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Tuxped Serviços Editoriais (São Paulo - SP)

C289l Carneiro, Bruno Gonçalves; Coura, Felipe de Almeida; Sousa, Aline Nunes de (org.).
Língua Brasileira de Sinais: Linguística Aplicada, Educação e Descrição Linguística/
Organizadores: Bruno Gonçalves Carneiro, Felipe de Almeida Coura e Aline Nunes de
Sousa; Prefácio de Sandra Patrícia de Faria do Nascimento.
1. ed. – Campinas, SP : Pontes Editores, 2023; figs.; quadros; fotografias.

Inclui bibliografia.
ISBN: 978-65-5637-898-5 – Ebook

1. Educação Inclusiva. 2. Ensino de Línguas. 3. Libras. 4. Surdez.


I. Título. II. Assunto. III. Organizadores.

Bibliotecário Pedro Anizio Gomes CRB-8/8846

Índices para catálogo sistemático:

1. Métodos de ensino, instrução e estudo. 371.3


2. Linguagem, Línguas – Estudo e ensino. 418.007
3. Outras linguagens que não as escritas e faladas – Linguagem de sinais. 419
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Editoração: Eckel Wayne
Capa: Acessa Design
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submetidos à avaliação e à revisão por pares e pelo Comitê Científico.

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SUMÁRIO

PREFÁCIO....................................................................................................... 7

APRESENTAÇÃO ............................................................................................ 19

PARTE I - Linguística Aplicada e Educação de Surdos

CURRÍCULO NA EDUCAÇÃO DE SURDOS: MEMÓRIAS E PERSPECTIVAS .... 22


Sônia Marta de Oliveira

GÊNEROS DISCURSIVOS AUTÊNTICOS PARA O ENSINO REFLEXIVO DE LIBRAS... 43


Rodrigo Augusto Ferreira
Carlos Roberto Ludwig
Gabriela Otaviani Barbosa

SIGNWRITING NA APRENDIZAGEM DO PORTUGUÊS ESCRITO: POR UMA


ABORDAGEM BILÍNGUE PARA SURDOS........................................................ 76
Daniele Miki Fujikawa Bózoli
Marianne Rossi Stumpf

A FORMAÇÃO ATUANTE DE MONITORES CODOCENTES DE INGLÊS EM


UM CURSO DE EXTENSÃO DE LÍNGUA ESTRANGEIRA PARA SURDOS ....... 102
Aline Nunes de Sousa
Igor Valdeci Ramos da Silva
Karolyne Quarti
Nicole da Cruz Rabello

O ENSINO DE LIBRAS PARA CRIANÇAS OUVINTES NO CONTEXTO DA EDUCAÇÃO


INFANTIL: REFLEXÕES A PARTIR DE UMA PESQUISA-AÇÃO....................... 142
Danielle Vanessa Costa Sousa

PERSPECTIVAS SURDAS NA EDUCAÇÃO SUPERIOR: REPENSANDO POLÍTICAS


LINGUÍSTICAS NA ATUALIDADE................................................................... 162
Felipe de Almeida Coura
PARTE II - Descrição linguística da Libras

ESTUDO TRANSLINGUÍSTICO DA ICONICIDADE LEXICAL POR MEIO DA ANÁLISE


DE SINAIS QUE DESIGNAM CORES............................................................... 195
Katherine Fischer
André Nogueira Xavier

CODE-SWITCHING ENTRE A LIBRAS E A LÍNGUA DE SINAIS VENEZUELANA


(LSV): UMA ANÁLISE TIPOLÓGICA............................................................... 229
Rodrigo Mesquita
Alessandra Cruz

O SISTEMA DE POSSE E O APAGAMENTO DO AGENTE NA LIBRAS............. 250


José Ishac Brandão El Khouri

CONJUNÇÃO IRREALIS NA LIBRAS: ACENO DE CABEÇA + MOUTHING JÁ ..... 274


Thamara Cristina Santos
Mônica Veloso Borges

SINGULAR, PLURAL E DUAL NA LIBRAS....................................................... 297


Melissa Maynara dos Passos Leal
Bruno Gonçalves Carneiro

GESTO, SINAL OU CLASSIFICADOR?: REFLEXÕES SOBRE O PROCESSO DE


LEXICALIZAÇÃO NA LIBRAS.......................................................................... 318
Bruno Gonçalves Carneiro

SOBRE OS AUTORES.................................................................................. 349


LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

PREFÁCIO

A obra LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS: Linguística Aplicada,


Educação e Descrição Linguística, organizada por Bruno Gonçalves
Carneiro, Felipe de Almeida Coura e Aline Nunes de Sousa emerge
na diversidade, constituída por temas que abordam, principalmente,
os surdos, sua educação e sua língua.
Convidada a desenhar o perfil da obra neste prefácio, percebi,
desde o primeiro momento, o esmero com que cada um dos autores
se dedicou à tarefa de desenhar, com palavras, estudos que trazem
reflexões relevantes ao estado da arte das pesquisas sobre as línguas
de sinais e sobre a educação de surdos no Brasil. Para mim foi uma
grande honra poder dedicar-me à leitura atenta de cada linha dos
textos; comportei-me como numa avant-première de um grande
evento.
Um trabalho científico, por mais que esteja isento de emoções,
reflete as descobertas e possíveis “crises” sobre como abordar e ana-
lisar o tema, seja sob a pressão dos prazos, seja por outros motivos.
Assim, voltando ao esmero deste trabalho, a palavra carinho toma
assento neste contexto, como resgate que permeia os bastidores
da composição de uma obra científica. E por que não falar sobre
esse sentimento? Chegar à etapa final de uma obra envolve muitas
tribulações, mas para não “perder a doçura” não podemos olvidar
os muitos carinhos imbricados nesse processo.

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LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

Precisamos nos lembrar daqueles que nos brindaram com


reflexões que nos levam a viajar pela ciência das palavras, cons-
truindo novas teorias com elas. Lidamos com as emoções dos que
idealizaram a obra, dos que elegeram seus autores, dos que a escre-
veram, dos que harmonizaram seus capítulos, com o rigor teórico,
metodológico, didático, reflexivo e analítico que uma obra desta
natureza merece.
A primeira parte da obra, que trata da Linguística Aplicada e
da Educação de Surdos, abre o debate, no capítulo 1, intitulado
“CURRÍCULO NA EDUCAÇÃO DE SURDOS: MEMÓRIAS E PERSPEC-
TIVAS”. Neste capítulo, Sônia Marta de Oliveira aponta ingerências
na construção do currículo da educação de surdos, enquanto resgata
a forma como esse currículo se constituiu ao longo dos anos.
A autora aponta a busca incessante pela normalização dos
surdos com a oferta curricular de disciplinas que priorizam o trei-
namento da fala (oral), e revela um hiato entre o que é proposto e
o que é executado pedagogicamente pelas políticas públicas edu-
cacionais para a permanência dos estudantes surdos nas escolas.
Sônia questiona a perpetuação de currículos que desconside-
ram a especificidade linguística e cultural dos surdos e se reduzem
a um único modelo para todos, apenas adaptado, a exemplo de
Salamanca.
Ao concluir, a autora destaca as conquistas históricas dos Mo-
vimentos Surdos por uma educação que priorize a língua de sinais
como língua de ensino e de aprendizagem escolar e instiga o leitor
a conceber o currículo na diferença, sob o ponto de vista de uma
pedagogia visual que assegure a compreensão dos conteúdos e a
formação dos surdos como sujeitos políticos.
No capítulo 2, intitulado “GÊNEROS DISCURSIVOS AUTÊN-
TICOS PARA O ENSINO REFLEXIVO DE LIBRAS”, Rodrigo Augusto
Ferreira, Carlos Roberto Ludwig e Gabriela Otaviani Barbosa, a partir

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LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

de um estudo de caso, observaram relatos de experiências de pro-


fessores de Libras em formação, para averiguar o entendimento que
tinham acerca da compreensão visual sinalizada, com o intuito de
verificar se os docentes, no ensino de Libras, empregam estratégias
de compreensão e explicação de gêneros discursivos considerados
autênticos.
E, a partir de uma abordagem de gêneros discursivos, adaptada
da proposta de Richter (2005) e sob a proposta de sequência didática
de Dolz, Noverraz, Schneuwly (2004), os autores apresentam uma
proposta de estratégias de compreensão visual (pré-compreensão,
compreensão e pós-
-compreensão) da leitura e produção visual / sinalizada de Gê-
neros Discursivos em Libras, baseada em vídeo-registros produzidos
por alunos surdos e ouvintes, em um curso superior de formação de
professores surdos, formados ou em formação.
Com vistas ao desenvolvimento do letramento crítico no ensino
de Libras, de forma que os estudantes desenvolvam competências
e habilidades em vários conteúdos e gêneros discursivos, sob o
enfoque comunicativo, os autores propõem que o ensino de Libras
transcenda o ensino de gramática e de questões teóricas da língua
e da educação de surdos, normalmente propostas nos PPCs dos
cursos que ofertam a disciplina de Libras.
No capítulo 3, intitulado “SIGNWRITING NA APRENDIZAGEM
DO PORTUGUÊS ESCRITO: POR UMA ABORDAGEM BILÍNGUE
PARA SURDOS”, Daniele Miki Fujikawa Bózoli e Marianne Rossi
Stumpf defendem a escrita de sinais como direito linguístico e
acreditam que, sob os princípios da abordagem bilíngue, com
práticas pedagógicas que empregam o SignWriting, seja possível
potencializar a aprendizagem dos estudantes surdos com o desen-
volvimento da competência comunicativa em língua de sinais e em
português escrito, em diferentes contextos de interação, posto haver

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LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

evidências na compreensão de textos em português, sob o Ensino


Comunicativo de Línguas (ECL).
Sob essa perspectiva, as autoras propõem que, num primeiro
momento, a língua de sinais e o SignWriting sejam ofertados simul-
taneamente às crianças surdas matriculadas em escola bilíngue de
surdos. Em um segundo momento, sugerem a tradução de SignWri-
ting para português, e vice-versa, como estratégia facilitadora da
construção de sentidos em textos, especialmente quando há uma
correspondência entre as duas línguas. Além disso, reforçam que
a construção de hipóteses favorece o desenvolvimento cognitivo e
garante o letramento, tanto em língua de sinais, quanto em por-
tuguês escrito.
No capítulo 4, sob o título “A FORMAÇÃO ATUANTE DE MO-
NITORES CODOCENTES DE INGLÊS EM UM CURSO DE EXTENSÃO
DE LÍNGUA ESTRANGEIRA PARA SURDOS”, Aline Nunes de Sou-
sa, Igor Valdeci Ramos da Silva, Karolyne Quarti e Nicole da Cruz
Rabello compartilham reflexões que tomaram como base relatos
de experiência de monitores-pesquisadores em formação – surdos
vinculados ao curso de Letras-Libras e ouvintes vinculados ao curso
de Letras-Inglês –, que atuaram como codocentes em projeto de
extensão para o ensino da tríade Libras-Português-Inglês, tangen-
ciando comunidades indígenas que sinalizam outras línguas de
sinais, entre as quais línguas de sinais emergentes.
A formação teve entre seus objetivos: (i) levar os monitores à
aquisição de conhecimentos práticos e teóricos sobre o ensino de
inglês escrito para surdos; (ii) aprimorar sua fluência em Libras; e
(iii) investigar sua própria prática de sala de aula.
O projeto de extensão ocorreu num processo sociointerativo,
guiado por uma abordagem comunicativa, em contexto de educação
bilíngue de surdos, sob perspectiva plurilíngue e com ações peda-
gógicas em uma perspectiva visual-espacial, aliada a um currículo

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LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

que trata de aspectos específicos da Libras – entendida como língua


de ensino, língua de acesso a todos os conteúdos escolares e com
a qual se desencadeia o processo de aprendizagem dos estudantes
surdos – e do português escrito – investido de um papel específico
de segunda língua –, ensinado numa perspectiva contrastiva com
a língua de sinais.
No capítulo 5, “O ENSINO DE LIBRAS PARA CRIANÇAS OU-
VINTES NO CONTEXTO DA EDUCAÇÃO INFANTIL: REFLEXÕES A
PARTIR DE UMA PESQUISA-AÇÃO”, Danielle Vanessa Costa Sousa
descreve o projeto de extensão denominado “Libras na Creche”, di-
recionado a crianças ouvintes na Educação Infantil, no qual a autora
desenvolveu uma pesquisa-ação em perspectiva socioantropológica
da surdez com o objetivo de promover um ambiente inclusivo para
as pessoas surdas, por meio da realização de atividades lúdicas, em
Libras, planejadas com ideias do método Resposta Física Total e role
play, iconicidade (TAUB, 2001) e arbitrariedade (KLIMA; BELLUGI,
1979), métodos que usam ações corporais que ajudam a trazer con-
texto e significação para a compreensão da Libras.
Este estudo enfatiza os ganhos afetivos, sociais e linguísticos
tanto para as crianças surdas, quanto para as ouvintes, no ensino de
Libras como língua adicional. Uma narrativa contada em Libras, com
o emprego de estratégias comunicativas, tornou-se mais compreen-
sível e mais próxima do universo das crianças ouvintes do grupo, as
quais, em interação com essa narrativa em Libras, imitaram sinais
e palavras do português, compararam os personagens; e repetiram
falas e gestos descritivos mais familiares ao público ouvinte, tendo
como objetivo mudar a perspectiva tradicional sobre as pessoas
surdas, ou seja, dos ouvidos para a visão.
O capítulo 6, “PERSPECTIVAS SURDAS NA EDUCAÇÃO SUPE-
RIOR: REPENSANDO POLÍTICAS LINGUÍSTICAS NA ATUALIDADE”,
escrito por Felipe de Almeida Coura, analisa as políticas linguísti-

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LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

cas relacionadas aos surdos na Universidade Federal do Tocantins


(UFT). Parte das experiências dos surdos na UFT para refletir sobre
o encontro surdo-surdo no Curso Letras-Libras no campus de Porto
Nacional, onde a comunidade surda tem um número representativo
e a valorização da Libras ocorre em todo o processo educacional:
nas aulas e nas interações entre professores e alunos da graduação
e da pós-graduação, o que deixa todos animados com a ideia de
haver um espaço no qual a língua de sinais seja valorizada, ao lado
do desafio de lidar com a língua portuguesa.
O autor destaca os avanços institucionais com a Política de
Acessibilidade e Educação Inclusiva, em processo de definição
na UFT, com previsão de ações afirmativas nos Programas de
Pós-graduação e a consolidação da língua de sinais em favor da
política do Inventário Nacional da Diversidade Linguística do
Brasil. Destaca ainda o esforço da Política Linguística da UFT para
a internacionalização da Universidade, abrindo portas para outras
línguas, como a Libras, as línguas indígenas e o português como
segunda língua, e garante a criação de programas e projetos que
visem à promoção da Libras na Universidade e o acesso da co-
munidade surda a outras línguas, incluindo também o português
como língua adicional.
Em síntese, o capítulo problematiza a língua como um meca-
nismo de controle social das elites dominantes e busca uma opção
decolonial no movimento surdo com suas reivindicações ao longo
de décadas, e que, em sua diversidade, precisa ser incansável em
suas reivindicações, na expectativa de que os próximos anos sejam
ainda mais promissores. Segue a essa reflexão, a importância de
os surdos deixarem o lugar de “colonizado” e assumirem posturas
mais empoderadas e decisórias, significando mais do que ações de
resistência, questionamentos de ideologias carregadas de políticas
linguísticas “invisíveis”, há anos impostas.

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LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

Sucede a esse capítulo, a segunda parte da obra, que trata acer-


ca da descrição linguística da Libras. Essa descrição tem início no
capítulo 7, intitulado “ESTUDO TRANSLINGUÍSTICO DA ICONICI-
DADE LEXICAL POR MEIO DA ANÁLISE DE SINAIS QUE DESIGNAM
CORES”, escrito por Katherine Fisher e André Nogueira Xavier. Os
autores investigaram a iconicidade lexical presente em sinais que
designam cores, a partir de um estudo comparativo entre sinais
de cores em Libras e sinais de cores em outras línguas de sinais,
com o objetivo de categorizar os termos para cores como nativos
ou empréstimos, classificando os termos nativos em relação à sua
iconicidade, e determinando o perfil tipológico das línguas de sinais
da amostra, em relação aos termos de cores, com destaque à Libras.
Das 39 línguas catalogadas no site do Spread the Sign, foram
selecionados 413 sinais de cor, entre onze cores pesquisadas (preto,
branco, vermelho, verde, amarelo, azul, marrom, laranja, roxo, rosa
e cinza). Não foram encontrados sinais de algumas cores em todas
as línguas e foram identificadas variantes lexicais para uma mes-
ma cor em uma mesma língua. Os sinais em que não parecia haver
letras do alfabeto manual foram identificados como empréstimos
linguísticos, enquanto os sinais identificados como nativos foram
subdivididos com base na sua aparente motivação.
Entre os resultados obtidos, observou-se que as cores mais
básicas (preto, branco, vermelho etc.) são majoritariamente expres-
sas por meio de sinais nativos em oposição a cores menos básicas
(roxo, rosa etc.), expressas em sua maioria por sinais resultantes de
empréstimos linguísticos.
No capítulo 8, “CODE-SWITCHING ENTRE A LIBRAS E A
LÍNGUA DE SINAIS VENEZUELANA (LSV): UMA ANÁLISE TIPOLÓ-
GICA”, Rodrigo Mesquita e Alessandra Cruz apresentam um estudo
descritivo dos aspectos tipológicos do code-switching, envolvendo
o par linguístico Libras (língua de sinais brasileira) e LSV (língua

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LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

de sinais venezuelana), duas línguas de sinais sul-americanas uti-


lizados por uma comunidade de surdos venezuelanos na condição
de imigrantes (ou pós-imigrantes) em Boa Vista – Roraima.
Nas frases analisadas foram identificadas inserções da Libras
em sentenças em LSV, assim como inserções da LSV em sentenças
da Libras. Algumas ocorrências, apontam para recursos utilizados
em outros contextos e estão relacionados a atitudes linguísticas
de afirmação identitária, especialmente entre pessoas mais jovens.
Por fim, o estudo identificou dois tipos de code-switching: intra-
-sentencial e intersentencial, além de vários recursos linguísticos
empregados pela comunidade de fala, no contexto de bilinguismo,
contexto de línguas em contato, o que levou à compreensão de que
características linguísticas dos fenômenos de contato linguístico em
contexto fronteiriço podem oferecer subsídios educacionais para
surdos em contextos de bi ou multilinguismo e para a comunidade
de imigrantes e/ou pós-imigrantes surdos (no estado de Roraima).
No capítulo 9, “O SISTEMA DE POSSE E O APAGAMENTO
DO AGENTE NA LIBRAS”, José Ishac Brandão El Khouri descreve
a estrutura gramatical do sistema de posse em Libras. Segundo o
autor, a posse envolve uma relação entre uma entidade possuidora
e uma entidade possuída e afirma que, em Libras, a posse atribu-
tiva é descrita de três formas: pelo pronome possessivo, pelo sinal
PRÓPRIO e por justaposição, uma estratégia primária sem nenhuma
marcação morfossintática adicional, para expressar a relação entre
possuidor e possuído.
Segundo Khouri, o pronome possessivo, em Libras, manifesta-
-se em primeira, segunda e terceira pessoa do singular, e em segunda
pessoa do plural. Em geral, são sinais direcionais, assim como os
pronomes pessoais (com a configuração de mão em P).
A realização desse pronome possessivo, articulado de maneira
repetida e com uma marcação não manual específica (depressão dos

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LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

cantos da boca), relacionado a um sintagma verbal, promove um


efeito semântico de apagamento do agente e, em algumas situações,
um apagamento da causa do evento. Esse efeito assemelha-se às
construções ergativas no português brasileiro e estabelecem uma
noção de que o evento aconteceu por ele mesmo; a noção de uma
ação realizada sem uma causa motivadora que a desencadeasse.
O capítulo 10, “CONJUNÇÃO IRREALIS NA LIBRAS: ACENO DE
CABEÇA + MOUTHING JÁ”, foi escrito por Thamara Cristina Santos e
Mônica Veloso Borges. A partir de dados da língua em uso, as autoras
descrevem uma estrutura gramatical da língua de sinais brasileira,
articulada a partir de uma projeção da cabeça de trás para frente,
em um movimento de afirmação, com sobrancelhas arqueadas e
franzimento da testa. Simultaneamente ao movimento de cabeça
descrito, os lábios articulam a configuração-boca que, em português,
equivale a “já”. Essa estrutura foi identificada pelas autoras como
uma conjunção de natureza não manual, nomeada por “aceno de
cabeça + mouthing JÁ” e parece referir-se a uma situação ou ação não
considerada real e que pode promover tanto uma noção temporal
(futura), quanto uma noção de condicionalidade.
Essa conjunção realiza uma conexão entre uma oração matriz e
uma oração dependente, que funciona como um adjunto da oração
matriz, uma característica das orações hipotáticas adverbiais. Em
síntese, o artigo apresenta o processo de articulação de orações nos
níveis de parataxe, hipotaxe e encaixamento, em Libras; problema-
tiza as orações hipotáticas condicionais e temporais, e discute os
dados sobre a conjunção irrealis, identificada no estudo.
O capítulo 11, “SINGULAR, PLURAL E DUAL NA LIBRAS”,
escrito por Melissa Maynara dos Passos Leal e Bruno Gonçalves Car-
neiro, discute alguns dados em relação à manifestação dos valores
(singular, plural e dual) da categoria número, em nomes da língua
de sinais brasileira, numa perspectiva tipológica, tomando-se como

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LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

base a pesquisa de Carneiro (2023), que identificou, numa amostra


de dez línguas de sinais, valores (singular, plural e dual) e estratégias
de manifestação da categoria número em línguas sinalizadas, o que
levou os autores à proposição de alguns padrões de manifestação
intramodais e intermodais da categoria número, oriundos da com-
paração entre línguas de sinais diferentes e entre línguas de sinais
e línguas orais. Este estudo sugere a existência de línguas de sinais
de número opcional e de línguas de sinais de número obrigatório,
e identifica a forma singular como forma zero.
Como resultados, foi possível identificar que o plural está
presente em todas as línguas de sinais e se manifesta a partir de
estratégias sintáticas (consideradas primárias) e morfológicas. As
estratégias reportadas sugerem que as línguas de sinais possuem
uma predileção analítica sobre a sintética e, por isso, parecem
ser isolantes para a categoria número. Em relação às estratégias
morfológicas, o uso de mouthing (afixo) é raro e pressupõe o uso de
reduplicação sem deslocamento. O singular é expresso por zero, por
justaposição com apontamento e, ainda, com verbos descritivos e
incorporação de referentes. O dual é expresso a partir da duplicação
das mãos e justaposição, com verbos descritivos, e, por fim, o plural
acontece por zero, reduplicação com deslocamento e justaposição
com quantificadores, numerais e verbos descritivos.
Por fim, no capítulo 12, “GESTO, SINAL OU CLASSIFICADOR?
reflexões sobre o processo de lexicalização na língua de sinais
brasileira”, Bruno Gonçalves Carneiro inicia suas reflexões com o
desafio de conceituar palavra, como conceito central nas línguas,
além de poder referir-se a discurso, como quando se passa a “pa-
lavra” a alguém.
O autor lembra que, ao falar, juntamos palavras; ao escrever,
envolvemos a soletração de palavras; ao traduzir, compreendemos a
equivalência entre palavras, o que nos remete a estudos que trazem

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LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

distintos conceitos de palavra, sob diferentes pontos de vista e inclui


os classificadores (estruturas semilexicais altamente produtivas e
icônicas), destacando as implicações semânticas na definição de
palavra /sinal tanto em línguas orais quanto em línguas de sinais.
Situa as línguas como analíticas (isolantes), ou línguas sinté-
ticas (aglutinantes, flexionais ou polissintéticas) e, sob essas pers-
pectivas, distingue-se a palavra fonológica da palavra gramatical.
Também traz ao debate os conceitos de gesticulação, pantomima,
emblemas e língua de sinais, vistos sob um contínuo da gesticulação
à língua de sinais.
O texto ainda discute ações gestuais como fontes importantes
para ampliação lexical e construção de significado nas línguas de
sinais e apresenta critérios fonológicos, semânticos e sintáticos
para distinção entre sinal (lexical) e outras construções altamente
produtivas em processo de lexicalização. Por fim, demonstra que,
no processo de lexicalização, após atingir o status de léxico, um
“sinal” torna-se uma forma estável com significado cristalizado,
enquanto no processo de deslexicalização um sinal (lexical) tem
seus parâmetros modificados e a base lexical acrescenta um novo
significado.
Enfim, chegamos ao final de uma breve degustação dos estudos
apresentados em cada capítulo, cujo intuito é convidá-lo, leitor, a
conhecer de perto cada linha desta obra escrita a tantas mãos dedi-
cadas e comprometidas, que se debruçaram sobre diversos estudos,
trazendo reflexões, ideias, análises, teses, propostas e novos cons-
trutos que se aprofundam em torno da riqueza das línguas de sinais,
da pessoa surda, assim como sobre seus processos educacionais.
Concluída, revisada e publicada, a obra se lança à sua aprecia-
ção, leitor sedento de conhecimento. Emergem emoções de todas
as faces que se uniram para constituir esta obra coesa, pondo luz a
estudos recentes que trazem, além de recontos, novos olhares, re-

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LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

flexões ainda não postas à luz, ideias que outros já tiveram e ainda
não se tornaram conhecidas. Assim, nesse encontro de emoções
para conceber esta obra que traz consigo um convite para surdos e
não surdos; aprendizes e professores; pesquisadores e curiosos, se
banharem dos olhares que carinhosamente se cruzaram e geraram
reflexões e análises relevantes e produtivas, ricas em contribuições
estruturantes, que subsidiam novos estudos linguísticos, efetivos
para o ensino da língua de sinais brasileira e do português, além de
mais eficazes para a educação bilíngue dos surdos.
Feito o anúncio, convido-o a ler cada texto extraindo, de cada
um, o conhecimento novo, que agrega valores aos estudos seminais
e, ao mesmo tempo, reconhece neles as emoções dos autores para
chegarem a cada uma das considerações apresentadas em seus
textos. Assim concebeu-se esta obra, desenhada em 12 capítulos,
divididos em duas partes. A primeira, com seis capítulos que re-
fletem acerca da Linguística Aplicada e da Educação de Surdos; e
a segunda, com mais seis capítulos que trazem estudos acerca da
Descrição Linguística da língua de sinais brasileira.

Sandra Patrícia de Faria do Nascimento

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LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

APRESENTAÇÃO

Em 04 de agosto de 2021 foi sancionada a Lei nº 14.191, que


insere a Educação Bilíngue de Surdos em Libras como primeira
língua e em Português como segunda língua na Lei de Diretrizes e
Bases da Educação Nacional, enquanto modalidade de educação.
Esta talvez seja considerada a maior conquista legal envolvendo os
surdos brasileiros, após o reconhecimento legal da Libras pela Lei
10.436 em 24 de abril de 2002 e da regulamentação dessa lei por
meio do Decreto 5626/2005.
Após vinte anos de lutas e conquistas, desde a lei de libras,
essa conquista legal demanda urgência do Estado brasileiro, em
suas diferentes esferas de organização, com a implementação de
políticas linguísticas educacionais que consolidem a organização
de uma educação assentada na diferença surda, que perpassa pelo
prestígio de suas epistemologias e das línguas de sinais.
O povo surdo brasileiro se organiza em instituições fortes, reco-
nhecidas mundo afora, a partir do empoderamento e protagonismo
dos surdos brasileiros, cuja força tem provocado produção de conhe-
cimento e articulação política em diversas áreas do conhecimento. O
ser surdo que demanda oportunidades de existência e participação
social legítimas, alavanca profundas transformações e mudanças de
paradigmas. Os movimentos sociais surdos conquistaram a criação
e, mais recentemente, a manutenção da Diretoria de Políticas de
Educação de Bilíngue de Surdos, no Ministério da Educação. Tudo

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LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

isso está alicerçado nas experiências das pessoas surdas, que tem
muito a ensinar à humanidade.
Igualmente, ressaltamos a consolidação de estudos sobre a
diferença surda, educação e linguística das línguas de sinais na
academia brasileira, demandado por essas conquistas e protagonis-
mo dos surdos. Sobre isso, vemos as assimetrias regionais cada vez
menores, pois reconhecemos a consolidação de grupos de pesquisas
que atuam nesses campos de conhecimento em todos os estados da
federação. Os pioneiros nos estudos sobre a língua brasileira de si-
nais e educação de surdos se felicitam, e, juntos, felicitamo-nos, por
um país mais coeso e uno nas discussões sobre educação bilíngue.
A obra Língua Brasileira de Sinais: Linguística Aplicada, Educação
e Descrição Linguística evidencia esse cenário e, principalmente,
a expansão e a maturidade dos estudos sobre língua de sinais e
educação de surdos no Brasil. O livro conta com a participação de
professores e pesquisadores, surdos e ouvintes, de todas as regiões
do país.
Agradecemos os autores que, gentilmente, aceitaram o convite
em colaborar com a construção dessa obra, a partir de suas reflexões
e resultados de suas pesquisas e práticas docentes. Agradecemos
também à Capes pelo financiamento da publicação pelo Programa
Nacional de Cooperação Acadêmica na Amazônia - PROCAD/Ama-
zônia e à coordenação do Programa de Pós-Graduação em Letras
da Universidade Federal do Tocantins pela confiança na realização
deste trabalho.
Convidamos todos a transitarem pelos capítulos que compõem
esta obra.
Bruno Gonçalves Carneiro
Felipe de Almeida Coura
Aline Nunes de Sousa
(Organizadores)

20
PARTE I

LINGUÍSTICA APLICADA
E EDUCAÇÃO DE SURDOS
CURRÍCULO NA EDUCAÇÃO DE SURDOS:
MEMÓRIAS E PERSPECTIVAS1

Sônia Marta de Oliveira


Secretaria Municipal de Educação de Belo Horizonte (SMDE/PBH)
Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas)

Introdução

Debater sobre uma modalidade educacional como é a educação


de surdos, exige inicialmente postura de respeito pela luta dos sur-
dos, por um caminho pedagógico de mediação do conhecimento que
considere, valorize, resguarde e reconheça a língua de sinais como
meio instrucional de entendimento e constituição de saberes. Em
seguida, considero ser elementar uma imersão linguística e cultu-
ral no universo surdo para a apreensão das narrativas surdas, das
vidas surdas constituídas em espaços educacionais onde a língua
de sinais não é certificada.
As políticas públicas educacionais tratam em suas diretrizes
da diversidade linguística do estudante surdo. No entanto, o hiato
entre o que é proposto e o que é executado é desmedidamente
amplo uma vez que, propor encaminhamentos pedagógicos para a

1 O presente capítulo apresenta recortes da minha dissertação de mestrado defendida em abril de


2015 que teve por objetivo analisar os critérios adotados pelas políticas públicas no que tange à
construção e elaboração do currículo na educação de surdos. Observando se esse instrumento
está em consonância com a cultura surda e com a forma de ler e perceber o mundo do sujeito
surdo.
LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

permanência do aluno surdo no espaço educacional não significa


garantir a participação concreta deste estudante na escola. Se o
currículo de uma instituição não prioriza a língua de sinais como
língua de instrução do surdo, não assegura uma compreensão visual
dos conteúdos mediados, o surdo não é oficialmente aluno, não
pertence ao espaço escolar, apenas está na escola (OLIVEIRA, 2015).
Para Candau (2002), a escola arquitetada em conformidade com a
igualdade, ordenada como processo de padronização de um ensino
e de uma cultura comum a todos, se contrasta com a diversidade.
Diversidade compreendida sob o assentimento de identidades di-
versas que oportunizam processos pedagógicos distintos os quais
devem ser reconhecidos e praticados fundamentando a diversidade
como gênese substancial para a edificação da equidade, ou seja, da
deferência ao direito do outro de maneira real e legítima.
O percurso metodológico de acordo com Bravo (1991) é basilar
para o desenvolvimento de um estudo qualitativo, visto que a meto-
dologia estabelece os procedimentos do pesquisador como sujeito
investigativo. Geralmente, a maneira de vivenciar as interações
está relacionada à forma como um fenômeno social é tratado. No
contexto educacional a escolha por determinado caminho de pes-
quisa necessita ser vinculada às especificidades e objetivos a serem
pesquisados como também às perspectivas para o desenvolvimento
da investigação. Uma harmonia entre o conjunto de informações e
a concretização da pesquisa deve ser construída. Os recortes anali-
sados na pesquisa de mestrado (OLIVEIRA, 2015) foram subtraídos
dos seguintes dispositivos legais: (i) Declaração de Salamanca; (ii)
Artigo 26 da lei 12.796 que altera a Lei 9.394, de 20 de dezembro de
1996 estabelecendo as diretrizes e bases da educação nacional; (iii)
Política de Educação Especial na Perspectiva de Educação Inclusi-
va - Documento elaborado pelo Grupo de Trabalho nomeado pela
Portaria Ministerial nº 555, de 5 de junho de 2007, prorrogada pela
Portaria nº 948, de 09 de outubro de 2007; (iv) Inciso C Artigo 24 do

23
LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

Decreto 6.949 de 25 de agosto de 2009 que promulga a Convenção


Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu
Protocolo Facultativo, assinados em Nova York em 30 de março de
2007. As políticas educacionais analisadas na pesquisa para elabo-
ração da dissertação de mestrado, atravessaram em circunstâncias
diversas meu percurso profissional na área educacional como tradu-
tora e intérprete de língua de sinais, e como professora de surdos. A
seleção dos recortes feitos nos dispositivos legais buscou construir
um novo olhar sobre o lugar do currículo e sua função nesses dis-
positivos numa perspectiva socioantropológica.
Buscar a relevância e consistência em uma análise documental,
requer leitura árdua dos documentos a fim de serem bem definidos
os recortes. A conduta e postura do pesquisador requer intenção e
habilidade estudiosa pois, a seleção do material, estudo e apresen-
tação do material analisado é um processo ordenado, extenso, com
nexo, delicado e dinâmico. Cabe ao investigador associar o ato, a
palavra, a situação ao contexto para não se perder o significado.
(SANTOS, 2000). Este texto se atentará à análise no recorte feito na
Declaração de Salamanca realizada entre os dias 07 e 10 de junho
de 1994, em Salamanca, na Espanha, contido na seção II. Linhas de
Ação em Nível Nacional Política e Organização onde é preconizado:

Políticas educacionais deveriam levar em total consi-


deração as diferenças e situações individuais. A impor-
tância da língua de sinais como meio de comunicação
entre os surdos, por exemplo, deveria ser reconhecida
e provisão deveria ser feita no sentido de garantir que
todas as pessoas surdas tenham acesso à educação em
sua língua nacional de sinais. Devido às necessidades
particulares de comunicação dos surdos e das pessoas
surdas/cegas, a educação deles pode ser mais adequada-
mente provida em escolas especiais ou classes especiais
e unidades em escolas regulares (DECLARAÇÃO DE
SALAMANCA, 1994).

24
LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

Este documento foi resultado de uma propensão internacio-


nal que estabeleceu a educação inclusiva, da qual, tem sua gênese
responsabilizada aos movimentos de direitos humanos que des-
pontaram nas décadas de 1960 e 1970. A Declaração de Salamanca,
principia de forma concreta a discussão em torno da diversidade
quando sugere que todos têm direito à educação.
Discorrer sobre políticas públicas educacionais e de educação
de surdos reivindica neste texto uma exígua retrospectiva da edu-
cação brasileira com o intuito de buscar a reflexão acerca dessas
políticas e sua ingerência na educação de surdos e na construção
do currículo.

Memórias do INES: a educação de surdos e o currículo

A educação formal no Brasil colônia foi de responsabilidade da


igreja católica, mais precisamente dos jesuítas que fundaram dois
colégios, um na Bahia e outro em São Paulo. A educação tinha foco
na catequização dos indígenas. O objetivo primeiro era difundir a fé
católica. O sistema educacional jesuíta se desenvolveu à medida que
ia se expandindo a colonização portuguesa no Brasil. Por duzentos
anos, os jesuítas foram os responsáveis pela educação formal no
Brasil e a educação na colônia era diferente da educação dada na
metrópole. O objetivo era doutrinar o outro, indígena, seguindo os
preceitos católicos (ZOTTI, 2004).
O marquês de Pombal, com aspirações iluministas contrárias
à proposta pedagógica dos jesuítas, e com o apoio da Coroa Por-
tuguesa, extrai o direito dos jesuítas de ensinar em Portugal. O
objetivo de Pombal era tornar o ensino laico e servindo aos inte-
resses da Coroa Portuguesa. Contudo, houve uma lacuna no ensino
educacional português em decorrência da falta de uma infraes-
trutura adaptada e professores especializados, pois, a instrução

25
LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

em Portugal, sempre ficou a cargo dos religiosos supracitados. A


alternativa foi estabelecer aulas régias avulsas que tinham por
objetivo preencher as lacunas deixadas pelos colégios jesuítas.
Entretanto, na colônia, os religiosos continuaram seu trabalho
catequético e educacional. A população abastada da colônia, re-
alizava os estudos subsequentes na Europa enquanto a maioria,
excluída, ficava à margem (AZEVEDO, 1996). Com a chegada da fa-
mília real portuguesa ao Brasil em 1808, foram feitos investimentos
na educação. Dom João VI criou a Academia Militar e a Academia
da Marinha, as Escolas de Medicina e de Direito, a Biblioteca Real
e o Jardim Botânico. Todavia, a educação continuava a servir a
elite que aqui residia. A educação para a maioria da população
continuava proscrita (ROMANELLI, 2001).
Segundo Azevedo (1996), após a Independência do Brasil, o
Decreto imperial, Primeira Lei Geral de Educação no Brasil, datada
do dia 15 de outubro de 1827, estabeleceu a criação de escolas de
primeiras letras e a criação de escolas de meninas. De acordo com
o Decreto, era necessário para os meninos ler e escrever, fazer as
quatro operações matemáticas, noções de geometria, gramática da
língua nacional, princípios da moral cristã e da religião católica. Para
as meninas, a educação de prendas domésticas. Em 12 de agosto
de 1834, o Ato Adicional, abre espaço para uma atenção ao ensino
básico. A verba destinada à educação pública não atendia às reais ne-
cessidades educacionais das províncias. Como resultado, as escolas
públicas não ofereciam a mesma qualidade de ensino primário que
as poucas escolas particulares sediadas na Corte. No ano de 1837,
é criado na Corte, o Colégio Pedro II, instituição de referência dos
estudos secundários, dividido em oito séries, abordando os estudos
literários, história, ciência e línguas.
Em meio a essa discrepância educacional, para uns o melhor,
para outros as sobras, em 1855, Ernest Huet, professor surdo francês,
ex-aluno do Instituto para Surdos de Paris, vem ao Brasil a convite

26
LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

de D. Pedro II e apresenta ao imperador a proposta de criação de


uma instituição de ensino para surdos.

“Seria desejável que se encontrasse um campo adjacente


ao estabelecimento, e bastante vasto, para poder encer-
rar todas as espécies de culturas. Eu, não me associei
com M. De Vassimon por falta de meios, e porque eu não
tinha o local apropriado para as minhas visões. Espero a
sanção de nossa obra pelo estado, propondo-me a pedir
ao Governo a concessão de um terreno suficiente, de fá-
cil cultura com respeito à idade e a fraqueza das crianças,
no qual será erigido um estabelecimento monumental
para a glória nacional, como o reino glorioso de Vossa
Majestade” (ROCHA, 2009, p. 28).

Segundo o documento, os gastos com a instituição seriam de


responsabilidade do império e a instituição seria particular com con-
cessão de bolsas e subvenção da coroa. Para Huet, uma instituição
particular com recursos oriundos do governo era mais eficaz. Para
ingressar na instituição, o aluno teria que ter entre sete e dezesseis
anos e estar vacinado. No programa de ensino proposto por Huet,
o conteúdo ministrado continha no currículo as seguintes disci-
plinas: (i) Doutrina Cristã; (ii) Língua Portuguesa; (iii) História do
Brasil; (iv) Geografia; (v) Escrituração Mercantil; (vi) Aritmética;
(vii) Linguagem Articulada (ROCHA, 2009).
Apesar de Huet comungar das ideias do abade L’Epée que foi o
percussor na educação de surdos franceses em que a metodologia
de ensino priorizava a língua de sinais como língua de instrução, o
primeiro currículo do Instituto contemplava a disciplina de Lingua-
gem Articulada que seria o treinamento da fala para os alunos que
tinham facilidade para desenvolvê-la. A supremacia da língua oral
sobre a língua de sinais no Brasil data desde a proposta apresentada
por Huet à D. Pedro II.

27
LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

Em abril do mesmo ano, Huet solicita outro espaço para a ins-


tituição, pois, a escola de surdos se encontrava nas dependências
do colégio de M. Vassimon e tinha que se submeter às regras de
horário desta instituição. Nessa solicitação, Huet recorda que, no
ano de 1855, ele havia solicitado à Câmara dos Deputados a criação
do Instituto Imperial dos Surdos-Mudos. Tendo o aval do imperador
para a criação do Instituto, Huet solicita a cessão de trinta bolsas.
Uma comissão foi formada a pedido do imperador D. Pedro II para
acompanhar as atividades do instituto. No dia 03 de junho de 1856,
os membros da comissão, o marquês de Olinda, o marquês de Monte
Alegre, o conselheiro de Estado José da Silva, o padre Joaquim Fer-
nandes Pinheiro e o marquês de Abrantes determinam a efetivação
do Instituto de Surdos-Mudos. Um ano e meio após a efetivação do
Instituto, a Lei 939 de 26 de setembro determina a subvenção do
império para o Instituto (ROCHA, 2009).
Entraves econômicos e disciplinares no Instituto, no ano de
1859, ocasionaram divergências entre o marquês de Abrantes e Huet
(BRASIL, 1898). O professor francês após um curto período, solicita
exoneração do cargo de presidente da comissão e deixa a direção
do Instituto no dia 13 de dezembro de 1861. Há registros de que
após a saída de Huet da direção do Instituto, ele foi para o México
fundar uma escola de surdos (ROCHA, 2009). Segundo a autora,
com a saída de Huet, o Instituto ficou sob a guarda do frei João do
Monte do Carmo. No ano de 1862, Dr. Manoel de Magalhães chega ao
Brasil e assume a direção do Instituto. Fernando Torres, ministro do
Império no ano de 1868, solicita ao chefe da Seção da Secretaria de
Estado, Dr. Tobias Barreto um relatório das atividades do Instituto.
O relatório diagnosticou que o Instituto havia se transformado em
asilo para surdos. Não havia ensino. Manoel de Magalhães é afasta-
do da direção e Dr. Tobias assume o comando do Instituto e fica no
cargo até 1896, ano de sua morte. Dr. Tobias, efetiva, durante sua
gestão, o ensino profissionalizante no currículo do instituto. Para

28
LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

Dr. Tobias, não era objetivo do Instituto formar homens letrados.


Uma linguagem que possibilitasse ao surdo se relacionar na socie-
dade deveria ser o objetivo do Instituto. A comunicação, segundo
o diretor do Instituto, permitia ao surdo sair do isolamento. Para
Dr. Tobias, a linguagem a ser ensinada poderia ser,

Escripta e vocal artificial. A preferência entre estas duas


linguagens é o ponto que se debate as duas escolas da
Europa, a allemã e a francesa. [...] basta-me dizer que
a linguagem escripta é fácil tanto para o surdo-mudo
congênito, como ao acidental [...] (ROCHA, 2009, p.41).

Ao se referir às duas escolas: francesa e alemã, Dr. Tobias


evidencia as diferenças de ensino entre ambas. A escola francesa
defendia que o ensino ao surdo deveria ser feito na língua de sinais
e, essa língua ensinada aos surdos. A escola alemã, por sua vez,
defendia o ensino através da língua oral, da fala. Ressalta-se aqui
que, a Libras – Língua Brasileira de Sinais – é de origem francesa.
Huet ensinou a língua de sinais francesa aos surdos brasileiros e o
aluno do Instituto, Flausino José da Costa Gama, registrou através
de iconografia, os sinais franceses. Dr. Tobias, via nos sinais a forma
predileta de comunicação entre os alunos, pois, através dela, os
surdos manifestavam seus sentimentos (ROCHA, 2009).
No ano de 1880, em um congresso de educação de surdos
realizado na cidade de Milão, Itália, foi recomendada uma políti-
ca educacional de ensino que priorizasse o ensino da fala oral na
educação de surdos em detrimento da língua de sinais: o oralismo.
Essa metodologia educacional surgiu na Alemanha em meados do
século XVIII e defendia a reabilitação auditiva do surdo. A disci-
plina de Linguagem Articulada passa a ser obrigatória no currículo
da educação de surdos e, em vários institutos de surdos na Europa,
Canadá e Japão. No Brasil, Dr. Tobias não via a necessidade de fazer
o surdo falar, mas sim ensiná-lo uma profissão. Com o falecimento

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LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

do Dr. Tobias em 1896, o professor Joaquim Borges Carneiro assu-


me interinamente a direção do Instituto e volta com a cadeira de
Linguagem Articulada no ensino dos surdos. Em fevereiro de 1897,
o Dr. João Paulo de Carvalho toma posse como diretor. A ênfase do
ensino tem foco no desenvolvimento da fala. Os demais conteúdos
ficam marginais (ROCHA, 2009)
No Instituto, a língua de sinais estava viva nas conversas entre
os estudantes surdos e alguns professores. O Decreto 9.198/1911,
em seu artigo de número 09, instituía no currículo, o método oral
puro no ensino das disciplinas. Após três anos de implantação desse
método, os resultados não eram satisfatórios. Custódio Martins,
diretor do Instituto, solicita ao governo a possibilidade de adap-
tações no currículo de ensino aos surdos. No ano de 1925, com o
Decreto 16.782, tornam o Instituto de Surdos-Mudos e o Instituto
Benjamim Constant (instituição para pessoas cegas) à classe de
estabelecimentos profissionalizantes com cursos de sapataria e
encadernação. (ROCHA, 2009).
As gestões seguintes no Instituto continuaram a priorizar a fala
na educação de surdos. No entanto, a língua de sinais era parte dos
estudantes surdos que ali estudavam. Na gestão de Ana Rímoli de
Faria Dória, primeira mulher à frente do Instituto, a fala, a leitura
labial e o treinamento auditivo, eram estratégias consideradas linhas
da metodologia de ensino oralista e, ganham força no currículo. Em
decorrência disso, Ana Rímoli inicia um trabalho para mudar o nome
do Instituto, uma vez que o surdo não era mudo, ele se expressava
oralmente. Em junho de 1957, a partir da Lei 3.198, assinada por
Clóvis Salgado, ministro da educação, e por Juscelino Kubitscheck,
Presidente da República, o Instituto passou a ser Instituto Nacional
de Educação de Surdos – INES (ROCHA, 2009).
As memórias do INES nos apresentam um currículo com o pro-
pósito de clinicar os surdos. Torná-los o mais semelhante possível

30
LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

às pessoas que ouviam e falavam. A construção do conhecimento


não era o objetivo. A normalização, sim. O INES buscou ao longo de
sua trajetória se adequar a políticas educacionais que sempre des-
consideraram as especificidades surdas. Nesse processo, se deparou
com várias situações de conflito. Discordâncias que construíram
a história de uma instituição referência para a comunidade surda
brasileira que lutou e luta por uma educação que eleja a Libras como
caminho da produção do conhecimento e ainda, hoje, experiencia
desentendimentos internos em relação a práticas pedagógicas que
desconsideram a Libras e a cultura dos surdos. A Declaração de
Salamanca foi um recurso legal que contribuiu com a luta da co-
munidade surda por uma educação que considerasse sua língua e
cultura. O INES, contudo, levou décadas para autenticar a diferença
cultural e linguística dos surdos.

A Declaração de Salamanca e o Currículo na Educação de Surdos

O documento desenvolvido na Conferência Mundial sobre


Educação Especial, na cidade de Salamanca, na Espanha, no ano
de 1994, tem sustentação na Conferência Mundial de Educação
para Todos, realizada na cidade de Jomtiem, Tailândia, em 1990.
O propósito da Declaração é o de viabilizar diretivas e orientações
acerca de políticas e procedimentos educacionais. Em Minas Gerais,
a presença de alunos surdos em escolas públicas estaduais se deu
no ano de 1996, dois anos após a conferência na Espanha, e fui a
profissional contratada para ser a intérprete de língua de sinais
dos alunos surdos, experienciando, assim, a prática curricular com
esses estudantes.
O trecho da Declaração de Salamanca contido na seção II. Li-
nhas de Ação em Nível Nacional Política e Organização, menciona
sobre “classes especiais” e/ou “escolas especiais”. Essas expressões
surgiram a partir da preocupação com alunos que frequentavam a

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LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

escola, mas não eram favorecidos pelos ensinamentos. Alfred Binet


(1857-1911) e Theodore Simon (1872-1961) realizaram pesquisas
sobre a aferição da inteligência em crianças francesas medindo o
desenvolvimento do intelecto conforme a idade cognitiva, resultan-
do numa ideia de separação entre crianças normais e anormais de
acordo com as capacidades intelectivas. (KASSAR, 2011). O exercício
de reconhecimento de estudantes normais e anormais era pedido
ao docente com o objetivo de compor salas de aulas uniformes.
Segundo Rocha (1979), dois estudos capitais para a educação dos
anormais foram publicados no ano de 1910 no Brasil. A obra de
Clemente Quaglio intitulada Educação da Inteligência Anormal no
Brasil, e o trabalho de Basílio Guimarães denominado Tratamento
e educação das crianças anormais de inteligência. Para Basílio de
Magalhães era propício a interação entre as crianças independen-
te de suas diferenças cognitivas devido a aspectos econômicos e
emotivos (MAGALHÃES, [s.d.] apud KASSAR, 2011). Mesmo com
documentos comprovando a presença de matrículas de estudantes
com deficiências em escolas públicas e particulares privadas já no
final do século XIX, é aceitável afirmar que no Brasil, a estruturação
de espaços educacionais especializados, e a organização de institui-
ções especializadas foi o caminho pedagógico ratificado para este
público (KASSAR, 2011).
A educação especial foi formada como uma área de atividade
singular, frequentemente destituída de diálogo com a educação
regular. A fragmentação foi efetivada no aparecimento de um con-
junto coexistente de educação, pois o acolhimento de estudantes
com deficiência transcorreu de maneira decisiva em espaços dis-
tintos dos outros estudantes. Assim, a Declaração de Salamanca
se apresenta, pretensamente, como uma política para todos, mas,
desprovida de análises das situações educacionais excludentes. Ao
orientar que, “[...] Devido às necessidades particulares de comunica-
ção dos surdos e das pessoas surdas/cegas, a educação deles pode ser

32
LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

mais adequadamente provida em escolas especiais ou classes especiais


e unidades em escolas regulares” (DECLARAÇÃO DE SALAMANCA,
1994, grifo nosso).
A possibilidade aparentemente apresentada na Declaração, é a
compreensão das características linguísticas e culturais dos surdos
e a indicação de escolas especiais ou salas especiais e unidades re-
gulares. Neste trecho nos deparamos com a concepção da Educação
Especial como linha de pensamento clínico em relação aos surdos e
surdo-cegos. Para Ladd e Lane (2013), os surdos são contemplados
pelo modelo social apresentado nas políticas educacionais. Porém,
os surdos entendem que estas políticas não consideram a verdadeira
condição de ser surdo e de encontrar-se na escola como surdo. As
políticas educacionais devem abarcar aquilo que emerge das ex-
periências dos surdos e não os categorizá-los (OLIVEIRA, 2020). A
orientação de que a educação de surdos e surdocegos também pode
ser realizada em escolas regulares tem a finalidade de manifestar
a inclusão educacional para este público no qual, no mesmo Do-
cumento, se reconhece que as diferenças e situações individuais
deveriam ser consideradas. Se há uma necessidade particular de
comunicação entre os surdos, isto quer dizer, a forma de aprender
e apreender do surdo se dá pelo viés visual, a língua de sinais é o
meio de aprendizagem que indica as teias formadoras dos sujeitos
surdos. As experiências visuais dos surdos evidenciam o lugar do
surdo no mundo. A língua é excepcionalmente pontual no encon-
tro e reconhecimento do sujeito, porque pela língua situações são
simbolizadas e expostas (OLIVEIRA, 2015).

[...] na medida em que os sujeitos ressignificam seus


lugares, eles têm acesso aos critérios organizadores
das diferenças de lugares [...] não discriminar lugares
implica negar a pertinência do sujeito ao simbólico,
onde um se diferencia do outro em função do lugar que
cada um ocupa nessa relação. Neste caso, a proposta da

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LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

declaração de Salamanca se apresenta para amortecer


e sufocar conflitos e/ou revoltas oriundas do processo
histórico que constituiu simbolicamente a diferença de
lugares ocupados (ANDREOZZI, 2006, p.59-60).

Uma política educacional necessita assegurar e celebrar o lugar


da diferença. Tratar sobre a educação de surdos numa perspectiva
de espaço que a língua de sinais ocupa é dialogar com relações
políticas estabelecidas que procuram normalizar os surdos, sua
cultura e identidades. É insólito pensar num espaço educacional em
que uma língua não se encontre instruindo estudantes e docentes
em decorrência da prática da linguagem. A demanda é política. A
educação de surdos requer uma escola na qual a língua e o cur-
rículo proporcionem que os surdos se tornem sujeitos políticos.
(OLIVEIRA, 2015).
A Declaração de Salamanca é o primeiro documento edu-
cacional que versa sobre os surdos e surdocegos reconhecendo a
diversidade linguística e cultural deste coletivo. Ainda assim, suas
orientações a respeito do currículo apresentam afirmações que
podem ser contestadas. Ao recomendar que,

O currículo deveria ser adaptado às necessidades das


crianças, e não vice-versa. Escolas deveriam, portanto,
prover oportunidades curriculares que sejam apropria-
das à criança com habilidades e interesses diferentes.
Crianças com necessidades especiais deveriam receber
apoio instrucional adicional no contexto do currículo
regular, e não de um currículo diferente. O princípio
regulador deveria ser o de providenciar a mesma edu-
cação a todas as crianças, e também prover assistência
adicional e apoio às crianças que assim o requeiram
(DECLARAÇÃO DE SALAMANCA, 1994).

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LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

Currículo não se adapta. Este instrumento pedagógico, social e


político, segundo Freire (1980), deve ser organizado coletivamente
e de maneira democrática, assegurando deste modo a atuação e a
reflexão dos sujeitos que compõem o processo educacional. Se o
currículo necessariamente precisa ser atravessado por métodos e
conteúdo, da mesma forma deve ser assegurada a possibilidade de
participação para proposições, reflexões e modificações no currí-
culo a partir da prática reflexiva e crítica de quem faz o processo
educacional diário, permanentemente respeitando o lugar do outro.
Desse modo, para o conjunto de conhecimento ser assimilado pelos
alunos é necessário envolvê-los (GIOVEDI, 2006).
De que jeito uma instituição educacional adapta o currículo?
Provê oportunidades curriculares adequadas aos estudantes com
habilidades diversas num currículo comum a todos? Se o espaço
educacional precisa se ajustar ao estudante, o caminho não é escolas
especiais, salas especiais, escolas regulares, currículos adaptados.
Não é retirar o estudante de um lugar e colocar em outro. A ausência
do envolvimento dos estudantes na construção dos seus lugares ne-
cessita contemplar a concepção de pertencimento, de fazer parte. Só
nos sentimos pertencentes a um determinado espaço se este espaço
nos representa, se é significativo estar nele (ANDREOZZI, 2006).
O currículo para dizer da língua e da cultura surda não pode
ser uma “colagem” de um currículo elaborado tendo como modelo
uma metodologia que preza o oral e o auditivo. O importante não
é saber qual conhecimento será mediado e sim saber para quem
é o porquê de determinado conhecimento ser mediado. O saber,
o conhecimento não são dados; são construídos de forma crítica
(APPLE, 2006). Construir conceitos acerca do currículo na educação
de surdos, desconsiderando a especificidade linguística e cultural
surdas, seu olhar sobre si mesmo, sobre a educação, é contribuir
para que adaptações perpetuem no currículo das escolas, e que a
exclusão se torne algo comum, inerente à educação. A Declaração de

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LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

Salamanca carrega no seu cerne uma exclusão velada da diferença


apesar de reconhecê-la.
O currículo da educação de surdos requer uma organização
visual, compreensão da história cultural dos surdos como esfera de
saber, com possibilidades ímpares de produção de conhecimento,
nas manifestações sociais, lutas e políticas. As narrativas surdas
apresentam-se como caminho no qual a língua de sinais, a cultura
e as normas dos surdos são inscritas pelo próprio sujeito. A grade
curricular deve construir vias pedagógicas que viabilizem a conexão
de conteúdos e ações embebidas na língua de instrução dos surdos,
a língua de sinais (OLIVEIRA, 2015).
A Declaração de Salamanca, percussora da Política de Educação
Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva demonstra uma hipo-
crisia pedagógica e política ao acobertar orientações educacionais
estabelecidas pelo mercado que na realidade não está disposto a
mudar. A educação de surdos é campo fecundo para várias ações
educacionais propagando novas estratégias educacionais das quais
originam excluídos e, isto ocorre devido à “aplicação” de práticas
salvadoras na escola e na sociedade, retratando a exaltação da di-
ferença como algo exótico. Como amostra podemos citar a visibili-
dade recente que a Libras adquiriu no atual governo federal (2022).
Visibilidade entendida na perspectiva da excentricidade e não na
compreensão de política pública e do direito linguístico dos surdos.
Ações educacionais e sociais devem ser construídas sob a égide de
ações afirmativas e não de exposição meramente tokenista.2
É basilar que o currículo na educação de surdos seja construído
sob o ponto de vista de uma pedagogia visual discorrendo a forma e
estrutura da língua de sinas, sobre a história cultural do povo surdo,
assegurando dessa forma o reconhecimento da língua de sinais como
língua de aprendizagem. Ao exprimir um pensamento na língua de
2 Ação que objetiva a inclusão simbólica de minorias, com a finalidade de produzir a represen-
tação de que esses coletivos estão sendo apresentados de maneira equitativa.

36
LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

sinais, o discurso nesta língua, se utiliza de uma perspectiva visual


que não pode ser na mesma sincronia que uma língua oral auditiva
e vice-versa (QUADROS, 2003).
As políticas asseguram-se como táticas com foco no direito
para grupos específicos marcados pela diferença. A posição des-
tes grupos é compreendida como desprotegida socialmente, por
causa de uma história marcada pela exclusão. O entendimento das
políticas inclusivas como caminho apontado na luta por direitos
civis, sociais e políticos, tem como finalidade enfrentar qualquer
forma de preconceito e discriminação que impossibilite o ingresso
à igualdade de possibilidades e condições na busca pela atenuação
da desigualdade social (MOREIRA; SILVA, 2014).
Os Movimentos Surdos têm lutado histórica e culturalmente
por uma educação que priorize a língua de sinais como língua de
ensinamento e concomitantemente a isso, lutam pela aprendizagem
escolar sem reduzir a língua de sinais a um recurso de acessibilidade
na construção do conhecimento historicamente inscrito na língua
portuguesa. É essencial que haja o conhecimento político do ser
surdo como marca cultural, reivindicado pelo direito linguístico
de aprender e apreender na língua de sinais. A lei 14.191/2021 que
incorpora a educação bilíngue de surdos como modalidade regular
de ensino é uma conquista do povo surdo e surdocego brasileiro
idealizada desde 1999 quando da realização do V Congresso Latino-
-Americano de Educação Bilíngue para surdos em Porto Alegre, no
Salão de Atos da Reitoria da UFRGS nos dias 20 a 24 de abril de 1999.
O movimento de Surdos elaborou um documento que dissertava
sobre “A educação que nós Surdos queremos”. A partir desta data,
o Movimento Surdo deslocou suas ações para a educação bilíngue
de surdos. Educação que abarca a visualidade surda e as narrativas
surdas. O currículo deve dizer do seu povo, de quem vai se beneficiar
dos conteúdos organizados neste mecanismo pedagógico.

37
LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

Considerações finais  

As memórias educacionais do INES reforçam o pensamento


clínico retratado na Declaração de Salamanca quando o currículo
incorpora o treino de fala e a política educacional concebe uma
educação para todos desconsiderando a história dos que são con-
siderados “todos”, que é diferente. O termo “todos” não abraça a
diversidade, mas sim, a desconsidera. Um currículo concebido na
diferença compreende que na educação de surdos o papel e o lugar
das línguas envolvidas no processo pedagógico decorrem elegendo
a língua de sinais como meio instrucional de aprendizagem, o por-
tuguês escrito no prisma de segunda língua, e os demais conteúdos
mediados na língua de sinais e pela língua de sinais. O alicerce da
educação de surdos é a visualidade, é a língua de sinais. Aprendemos
com o que está ao nosso redor, com os nossos pares.
A escola é o espaço farto para promover transformações sociais
políticas e culturais. A produção de conhecimento que acontece na
sala de aula requer um estudo acurado e labiríntico. Sem tais estu-
dos, corre-se o risco de perseverar a ascensão de modelos únicos de
currículos que ignorem a diversidade. Os anseios de envolvimento
e participação democrática, direitos civis e, questões sociais, estão
enlaçadas no espaço escolar. (LOUTZENHEISER; MOORE, 2011).
A escola deve atentar para situações em que a relação social e
cultural garanta o acesso à língua de sinais, pois o processo educa-
cional se dá mediante interação linguística. Quando a criança chega
na escola sem uma língua sistematizada, é essencial que o trabalho
seja voltado para o processo de aquisição de linguagem tendo como
interlocução a língua de sinais. Com a língua e, por meio dela, as
relações sociais fundam os comportamentos de como ser e agir, isto
é, a constituição do sujeito.

38
LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

Quando o sujeito surdo é levado a conviver apenas com


uma comunidade ouvinte, sem contato com outros
surdos, sua surdez tende a ser ocultada e depreciada. O
estigma de deficiente agrava-se a cada dificuldade que
essa pessoa irá encontrar para se igualar com o ouvinte.
É importante que o surdo se mantenha integrado em sua
comunidade, se relacione com seus pares, sem se isolar
da comunidade majoritária. O objetivo dessa interação
é a constituição da identidade surda, de se aceitar como
uma pessoa normal, com potencialidades e limitações,
apenas surda. Para que o surdo possa reconhecer sua
identidade surda é importante que ele estabeleça o
contato com a comunidade surda, para que realize sua
identificação com a cultura, os costumes, a língua e,
principalmente, a diferença de sua condição. Por inter-
médio das relações sociais, o sujeito tem possibilidade
de acepção e representação de si próprio e do mundo,
definindo suas características e seu comportamento
diante dessas vivências sociais. De acordo com Souza
(1998), a partir do momento em que os surdos passaram
a se reunir em escolas e associações e se constituíram
em grupo por meio de uma língua, passaram a ter a
possibilidade de refletir sobre um universo de discursos
sobre eles próprios, e com isso conquistaram um espaço
favorável para o desenvolvimento ideológico da própria
identidade (DIZEU; CAPORALI, 2005, p. 593).

A interação social e cultural, o estar com o outro igual é


fundamental para a constituição da identidade surda. O contato
surdo-surdo, na coletividade, para a construção das regras e prin-
cípios surdos, e os modelos surdos, são referência para as crianças
surdas. A criança surda edificará sua realidade social ao descobrir
a si mesma através da comunicação, por meio das relações com o
outro, ela se percebe e se descobre com o outro, seu par, firmando
assim, a diferença entre as pessoas inseridas em seu espaço.

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LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

A língua de sinais é uma vitória ascendida no direito linguís-


tico para a educação de surdos e persevera como bandeira de luta.
Paradoxalmente, as políticas públicas educacionais repetidamente
mantêm os surdos na visão clínica da surdez e continuam com o
discurso arraigado no pressuposto da deficiência e negando a língua
de sinais como meio e fim das interações sociais, políticas, culturais
e científicas.
Quando o currículo não incorpora as minorias culturais e
busca silenciar essas minorias, adquire uma estratégia camuflada
de exclusão. As políticas educacionais devem reconhecer e garantir
que na educação de surdos a constituição e produção do sujeito
surdo devem ter o seu olhar, o seu modo de ser, ver e compreender
o mundo. As experiências visuais, a língua, as histórias culturais do
povo surdo devem compor o currículo reconhecendo a diversidade
como ganho, como um caminho propício ao aprendizado e que
assegure ao outro a construção do conhecimento tendo por base
uma língua e uma cultura que lhe permita expressar o que sente, o
que vê e o que deseja.

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LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

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41
LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

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42
LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

GÊNEROS DISCURSIVOS AUTÊNTICOS PARA


O ENSINO REFLEXIVO DE LIBRAS

Rodrigo Augusto Ferreira


Universidade Federal do Tocantins (UFT)

Carlos Roberto Ludwig


Universidade Federal do Tocantins (UFT)

Gabriela Otaviani Barbosa


Universidade Federal do Tocantins (UFT)

Introdução

A presente pesquisa intitulada “Gêneros discursos autênticos


em Libras no Ensino Reflexivo de Libras” se justifica como uma
proposta de estratégia de compreensão de Gêneros Discursivos
(GD) em Libras por alunos surdos e ouvintes para a compreensão
visual de gêneros em vídeo-registro na Libras. Em sua totalidade,
eles estão presentes em todo o ambiente linguístico e níveis de
ensino de leitura e escrita desde o ensino básico até o superior.
Por isso, podem ser usados como estratégia de compreensão visual
sinalizada de gêneros discursivos em Libras. Este trabalho se torna
importante para a formação de professores de Libras em diversos
níveis de ensino, com vários conteúdos utilizados, para estimular a
compreensão de leitura e produção sinalizada de gêneros discursivos
autênticos em sala de aula.

43
LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

O objetivo deste capítulo é apresentar algumas estratégias de


sequenciação de perguntas para Pré-compreensão, Compreensão
e Pós-compreensão, voltadas para o ensino superior com os alunos
surdos e ouvintes, no momento da sinalização visual de gêneros
discursivos autênticos em Libras. Para tanto, faz-se necessário in-
vestigar estratégias de compreensão de gêneros como postagem de
redes sociais. Busca-se identificar as ideias principais e secundárias
do gênero e as suas características discursivas, para a compreensão
de novos gêneros discursivos em Libras para a comunidade surda
brasileira, bem como para o desenvolvimento da produção sinali-
zada.
Além disso, foram observados relatos de experiência da for-
mação de professores de Libras sobre o entendimento que tinham
acerca da compreensão visual sinalizada, com base em entrevis-
tas sinalizadas que envolviam a discussão sobre os gêneros vídeo
sinalizados em Libras. Foram formuladas as seguintes perguntas:
qual o nível de compreensão dos alunos dos gêneros discursivos em
Libras? Como esses gêneros podem possibilitar aos alunos o desen-
volvimento de habilidades de compreensão e produção sinalizada?
Com base nos dados analisados, neste estudo de caso, buscamos
compreender os fenômenos que mostram vantagens e desvantagens
na compreensão visual sinalizada pelos alunos surdos e ouvintes.
Para isso, são utilizados gêneros discursivos, em particular o gênero
postagem de redes sociais sinalizado em Libras. Assim, a observação
se dará com análise tanto da qualidade das competências linguísti-
cas de conteúdos utilizados, quanto para desenvolver a capacidade
crítica e reflexiva dos alunos surdos sobre qualquer tema. Esta
proposta estabelece uma relação com as experiências reais de vida
dos alunos surdos, na sua própria produção sinalizada, levando em
consideração a sequenciação da leitura nos novos gêneros discur-
sivos em Libras de forma crítica.

44
LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

Além dessas questões reflexivas, pretende-se apresentar uma


proposta de estratégias de compreensão visual e produção sinali-
zada para as práticas educacionais autênticas a partir do gênero
discursivo.
A proposta de estratégias de compreensão de Gêneros Dis-
cursivos Autênticos em Libras possibilita que os alunos surdos
e ouvintes desenvolvam competências e habilidades com vários
conteúdos e gêneros utilizados nos níveis de ensino que, com a
compreensão visual sinalizada, aprimora a sua produção sinalizada.
O aluno, quando compreende vídeo-sinalizados, consegue entender
a discussão sobre características linguísticas, estruturais, temáticas
e de estilo do gênero discursivo estudado.

Proposta de estratégias de compreensão e produção visual/


sinalizada em vídeo-registro em Libras

Figura 1 - Nós estamos juntos

Fonte: AMORIM, A. O. NÓS ESTAMOS JUNTOS. Instagram, 2020. Disponível em:


<https://www.instagram.com/tv/CBJ2SeOpXVe/?igshid=cv4ekudm4sh0>. Acesso
em: 09 ago. 2020.

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LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

A figura 1 apresenta a postagem de rede social no Instagram,


a qual selecionamos para a proposta de estratégias de compreensão
sinalizada. Esta postagem de rede social é sinalizada em Libras por
uma mulher surda e apresenta legenda em português. A temática
abordada é a violência contra a mulher.
Neste contexto, apresentamos abaixo uma proposta de estra-
tégia de compreensão de vídeos em Libras, a partir da proposta de
Richter (2005), autor da área de linguística para o ensino de leitura.
A proposta de Richter (2005) não é voltada especificamente para as
línguas de sinais, mas é possível refletir como seu estudo também
pode ser aplicado ao tema aqui apresentado.

Pré-compreensão visual/sinalizada

A pré-compreensão (pré-leitura para Richter) engloba um


conjunto de atividades que são desenvolvidas, antes da leitura/
compreensão do gênero estudado, para facilitar a compreensão do
aluno. Richter (2005, p. 16-17) apresenta algumas estratégias de
leitura que foram adaptadas à pré-compreensão visual/sinalizada:

• Mobilização de conhecimento prévio;


• Geração de expectativas;
• Construção de conceitos-chave e seu vocabulário;
• Brainstorming (os alunos apresentam ideias que eles lembram
sobre o tema);
• Uso de tabelas, gráficos e figuras;
• Pesquisa em vídeos na internet.

Na pré-compreensão sinalizada, o professor pergunta aos


alunos se já conhecem o tema que vão discutir; lembra o seu co-
nhecimento prévio; cria expectativas a partir de figuras, teatro,
vídeo. Também pode trabalhar com o vocabulário sobre o tema do

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LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

gênero que será discutido. Por exemplo, se o professor apresentar


um vídeo sobre a violência contra a mulher, no gênero postagem
de redes sociais; pode perguntar aos alunos o que eles conhecem
sobre esse assunto, também se sabem fazer uma denúncia sobre a
violência contra a mulher. Além disso, o docente pode apresentar o
vocabulário novo ou algumas expressões que vão ser sinalizadas no
vídeo. Pode mostrar figuras ou imagens (flashcards), para estimular
a discussão e ativar o conhecimento prévio.

Compreensão visual/sinalizada

A compreensão visual/sinalizada engloba a compreensão do


gênero discursivo a partir de perguntas e atividades propostas pelo
professor. Por exemplo, pode focar nas ideias principais e secun-
dárias do gênero, ou em perguntas mais focadas em gramática e
vocabulário. A partir da proposta de Richter (2005, p. 17-18), apre-
sentamos agora uma proposta de compreensão visual/sinalizada.
Para delimitar as ideias principais e características discursivas,
Richter (2005, p. 17) propõe:

• Delimitar as ideias principais do texto e as ideias secundárias a


partir do inventário anterior;
• Estabelecer o objetivo geral do gênero discursivo;
• Estabelecer a imagem do leitor-alvo;
• Levantar a estrutura básica do gênero discursivo, incluindo a rela-
ção verbal-icônica, a diagramação, o suporte ou veículo, o contexto;
• Estabelecer a ordenação e articulação de ideias principais;
• A estruturação das ideias principais, suas ideias-suporte, as mú-
tuas relações lógico-semânticas entre as ideias;
• O desdobramento das funções principais, suas funções-suporte,
as mútuas relações entre as funções;
• As relações entre ideias, funções e formas — inclusive na articu-
lação explícito-implícita;
• A construção dos sentidos na microestrutura do gênero discursivo,
inclusive coesiva e lexical.

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LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

Nesse momento da compreensão visual/sinalizada, o pro-


fessor faz perguntas específicas sobre o gênero discutido para
compreender e discutir as ideias principais e secundárias. Por
exemplo, se o gênero apresenta a temática da violência sobre a
mulher, o professor faz perguntas para ajudar o aluno a entender
o conteúdo da sinalização. Então, as perguntas do gênero abor-
dado não podem dificultar a compreensão do aluno, mas são uma
“chave” de leitura ou uma entrada de compreensão para o gênero
discursivo sinalizado. Também pode criar atividades para o en-
sino da competência comunicativa com base nos elementos que
aparecem no gênero estudado.

Pós-compreensão visual/sinalizada

A pós-compreensão envolve atividades de reflexão, debate


e produção de novos Gêneros Discursivos a partir do gênero e da
temática discutida. Com base na proposta de Richter (2005, p. 17),
adaptamos para o ensino de libras as seguintes estratégias:

A. Para a compreensão visual/sinalizada — trabalhando re-


flexivamente
• Estratégias retóricas;
• Interfaces socioculturais;
• Perspectivas ideológicas.

B. Para a produção sinalizada — revendo criticamente


• Relações gênero-contexto;
• Subdivisões do gênero discursivo;
• Coesão lógica e referencial, e coerência;
• Modalizações e posicionamentos;
• Adequação de norma e de convenções gráficas.

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LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

Richter apresenta duas propostas de pós-compreensão. A


primeira foca na discussão e a segunda foca na produção de novos
Gêneros Discursivos. Por exemplo, se o professor trabalhou com um
gênero postagem de rede social sobre violência contra a mulher, ele
pode propor um debate com a turma sobre esse tema com pergun-
tas criadas por ele ou pelos alunos. A turma discute as questões e
depois apresenta e debate coletivamente. O professor pode propor
uma discussão sobre a violência contra a mulher, quais as causas
e consequências. Os alunos podem produzir o gênero postagem
de rede social com uma proposta para ser divulgada nos meios de
denúncia da violência contra mulher.
O professor pode também propor que os alunos façam uma
entrevista com outros alunos Surdos e ouvintes sobre a temática
“violência contra a mulher”. Os alunos vão entrevistar outros alunos
fora da sala de aula (pode ser atividade extraclasse). Na aula seguin-
te, eles apresentam os resultados da entrevista e discutem-os com
a turma. Em seguida, podem sinalizar em vídeo um resumo com os
resultados da entrevista.

Metodologia

Este trabalho foi feito por meio de um estudo de caso de


cunho qualitativo. O objetivo foi investigar a coleta de dados e usar
instrumentos estruturados e métodos específicos, para verificar
se os docentes usam estratégias de compreensão e explicação de
Gêneros Discursivos, no ensino dessa língua em um curso superior
de formação de professores surdos de Libras. Conforme Yin (1994,
p. 10), o estudo de caso é uma pesquisa caracterizada por um con-
junto de outros tipos de investigação. De fato, estudos de caso são
uma estratégia de investigação separada que tem os seus próprios
planos de investigação.

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LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

O nosso instrumento de coleta de dados consiste em entrevista


e em filmagem de professores surdos. Na elaboração da filmagem,
foram investigados os dois professores surdos efetivos do curso
de Letras: Libras da Universidade Federal do Tocantins (UFT) do
campus Porto Nacional.
Os dois professores surdos da pesquisa são: professor A, gra-
duado em Administração (bacharelado) e mestre em Letras pela
UFT, residente em Palmas-TO; e professor B, graduado em Letras:
Libras (licenciatura) e mestre em Letras pela UFT, residente em
Palmas-TO.
As participações do professor A e do professor B, que são
surdos, aconteceram de modo virtual, em tempo de pandemia e foi
utilizado o recurso de videochamada pelo Zoom, com gravação de
vídeo. Foi-lhes perguntado, no momento de entrevista, em Libras,
acerca da experiência em ministrar as disciplinas que envolvem o
aprendizado de Libras, no contexto do ensino superior, especifica-
mente nas disciplinas de Libras no curso de Letras Libras.
Foi utilizada a câmera do notebook, modelo Macbook, para
gravar e registrar os professores surdos, que se expressaram direta-
mente em Libras. Em seguida, assistimos as gravações e realizamos
traduções livres para o português.

Discussão e resultados

Os dados coletados na pesquisa qualitativa foram analisados e


foi possível perceber os caminhos adotados para o uso e produção
sinalizada de Gêneros Discursivos em Libras em sala de aula. Or-
ganizamos oito questões diferentes. Os professores surdos da UFT
descreveram os relatos das suas vivências na universidade a partir
das seguintes questões:

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LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

1) Você já usou redes sociais como Facebook, WhatsApp e outras


para apresentar vídeos e discutir algum tema na aula do curso de
Letras Libras?

2) Você já pediu aos alunos que filmassem vídeos em Libras nas


suas aulas?

3) Às vezes, você achou um vídeo nas redes sociais e considerou que


seria muito importante aos alunos e já o utilizou para discussão
em aula?

4) Você já teve a experiência de ensinar, na aula de Libras, Gêneros


Discursivos em Libras, Letramento Crítico e ensino comunicativo?

5) Você acha importante trabalhar com vídeos nas aulas de Libras?


Por quê?

6) Você já pediu para os alunos pesquisarem vídeos e fazer trabalhos


em suas aulas?

7) Você já criou material didático a partir de vídeos autênticos


coletados nas redes sociais?

8) Com que frequência você utiliza a estratégia de buscar os vídeos


de redes sociais para dar aula no curso de Letras Libras?

Basicamente, foram essas as questões utilizadas para obter as


narrativas dos professores. Eles apresentaram detalhes das suas
experiências, suas opiniões, visando desenvolver o ensino de Libras.
Assim, poderá ser melhor a aprendizagem da Libras, no tocante ao
uso dos Gêneros Discursivos em Libras, como material didático em
sala de aula.
Para discutir os dados obtidos das entrevistas, todas realizadas
em Libras, foi feita uma tradução para o português, que transcre-
vemos, a seguir, em itálico. Em seguida, foram feitos comentários

51
LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

sobre as respostas dos professores surdos universitários. Os trechos


em itálico expressam as próprias narrativas dos professores surdos
e as considerações dos pesquisadores.
Na análise dos dados, consideramos os gêneros discursivos
autênticos em Libras que podem ser ensinados com base em estra-
tégias de pré-compreensão, compreensão e pós-
-compreensão da leitura dos alunos surdos e ouvintes. Na aná-
lise de discussão escolhida, há os relatos de experiências no ensino
superior, que descrevem os motivos do uso de vídeos autênticos nas
redes sociais como estratégias para a sala de aula na aprendizagem
dos alunos.
A primeira pergunta questiona: Você já usou redes sociais como
Facebook, WhatsApp e outras para apresentar vídeos e discutir
algum tema na aula do curso de Letras Libras?

Tradução de professor A: Já, por exemplo, achei um vídeo de rede


social importante cujo título foi incorporação à Libras porque tem
relação com a disciplina Libras 4.

Tradução de professor B: Sim, já. Lembrei-me da disciplina Tópi-


cos de Conversação em Libras, cujo objetivo é praticar a produção em
Libras, porque alguns alunos não estavam interagindo com os outros.
Estimulei que eles trabalhassem juntos em grupo, para trocar ideias
e informações, porém coloquei os temas do conteúdo, o que os alunos
queriam discutir sobre esses temas importantes, se tinham interesse
sobre o surdo-cego, Passe Livre Federal, Implante Coclear e pensão, por
exemplo. As questões são muito importantes e estimulam a discussão.
Lembrei-me de um vídeo polêmico de um surdo que postou no Facebook
e deu opinião pública sobre o cartão do passe-livre dos surdos e também
pensão, porque ele queria discutir a questão da igualdade dos surdos
com os ouvintes, mas, na sua opinião, não queria que cortassem passe-

52
LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

-livre e pensão. Então, fez uma crítica sobre isso. Por isso, eu discuti
com os alunos e eles entre si, aproveitando para praticar a língua de
sinais. Além disso, eles puderam se descontrair e perder o nervosismo.
Eles se envolveram na discussão. Eles queriam discutir e entender em
língua de sinais. Às vezes, se esses temas estão disponíveis nas redes
sociais como Facebook ou YouTube, eu os aproveito, porque são bons
exemplos (para as aulas). No entanto, não apresentei fotos e vídeos,
porque não há autorização dos direitos autorais. Prefiro os vídeos de
YouTube, porque são seguros, pois eu tinha que fazer termos de consen-
timento para permitir o direito das imagens e expressar uma opinião.

Todos os informantes afirmam que já utilizaram gêneros em


vídeo-registro em Libras. No entanto, não dá para saber com precisão
a frequência com que eles utilizam. Pela resposta dada, o professor B
usa Gêneros Discursivos em Libras com mais frequência. Em outros
momentos da entrevista, o professor A parece que usa gêneros com
certa frequência. O professor B usa mais gêneros em Libras com te-
mas polêmicos, a fim de incentivar a consciência e reflexão crítica dos
alunos, em sala de aula, no uso de gêneros em Libras autênticos que
devem ter relação com o mundo em que os alunos vivem, para que fa-
çam escolhas livres, para desenvolver a cidadania e o empoderamento.
Como se percebe, os professores têm consciência de que é
importante o uso de gêneros sinalizados em sala de aula, confor-
me Lebedeff e Santos (2014) já pontuaram sobre essa importância.
Segundo essas autoras, o uso de gêneros autênticos em Libras é
importante para desenvolver a comunicação e estabelecer relação
significativa com a vida e experiência dos alunos. Dessa forma, é
possível desenvolver o Letramento Crítico1 e o Ensino Comunicativo
de forma autêntica para os alunos.
1 O letramento crítico incorpora a noção de discursos ou sistemas discursivos como “formas
institucionalizadas de pensamento [que] definem o que pode e o que não pode ser dito a respeito
de um determinado tópico” (ANDREOTTI, 2006, p. 17), frutos da interseção dos sujeitos
e do contexto sociopolítico em que se inserem, e a partir dos quais constroem significados
(MATTOS; VALÉRIO, 2010, p. 139).

53
LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

É importante destacar que o professor B escolhe temas polêmi-


cos e questões ideológicas para que os alunos se tornem profissio-
nais com consciência crítica. Assim, também, podem se tornar cida-
dãos críticos que são valorizados e com potencial para se posicionar
quanto às questões polêmicas e ideológicas. Consequentemente,
podem agir contra formas de opressões, como o racismo, homofobia,
sexismo, relações de poder e de classe, xenofobia e outras formas
de discriminação e exclusão social.
Neste contexto, há produção sinalizada de Gêneros Discursivos
em Libras em sala de aula com sua autonomia, empoderamento e
aprendizagem da Libras. A segunda pergunta questiona: Você já
pediu para os alunos filmarem vídeos em Libras nas suas aulas?

Tradução de professor A: Já pedi que alunos fizessem os trabalhos


para me enviar formalmente no e-mail e não aceitei que eles me envias-
sem no WhatsApp. Se acontecesse alguma coisa, havia como comprovar
por meio do e-mail. Então eles já enviam todos os vídeos sem nada
escrito e, porque têm relação com a disciplina Libras 4, combinei que
não iríamos utilizar a forma escrita.

Tradução de professor B: Sim, depende de tempo, quando dei aulas,


anteriormente, pedi atividades para todos os alunos surdos e ouvintes,
pedi que eles me enviassem só no meu e-mail e não no Whatsapp, pois
poderia causar confusão e, se o aluno não tinha tempo de enviar no
e-mail tinha que me entregar no pen-drive. Quando alunos queriam
discutir sobre a gramática da Libras, terminavam a aula e me envia-
vam os vídeos que eu guardava. Depois apresentava cada vídeo dos
seus trabalhos para discutir com eles, que iam percebendo como é a
gramática da Libras, que depende de tempo.

Como atividades de produção em Libras, os professores sempre


pedem que os alunos façam produções em Libras. O professor A pe-

54
LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

diu para gravar vídeos sem a utilização do português como apoio. O


professor B afirma que já utilizou atividades de filmagem em Libras
com seus alunos. É interessante observar que esse professor utiliza
os vídeos para discutir aspectos da gramática da Libras. Ele usa
gêneros em Libras, mas não é claro se emprega esses gêneros com
enfoque comunicativo e na perspectiva do Letramento Crítico. Às
vezes, pode acontecer de utilizarem o “texto como pretexto” para
o ensino de gramática e vocabulário, o que pode não refletir um
ensino da perspectiva do Letramento Crítico.
É importante destacar que todas essas atividades de produção,
que os professores desenvolvem, parecem que não estão ligadas, em
um primeiro momento, a uma sequência de entender e discutir os
Gêneros Discursivos em Libras e seus temas, para depois realizar a
produção em Libras. É claro que a falta de materiais didáticos e de
pesquisas em Libras de como se pode abordar o ensino de Gêneros
Discursivos em Libras dificulta o trabalho dos professores. Tam-
bém a carência de formação continuada de professores, com foco
no trabalho com Gêneros Discursivos em Libras, bem como Ensino
Comunicativo e Letramento Crítico, faz com que os professores
ajam de forma mais intuitiva, testando possibilidades em sala de
aula que podem ou não funcionar.
A proposta de Richter (2005), adaptada para esta pesquisa,
mostra possibilidades de se abordar os Gêneros Discursivos nas
etapas de Pré-compreensão, Compreensão, Pós-compreensão e
Produção em Libras. Elas possibilitam que determinados gêneros
e temas possam ser ensinados e discutidos em aula, permitindo
uma sequenciação contextualizada: num primeiro momento, a
ativação do conhecimento prévio (Pré-compreensão), passando
pela compreensão sistemática do gênero (Compreensão) e o debate
sobre a temática do gênero estudado, estabelecendo relação com
a experiência de vida dos alunos (Pós-compreensão), chegando,
finalmente, à Produção em Libras.

55
LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

A proposta de Anne Burns (2001) também pode contribuir


para o ensino de Libras na perspectiva de gêneros. Inicialmente, o
professor apresenta para discussão o gênero (modelagem); depois
a turma toda faz uma produção conjunta (negociação conjunta
do gênero); por fim, os alunos trabalham individualmente com a
ajuda do professor (construção independente). Essa proposta pode
ser adaptada para o ensino de Libras com enfoque nos Gêneros
Discursivos.
Além disso, a proposta de sequência didática de Dolz, Noverraz,
Schneuwly (2004) pode ser uma alternativa, para que o professor
trabalhe com um único gênero discursivo em sala de aula de forma
aprofundada, com ênfase na compreensão e produção desse gê-
nero. Da mesma forma, os projetos de letramentos, discutidos por
Kleiman, Ceniceros e Tinoco (2013), possibilitam que o professor
trabalhe com diversos gêneros do discurso com foco no Letramento
Crítico e Ensino Comunicativo. Ambas as possibilidades permitem
que Gêneros Discursivos sejam ensinados, numa sequência de aulas
contextualizadas, na perspectiva do Letramento Crítico e do Ensino
Comunicativo.
Outro ponto relevante dessas propostas é o protagonismo dos
alunos em sala de aula. Elas permitem desenvolver a autonomia,
empoderamento e aprendizagem da Libras de forma que os alunos
se sintam envolvidos no processo e na dinâmica em sala de aula. A
questão contextual coloca em foco o papel dos alunos, bem como
suas experiências, expectativas e seus anseios que são levados em
consideração no momento da tomada de decisões sobre o que deve
ser ensinado em sala de aula.
Por isso, é importante desenvolver a pesquisa com Gêneros
Discursivos, Ensino Comunicativo e Letramento Crítico, para que
os docentes tenham acesso a pesquisas e formações de qualidade
que contribuam para sua prática em sala de aula. Além disso, é ne-

56
LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

cessária a criação e publicação de materiais didáticos que abordem


o Ensino Comunicativo com Gêneros Discursivos numa perspectiva
do Letramento Crítico.
A terceira pergunta questiona: Às vezes, você achou um vídeo
nas redes sociais e considerou que seria muito importante para os
alunos e já o utilizou para discussão em aula?

Tradução de professor A: É importante, é óbvio. Em uma disciplina,


lembro-me de um tema que você conhece, um vídeo de duas gêmeas
(divulgado nas redes sociais). Há a estratégia de que elas usam, uma
à frente e a outra atrás e sinalizam sobre um acidente de carro. É um
exemplo lá da Suécia e traz uma mensagem. Elas utilizam a incorpora-
ção, e o aluno vê e incorpora, mas também há uma mensagem de que
não se pode usar celular no trânsito. Então, não pode haver excesso
de velocidade no trânsito e usar o celular. Assim, há uma mensagem
que traz informações sobre a conscientização no trânsito. É importante
unir essa história e sua mensagem com o tema incorporação na Libras.

Tradução do professor B: Já fiz, quando busquei o vídeo de um ho-


mem americano que expressou mímica e mistura em Cacicado, isso foi
possível para uma nova turma ouvinte como iniciante, alunos tentaram
entender o que ele falou. Se não entendessem eles faziam anotações
sobre o vídeo, eles praticam mais em Libras, quando pausamos o
vídeo para entender, assim, como pausamos ao ler um texto, depois
voltávamos a assistir. Então eles conseguem perceber, entender-se.
Anotavam e assistiam de novo ao vídeo estabelecendo comparações e
entendendo os sinais que desconheciam. É muito bom e ajudou muito
no desenvolvimento da Libras.

Em relação a essa pergunta, todos os professores afirmaram


que é importante o emprego de Gêneros Discursivos em Libras,
em sala de aula, assim como afirmam que já utilizaram, de alguma

57
LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

forma, gêneros sinalizados para o ensino de Libras. Fica evidente


que todos têm a percepção da importância do ensino de gêneros
em Libras. No entanto, os objetivos de ensino variam naturalmente:
o professor A enfatiza que os alunos podem se acostumar com a
variação linguística que é inerente a todas as línguas, pode ser um
estímulo para que os alunos aprendam mais a Libras; o professor B
relata sua experiência com um gênero em língua de sinais com forte
componente gestual para alunos ouvintes iniciantes. A estratégia
adotada foi tomar notas e ver os gêneros diversas vezes para que
facilitasse a compreensão. Além disso, enfatiza a importância de se
conhecer pontos de vista de pessoas diferentes.
Nesse sentido, Lebedeff e Santos (2014) discutem as vantagens
do uso de Gêneros Discursivos, sinalizados na aula de Libras para
o Ensino Comunicativo, com a discussão e produção de curta-me-
tragem para o desenvolvimento da fluência na Libras. No entanto
esses mesmos autores chamam a atenção para o fato de que o uso
de gêneros em Libras não determina a metodologia de ensino do
professor. Contudo o uso desses gêneros foi como pretexto para o
ensino de fonologia, em particular, os parâmetros da Libras. Nesse
sentido, faz-se necessário que o uso de Gêneros Discursivos no
ensino de Libras seja autêntico e relevante para o contexto de en-
sino. Além disso, a adoção de uma metodologia de ensino, como o
Ensino Comunicativo, deve ser primordial para o bom desempenho
nas aulas de Libras. Segundo as autoras, há toda uma dinâmica e
diferenças nas salas de aula, em que o professor atua, que influen-
ciam na metodologia de ensino, a recepção da turma e a diversidade
cultural que cada aluno traz de seu contexto de vida.
A quarta pergunta questiona: Você já teve experiência de en-
sinar na aula de Libras Gêneros Discursivos em Libras, Letramento
Crítico e Ensino Comunicativo?

58
LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

Tradução de professor A: Você me perguntou se já ensinei em alguma


disciplina esses três conteúdos: Letramento Crítico, Gênero Discursivo
e Ensino Comunicativo. Já ensinei esses três itens nas disciplinas. Já
ensinei na disciplina de estágio sobre esses temas e também em outras
disciplinas do segundo período. Esses temas são muito importantes de
serem articulados no ensino para que os alunos aprendam.

Tradução de Professor B: Conheço esse conceito Letramento


Crítico, mas ainda não pesquisei sobre isso. Já desenvolvi muito nas
aulas realizadas muitas vezes. Sempre apresentei perspectivas dos
autores com diferentes visões, eu e os alunos criticamos e discutimos
alguma coisa já nas disciplinas de Morfossintaxe e Conversação em
Libras. Na disciplina Fonologia e Fonética também realizei discussões
e comparação com outras línguas indígenas. Apresentei o autor que
criticou contra outro autor e são muito diferentes de visões famosas,
alguns alunos defendem essa ideia e outros discordam. Dou aula
no PARFOR, lembrei-me da disciplina Metodologia de Formação de
Professores e alguns alunos já fazem muito o método tradicional.
Primeiro item que esqueci? Na disciplina Conversação de Libras, já
realizei desenvolver nas aulas alunos treinando que são mais fluentes
em libras, para perceber o jeito de cada surdo, se fala mais difícil
ou devagar, fácil. A Libras tem diversos GT aspectos, depende desse
conceito, apresentei política em Libras, seria difícil de compreender ou
não, por exemplo, estimulei os alunos que acham treinar mais difícil,
também dentro da justiça, que alunos treinarão desafios em Libras,
por exemplo. Contei coisas engraçadas, lembrei-me de quando fiz o
curso de instrutor de 1 até 4 módulos, ensinei mais o método tradicio-
nal, porque eu não tinha consciência e não tinha experiência. Depois
ingressei no curso de Letras Libras que me ajudou a ter consciência
para compreender, então, é melhor o Ensino Comunicativo e evito
fazer o método tradicional.

59
LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

A pergunta quatro questiona se os docentes já desenvolveram o


ensino de Libras com o enfoque comunicativo dos Gêneros Discur-
sivos e Letramento Crítico. O professor A informa que já trabalhou
com Gêneros Discursivos, Letramento Crítico e Ensino Comunica-
tivo nas aulas de Libras. O professor B explica que já desenvolveu
práticas de ensino com Letramento Crítico, Gênero Discursivo e
Ensino Comunicativo, mas não parece ter muita clareza sobre o
Letramento Crítico.
Como se observa, há um esforço dos professores em utilizar
Gênero Discursivo, Letramento Crítico e o Ensino Comunicativo
em suas aulas. No entanto, ainda falta desenvolver pesquisas vol-
tadas para práticas de ensino nas perspectivas de gênero, Letra-
mento Crítico e Ensino Comunicativo. Assim também, a formação
continuada de professores deve ser desenvolvida para que possam
ensinar a Libras de forma que envolva essas perspectivas adotadas
nesta pesquisa.
De acordo com Gesser (2012), é importante que o ensino de
Libras adote práticas comunicativas autênticas que promovam o
desenvolvimento da fluência em Libras. Nesse sentido, importa
ter clareza dos papéis do professor e do aluno quanto ao método
comunicativo, conforme descrito por Richard e Rogers (1999).
Além disso, os materiais didáticos podem desempenhar um papel
central no ensino de Libras, mas infelizmente há poucos materiais
disponíveis e, muitas vezes, o professor tem que criar seu próprio
material. Pode-se criar materiais didáticos, a partir das propostas
de sequências didáticas de Dolz, Noverraz e Schneuwly (2004) e
dos projetos de letramento, na proposta de Kleiman et al. (2013).
A quinta pergunta questiona: Você acha importante trabalhar
com vídeos nas aulas de Libras? Por quê?

60
LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

Tradução de Professor A: Muito importante, porque os alunos pre-


cisam ter consciência. Por exemplo, se eu observar a Libras e um aluno
meu filmar minha sinalização, pode haver outra pessoa que percebe as
variações linguísticas. Isso me desafia. Se eu sinalizo e outro surdo não
entende, como eu posso sinalizar para ele entender. Se não entende, é
necessário praticar a variação linguística.

Tradução de Professor B: Depende dos vídeos, tem duas coisas:


primeiro, os alunos têm que estudar mais sobre a gramática da Libras
melhor, porque eles vão descobrir novas informações; se professor os
ajudar sempre, não desenvolvem nada, eles têm que ter desafios para
desenvolver uma pesquisa, eles podem entender diferentes gramáti-
cas das línguas e outras questões. Se for quem é estudante de Letras,
ouvinte tem que praticar a Libras e também expressar-se em vídeos,
para evitar a extinção da Libras, se o aluno faltou à aula e já esqueceu
algo do conteúdo do que imagina. Pedi para eles criarem um grupo de
WhatsApp para trocar ideias só em Libras e nada em português. Por
isso, eles têm contato em Libras todos os dias.

Em relação a essa pergunta, os professores afirmam que é


importante o ensino de Gênero Discursivo em vídeo nas aulas de
Libras. O professor A destaca que ensinar Libras, sem o apoio de
vídeos na língua de sinais, impossibilita o aprendizado. Além disso,
enfatiza que os gêneros sinalizados promovem o aprendizado, bem
como o conhecimento de variações linguísticas na Libras. O pro-
fessor B enfatiza que é importante aprender a gramática da Libras.
Além disso, o uso de grupos de WhatsApp com vídeos só em Libras
é uma estratégia de incentivar a comunicação fora da sala de aula.
É importante destacar que há uma preocupação dos docentes
em ensinar aspectos gramaticais e variações linguísticas da Libras
em sala de aula. De acordo com Nunan (2001, p. 191), há uma visão
tradicional do ensino de gramática que supõe que seu ensino deve

61
LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

acontecer de modo linear, em que um item deverá ser ensinado de


cada vez. Dessa forma, os alunos devem dominar um item gramatical
de cada vez para aprenderem outro item gramatical. Essa perspec-
tiva, metaforicamente, refere-se a um modelo de gramática, como a
“construção de um muro”: cada item gramatical corresponde a um
tijolo que deve ser colocado na sequência correta (NUNAN, 2001,
p. 191). Segundo Nunan (2001, p. 191), a tarefa do aluno é aprender
os “tijolos linguísticos na ordem correta: primeiro os tijolos das pa-
lavras, depois os tijolos das orações”. Se o aluno não tiver domínio
de algum item gramatical ou “se os ‘tijolos’ estiverem colocados
de forma incorreta, o muro cairá em sua própria agramaticalidade”
(NUNAN, 2001, p. 191).
Em contrapartida, Nunan (2001) faz uma proposta de uma
abordagem “orgânica”. Ao observar como os alunos aprendem
as estruturas gramaticais, Nunan (2001) conclui que não há uma
ordem correta ou tempo específico para o aluno assimilar essas
estruturas. Segundo ele, o aluno tem contato diário, no ensino de
línguas, com diversos itens gramaticais, que eles devem entender e
usar funcionalmente. Para o autor, o domínio de uma determinada
estrutura gramatical é “instável, parecendo que aumenta e decai em
diferentes momentos durante o processo de aprendizagem” (NU-
NAN, 2001, p. 192). Alguns itens gramaticais tendem a “deteriorar
temporariamente”, enquanto os alunos estão aprendendo outro
item gramatical (NUNAN, 2001, p. 192).
Na perspectiva de Nunan (2001), em vez de adotar um modelo
de ensino de gramática, como se estivesse “construindo um muro”,
deveríamos pensar num modelo orgânico: como se estivéssemos
“cultivando um jardim”. Na proposta de Nunan (2001):

Dessa perspectiva, os alunos não aprendem uma única


coisa perfeitamente, um item de cada vez, mas várias
coisas simultaneamente e de forma imperfeita. As flores

62
LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

linguísticas não aparecem todas ao mesmo tempo, nem


todas crescem na mesma proporção. A taxa de cresci-
mento é determinada por uma complexa interação de
fatores relacionados a restrições de processamento da
fala, intervenções pedagógicas, processos de aquisição
e a influência do ambiente discursivo em que os itens
ocorrem (NUNAN, 2001, p. 192).

Nesse sentido, os alunos aprendem diversos itens gramaticais


ao mesmo tempo que serão assimilados com o passar do tempo e de
acordo com o uso que eles fazem no seu dia a dia. Portanto, em vez
de ensinar um item gramatical por vez, o professor poderia enfatizar
as diversas formas linguísticas com as quais o aluno tem contato
diariamente em Gênero Discursivo, bem como ensinar a entender
quais os sentidos e as funções que desempenham em determinado
gênero discursivo.
Nessa perspectiva, Brown (2001) faz a distinção de ensino de
gramática com “foco na forma”, em que um único item por vez é
ensinado, em contraposição ao “foco nas formas”, em que vários
itens gramaticais podem ser ensinados, dependendo do contato que
o aluno tem em diversos gêneros estudados. Assim, a preocupação
excessiva com o ensino de gramática pode levar a abordagens mais
tradicionais de ensino de língua, enquanto a comunicação pode
ficar em segundo plano.
Além disso, Mattos e Valério (2010) destacam que o Ensino
Comunicativo deve ser permeado pelo Letramento Crítico. Para
as autoras, o Letramento Crítico possibilita a inclusão do sujei-
to no mundo, por meio do conhecimento dos diversos aspectos
linguísticos e socioculturais que constituem a sociedade. Além
do mais, o Ensino Comunicativo aliado ao Letramento Crítico
possibilita o desenvolvimento da consciência, para que o aluno
reflita criticamente sobre sua realidade, posicionando-se sobre

63
LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

aspectos ideológicos e relações de poder. Portanto o ensino de


Gênero Discursivo em Libras, aliado ao Ensino Comunicativo e ao
Letramento Crítico, propicia a formação crítica dos sujeitos que
integram a comunidade Surda.
Nesse sentido, conforme Lebedeff e Santos (2014) discutem, o
uso de gêneros autênticos favorece o desenvolvimento da apren-
dizagem de forma contextualizada. Se considerarmos que a lingua-
gem permeia todos os aspectos da vida humana, conforme destaca
Bakhtin (1997), o uso de Gênero Discursivo em Libras possibilita que
o professor aborde uma diversidade de usos da língua em contextos
autênticos. Portanto, o ensino de gêneros sinalizados em sala de aula
leva em conta a língua como uma prática social (BAKHTIN, 1997),
bem como possibilita uma abordagem de Ensino Comunicativo e a
promoção do Letramento Crítico.
A sexta pergunta questiona: Você já pediu para os alunos pes-
quisarem vídeos para fazer trabalhos em suas aulas?

Tradução de Professor A: Já, lembrei-me da disciplina Libras V ou VI,


pedi para eles fazerem uma pesquisa sobre metáfora em Libras. Então
eles buscaram alguns vídeos nas redes sociais que tivessem relação com
esse tema. Quando íamos discutir na aula sobre o tema metáfora, eles
já apresentavam alguns vídeos e davam sua opinião. Alunos relataram
que foi uma experiência positiva, porque não conheciam muito sobre
esse tema. Ajudou muito no desenvolvimento de aprendizagem.

Tradução de Professor B: Já sim, quando pedi um trabalho com uma


lista dos temas em gênero textual, sobre a relação entre a formalidade
e informalidade em Libras. E também pedi o enquadramento do fundo
de imagem, mas não fiz questões de atividade, só dei os temas para
eles, que queriam escolher esses temas seguindo jornal, literatura surda
etc… A lista dos temas que fiz numa tabela: de um lado formal, abaixo
informal, para eles lerem e fazerem pesquisas em vídeos no YouTube,

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LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

fazendo relações de acordo com essa tabela e, também, eles deviam


pegar todas as fontes. Lembrei-me da dissertação de um Surdo que ele
fez relacionado a isso. Achei muito legal, porque ajudou os alunos a
verem vários gêneros em Libras. E também fiz orientação com referência
à Revista Brasileira de Vídeo-registro de Libras.

O professor A relata que trabalhou com gêneros em Libras


para discutir metáforas nas disciplinas de Libras V e VI. Os alunos
relatam pontos positivos na aprendizagem, ao apresentar os vídeos,
o que possibilita ampliar o conhecimento em Libras. É interessante
notar que há uma preocupação do docente, em ensinar questões
linguísticas da Libras, o que é importante para a formação dos pro-
fessores. No entanto isso é reflexo da própria ementa das disciplinas,
que enfatizam as dimensões linguísticas da língua, em vez de dar
abertura para uma ação focada em abordagens mais comunicati-
vas. As ementas das disciplinas Libras V e VI, do PPC de 2014, que
estava em vigência quando o docente ministrou essas disciplinas,
são as seguintes:

Língua Brasileira de Sinais V: Estudo das situações


prático-discursivas da Libras, mediante a aprendiza-
gem e o uso de estruturas léxico-gramaticais de nível
intermediário-avançado para o desenvolvimento das
habilidades linguísticas e comunicativas. Análise
reflexiva dos aspectos semânticos e pragmáticos da
língua de sinais brasileira. Inclusão dos aspectos so-
cioculturais das comunidades surdas. Atividades de
prática como componente curricular. Língua Brasileira
de Sinais: VI: Estudo de situações prático-discursivas
da Libras, mediante a aprendizagem e o uso de es-
truturas léxico-gramaticais de nível avançado para o
desenvolvimento das habilidades linguísticas e comu-
nicativas, com ênfase nos aspectos socioculturais das
comunidades surdas. Análise reflexiva da estrutura do

65
LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

discurso em língua de sinais e da variação linguística. A


questão do bilinguismo: português e língua de sinais.
Atividades de prática como componente curricular
(PPC, 2014, p. 25).

Ambas as ementas apresentam enfoques léxico-gramaticais,


socioculturais e situações práticas e discursivas. A ementa de Li-
bras V também inclui questões semânticas e pragmáticas da Libras.
A ementa de Libras V enfatiza questões discursivas e variações
linguísticas, além do bilinguismo (português e Libras). Embora as
ementas abordem questões discursivas de forma mais geral, o que
parece se sobressair, na prática, são abordagens mais voltadas para
os estudos linguísticos da Libras. O curso de LetrasLibras da UFT
apresenta disciplinas distintas de Fonética e Fonologia, Morfossin-
taxe, Semântica e Pragmática, bem como Sociolinguística da Libras.
No entanto as disciplinas de Língua Brasileira de Sinais de I a VI
também preveem o ensino de aspectos linguísticos da Libras, o que
acaba diminuindo o tempo de atividades voltadas para o ensino de
gêneros e abordagens comunicativas da Libras. Nesse sentido, os
professores devem dividir o tempo da aula trabalhando questões
linguísticas da Libras com questões comunicativas e discursivas
da Libras.
O professor B solicitou uma pesquisa com uma lista de temas
e Gêneros Discursivos veiculados em jornal, bem como Literatura
Surda. Também apresentou outros gêneros em Libras. A proposta
enfatizou a questão de formato, formal ou informal, além de ques-
tões de enquadramento e fundo da imagem nas gravações de vídeos.
Por isso, orientou os alunos sobre as regras formais de gravação e
edição de vídeo adotadas pela Revista Brasileira de Vídeo-registro
da Libras.
Como se observa, o professor B conseguiu dar mais ênfase às
questões discursivas, aprofundando aspectos como a formalidade

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LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

e informalidade dos Gêneros Discursivos, bem como os cuidados


com a forma e edição das filmagens. Nesse sentido, segundo Silva
(2011), o ensino de Gênero Discursivo em sala de aula é fundamental
para que os alunos tenham acesso e conhecimento sobre as práticas
de letramento. Além disso, os Gêneros Discursivos potencializam
abordagens comunicativas no ensino de Libras.
Nesse sentido, na visão de Mattos e Valério (2010, p. 144), ao
ensinar a língua por meio de Gênero Discursivo, o professor esti-
mula que os alunos desenvolvam competências metalinguísticas,
analisando os diversos níveis linguísticos, retóricos e discursivos da
Libras. Como se percebe, os professores têm se preocupado com o
ensino dos aspectos linguísticos e gramaticais da Libras, o que é, em
certo sentido, reflexo das ementas que determinam os conteúdos
que devem ser ensinados. No entanto abordagens comunicativas e
de letramento podem ser enfatizadas com o ensino de Gênero Dis-
cursivo, sem deixar de lado os aspectos linguísticos e gramaticais
da Libras.
A sétima pergunta questiona: Você já criou material didático a
partir de vídeos autênticos coletados nas redes sociais?

Tradução de Professor A: Já, eu utilizo materiais didáticos em


Libras e já ensinei também. Eu queria mostrar um vídeo em Libras e
organizei como um material didático. Os ouvintes precisam de desafios
em Libras. Então, eu peguei vídeos do Facebook sobre relacionamento
em Libras. É importante mostrar. Eu peguei vídeos do YouTube como
referência para o ensino de classificadores em Libras. Eu peguei o
material e organizei, porque é bom mostrar aos alunos (surdos) e
ouvintes, pois deve haver igualdade. Eles precisam aprender variação
linguística em Libras. Eles gostaram muito. Eu sempre organizo para
as aulas, porque é importante conhecer as diferenças linguísticas por
meio de vídeos.

67
LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

Tradução de Professor B: Já, por exemplo, percebi alguns vídeos


do Facebook ou outra rede social que os surdos expressam de forma
diferente e têm ótimas opiniões. Esse recurso me ajuda, mas há uma
carência de pesquisa no Brasil. Aproveito para dar informações na aula
para alunos compreenderem o conteúdo. Se não houver pesquisa, os
alunos podem pesquisar mais. No entanto essa questão de material
didático já utilizei, no momento ainda não encontrei. Então, você lembra
que eu contei sobre didática em que houve confusão e problema, por
exemplo, eu ministrei aspectos gramaticais. Você sabe que o âmbito
de gramática da Libras é em sua maioria abstrato e não tem como
comprovar, não é possível ver na comunicação. Como sou surdo, você
sabe que os surdos têm dificuldade de compreender a forma, eu explico
esse conceito, porque os surdos têm habilidade de ver as coisas de for-
ma mais concreta e no mundo dos sentidos, mas os surdos ainda não
se acostumaram a ver abstrações. Já aconteceu comigo de um aluno
me perguntar o que significa “gramática”? Eu fico pensando… é difícil
explicar essa questão. Então eu expliquei esse conceito em detalhes e
escrevi no quadro. Alunos tentaram entender o que a gramática con-
templa, é alguma coisa assim? Eu falei, não é isso. Fiquei refletindo,
expliquei esse tema sobre gramática para alunos, até que enfim enten-
deram. Eu preciso de didática, porque expliquei tudo aos alunos para
eles entendessem bem, mas os novos alunos eu explico várias vezes, por
isso, vou dar recursos didáticos e diminuo a explicação e ganho tempo.
Os alunos conseguem entender rápido esse recurso. Essas questões são
difíceis como o conceito de verbo, substantivo etc… preciso de didática.

Essa pergunta investiga se os professores já criaram materiais


didáticos, a partir de gêneros autênticos em Libras, encontrados
em vídeos nas redes sociais. O professor A relata que já utilizou
materiais didáticos em vídeo-registro. Ele pegou vídeos do YouTube
e levou para a sala de aula para seus alunos entenderem e apren-
derem Libras. Em sua aula, o objetivo é de interação a partir dos

68
LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

gêneros autênticos em vídeo-registro. O professor B explica que


já usou algum tipo de material didático, mas não afirma se criou
algum material didático na perspectiva dos Gêneros Discursivos. No
entanto, utilizou-os para o ensino da gramática da Libras. Ele relata
que percebe dificuldade na compreensão de conceitos abstratos,
mas parte da hipótese de que gêneros sinalizados em vídeo-registro
podem ajudar na compreensão desses conceitos abstratos (como
verbo e substantivo), bem como em aspectos gramaticais da Libras.
Por isso, é importante a formação continuada de professores
para que possam aprimorar sua prática de ensino. Nesse sentido,
propostas como a sequência didática de Dolz, Noverraz, Schneu-
wly (2004), bem como os Projetos de Letramento, com base em
Kleiman, Ceniceros e Tinoco (2013), são opções que os professores
podem adotar para a criação de materiais didáticos para o ensino
de Libras. Nesse sentido também, a proposta de Richter (2005) de
sequenciação de perguntas de Pré-compreensão, Compreensão e
Pós-compreensão, bem como a Produção Sinalizada, é uma possi-
bilidade para o trabalho mais focado em um gênero discursivo em
Libras. Portanto a pesquisa sobre o ensino de Libras com Gênero
Discursivo deve contribuir para a formação inicial e continuada dos
professores de Libras tanto para a Educação Superior, como para a
Educação Básica.
A oitava pergunta questiona: Com que frequência você utiliza
a estratégia de buscar os vídeos de rede sociais para dar aula de
curso de Letras Libras?

Tradução de Professor A: Um exemplo que busquei foi apresentar


um vídeo em sala de aula, também quero a opinião dos alunos de
Letras Libras, isso tem vantagens e desvantagens, pode ser ótimo ou
péssimo, quando estávamos discutindo em aula, alguém achou que
não era legal, acrescentei uma atividade para eles, isso foi um desafio,
o que é significado, eles vão aprender mais. Quando ele assistiu a um

69
LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

vídeo, disse, que bacana, não só isso, mas queria que ele explicasse
assim, faltou ter consciência. Então fiz estratégia para dar atividades
na sala de aula.

Tradução de Professor B: Depende da disciplina, quando dei aula


de Fonética e Fonologia da Libras, seguindo teoria de funcionalismo e
gramática da língua, criei um PPT e pesquisei os temas da aula para
ajudar os alunos a entenderem bem. Às vezes, não compreendem como
é a forma da frase em Libras. Dei exemplos com os vídeos para que
conseguissem compreender melhor. Também pausamos e anotamos
conceitos da estrutura SVO que estavam sendo discutidos. Às vezes
utilizei em ELAN também. Depende do tema. Se não é gramática,
apresento conversação e produção textual em Libras, em que alunos
ficam observando com calma e avançam a compreensão por níveis.
Depois eles praticam em Libras. Depois praticam os gêneros textuais,
sua compreensão e produção textual nos vídeos que eles veem. Então
percebem que o vídeo era jornal, literatura ou vestibular e Prolibras.
Assim, eles têm que reconhecer cada conceito do gênero no vídeo nas
redes sociais.

Essa pergunta indaga sobre a frequência que os docentes utili-


zam Gênero Discursivo em Libras para o ensino no curso de Letras
Libras. O professor A afirma que há vantagens no uso de gêneros
em Libras. Ele adota diversas estratégias de ensino, bem como tenta
adotar atividades diferentes. Também não explicita com que frequ-
ência utiliza os Gêneros Discursivos no ensino de Libras.
O professor B afirma que utiliza gêneros de acordo com a dis-
ciplina que está ministrando. Em geral, ele ministra disciplinas de
linguística da Libras, como Fonética e Fonologia e Morfossintaxe
(“teoria do funcionalismo e gramática da língua”). Nesse caso,
utiliza Gênero Discursivo para explicar a estrutura linguística da
Libras, como a ordem das sentenças (SVO) em Libras. Também

70
LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

utiliza o ELAN como uma estratégia de análise linguística em sala


de aula. Ministra disciplinas de conversação e produção textual em
Libras. Nessas disciplinas, utiliza vídeos para a prática em sala de
aula, para incentivar a compreensão e produção em Libras, bem
como para a percepção das características dos gêneros ensinados,
tais como gêneros em jornal, literatura Surda, questões de vestibu-
lar e Prolibras. Assim, os alunos precisam aprender a reconhecer a
estrutura do gênero discursivo na Libras.
Conforme Mattos e Valério (2010), o Ensino Comunicativo
enfatiza aspectos comunicativos e de interação na língua para
poder entender e expressar a língua. Por outro lado, o Letramen-
to Crítico discute questões ideológicas e relações de poder, para
formar a consciência crítica, bem como mudar o seu meio social.
Nesse sentido, o aluno pode conhecer os discursos na sociedade,
aprendendo a questionar e criticar posições de poder implicadas
nas práticas sociais.
Assim, os relatos dos professores demonstram que há uma
preocupação em empregar Gênero Discursivo na aula de Libras,
mas ainda se faz necessário desenvolver o ensino com enfoque
em objetivos comunicativos mais claros, em vez da ênfase que
é dada ao ensino de gramática e questões teóricas da língua e
educação de Surdos. No entanto as práticas dos docentes são
fortemente influenciadas pelos conteúdos e ementas dos PPCs
do curso, os quais precisam ser seguidos para cumprir o PPC
de forma coerente com o que foi planejado. Nesse sentido, as
ementas das disciplinas de Libras podem ter um efeito retroativo
sobre a prática dos docentes, o que, por vezes, pode acarretar
numa preocupação maior com o ensino de gramática e questões
teóricas sobre o ensino de Libras.

71
LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

Considerações finais

Neste trabalho, buscamos analisar os relatos de experiências


da formação de professores surdos de Libras com o uso de gêneros
autênticos, que possam favorecer o desenvolvimento da aprendi-
zagem de forma contextualizada dos alunos do Letras Libras. Entre
essas atividades, apresentamos uma proposta de sequenciamento
em Pré-compreensão, Compreensão e Pós-compreensão, bem como
a Produção Sinalizada no ensino de Libras com Gênero Discursivo,
que serviu de base para a origem dos dados realizados da pesquisa
nesse momento.
Com os objetivos e hipóteses alcançados das contribuições des-
te trabalho, como primeiro objetivo foram analisadas as sinalizações
e comentários em itálico anteriores feitos pelos professores surdos
de Libras no ensino de Libras com Gênero Discursivo. Foram ana-
lisadas as contribuições, para a formação inicial e continuada para
a Educação Superior, como para a Educação Básica. Como segundo
objetivo deste trabalho investigamos se os professores promovem
a compreensão e a produção de Gêneros Discursivos em vídeo-
-registro no ensino de Libras, em um curso superior de forma-
ção de Licenciatura em Letras Libras. Em geral, os docentes afirmam
que usam vídeo-registro em Libras para o desenvolvimento da
comunicação em sala de aula. No entanto eles não revelam se uti-
lizam sequências didáticas e projetos de letramento para o ensino
de Gêneros Discursivos em Libras.
A questão norteadora da pesquisa foi: apresentar algumas
estratégias de sequenciação de Pré-compreensão, Compreensão e
Pós-compreensão, para o ensino superior com os alunos surdos e
ouvintes, no momento da sinalização visual de gêneros discursivos
autênticos em Libras pelos comentários de redes sociais dos profes-
sores de Letras Libras. Todos os docentes afirmaram que utilizam

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LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

materiais didáticos em vídeo-registro em suas aulas de Libras. No


entanto apenas um docente afirma ter conhecimento sobre os Gê-
neros Discursivos autênticos e eventualmente adota a perspectiva
de gêneros para o ensino de Libras.
Em relação ao Letramento Crítico, os docentes, em geral, afir-
mam que conhecem e já desenvolveram discussões críticas em sala
de aula. Assim, embora tenham conhecimento teórico básico sobre
o assunto, usam de forma mais intuitiva estratégias de ensino que
promovem discussões críticas em sala de aula.
No momento, os estudos teóricos da publicação de livros e
artigos, em uso de gêneros autênticos nas Libras e a formação de
professores de Libras, seguem revisão por pesquisadores surdos,
professores experientes e especialistas na área de Libras, especifi-
camente em competências metalinguísticas, diversos níveis linguís-
ticos, retóricos e discursivos da Libras, pois antes de sua publicação
é fundamental lançar uma nova edição.
Lebedeff e Santos (2014) discutem a importância de, no ensino
de Libras, adotarmos Gêneros Discursivos em vídeo-registro, como
recurso didático, para o desenvolvimento de competências e habi-
lidades comunicativas. Dessa forma, além da compreensão desses
gêneros sinalizados em Libras, deve haver o enfoque na produção de
gêneros em Libras como a curta--metragem. Os Gêneros Discursivos
em vídeo-registro são facilmente compreendidos e acessíveis aos
alunos, o que possibilita o desenvolvimento da aprendizagem da
Libras. Além disso, são importantes para o uso comunicativo, pois
apresentam situações comunicativas reais que são importantes para
as práticas sociais e discursivas dos alunos.
Como se observou, os dois docentes têm preocupação com o
ensino de materiais em vídeo-registro de Libras e revelam que, em
alguns momentos, foram usados esses tipos de materiais. Assim, é
possível perceber que o uso de Gêneros Discursivos Autênticos em

73
LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

Libras pode ser proveitoso para um Ensino Comunicativo. No en-


tanto, os professores parecem não ter usado perspectivas de ensino
com foco em Gêneros Discursivos ou Letramento Crítico de forma
sistemática. Embora promovam algumas discussões críticas em suas
aulas, não evidenciam a utilização do Letramento Crítico como uma
abordagem de desenvolvimento do ensino em sala de aula.
As análises dos pesquisadores da área de Libras apontam al-
guns aspectos importantes: a criação de materiais didáticos com
enfoques comunicativos e de Letramento Crítico para o ensino
de Libras é necessária. Assim, é preciso desenvolver sequências
didáticas e projetos de letramento para o ensino de Libras. Esses
materiais possibilitam o desenvolvimento de ensino de Libras numa
perspectiva crítica.

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LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
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LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

SIGNWRITING NA APRENDIZAGEM DO
PORTUGUÊS ESCRITO: POR UMA ABORDAGEM
BILÍNGUE PARA SURDOS

Daniele Miki Fujikawa Bózoli


Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR)

Marianne Rossi Stumpf


Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC)

Introdução

O reconhecimento da Libras foi uma enorme conquista para a


comunidade surda brasileira. O rompimento do estigma de surdez
como patologia, que durante tantas décadas permearam a educação
dos surdos, foi o primeiro passo para que a Libras fosse considerada
sua língua natural, possibilitando a identificação como sujeitos bi-
língues sinalizantes1 de língua de sinais e da língua majoritária oral,
português escrito, vivenciando duas línguas e culturas diferentes.
No Brasil, as conquistas da comunidade surda se fizeram
presentes por meio de leis e decretos que amparam seus direitos,
sendo que esse reconhecimento protagonizou-se em 2002, através
da oficialização da Lei Federal nº 10.436/2002 (BRASIL, 2002) e,
desde então, a Libras foi legalmente conceituada como a primeira

1 Sinalizante faz analogia à falante, que “fala” uma língua de sinais, ou seja, pessoa que sinaliza
uma língua de sinais (QUADROS, 2019).

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LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

língua (L1) e o português, na modalidade escrita, como sendo a


segunda língua (L2). Porém, somente após a regulamentação do
Decreto nº 5.626/2005 (BRASIL, 2005), a Libras passou a ser consi-
derada fundamental para o desenvolvimento cognitivo e como meio
de acesso ao conhecimento e integração do surdo na sociedade.
Importante destacar também a aprovação da Lei nº 14.191/2021
(BRASIL, 2021), que insere a Educação Bilíngue de Surdos na Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei nº 9.394/1996) como
uma modalidade de ensino independente, antes incluída como parte
da Educação Especial.
Apesar do reconhecimento da Libras como sendo a língua na-
tural da maioria dos surdos brasileiros, como fazem parte de uma
minoria linguística, para que possam validar seus direitos frente à
comunidade ouvinte, é essencial que aprendam a língua majoritária
oral, ou seja, o português na modalidade escrita.
Diante desta realidade, constata-se um considerável aumento
de pesquisas que têm como escopo a educação bilíngue para surdos,
empenhadas em discutir metodologias que contribuam para a apro-
priação da segunda língua pelos surdos, analisando basicamente
como se processa a interação entre línguas que se expressam por
canais sensoriais distintos, ou seja, a Libras como língua visual-
-espacial e o português como língua oral-auditiva.
De acordo com Morais (1996 apud CAPOVILLA et al., 2001),
alguns estudos comprovam que a alfabetização aumenta a cons-
ciência dos sons da fala, sendo que neste processo, orienta-se à
criança ouvinte fazer codificação e decodificação fonológica, ou
seja, associar os grafemas com os fonemas de sua língua oral e vice-
-versa. No decorrer desta etapa é comum a criança escrever como
ela fala, possibilitando à criança ouvinte desenvolver seu pensa-
mento estruturado em palavras e, consequentemente, denota-se
uma sequência entre o que a criança ouvinte pensa, fala e escreve,

77
LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

tudo em sua própria língua. Segundo Capovilla et al. (2001), é um


processamento intuitivo que utiliza as propriedades fonológicas de
sua fala interna em auxílio à leitura e à escrita.
Contudo, em se tratando de algumas crianças surdas, esse
processo é distinto pois elas pensam e falam em língua de sinais,
cuja modalidade é visual-espacial, sendo que ao escrever espera-se
que use a língua majoritária oral, no caso a língua oral-auditiva.
De acordo com Capovilla et al. (2001), a escrita é estruturada com
base no processamento interno e desta maneira, percebe-se que a
criança surda utiliza naturalmente sua sinalização interna como
auxílio para a compreensão da leitura e da escrita. Este descompasso
acarreta pouco aproveitamento da escrita alfabética da língua oral,
apontando erros que não são de natureza fonológica, mas visual.
Quadros (2000) corrobora com este pressuposto, sustentando
que a escrita da língua oral não intercepta as relações de significado
da língua de sinais, não conseguindo expressar a língua em que a
criança surda processa seu pensamento. Todavia, a autora aponta
que se o processo de aquisição descrito for em sua língua natural,
a língua de sinais, seu desenvolvimento cognitivo será melhor ex-
plorado, favorecendo a apropriação da segunda língua com muito
mais facilidade.
Porém, em razão da complexidade do processo de aprendiza-
gem dos surdos com a escrita numa língua oral, segundo Cummins
(1981), essas dificuldades podem ser amenizadas por meio do uso
de estratégias pelo aprendiz. O autor sustenta que existe uma re-
lação de interdependência linguística entre as línguas envolvidas,
possibilitando a transferência de conceitos, de formas linguísticas
e de habilidades de letramento entre elas, de modo que as línguas
se “alimentam” mutuamente, isto é, pode ocorrer transferências da
primeira língua (L1) para a segunda língua (L2) e vice-versa. Nesta
perspectiva, Cummins (1981) afirma que somente após a consolida-

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LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

ção da primeira língua, consegue-se desenvolver habilidades para


a aquisição de quaisquer outras línguas.
No entanto, Stumpf (2005, p. 44) sugere que mesmo se a
criança surda for capaz de “[...] converter as letras na soletração
digital correspondente, ela não vai obter o sinal lexical que ela
está acostumada a usar no dia a dia em sua língua de sinais, e essa
é uma crucial diferença em relação à criança ouvinte”. Para que ela
compreenda “a função social da leitura e da escrita, precisa sentir
a necessidade e o prazer de ler e escrever, fato que raramente se
observa entre crianças, jovens e adultos surdos” (SILVA, 2009, p. 54).
Desta forma, Capovilla et al. (2001) ressaltam a necessidade de
se procurar outro sistema de escrita que seja mais apropriado ao
surdo do que o alfabeto da língua oral, uma vez que a escrita deve
ser capaz de estruturar as propriedades da língua que ela se propõe
a representar. Fazendo-se a comparação, do mesmo modo que a
criança ouvinte se apropria do uso de uma escrita alfabética para
estruturar os fonemas da sua fala, a criança surda pode se beneficiar
de uma escrita visual capaz de estruturar os fonemas de sua língua
de sinais, proporcionando-lhe maior desenvolvimento linguístico
e cognitivo e, por consequência, o fortalecimento da identidade
e cultura surda, além de muitos outros benefícios (SILVA, 2009;
STUMPF, 2005).
Neste sentido, constata-se que ainda hoje muitas crianças
surdas, expostas intensivamente a interações por meio da língua
oral, continuam apresentando dificuldades na apropriação da língua
majoritária oral, visto ser de modalidade totalmente divergente
de sua realidade sensorial. Diante deste cenário, dentre algumas
pesquisas que abordam sobre as contribuições da escrita de sinais
(SignWriting),2 podemos citar os estudos de Stumpf (2005), Barth
(2008), Silva (2009), Wanderley (2012), Bózoli (2015), Nascimento
2 Apesar de ser uma palavra inglesa, não será apresentada no formato itálico, em função de
privilegiarmos a forma original do termo.

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LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

(2018), Costa (2018), entre outros, apontando que alunos surdos


se beneficiam da escrita de sinais no sentido de potencializar as
habilidades da leitura e da escrita da língua oral.
Todavia, como são incipientes os estudos que investigam a
apropriação da segunda língua (L2) com o uso do sistema SignWri-
ting por crianças surdas em início de alfabetização, considerando a
importância da escrita de sinais em captar as relações que a criança
surda estabelece com a língua de sinais, favorecendo na construção de
hipóteses e no desenvolvimento cognitivo, de forma a garantir poste-
riormente o letramento ao longo do processo educacional, a presente
pesquisa propôs aprofundar este tema, investigando os benefícios
da aplicação do SignWriting na aprendizagem do português escrito.

SignWriting: a Libras escrita

Nas últimas décadas surgiram propostas para estruturar as


línguas de sinais no papel e no computador. Segundo Silva et al.
(2018), são conhecidos quatro sistemas no nosso país: o sistema
SignWriting (SW), a Escrita de Língua de Sinais (ELiS), o Sistema
de Escrita da Libras (SEL) e a Escrita Visogramada das Língua de
Sinais (VisoGrafia).3
Conforme Barreto e Barreto (2015), o SignWriting foi criado na
década de 1970, por Valerie Sutton4 que desenvolveu inicialmente
um sistema para anotar movimentos de dança e, posteriormente,
numa viagem à Dinamarca com o intuito de divulgar esta escrita,
foi convidada por pesquisadores de língua de sinais dinamarquesa
a escrever sinalizações gravadas em vídeo. Através dessas anotações
deu-se origem, em 1974, ao SignWriting.

3 Para a elucidação das diferenças entre estes sistemas, consulte Silva et al. (2018).
4 Atualmente Valerie Sutton reside em La Jolla, na Califórnia (Estados Unidos) e dirige o Deaf
Action Committee (DAC), uma organização não governamental (ONG) que tem por função
divulgar o SignWriting.

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LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

Sendo o SignWriting um dos sistemas de escrita de sinais com


maior evidência, com mais de 70 línguas de sinais escritas5 por este
sistema em todo o mundo, inclusive a Libras, foi o objeto de estudo
adotado no presente trabalho. As pesquisas de Stumpf (2005) no
Brasil e na França, também indicam que crianças e adolescentes
surdos terão mais facilidade na aquisição da escrita da língua oral de
seu país se adquirirem primeiramente o SignWriting. Quadros (2003
apud STUMPF, 2005) corrobora com este argumento, confirmando
que nestas condições os surdos terão mais facilidade na aquisição
da segunda língua que estiverem aprendendo.

A escrita da língua de sinais capta as relações que a


criança estabelece com a língua de sinais. Se as crianças
(surdas) tivessem acesso a essa forma de escrita para
construir suas hipóteses a respeito da escrita, a alfabe-
tização seria uma consequência do processo. A partir
disso, poder-se-ia garantir o letramento do aluno ao
longo do processo educacional (QUADROS, 2003 apud
STUMPF, 2005, p. 106-107).

Capovilla et al. (2001) ressaltam a importância do SignWriting


na estruturação do pensamento, fala e expressão escrita em língua
de sinais, servindo de base para a aquisição da escrita da segunda
língua.

Ensino Comunicativo de Línguas (ECL)

A escolha do Ensino Comunicativo de Línguas (ECL) ou abor-


dagem comunicativa para trabalhar com crianças surdas em início
de alfabetização se deu por considerarmos ser o mais apropriado
com os princípios da abordagem bilíngue, que se desenvolveu a

5 Conforme informações no site do SignPuddle, disponível em http://www.signbank.org/sig-


npuddle/ Acesso em: 10 set. 2021.

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LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

fim de proporcionar aos surdos competência comunicativa (capa-


cidade de compreender e se fazer compreendido em situações reais
de interação social) na língua de sinais e no português escrito em
diferentes contextos de interação. Desta forma, o ECL parece ser
o mais indicado quando se trata de investigar as necessidades das
crianças surdas, que precisam aprender a compreender e se expres-
sar na língua escrita.
Segundo Richards e Rogers (2001 apud SOUSA, 2015), o ECL
pode usar atividades e procedimentos de ensino de diferentes
métodos e até mesmo os procedimentos tradicionais de ensino de
línguas podem ser ressignificados numa perspectiva comunicativa,
como por exemplo o ensino explícito de gramática e o uso da tra-
dução de/para a língua materna. Sousa (2015) baseada em Nunan
(1989 apud BROWN, 1994) aponta que, ao contrário da concepção
estrutural dos métodos tradução-gramática e audiolingual, a con-
cepção de língua no ECL é de língua preliminarmente interativa e
de comunicação, em que as práticas desenvolvidas em sala de aula
têm como finalidade a competência comunicativa, independente
de serem ou não procedimentos empregados em outros métodos.
De acordo com Brown (2000), competência comunicativa pode
ser definida como o conhecimento que possibilita a comunicação
de forma funcional e interativa, sendo que na competência linguís-
tica, destacam-se o conhecimento gramatical da língua, sobre sua
estrutura. Todavia, Silveira (1999) nos atenta que para se desenvol-
ver uma competência comunicativa que envolve o conhecimento
da gramática, do léxico e do uso social da língua, se faz necessário
compreender que a competência comunicativa não menospreza a
competência linguística, ponderando apenas ser insuficiente para
a interação social. Segundo Canale e Swain (1980 apud BROWN,
2000), a competência comunicativa engloba também a competência
estratégica, ou seja, os meios linguísticos e não linguísticos utili-
zados para suprir as dificuldades na comunicação provenientes de

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LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

fatores comportamentais, tais como distração, cansaço e desânimo


ou da escassez do conhecimento linguístico.
Na perspectiva comunicativa, Richards e Rogers (2001 apud
SOUSA, 2015) apontam que a aprendizagem pode ser conceituada
como um processo de construção criativa que envolve tentativa e
erro, de modo a estimular os aprendizes a correr riscos e, consequen-
temente, aplicando diferentes estratégias de comunicação para que
possam, aprendendo até mesmo com os erros, solucionar problemas
inerentes à limitação do conhecimento linguístico.
Conforme Brown (2000), no empenho de desenvolver a compe-
tência comunicativa, tanto a fluência quanto a correção gramatical
são igualmente importantes, embora a fluência tenha uma função
mais significativa no sentido de motivar os aprendizes no uso da
língua, incentivando-os a se arriscarem na produção da língua-
-alvo sem se preocupar demasiadamente com a forma, de modo
a imobilizá-los por medo de errar. Com relação ao ensino da gra-
mática, Sateles e Almeida Filho (2010) afirmam que na abordagem
comunicativa, apesar de filosoficamente afastar a gramática como
organizadora ou orientadora do processo de ensino-aprendizagem
de língua, não significa dizer que não tenha valor. Ela o tem, pois
a estruturação gramatical da língua é base para a comunicação de
todo modo.
Littlewood (1981 apud SOUSA, 2008) sugere a divisão de tarefas
de uma aula em dois momentos: atividades pré-comunicativas (as
quais trabalham a forma linguística) e atividades comunicativas
(nas quais o foco está no significado). Portanto, no ECL, o ensino da
gramática/forma está subordinado ao uso de categorias funcionais,
ou seja, ao propósito que se tem ao elaborar um enunciado.
De acordo com Brown (1994), o ensino da L2 deve priorizar
a integração das quatro habilidades linguísticas, a saber: escutar,
falar, ler e escrever, de modo semelhante como ocorre fora da si-

83
LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

tuação de sala de aula de L2, no intuito de que as aulas sejam mais


interessantes, motivadoras e significativas. No caso específico do
ensino de L2 para surdos, mesmo sendo trabalhadas somente as
habilidades de leitura e escrita, é possível fundamentar-se no princí-
pio de integração dessas duas habilidades, conforme enfatizado por
Crystal (2006) de que no caso da escrita de sinais, muitos usuários
de SignWriting desenvolvem habilidades de leitura de sinais mas
têm dificuldades em descrevê-las, sendo que estas duas habilidades
requerem diferentes estratégias de aprendizagem.
Além disso, na abordagem comunicativa a tradução pode ser
empregada quando as crianças surdas se privilegiam dela, tanto
como uma ferramenta de ensino-aprendizagem quanto como uma
quinta habilidade (RIDD, 2000 apud SOUSA, 2015).
Diante do exposto, é relevante destacar que os autores acima
mencionados abordam, de maneira mais específica, o ensino de lín-
gua estrangeira e/ou segunda língua. No entanto, apesar das teorias
de ensino comunicativo de línguas, dentre outras mencionadas, não
terem sido elaboradas para o ensino de língua materna, verificamos
que há características que também podem ser utilizadas para esse fim.

A pesquisa

A pesquisa teve como objetivo geral investigar as contribuições


da escrita de sinais pelo sistema SignWriting na aprendizagem do
português escrito como segunda língua (L2) por alunos surdos dos
anos iniciais do Ensino Fundamental, na faixa etária entre 8 e 12
anos e fluentes em língua de sinais, na ANPACIN – Colégio Bilíngue
para Surdos de Maringá (PR).
Levamos em consideração os princípios do Ensino Comuni-
cativo de Línguas (ECL) propostos por Almeida Filho (1993, 2005),
Brown (1994, 2000), Littlewood (1981 apud SOUSA, 2008), Richards

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LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

e Rogers (2001 apud SOUSA, 2015) e Widdowson (1991), os quais


sustentam a valorização do uso da primeira língua no ensino da
segunda língua, bem como a Teoria da Interdependência Linguís-
tica proposta por Cummins (1981), na qual as línguas dos falantes
bilíngues se “alimentam” mutuamente em termos de transferência
de elementos linguísticos, habilidades metalinguísticas e metacog-
nitivas. Os objetivos específicos desta pesquisa buscaram analisar
a leitura e escrita de palavras (léxico) das crianças surdas em ati-
vidades de português com a aplicação do SignWriting, comparar o
desempenho das crianças surdas em atividades sem e com o suporte
do SignWriting e identificar como as práticas pedagógicas através
do SignWriting podem potencializar a aprendizagem do português
escrito pelas crianças surdas.
Tendo em vista estes objetivos, foram propostas cinco diferen-
tes atividades de leitura e escrita para a coleta de dados: nomeação
de espaços escolares, atividades de português escrito sem o uso do
SignWriting, atividades de português escrito com o uso do SignWri-
ting, atividades em SignWriting com o uso do português escrito e
SignWriting no computador.
Por se tratar de uma pesquisa de natureza qualitativa, a me-
todologia utilizada foi a pesquisa-ação (MATOS; VIEIRA, 2002;
THIOLLENT, 2000). A análise das atividades foi realizada após
cada aula através das verificações dos registros no diário de campo,
materiais didáticos de leitura, escrita e filmagens. A transcrição
das aulas filmadas foi de suma importância para que pudéssemos
examinar situações que não foram observadas in loco e nem regis-
tradas no diário de campo, permitindo avaliar, consistentemente, o
desempenho dos participantes em relação às estratégias abordadas
e direcioná-las, quando necessário, às atividades subsequentes.
Conforme evidenciado ao longo de toda a análise, os dados
desta pesquisa apresentam contribuições positivas da escrita de

85
LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

sinais pelo sistema SignWriting na aprendizagem do português


escrito como segunda língua, sendo elas: (i) a familiarização do
SignWriting no contexto escolar através das placas informativas; (ii)
o planejamento das atividades de português escrito com o uso do
SignWriting; (iii) o planejamento das atividades em SignWriting com
o uso do português escrito; (iv) e o uso de programas computacionais
com SignWriting. Todos os dados indicam que os resultados obtidos
são em decorrência do uso da Libras como língua de instrução, do
SignWriting como suporte, das metodologias voltadas para o ensino
de segunda língua e da escola específica para alunos surdos.
A nomeação de espaços escolares em SignWriting foi uma
estratégia abordada para conscientizar a comunidade escolar de
que a Libras possui uma escrita e que seria interessante nomear,
além da sala de aula, os corredores e outros ambientes da escola.
Além das placas em SignWriting, também foram colocadas as placas
em português escrito logo abaixo em segundo plano, por ser a L2
dos surdos. A nomeação de espaços envolveu toda a comunidade
escolar, possibilitando exercícios de leitura diária e enriquecendo
o repertório linguístico em duas línguas, a Libras/SignWriting e o
português escrito. Além disso, permitiu uma ampla divulgação, co-
mentários e curiosidades sobre a escrita de sinais junto dos demais
membros da escola.
As placas informativas, identificando os espaços e as discipli-
nas em SignWriting com tradução em português, são os recursos
que alicerçam a abordagem bilíngue, uma vez que para a escola
é relevante dar visibilidade às duas línguas, Libras/SignWriting e
português escrito, de forma que os alunos possam associar uma à
outra na apropriação de palavras. Compreendendo a escrita de sinais
como direito linguístico e manifestação da cultura surda nos mais
diversos espaços, o SignWriting é um importante meio de comuni-
cação, podendo ser utilizado na nomeação de espaços, anotações,
bilhetes, e-mails, cartas, entre outros.

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LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

Na análise das atividades de português escrito sem o uso do


SignWriting, verificamos que as crianças surdas realizaram soletra-
ção manual das letras das palavras. Apesar de terem o conhecimento
das letras alfabéticas, elas apresentaram muitas dificuldades na
compreensão dos significados das palavras em português. Deste
modo percebemos que as crianças surdas ao escreverem textos em
L2, apresentaram palavras que pareciam “atropeladas” e confusas
para a contextualização, sendo que nas atividades utilizando o
SignWriting, os textos foram escritos de maneira adequada e a
transformação direta para o português favoreceu uma tradução
altamente compreensível. Portanto, foi possível evidenciar que
quando o surdo, no momento oportuno, se apropria de sua língua
e é capaz de expressá-la, seu desenvolvimento sobre a leitura e a
escrita flui com mais rapidez e facilidade proporcionando significado
e sentido em sua aprendizagem.
Em uma das atividades cujo episódio era sobre a Copa do Mundo
2018, mostramos dois cartazes com o mesmo texto em português,
sendo que um deles se apresentava com o suporte do SignWriting.
Inicialmente, ao apresentarmos o texto com o suporte do SignWri-
ting, observamos que as crianças conseguiram interpretar a escrita,
ou melhor, “ler de verdade’’. Para verificarmos a reação das crian-
ças surdas, logo em seguida a professora regente mostrou apenas
o texto em português sem o SignWriting e elas, unanimemente,
reclamaram, afirmando que preferiam o texto com o suporte do
SignWriting, uma vez que se sentiram mais confiantes e seguras em
efetuar a leitura do texto com o apoio deste sistema. Desta forma,
foi possível evidenciar a contribuição do SignWriting na compre-
ensão do texto em português. A partir desta atividade inicial com
o SignWriting, verificamos que as crianças demonstraram enorme
interesse, percebendo que existe a escrita da sua própria língua que
apresenta todas as possibilidades de registro, assim como qualquer
outra escrita.

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LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

Na análise das atividades de português escrito com o uso do


SignWriting, constatou-se a importância de trabalhar com o léxico
da Libras, registrando os sinais em SignWriting pois, no caso do
verbo JOGAR, em português utiliza-se a palavra “jogar + objeto”.
Em Libras, o verbo JOGAR apresenta diversos sinais, não mantendo
o mesmo sinal como acontece no português. O registro dos sinais
em SignWriting possibilita que os alunos surdos compreendam a
estrutura gramatical da Libras, de modo que possam, logo após,
comparar com a gramática do português escrito (L2).
Analogicamente, pelo fato de as palavras em português es-
tarem próximas dos sinais em SignWriting, possibilitou que eles
praticassem a tradução. Segundo Ridd (2000 apud SOUSA, 2015), a
tradução quando devidamente utilizada, é uma estratégia benéfica
na construção de sentidos do texto, sendo que nós a adotamos para
facilitar a compreensão de que, às vezes, há uma correspondência
das palavras e expressões entre as duas línguas. Assim, identificamos
que a tradução de SignWriting para português e vice-versa favoreceu
consideravelmente a compreensão destas línguas.
Para a análise das atividades em SignWriting com o uso do
português escrito, propomos um desenvolvimento de atividades
somente com Libras/SignWriting e, posteriormente, trabalhamos
a tradução para o português. Em relação às crianças ouvintes, ao
receberem um texto escrito em português, elas têm maior faci-
lidade em interpretá-lo através da leitura, visto ser sua língua
oral-auditiva, mas no caso das crianças surdas a interpretação de
um texto apresenta melhor compreensão através da Libras, razão
pela qual optamos fazer um texto sinalizado por meio de um
videotexto e escrita de sinais com as crianças surdas participan-
tes desta pesquisa. A tradução foi feita com base no videotexto,
sendo um trabalho inverso das atividades de português escrito
com o uso do SignWriting. Nesta atividade também verificamos
que, utilizando o SignWriting como suporte, as crianças surdas

88
LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

conseguiram assimilar, com maior clareza e rapidez, os exercícios


propostos na sala de aula.
Em relação ao SignWriting no computador, acreditamos que
nesta atividade elas realmente incorporaram a importância da escri-
ta, tanto da Libras/SignWriting como do português escrito, visto ser
a última atividade da pesquisa e elas terem vivenciado, até então, o
SignWriting apenas no papel. Ao identificarem que softwares como
SignPuddle e Delegs são ferramentas indispensáveis à apropriação
da segunda língua, favorecendo no seu processo cognitivo, após
o término desta atividade didático-motivacional, demonstraram
enorme interesse em continuar a usar o SignWriting não apenas
como suporte à aprendizagem da língua majoritária oral, no caso,
o português escrito, mas também nas práticas sociais.
Em todas as atividades propostas, verificamos que os alunos
surdos haviam realizado a transferência de uma escrita para outra e
vice-versa. Segundo Cummins (1981), essa observação se consolida
com a Teoria da Interdependência Linguística. A língua de sinais
associada à sua escrita, neste caso o SignWriting, fez com que as
crianças surdas buscassem no significante dessa língua elementos
para construir a escrita em português.
A leitura dos sinais escritos em SignWriting, permitem que os
alunos usufruam deste sistema que representa a sua língua natu-
ral e consequentemente, auxilia no processo de sua alfabetização.
Apesar do SignWriting, em primeira instância, dar a impressão de
ser complexo devido à sua representação gráfica, as crianças sur-
das não tiveram dificuldades em interpretá-lo. O fato de terem o
domínio da Libras favoreceu o acesso ao SignWriting, permitindo
que através deste sistema de escrita fossem capazes de compreender
melhor o português escrito. Assim sendo, evidenciamos que uma
das sugestões práticas apresentadas para apropriação da compre-
ensão leitora é a de que a aprendizagem da leitura, desde a Educa-

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LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

ção Infantil, ocorra principalmente através de textos verdadeiros


e significativos. Pontuamos, inclusive, que a seleção dos materiais
deve considerar as necessidades e interesses das crianças surdas e
contemplar a diversidade textual presente nos diferentes eventos da
vida em sociedade e em atividades significativas e compartilhadas.
Segundo Piaget (1977 apud STUMPF, 2005), o período propício
à aprendizagem de sistemas reversíveis, como o da escrita, se dá a
partir dos 7 ou 8 anos de idade, quando o conhecimento se constrói
no indivíduo de uma forma já operacional, embora ainda preso
às percepções sensoriais. De acordo com Stumpf (2005), a idade
mencionada representa uma média, sendo que algumas crianças
poderiam se mostrar capazes de descobrir a leitura antes por apre-
sentarem as características operacionais, outras depois, mas elas
seriam a exceção, não a regra.
Levando em consideração este pressuposto e também em-
basadas na teoria da aquisição da língua de sinais sustentada por
Quadros e Cruz (2011), de que se a criança surda tiver a oportuni-
dade de adquirir a língua de sinais, ela terá igualmente as mesmas
possibilidades de aprendizagem da criança ouvinte, chegamos à
seguinte reflexão: se uma criança ouvinte tem o contato desde o
nascimento com a língua oral e inicia a sua alfabetização propria-
mente dita ao ingressar na escola, esse processo também poderá
ocorrer com a criança surda, ou seja, se ela tiver o domínio da Libras,
também poderá aprender a escrita de sinais. Desta forma, conseguirá
adquirir o conhecimento necessário para que, em segunda etapa,
possam obter com maior facilidade a apropriação da L2.
Diante do exposto, se ponderarmos que, segundo Quadros e
Cruz (2011), a maioria das crianças surdas, por serem filhas de pais
ouvintes, adquirem tardiamente a língua de sinais e só irão aprender
a Libras, sua língua natural, ao ingressar no ensino básico, enten-
demos que o SignWriting também deva ser ensinado concomitan-

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LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

temente à aprendizagem da língua de sinais, de modo a favorecer


seu desenvolvimento cognitivo, linguístico e social. Assim sendo,
na nossa concepção, o SignWriting deve ser ensinado nos anos
iniciais da alfabetização e somente após consolidada a primeira
língua, tanto sinalizada como escrita, as crianças surdas poderão
se apropriar da segunda língua, ou seja, o português escrito.
Dessa forma, ao proporcionarmos primeiramente a aprendiza-
gem simultânea do SignWriting às crianças surdas, expostas a uma
língua visual-espacial, elas certamente ficarão deslumbradas com
a existência de uma relação entre os movimentos que compõem a
Libras e a materialização gráfica dos sinais, passando a registrar, no
papel, os sinais que até então se materializam apenas no espaço.
Neste processo, como elas poderão registrar suas ideias através da
escrita de sua própria língua, consideramos de suma importância
a participação efetiva de seus familiares, no sentido de estabele-
cerem uma interação linguística no decorrer do aprendizado, visto
ser fundamental que eles também aprendam, não somente a Libras
como o SignWriting.

O letramento visual das crianças surdas em escrita da


língua de sinais envolve leitura de textos em Libras,
sinalizados e escritos. A escrita da Libras é uma forma
de registro que utiliza grafemas [...] que representam
constituintes da própria língua. A leitura e escrita da
língua de sinais podem motivar os estudantes surdos
a lerem e escreverem também na Língua Portuguesa. A
leitura e escrita em Libras deve estar inserida no currí-
culo escolar, considerando a importância da escrita para
o desenvolvimento da cultura da humanidade (THOMA
et al., 2014, p. 10).

Com relação às políticas educacionais, como o sistema Sig-


nWriting não foi contemplado pelo Decreto nº 5.626/2005 (BRASIL,

91
LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

2005), apontamos para a necessidade de novas pesquisas que ve-


nham a comprovar a aplicabilidade da escrita de sinais na apropria-
ção da segunda língua por crianças surdas em início de alfabetização,
visto que, por não termos identificado nenhum outro estudo nesse
segmento, entendemos que o nosso trabalho é apenas o ápice do
iceberg de muitas outras pesquisas que almejamos serem feitas num
futuro próximo, no sentido de solidificar cada vez mais a relevância
de se implantar, o mais breve possível, o SignWriting na educação
bilíngue de todas as crianças surdas deste país.

Considerações finais

Pelo fato de sermos surdas, tão logo chegou ao nosso alcance


o conhecimento do SignWriting, ficamos encantadas ao saber que
nós, surdas, temos a nossa escrita de língua de sinais. À medida
que fomos ampliando o conhecimento deste sistema, divulgando
ao máximo de pessoas possível, através das redes sociais, cursos e
palestras sobre o SignWriting, também constatamos ser essencial
direcionar nossa atenção à Educação Básica, uma vez que, na nossa
concepção, o SignWriting é a melhor interface entre a Libras e o
português escrito como segunda língua.
Por também termos sido crianças surdas, identificamo-nos
com cada uma das crianças surdas da pesquisa e para nós foi uma
experiência única e inestimável observarmos o entusiasmo e a moti-
vação em todas as atividades desenvolvidas com o uso da escrita de
sinais. A abordagem comunicativa se fez presente na elaboração de
todas as atividades, cujo foco eram as palavras (léxico), de modo que
por serem pré-comunicativas, foram embasadas nas orientações de
Littlewood (1981 apud SOUSA 2008), aplicando-se posteriormente,
em sala de aula, os postulados de Almeida Filho (1993, 2005), Brown
(1994, 2000), Widdowson (1991) e dos autores Richards e Rogers
(2001 apud SOUSA, 2015), principalmente em relação ao comporta-

92
LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

mento das crianças surdas diante do medo de errar e das tentativas


de acerto, possibilitando que todas as atividades fossem realizadas
de maneira que tivessem significado para elas. Até mesmo quando,
em algumas atividades, o artifício da tradução foi utilizado, Ridd
(2000 apud SOUSA, 2015) esteve presente para nortear nosso estudo.
Com relação à abordagem bilíngue, as ações pedagógicas reco-
mendadas por Quadros (2000) e as orientações das práticas de le-
tramento de Fernandes (2006) fazem parte do contexto educacional
da ANPACIN. Na pesquisa de Brochado (2003), onde a autora propôs
investigar de que forma crianças surdas do Ensino Fundamental,
sinalizantes de Libras, apropriam-se do português escrito, sem
recorrer à oralidade; como o estudo foi realizado parcialmente na
ANPACIN, conhecemos algumas das crianças participantes e hoje,
já adultos, passando pelos estágios de interlínguas sustentados
pela autora, verificamos que realmente foram capazes de melhorar,
gradativamente, seu desempenho na segunda língua (L2), à medida
que se apropriaram das regras próprias dessa língua-alvo, alicerça-
das pelo domínio da primeira língua (L1). Analisando as crianças da
pesquisa que, assim como nós, passaram por muitas dificuldades
para se apropriarem da segunda língua, devido à complexidade do
português, ao refletir sobre o uso do SignWriting no nosso período
de alfabetização, temos absoluta certeza de que o nosso aprendi-
zado na L2 teria sido bem mais acessível e descomplicado com o
uso deste sistema.
Neste estudo, a professora regente era bilíngue e como nós,
somos surdas, o contato adulto-surdo e criança surda foi funda-
mental para o bom desempenho desta pesquisa, pois a partilha de
uma língua plena estabeleceu um vínculo afetivo entre as crianças
surdas, professora regente e pesquisadoras, proporcionando um
ambiente de muita participação, confiança e motivação em todas as
atividades, de acordo com os desígnios do Ensino Comunicativo de
Línguas (ECL) sustentados por Almeida Filho (2005), Brown (2000),

93
LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

Richards e Rogers (2001 apud SOUSA, 2015), entre outros. A nossa


função como pesquisadoras foi, conforme sugere Littlewood (1981
apud SOUSA, 2008), elaborar e organizar materiais e atividades
juntamente com a professora regente, que conduzissem as crianças
surdas a se apropriarem do português escrito utilizando o SignWri-
ting como suporte na aprendizagem da L2, além de atuarmos como
orientadoras durante a realização das atividades, auxiliando-as
quando necessário.
Em relação à produção das atividades, seguimos as práticas de
letramento recomendadas por Fernandes (2006), pois tais práticas
são desenvolvidas nas salas de aula para que as crianças surdas te-
nham a possibilidade de “decifrar” um mundo repleto de palavras
incompreensíveis, de forma que as atividades foram elaboradas para
que elas tivessem a oportunidade de aprofundar-se no sentido das
palavras, incorporando-as às suas experiências cotidianas. Essas
práticas pedagógicas também estão alicerçadas nos pressupostos de
Almeida Filho (2005), Brown (2000), Richards e Rogers (2001 apud
SOUSA, 2015), e Widdowson (1991) ao enfatizarem que ensinar uma
língua através dos princípios do ECL é centralizar um ensino com
o propósito de suprir as necessidades dos alunos, sendo que neste
sentido, eles são o centro de atenção no processo de aprendizagem
e o professor atua como facilitador e orientador neste processo
de ensino. Deste modo, todas as atividades foram desenvolvidas
visando primordialmente a compreensão de todos os enunciados.
No que se refere às crianças surdas, observamos que desde
o início das atividades propostas houve intensa participação,
evidenciando-se um processo evolutivo em suas aquisições a cada
atividade desenvolvida. Respeitando as diferenças individuais em
relação à aprendizagem, a autoestima foi estimulada na medida
em que foram compreendendo a importância de o SignWriting
ser a escrita delas como L1 e não o português, como talvez imagi-
nassem. Deste modo foi possível verificar, sob o ponto de vista do

94
LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

ECL, que os princípios cognitivos, afetivos e linguísticos destacados


por Brown (2000) nortearam a pesquisa, possibilitando resultados
consistentemente satisfatórios.
A leitura dos sinais escritos em SignWriting permite que os
alunos usufruam desse sistema que representa a sua língua natural
auxiliando, consequentemente, no processo de sua alfabetização.
Apesar do SignWriting, em primeira instância, dar a impressão de ser
complexo devido à sua representação gráfica, as crianças surdas não
tiveram dificuldades em interpretá-la. O fato de terem o domínio da
Libras favoreceu o acesso ao SignWriting, permitindo que através
desse sistema de escrita, fossem capazes de compreender melhor o
português escrito. Por este ângulo, evidenciamos os pressupostos
de Cummins (1981) em relação à Teoria da Interdependência Lin-
guística, na qual o autor sustenta a transferência de uma língua para
outra e vice-versa, de modo que elas se “alimentem” mutuamente,
enfatizando que a primeira língua é a base para a aprendizagem de
outras línguas, mesmo que sejam de modalidades diferentes como,
por exemplo, a Libras (L1) e o português (L2).
O letramento visual, fundamental para alavancar o processo
cognitivo e conceitual das crianças surdas, se fez presente princi-
palmente na atividade de videotexto, possibilitando momentos de
descontração e interação entre elas e contribuindo efetivamente
na compreensão da L2 através da Libras/SignWriting. Santaella
(2012) esclarece que através dos recursos visuais, a leitura visual
é compreendida mais facilmente e com eficiência pelas crianças
surdas, desenvolvendo a capacidade de fragmentá-la, decodificá-la
e de interpretá-la, da mesma forma como os ouvintes efetuam uma
leitura em voz alta.
De um modo geral, as atividades, por serem dinâmicas, pro-
porcionaram o desenvolvimento motivacional das crianças surdas,
pois elas manifestaram enorme interesse em continuar usando e

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LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

aprendendo o SignWriting. De acordo com Stumpf (2005), constata-


-se dois aspectos fundamentais no processo de aquisição da escrita
de sinais que não se evidenciam quando a alfabetização em língua
oral é desenvolvida com as crianças surdas: o aspecto afetivo, que
se evidencia quando elas aprendem o SignWriting, sentindo-se
gratificadas e felizes, de forma que a interação que estabelecem
entre colegas para cooperar e trocar ideias e a oportunidade de
compartilhar esse conhecimento são fatores que estimulam sua
autoestima. E o segundo aspecto que diz respeito à evolução na
aprendizagem pois a agilidade com que elas conseguem aprender
o sistema e construir hipóteses faz com que se sintam motivadas
a expandir seus conhecimentos, uma vez que as dificuldades que
encontram são passíveis de serem superadas, ao contrário das difi-
culdades existentes na escrita da língua oral, que muitas vezes não
respeita o raciocínio e nem a lógica das crianças surdas.
Para nós, enquanto pesquisadoras, o estudo nos deu a possi-
bilidade de comprovar, na prática, a real utilização deste sistema
de escrita como suporte na aprendizagem do português escrito.
Analogicamente, entendemos o SignWriting como se fosse o GPS
que hoje utilizamos para nos locomover de um ponto A até um
ponto B desconhecido. Anos atrás era necessário consultar mapas
rodoviários, por exemplo, se desejássemos ir para um local desco-
nhecido, e muitas vezes, por ele estar desatualizado, a viagem era
longa, cansativa e com riscos de trilharmos caminhos tortuosos
até chegarmos ao destino. Com o advento do GPS, o caminho a ser
percorrido se tornou mais rápido e preciso. Neste caso, não teria o
SignWriting a mesma função? Acreditamos que sim!
Contudo, como a maioria das pesquisas envolvendo a educação
bilíngue de surdos diz respeito ao ensino de português sem Sig-
nWriting, os resultados apresentados neste estudo demonstram a
importância de formar surdos alfabetizados e letrados que tenham
o domínio, a priori, da escrita de sua própria língua de sinais.

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LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

Embora a discussão deste trabalho mereça ser investigada com


maior profundidade, especialmente nas pesquisas longitudinais
sobre o assunto, temos plena convicção de que a proposta apre-
sentada mostrou um caminho que devemos percorrer em busca da
inclusão do SignWriting no sistema educacional deste país, em prol
da aprendizagem das crianças surdas.
A partir dos resultados obtidos, defendemos ainda com mais
firmeza a importância do uso do SignWriting como suporte na
apropriação da segunda língua pois a língua de sinais

[...] sempre funcionará para o surdo como o lugar de


sentido e de reflexão sobre a escrita, mas uma adequada
intervenção pedagógica, [no caso, a escrita de sinais]
deve ser capaz de contribuir para que as diferenças entre
as línguas sejam percebidas e para que o surdo possa
produzir uma escrita que respeite as regularidades da
língua portuguesa (PEIXOTO, 2006, p. 226).

Esperamos que este trabalho possa contribuir com futuros


estudos que envolvem o ensino do português escrito como segunda
língua, tendo em vista a incipiência de pesquisas realizadas princi-
palmente em relação à aplicabilidade do sistema SignWriting como
suporte na apropriação de segunda língua por crianças surdas da
Educação Básica. A relevância justifica-se também pela necessidade
de colaborar com as pesquisas linguísticas acerca da importância
do SignWriting como sendo a escrita da língua de sinais, amplian-
do sua abrangência de estudos, principalmente no que concerne à
apropriação pelas crianças surdas de línguas com representação
alfabética como a L2.
Almejamos, portanto, que o sistema SignWriting possa pro-
porcionar aos professores que trabalham com crianças surdas,
um aporte teórico que os auxilie a compreender os benefícios da

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LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

escrita de sinais no processo de aquisição da língua majoritária


oral, indubitavelmente no início da alfabetização, porém após a
consolidação da primeira língua e, finalmente, que este estudo
possa contribuir para que as crianças surdas se tornem mais
confiantes e independentes ao utilizarem o SignWriting na apro-
priação do português escrito, com garantias de conhecimentos e
muito mais liberdade.

Referências

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Campinas: Pontes, 1993.
ALMEIDA FILHO, J. C. P. Linguística aplicada: ensino de línguas e comunicação.
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BARRETO, M; BARRETO, R. Escrita de sinais sem mistérios. 2. ed. Salvador:
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BARTH, C. Construção da leitura/escrita em língua de sinais de crianças surdas
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e o art. 18 da Lei n. 10.098, de 19 de dezembro de 2000. Brasília, 2005.
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LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
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101
LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

A FORMAÇÃO ATUANTE DE MONITORES CODOCENTES


DE INGLÊS EM UM CURSO DE EXTENSÃO DE LÍNGUA
ESTRANGEIRA PARA SURDOS

Aline Nunes de Sousa


Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC)

Igor Valdeci Ramos da Silva


Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC)

Karolyne Quarti
Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC)

Nicole da Cruz Rabello


Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC)

Introdução

Há cerca de dez anos, um projeto de extensão1 do Departamento


de Libras da Universidade Federal de Santa Catarina (DLSB/UFSC)
tem viabilizado o aprendizado de inglês como língua estrangeira
(LE) exclusivamente a surdos2 proficientes em Libras, já que esta
é a língua de instrução do curso e de inserção desse público-alvo
no aprendizado de línguas estrangeiras na perspectiva bilíngue
do Decreto 5626 (BRASIL, 2005). De acordo com o Artigo 22 deste

1 Nome do projeto de extensão “Ensino de inglês escrito para surdos - Etapa 2019”. Número
de cadastro do projeto no Sistema SIGPEX da UFSC: 201901892. Nome da Professora Co-
ordenadora: Aline Nunes de Sousa.
2 Com o Ensino Médio concluído.

102
LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

decreto, em escolas ou classes de educação bilíngue, a Libras e a


modalidade escrita da língua portuguesa são as “línguas de instru-
ção utilizadas no desenvolvimento de todo o processo educativo”
do surdo (BRASIL, 2005).
Temos ciência de que existe a possibilidade de cursos de inglês
para surdos serem ministrados em ASL (American Sign Language),
como já acontece em nosso país, entretanto, a perspectiva do curso
é manter a Libras como língua de instrução (devido aos conheci-
mentos da equipe que ministra o curso, entre outros fatores)3 e o
inglês escrito como objeto de estudo/conhecimento.
A abordagem de ensino de língua utilizada nesse curso de
extensão é a abordagem comunicativa (ALMEIDA FILHO, 2012;
CARDOSO, 2004). Mesmo que o sujeito surdo não desenvolva com-
petências oral-auditivas na língua inglesa no curso, os alunos são
estimulados a utilizar o idioma de modo criativo e interativo, com
base em aspectos culturais e de eventuais usos da língua inglesa.
Nesse contexto, o plurilinguismo é bastante explorado, de acordo
com a perspectiva de Sousa (2008, 2015), bem como a abordagem
bilíngue de educação de surdos (QUADROS, 1997, 2005).
Na versão deste curso oferecida em 2019, atuaram os autores
deste capítulo – uma docente vinculada à universidade, responsável
pela coordenação do projeto de extensão, dois monitores ouvintes4 e
uma monitora surda.5 Os monitores (codocentes) foram formados ao
atuar dando aulas e suporte intra e extraclasse aos aprendizes surdos
e participando de reuniões formativas com a coordenadora, numa
metodologia de formação em serviço, refletindo sobre os aprendiza-
dos necessários para que possam exercer essa profissão futuramente.

3 Nosso curso também pretende servir de inspiração para a disciplina de inglês na Educação
Básica de surdos, seja em escolas bilíngues ou inclusivas, por isso, nossa metodologia pretende
manter a Libras como língua de instrução, assim como ocorre nas escolas de Educação Básica.
4 Um licenciado em Letras Português/Inglês e estudante de Letras Libras, a outra, licencianda
em Letras Inglês.
5 Licencianda em Letras Libras e estudante de inglês em curso de idiomas.

103
LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

Este capítulo, portanto, tem como objetivo principal compar-


tilhar reflexões sobre o ensino de inglês para surdos e sobre a for-
mação de monitores (codocentes) para atuar nesse tipo de ensino.
Essas reflexões têm como base a análise dos relatos de experiência
dos monitores (os quais se encontram em anexo) a partir da vivência
deles com a turma de 2019 do projeto de extensão mencionado, com
base nos referenciais teóricos e metodológicos que fundamentam
o referido projeto.
Inicialmente, apresentaremos alguns desses referenciais. Em
seguida, descreveremos brevemente a perspectiva do projeto com
relação à formação dos monitores. E posteriormente, apresentare-
mos a análise das experiências relatadas pelos monitores, compar-
tilhando algumas conclusões e reflexões.

Referenciais teórico-metodológicos do projeto/curso

O papel de cada língua do/no curso

Neste trabalho, estamos tratando o inglês como “terceira


língua” para além de “língua estrangeira”. Portanto, nesta seção,
pretendemos inicialmente diferenciar primeira língua (L1) de se-
gunda (L2) e terceira (L3), identificando o papel de cada uma das
línguas presentes no curso.
Em geral, a primeira língua é uma língua que se adquire na mais
tenra idade, em contato espontâneo, sem ensino sistematizado. É
também chamada de “língua materna” (LM), pois, tradicionalmente,
está associada às mães, por serem consideradas as responsáveis
por “transmitir” sua língua aos filhos enquanto bebês. Entretanto,
como enfatiza Romaine (1995), o termo “língua materna” acabou
perdendo o sentido inicialmente pretendido, já que nem sempre a
mãe é a responsável por esse papel.

104
LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

No caso das comunidades surdas do Brasil, por exemplo, quando


os surdos são filhos de pais ouvintes, normalmente a LM da criança
surda não será a mesma dos pais. Sendo o português uma língua
oral-auditiva, ela não poderá ser adquirida espontaneamente pelas
pessoas surdas, em razão de sua condição sensorial/audiológica.
Nesse sentido, o português, a língua dos pais, não será sua língua
materna.
Romaine (1995, p. 22) afirma que “a língua com a qual um in-
divíduo se identifica é geralmente chamada de língua materna”.6
Utilizando esse critério, podemos argumentar que a língua de sinais
tem o papel de LM/L1 na vida das pessoas surdas, mesmo que o
contato com essa língua ocorra geralmente apenas após o contato
com a língua oral-auditiva dos pais – a qual exerce um papel de L2
na vida desses indivíduos. Vê-se, portanto, que a ordem cronológica
de exposição não é um bom critério para se estabelecer qual a LM
das pessoas surdas.
“É importante ter em mente o que é especial nos surdos: eles
não podem ouvir” (SVARTHOLM, 1994, p. 63 apud QUADROS, 1997,
p. 83). Assim, a identificação dos surdos com a língua de sinais vem
principalmente do fato de ela ser uma língua visuoespacial. Além
disso, essa identificação se dá no nível afetivo e cultural quando
pensamos nos surdos enquanto grupo (comunidade/povo) que com-
partilha experiências e vivências visuais, para além da língua. Como
argumenta Romaine (1995), a definição sobre qual é a L1/LM de um
grupo minoritário é crucial para se garantir os direitos linguísticos
desse grupo, especialmente no tocante à educação, assegurando
que a L1/LM seja a língua de instrução desses sujeitos. A proposta
do nosso curso é, portanto, proporcionar o aprendizado de inglês
escrito a estudantes surdos sinalizantes por meio da sua língua de
conforto – a Libras.

6 Tradução nossa.

105
LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

Quanto ao conceito de “segunda língua” (L2), quando esse ter-


mo é usado de forma genérica, pode designar qualquer língua apren-
dida depois da L1/LM, podendo se referir inclusive a uma terceira ou
quarta língua (ELLIS, 1997). Entretanto, o termo “segunda língua”
também pode ser encontrado na literatura fazendo referência a
uma definição bastante específica, como se vê em Crystal (1997).
Esse autor define “segunda língua” como uma língua não nativa,
usada para fins comunicativos cotidianos em um determinado país.
Pressupõe-se que o falante de uma L2 esteja imerso em sua cultura.7
Já o termo “língua estrangeira”, para Crystal (1997), também é usado
para designar uma língua não nativa, mas que não é utilizada de
forma rotineira para comunicação em um determinado país. Nesses
termos, a língua portuguesa é considerada segunda língua para os
surdos brasileiros dos centros urbanos8 (cf. Decreto 5626/2005), e
a língua inglesa, uma língua estrangeira (LE).
No caso do curso analisado neste capítulo, o português apa-
rece como segunda língua no papel de “língua instrumental”, uma
mediadora na aprendizagem do inglês. Essa língua é utilizada
quando, por exemplo, os estudantes surdos do curso precisam
fazer uso de dicionários bilíngues inglês-português e também no
estudo de gramática (por meio da comparação entre as estrutu-
ras gramaticais das diversas línguas presentes na realidade dos
estudantes do curso).
Ainda sobre a língua inglesa, acrescentamos que, neste tra-
balho, ela é considerada não apenas uma língua estrangeira (LE),
mas também uma terceira língua9 (L3), e isso traz implicações
7 Acrescentamos que ouvintes de comunidades indígenas e ouvintes de comunidades de imi-
grantes, mesmo nascidos no Brasil, podem possuir outra LM que não o português – assim
como os surdos.
8 Existem, no Brasil, surdos que fazem parte de comunidades indígenas e que usam outras
línguas de sinais, assim como surdos que fazem uso de outras línguas de sinais emergentes.
9 Um esclarecimento sobre a nomenclatura “L3”: mesmo que os estudantes tenham tido contato
com outras línguas estrangeiras antes da língua inglesa, neste trabalho, ela está sendo chamada
de L3 porque é a segunda língua não materna em foco de ensino e investigação (assim como
poderia ser o espanhol, a American Sign Language – ASL etc.).

106
LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

específicas. No aprendizado de uma terceira língua (ou seja, a


segunda língua não materna do aprendiz), o estudante pode ser
influenciado não apenas pela sua primeira língua como também
por sua segunda língua (ou primeira língua estrangeira). Williams
e Hammarberg (1998) sustentam que olhar apenas para a L1 do
aprendiz não fornece uma visão completa do processo de aprendi-
zagem da L3, pois a L2 também desempenha um papel importante
nesse processo.
No aprendizado da língua inglesa por surdos brasileiros, os
estudantes surdos podem ser influenciados não só pela Libras (sua
L1), mas também pelo português, sua L2 (cf. SILVA, 2013; SOUSA,
2008; SOUSA, 2015). Se tiverem tido contato com outras línguas
estrangeiras antes do inglês (como o espanhol ou a American Sign
Language - ASL, por exemplo), é bastante possível que o aprendizado
dessas línguas também influencie o do inglês – mas, neste trabalho,
focaremos na tríade Libras-português-inglês.
De acordo com a teoria da interdependência linguística, essa
retroalimentação entre as línguas de um falante não só é possível,
como é desejável, mesmo quando se trata de línguas de modalidades
diferentes (CUMMINS, 1981) e mesmo quando o contexto é pluri/
multilíngue (CUMMINS, 2000, 2007).

As abordagens presentes no curso

Inicialmente, é preciso esclarecermos o que este trabalho en-


tende por “abordagem” no campo de ensino de línguas estrangeiras.
Nossa perspectiva se afilia à de Almeida Filho (2005, p. 78), que
interpreta “abordagem” como “[...] um conjunto de pressupostos
teóricos, de princípios, e até de crenças, ainda que só implícitas,
sobre o que é uma língua natural, o que é aprender e o que é ensi-
nar outras línguas”. Para Almeida Filho (1997, 2009), a abordagem

107
LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

é uma “filosofia de ensinar” que orienta todo o fazer pedagógico


do professor, desde a organização do curso/disciplina (currículo),
o planejamento das aulas e a elaboração de materiais didático-
-pedagógicos, até a avaliação dos estudantes.
Ao longo da história do ensino de línguas estrangeiras, vários
métodos foram propostos por pesquisadores e professores. Entre-
tanto, o que Almeida Filho (1997, 2009) esclarece é que, muitas
vezes, o professor faz uso de atividades, recursos e procedimentos
didáticos de métodos distintos, mas sua prática pedagógica possui
uma orientação maior, um objetivo final guiado por uma aborda-
gem norteadora. É justamente por isso que método e abordagem,
na perspectiva de Almeida Filho e outros autores, são conceitos
distintos. O método diz respeito a um “plano geral de apresentação
sistemática da língua” (BROWN, 1994, p. 48) e se baseia numa de-
terminada abordagem – ou seja, numa determinada visão de língua,
de ensino e de aprendizagem de línguas.
Neste trabalho, o conceito de abordagem está sendo trata-
do especificamente como um conjunto de concepções acerca de
como se aprende e de como se ensina uma língua estrangeira na
modalidade escrita para surdos. Por isso, trataremos também de
concepções sobre a surdez, sobre a língua de sinais, sobre a educa-
ção de surdos e sobre a educação linguística em geral, como será
apresentado adiante.
No curso que estamos apresentando e analisando neste capí-
tulo, as abordagens presentes foram: abordagem comunicativa (no
que se refere à concepção de língua/LE, concepção de ensino de LE
e de aprendizagem de LE); educação bilíngue de surdos (no que se
refere a uma concepção de educação de surdos, de língua de sinais
e de surdez) e educação plurilíngue (no que se refere a uma concep-
ção geral de educação, que envolve a educação linguística, mas não
apenas ela). Essas abordagens estiveram presentes na elaboração

108
LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

do material didático, na preparação das aulas, na condução da di-


nâmica das aulas, nas atividades propostas e na avaliação. A seguir,
apresentaremos cada uma dessas abordagens sucintamente.

Abordagem de ensino de línguas estrangeiras: ensino comu-


nicativo

Na área de ensino de línguas estrangeiras e/ou segundas lín-


guas, duas conhecidas abordagens norteadoras do ensino são a
abordagem gramatical e a abordagem comunicativa. Enquanto a abor-
dagem formal/gramatical foca na língua prioritariamente enquanto
estrutura/forma, a abordagem comunicativa foca na língua em uso,
dando ênfase às funções desempenhadas pela língua no processo
de comunicação. É essa última que norteia o presente trabalho.
Aqui, a abordagem comunicativa é compreendida na linha de
Brown (1994), Larsen-Freeman (2000), Littlewood (1981), Richards
e Rogers (2001), Sousa (2008, 2015) dentre outros autores, os quais
a intitulam “Ensino Comunicativo de Línguas” (ECL).10 Esses (e
outros) autores entendem “comunicação” como um processo socio-
interativo no qual se constroem ações e identidades, e não numa
visão reducionista do termo “comunicação”, como na Teoria da
Informação dos anos de 1970. Nesse sentido, Almeida Filho (2013,
p. 13), argumenta que “codificar e decodificar informações, como
num jogo de espelho, seria por demais redutivo e insuficiente”, pois
“os participantes da interação social são sujeitos históricos” e cons-
troem o discurso num processo de negociação. Nessa perspectiva,
portanto, é na interação que o significado é coconstruído.
O ensino comunicativo se trata de uma abordagem e não de um
método. Dessa forma, pode-se utilizar atividades e procedimentos
didático-pedagógicos de métodos diversos, como sustentam Richard

10 No inglês, Communicative Language Teaching.

109
LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

e Rogers (2001). Nessa abordagem, práticas tradicionais de ensino


podem ser reinterpretadas numa perspectiva comunicativa, como
o ensino explícito de gramática e atividades de tradução de/para a
língua materna dos estudantes.
Ao contrário de abordagens e métodos formalistas como o mé-
todo tradução-gramática e o método audiolingual,11 a concepção de
língua no ensino comunicativo é de língua primeiramente enquanto
interação e comunicação (BROWN, 1994). Assim, mesmo que essa
abordagem faça uso de práticas de métodos diversos (inclusive de
métodos formalistas), sempre terá a competência comunicativa
como fim.
A competência comunicativa, de acordo com Brown (2000), diz
respeito ao conhecimento que permite uma pessoa se comunicar
de forma funcional e interativa. Por outro lado, a competência
linguística se refere ao conhecimento sobre a estrutura da língua.
Entretanto, é bom lembrar que a competência comunicativa não
exclui a competência linguística, apenas a considera insuficiente
para se interagir socialmente. Para isso, é preciso “desenvolver uma
competência comunicativa que engloba o conhecimento gramatical,
o conhecimento lexical e o conhecimento do uso social da língua”
(SILVEIRA, 1999, p. 75).
Como sustenta Nunan (1989 apud BROWN, 1994), entre ou-
tros autores, num ensino comunicativo, os estudantes realizam
tarefas com a língua (perspectiva acional). Essas tarefas envolvem
comunicação real.12 São tarefas significativas para o aprendiz e que
envolvem o uso significativo da língua. Além disso, sua produção
envolve estratégias de comunicação e estratégias de interação, já
que a competência comunicativa também envolve a competência
estratégica (CANALE; SWAIN, 1980 apud BROWN, 2000).

11 Para maiores informações sobre esses métodos, conferir Sousa (2008).


12 Às vezes autêntica, às vezes simulada, dependendo do objetivo da atividade.

110
LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

Nesse tipo de abordagem, o professor é visto como um facili-


tador do processo de aprendizagem e do processo de comunicação
em sala de aula, ele também participa das tarefas como interlocutor.
Além disso, avalia permanentemente as necessidades dos alunos e
organiza o processo de ensino. O aluno/aprendiz é visto como um
negociador de significados, “dando” e “recebendo” no processo de
interação. Nessa perspectiva, a colaboração entre os estudantes é
muito estimulada.
Essas premissas serviram de base para a organização e oferta
do curso que promoveu a produção de dados para este trabalho, no
qual trabalhamos com uma visão de língua enquanto comunicação
e interação, e com um processo de ensino e aprendizagem de LE
interativo, onde professor e alunos são participantes, negociando
significados e utilizando uma língua real, viva e dinâmica.

Abordagem de educação de surdos: educação bilíngue

Quando falamos sobre definir “educação bilíngue para sur-


dos”, muitos acreditam que se trata apenas de reconhecer a língua
de sinais como L1 e a língua oficial do país como L2. Entretanto,
esse reconhecimento implica em várias ações pedagógicas a fim
de sustentar esse pressuposto básico. Quadros (1997) sugere uma
série dessas ações, tais como: a presença de professores fluentes
em Libras na escola; um currículo organizado em uma perspectiva
visual-espacial; um currículo que trate de aspectos específicos da
Libras e da comunidade surda (história, cultura surda etc.); a língua
portuguesa ensinada como segunda língua por pessoas especializa-
das em ensino de L2; o acesso a todos os conteúdos escolares por
meio da Libras, entre outros.
Nessa perspectiva, a língua de sinais não é vista apenas como
um meio de se chegar à língua majoritária, como sustentam algumas

111
LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

propostas educacionais para a comunidade surda que se denominam


bilíngues. Na verdade, a língua de sinais é fundamental nesse pro-
cesso, ela é que vai desencadear todo o processo de aprendizagem
dos estudantes surdos. A língua portuguesa escrita tem seu papel
específico de segunda língua nesse processo, pois ela é também uma
língua dos surdos brasileiros.
A recomendação (inclusive do Decreto 5626/2005) de que o
português se faça presente na escola na modalidade escrita se dá
pelo fato de que a escrita se apresenta em meio visual/gráfico. As-
sim, as experiências essencialmente visuais das pessoas surdas são
respeitadas. De acordo com esse decreto, o ensino da modalidade
oral da língua portuguesa (e, por extensão, das línguas estrangeiras
oral-auditivas, como o inglês e o espanhol) deve acontecer “prefe-
rencialmente em turno distinto ao da escolarização, por meio de
ações integradas entre as áreas da saúde e da educação, resguar-
dado o direito de opção da família ou do próprio aluno por essa
modalidade” (BRASIL, 2005, Art. 16). Lembramos que esse trabalho
é prioritariamente da competência dos profissionais da saúde, os
fonoaudiólogos.
Quadros (1997), Lane (1992) e Guarinello (2007) argumentam
que uma perspectiva bilíngue de ensino de línguas para surdos
passa também pela interação entre a L1 e a L2 dos aprendizes. Fazer
comparações explícitas entre as estruturas da L1 e da L2 pode fazer
com que os surdos compreendam melhor as diferenças e as seme-
lhanças existentes entre elas, a fim de que monitorem seu uso e sua
aprendizagem. No estudo de uma L3/LE, os surdos podem contar,
além da língua de sinais (L1), com o suporte da L2 como uma língua
que participa ativamente do processo de aprendizagem e uso da
L3, como sustentam Sousa (2008, 2015), Silva (2013), Rocha (2014).
Todas essas premissas de uma educação bilíngue para surdos
foram basilares para a organização e oferta do curso que promoveu

112
LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

a produção de dados para este trabalho. Nesse curso, priorizou-se


a valorização da língua de sinais como L1 dos estudantes, a valo-
rização do português enquanto L2, as especificidades dos surdos
enquanto sujeitos visuais, aspectos de sua cultura, além do histórico
e do repertório linguístico desses sujeitos enquanto aprendizes de
línguas.

Abordagem de educação linguística: educação plurilíngue

Educação plurilíngue é uma expressão que pode ter várias


acepções, dependendo da perspectiva. Neste trabalho, nossa pers-
pectiva converge com a do Conselho Europeu, o qual define educação
plurilíngue como “uma maneira de ensinar, não necessariamente
restrita ao ensino de línguas, a qual objetiva aumentar a consciência
de cada indivíduo sobre seu repertório linguístico, enfatizar seu va-
lor e estender esse repertório […]” (CONSELHO EUROPEU, 2007, p.
51). Nesse sentido, a educação plurilíngue é vista não apenas como
“aulas de línguas”, mas como uma postura linguística/educativa
diante das variadas línguas e dos variados sujeitos que convivem
num determinado espaço educativo, visando promover a valorização
e a ampliação dos repertórios desses sujeitos.
O ambiente educacional aqui investigado se propôs a ser plu-
rilíngue, pois objetivou também trabalhar com o fortalecimento do
repertório linguístico dos estudantes surdos matriculados no curso.
Nesse sentido, levamos em consideração as línguas prévias com as
quais os estudantes tinham tido contato – inglês, Libras e português
na maioria dos casos. Alguns alunos da turma investigada aqui eram/
foram estudantes de ASL, fato que nos levou a fomentar discussões
também sobre essa língua em alguns momentos das aulas.
Apesar de uma educação plurilíngue visar o desenvolvimen-
to de todas as línguas usadas pelos estudantes, no nosso curso, a

113
LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

língua inglesa era o foco principal. Entretanto, acreditamos que o


curso tenha ajudado a desenvolver também o português e a Libras
dos estudantes participantes (bem como dos monitores surdos e
ouvintes), por meio de discussões (principalmente comparando as
estruturas dessas línguas com a da língua inglesa) e atividades de
tradução que envolviam alguma/algumas dessas três línguas.

Metodologia deste capítulo e do projeto/curso

Tanto no projeto aqui investigado quanto neste capítulo, traba-


lhamos com a metodologia de pesquisa conhecida como pesquisação
(cf. SOUSA, 2008). Nesse tipo de pesquisa em ensino, o professor é
o pesquisador, e o contexto da pesquisa é a sua própria sala de aula.
O professor, na condição de participante do contexto de pesquisa,
coleta dados para análise, que podem ser diários/notas de campo,
atividades elaboradas para as aulas, planos de aula, produções dos
estudantes, entrevistas, diálogos vivenciados em sala de aula, entre
outros. Esse tipo de pesquisa ajuda o professor a entender melhor
sua própria prática profissional e responder perguntas do tipo “por
que ensina como ensina?”.
Nesse sentido, a “análise de abordagem” (ALMEIDA FILHO,
2009) é um tipo de procedimento de análise que colabora para
uma tomada de consciência por parte do professor, tanto da sua
abordagem de ensinar quanto das abordagens de terceiros envol-
vidos no contexto de ensino-aprendizagem (como a abordagem de
ensinar dos autores dos livros didáticos, dos dirigentes das escolas
e cursos de idiomas, a cultura de aprender línguas dos alunos etc.).
Para Almeida Filho (2009. p. 12), isso pode levar a “pequenas e par-
ciais mudanças que eventualmente podem levar a uma ruptura de
abordagem de ensinar do professor posto sob análise”, por meio do
diálogo crítico consigo mesmo e com outros analistas (supervisores,
pesquisadores etc.).

114
LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

Moita Lopes e Freire (1998) argumentam que para mudar uma


prática social é preciso refletir sobre ela, e esse é o alicerce da pes-
quisação. Para mudar a realidade de sua sala de aula, o professor
precisa se tornar investigador do contexto no qual ele atua, inves-
tigando não só os alunos, os materiais, mas, sobretudo, a si mesmo.
Após a reflexão sobre a própria prática, o professor-pesquisador
traça, então, um plano (ou planos) de intervenção, a fim de alterar
situações específicas. Isso pode trazer significativas melhorias para
a sala de aula, tanto com relação aos processos de ensinar quanto
aos de aprender.
Neste capítulo, temos a análise de relatos de monitores-
-pesquisadores que têm investigado sua própria prática de sala de
aula por meio do registro de notas/diários de campo, entre outras
estratégias.
Ao mesmo tempo em que os monitores vão observando seu
comportamento como codocentes, dialogam com a coordenadora
do projeto (professora regente da sala, que também atua como su-
pervisora dos monitores) em reuniões de planejamento, de estudo
e de avaliação – como será apresentado na seção a seguir. Dessa
forma, juntos, todos da equipe vão tentando realizar mudanças que
favoreçam a aprendizagem do inglês pelos alunos surdos da turma.
Enfim, o estudo de caso, inclusive a pesquisação (que para
Stenhouse, 1983 apud Nunan, 1992, é um tipo de estudo de caso),
tem sido muito utilizado como opção metodológica em diversas
pesquisas em linguística aplicada, ajudando a traçar um perfil do
desenvolvimento da linguagem em L2/LE. Isso reforça nossa esco-
lha por esse tipo de metodologia de pesquisa neste trabalho e no
projeto em que atuamos.

115
LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

A formação dos monitores do projeto para/na turma de 2019

O projeto de extensão aqui investigado (Ensino de Inglês Es-


crito para Surdos - Etapa 2019) se encontra cadastrado no sistema
para Projetos de Pesquisa e Extensão da UFSC (SIGPEX), cujo acesso
é restrito a determinados servidores da instituição. Apresentaremos
nesta seção alguns itens importantes desse projeto para o estudo
que aqui propomos. Nesse projeto, os objetivos gerais estão assim
descritos: “1) Proporcionar aos alunos surdos conhecimentos bási-
cos de língua inglesa escrita; 2) Formar monitores (codocentes) para
o ensino de inglês nesse contexto” (SOUSA, 2019, n. p.). Trata-se,
portanto, de duas ações: formar estudantes surdos na aprendizagem
do inglês escrito e formar monitores para atuar nesse tipo específico
de ensino.
Os objetivos específicos também envolvem essas duas ações,
como será apresentado no quadro a seguir.

Figura 1 - Objetivos Específicos do Projeto de Extensão “Ensino de inglês escrito


para surdos - Etapa 2019”

Fonte: Sousa (2019, n. p.).

Como se vê, para a formação dos monitores estão previstos


momentos de reunião de planejamento/estudo/avaliação com a su-
pervisora (professora regente, coordenadora do projeto), momentos
de observação de aulas de inglês ministradas pela professora regente
e momentos de prática de ensino pelos próprios monitores. Além
disso, a prática da autopesquisa é incentivada, bem como o ensino

116
LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

reflexivo, cujas inquietações são discutidas com a equipe pedagógica


(professora regente e monitores) nas reuniões presenciais e online
(em grupo, por aplicativo de mensagens instantâneas).
Quanto à metodologia, o projeto traçou os seguintes procedi-
mentos para a formação dos monitores:

A formação dos monitores se dará nas aulas do curso


de extensão, seja em observação participante ou em
atuação direta no ensino; em encontros semanais de
estudo, planejamento e avaliação com a coordenadora
do projeto; em atendimentos aos alunos do curso em
momentos de plantão tira-dúvidas e em momentos
individuais de leitura e estudo. Durante o semestre
2019.1, a coordenadora do projeto e os monitores
voluntários se reunirão semanalmente para preparar
aulas, atividades e materiais didáticos, além de se
reunirem para estudar/discutir textos que embasem
teoricamente a prática docente em questão. Em 2019.2
será oferecida à comunidade da UFSC e arredores uma
turma de inglês escrito para surdos em nível básico
(72h/a) (SOUSA, 2019, n. p.).

Portanto, houve um período anterior à ministração das aulas


coletivas e dos momentos de plantão tira-dúvidas individuais,
composto por momentos de estudo e planejamento. Nessas reuni-
ões, conceitos teóricos importantes para a área foram trabalhados
(alguns dos quais foram apresentados na seção 1 deste capítulo),
bem como discussões sobre didática e metodologias de ensino de
LE para surdos, elaboração de materiais didáticos, avaliação, entre
outros temas relevantes. Com o início das aulas, além de estudo
e planejamento, havia como material para as reuniões a própria
experiência vivida com os estudantes matriculados no curso, expe-
riências observadas no ensino e na aprendizagem. Era assim que,
basicamente, se dava a formação em serviço desses monitores.

117
LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

Como justificativa para a formação dos monitores, o projeto


apresentou o seguinte:

Quanto à formação dos monitores (codocentes), ela


se justifica pela inexistência de espaços formais que
proporcionem a formação de professores de língua es-
trangeira (no nosso caso, inglês) para surdos, tanto na
prática quanto na teoria. A demanda por esses profis-
sionais tem crescido gradativamente nos últimos anos
em nosso país, seja na Educação Básica, Ensino Superior
ou em outros contextos (SOUSA, 2019, n. p.).

Nesse sentido, a formação em serviço que este projeto de ex-


tensão proporciona tem como objetivo preencher uma lacuna na
formação dos licenciandos em Letras Inglês, que dificilmente con-
templam o contexto de ensino de surdos por meio da Libras em seu
currículo, como também busca incentivar os alunos de Letras Libras
que possuem conhecimento da língua inglesa e desejo de ensinar
essa língua a complementarem sua formação com essa formação de
curta duração (enquanto não seja possível a eles cursarem Letras
Inglês). Os alunos surdos de Letras Libras, por exemplo, encontram
barreiras ao querer ingressar numa licenciatura em Letras Inglês
devido à falta de adaptação curricular (já que as disciplinas que
contemplam a oralidade da língua inglesa são incompatíveis com
o perfil da maioria dos estudantes surdos sinalizantes).
Como consta no projeto de extensão, como resultado dessa
formação em serviço, “espera-se que os estudantes monitores
(codocentes) adquiram conhecimentos práticos e teóricos no que
diz respeito ao ensino de inglês escrito para surdos, além de apri-
morar sua fluência em Libras” (SOUSA, 2019, n. p.). Portanto, não
podemos esquecer de mencionar a dimensão plurilíngue dessa
formação, a qual objetiva também potencializar as línguas dos
monitores, sobretudo a Libras dos monitores do Letras Inglês, e o

118
LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

inglês dos estudantes do Letras Libras (além da língua portuguesa


escrita dos monitores surdos). Essa parte da formação não se dava
em momentos específicos de estudo dessas línguas, mas na prática
de sala de aula e nos momentos de reunião, que eram em Libras, ou
em momentos em que os monitores tinham alguma dúvida sobre
inglês, Libras ou, até mesmo, português (no caso dos surdos).
Como argumenta Abrahão (2009), os trabalhos de pesquisa
que têm como foco cursos de formação em serviço de professores
de segunda língua e de língua estrangeira são escassos. A autora
reforça que também são escassos os cursos voltados para uma for-
mação continuada com reflexão e prática do professor de LE, num
processo de pesquisação crítica sobre suas próprias aulas, levando a
um crescimento profissional. Este estudo visa, portanto, contribuir
com esse campo de pesquisa e de cursos de formação de professo-
res, trazendo algumas reflexões sobre o ensino de inglês escrito
para surdos por meio da Libras e sobre a formação em serviço de
professores/monitores para esse tipo de ensino.

Análise e discussão dos dados

A partir das reflexões teórico-metodológicas apresentadas


anteriormente, nesta seção serão abordadas as análises dos relatos
dos monitores (codocentes) sobre sua participação na turma de
2019 do projeto de extensão mencionado,13 focando nos seguintes
aspectos: língua de instrução do curso, papel da língua portuguesa
nas aulas, trabalho cooperativo entre monitores surdos e ouvintes,
planejamento e realização das aulas e relação com os alunos surdos.
As aulas ministradas no curso foram em Libras, a L1 dos
alunos surdos, exigindo da professora regente e dos monitores
uma boa proficiência na língua de sinais para poder ensinar aos

13 Os relatos completos dos monitores estão em anexo no fim deste capítulo.

119
LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

alunos surdos com qualidade. Como argumenta Romaine (1995),


utilizar a LM/L1 dos alunos de um grupo minoritário como língua
de instrução é um direito linguístico e essencial para a educação
desses indivíduos, além de lhes garantir uma proximidade afeti-
va com os professores durante o aprendizado da L2/LE. A seguir,
apresentamos um trecho do relato da monitora Nicole que trata
dessa questão.

Então em Libras eu tentei fazer um classificador que


remetesse a imagem de um “tablet”, pois eu não sabia
o sinal em Libras, e em seguida fiz a datilologia da
palavra. Posteriormente fiz o sinal de “mesa” em Li-
bras e em seguida fiz a datilologia da palavra “table”,
e perguntei se o aluno havia compreendido e recebi
um feedback positivo. Neste momento fiquei muito
nervosa, pois meu conhecimento em Libras é básico,
mas também fiquei muito feliz e me senti útil podendo
ajudar o aluno a compreender melhor o significado de
palavras em inglês, sua L3, através da Libras, sua L1
(Anexo 1, Relato da monitora Nicole).

Conforme se observa no relato de Nicole, é importante saber


Libras para se comunicar e assim explicar melhor os conteúdos
para os alunos, de modo que a internalização de vocábulos da L3
seja feita de maneira adequada e o mais natural possível por parte
do aluno.
Cummins (1981) trata da teoria da interdependência lin-
guística. Nessa perspectiva, a L1 e a L2 do aluno influenciam no
aprendizado de uma L3 por ele. Durante as aulas do curso aqui
investigado, observou-se essa influência em diversos momentos.
Um desses momentos foi o jogo em que os alunos deveriam orga-
nizar palavras recortadas e formar frases em inglês, como descrito
no relato a seguir.

120
LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

Um dos jogos foi dispor sobre três mesas palavras em


inglês que formavam um diálogo perguntando sobre
o nome, sinal, etc. As palavras estavam embaralhadas
e os alunos deviam colocar na ordem correta, observei
neste momento a influência da gramática da Libras e
do Português nas sentenças, pois mais de uma vez os
alunos dispuseram a ordem das palavras utilizando ora
a gramática do português, ora a gramática da Libras,
percebi assim a influência da L1 e da L2 na aquisição
da L3. Os alunos se apoiaram em suas línguas pré-
-conhecidas para conseguir formular e completar as
frases em inglês, e com isto, a partir desse conheci-
mento deles, nós monitores auxiliamos na construção
das frases utilizando a gramática do inglês, mostrando,
por exemplo, que os adjetivos em inglês vêm antes do
substantivo (Anexo 1, Relato da monitora Nicole).

O fato de esta ação, natural do falante bilíngue, ocorrer em sala


de aula é bom, pois encoraja o aluno a prosseguir a aprendizagem e
a internalizar a gramática da língua-alvo de maneira leve e natural,
sem tanta pressão. Utiliza-se, assim, da L1 e da L2 para ir compa-
rando as semelhanças e as diferenças entre as línguas envolvidas e,
gradualmente, ir substituindo as estruturas da L1 e da L2 pelas da
L3, conforme a evolução no processo de aquisição, como argumenta
Cummins (2000, 2007) e Sousa (2008, 2015).
Por isso, ensinar inglês em Libras não só é possível como é
necessário, para que professores e alunos possam se comunicar de
forma viável e para que o ambiente seja o mais inclusivo possível,
pois é um direito do surdo ser ensinado em Libras – conforme o
Decreto 5626/2005. Conforme já mencionamos, o uso da L1 garante
que os direitos dessa comunidade sejam respeitados e que os alu-
nos tenham acesso aos conteúdos escolares através da sua LM (cf.
QUADROS, 1997).

121
LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

Com relação à língua portuguesa, em certos momentos do


curso, notou-se que essa língua tinha um papel de língua ins-
trumental, como relatado pelo monitor Igor, no seguinte trecho:
“neste sentido, o português, enquanto L2, se torna fundamental,
pois exerce função comparativa, em termos de estrutura gramati-
cal e de modalidade escrita” (Anexo 2, Relato do monitor Igor). O
português (L2) é, portanto, importante durante o aprendizado da
L3 porque serve como um apoio linguístico para a aquisição da L3/
LE, mesmo não tendo papel principal dentro das aulas. Esse papel
instrumental do português como segunda língua no aprendizado
de inglês (L3) por surdos também foi observado por Sousa (2008,
2015), que ratifica a importância das línguas de apoio no processo
de ensino-aprendizagem da L3.
Quanto à relação entre os monitores surdos e ouvintes, a
palavra-chave para definir essa relação foi “segurança”. Saber que
tinha outros monitores em sala para auxiliar no andamento da aula,
na preparação e ter o feedback após as aulas foi essencial para a
evolução pessoal e profissional dos monitores, de acordo com os
relatos. Cada um tinha algo para contribuir no andamento do cur-
so e na formação dos colegas, fosse por meio de um olhar voltado
para as especificidades da comunidade surda enquanto indivíduos
pertencentes à mesma, fosse compartilhando experiências prévias
em sala de aula como professores de surdos ou como pesquisadores,
complementando a atuação dos colegas com sugestões e feedbacks
construtivos. Sobre isso, Nicole (Anexo 1) relata que:

A experiência pedagógica da codocência, juntamente


com a formação ofertada, enriqueceu as aulas de inglês,
pois possibilitou que houvesse um espaço de diálogo
pré-sala de aula, para retirada de dúvidas, sugestões
e a troca de ideias sobre as experiências no ensino de
inglês para surdos que já tinham acontecido anterior-
mente, me preparando para dar aulas fora do curso com

122
LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

alunos tanto surdos quanto ouvintes (Anexo 1, Relato


da monitora Nicole).

No contexto deste curso, duas monitoras tinham menos tempo


de experiência em sala de aula. Mas um ambiente seguro se for-
mou, em que não julgávamos o processo de lecionar de cada um,
tornando-se uma espécie de “laboratório” para que os monitores
colocassem a “mão na massa” e sentissem como é ensinar sem se-
rem julgados se em algum momento se equivocassem em alguma
explicação ou se não sinalizassem da forma mais adequada. Todos os
monitores se permitiram vivenciar o papel de professores sem medo.
Para Almeida Filho (2009, p. 14), a observação sistemática de
si e por um outro professor/pesquisador, “dialogando criticamente
consigo mesmo ou com um outro solidário e preparado para tal”
nos leva a uma “tomada gradual de consciência” acerca de como
ensinamos uma língua estrangeira. Nesse sentido, a formação em
serviço promove o confronto do professor consigo, por meio de
autorreflexões e também por meio do diálogo com os colegas ob-
servadores de suas aulas – no caso deste trabalho, os observadores
foram a professora regente e os colegas monitores. Essa “análise
conscientizadora” (pelos olhos do outro e por si) permite possi-
bilidades de mudanças na abordagem de ensinar desse professor,
segundo Almeida Filho (2009).
Sobre a elaboração das aulas, o relato do monitor Igor ressalta a
importância do trabalho cooperativo entre os monitores, conforme
trecho a seguir.

O modo com que a Karolyne costumava propor o uso de


algumas imagens, ao invés de apenas escrever algo no
quadro para tratar de determinado assunto, ao propor
determinadas brincadeiras que surdos já estavam habi-
tuados para que os alunos pudessem interagir e ajudar
uns aos outros com seus próprios conhecimentos e

123
LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

facilidades em determinadas atividades, até mesmo


suas dúvidas nas preparações, apresentando a dúvida
na visão da pessoa surda, permitiram com que pudés-
semos adequar atividades e preparar aulas (Anexo 2,
Relato do monitor Igor).

O que fica mais evidente no relato anterior, para além da co-


laboração na elaboração de materiais e aulas, é a presença de uma
monitora surda no curso, pois agrega desde o planejamento o olhar
singular da pessoa surda, permitindo que o ensino possa ser o mais
próximo possível da realidade dos alunos surdos.
Sobre semelhanças e diferenças entre surdos e ouvintes
aprendendo uma LE, a monitora Karolyne relata o que destacamos
a seguir:

Nos humano seja o surdo ou ouvinte, temos a capaci-


dade para aprender em vários línguas. Surdo e ouvinte
temos o mesmo limites pra aprender novas línguas e isso
demostra a capacidade que temos apenas com uma me-
todologia dos surdos e dos ouvintes diferente de como
aprendemos (Anexo 3, Relato da monitora Karolyne).14

A necessidade de uma metodologia específica para surdos (além


do reconhecimento das capacidades e dificuldades da pessoa surda
para aprender línguas, como ocorre com qualquer ser humano)
aparece no posicionamento da monitora surda no relato anterior.
Numa visão socioantropológica de surdez (SKLIAR, 2005), a
pessoa surda não é definida pelo que lhe falta com relação à nor-
matividade (no caso dos surdos, a audição), mas sim pelo que lhe
constitui, que é a experiência visual das pessoas surdas. Ou seja,
ao invés de falarmos apenas de dificuldades no aprendizado de

14 Nós optamos por deixar o relato da monitora Karolyne escrito como no original, ou seja, em
português como segunda língua.

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LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

uma LE por surdos (oriundas da sua diferença linguística, cultural


e, inclusive, sensorial), devemos falar também da potencialidade
dessas pessoas para o aprendizado de uma LE, potencial esse que
necessita de abordagens de ensino e de avaliação adequadas às suas
especificidades.
Quando Quadros (1997) sugere um currículo organizado em
uma perspectiva visual-espacial para uma educação bilíngue, a
autora está tratando justamente dessa questão da visualidade da
pessoa surda, e isso é central em um ensino específico para surdos.
Esse tipo de debate se tornou ainda mais presente no plane-
jamento e na execução das aulas devido à presença de uma pessoa
surda no grupo de docentes, pois ensinar surdos na perspectiva do
professor ouvinte (mesmo ouvintes fluentes em Libras) é significati-
vamente diferente de ensinar surdos na perspectiva de um professor
surdo. A riqueza dessa interação muito provavelmente reverberou
de forma positiva na aprendizagem dos estudantes do curso.
No que diz respeito ao que sustenta Nunan (1989 apud BROWN,
1994), de que em um ensino comunicativo os estudantes realizam
tarefas com a língua, é interessante observar o trecho a seguir do
relato do monitor Igor.

Alguns exemplos disso que posso mencionar são


bate-papos que elaboramos por meio do Whatsapp
(situação comunicativa), da escrita de uma breve
apresentação pessoal, que consistia em informar coi-
sas como data e local de nascimento, nome completo,
ocupação, estado civil, hobbies, etc. As aulas sempre
são preparadas a partir de uma situação, para, no encer-
ramento de seu ciclo, realizarmos atividades escritas,
de modo a proporcionar uma adequação à forma da L3.
Não somente, mas nesta última etapa o português se
torna mais relevante, pois permite comparar estruturas
(Anexo 2, Relato do monitor Igor).

125
LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

O trecho destacado relata exemplos de atividades voltadas ao


uso significativo da língua, à situação comunicativa em si, corrobo-
rando também com a premissa de Almeida Filho (2013), de que na
interação é que o significado é construído, pois nestas atividades os
alunos interagiam entre si para usar a língua alvo – o inglês.
Estas premissas também aparecem no seguinte trecho do relato
desse mesmo monitor, em que é mencionado que a preocupação
com a abordagem comunicativa, baseada em situações de uso da
língua, se dá desde o planejamento das aulas.

[...] esta aproximação do ensino à realidade do aluno


surdo se dá da seguinte forma, a meu ver: elaboração
de aulas a partir de possíveis situações em que a língua
pode ser usada; elaboração de materiais adequados à
realidade perceptiva do aluno, ou seja, o grande uso de
vídeos, imagens, etc, de materiais visuais; ao permitir
que o aluno use livremente a língua, sem grandes exi-
gências quanto à adequação gramatical em determina-
dos momentos, com o objetivo de permitir que o aluno
compreenda e se aproprie do contexto de uso da língua,
para posteriormente, tomar conhecimento da forma da
língua adequada àquela situação (Anexo 2, Relato do
monitor Igor).

Ainda sobre a língua de instrução do curso, por mais que os


relatos destacados até aqui ressaltem uma preocupação com o uso
da L1 do aluno surdo, o trecho a seguir exemplifica que o curso re-
flete um pouco a (triste) realidade do sujeito surdo em seu processo
de aquisição da Libras, a saber: que nem todos os surdos tiveram a
oportunidade de adquirir a Libras e se tornar fluentes nessa língua,
sobretudo devido a uma visão de surdez como deficiência (SKLIAR,
2005) que (infelizmente) ainda está presente em muitas famílias de
surdos e instituições de saúde e de ensino, as quais negam ao surdo
o direito de se desenvolver numa língua que lhe seja acessível e con-

126
LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

fortável, numa língua visual-espacial, “obrigando-lhe” a se adequar


à norma, ou seja, a uma língua oral-auditiva, por meio de processos
de oralização. Com isso, muitas vezes o seu aprendizado do portu-
guês como segunda língua também acaba ficando comprometido,
já que, nesses casos, não há uma língua plenamente acessível ao
aluno surdo compartilhada entre o surdo e o seu professor. Essa
realidade aparece refletida no trecho a seguir.

Houve casos de alunos que não conseguiram acompanhar


o curso, tendo desistido, pois não sinalizavam bem, tam-
pouco compreendiam a língua, que dirá ter conhecimen-
to, competência linguística para se valer do português
escrito como ferramenta para compreender e desenvolver
a língua inglesa (Anexo 2, Relato do monitor Igor).

Esse trecho demonstra que, apesar de o curso ser elaborado


a partir de premissas de educação bilíngue (GUARINELLO, 2007;
LANE, 1992; QUADROS, 1997), bem como na perspectiva educacio-
nal plurilíngue (CONSELHO EUROPEU, 2007; SOUSA, 2008, 2015),
muitos alunos surdos ainda não conseguem acompanhar o curso de
extensão em questão por não possuírem um nível de letramento em
Libras que os permita usufruir desse contexto de ensino.
Sobre a relação entre os monitores e os alunos surdos, de acordo
com os relatos, ela foi muito boa. O fato de os monitores saberem
Libras facilitou a interação com os alunos, pois o ambiente era des-
contraído. No seu relato, a monitora surda reforça a importância
dos monitores saberem Libras ao afirmar que, nas oportunidades
que teve, pôde explicar novamente alguns tópicos na L1 dos alunos.

Em 2019 participei do Projeto/Curso como monitora


(agosto a dezembro), na monitoria eu ficava observando
cada aluno fazendo suas atividades, ajudando a tirar
dúvidas e explicando o que poderia ser usado ou não. E

127
LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

quando eu substituía a professora, eu reforçava o conteú-


do estudado, tirando as dúvidas e repetindo a explicação
[...] Os alunos surdos sempre teve dúvidas sobre o inglês,
sempre se dando bem em interagir para tirar suas dúvidas
das atividades. Sempre perguntando dos nomes o portu-
guês para o inglês. E os monitores sempre observando e
orientando para o melhor aprendizado e a capacidade dos
alunos de aprenderem rápido ou dificuldades e sempre
procurando estratégia de como ajudar ou esclarecer as
dúvidas. (Anexo 3, Relato da monitora Karolyne).

Ademais, no ambiente construído contava-se piadas, e os alu-


nos interagiam muito, entre si e com os professores. Esse contexto é
bem diferente de um ambiente em que o professor não sabe Libras
e precisa do auxílio do intérprete para se comunicar com os alunos.
Nesse caso, muito se perde por conta da logística da interpretação,
ou seja, a barreira linguística afasta, em certa medida, o aluno surdo
do professor não fluente na Libras.
Para finalizar, concluímos, a partir da análise dos dados, que
a experiência docente dos monitores foi de extrema relevância e
importância tanto para a comunidade surda quanto para a evolu-
ção profissional dos monitores. O contato plurilíngue trouxe aos
monitores habilidades únicas através dessa formação atuante e
oportunizou a criação de estratégias para o ensino de inglês para
surdos que servirão para o ensino de outros surdos e também de ou-
vintes. O fato de a língua de instrução ser a Libras proporcionou aos
alunos surdos um ambiente diferenciado, inclusivo, descontraído e
familiar para a aprendizagem da LE/L3, mostrando a importância
de se ensinar através da L1 dos surdos.

Considerações finais

O objetivo principal deste trabalho foi refletir sobre o ensino de


inglês para surdos e sobre a formação de monitores (codocentes) para

128
LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

atuar nesse contexto. Essas reflexões tiveram como base a análise dos
relatos de experiência de três monitores que atuaram num projeto
de extensão de inglês escrito para surdos da UFSC no ano de 2019.
Percebemos que a formação em serviço proporcionada pelo
projeto de extensão por meio da pesquisação criou oportunidades de
crescimento para todos os envolvidos na docência nesse projeto. Os
monitores (codocentes), além de ampliar seu repertório linguístico
nos três idiomas utilizados no curso (Libras, português e inglês),
ainda adquiriram estratégias para a atuação docente específica no
ensino de inglês para surdos.
Quanto aos monitores ouvintes, ressaltamos sobretudo a sua
aprendizagem prática do que seria a “visão surda”, que tanto os
autores tratam quando teorizam sobre educação bilíngue de sur-
dos, já que vivenciaram o planejamento e a execução das aulas ao
lado de uma monitora surda. Além disso, tiveram a oportunidade
de dar aulas de inglês em Libras, bem diferente do que estavam
acostumados com seus alunos de inglês ouvintes.
Quanto à monitora surda, ressaltamos que a mesma teve, so-
bretudo, a oportunidade de aprender com seus colegas monitores
e com a professora regente estratégias específicas de ensino de
inglês, já que o curso da monitora surda era o Letras Libras, e o dos
monitores ouvintes era Letras Inglês.
Além de impactar a vida dos docentes, o curso também im-
pactou positivamente a vida dos estudantes surdos, que tiveram a
oportunidade de estudar uma língua estrangeira na modalidade que
lhes é plenamente acessível (nas habilidades de leitura e escrita),
tendo a Libras como língua de instrução e o português como língua
de apoio (além de outras línguas que, por curiosidade, foram apa-
recendo no processo, como a ASL). Esse curso, portanto, se trata de
uma importante ação de política linguística dentro da UFSC, para
a comunidade local de surdos.

129
LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

Como ações futuras, é possível pensarmos em aprimorar a


formação continuada dos monitores, por exemplo, com momentos
específicos de estudo das línguas envolvidas (sobretudo inglês e Li-
bras), ampliando, além de sua “competência aplicada e profissional”,
a sua “competência linguístico-comunicativa”, como bem observou
Abrahão (2009, p. 46) em seu projeto de formação continuada de
professores de inglês.
Além disso, não podemos esquecer do que Almeida Filho (2009)
ressalta: é preciso pensar também na formação dos produtores de
materiais didáticos, dos dirigentes das escolas, dos formadores de
professores, para que se abram mais espaços de ensino bi/plurilín-
gues e comunicativos de LEs para surdos em nossa comunidade.

Referências

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132
LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

ANEXOS

Anexo 1 - Relato da monitora Nicole

Minha experiência como monitora do curso de extensão de inglês


Básico para surdos se deu no ano de 2019, quando a professora Aline,
na época minha orientadora, me convidou para formar uma equipe
para ensinar inglês para alunos surdos. O grupo foi composto pelo
Mestrando Igor, a aluna de graduação em Letras Libras Karolyne e
por mim, Nicole, graduanda do curso de Letras Inglês na UFSC. Nossas
aulas eram preparadas pela professora Aline e pelo mestrando Igor,
utilizando o ensino comunicativo como metodologia norteadora para
as aulas e atividades. Eu e Karolyne atuamos como monitoras durante
as aulas, sanando as dúvidas dos alunos durante a explicação e reso-
lução dos exercícios. No primeiro momento foi a professora Aline que
deu as aulas de inglês em Libras, depois foi o professor Igor, e houve
um momento em que o Igor e a Karolyne deram aula juntos. Um aluno
surdo me perguntou em Libras qual era a diferença entre as palavras
“tablet” e “table”, algo que para um ouvinte pode parecer simples por
conta da pronúncia das palavras, eu percebi que para um surdo essa
diferença não era tão explícita por não ter contato com esse tipo de
input. Então em Libras eu tentei fazer um classificador que remetesse
a imagem de um “tablet”, pois eu não sabia o sinal em Libras e em
seguida fiz a datilologia da palavra, posteriormente fiz o sinal de “mesa”
em Libras e em seguida fiz a datilologia da palavra “table”, e perguntei
se o aluno havia compreendido e recebi um feedback positivo. Neste
momento fiquei muito nervosa, pois meu conhecimento em Libras é
básico, mas também fiquei muito feliz e me senti útil podendo ajudar
o aluno a compreender melhor o significado de palavras em inglês, sua
L3, através da Libras, sua L1.
Como minha pesquisa na época era sobre o material didático em
aulas de inglês para surdos, prestei mais atenção neste ponto. Havia

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LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

poucas tarefas para casa, porém eram mais curtas e a maioria dos
alunos faziam em sala de aula. A professora Aline utilizava o quadro
para explicar alguns conceitos gramaticais e quando o fazia escrevia
somente em inglês os conceitos gramaticais, utilizando sempre canetas
coloridas para chamar visualmente a atenção dos alunos surdos. Os
professores monitores se utilizaram de jogos e brincadeiras para traba-
lhar a construção de frases e aquisição de vocabulário pelos alunos. Um
dos jogos foi dispor sobre três mesas palavras em inglês que formavam
um diálogo perguntado sobre o nome, sinal, etc. As palavras estavam
embaralhadas e os alunos deviam colocar na ordem correta, observei
neste momento a influência da gramática da Libras e do Português
nas sentenças, pois mais de uma vez os alunos dispuseram a ordem
das palavras utilizando ora a gramática do português, ora a gramá-
tica da Libras, percebi assim a influência da L1 e da L2 na aquisição
da L3. Os alunos se apoiaram em suas línguas pré-conhecidas para
conseguir formular e completar as frases em inglês, e com isto a partir
desse conhecimento deles nós monitores auxiliamos na construção das
frases utilizando a gramática do inglês, mostrando, por exemplo, que
os adjetivos em inglês vêm antes do substantivo. O curso de formação
ministrado pela professora Aline Nunes de Sousa nos habilitou a
trabalhar com os alunos de maneira comunicativa, propondo como
atividades situações que estão relacionadas à realidade cotidiana dos
mesmos, explorando o ensino comunicativo nas atividades e meto-
dologias de ensino. As teses e artigos estudados durante a formação
foram essenciais para lidarmos com as situações adversas em sala de
aula, por exemplo a dissertação e tese de Sousa (2008, 2015) e a tese
de Pereira (2015)15, que trabalha os “DISCURSOS PEDAGÓGICOS EM
PRÁTICAS DE PROFESSORES DE ALUNOS SURDOS” em abordar
sobre uma pedagogia visual, extenuantemente trabalhada nas aulas
do curso de inglês como L3 para surdos, trazendo objetos e colocando

15 PEREIRA, K. A. O ensino de língua estrangeira na educação de surdos: recontextualização


dos discursos pedagógicos em práticas de professores de alunos surdos. 2015. Tese (Doutorado
em Educação) – Faculdade de Educação, Universidade Federal de Pelotas, Pelotas, 2015.

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LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

em situações reais de comunicação como a dinâmica do “chat no papel”


em que os alunos deveriam dispor as cadeiras em frente um ao outro
e dialogar um com o outro através do papel somente em inglês, com
o objetivo de conhecer melhor o colega e assim praticar a escrita do
inglês como L3. A experiência pedagógica da codocência, juntamente
com a formação ofertada, enriqueceu as aulas de inglês, pois possibili-
tou que houvesse um espaço de diálogo pré-sala de aula para retirada
de dúvidas, sugestões e a troca de diálogos sobre as experiências no
ensino de inglês para surdos que já tinham acontecido anteriormente,
me preparando para dar aulas fora do curso com alunos tanto surdos
quanto ouvintes. A experiência da codocência dentro da academia
proporcionou vivenciarmos a tríade acadêmica: o ensino, pesquisa e
extensão focando na preparação e experiência de sala de aula para
alunos surdos. A formação dos monitores contribuiu para o ensino dos
alunos que geraram dados riquíssimos que preenchem essa pesquisa.

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LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

Anexo 2 - Relato do monitor Igor

A etapa 2019 do curso de inglês voltado para surdos proficientes


em Libras não foi minha primeira experiência como monitor codocente
no projeto, pois já atuei em anos anteriores. Em primeiro lugar, o que
posso acrescentar, talvez diga respeito à abordagem comunicativa
plurilíngue exercida no curso. Sou professor de português e inglês por
formação, tendo atuado como professor de inglês há cerca de 4 anos
antes de integrar o projeto. Isto significa que grande parte de minha
atuação vinha sendo com olhar para o aluno ouvinte, que visa desenvol-
ver todas as habilidades e competências para o inglês como LE. Sempre
atuei de modo a adequar minha prática à abordagem comunicativa do
ensino, ou seja, de modo a tornar o aprendizado significativo a partir
de reflexões vinculadas a possíveis situações reais de uso da língua. Por
diversos motivos que não merecem ser mencionados neste momento,
haja vista que o objetivo é relatar e refletir a formação ativa no curso
de inglês para surdos, posso afirmar que buscava um “purismo”, ao
tentar não usar a língua de conforto de meus alunos como apoio para
seu aprendizado da língua inglesa. Isto significa que eu costumava não
falar português em minhas aulas, tão pouco usá-lo a título de com-
paração para auxiliá-los na compreensão de estruturas gramaticais,
por exemplo.
Acho relevante registrar o que acabo de mencionar pois, a partir da
experiência no curso de inglês para surdos, percebo que minha prática
mudou. Inicialmente, em outra etapa do projeto, participei apenas como
observador, a fim de compreender a abordagem comunicativa plurilín-
gue adotada no curso. Pude perceber a relevância disso, principalmente
para a realidade do sujeito surdo, que possui poucos (talvez nenhum)
parâmetros em relação à modalidade escrita de uma língua compatível
com sua modalidade visuoespacial de percepção e articulação de língua,
como é o caso da L1 dos alunos deste curso. Isto me permitiu perceber
que a situação comunicativa é essencial para que o aprendizado ocor-

136
LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

ra, pois o torna significativo, aproximando-o da realidade do aluno.


Quanto ao caráter plurilíngue, percebi que ele é essencial para a prática
de ensino de L3 para surdos. Sendo Libras a língua de instrução e o
inglês a língua alvo, duas línguas de modalidade perceptual distintas,
não há como explicar e inserir determinados contextos e conteúdos ao
aluno senão por meio de sua L1. Neste sentido, o português, enquanto
L2, se torna fundamental, pois exerce função comparativa, em termos
de estrutura gramatical e de modalidade escrita. É o que a maioria dos
alunos conhece até certo ponto, pois ainda não há difusão de nenhuma
escrita de sinais no país, logo, para tudo que é escrito, o surdo precisa
ter contato com a língua portuguesa, pois é o que o permite interagir
com o restante do universo em que se insere. Em suma, posso afirmar
que a experiência mudou meu olhar e minha prática para o ensino de
língua inglesa. Não vejo mais sentido em ensinar sem usar a língua de
conforto de meu aluno, seja ele surdo ou ouvinte. Vejo que há ganhos
significativos para o aprendizado, no que diz respeito a permitir que
o aluno se sinta à vontade no processo, bem como no fato de usar o
conhecimento “tácito” do aluno, ou seja, seu conhecimento de mundo,
suas possíveis experiências prévias de vida.
Em termos mais técnicos do ensino, esta aproximação do ensino à
realidade do aluno surdo se dá da seguinte forma, a meu ver: elaboração
de aulas a partir de possíveis situações em que a língua pode ser usada;
elaboração de materiais adequados à realidade perceptiva do aluno,
ou seja, o grande uso de vídeos, imagens, etc, de materiais visuais; ao
permitir que o aluno use livremente a língua, sem grandes exigências
quanto à adequação gramatical em determinados momentos, com o
objetivo de permitir que o aluno compreenda e se aproprie do contexto
de uso da língua, para posteriormente, tomar conhecimento da forma
da língua adequada àquela situação. Alguns exemplos disso que posso
mencionar são bate-papos que elaboramos por meio do Whatsapp (si-
tuação comunicativa), da escrita de uma breve apresentação pessoal,
que consistia em informar coisas como data e local de nascimento,

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LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

nome completo, ocupação, estado civil, hobbies, etc. As aulas sempre


são preparadas a partir de uma situação, para, no encerramento de
seu ciclo, realizarmos atividades escritas, de modo a proporcionar uma
adequação à forma da L3. Não somente, mas nesta última etapa o
português se torna mais relevante, pois permite comparar estruturas.
Cabe registrar também, algumas coisas que se tornam latentes no
processo de ensino--aprendizagem plurilíngue, mas que dizem mais
respeito à realidade precária de aprendizagem do sujeito surdo. Um
dos pré-requisitos para um surdo ser aluno do curso é que seja profi-
ciente em Libras, além de ter concluído o Ensino Médio. Contudo, isto
não significa que o aluno seja letrado na modalidade escrita da língua
portuguesa, ou que tenha aprendido a língua de sinais de modo a acom-
panhar as aulas e ter um bom aproveitamento. Falo aqui do problema
antigo que surdos ainda enfrentam, que é o direito a aprender sua L1,
a Libras, para que então possam compreender o mundo, a si mesmos
e então aprender a modalidade escrita do português, desenvolvendo
competência leitora. Houve casos de alunos que não conseguiram
acompanhar o curso, tendo desistido, pois não sinalizavam bem, tão
pouco compreendiam a língua, que dirá ter conhecimento, competência
linguística para se valer do português escrito como ferramenta para
compreender e desenvolver a língua inglesa. Infelizmente essa realidade
do sujeito surdo que encontramos fora das salas de aula e diz muito
mais respeito a seus direitos linguísticos enquanto cidadãos de uma
nação plurilíngue, é refletida em sala de aula, ainda que plurilíngue.
No que diz respeito à preparação das aulas, que ocorriam em reu-
niões semanais, posso afirmar que a etapa 2019 foi a mais agradável
e produtiva, pois pudemos contar com o auxílio da visão da Karolyne,
ex-aluna do curso, professora de Libras em formação pela UFSC, e
apaixonada pela língua inglesa. Por mais que eu já tivesse participado
de outras etapas, também participando de reuniões para elaboração
de aulas e materiais, além de acompanhar as aulas, sem dúvidas a
presença de Karolyne, mulher surda, nos permitiu obter outra visão

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LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

para preparação das aulas: a de quem sabe e de quem experienciou o


aprendizado enquanto surda. Com o maior respeito a todos os surdos,
pois não quero fazer um relato de quem se aproveita da presença do
surdo, pelo contrário. Quero ressaltar a importância de um sujeito surdo
ocupar estes espaços e compartilhar sua visão. É a única maneira de
proporcionar aos surdos um aprendizado mais próximo de sua reali-
dade, além de permitir que tenham um aprendizado mais confortável.
O modo com que Karolyne costumava propor o uso de algumas
imagens, ao invés de apenas escrever algo no quadro para tratar de
determinado assunto, ao propor determinadas brincadeiras que sur-
dos já estavam habituados para que os alunos pudessem interagir e
ajudar uns aos outros com seus próprios conhecimentos e facilidades
em determinadas atividades, até mesmo suas dúvidas nas preparações,
apresentando a dúvida na visão da pessoa surda, permitiram que pu-
déssemos adequar atividades e preparar aulas.
Por fim, é necessário afirmar que somente a formação ativa, em
ação, seja em momentos de monitoria para tirar dúvidas dos alunos,
seja nas oportunidades de exercer o ensino, é que permitiu que eu
transformasse meu olhar ouvinte e pudesse buscar aproximar minha
prática docente da realidade do sujeito surdo. É o tipo de formação
que todo professor deveria ter, pois não somente surdos podem usufruir
de sua realidade e de seu conhecimento de mundo para desenvolver
competências em uma LE.
Os monitores (codocentes) foram formados ao atuar dando aulas
e suporte intra e extraclasse aos aprendizes surdos e participando de
reuniões formativas com a coordenadora, numa metodologia de for-
mação em serviço, refletindo sobre os aprendizados necessários para
que possam exercer essa profissão futuramente.

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LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

Anexo 3 - Relato da monitora Karolyne16

Parte 1:
Este trabalho é um relato sobre o aprendizado de inglês, com o
objetivo de apresentar minha experiência. Comecei a aprender inglês
em casa em 2014 já estava no final do ano da escola. Encontrei um site
chamado Clube do Inglês, que tem textos e dicas de como aprender o
inglês de forma autônoma. Além disso, é possível escolher um tema
qualquer para pesquisar palavras na língua inglesa e levantar as
traduções para língua portuguesa. Eu memorizava cada vocabulário e
diariamente treinava a leitura e escrita, assim buscava conhecer cada
vez mais o idioma. Em 2016 tive conhecimento de curso de Inglês-nível
básico para surdos na Universidade Federal de Santa Catarina, no qual
participei nos anos de 2016 e 2017. A metodologia usada é a escrita,
leituras de textos em Libras e também diálogos e tirar as dúvidas. O
plano de Didática é o Verbo (TO BE), Em 2019 participei do Projeto/
Curso como monitora (agosto a dezembro), na monitoria eu ficava ob-
servando cada aluno fazendo suas atividades, ajudando a tirar dúvidas
e explicando o que poderia ser usado ou não. E quando eu substituía
a professora, eu reforçava o conteúdo estudado, tirando as dúvidas e
repetindo a explicação.

Parte 2:
a) Libras como língua de instrução no ensino de inglês para surdos
Pela primeira quando a Aline me convidou para ser Monitora no
Curso de Inglês. Algumas vezes precisei estar no lugar dela e a minha
experiência foi quando os surdos começou a ver eu como uma surda com
a capacidade de dar aula de inglês e fazendo eles perceberem o quanto
eles também tem capacidade e a possibilidade de uma língua inglês.

16 Monitora surda. Relato original em português segunda língua.

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LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

b) Papel da língua portuguesa nas aulas


Ensinamos o inglês em escritas e traduzindo em Libras (Língua
Portuguesa) e isso faz com o que os surdos começam a entender e
aprendendo na língua inglês sem dificuldades.

c) Trabalho cooperativo entre monitores surdos e ouvintes


Como se eu estivesse incluindo no grupo surdos e mostrando meu
papel a capacidade de interagir e incentivando eles a capacidade que
eles tem para aprender como se eu fosse um modelo exemplo para eles e
mostrar que tudo que eles querem aprender tem a capacidade de poder
aprender. E com os ouvintes para mostrar a diferença que aprendemos
para mostrar o quanto o surdo tem a capacidade de aprender o quanto
os ouvintes.

d) Planejamento e realização das aulas


Nos humano seja o surdo ou ouvinte não temos a capacidade para
aprender em vários línguas. Surdo e ouvinte temos o mesmo limites
pra aprender novas línguas e isso demostra a capacidade que temos
apenas com uma metodologia dos surdos e dos ouvintes diferente de
como aprendemos.

e) Relação com os alunos


Os alunos surdos sempre teve dúvidas sobre o inglês, sempre se
dando bem em interagir para tirar suas dúvidas das atividades. Sempre
perguntando dos nomes o português para o inglês. E os monitores sem-
pre observando e orientando para o melhor aprendizado e a capacidade
dos alunos de aprenderem rápido ou dificuldades e sempre procurando
estratégia de como ajudar ou esclarecer as dúvidas.

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LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

O ENSINO DE LIBRAS PARA CRIANÇAS OUVINTES NO


CONTEXTO DA EDUCAÇÃO INFANTIL: REFLEXÕES A
PARTIR DE UMA PESQUISA-AÇÃO

Danielle Vanessa Costa Sousa


Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Maranhão (IFMA)
Centro de Ensino de Apoio à Pessoa com Surdez do Maranhão (CAS/MA)

O ensino de Língua Brasileira de Sinais para crianças ouvintes


no Brasil

Estudos sobre o ensino de Língua Brasileira de Sinais (Libras) para


crianças ouvintes no Brasil, com foco na interação em sala de aula,
ainda são incipientes. No entanto, desde a oficialização da Libras por
meio da Lei nº 10.436/2002 (BRASIL, 2002) e do Decreto nº 5626/2005
(BRASIL, 2005), que regulamenta essa Lei, têm surgido novas demandas
e interesses pelo ensino e aprendizagem de Libras por pessoas ouvintes.
A oficialização da Libras foi historicamente constituída pelas
reivindicações dos surdos brasileiros. A Lei nº 10.436 de 24 de abril
de 2002, que reconhece a Libras como meio legal de comunicação e
expressão das comunidades surdas dos centros urbanos do Brasil,
trouxe um avanço nos direitos linguísticos dos surdos, bem como
se constituiu em uma importante ação política, em virtude da
transformação social quanto à valorização e ao uso da Libras por
pessoas surdas e das conquistas relacionadas à inclusão linguística
e cultural dos surdos em diferentes espaços sociais.

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LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

Após sua aprovação, a Lei 10.436/2002 foi regulamentada por


meio do Decreto nº 5626 de 22 de dezembro de 2005, que corroborou
para a implementação das ações referentes à política de ensino, uso
e difusão da Libras, ampliando o debate e destacando: a inclusão da
Libras como disciplina curricular; a formação do professor surdo,
do tradutor e do intérprete de Libras; o acesso das pessoas surdas
à educação através da Libras e do português; e o direito à educação
e à saúde dessas pessoas. Neste sentido, esses documentos não só
promoveram o reconhecimento da língua, como, também, propi-
ciaram a expansão do uso e inserção da Libras em escolas e em
universidades públicas e privadas, seja como disciplina optativa ou
obrigatória, seja por meio de projetos de extensão.
A título de exemplo de projeto de extensão que trouxe como
proposta o ensino de Libras, destaco o projeto “Libras na Creche”.1
Este projeto foi direcionado para o contexto de crianças ouvintes
na Educação Infantil, desenvolvido em uma escola no estado de
Santa Catarina. A proposição do projeto, ligada à introdução da
Libras em creches e instituições de Educação Infantil, foi inspirada
na proposta de Grannier (2007), que sugere a implementação de
uma política pública para as creches municipais e particulares do
Brasil, para receberem crianças ouvintes, funcionários e crianças
surdas falantes da Libras, a fim de que se promova o uso e a difusão
da Libras de modo natural na sociedade ouvinte do Brasil.
O projeto “Libras na Creche” (LEITE, 2015) trouxe como pro-
posta um trabalho pioneiro sobre a inclusão da Libras em um espaço
escolar que não estivesse relacionado diretamente à educação de
surdos. O objetivo era o de que crianças ouvintes, nesse contexto,
tivessem acesso à aprendizagem da Libras, à relação Português-
-Libras e à cultura surda, contribuindo para a promoção de um
ambiente inclusivo para as pessoas surdas.

1 Este projeto foi idealizado e coordenado pelo professor Dr. Tarcísio de Arantes Leite, vinculado
ao Departamento de Libras da Universidade Federal de Santa Catarina.

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LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

Apesar de ser incipiente, as pesquisas e os estudos sobre o


ensino de Libras como língua adicional para crianças ouvintes
estão em grande expansão no Brasil. Nessa direção, com o pro-
pósito de refletir sobre a importância do ensino de Libras para
crianças ouvintes em um contexto de escolas regulares no âmbito
da Educação Infantil, apresento esta pesquisa que aborda o referido
tema no contexto mencionado. Este estudo, inscrito na Linguística
Aplicada (In)disciplinar, por não se prender e não se confinar a
limites disciplinares nem tampouco teóricos, metodológicos ou
analíticos, parte de uma perspectiva socioantropológica de sur-
dez, enfatizando a importância de socializar, com a comunidade
ouvinte, os modos culturais de interagir com as pessoas surdas,
para que, no contexto de ensino de Libras como língua adicional,
ocorram ganhos afetivos, sociais e linguísticos tanto para as crian-
ças surdas, quanto para as ouvintes.
A Linguística Aplicada (In)disciplinar interage com outras
áreas do conhecimento, possibilitando o diálogo com o mundo
contemporâneo. Conforme Signorini e Cavalcanti (1998, p. 7), a
Linguística Aplicada (In)disciplinar é uma “interface não trans-
parente e neutra entre diferentes áreas e disciplinas que se inte-
ressam pelas questões relacionadas ao uso da linguagem”, que
questiona posicionamentos essencializados e proporciona novas
interpretações sobre o fenômeno investigado (MOITA LOPES, 1998,
2006; RAJAGOPALAN, 2006).
Nessa direção, no cenário pesquisado, alinhada à Linguística
Aplicada (In)disciplinar nesta pesquisa, dialoguei também com
outros campos do conhecimento, como as propostas metodoló-
gicas de ensino de línguas adicionais, o método Resposta Física
Total e role play, iconicidade e arbitrariedade nas línguas de sinais,
distanciando-me de uma concepção de linguagem homogênea e
fixa, por compreender a linguagem como Pennycook (2010). De
acordo com o autor, a linguagem como prática local e performática

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LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

se afasta de uma concepção de linguagem como uma entidade pré-


-determinada e aproxima-se de uma visão que relaciona a linguagem
ao seu lugar de uso.

O ensino de Libras para crianças ouvintes no contexto da


Educação Infantil

A presente pesquisa foi desenvolvida em uma escola de Educa-


ção Infantil no estado de Santa Catarina, a Escola Casinha Branca,2
e contou com a participação de um grupo de crianças ouvintes, com
idade de 4 a 5 anos (grupo 4/5B),3 a professora regente da sala e uma
estagiária surda. Os objetivos da pesquisa envolveram introduzir
e aprimorar o ensino da Libras como língua adicional, a partir do
planejamento e da execução de atividade lúdicas em Libras, ex-
plorando ideias do método Resposta Física Total (doravante RFT)
(ASHER, 2007, 2009; RICHARDS; RODGERS, 2001) e da técnica role
play (LADOUSSE, 2001). A pesquisa também envolveu identificar os
aspectos socioculturais e situacionais que dificultam ou facilitam a
realização das atividades lúdicas em Libras com as crianças ouvintes.
O motivo de usar essas propostas metodológicas parecia bas-
tante convergente com o público-alvo, ou seja, de crianças ouvintes
que desconheciam a Libras, já que a RFT e o role play envolvem,
pelo menos em certa medida, o uso de ações corporais que ajudem
a trazer o contexto e a significação para a compreensão da Libras.
Sem a pretensão de indicar qual seria “o melhor” método ou téc-
nica ou qual deles “funcionaria” ou “não funcionaria”, o intuito
de usar a RFT e o role play era mais o de explorar o arcabouço de
ideias sobre ensino de línguas de modo ad hoc, porque compreendo
que nenhuma metodologia em si possa atender a todas as neces-
2 Todas as referências que permitem a identificação dos participantes desta pesquisa, incluindo
o nome da escola, foram trocadas por pseudônimos, de modo a assegurar sua privacidade.
3 O grupo 4/5B era composto por doze crianças, sendo 7 (sete) meninas e 5 (cinco) meninos,
na faixa etária de 3 (três) a 4 (quatro) anos de idade.

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LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

sidades individuais de aprendizagem, em diferentes contextos e


situações da vida.
De acordo com Asher (2007, 2009), o método RFT é baseado
na coordenação da fala e da ação. Diferente de outros métodos de
ensino de línguas adicionais que privilegiam o desenvolvimento
das habilidades da fala, a RFT prioriza a compreensão auditiva que
se desenvolve a partir de comandos dados pelo professor e da ação
dos alunos (RICHARDS; RODGERS, 2001). Com relação ao role play,
Ladousse (2001) afirma que trata-se de uma atividade de interação
na qual alunos assumem papéis em um ambiente seguro, de ma-
neira que possam ser criativos e lúdicos à vontade, desenvolvendo
a habilidade de interagir com outras pessoas.
Para contemplar os objetivos da pesquisa, utilizei como meto-
dologia a pesquisa-ação (CHIZZOTTI, 2001; FRANCO, 2005; THIOL-
LENT, 2011; TRIPP, 2005). De acordo com os passos desse tipo de
pesquisa, planeja-se, dialoga-se, aplica-se, avalia-se novas ações
e analisa-se, de forma cíclica, as tarefas propostas. Nesse sentido,
Chizzotti define a pesquisa-ação como:

[...] uma ação deliberada visando a uma mudança no


mundo real, comprometida com um campo restrito,
englobado em projeto mais geral e submetendo-se a
uma disciplina para alcançar os efeitos do conhecimento
(CHIZZOTTI, 2001, p. 100).

Em sua visão, a pesquisa-ação é um método de pesquisa cen-


trado em uma situação específica do mundo real, visando, de ma-
neira sistemática e com disciplina, atingir os conhecimentos dessa
experiência, bem como aprimorar ou mudar o cenário da situação
delimitada. É um contínuo constituído de planejamento sobre uma
situação-problema, ainda sobre um objetivo que se deseja alcançar,
bem como caracterizado pela execução e avaliação da ação imple-

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LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

mentada. É como uma sequência em espiral, que ocorre de forma


reiterada, composta pelos seguintes elementos: análise, pesquisa
dos fatos, definição, elaboração e realização dos planos de ação,
seguida de avaliação.
De modo análogo à visão de Chizzotti (2001), para Tripp (2005),
a pesquisa-ação é caracterizada como um dos inúmeros tipos de
investigação-ação. Esse termo é usado pelo autor de forma genérica
para todo e qualquer processo que aconteça por meio de um ciclo
que busca aprimorar a prática com base na oscilação sistematizada
entre agir e investigar o âmbito da prática. Segundo Tripp (2005, p.
446), na pesquisa-ação, “planeja-se, implementa-se, descreve-se e
avalia--se uma mudança para a melhora de sua prática, aprendendo
mais, no correr do processo, tanto a respeito da prática quanto da
própria investigação”.
Em consonância com os autores mencionados, reitero o con-
ceito de pesquisa-ação com Thiollent, que a define como:

[...] um tipo de pesquisa social com base empírica que é


concebida e realizada em estreita associação com uma
ação ou com a resolução de um problema coletivo e no
qual os pesquisadores e os participantes representativos
da situação ou do problema estão envolvidos de modo
cooperativo ou participativo (THIOLLENT, 2011, p. 20).

No entanto, o uso desse método em um estudo nem sempre


tem que apresentar soluções, mas pode trazer esclarecimentos a
respeito da prática, pois, conforme Thiollent (2011), um dos obje-
tivos da pesquisa-ação é a resolução ou, pelo menos, a elucidação
do problema da situação investigada.
Dessa forma, a partir das definições e dos comentários apresen-
tados, assumi, no desenvolvimento da pesquisa, alguns pressupostos
da pesquisa-ação embasados em Thiollent (2011) e Chizzotti (2001),

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LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

sem, no entanto, deixar de levar em consideração alguns aspectos


de outras abordagens aqui descritas que emergem no ciclo da ação,
avaliação, pesquisa e aprendizagem (TRIPP, 2005). Assim, busquei
discutir, por meio deste ciclo sistemático composto pelo plane-
jamento da ação, pela execução, pela descrição dos seus efeitos,
seguido da avaliação dos resultados e da continuidade das ações,
sobre metodologias de ensino de Libras como língua adicional para
crianças ouvintes.

Figura 1 - Etapas do ciclo da pesquisa-ação adotado neste estudo

Fonte: Elaborado pela autora.

A etapa “planejar” se refere aos passos que a pesquisa seguiu,


definindo como as tarefas seriam produzidas, considerando os
interesses e as necessidades das crianças e o planejamento das
aulas, a partir da RFT e da técnica role play. Considerando que a
professora-estagiária/bolsista surda, Fernanda,4 estava em processo
de formação superior no curso de Letras Libras (Licenciatura), reali-
zamos reuniões semanais, para definir como seriam as tarefas, a fim
4 A bolsista Fernanda foi participante do projeto Libras na Creche desde 2013 e dessa pesquisa
de mestrado de 2015 a 2016.

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LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

de que a estagiária se familiarizasse com os aspectos pedagógicos


da escola e da sala de aula.
A segunda etapa, “dialogar”, envolveu as reuniões com Fer-
nanda, eu e a professora do grupo de crianças 4/5B, Paula,5 para
discutirmos sobre as tarefas planejadas e fazermos alterações,
caso fosse necessário. Já a etapa “implementar” esteve relacionada
à realização da tarefa proposta; e a etapa “avaliar” foi composta
pelas minhas avaliações, como pesquisadora-participante, as de
Paula e as de Fernanda sobre as tarefas propostas e realizadas. As
duas últimas etapas, “planejar novas ações” e “analisar”, estavam
respectivamente associadas a novas ações voltadas para as tarefas
pedagógicas que foram desenvolvidas no grupo 4/5B.
Uma das tarefas planejadas e desenvolvidas no grupo 4/5B,
fundamentada nos passos da pesquisa-ação e na técnica role play
(LADOUSSE, 2001), foi uma tarefa que envolveu a contação em
Libras da fábula “A lebre e a tartaruga”. A proposta da atividade
envolveu dois momentos distintos. No primeiro, a fábula foi contada
em português pela professora Paula, para garantir que as crianças
se familiarizassem com o conteúdo e o contexto da fábula. Em um
segundo momento, que ocorreu em um dia diferente da apresen-
tação da fábula em português, Fernanda a contou em Libras para
as crianças do grupo 4/5B. Em seguida, Paula, Fernanda e eu, que
participei como intérprete6 de Libras em alguns momentos da
aula, conversamos com as crianças sobre o que compreenderam
da história, quais animais elas perceberam na história e o que fize-
ram. Em seguida, fizemos uma atividade manual de produção dos
personagens em argila e, ao final, um role play, em que as crianças
encenaram a história.
5 A professora Paula trabalhava na Escola Casinha Branca desde 1996. Desde então, atuava
quase sempre com grupos de crianças acima de 3 (três) anos.
6 No planejamento desta tarefa, eu, Fernanda e a professora Paula decidimos que eu faria inter-
pretações da Libras para português e vice-versa, quando fosse necessário. Embora eu tenha
atuado como intérprete de Libras neste encontro, não é objetivo deste texto discutir sobre o
papel do intérprete em situações de ensino de Libras para crianças ouvintes.

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LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

A fábula “A lebre e a tartaruga” em Libras

Dando continuidade às reflexões sobre a tarefa que envolveu a


fábula “A lebre e a tartaruga”, foco agora na participação da Fernan-
da, analisando as características de sua narração para as crianças
do grupo 4/5B. A narração da fábula teve duração de 3min15s e,
durante a contação, Fernanda mostrou a sua habilidade em adequar
a história ao público infantil, enquanto aprendizes iniciantes de
Libras. Durante a narrativa, Fernanda utilizou diferentes recursos
do seu repertório linguístico (BUSCH, 2012, 2015), que foram impor-
tantes para a interação com as crianças do grupo 4/5B: i) recursos
que facilitaram a identificação do contraste entre os personagens;
ii) repetições de falas; e iii) gestos descritivos mais familiares ao
público ouvinte.
De acordo com Busch (2015, p. 17, tradução nossa), o repertório
linguístico não é composto “apenas pelos recursos linguísticos que
temos, mas às vezes por aqueles que não temos; e estes podem se
tornar visíveis em uma determinada situação como uma lacuna, uma
ameaça ou um desejo”.7 Para a autora, no repertório linguístico,
diferentes línguas e modos de falas particulares estão juntos, in-
terferem-se mutuamente e entrelaçam-se para construir algo novo.
No que se refere à narrativa contada, Fernanda iniciou enfati-
zando que a história envolvia dois personagens, a lebre e a tartaruga,
e, em seguida, descreveu as características físicas e psicológicas de
cada personagem. Para tanto, ela marcou no espaço a tartaruga à di-
reita e a lebre à esquerda. É como se Fernanda tivesse dito: “Existem
dois personagens nessa história. São dois animais. Um personagem
está aqui nesse local; e o outro, neste outro local”.

7 No original: “Our repertoire is not determined solely by the linguistic resources we have, but
sometimes by those we do not have; these can become noticeable in a given situation as a gap,
a threat or a desire” (BUSCH, 2015, p. 17).

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LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

Em seguida, descreveu os animais. Para apresentar a lebre,


Fernanda produziu gestos icônicos, para representar as orelhas
grandes, o bigode comprido da lebre, a sua maneira de andar e,
por exemplo, de comer cenoura, mostrando o sinal convencional
da Libras COELHO,8 repetindo seis vezes o movimento do sinal.
Enquanto sinalizava, olhava para várias crianças do grupo. Essa
estratégia pareceu relevante para promover o feedback das crian-
ças, pois várias delas imitavam o sinal no mesmo momento em que
Fernanda apresentava o sinal.

Figura 2 - Sinal convencional de COELHO

Fonte: https://sistemas.cead.ufv.br/capes/dicionario/?cadastros=coelho.

Depois, Fernanda descreveu a tartaruga. Antes da descrição, ela


localizou a personagem à (sua) esquerda e, em seguida, produziu
o sinal convencional da Libras TARTARUGA, bem como um gesto
icônico para qualificá-la como pequena, mostrando sua maneira
lenta de andar e comer.

8 Os nomes dos animais estão escritos com letras maiúsculas para representar os sinais conven-
cionais da Libras.

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LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

Figura 3 - Sinal convencional de TARTARUGA

Fonte: https://sistemas.cead.ufv.br/capes/dicionario/?cadastros=tartaruga.

A segunda característica da narração de Fernanda diz respeito


às repetições de frases há pouco narradas, oferecendo um apoio
maior à compreensão das crianças que estavam presentes. As
ocorrências de repetição identificadas na narrativa foram: DOIS
ANIMAIS DOIS9 (Tradução: “[Eram] dois animais, dois”); AMAR CO-
MER CENOURA COELHO (Tradução: “ [Ele] amava [gesto de afeto]
comer cenoura, o coelho...”); TARTARUGA PEQUENA TARTARUGA
(Tradução: “Lá [estava a] tartaruga, pequena, a tartaruga”).
Por fim, uma terceira característica da narração de Fernanda foi
o uso de um gesto mais familiar aos ouvintes, em combinação com
um sinal convencional da Libras, na frase AMAR COMER CENOU-
RA COELHO (Tradução: “[Ele] amava comer cenoura, o coelho...”).
Nesse momento, Fernanda, ao usar o gesto de coração (Figura 4) na
narrativa, em combinação com o sinal da Libras AMAR, explorou
um recurso linguístico familiar ao público ouvinte, o que pode ter
potencializado e ampliado a construção de entendimento das
crianças do grupo 4/5B sobre a fábula contada em Libras.

9 As frases em Libras estão escritas e transcritas com letras maiúsculas para representar os sinais
convencionais da Libras.

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linguística aplicada, educação e descrição linguística

Figura 4 - Sinal convencional de AMAR

Fonte: https://sistemas.cead.ufv.br/capes/dicionario/?cadastros=amor.

Figura 5 - Gesto de coração

Fonte: Imagem produzida pelo ilustrador Bruno Anderson.

A participação das crianças do grupo 4/5B ocorreu de duas for-


mas principais durante a narrativa: em Libras, por meio de imitações
de sinais feitos por Fernanda, e também em português. No que se
refere às imitações em Libras, os sinais reproduzidos pelas crianças
foram: COELHO; TARTARUGA ANDANDO; TARTARUGA; ÁRVORE;
COMER; CENOURA; CORRER. Entretanto, não há como garantir que
todas as imitações em Libras tenham sido percebidas por Fernanda,
devido à dinâmica do seu olhar para diferentes crianças durante a
narrativa, considerando-se a mútua exclusividade de diferentes
focos de atenção visual da pessoa surda (MCILVENNY, 1995).
Sobre os diferentes focos de atenção visual de pessoas surdas,
McIlvenny (1995) afirma que os surdos utilizam de diferentes estra-

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LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

tégias em suas interações, quando envolvem múltiplos participantes


surdos. Segundo o autor, as estratégias utilizadas pelos surdos são
o reflexo social e a cascata. O reflexo social envolve a identificação
e a orientação do participante surdo para uma contribuição intera-
cional específica por meio do monitoramento da reação de outras
pessoas. A estratégia cascata envolve um compartilhamento entre
as pessoas surdas com responsabilidade em estabelecer um foco de
atenção conjunto.
Quanto à participação das crianças em português durante a
narrativa, ocorreu de modo dinâmico e, na medida do possível,
interpretei para a Libras algumas das participações das crianças,
tais como: “É um bicho” e “É a natureza”, “Tartaruga” e “Duas tar-
tarugas”, “Coelho”, “Dormir”, “Correr”. A dificuldade em interpretar
todas as falas das crianças em português ocorreu devido à intensa
dinâmica interacional entre a professora regente, as crianças e
Fernanda, isso somado ao fato da minha dificuldade de interpretar
todas as contribuições que eram feitas, precisando selecionar aquilo
que o tempo me permitia interpretar.

Reflexões sobre a narrativa

A fábula em Libras apresentada por Fernanda mostrou, por


meio do seu repertório linguístico, possíveis estratégias de introdu-
zir a Libras para crianças ouvintes em uma situação particular, situ-
ada no grupo 4/5B da Escola Casinha Branca. Fernanda, ao utilizar
o seu repertório linguístico na contação da fábula e o modo como
narrou a história, não somente propiciou a construção de entendi-
mentos das crianças sobre a fábula, como também potencializou o
seu recurso linguístico e os dos participantes, contribuindo para a
construção de sentidos e transformação contínua desse repertório
(BUSCH, 2015).

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LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

Isto porque, como afirma Busch (2015), o repertório linguís-


tico não é como uma caixa de ferramentas, da qual escolhemos a
língua certa para ser usada em uma determinada situação, mas se
constitui de diferentes línguas e modos de falar particulares, que,
juntos, interferem-se mutuamente e entrelaçam-se para construir
algo novo.
Contudo, construir entendimentos sobre uma narrativa em
Libras envolve ir muito além de identificar ou imitar referentes
com base em sinais isolados, como foi o caso da participação das
crianças em alguns momentos da narrativa. Para compreender uma
narrativa em Libras, é necessário perceber não somente a gramá-
tica da língua em uso, mas, também, o uso do espaço e do corpo
na marcação dos personagens, dos lugares, além de estabelecer
relações entre diferentes ações, de marcar o clímax da história; e
assim por diante.
Apresentada na reunião de avaliação sobre a atividade reali-
zada, a opinião de Fernanda também atribuiu a possibilidade de
entendimento da fábula em Libras pelas crianças à iconicidade da
Libras, que, por si só, permitiria às crianças fazer associações de
sentido e compreender a narrativa.
Muitos autores reconhecem o caráter icônico das línguas de
sinais, ou seja, a motivação de sua forma em relação a nossa percep-
ção sobre o significado dos sinais. Contudo, desde Klima e Bellugi
(1979), as pesquisas com línguas de sinais reconhecem também
que a iconicidade não se contrapõe à arbitrariedade. Isto é, o sinal
icônico tem uma forma motivada, mas essa forma é arbitrária e/ou
convencionalmente definida por diferentes comunidades de surdos.
Além disso, pelo fato de serem um breve recorte gestual econômico
da experiência corporal relacionada a diferentes conceitos, muitos
sinais podem ser altamente opacos para o público não familiarizado
com as línguas de sinais (KLIMA; BELLUGI, 1979). Assim, os sinais

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LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

icônicos também dependem da convenção dos falantes de uma


determinada comunidade e são determinados por questões sociais
e culturais (TAUB, 2011).
De acordo Klima e Bellugi (1979), surdos falantes da Língua
de Sinais Americana (ASL) fazem uso de diversos componentes
gestuais, que vão desde o uso de sinais convencionais à elaboração
mimética, incluindo a representação mimética e a pantomima li-
vre, isto é, os autores consideram vários aspectos da língua que se
manifestam em diferentes configurações. Para os autores, não só a
iconicidade faz parte da língua de sinais, mas também um sistema
combinatório, que se compreende como arbitrariedade.
Em suas palavras:

Além de suas qualidades representacionais icônicas, os


sinais exibem outro nível de organização, um nível com-
ponencial. Os sinais da ASL parecem ser processados,
codificados e produzidos por usuários nativos, não em
termos de suas qualidades representacionais gerais, mas
constituídos por um conjunto limitado de elementos de
um sistema combinatório (KLIMA; BELLUGI, 1979, p.
28, tradução nossa).10

Complementando a concepção de Klima e Bellugi (1979), trago


a visão de Taub (2001) sobre a iconicidade na ASL. A autora afirma
que existem diferentes possibilidades de representações icônicas
para um único sinal. Para Taub (2001), a iconicidade não pode ser
considerada um aspecto da língua que possibilita uma relação di-
reta e objetiva entre a imagem e o referente, uma vez que a relação
icônica entre significante e significado é convencionalmente defi-

10 No original: “In addition to their iconic representational qualities, then, signs exhibit another
level of organization, a componential level. ASL signs appears to be processed, coded, and
produced by native signers, not in terms of their overall representational qualities, but rather
as constituted of a limited set of elements of a combinatorial system” (KLIMA; BELLUGI,
1979, p. 28).

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LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

nida pelos falantes a partir de sua cultura e de fatores externos ao


sistema linguístico, na formação dos sinais.
Desse modo, ainda que a iconicidade possa de fato ser explorada
como um recurso de contextualização da Libras para aprendizes
iniciantes – como no caso das crianças desta pesquisa –, seria im-
portante ter cautela para não incorrer no mito de ver as línguas de
sinais (QUADROS; KARNOPP, 2004) como um código “transparen-
te”, portanto universal, o que estaria muito mais próximo de uma
performance pantomímica de uma história do que de uma narrativa
em língua de sinais.
Apesar dessa ressalva, a performance de Fernanda mostrou o
uso de estratégias comunicativas que tornaram a narrativa mais
compreensível e mais próxima do universo das crianças ouvintes do
grupo 4/5B. A exploração de recursos icônicos, presente no repertó-
rio linguístico de Fernanda, pode ser um recurso de contextualização
importante do discurso.
Entre esses recursos, estão: i) apresentação bastante marcada
dos espaços específicos que cada um dos personagens da história
ocupa, no início e ao longo da história; ii) uso de expressões faciais,
corporais e gestos icônicos de caráter descritivo para introduzir cada
personagem, apresentando o sinal convencional da Libras para o
animal somente ao final; iii) uso de apontamentos e gestos con-
vencionais familiares ao mundo dos ouvintes, de forma associada
ou até em substituição aos sinais convencionais da Libras; além de
iv) exploração de muita repetição de sinais e expressões. Tudo isso
em uma cadência temporal de narrativa que nos pareceu mais lenta
do que na contação surdo-surdo, embora não tenhamos analisado
tecnicamente esse aspecto.

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LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

Considerações finais

As estratégias de comunicação identificadas no repertório lin-


guístico de Fernanda durante a narrativa da fábula em Libras talvez
sejam um exemplo concreto do que Leite (2001) descreve, de forma
genérica, como a excelente “comunicabilidade de professores surdos
de Libras”. Leite (2001), em uma pesquisa autobiográfica sobre a sua
aprendizagem da Libras como segunda língua, desenvolvida em um
estudo em diário, observou nas interações com as pessoas surdas que
a sua compreensão da produção em Libras dos seus professores na sala
de aula parecia excelente, dando uma ilusão de que estava entendendo
muito bem a Libras, diferente de sua experiência quando ele estava
imerso em meio a um diálogo espontâneo de surdos em um contexto
extraclasse, onde encontrava grande dificuldade para acompanhar.
As estratégias descritas na performance de Fernanda possivel-
mente estão entre as habilidades que professores de Libras trazem
para tornar a sua fala em Libras mais compreensível para aprendizes
iniciantes. Leite (2001) atribui essa habilidade ao contexto socio-
linguístico de vida dos surdos, que, desde a infância, veem-se na
necessidade contínua de se fazer entender e compreender pessoas
ouvintes que não compartilham o seu conhecimento da Libras, exi-
gindo grande versatilidade comunicacional como uma habilidade
básica para toda a vida da pessoa surda.
Diante das características da narrativa de Fernanda – e também
das demais estratégias de contextualização –, as crianças ofereceram
feedbacks à performance da narrativa, participando de forma mul-
timodal, ora por meio do uso do português, ora imitando sinais em
Libras que emergiram na narrativa. Na atividade de verificação da
compreensão da história, demonstraram capacidade de se recordar
de vários dos sinais apresentados, principalmente aqueles relati-
vos aos personagens (a tartaruga e a lebre) e o modo como eles se
comportaram na história.

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LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

Em relação à Fernanda e aos possíveis ganhos desta expe-


riência enquanto estagiária/bolsista de um grupo de crianças
ouvintes de 3 a 4 anos de idade, os resultados da análise mos-
traram também que propostas de ensino de Libras como língua
adicional, nas quais surdos e ouvintes dividam o mesmo cenário,
precisam ser pensadas com estratégias e ações que tirem o foco
da concepção clínico-terapêutica para a concepção socioantro-
pológica (SKLIAR, 2005).
Na concepção clínica-terapêutica, a surdez é considerada
uma patologia e, por isso, o surdo precisa de medicalização, para
curar o “problema” auditivo e “normalizá-lo” por meio da língua
oral, diferente da concepção socioantropológica, que opõe-se à
clínica-terapêutica, por reconhecer e sustentar a importância da
língua de sinais, das culturas e das identidades surdas na educação
de surdos. Essas concepções têm orientado visões com relação às
pessoas surdas no que se refere à educação linguística e, ao reco-
nhecimento cultural, político e linguístico dos surdos na sociedade
(SKLIAR, 2000).
Por essas razões, socializar as crianças ouvintes junto à expe-
riência das pessoas surdas é fundamental para que elas conheçam
e compreendam os diferentes modos culturais de interagir com
surdos, buscando deslocar a perspectiva tradicional sobre as pessoas
surdas, dos ouvidos para a visão, com todos os aspectos linguísticos,
sociais e culturais que esse deslocamento apresenta. Isto porque,
quando se fala em surdo ou surdez, na maioria das vezes, os surdos
estão sendo sempre representados com base em um recorte bioló-
gico; e a Libras, como uma língua alternativa às línguas orais, que
recebem o status de línguas “normais”.

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LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

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161
LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

PERSPECTIVAS SURDAS NA EDUCAÇÃO SUPERIOR:


REPENSANDO POLÍTICAS LINGUÍSTICAS NA ATUALIDADE

Felipe de Almeida Coura


Universidade Federal do Tocantins (UFT)

Introdução

O Brasil sempre foi um país multilíngue, apesar de as políticas


linguísticas ao longo dos séculos terem tentado reforçar uma reali-
dade monolíngue do país (CAVALCANTI; MAHER, 2018). De acordo
com Cavalcanti e Maher (2018, p. 4), essas políticas “moldaram não
apenas o cenário da diversidade sociolinguística no Brasil, mas
também as formas como as identidades individuais e coletivas de fa-
lantes de línguas de imigrantes, línguas indígenas e de sinais foram
representadas no país”. As autoras mencionam que somente com a
Constituição de 1988 é que as línguas e culturas de povos indígenas
foram reconhecidas como parte do patrimônio nacional. Isso abriu
portas para programas de educação bilíngue tanto para povos indí-
genas, quanto para comunidades de imigrantes, mesmo não sendo
esses últimos mencionados na Constituição. Nessa mesma época
também houve esforços de parte da sociedade e, especialmente, da
comunidade surda, visando ao reconhecimento da língua de sinais
no Brasil, o que será apresentado mais adiante.
Para Cavalcanti e Maher (2018), há uma vulnerabilidade cres-
cente entre as minorias no Brasil e em outras regiões do mundo.

162
LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

Apesar de um número considerável de imigrantes e refugiados


ao longo dos anos e, especificamente, nas últimas décadas, como
aqueles vindos do Haiti e Síria, o Brasil não possui uma política
bilíngue oficial para esse contexto. Dessa maneira, as Organizações
Não Governamentais e as Universidades têm apoiado essas pessoas,
como, por exemplo, através de cursos de Português como Língua
Adicional.1
De acordo com Morello (2016, p. 432), a diversidade linguística
no Brasil é “formada por mais de 250 línguas indígenas, mais de 50
de descendentes de imigrantes, além das línguas crioulas, de sinais
e afro-brasileiras, [o que] coloca o Brasil no quadro dos países mais
multilíngues do mundo”. Todavia, a autora afirma que lutas por
direitos linguísticos passam a ganhar mais força somente no início
dos anos 2000.
Nesse contexto, podem ser mencionadas duas políticas linguís-
ticas significativas que foram possíveis a partir de esforços de grupos
minoritários brasileiros, segundo Morello (2016): a cooficialização
de línguas por decretos municipais e a política do Inventário Na-
cional da Diversidade Linguística do Brasil (INDL) – Decreto 7.387
de 2010. Dessa maneira, portanto, deu-se atenção ao que passou a
ser considerado línguas brasileiras, ou seja,

todas as línguas territorializadas no país há pelo menos


três gerações, sejam elas indígenas, de descendentes de
imigrantes, de remanescentes afro-brasileiros, de sinais
e crioulas (Relatório do Grupo de Trabalho da Diversi-
dade Linguística, 2007). Estas duas políticas [INDL e

1 O uso do termo “adicional” traz vantagens porque não há necessidade de se discriminar o


contexto geográfico (língua do país vizinho, língua franca ou internacional) ou mesmo as
características individuais do aluno (segunda ou terceira língua). Nem mesmo os objetivos
para os quais o aluno estuda a língua precisam ser considerados nessa instância, se deseja
conhecê-la para viajar, jogar, cantar ou obter um emprego melhor, como é o caso do termo
“para fins específicos”, muito comumente associado ao ensino de línguas. A proposta então
é que se adote um conceito maior, mais abrangente, e possivelmente mais adequado: o de
“língua adicional” (LEFFA; IRALA, 2014, p. 32-33).

163
LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

cooficialização de línguas a nível municipal] legitimam


as línguas, criam novos estatutos para elas e exigem,
para sua execução, a organização de informações de
base, tais como identificação dessas línguas, número
de falantes, territorialidade e situações de bilinguismo
e/ou perda intergeracional (MORELLO, 2016, p. 433).

Dessa maneira, assim como para outras línguas minoritárias


(ou minorizadas),2 o INDL é importante para o registro ainda mais
abrangente da Libras e de seus falantes em todo o território nacio-
nal. As discussões sobre políticas linguísticas, portanto, envolvendo
a Libras e os surdos, fazem parte de uma luta histórica de grupos
minoritários, que desejam, cada dia mais, valorizar as suas línguas
e, consequentemente, a diversidade linguística do Brasil.
É nesse contexto multilíngue brasileiro que o surdo está inse-
rido. Todavia, algumas especificidades concernem às comunidades
surdas,3 como por exemplo, o fato de as

línguas de sinais serem geralmente consideradas como


línguas não territoriais por serem normalmente utili-
zadas por todo um país, diferentemente das línguas
indígenas faladas por grupos minoritários, que são
geralmente identificadas em uma área particular do
território de um estado (DE MEULDER et al., 2019, p.
208).

2 O termo minorizado aqui empregado, com base em Lagares (2011), ora também pode ser
encontrado como minoritarizado. As minorias linguísticas são compostas por falantes de uma
língua que não seja aquela adotada oficialmente pelo Estado (língua majoritária). E, apesar
de haver um número expressivo de falantes, as línguas são, muitas vezes, minorizadas em
detrimento da língua da maioria.
3 De acordo com Quadros e Silva (2017, p. 135), “quando falamos em comunidades surdas,
pensamos em espaços de partilha linguística e cultural presentes em milhares de cidades do
mundo, na qual reúnem Surdos e ouvintes – em geral, usuários das línguas de sinais – com
expectativas, histórias, experiências, percepções, olhares e/ou costumes comuns”. Pode-se
também utilizar a expressão “comunidades de língua de sinais”, quando se pretende enfatizar
a minoria linguística desses grupos e as diversidades existentes dentre essas comunidades, de
acordo com De Meulder et al. (2019).

164
LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

Essa é uma situação que acontece com a Libras, uma vez que
não é possível mapear uma região específica do Brasil onde se
concentram todos os falantes da língua. Todavia, Quadros e Silva
(2017) mencionam também pesquisas que comprovam a existência
de línguas de sinais em aldeias indígenas (seis línguas registradas
em diferentes estados brasileiros) e em comunidades isoladas –
como em zonas rurais ou pequenas cidades (também seis registros
de diferentes línguas de sinais em estados distintos). Nesses casos
existe a possibilidade de haver uma localização específica dos fa-
lantes dessas línguas de sinais. No entanto, a Libras, que é a língua
de sinais abordada nesta pesquisa, reconhecida legalmente no
Brasil (BRASIL, 2002), considerada como a língua de sinais falada
principalmente nos centros urbanos (QUADROS; SILVA, 2017), não
é uma língua territorial. Dessa maneira, pode-se perceber a com-
plexidade envolvendo as comunidades surdas brasileiras que abrem
espaço para pesquisas e implementações políticas que favoreçam a
diversidade linguística e cultural no país.
Assim, este estudo4 tem por foco as políticas linguísticas rela-
cionadas aos surdos5 no Brasil, com interesse especial naquelas que
envolvem a universidade e, mais especificamente, a Universidade
Federal do Tocantins (UFT). Desde 2004 a UFT introduziu o siste-
ma de cotas para alunos indígenas, destacando-se como uma das
primeiras universidades brasileiras a adotar esse sistema. Segundo
a Pró-Reitoria de Graduação (Prograd),6 estima-se que há cerca de

4 Recorte da tese de Coura (2021).


5 Segundo Kusters e De Meulder (2013), a utilização de “S” maiúsculo em expressões como
comunidade Surda, cultura Surda, Surdo, por exemplo, advém principalmente dos Estudos
Surdos e cria uma binaridade entre surdo (visão clínica, que enxerga o surdo como deficiente)
e Surdo (visão socioantropológica, que vê o surdo enquanto minoria linguística e cultural).
Entretanto, para esta pesquisa, não será feita essa distinção. A utilização do termo surdo aqui,
equivalerá aos surdos que se comunicam em língua de sinais, nesse caso, a Libras, pertencen-
tes às comunidades surdas. Os surdos envolvidos nas discussões desta pesquisa se referem,
portanto, aos “povos de língua de sinais”, expressão utilizada por Batterbury, Ladd e Gulliver
(2007), que definem os surdos por meio da experiência compartilhada e da participação em
aspectos físicos e metafísicos da linguagem, cultura, epistemologia e ontologia.
6 Informações obtidas no site oficial da UFT (https://ww2.uft.edu.br/) no ano de 2019.

165
LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

300 alunos indígenas na instituição em diferentes cursos de gradu-


ação. Já os surdos somam cerca de 30 alunos na graduação e 10 na
pós-graduação. Para o ingresso de alunos surdos no curso de Letras
Libras e no Programa de Pós-Graduação em Letras do campus de
Porto Nacional, onde esta pesquisa foi realizada, há um processo
seletivo específico e reserva de vagas, mas não para os demais
cursos. Isso se deve, principalmente, porque o Decreto 5.626/2005
prevê prioridade de vagas para surdos nos cursos de formação de
professores de Libras.
Em 2018 foram publicadas as Diretrizes da Política Linguística
da Universidade Federal do Tocantins. No documento, com cerca de
50 apontamentos, há duas menções para línguas indígenas e Libras,
apesar de haver orientações de maneira geral para ensino e valori-
zação de línguas no contexto da instituição. A maioria das diretrizes,
portanto, diz respeito à internacionalização da Universidade e outros
aspectos relacionados a línguas estrangeiras. Ao fim do documento,
no 3º parágrafo, há uma especificação dizendo que “caberá à Coorde-
nação do Programa Idiomas sem Fronteiras propor normativas que
estabeleçam metas e regulamentem ações visando ao fortalecimento
da Política Linguística da Universidade para apreciação do Consuni”.
A internacionalização da UFT, como a de qualquer outra universi-
dade, é um ponto que pode ser considerado como muito relevante,
todavia, neste documento especificamente, a atenção dada a línguas
minoritárias é muito discreta. Pode-se pressupor que, como as re-
gulamentações ficam a cargo da coordenação do Programa Idiomas
sem Fronteiras, mesmo que não exclusivas à ela, naturalmente, o
esforço maior será para a internacionalização da Universidade, uma
vez que esse é o principal objetivo do Programa.7 Todavia, ressalta-se
a importância do movimento de internacionalização da UFT que, de
alguma forma, abre portas para outras línguas, como a Libras.
7 O Programa Idiomas sem Fronteiras é uma iniciativa do Ministério da Educação que visa a
internacionalização do Ensino Superior brasileiro. Outras informações estão disponíveis no
site: isf.mec.gov.br.

166
LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

Para este estudo, portanto, atentando-se para o contexto


da UFT, foram considerados não somente textos políticos, mas
também as epistemologias surdas existentes na instituição. Tais
epistemologias são raramente estudadas e, de maneira ainda
menos efetiva, são consideradas em decisões políticas de fato (DE
CLERCK, 2010). Pensar em como os surdos sabem o que sabem
e levar em consideração esse saber (epistemologia) é uma luta
histórica (HOLCOMB, 2010). Silva (2017) defende que a tarefa
do investigador não é falar pelo subalterno, mas criar espaços e
condições que possibilitem a ele dizer quais políticas linguísticas
deseja. Dessa maneira, a autora encoraja o desenvolvimento de
pesquisas etnográficas que não reproduzam violências epistêmi-
cas. Este estudo se esforça para coadunar com essa ideia de Silva,
buscando valorizar as experiências dos surdos participantes desta
pesquisa a fim de se refletir as atuais políticas linguísticas da UFT.
O objetivo geral deste capítulo é analisar as políticas lin-
guísticas relacionadas aos surdos na Universidade Federal do
Tocantins (UFT). Para atender a esse objetivo proposto, foi
utilizada a Etnografia de Política Linguística (EPL). Hornberger
et al. (2018) explicam que a EPL é uma maneira de clarear as
diferentes camadas das políticas linguísticas, referindo-se à
metáfora da cebola (RICENTO; HORNBERGER, 1996). De acordo
com os autores, a EPL aborda atividades e objetivos de políticas
linguísticas como fenômenos escalares, complexos e com multi-
camadas, contemplando textos e discursos sobre políticas, bem
como práticas políticas locais. Assim, além de políticas linguís-
ticas documentadas relacionadas aos surdos a nível nacional,
serão considerados aqueles documentos da UFT que versam
sobre a mesma temática, além de entrevistas com 18 surdos da
instituição, dentre professores e alunos.

167
LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

Políticas linguísticas

Pensar em políticas linguísticas faz-nos remeter a um campo


que muitos linguistas e linguistas aplicados não se adentram, pois
se relaciona principalmente à ciência política (RAJAGOPALAN,
2013). Portanto, falar de política linguística, segundo Rajagopalan
(2013), é mais por uma questão de posicionamento como cidadão
brasileiro, do que por ter alguma formação acadêmica na área. De
acordo com o autor, a

política linguística é a arte de conduzir as reflexões em


torno de línguas específicas, com o intuito de condu-
zir ações concretas de interesse público relativo à(s)
língua(s) que importam para o povo de uma nação, de
um estado ou ainda, instâncias transnacionais maiores
(RAJAGOPALAN, 2013, p. 21).

Uma outra compreensão de política linguística é apresentada


por Ricento e Hornberger (1996) pela metáfora das camadas da
cebola. Os autores explicam que há níveis (camadas) que podem
ser perscrutados até que se chegue ao centro, a saber: nacional,
institucional e interpessoal. Segundo os autores, o nível nacional
se refere a esferas governamentais, o nível institucional envolve
as políticas aplicadas a instituições como escolas e universidades
e, por fim, chamado de “coração da política linguística” pelos au-
tores, o nível interpessoal se refere ao centro da cebola. É ali que
é implementado o que os expertos do governo, ou da secretaria de
educação ou da administração da escola/universidade já decidiram.
As políticas linguísticas, portanto, interessam e atingem, especifica-
mente, a camada interpessoal (RICENTO; HORNBERGER, 1996). É
dessa maneira que esta pesquisa se propõe, visando contribuir com
reflexões no campo da política linguística que, direta ou indireta-

168
LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

mente, possam incidir no uso da Libras e da língua portuguesa como


segunda língua para surdos na Universidade Federal do Tocantins.
Tollefson e Pérez-Milans (2018) afirmam que os termos lan-
guage policy (política linguística) e language planning (planejamento
linguístico) começaram a ser mais utilizados e difundidos na década
60. Os autores também mencionam que a temática surgiu como
uma área de especialização da sociolinguística. Entretanto, segundo
eles, após a fundação do Center of Applied Linguistics em 1959,8 a
necessidade de pesquisa em política e planejamento linguístico
passou a ser mais evidente.
Ainda de acordo com Tollefson e Pérez-Milans (2018), a partir
da década de 60, houve um número significativo de estudos de caso
na área que, segundo os autores, expressavam uma essencialidade
pragmática. Esses primeiros trabalhos se enquadram no chamado
“planejamento linguístico clássico” ou “planejamento linguístico
neoclássico”. Segundo Hornberger (2006), eram estudos que se de-
bruçavam mais intensamente acerca da elaboração de uma norma
ortográfica, gramatical e de dicionários, por exemplo. Todavia, nos
anos 90, abordagens críticas e etnográficas passaram a fazer parte
das pesquisas em políticas linguísticas, criando oportunidades de
discussões que envolviam questões como poder e desigualdade
(TOLLEFSON; PÉREZ-MILANS, 2018). Hornberger (2006) aponta
que, nessa época, os autores Cooper e Tollefson estavam entre os
primeiros a contribuírem nessa perspectiva. Acerca dessa visão de
política linguística, Tollefson e Pérez-Milans (2018, p. 9) afirmam que

se pesquisadores desejam entender perdas e mudanças


linguísticas, o desenvolvimento do bi/multilinguismo, e
o complexo sistema sociolinguístico do dia a dia, então
devem explorar a interface entre as trajetórias de vida
dos indivíduos e as culturas e práticas da sala de aula,
8 O Center for Applied Linguistics (CAL) é uma organização privada, sem fins lucrativos, com
sede em Washington, nos Estados Unidos.

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LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

da rua, do playground, ou de casa, e como isso pode se


relacionar com ideologias, discursos e políticas nacio-
nais e internacionais.9

Dessa maneira, torna-se possível entender a importância das


pesquisas em políticas linguísticas com os sujeitos envolvidos no
processo, considerando suas experiências e decisões aprendidas ao
longo de sua trajetória.
Segundo Rajagopalan (2013), nas pesquisas desenvolvidas
em língua portuguesa, o termo política linguística envolve tanto
dimensões organizacionais, quanto questões mais funcionais e
situadas de aplicação de políticas da língua, sem haver distinções
terminológicas como no caso do inglês, em que é utilizado language
policy e language planning. Maher (2013) menciona que na literatura
especializada

há os que fazem distinção entre, por um lado “Políticas


Linguísticas” (Language Policies), entendida como um
conjunto de metas, de objetivos (governamentais ou
locais) referentes à(s) língua(s) existente(s) em um
dado contexto específico e, por outro, “Planejamento
Linguístico” (Language Planning), que diria respeito
aos modos de operacionalização, de implementação de
uma dada política linguística. É importante esclarecer
que, do meu ponto de vista, essa distinção não procede.
Não procede porque [...] a determinação de planos para
modificar estruturas e/ou usos linguísticos não pode
se constituir apenas em meras cartas de intenção, mas
tem que, necessariamente, também contemplar, já no
seu bojo, modos factíveis de promover as mudanças
desejadas (MAHER, 2013, p. 120, grifo da autora).

9 Tradução minha do texto do autor, assim como em todas as outras citações feitas a partir de
autores estrangeiros no restante deste trabalho.

170
LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

Dessa maneira, indo ao encontro da proposta de Maher (2013)


e Rajagopalan (2013), neste trabalho, o termo política linguística
abarcará os conceitos em língua inglesa de language policy e lan-
guage planning.

Políticas linguísticas e línguas de sinais

Reagan (2010) afirma que os estudos de políticas linguísticas


envolvendo línguas de sinais, apresentam situações pouco familiares
àqueles que elaboram políticas linguísticas de maneira geral. Isso
ocorre porque a língua de sinais e as comunidades surdas possuem
características específicas que diferem de outras minorias linguís-
ticas. De Meulder et al. (2019) mencionam que, tradicionalmente,
as línguas de sinais foram excluídas das pesquisas e políticas que
envolvem minorias linguísticas. Um dos motivos seria que, inicial-
mente, ainda havia a discussão sobre a legitimidade das línguas de
sinais, ou seja, se seriam consideradas como línguas de fato. Um
outro fator apontado pelos autores é a transmissão não tradicional
da língua, ou seja, a grande maioria dos surdos nascem de famílias
que usam predominantemente a língua oral, diferentemente de
outras minorias linguísticas que, geralmente, possuem uma tradição
linguística. Dessa maneira, a aquisição linguística pode acontecer
por meios formais, como escolas de surdos. No entanto, como
apontam os autores, a maioria das escolas, seguindo uma lógica
inclusiva, acolhem os alunos surdos, mas geralmente não possuem
profissionais como intérpretes e/ou professores que saibam língua
de sinais e conheçam a cultura surda.
De Meulder et al. (2019) afirmam ainda que as línguas de sinais
não são línguas territoriais, como são as minorias que falam línguas
indígenas, por exemplo, com exceção de algumas vilas e comunida-
des surdas isoladas. Essas características, dentre aquelas que podem
estar também relacionadas ao acesso e uso da língua, justificam a

171
LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

afirmação de Reagan (2010) para quem as políticas linguísticas das


línguas de sinais possuem peculiaridades se forem comparadas a
outras políticas linguísticas de maneira geral.
De Meulder et al. (2019) mencionam que podem existir no
mundo uma quantidade de línguas de sinais que pode ser equiparada
às línguas orais, ou seja, entre 6000 e 7000 línguas. Entretanto, de
acordo com os autores, o Ethnologue identifica apenas 13810 que
estão documentadas e identificadas como línguas de sinais de fato.
Desse total, menos da metade possui reconhecimento legal a nível
nacional (WFD, 2017). Essa pode ser considerada uma semelhança
das línguas de sinais com outras línguas minoritárias: os desafios da
oficialização, bem como outras políticas regulamentadoras, como
o ensino e difusão da língua.
A World Federation of the Deaf - WFD (2017) afirma que dos
193 países que são membros das Nações Unidas, 152 não possuem
nenhum tipo de reconhecimento de suas línguas de sinais, o que
corresponde a cerca de 78% do total. De acordo com Snoddon e
Wilkinson (2019), países como o Canadá, mesmo havendo uma
legitimação de suas línguas de sinais pela comunidade surda e pela
associação de surdos nacional, ainda dão passos para uma oficiali-
zação a nível federal.
Segundo De Meulder et al. (2019), podem ser três os estágios
de um processo político que visa a uma autonomia cultural e
linguística dos surdos: o primeiro, chamado de reconhecimento
simbólico, é quando há uma confirmação legal de que as línguas
de sinais são línguas de fato e que possuem valores significativos
para as comunidades surdas. O segundo ocorre quando há uma
instrumentalização de alguns serviços relacionados à língua, como
o acesso a alguns serviços com a presença de intérpretes. O terceiro
se refere à promoção ou proteção de direitos linguísticos e de aqui-
10 Atualmente, o site Ethnologue (https://www.ethnologue.com/) registra mais de 150 línguas
de sinais.

172
LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

sição de língua em casa e em ambientes formais de aprendizagem.


Segundo os autores, muitas legislações se estagnam somente no
reconhecimento simbólico enquanto outros chegam ao segundo
estágio. Todavia, eles também mencionam que o terceiro estágio é
raramente atingido pela maioria dos países.

Educação superior e políticas para surdos: UFT em foco

A Constituição Brasileira de 1988 e a Lei de Diretrizes e Ba-


ses (LDB) de 1996 (Lei 9394) não mencionam algo que se refira
especificamente aos surdos ou à língua de sinais. Todavia as
legislações mencionam igualdade de oportunidades e garantia à
educação, por exemplo. A LDB aponta também que os sistemas
de ensino11 assegurarão aos alunos com deficiência, dentre ou-
tras coisas, currículos, métodos e técnicas para atender às suas
necessidades. Esse é um exemplo do que se referem as discussões
de De Meulder e Murray (2017), De Meulder et al. (2019) e Reagan
(2019), no tocante à alocação de surdos em grupos de pessoas
com deficiência. Segundo Felipe (2006), os direitos dos surdos
devem ser enxergados a partir dessa noção de igualdade e acesso
e, no caso da legislação brasileira, tanto na Constituição, quanto
na LDB, a possibilidade encontrada é através dos direitos das
pessoas com deficiência.
Nesse sentido, também em consonância com a LDB, a Secretaria
de Educação Superior, do Ministério da Educação, publicou em 2003
a Portaria nº 3284 que previa alguns requisitos de acessibilidade de
pessoas com deficiência. Em relação aos surdos, as orientações se
voltam aos alunos “portadores de deficiência auditiva” e preveem:
presença de intérprete de Libras especialmente em momentos de
avaliação; flexibilidade na correção de avaliações de alunos surdos;
estímulo de aprendizado da língua portuguesa na modalidade es-
11 Por sistemas de ensino, entende-se não somente a educação básica, mas também a superior.

173
LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

crita; acesso para os professores de literatura sobre especificidade


linguística dos alunos surdos.
Dessa maneira, algumas universidades criaram núcleos ou esti-
pularam uma equipe responsável para atender a esses e outros aspec-
tos da Portaria. A UFT, que foi implantada em 2003, criou o Núcleo
de Inclusão e Acessibilidade do Deficiente (NIADI) pela Resolução
04/2009 com o objetivo de cumprir as exigências da Portaria 3284
de 2003 e da LDB, além de propor outras estratégias de acessibili-
dade e inclusão. Em 2015, a Resolução 04/2009 da UFT foi revogada
pela Resolução 03/2015, tendo em vista o cumprimento de alguns
dispositivos legais, dentre eles o Decreto 5626 de 2005 que trata de
especificidades da pessoa surda e o Decreto 7611 de 2011 que prevê
a estruturação de núcleos de acessibilidade nas instituições federais
de educação superior. A Resolução menciona também a implantação
do “Programa Viver sem Limite”, integrado ao Plano Nacional dos
Direitos da Pessoa com Deficiência do Governo Federal, em 2011,
que busca a promoção de programas e ações voltados a garantir que
as pessoas com deficiências exerçam seus direitos. Dessa maneira, a
Resolução 03/2015 institui o Programa de Acessibilidade e Educação
Inclusiva para Pessoas com Deficiência (PAEI/UFT), substituindo o
NIADI, e implanta a Diretoria de Acessibilidade e Educação Inclusiva
vinculada à Reitoria e a Coordenação de Acessibilidade e Educação
Inclusiva, nos campi universitários da UFT. Uma das prioridades do
Programa é implementar uma Política de Acessibilidade e Educação
Inclusiva da UFT que, nesse caso, pode incidir diretamente na vivência
dos surdos na Universidade. Essa Política, no entanto, até a escrita
deste capítulo, não está claramente definida. Não há, portanto, um
texto com diretrizes ou outras informações específicas acerca da
acessibilidade e inclusão na UFT, apesar de já serem perceptíveis
alguns esforços, como pode ser visto no site oficial da instituição.12

12 Disponível em: https://ww2.uft.edu.br/index.php/ultimas-noticias/26669-uft-destaque-inclusao-


-estudantes-e-docentes-com-deficiencia-lanca-campanha. Acesso em: 15 dez. 2020.

174
LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

Outro documento que será considerado nesta seção é a Resolu-


ção 26/2018, que institui a Política Linguística da UFT (UFT, 2018b).
Dentre os documentos da UFT apresentados até o momento, esse é o
único que menciona especificamente o termo “política linguística”.
Como apontado na introdução desta pesquisa, a Resolução 26/2018
lista, de maneira geral, algumas diretrizes:

Art. 1º A Política Linguística da Universidade Federal do


Tocantins tem como diretrizes:
I - reconhecimento do acesso ao aprendizado de línguas nos
currículos acadêmicos;
II - implementação de uma dimensão estratégica institucional
que relacione a questão das línguas com os objetivos, missões
e identidade da UFT;
III - criação de infraestruturas para aprendizagem de línguas,
com ampliação de espaços destinados para o acontecimento
de aulas, formações pedagógicas, aplicação de exames, entre
outros; [...]
IX - valorização das trocas acadêmicas e interculturais para
a construção distribuída do conhecimento; [...]
XVI - implementação de programas e projetos que visem
à promoção da Língua Brasileira de Sinais (Libras) na
Universidade e o acesso da comunidade surda a outras
línguas, incluindo também o Português como Língua
Adicional; [...]
XX - colaboração, por meio de ações conjuntas, com a for-
mação linguística continuada de profissionais que atuam na
área de ensino de idiomas da educação básica, promovendo,
assim, o diálogo e a aproximação entre a universidade e as
escolas; [...] (grifo nosso).

Das diretrizes da Resolução, foram elencadas anteriormente


aquelas que se referem a línguas de maneira geral e a que menciona
especificamente a Libras. As demais se relacionam, prioritariamen-
te, a línguas estrangeiras, com enfoque específico à língua inglesa,

175
LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

tendo em vista estratégias de internacionalização da Universidade.


No trecho destacado (XVI), quando se menciona sobre o acesso da
comunidade surda a outras línguas, pode-se deduzir, portanto, a
própria língua inglesa (leitura e escrita) e alguma outra língua de
sinais, como a ASL (Língua Americana de Sinais). Todavia, o ensino
de língua inglesa para alunos surdos é algo escassamente discutido
e, por conseguinte, também pouco difundido e promovido explici-
tamente em políticas linguísticas como essa da UFT.
O artigo 2º do documento aponta os objetivos da Política
Linguística da UFT e, da mesma maneira, buscou-se apresentar
aqui aqueles que se referem à Libras e/ou à língua portuguesa para
surdos:

Art. 2º A Política Linguística da UFT tem como objetivos:


I - reconhecer a importância de práticas multilíngues
interculturais no contexto de ensino-aprendizagem de
línguas na UFT;
II - implementar uma dimensão estratégica institucional
que relacione a questão das línguas com os objetivos,
missões e identidade da UFT;
III - criar infraestruturas para aprendizagem de línguas,
com ampliação de espaços destinados para o aconteci-
mento de aulas, formações pedagógicas, aplicação de
exames, entre outros; [...]
XII - fomentar ações de ensino, pesquisa e extensão vol-
tados para a Língua Portuguesa como Língua Adicional
e de Acolhimento; [...]
XVI - criar programas e projetos que visem à pro-
moção da Língua Brasileira de Sinais (Libras) na
Universidade e o acesso da comunidade surda a
outras línguas, incluindo também o Português como
Língua Adicional; [...]
XX - colaborar, por meio de ações conjuntas, com a
formação linguística continuada de profissionais que
atuam na área de ensino de idiomas da educação básica,

176
LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

promovendo, assim, o diálogo e a aproximação entre a


universidade e as escolas. (grifo nosso).

É possível perceber algumas relações entre as diretrizes e os


objetivos da Política Linguística da UFT. O texto ainda aponta que
essas implementações contarão com o apoio dos cursos de Letras e
do Centro de Idiomas. E, ainda, que dentre as atribuições da Coorde-
nação do Programa Idioma Sem Fronteiras está propor normativas
para o fortalecimento da Política Linguística na UFT.
A Política Linguística da UFT enfatiza, com clareza, estra-
tégias de internacionalização da Universidade e, para isso, tenta
estabelecer diversas ações que concernem o ensino e a utilização
da língua inglesa em diversos ambientes e situações. Assim,
estabelecer que a coordenação do Programa Idiomas Sem Fron-
teiras se responsabilize pelas propostas de Política Linguística da
instituição, parece ser uma via tendenciosa para que continuem
esforços políticos que promovam com mais veemência as línguas
estrangeiras, com destaque ao inglês. A internacionalização de
qualquer universidade pode ser considerada como um fator de
grande relevância, porém as políticas linguísticas que contribuem
para esse processo não deveriam apagar as minorias linguísticas
existentes. Ao mesmo tempo que o documento fala do reconhe-
cimento da “importância de práticas multilíngues interculturais
no contexto de ensino-aprendizagem de línguas na UFT”, prioriza
a língua inglesa sobre outras línguas, como a Libras e as línguas
indígenas. Lima (2018) faz também essa crítica de maneira ge-
ral às universidades brasileiras, evidenciando que é intencional
a invisibilidade de políticas para surdos na educação superior,
deixando clara uma intenção de priorização de políticas públicas
“maiores”. Aqui também não é mencionado sobre o ensino de
inglês para alunos surdos da Universidade.

177
LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

Ressalta-se que a justificativa da criação da Política Lin-


guística da UFT se deve em decorrência do Decreto 9005/201713 e de
Portarias da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível
Superior (CAPES) e do Ministério da Educação, conforme aponta o
texto da Resolução. Dessa maneira, considerando essas políticas, o
incentivo era, de fato, para a internacionalização da universidade
e a promoção de línguas estrangeiras. Mesmo tendo em vista o
cumprimento de textos políticos de órgãos superiores, é de res-
ponsabilidade da UFT atentar-se à sua diversidade linguística, uma
vez que possui uma quantidade considerável de alunos indígenas e
surdos. Dessa maneira, a Política Linguística da instituição deveria,
mais do que citar discretamente a Libras e as línguas indígenas, ser
mais incisiva nas estratégias que podem contribuir para que essas
línguas ocupem mais espaços e direitos na Universidade.
Todavia, pode-se entender que, mesmo que o documento não
disponha de muitos detalhes em relação às minorias linguísticas, ele
pode abrir oportunidades, tais como a criação de programas e pro-
jetos que visem a promoção da Libras e o acesso dos surdos a outras
línguas, inclusive à língua portuguesa. De alguma maneira, ações
como a do curso de Letras Libras e da Pós-Graduação em Letras,
além de cumprir leis federais, coadunam-se com essas diretrizes e,
como aponta também o documento, contribuem para a “valorização
das trocas acadêmicas e interculturais para a construção distribuída
do conhecimento”.
O objetivo das críticas em relação à Resolução 26 de 2018, não
se refere à importância da internacionalização da Universidade, mas
pela seriedade desse documento que é identificado como “Diretrizes
da Política Linguística da UFT”. Por carregar já em seu título uma
proposta muito abrangente e exigente, acaba não conseguindo
contemplar toda a diversidade cultural e linguística existente na

13 Revogado pelo Decreto 10.195 de 2019, mencionado na seção anterior, que trata, dentre di-
versos outros assuntos, da criação da Diretoria de Políticas de Educação Bilíngue de Surdos.

178
LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

Universidade. Se, por um lado, poderia existir a possibilidade de ter


sido utilizado outro título que priorizasse a internacionalização so-
mente, excluindo menções de línguas minoritárias, por outro, graças
a essa iniciativa, foi possível discutir e pensar em mais espaços que
a Libras pode ocupar na Universidade. Dessa maneira, a Resolução
26 de 2018 abre caminhos para análise, reflexões e mudanças.

Comunidades surdas e políticas linguísticas

O conceito de colonialismo envolvendo a comunidade surda,


segundo Ladd e Lane (2013), foi desenvolvido por Lane (1992) e
estendido por Wrigley (1996 apud LADD; LANE, 2013). O colonia-
lismo expresso no âmbito educacional aconteceu pelo Oralismo,
isto é “uma ideologia que procura remover todas as características
do Ser Surdo do sistema educacional voltado para o Surdo, apagar
essas particularidades da sociedade e, na medida do possível, do
mundo” (LADD; LANE, 2013, p. 569).
As características colonizadoras que perpassam pelos surdos
ainda são perpetuadas por médicos, educadores e pesquisadores de
diversas áreas. Humphries et al. (2017) mencionam alguns comen-
tários online de alguns profissionais acerca do surdo e da língua
de sinais. Os autores citam exemplos que podem ser encontrados
facilmente na internet, que generalizam afirmações depreciativas
sobre os surdos com frases como: “há estudos sobre isso” ou “estudos
recentes comprovam”, sem nenhuma referência, de fato, confiável
ou outro argumento mais sólido. São comentários pejorativos que
também surgem em encontros de pais e profissionais da área da
saúde, por exemplo (HUMPHRIES et al., 2017).
Alguns estudos sobre políticas linguísticas trazem também
discussões como as que se tem feito nesta seção. De acordo com
Ricento e Hornberger (1996), muitas abordagens na política lin-

179
LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

guística tendem a problematizar a língua como um mecanismo de


controle social pelas elites dominantes; eles destacam que todas as
políticas linguísticas são ideológicas, embora a ideologia possa não
ser tão aparente ou perceptível por aqueles que fazem as políticas
ou as cumprem. Um exemplo de ideologia “invisível” na política
linguística é dado por Tollefson (1991, p. 10):

A política de exigir que todos aprendam uma única lín-


gua dominante é amplamente vista como uma solução
de senso comum para os problemas de comunicação
das sociedades multilíngues. O apelo desta suposição
é tal que o monolinguismo é visto como uma solu-
ção para a desigualdade linguística. Se as minorias
linguísticas aprendem a língua dominante, assim diz
o argumento, então elas não sofrerão desigualdade
econômica e social. A suposição é um exemplo de uma
ideologia, que se refere a pressupostos normalmente
inconscientes que passam a ser vistos como senso
comum [...] tais suposições justificam políticas exclu-
dentes e sustentam a desigualdade.

O que Quadros e Campello (2010) defendem corrobora Mig-


nolo (2008) a respeito de uma opção decolonial. O movimento do
surdo de deixar o lugar de subalterno e assumir posturas decisórias
naquilo que vai incidir diretamente nele é mais do que uma ação
de resistência, é questionar ideologias de políticas linguísticas há
anos impostas, mesmo que, algumas vezes, “invisíveis” (RICENTO;
HORNBERGER, 1996). É uma tentativa de mudar uma situação que
há mais de um século resulta em violência; é a ação mencionada
por Kumaravadivelu (2016), em contraposição ao silenciamento de
anos, conforme aponta Holcomb (2010).
O argumento apontado por Tollefson (1991) sobre o mono-
linguismo como uma solução para a desigualdade linguística, con-
tribui para a compreensão de uma forma de colonização liderada

180
LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

por aqueles que outrora foram também colonizados, assim como


aponta Mignolo (2008). Dessa maneira, mesmo havendo algum
subsídio para que a Libras circule no Brasil, a crença de que o surdo
só poderá se destacar se dominar a língua portuguesa é um indício
de monolinguismo que, aparentemente, quer unificar. Entretanto,
isso só demonstra a supressão da língua do outro, a exclusão explí-
cita das diferenças, ao invés de resolver algum problema de ordem
social. Santos (2016, p. 51) afirma que:

a discussão sobre a mestiçagem em causa ser colonia-


lista ou descolonizadora é legítima e pertinente, mas a
questão fundamental está, pois, no poder constituinte
nascido nas ruas, nas lutas que levam ao rompimento
da linha abissal e colocam os excluídos no seio do
processo constitucional, que, de alguma forma, passa a
representar os anseios e as expectativas de uma maioria
invisibilizada nas Constituições anteriores.

O movimento surdo no Brasil e suas reivindicações ao longo das


décadas, ora contando com o apoio da academia e de outros setores
da sociedade, vêm não só modificando aos poucos uma realidade
de milhares de pessoas, mas fazendo com que assuntos como esses
não passem despercebidos por grande parte da população.

Aprofundando os resultados das entrevistas

As experiências dos surdos na UFT são o ponto de partida para


as reflexões que se propõe nesta seção. De acordo com Miccoli (2010,
p. 29), a experiência, ao ser narrada, “deixa de ser um acontecimen-
to isolado ou do acaso. O processo reflexivo da narrativa oferece a
oportunidade de ampliar o sentido dessa experiência e de definir
ações para mudar e transformar seu sentido original bem como
aquele que a vivenciou”. A autora, no entanto, menciona que, se

181
LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

as experiências não são acompanhadas de reflexões conscientes,


podem deixar de contribuir para essas mudanças. As experiências
revelam também pontos importantes para aqueles que as narram,
pois assim, ao narrá-las, abrem oportunidades para melhor explo-
rarem conteúdos já vividos, fazendo relações com diferentes acon-
tecimentos e podendo apontar novas estratégias para situações que
desejam compreender com mais detalhes.
Aqui pretende-se apresentar e discutir alguns fatos comuns das
trajetórias dos surdos na UFT, ou seja, elucidar algumas proposições
indexadas. Jovchelovitch e Bauer (2002) chamam de proposições
indexadas os pontos mais concretos das narrativas, como quem faz
o que, onde e quando. Para isso, serão apresentados alguns trechos
(traduzidos) das falas dos participantes. Ao final de cada trecho,
entre parênteses, constará o nome fictício do participante.14
Para começar, um ponto que merece destaque é o que se rela-
ciona com as menções positivas ao campus de Porto Nacional em
relação à utilização de Libras nas aulas e nas interações de profes-
sores e alunos ligados aos cursos de Letras Libras e ao Mestrado em
Letras, principalmente. 16 dos 18 participantes mencionaram algo
nesse sentido, como por exemplo:

No Mestrado em Porto Nacional há a compreensão da


importância da Libras e isso transcorre de maneira di-
ferente do restante da instituição (Centenário).

Em Porto Nacional há uma abertura maior em relação


à acessibilidade para os surdos (Mateiros).

14 Nem todos os 18 participantes terão trechos de suas narrativas apresentados neste capítulo pelo
(i) grande fluxo de informação obtido; (ii) por haver trechos idênticos entre os participantes
e, por esse motivo, foram selecionados aqueles que traziam informações mais objetivas, sem
deixar de mencionar no corpo do texto, de maneira geral, que houve opiniões semelhantes; (iii)
por alguns abordarem temas muito específicos que, posteriormente, não foram considerados
nesta seção.

182
LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

No campus onde atuo há uma predominância da língua


portuguesa [...] diferente do campus de Porto Nacional,
onde me sinto mais confortável para poder me comu-
nicar em Libras nas minhas interações informais e para
os meus estudos. [...] Há uma comunidade surda muito
forte no campus de Porto Nacional (Pedro Afonso).

No campus de Porto Nacional há uma flexibilização


maior, onde acontece a interação surdo-surdo (Espe-
rantina).

Outros participantes apresentam comentários semelhantes e


corroboram a ideia da importância de um espaço que valorize a lín-
gua de sinais. Dessa maneira, mesmo com alguns desafios existentes,
como será apresentado posteriormente, o campus de Porto Nacional
se apresenta como um lugar favorável à promoção da Libras e da
cultura surda. É, portanto, o local da UFT onde a diversidade surda é
mais empoderada. Pressupõe-se que atualmente, de Porto Nacional,
podem sair ideias e sugestões de implementações de políticas lin-
guísticas para toda a Universidade. As menções do encontro surdo-
-surdo no campus e a existência de uma forte15 comunidade surda no
local, por exemplo, são aspectos muito relevantes e podem revelar
que as epistemologias surdas em alguma proporção estão sendo
consideradas. Ainda, o fato de 16 dos 18 participantes terem feito
referências positivas ao campus de Porto Nacional, pode também
reforçar uma experiência coletiva significativa que vai ao encontro
das lutas históricas das comunidades de línguas de sinais. Isso, no
entanto, não exime o campus de um exame crítico permanente de
suas políticas linguísticas.
Oito dos alunos do mestrado mencionaram também seus de-
safios em relação à língua portuguesa. Mesmo com os esforços do
Programa e os elogios anteriormente demonstrados, há ainda algum
15 A palavra forte aqui pode se referir à considerável quantidade de surdos no campus e, como
consequência, políticas que valorizem a língua de sinais, os saberes e as perspectivas surdas.

183
LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

nível de insatisfação por parte de alguns, como pode ser visto nos
trechos abaixo:

Houve outros professores que solicitavam atividades aos


alunos sem muitas explicações, como por exemplo: “fa-
çam um artigo”. E se eu dissesse que tinha dificuldades
com a escrita, simplesmente diziam que não poderiam
fazer nada. É complicado, pois há os que não entendem
a relação do surdo com a língua portuguesa e não se
importam com isso (Natividade).

Tenho interesse em publicar, mas as informações a esse


respeito são muito restritas em Libras, dificultando
muito o meu crescimento acadêmico (Alvorada).

No momento da leitura de textos em português, por


exemplo, apenas pedem para que os surdos leiam sem
se preocuparem de fato com aspectos de relação com a
língua portuguesa como segunda língua (Nazaré).

Todavia, dois desses participantes também fizeram outras


afirmações, o que permite entender que os desafios não ocorreram
da mesma forma durante todo o processo do Mestrado, como pode
ser observado nos excertos abaixo:

No Mestrado, quando o professor ministrava a disciplina


em Libras, era uma sensação muito positiva, pois era a
língua com a qual eu me identificava. Ele sabia da re-
lação dos surdos com a língua portuguesa e, portanto,
tentava flexibilizar as tarefas, isso foi um aspecto muito
positivo (Natividade).

No Mestrado tem professores que ministram aulas em


Libras. Muitas pessoas de outros estados têm inveja,
pois não conseguiram o que conseguimos aqui (Nazaré).

184
LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

Assim, percebe-se que, apesar das experiências ainda desa-


fiantes com a língua portuguesa para alguns dos participantes,
há também vivências positivas nesse sentido, que acontecem a
partir de uma perspectiva da diversidade do aluno surdo. O pro-
fessor (ouvinte) que sabe da relação que o surdo tem com a língua
portuguesa,16 é aquele que considera não somente o explícito em
sala de aula, mas o que consegue adentrar no que as epistemologias
surdas apontam no que diz respeito às línguas orais. Não se trata de
bani-las do ambiente educacional, mas apresentar alternativas que
vão ao encontro das perspectivas e saberes dos surdos. As narrativas
também evidenciaram alguns pontos que concernem os desafios na
escrita da pesquisa.

Professores e alunos surdos da UFT: proposições não indexadas

Para Jovchelovitch e Bauer (2002), as proposições não inde-


xadas se referem à análise de conhecimento que é possível ser
feita a partir das narrativas dos participantes. Esse conhecimento
se refere às teorias, conceitos, aquilo o que é e o que não é aceito
pelos entrevistados e se relaciona com os aspectos das proposições
indexadas da seção anterior.
Para iniciar, portanto, será considerado um excerto da narra-
tiva de Dianópolis. A participante menciona acerca de sua visão
de organização política da UFT a fim de que favoreça os surdos da
instituição e de todo o Tocantins:

16 O português, apesar de ser a língua da maioria dos brasileiros, é ensinado ainda de maneiras
questionáveis aos surdos. De acordo com Quadros (1997), o processo de alfabetização de
surdos sempre foi baseado no processo educacional de ouvintes e, por isso, os resultados
são deploráveis. Diferente de outras minorias linguísticas brasileiras (indígenas, imigrantes e
quilombolas), a primeira língua dos surdos não é de modalidade oral, portanto, ao aprender a
língua portuguesa, além do desafio de aprender uma outra língua, há também o desconforto de
se aprender uma outra língua que possui uma modalidade distinta da sua língua de conforto.
Dessa maneira, as relações entre primeira e segunda língua, para os surdos, em seu processo
de aprendizagem, se torna ainda mais desafiante.

185
LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

Talvez seria muito importante ter valores ideológicos


bem alinhados nos discursos e textos políticos de ma-
neira geral, evitando favorecer somente uma ou outra
realidade, mas favorecendo os surdos como um todo e,
consequentemente os surdos do Tocantins (Dianópolis).

A partir desse excerto da narrativa da participante, pode-se


retomar a Resolução 26/2018 que institui as diretrizes de Política
Linguística da UFT. Como discutido anteriormente, apesar do con-
texto da criação do documento, não há uma compreensão, de fato,
de uma política linguística que abarque a diversidade da instituição.
As ideologias ali contidas não são suficientes para favorecer aspectos
presentes na Surdidade,17 por exemplo. Dianópolis menciona que
a UFT não deve favorecer uma ou outra realidade, mas contemplar
em seus discursos e textos políticos toda a diversidade surda da ins-
tituição. Entendendo a política linguística, dentre outros aspectos,
como modos de produção medidos por relação de poder, percebe-se
na Resolução 26/2018 algumas características que privilegiam as lín-
guas estrangeiras em detrimento das línguas indígenas e de sinais.
Como aponta Santos (2016), não há a necessidade de romantizar
as contribuições do Sul, nesse caso, das comunidades surdas, mas
valorizá-las, pensando em suas contribuições futuras para toda a
sociedade. Portanto, essa não é uma discussão que visa a uma ade-
quação textual apenas, mas uma luta ideológica em direção a um
mundo pós-europeu, onde a Europa passa a aprender com o Sul. É
o que Mateiros também menciona em sua narrativa:

17 Ladd (2003) propõe o termo Deafhood, aqui traduzido por Surdidade. O autor explica que o
termo deafness (surdez), enquanto uma visão clínica, não contempla a complexidade histórica,
social e cultural da comunidade surda, além de ver o surdo como deficiente. Kusters e De
Meulder (2013, p. 431) afirmam que Surdidade é uma estratégia de “conscientização através
da qual os povos de língua de sinais podem examinar suas próprias experiências, se reem-
poderarem e, assim, se engajarem no trabalho de regeneração da comunidade”. As autoras,
porém, afirmam que o conceito permanece aberto e dinâmico.

186
LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

De maneira majoritária, a língua portuguesa circula na


UFT. A Libras é uma língua ainda recente, que ainda
não conquistou muito espaço. Espero que futuramente
a Libras possa ter uma representatividade maior em
relação à língua portuguesa na instituição (Mateiros).

Na fala de Mateiros há uma constatação da realidade não só


da UFT, mas de todas as universidades brasileiras. Comparada à
língua portuguesa, a Libras é de fato uma língua recente no Brasil
e, ainda mais, nas universidades. Dessa maneira, naturalmente,
a língua portuguesa é a língua dominante nesses espaços. Essa é
uma realidade compreensível, mas que não precisa ser mantida em
todo o tempo e em todos os lugares dessa maneira. Assim, dentro
da UFT, podem haver momentos e espaços em que a Libras pode
exercer uma influência e poder maior do que a língua portuguesa,
como em eventos e disciplinas da área e encontros de surdos. Nesses
casos, um texto político não é imprescindível para favorecer esses
momentos, mas pode contribuir de alguma maneira.
Como apontado por De Meulder e Murray (2017), os surdos
e, consequentemente as línguas de sinais, são muitas vezes asso-
ciados ao grupo de pessoas com deficiência. A Resolução 28/2018,
que trata das políticas linguísticas da instituição, é a política da
UFT que menciona a Libras sem relacioná-la a algum aspecto do
surdo como deficiente ou em termos de acessibilidade somente,
porém não dispõe de muitas informações a respeito. A Política de
Acessibilidade e Educação Inclusiva ainda não está bem definida na
instituição, dessa maneira, as iniciativas de valorização da Libras e
do surdo partem de algum setor ou curso específico, como o Letras
Libras. Além disso está presente em editais de seleção, por exemplo,
relacionando a leis federais que reservam cotas para pessoas com
deficiência e que permitem processos seletivos em Libras. A Reso-
lução da UFT de nº 14 de 2017, por exemplo, prevê ações afirmativas
nos Programas de Pós-

187
LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

-graduação stricto sensu para pretos, pardos, indígenas, quilom-


bolas e pessoas com deficiência, incluindo os surdos nesse último
grupo. Dessa maneira, percebe-se que as políticas da UFT que se
relacionam de alguma maneira aos surdos e à Libras, não possuem
um caráter ideológico tão marcado, mas abrem possibilidades para
discussões e implementações na área.

Considerações finais

Os objetivos das políticas da UFT que envolvem a Libras e a


língua portuguesa para surdos podem ter princípios diferentes, a
depender do texto a ser considerado. São textos apoiados no dis-
curso que considera o surdo como deficiente ou que percebem sua
diferença linguística e cultural ou, ainda, que não demonstram um
posicionamento muito claro, podendo possuir características dos
dois primeiros. De maneira geral, o objetivo das políticas existentes
na UFT é garantir acessibilidade linguística para os surdos e dis-
seminar a língua de sinais. A maneira como esses documentos são
elaborados e interpretados, a depender do discurso/ideologia inicial,
vai impactar na apropriação e implementação política.
O curso de Letras Libras e o Programa de Pós-graduação em
Letras, tentam de forma mais direta considerar as perspectivas
surdas, seja no processo seletivo ou no decorrer dos cursos, isto
é, buscam valorizar a Libras em todo o processo educacional, bem
como a cultura e as epistemologias surdas. Alguns resultados
práticos dessas políticas foram evidenciados pelos participantes
neste capítulo, sejam aqueles que estão obtendo sucesso, sejam
os que estão sendo vistos ainda como desafios. Esse discurso que
valoriza as comunidades de língua de sinais e as entende como
minoria linguística e cultural, nem sempre é perceptível na UFT. A
resolução que cria o PAEI, por exemplo, mesmo que não institua,
de fato, uma política de acessibilidade, traz termos como “defici-

188
LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

ência” e “inclusão”, sem muitas reflexões. Dessa maneira, não há


uma clareza desse discurso político, no entanto, com base no que
Lodi (2013) afirma sobre a Política Nacional de Educação Especial
na Perspectiva de Educação Inclusiva de 2008, há certa obscuridade
no discurso e uma falta de diálogo com as comunidades surdas em
sua construção. Já nas diretrizes de Política Linguística da UFT, como
são poucas as menções acerca da Libras de maneira direta, pode-se
entender que há uma tentativa de valorização da Libras, mas ainda
de maneira muito sutil.
A UFT é uma universidade com menos de 20 anos de existência.
O estado do Tocantins completou em 2022, 34 anos. Considerando
os números, é uma história recente, mas os esforços para que o es-
tado e a universidade fossem criados remontam há muitos anos. Até
que a Libras fosse reconhecida oficialmente em 2002, foi também
um grande percurso, todavia não foi o suficiente. Mencionando um
excerto da narrativa de Mateiros: “os surdos precisam reivindicar
sempre, não há descanso”. Pelo que se pode perceber, será essa a
trajetória da UFT: um trabalho constante pela luta dos direitos das
pessoas surdas. Apesar de ser uma universidade com poucos anos de
fundação, ou talvez por isso mesmo, já possui avanços consideráveis
em relação às políticas linguísticas que se relacionam aos surdos, o
que pode sugerir que os próximos anos, acompanhados de reflexão
e ação, sejam ainda mais promissores.

Referências

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minorities: implications for research and policy. Environment and planning, v. 37,
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193
PARTE II

DESCRIÇÃO LINGUÍSTICA DA LIBRAS


LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

ESTUDO TRANSLINGUÍSTICO DA ICONICIDADE LEXICAL


POR MEIO DA ANÁLISE DE SINAIS QUE DESIGNAM CORES

Katherine Fischer
Universidade Federal do Paraná (UFPR)

André Nogueira Xavier


Universidade Federal do Paraná (UFPR)

Introdução

Berlin e Kay (1969) propuseram universais linguísticos impli-


cacionais para a ocorrência de termos para cores nas línguas do
mundo. Seguindo essa lógica, todas as línguas teriam pelo menos
uma palavra para branco e outra para preto e, no caso de terem uma
palavra para uma terceira cor, ela necessariamente será para a cor
vermelha e assim por diante (Figura 1).

Figura 1 – Ordem implicacional de ocorrência de termos para cores


de línguas faladas

Fonte: traduzido de Berlin e Kay (1969, p. 259).

195
LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

É importante salientar que Berlin e Kay estabeleceram critérios


para determinar se uma dada língua conta ou não com um termo
básico para as 11 cores apresentadas na Figura 1. Para os autores,
a palavra para cor deve ser monolexical, ou seja, seu significado
não pode ser previsível a partir de suas partes. Com isso, os autores
eliminam do rol dos termos básicos para cores formas derivadas
por sufixação ou composição como, por exemplo, ‘amarelado’ ou
‘azul-piscina’, respectivamente. Além disso, eles excluem também
hipônimos, ou seja, palavras que remetem a um subtipo de uma cor,
por exemplo, a palavra inglesa crimson ‘vermelho escuro’ e palavras
para cores empregadas de forma restrita, por exemplo, ‘loiro’. Por
último, os empréstimos linguísticos também são excluídos.
O modelo para as relações implicacionais entre termos básicos
para cores de Berlin e Kay (1969) sofreu alterações em trabalhos pos-
teriores. Esse novo modelo, apresentado na Figura 2, foi reverberado
por Witkowski e Brown (1977). Como se pode ver na referida figura,
duas diferenças principais em relação ao modelo original dizem
respeito ao fato de que (i) a ordem de alguns termos foi atenuada
por conta das várias exceções observadas nas línguas do mundo e (ii)
o termo para ‘cinza’ está fora da ordem implicacional, uma vez que
foi atestado em diversos sistemas linguísticos em diferentes ordens.

Figura 2 – Reformulação da ordem implicacional de ocorrência de termos para


cores de línguas faladas

Fonte: traduzido de Witkowski e Brown (1977, p. 52).

196
LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

Estudos sobre cores nas línguas de sinais mostram que esses


universais implicacionais parecem válidos para elas também. Além
disso, eles mostram que cores básicas são expressas por sinais na-
tivos, enquanto cores menos básicas, por sinais híbridos, formados
por empréstimo de letras do alfabeto manual combinadas com
elementos da língua sinalizada. Há ainda poucos estudos trans-
linguísticos sobre o tema (WOODWARD, 1989), logo este trabalho
objetiva contribuir com este campo.
O presente trabalho tem por objetivo realizar um estudo com-
parativo de sinais de cores em Libras com as de outras línguas de
sinais. Nossos objetivos específicos são (i) categorizar os termos
para cores como nativos ou empréstimos e, no caso dos primeiros,
classificá-los em relação à sua iconicidade e (ii) determinar, com
base em Woodward (1989), o perfil tipológico das línguas de sinais
da amostra em relação aos termos de cores com destaque à Libras.

Revisão de literatura

Woodward (1989) traz, em sua pesquisa, uma comparação de


termos para cores em 10 línguas de sinais. A seleção dessas línguas
levou em conta a inexistência de afiliações históricas/genéticas,
já que considerar línguas de um mesmo grupo poderia mascarar a
diversidade tipológica. Analisando essas dez línguas com base no
modelo de Berlin e Kay (1969), Woodward observou que em alguns
casos, como na ASL, há uma pequena quantidade de termos nativos
para cores e uma grande incidência de empréstimos linguísticos
da língua falada majoritária na constituição desses itens lexicais.
O autor observou ainda casos como a língua de sinais indiana, em
que a quantidade de termos nativos para a designação de cores é
maior (Figura 3).

197
LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

Figura 3 – Termos para cores em 10 línguas de sinais

Fonte: traduzido de Woodward (1989, p. 149).

Na Libras, tomando como referência o estado de Pernambuco,


especificamente sua capital, Recife, Brito (2010 [1995], p. 166) ob-
servou que “quase todos os termos básicos para cores [nessa língua]
são empréstimos linguísticos; não são termos nativos”. Dessa forma,
à primeira vista, a Libras se assemelharia tipologicamente à ASL e
não à língua de sinais indiana.
Sinais nativos se caracterizam como aqueles que foram criados
pela comunidade surda sem interferência da língua majoritária oral
e que apresentam uma relação de motivação – iconicidade – entre
sua forma e aspectos visuais ou motores associados a seu referente.
Klima e Bellugi (1979) foram os primeiros a estudar a iconicidade
nas línguas de sinais. Segundo os autores, essa propriedade pode

198
LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

ser observada no sinal TREE ‘árvore’ da ASL, cujos aspectos formais


(imagem B), como se pode ver no exemplo na Figura 4, remetem
a aspectos de seu significado (imagem A). Precisamente, a mão de
apoio remete ao solo, o antebraço, ao tronco da árvore e a mão, aos
galhos da árvore.

Figura 4 – Correspondência entre aspectos imagéticos do conceito “árvore” e o


sinal que o representa em ASL

Fonte: Taub (2004, p. 29).

Embora sinais nativos nas línguas de sinais sejam majoritaria-


mente icônicos, é incorreto achar que a língua de sinais é universal,
pois cada cultura elege aspectos diferentes de um mesmo significado
para representar. Como exemplo, Klima e Bellugi (1979) citam os
diferentes sinais para ‘árvore’ na ASL, na língua de sinais dinamar-
quesa e na língua de sinais chinesa (Figura 5).

Figura 5 – Sinal “árvore” em três línguas de sinais diferentes

Fonte: Klima e Bellugi (1979, p. 21).

199
LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

Em outras palavras, embora todos os sinais da Figura 5 sejam


nativos em suas respectivas línguas e icônicos, cada um deles re-
presenta aspectos diferentes do conceito ‘árvore’: na ASL, a árvore
como um todo; na língua de sinais dinamarquesa, o contorno da
copa e do caule, excluindo o solo; e, por fim, na língua de sinais
chinesa, apenas a espessura do tronco.
Já os sinais não nativos, ou seja, formados por empréstimos
da língua oral majoritária, ainda que apresentem alguma iconici-
dade relacionada ao significado expresso, fazem ao mesmo tempo
referência à forma gráfica da palavra correspondente na língua
majoritária. Adam (2012) reporta que há influência da língua falada
majoritária não apenas pela escrita, mas também pela oralidade e
que os empréstimos linguísticos de uma língua sinalizada podem
se apresentar de diferentes formas. Entre elas está a soletração
manual ou datilologia de palavras da língua oral, a inicialização
(substituição de uma configuração de mão nativa por outra que no
alfabeto manual remete à primeira letra da palavra da língua oral),
a oralização (articulação silenciosa ou não da palavra da língua oral
concomitantemente à produção de um sinal) e os calques (traduções
literais). O autor ainda cita a incorporação de gestos da comunidade
ouvinte como um outro tipo de empréstimo linguístico.
Conforme observado por Woodward (1989), a maior parte dos
sinais que designam cores na ASL são considerados empréstimos
linguísticos, uma vez que sua formação incorpora uma letra do
alfabeto manual para, por meio dela, fazer referência à inicial da
palavra em inglês. Isso pode ser observado nos sinais YELLOW
‘amarelo’ e GREEN ‘verde’, formados, respectivamente, pelas letras
manuais Y e G (Figura 6).

200
LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

Figura 6 – Sinais YELLOW ‘amarelo’ e GREEN ‘verde’ da ASL

Fonte: baseada no site Spread the Sign (2021)1.

Como dito anteriormente, o presente trabalho objetiva (i) ca-


tegorizar os termos para cores como nativos ou empréstimos e, no
caso dos primeiros, classificá-los em relação à sua iconicidade e (ii)
determinar, com base em Woodward (1989), o perfil tipológico das
línguas de sinais da amostra em relação aos termos de cores com
destaque à Libras.

Material e métodos

Foi realizada uma busca das 11 cores – preto, branco, vermelho,


verde, amarelo, azul, marrom, laranja, roxo, rosa e cinza, no site
Spread the Sign. Foram levantados 413 sinais de cores de diferentes
línguas de sinais, precisamente, entre 25 e 39 línguas. Esses dados
foram categorizados da seguinte forma: primeiramente, foram
separados os sinais em que não parecia haver letras do alfabeto
manual, portanto, nativos, daqueles em que essa presença pôde ser
identificada, daí seu tratamento como empréstimos linguísticos. No
caso dos nativos, ainda foram subdivididos os dados em relação à
sua possível motivação ou iconicidade. Além disso, foi criada uma
categoria para os casos em que a classificação anterior não foi pos-
sível, ou seja, casos em que havia dúvidas quanto à motivação. A
classificação para quatro dessas línguas (língua de sinais argentina,

1 Disponível em: https://www.spreadthesign.com/pt.br/search/. Acesso em: 25 de out de 2021

201
LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

língua gestual portuguesa, língua de sinais britânica e língua de


sinais grega) foi checada informalmente por meio de consulta via
plataforma Zoom, com um de seus usuários: surdos – no caso das
três primeiras línguas, e ouvinte – no caso da última.
Os dados coletados foram convertidos em formato de gráficos
e mapas. Os primeiros foram usados para mostrar a frequência das
subcategorias de iconicidade translinguisticamente, bem como das
outras categorias: empréstimos e dúvidas. Os últimos foram em-
pregados para mostrar a distribuição geográfica das subcategorias
relativas à iconicidade. Por fim, com base em Berlin e Kay (1969) e
Woodward (1989), as línguas foram classificadas de acordo com seu
conjunto de sinais nativos e resultantes de empréstimos linguísticos,
objetivando com isso verificar qual o perfil tipológico da Libras.

Resultados e discussão

À primeira vista, há no site Spread the Sign, sinais de 42 lín-


guas sinalizadas. Uma análise mais cuidadosa revela, no entanto,
que há, na verdade, 39 línguas, pois a língua de sinais indiana e a
língua de sinais bielorrussa são incluídas duas vezes e os Sinais
Internacionais (SI) não são considerados como uma língua natural
da mesma forma que a ASL e a Libras, por exemplo. Sendo assim,
neste trabalho, concentro-me em dados de 39 línguas sinalizadas,
destacadas no Quadro 1 e no mapa-múndi da Figura 7.

202
LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

Quadro 1 – Quadro linguístico – línguas de sinais

Fonte: Fischer (2021, p. 26).

Figura 7 – Mapa linguístico – línguas de sinais

Fonte: Fischer (2021, p. 27).

A busca das 11 cores – preto, branco, vermelho, verde, amarelo,


azul, marrom, laranja, roxo, rosa e cinza – no referido site resultou
em 413 dados. Como mostra a Tabela 1, há discrepância no número
de línguas identificadas no site, no número de línguas analisadas
e no número de sinais, porque não foi possível encontrar sinais de
algumas cores para todas as línguas e foram identificadas variantes
lexicais para uma mesma cor em uma mesma língua.

203
LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

Tabela 1 – Dados referentes aos sinais de cores das línguas analisadas

Fonte: Fischer (2021, p. 27).

Cores preta e branca

Coletamos 42 sinais para a cor preta de 37 línguas. Esses sinais


foram subdivididos em sinais nativos, 29, e empréstimos linguísticos
(letras), 5 (Gráfico 1a). Os sinais nativos, por sua vez, foram subdi-
vididos nas seguintes subcategorias: ‘não ver’, ‘cabelo’, ‘sobrance-
lha’, ‘pele’ e ‘barba’ (Figura 8). Dentre estes, como se pode ver no
Gráfico 1b, predominam os sinais da subcategoria ‘não ver’, com 12
ocorrências. Em segundo lugar, estão os realizados no cabelo, com
8 ocorrências. As demais subcategorias foram menos frequentes: 4
na sobrancelha, 3 na pele e 2 na barba. 8 sinais foram incluídos no
grupo ‘dúvidas’ e aguardam um estudo mais aprofundado para que
se possa revelar a motivação de sua forma.

204
LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

Figura 8 – Subcategorias dos sinais para a cor preta

Fonte: baseada no site Spread the Sign (2021).

Gráfico 1 – Iconicidade lexical da cor preta

Fonte: Fischer (2021, p. 28).

Por meio da indicação no mapa-múndi de cada subcategoria


dos sinais que designam a cor preta um padrão curioso se manifes-
tou em relação aos sinais cuja motivação está aqui sendo traduzida
como ‘não ver’. Observa-se na Figura 9 uma concentração de línguas
que usam formas desse tipo na Europa, em países próximos. Mais
estudos são necessários para saber se isso é uma coincidência ou
resultado do contato linguístico.

205
LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

Figura 9 – Mapa linguístico da iconicidade lexical da cor preta

Fonte: Fischer (2021, p. 29).

Para a cor branca, foram coletados de 36 línguas 46 sinais.


Esses sinais foram divididos em nativos, 29 sinais, e empréstimos,
2 (Gráfico 2a). Os sinais nativos foram subcategorizados como rela-
cionados a um babado (roupa), à pele, à cor do dente, à neve, à barba,
à cor do leite e à cor de um lenço de bolso (Figura 10). Dentre estes
citados, predominam os sinais relacionados à cor do babado de uma
roupa, 7, e à cor da pele, 7, seguidos por aqueles relacionados à cor
do dente, 6. As demais subcategorias são formas menos frequentes:
4 relacionados à neve, 3 à barba, 1 à cor do leite e 1 à cor de um
lenço de bolso. Somam-se a estes 15 sinais cuja motivação não nos
pareceu clara e que, portanto, demandam mais estudos (Gráfico 2b).

206
LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

Figura 10 – Subcategorias dos sinais para a cor branca

Fonte: baseada no site Spread the Sign (2021).

Gráfico 2 – Iconicidade lexical da cor branca

Fonte: Fischer (2021, p. 30).

Diferentemente dos sinais para a cor preta, observa-se uma


dispersão geográfica das subcategorias (Figura 11). Mais estudos
são necessários para determinar se há alguma conexão entre as
línguas que exibem o mesmo padrão ou identicar possíveis fontes
para essa coincidência.

207
LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

Figura 11 – Mapa linguístico da iconicidade lexical da cor branca

Fonte: Fischer (2021, p. 31).

Cor vermelha

Das 34 línguas consideradas para a cor vermelha, foram co-


letados 36 sinais, os quais foram divididos em nativos: 32 sinais;
e empréstimos linguísticos: 1 sinal (Gráfico 3a). Os sinais nativos
foram subdivididos, com base na sua aparente motivação, em duas
subcategorias: ‘lábio’ e ‘bochecha’ (Figura 12). A primeira foi a
mais frequente, incluindo 27 sinais. A segunda, por sua vez, incluiu
apenas 5 sinais. Para 3 sinais não foi possível identificar motivação
para sua forma (Gráfico 3b).

Figura 12 – Subcategorias dos sinais para a cor vermelha

Fonte: baseada no site Spread the Sign (2021).

208
LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

Gráfico 3 – Iconicidade lexical da cor vermelha

Fonte: Fischer (2021, p. 32).

A indicação no mapa-múndi das línguas que usam sinais que


fazem referência ao lábio ou à bochecha, mostra, no caso da pri-
meira subcategoria, que ela não está restrita à Europa, mas aparece
também nas Américas e na Ásia (Figura 13). A concentração na Eu-
ropa poderia ser fruto do contato linguístico. Mais pesquisa se faz
necessário para determinar se é o caso e as razões para a presença
dessa mesma motivação em outras regiões do planeta.

209
LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

Figura 13 – Mapa linguístico da iconicidade lexical da cor vermelha

Fonte: Fischer (2021, p. 32).

Cor amarela

Foram coletados 45 sinais para a cor amarela de 34 línguas.


Esses sinais foram categorizados como: nativos, 9; e empréstimos
linguísticos, 18 (Gráfico 4a). Os sinais nativos, por sua vez, foram
subcategorizados como sendo relacionados ao cabelo, 3, à pele, 3,
à remela, 2, e ao dente, 1 (Figura 14). 18 sinais não apresentaram
uma motivação clara (Gráfico 4b).

Figura 14 – Subcategorias dos sinais para a cor amarela

Fonte: baseada no site Spread the Sign (2021).

210
LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

Gráfico 4 – Iconicidade lexical da cor amarela

Fonte: Fischer (2021, p. 33).

No mapa-múndi (Figura 15), pode-se observar que os sinais


que possuem relação com a subcategoria ‘cabelo’ são utilizados na
região Sul da Europa, próxima ao Oriente Médio. Quanto à subca-
tegoria ‘pele’, os sinais são utilizados nos países Índia e Paquistão.
Mais pesquisas são necessárias para identificar a existência de
conexão entre essas línguas ou de outras possíveis razões para a
semelhança entre elas.

Figura 15 – Mapa linguístico da iconicidade lexical da cor amarela

Fonte: Fischer (2021, p. 34).

211
LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

Cores verde e azul

Foram coletados 36 sinais para a cor verde de 32 línguas. Desses


36 sinais, 10 são nativos e 14, empréstimos linguísticos (Gráfico 5a).
Os nativos foram subclassificados como ‘escarrar’, ‘grama’, ‘arroz’ e
‘catarro’ (Figura 16). O Gráfico 5b mostra que predominam os sinais
relacionados a ‘escarrar’, 6, sendo as demais subcategorias menos
frequentes. Ele mostra também que 12 sinais foram incluídos na
categoria ‘dúvidas’, por não apresentarem uma motivação clara.

Figura 16 – Subcategorias dos sinais para a cor verde

Fonte: baseada no site Spread the Sign (2021).

Gráfico 5 – Iconicidade lexical da cor verde

Fonte: Fischer (2021, p. 35).

212
LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

Os sinais relacionados a ‘escarrar’, como se pode ver no mapa-


-múndi (Figura 17), se concentram na Europa, e em países vizinhos.
A motivação desses sinais pode advir de contato linguístico entre
esses mesmos países, mas pesquisas mais aprofundadas são neces-
sárias para a confirmação dessa hipótese.

Figura 17 – Mapa linguístico da iconicidade lexical da cor verde

Fonte: Fischer (2021, p. 35).

Já em relação à cor azul, foi possível coletar 47 sinais de 39 lín-


guas. Tais sinais foram classificados como nativos, 10, e empréstimo
linguístico, 26 (Gráfico 6a). Os sinais nativos, por sua vez, foram
subdivididos em quatro subcategorias relacionadas à sua aparente
motivação: ‘água’, 4, ‘céu’, 2, ‘olho azul’, 2, e ‘veia’, 2. 11 sinais foram
incluídos na categoria ‘dúvidas’, pois não pudemos identificar uma
motivação para sua forma (Gráfico 6b).

213
LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

Figura 18 – Subcategorias dos sinais para a cor azul

Fonte: baseada no site Spread the Sign (2021).

Gráfico 6 – Iconicidade lexical da cor azul

Fonte: Fischer (2021, p. 36).

Já o mapa-múndi da Figura 19 mostra uma dispersão das sub-


categorias de motivação para os sinais que significam ‘azul’, com
exceção da subcategoria ‘olho azul’, na região escandinava.

214
LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

Figura 19 – Mapa linguístico da iconicidade lexical da cor azul

Fonte: Fischer (2021, p. 37).

Cores marrom, laranja, rosa e roxo

Foram coletados 36 sinais de 32 línguas para a cor marrom.


Esses sinais foram divididos em 14 sinais nativos e 5 empréstimos
linguísticos (Gráfico 7a). As subcategorias de motivação identifica-
das entre os sinais nativos fazem referência a ‘moer café’, ‘bigode’,
‘chocolate’, ‘henna na mão’ e ‘pele’ (Figura 20). Dentre estes, os
sinais relacionados à ação de ‘moer café’ foram os mais frequentes.
O Gráfico 7b mostra também que para 17 sinais não foi possível
identificar uma motivação.

Figura 20 – Subcategorias dos sinais para a cor marrom

Fonte: baseada no site Spread the Sign (2021).

215
LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

Gráfico 7 – Iconicidade lexical da cor marrom

Fonte: Fischer (2021, p. 38).

Já no mapa-múndi (Figura 21), observa-se que a subcategoria


‘moer café’ se concentra em países europeus vizinhos. Mais estu-
dos são necessários para saber se isso é um resultado do contato
linguístico.

Figura 21 – Mapa linguístico da iconicidade lexical da cor marrom

Fonte: Fischer (2021, p. 38).

A análise da cor laranja contou com 28 línguas, das quais 30


sinais foram coletados e subdivididos em nativos, 15, e emprésti-

216
LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

mos linguísticos, 9 (Gráfico 8a). De acordo com a Figura 22, entre


os nativos, as subcategorias de motivação identificadas foram:
‘espremer laranja apenas com a mão’, a mais frequente, ‘casca de
laranja’, ‘espremer laranja com espremedor’, ‘laranja’ e ‘pegar laranja
na laranjeira’ (Gráfico 8b). 6 sinais não apresentam motivação clara
e, por isso, foram incluídos na subcategoria ‘dúvida’.

Figura 22 – Subcategorias dos sinais para a cor laranja

Fonte: baseada no site Spread the Sign (2021).

Gráfico 8 – Iconicidade lexical da cor laranja

Fonte: Fischer (2021, p. 39).

217
LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

Pelo mapa-múndi, observa-se que a subcategoria ‘espremer


laranja apenas com a mão’ se encontra mais presente em países
das Américas (Figura 23).

Figura 23 – Mapa linguístico da iconicidade lexical da cor laranja

Fonte: Fischer (2021, p. 40).

Em relação à cor roxa, foram coletados 26 sinais de 25 línguas.


De acordo com a Figura 24, esses sinais foram subdivididos em sinais
nativos, 4, e empréstimos linguísticos, 15 (Gráfico 9a). Os sinais
nativos, por sua vez, foram subdivididos em apenas duas subca-
tegorias: ‘olho roxo’, reunindo 4 sinais, e ‘dúvidas’, abrangendo 7
sinais (Gráfico 9b).

Figura 24 – Subcategorias dos sinais para a cor roxa

Fonte: baseada no site Spread the Sign (2021).

218
LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

Gráfico 9 – Iconicidade lexical da cor roxa

Fonte: Fischer (2021, p. 41).

Quanto ao mapa-múndi, os 3 sinais da subcategoria olho roxo


estão na região escandinava e o quarto sinal, na Turquia, próximo
ao Oriente Médio (Figura 25).

Figura 25 – Mapa linguístico da iconicidade lexical da cor roxa

Fonte: Fischer (2021, p. 41).

219
LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

A análise dos sinais referentes à cor rosa abrangeu 31 línguas


e se baseou em 33 sinais. Esses 33 sinais foram divididos em sinais
nativos, 11, e empréstimos linguísticos, 15 (Gráfico 10a). A análise
dos sinais nativos resultou na subdivisão destes em quatro sub-
categorias: ‘bochecha’, ‘lábio’, ‘flor’ e ‘cor chamativa’ (Figura 26).
Dentre estes, 6 sinais remetem à bochecha; 3, ao lábio; 1, à flor e
1 à cor chamativa. 7 sinais não puderam ser classificados, pois não
apresentam motivação aparente (Gráfico 10b).

Figura 26 – Subcategorias dos sinais para a cor rosa

Fonte: baseada no site Spread the Sign (2021).

Gráfico 10 – Iconicidade lexical da cor rosa

Fonte: Fischer (2021, p. 42).

220
LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

No mapa-múndi (Figura 27), os sinais referentes à bochecha


se concentram em países vizinhos da Europa. A motivação desses
sinais pode advir de contato linguístico. Mais estudos são necessá-
rios para confirmação dessa hipótese.

Figura 27 – Mapa linguístico da iconicidade lexical da cor rosa

Fonte: Fischer (2021, p. 43).

Cor cinza

A análise de sinais referentes à cor cinza abrangeu 36 sinais de


34 línguas. Estes foram categorizados em nativos, 9, e empréstimos
linguísticos, 11 (Gráfico 11a). Os sinais nativos foram subdivididos
com base na referência a que fazem: ‘céu nublado’, ‘pó’ e ‘pele’ (Fi-
gura 28). Dentre tais sinais, predominam os que fazem referência
ao céu nublado, 4, o qual é seguido pelas demais subcategorias,
‘pó’, 3 e ‘pele’, 2. Para 16 sinais a motivação não nos pareceu clara
(Gráfico 11b).

221
LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

Figura 28 – Subcategorias dos sinais para a cor cinza

Fonte: baseada no site Spread the Sign (2021).

Gráfico 11 – Iconicidade lexical da cor cinza

Fonte: Fischer (2021, p. 44).

Quanto à indicação no mapa-múndi (Figura 29), essas 3 sub-


categorias também estão presentes em países vizinhos, sugerindo
ter havido contato linguístico entre suas línguas de sinais. Porém,
como nos outros casos, aponta-se aqui a necessidade de mais es-
tudos para confirmar essa hipótese.

222
LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

Figura 29 – Mapa linguístico da iconicidade lexical da cor cinza

Fonte: Fischer (2021, p. 44).

A partir dessas análises, construímos o Gráfico 12, no qual


mostramos a incidência de sinais para cores nativos e formados
por empréstimo nas línguas da nossa amostra. Como se pode ver,
os sinais para a cor vermelha são os que mais se caracterizam
como icônicos de maneira universal, enquanto os da cor azul são
os que mais se apresentam como formados a partir de emprésti-
mos linguísticos.

223
LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

Gráfico 12 – Incidência de sinais nativos e formados por empréstimos para cores


nas línguas da amostra por cor

Fonte: Fischer (2021, p. 45).

Com base nesses resultados, construímos o Quadro 2, que


identifica, para cada língua analisada, quais cores são expressas por
meio de sinais nativos ou resultantes de empréstimos linguísticos.
O objetivo do quadro foi facilitar a comparação entre essas línguas
e a Libras.

224
LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

Quadro 2 – Incidência de sinais nativos e formados por empréstimos para cores


nas línguas da amostra por língua

Fonte: Fischer (2021, p. 46).

225
LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

Dado que há variação regional nos sinais para cores na Libras,


para compará-la às línguas listadas no Quadro 2, escolhemos como
referência a cidade de Curitiba, onde são utilizados os sinais apre-
sentados na Figura 30. Como se pode ver no Quadro 3, na região
escolhida, são usados sinais nativos para expressar desde a cor preta
até a cor azul, além das cores laranja e rosa. Para as cores marrom,
roxa e cinza são empregados sinais resultantes de empréstimo
linguístico do português.

Figura 30 – Sinais para cores usados na cidade de Curitiba

Fonte: Fischer (2021).

Quadro 3 – Resultados, acerca da iconicidade lexical com cores na cidade de


Curitiba

Fonte: Fischer (2021, p. 47).

Sendo assim, em comparação às línguas analisadas, percebe-


-se que em relação à expressão de cor a Libras usada na cidade de
Curitiba não se assemelha tipologicamente às línguas de sinais
apresentadas no modelo de Woodward (1989).

226
LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

Considerações finais

O presente trabalho investigou a iconicidade lexical presen-


te em sinais que designam cores em diferentes línguas de sinais.
Assim como Klima e Bellugi (1979), os resultados reforçam que as
línguas de sinais não são universais, como incorretamente algumas
pessoas ainda pensam. Como mostramos, mesmo que sinais para
uma mesma cor sejam considerados icônicos em diferentes línguas,
eles não são idênticos entre si.
A coincidência nas formas e na motivação entre línguas de
sinais diferentes não pôde ser explorada aqui, mas hipotetizo que
ela decorra do contato linguístico entre línguas usadas em regiões
geograficamente próximas ou historicamente relacionadas. Con-
sidero ainda a existência de outras motivações. Como mostramos
em relação à cor vermelha, dos 36 sinais analisados, 27 remetem
a essa cor por meio do apontamento aos lábios. Essa coincidência
deve ser fruto não necessariamente do contato linguístico, mas do
fato de esse mesmo recurso para a referência à cor vermelha estar
disponível para surdos, independentemente de sua origem e cultura.
Apesar disso, como mostramos, nem todos os sinais aparen-
temente icônicos são transparentes, tanto que criamos a categoria
‘dúvidas’ para incluir os sinais cuja motivação não nos pareceu clara.
Conforme apontamos, a análise desses casos requer mais informa-
ções históricas – origem e/ou transformação do sinal ao longo do
tempo –, sociais e culturais, que provavelmente motivaram estes
termos sinalizados.
Por fim, com os resultados obtidos, observamos também que
as cores mais básicas – preto, branco, vermelho – são majoritaria-
mente expressas por meio de sinais nativos em oposição a cores
menos básicas como roxo e rosa, expressas em sua maioria por
sinais resultantes de empréstimos linguísticos. Esse achado reforça

227
LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

a generalização feita por Woodward (1989). Além disso, observa-


mos que a Libras usada na cidade de Curitiba, especificamente em
relação aos termos para cores, não se assemelha tipologicamente
às línguas de sinais apresentadas no modelo de Woodward (1989).

Referências

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WOLL, B. (orgs.). Sign language: An international handbook. Berlin: Mouton de
Gruyter, 2012. p. 841–861.
BERLIN, B.; KAY, P. Basic Color Terms: Their Universality and Evolution.
Berkeley and Los Angeles: University of California Press, 1969.
BRITO, L. F. Por uma gramática de línguas de sinais. Rio de Janeiro: TB - Edições
Tempo Brasileiro, 2010.
FISCHER, K. Estudo translinguístico da iconocidade lexical por meio da análise
de sinais que designam cores. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação
em Letras-Libras) – Setor de Ciências Humanas, Letras e Artes, Universidade
Federal do Paraná, Curitiba, 2021. Disponível em: https://acervodigital.ufpr.br/
handle/1884/74673?show=full. Acesso em: 16 dez. 2022.
KLIMA, E. S.; BELLUGI, U. The Signs of Language. Cambridge: Harvard
University Press, 1979.
SPREAD THE SIGN. Dicionário de Língua de Sinais. Disponível em: https://www.
spreadthesign.com/pt.br/search/. Acesso em: 21 ago. 2022.
TAUB, S. F. Language from The Body: Iconicity and Metaphor in American
Sign Language. Cambridge, UK: Cambridge University Press, 2004.
WITKOWSKI, S. R.; BROWN, C. H. An explanation of color nomenclature
universale. American Anthropologist, v. 79, n. 1, 1977. p. 50-57.
WOODWARD, J. Basic Color Term Lexicalization across Sign Languages. Sign
Language Studies, v. 63, 1989. p. 145–152.

228
LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

CODE-SWITCHING ENTRE A LIBRAS E A LÍNGUA DE


SINAIS VENEZUELANA (LSV): UMA ANÁLISE TIPOLÓGICA

Rodrigo Mesquita
Universidade Federal de Jataí (UFJ)
Programa de Pós-graduação em Letras (PPGL - UFRR)

Alessandra Cruz
Universidade Federal de Roraima (UFRR)

Introdução

Uma das características marcantes do povo brasileiro é a


diversidade sociocultural, facilmente perceptível nas diferentes
regiões do país. De sul a norte, é possível identificar diferenças e
semelhanças observáveis em cada grupo social e entre eles, além
das gritantes desigualdades socioeconômicas. Se assumirmos que
os significados – tal como preconiza a pragmática, a sociolinguís-
tica e as correntes interacionistas dos estudos da linguagem – não
são exclusivos ao sistema linguístico, mas também constituídos
nas estruturas culturais, nas interações sociais, no aqui e agora de
cada ato de fala, assumimos igualmente a descomunal diversidade
linguística em território nacional.
São constitutivos dessa diversidade os contrastes dialetais e a
confluência de línguas, sejam elas nacionais ou de grupos de imi-
grantes. Em alguns contextos, o contato entre línguas e variedades
é ainda mais evidente, tal como é o caso das regiões de fronteira,

229
LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

contexto contemplado neste capítulo. Roraima forma a tríplice


fronteira: Brasil, Venezuela e Guiana, e sua população é formada
pela diversidade linguística e sociocultural de migrantes brasilei-
ros, de nordestinos à sulistas, pelas culturas e línguas indígenas,
assim como pelas culturas e línguas de imigrantes, especialmente
venezuelanos.
Com tantas diferenças fixando moradia em Roraima, as línguas
orais (além do português, mais de uma dezena de línguas indígenas
e as línguas de imigrantes, como espanhol e inglês, por exemplo) e
sinalizadas são constitutivas do complexo contexto sociolinguístico
do estado. As fronteiras presentes neste contexto transcendem as
marcações territoriais, pois são fronteiras menos visíveis. Neste
trabalho, procuramos dar mais visibilidade a um de seus aspectos,
ou mais em específico, em relação ao contato entre línguas de sinais.
Diante do contexto fronteiriço, mais especificamente na capi-
tal do estado de Roraima, Boa Vista, lançamos nosso olhar para o
contato linguístico entre duas línguas de sinais: a Língua de Sinais
Brasileira – Libras e a Língua de Sinais Venezuelana – LSV. Em
específico, focalizamos um dos fenômenos do contato linguístico,
o code-switching1 (doravante, CS), que envolve a alternância entre
línguas por indivíduos bilíngues (ou plurilíngues) em um mesmo
evento de fala ou situação comunicativa.
A questão central que este estudo persegue é: quais são as
características tipológicas do code-switching envolvendo a Libras e
a LSV no discurso bilíngue de surdos venezuelanos residentes em
Boa Vista, Roraima? Argumentamos que o melhor entendimento de
características linguísticas da comunicação bilíngue de imigrantes
surdos venezuelanos contribui para os estudos do contato linguís-

1 Os termos code-switching (e sua abreviatura - CS) e alternância entre línguas possuem o


mesmo sentido neste artigo. O termo em inglês é utilizado por coadunar com o modelo tipo-
lógico adotado para a análise de dados e por ser amplamente utilizado na literatura nacional
e internacional sobre o tema.

230
LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

tico em contexto fronteiriço e pode oferecer, ainda que indireta-


mente, subsídios para a inclusão desses sujeitos, especialmente em
ambientes educacionais.
O code-switching, como preconizou Gumperz (1982), para
além dos níveis sentenciais, é um índice de monitoramento para
significados sociais que são constituídos discursivamente e pode,
como procuraram mostrar Cruz (2019) e Mesquita e Cruz (2020),
indexar estratégias discursivas de surdos venezuelanos para supri-
rem propósitos comunicativos e sociais, ampliarem a competência
comunicativa e para obterem melhores condições de vida.
O trabalho de Cruz (2019) se deu no eixo teórico da sociolin-
guística interacional, valendo-se especialmente dos pressupostos
teóricos de Gumperz (1982) para análise das funções socioprag-
máticas do CS envolvendo a Libras e a LSV. Nesse capítulo, nos
valeremos da proposta de Dabène e Moore (1995) para classificação
tipológica do CS, com intuito de revisitar e ampliar uma classificação
preliminar realizada por Cruz (2019).
O método etnográfico guiou a coleta de dados de CS envolvendo
as duas línguas de sinais e foram utilizados ainda os procedimentos
teórico-metodológicos da Etnografia da Comunicação de Hymes
(1972) para a delimitação da comunidade de fala pesquisada. O
trabalho faz uma revisita aos dados de code-switching coletados por
Cruz (2019) para uma classificação tipológica mais detalhada, espe-
cialmente em relação ao chamado code-switching clássico (MYERS-
-SCOTTON, 1993 apud MESQUITA, 2015) ou intrassentencial, que
ocorre quando há elementos de duas (ou mais) línguas dentro de
uma mesma sentença. O presente estudo é, portanto, de natureza
predominantemente descritiva e se dá no âmbito do contato entre
línguas.
Para que os propósitos deste capítulo sejam alcançados, apre-
sentamos incialmente o referencial teórico e procedimentos me-

231
LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

todológicos adotados, para então analisarmos tipologicamente os


dados de code-switching Libras-LSV. Finalmente, oferecemos uma
interpretação dos dados em relação ao contexto e os propósitos
do estudo, discutimos as limitações das análises e apontamentos
dentro do nosso escopo, além das pretensas contribuições para as
teorias do contato, para a educação de surdos e para a comunidade
de imigrantes surdos.

Referencial teórico

Os estudos no campo do bilinguismo que envolvem línguas de


sinais (LSs), mais comumente, situam-se no campo mais específico
do bilinguismo bimodal – envolvendo uma LS e uma língua oral
(ARAÚJO; BENTES, 2017; DUARTE; MESQUITA, 2016; MACHADO,
2016, entre outros). Este trabalho trata do bilinguismo unimodal,
ou seja, que envolve o contato entre línguas de mesma modalidade,
por se tratarem justamente de duas línguas de sinais (LSs).
Além disso, tratamos de um par de línguas tipologicamente
semelhantes. A Libras e a LSV, como se sabe, têm raízes na antiga
língua de sinais francesa (LSF) e carregam similaridades típicas das
relações de parentesco entre línguas, no entanto, ainda muito pouco
estudadas. Araújo e Bentes (2020) consideram o nível de descrição
das LSs originais e nativas no Brasil ainda incipiente e trazem a
fala de Adam (2012, apud ARAÚJO; BENTES, 2020) para reforçar o
argumento de que há pouca atenção às LSs em contexto de fronteira:

até o momento, apenas poucos estudos têm focalizado


sobre o contato entre duas línguas de sinais. Isso
se deve pelo fato de que para investigar o contato en-
tre duas línguas de sinais, uma descrição detalhada de
cada língua de sinais é necessária, isto é, uma descrição
individual de suas estruturas fonéticas, fonológicas,
morfológica e sintática como também até que ponto

232
LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

essas estruturas diferem entre as duas línguas (ADAM,


2012 apud ARAÚJO; BENTES, 2020, p. 131).

A região fronteiriça de Roraima lida com uma situação de


migração intensa na última década.2 Assim, aponta-se para um
contexto envolvendo uma população que ainda não se estabeleceu
socialmente ou se estabeleceu mais recentemente numa relação
de contato com outra população da região alvo. Do ponto de vista
do comportamento linguístico dessa população, Dabène e Moore
(1995) – que também realizaram pesquisa em contextos envolvendo
grupos de imigrantes ou pós-imigrantes –, afirmam que se difere do
comportamento de comunidades bilíngues em situação de contato
já estabelecidas há muito tempo. Para exemplificar essas últimas
situações, as autoras citam casos na Europa e também os casos
das línguas indígenas que convivem em situação de assimetria
com línguas circundantes.3 Já quanto às situações de contato mais
recentes, especialmente envolvendo migração ou pós-
-migração, Dabène e Moore (1995, p. 17, tradução nossa) afir-
mam que “apesar de algumas pesquisas impressionantes, ainda
se sabe pouco sobre o desenvolvimento do bilinguismo e padrões
específicos de fala neste último contexto”.
Entre os fenômenos mais estudados do bilinguismo – seja uni
ou bimodal; em contexto de contato recente ou mais antigo – estão
os empréstimos e o code-switching (doravante, CS). Para este último,
assim como fizeram Dabène e Moore (1995) e Cruz (2019) – e por
uma questão de coerência teórica –, seguimos a definição de Gum-
2 Para mais detalhes relacionados ao contexto fronteiriço Brasil-Venezuela e os possíveis im-
pactos sobre o contato linguístico, veja Cruz (2019) e Mesquita e Cruz (2020).
3 Esse é o caso, por exemplo, do povo indígena Akwe Xerente, no estado do Tocantins. Após
a situação de contato há mais de dois séculos, o povo convive com duas línguas (Xerente e
português) e delas fazem uso nas suas atividades cotidianas. Mesquita (2015) mostrou que o
uso do code-switching é uma estratégia comunicativa bastante comum, especialmente entre
os mais jovens e mais escolarizados, que está relacionada com a situação de bilinguismo alto
dos Akwe e que também é um índice para monitorar a situação de diglossia envolvendo as
relações entre as línguas e dos Akwe Xerente com a sociedade não indígena circundante.

233
LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

perz (1982, p. 59, tradução nossa), para quem o CS é a “justaposição,


dentro de uma mesma situação comunicativa, de passagens de fala
pertencentes a diferentes sistemas ou subsistemas gramaticais”.
O CS e os empréstimos podem estar, inclusive, relacionados ou
mesmo serem confundidos, por não possuírem distinções bem claras
(BULLOCK; TORIBIO, 2009). Isso se dá, porque, em ambos os casos,
pode haver um entrecruzamento entre línguas ou mesmo transfe-
rência de material de uma língua para a outra. Um determinado item
lexical da L2 pode ser, por exemplo, utilizado isoladamente como
CS na L1 e pode, com o passar do tempo, ser incorporado como item
lexical da L1 (com ou sem alguma adaptação morfofonológica) pela
comunidade de fala, o que caracteriza o empréstimo.
No entanto, ambos os fenômenos ocorrem de formas diversi-
ficadas e os pontos de coincidência são mais evidentes em alguns
tipos específicos, por exemplo, entre o empréstimo e o CS intrassen-
tencial unitário. Os estudos de natureza tipológica dos fenômenos
de contato, além de contribuírem para a descrição das línguas e do
contato entre elas em contextos sociolinguísticos diversos, podem
refinar as teorias do contato linguístico, tornando menos tênues as
fronteiras entre fenômenos distintos.
Cruz (2019) analisou tipologicamente seu banco de dados de
CS entre Libras e LSV, identificando, a princípio, dois tipos de CS:
intersentencial e intrassentencial. A diferença básica entre esses
dois tipos está no grau de interação entre as gramáticas das línguas.
No CS intersentencial, as línguas são alternadas entre sen-
tenças completas em cada uma delas, de forma que não há contato
entre os sistemas linguísticos, conforme exemplo 1:

234
LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

(1) Code-switching Libras-LSV (CRUZ, 2019, p. 135)


SIM, MÃE 2sENVIAR VÍDEO WHATSAPP, 2sFALAR: “ELES SAU-
DADES, ESTAR MAGROS”.4
“Sim, minha mãe envia vídeos pelo WhatsApp, ela falou: ‘eles têm
saudades e estão magrinhos’.”

No exemplo 1, a primeira sentença é realizada em Libras.


Quando a falante cita a fala da mãe em um aplicativo de mensagens,
alterna para a LSV. Em cada sentença, é preservada a estrutura
gramatical de suas respectivas línguas.
O contato entre as gramáticas das línguas somente ocorre,
de forma mais evidente, no CS intrassentencial. Conforme Myers-
-Scotton (2006 apud MESQUITA, 2015, p. 87, esse tipo – também
referido pela autora como CS clássico – ocorre quando “elementos de
duas ou mais línguas/variedades (language varieties) se encontram
na mesma cláusula”. A autora alerta para o fato de que “apenas uma
dessas línguas/variedades fornece a estrutura morfossintática para
a cláusula” (MYERS-SCOTTON, 2006 apud MESQUITA, 2015, p. 87),
cimentando assim o pressuposto teórico de que, sempre que há
contato entre línguas, essa relação é assimétrica, de forma que uma
língua estabelece a estrutura morfossintática e outra é encaixada
nessa estrutura, como no exemplo 2:

(2) Code-switching Libras-LSV (CRUZ, 2019, p. 136)


M-Y-H-A FALAR L-Y-S VIR CANTAR ANIVERSÁRIO AGORA
‘Myha, fale para Lys que venha aqui, [porque] agora vamos cantar
parabéns’.

No exemplo acima, o item lexical “aniversário” é encaixado no


interior da sentença que tem com língua predominante a Libras e
4 Conforme sistema de glosas adotado pela autora (CRUZ, 2019), as marcações em negrito
dizem respeito ao uso da LSV. Os trechos sem marcação correspondem ao uso da Libras. A
marcação em itálico serve para destacar um ou mais elementos no exemplo, de forma a apoiar
a análise dos dados – como no exemplo 2, adiante. Ambas as línguas estão representadas em
caixa alta para seguir à convenção adotada para a transcrição de línguas de sinais.

235
LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

representa um dos tipos mais comuns de code-switching: o que en-


volve a inserção de um item lexical unitário de natureza nominal.
Cruz (2019), por ter como foco principal observar as motivações
sociopragmáticas do CS, fez uma descrição suscinta das característi-
cas tipológicas dos dados disponíveis. No estudo, a autora se limitou
a demonstrar exemplos de CS intersentencial e intrassentencial. Os
modelos de classificação tipológica do CS, a depender de seus obje-
tivos, podem ser mais ou menos abrangentes. O CS intrassentencial,
por sua natureza, pode ocorrer de forma muito diversificada. Dabène
e Moore (1995) propõem uma classificação mais ampla, entre três
tipos que inclui, além dos dois tipos já exemplificados, o CS “entre
enunciados”. Em nosso entendimento, esse tipo se assemelha ao
tipo intersentencial, com a diferença de que as alternâncias são mais
espaçadas. Dabène e Moore (1995) propõem o seguinte esquema
de classificações tipológica (também utilizado – e traduzido – por
MOZZILLO, 2009), que adotamos por ser bastante abrangente e por
diversificar uma subclassificação do CS intrassentencial:

Figura 1 – Tipologia de code-switching

Fonte: Mozzillo (2009, p. 188).

236
LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

A opção pelo modelo de Dabène e Moore (1995) para análise


dos nossos dados também se justifica por contemplar dados cole-
tados em contexto de imigração ou pós-imigração (ainda que no
continente europeu, com suas características particulares e que
contemplem línguas orais), o que também é característico do con-
texto contemplado no presente estudo.
Em tal classificação tipológica, o CS intrassentencial que se dá
dentro de atos de fala deve ser distinto entre segmental e unitário.
O primeiro tipo abarca ocorrências de CS em que segmentos de uma
sentença em uma língua X são encaixados na língua Y, enquanto no
segundo tipo – unitário –, itens simples são alternados isoladamen-
te. O CS unitário pode ocorrer, por sua vez, em inserções isoladas de
itens lexicais (nomes ou verbos), conectores pragmáticos, modifica-
dores, segmentos adverbiais ou exclamações fáticas, estas últimas
distintas por possuírem configurações sintáticas mais indepen-
dentes. Este será o modelo utilizado neste estudo para análise dos
dados, conforme procedimentos metodológicos descritos a seguir.

Metodologia

Os dados revisitados neste capítulo, como já mencionado, são


de Cruz (2019). Com o intuito de realizarmos uma análise tipoló-
gica mais ampla, submetemos os 31 exemplos de eventos de fala
com ocorrências de code-switching ao procedimento classificatório
proposto por Dabène e Moore (1995). A unidade de análise adotada
neste estudo é a sentença. Como alguns eventos transcritos por
Cruz (2019) possuem mais de uma ocorrência de CS, ao todo, 47
ocorrências compõem o corpus analisado.
Os dados foram obtidos por meio de pesquisa de base etno-
gráfica, para privilegiar situações de interação em ambiente o mais
natural possível. Para tanto, Cruz (2019) observou, de forma partici-

237
LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

pante, atividades de um núcleo familiar de venezuelanos que vivem


em Boa Vista, Roraima. Desse núcleo, participaram oito pessoas,
sendo quatro homens e quatro mulheres com faixa etária entre 20
e 36 anos. Todos os participantes são bilíngues (ou plurilíngues) e
dominam a Língua de Sinais Venezuelana (LSV) e a Libras. Possuem
a LSV ou o espanhol como primeira língua e adquiriram a Libras
em contato com surdos (ou mesmo ouvintes que dominam a Libras)
brasileiros. O domínio da Libras é diferente para os participantes,
de forma que alguns possuem mais fluência e outros ainda se con-
sideram como aprendizes. Todos viviam na mesma casa quando os
dados foram coletados. Os dados foram registrados na residência,
em espaços públicos e também em ambientes institucionais.
A Etnografia da Comunicação de Hymes (1972) forneceu o qua-
dro teórico-metodológico para delimitação da comunidade de fala
– definida por Cruz (2019) como sendo o grupo de imigrantes vene-
zuelanos surdos que viviam em Boa Vista. Conforme Hymes (1972),
uma comunidade de fala é formada por indivíduos que compartilham
regras de conduta e interpretação dos atos de fala. Esses atos, por
sua vez, constituem eventos de fala que, conforme o autor, são even-
tos mais ou menos recorrentes em uma comunidade de fala e que
são governados por normas socioculturalmente definidas (HYMES,
1972), de forma que atividades sociais, ocasiões específicas, rituais
e demais aspectos do contexto das interações sociais pudessem ser
recuperados e considerados nas análises. Mesquita e Cruz (2020)
resumiram assim os eventos de fala que constituíram a amostra de
dados – registrados com recurso audiovisual – de code-switching:

os eventos de fala, observados entre 2017 e 2019, in-


cluem: i) as interações cotidianas em contexto familiar;
ii) eventos +- públicos, ocorridos em ambiente familiar,
mas com presença de outras pessoas como, por exemplo,
festas de aniversário ou outras comemorações; e iii)
eventos em locais públicos, tais como bancos, hospitais

238
LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

ou demais agências de atendimento público [...] Em cada


um dos eventos de fala, além dos sujeitos da pesquisa,
estavam envolvidos interlocutores com diferente domí-
nio das línguas de sinais ou mesmo sem domínio das
línguas ou de uma delas. Além disso, em cada evento,
há diferentes relações hierárquicas entre os envolvidos
e propósitos igualmente distintos por parte dos cola-
boradores da pesquisa (MESQUITA; CRUZ, 2020, n. p.).

Os nomes dos participantes foram preservados e foram utiliza-


dos nomes fictícios por Cruz (2019). Neste capítulo, os nomes não
foram utilizados, por não considerarmos – a priori – as motivações
sociopragmáticas para a análise tipológica. O sistema de glosas foi
utilizado para transcrição dos dados, mantendo ambas as línguas
em caixa alta, como é costumeiro na literatura para representação
das línguas de sinais.
Assim como em Cruz (2019) e Mesquita e Cruz (2020), para
melhor identificação das línguas utilizadas, foi utilizada uma mar-
cação em negrito para representar sinais utilizados na LSV e sem
marcação para sinais em Libras. A marcação em itálico é utilizada
para destacar o item analisado em cada exemplo, caso haja mais de
uma inserção de CS na mesma sentença.

Análise de dados

Do total de 47 ocorrências de code-switching Libras-LSV re-


gistradas por Cruz (2019), 13 (27,66%) são de CS intersentencial,
o que equivale a pouco mais de um quarto das ocorrências. Todas
as demais são de CS intrassentencial, totalizando 34, ou 72,34%
delas. Na tabela abaixo é possível visualizar a distribuição de todas
as ocorrências de CS da amostra:

239
LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

Tabela 1 – Distribuição tipológica de CS

Tipos de CS Quant. Quant.


CS intersentencial 13 (27,66%)
Segmental 04 (08,51%)
item lexical 19 (40,43%)

conector
05 (10,64%)
pragmático

CS
segmento
intrassenten- - - 34 (72,34%)
unitário adverbial
cial

exclamação
04 (08,51%)
fática

modificador 02 (04,26%)

Total de CS 47 100%

Fonte: Cruz (2019)

A título de exemplificação, seguem algumas ocorrências do CS


intersentencial, ou seja, o tipo de alternância em que duas línguas
são utilizadas entre sentenças distintas:

(3) Code-switching Libras-LSV (CRUZ, 2019, p. 135)


OLÁ NOME A-N-N-E-L-Y. ME@ SINAL. NASCER VENEZUELA.
‘Olá, meu nome é Annely. Este [demonstrando] é o meu sinal. Eu
nasci na Venezuela.’

(4) Code-switching Libras-LSV (CRUZ, 2019, p. 137)


1sQUERER CARTÃO-SALÁRIO. 1sPRECISAR.
‘Eu quero o cartão-salário. Eu preciso!’

(5) Code-switching Libras-LSV (CRUZ, 2019, p. 117)


NÃO SURDOS. ELES 3pOUVIR. 2sPODER FALAR.
‘Eles não são surdos. Eles são ouvintes. Pode falar [risos] .’

240
LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

Dabène e Moore (1995) alertam para o fato de que, em deter-


minados corpora, é difícil estabelecer uma barreira sólida entre as
noções de intra e intersentencial. Citam, por exemplo, um “corpus
oral em que sentenças incompletas são predominantes” (DABÈNE;
MOORE, 1995, p. 32). Um corpus com tal natureza poderia dificultar
a delimitação de fronteiras entre sentenças, o que, por consequência,
dificultaria uma identificação tipológica do CS baseada na sentença
enquanto unidade de análise. As autoras, preferem, portanto, adotar
a noção de ato como unidade funcional, por ser uma noção que am-
para ainda a consideração de mudanças na orientação do discurso
como indício para identificar tipologicamente as alternâncias.
A partir do recorte de dados analisado neste estudo – que envol-
ve línguas de sinais em contato –, consideramos que a análise ainda
é prematura para fazer considerações relacionadas às características
das sentenças envolvendo o CS. Um estudo de natureza sintática
muito mais amplo seria necessário considerando, oportunamente,
outros conjuntos de dados semelhantes. Para os nossos propósitos,
a noção de sentença foi mantida, por permitir uma análise mais
adequada do corpus.
No interior da sentença, as inserções podem envolver apenas
um único item (que pode ser lexical ou um outro elemento grama-
tical) ou podem alternar segmentos de uma determinada língua A
no interior da sentença realizada com elementos da língua B. Como
demonstrado na Tabela 1, apenas 4 ocorrências (8,51%) deste úl-
timo tipo foram identificadas, das quais os exemplos (6) e (7) são
representativos:

(6) Code-switching Libras-LSV (CRUZ, 2019, p. 140)


AQUI RORAIMA TRABALHO 1sNÃO-QUERER.
‘Eu não quero (ficar) por trabalho aqui em Roraima.’

241
LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

(7) Code-switching Libras-LSV (CRUZ, 2019, p. 98)


2sFALAR L-Y-S VIR ANIVERSÁRIO AGORA!
‘Fale para Lys vir cantar parabéns agora.’

No exemplo (6), um segmento da LSV composto por um prono-


me pessoal, um advérbio de negação e o verbo querer é inserido no
interior da sentença iniciada em Libras. Em (7), cada extremidade
da sentença copular interrogativa é realizada com segmentos de
cada uma das línguas.
Muito mais comuns no corpus analisado são as ocorrências de
inserções unitárias. De acordo com a Tabela 1, totalizam 30 ocor-
rências – o equivalente a 63,83% de toda a amostra. As ocorrências
de CS com inserções de itens lexicais são as mais comuns (19 ocor-
rências ou 40,43%), como as demonstradas nos exemplos (8) a (11):

(8) Code-switching Libras-LSV (CRUZ, 2019, p. 137)


BANCO 1sESPERAR TEMPOmuito ENVIAR.
‘Estou esperando há muito tempo o banco enviar [o documento] .’

(9) Code-switching Libras-LSV (CRUZ, 2019, p. 139)


1pMUDAR COLÔMBIA, SÓ DIFÍCIL SOZINHA.
‘Mudamos para Colômbia, mas era difícil eu ficava sozinha lá.’

(10) Code-switching Libras-LSV (CRUZ, 2019, p. 107)


1pPRECISAR LIBRAS E PORTUGUÊS, 2sENTENDER?
‘Precisamos de Libras e português, entendeu?’

(11) Code-switching Libras-LSV (CRUZ, 2019, p. 100)


1sTER SAUDADEmuito MINHA FAMÍLIA, MEUS FILHOS DOIS.
‘Eu tenho muita saudade da minha família, dos meus dois filhos.’

As inserções de nomes (como nos exemplos 9 e 11) são as mais


comuns, o que é comum em corpus de CS (MESQUITA, 2015). Há
casos tanto de inserções unitárias da Libras em sentenças predo-

242
LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

minantemente em LSV (com no exemplo 8) quanto de inserções


unitárias da LSV em sentenças predominantemente realizadas em
Libras, como nos exemplos (9), (10) e (11). Estas últimas são mais
frequentes na amostra.
Dabène e Moore (1995) apontam duas configurações de inser-
ções unitárias possíveis (ver figura 1). O que as autoras chamam
“inserção 1” diz respeito ao CS em que “o elemento da L2 é tratado
sintaticamente como L1” (DABÈNE; MOORE, 1995, p. 33). Isso ocor-
re, conforme as autoras, além do CS lexical unitário (exemplos 8 a
11), como as inserções de conectores pragmáticos, modificadores e
segmentos adverbias. O CS envolvendo tais elementos gramaticais
representaram inserções mais raras, somando, respectivamente, 5
(10,64%), 2 (4,26%) e nenhuma ocorrência (0,00%).
As duas únicas ocorrências de modificadores inseridos como
CS intrassentencial unitário são as que aparecem nos exemplos (12)
e (13). Ambas são modificadores da LSV inseridos em sentenças
realizadas em Libras.

(12) Code-switching Libras-LSV (CRUZ, 2019, p. 107)


O-K, PORTUGUÊS DIFÍCIL.
‘Concordo, português é difícil.’

(13) Code-switching Libras-LSV (CRUZ, 2019, p. 137)


PORQUE SÓ BANCO ÚNICO RECEBER SALÁRIO?
‘Por que aqui há somente um único banco para eu receber o salário?’

Nenhum segmento adverbial foi identificado como inserção


de CS intrassentencial unitário no corpus analisado. Esse compor-
tamento coincide com o resultado de outras pesquisas que anali-
saram tipologicamente as ocorrências de CS. Mesquita (2015) cita
pelo menos três trabalhos importantes que tiveram constatações
nesse sentido: o de Myers-Scotton (1993, apud MESQUITA, 2015),

243
LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

realizado na África; o de Callahan (2004 apud MESQUITA, 2015),


com dados coletados nos Estados Unidos; e o de Richardson (2000,
apud MESQUITA, 2015), realizado no Brasil.
Ainda entre as inserções configuradas por Dabène e Moore
(1995) como “inserção 1” estão os conectores pragmáticos, que
funcionam como conectores do discurso, como os destacados (em
itálico) nos exemplos (14), (15) e (16):

(14) Code-switching Libras-LSV (CRUZ, 2019, p. 112)


SIM, VERDADE, ANTES GORD@muito.
‘Sim, é verdade, antes era muito gordo.’

(15) Code-switching Libras-LSV (CRUZ, 2019, p. 105)


M-A-R-Y-H-A 3sPRECISAR MÉDICO, 2sENTENDER?
‘Maryha precisa ir ao médico, entendeu?’

(16) Code-switching Libras-LSV (CRUZ, 2019, p. 107)


NÓS VENEZUELA ESPANHOL LSV, 2sENTENDER?
‘Nós somos da Venezuela e lá temos espanhol e LSV, entendeu?’

De acordo com Dabène e Moore (1995), a segunda configuração


do CS unitário, chamada pelas autoras de “inserção 2” (ver figura
1), é caracterizada pela inserção de algum elemento da L2 no enun-
ciado da L1 (como no primeiro tipo), mas sem que esse elemento
inserido assuma alguma função sintática predeterminada. De certa
forma, alguns conectores pragmáticos – como os dos exemplos (14)
a (16) parecem ter características semelhantes, podendo inclusive
ser interpretados como as exclamações fáticas, que constituem,
conforme Dabène e Moore (1995), o tipo de elemento prototípico
das “inserções 2”. As autoras apontam que “esses termos geralmente
cumprem uma função exclamativa” (DABÈNE; MOORE, 1995, p.
34). Outros marcadores prosódicos (como expressões não manu-
ais, por exemplo) necessitariam de análise mais adequada para

244
LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

distinguir com precisão o comportamento sintático das inserções,


classificando-as como do tipo 1 ou 2.
No entanto, em alguns exemplos é possível identificar com
mais clareza as exclamações fáticas, “inserções 2” que possuem
função exclamativa e são sintaticamente mais flutuantes. No corpus
analisado foram identificadas 4 ocorrências (8,51%) desse tipo, das
quais os exemplos (17) e (18) são representativos:

(17) Code-switching Libras-LSV (CRUZ, 2019, p. 140)


SOZINH@ BRASIL, EU FOME, FILHOS 3sCOMER NADA VENE-
ZUELA... CHEGA!
‘Eu vim sozinha para o Brasil, eu passei fome, meus filhos não
tinham comida na Venezuela (e) chega (dessa situação)!’

(18) Code-switching Libras-LSV (CRUZ, 2019, p. 131)


1sENTREGAR DOCUMENTO... 1sESPERAR, 1sESPERAR NADA.
‘Eu entreguei os documentos... esperei (!), esperei e nada (de
chegar).’

Conforme Dabène e Moore (1995), além de não corresponder a


alguma função linguística específica, tal tipo de CS não requer um
alto grau de competência linguística na língua na qual a inserção
é realizada e possui papel simbólico, por geralmente fornecer um
recurso para sujeitos ou grupos afirmarem sua identidade. Isso
não é o caso dos exemplos do nosso corpus, em que as inserções
em LSV vem justamente da L1 da comunidade de fala participante
da pesquisa.
Ademais, os dados de CS Libras-LVS apresentam um com-
portamento semelhante ao dos dados analisados por Dabène e
Moore (1995), que demonstram, por exemplo, como um grupo de
jovens argelinos que imigraram para Grenoble, na França, utilizam
inserções de exclamações fáticas do árabe em um discurso predo-
minantemente em francês para afirmarem sua identidade argelina.

245
LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

Nos exemplos (17) e (18), as inserções em LSV podem indicar algo


semelhante, o que também carece melhor investigação.

Considerações finais

O presente capítulo apresentou, conforme a proposta de um


estudo descritivo dos aspectos tipológicos do code-switching en-
volvendo Libras e LVS – duas línguas de sinais sul--americanas
–, um quadro representativo dos tipos de CS utilizados por uma
comunidade de surdos venezuelanos na condição de imigrantes (ou
pós-imigrantes) em Boa Vista, Roraima.
A análise dos dados, amparada no modelo tipológico proposto
por Dabène e Moore (1995), identificou uma gama de recursos lin-
guísticos – em um contexto de bilinguismo, de línguas em contato
– empregados pela comunidade de fala. Como Cruz (2019) já havia
feito, reiteramos a ocorrência dos dois tipos principais de CS: intra
e intersentencial. Para além disso, submetemos a amostra a uma
análise quantitativa, que apontou a predominância do primeiro tipo.
Também foi possível realizar uma análise mais detalhada do CS
intrassentencial, em que identificamos ocorrências de CS realiza-
das por meio de segmentos de uma língua inseridos nas sentenças
sintaticamente estruturadas da outra língua (o CS segmental) e
também de inserções unitárias de elementos de uma das línguas
nas sentenças predominantemente realizadas na outra língua. Este
último tipo (inserções unitárias) é largamente mais produtivo, com
especial destaque para as inserções lexicais, envolvendo nomes e
verbos.
Os outros tipos de inserções unitárias encontradas são modi-
ficadores, conectores pragmáticos e exclamações fáticas. A análise,
especialmente das duas últimas categorias, apontou a necessidade
de mais informações, em especial de elementos prosódicos e socio-

246
LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

pragmáticos, para uma melhor leitura do comportamento sintático


dos elementos inseridos em ocorrências de CS intrassentencial
unitário entre Libras e LSV.
O único tipo não encontrado no corpus foi o que consiste na
inserção de segmentos adverbiais, considerados tipos mais raros
também em outros contextos de bilinguismo com ocorrência de CS.
Outro dado a se destacar é que ocorrem tanto inserções da
Libras em sentenças em LSV quando o inverso. As duas formas são
igualmente produtivas. Algumas ocorrências, como as do tipo “in-
serção 2”, apontam para recursos utilizados em outros contextos
(tal como o pesquisado por DABÈNE; MOORE, 1995) e que estão
relacionados às atitudes linguísticas de afirmação identitária,
especialmente entre pessoas mais jovens. Se tais semelhanças se
confirmarem, poderíamos vislumbrar, para um futuro próximo, como
identificaram as autoras, um quadro de “bilinguismo residual do
ponto de vista linguístico e um bilinguismo simbólico do ponto de
vista sociolinguístico” (DABÈNE; MOORE, 1995, p. 38).
Reconhecemos as limitações do nosso corpus e acreditamos
que o assunto merece ser melhor investigado, assim como diversos
outros aspectos aqui identificados merecem ser melhor explorados,
inclusive em outros contextos.
A nossa contribuição ao estudar o contato entre o par linguís-
tico Libras-LSV, assim esperamos, vai ao encontro do que julgam
necessário Araújo e Bentes (2020, p. 133) ao chamarem a atenção
para o fato de que “a configuração da LSV como língua de fronteira
Brasil-Venezuela confirma a necessidade de documentação e des-
crição de LSs em contextos de fronteira decorrentes de processos
migratórios ou não”.
Esperamos igualmente contribuir para os estudos do contato
linguístico, em especial para o contato entre línguas de sinais e
também para o modelo tipológico que serviu de suporte para nossas

247
LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

análises. Ademais, esperamos, ainda que indiretamente, através do


estudo das características linguísticas dos fenômenos de contato em
contexto fronteiriço, poder oferecer subsídios educacionais para a
educação de surdos em contextos de bi- ou multilinguismo e para
a comunidade de imigrantes e/ou pós-imigrantes surdos que se es-
tabeleceram no estado de Roraima e que, gentilmente, colaboraram
para este trabalho.

Referências

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português na Língua Brasileira de Sinais-Libras. Revista LinguíStica, v.13, n. 3,
2017, 150 - 173.
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Brasil. Revista Humanidades e Inovação, v.7, n. 26, 2020, 125 – 135.
BULLOCK, B. E.; TORIBIO, A. J. Themes in the study of code-switching. In:
BULLOCK, B. E.; TORIBIO, A. J. (ed.). The Cambridge Handbook of Linguistic
Code-switching. UK and New York: Cambridge University Press, 2009, 01 - 17.
CRUZ, A. P. Contato entre línguas de sinais: um estudo sociolinguístico sobre o
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em Letras) – Centro de Comunicação, Letras e Artes Universidade Federal de
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DABÈNE, L.; MOORE, D. Bilingual speech of migrant people. In: MILROY, L.;
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DUARTE, L. R.; MESQUITA, R. Considerações acerca do codeblending ou
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n. 1, v. 1, 2016.
GUMPERZ, J. J. (ed.). Discourse strategies. Cambridge, UK: Cambridge University
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HYMES, D. Toward ethnographies of communication: the analysis of communicative
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MACHADO, R. N. Empréstimos linguísticos na Libras: primeira turma do Curso de
Letras-Libras da UFSC. Dissertação (Mestrado em Linguística) - Centro de Comunicação
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248
LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

MESQUITA, R. Code-switching em Akwẽ-Xerente/Português. Tese (Doutorado


em Letras e Linguística) – Faculdade de Letras, Universidade Federal de Goiás,
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MESQUITA, R.; CRUZ, A. Codeswitching entre línguas de sinais e as escolhas
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MOZZILLO, I.. O code-switching: fenômeno inerente ao falante bilíngue. PAPIA,
v. 19, 2009, 185 – 200.

249
LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

O SISTEMA DE POSSE E O APAGAMENTO DO


AGENTE NA LIBRAS

José Ishac Brandão El Khouri


Universidade Federal do Tocantins (UFT)

Introdução

Neste capítulo apresentamos uma estrutura gramatical na


Libras que, a partir do uso do pronome possessivo (configuração
de mão em P) atrelado a um sintagma verbal, promove o efeito
semântico de apagamento do agente. A identificação dessa estru-
tura aconteceu durante uma pesquisa descritiva sobre o sistema de
posse na Libras. Durante a análise, vimos que em alguns dos dados,
o pronome possessivo que, prototipicamente, vincula uma entidade
possuída a uma entidade possuidora, promovia esse apagamento.
Nessas situações, o “possessivo” não estabelecia posse, o que cha-
mou minha atenção para o fenômeno que ora descrevemos.
A princípio, intitulamos esse fenômeno de apagamento do
agente. O efeito semântico dessas construções parece ser seme-
lhante às construções ergativas no português brasileiro, descrito por
Perini (2008). Na oração o tanque encheu, por exemplo, contrapondo
com a oração o frentista encheu o tanque, vemos que o paciente do
evento assume o papel gramatical de sujeito da oração, promovendo,
assim, um apagamento do agente. Na Libras, um efeito semântico
semelhante acontece a partir do uso do “pronome possessivo”,

250
LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

mas que, neste contexto, apresenta características articulatórias e


sintáticas específicas.
O capítulo está dividido em três seções. Na primeira seção,
apresentamos algumas estratégias de manifestação de posse atribu-
tiva na Libras a partir de pronomes possessivos (EL KHOURI, 2020;
EL KHOURI; CARNEIRO; BORGES, 2021). Em seguida, apresentamos
as construções ergativas no português brasileiro (PERINI, 2008), e,
por fim, as construções em que há apagamento do agente na Libras,
a partir do uso de “pronome possessivo” (EL KHOURI, 2020).

Posse atributiva na Libras

A posse é um domínio complexo que está presente em todas as


línguas do mundo. Mas, apesar dessa universalidade, o termo ‘posse’
envolve uma gama de fenômenos linguísticos distintos, diferindo
em sua forma e função. De acordo com Baldi e Nuti (2010), Herslund
e Baron (2001) e Seiler (2001), a posse pode ser definida como um
domínio biocultural oriundo da relação entre um ser humano e
seus parentes, partes do seu corpo, seus pertences materiais, seus
produtos culturais e intelectuais. Dessa forma, a posse envolve uma
relação entre, pelo menos, dois itens linguísticos: uma entidade
possuidora e uma entidade possuída. A atribuição desses papéis,
possuidor e possuído, é exclusiva e envolve uma relação interes-
sante, pois não há possuidor sem possuído e não há possuído sem
possuidor.
De acordo com Quer et al. (2017), em línguas de sinais estudadas
até o momento foram observadas três estratégias de construção da
posse atributiva: pronomes possessivos, marcadores vinculados à
posse e justaposição.
A relação de posse a partir dos pronomes possessivos utiliza a
dêixis para apontar os referentes como possuído e indicar o possui-

251
LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

dor. Em geral, os pronomes possessivos são sinais direcionais assim


como pronomes pessoais, mas geralmente têm uma forma de mão
que difere da forma de apontamento (configuração de mão com dedo
indicador estendido). Quanto à posição, os pronomes possessivos
podem estar prepostos ou pospostos ao referente possuído e podem
ser articulados de maneira reduplicada.
O marcador vinculado à posse diz respeito a sinais que estabe-
lecem a relação de possessividade entre o possuidor e o possuidor.
Em algumas línguas de sinais, esses marcadores possessivos podem
ser articulados entre o possuidor e o possuído, bem como posposto
ao possuidor. Por fim, a justaposição é considerada uma estratégia
primária, pois não envolve nenhuma marcação morfossintática
adicional para expressar a relação entre possuidor e possuído. Ainda
segundo Quer et al. (2017), a justaposição também envolve o uso
produtivo do espaço de sinalização, em que há a articulação de um
referente possuído num mesmo local em que, previamente, havia
sido articulado um referente possuidor, numa espécie de empilha-
mento, promovendo a ideia de possessividade entre o possuidor e
o possuído.
Em relação à Libras, El Khouri (2020) descreve a posse atributiva
a partir do uso de pronomes possesivos, do uso do sinal PRÓPRIO e
da justaposição, e descreve tais estratégias a partir de uma perspec-
tiva articulatória e sintática. Para atender a proposta deste capítulo
em descrever o apagamento do agente a partir do uso de “pronomes
possesivos”, apresentamos a posse atributiva pronominal na Libras.
Berenz (1996) estabelece que há pronomes possessivos para as
três pessoas do discurso na Libras, sendo três pronomes distintos
para a primeira pessoa (configuração de mão em B, em P e em IX), e
dois pronomes distintos para a segunda e terceira pessoas. (configu-
ração de mão em P e em IX). A glosa IX corresponde à configuração
de mão com dedo indicador estendido. O dado (1), a seguir, ilustra

252
LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

o pronome possessivo com a configuração de mão em B, que existe


apenas para a primeira pessoa do singular. O pronome foi articulado
com repetição de movimento e preposto ao referente possuído.

(1)

POSS1++ (B) C-O-N-T-A B-B

Tradução: Minha conta do Banco do Brasil.


Fonte: El Khouri (2020, p. 49).

O dado (2), a seguir, ilustra o uso do pronome possessivo


duplicado. Sugerimos que acontece uma assimilação do número
de mãos no sinal POSS1, porque o pronome está preposto ao sinal
ANIVERSÁRIO, que é bimanual e foi articulado no mesmo ponto
de articulação. De acordo com Xavier (2014),

Liddell e Johnson (1989) documentam que na ASL si-


nais tipicamente articulados com uma mão podem ser
feitos com duas (ou vice-versa) por sofrerem, segundo
eles, assimilação do número de mãos do sinal que o
antecede e/ou o segue. O mesmo processo é documen-
tado na Auslan, no entanto é descrito por Johnston
e Schembri (1999) como resultante de coarticulação
(XAVIER, 2014, p. 118, grifo do autor).

253
LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

(2)

POSS1 (B) ANIVERSÁRIO

Tradução: Meu aniversário.


Fonte: El Khouri (2020, p. 50).

Os dados (3) e (4), a seguir, também se referem ao uso do pro-


nome possessivo com a configuração de mão em B, realizados por
um mesmo participante. Os pronomes foram articulados, nos dois
casos, pospostos ao referente possuído e com repetição. No primeiro
caso, sugerimos a possibilidade de assimilação de configuração de
mão, pois o referente possuído e o pronome possessivo apresentam
a mesma configuração de mão. A posposição do pronome em alguns
dados pode sugerir uma construção predicativa. Neste caso, o pro-
nome atuaria como um predicador, que implica na concepção de que
o referente possuído (comida) é um argumento do modificador MEU
(ser/estar meu) e, por isso, uma possível tradução seria o almoço é
meu. Essa é uma discussão que foge do escopo desse capítulo.

254
LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

(3)

COMER POSS1 ++ (B)

Tradução: Meu almoço (o almoço é meu).


Fonte: El Khouri (2020, p. 50).

(4)

IX (mão direita) POSS1 ++ (B)


TELEFONE (mão esquerda) TELEFONE (mão esquerda)

Tradução: Meu celular (o celular é meu).


Fonte: El Khouri (2020, p. 51).

255
LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

Em El Khouri (2020), o pronome possessivo com a configuração


de mão em B apresentou variação no que se refere à repetição e à
sua posição em relação ao referente possuído. Houve também o
fenômeno de assimilação, que pode ter influenciado a duplicação
das mãos, durante a articulação do pronome e a própria configu-
ração de mão em B.
A construção de posse na Libras através de pronomes posses-
sivos com a configuração de mão em P apresenta uma frequência
e uma distribuição mais amplas. Nos dados do corpus, o pronome
possessivo com a configuração de mão em P manifestou--se em
primeira pessoa do singular, em segunda pessoa do singular, em
terceira pessoa do singular e em segunda pessoa do plural. Os dados,
a seguir, ilustram o uso do pronome possessivo com a configuração
em P, fazendo referência à primeira pessoa do singular. Em (5), a
sentença ilustra a manifestação do pronome posposto ao referente
possuído e com repetição.

(5)

HORA POSS1 ++ (P)

Tradução: Meu relógio (o relógio é meu).


Fonte: El Khouri (2020, p. 54).

256
LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

Em (6) e (7), a seguir, há o uso do pronome possessivo com a


configuração em P, fazendo referência à primeira pessoa do singular,
de maneira duplicada, provavelmente por um processo de assimilação.
Nas duas sentenças, os pronomes são seguidos por sinais bimanuais.
Os pronomes possessivos também são articulados de maneira repetida.

(6)

COISAS POSS1 ++ (P)

Tradução: Minhas coisas (As coisas são minhas).


Fonte: El Khouri (2020, p. 54).

(7)

TUDO POSS1 ++(P)

Tradução: Tudo é meu.


Fonte: El Khouri (2020, p. 55).

257
LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

Em (8), o pronome possessivo com a configuração em P faz


referência à segunda pessoa e é articulado posposto ao referente
possuído e sem repetição. Na sentença, o pronome é direcionado
ao interlocutor (vídeo).

(8)

SABER POSS2 (P) VONTADE POSS2 (P)

Tradução: Você quem sabe; sua vontade.


Fonte: El Khouri (2020, p. 55).

Em (9), a seguir, o pronome possessivo com a configuração de


mão em P faz referência à terceira pessoa do singular. O pronome
é articulado sem repetição e posposto ao referente possuído.

(9)

DOIS MOTO IX (DEM) CASA

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LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

MOTO AZUL POSS3 (P) PRETO POSS1 (IX)

Tradução: Há duas motos em casa.


A moto azul é dela e a preta é minha.
Fonte: El Khouri (2020, p. 56).

Nos dados, quando o pronome possessivo com a configuração


de mão em P manifesta-se em referência à segunda pessoa do plural,
há reduplicação. Neste caso, o pronome é articulado mais de uma
vez, sem repetição de movimento e com deslocamento, em dife-
rentes locais no espaço de sinalização. Nos dados de nosso corpus,
não há manifestação do pronome possessivo com a configuração
de mão em P fazendo referência à primeira pessoa do plural e à
terceira pessoa do plural.
Em (10), o uso do pronome possessivo com a configuração
de mão em P faz referência à segunda pessoa do plural, através
da reduplicação do pronome, sem repetição de movimento e com
deslocamento no espaço de sinalização.

259
LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

(10)

AUTONOMIA POSS2 (P) POSS2 (P) LEVAR COMIDA

Tradução: Responsabilidade de vocês levar a comida.


Fonte: El Khouri (2020, p. 57).

Em (11), há uma construção de posse com a configuração de


mão em IX. No dado, o pronome faz referência à primeira pessoa
do singular, mas sugerimos que esta configuração seja oriunda de
um processo de assimilação, que parece ter sido influenciado pela
configuração de mão do sinal anterior, o sinal CHURRASCO.

(11)

CHURRASCO POSS1 (IX) PRÉDIO

Tradução: Churrasco no meu prédio.


Fonte: El Khouri (2020, p. 63).

260
LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

De acordo com El Khouri (2020), os pronomes possessivos pos-


suem um comportamento direcional, assim como os sinais de apon-
tamento e os verbos de indicação (LIDDELL, 2003). O comportamento
direcional dos pronomes possessivos indica o referente possuidor. O
pronome possessivo com a configuração de mão em B indica o possui-
dor através da orientação da palma. Como esta forma está relacionada
apenas à primeira pessoa, a palma da mão está voltada ao sinalizante
e a região do tórax. O pronome possessivo com a configuração de mão
em P indica o possuidor através de uma rotação de punho, no sentido
de medial para lateral, de maneira que o dedo médio da configuração
de mão em P indica o possuidor. Essa estratégia refere-se ao possuidor
de não primeira pessoa. No caso do possuidor ser primeira pessoa, a
ponta do dedo indicador da configuração de mão em P toca a região de
tórax do sinalizante. Por fim, o pronome possessivo com a configuração
de mão em IX indica o possuidor através da direção da ponta do(s)
dedo(s), semelhante aos pronomes pessoais.
O pronome possessivo em Libras parece ter um padrão de
articulação monomanual. As três ocorrências de padrão bima-
nual, em El Khouri (2020), foram provenientes de assimilação. A
duplicação das mãos na Libras pode estar relacionada ao plural de
argumentos, plural de eventos e intensidade (SANCHEZ-MENDES;
SEGALA; XAVIER, 2017; SANCHEZ-MENDES; XAVIER, 2016).
Por isso, ressaltamos a necessidade de se verificar se o efeito da
duplicação de mãos está relacionado à intensidade de posse ou
apenas à variação articulatória sem consequências no significado.
Em relação ao apagamento do agente na Libras, ele acontece a
partir do uso do pronome possessivo com a configuração de mão em
P, em que a indicação inerente a este pronome, da rotação de punho
de medial para lateral, faz referência ao sintagma verbal preposto
ao pronome. A seguir, apresentamos a noção de ergatividade no
português brasileiro e, posteriormente, dados sobre o apagamento
do agente em Libras.

261
LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

Construções ergativas no português brasileiro

Nas línguas, as orações transitivas são caracterizadas pela


presença de um sintagma nominal, assumindo a função de sujeito
agente, e outro sintagma nominal com a função de paciente, além
de um predicador, conforme os dados abaixo:

(12) O frentista encheu o tanque.


Agente Paciente
Fonte: Perini (2008, p. 306).

Nas construções transitivas, conforme apresentado no dado


anterior, o sintagma nominal preposto ao verbo encher é o agente,
enquanto que o sintagma verbal posposto ao verbo é o paciente.
No caso das construções ergativas, a oração é composta apenas por
um sintagma nominal com a função de sujeito-paciente, conforme
segue.

(13) O tanque encheu.


Paciente
Fonte: Perini (2008, p. 308).

As formas transitivas e ergativas representam modos distintos


de organizar a experiência humana. De acordo com Perini (2008),
no caso do português brasileiro, a construção ergativa pode acon-
tecer com certos verbos, mas não em outros. E não se trata de uma
topicalização do objeto, mas uma construção usada para omitir
o agente. Trata-se de verbos que exprimem algo que pode, com
grande probabilidade, ocorrer espontaneamente, muito embora a
construção ergativa não exclua um agente subentendido.
A oração ergativa representa um processo como se tivesse
ocorrido sozinho, como que por ele mesmo. Ainda segundo o autor,

262
LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

alguns verbos do português brasileiro podem ser classificados em


transitivos, ergativos e transitivos-ergativos. As sentenças abaixo
ilustram verbos transitivos-ergativos.

(14) Papai ligou o carro.


O carro não ligou.
Fonte: Perini (2008, p. 310).

(15) O professor começou a conferência às três em ponto.


A conferência começou às três em ponto.
Fonte: Perini (2008, p. 310).

(16) Fervi um pouco de água para o chá.


A água ferveu até secar.
Fonte: Perini (2008, p. 310).

(17) Minha loja vende aquecedores solares.


Aquecedores solares vendem muito no inverno.
Fonte: Perini (2008, p. 310).

(18) A cozinheira esquentou o leite.


O leite esquentou.
Fonte: Perini (2008, p. 111).

(19) O governo mudou as regras.


As regras mudaram.
Fonte: Perini (2008, p. 308).

Conforme mencionado, as construções ergativas no português


brasileiro remetem a eventos com grande probabilidade de ocorrer
espontaneamente, por eles mesmos. Durante a análise dos dados,
em El Khouri (2020), encontramos construções semelhantes à se-
mântica da construção ergativa no português brasileiro, através
do uso de pronome possessivo com a configuração de mão em P.
Nestas construções, há um apagamento do agente do evento. Na

263
LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

seção seguinte, apresentamos algumas dessas construções, que


foram coletadas em campo a partir de conversas espontâneas entre
surdos sinalizantes.

Apagamento do agente na Libras

Na primeira seção deste capítulo, vimos que a possessividade


é uma relação estabelecida entre dois sintagmas nominais, em que
um assume papel de possuidor e outro de possuído. Nesta seção,
descrevemos o uso do pronome possessivo com a configuração de
mão em P, com características articulatórias específicas, vinculadas
a um sintagma verbal, com o objetivo de promover o apagamento do
agente de forma a construir a concepção de que o evento acontece
por ele mesmo. O efeito semântico dessa construção é semelhante
às construções ergativas no português brasileiro, descrito por Perini
(2008).
Em El Khouri (2020), atentos para a manifestação de posse
atributiva na Libras e, mais especificamente, para o uso de pronomes
possessivos, observamos o uso do sinal POSS3 com configuração de
mão em P relacionado a um sintagma verbal. Os dados, a seguir,
ilustram essa construção.
Em (20), o predicado VD-Carro-descer indica uma ação que,
na sentença, acontece por ela mesma. A articulação do pronome
possessivo com a configuração de mão em P de maneira repetida e
com uma marcação não manual específica (os cantos da boca de-
primidos) está atrelado ao sintagma “VD - Carro-descer”. Não há
um agente responsável pela ação, ou ainda, algo que a motivou. A
ação simplesmente aconteceu. Essa construção indica que a ação
do carro descer aconteceu por ele mesmo, sem um agente explícito.

264
LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

(20)

CARRO VD- Puxar-freio-de-mão VD- Pessoa-andar VD- Carro-descer

POSS3++

Tradução: Eu puxei o freio de mão e saí do carro.


Mas o carro desceu mesmo assim.
Fonte: El Khouri (2020, p. 87).

Em (21), o dado a ação de CELULAR DESLIGAR não possui


um agente responsável pela ação, ou seja, o celular desligou-se
(sozinho). Novamente, o pronome possessivo com a configuração
de mão em P de maneira repetida e com uma marcação não manual
específica é articulado posposto ao sintagma verbal.

265
LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

(21)

CELULAR DESLIGAR POSS3++

Tradução: O celular desligou-se sozinho.


Fonte: El Khouri (2020, p. 88).

Em (22), o evento é descrito como algo sem causa aparente.


A construção também acontece com o uso do pronome possessivo
com a configuração de mão em P de maneira repetida e marcação
não manual específica. Uma sinalizante menciona que não conse-
gue dormir à tarde e atribui isso ao seu corpo, como se fosse uma
característica inerente a ele. Novamente, o pronome está posposto
ao sintagma verbal.

(22)

TARDE DORMIR CONSEGUIR-NÃO POSS1++

Tradução: À tarde eu não consigo dormir.


É algo próprio do meu corpo.
Fonte: El Khouri (2020, p. 89).

266
LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

Em (23), a sentença também atribui o evento como sendo algo


inerente ao participante envolvido, sem uma causa aparente. Nova-
mente, a construção acontece com o uso do pronome possessivo com
a configuração de mão em P de maneira repetida e com marcação
não manual específica. O dado menciona que a ostra não morre e
que esta característica é natural e inerente a ela.

(23)

OSTRA MAR INFINITO MORRER NUNCA

NATURAL POSS3++

Tradução: A ostra vive por muito tempo. Nunca morre.


É algo natural dela mesma.
Fonte: El Khouri (2020, p. 90).

Em (24), um sinalizante mantém a configuração de mão em


M em suspensão com o polegar distendido, durante um diálogo. O
interlocutor o questionou sobre o porquê de ter mantido esta con-
figuração de mão com o polegar posicionado desta maneira. O sina-
lizante responde que mão se configurou desta forma (com o polegar

267
LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

distendido) por ela mesma. Ou seja, o polegar se manteve distendido


sem uma causa aparente. Essa noção é elaborada através do uso do
pronome possessivo com a configuração de mão em P articulado
de maneira repetida e com uma marcação não manual específica. A
mão dominante está configurada em M e codifica um estado de estar
com o polegar distendido, enquanto a mão não dominante articula
o pronome possessivo que é direcionado à dominante.

(24)

CM em M (mão esquerda)
POSS3++ (mão direita)
Tradução: A mão adotou essa configuração (polegar disten-
dido) por ela mesma.
Fonte: El Khouri (2020, p. 91).

Em (25), as ações codificadas no sintagma verbal são atribuídas


ao agente através do uso do pronome possessivo com a configuração
de mão em P articulado de maneira repetida e com uma marcação
não manual específica. Essas ações são atribuídas ao participante
agente sem uma causa específica, ou seja, tais ações são inerentes
a ele. O sinalizante menciona que na casa de sua avó sempre houve
uma mesa bem posta, mas que nunca havia salada, e essa era uma
característica de sua avó.

268
LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

(25)

CASA VOV@ DEM

CHIQUE SALADA NINGUÉM POSS3++

Tradução: Na casa de minha avó, a mesa era bem posta, mas não
havia salada. Esse é um jeito próprio dela (avó).
Fonte: El Khouri (2020, p. 92).

Em (25), o dado apresenta o sintagma verbal VD-fazer-falta


em que, durante uma partida de futebol, um jogador (agente) faz
uma falta (realiza um “carrinho”) no sinalizante (paciente). Na
construção, há o uso do pronome possessivo com a configuração de
mão em P, articulado de maneira repetida e posposto ao sintagma
verbal. O sinal é direcionado ao agente da ação e apresenta uma
marcação não manual específica: os cantos da boca do sinalizante
estão deprimidos. A construção indica que a ação “fazer a falta”
durante o jogo pertence ao agente, ou seja, a ação aconteceu por
iniciativa do próprio agente, sem uma causa que justificasse a ação.
Não houve uma motivação, ou ainda, uma provocação por parte do
paciente que causasse a iniciativa da ação pelo agente.

269
LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

(25)

FUTEBOL IX (ele) VD- fazer-falta IX (eu)

NÃO-FAZER-NADA POSS3++

Tradução: Durante o jogo, ele me fez falta. Eu não fiz nada para
isso. Ele fez por conta próprio.
Fonte: El Khouri (2020, p. 86).

Nestas construções, ressaltamos que o pronome é articulado


posposto ao sintagma verbal, conforme ilustrado na Figura 1, a seguir.

270
LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

Figura 1 - Apagamento do agente

Fonte: El Khouri (2020, p. 93).

O uso do pronome possessivo com a configuração de mão


em P, articulado de maneira repetida e com uma marcação não
manual específica (depressão dos cantos da boca), relacionado
a um sintagma verbal, promove um efeito semântico de apa-
gamento do agente e estabelece uma noção de que o evento
aconteceu por ele mesmo. Outros efeitos semânticos atrelados
a essa construção envolvem a concepção de que que as ações
de um participante formam um conjunto de características
inerentes a ele. Por fim, o uso dessa construção estabelece a
noção de uma ação realizada sem uma causa motivadora que
a desencadeasse.

Considerações finais

O fenômeno linguístico que ora intitulamos de apagamento


do agente acontece a partir da articulação do pronome possessivo
com a configuração de mão em P, articulado de maneira repetida e

271
LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

com uma marcação não manual (a depressão dos cantos da boca),


atrelado a um sintagma verbal.
O efeito semântico dessa construção é semelhante ao efeito
das construções ergativas no português brasileiro (PERINI, 2008),
em que há uma omissão do agente, de maneira que o evento ocorre
espontaneamente, como que causado por ele mesmo.
Com uma semântica semelhante, o uso de pronome possessivo
com a configuração de mão em P articulado de maneira repetida e
com uma marcação não manual específica, posposto ao sintagma
verbal, promove um apagamento do agente e, em algumas situa-
ções, um apagamento da causa do evento. Isso faz com que surja
uma concepção de que o evento ocorre espontaneamente, como
que causado por ele mesmo. Além disso, em algumas situações, as
ações do sintagma verbal são atribuídas a um participante (agente)
como características inerentes a ele. Outros efeitos semânticos atre-
lados a essa construção envolvem a concepção de que as ações de
um participante formam um conjunto de características inerentes
a ele. Por fim, o uso dessa construção estabelece a noção de uma
ação realizada sem uma causa motivadora que a desencadeasse.
Neste capítulo, apresentamos considerações iniciais sobre o
apagamento do agente na Libras. Outros estudos são necessários
para desvendarmos mais instancias dessa construção. A libras é uma
língua natural e precisamos de estudos linguísticos descritivos sobre
os seus aspectos gramaticais, principalmente aqueles que envolvem
dados da língua em uso.

272
LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

Referências

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Universidade de São Paulo, São Paulo, 2006.

273
LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

CONJUNÇÃO IRREALIS NA LIBRAS:


ACENO DE CABEÇA + MOUTHING JÁ

Thamara Cristina Santos


Universidade Federal do Tocantins (UFT)

Mônica Veloso Borges


Universidade Federal de Goiás (UFG)

Introdução

O presente capítulo descreve uma estrutura gramatical na


língua brasileira de sinais que promove a articulação entre orações
a nível de hipotaxe. Trata-se de uma conjunção de natureza não
manual que realiza uma conexão entre uma oração matriz e uma
oração dependente.
O capítulo que ora apresentamos é oriundo de uma pesquisa
descritiva em andamento sobre orações hipotáticas adverbiais na Li-
bras, desenvolvida pela primeira autora sob a orientação da segunda
autora, no Programa de Pós-graduação em Letras da Universidade
Federal do Tocantins.
Em orações articuladas a nível de hipotaxe, a relação de de-
pendência entre elas perpassa por uma interdependência a partir
de componentes sintáticos, semânticos e pragmáticos da língua
em uso. A oração principal estabelece uma proposição e a oração
dependente promove um adendo em relação ao que foi estabelecido
na oração matriz. Assim, a oração dependente funciona como um

274
LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

adjunto da oração principal e não faz parte da estrutura argumental


da primeira.
Novamente, a conjunção que ora descrevemos promove uma
articulação entre uma oração dependente e uma oração matriz, e
que parece promover uma noção de irrealis, ou seja, uma situação
ou ação que não é considerada real e que pode promover tanto uma
noção temporal (futura), bem como uma noção de condicionalidade,
a depender do contexto. Nas duas possibilidades, a proposição que
emerge entre as sentenças é a de que a oração dependente funciona
como um adjunto da oração matriz, uma característica das orações
hipotáticas adverbiais.
Nesse sentido, este capítulo tem por objetivo descrever a
conjunção que nomeamos de “aceno de cabeça + mouthing JÁ”. Na
oportunidade, apresentamos ainda que brevemente o processo de
articulação de orações nos níveis de parataxe, hipotaxe e encaixa-
mento na Libras, problematizamos as orações hipotáticas condicio-
nais e temporais, e, por fim, discutimos dados sobre a conjunção
irrealis. Ressaltamos que os dados apresentados são provenientes
de um corpus de análise composto de dados da língua em uso.

Articulação de orações em Libras

De acordo com Carneiro, El Khouri e Ludwig (2020), as línguas


de sinais enquanto línguas naturais são regidas pelos mesmos
princípios funcionais de articulação de orações e podem apresentar
padrões de manifestação semelhante aos encontrados em línguas
orais, bem como padrões de manifestação específicos a elas, pro-
venientes da modalidade gestual-visual.
Em relação à Libras, os autores estabelecem como estratégias
para articular orações o uso de justaposição, conjunções manuais,
conjunções não manuais tais como o aceno de cabeça prolongado

275
LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

e o aceno de cabeça atrelado ao mouthing (JÁ), marcações não ma-


nuais tais como expressões faciais que envolvem o levantamento
de sobrancelhas e o fechamento do olhar com elevação do queixo,
e a manutenção da mão não dominante (boia).
No estudo de articulação de orações em línguas de sinais, al-
guns desafios são postos. A oração se refere a uma unidade sintática
que se forma em torno do verbo. Mas, de acordo com os autores, a
noção de oração considerando textos (corp)orais possui limites mais
fluidos, principalmente quando se analisa a língua acontecendo,
pois, certamente, um sistema da língua dialoga com outros sistemas,
influenciados por aspectos culturais e situacionais. As definições de
nomes e verbos em Libras e, consequentemente, a delimitação das
orações também é um desafio. Durante a análise, os autores esti-
veram atentos aos predicados que denotam ações e consideraram
também os sinais que expressam a ideia de estado, como os sinais
BONITO (ser/ estar bonito), FÁCIL (ser/estar fácil), DIFÍCIL (ser/
estar difícil), que foram entendidos como verbos e considerados na
análise. Além disso, a tradução para a língua portuguesa pode con-
duzir o linguista a algumas inferências e enviesar a identificação e
análise de construções complexas, já que as traduções são baseadas
em aproximações de conteúdo.
Conforme mencionado, a delimitação de orações ainda é um
desafio. Marcadores não manuais como piscar de olhos, expressões
faciais, posição da cabeça e dos ombros e direção do olhar foram
identificados, em várias línguas de sinais, como delimitadores de
sentenças e desempenham um papel importante nesse sentido
(LEITE, 2008; QUER et al., 2017; TANG; LAU, 2012). Apesar disso,
os linguistas que descrevem línguas de sinais ainda são desafiados
em identificar critérios objetivos e uma metodologia de análise
padronizada. Pode-se, por exemplo, estar diante de duas orações
independentes e não de orações articuladas.

276
LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

A partir de uma abordagem funcionalista, as orações podem ser


articuladas a nível de parataxe, hipotaxe e subordinação (NEVES,
2001). A parataxe compreende a articulação de orações de igual
estatuto para formar uma unidade semântica, que pode acontecer
por justaposição ou a partir da presença de um conectivo, e que,
apesar de articuladas, possuem uma relativa independência. As
orações que compõem essa unidade são igualmente importantes
do ponto de vista informacional. Em geral, a articulação a nível de
parataxe envolve uma noção aditiva, adversativa e alternativa. Os
dados a seguir ilustram duas orações na Libras articuladas a nível
de parataxe do tipo adversativa. No primeiro exemplo, não há um
conectivo manual a conectar as duas orações. No segundo exemplo,
observa-se a conjunção MAS, que explicita a relação de adversidade.

(1) Parataxe do tipo adversativa assindética

IX (eu) IR TENTAR TERAPIA GOSTAR-NÃO &(de jeito


nenhum)
Eu fui tentar terapia de fala, (mas) não gostei, de jeito nenhum!
Fonte: Corpus da Libras – dados da pesquisa (2022).

Em (1), há duas orações justapostas por uma noção de oposição,


cujo sentido é atribuído pela proposição proveniente do contexto.
A primeira oração é composta pelo sintagma IX(eu) IR TENTAR
TERAPIA (eu fui tentar terapia de fala), enquanto a segunda é com-
posta por GOSTAR-NÃO &(de jeito nenhum) (mas não gostei, de
jeito nenhum!). Apesar de não haver o uso um conectivo manual,
as orações estão articuladas a nível de parataxe do tipo adversativa.
A partir da oração GOSTAR-NÃO &(de jeito nenhum), observa-se

277
LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

que a sinalizante projeta sua cabeça para trás e realiza um aceno da


mesma para as laterais. Diferentemente, o exemplo a seguir ilustra
a articulação de orações a nível de parataxe com o uso de conectivo.

(2) Parataxe do tipo adversativa sindética

IX (eu) APRENDER Pro-2 IMPORTANTE VALOR

MAS IX (eu) AMAR LÍNGUA-DE-SINAIS

[...] eu aprendi os dois; (os dois) são importantes e tem valor, mas
eu amo a língua de sinais.
Fonte: Corpus da Libras – dados da pesquisa (2022).

Em (2), as orações estão articuladas a nível de parataxe do tipo


adversativa com o uso de um conectivo. Os predicados IMPORTANTE
e VALOR (os dois são importantes e tem valor) constituem a primeira
oração que segue articulada da segunda oração MAS IX(eu) AMAR
LÍNGUA-DE-SINAIS (mas eu amo a língua de sinais). Dessa forma,
o conectivo MAS promove a conexão entre as duas construções a
nível de parataxe (adversativa). Observa-se também uma quebra do

278
LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

padrão prosódico. Na primeira oração, o rosto da sinalizante apre-


senta uma expressão mais contida e séria, enquanto que na segunda
oração, há uma expressão mais alegre e que esboça um sorriso.
Na hipotaxe, as orações que estão articuladas possuem um
status diferente. Nesta nova unidade oracional complexa, há uma
oração dependente que se articula a uma oração nuclear, atendendo
à organização do discurso. Nesse sentido, existe a oração primária,
considerada a oração dominante, e a oração secundária, considerada
a oração dependente. Importante ressaltar que a oração dependente
não faz parte da estrutura argumental da oração matriz, ou seja, ela
não atua como um argumento, e sim como um adjunto. De acordo
com Neves (2001), a oração hipotática, de alguma forma, orienta o
interlocutor para a mensagem que se quer transmitir, organizando
o discurso e conduzindo o interlocutor à mensagem dita. Por isso,
trata-se de uma opção do falante e possui uma dependência relativa.
As orações articuladas a nível de hipotaxe podem abranger tanto
as orações adverbiais quanto as orações adjetivas explicativas (ad-
jetivas não restritivas ou apositivas).
Um exemplo de orações hipotáticas seriam aquelas que funcio-
nam como advérbios de tempo. Neste caso, segundo Lima (2002),
o evento codificado na oração dependente estabelece o tempo do
evento codificado na oração principal. O dado em (3) a seguir ilustra
uma oração adverbial temporal na Libras.

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LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

(3) Hipotaxe do tipo adverbial temporal

DEPOIS IDADE 5 ENTRAR ESCOLA CONTATO

SURDO PROCESSO

Depois dos cinco anos de idade, quando entrei na escola, tive con-
tato com surdos e as coisas foram acontecendo.
Fonte: Corpus da Libras – dados da pesquisa (2022).

Em (3), na primeira parte da sentença, ENTRAR ESCOLA (quan-


do entrei na escola), vemos que o evento codificado na oração atua
como um advérbio em relação à oração posposta. Isso significa que
a oração dependente marca o tempo do evento codificado na oração
principal: CONTATO SURDO PROCESSO (tive contato com surdos
e as coisas foram acontecendo). O tempo do evento da oração de-
pendente e da oração principal não são simultâneos e a articulação
parece acontecer a partir de uma justaposição, pois parece não haver
um conectivo a vincular as duas orações.
Na subordinação, a oração dependente faz parte da estrutura
argumental da oração principal, ou seja, há uma relação de depen-
dência completa entre a oração subordinada e a oração matriz.
Nesta situação, as orações subordinadas podem funcionar como
um argumento (orações subordinadas substantivas), ou como um
modificador (orações subordinadas adjetivas restritivas).

280
LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

As orações subordinadas substantivas exercem a mesma função


de um substantivo dentro da oração principal que, funcionalmente,
correspondem ao argumento de um predicado. Uma oração matriz
pode predicar toda uma oração que exercerá a função de sujeito,
no caso de uma oração complexa de sujeito oracional, ou ainda,
predicar uma oração com função de objeto, no caso de uma oração
complexa de objeto oracional. Já as orações subordinadas adjetivas
restritivas funcionam como modificadores, uma espécie de adjetivo
da oração principal. Uma língua pode individualizar (modificar)
um referente a partir de várias estratégias, que podem abranger o
uso de adjetivo (um único lexema), uma locução adjetiva, ou ainda,
uma oração. Nesse caso, toda uma oração passa a ser o predicador
(adjetivo). Assim, uma oração subordinada adjetiva restritiva, ou
oração relativa, funciona como um adjetivo.
A seguir, apresentamos uma oração subordinada do tipo subs-
tantiva objetiva, ou seja, uma unidade oracional complexa em que
a oração dependente funciona como um objeto da oração principal.

(4) Subordinada substantiva objetiva

IX(você) MULHER BONITA QUERER SINAL INAL-NOME

Você é uma menina bonita, quero dar-lhe o sinal Lorrane.


Fonte: Corpus da Libras – dados da pesquisa (2022).

Em (4), há uma oração subordinada substantiva objetiva. A


oração matriz é formada pelo verbo QUERER (quero), cuja transi-
tividade exige dois argumentos: um que ocupe o papel gramatical

281
LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

de sujeito e outro que ocupe o papel gramatical de objeto. O argu-


mento sujeito se refere à primeira pessoa do discurso, inferido pelo
contexto por se tratar de um discurso direto, ou seja, o argumento
sujeito não é explicito. O argumento objeto que atende à estrutura
argumental da oração matriz é, na verdade, uma outra oração, for-
mada pelo sintagma SINAL SINAL-NOME (dar-lhe o sinal Lorrane).
Nesse sentido, há dependente estrutural do tipo completiva, pois
a oração subordinada funciona como objeto da oração principal,
atendendo uma demanda sintática de caráter obrigatório.
Após esse panorama sobre as orações complexas a nível de pa-
rataxe, hipotaxe e subordinação na Libras, transitamos brevemente
pelas orações hipotáticas condicionais e temporais, que, na nossa
proposta, podem ser articuladas a partir do conectivo “aceno de
cabeça + mouthing JÁ”.

Proposição das orações condicionais e temporais

Conforme Neves e Braga (2016), a oração de condição, tradi-


cionalmente chamada prótase ou antecedente, se une a uma oração
núcleo, denominada apódose ou consequente. Entre o conteúdo
da prótase (p) e o da apódose (q) instaure-se uma relação do tipo
condição para realização - consequência da resolução da condição
enunciada. Em outras palavras, a prótase expressa uma condição
que pode ser realizada, não realizada ou eventualmente realizada.
Nesse sentido, haveria subtipos de construção condicionais: real/
factual, irreal/contrafactual e eventual/potencial.
As orações condicionais do tipo real/factual envolvem uma
proposição em que, de uma realidade/verdade da prótase, segue-
-se necessariamente a realização/a verdade prevista na apódose.
No mundo real, a realidade da apódose depende da satisfação da
condição expressa na prótase. As condicionais do tipo irreal/contra-

282
LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

factual envolvem uma proposição em que, a não realização/falsidade


da prótase, segue necessariamente a não realização/a falsidade da
apódose. Neste caso, essas orações expressam uma falsidade se-
gura, repousando sobre a não realidade. Tanto a prótase quanto a
apódose apresentam os estados de coisas por elas denotados como
não existentes. Por fim, as do tipo eventual/potencial, a partir da
potencialidade da prótase, seguem a eventualidade da apódose.
Em relação às orações condicionais na Libras, Aleixo (2021)
apresenta considerações importantes sobre suas características
articulatórias, a partir de dados da língua em uso e em uma pers-
pectiva funcionalista de análise da linguagem.
Segundo o autor, o uso mais prototípico das condicionais é o
arqueamento das sobrancelhas sobre a prótase, juntamente com
a produção do mouthing SE e a projeção de cabeça para a frente.
Na apódose, há uma mudança no formato das sobrancelhas, bem
como uma mudança nessa inclinação de cabeça. A sequência pró-
tase seguida da apódose é o uso mais representativo, mas o inverso
não é agramatical. Quanto aos graus de hipoteticidade, haveria
um continuum em que marcações não manuais e sinais manuais
demonstram noções +factuais, passam por uma noção +hipotética
até à noção -factual (menor possibilidade de realização). Aleixo
(2021) sugere ainda o uso das conjunções manuais SE e EXEMPLO
em orações condicionais.
As construções hipotáticas adverbiais temporais, de acordo
com Lima (2002), situam um conjunto de eventos em algum lugar
na linha do tempo. Neste caso, o falante opta por marcar temporal-
mente o acontecimento da oração nuclear em relação a um evento
na oração dependente. Essa relação temporal entre os dois eventos
pode ser expressa de duas maneiras: simultânea ou não simultânea.
Na hipotaxe temporal simultânea, o evento da oração dependente é
expresso de forma simultânea ao evento da oração nuclear, ou seja,

283
LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

os dois eventos acontecem ao mesmo tempo. Na hipotaxe temporal


não simultânea, os eventos acontecem em momentos distintos.
Ludwig, Quadros e Santos (2022) sugerem que a hipotaxe
adverbial temporal na Libras é articulada por sinais manuais, que
funcionam como advérbios de tempo, tanto quanto por marcações
manuais. Isso evidencia recursos linguísticos específicos. As mar-
cações não manuais envolvem piscar de olhos, mudança da direção
do olhar, sobrancelhas elevadas, olhos semicerrados e articulações-
-boca. O uso de boia também é uma estratégia para marcar sentenças
temporais, principalmente as orações simultâneas.
De acordo com os autores, o uso de dois articuladores manuais
pode se configurar como estratégia para marcar ações simultâne-
as. Neste caso, o sinalizante inicia uma sentença e mantém a mão
suspensa (boia regular) marcando a simultaneidade da ação. No
tocante às marcações manuais, destacam-se o uso de alguns sinais
que parecem funcionar como conectivos ou como advérbios de tem-
po. É frequente o uso das articulações-boca sobre os articuladores
temporais, sejam eles advérbios temporais ou conectivos. Dentre
os sinais que funcionam como conectivos ou advérbios temporais,
destacam-se os sinais PRONTO, ANTES, ATÉ, ATÉ-HOJE, JÁ, PAS-
SADO, PROCESSO, DURANTE, FAZ-TEMPO, dentre outros.

Conjunção aceno de cabeça + mouthing JÁ

O “aceno de cabeça + mouthing JÁ” é uma conjunção de natureza


não manual que realiza uma conexão entre uma oração dependente
a nível de hipotaxe. A relação estabelecida entre as orações parece
promover uma noção de irrealis, que abrange tanto uma noção
temporal (futura), bem como uma noção de condicionalidade, a
depender do contexto.

284
LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

A conjunção irrealis “aceno de cabeça + mouthing JÁ” é articu-


lada a partir de uma projeção da cabeça para trás, inicialmente, e
para frente, em um movimento gestual de afirmação. Durante essa
trajetória da cabeça, a boca configura-se de forma a expressar o
mouthing JÁ, em uma simulação da articulação desta palavra. As
sobrancelhas estão arqueadas e demostram um franzir da testa. A
Figura 1 a seguir ilustra essa articulação.

Figura 1 – Conjunção irrealis “Aceno de cabeça + mouthing JÁ”

Fonte: imagem elaborada para a pesquisa (2022).

Durante a articulação da conjunção irrealis, o componente


manual encontra-se em suspensão, ou seja, as mãos estão paradas
e, consequentemente, o sinal manual que está sendo articulado
no momento, permanece disponível enquanto a conjunção irrealis
“aceno de cabeça + mouthing JÁ” é realizada.

285
LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

A seguir, descrevemos alguns dados sobre a conjunção irrealis


“aceno de cabeça + mouthing JÁ” na Libras. Os dados foram obtidos a
partir de dados espontâneos de sinalizantes surdos em plataformas
de domínio público em redes sociais. Ao todo foram coletados e
descritos sete dados de três participantes surdos, obtidos em quatro
vídeos, sendo três vídeos coletados na plataforma YouTube e um
vídeo coletado na plataforma Instagram. Os dados são apresenta-
dos e descritos a seguir. Na apresentação dos dados, informamos
que a conjunção “aceno de cabeça + mouthing JÁ” é glosada como
IRREALIS.

(5)

DV(colocar) TEMA SÉMEN IRREALIS DV(colocar) OVÁRIO

Quando o sêmen for inserido, ele será inserido no ovário.


Fonte: dados da pesquisa (2022).

O dado em (5) mostra orações articuladas a nível de hipotaxe.


A primeira parte da sentença, que constitui a oração dependente,
DV(colocar) TEMA SÉMEN IRREALIS (Quando o sêmen for inseri-
do), pode ser interpretada como uma oração adverbial temporal. A
relação entre as orações seria temporal assimétrica, em que a oração
dependente ressalta um evento que ainda será realizado, mas que,
ainda assim, acontecerá previamente ao evento descrito na oração
matriz. A oração matriz é DV(colocar) OVÁRIO (ele será inserido no
ovário) e é articulado após a conjunção irrealis.
A relação entre as orações também pode ser interpretada como
orações hipotáticas adverbiais condicionais, em que a primeira ora-
ção seria a prótase (oração dependente) e a segunda oração seria

286
LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

a apódose (oração matriz). Ainda em relação à conjunção irrealis,


observa-se o aceno de cabeça e elevação das sobrancelhas simul-
tâneo ao mouthing JÁ, enquanto o sinal SÉMEN está em suspensão.

(6)

IX(vocês) ENTRAR ABRIR-SITE INCRIÇÃO PRONTO IRREALIS

ENVIAR CONGRESSO

Quando vocês entrarem no site e fizerem a inscrição, enviem e-mail


para o congresso.
Fonte: dados da pesquisa (2022).

Em (6), vemos um sinalizante orientar os interessados sobre a


efetivação de inscrição em determinado evento. A unidade oracional
complexa é constituída por orações articuladas a nível de hipotaxe e,
novamente, vemos a conjunção irrealis “aceno de cabeça + mouthing
JÁ”. A primeira parte da construção, IX(vocês) ENTRAR ABRIR-SITE
INCRIÇÃO PRONTO IRREALIS (quando vocês entrarem no site e
fizerem a inscrição), é formada por duas orações articuladas a nível
de parataxe do tipo aditiva que juntas formam uma oração adverbial
temporal. Configura-se, dessa forma, como oração dependente,
cujo tempo do evento a ser realizado, determina o tempo do evento
estabelecido na oração matriz. Sugerimos que em (6), a conjunção

287
LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

irrealis estabelece uma relação mais temporal que condicional, a


partir da proposição estabelecida pelo discurso.
Na construção, vemos o sinal PRONTO que durante a arti-
culação da conjunção irrealis, permanece em suspensão. Nesse
momento, há o aceno de cabeça e a boca configura-se a simular o
mouthing JÁ.

(7)

IX(você) PAGAR IRREALIS DV(descrição-forma) FOTO IX(você)

ENVIAR CONTATO

Quando você efetuar o pagamento, tire uma cópia do comprovante


e envie para o contato.
Fonte: dados da pesquisa (2022).

Em (7), vemos orações articuladas a nível de hipotaxe, em que


a oração dependente traz um adendo em relação à oração principal.
A primeira parte da construção corresponde à oração dependente,
codificada em IX(você) PAGAR IRREALIS (quando você efetuar o
pagamento), que traz uma noção de tempo em relação ao tempo do
evento estabelecido na oração principal. A oração principal corres-
ponde aos sintagmas DV(descrição-forma) FOTO IX(você) ENVIAR

288
LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

CONTATO (tire uma cópia do comprovante e envie para o contato),


constituída por duas orações paratáticas aditivas. Podemos também
inferir dessa relação hipotática uma noção de condicionalidade, pois
a proposição prevista na oração principal necessariamente depende
da realização da condição estabelecida na oração dependente. A
conjunção irrealis “aceno de cabeça + mouthing JÁ” promove a con-
ceção de ação não real, ou seja, ainda não realizada, de forma que
podemos inferir tanto uma relação temporal não simultânea quanto
uma noção de condicionalidade. Do ponto de vista articulatório,
novamente vemos um aceno de cabeça de cima para baixo, elevação
das sobrancelhas simultâneo à ação gestual da boca, enquanto as
mãos estão em suspensão. Especificamente em (7), vemos a con-
junção irrealis articulada ao sinal PAGAR (efetuar o pagamento).

(8)

COVID-19 VACINA IRREALIS 7 DIA PERÍODO

BEBER NÃO ÁLCOOL AVISAR

Se já vacinou contra a COVID-19, durante o período 7 dias não pode


beber álcool. Estou lhe avisando.
Fonte: dados da pesquisa (2022).

O dado apresentado em (8) foi obtido na rede social Instagram


e parece ser direcionado para o público em geral. Novamente vemos

289
LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

uma construção a nível de hipotaxe estabelecida a partir do uso da


conjunção irrealis, que abarca tanto uma noção de temporalidade
quanto uma noção de condicionalidade. A oração dependente, co-
dificada em COVID-19 VACINAR IRREALIS (Se já vacinou contra a
COVID-19), estabelece uma proposição do tipo factual que é con-
dição necessária para a realização da proposição prevista na oração
principal, codificada em 7 DIA PERÍODO BEBER NÃO ÁLCOOL
(durante o período 7 dias não pode beber álcool). Sendo assim, a
oração dependente também pode ser vista como uma oração tem-
poral não simultânea. Novamente, do ponto de vista articulatório,
vemos a conjunção irrealis ser articulada simultaneamente ao sinal
VACINA (vacinar). Nota-se a articulação não manual aceno de ca-
beça, elevação das sobrancelhas e gesticulação da boca que realiza
o mouthing JÁ.

(9)

BÓIA-2 IX(você) 2 4 DURAÇÃO VACINA IRREALIS

COVID 2 4 DURAÇÃO DOR

Em segundo lugar, 24 horas, quando você tomar a vacina da


Covid-19, 24 horas vai doer.
Fonte: dados da pesquisa (2022).

290
LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

Na construção em (9), novamente, vemos uma relação entre


orações a nível de hipotaxe a partir do uso da conjunção irrealis
que, por sua vez, proporciona tanto uma relação temporal não
simultânea, entre a oração dependente e a oração principal,
quanto uma relação de condicionalidade do tipo real/factual. A
oração dependente é codificada pelo sintagma BÓIA-2 IX(você)
24 DURAÇÃO VACINAR IRREALIS COVID (Segundo, 24 horas,
quando você tomar a vacina da Covid-19) e, embora tenha
sido traduzida para o português com uma conjunção temporal
(quando), ela também pode ser compreendida como uma oração
condicional. Nesse sentido, a situação prevista na oração depen-
dente é condição necessária para a situação prevista na oração
principal, que está codificada no sintagma 24 DURAÇÃO DOR
(24 horas vai doer).
A conjunção irrealis “aceno de cabeça + mouthing JÁ” ocupa
uma posição sintática na oração dependente, ou seja, faz parte
dela. Nos dados anteriores, a conjunção irrealis está localizada
na extremidade da oração dependente e anteposta à oração
principal. Em (9), vemos que a conjunção não ocupa essa extre-
midade, pois é articulada antes do sinal COVID. Em relação ao
padrão articulatório, observa-se o aceno de cabeça, elevação das
sobrancelhas e gesticulação da boca que realiza o mouthing JÁ,
simultâneos ao sinal VACINA (vacinar).

291
LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

(10)

BÓIA-4 IX(você) COVID REAL ACONTECER IRREALIS COVID-19

CURAR ENTRAR VACINAR NÃO ESPERAR COVID-19

CURAR IRREALIS

Em quarto lugar, se você realmente está com Covid-19, para se curar


(da Covid-19) não tome a vacina, espere (os sintomas da) Covid-19
desaparecerem.
Fonte: dados da pesquisa (2022).

Em (10), vemos o uso da conjunção irrealis em dois momentos.


Em um primeiro momento, a conjunção estabelece uma relação
entre orações a nível de hipotaxe que proporciona uma relação
temporal não simultânea. A oração dependente, que estabelece
um adendo em relação à oração principal, é codificada em BÓIA-4
IX(você) COVID REAL ACONTECER IRREALIS COVID-19 (Em quarto
lugar, se você realmente está com Covid-19). A oração principal, por
sua vez, é codificada por uma unidade oracional complexa, em que
observamos duas orações paratáticas aditivas e uma oração hipo-
tática de finalidade. Essa unidade sintática codificada em CURAR

292
LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

ENTRAR VACINAR NÃO ESPERAR COVID-19 CURA IRREALIS (para


se curar [da Covid-19] não tome a vacina, espere [os sintomas da]
Covid-19 desaparecerem).
Do ponto de vista articulatório, vemos a conjunção irrealis na
oração dependente ser articulada de maneira simultânea ao sinal
ACONTECER. Observa-se o aceno de cabeça, elevação das sobran-
celhas e gesticulação da boca que realiza o mouthing JÁ. A suspensão
do sinal manual ACONTECER acontece parcialmente. Vemos apenas
a manutenção da mão não dominante em ACONTECER. A mão do-
minante configura-se no sinal JÁ e é articulado durante a articulação
da conjunção irrealis, enquanto a mão não dominante que constitui o
sinal ACONTECER continua em suspensão, conforme já mencionado.
Em um segundo momento, o sinal irrealis é articulado e parece
promover uma noção aspectual de evento concluído. Em ESPE-
RAR COVID-19 CURA IRREALIS (espere os sintomas da Covid-19
desaparecerem), o sinal irrealis modifica o verbo CURAR e, dessa
forma, manifesta-se como um sinal de aspecto concluído e não de
conjunção a unir duas orações.

(11)

ESPERAR SEMANA-1 SEMANA-2 SEMANA-3 SEMANA-4 IRREALIS

ENTRAR VACINAR COVID-19 PODER


Quando esperar 4 semanas, pode vacinar contra a Covid-19.
Fonte: dados da pesquisa (2022).

293
LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

Por fim, no dado em (11), vemos novamente a conjunção ir-


realis estabelecer uma relação entre orações a nível de hipotaxe e
proporciona tanto uma relação temporal não simultânea, quanto
uma relação de condicionalidade do tipo real/factual, entre a oração
dependente e a oração principal. O padrão articulatório não ma-
nual permanece, compreendendo de projeção da cabeça para trás,
inicialmente, e para frente, em um movimento gestual de afirma-
ção, sobrancelhas estão arqueadas e a boca configurada de forma a
expressar o mouthing JÁ. Em (11), a conjunção irrealis é articulada
simultaneamente ao sinal SEMANA-4 que permanece em suspensão.

Considerações finais

Neste capítulo descrevemos a conjunção irrealis na Libras, a


partir de dados da língua em uso. Essa conjunção é de natureza não
manual e parece promover a articulação entre uma oração matriz e
uma oração dependente a nível de hipotaxe, que envolve tanto uma
noção temporal (futura), bem como uma noção de condicionalidade,
a depender do contexto.
A descrição da conjunção irrealis na Libras surge a partir de uma
pesquisa em andamento sobre a articulação de orações adverbiais
temporais nessa língua, desenvolvida pela primeira autora sob
orientação da segunda autora, no Programa de Pós-graduação em
Letras da Universidade Federal do Tocantins.
Do ponto de vista articulatório, a conjunção irrealis “aceno
de cabeça + mouthing JÁ” é articulada a partir de uma projeção da
cabeça para trás, inicialmente, e para frente, em um movimento
gestual de afirmação. As sobrancelhas estão arqueadas e demos-
tram um franzir da testa. Durante essa trajetória da cabeça, a boca
configura-se de forma a expressar o mouthing JÁ, em uma simulação
da articulação desta palavra. Por se tratar de uma conjunção não

294
LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

manual, o componente manual encontra-se em suspensão, ou seja,


as mãos estão paradas.
Acreditamos que esta seja uma das primeiras descrições da
conjunção irrealis na Libras. Mais estudos são necessários para des-
vendarmos mais instâncias deste sinal e suas implicações sintáticas,
semânticas e pragmáticas na língua brasileira de sinais.

Referências

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LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

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296
LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

SINGULAR, PLURAL E DUAL NA LIBRAS

Melissa Maynara dos Passos Leal


Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Pará (IFPA)

Bruno Gonçalves Carneiro


Universidade Federal do Tocantins (UFT)

Introdução

O presente capítulo discute alguns dados em relação à mani-


festação dos valores singular, plural e dual na Libras, a partir do
que tem sido estabelecido para a categoria número em línguas de
sinais, em uma perspectiva tipológica. Na discussão que propomos,
consideramos apenas os nomes e desconsideramos os pronomes
(sinais de indicação).
Inicialmente, apresentamos o trabalho de Carneiro (2023) so-
bre alguns padrões de manifestação intramodais e intermodais da
categoria número, oriundos da comparação entre línguas de sinais, e
da comparação entre línguas de sinais e o que tem sido estabelecido
para as línguas (orais) do mundo. A partir de dados secundários, o
autor sugere os valores e as estratégias de manifestação prototípicos
para a categoria e propõe uma hierarquia implicacional, conside-
rando uma amostra de dez línguas.
A Libras compôs essa amostra e, nesse sentido, apresentamos
como acontece a manifestação da categoria número em nomes, a

297
LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

partir de uma tabela com dados analíticos que subsidiou sua com-
paração com outras línguas de sinais. As informações sobre a Libras
foram coletadas em Ferreira (2001, 2010), Finau (2014), Sanchez-
-Mendes e Xavier (2016), Sanchez-Mendes, Segala e Xavier (2017),
Quadros e Karnopp (2004), Xavier e Barbosa (2015).
Por fim, apresentamos alguns dados sobre a manifestação da
categoria número na Libras a partir do trabalho descritivo de Leal
(2022), que traz novos achados sobre o singular, plural e dual na
Libras.

A categoria número em línguas de sinais

Carneiro (2023) identificou valores e estratégias de manifes-


tação da categoria número em línguas sinalizadas e propôs alguns
padrões de manifestação, através da comparação entre línguas de
sinais e entre línguas de sinais e línguas orais. Para isso, o autor
trabalhou com uma amostra de dez línguas de sinais, de grupos
históricos e areais diferentes, que foram categorizadas em grupo
de língua de sinais francesa (Libras, LS mexicana, LS irlandesa e LS
holandesa), grupo de LS austríaca (LS alemã e LS israelense), grupo
de LS britânica (LS australiana e LS indo-paquistanesa), grupo de
LS russa (LS estoniana) e uma língua de sinais isolada (LS Inuit –
Canadá). Do ponto de vista geográfico, compuseram a amostra três
línguas americanas, duas asiáticas, quatro europeias e uma oceânica.
Em relação às comunidades de sinais, nove são línguas de
sinais nacionais que, em geral, dispõem de reconhecimento legal,
políticas de manutenção e dispersão e tendem a ser sinalizadas por
surdos bilíngues. E apenas a língua de sinais de Inuit (Canadá) é
uma língua de sinais rural.
O levantamento de dados analíticos para fins de comparação
aconteceu a partir do acesso a fontes secundárias. Assim, a identi-

298
LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

ficação de formas e estratégias foi estabelecida a partir do acesso


paulatino sobre descrições da categoria número nas diferentes
línguas.
Uma lista de parâmetros foi construída à medida que a análise
acontecia,seguida de uma reanálise do material disponível. Dentre
as estratégias sintáticas, estão a justaposição com sinais numerais,
justaposição com sinais quantificadores e justaposição com verbos
descritivos, em que consideramos também a justaposição com sinais
de indicação (apontamento). Dentre as estratégias morfológicas,
consideramos a reduplicação com deslocamento, que abarca (re)
duplicação alternada, o movimento em varredura e duplicação, redu-
plicação sem deslocamento, mouthing e marcação zero. A estratégia
lexical corresponde à existência de sinais que expressam coletivi-
dade referencial. A Figura 1 a seguir ilustra a lista de parâmetros.

Figura 1 – Lista de parâmetros para levantamento de dados nas línguas de sinais

Fonte: Carneiro (2023, p. 122).

A partir das informações sobre a categoria número nas línguas


de sinais da amostra, foram estabelecidos alguns padrões e hierar-
quia implicacional. As generalizações propostas foram baseadas nas
informações a que o autor teve acesso, o que certamente remete às
construções prototípicas.
A LS indo-paquistanesa, a LS de Inuit, a LS mexicana, a Libras,
a LS holandesa, a LS alemã e a LS australiana são línguas que apre-

299
LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

sentam o número geral, ou seja, os nomes podem ser expressos fora


da categoria número, enquanto que a LS estoniana é uma língua
de número obrigatório, ou seja, os nomes só podem ser expressos
dentro da categoria. As descrições da LS irlandesa e da LS israelense
não trazem informações em relação ao número geral, sobre mar-
cação zero e opcionalidade. Assim, Carneiro (2023) sugere que há
línguas de sinais de número opcional e línguas de sinais de número
obrigatório.
Os valores mencionados para a categoria envolvem singular,
plural e dual. A forma singular corresponde à forma zero e, nas
línguas de sinais com número geral, a forma singular também o
abrange.
O plural está presente em todas as línguas de sinais e se mani-
festa a partir de estratégias sintáticas e morfológicas. As estratégias
sintáticas para a marcação de número plural correspondem à (i) jus-
taposição de nomes com numerais; (ii) com sinais quantificadores;
e (iii) com verbos descritivos. A justaposição com verbos descritivos
envolve a reduplicação da forma (verbo descritivo) com desloca-
mento no espaço de sinalização. Nesta estratégia, consideramos
também a justaposição com sinais de indicação (apontamento)
por apresentar o mesmo padrão de reduplicação. Não há restrições
articulatórias que bloqueiem o uso dessas estratégias para o nú-
mero plural.
As estratégias morfológicas para a marcação de número plural
correspondem à (i) reduplicação com deslocamento, que abarca a
(re)duplicação alternada, o movimento em varredura e a dupli-
cação; (ii) à reduplicação sem deslocamento; (iii) ao mouthing; e
(iv) à marcação zero. Os verbos de concordância também marcam
número plural, através do movimento em varredura e reduplicação
com deslocamento.

300
LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

Segundo Carneiro (2023), todas as estratégias sintáticas estão


presentes em todas as línguas de sinais da amostra, mas nem todas
as estratégias morfológicas estão presentes. De acordo com Haspel-
math (2013), línguas que marcam a categoria número apenas por
estratégias sintáticas, por exemplo numerais e quantificadores, ou
ainda, por inferência, são consideradas línguas sem plural nominal.
Este não é o caso das línguas de sinais, porque todas as línguas de
sinais apresentam pelo menos uma estratégia morfológica.
A reduplicação com deslocamento é uma estratégia presente
em todas as línguas. Mas a reduplicação, tanto com deslocamento
quanto sem deslocamento, apresenta restrições articulatórias e
sintáticas e parece ter uma baixa predileção enquanto estratégia
de pluralidade, o que reflete em uma distribuição restrita. Sobre a
quantidade de repetições, parece haver uma triplicação, conforme
mencionado por Steinbach (2012) e Zwitserlook e Nijhof (1999),
embora essa quantidade seja irrelevante enquanto manifestação
morfológica.
Os sinais quantificadores também podem ser reduplicados com
deslocamento, no espaço de sinalização. Nas línguas de sinais, o
movimento em varredura1 proporciona um plural coletivo, enquanto
que a reduplicação com deslocamento, um plural distributivo. O uso
do espaço também aciona uma propriedade relacionada ao arranjo
espacial do referente pluralizado.
O plural expresso por mouthing é reportado apenas na LS
estoniana e corresponde a duas formas, provenientes do caso
nominativo plural (-d), bem como do caso genitivo plural (-de)
da língua estoniana, que sugere um empréstimo linguístico de
formas gramaticais entre modalidades (MILJAN, 2003). O zero
para marcar número plural parece ser prevalente nas línguas de

1 Sinal articulado com acréscimo de um movimento retilíneo, na horizontal ou na vertical,


ou ainda, de um movimento circular, no plano transversal ou frontal (BÖRSTELL, 2011;
STEINBACH, 2012; WILBUR, 2005).

301
LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

sinais e sugere a presença de número geral. Formas lexicais para


a marcação de número plural não foram reportadas nos dados
da amostra.
Ainda de acordo com Carneiro (2023), as estratégias reportadas
sugerem que as línguas de sinais possuem uma predileção analítica
sobre a sintética e, por isso, parecem ser isolantes para a categoria
número. Os dados secundários sugerem também que as línguas de
sinais são guiadas por características fonológicas.
O valor dual é mencionado em todas as línguas de sinais e se
manifesta através da duplicação das mãos, seja através da duplicação
do próprio sinal enquanto estratégia morfológica, seja através da
justaposição de verbos descritivos duplicados enquanto estratégia
sintática.
O trial e o quatral também são mencionados e se manifestam
através de uma estratégia intitulada de plural icônico. Essa estra-
tégia constitui-se em uma replicação da forma singular no espaço
de sinalização, ou ainda, uma reduplicação pontual, diferente da
reduplicação mencionada até o momento que é articulada de ma-
neira não pontual. A replicação de uma forma singular de maneira
pontual é uma instância desse plural icônico, presente nas línguas
de sinais (SCHLENKER; LAMBERTON, 2019; ZESHAN, 2003; ZWIT-
SERLOOK; NIJHOF, 1999).
De acordo com Carneiro (2023), essa estratégia pode descrever
o arranjo espacial de um grande número de referentes, o que geraria
uma grande quantidade de valores para a categoria. Por isso, o plural
icônico seria melhor compreendido como contagem direta. O autor
sugere o mesmo em relação à incorporação de numeral, que permite
uma quantificação direta do referente envolvido e gera uma quan-
tidade de valores muito além do que é observado tipologicamente
para a categoria número.
A Figura 2 a seguir ilustra uma hierarquia implicacional em

302
LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

relação às estratégias de manifestação da categoria número em


línguas de sinais. O esquema desconsidera a marcação zero.

Figura 2 – Hierarquia implicacional em relação às estratégias de manifestação


da categoria número em línguas de sinais

Fonte: Carneiro (2023, p. 147).

De acordo com a hierarquia implicacional, as estratégias


sintáticas são consideradas primárias e, em relação às estratégias
morfológicas, o uso de mouthing (afixo) é raro e pressupõe o uso
de reduplicação sem deslocamento que, por sua vez, pressupõe a
reduplicação com deslocamento (CARNEIRO, 2023).
Em comparação entre modalidades, as línguas de sinais e
línguas orais são tipologicamente distintas. As línguas de sinais
privilegiam estratégias sintáticas, enquanto que as línguas orais
privilegiam estratégias morfológicas. Dentre as estratégias morfo-
lógicas, as línguas de sinais privilegiam a reduplicação enquanto
que as línguas orais privilegiam o uso de afixos.
Por fim, segundo Carneiro (2023), nas línguas de sinais da
amostra, não há menção à predileção/restrição semântica para a
manifestação de número em nomes. A partir dos dados reportados,
parece não haver restrição semântica, manifestando-se tanto em

303
LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

referentes animados quanto em referentes inanimados. As fontes


de dados da amostra também não trazem maiores informações
sobre a manifestação de número em nomes de massa. De acordo
com Cruz-Aldrete (2008) e Miljan (2003), sobre a LS mexicana e a
LS estoniana, respectivamente, os nomes de massa são codificados
a partir da descrição de sua dimensão física.

A categoria número na Libras

Nesta seção, apresentamos algumas formas e estratégias de ma-


nifestação da categoria número na Libras, considerando o sintagma
nominal. Apresentamos a tabela de codificação dessas informações
baseada na Figura 1 (mencionada na seção anterior).
O Instituto Nacional de Educação de Surdos (INES), primeira
escola para surdos do país, foi fundado em 1857 na cidade do Rio de
Janeiro por Dom Pedro II e contou com a atuação do professor surdo
francês Eduard Huet e, provavelmente, com a língua de sinais francesa
como língua de instrução em alguns momentos. Assim, sugere-se que a
Libras seja relacionada historicamente com a língua de sinais francesa.
Em relação à manifestação de número na Libras, o zero está
relacionado à marcação tanto de singular quanto de plural (FINAU,
2014). Outras estratégias para marcação de número plural, de acordo
com Ferreira (2001, 2010), envolvem a justaposição do nome com
sinais quantificadores e numerais, que podem estar prepostos ou
pospostos, e a reduplicação com deslocamento. A reduplicação sem
deslocamento não é mencionada enquanto uma estratégia de plura-
lização. A Libras também usa a justaposição com verbos descritivos
para o número plural, através do arranjo espacial do referente.
Outro processo semelhante à reduplicação, a duplicação, está
relacionado à categoria número. Segundo Sanchez-Mendes e Xa-
vier (2016), alguns sinais canonicamente articulados com uma mão

304
LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

quando realizados com as duas, em determinados contextos, podem


expressar a ideia de plural de eventos, plural de argumentos, aspecto
e intensidade. No caso de verbos não direcionais, a duplicação das
mãos está vinculada a plural de argumentos, plural de eventos e
intensidade. A duplicação também está relacionada ao plural re-
ferencial (XAVIER; BARBOSA, 2015) e indica dual e reciprocidade
(QUADROS; KARNOPP, 2004).
Os verbos de concordância podem ter o movimento alterado,
de forma a se manifestar em varredura, proporcionando uma lei-
tura plural (coletiva) de argumentos (não primeira pessoa), ou se
manifestar de maneira reduplicada com deslocamento, que traz
uma leitura distributiva. Essa estratégia marca participantes di-
ferentes (ou melhor, especifica os participantes individualmente)
(SANCHEZ-MENDES; SEGALA; XAVIER, 2017; SANCHEZ-MENDES;
XAVIER, 2016; STEINBACK, 2012; XAVIER; BARBOSA, 2015).
A Figura 3 a seguir representa os parâmetros da categoria nú-
mero na Libras. O símbolo (+) indica que se trata de uma estratégia
presente e o símbolo (-) uma estratégia ausente. Novamente, esses pa-
râmetros foram identificados a partir da fonte de dados secundários.

Figura 3 - Parâmetros da categoria número na Libras

Fonte: Carneiro (2020).

305
LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

Na próxima seção, apresentamos dados da Libras que ilustram


os valores e estratégias de manifestação elencados na Figura 3, a
partir da pesquisa de Leal (2022).

Dados sobre singular, plural e dual na Libras

Os dados apresentados nesta seção são oriundos da dissertação


de mestrado intitulada “A categoria número (nominal) na Libras”,
de Leal (2022), que objetivou descrever a manifestação da categoria
número em nomes através da identificação de valores, estratégias
de manifestação e formas atreladas às estratégias disponíveis.
O corpus de análise envolveu dados primários que, segundo
Moravcsik (2013), é o tipo de fonte ideal para estudos linguísticos
descritivos. Foram analisadas duas entrevistas (vídeos) do Inventário
Nacional da Língua Brasileira de Sinais, sendo uma das entrevistas
oriunda do Inventário da Libras da região metropolitana de Palmas e
a segunda do Inventário Surdos de Referência. Os dados foram trans-
critos e analisados através do software Eudico Linguistic Annotador
(ELAN). O mesmo processo de transcrição, análise e reanálise foi
adotado nos dois vídeos que compuseram o corpus da pesquisa.
Os valores da categoria número em nomes na Libras são
singular, plural e dual. Para o valor singular foram identificadas
estratégias de manifestação tanto morfológicas quanto sintáticas.
Aquelas acontecem através da marcação zero e estas através da jus-
taposição com apontamento, com verbos descritivos e incorporação
de referente, conforme podemos ver nos dados a seguir.

306
LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

1. Singular – marcação zero (estratégia morfológica)

MÃE ÚNICO SABER FLUENTE


‘(Minha) mãe é a única que sabe (Libras) de maneira fluente’
Fonte: Leal (2022, p. 63).

Segundo Leal (2022), o número singular se manifesta nesse


dado através de marcação zero. O núcleo MÃE apresenta valor
singular a partir de zero, ou seja, sem qualquer modificação na
forma. Observa-se que, no sintagma nominal, MÃE é modificado
por ÚNICO, que é compreendido como verbo de estado e que traz
a noção de “ser único”. Nesse sentido, o modificador ÚNICO não é
compreendido como um quantificador que marcaria valor singular.
Novamente, MÃE apresenta valor singular e tem uma forma zero.
O valor singular também pode ser expresso por estratégias além
do zero. Isso se justifica porque a Libras é uma língua que apresen-
ta o número geral, ou seja, os nomes podem ser expressos fora da
categoria número. A forma zero, no caso da Libras, pode significar
tanto o valor singular quanto o valor plural, cuja distinção nem
sempre pode ser inferida pelo contexto. Os dados a seguir ilustram
o singular expresso por estratégias sintáticas.

307
LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

2. Singular – justaposição com apontamento (estratégia sintática)

IX (eu) POSITIVO ORGULHO COMEÇAR

MÃE IX(ela)

‘Eu achei ótimo e comecei a ter orgulho (da minha mãe).


Fonte: Leal (2022, p. 65).

Em (2), a manifestação de singular ocorre através da justaposi-


ção com apontamento, em que o sinal MÃE é posposto pela forma
IX(ela) que, por sua vez, estabelece um único referente no espaço de
sinalização. Segundo a autora, “uma possível leitura que podemos
fazer, a partir do apontamento, é a de noção de definitude, pois o
apontamento procura definir um referente para o sinal mãe de forma
espacial” (LEAL, 2022, p. 66).

308
LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

3. Singular – justaposição com verbo descritivo (estratégia sintática)

‘(Se) o ouvinte sabe sinalizar eu não falo, (acho) melhor sinalizar.’


Fonte: Leal (2022, p. 67).

No dado apresentado em (3), vemos que a sinalizante insere


o referente OUVINTE e, na sequência, sinaliza DV(pessoa). Essa
construção possibilita a inferência de que OUVINTE trata-se de um
referente no singular. Assim, a justaposição de um nome com verbos
descritivos é uma estratégia de manifestação de singular na Libras.

4. Singular – justaposição com incorporação do referente (estra-


tégia sintática)

‘Um surdo observou meu rosto e disse: seu sinal é esse!’


Fonte: Leal (2022, p. 68).

309
LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

Em (4), a expressão de singular na Libras também acontece


a partir da incorporação de referente. Inicialmente, a sinalizante
articula o sinal SURD@, que é o participante agente da ação VER
e agente da ação SINAL (dar sinal). Nos dois primeiros quadrantes,
observa-se que a sinalizante direciona o olhar para a interlocutora,
com a qual estabelece o diálogo (entrevista). No terceiro e quarto
quadrantes, vemos a face da sinalizante adotar uma outra disposição
e o seu olhar ser direcionado da interlocutora (à direita) para um
outro ponto no espaço de sinalização (à esquerda). Isso acontece
porque, neste momento, a sinalizante incorpora o participante
SURD@, de forma que a disposição da face e a direção do olhar
mimetizam as ações do agente que observa e, posteriormente, ba-
tiza (dá um sinal) para o participante que é objeto da percepção e
recebe o sinal. Dessa forma, a incorporação do participante permite
a inferência de que SURD@ é um referente singular.
Em relação ao número plural, Leal (2022) também identifica
estratégias morfológicas e sintáticas. As estratégias de manifestação
morfológicas são marcação zero e reduplicação com deslocamento,
conforme podemos observar nos dados a seguir.

5. Plural – marcação zero (estratégia morfológica)

‘Entrei na escola, tive contato com surdo(s) e as coisas foram acon-


tecendo’.
Fonte: Leal (2022, p. 70).

310
LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

Em (5), vemos a manifestação de plural a partir de zero. Na


sentença, o sinal SURD@ apresenta uma noção de pluralidade,
embora não haja modificação na forma do sinal. Segundo a autora,
o sinal SURD@ é antecedido pelo sinal CONTATO, que é articulado
de maneira reduplicada e com deslocamento, o que permite a leitura
de número plural do participante SURD@.

6. Plural – reduplicação com deslocamento (estratégia morfológica)

‘Sim, há muitos (resultados positivos) porque consigo me comunicar


e não há barreiras.’
Fonte: Leal (2022, p. 71).

Em (6), o referente BARREIRA é reduplicado com deslocamento


no espaço de sinalização, promovendo, assim, o número plural. Essa
é uma estratégia morfológica para a expressão de pluralidade na
Libras (LEAL, 2022).
Conforme mencionado anteriormente, as estratégias morfo-
lógicas de manifestação de número plural na Libras envolvem a
marcação zero e a reduplicação com deslocamento. As estratégias
sintáticas (justaposição) são apresentadas nos dados a seguir.

311
LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

7. Plural – justaposição com quantificadores (estratégia sintática)

‘Dentro da escola era focado no surdo, todos(eram) surdos.’


Fonte: Leal (2022, p. 76).

Em (6), o número plural é expresso a partir da justaposição do


nome com um quantificador, neste caso, o sinal TOD@S. Observa-
-se que o sinal SURD@ é articulado sem qualquer modificação
em sua forma. A presença de um quantificador permite que haja a
inferência de que SURD@ trata-se de um referente plural. Nova-
mente, o nome SURD@ é pluralizado através da justaposição com
o quantificador TOD@S.

8. Plural – justaposição com numeral (estratégia sintática)

‘(Foram) dois surdos que me deram o sinal (Lorrane)’


Fonte: Leal (2022, p. 78).

Em (8), vemos que o sinal SURD@ é justaposto ao numeral


DOIS, o que implica em número plural. Na sentença, dois partici-
pantes surdos são o agente da ação de dar o sinal para a participante
que é paciente desta ação. Não há modificação na forma de SURD@,
cuja pluralidade é obtida pela justaposição com numeral.

312
LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

Na Libras, a pluralidade também se manifesta a nível sintático


através da justaposição do nome com verbos descritivos, em que
a forma justaposta é reduplicada com deslocamento no espaço
de sinalização, o que possibilita também uma descrição visual da
disposição do referente pluralizado (CARNEIRO, 2023). Em Leal
(2022), não foi identificada essa estratégia de manifestação de
número plural.
Para o número dual, foram identificadas manifestações mor-
fológicas e sintáticas. No primeiro caso, o dual aconteceu através
da duplicação das mãos, e no segundo caso, houve justaposição do
nome com verbos descritivos que trazem uma descrição do referente.
Nestas construções, as mãos também estão duplicadas.

9. Dual – duplicação das mãos (estratégia morfológica)

‘Nós duas também íamos juntas para o curso.’


Fonte: Leal (2022, p. 85).

Em (9), vemos o sinal IR articulado de maneira reduplicada


(sem deslocamento) e com duplicação das mãos, conforme pode
ser observado nos dois últimos quadrantes. O sinal IR é um verbo
e canonicamente é articulado de forma monomanual e com apenas
um movimento de deslocamento da mão. No dado reportado, a re-
duplicação sem deslocamento está relacionada à categoria aspecto
e se refere à quantidade de eventos realizados pelo participante
agente (nós duas). Mais especificamente, a reduplicação sem des-
locamento do verbo IR, em (9), refere-se ao aspecto iterativo, ou

313
LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

ainda, à pluracionalidade (plural de eventos). A duplicação das mãos


está relacionada ao número dual e implica em dois participantes
que realizam a ação codificada no verbo IR. Assim, há a indicação
de dual na sentença através da duplicação das mãos.
No dado reportado, observa-se também o uso do pronome IX-2
em que também há marcação do valor dual através da incorporação
de numeral. De acordo com Carneiro (2023), nas línguas de sinais,
os valores da categoria número em pronomes são singular, dual,
trial, quatral e plural. A estratégia de expressão dos valores dual,
trial e quatral envolve a incorporação de numeral, categorizado pelo
autor de mudança de raiz. Essa é uma estratégia tipologicamente
semelhante à manifestação de número em pronomes nas línguas
orais, que também privilegiam a mudança de raiz na codificação
de valores da categoria número em pronomes. O valor plural nas
línguas de sinais parece envolver a reduplicação com deslocamento
(plural distributivo) ou a forma singular com movimento em var-
redura (plural coletivo).
O dual também pode ser expresso a partir da justaposição do
nome com verbos descritivos, cuja forma envolve a duplicação das
mãos e, consequentemente, a inferência de dois participantes. O
dado (10) a seguir, ilustra essa estratégia de manifestação.

Dual – justaposição com verbos descritivos (estratégia sintática)

‘Duas crianças surdas deram o meu sinal (Lorrane)’


Fonte: Leal (2022, p. 86).

314
LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

Em (10), vemos o sinal SURD@ justaposto com uma construção


em que há a descrição da estatura de duas crianças. Neste caso, a
forma é realizada com duplicação das mãos, tanto anteposto quan-
to posposto ao nome, conforme pode ser observado no primeiro e
terceiro quadrantes. A justaposição do nome com verbos descritivos
é uma estratégia para indicar dual na Libras.
No dado reportado, observa-se também o verbo DAR (dual),
que foi articulado de maneira duplicada, ou seja, as duas mãos estão
ativas durante a articulação do sinal. O verbo DAR é canonicamente
articulado de maneira monomanual e a trajetória de deslocamento
da mão indica os papéis gramaticais de sujeito e objeto. A dupli-
cação das mãos sugere a expressão do número dual, que indica a
presença de dois participantes e que são agentes da ação codificada
no verbo DAR, embora a duplicação das mãos possa ser oriunda de
um processo de assimilação ao considerarmos que, até o momento
(do primeiro ao quarto quadrante), a sinalizante manteve as duas
mãos ativas.
Com base nesses dados e em outros apresentados no trabalho
de Leal (2022), foram elencadas algumas possíveis generalizações
na Libras. Dentre essas generalizações relacionadas aos valores
singular, plural e dual, foi percebido que a marcação zero é utili-
zada para manifestar o número geral e os valores singular e plural.
O valor singular se manifesta por zero e justaposição com apon-
tamento, verbos descritivos e incorporação de referente. O plural
se manifesta através de zero, reduplicação com deslocamento e
justaposição com quantificadores, verbos descritivos e numerais.
O dual se manifesta através da duplicação das mãos e justaposição
com verbos descritivos.

315
LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

Considerações finais

Neste capítulo, apresentamos alguns padrões de manifesta-


ção da categoria número em línguas de sinais, a partir do trabalho
comparativo em uma amostra de dez línguas, realizado por Carneiro
(2023). Apresentamos também algumas informações analíticas
sobre o número nominal na Libras, que compuseram essa base de
dados e subsidiaram a investigação.
A partir do trabalho de Leal (2022) que investigou a categoria
em dados do Inventário Nacional da Língua Brasileira de Sinais,
foi possível atestar as estratégias mencionadas a partir de fontes
secundárias, bem como identificar outras estratégias. Vimos que o
singular é expresso por zero e justaposição com apontamento, com
verbos descritivos e incorporação de referentes. O dual é expresso a
partir da duplicação das mãos e justaposição com verbos descritivos.
Por fim, o plural acontece por zero, reduplicação com deslocamento
e justaposição com quantificadores, numerais e verbos descritivos.

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LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

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317
LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

GESTO, SINAL OU CLASSIFICADOR?:


REFLEXÕES SOBRE O PROCESSO
DE LEXICALIZAÇÃO NA LIBRAS

Bruno Gonçalves Carneiro


Universidade Federal do Tocantins (UFT)

Introdução

Todas as línguas vivas, pode-se presumir, são natural-


mente sistemas eficientes de comunicação. À medida
que as necessidades de comunicação de uma sociedade
se modificam, a língua também se modificará para aten-
der às novas exigências. O vocabulário será ampliado,
seja tomando emprestadas palavras estrangeiras, seja
criando--as a partir de seus próprios vocábulos já exis-
tentes (LYONS, 2009 [1981], p. 21).

As línguas de sinais são sistemas legítimos de comunicação,


interação e envolvimento com o mundo. Enquanto línguas natu-
rais, atendem às necessidades de suas comunidades de fala e estão
presentes em todas atividades que perpassam o comportamento
humano.
As línguas dispõem de estratégias de ampliação lexical das mais
diversas e, nesse processo, há especificidades referentes às línguas
de modalidade visuoespacial. Sobre isso, Johnston e Schembri
(1999) reconhecem a ação gestual como uma fonte importante de

318
LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

enriquecimento léxico-gramatical nas línguas de sinais e apresen-


tam critérios que distinguem o momento em que tais elementos
se tornam lexemas, passando por construções semilexicalizadas.
Nesse sentido, este capítulo discute as ações gestuais como
fonte de ampliação lexical na Libras e apresenta critérios para a
distinção entre sinal (lexical) de outras construções altamente pro-
dutivas em processo de lexicalização. O capítulo apresenta ainda
critérios fonológicos, semânticos e sintáticos para essa distinção.

Definição de palavra nas línguas do mundo



De maneira geral, o termo palavra se refere a um elemento do
sistema linguístico que é considerado central nas línguas. De acordo
com Dixon e Aikhenvald (2003), nós fazemos uso frequente do termo
em nossas atividades de vida diária, o que sugere que ele tem um sig-
nificado definido e amplamente compartilhado. Em contrapartida,
nem todas as línguas tem um lexema com o significado de palavra.
Tradicionalmente, o senso comum nos diz que falar é juntar
palavras; escrever envolve soletrar palavras; traduzir corresponde
a uma conversão equivalente entre palavras; o significado é uma
questão de definição de palavras; o termo palavra, às vezes, também
se refere a discurso, por exemplo, o senhor fulano está com a palavra
para fazer o seu pronunciamento. Mas, estabelecer um conceito de
palavra que perpasse por todas as línguas (ou por um grande número
delas) é um desafio para a linguística. As definições disponíveis são
diversas e, muitas, apresentam um viés (eurocêntrico) que parece
ser restrito principalmente às línguas com características sintéticas.
Do ponto de vista morfológico, as línguas podem ser categori-
zadas em analíticas e sintéticas (BOSSAGLIA, 2019; COMRIE, 1989;
CROFT; 2003; WHALEY, 1997). As línguas analíticas são línguas do
tipo isolante. Isso significa que, geralmente, as palavras não recebem

319
LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

afixos, apresentam um baixo potencial de fusão e, consequente-


mente, são formadas por um único morfema, ou seja, as palavras
são formas invariáveis. Diferentemente, as línguas sintéticas são
línguas cujas palavras recebem afixos e podem ser do tipo agluti-
nantes, flexionais ou polissintéticas. Nas línguas aglutinantes, as
palavras recebem afixos (por serem línguas sintéticas) e cada afixo
corresponde a um morfema, ou seja, há uma relação de um para um,
entre morfe e morfema. Nestas línguas, é possível fazer uma distin-
ção clara entre os morfemas que compõem a palavra. Nas línguas
flexionais (ou fusionais), os afixos possuem um alto potencial de
fusão e, por isso, existe a possibilidade de um morfe corresponder
a mais de um morfema. A fronteira entre os morfemas pode não ser
nítida. No caso das línguas polissintéticas, elas possuem um alto
potencial de síntese, de maneira que as palavras podem receber
uma grande quantidade de morfemas gramaticais ou lexicais. As
línguas polissintéticas também são intituladas de incorporantes.
Importante mencionar que não existem línguas de tipos mor-
fológicos puros. De acordo com Bossaglia (2019), uma língua ao
ser classificada de determinado tipo não exclui a possibilidade de
apresentar palavras formadas por meio de estratégias típicas de
outros tipos. De qualquer maneira, vale ressaltar que a linguística
precisaria mobilizar critérios necessários e suficientes1 para que,
assim, o termo palavra pudesse contemplar os diferentes tipos de
sistemas morfológicos. A possibilidade de pausa antes e/ou após é
um critério para definição de palavra na maioria das línguas, mas
pode não ser suficiente em línguas polissintéticas, por exemplo, em
que as palavras tendem a ser longas. É mais provável que a pausa
seja no meio delas do que entre elas (DIXON; AIKHENVALD, 2003).

1 Um critério necessário (mas não suficiente) é aquele que todas as palavras possuem, embora
outras unidades também o apresentem. Um critério suficiente (mas não necessário) é aquele
que basta para que a unidade seja definida como palavra, embora haja palavras que não o
apresentem (DIXON; AIKHENVALD, 2003).

320
LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

Ainda de acordo com Dixon e Aikhenvald (2003), a quantidade


de conceitos se deve aos diferentes critérios elencados na definição
de palavra, que vai depender das características tipológicas da língua
em questão. Novamente, o ideal seria um conceito único que fosse
aplicável a todas as línguas. Entretanto, temos diferentes (e, algu-
mas vezes, divergentes) definições disponíveis, porque linguistas
descrevem línguas específicas e problematizam conceitos a partir
dessas perspectivas. Alguns conceitos são pouco consistentes, por
exemplo, aqueles baseados em critérios ortográficos. A escrita é um
sistema de representação secundário e de convenção inconsistente,
e, além disso, existem comunidades de fala que não fazem uso de
um sistema de escrita, ou seja, há línguas ágrafas.
Considerando que uma definição deve ser precisa e, principal-
mente, mobilizar itens lexicais que sejam mais compreensíveis que
aquele que se quer definir, os autores sugerem separar critérios fono-
lógicos que definem palavra fonológica, de critérios gramaticais que
definem palavra gramatical. Ressaltam ainda que cada língua é um
sistema particular que exige critérios específicos nessa empreitada.
Uma palavra fonológica (definida a partir de critérios fonoló-
gicos) é uma unidade maior (ou igual) a uma sílaba que apresenta
uma descrição de propriedades em sua definição, dentre elas (i)
características segmentais (estrutura silábica e segmental, reali-
zação fonética, fenômenos que delimitam a palavra, pausa); (ii)
características prosódicas (entonação, harmonia vocálica); e (iii)
regras fonológicas específicas.
Uma palavra gramatical, definida a partir de critérios mais
abrangentes, rumo a uma universalidade (ainda que com ressalvas),
consiste de uma unidade com um número de elementos gramaticais,
os quais (i) ocorrem sempre juntos (critério de coesão); (ii) ocorrem
em uma ordem fixa; (iii) tem uma coerência e um significado con-
vencionados; (iv) processos morfológicos envolvidos na formação

321
LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

de palavras tendem a ser não recursivos (um elemento não apa-


recerá duas vezes na palavra); (v) presença de um afixo flexional
por palavra; (vi) ocorrência de pausa entre palavras (e não dentro
da palavra); e (vii) uma palavra pode, isoladamente, constituir um
enunciado completo.
Ainda segundo os autores, os critérios (i) e (iii) são consistentes
na definição de palavra gramatical nas línguas de sinais. Outros
critérios, como o item (ii), podem ser questionados pela organiza-
ção simultânea dos parâmetros que compõem o sinal. Neste caso,
ressaltamos a organização tanto simultânea quanto sequencial
da estrutura fonético-fonológica das línguas de sinais, a partir do
modelo segmental de movimento e suspensão proposto por Liddell
e Johnson (1989).
Por mais que haja línguas que não possuam o termo palavra
dentro de seu léxico, não há descrições de línguas sem unidades
que se encaixam dentro da definição de palavra fonológica e/ou
gramatical (DIXON; AIKHENVALD, 2003). Em línguas de sinais, o
termo SINAL tem sido usado de forma equivalente à palavra em
línguas orais (ZESHAN, 2003a).
Para Zeshan (2003a), o termo glosado como SIGN (sinal) em
algumas línguas sinalizadas pode se referir a (i) sinais enquanto
unidades; (ii) língua de sinais; ou (iii) modalidade gestual visual.
Ao passo que os termos glosados como PALAVRA, FRASE e LÍNGUA
parecem surgir no léxico dessas línguas por influência das línguas
orais. Na língua de sinais indo-paquistanesa, há o vocábulo SINAL
enquanto unidade da língua e PALAVRA que se refere à represen-
tação escrita de uma língua oral.
Nos dados a seguir, vemos os sinais LÍNGUA DE SINAIS, LIBRAS
e SINAL na Libras. O primeiro sinal, em (1), refere-se à língua de
sinais e também à Libras. Em (2), a forma LIBRAS se refere apenas
à Libras e parece ser prevalente no meio acadêmico. A circulação de

322
LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

produtos acadêmicos, por exemplo o discurso sinalizado em eventos


nacionais e internacionais, contribui para essa disseminação. O Exa-
me Nacional de Proficiência em Libras (Prolibras) promovido pelo
Ministério da Educação é um exame de larga escala que reflete (e
favorece) a disseminação e padronização de novas formas lexicais.
Os atores surdos que filmaram a prova objetiva (primeira etapa) em
sua edição de 2015 utilizaram o sinal LIBRAS para fazer referência à
Libras, o que não aconteceu nas edições anteriores. Antes de 2015,
o sinal utilizado para Libras era o mesmo para língua de sinais. A
disseminação e padronização de novos sinais é uma discussão re-
levante em planejamento linguístico (SCHERMER, 2012). Em (3),
o sinal SINAL diz respeito à noção de unidade lexical, bem como
nome próprio em língua de sinais (antropônimo).

1. LÍNGUA DE SINAIS

Fonte: Imagem elaborada pelo autor.

2. LIBRAS

Fonte: Imagem elaborada pelo autor.

323
LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

SINAL

Fonte: Imagem elaborada pelo autor.

Os sinais PALAVRA e MORFEMA parecem ser oriundos da in-


fluência de línguas orais. Em (4), o sinal PALAVRA faz menção ao
registro escrito de uma palavra da língua oral e MORFEMA, em (5),
sugere uma organização concatenada de elementos enquanto partes
de uma palavra. Essa concatenação é característica de línguas orais.

4. PALAVRA em Libras

Fonte: Imagem elaborada pelo autor.

5. MORFEMA em Libras

Fonte: Imagem elaborada pelo autor.

324
LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

A nível lexical, as línguas de sinais parecem apresentar uma


organização não concatenativa e forte carácter icônico. Uma modi-
ficação interna do sinal pode criar um novo item lexical (parâmetros
vistos como fonemas) ou acrescentar uma nova informação ao lexe-
ma (parâmetros vistos como morfemas). Existem ainda fenômenos
produtivos de justaposição e mesclagem. Além disso, há marcações
não manuais que envolvem a disposição do corpo, expressões faciais,
olhar do sinalizante e o uso do espaço de sinalização, que assumem
importante papel na construção de significado (CARNEIRO, 2015,
2016, 2023; FARIA-NASCIMENTO, 2013; FELIPE, 2006; JOHNSTON;
SCHEMBRI, 1999; ZESHAN, 2003a, 2003b). Enfim, importante res-
saltar que

[a] falta de uma estrutura sequencial complexa não


implica que as línguas de sinais sejam predominante-
mente do tipo isolante. Ao contrário, os sinais exibem
considerável complexidade morfológica. Entretanto,
a complexidade morfológica é quase exclusivamente
simultânea do que sequencial. Ou seja, as modificações
morfológicas típicas surgem a partir de alterações da
forma interna do sinal (ZESHAN, 2003a, p. 156).

O estabelecimento de paralelos entre modalidades nos conduz


a reflexões importantes sobre a natureza da linguagem humana. De
acordo com Zeshan (2003a), a legitimação de um universal acontece
quando ele é aplicado às línguas de sinais. Nesse sentido, temos
muito o que aprender com a linguística das línguas sinalizadas.
Noções como sílaba, características segmentais, características
suprassegmentais e regras fonológicas, como prototipicidade e res-
trição, são conceitos discutidos nas línguas de sinais, o que atenderia
à proposta de palavra fonológica. Em relação à palavra gramatical,
alguns critérios aplicados às línguas orais podem ser inconsistentes
entre modalidades. Em línguas de sinais, por exemplo, é impossí-

325
LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

vel alterar o parâmetro movimento (para acrescentar significados


aspectuais, por exemplo) sem que haja a presença da configuração
de mão. O mesmo acontece em relação à incorporação de numeral.
Devido à natureza articulatória simultânea, as noções de coesão e
ordem enquanto critérios parecem ser melhor aplicados em línguas
orais de morfologia concatenativa, e, talvez, possam ser aplicados
em sinais com trajetória de movimento e em sinais compostos. O
critério coerência e significado convencionalizado pode ser aplicado
às línguas de sinais, conforme mencionado anteriormente (DIXON;
AIKHENVALD, 2003; ZESHAN, 2003a).
É importante considerar aspectos específicos da modalidade.
Segundo Zeshan (2003a), discutir sobre sinal nas línguas de sinais
pode ir muito além do que é conhecido sobre palavra nas línguas
orais. Sobre isso, Leite (2013) faz uma provocação oportuna e nos
convida a pensar sobre como seria a “descoberta” e, consequen-
temente, a descrição das línguas orais, caso o arcabouço teórico-
-metodológico da linguística fosse consolidado a partir das línguas
de sinais. Existem características intramodais únicas das línguas
de sinais que, certamente, causariam constrangimentos da falta de
estrutura nas “novas línguas” e vieses nessa empreitada.
Nas línguas de sinais, dois articuladores (manuais) estão dis-
poníveis enquanto que apenas um articulador está disponível nas
línguas orais. Isso possibilita a produção de duas palavras simulta-
neamente, mesmo havendo restrições. Em sinais bimanuais, pode
haver a manutenção da mão não dominante em suspensão em um
tempo maior que o previsto em uma articulação prototípica. Esse
fenômeno tem sido nomeado de boia e possui efeitos semânticos
e discursivos importantes, sem equivalente em línguas orais (LID-
DELL, 2003). Um sinal pode, inclusive, ser manipulado fisicamente
por estar visualmente disponível no espaço de sinalização, o que
também não acontece em línguas orais (MCCLEARY; VIOTTI, 2011).

326
LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

O caráter icônico parece ocupar um papel central nas línguas


de sinais. De acordo com Taub (2001), vivemos em um mundo vi-
sual. Os referentes são concebidos por imagens visuais que, nem
sempre, apresentam um som associado, por isso a maior preva-
lência da iconicidade na estrutura léxico-gramatical em línguas de
sinais que em línguas orais. Referentes abstratos também exibem
um forte caráter icônico, por extensões metafóricas corporalmente
embasadas. Independente dos níveis de iconicidade do sinal (e de
seus componentes sublexicais), as línguas de sinais lançam mão
dessa especificidade de maneira robusta durante a construção de
significado.
Assim, há desafios importantes para a linguística teórica, por
exemplo, em relação à dupla articulação enquanto caráter produ-
tivo das línguas naturais a partir de unidades mínimas discretas,
recombinativas e sem significado. Esse não parece ser o caso das
línguas sinalizadas (LEITE, 2008; ZESHAN, 2003a).
Nas línguas de sinais, há construções tradicionalmente intitula-
das de “classificadores”, que, em geral, descrevem formas geométri-
cas, manipulação de objetos, movimento e localização de referentes.
“Essas construções são altamente produtivas nas línguas de sinais
e são a principal fonte de enriquecimento lexical” (ZESHAN, 2003a,
p. 172). Existem sinais que consistem de apontamentos para partes
do corpo e outros que compartilham uma mesma base metafórica,
compartilhando certos aspectos de suas formas e significados. Sinais
do campo semântico que envolve cognição, por exemplo, geralmente
são articulados na testa e na região temporal. Em (6), o sinal com a
configuração de mão em zero e que tem esse ponto de articulação
significa sem saber. Outro sinal com a mesma configuração de mão,
em (7), mas que é articulado no braço, significa sem escolaridade,
pois o campo semântico relacionado à escolaridade envolve o ponto
de articulação braço contralateral.

327
LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

6. SEM SABER em Libras

Fonte: Imagem elaborada pelo autor.

7. SEM ESCOLARIDADE em Libras

Fonte: Imagem elaborada pelo autor.

Novamente, as especificidades intramodais não podem ser ne-


gligenciadas. As teorias linguísticas podem avançar muito através
do estudo de uma língua de sinais, mais do que de uma língua oral
(ZESHAN, 2003a).

Ação gestual e o léxico em línguas de sinais

A linguística das línguas sinalizadas deve, então, se


voltar para o estudo dos sistemas semióticos visuais
e espaciais, para, a partir do entendimento de seu
funcionamento, começar a conceber explicações para
um sistema em que gesto e língua vivem em perfeita
harmonia (MCCLEARY; VIOTTI, 2011, p. 302).

328
LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

Ação gestual não pode ser definida, grosso modo, como movi-
mentos das mãos e do corpo. No caso das línguas faladas um concei-
to simplório pode até ser válido na identificação de gestos, por conta
das diferenças de modalidade, mas, certamente, reduziria todas as
línguas sinalizadas a eles. Para Correa (2007), o termo gesture no
inglês assemelha-se ao termo language pela vastidão de sentidos
e refere-se aos inúmeros fenômenos que também envolvem ações
corporais em situações de comunicação. Okrent (2002) propõe a
necessidade de uma definição livre da modalidade e independente
do papel atribuído aos gestos, pois, da mesma forma que há gestos
corporais, existem gestos vocais nas línguas orais.
Segundo Okrent (2002), gestos vocais são ações dos articula-
dores orais simultâneos ao discurso falado (oral) que se enquadram
na definição de gestos. Os gestos são produtos da ação de articu-
ladores que expressam o lado imagético do pensamento durante a
fala (oral ou sinalizada), independente da modalidade, criados para
corresponder diretamente a essa imagem. As formas criadas não são
convencionadas. Se exibem algum grau de convenção, ele é menor
que os elementos que compõem o sistema linguístico. Assim, os
padrões gestuais constroem significado de forma gradiente e não
discreta. De um ponto de vista gradiente, uma mudança na forma
conduz a uma concomitante mudança de significado e a natureza
da mudança difere de acordo com os contextos. Mas, numa visão
discreta, uma mudança na forma que não desloque o item de uma
categoria para outra, não resulta em mudança de significado.
Para a autora, exemplos de gestos vocais seriam o prolonga-
mento de uma vogal que expressa uma imagem de tempo prolon-
gado, a manipulação de parâmetros acústicos como frequência que
pode produzir sons agudos e graves, e a repetição de uma palavra
numa sentença, conduzindo-nos a uma determinada imagem por
extensão metafórica.

329
LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

Ao estarmos na presença de alguém, emitimos informações


sobre nosso status enquanto seres sociais, intenções, características
individuais e outros. Em relação às línguas orais, os gestos corporais
criam e estendem o significado de maneira mais precisa, já que até
certo ponto essa construção de significado pode estar restrita à li-
nearidade temporal da língua falada. Os gestos permitem a exibição
de aspectos pragmáticos do significado e reduzem ambiguidades
através da representação visual do contexto (KENDON, 2000). Nesse
sentido, “fala e gesto são parceiros no empreendimento comum da
construção discursiva. Um não é causa nem auxiliar do outro, nem
há uma ligação obrigatória entre eles” (KENDON, 2004, p. 128).
Em relação às línguas sinalizadas, é impossível destituir da
análise descritiva os aspectos gradientes da posição das mãos, orien-
tação da palma, corpo, cabeça, direção do olhar e da “encenação” e
“mimese” feita pelo sinalizante (CARNEIRO, 2015, 2016; DUNCAN,
2003; FELIPE, 1998; LIDDELL, 2003; MCCLEARY; VIOTTI, 2011;
OKRENT, 2002; SCHEMBRI, 2003). Liddell (2003) vai além dessa
ideia: ao considerarmos que as línguas de sinais se organizam de
forma distinta das línguas orais, aspectos gradientes e gestuais
nas línguas de sinais deixam de ser periféricos e se tornam pontos
centrais na construção de significado.
De acordo com Kendon (2004), existe um contínuo entre
gesticulação e língua de sinais, e, nesse intermédio, há gestos não
convencionados, parcialmente convencionados e sistemas gestuais
complexos (línguas de sinais primárias). McNeill (2000) esquematiza
esse contínuo a partir das categorias gesticulação, pantomima, em-
blemas e língua de sinais, que remetem a uma hierarquia em relação
ao grau de complexidade, convenção e presença de características
linguísticas. As propriedades linguísticas seriam a submissão dos
articuladores gestuais a critérios de boa formação e potencial de
combinação sintática com outros gestos. A Figura 1 a seguir ilustra
esse esquema.

330
LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

Figura 1 – Contínuo entre gestos e línguas de sinais

Fonte: McNeill (2000, p.2) – adaptado.

Segundo o autor, gesticulação é uma ação gestual realizada de


forma aleatória, não convencional e só adquire significado quando
associada à fala. Pantomima consiste de movimentos miméticos
que simulam ações reais. Emblemas são gestos convencionados
pela comunidade de fala que apresentam alguma sistematicidade
em relação ao critério de boa formação. Alguns emblemas utiliza-
dos por ouvintes falantes de línguas orais coincidem com sinais
utilizados por surdos sinalizantes de línguas sinalizadas. Línguas
de sinais são línguas de modalidade visuoespacial e estão restritas
à convenção da comunidade de sinais e às propriedades fonético-
-fonológicas da língua.
De acordo com Kendon (2004), sistemas gestuais estão conti-
nuamente emergindo, mas a manutenção desses sistemas depende
de circunstâncias apropriadas de interação social e institucionali-
zação. O contato visual por período prolongado e a reciprocidade
entre os envolvidos são condições iniciais para essa emergência.
Isso mostra que ações gestuais têm potencial para assumir traços
de um sistema linguístico.
A partir de situações que demandam o uso de gestos de manei-
ra contínua, há uma mudança na complexidade de representação
pictórica (altamente icônica). Em um processo diacrônico, essas

331
LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

representações se tornam mais simplificadas e sistematizadas pelo


resultado de economia da ação, mesmo mantendo algumas caracte-
rísticas originais (KENDON, 2004; ZESHAN, 2003b). Nesse sentido, a
ação gestual é considerada uma fonte importante para a ampliação
lexical nas línguas de sinais (FELIPE, 2006; JOHNSTON; SCHEMBRI,
1999; MCCLEARY; VIOTTI, 2011; ZESHAN, 2003a, 2003b).

Sinais semilexicalizados (classificadores)

Em línguas sinalizadas, a composicionalidade semântica


não necessariamente ocasiona um status morfêmico
de unidades sublexicais. Um sinal pode consistir de
unidades com significados, devido a sua iconicidade,
mas isso não significa que sejam morfemas (ZESHAN,
2003a, p. 173)

De acordo com Aikhenvald (2003), os chamados classificadores


nas línguas de sinais envolvem a categorização de referentes a partir
de suas propriedades, ou seja, tais construções, funcionalmente,
são semelhantes aos classificadores em línguas orais. Afinal, todas
as línguas classificam, embora nem todas as línguas façam isso
gramaticalmente. Para Liddell (2003), essas construções parecem
depender da experiência corporal, mas não descartam a possibili-
dade de que alguns significados venham de unidades semelhantes
aos classificadores em línguas orais.
Schembri et al. (2005) fizeram um estudo que reforça essa
perspectiva. Os autores compararam construções classificadoras
realizadas por sinalizantes da língua de sinais australiana, da língua
de sinais tailandesa e gestos de ouvintes não sinalizantes, através
de uma bateria de testes eliciados. O estudo analisou os traços con-
figuração, localização das mãos, modo e trajetória de movimento.
Nos resultados da pesquisa, as configurações de mão exibiram pouca
similaridade entre os grupos. Ainda em relação a este parâmetro,

332
LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

os sinalizantes produziram uma menor variação por categoria de


referentes em relação aos não sinalizantes. Segundo os autores,
a escolha das configurações pelos sinalizantes está relacionada
a grupos específicos de referentes, ao invés de tentar representar
características específicas de um único referente. Em relação aos
demais parâmetros, houve grande similaridade na representação de
movimento e localização das mãos entre os três grupos (construções
classificadoras nas duas línguas de sinais e gestos dos ouvintes). Essa
similaridade reforça a ideia de que as línguas sinalizadas partilham
algumas propriedades gestuais.
Os classificadores nas línguas de sinais, podem ser considerados
estruturas semilexicalizadas, altamente produtivas e icônicas, em
que os componentes sublexicais possuem forte carga semântica.
Por conta da semilexicalidade, tais construções precisam ter seu
significado atribuído por outros sinais ou pelo contexto.2 Grosso
modo, essas estruturas descrevem (i) formas geométricas; (ii) ma-
nipulação de objetos; e (iii) movimento e localização de referentes
(JOHNSTON; SCHEMBRI, 1999, 2006; KENDON, 2004; ZESHAN,
2003a; 2003b).
Em construções que remetem a (i) formas geométricas, as
mãos podem assumir uma vastidão de possibilidades a partir das
propriedades físicas do referente. As mãos podem se movimentar ou
permanecer no espaço de sinalização para representar um esboço
visual do referente, ou ainda, representar o referente em si (LID-
DELL, 2003; ZESHAN, 2003b). Segundo Zeshan (2003b), não existe
um extenso vocabulário para objetos (sinais lexicais) na língua
de sinais indo-paquistanesa. Eles são referenciados a partir dessa
construção imagética. A autora ressalta ainda que

2 De acordo com Johnston e Schembri (1999), a produtividade e o caráter semilexical das cons-
truções classificadoras lançam um desafio para o planejamento de corpus das línguas de sinais.
Devido à infinidade de produções possíveis na combinação dos parâmetros, considerando que
uma mudança sutil acarreta em uma mudança no significado, a entrada de tais construções em
dicionários, por exemplo, tornaria a obra lexicográfica muito extensa.

333
LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

[o]s mesmos sinais (sinais que representam formas


geométricas) podem referir a outros objetos em um
contexto diferente e, da mesma forma, o mesmo objeto
pode ser referenciado por uma construção diferente,
dependendo de como o objeto é visualmente construído
(ZESHAN, 2003b, p. 117).

Isso reforça o conceito de que os classificadores nas línguas


de sinais são construções altamente pragmáticas. A estrutura tem
que ser legitimada por algum sinal ou situação imediata de uso,
atribuindo-lhe significado. Em (8), há a construção classificadora
de um jacaré, a partir do esboço da imagem do animal que está
parcialmente submerso na água. A construção foi observada na
sinalização de um surdo adulto, narrando o episódio durante um
passeio no Rio Araguaia.

8. JACARÉ (sinal semilexical)

Fonte: Imagem elaborada pelo autor.

Em construções de (ii) manipulação de objetos, a configuração


de mão está de acordo com o tipo de objeto manipulado, cujo movi-
mento simula seu uso no mundo real. Claramente, há uma relação
entre o objeto manipulado e a configuração de mão envolvida.
Segundo Zeshan (2003b), esse fenômeno é melhor descrito como
restrição seletiva. Isso acontece quando certos predicados restrin-

334
LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

gem a seleção de seus argumentos. Além disso, a autora propõe


que a escolha da configuração de mão, nessas construções, seria
improvisada, ou seja, qualquer configuração que uma pessoa use
na ação (no mundo real) pode ser usada para descrever a situação
correspondente.

Na língua de sinais indo-paquistanesa, a escolha da


configuração de mão não é aleatória (como se qualquer
configuração pudesse ser usada com o objeto). Há uma
relação entre os objetos manipulados e a configuração
usada, mas isso não sugere que a língua de sinais indo-
-paquistanesa tenha um paradigma organizado que se
contraste gramaticalmente (ZESHAN, 2003, p. 122).

Em (9), a construção ABRIR (pacote de balas) enquanto sinal


semilexical ilustra o caráter improvisado da configuração de mão. A
mesma disposição dos parâmetros nessa construção poderia remeter
à ação de atar uma corda.

ABRIR pacote de balas (sinal semilexical)

Fonte: Imagem elaborada pelo autor.

As construções de (iii) movimento e localização, remetem à


concepção da posição e movimento dos referentes envolvidos no
mundo. Neste caso, as configurações de mão parecem se comportar

335
LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

como classificadores nas línguas orais, por se tratarem de unidades


sublexicais que representam um grupo de referentes, a partir de suas
propriedades físicas. O sinalizante as posiciona dentro de uma con-
cepção mapeada no espaço físico imediato. Os demais parâmetros
(a localização, movimento e orientação das mãos) seriam aspectos
gradientes (LIDDELL, 2003; ZESHAN, 2003b). Em (10), temos uma
construção de movimento e localização. Trata-se de um canhão
próximo a uma estrutura de madeira, mas a mesma disposição dos
parâmetros nessa construção poderia remeter à posição de um
guarda-chuva parcialmente aberto que está disposto no chão, ou
ainda, à posição de um vegetal como um cogumelo.

10. CANHÃO (sinal semilexical)

Fonte: Imagem elaborada pelo autor.

Novamente, Zeshan (2003b) argumenta a favor da restrição


seletiva como fenômeno padrão que, neste caso, destina-se à seleção
do argumento sujeito. Ainda assim, “é difícil decidir se uma confi-
guração de mão é um morfema classificador ou se a carga semântica
se deve a sua iconicidade” (ZESHAN, 2003b, p. 118).
As construções classificadoras de (i) formas geométricas, (ii)
manipulação de objetos e (iii) movimento são produtivas e podem
se tornar lexicalizadas. Uma construção pode ser regularmente
utilizada e se tornar lexical com forma e significado estáveis. Vale
ressaltar que todas as línguas mudam e essa mudança envolve

336
LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

também a emergência de formas gramaticais. Nas línguas, há um


processo permanente em que itens lexicais se tornam gramaticais
e formas (menos) gramaticais se tornam mais gramaticais.

Sinais lexicalizados

Quaisquer sinais podem ser lexicalizados, mesmo sendo


explicitamente motivados de alguma forma (JOHNS-
TON; SCHEMBRI, 1999, p. 128).

Quando se discute a noção de palavra nas línguas do mundo,


muitas vezes, o termo palavra acaba se referindo tanto ao lexema
quanto às suas formas variantes (formas oriundas de um lexema).
Mas, lexema e palavra são conceitos distintos, embora ambos fre-
quentemente sejam nomeados de palavra.
Conforme mencionado, há uma distinção entre os conceitos
de lexema e de palavra. Para Lyons (1987), lexema é uma unidade
mínima distintiva do sistema semântico de uma língua, uma raiz
ou forma que perpassa outras formas flexionadas, enquanto que
palavra é a forma flexionada de um lexema. Nesse sentido, a for-
ma look (olhar) em inglês, por exemplo, é um lexema, enquanto
que a forma looks (olha – presente, sujeito 3º pessoa do singular)
é uma palavra (oriunda do lexema look). Em latim, a forma lup
(lobo) é um lexema e a forma lupus (nominativo singular) é uma
palavra. Em línguas sinalizadas, as palavras (sinais) também são
formas oriundas de um lexema (unidade distintiva do sistema
semântico). Em Libras, a forma AVISAR pode ser considerada um
lexema, enquanto que 1AVISAR2 pode ser compreendida como
uma palavra (sinal).
Johnston e Schembri (1999) definem lexema em línguas de
sinais como uma forma definida, regular e fortemente associada a
um significado que não é previsível ou um pouco menos específi-

337
LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

co que os sinais componenciais, ou ainda, que tenha uma relação


totalmente arbitrária entre forma e significado. Os autores trazem
essa definição para distinguir formas lexicalizadas de formas se-
milexicalizadas.
O processo de lexicalização pode envolver o surgimento de
lexemas oriundos de ações gestuais e construções classificadoras.
Isso gera uma relação de um-para-um entre forma e significado. A
lexicalização das construções de (i) formas geométricas, (ii) mani-
pulação de objetos e (iii) movimento e localização, é produtiva em
línguas de sinais e quando uma dessas construções é usada regular-
mente, ela pode se tornar um sinal lexical (JOHNSTON; SCHEMBRI,
1999; ZESHAN, 2003a; 2003b).
A seguir, apresentamos os sinais COPO e JACARÉ, que parecem
ter o significado cristalizado a partir da construção classificadora
de (i) formas geométricas.

11. COPO (sinal lexical)

Fonte: Imagem elaborada pelo autor.

338
LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

12. JACARÉ (sinal lexical)

Fonte: Imagem elaborada pelo autor.

Para a descrição de um determinado tipo de copo, pode ser


necessário justapor uma nova construção classificadora ao sinal, ou
ainda, o sinal pode ter os parâmetros formacionais novamente como
componenciais em uma estratégia de deslexicalização (descrito na
seção seguinte). No caso do sinal lexical JACARÉ, ele pode atribuir
significado à construção mencionada em (8) (JACARÉ – construção
semilexical).

Um sinalizador pode usar diversos sinais para descrever


a parede, o teto, a porta, a janela, com diferentes graus
de precisão. O sinal lexical de CASA, por outro lado, é
sempre produzido da mesma forma. Ele pode ser modi-
ficado por uma construção descritiva a mais, mas ele em
si será um sinal simples. Além disso, a forma do sinal é
independente da atual forma da casa, tanto que o sinal
não se refere apenas às casas com telhados triangulares,
mas a qualquer tipo de casa (ZESHAN, 2003b, p. 135).

Reflexão semelhante também pode ser feita na Libras. O sinal


CASA, provavelmente lexicalizado a partir de uma construção de
forma geométrica, se refere a qualquer tipo de habitação (como
um apartamento, por exemplo), por mais que o sinal tenha uma
motivação residual.

339
LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

Em (13), vemos o sinal LEITE, que parece ser oriundo de


uma construção classificadora de (ii) manipulação de objeto a par-
tir da ação de ordenhar uma vaca. A forma fonológica deste sinal é
polissêmica, pois também pode significar cor branca.

13. LEITE (sinal lexical)

Fonte: Imagem elaborada pelo autor.

Os sinais lexicais ENCONTRAR e ACOMPANHAR, ilustrados em


(14) e (15), respectivamente, parecem ser resultado de construção
classificadora de (iii) movimento e localização, que remetem ao
encontro e acompanhamento físico de dois referentes concretos.
Apesar da motivação concreta, os sinais também são utilizados em
contextos abstratos.

14. ENCONTRAR (sinal lexical)

Fonte: Imagem elaborada pelo autor.

340
LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

15. ACOMPANHAR (sinal lexical)

Fonte: Imagem elaborada pelo autor.

Os sinais lexicais são distintos de sinais semilexicais do ponto


de vista fonológico, semântico e sintático (JOHNSTON; SCHEMBRI,
1999; ZESHAN, 2003a, 2003b). Fonologicamente, os parâmetros
formacionais dos classificadores podem ser vistos como fonomorfe-
mas devido à sua carga semântica. Mudanças sutis nos parâmetros
trazem mudanças de significado. Com o processo de lexicalização,
os parâmetros são vistos apenas como fonemas. A forma que inicial-
mente tinha maior liberdade de articulação, se torna fixa. Mudanças
nos parâmetros não alteram o significado. Neste caso, a variação é
considerada alofônica.
Em uma perspectiva semântica, os classificadores são compo-
nenciais, ou seja, as partes que compõem o sinal contribuem para a
construção de significado que é próximo a uma leitura literal. Com
o processo de lexicalização, essa leitura tende a se distanciar de sua
construção original, apesar de poder ser reconstruída em certas con-
dições. A semântica composicional é perdida e o sinal lexicalizado
deixa de ser analisado a partir de seus componentes. O significado
do sinal lexical é relativamente independente do contexto e os
parâmetros como um todo formam o significado.

341
LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

Do ponto de vista sintático, os classificadores parecem se com-


portar como predicados. No caso de construções de formas geomé-
tricas, comportam-se como predicados descritivos. As construções
de manipulação de objetos predicam objetos e as construções de
movimento e localização predicam sujeitos, ambas seguindo o prin-
cípio de restrição seletiva. Pelo fato de terem o significado atribuído
por outros sinais (ou pelo contexto), os classificadores podem ser
posicionados no final da sentença, bem como ser justapostos por
sinais lexicais que, de alguma forma, remetem ao mesmo significa-
do, só que de forma mais genérica. Lexicalizados, os sinais podem
funcionar como predicados ou argumentos. Isso faz com que nomes
e verbos possuam a mesma forma fonológica. Nessas situações, a
função do sinal é definida pela posição sintática.
Johnston e Schembri (1999), trazem outros elementos na
distinção de sinais lexicais e semilexicais. Segundo os autores,
durante a articulação de sinais lexicais, o olhar é mais direcionado
ao interlocutor enquanto que em sinais semilexicais, o olhar é di-
recionado tanto ao interlocutor quanto às mãos do sinalizante. O
comportamento bimodal (oralização simultânea) é mais provável
em sinais lexicais do que em semilexicais.

Deslexicalização

Um determinado sinal após atingir o status de lexical apresenta


uma forma estável e significado cristalizado, ou seja, seu significado
não precisa ser atribuído. Os componentes do sinal podem ser vistos
apenas como fonemas. O significado deixa de ser componencial e
pode haver perda da motivação icônica.
Johnston e Schembri (1999) citam o processo de deslexica-
lização nas línguas de sinais, em que um sinal (lexical) pode ser
manipulado de maneira tal que os parâmetros, quando modificados,

342
LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

acrescentam um novo significado à base lexical. As partes que com-


põem o sinal contribuem para a construção de significado.
Para ilustrar esse fenômeno na Libras, os dados em (16)
ilustram três sinais: (i) CASA (lexical), (ii) uma construção classifi-
cadora que descreve o telhado de uma casa e (iii) uma construção
classificadora que descreve a estrutura que recebe as telhas.

16. CASA (lexical), telhado (semilexical) e estrutura (semilexical)

Fonte: Imagem elaborada pelo autor.

No sinal CASA (lexical), o significado é formado pelo conjunto


dos parâmetros, ou seja, o significado é não componencial. No se-
gundo e terceiro sinal (semilexical), eles podem ser considerados
como oriundos da forma lexical, que volta a ser componencial, ou
seja, os parâmetros estão disponíveis para serem manipulados. Em
uma nova forma, os parâmetros contribuem para a construção do
significado, pois passam a ter uma forte carga semântica.
Em (16), vemos que a modificação dos parâmetros provoca uma
mudança de significado. Na segunda imagem, há uma alteração na
posição das mãos, que descrevem a estrutura triangular e estreita
do telhado de uma casa. Na terceira imagem, há uma alteração da
configuração de mão, que descreve visualmente o alicerce do telhado
de uma casa. Ressaltamos que os dados foram obtidos a partir da
conversação espontânea entre surdos e, por isso, retratam a mani-
festação da língua em uso.

343
LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

Considerações finais

Neste capítulo vimos que as ações gestuais são fontes im-


portantes para ampliação lexical e construção de significado nas
línguas de sinais
Os classificadores são construções produtivas e ricas em gesto,
com características fonológicas, semânticas e sintáticas específicas,
e, por isso, é possível estabelecer uma distinção entre sinais (lexi-
cais) e classificadores (sinais semilexicais). Em um processo diacrô-
nico, as construções classificadoras podem ser tornar lexicalizadas
e, em algumas situações, sinais lexicais podem ser deslexicalizados.
Conforme Zeshan (2003a), a noção de palavra em línguas de
sinais pode ir muito além do que é conhecido sobre o tema em
línguas orais. Mais estudos precisam ser feitos sobre esse nível de
análise na Libras para desvendarmos características da língua, da
modalidade e, consequentemente, da linguagem humana. As lín-
guas de sinais estão disponíveis para problematizar e enriquecer os
construtos teóricos que foram estabelecidos a partir da linguística
de línguas orais.

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LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

ZESHAN, U. ‘Classificatory constructions in Indo-Pakistani sign language:


Grammaticalization and lexicaliztation processes. In: EMMOREY, K. Perspectives
on classifier constructions in sign languages. Mahwah: Lawrence Erlbaum
Associates, 2003b. Cap. 6. p. 113-141.

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LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

SOBRE OS AUTORES

Alessandra Cruz (UFRR)


Doutorado em andamento em Linguística e Língua Portuguesa (UNESP). Mestrado
em Letras (UFRR). Graduação em Artes Visuais e em Letras-Português. Professora
da UFRR no Curso de Letras-Libras.

Aline Nunes de Sousa (UFSC)


Possui graduação em Letras Português/Inglês (UECE, 2005), mestrado em Linguís-
tica Aplicada (UECE, 2008) e doutorado em Linguística (UFSC, 2015). É professora
de Linguística e Linguística Aplicada nos Cursos de Graduação em Letras/Libras
(Departamento de Libras) da Universidade Federal de Santa Catarina desde 2010.
Atualmente é vice-líder do Grupo de Pesquisa “Grupo de Estudos Linguísticos da
Libras” (CNPQ/UFSC). Também faz parte do Projeto de Pesquisa “Plataforma Na-
cional de Libras: desenvolvimento, interação e disseminação da documentação na
Libras” (UFSC), onde atua especificamente no subprojeto “Ensino de Libras como
L2: Quadro de Referência da Libras”. Coordena o Projeto de Extensão “Ensino
de Inglês Escrito para Surdos”, no qual ministra aulas de inglês para surdos por
meio da Libras e supervisiona/forma monitores para a docência do inglês para
surdos. Atua também na formação de tradutores e intérpretes do par linguístico
Libras-Português, integrando, inclusive, o Programa de Extensão “TILSJUR: indis-
sociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão”, onde dialoga sobre tradução e
interpretação de línguas de sinais em contextos jurídicos e policiais. Tem também
experiência como professora de português como segunda língua (L2) para surdos,
além de trabalhar com formação de professores de línguas para surdos (português
L2 e inglês L3).

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LÍNGUA BRASILEIRA DE SINAIS:
linguística aplicada, educação e descrição linguística

André Nogueira Xavier (UFPR)


Possui graduação em Letras (Linguística e Português) (2002), mestrado em Se-
miótica e Linguística Geral (2006) pela USP e doutorado em Línguística (2014)
pela Unicamp, com estágio na University of New Mexico (Estados Unidos). Foi
professor-tutor do curso de licenciatura em letras-libras (2006-2010) da UFSC
(Polo USP) e professor visitante (2014) do bacharelado em letras-libras da UFRR.
Realizou pós-doutorado (2015) na University of British Columbia (Canadá) e
realizou pós-doutorado (2015-2016) na USP. Atualmente é professor do curso de
letras-libras da UFPR. Desde o mestrado, trabalha com fonética/fonologia da libras,
especificamente, com variação articulatória livre e motivada por coarticulação e
modificação de parâmetros articulatórios para a expressão de intensidade. Além
de investigar aspectos fonético-fonológicos e morfofonológicos na libras, tem
desenvolvido também pesquisa sobre iconicidade lexical e gramatical, boias de
listagem, negação, modais e toponímia nessa língua com base em correntes lin-
guísticas cognitivista e funcionalista.

Bruno Gonçalves Carneiro (UFT)


Doutorado em Letras e Linguística (UFG) com estágio na Universidad Autónoma
del Estado de Morelos (México). Mestrado em Letras e Linguística (UFG). Gradua-
ção em Letras-Libras (UFSC). Atualmente é professor da UFT no Curso de Letras-
-Libras e no Programa de Pós-Graduação em Letras, e da UFSC no Programa de
Pós-graduação em Linguística. Atua nos seguintes temas: tipologia linguística de
línguas de sinais, descrição e análise de categorias gramaticais na Libras, e educação
de surdos. Integra a comissão de estudos para a implementação de uma Educação
Bilíngue de Surdos na Rede Estadual de Ensino do Estado do Tocantins e inserção
da Língua Brasileira de Sinais como componente curricular

Carlos Roberto Ludwig (UFT)


Doutorado em Letras (UFRGS). Mestrado em Letras (UFRGS). Graduação em Letras-
-Português/Francês e em Letras-Português/Inglês. Professor da UFT no Curso de
Letras-Libras e no Programa de Pós-Graduação em Letras.

Daniele Miki Fujikawa Bózoli (UTFPR)


Doutora em Linguística (UFSC). Mestre em Educação (UEM). Especialista em Edu-
cação Bilíngue para Surdos - Libras e Língua Portuguesa (IPE). Graduada em Letras
Libras (UFSC) e Design de Interiores (UNICESUMAR). Professora da Universidade
Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR Câmpus Apucarana). Autora do livro in-

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linguística aplicada, educação e descrição linguística

fantojuvenil “O Extraordinário Mundo de Miki”. Membro integrante do Projeto


Revistas Científicas Escritas em Libras (SWOJS) e do Programa FarmaLibras da
Universidade Federal do Vale do São Francisco (Univasf).

Danielle Vanessa Costa Sousa (CAS/IFMA)


É licenciada em Letras, com habilitação em Língua Inglesa, pelo Centro de Ensino
Atenas Maranhense Ltda. - FAMA (2006), mestra (2017) e doutora (2021) em Lin-
guística pela Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC. Atualmente, é Profes-
sora do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Maranhão - IFMA.
Também atua como Tradutora/Intérprete de Libras no Centro de Ensino e Apoio
a Pessoa com Surdez (CAS/MA). Possui certificação de Proficiência em tradução/
interpretação Libras/Português/Libras, níveis médio e superior. Foi professora
colaboradora no Departamento de Libras da Universidade Federal de Santa Cata-
rina -UFSC, em convênio de colaboração técnica (2019-2021). Desenvolve estudos
sobre: o ensino da Libras como língua adicional para crianças ouvintes, formação
e atuação de intérpretes de Libras no contexto educacional e jurídico, ideologias
da linguagem, violência linguística, violência contra mulheres surdas no Brasil.

Felipe de Almeida Coura (UFT)


Doutorado em Estudos Linguísticos (UFMG) com estágio na University of Toronto
(Canadá). Mestrado em Estudos Linguísticos (UFMG). Graduação em Letras-Portu-
guês/Inglês (FACIC). Professor da UFT no Curso de Letras-Libras e no Programa de
Pós-Graduação em Letras. Coordena o Focolibras (Projeto de Formação Continuada
de Professores de Libras) no estado do Tocantins. Desenvolve pesquisas com ênfase
em Linguística Aplicada, tendo como principais temas de interesse: formação de
professores de Libras; políticas linguísticas em contextos multilíngues para surdos;
ensino de Libras e ensino de línguas adicionais para alunos surdos.

Gabriela Otaviani Barbosa (UFT)


Mestrado em Linguística (UFSC). Graduação em Letras-Libras (UFG). Professora
da UFT no curso de Letras-Libras.

Igor Valdeci Ramos da Silva (UFSC)


Doutorado em andamento em Linguística (UFSC). Mestrado em Linguística (UFSC).
Graduação em Letras Português/Inglês (UNIOESTE). Tem interesse nos estudos
linguísticos da Libras e no ensino de língua inglesa para surdos. É integrante do
Grupo de Estudos Linguísticos da Libras (GELL-UFSC), coordenado pela Profa. Dra.

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linguística aplicada, educação e descrição linguística

Aline Lemos Pizzio, em que participa do mapeamento de estudos linguísticos da


Libras. Também integra o Projeto de Extensão (UFSC) “Ensino de Inglês Escrito
para Surdos”, coordenado pela Profa. Dra. Aline Nunes de Sousa, no qual é monitor
/ co-docente. Atualmente é bolsista de doutorado CAPES-PROEX.
José Ishac Brandão El Khouri (UFT)
Doutorado em andamento em Letras e Linguística (UFG). Mestrado em Letras
(UFT). Graduação em Letras-Libras. Professor da UFT no Curso de Letras-Libras.

Karolyne Quarti (UFSC)


Licenciada em Letras-Libras (UFSC). Integrou o Projeto de Extensão (UFSC) “Ensino
de Inglês Escrito para Surdos”, coordenado pela Profa. Dra. Aline Nunes de Sousa,
no qual foi monitora/co-docente no ano de 2019.

Katherine Fischer (UFPR)


Mestranda em Letras - Estudos Linguísticos pela Universidade Federal do Paraná
(UFPR). Pós-graduada em Língua Brasileira de Sinais - Libras pelo Centro Uni-
versitário Leonardo da Vinci (Uniasselvi). Pós-graduada em Educação Especial
com ênfase em Deficiência Auditiva pela Faculdade Educacional da Lapa (FAEL).
Pós-graduada em Gestão de Projetos pela Universidade de São Paulo (USP). Gra-
duada em Letras Libras - Licenciatura pela Universidade Federal do Paraná (UFPR).
Graduada em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Positivo (UP).

Marianne Rossi Stumpf (UFSC)


Professora e pesquisadora da Universidade Federal de Santa Catarina. Doutora
em Informática na Educação pela Universidade Federal de Rio Grande do Sul, com
estágio na Universidade de Paul Sabatier e Universidade de Paris 8 (2001-2005) e
pós-graduação na Universidade Católica Portuguesa (2013-2014) com os profes-
sores Alexandre Castro Caldas e Ana Mineiro, onde realizou o trabalho intitulado
“SignWriting: analisando a leitura dos sujeitos surdos por meio da ressonância
magnética funcional com apoio da Capes. Vinculada ao Programa de Pós-graduação
em linguística (PPGL). Desenvolve o sistema SignWriting, aquisição da escrita,
tradução de libras e português e os sinais-termo do glossário vinculado aos proje-
tos de pesquisas envolvendo a Documentação de Libras e Banco de sinais, ambos
coordenados pela Professora Dra. Ronice Quadros, também vinculada ao PPGL,
lidera o Grupo de Pesquisas Avançadas em Estudos Surdos (GRUPES), registrado
no CNPq, que conta com a participação dos seus orientandos, e é vice-diretora do
Centro de Comunicação e Expressão da UFSC (2021-2025). Compõe o comitê de

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linguística aplicada, educação e descrição linguística

assessoramento do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio


Teixeira (desde 2016) de Enem em Libras. Coordena o projeto de pesquisa CNPq
(2021- 2024/Processo CNPq: 402167/2022-8) “Itens lexicais e relações semânticas
na Língua Brasileira de Sinais (Libras): um estudo comparativo com a Língua de
Sinais Espanhola (LSE) e com a Língua de Sinais Alemã (DGS)”, juntamente com
a Profa, Dra, Leidiani Reis da Universidade Federal Fronteira Sul.

Melissa Maynara dos Passos Leal (IFPA)


Mestrado em Letras (UFT). Graduação em Letras-Português/Libras. Professora do
IFPA na área de Libras.

Mônica Veloso Borges (UFG)


Doutorado em Linguística (Unicamp). Mestrado em Letras e Linguística (UFG).
Graduação em Letras. Professora da UFG na Faculdade de Letras no Curso de
Graduação (Licenciatura) e Especialização em Educação Intercultural, bem como
na Pós-Graduação em Letras e Linguística.

Nicole da Cruz Rabello (UFSC)


Mestrado em Linguística (UFSC). Graduação em Letras-Inglês. Professora
de Língua Inglesa na Prefeitura Municipal de Florianópolis. Participou do
Projeto de Extensão “Ensino de Inglês Escrito para Surdos”, no qual acom-
panhou/foi monitora/co-docente das aulas de inglês para surdos mediadas
pela Libras ofertadas pelos monitores e pela professora Dra. Aline Nunes de
Sousa na UFSC. Possui especialização em Educação Inclusiva e pesquisa na
área da Libras sobre materiais didáticos para o ensino de inglês para surdos.

Rodrigo Augusto Ferreira (UFT)


Doutorado em andamento em Estudos Linguísticos (UFMG). Mestrado em Letras
(UFT). Especialista em Docência do Ensino Superior de Libras (UCAM). Graduação
em Letras-Libras (UFSC) com graduação sanduíche em University Gallaudet (EUA).
Atualmente é Professor da UFT no curso de Letras-Libras.

Rodrigo Mesquita (UFJ / UFRR)


Doutor em Letras e Linguística (UFG). Atua como professor adjunto na Universidade
Federal de Jataí (UFJ), no curso de Letras Português. Atua ainda como professor
permanente do Programa de Pós-graduação em Letras da Universidade Federal de
Roraima (PPGL-UFRR) e pesquisador associado ao Núcleo Histórico Socioambien-

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linguística aplicada, educação e descrição linguística

tal (NUHSA - UFRR). É líder do Grupo de Educação e Línguas Indígenas da UFG


(DP-CNPq) e membro do GT de Estudos Linguísticos na Amazônica Brasileira da
ANPOLL. Os interesses de pesquisas estão concentrados principalmente nos se-
guintes temas: educação bilíngue, análise sociolinguística, contato entre línguas,
formação de professores de línguas, língua portuguesa, Libras, língua Akwe Xerente,
documentação, descrição e análise de línguas orais e sinalizadas.

Sônia Marta de Oliveira (PBH)


Possui Graduação em Pedagogia (2001) pela PUC Minas. Especialização em Edu-
cação Infantil (2003) pelo Centro de Estudos e Pesquisas Educacionais de Minas
Gerais/Newton de Paiva. Mestrado (2015) e doutorado (2020) em Educação pelo
Programa de Pós-Graduação em Educação da PUC Minas. Professora da Rede Mu-
nicipal de Educação de Belo Horizonte. Tradutora e Intérprete da Língua Brasileira
de Sinais e Português. Membro do Grupo de Pesquisa Currículo crítico, Educação
Libertadora: políticas e práticas da PUC Minas. Membro do Movimento Mineiro
em Defesa da Escola Bilíngue de Surdos. Membro colaborativo do Programa Far-
maLibras da Universidade Federal do Vale do São Francisco (Univasf).

Thamara Cristina Santos (UFT)


Mestrado em andamento em Letras (UFT). Graduação em Letras-Libras (UFG).

AUTORA DO PREFÁCIO

Sandra Patrícia de Faria do Nascimento (UnB)


É professora adjunta do Curso de LSB-PSL da Universidade de Brasília. Graduada em
Letras: Português; mestra e doutora em Linguística pela Universidade de Brasília
- UnB. Aposentada da SEEDF, tem experiência em todas as etapas da educação bá-
sica, assim como no ensino Superior (graduação e pós-graduação), em instituições
públicas e particulares. Participou de Projetos Federais e de comissões assessoras.
É membro de grupos de pesquisa vinculados à LSB e à LP. Coordenou a elaboração
da Proposta Curricular para o Ensino de Português Escrito como Segunda Língua
para Estudantes Surdos da Educação Básica e do Ensino Superior (2021). Coordena
o Laboratório de Estudo, Pesquisa e Inovação na Educação Bilíngue de Surdos e
Surdocegos LEPEBS, na UnB e acompanha o Inventário Nacional da Libras DF e
entorno. Está como Coordenadora da Extensão do Instituto de Letras, desde 2020.
É colaboradora voluntária da Federação Nacional de Educação e Integração de

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Surdos (FENEIS). No Ensino Superior atua com estudantes surdos e não surdos, em
cursos de licenciatura e bacharelado em Letras. Ministrou as disciplinas: Introdução
à Linguística, Sintaxe, Semântica, Linguística Textual, Libras II, V e VI, Leitura e
Produção de Textos Escritos em Português, Morfossintaxe Contrastiva etc., além de
professora e orientadora de Estágio. Tem orientado PIBIC e Trabalhos de Conclusão
de Curso, de graduação e de programas de pós-graduação. Na pós-graduação ainda
tem atuado em cursos de formação para o ensino de Libras e docência; Já participou
de dezenas de bancas de TCC, Qualificação e Finais (Mestrado e Doutorado), além
de bancas de Concurso Público para o Ensino Superior. Tem publicações na área
da Linguística, a maioria com enfoque nas Língua de Sinais e no ensino de Língua
Portuguesa para surdos. Participou/Participa de vários projetos de pesquisa com
temas que abordam: (i) estudos linguísticos voltados à gramática da LSB/Libras e
(ii) elaboração de materiais didáticos para o ensino de LSB/Libras como primeira
língua e Língua Portuguesa como segunda língua para surdos. Entre as várias
áreas de interesse, destacam-se as metáforas em LSB, a morfossintaxe contrastiva
(LSB - LP), políticas linguísticas, teorias e práticas voltados ao ensino bilíngue de
surdos, com foco no ensino de PSLS, Lexicologia/Lexicografia e Terminologia/
Terminografia com LSB.

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