjamins, 1983.
GOMES, C.A. Aquisição e perda de preposição no português do Brasil. Tese
(Doutorado em Lingüística)–Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de
Janeiro, 1996.
HILGERT, José Gaston. As paráfrases na construção do texto falado: o caso
das paráfrases em relação paradigmática com suas matrizes. In: KOCH, I. G.
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NOTAS
1 Note-se que a primeira menção, que introduz o referente no discurso, ou uma menção única não são
computadas em nossa análise. Trabalhamos da segunda menção em diante, por isso estou usando
também o termo retomada.
2 São eles: Artur Xexéo, Artur Dapieve, Joaquim Ferreira dos Santos, Cora Ronai e Zuenir Ventura.
3 Esses jornais chamam de Opinião artigos exclusivamente sobre futebol, como é o caso do Extra.
4 Diferenças de menos de 10 não são consideradas relevantes.
5 Note-se que o modificado inclui a possibilidade de retomada por pronome.
PARTE 3
História
A questão da constituição histórica do português
brasileiro: revendo razões136
Uma primeira avaliação global parece indicar que aqueles que pregaram e,
através da imigração, quiseram promover o branqueamento do Brasil, tiveram
sucesso na sua empreitada, ao menos quantitativamente. Todavia, se se
observar a distribuição étnica no espaço territorial do país, tem-se uma outra
leitura. Veja-se a Figura 1, a seguir:
Figura 1 – Etnias em distribuição geográfica no Brasil
Fonte: IBGE, (2006)