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Enfoque histórico-cultural e
aprendizagem desenvolvimental:
contribuições na perspectiva do Gepedi.
Livro I
Série Ensino Desenvolvimental
Volume 14

3
Direção Editorial
Willames Frank da Silva Nascimento

Comitê Científico Editorial


Dr. Alberto Vivar Flores
Universidade Federal de Alagoas | UFAL (Brasil)

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Universidade Federal do Rio Grande | FURG (Brasil)

Dr. Arivaldo Sezyshta


Universidade Federal da Paraíba | UFPB (Brasil)

Dr. Dante Ramaglia


Universidad Nacional de Cuyo | UNCUYO (Argentina)

Dr. Francisco Pereira Sousa


Universidade Federal de Alagoas | UFAL (Brasil)

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Universidade Federal do Rio Grande | FURG(Brasil)

Dr. Thierno Diop


Université Cheikh Anta Diop de Dakar | (Senegal)

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4
Coleção Biblioteca Psicopedagógica e Didática

Roberto Valdés Puentes


Andréa Maturano Longarezi
Orlando Fernández Aquino

Conselho Editorial
Ms. Achilles Delari Junior
Pesquisador Aposentado | Brasil

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Dra. Andréa Maturano Longarezi


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Universidade Federal da Integração Latinoamericana | Brasil

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Universidad Autónoma de Puebla | México

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Dra. Maria Aparecida Mello
Universidade Federal de São Carlos | Brasil

Dra. Maria Célia Borges


Universidade Federal do Triângulo Mineiro | Brasil

Dr. Orlando Fernández Aquino


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Dr. Roberto Valdés Puentes


Universidade Federal de Uberlândia | Brasil

Dr. Ruben de Oliveira Nascimento


Universidade Federal de Uberlândia | Brasil

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Universidade de Brasília | Brasil

Dra. Suely Amaral Mello


Universidade Paulista Júlio de Mesquita Filho | Brasil

Dra. Yulia Solovieva


Universidad Autónoma de Puebla | México

Série
Ensino Desenvolvimental

Direção
Dra. Andréa Maturano Longarezi e
Dr. Roberto Valdés Puentes

6
Roberto Valdés Puentes
Andréa Maturano Longarezi

Enfoque histórico-cultural e
aprendizagem desenvolvimental:
contribuições na perspectiva do Gepedi
Livro I
Série Ensino Desenvolvimental
Volume 14

Colaboradores:
Bianca Carvalho Ferola
Cecília Garcia Coelho Cardoso
Cláudia Silva de Souza
Ewellyne Suely de Lima Lopes
Flávia Pimenta de Souza Carcanholo
Grasiela Maria de Sousa Coelho
Ione Mendes Silva Ferreira
José Bartolomeu Jocene Marra
Leandro Montandon de Araújo Souza
Lucielle Farias Arantes
Naíma de Paula Salgado Chaves
Patrícia Lopes Jorge Franco
Paula Alves Prudente Amorim
Ruben de Oliveira Nascimento
Waleska Dayse Dias de Sousa

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DIREÇÃO EDITORIAL: Willames Frank
DIAGRAMAÇÃO: Willames Frank

O padrão ortográfico, o sistema de citações e referências bibliográficas são prerrogativas


do autor. Da mesma forma, o conteúdo da obra é de inteira e exclusiva responsabilidade
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Goiânia-GO
www.phillosacademy.com
phillosacademy@gmail.com

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

S660p
PUENTES, Roberto Valdés; LONGAREZI, Andréa Maturano,

Enfoque histórico-cultural e aprendizagem desenvolvimental: contribuições na


perspectiva do gepedi, Livro 1/(Série> Ensino desenvolvimental), Vol. 14 - PUENTES,
Roberto Valdés; LONGAREZI, Andréa Maturano, - Goiânia: Phillos Academy, 2021.

ISBN: 978-65-88994-48-1
DOI: 10.29327/545065

Disponível em: http://www.phillosacademy.com

1. Educação. 2. Psicologia Histórico-cultural. 3. Aprendizagem Desenvolvimental. 4.


Atividade de Estudo.
5. Formação de professores. I. Título.
CDD: 370
Índices para catálogo sistemático:
Educação 370

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SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO 12
Roberto Váldes Puesntes
Andréa Maturano Longarezi

Capítulo 1 17
Pesquisas histórico-culturais e desenvolvimentais realizadas no âmbito do
GEPEDI: estado da arte
Roberto Valdés Puentes
Andréa Maturano Longarezi

PARTE I 40
CONTRIBUIÇÕES DO GEPEDI NA PERSPECTIVA DO
ENFOQUE HISTÓRICO-CULTURAL

Capítulo 2 41
O termo mediação em textos de Lev S. Vigotski: caracterização, enfoques
e implicações na educação
Ruben de Oliveira Nascimento

Capítulo 3 79
A constituição humana pela unidade personalidade-psique-atividade:
contribuições de S. L. Rubinstein para o campo educacional
Leandro Montandon de Araújo Souza

Capítulo 4 122
Contribuições de L. I. Bozhovich para a compreensão da formação e
desenvolvimento da personalidade: Um estudo introdutório
Ione Mendes Silva Ferreira
Andréa Maturano Longarezi

Capítulo 5 154
A psicologia histórico-cultural soviética (1917-1991): Problemas de
paternidade associados as obras e autores importantes
Roberto Valdés Puentes

9
Capítulo 6 176
Docência com adolescentes: contribuições para um ensino
desenvolvimental
Cláudia Silva de Souza

Capítulo 7 199
Os princípios didáticos na perspectiva marxista da educação: uma análise à
luz da teoria da subjetividade
Naíma de Paula Salgado Chaves
Roberto Valdés Puentes

PARTE II 235
CONTRIBUIÇÕES DO GEPEDI NA PERSPECTIVA DA TEORIA
DA APRENDIZAGEM DESENVOLVIMENTAL

Capítulo 8 236
A periodização do desenvolvimento e a teoria da atividade de estudo de
D. B. Elkonin
Ewellyne S. L. Lopes

Capítulo 9 267
V. V. Davidov: contribuições à teoria da atividade de estudo 267
Cecília Garcia Coelho Cardoso
Roberto Valdés Puentes

Capítulo 10 311
Aportes de V. V. Repkin para o desenvolvimento da teoria da atividade de
estudo (1963 – 2019)
Paula Alves Prudente Amorim
Roberto Valdés Puentes

Capítulo 11 345
Princípios didáticos, orientações metodológicas e desenvolvimento
integral do estudante: contribuições de L. V. Zankov
Bianca Carvalho Ferola
Andréa Maturano Longarezi

Capítulo 12 381
Obutchénie por unidades: uma concepção histórico-cultural de didática
desenvolvimental
Andréa Maturano Longarezi

10
Capítulo 13 415
A aprendizagem criativa do sujeito: um estudo à luz da Didática
Desenvolvimental e da Teoria da Subjetividade
Flávia Pimenta de Souza Carcanholo

Capítulo 14 451
Por uma Didática Desenvolvimental da Subjetividade no ensino de
Música na escola
Lucielle Farias Arantes

PARTE III 486


CONTRIBUIÇÕES DO GEPEDI PARA A FORMAÇÃO DE
PROFESSORES NA PERSPECTIVA DESENVOLVIMENTAL

Capítulo 15 487
Formação didática de professores “em” e “para” uma abordagem
desenvolvimental: um olhar a partir dos contextos soviético e brasileiro
Andréa Maturano Longarezi

Capítulo 16 522
Desenvolvimento dos motivos formadores de sentido de professores e
estudantes em conceitos matemáticos no ensino fundamental
Patrícia Lopes Jorge Franco

Capítulo 17 561
Colaboração e criatividade na formação para o desenvolvimento de
professores universitários
Walêska Dayse Dias de Sousa

Capítulo 18 598
Trabalho e docência universitária: a formação contínua como processo
político-pedagógico-psicológico de produção de conhecimento
Grasiela Coelho

Capítulo 19 630
A formação do professor de/em línguas em Moçambique pela estratégia
da intervenção didático-formativa: das abstrações à síntese possível para a
didática do Português
José Bartolomeu Jocene Marra

SOBRE OS AUTORES 655

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APRESENTAÇÃO

O presente livro tem como propósito apresentar uma síntese,


mesmo que parcial, da contribuição teórica do Grupo de Estudos e
Pesquisas em Didática Desenvolvimental e Profissionalização Docente
(Gepedi), criado em 2008, a partir da divulgação do conteúdo de
resultados de pesquisa de seus coordenadores, bem como de algumas das
dissertações de mestrado e teses de doutorado realizadas e defendidas,
entre 2014 e 2021, em três frentes fundamentais: (1) enfoque histórico-
cultural, (2) aprendizagem desenvolvimental e atividade de estudo, (3)
atividade pedagógica e formação de professores nessas perspectivas. Em
tal sentido, a obra está estruturada em um capítulo introdutório e três
partes, somando ao todo 19 capítulos.
O primeiro capítulo, intitulado “Pesquisas histórico-culturais e
desenvolvimentais realizadas no âmbito do GEPEDI: estado da arte”, de
Roberto Valdés Puentes e Andréa Maturano Longarezi, apresenta na
forma de estudo introdutório o movimento experimentado pelas
pesquisas brasileiras no âmbito da teoria da aprendizagem
desenvolvimental, bem como mostra o lugar que, no interior das mesmas,
tem sido assumido pelo Gepedi.
A primeira parte, intitulada Contribuições do Gepedi na perspectiva do
enfoque histórico-cultural, está integrada pelos capítulos “O termo mediação
em textos de Lev S. Vigotski: caracterização, enfoques e implicações na
educação”, de Ruben de Oliveira Nascimento; “A constituição humana
pela unidade Personalidade-Psique-Atividade: contribuições de S. L.
Rubinstein para o campo educacional”, de Leandro Montandon de Araújo
Souza; “Contribuições de L. I. Bozhovich para a compreensão da
formação e desenvolvimento da personalidade: um estudo introdutório”,
de Ione Mendes Ferreira Silva e Andréa Maturano Longarezi; “A
psicologia histórico-cultural soviética (1917-1991): problemas de
paternidade associados a obras e autores importantes”, de Roberto Valdés
Puentes; “Docência com adolescentes: contribuições para um ensino
desenvolvimental”, de Cláudia Silva de Souza; “Os princípios didáticos na
perspectiva marxista da educação: uma análise à luz da Teoria da

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Subjetividade”, de Naíma de Paula Salgado Chaves e Roberto Valdés
Puentes.
Integram a segunda parte, Contribuições do Gepedi na perspectiva da
teoria da aprendizagem desenvolvimental, os textos “A periodização do
desenvolvimento e a teoria da atividade de estudo: uma análise das
contribuições de D. B. Elkonin à luz da teoria da subjetividade”, de
Ewellyne Suely de Lima Lopes; “Teoria da atividade de estudo:
contribuições de V. V. Davidov”, de Cecília Garcia Coelho Cardoso e
Roberto Valdés Puentes “Teoria da atividade de estudo: contribuições de
V. V. Repkin”, de Paula Alves Prudente Amorim e Roberto Valdés
Puentes; “Princípios didáticos, orientações metodológicas e
desenvolvimento integral do estudante: contribuições de L. V. Zankov”,
de Bianca Carvalho Ferola e Andréa Maturano Longarezi; “Obutchénie por
unidades: uma concepção histórico-cultural de didática desenvolvimental”,
de Andréa Maturano Longarezi; “A aprendizagem criativa do sujeito: um
estudo à luz da Didática Desenvolvimental e da Teoria da Subjetividade”,
de Flávia Pimenta de Souza Carcanholo; “Por uma didática
desenvolvimental da subjetividade no ensino de Música na escola”, de
Lucielle Farias Arantes.
Por fim, a terceira parte, Contribuições do Gepedi para a formação de
professores na perspectiva desenvolvimental, a integram a “Formação didática de
professores “em” e “para” uma abordagem desenvolvimental: um olhar a
partir dos contextos soviético e brasileiro”, de Andréa Maturano
Longarezi; “Desenvolvimento dos motivos formadores de sentido de
professores e estudantes em conceitos matemáticos no Ensino
Fundamental”, de Patrícia Lopes Jorge Franco; “Colaboração e
criatividade na formação para o desenvolvimento de professores
universitários”, de Waleska Dayse Dias de Sousa; “Trabalho e docência
universitária: a formação contínua como processo político-pedagógico-
psicológico de produção de conhecimento”, de Grasiela Maria de Sousa
Coelho; “A formação do professor de/em línguas em Moçambique pela
estratégia da intervenção didático-formativa: das abstrações à síntese
possível para a didática do Português.”, de José Bartolomeu Jocene Marra.
O leitor terá acesso imediatamente ao conteúdo na íntegra de cada
um dos capítulos que aqui se anunciam, por esse motivo não pretendemos
adiantar detalhes ao longo da apresentação. Apenas desejamos oferecer

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uma visão geral das partes mostrando a unidade interna que as constitui,
bem como a relação intrínseca que existe entre elas. A primeira parte
aborda alguns fundamentos histórico-culturais que dão sustentação às
teorias da aprendizagem desenvolvimental e da atividade de estudo, bem
como à formação de professores nessas perspectivas, a saber, o conceito
de mediação, a unidade personalidade-psique-atividade, o período da
adolescência e os princípios didáticos marxistas, com base na obra de
renomados autores como L. S. Vigotski e A. N. Leontiev, mas,
sobretudo, à luz de referenciais que são pouco usados no Brasil, tais
como, S. L. Rubinstein, L. I. Bozhovich e Fernando González Rey
(Albertina Mintáns Martínez e colaboradores). A essas questões somam-se
os desafios que enfrenta a academia brasileira em relação à sistemática
dificuldade para acessar obras escritas em idiomas estranhos algumas das
quais, inclusive, enfrentam problemas de paternidade.
A segunda parte reúne estudos teóricos e de intervenção
relacionados com as teses mais relevantes obtidas no âmbito da
aprendizagem desenvolvimental em geral, bem como da atividade de
estudo em particular, levando em consideração os aportes produzidos no
interior dos sistemas didáticos desenvolvimentais. Os quatro estudos
teóricos procuraram sistematizar e analisar, inclusive a partir de outros
referenciais (Teoria da Subjetividade), as contribuições mais relevantes dos
principais representantes dos sistemas didáticos Zankoviano e Elkonin-
Davidov-Repkin. As três pesquisas de intervenção, por sua vez, tiveram
como objetivo conceber novas formas de organização da aprendizagem
desenvolvimental. Uma delas com uma proposta de educação dialética
desenvolvimental, sob a base da obutchénie por unidades, com foco para as
unidades conteúdo-forma, imitação-criação e ruptura-desenvolvimento.
As outras duas, com proposições didáticas inovadoras para a
aprendizagem da Música e da Matemática em escolas de aplicação em
diálogo com a Teoria da Subjetividade a fim de superar limitações da
atividade de estudo decorrentes de uma concepção de aprendizagem
desenvolvimental na perspectiva do enfoque histórico-cultural da
atividade.
A terceira parte aborda a formação de professores, considerado
um dos temas mais relevantes e frágeis no interior da perspectiva
histórico-cultural e da teoria da aprendizagem desenvolvimental. O

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enfoque é realizado, essencialmente, do ponto de vista histórico-cultural
como fica manifesto pelas referências que dão sustentação aos estudos. O
capítulo que abre a terceira parte, traz um estudo teórico que sintetiza os
fundamentos da obutchénie por unidades que sustentam as pesquisas de
campo que encerram o livro. A proposição inicial consiste em uma
perspectiva de formação profissional docente pautada na organização
didática pela via de unidades dialéticas, movimentos e ações didáticas que
impulsionam o desenvolvimento integral de professores, mediado pelo
conhecimento científico produzido sobre a docência e formado pela
unidade nuclear que orienta toda essa proposição: a unidade conteúdo-
forma. Os demais capítulos contemplam quatro pesquisas de intervenção
didático-formativas de professores, integradas pelas proposições didáticas
expressas no capítulo que abre a seção, realizadas em níveis diferentes
(educação básica e ensino superior). No conjunto, os trabalhos abordam o
desenvolvimento dos motivos, os processos de imitação-criação, o papel
da categoria filosófica marxista “contradição” e da categoria psicológica
“liberdade-felicidade” no processo de formação continua, bem como o
desenvolvimento profissional de professores de língua na educação
superior em Moçambique.
O livro reúne a produção e as pesquisas que temos desenvolvido,
juntamente com o grupo de estudos, sistematizando os resultados de
investigações realizadas a partir de uma mostra representativa das
dissertações de mestrado e teses de doutorado defendidas entre 2014 e
2021, com o qual o leitor interessado poderá perceber, por um lado,
aquilo que tem sido objeto de preocupação no grupo nos últimos dez
anos; por outro, as escolhas epistemológicas, teóricas e metodológicas
adotadas para abordar esse objeto, com o qual é possível perceber o que
diferencia e aproxima o Gepedi dos demais grupos de pesquisas
brasileiros vinculados a essas três temáticas.
O Gepedi, para ser grato a quem têm ajudado nessa árdua
caminhada, gostaria de retribuir aos colegas e grupos de pesquisa que ao
longo desses quatorze anos acompanharam a nossa trajetória, nos
apoiaram e confiaram na franqueza e honestidade de nosso trabalho.
Mencionar cada um seria impossível, mas divulgamos uma lista no nome
dos quais agradecemos a todas e todos por essa parceria de mais de uma
década. Nosso reconhecimento sincero, em primeiro lugar, a Orlando

15
Fernández Aquino (Cuba/Brasil) e Fabiana Fiorezi de Marco (Brasil), com
quem temos dividido várias ações do grupo ao longo de toda sua
existência, bem como a Vladimir Vladimirovich Repkin (Ucrânia),
Fernando González Rey (Cuba/Brasil), José Carlos Libâneo (Brasil),
Tatiana Akhutina (Rússia), Michel Roth (Canadá), Alberto Labarrere
(Cuba/Chile), Yulia Solovieva (Rússia/México), Natálya V. Repkina
(Ucrânia), Manoel Oriosvaldo de Moura (Brasil), Lyubomyr Sherstyuk
(Ucrânia), José Zilberstein Toruncha (Cuba/México), Vladimir P.
Zinchenko (Rússia), Boris G. Mesheriakov (Rússia), Dmitry Leontiev
(Rússia), Raquel Marra Madeira Freitas (Brasil), Josélia Euzébio da Rosa
(Brasil), Ademir Damázio (Brasil), Gloria Fariñas León (Cuba/México),
Guillermo Arias Beatón (Cuba) e Isauro Beltrán Núñez (Cuba/Brasil).
Nosso agradecimento também a todos os alunos da graduação e
pós-graduação que confiaram em nós, procuraram e cursaram nossas
disciplinas, afiliaram-se ao Gepedi, desejaram ser nossos orientandos e
trilharam seu próprio caminho de pesquisa, efetuando contribuições
importantes na área a partir do tratamento de objetos de estudo
específicos. Agradecimento para as centenas de estudantes, professores,
pesquisadores brasileiros e interessados em geral que têm nos
acompanhado ao longo desses dez anos nas quadro edições do Colóquio
Internacional Ensino Desenvolvimental. Por fim, nossa admiração,
respeito e agradecimento também para os colegas que confiaram no
periódico do grupo Obutchénie. Revista de Didática e Psicologia
Pedagógica, que, por seu tempo de existência, ainda não está qualificado
pela Capes e, mesmo assim, publicaram resultados de suas pesquisas e/ou
organizaram edições especiais, sob a forma de dossiês.
Desejamos a todas e todos uma ótima leitura e um momento
oportuno de reflexão, aprofundamento e crítica consequente.

Roberto Váldes Puesntes


Andréa Maturano Longarezi

16
Capítulo 1

Pesquisas histórico-culturais e desenvolvimentais realizadas


no âmbito do GEPEDI: estado da arte

Roberto Valdés Puentes


Andréa Maturano Longarezi

O presente livro, intitulado Enfoque histórico-cultural e aprendizagem


desenvolvimental: contribuições na perspectiva do Gepedi, é o primeiro de uma
trilogia destinada à divulgação de uma parte significativa do trabalho de
pesquisa realizado no interior do Grupo de Estudos e Pesquisas em
Didática Desenvolvimental e Profissionalização Docente, sobretudo
depois de 2014, sob a orientação dos professores Andréa Maturano
Longarezi e Roberto Valdés Puentes.
Quando o Gepedi foi criado, em outubro de 2008, no Brasil as
pesquisas fundamentadas no enfoque histórico-cultural da atividade eram
ainda muito recentes, parciais e raras, sobretudo aquelas que se inspiravam
na concepção de aprendizagem desenvolvimental. De acordo com
Libâneo (2004), o início dessas últimas provavelmente pode ser
estabelecido na primeira metade década de 1990 e, um marco relevante do
período, foi a publicação do livro intitulado Saber, currículo e didática (1994),
de Nereide Saviani, no qual há menções a um trabalho importante de
Davidov (1978)1 e a suas ideias sobre o processo de formação de
conceitos e do pensamento teórico, com base nos pressupostos de L. S.
Vigotski (1896-1934) e S. L. Rubinstein (1889-1960). Esse pode ser
considerado, do nosso ponto de vista, uma das primeiras aproximações à
aprendizagem desenvolvimental.

[...] os estudos e pesquisas sobre a teoria de Vygotsky tiveram um


desenvolvimento intenso, desde que intelectuais brasileiros tiveram

1 Trata-se do livro de V. V. Davidov intitulado Tipos de generalização da aprendizagem


(Moscou, 1972), publicado em Cuba com o título Tipos de generalización de la enseñanza
(La Habana, Pueblo y Educación, 1978).

17
acesso às suas obras na segunda metade dos anos de 1980, estando
disponível hoje uma vasta bibliografia. São mais raros, todavia,
estudos relacionados com a Teoria Histórico-cultural da Atividade
e, mais ainda, em relação a Davydov (LIBÂNEO, 2004, p. 10).

Se no começo da primeira década do presente século eram raros


os estudos na perspectiva da atividade, no interior do enfoque histórico-
cultural, e mais raros ainda em relação aos trabalhos de V. V. Davidov,
resultavam praticamente inexistentes aqueles relacionados a outras
tendências da teoria histórico-cultural, como por exemplo a psicologia
histórico-cultural da personalidade e a teoria histórico-cultural da
subjetividade, bem como a outros sistemas didáticos no interior da
aprendizagem desenvolvimental para além do sistema no qual V. V.
Davidov (1930-1998) fazia parte e era um de seus principais
representantes. Pouco se conhecia no Brasil nesse período sobre os
aportes de L. I. Bozhovich (1908-1989), V. G. Ananiev (1907-1972), B. F.
Lomov (1927-1989) e F. González Rey (1949-2019),2 no campo da
psicologia, e de P. Ya. Galperin (1902-1988),3 D. B. Elkonin (1904-1984),

2 A divulgação, no Brasil, dos pressupostos fundamentais da teoria da subjetividade


se iniciou desde o nascimento da mesma com a publicação simultânea, em português
e espanhol, do livro de Fernando González Rey intitulado Epistemología Cualitativa y
Subjetividad (EDUC, 1997; Pueblo y Educación, 1997). Com isso, a academia brasileira
teve acesso, ao mesmo tempo, à teoria e ao pensamento de González Rey, bem como
a aspectos específicos, mas relevantes do pensamento de autores como L. I.
Bozhovich e V. G. Ananiev, mas, os momentos que mais significativamente
contribuíram para a expansão da subjetividade no âmbito nacional foram, em
primeiro lugar, a publicação, em 2002, do livro Sujeto y Subjetividad : una aproximación
histórico-cultural (México, Thomson); em segundo lugar, a realização no Brasil do I
Simpósio Nacional Epistemologia Qualitativa e Teoria da Subjetividade, realizado em outubro
de 2017, com a presença física do próprio Fernando González Rey; em terceiro lugar,
a publicação no mesmo ano, em parceria com Albertina Mitjáns Martínez, dos livros
institulados Psicologia, educacao e aprendizgem escolar: avancando na compreensao da leitura
cultural-histórica (Sao Paulo, Cortez) e Subjetividade: teoria, epistemologia e método
(Campinas, Alínea).
3 Não podemos ignorar que, desde o final da década de 1990, estudos a respeitos das

contribuições de P. Ya. Galperin na perspectiva da aprendizagem desenvolvimental já


eram veiculadas no Brasil (NUÑEZ, 1998, 1999; NÚÑEZ; PACHECO, 1998),
contudo a influência desses estudos nas pesquisas e na docência no âmbito da
academia educacional não foi nem momentânea e nem expressiva. Além disso, esse
tipo de abordagem sofreu uma redução drástica e repentina no período entre 1999 e
2009, para ser retomado com força significativa a partir da publicação do livro de

18
L. V. Zankov (1901-1977), N. F. Talizina (1923-2019) e V. V. Repkin
(1927), no âmbito da aprendizagem desenvolvimental.
Todas essas pesquisas no contexto da psicologia histórico-cultural
(da atividade, da personalidade e da subjetividade), bem como da teoria da
aprendizagem desenvolvimental (sistema Elkonin-Davidov-Repkin,
sistema Zankov e sistema Galperin-Talizina) só passaram a ter um lugar
assegurado no campo acadêmico educacional, mesmo que discreto se
comparadas com aquelas realizadas a partir de outras perspectivas
teóricas, há pouco tempo. Libâneo (2004) ressalta, no campo do ensino,
os trabalhos de Manoel Oriosvaldo de Moura, orientandos e seguidores
(MOURA, 1998, 2000, 2002, 2003, 2016; MOURA; ARAUJO; SERRÃO,
2019; CEDRO; MORETTI; MORAES, 2019; ROSA; DAMAZIO;
ARAUJO; ASBAHR; MOURA; SERRÃO; EUZEBIO, 2013; SFORNI,
2003), além dos trabalhos de Duarte (1996, 2000, 2003), centrados em
aspectos filosóficos e epistemológicos da teoria histórico-cultural. À esses
destacamos também os estudos da orientanda e seguidora de Newton
Duarte, Lígia Márcia Martins e seus orientandos (MARTINS, 2008, 2013;
MARTINS; ABRANTES, 2016; DANGIO; MARTINS, 2016;
GALVÃO; LAVOURA; MARTINS, 2019), os do próprio José Carlos
Libâneo com Raquel M. M. Freitas (LIBÂNEO, 2004, 2016; LIBÂNEO;
FREITAS, 2013, 2018; FREITAS; LIBÂNEO, 2019), os de Nereide
Saviani (2012),4 de Sandra Valéria Limonta Rosa (ROSA; SYLVIO, 2016;
FREITAS; ROSA, 2015), de Suely Amaral Mello (MELLO, 2010a,b,c,
2015), de Isauro Beltrán Núñez, colaboradores e orientandos (NÚÑEZ;
MELO; GONÇALVES, 2018; NÚÑEZ; RAMALHO, 2017;
GONÇALVES; NÚÑEZ, 2017), de Héctor José García Mendoza, Oscar
Tintorer Delgado e orientandos (MENDOZA; DELGADO, 2018, 2020;
SILVA OLIVEIRA; MENDOZA, 2020) e os de Orlando Fernández
Aquino e orientandos (AQUINO; RODRIGUEZ, 2020; NETO;
AQUINO, 2020; LOPES; AQUINO, 2018).

Isauro Beltrán Núñez intitulado Vygostky, Leontiev e Galperin: formação de conceitos e


principios didáticos (Brasilia, Liber Livro Editora Ltfa, 2009).
4 Mesmo assim, quase vinte anos depois de seu livro Saber, currículo e didática (1994),

Nereide Saviani continuava a abordar a aprendizagem na perspectiva


desenvolvimental apenas com base em V. V. Davydov e tomando por referência o
mesmo texto do autor datado de 1978.

19
De um modo geral, a influência das pesquisas nas formas de
funcionamento das escolas e nas diretrizes nacionais para a formação de
professores tem sido bastante limitada. Sobre esse aspecto, com foco na
trajetória desse pensamento no Brasil e seu impacto no âmbito das
políticas públicas educacionais, Libâneo (2017) já sinalizou:

Os estudos e pesquisas sobre teoria histórico-cultural têm lugar


assegurado no meio acadêmico do campo da educação, como
mostra um levantamento feito em 2012 que aponta a existência de
60 grupos de pesquisa, sendo 30 no Sudeste, 16 no Sul, 8 no
Nordeste, 6 no Centro Oeste e 1 no Norte. No entanto, analisando
as políticas curriculares oficiais em vigência no Brasil, as quais
definem objetivos, formas de funcionamento das escolas e
diretrizes para a formação de professores, bem como a produção
na pesquisa e o referencial bibliográfico utilizado nos cursos de
formação docente, verificam-se posicionamentos que tendem a
desvalorizar o papel da escola e em propiciar aos alunos a
apropriação do patrimônio científico e cultural da humanidade e,
assim, descaracterizar a relevância social do conhecimento escolar.
(LIBÂNEO, 2017, p. 20).

Ressalta-se que, em levantamento recente (ASBAHR;


OLIVEIRA, 2021), já foram identificados 115 grupos de pesquisa sobre a
teoria, o que mostra o crescente interesse por esse campo, mesmo quando
os impactos da perspectiva didática desenvolvimental, nas políticas
públicas e na organização do ensino, tenham sido ainda pouco
expressivos. Isso nos indica que as ações de estudo precisam estar
fortemente articuladas à gestão pública com implicações em propostas
curriculares e políticas educacionais que permitam uma abrangência maior
na inclusão dos princípios e fundamentos da teoria na realidade escolar
brasileira.
As pesquisas sobre atividade de estudo efetuadas no interior da
teoria da aprendizagem desenvolvimental são ainda mais tímidas. Elas
representam uma porcentagem pequena do total de projetos e publicações
executados no interior dos grupos cadastrados no CNPq vinculados à
aprendizagem desenvolvimental e ao enfoque histórico-cultural. O
trabalho sobre o estado atual dessas pesquisas no Brasil está sendo
realizado no interior do Gepedi, com dados ainda brutos não publicados
até o presente momento. Um breve levantamento efetuado a raiz da

20
elaboração de outro texto permitiu identificar apenas 31 produções sobre,
ou relacionadas, com Teoria da Atividade de Estudo. Eventos (Endipe e
Anped) e periódicos (Revista Brasileira de Educação, Educação e
Sociedade, Educação e Pesquisa) nacionais importantes destacam-se por
ser um reflexo da baixa expressividade desse tipo de pesquisa do ponto de
vista quantitativo (PUENTES, 2019).
Do ponto de vista qualitativo, pelo contrário, foi preciso
reconhecer a consistência teórica que têm atingido esses trabalhos e seu
incremento significativo e paulatino nos últimos quinze anos. Em relação
à teoria da atividade de estudo cumpre ressaltar os trabalhos de diversos
grupos de pesquisa, por exemplo, Implicações Pedagógicas da Teoria
Histórico-Cultural da Unesp/Marília (FILHO, 2018; MILLER, 2017,
2018; CLARINDO; MILLER, 2018; CLARINDO; MILLER, 2016),
Teorias da Educação e Processos Pedagógicos da PUC/GO (LIBÂNEO,
2004, 2014, 2016; LIBÂNEO; FREITAS, 2017; FREITAS, 2016),
Trabalho Docente e Educação Escolar da UFG - TRABEDUC (ROSA;
SYLVIO, 2016), Didática Desenvolvimental e Profissionalização Docente
da UFU/MG (PUENTES, 2015, 2017a; PUENTES; AMORIM;
CARDOSO, 2017; PUENTES; AMORIM; CARDOSO, 2018;
PUENTES; LONGAREZI, 2019b; LONGAREZI, 2019a; b; c; 2020a;
b), Atividade Pedagógica da USP/SP (MEDEIROS; SFORNI, 2016;
MOURA, 2017; ROSA; MATOS, 2018; ROSA; DAMÁZIO, 2016;
ASBAHR, 2016), Instrução, Desenvolvimento e Educação da Uniube
(AQUINO; CUNHA, 2015) e A perspectiva sócio histórica cultural e da
atividade e o ensino-aprendizagem de língua estrangeira da USP
(FERREIRA, 2012, 2016).
Da produção sobre teoria da atividade de estudo realizada no
Brasil sobressaíram em 2019, pelo menos, três aspectos. Em primeiro
lugar, uma acentuada concentração das pesquisas no campo das didáticas
específicas, especialmente da Matemática, sem ignorar que começam a
emergir estudos sobre a aprendizagem em outras áreas, como por
exemplo, língua inglesa, geografia, educação física. Em segundo lugar, a
natureza predominantemente descritiva dos trabalhos efetuados na
perspectiva da didática geral. Em terceiro lugar, o número ainda reduzido
de pesquisas do período soviético ao qual o pesquisador brasileiro tem
acesso.

21
Para que se tenha uma ideia, nos últimos quase trinta anos apenas
13 obras ou trabalhos sobre atividade de estudo, elaborados por autores
do período soviético, tinham sido referenciados na produção brasileira
sobre essa temática. Isso significa que, independentemente do aumento
significativo das pesquisas no âmbito nacional, elas continuam a trabalhar
sobre a base de um número reduzido de fontes originais, selecionadas de
maneira aleatória e vinculadas, sobretudo, com as fases iniciais de
desenvolvimento da teoria. Por outro lado, observa-se uma marcada
influência de estudos realizados por membros do grupo de Moscou (o que
lhe concede um modo particularmente moscovita de perceber a temática)
e forte concentração em apenas alguns autores. Todas as referências
identificadas estão vinculadas a, particularmente, cinco autores: D. B.
Elkonin (1 trabalho), V. V. Davidov (10 trabalhos), V. Rubtsov (1
trabalho), A. K. Márkova (1 trabalho em coautoria com Davidov) e V. V.
Repkin (1 trabalho). Quatro dos cinco autores pertencem ao grupo de
Moscou e mais de 75% de toda essa produção corresponde apenas a um
deles: V. V. Davidov (PUENTES, 2019).
Sendo assim, a visão que se tinha no Brasil até quatro ou cinco
anos atrás a respeito da teoria da atividade de estudo era,
fundamentalmente, parcial, moscovita e davidoviana. Para agravar a
situação, soma-se a enorme dificuldade que enfrenta o pesquisador
brasileiro para acessar essa produção científica em língua russa, o que
obriga a consultar traduções efetuadas muitas vezes por nativos que
dominam o português, mas que desconhecem a teoria ou por estrangeiros
que manifestam um domínio da teoria, mas que por algum motivo fizeram
cortes drásticos e comprometedores em algumas das obras e trabalhos por
eles traduzidos.5
Nesse contexto é que o Gepedi se insere, em 2011, com a
publicação de duas obras referências, a primeira, intitulada Panorama da
didática: ensino, prática e pesquisa (Papirus, 2011), organizada por Andréa

5O exemplo concreto e mais consistente realizado no Brasil a respeito da divulgação


em língua portuguesa de textos sobre atividade de estudo, até 2014, é o Eixo II –
(TRADUÇÃO) - O Ensino desenvolvente e a atividade de estudo, publicado em
Ensino em Revista (v. 21, n. 1, jan./jun., 2014), sob a responsabilidade de Suely Amaral
Mello, no qual se divulgam quatro trabalhos da autoria de Lampert-Shepel (2014),
Dusavitskii (2014), Repkin (2014), Davydov, Slobodchikov e Tsukerman (2014).

22
Maturano Longarezi e Roberto Valdés Puentes; a segunda, Trabalho didático
na universidade: estratégia de formação (Alínea, 2011), da autoria de Orlando
Fernández Aquino e Roberto Valdés Puentes. Naquela, o capítulo inicial,
de autoria de José Carlos Libâneo analisa os dados de sua pesquisa tendo
como referência teórica, entre outras, o enfoque histórico-cultural, com L.
S. Vigotski e, a teoria da aprendizagem desenvolvimental, com Davydov e
Márkova (1982). No segundo livro, a fundamentação teórica que sustenta
o trabalho metodológico como conteúdo da estratégia de
desenvolvimento didático dos professores universitários que se propõe é,
na sua essência, histórico-cultural, colocada em manifesto pelo emprego
do pensamento de L. S. Vigotski, A. N. Leontiev e de vários autores
cubanos formados dentro dessa perspectiva, inclusive por universidades
soviéticas.
A partir desse momento, todo o trabalho de pesquisa, docência,
orientação e publicação realizado no interior do Gepedi, esteve orientado
de maneira crescente, sistemática e intensa nas perspectivas histórico-
cultural, da teoria da aprendizagem desenvolvimental e da atividade de
estudo. Como fruto desse trabalho nasceram o Colóquio Internacional
Ensino Desenvolvimental (2012), a Coleção Biblioteca Psicopedagógica e
Didática (2012) e o periódico científico Obutchénie. Revista de Didática e
Psicologia Pedagógica (2017)6. Ao longo desses dez anos de atividade, o
Gepedi conseguiu ampla inserção no contexto dos estudos histórico-
culturais no âmbito nacional e internacional, por intermédio do
estreitamento de vínculos com numerosos grupos de pesquisa no Brasil,
Chile, Cuba, México, Espanha, Rússia, Ucrânia, Itália etc. Conseguiu
também, por um lado, dar continuidade à tradição histórico-cultural e,
sobretudo, da teoria da aprendizagem desenvolvimental e, pelo outro,
realizar importantes contribuições nesse campo pelos objetos específicos
de pesquisa e pelo modo peculiar adotado na abordagem dos mesmos.
Entre os aportes mais significativos do grupo podemos listar os seguintes:

6 Até o momento foram efetuadas quatro edições do colóquio (2012, 2014, 2016,
2018), publicadas 24 obras como parte da coleção e 15 números da revista Obutchénie,
com mais de 100 matérias (dossiê, várias, entrevistas, resumo de teses e dissertações,
traduções, resenhas, etc.). Além disso, foram efetuadas 28 orientações de dissertações
de mestrado e teses de doutorado dentro da temática, 10 das quais ainda estão em
andamento, bem como 10 projetos de pesquisa financiados por agências de fomento.

23
(1) Um estudo crítico de parte da produção efetuada no âmbito da
União Soviética e, posteriormente, no contexto dos países que
nasceram com a desintegração da União Soviética em 1991,
especialmente depois de 1996, com a criação da Associação
Internacional de Aprendizagem Desenvolvimental. As pesquisas
no geral, limitavam-se ao período soviético, especialmente aos
anos iniciais desse período, à produção efetuada no contexto do
enfoque histórico-cultural da atividade, na Rússia, em Moscou,
por A. N. Leontiev, D. B. Elkonin e V. V. Davidov. Além disso,
essa produção era assumida como um dogma, ignoradas as críticas
oportunas e saudáveis iniciadas desde a década de 1970, inclusive
no interior do próprio enfoque da atividade.
(2) A busca pela superação de um enfoque parcial, russo, moscovita,
lentiviano, elkoniano e davidoviano que predomina nas pesquisas
na américa latina e no Brasil, incorporando no debate a
compressão sobre a teoria desenvolvimental que se foi gerando
no interior de grupos extremamente produtivos e originais como
é o caso, por exemplo, do grupo de Kharkov, conduzido por V.
V. Repkin, com pontos de vistas comuns, mas sobretudo
diferentes em relação ao grupo de Moscou em aspectos como o
sujeito da atividade de estudo, o conteúdo, a estrutura e o
processo formativo dessa atividade.
(3) A realização de pesquisas teóricas e de intervenção relacionadas ao
estudo dos fundamentos epistemológicos, teóricos e
metodológicos de uma nova concepção de aprendizagem
desevolvimental e de atividade de estudo com base nas
peculiaridades e demandas da escola brasileira.
(4) A realização de pesquisas relacionadas à formação de professores
e à atividade pedagógica, o aspecto provavelmente mais frágil até
hoje no interior da teoria da aprendizagem desenvolvimental.
(5) A divulgação intensa e sistemática da produção soviética e pós-
soviética sobre a teoria por intermédio da tradução e publicação
em português de trabalhos relevantes e vigentes.
(6) A busca pela superação das limitações da teoria, sobretudo, em
relação à sua compreensão acerca do conceito de sujeito, a

24
unidade do cognitivo e afetivo, tentando dialogar com outras
teorias, como por exemplo, a Teoria da Subjetividade de
Fernando González Rey e colaboradores.
(7) O desenvolvimento de pesquisas-formação, pela via de
intervenções didático-formativas em contextos educacionais
públicos brasileiros, com a produção de conhecimento sobre
processos formativos desenvolvimentais, a partir de demandas
próprias da realizada brasileira.
(8) A elaboração e a proposição de uma metodologia de pesquisa, que
vem sendo designada de intervenção didático-formativa. Um tipo
de pesquisa na qual se intervém no contexto educacional por meio
da formação didática de professores, fazendo da pesquisa,
simultaneamente, intervenção didática em classes de estudantes e
formação continuada de professores (LONGAREZI, 2017).
(9) A produção de uma organização didática desenvolvimental e de
formação de professores nessa perspectiva (com a sistematização
de unidades, movimentos e ações didáticas), para contextos
escolares cujas realidades coadunem com as que caracterizam o
Brasil.

Com o objetivo de fazer um balanço das contribuições do Gepedi


no contexto da produção científica nacional no âmbito do enfoque
histórico-cultural, da teoria da aprendizagem desenvolvimental e da
atividade de estudo e acompanhar o comportamento específico dessa
produção nos últimos dois anos, decidimos realizar a atualização dos
dados coletados em 2019 (PUENTES, 2019), a raíz da realização deste
capítulo, sobretudo levando em consideração a publicação recente de
quatro obras importantes no campo tanto da teoria da aprendizagem
desenvolvimental, quanto da atividade de estudo (PUENTES; MELLO,
2019; PUENTES; CARDOSO; AMORIM, 2019; PUENTES;
LONGAREZI, 2019a, b), em três das quais (PUENTES; MELLO, 2019;
PUENTES; CARDOSO; AMORIM, 2019; PUENTES; LONGAREZI
2019b) foram inseridos 30 textos inéditos de autores do período soviético

25
e pós-soviético, mais da metade desconhecidos no Brasil7 e na outra
(PUENTES; LONGAREZI, 2019a) aspectos relevantes do pensamento,
vida e obra de três representantes expressivos de ambas as teorias: V. V.
Repkin, N. V. Repkina e V. V. Rubtsov.
A atualização dos dados foi feita com base na análise de parte do
conteúdo e, sobretudo, da bibliografia soviética e pós-soviética (inclui
tanto a produção de autores dos novos países que nasceram com a
desintegração da União Soviética, bem como de seguidores de outros
países) empregada nos 19 artigos que integram os últimos dois dossiês do
periódico científico Obutchénie. Revista de Didática e Psicologia
Pedagógica, o primeiro intitulado Sistema Didático Elkonin-Davydov-Repkin
(v. 5, n. 2, maio/ago, 2021) e o segundo, Atividade de estudo e prática docente:
entre a teoria e a prática, a busca de caminhos possíveis para um processo pedagógico
transformador (v. 5, n. 3, set./dez., 2021). O seguinte quadro (Quadro 1)
apresenta na primeira coluna a lista completa dos artigos publicados e
autores nos dois dossiê mencionados8, na coluna do centro as referências
de autores soviéticos e pós-soviéticos vinculados às teorias da
aprendizagem desenvolvimental e da atividade de estudo, na última coluna
as obras editadas pelo Gepedi relacionadas a essas duas teorias que foram
citadas por esses 19 artigos.

7 Um desses 30 textos tinha sido publicado antes no Brasil (REPKIN apud


PUENTES; MELLO, 2019), mas com cortes significativos no seu conteúdo na
versão em inglês a partir da qual foi realizada a tradução. Outros textos,
especialmente de V. V. Davidov sozinho ou em parceria, já circulavam em português
no país de maneira relativamente ampla graças a generosidade de José Carlos Libâneo
que os utilizava como material de sua disciplina no Programa de Pós-Graduação em
Educação da PUC/Goiânia e os foi socializando entre os professores e pesquisadores
nacionais interessados com a mesma problemática. A maior parte desse material foi
traduzida do russo para o português por Emerlinda Prestes, excetuando o livro de V.
V. Davidov intitulado Learning activity in the primary school age. In: Problems of developmental
instruction: a theoretical and experimental psychological study (1988), que foi traduzido do
inglês para o português pelo próprio J. C. Libâneo e pela professora Raquel M. M.
Freitas, com o título Problemas do ensino desenvolvimental: a experiência da pesquisa teórica e
experimental na Psicologia.
8 Os textos na íntegra, bem como a lista completa de referências dos mesmos podem

ser consultados na página do periódico Obutchénie. Revista de Didática e Psicologia


Pedagógica, no link:
http://www.seer.ufu.br/index.php/Obutchenie/index

26
Quadro 1 – Título de artigos e autores, referências e obras do Gepedi citadas nesses
artigos

Título dos artigos e autores Referências Obras do


Gepedi
Dossiê – Sistema Didático Elkonin-Davydov-Repkin . (Obutchénie, vol. 5, n.
2, 2021).
Apresentação (Ademir Damazio, Longarezi e Puentes (2013) Longarezi e Puentes
André Luiz Araújo Cunha, Josélia Longarezi e Silva (2019) (2013)
Euzébio da Rosa) Puentes (2017) Longarezi e Silva
(2019)
Puentes (2017)
Metodología de Elkonin-Davidov y la Davidov (1996, 2000, 2008) Puentes, Amorim e
teoría de la actividad en América Elkonin (1989) Cardoso (2018)
Latina (Yulia Solovieva, Luis Galperin (1998, 2000) Puentes e Longarezi
Quintanar) Leontiev (1993) (2020)
Nikola e Talizina (2017)
Talizina (2017, 2018, 2019)
Talizina, Solivieva e Quintanar
(2010, 2017)
Puentes, Amorim e Cardoso
(2018)
Puentes e Longarezi (2020)
Possibilidades de objetivação dos Davidov (1982, 1988, 2017) Davidov (2017)
princípios didáticos que embasam um Davidov e Slobódchikov (1991) Longarezi e Puentes
Aprendizagem Desenvolvimental para Longarezi e Puentes (2017) (2017)
a organização de diretrizes Galperin, Zaporozhets e Elkonin Puentes (2019)
curriculares na área da matemática (1987) Puentes, Cardoso e
(William Casagrande Candiotto, Iuri Puentes (2019) Amorim (2019)
Kieslarck Spacek, Eloir Fátima Puentes, Cardoso e Amorim
Mondardo Cardoso) (2019)
O sentido e a emoção no conteúdo Davidov (1988) --------
do motivo da atividade de estudo Davidov e Márkova (1987)
(Valdirene Gomes de Souza, Lucas Leontiev (1978, 2004)
Vieira Lemos, Karoline Pignatel
Saccon)
Ensino desenvolvimental: uma análise Davidov (1988) Longarezi e Puentes
da produção do conhecimento da Davidov e Márkova (1987) (2013, 2017)
Educação Física escolar no Brasil à Longarezi e Puentes (2013, 2017) Puentes (2017)
luz do sistema de Elkonin-Davídov Puentes (2017)
(Márcio Penna Corte Real, Adnelson
Araújo dos Santos)
Educação Física no ensino médio: a Davidov (1982, 1988, 1991, Davidov (2017, 2019)
mediação dos conhecimentos 1999, 2017, 2019) Longarezi e Puentes
escolares e o desenvolvimento do Longarezi e Puentes (2017) (2017)
movimento corporal consciente na Puentes, Cardoso e Amorim Puentes, Cardoso e
adolescência (Marcos Jerônimo Dias (2019) Amorim (2019)
Júnior, Sandra Valéria Limonta Rosa) Elkonin (2017) Elkonin (2017)
Leontiev (1978, 2001)
Quando o professor é o estudante: a Davidov (2019) Davidov (2019)
formação continuada como atividade Elkonin (2019a, b, c, d) Elkonin (2019a, b, c,
de estudo (Maria Lucia Panossian, Puentes e Mello (2019) d)
Claudia Maria, Gabriel José Cavassin Puentes, Cardoso e Amorim Puentes e Mello (2019)
Fabri, Natalia Mota Oliveira) (2019) Puentes, Cardoso e
Puentes (2017) Amorim (2019)
Puentes e Longarezi (2020) Puentes (2017)
Repkin (2019) Puentes e Longarezi

27
(2020)
Repkin (2019)
Professores que ensinam matemática Davidov (1982, 1986, 1988, Davidov (2019)
nos anos iniciais: as transformações 2019) Puentes, Cardoso e
oriundas do planejamento de uma Davidov e Márkova (1987) Amorim (2017, 2019)
tarefa de estudo alicerçada no sistema Puentes, Cardoso e Amorim Puentes e Mello (2019)
elkonin-davidov (Maria Marta da (2017, 2019) Longarezi e Puentes
Silva) Puentes e Mello (2019) (2013)
Elkonin (1999, 2009) Puentes (2018, 2019a,
Longarezi e Puentes (2013) b, c, d)
Leontiev (2001) Repkin (2019a, b, c)
Puentes (2018, 2019a, b, c, d) Repkin e Repkina
Repkin (2014, 2019a, b, c) (2019)
Repkin e Repkina (2019)
Partes, medidas e frações Davidov (1982, 1988) Puentes e Longarezi
equivalentes: o movimento do Davidov e Márkova (1987) (2020)
pensamento teórico de professores Leontiev (1978, 1983)
que ensinam matemática (Iraji de Puentes e Longarezi (2020)
Oliveira Romeiro, Vanessa Dias
Moretti)
A Desenvolvimento de situações Davidov (1982, 1988, 2017) Davidov (2017)
desencadeadoras de aprendizagem Longarezi e Puentes (2017) Longarezi e Puentes
por meio de quatro ações de estudo (2017)
davidovianas em um contexto de
formação inicial de professores
(Josélia Euzébio da Rosa, Frank
Becker)
Conceitos Geométricos no primeiro Davidov (1982, 1988) Longarezi e Puentes
ano escolar: manifestações em livro Leontiev (1978) (2013)
didático de Sistema de Ensino Davidov, Gorbov, Mikulina e Longarezi (2018)
Desenvolvimental (Osvaldo Augusto Savelieva (2012) Puentes (2013)
Chissonde Mame, Ademir Damazio) Gorbov, Mikulina e Savel'eva
(2008).
Elkonin (1987)
Longarezi e Puentes (2013)
Longarezi (2018)
Puentes (2013)
Talízina (1987, 2001)
Dossiê - Atividade de estudo e prática docente: entre a teoria e a prática, a busca de caminhos
possíveis para um processo pedagógico transformador (Obutchénie, vol. 5, n. 3, 2021).
Apresentação (Stela Miller) Davidov (1988, 1999, 2019) Davidov (2019)
Elkonin (2019) Elkonin (2019)
Puentes (2019) Puentes (2019)
Puentes e Longarezi (2019) Puentes e Longarezi
Leontiev (1978, 1988) (2019)
Atividade de estudo e organização do Davidov (1988, 1999) Davidov e Márkova
trabalho docente (Marta Sueli de Faria Davidov e Slobódchikov (1991) (2019)
Sforni, Giselma Cecília Serconek e Davidov e Márkova (2019) Elkonin (2019)
Maria Sandreana Salvador da Silva Elkonin (1961, 2019)
Lizzi)
Organização da atividade de estudo Davidov (1988, 1999, 2019) Davidov (2019)
das crianças na escola: conceitos e Davidov e Slobódchikov (1991)
princípios metodológicos essenciais Leontiev (1983)
(Ana Maria Esteves Bortolanza, Elkonin (1986, 1987)
Anderson Borges Corrêa, Neire Tsukerman (2003)
Márcia da Cunha) Repkin (2003)

O desenvolvimento das Davidov (1988, 1999) Matveeva, Repkin e

28
neoformações psíquicas na atividade Leontiev (1978) Skotarenko (2019)
de estudo (Cléber Barbosa da Silva Lompscher (1999)
Clarindo) Matveeva, Repkin e Skotarova
(2019)
Repkin (2014)
Por que é necessário começar a Davidov (1981, 1987, 1988, Puentes, Cardoso e
atividade de estudo pela via do 1990, 1992, 1999) Amorim (2018)
pensamento teórico? (Armando Leontiev (1978, 2005)
Marino Filho) Elkonin (1961, 1999)
Lompscher, Márkova e Davidov
(1987)
Repkin (2003)
Puentes, Cardoso e Amorim
(2018)

Atividade de estudo e Davidov (1988a, b, c, 1997,


desenvolvimento humano: a 1999, 2008)
metodologia do duplo movimento no Davidov e Márkova (1987)
ensino (Eliane Silva e José Carlos Elkonin (1987)
Libâneo) Giest e Lompscher (2003) ------
Leontiev (1983)
Hedegaard (2002a, b, c, d, 2004,
2008a, b)
Hedegaard e e Chaiklen (2005)
Chaiklen e Hedegaard (2013)
Rubtsov (2003)
Zuckerman (2011)
A atividade de estudo na produção do Leontiev (1978) Repkin (2019)
conhecimento histórico escolar Repkin (2019)
(Olavo Pereira Soares)
Contribuições da atividade de estudo Davidov (1981, 1988) ------
para o desenvolvimento da autoria Leontiev (1988)
nos escolares (Érika Christina Kohle e
Stela Miller)
Total 177 referências 57 referências
Fonte: Os autores.

Estes dados sinalizam alguns pontos: (1) nenhuma das 13


publicações de autores do período soviético e pós-soviético referenciadas
na produção brasileira em 2019 estava vinculada ao trabalho do Gepedi,
hoje 47 (26,57%) das 177 referências informadas são produtos do trabalho
que o grupo vem realizando; (2) em 2019 apenas um texto de autor do
período soviético e pós-soviético referenciado na produção brasileira tinha
sido publicado em português no Brasil, enquanto hoje são 13 (27,65%);
(3) observa-se também um crescimento expressivo no número de
trabalhos sobre atividade de estudo elaborados por autores do período
soviético e pós-soviético referenciados na produção brasileira, indo de 13
em 2019 para 47 em 2021 (incremento de quase 350%); (4) o restante da
produção dos autores do período soviético e pós-soviético está
relacionada à teoria da aprendizagem desenvolvimental (um total de 21

29
textos); (5) pela análise dos títulos dos artigos publicados nos dois dossiês
observa-se ainda uma concentração de estudos na área de Matemática em
pesquisas que se realizam no campo das didáticas específicas; contudo,
além da emergência de estudos sobre a aprendizagem em outras áreas,
como por exemplo, educação física, também surgem autores interessados
em campos até então de pouco interesse como a formação da
personalidade e o papel das emoções no desenvolvimento dos motivos.
O segundo quadro (Quadro 2) contém a lista completa dos
autores do período soviético e pós-soviético cujas produções estão
vinculadas com as teorias da aprendizagem desenvolvimental e da
atividade de estudo, e foram referenciados na produção brasileira nos
últimos dois anos, o número de obras referenciadas por autor e o número
total de referências. No total, são 23 autores, 68 trabalhos e 148
referências.

Quadro 2 – Autores soviéticos e pós-soviéticos, número de obras referenciadas,


número de referências e número de referências vinvuladas a publicações do
Gepedi
Autores Obras % Referências % Ref. %
Edições
do
Gepedi
V.V.Davidov (outros 20 29,41 53 35,81 7 13,20
autores)
D.B.Elkonin (outros 12 17,64 18 12,16 6 33,33
autores)
A.N.Leontiev 5 7,35 18 12,16 --
V.V.Repkin (outros 7 10,29 11 7,43 6 54,54
autores)
M. Hedegaard 7 10,29 7 4,72 --
V.V.Davidov e A.K. 1 1,47 5 3,37 --
Márkova
N.F.Talizina 4 5,88 4 2,70 --
G.Suckerman 2 2,94 2 1,35 --
V.V.Davidov e 1 1,47 3 2,02 --
Slobóschikov
P.Ya. Galperin 2 2,94 2 1,35
N.F.Talízina, 2 2,94 2 1,35 --
Y.Solivieva e
L.Quintanar Roja
J.Lompscher 1 1,47 1 9,67 --
J.Lompscher, 1 1,47 1 0,67 --
A.K.Márkova e

30
V.V.Davidov
N.I.Matveeva, 1 1,47 1 0,67 1 100
V.V.Repkin e
R.V.Skotarenko
H.Giest e 1 1,47 1 0,67 --
J.Lompscher
M.Hedegaard e 1 1,47 1 0,67 --
S.Chaiklen
S.Chaiklen e 1 1,47 1 0,67 --
M.Hedegaard
V.Rubtsov 1 1,47 1 0,67 --
G.Nikola e 1 1,47 1 0,67 --
N.F.Talizina
V.V.Davidov, 1 1,47 1 0,67 --
S.F.Gorbov,
G.G.Mikulina e O.V.
Savelieva
S.F.Gorbov, 1 1,47 1 0,67 --
G.G.Mikulina e
O.V.Savelieva
V.V.Repkin e 1 1,47 1 0,67 1 100
N.V.Repkina
P.Ya.Galperin, V.A. 1 1,47 1 0,67 --
Zaporozhets e
D.B.Elkonin
Total 68 148 21

Fonte: Os autores.
Do mesmo modo que acontecia em 2019, continua a predominar:
(1) marcada influência de estudos realizados por teóricos russos,
moscovitas, sobretudo, A. N. Leontiev (18%), V. V. Davidov (35,81%) e
D. B. Elkonin (17%), ou por leontivianos, davidovianos e elkonianos; (2)
predomínio de estudos de V. V. Davidov, pois do total de trabalhos (68),
20 (29,41%) são dele sozinho ou em parceria e do total de referências
efetuadas (148), 53 (35,81%) são também deles; (3) ampla centralização
ainda de trabalhos e referências em apenas alguns autores: cinco autores
(21%), são responsáveis por 46 (74,88%) dos trabalhos e por 107
(71,88%) referências, ainda quando a dispersão, no geral, é maior pois, em
2019, V. V. Davidov era responsável por 75% do total de publicações; (4)
V. V. Davidov, D. B. Elkonin e V. V. Repkin se consolidam no Brasil, do
mesmo modo que na União Soviética e no pós-União Soviética, como os
autores mais importantes das teorias da aprendizagem desenvolvimental e
da atividade de estudo na perspectiva do sistema didático Elkonin-
Davidov-Repkin, com isso, a influência da visão moscovita, davidoviana e
elkoniana continua a ser grande, porém, menor do que antes; (5) a
diminuição da hegemonia dos representantes do grupo de Moscou, que se

31
inicia no Brasil com a divulgação dos trabalhos de autores do grupo de
Kharkov (V. V. Repkin, N. V. Repkina, N. I. Matveeva e R. V.
Skotarenko), passou a ser ainda maior com a incorporação da obra de
autores da Alemanha (J. Lompscher e H. Giest) e Dinamarca (Mariane
Hedegaard e Seth David Chaiklin); (6) ausência no Brasil de traduções dos
textos de autores alemães e dinamarqueses.
Os dados atualizados revelam que 91,30% dos textos de autores
do período soviético e pós-soviético referenciados em publicações no
Brasil e 14,18% do total das referências correspondem ao trabalho
colaborativo que o Gepedi vem desenvolvendo para a ampliação e difusão
dessa produção. Entretanto, a contribuição do grupo não se restringe à
divulgação, no Brasil, da obra dos principais representantes das teorias da
aprendizagem desenvolvimental e da atividade de estudo, inclui a
utilização desse material na pesquisa para a produção de conhecimento a
respeito de ambas teorias em aspectos até o momento pouco trabalhados,
que têm gerado divergências no âmbito cientifico nacional e internacional
ou fazendo aquilo o que Davidov (1996[2019]) solicitava praticamente no
ocaso de sua vida, que era ajudar a completar a teoria da atividade de
estudo e da aprendizagem desenvolvimental, ajudando a resolver os
problemas que surgiram durante a implementação de ambas, entre outras
coisas, pela via do diálogo com outras teorias que foram emergindo no
interior do enfoque histórico-cultural, aprimorando o trabalho teórico que
permite fundamentar a necessidade e eficácia da aprendizagem com base
na compreensão da atividade, a criação de novos métodos para a
aprendizagem de conteúdos em disciplinas diferentes, o desenvolvimento
das necessidades, motivos e emoções, bem como o estudo da atividade
pedagógica e a formação de professores etc.
Espera-se que o capítulo que abre esta obra tenha atingido o
propósito que se colocou de situar as temáticas centrais da obra (enfoque
histórico-cultural, aprendizagem desenvolvimental e atividade de estudo)
no contexto atual das pesquisas brasileiras em educação e didática e, de
maneira simultânea, situar as contribuições do Gepedi no contexto dessas
temáticas a partir do resgate de seu trabalho nos campos da docência,
orientação, pesquisa, produção científica e divulgação; constituindo-se
assim num estado da arte dessa produção.

32
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39
PARTE I
CONTRIBUIÇÕES DO GEPEDI
NA PERSPECTIVA DO
ENFOQUE
HISTÓRICO-CULTURAL

40
Capítulo 2

O termo mediação em textos de Lev S. Vigotski:


caracterização, enfoques e implicações na educação9

Ruben de Oliveira Nascimento

Introdução

Este trabalho insere-se no conjunto de estudos, teses, dissertações


e livros publicados pelo Grupo de Estudos e Pesquisas em Didática
Desenvolvimental e Profissionalização Docente – GEPEDI, que tem
buscado, no esforço conjunto de professores, alunos e pesquisadores da
Universidade Federal de Uberlândia – UFU que participam do grupo e
professores e pesquisadores de outras instituições de Ensino Superior no
Brasil e no exterior, aprofundar no pensamento de importantes autores
como A. N. Leontiev, A. A. Leontiev, A. R. Luria, S. L. Rubinstein, A. V.
Zaporozhets, S. B. Elkonin, L. V. Zankov, V. V. Davydov, L. I.
Bozhovich, V. V. Rubtsov, V. V. Repkin, entre outros, a partir das obras
desses autores (LONGAREZI; PUENTES, 2013; 2017a, 2017b,
PUENTES; LONGAREZI, 2017; 2019).
Como assinalam Longarezi e Puentes (2017b, p. 7), com
referência no constructo desses autores, o GEPEDI tem se dedicado ao
estado da arte sobre didática e formação de professores no âmbito
nacional, das práticas docentes na Educação Básica e no Ensino Superior,
do desenvolvimento profissional dos professores, das práticas didáticas
nas escolas, e o desenvolvimento integral dos estudantes, investigados na
perspectiva histórico-cultural.
Uma rica demonstração do esforço de todos que participam
diretamente do GEPEDI, e de seus estudos, encontra-se refletido nos

9 O presente texto apresenta os resultados obtidos na produção da tese de


Doutorado em Educação, “Um estudo da mediação na teoria de Lev Vigotski e suas
implicações para a educação”, defendida no âmbito do Programa de Pós-Graduação
em Educação, pela Universidade Federal de Uberlândia, MG/2014, 416f.
desenvolvida sob a orientação da Profa. Dra. Andréa Maturano Longarezi.

41
capítulos que compõem este livro, escrito pelos estimados autores e
autoras.
Um dos autores abordados nos estudos do GEPEDI é Lev
Semionovitch Vigotski - Лев Семёнович Выготский (1896-1934),
pioneiro da psicologia histórico-cultural. As contribuições desse autor tem
repercutido em diversas áreas de conhecimento até os dias de hoje e
servido de base para se pensar o processo educativo, mostrando a
amplitude de seu legado teórico. Um tema muito apresentado em sua obra
é o da mediação. Neste capítulo, abordaremos esse importante assunto
partindo dos textos do autor.
Para Wertsch (1988 p. 33), “la contribución más original e
importante de Vygotsky consiste en el concepto de mediación”. Esse
autor comenta que na época de L. S. Vigotski se colocava a necessidade da
análise genética no estudo da mente considerando-se a origem social da
atividade mental. Mas Wertsch (1988) assinala que “Vygotski fue el
encargado de redefinir y ampliar esas ideas mediante la introducción de la
noción de mediación mediante el empleo de instrumentos y signos” (p.
33). Para Rivière (2002), é com a teoria histórico-cultural que L. S.
Vigotski constituirá um novo olhar sobre a “función de mediación activa de
los instrumentos y signos” (p. 30, grifo do autor).
Esses autores indicam a importância da ideia de mediação na
teoria do psicólogo bielorrusso L. S. Vigotski, e a caracterizam mediante o
emprego ativo de instrumentos e signos, analogia própria da teoria
histórico-cultural de L. S. Vigotski. Segundo Van der Veer e Valsiner
(2009), essa teoria envolve a produção do autor entre 1928 e 1931,
aproximadamente.
Contudo, o termo mediação aparece em outros textos e períodos de
produção de L. S. Vigotski, indicando ser uma ideia que se entrelaça com
muitos fios de sua obra. Por isso, é importante estudar como o termo se
repete na obra do autor e como ele emerge na tessitura de sua teoria.
Neste trabalho buscamos esse objetivo realizando uma pesquisa
bibliográfica na obra do autor, em textos publicados e traduzidos em
português e espanhol. O percurso metodológico envolveu leitura
sistemática dos textos de L. S. Vigotski com a finalidade de localizar o
termo mediação.

42
Na medida em que o termo era localizado nos textos de L. S. Vigotski,
iniciávamos um estudo dos argumentos que o explicavam na tessitura do texto
em questão, para entender o que compunha o termo e o seu uso. A partir disso
correlações eram feitas com outros textos do período, que ajudavam no seu
entendimento e na compreensão do seu uso.
As menções mostraram aspectos diversos em sua expressão, mas
mantinham a ideia de um elemento intermediário compositor entre duas
partes. Os aspectos permitiram uma classificação segundo o que
entendemos o que suas formas comunicavam, no seu contexto de uso.
Como as menções apareciam em diversos textos na obra do autor,
as classificações também refletem o momento da obra em que o termo
aparece, conferindo particularidades teóricas ao termo, segundo o
momento da obra e as discussões que se faziam nesse momento.
Este trabalho reflete parte da tese de doutorado em Educação
desenvolvida na Universidade Federal de Uberlândia sob orientação da
Profa. Dra. Andréa Maturano Longarezi. Contudo, acrescenta discussões
novas e aborda outras mediações não tratadas na tese.

Enfoques de mediação nos textos de L. S. Vigotski

Identificamos sete aspectos na menção ao termo mediação, pela


ordem: mediação dos reflexos psíquicos, mediação do conhecimento
científico, mediação pelo signo (abordagem histórico-cultural), mediação
pelo significado (pensamento, palavra e comunicação entre consciências),
mediação da palavra na formação de conceitos (investigação do processo
de formação dos conceitos na criança e sua natureza psicológica),
mediação dos conceitos na relação da criança com os objetos (estudo do
desenvolvimento dos conceitos científicos na infância) e mediação no
primeiro ano de vida (situação social objetiva). Analisaremos cada menção
e aspecto, e o entrelaçamento no tecido da teoria.

Mediação dos reflexos psíquicos

O surgimento do termo mediação, com esse aspecto, se dá nesses


textos do autor: “Los métodos de investigación reflexológicos y
psicológicos” (VYGOTSKI, 1991a) e “La conciencia como problema de

43
la psicología del comportamiento” (VYGOTSKI, 1991b). Esses textos
estão publicados na edição espanhola Obras Escogidas, no volume I. De
acordo com a edição, o primeiro título foi publicado em 1926, em
Moscou, mas se baseia na comunicação do autor no II Congresso
Nacional de Psiconeurologia realizado em Leningrado em 1924. O
segundo título foi escrito em 1925 e publicado no mesmo ano em Moscou
e Leningrado.
Muitas das discussões desenvolvidos nesses dois textos estão
refletidas em outros textos do autor publicados no período, e se
entrelaçam com as discussões desenvolvidas pelo autor entorno da
mediação indicada.
Nos referidos textos, os trechos que mencionam o termo são,
respectivamente:

Los reflejos no manifestados (habla silenciosa), los reflejos


internos, inaccesibles a la percepción directa del obervador, a
menudo pueden hacerse manifiestos indirectamente, de forma
mediada, a través de reflejos accesibles a la observación respecto a
los cuales desempeñan el papel de excitantes. A través de la
presencia del reflejo completo (la palabra) establecemos la del
correspondiente excitante, que en este caso desempeña un doble
papel: el de excitante respecto al reflejo completo y el de reflejo
respecto al excitante anterior. (VYGOTSKI, 1991a, p. 9)
Los reflejos no manifiestos (el habla silenciosa), los reflejos
internos, inacessibles a la percepción directa del observador,
pueden ser descubiertos con frecuencia indirectamente o de forma
mediatizada, a través de reflejos accesibles a la observación, de los
que a su vez son excitantes. Por la presencia de un reflejo completo
(la palabra) establecemos la del excitante correspondiente, que en
el presente caso desempeña un doble papel: primero, de excitante
respecto al reflejo completo; en segundo lugar, de reflejo respecto
al excitante precedente. (VYGOTSKI, 1991b, p. 52).

O pano de fundo histórico e científico que essas passagens


remetem é a reflexologia, e seus métodos de investigação do
comportamento, que via o reflexo como explanação da psique e do
comportamento. Nesse pano de fundo, três proposições centrais estão
implicadas com as observações contidas nessas falas de L. S. Vigotski: a) a
herança deixada pela fisiologia desenvolvida na Rússia desde o século
XIX, principalmente com os trabalhos de Ivan M. Sechenov (1829-1905),

44
que enfatizava que todos os atos psíquicos, incluindo os movimentos
conscientes (voluntários), surgiam estritamente de reflexos (arco-reflexo);
b) a análise da estimulação sensorial seria a explicação dos atos psíquicos,
estabelecendo-se relações entre psique, consciência e influências
sensoriais; c) a existência de traços ocultos no arco-reflexo, nas regiões do
sistema nervoso humano, tidos como reflexos ocultos (não manifestados
externamente) ou inibidos em uma das partes do arco-reflexo (CUNY,
1964; HERRNSTEIN; BORING, 1971; PESSOTTI, 1976; LOMOV,
1989; SOUZA JUNIOR; LOPES; CIRINO, 2011; GONZÁLEZ REY,
2011a).
Nas passagens citadas é possível notar que L. S. Vigotski toca
nessa importante questão científica e metodológica: para a reflexologia,
parte dos reflexos implicados na psique ficavam ocultos, ou seja, eram
fenômenos psíquicos, porém não acessíveis à observação direta de um
observador ou experimentador (não se manifestam externamente). Essa
perspectiva influenciava a metodologia de investigação da reflexologia,
como podemos verificar no comentário de Bechterev (1965) sobre a
finalidade de suas investigações:

Su finalidad es indagar y explicar la actividad neuropsíquica del


indivíduo como resultante de los procesos materiales del cerebro, y
solamente como tal. Por eso excluimos la observación interna,
tanto del estudio como de la experiencia, limitando nuestros
recursos al registro y control de los hechos objetivos. Nuestra
ciencia debe continuar siendo exclusivamente objetiva en todas sus
partes. (BECHTEREV, 1965, p. 16).

Para Bechterev (1965), a observação dos reflexos psíquicos, no


plano individual ou social, centrava-se no registro criterioso da
manifestação material (ou externa) da psique e na atividade nervosa. De
acordo com Bechterev (1965), boa parte da dificuldade da observação
interna da psique residia na forma oculta de suas manifestações, tidos
como fenômenos psíquicos subjetivos. Assim, ele considerava sua análise
somente pelas suas manifestações externas.
Portanto, o reflexo psíquico oculto era reconhecido pela reflexologia
como parte dos atos psíquicos, mas, como assinala Vygotski (1991a), falavam a
seu respeito e os evitavam nos experimentos que faziam.

45
Para Vygotski (1991b, p. 42), ao explicar o comportamento
humano inteiro somente por suas manifestações externas, sem considerar
os fenômenos subjetivos (na psique, no mental), a reflexologia se
assemelhava à psicologia subjetiva que estudava a psique pura, abstraída
do comportamento. Para ele, assim, mostravam posturas dualistas.
Vygotski (1991a, 1991b) apresenta esse argumento: se é admitida a
existência de reflexos ocultos, eles devem ser considerados como parte da
conduta, sublinhando que “el comportamiento del individuo está
organizado de forma que son justamente los movimientos internos poco
conocidos los que le orientan y dirigen” (VYGOTSKI, 1991b, p.40).
Vygotski (1991a) parte da reflexologia com base em pesquisas de
Viktor P. Protopópov (1880-1957)10, e propõe colocar o foco na fala
apontando a locução como objeto, por considerá-la um “hecho particular
de las condiciones de comunicación que determinan la interrelación del
hombre con el medio circundante a través de sua esfera motriz” (p. 5).
Nesse texto, Vygotski (1991a) não está restringindo o problema à
esfera motriz ou aos órgãos articulatórios, mas realçando a fala, a locução.
Vygotski (1991a) ressalta que a fala já vinha sendo considerada pela
reflexologia: “haya que considerar el habla como un sistema de reflejos
condicionados es algo que no es necesario repetir, pues para la
reflexología esto constituye una verdad casi evidente” (VYGOTSKI,
1991a, p. 5). Mas ao frisar a fala, a linguagem, L. S. Vigotski está
avançando em direção ao exame ampliado e aprofundado das vertentes
mais complexas do comportamento, de uma perspectiva nova.
Para colocar sua proposta em termos científicos e práticos,
Vygotski (1991a, 1991b) aponta para a interação verbal dos sujeitos de um
experimento e centra sua atenção no reflexo verbal inibido, com o
pensamento sendo o fenômeno a se estudar: “Béjeterev muestra, tras I. M.
Séchenov, que el pensamiento no es otra cosa que un reflejo inhibido,
retenido, un reflejo interrumpido en sus dos terceras partes,

10 Segundo nota da edição espanhola, volume I, página 22: Víktor Pávlovich


Protopópov (1880-1957) foi um psiquiatra soviético que desenvolveu os princípios e
métodos de prevenção, profilaxia e tratamento da psicose. A nota comenta ainda que
“las investigaciones de Protopópov en el campo de la fisiología y la patología de la
actividad nerviosa superior del hombre facilitaron la introducción en la psiquiatría de
la doctrina de I. P. Pavlov sobre los reflejos condicionados”.

46
concretamente en el pensamiento con palabras, que es él caso más
frecuente de reflexo verbal contenido” (VYGOTSKI, 1991a, p. 7).
Segundo Cuny (1964), para a reflexologia, o pensamento
corresponderia a um reflexo inibido em sua terceira parte. A terça parte
do arco-reflexo se refere à ação do sistema nervoso efetor que
desencadeia as respostas musculares ou motoras circunstanciadas pelas
fases ou etapas anteriores que são, pela ordem, os nervos aferentes que
transmitem o estímulo recebido pelos órgãos sensoriais, e o sistema
nervoso central que os organiza para, enfim, produzir as reações em nível
de sistema efetor (CUNY, 1964).
Contudo, Vygotski (1991a) afirma que “la reflexología está
obligada a tener también en cuenta los pensamientos y la totalidad de la
psique si quiere comprender el comportamiento” (p. 8). Vygotski (1991a)
assinala que a psique é movimento inibido, e não somente o que se pode
objetivamente tocar ou o que se pode ver. Então, reflete o seguinte:

Surge la pregunta: ¿por qué admitimos el estudio de los reflejos


verbales en su integridad e incluso ciframos en ese campo las
máximas expectativas y no tomanos en consideración esos mismos
reflejos cuando no se manifestan externamente pero que sin duda
existen objetivamente? (VYGOTSKI, 1991a, p. 7, grifo do autor).

Assim, o autor afirma:

Los reflejos no manifestados (habla silenciosa), los reflejos


internos, inaccesibles a la percepción directa del obervador, a
menudo pueden hacerse manifiestos indirectamente, de forma
mediada, a través de reflejos accesibles a la observación respecto a
los cuales desempeñan el papel de excitantes. (VYGOTSKI, 1991a,
p. 9).
Los reflejos no manifiestos (el habla silenciosa), los reflejos
internos, inacessibles a la percepción directa del observador,
pueden ser descubiertos con frecuencia indirectamente o de forma
mediatizada, a través de reflejos acessibles a la observación, de los
que a su vez son excitantes. (VYGOTSKI, 1991b, p. 52).

Vygotski (1991a, 1991b) está mostrando que pela manifestação da


palavra como excitante e como reflexo, se analisaria objetivamente a parte
inibida ou oculta, e assim o fenômeno subjetivo da psique. Isso é possível

47
porque o autor comenta que a palavra, como reflexo completo, tem duplo
papel: estímulo (excitante) e reflexo.
Vygotski (1991a, p. 7-9) argumenta que, no âmbito da
reflexologia, quando um sujeito responde ao experimentador em voz alta
com uma palavra associada ao experimento, isso é considerado uma
reação verbal ou reflexo condicionado. E questiona: por que não
considerar o mesmo quando o sujeito pensa essa palavra (mentalmente),
sem a pronunciar em voz alta? No segundo texto em análise, Vygotski
(1991b) apresenta questionamento igual: “Y si la pronuncio [a palavra]
silenciosamente, para mí, si la pienso ¿dejará por eso de ser un reflejo y
cambiará su naturaleza? Y ¿donde está el límite entre la palabra
pronunciada y no pronunciada?” (p. 53).
Vygotski (1991a, 1991b) frisa que a palavra, manifestada na
interação verbal entre os sujeitos de um experimento, atesta o ato
psíquico, o mental, integrado à conduta. Nos referidos textos, o autor
considera a mesma coisa em relação à linguagem não verbal presente no
experimento. Com isso, ele aponta para uma visão integral de ato psíquico
e conduta centrando na palavra como reflexo completo, sendo a locução
tida como um ato primordial da comunicação entre o homem e seu meio
(e entre os homens), e vista como objeto de pesquisa. Para ele, a análise
aprofundada da fala ampliaria o círculo de estudo das vertentes mais
complexas do comportamento e da atividade psíquica, sem restringir à
observação dos reflexos manifestados externamente, somente.
Essas discussões refletem na forma de mediação expressada por
L. S. Vigotski: reflexos internos manifestados indiretamente, ou de forma
mediada, nos reflexos externos. Portanto, uma observação indireta dos
reflexos encobertos (fala silenciada) nos recessos da psique, nos reflexos
manifestados (pensamento com palavras), que envolva a fala, a locução.
Isso significa frisar a palavra, a linguagem, e não a vertente motriz
puramente.
Para tanto, duas considerações de Vygotski (1991a, 1991b) devem
ser observadas. A primeira envolve a investigação científica indireta com
foco nas declarações verbais dos sujeitos de um experimento, com
destaque para a palavra como reflexo completo, reversível, e a interação
verbal seguindo como o objeto de análise o tempo todo. Para o autor, essa
perspectiva não se confunde com o método da introspecção clássica

48
(método imediato ou direto) que ressalta somente o depoimento isolado
no próprio sujeito da experiência (apercepção) e sua interpretação apenas.
A segunda envolve a compreensão do papel dos reflexos inibidos na
estrutura da psique, cuja possibilidade de acesso se dá em função do
mecanismo de interinfluência dos sistemas de reflexo sobre outros
sistemas de reflexo (pensamento e fala).
Para Vygotski (1991a, p. 9):

sería un suicidio para la ciencia que, dado el enorme papel que


desempeña precisamente la psique – esto es, el grupo de reflejos
inhibidos – en la estructura de la conducta, renunciaria a acceder a
ella a través de un camino indirecto: su influencia en otros sistemas
de reflejos.

Em suma, Vygotski (1991a) considera que a psique, vista como


um conjunto ou sistema de reflexos, inclui os reflexos inibidos ou não
manifestos como parte de sua estrutura; e que psique e comportamento
não poderiam vistos separadamente. O autor os considera estreitamente
combinados dentro de uma correlação não dualista entre os fenômenos
subjetivos e os objetivos da conduta humana, dizendo: “la psique no existe
fuera del comportamiento, lo mismo que éste no existe sin aquélla, aunque sólo sea
porque se trata de lo mismo” (VYGOTSKY, 1991a, p. 17, grifo do autor).
No segundo texto analisado, Vygotski (1991b) desenvolve sua
compreensão da palavra como sendo a base do comportamento social,
visto como experiência social. O autor assinala que “en el amplio sentido
de la palabra es en el lenguaje donde se halla precisamente la fuente del
comportamiento social y de la conciencia” (p. 57). Para ele, o mecanismo
do comportamento social e o da consciência seria o mesmo, sendo a
linguagem por um lado reflexo de contato social e, por outro, um sistema
de reflexos da consciência (aparato de reflexos de outros sistemas). O
autor considera que por essa condição passaria também a questão do
conhecimento da psique alheia e do conhecimento de si mesmo
(autoconsciência), dados com a ajuda da linguagem, afirmando que a
linguagem é a base da experiência social.
No livro “Psicologia Pedagógica”, publicado em 1926, Vigotski
(2003) reitera essas discussões, comentando:

49
Por isso, a linguagem, esse instrumento de comunicação social,
também é um instrumento de comunicação íntima do homem
consigo mesmo. Ao mesmo tempo, o caráter consciente de nossos
pensamentos e atos deve ser entendido como esse mesmo
mecanismo de transferência de nossos reflexos para outros
sistemas ou, para utilizar os termos da psicologia tradicional, como
uma reação circular [um feedback]. (VIGOTSKI, 2003, p. 171-172).

Essas conclusões do autor reverberam em suas análises sobre a


defectologia, como podemos ler nessa passagem em um texto de 1924:
“En rigor, el lenguaje no solo es un instrumento de comunicación, sino
también un instrumento del pensamiento: la conciencia se desarrolla sobre
todo con ayuda del lenguaje y surge de la experiencia social”
(VYGOTSKI, 1997a, p. 88).
Reverberam também no âmbito da psicologia na educação, como
podemos ler nessa passagem em um texto de 1926: “la psicología escolar
tradicional estudia la psique en su estática y no en el proceso de su origen,
formación, y desarrollo” (VYGOTSKI, 1991c, p. 146).

Mediação do conhecimento científico

A segunda menção ao termo mediação emerge ainda em textos


publicados no mesmo período dos textos em que aparece a menção à
mediação dos reflexos psíquicos. A segunda menção localizada reflete,
basicamente, preocupações cientificas de L. S. Vigotski ligadas à mediação
anteriormente comentada. A diferença é que a segunda menção ao termo
vem mais atrelada à educação, principalmente no campo da Psicologia
Pedagógica e da Educação Especial.
Uma das preocupações de L. S. Vigotski era como psique,
comportamento e consciência vinham sendo abordados cientificamente,
com foco na fisiologia do reflexo e na biologia. Ao nosso ver, essa
preocupação vem sintetizada nessa frase: “la biología se traga a la
sociologia y la fisiología a la psicología” (VYGOTSKI, 1991b, p. 41).
Em um texto escrito em 1924, Vygotski (1991d) ressalta a visão de
conversão do biológico em comportamento social, sob a decisiva influência do
meio social, vendo o ser humano como um fato biossocial. O autor afirma que
é preciso construir um sistema científico que não explicasse todo o

50
comportamento sem a psique, porque “este não existe en el hombre sin la
psique, como tampoco esta última sin él, ya que la psique y el comportamiento
son la misma cosa” (VYGOTSKI, 1991d, p. 35).
Além disso, Vygotski (1991d) considera necessário não limitar “el
estudio del comportamiento humano a su aspecto biológico, ignorando el
factor social” (p. 35). Para isso, considera indispensável uma nova
psicologia (ou a reestruturação da psicologia) e um novo sistema científico
baseado no materialismo dialético (e não no materialismo fisiológico), que
envolvesse nessas mudanças uma nova visão biossocial de psique e
comportamento. Para tanto, ele aponta na direção do ensino das
disciplinas psicológicas nas escolas superiores, dos manuais utilizados e da
teoria pedagógica.
Esses comentários preliminares nos levam à segunda menção ao
termo, que se encontra no livro “Psicologia Pedagógica”, publicado em
1926. A menção localiza-se no primeiro capítulo, intitulado “a pedagogia e
a psicologia”, e emerge no seguinte parágrafo:

Tudo está incorreto. Em primeiro lugar, a aplicação de capítulos já


concluídos da psicologia geral sempre equivalerá a esse trabalho inútil de
transferir materiais e fragmentos alheios já prontos, conforme o que foi
mencionado por Munsterberg. Em segundo lugar, não podemos deixar
que a vida – sem a mediação de qualquer ciência – promova as
exigências pedagógicas; essa é uma questão da pedagogia teórica.
Finalmente, não é possível conceder um papel de especialista somente à
psicologia. (VIGOTSKI, 2003, p. 42).

Esse trecho se divide em três partes. A primeira parte começa


com “tudo está incorreto”. O que está incorreto? Para Vigotski (2003, p.
41), o percurso do desenvolvimento histórico da psicologia pedagógica
como ramo da psicologia aplicada ao processo educativo e ao ensino, e o
caráter teórico estreito que ela adquiriu ao querer dirigir a prática
educativa diretamente da Psicologia.
No prólogo à versão russa do livro de Edward Lee Thorndike
(1874-1949), publicado em 1926, Vygotski (1991c) tece as mesmas críticas
sobre a aplicação direta e fragmentada de conclusões psicológicas na
educação e na compreensão da psique. Para o autor, a visão fragmentada
de psique é um problema da educação, em que se tinha uma compreensão
estática do psiquismo humano perdendo-se de vista a natureza dinâmica

51
do desenvolvimento psicológico. Para o autor, isso vinha afetando o
próprio conceito científico de educação e a prática pedagógica.
Assim como colocado no texto do prólogo ao livro de
Thornidike, Vigotski (2003, p. 41-43) reitera essa mesma crítica no Livro
“Psicologia pedagógica”, agora com base em discussões de Hugo
Munsterberg (1863-1916)11 e de Pável P. Blonski (1884-1941)12. O autor
volta a ressaltar o caráter estreito que a psicologia pedagógica adquiriu
aplicando material já preparado pela Psicologia Geral, na forma de
fragmentos de psicologia teórica aplicada para fins práticos, tomando da
psicologia teórica os capítulos de interesse do pedagogo, como atenção,
memória, imaginação etc. Por meio desse material fragmentado se
decidiria como deveria ser o ensino.
Essas discussões combinam com a parte final (ou terceira razão)
indicada por L. S. Vigotski: “Finalmente, não é possível conceder um
papel de especialista somente à psicologia” (VIGOTSKI, 2003, p. 42).
Partindo de contribuições de William James (1842-1910), Vigotski (2003)
afirma: “James destacou, acertadamente, que é um grave erro pensar que é
possível inferir diretamente da Psicologia, para uso educativo,
determinados programas, planos ou métodos de ensino” (p. 41). Dentre
as contribuições de James, destacadas por L. S. Vigotski, está a
compreensão de que a pedagogia não nasceu da psicologia, mas que elas
deveriam andar no mesmo passo, de maneira coordenada.

11 Segundo Benjamin Jr. (2009), Hugo Munsterberg foi um nome ligado à psicologia
aplicada, sendo às vezes considerado o fundador da psicologia industrial, acreditando
que a psicologia tinha as ferramentas certas para determinar a relação entre satisfação
no emprego e maior rendimento no trabalho. Antes de sua morte, publicou livros
sobre a psicologia industrial, a psicologia e o direito, a psicologia e o ensino, a
psicoterapia e a psicologia dos filmes.
12 Segundo nota de Guilhermo Blanck, à página 44 da edição de Psicologia Pedagógica,

organizada por ele, Pável P. Blonski (1884-1941) “foi um psicólogo, pedagogo e


pedólogo soviético que desempenhou um importante papel nas décadas de 20 e 3,
tanto no desenvolvimento da psicologia quanto na construção de escolas na URSS.
Foi autor de diversos livros. Os únicos cursos estritamente de psicologia que Vigotski
fez na vida, conforme informações disponíveis, foram os que realizou com Blonski
na Universidade Shaniavski (não levamos em consideração os que fez com Gustav
Shpet, pois estes não foram psicológicos strictu sensu). Para Vigotski, Blonski foi um
importante referencial durante toda a sua vida”.

52
Entre essas duas razões, encontramos a menção ao termo
mediação: “em segundo lugar, não podemos deixar que a vida – sem a
mediação de qualquer ciência – promova as exigências pedagógicas; essa é
uma questão da pedagogia teórica” (VIGOTSKI, 2003, p. 42).
Ao nosso ver, duas questões precisam ser verificadas para nos
aproximarmos da ideia de mediação da ciência, indicada por L. S.
Vigotski: que visão de ciência o autor adota nesse livro; e como vida e
exigência pedagógica se integram pela mediação da ciência.
Como mencionado anteriormente, Vygotski (1991d) ressalta a
perspectiva materialista dialética como alternativa de superação do
dualismo prevalente na psicologia e na reflexologia, à época. Junto a isso,
aponta para uma orientação marxista de ciência.
Vigotski (2003) comenta a natureza da ciência dizendo: “toda tese
teórica é comprovada ou verificada mediante a prática, e sua veracidade só
se estabelece quando a prática construída sobre aquela se justifica” (p. 78).
Na análise de Gruner (2006), a visão de Marx sobre a composição entre
teoria e prática não é de uma mera união de dois termos, mas diz respeito
a entidades que se juntam com um propósito de profunda transformação
da realidade. Segundo Gruner (2006), sua lógica é de que a ação é a
condição do conhecimento e vice-versa, produzido no interior de um
mesmo movimento que é o da própria realidade social e histórica, e não
no movimento do puro pensamento teórico ou da pura ação prática.
Vigotski (2003) frisa que a Psicologia não pode fornecer nenhum
tipo de conclusão pedagógica, diretamente, mas sublinha: “como o
processo de educação é um processo psicológico, o conhecimento dos
fundamentos gerais da psicologia ajuda, naturalmente, a realizar essa tarefa
de forma científica” (VIGOTSKI, 2003, p. 41).
Mas, como isso se realizaria? Vigotski (2003) completa dizendo:

A educação significa sempre, em última instância, a mudança da conduta


herdada e a inoculação de novas formas de reação. Portanto, se
quisermos observar esse processo de um ponto de vista científico,
teremos de compreender necessariamente as leis gerais das reações e das
condições de sua formação. (VIGOTSKI, 2003, p. 41).

Ao nosso ver, nessas considerações estão uma parte do sentido de


mediação da ciência. Outra parte está na aplicação pedagógica da

53
compreensão dessas leis. No tocante às reações, Vigotski (2003) comenta:
“na base da ação educativa dos próprios alunos deve estar o processo
integral de reação com seus três componentes: percepção da excitação
[estímulo], elaboração [processamento] da mesma e a ação de resposta”
(p. 75-76). Podemos notar L. S. Vigotski novamente chamando atenção
para os reflexos psíquicos internos, como comentado anteriormente.
Vigotski (2003, p. 76) completa essa discussão dizendo que a
Pedagogia anterior reforçava o primeiro momento apenas, sem dar relevo
aos processos psíquicos internos que são os que elaboram internamente o
material fornecido pelo meio, modificando-os13. Entendemos, com base
nesses comentários, que essa pedagogia igualava o primeiro e o terceiro
momentos da reação, ignorando o segundo. Isso se denota pela
observação de Vigotski, de que esse tipo de pedagogia transformava os
alunos em “esponjas”, ou seja, recebedores e repetidores de
conhecimentos alheios.
Essa pedagogia desconhecedora das leis das reações e das
condições de sua formação, não tinha muito a oferecer porque realçava a
influência artificial da educação apenas de fora para dentro, mas sem
reconhecer o papel decisivo dos processos internos, psíquicos, como
expressão igualmente importante na reação completa. O aluno era visto
como passivo no processo de conhecimento.
É interessante observar que essa discussão de L. S. Vigotski
estende-se em sua obra. No livro “Imaginação e Criação na Infância”,
publicado em 1930, com base em palestras para pais e professores,
Vigotski (2009) continua desenvolvendo essas discussões entorno de uma
visão dialética e mais consciente da expressão da criança no processo
educativo, dizendo:

Educação, entendida correta e cientificamente, não significa


infundir de maneira artificial, de fora, ideias, sentimentos e ânimos
totalmente estranhos às crianças. A educação correta consiste em
despertar na criança aquilo que existe nela, ajudar para que isso se

13No livro “Imaginação e criação na infância”, publicado pela primeira vez em 1930,
Vigotski (2009) afirma que “as marcas das impressões externas não se organizam
inercialmente no nosso cérebro, como objetos numa cesta. São, em si mesmas,
processos; movem-se, modificam-se, vivem e morrem” (p. 36-37).

54
desenvolva e orientar esse desenvolvimento para algum lado
(VIGOTSKI, 2003, p. 72)14.

Uma consequência seria aliar a atividade psíquica ao processo


educativo, e isso implicaria conhecer as reações em sua totalidade, e seu
papel na conduta. Nessa direção, mencionamos que Vigotski (2003)
afirma ser necessário implicar o pensamento do aluno (processo interno,
elaboração) para que novas reações sejam estabelecidas pela educação, via
processo de ensino: “é muito mais importante ensinar a criança a pensar
que comunicar a ela determinados conhecimentos” (p. 173).
E a vida? É um termo complexo e multifacetado, mas inclui o
fator social que L. S. Vigotski desejava ver numa nova psicologia do
comportamento, como comentado anteriormente. Para Vigotski (2003),
não será o fluxo espontâneo da vida que ditará as exigências pedagógicas.
As forças da vida e as exigências pedagógicas serão integradas pela
mediação da ciência, ou de um conhecimento científico. Com isso,
aparece o problema da relação da criança com o meio, que envolve
desenvolvimento e educação.
Vigotski (2003) aponta para o problema da adaptação da criança
ao ambiente do ponto de vista pedagógico frisando que “o objetivo final
de toda educação consiste na adaptação da criança ao ambiente em que
lhe toca viver e agir” (VIGOTSKI, 2003, p. 197). Mas, o autor também
assinala que a adaptação ao ambiente pode ser de diversa índole, e
comenta: “a adaptação só deve ser considerada do ponto de vista social”
(VIGOTSKI, 2003, p. 197). Vigotski (2003) assinala que não se deve
“conceber o ambiente como um todo estático, elementar e estável, mas
como um processo dinâmico que se desenvolve dialeticamente” (p 197).
No âmbito da defectologia, em um texto publicado em 1925,
Vygotski (1997b) aborda a educação de crianças surdas e mudas, e
comenta: “la idea central consiste en que la educación se considera como

14 Na publicação espanhola do mesmo livro preparada por Pablo del Río e Amelia
Álvarez, a tradução dessa passagem é: “Una educación justa y científicamente
concebida no se reduce, realmente, a una copia mecánica, en la forma externa, de
ideales, sentimientos o aspiraciones totalmente extranãs a los niños. Una educación
justa consiste en despertar en el niño todo cuanto en él está oculto, en cooperar para
que se desarrolle, y en orientar este desarrollo en una determinada dirección”
(VYGOTSKI, 2007, p. 56).

55
parte da vida social y como participación organizada de los niños en esa
vida” (p. 125). Nesse texto, Vygotski (1997b) assinala que o meio social e
sua estrutura são fatores decisivos para a educação, e reclama a
necessidade de um sistema cientificamente elaborado para a teoria
pedagógica da educação dessas crianças, que compreenda a formação de
seus vínculos com o ambiente.
Vigotski (2003) discorre sobre a escola como um meio educativo
baseado em vínculos artificialmente criados com a realidade objetiva,
frisando que sua instituição e o conteúdo de sua ideologia sempre foram
sociais, e o meio social escolar, nela estabelecida, quem, em última
instância, educa de fato.
Para Vigotski (2003, p. 77-78), a criança (o indivíduo), apoiada na
educação escolar, olharia para além do seu meio à luz do pensamento
científico. A vida, e suas forças espontâneas, por sua vez, adaptaria a
criança (o indivíduo) ao ambiente (ou ao meio) existente, com hábitos
diversos daquelas formados e praticados na instituição escolar15. Assim, o
autor comenta que se fazia necessário melhor organizar o fluxo de forças
espontâneas da vida no curso do crescimento da criança, e ordenar a
heterogeneidade das influências do meio sobre esse crescimento, pela
educação, o que requer um vínculo entre vida, escola e sociedade, em
busca do novo16.

15 “O mundo não se desenvolve com um propósito racional particular” (VIGOTSKI,


2003, p. 303).
16 Nessa altura do trabalho, vale destacar essa análise de Toassa (2013, p. 501, grifo da

autora): “É digno de nota que a ideia de meio (sredá - среда) perpassa as considerações
de Vygotsky sobre diversos temas, entre os quais se destaca o desenvolvimento
humano. O autor rompeu de modo mais profundo com essas considerações
dicotômicas sobre hereditariedade X ambiente também explorando a acepção de sredá
como ambiente psíquico ou cultural e mental no qual o homem se insere, acepção
vigente no idioma russo desde o século XVIII (Pequeno Dicionário Enciclopédico
Brockhaus e Efron, citado em Vygotsky, 1935/2010). Vygotsky assinalou também a
importância de considerar a influência do meio a cada momento da vida da criança:
‘o meio, no sentido imediato dessa palavra, modifica-se para a criança a cada faixa
etária. Alguns autores dizem que o desenvolvimento da criança consiste na gradativa
ampliação de seu meio.’ (Vygotsky 2010, p. 683). Com essa afirmação, o autor revê
observações já presentes na ‘Psicologia Pedagógica’, texto que sustenta o desafio de
educar observando a transição entre o ‘pequeno’ e o ‘grande’ mundo da criança – ou
seja, entre o microcosmo da família e da escola e a sociedade socialista’.

56
Essas discussões encontram eco na menção que Vigotski (2003)
faz aos primeiros anos da Revolução Socialista de 1917. O autor comenta
que muitos reagiram contra a escola em favor da vida, e em favor do
clamor das ruas. Uma reação aos efeitos da escola czarista, que Vigotski
(2003) analisa como sendo “uma reação justa contra uma escola isolada da
vida por uma muralha chinesa” (p. 77)17. Para Vigotski (2003, p. 303-304),
“os problemas da educação serão resolvidos quando se resolverem os
problemas da vida”, e esta deveria ser vista como criação do novo. Nesse
percurso, “a pedagogia, como criação da vida, ocupará o primeiro lugar”
(VIGOTSKI, 2003, p. 304).

Mediação pelo signo

Em seus textos do período de 1924 a 1926, L. S. Vigotski afirma a


linguagem como instrumento do pensamento e da comunicação social,
assinala o pensamento como organizador interno da conduta (junto à
consciência e aos motivos da atividade), e adota a concepção de trabalho
em Marx, com destaque para o uso de ferramentas, pelo homem, vista
como componente do trabalho humano e como um aspecto que o
distingue. Nesse período localizamos a mediação dos reflexos psíquicos e
a mediação da ciência (VYGOTSKI, 1991a, 1991b, 1991d; VIGOTSKI,
2003).
Com a teoria histórico-cultural, desenvolvida entre 1927 e 1931,
L. S. Vigotski apresenta a concepção de mediação entorno da criação e
uso do signo como instrumento psicológico. Para González Rey (2011b,
p. 57), “en este momento de su obra su preocupación con la conducta y
con las herramientas psicológicas formadas en las prácticas culturales fue
el fueco central”.
Segundo Rivière (2002, p. 41, grifo do autor):

17Para tanto, era necessário repensar a escola compondo dinamicamente o velho e o


novo. Segundo Bittar e Ferreira Jr (2011), no período inicial da Revolução Socialista,
Lenin defendia de maneira dialética aproveitar aspectos da escola do período czarista,
em especial a ciência que ela produzia, em prol de uma nova escola, de uma nova
educação soviética, aproveitando-se somente o que serviria para essa formação.

57
Para Vygotski, la actividad (deyatel’nost) no era respuesta o reflejo
solamente, sino que implicaba un componente de transformación
del medio con ayuda de instrumentos. El concepto de actividad
estaba muy estrechamente relacionado con el de mediación. El
empleo de útiles y medios representa, el mismo tiempo, el
desarrollo de un sistema de regulación de la conducta refleja (pero
que no se confunde con ella) y la unidad esencial de construcción
de la conciencia.

Rivière (2002, p. 41) comenta que, ao ampliar o conceito de


instrumento às noções de signo e símbolo, L. S. Vigotski produziu uma
nova concepção de origem, desenvolvimento e natureza das funções
psíquicas superiores, que estava presa a visões reducionistas da
reflexologia (a teoria da atividade reflexa) e a teses subjetivistas.
Vygotski (1995a, 1995b) comenta que a psicologia objetiva
(reflexologia) de sua época se negava a estabelecer diferenças entre
funções psíquicas inferiores e superiores, abordando essas questões
somente do ponto de vista das reações inatas e adquiridas (pertencentes à
formação de hábitos). O autor frisa que, nesse contexto investigativo das
funções psíquicas, o método estímulo-reação (herança da fisiologia do
comportamento) e o conceito de reflexo condicionado se aproximavam
das formações culturais somente em sua vertente natural. O autor
comenta, ainda, que a psicologia empírica limitava o desenvolvimento
psíquico da criança à maturação das funções elementares.
No âmbito da reflexologia, para Pavlov (1970b, p. 57), “o
fenômeno do reflexo condicionado põe, nas mãos do fisiólogo, uma parte
imensa da atividade nervosa superior, ou, talvez, toda a atividade nervosa
superior”. Pavlov (1970c) via todo comportamento baseado no conceito
de reflexo condicionado, explicado pela teoria da atividade reflexa.
Segundo Pavlov (1970c), a teoria da atividade reflexa tem como um de
seus princípios fundamentais o “do determinismo, isto é, de um choque,
de um impulso, de uma causa, na origem de toda e qualquer ação ou
efeito” (p. 209).
Para Vygotski (1995a), era preciso empregar uma perspectiva
histórica e dialética para examinar o desenvolvimento das funções
psíquicas e o comportamento humano, superando a visão engessada de
estímulo-resposta e a ideia de reflexo condicionado, vigentes como
explicação geral, à época. Vygotski (1995a) afirmava que, para isso, seria

58
preciso realizar “un salto dialéctico que modifica cualitativamente la
propia relación entre el estímulo y la reacción”. (p. 62).
Ao sublinhar o uso de signos, Vygotski (1995d) enfrenta o
determinismo contido no conceito de reflexo, e a noção estímulo-resposta
que o acompanha, assinalando que o diferencial estaria em que o homem
usa, de forma voluntária e de modo consciente, estímulos artificiais que
cumprem o papel de signo, e que estes estariam no centro do processo de
desenvolvimento das funções psíquicas superiores: “La relación más
esencial que subyace en la estructura superior, es la forma especial de
organización de todo el proceso, que se construye gracias a la
introducción en la situación de determinados estímulos artificiales que
cumplen el papel de signos” (VYGOTSKI, 1995d, p. 123).
Nessas discussões do autor, a linguagem é assumida como um
exemplo básico não redutível à noção pavloviana de sistema de sinais, que
busca superar na ideia de que o aspecto psicológico central no uso de
signos é a significação:

Pero la conducta humana se distingue precisamente por el hecho


de que es el hombre quien crea los estímulos artificiales de señales
y, ante todo, el grandioso sistema de señales del lenguaje,
dominando así la actividad de señales de los grandes hemisferios. Si
la actividad fundamental y más general de los grandes hemisferios
en los animales y en el hombre es la señalización, la actividad más
general y fundamental del ser humano, la que diferencia en primer
lugar al hombre de los animales desde el punto de vista psicológico
es la significación, es decir, la creación y el empleo de los signos.
Tomamos esa palabra en su sentido más literal y exacto. La
significación es la creación y el empleo de los signos, es decir, de
señales artificiales” (VYGOTSKI, 1995a, p. 84, grifo do autor).

A discussão sobre o desenvolvimento cultural da criança ampliará


essas questões. A linguagem é a expressão central da relação dialética entre
os planos natural e cultural18.

18 Vygotski (1995b) define desenvolvimento cultural como “el dominio de medios


externos de la conducta cultural y del pensamiento, o el desarrollo del lenguaje, del
calculo, de la escritura, de la pintura etc.” (p. 34). No texto “O método instrumental
em psicologia”, de 1930, Vigotski (2004) comenta: “Como exemplo de instrumentos
psicológicos e de seus complexos sistemas podem servir a linguagem, as diferentes
formas de numeração e cálculo, os dispositivos mnemotécnicos, o simbolismo

59
Para Vygotski (1995b, p. 36), “el desarrollo culural se superpone a
los procesos de crecimiento, maduración y dessarrollo orgánico del niño,
formando con él un todo. Tan sólo por vía de abstracción podemos
diferenciar unos procesos de otros”. Vygotski (1995b) afirma que “el
desarrollo de la lenguaje infantil puede servir de ejemplo afortunado de
esa fusión de los planos de desarrollo: el natural y el cultural” (p. 36).
A visão de desenvolvimento cultural tem implicações
educacionais. Vygotski (1995e) assinala que “la historia del desarrollo
cultural del niño nos acerca de lleno a los problemas de la educación” (p.
303). Ao analisar o desenvolvimento das operações aritméticas, Vygotski
(1995f) comenta que “la cultura fundamental en el desarrollo del cálculo
radica en el paso de la percepción directa de la cantidad a la mediada, al
hecho de que el niño comience a equiparar las cantidades con
determinados signos, a operar con tales signos” (p. 208). Sobre o
desenvolvimento da linguagem escrita, comenta: “en psicología, el
problema del lenguaje escrito está muy poco estudiado como tal, es decir,
como un sistema especial de símbolos y signos cuyo dominio significa un
viraje crítico en todo el desarrollo cultural del niño” (VYGOTSKI, 1995g,
p. 184).
Essas questões são colocadas também no âmbito da Educação
Especial. Vygotski (1997c) frisa que a história do desenvolvimento
cultural da criança com deficiência constitui-se num problema central para
a defectologia. Nessa discussão, o autor também envolve a linguagem
como exemplo.

Ambos planos del desarrollo – el natural y el cultural – coinciden y


se fusionan uno con el otro. Ambas series de modificaciones
convergen, se interpenetran mutuamente y constituyen, en esencia,
la serie única de la formación sociobiológica de la personalidad. En
la medida en que el desarrollo orgánico se realiza en un medio
cultural, se va transformando en un proceso biológico
históricamente condicionado. El desarrollo del lenguaje en el niño
pude ser un buen ejemplo de la fusión de los dos planos del
desarrollo: el natural y el cultural. (VYGOTSKI, 1997c, p. 26).

algébrico, as obras de arte, a escrita, os diagramas, os mapas, os desenhos, todo tipo


de signos convencionais etc. (p. 93-94).

60
Vygotski e Luria (2007) afirmam que é graças à inclusão do
símbolo que se explica o modo de mudanças das funções psíquicas e suas
relações estruturais. Esses autores comentam que as inclusões das
operações simbólicas formam uma composição totalmente nova no
campo psíquico; e que essas operações fazem a relação entre ação
involuntária e voluntária.

Mediação pelo significado da palavra (pensamento, palavra e


comunicação)

No texto “El problema de la conciencia” (VYGOTSKI, 1991e, p.


125-126), publicado em 1968 com base em notas e observações
produzidas em 1933-34, comenta-se que o pensamento, pelo modo como
está estruturado, não pode se expressar diretamente na palavra. Nesse
texto coloca-se que, em seu trabalho, o pensamento intenta se expressar
de algum modo para concluí-lo, e a operação com signos o favorece nesse
sentido. Nesse intento, a realização do seu trabalho se dá por meio da
construção do significado, pelo qual também se desenvolve o próprio
pensamento. Em razão disso, o caminho de um desejo vago até o
significado se dá no aperfeiçoamento do pensamento na palavra. Por isso,
“el significado no es igual al pensamiento expresado en la palabra”
(VYGOTSKI, 1991e, p. 125).
Não se trata de uma expressão direta ou automática do
pensamento na palavra: “el pensamiento es un proceso interno mediado”
(VYGOSKI, 1991e, p. 126, grifo do autor).

«El significado es el camino del pensamiento a la palabra». ‹El


significado no es la suma de todas las operaciones psicológicas que
están detrás de la palabra. El significado es algo más definido: es la
estructura interna de la operación del signo. Eso es lo que se halla
entre el pensamiento y la palabra. El significado no es igual a la
palabra, ni es igual al pensamiento. Esta no identidad puede
apreciarse en la no coincidencia de las líneas de evolución.›.
(VYGOTSKY, 1991e, p. 124, grifo do autor).

No livro “Pensamiento y habla”, publicado pela primeira vez em


1934, L. S. Vigotski (1934) reforça esse entendimento aliando mediação
pelos signos e por significados à comunicação entre consciências:

61
El pensamiento no solo está externamente mediado por signos,
sino también internamente por significados. La comunicación
inmediata entre conciencias es imposible física y psicológicamente.
Esto solo puede ser logrado por una via indirecta y mediada. Este
camino consiste en la mediación interna del pensamiento, primero
a través de los significados y luego a través de las palabras. Por eso,
el pensamiento nunca es equivalente al significado directo de las
palabras. (VIGOTSKI, 2012, p. 512).

Como se pode notar, a comunicação entre consciências só pode


ser alcançada por vias indiretas ou de forma mediada (simbólica), o que
implica a mediação do significado. Para Vigotski (2012, p. 512), “el
significado media el pensamiento en su camino hacia la expressión verbal,
es decir, el camino del pensamiento a la palabra es un camino indirecto e
internamente mediado” (VIGOTSKI, 2012, p. 5012).
De acordo com Vygotski (1991e, p. 126), “no hay en general signo
sin significado. La formación de palabras es la función principal del signo.
Hay significado allí donde hay signo”. Para Vygotski (1991e, 128, grifo do
autor), “el significado de la palabra es siempre una generalización; tras la
palabra hay siempre un proceso de generalización – el significado surge
donde hay generalización”.
No livro “Pensamiento y habla”, Vigotski (2012) desenvolve mais
essas questões dizendo:

El significado de una palabra, con la generalización implícita que


lleva, es un acto de pensamiento en el sentido propio del término.
Al mismo tiempo, el significado es una parte inseparable de la
palabra como tal, y pertenece tanto al dominio del habla como al
dominio del pensamiento. Una palabra sin significado no es una
palabra, sino un sonido vacío. Una palabra privada de significado
no pertenece más al dominio del habla. Por eso el significado, por
su naturaleza, puede ser observado en idéntica medida como un
fenómeno del habla y como un fenómeno del pensamiento.
(VIGOTSKI, 2012, p. 18-19).

Portanto, temos o entrelaçamento entre comunicação e


generalização como função do signo:

62
Comunicación y generalización. La faceta interna de la acción
mediada se descubre em la doble función del signo: 1)
comunicación y 2) generalización. Porque: toda comunicación
exige generalización. (VIGOTSKI, 1991i, p. 130).

Para Vigotski (2012, p. 19-20), a análise dessas questões requer a


compreensão da relação entre pensamento e fala, via estudo do
significado verbal (análise semântica); da fala como meio de comunicação
social, de expressão e de compreensão; e a natureza do pensamento
discursivo. Essas questões implicam também nessa conclusão: “el análisis
semiótica es el único método adecuado para estudiar la estructura del
sistema y contenido de la conciencia” (VYGOTSKI, 1991e, p. 129).

Mediação da palavra na formação de conceitos

O aspecto de mediação comentada no ponto anterior tem estreitas


relações com a formação dos conceitos, e sua natureza psicológica, no
desenvolvimento da criança.
No quinto capítulo do livro “Pensamiento y habla”, intitulado
“Estudio experimental del desarrollo de los conceptos”, Vigotski (2012, p.
180) aponta para um problema básico ligado ao processo de formação de
conceitos: o problema dos meios com os quais qualquer operação
psicológica é realizada. O autor comenta que assim como o trabalho,
como atividade orientada a um fim, deve ser explicado a partir do
emprego de instrumentos, sem o qual o trabalho não poderia surgir, “del
mismo modo, el problema central para explicar las formas superiores de
comportamiento es el de los medios con cuya ayuda el hombre domina el
proceso del proprio comportamiento” (VIGOTSKI, 2012, p. 180).
Podemos observar dois aspectos importantes nesse comentário do
autor: a) menção indireta ao conceito de Trabalho segundo Karl Marx
(1818-1883); b) meios com a ajuda dos quais o homem domina seu
próprio comportamento.
O primeiro aspecto remete à perspectiva marxista do processo de
trabalho, sendo seus elementos componentes: “1) a atividade adequada a
um fim, isto é o próprio trabalho; 2) a matéria a que se aplica o trabalho, o

63
objeto do trabalho; 3) os meios de trabalho, o instrumental de trabalho”
(MARX, 2012, p. 212)19.
O segundo aspecto remete à ideia desenvolvida pelo autor, em
textos anteriores, que o ser humano, dominando os estímulos, dominará a
própria conduta. Essa ideia encontra-se na mediação pelo signo (ou
simbólica). Para Vygotski (1995c), o homem é capaz de sair da esfera
rígida do condicionamento dominando os estímulos presentes numa dada
situação-problema. Segundo Vygotski (1995c, p. 289), “la clave para
dominar la conducta radica en el dominio de los estímulos”. Nessa parte
de sua obra, o autor desenvolve a analogia entre instrumento e signo,
concebendo o signo como um instrumento psicológico.
Então, Vigotski (2012, p. 180) comenta:

Como muestran investigaciones en las que ahora no vamos a


detenermos, todas las funciones psíquicas superiores tienen en
común el ser procesos de mediación, es decir, incluyen en su
estructura, como parte central y fundamental de todo el proceso en
su conjunto, el uso del signo como medio esencial para dirigir y
dominar los procesos psíquicos.

Vigotski (2012, p. 180) continua dizendo que somente o estudo


do uso funcional da palavra, seu desenvolvimento e formas de aplicação, é
que pode fornecer a chave para estudar a formação de conceitos.
Esse estudo envolve também o pensamento. Vigotski (2012, p.
260) assinala que o conceito aparece no transcurso de uma operação
intelectual, e que essa operação não se trata de um jogo de associações
pelas quais se construiria o conceito, porque em sua formação participam
todas as funções intelectuais elementares combinadas de modo particular.
O autor acrescenta: “el momento central de esta operación es el uso
funcional de la palabra como medio para dirigir voluntariamente la
atención, la abstracción la selección de atributos aislados y su síntesis y
simbolización a través del signo” (VIGOTSKI, 2012, p. 260).

19 Nas palavras de Marx (2012, p. 2013): “O meio de trabalho é uma coisa um


conjunto de coisas que o trabalhador insere entre si mesmo e o objeto de trabalho e
lhe serve para dirigir sua atividade sobre esse objeto. Ele utiliza as propriedades
mecânicas, físicas, químicas das coisas, para fazê-las atuarem como forças sobre
outras coisas, de acordo com o fim que tem em mira”.

64
Assim, a formação de conceitos tem as operações intelectuais
(atenção voluntária, abstração, seleção, análise, síntese etc.) e o uso
funcional da palavra (simbolização por meio da palavra como signo) como
seus elementos básicos.
No primeiro capítulo desse livro, intitulado “El problema y el
método de investigación”, Vigotski (2012, p. 18-19) levanta uma discussão
que reforça o acima exposto. O autor considera a relação entre
pensamento e fala, vendo a generalização com um extraordinário ato
verbal do pensamento, sendo o significado da palavra pertencendo tanto
ao domínio da fala quanto ao domínio do pensamento:

[...] el significado de una palabra, con la generalización implícita


que lleva, es un acto de pensamiento en el sentido propio del
término. Al mismo tiempo, el significado es una parte inseparable
de la palabra como tal, y pertenece tanto al dominio del habla
como al dominio del pensamiento. (VIGOTSKI, 2012, p. 18-19).

Nas discussões do citado capítulo cinco, Vigotski (2012) assinala


um aspecto importante da relação palavra-conceito: “en el problema que
nos interesa, el de la formación de los conceptos, la palabra es ese signo
que sirve de medio para la formación de los conceptos y luego se convirte
en su símbolo” (VYGOTSKI, 2012, p. 180). Nesse mesmo livro, Vigotski
(2012) faz uma menção ao trabalho de Edward Sapir: o significado da
palavra como símbolo de um conceito (VIGOTSKI, 2012, p. 21)20. Essas
questões nos levam ao aspecto seguinte, de mediação.

Mediação dos conceitos

Vitotski (2012) aborda esse aspecto de mediação no capítulo seis


livro do livro “Pensamiento y habla”, publicado pela primeira vez em

20 Conforme nota de rodapé, na página 21 do referido livro, essa expressão é


atribuída por Vigotski a Edward Sapir, e provém do livro “Language: an introduction
to the study of speech”, de 1921. Vigotski (2012) destaca de Sapir a discussão de que
a linguagem deve estar vinculada com uma determinada classe de nossa experiência, e
o mundo de nossa experiência deve estar simplificado e generalizado para que seja
possível simbolizá-lo, que somente resulta possível na comunicação.

65
1934. Uma característica importante é a relação da criança com os objetos
mediada pelos conceitos.
Vigotski (2012) desenvolve estudos sobre conceitos cotidianos e
conceitos científicos no desenvolvimento da criança, mostrando a
distinção entre eles e como revelam fraquezas e fortalezas em sua
formação. O conceito cotidiano é forte justamente no seu emprego
espontâneo, ou seja, na sua aplicação a uma variedade de situações
conforme a riqueza do seu conteúdo empírico e vínculo com a experiência
pessoal da criança. Mas, o autor comenta que nesse momento a criança
tem mais ciência do objeto do que do próprio conceito. No caso do
conceito científico, sua fraqueza está justamente no que lhe falta da
riqueza e força do conceito cotidiano. Por outro lado, a força do conceito
científico está em que a criança compreende melhor o próprio conceito,
situação que o conceito cotidiano não consegue realizar.
Para Vigotski (2012), importa verificar como essas linhas se
desenvolvem, em que altura elas se encontram e como vai se
desenrolando a compreensão do conceito, pela criança. O autor examina
essa questão considerando que a linha do conceito cotidiano é constituída
por conceitos com propriedades mais simples, e que a linha dos conceitos
científicos é constituída por conceitos mais complexos. Assim, os
conceitos cotidianos seriam conceitos com propriedades mais simples,
enquanto os conceitos científicos teriam propriedades mais complexas
(superiores). Portanto, os conceitos espontâneos se desenvolveriam “de
baixo para cima”, e os científicos “de cima para baixo”. Para ele, o aspecto
principal do desenvolvimento dos conceitos científicos é a definição
verbal primária que, uma vez aplicada, desce até ao concreto, ao
fenômeno. O conceito cotidiano tem lugar fora de um sistema
determinado de conceitos, possuindo a tendência de subir até as
generalizações (parte superior de seu desenvolvimento). Para Vigotski
(2012, p. 370), “esto conduce a un aumento en el nivel de los conceptos
cotidianos, que son reelaborados bajo la influencia del hecho de que el
niño haya dominado os conceptos científicos”.
Dessas discussões emerge a mediação pelos conceitos espontâneo
e científico. Diferentemente do modo como se forma o conceito
espontâneo na criança em seu contato direto com coisas distintas (da coisa
ao conceito), em que participa a comunicação com o adulto, o conceito

66
científico vai do conceito à coisa. Esse conceito vai se constituindo ao
longo do desenvolvimento da criança à medida que ela se torna ciente do
objeto, tornando-se ciente do próprio conceito e a operar abstratamente
com ele. Isso se dá ao longo do desenvolvimento da criança, e o fator
intelectual e o uso voluntário do conceito são pontos nodais no processo.

La primera aparición del concepto espontâneo está a menudo


relacionada con el choque directo del niño con distintas cosas,
ciertamente, con cosas que al mismo tiempo las explican los adultos,
pero, con todo, con cosas vivas y reales. Y solo a través de un
prolongado desarrollo el niño llega a tomar consciencia del objeto, a
tomar conciencia del propio concepto y a operar abstractamente con él.
La aparición del concepto científico, por el contrario, no comienza con
el encuentro directo con las cosas, sino con una relación mediada hacia
el objeto. Si en el primer caso el niño va de la cosa al concepto, aqui
necesita frecuentemente recorrer al camino opuesto, del concepto a la
cosa. Por eso, no es sorprendente que aquello que permite ver la fuerza
de un concepto sea justamente el aspecto débil del otro. (VIGOTSKI,
2012, p. 374-375).

Para Vigotski (2012, p. 406-408), o ponto central é a ausência ou


presença de um sistema de conceitos – caráter assistemático dos conceitos
espontâneos e caráter sistemático dos conceitos científicos. Para o autor,
isso implica dizer que, fora de uma sistematização conceitual, nos
conceitos são possíveis apenas ligações empíricas, ou seja, ligações
estabelecidas entre os próprios objetos. Mas, quando se tem um sistema
de relações entre conceitos por cima do empírico, tem-se uma relação
mediada distinta:

Junto con el sistema surgen las relaciones entre los conceptos, la


relación mediada de los conceptos con los objetos a través de su
relación con otros conceptos, surge en general una relación distinta
de los conceptos con el objeto; entre los conceptos resultan
posibles vínculos supraempíricos. (VIGOTSKI, 2012, p. 407).

Na análise de Nuñez (2009):

A escola, ao trabalhar com os alunos os sistemas de conceitos


estruturados nos conteúdos disciplinares, proporciona a elaboração
de saberes que não estão disponibilizados em suas experiências
sensíveis, concretas, do cotidiano. Dessa forma pode liberá-los do

67
contexto perceptível imediato. As redes conceituais se estruturam
em teorias que os sujeitos dispõem para interpretar e transformar a
realidade, transformando-se a si mesmas no contexto social. Os
conceitos devem ser compreendidos na dinâmica dos sentidos e
significados que eles adquirem nas relações que se estabelecem
entre eles no marco da teoria (no caso da disciplina escolar, as
teorias científicas). (NUÑEZ, 2009, p. 48-49)

Essas discussões envolvem a comunicação professor-aluno, e


aluno-aluno, e a expressão da linguagem, no processo educacional. No
tocante ao ensino, Vigotski (2012) afirma que o conceito científico não é
simplesmente transferido verbalmente, do professor ao aluno, em sua
forma final:

El maestro que intenta seguir este camino habitualmente no


consigue nada más que una asimilación irreflexiva de palabras, un
puro verbalismo que simula e imita la presencia de los
correspondientes conceptos en el niño, pero que en realidad
encubre un vacío. En estos casos, el niño no asimila conceptos,
sino palabras, capta más con la memoria que con el pensamiento, y
resulta incompetente ante cualquier intento de aplicar con sentido
el conocimiento asimilado. (VIGOTSKI, 2012, p. 271)

De acordo com Cavalcanti (2005), “para Vygotsky, a palavra é o


signo que serve tanto para indicar o objeto como para representá-lo,
como conceito, sendo nesse último caso, um instrumento do
pensamento” (p. 190). Mas, Fontana (2005) assinala:

Contudo, a palavra não é estática. Ela se transforma na dinâmica


social e no processo de desenvolvimento da criança. O sentido e o
conjunto das operações intelectuais possíveis com a palavra
(estrutura de generalização) modificam-se no processo de
desenvolvimento da criança. (FONTANA, 2005, p. 15).

Fontana (2005) e Tunes, Tacca e Junior (2005) comentam que o


desenvolvimento do conhecimento na escola está situado em práticas
educativas e contingenciado pelo trabalho escolar. Mas são,
essencialmente, mediados, materializados pelos sistemas linguísticos, pelos
enunciados, pelas formas ou processos semióticos, pelos sistemas
teóricos. Esses autores também frisam que as interações linguísticas, as

68
comunicações, em sala de aula, não são unilaterais, não são simétricas, não
são lineares.

Mediação no primeiro ano de vida

A última menção ao termo mediação, que localizamos, encontra-


se no volume IV das Obras escogidas, quando Vygotsky (2006a) analisa a
situação social do desenvolvimento da criança no primeiro ano de vida.
Vygotski (2006a) frisa que, nesse momento, devido à sua condição
biológica, o bebê é dependente do cuidado dos adultos para atender as
suas necessidades, e cuidam também da relação do bebê com o que está à
sua volta (objetos), até que ele alcance mais autonomia. Vygotski (2006a)
comenta que “todo lo que podrá hacer el niño más tarde por sí mismo,
durante el proceso de su adaptación individual, ahora, por la inmadurez de
sus funciones biológicas, pude ser ejecutado sólo a través de otros, sólo en
la situación de colaboracíon” (p. 285).
O termo mediação surge com essas discussões. Vygotski (2006a)
assinala: “esa dependencia confere un carácter absolutamente peculiar a la
relación del niño con la realidad (y consigo mismo): son unas relaciones
que se realizan por mediación de otros, se refractan siempre a través del
prisma de las relaciones con otra persona” (p. 285).
Ao nosso ver a mencionada refração pode estar relacionada com
esse comentário do autor: “(...) cualquier relación del niño con las cosas es
una relación que se lleva a cabo con la ayuda o a través de otra persona”
(VYGOTSKI, 2006a, p. 285).
Vygotski (2006a) afirma que a relação da criança com a realidade
circundante é eminentemente social desde o início, chamando-a de
situação objetiva de desenvolvimento. Mas, Vygotski (2006a) explica que
o traço específico e peculiar da sociabilidade do bebê se revela na seguinte
questão: “su comunicación social no se ha separado todavía de todo el
proceso de su comunicación con el mundo exterior, con los objectos y
con la satisfacción de sus necesidades vitales” (p. 304). Segundo o autor,
“esta comunicación está privada todavía del medio más esencial: el
lenguaje humano”. (VYGOTSKI, 2006a, p. 304). De acordo com
Vygotski (2006a), a situação social mencionada se mostra na obrigação de
a criança manter uma comunicação com os adultos, “pero esta

69
comunicación es una comunicación sin palabras a menudo silenciosa, una
comunicación de género totalmente peculiar” (p. 286).
Vygotski (2006a) assinala que, no decorrer do primeiro ano de
vida do bebê, prevalece uma comunicação visual-direta, pré-linguística e
emocional (transferência de afetos), baseada em entendimento mútuo,
ocorrendo também a presença de uma imitação ainda inicial (imitação de
movimentos, de reações fônicas etc.).
Vygotski (2006a) comenta que, por volta do décimo mês de vida,
se produz uma importante mudança: “desaparecen los movimientos, y se
inicia el desarrollo de formas de comportamiento más complicadas: la
primera utilización de la herramienta y el empleo de palabras para
expressar el deseo” (p. 288). O autor continua dizendo: “de ese modo
comienza un nuevo período que acaba después de los limites del primer
año de vida. Ese período marca la crisis del primer año que viene a ser el
punto de unión entre el primer año y la infância temprana” (VYGOTSKI,
2006a, p. 288).
A segunda peculiaridade da situação social do bebê, apontada por
Vygotski (2006a), é: “aunque todo su comportamiento está inmerso en lo
social, carece todavía de los medios fundamentales de la comunicación
social en forma de la lenguaje” (p. 285).
Ao examinar o final do primeiro ano de vida, Vygotski (2006b)
assinala que ocorrem três momentos de crise: o primeiro se refere ao
andar como forma principal de deslocamento no espaço, o segundo se
refere à linguagem e o terceiro se refere aos afetos e à vontade. Vygotski
(2006b) considera esses três momentos o conteúdo da crise do primeiro
ano de vida, mas concentra sua análise na linguagem: “elegimos el lenguaje
porque está más vinculado con la aparción de la conciencia infantil y con
las relaciones sociales del niño” (p. 320)21.

21 Vygotski e Luria (2007, p. 27-29) comentam que a fonte do desenvolvimento da


atividade deve ser buscada no entorno social da criança, acentuando que a criança
pequena, impregnada de situações factuais, não se relaciona diretamente com elas,
mas com a ajuda de outra pessoa. Os autores assinalam, ainda, que o
desenvolvimento de formas superiores de atividade prática da criança se organiza de
maneira complexa com a atividade simbólica, criando-se uma unidade entre
operações práticas e a fala. Eles frisam que a fala se converte em fator fundamental e
decisivo, e com isso a conduta da criança se translada a um plano novo, guiada por
fatores novos.

70
Segundo Vygotski (1995h) os meios de relação social se dão de duas
maneiras: relações diretas e mediadas. Para o autor, a primeira se baseia em
formas instintivas, de movimentos e de ações expressivas, sendo o contato
estabelecido por meio de toques, gritos e olhares: “Toda la historia de las
primeras formas de contacto social en el niño está repleta de ejemplos similares:
el contacto se establece por medio del grito, de tentativas de asir al otro por la
manga, de miradas” (VYGOTSKI, 1995h, p. 148).
A segunda maneira é uma etapa superior de desenvolvimento em
que se tem relações mediadas com o uso do signo, graças ao qual se
estabelece a comunicação entre os homens: “de por si se entiende que la
forma superior de comunicación mediada por el signo, es el produto de
las formas naturales de la comunicación directa; estas últimas, sin
embargo, se diferencian esencialmente de esta forma de comunicación”
(VYGOTSKI, 1995h, p. 148).

Considerações Finais

Neste trabalho, analisamos menções ao termo mediação,


identificadas nos textos de L. S. Vigotski. Foram classificados sete
aspectos de mediação, que emergiram ao longo de sua obra. Os resultados
mostraram que todas as mediações encontradas têm características em
comum.
A primeira característica é sua vinculação com a linguagem, com o
simbólico. Em quase todas as formas textuais de mediação, que
identificamos e analisamos neste trabalho, a linguagem é o principal
exemplo de sua manifestação. Na mediação dos reflexos psíquicos, o
reflexo em questão é palavra, o objeto de investigação é a locução e a
vertente complexa de comportamento abordada, é a fala. Na mediação
pelo signo (considerando o desenvolvimento cultural), a linguagem e todo
tipo de signo convencional. As mediações pelo significado, pela palavra na
formação dos conceitos e dos conceitos na relação da criança com os
objetos, se complementam, e o significado da palavra e a dupla função do
signo (comunicação e generalização), colocam a palavra como centro. A
mediação no primeiro ano de vida envolve a situação social objetiva e é
marcada por um período pré-linguistico e visual-direto. Mas, logo que a
linguagem se desenvolve e se torna fundamental na comunicação social,

71
uma nova etapa se configura, e a mediação pela linguagem prevalece.
Contudo, na mediação da ciência, o conhecimento científico é o que
prevalece.
A segunda característica é a relação entre a linguagem e os
processos psíquicos, internos. Desde a mediação dos reflexos psíquicos,
busca-se a compreensão da psique em suas linhas internas de
manifestação, sem ignorar suas manifestações externas. Nesse sentido, a
fala torna-se um componente fundamental de análise do psiquismo
humano em sua totalidade.
A terceira característica é servir de meio simbólico compositor
entre o homem e as condições sociais e culturais, numa atividade
orientada a um fim. A teoria histórico-cultural vai desenvolver essa ideia
ao máximo, com base na concepção de trabalho, em Marx. O simbólico é
sua expressão externa, e o significado seu núcleo.
Nessa discussão, dois fatores têm que ser levados em conta na
ideia de signo como instrumento psicológico mediador: ter origem social;
e ter sido inventado pelo homem e ser usado por ele, intencionalmente,
em sua relação com o mundo.
Essas facetas permitem que o signo, como instrumento, seja uma
extensão do sujeito, mas ao mesmo tempo não se confundir com ele,
justamente por ser meio. Como comenta Fitchner (2010, p. 249), “um
meio faz parte do sujeito e resulta da atividade do sujeito, mas ao mesmo
tempo se diferencia do sujeito porque, numa certa perspectiva, o meio é
também parte do objeto, espelha certas qualidades desses objetos com os
quais tem uma relação”. Fitchner (2010) comenta que, no caso dos signos,
“espelham não o objeto em si a que fazem referência, mas a compartilha
da forma de referir o objeto” (p. 249). Em Vygotski (1991e) lemos que o
instrumento precisa de um significado porque “el instrumento guarda conexión
con el significado (del objeto)” (p. 122, grifo do autor).
Por fim, concluímos que a ideia de mediação percorre toda a obra
de L. S. Vigotski, como mostram os dados da pesquisa. Seu
entrelaçamento com a teoria de L. S. Vigotski é constante, e envolve
bastante a educação. No final do texto “O problema da consciência”,
lemos o seguinte: “el hecho central de nuestra psicología es el hecho de la
acción mediada” (VYGOTSKI, 1991e, p. 130). O termo mediação

72
aparece desde os primeiros escritos de L. S. Vigotski publicados, e segue
em sua produção até o fim, o que, ao nosso ver, corrobora essa afirmação.
A atividade humana simbolicamente mediada e socialmente
constituída são partes vitais da teoria de L. S. Vigotski. Os signos e
símbolos são os meios de produção do homem em seu mundo. O homem
inventou e vem utilizando os signos e os símbolos. A natureza simbólica
humana, usando a expressão de Pino (2005), nos permite pensar o próprio
homem, a humanidade. Por outro lado, nos permite também acessar o
melhor e o pior do ser humano nas marcas do simbólico.

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78
Capítulo 3

A constituição humana pela unidade personalidade-psique-


atividade: contribuições de S. L. Rubinstein para o campo
educacional22

Leandro Montandon de Araújo Souza

No contexto da produção psicológica soviética, são muitos os


autores cujo pensamento e obra fundamentam as bases da Teoria e da
Psicologia Histórico-Cultural, da Teoria da Atividade e da Didática
Desenvolvimental. Sem dúvidas, um legado teórico grandioso,
heterogêneo que, em sua origem, contou com pesquisadores de diferentes
especialidades, como psicólogos, filósofos, filólogos e didatas na antiga
União das Repúblicas Socialistas Soviéticas - URSS. Dentre todos, se
destacam “S. L. Rubinstein e L. S. Vigotski seus principais precursores
(LONGAREZI, 2020)”, autores cuja produção influenciou, e ainda
influencia, toda a pesquisa e trabalhos que se vinculam a esta mesma
perspectiva teórica. Muito mais poderia ser dito em relação à
particularidade da contribuição de S. L. Rubinstein na emergência da
Psicologia Histórico-Cultural e da Teoria da Atividade, mas que
extrapolariam os objetivos deste trabalho específico e que já se
constituíram em objeto de pesquisas anteriores (LONGAREZI, 2018,
2020a, LONGAREZI; PUENTES, 2017; PUENTES; LONGAREZI,
2017a, 2017b, 2018). Nesse sentido, este trabalho soma a estes demais,
buscando avançar rumo a um objetivo novo, precisamente, com o intuito
de revelar as contribuições que o pensamento rubinsteiniano pode
oferecer para o campo educacional a partir da análise do fenômeno
constituição humana.

22 O presente texto apresenta os resultados obtidos na produção da tese de


Doutorado em Educação, “A unidade Personalidade-Psique-Atividade no
pensamento de S. L. Rubinstein: contribuições para o campo educacional”, defendida
no âmbito do Programa de Pós-Graduação em Educação, pela Universidade Federal
de Uberlândia, MG/2019, 306f. desenvolvida sob a orientação da Profa. Dra. Andréa
Maturano Longarezi.

79
Neste capítulo, buscar-se-á destacar a valiosa teoria de Sergei
Leonidovich Rubinstein - - Сергей Леонидович Рубинштейн (1889-
1960), em especial, a partir das contribuições abertas por seu pensamento
na compreensão do fenômeno da constituição humana e as possibilidades
de sua instrumentalização no campo educacional. Em face do propósito
do presente, cabe situá-lo no conjunto de produções, desenvolvidas no
âmbito do Grupo de Estudos e Pesquisas em Didática Desenvolvimental
e Profissionalização Docente – GEPEDI, que favorecem o acesso de
pesquisadores contemporâneos ao pensamento e obra da matriz histórico-
cultural (FEROLA, 2019; LONGAREZI; FRANCO, 2013;
NASCIMENTO, 2014; LONGAREZI; ARAÚJO; PIOTTO; MARCO,
2018; LONGAREZI; PUENTES; ARAUJO, 2020; LONGAREZI;
PUENTES, 2020; PUENTES; LONGAREZI, 2020; LOPES, 2020;
CARDOSO, 2020; AMORIM, 2020; SOUZA, 2016). Trabalhos que,
como este capítulo, evidenciam a intensidade de um coletivo vivo e
diversificado, cujas produções, ainda que assinadas por uns poucos,
irremediavelmente carregam em si marcas do coletivo no qual se fizeram
possíveis.
Sergei Leonidovich Rubinstein, psicólogo e teórico soviético,
nascido em Odessa, Província de Kherson, no Império Russo, é autor de
uma produção filosófico-psicológica materialista histórico-dialética de
inestimável valor, mas ainda pouco explorada no ocidente, se comparada a
capilaridade do alcance das produções de outros autores a ele
contemporâneos e representantes das produções de matriz Histórico-
Cultural. O acesso às suas obras ainda é difícil, apenas um limitado
número de suas publicações foi traduzido para a língua portuguesa e/ou
espanhola. Para além dos empecilhos da língua, fatores históricos também
favoreceram o estabelecimento de entraves à pesquisa científica, em
especial, o rigor da censura sofrida por S. L. Rubinstein durante o período
stalinista da antiga União das Repúblicas Socialistas Soviéticas – URSS.
O que, definitivamente, não significa que seu pensamento não
fora objeto de importantes investigações e reconhecimento de todo tipo.

80
É evidência disso o modo como em 1943, S. L. Rubinstein23 se torna o
primeiro psicólogo a integrar a Academia de Ciências da União das
Repúblicas Socialistas Soviéticas – URSS, um claro reconhecimento de sua
fundamental atuação na delimitação da Psicologia como uma ciência
independente naquele contexto histórico. Também é derivado de seu
trabalho a criação do setor de Psicologia no Instituto de Filosofia da
URSS em 1945, que junto a seus estudantes integrantes, conseguiram
estabelecer as prioridades da pesquisa psicológica a partir do estudo
comparado dos problemas da Psicologia, considerando as direções já
estabelecidas pela pesquisa acadêmica na Europa e América. Também se
destacou por aproveitar-se das investigações psicológicas produzidas ao
longo da Segunda Grande Guerra (1939-1945), que permitiram-lhe
compreender melhor os limites do fundamento neurofisiológico do
desenvolvimento humano, sendo um dos poucos psicólogos daquele
momento histórico empenhados na defesa da conexão entre a produção
psicológica nacional e internacional. Ainda que seu pensamento tenha
sofrido rigorosas restrições e censuras, é notório o reconhecimento que
ainda lhe é prestado, por exemplo, na manutenção de um escritório
memorial em sua homenagem no Instituto de Psicologia da Academia
Russa de Ciências.
Por outro lado, é essa postura crítica, ativa e atenta ao
desenvolvimento mundial do pensamento psicológico que lhe impôs
duras retaliações e que, colateralmente, exerceram grande influência na
descontinuidade dos estudos iniciados, reduzindo drasticamente os
impactos que seu pensamento e obra poderiam gerar. Araujo (2012)
comenta o relato de A. N. Shadan24, no qual é explicado o contexto da
reestruturação das universidades soviéticas pós 2ª Grande Guerra. Neste
processo, S. L. Rubinstein e outros psicólogos sofreram uma severa
repressão, acusados de não terem superado as teorias psicológicas burguesas, de
certa forma, desdobramentos dos Processos de Moscou (1934-1938),
momento no qual se testemunhou um expurgo em massa de todo aquele
considerado contrário ao regime. Em 1949, durante uma sessão do

23 Dados biográficos retirados do sítio eletrônico do Instituto de psicologia da


Academia Russa de Ciências, maiores informações videm: http://rubinstein-
society.ru/cntnt/nauchnie-raboti/biografiya-s-l-r.html.
24 Publicado na Revista da Universidade de Moscou, série 14, Psicologia, n. 3 em 1989.

81
conselho diretivo da Universidade de Moscou, S. L. Rubinstein foi
dispensado25 da função de professor titular da cátedra de Psicologia,
afastado das atividades de pesquisa além de ter seus livros confiscados,
reassumindo suas atividades acadêmicas apenas em 1956, 3 anos após a
morte de Stalin.
A instrumentalização do pensamento de S. L. Rubinstein na
pesquisa apresentada sinteticamente neste texto se deu em um movimento
compreensivo e interpretativo do fenômeno constituição humana, com
vistas a encontrar as potenciais contribuições que o referido fenômeno
pode oferecer para o campo educacional. Uma vez que o humano se
constitui historicamente, torna-se de suma importância o entendimento
deste processo com vistas a organizar as práticas educacionais e muni-las
com um conteúdo capaz de favorecer o desenvolvimento humano
universal, integral e harmonioso. Nesse sentido, é preciso destacar a
importância e o sentido dos termos compreensão e interpretação anteriormente
indicados.
Compreender, indica a condição fundamental da realidade exterior
como realidade objetiva, passível de ser percebida, analisada e alcançada
pela inteligência humana. Revela que, metodologicamente, esta realidade
observada, seja ela material, social ou psíquica, orienta o olhar
investigativo, tal realidade é fonte de manifestações, fenômenos, seres,
entre outros, que na pesquisa transformam-se em objeto de análise,
observação e teorização com vistas à sua compreensão.
Complementarmente, é preciso considerar que essa ação de compreender
a realidade não se dá no vazio, representa o agir intencional do próprio
pesquisador, caracterizado enquanto sujeito histórico.
A historicidade singular de sua pessoa implica a existência de uma
outra realidade, tão fundamental quanto aquela exterior a pouco
comentada, mas agora interior ao sujeito que pesquisa, subjetiva. Tal
qualidade subjetiva revela que a objetividade da realidade exterior terá sua
compreensão dependente das qualidades interiores do pesquisador em
questão. Da formação que este vivenciou ao longo de sua vida, dos

25 Curiosa é a contradição no fato de que, em 1942, quando S. L. Rubinstein


respondia pelo Instituto Pedagógico de Leningrado, sua obra Princípios da Psicologia
Geral foi agraciada com o prêmio Stalin, poucos anos mais tarde, em 1949, a mesma
obra motiva seu expurgo do circuito acadêmico.

82
conteúdos teóricos, metodológicos e conceituais que domina, das
motivações que o alimentam e das emoções que o afetam em cada
momento da pesquisa. Por isso, é também interpretativa, é resultado de
um processo criativo daquele que ativamente busca compreender a
realidade investigada. Em outras palavras, a pesquisa ilustra em certa
medida o próprio objeto de sua investigação ao revelar-se como expressão
da unidade interno-externo.
É certo dizer que ambas as orientações investigativas são em
essência inseparáveis, dessa forma, as ações de compreender e de
interpretar se fizeram presentes enquanto fundamento metodológico do
trabalho como um todo, ainda que a estrutura do texto, em algum
momento, apresente um ou outro termo isoladamente. Mais do que isso,
tais orientações investigativas além de representarem parte da metodologia
adotada também expressam a instrumentalização do pensamento de S. L.
Rubinstein inicialmente pretendida. Não é possível, neste prisma,
compreender-se a realidade observada sem que os fenômenos
investigados se tornem objetos de interpretação deste pesquisador, mas
também não é possível qualquer interpretação puramente ideal e
desprovida da relação estabelecida para com uma realidade objetiva e
exterior, cuja inteligência humana e o esforço de teorização buscam
alcançar.
Dito isso, é certo afirmar-se que o enfrentamento do problema
das contribuições para o campo educacional que o processo de
constituição humana pode desvelar no pensamento de S. L. Rubinstein se
deu pela análise da concepção de desenvolvimento presente nas obras
encontradas, investigando-se a unidade estabelecida entre os fenômenos
Personalidade, Psique e Atividade, à luz do estudo do processo de
filogênese-ontogênese. A adoção da inicial em maiúsculo para cada um
destes fenômenos representa uma opção metodológica importante e que
precisa ser entendida de modo adequado. Estará incorreta, por exemplo, a
compreensão que assumir a Personalidade como um conceito que indica a
ideia de uma personalidade única, geral, ou ainda como uma forma ideal a
ser buscada pelos processos formativos diversos, como os escolares. O
uso em maiúsculo do termo, neste trabalho, visa distinguir o fenômeno
em sua forma conceitual da particularidade de sua manifestação singular
em determinada pessoa em específico. Dessa forma, o conceito

83
Personalidade indica o fenômeno, comum aos humanos e cujo esforço de
compreensão e interpretação se faz presente ao longo desta pesquisa.
Diferentemente da personalidade, da psique e da atividade, em minúsculo,
que indicam a particularidade de uma manifestação específica, que apesar
de singular, carrega em si as qualidades essenciais do fenômeno humano
que os conceitos Personalidade, Psique e Atividade buscam definir.
Como poderá ser verificado, o fenômeno constituição humana
exigiu sua observação e análise enquanto um processo formativo, no qual
a Personalidade se revelou como expressão da relação sistêmica e
dialética estabelecida entre a Atividade e a Psique, a partir do
tratamento teórico e metodológico adotado. Deriva deste fato que as
contribuições para o campo educacional não se restringiram à educação
escolar, mas antes se referiram à educação enquanto fenômeno amplo e
intrínseco àquele processo formativo que caracteriza a natureza da
constituição humana. Evidentemente, a educação escolar está contida na
educação entendida como tal fenômeno maior e ontogenético do
humano, sua qualidade educacional escolar representa uma forma
particular de sua manifestação e que não foi negligenciada por esta
investigação.
No conjunto do pensamento rubinsteiniano, encontra-se uma
marcante riqueza de distintos objetos e problemas investigados, dentre
eles, e em especial, o da constituição humana que foi assumido nesta
pesquisa como seu objeto de investigação, analisada a partir da totalidade
filogênese-ontogênese. Tal fenômeno, cuja observação e análise é
instrumentalizada a partir da Teoria da Atividade, da Teoria do Reflexo e
do Princípio do Determinismo, viabiliza a compreensão dos modos como
a Personalidade é elaborada e desenvolvida em meio à relação externo-
interno estabelecida pela Atividade do sujeito que interage com a realidade
na qual este se insere, considerando ainda que esta Atividade é também
mediada pelas qualidades psíquicas interiores da pessoa. Constitui-se
humano na medida em que forma e desenvolve sua Personalidade,
juntamente como os demais fenômenos psíquicos que a compõe, a partir
da Atividade específica que desempenha e sob a influência simultânea dos
limites e das possibilidades impostas por sua realidade.
É comum às pesquisas com temáticas educacionais que suas
análises contenham em si elementos essencialmente normativos, ou seja,

84
que suas investigações tenham como foco as possibilidades de um
determinado fenômeno ser, ou ocorrer, de modo específico e diverso
daquele em que normalmente é ou ocorre. Ilustrativa e comparativamente,
é a evidência de que existem problemas no processo de alfabetização das
crianças em seus primeiros anos escolares que motiva a pesquisa
educacional relativa à alfabetização, visando enfrentar aqueles problemas,
pensando possibilidades de uma nova alfabetização, na qual tais desafios
tenham sido, ou possam ser, superados. É certo dizer que algo semelhante
ocorre em relação a este trabalho. Foi do reconhecimento desta
potencialidade normativa que a pesquisa estabeleceu o objetivo da
formação e do desenvolvimento humano a ser perseguido pelas
Atividades formativas, precisamente, o desenvolvimento humano
universal e harmonioso.
De modo mais preciso, o trabalho assumiu como
desenvolvimento universal a especificidade de um desenvolvimento
psíquico integral que alcance o conjunto das propriedades internas,
psíquicas, fundamentais responsáveis pela formação e pelo
desenvolvimento da Personalidade, contemplando as variadas formas de
manifestação de seus elementos cognitivos, emocionais, volitivos e
comportamentais. Integral por considerar o humano em sua totalidade e,
universal por intencionar sua acessibilidade sem restrições de classe
ou qualquer tipo, universal por entender o desenvolvimento integral
da Personalidade como um direito de toda a humanidade26.
Disso resulta o fato de que o melhor desenvolvimento a ser
perseguido pelas Atividades formativas, além de buscar contemplar,
formar e desenvolver todos aqueles elementos psíquicos comentados e
reconhecendo a relação sistêmica estabelecida entre eles ao longo do seu
desenvolvimento, precisa ainda objetivar que suas práticas possibilitem

26Na escrita do texto a referência ao desenvolvimento humano indicado neste trecho


foi, em vários momentos, sinteticamente indicada como desenvolvimento
universal. Isto se deu não apenas por um cuidado estético em se evitar repetições
excessivas de termos, mas fundamentalmente pelo entendimento de que o
desenvolvimento integral da Personalidade (que contempla os elementos cognitivos,
emocionais, volitivos e comportamentais, enfim, o sujeito integral ou a totalidade do
sujeito) está contido na ideia do desenvolvimento universal. Afinal, e como dito, a
essência dessa universalidade se assenta na ideia do desenvolvimento integral se
caracterizar como um direito de toda a humanidade.

85
um equilíbrio de cada um deles, tomados em particular. É fundamental
que além de oferecer as oportunidades para um desenvolvimento
integral e universal da Personalidade, que este processo se dê
harmoniosamente, ou seja, que atenda à totalidade das
propriedades cognitivas, emocionais, volitivas e comportamentais
que caracterizam os alicerces da Personalidade humana. Em outras
palavras, sem atrofiar ou hipertrofiar qualquer um destes elementos em
comparação com os demais, harmonioso no sentido de pretender o amplo
desenvolvimento de todos, em seu conjunto e na relação que estabelecem
entre si27.
Para tanto, e considerando que S. L. Rubinstein ocupa uma
posição central no estabelecimento de uma Teoria da Atividade, e com
grande potencial de contribuição em novas investigações diversas, é
correto dizer que se constituiu enquanto objetivo geral da pesquisa,
compreender a constituição humana no pensamento de S. L. Rubinstein e
na unidade estabelecida entre os fenômenos Personalidade, Psique e
Atividade. Com vistas a viabilizar este objetivo geral, foram definidos dois
objetivos específicos que auxiliassem o alcance daquele anterior, são eles:
1 – Investigar a centralidade da Atividade e da Psique na constituição
humana, como se formam e se desenvolvem na relação dialética e
sistêmica estabelecida entre elas, fazendo emergir a Personalidade e 2 –
Analisar como a constituição humana, em especial, em seus processos de

27 Se considerado o método materialista histórico-dialético, o estabelecimento do


desenvolvimento harmonioso enquanto objetivo formativo pode soar inicialmente
estranho na medida em que o uso comum do termo sugere ausência de contradição e,
por isso, pouco dialético. Na verdade, o entendimento adequado deste objetivo
formativo precisa considerá-lo não em si mesmo apenas, mas como um elemento
participante de um contexto maior. Nesse sentido, é a própria realidade atual, em
especial a brasileira, que evidencia suas contradições estruturais fundamentais,
marcadamente classista, desigual, intolerante, preconceituosa, racista, violenta etc.
Neste contexto, buscar-se um processo formativo capaz de favorecer a
constituição de humanos melhorados, bem-sucedidos na vivência de
oportunidades formativas de suas habilidades cognitivas, emocionais,
volitivas e comportamentais representa, em essência, um esforço
revolucionário. Se no nível da aparência o objetivo formativo do desenvolvimento
harmonioso pode parecer não dialético, em essência, pelo contrário, se revela como a
máxima contradição, uma espécie de antítese que visa contradizer os fundamentos da
atual estrutura societal que limita as oportunidades de desenvolvimento humano a
partir de um critério de classe.

86
formação e desenvolvimento da Personalidade, implicam possibilidades de
condicionamento28 ontogenético humano, de elaboração de Atividades
formativas, com vistas à favorecer a constituição humana universal e
harmoniosamente desenvolvida.
A investigação se caracterizou como sendo uma pesquisa de
natureza teórica cuja abordagem do objeto investigado se deu pelo
conteúdo filosófico-psicológico do pensamento de S. L. Rubinstein, foi
viabilizada pelo método da unidade de Vigotski (2017, 2018) e buscou a
apreensão da totalidade a partir de sua decomposição em unidades. De
modo mais preciso, a pesquisa não buscou desmembrar a realidade nos
diferentes elementos que a compõe para então os analisar separadamente,
pelo contrário, todo esforço analítico foi marcado pela decomposição da
realidade em suas unidades. Por este método, buscou-se a compreensão
das unidades e suas particularidades, não isoladamente, mas vendo-as no
todo, tendo em vista uma totalidade a ser discernida, definida e
compreendida como tal. Isso significa que da análise da totalidade do
fenômeno revelaram-se determinadas particularidades, suas unidades, que
mesmo parciais ainda continham em si qualidades essenciais próprias
daquela totalidade, permitindo que pelas unidades a totalidade fosse
compreendida.

A análise que decompõe em elementos é definida pelo fato


de o elemento não conter propriedades do todo. Já a unidade
é definida pelo fato de que é a parte de um todo que contém,
mesmo que de forma embrionária, todas as características
fundamentais próprias do todo (VIGOTSKI, 2018, p. 40, grifo
do original).

28 Condicionamento, nesse sentido, significa tão somente o ato ou o efeito de


condicionar, ou seja, de se colocar algo em condição apropriada ou desejada. O
que se buscou neste segundo objetivo específico é fazer revelar as possibilidades de
aproveitamento das qualidades essenciais do fenômeno constituição humana
potencialmente capazes de serem instrumentalizados nos processos formativos. Se há
a possibilidade de uma formação humana integral, universal e harmoniosa, esta não
se dará ao acaso, mas na dependência do estabelecimento das condições apropriadas
para seu desenvolvimento. Qualquer outra interpretação do conteúdo significativo do
termo condicionamento distinta desta aqui apresentada não corresponde aos
objetivos deste trabalho.

87
Do esforço abstrativo (RUBINSTEIN, 1968, 1973b;
DAVYDOV, [19--]) de estabelecimento dos nexos conceituais e de sua
estrutura sistêmica e a partir do método de decomposição em unidades
(VIGOTSKI, 2018) desvelou-se que a Personalidade e a Atividade
estabelecem entre si uma verdadeira unidade fundamental, mediada pela
Psique, e que contém em si as qualidades essenciais próprias da totalidade
do fenômeno observado, a filogênese-ontogênese. Dessa forma, o
entendimento da relação sistêmica e dialética estabelecida entre
Personalidade, Psique e Atividade como tal unidade essencial, cuja análise
permite a compreensão e interpretação da totalidade da constituição
humana, se evidenciou como produto desta investigação, mas
simultaneamente também como meio, como parte do método que a
viabilizou. Para tanto, fez-se metodologicamente necessário o
estabelecimento dos nexos conceituais, assim como das propriedades
psíquicas essenciais, que determinam o processo de formação e
desenvolvimento da Personalidade essencialmente vinculados às formas
históricas assumidas pela Atividade da pessoa, e sua mútua e recíproca
dependência, na medida em que por meio daquela unidade e de suas
relações se revelava a essência do fenômeno amplo, da constituição
humana, do qual partiu esta pesquisa.

Fundamentos para a instrumentalização da Teoria Rubinsteiniana


na pesquisa educacional

É certo dizer que para Rubinstein (1973e) há uma unidade entre


os fenômenos da filogênese e da ontogênese humana. Nesta via, o
entendimento da constituição humana só se fez possível na medida em
que tal processo foi compreendido na simultaneidade das formas como a
espécie humana se configurou (e se configura) paralelamente a
constituição dos sujeitos individuais que a compõem. Dito de modo
complementar, os indivíduos humanos, com suas qualidades sociais,
emocionais, cognitivas, psíquicas e laborativas, historicamente se
constituíram, e continuamente ainda se constituem, simultaneamente ao
modo como se configura, se produz e se perpetua a própria humanidade.

88
Aquilo que vale para o conjunto da humanidade tem que valer
também em certo sentido para cada indivíduo. Não só a
humanidade no seu conjunto, como também cada ser humano
é, de certo modo, colaborador e sujeito da história da
humanidade e possui também a sua própria história, pois o
desenvolvimento da personalidade é mediado pelos resultados
da sua actividade, assim como o desenvolvimento da
humanidade é transmitido pelos produtos da sua prática
social, através da qual se estabelece a continuidade histórica
das gerações (RUBINSTEIN, 1973e, p. 132).

Uma importante implicação da fundamentação rubinsteiniana no


método Materialista Histórico-Dialético está na totalidade filogênese-
ontogênese anteriormente comentada, epistêmicamente ela só pode ser
devidamente compreendida a partir da dialeticidade da interação entre os
fatores externos e internos à vida humana, em ambos nos quais se incluem
as qualidades humanas materiais e espirituais. Isso significa que, de um
lado, as qualidades humanas, sociais e psíquicas, tiveram sua constituição
possibilitada na medida em que a realidade, exterior (material e cultural) e
orgânica, atingiram um determinado tipo de organização no qual tal
constituição se fez possível.

[...] o materialismo parte do conceito de que a matéria e o ser são


primários enquanto a psique, a consciência e o intelecto são
secundários e derivados, produto do desenvolvimento do mundo
material, e considera que o seu estudo científico deve partir da
dependência da psique e da consciência das suas bases materiais, à
margem de cuja relação não podem compreender-se
(RUBINSTEIN, 1972b, p. 16).

Analisar estes fundamentos teóricos e metodológicos a partir do


problema da qualidade primária do ser em relação à consciência, ou do
caráter primário da realidade exterior (material e cultural) e do substrato
orgânico em relação à consciência, à Personalidade e ao psíquico, constitui
etapa fundamental para a devida compreensão das possibilidades de
instrumentalização do pensamento rubinsteiniano na pesquisa
educacional. Isso não significa que os fenômenos psíquicos sejam meros
resultados passivos e mecânicos da influência oriunda da realidade
exterior. Na verdade, a teoria de S. L. Rubinstein se destaca pela
sofisticação em conseguir revelar a profunda dialeticidade existente entre

89
externo-interno sem trair-se teórica e metodologicamente, seja reduzindo
a realidade exterior à uma produção psíquica e espiritual do sujeito (tal
como fazem os idealistas) ou reduzindo a realidade interior, as
propriedades humanas espirituais, ao mero resultado direto de uma
causalidade unilateral originária do exterior.
É na contraposição a estes reducionismos que S. L. Rubinstein
define seu entendimento acerca da qualidade primária do ser. Mas,
paralelamente, é preciso reconhecer que ao longo da história, em especial
a do desenvolvimento da psicologia (por exemplo, a teoria do paralelismo
psicofísico29), o reconhecimento desta qualidade primária da realidade em
relação à consciência, foi por vezes e erroneamente confundida como
fator anulador da capacidade de Atividade e criatividade dos sujeitos
humanos. Sem dúvida, a posição da psicologia Materialista Histórico-
Dialética rubinsteiniana é diametralmente oposta a esta interpretação que
reduz a influência da realidade exterior a uma causalidade linear definidora
dos efeitos psíquicos que se manifestarão nos diversos sujeitos que as
experimentam.
Por tanto, o entendimento adequado da fundamentação teórica e
metodológica do pensamento de S. L. Rubinstein no Materialismo
Histórico-Dialético reivindica a compreensão de dois fatores que, no nível
da aparência, podem parecer incongruentes, mas, em essência,
dialeticamente convergem entre si como qualidades complementares do
mesmo fenômeno. Primeiro, reconhecer que sua fundamentação no
Materialismo Histórico-Dialético não reduz a influência externa a uma
causalidade linear e unilateral não significa, segundo, que se desconsidere a
função determinante que esta realidade exterior, material e social, cumpre
no estabelecimento de condições muito particulares propiciadoras ou
limitadoras do desenvolvimento humano. Em outras palavras, a
compreensão da qualidade primária do ser em relação à consciência que
deriva do caráter materialista da teoria rubinsteiniana depende,
essencialmente, da revisão do conteúdo significativo do princípio do

29A teoria do paralelismo psicofísico, que se baseia no materialismo mecanicista,


converteu o psíquico, a consciência, num epifenómeno, isto é, numa subalternidade
passiva dos processos físicos reais, extraindo-lhe, assim, toda a actividade e realidade
(RUBINSTEIN, 1972a, p. 36).

90
determinismo, historicamente tão marcado por interpretações
reducionistas e antidialéticas como as anteriormente apontadas.
A interpretação que reduz a função das influências e condições
exteriores a uma causalidade linear e determinante dos efeitos psíquicos
em sua forma final, representa uma simplificação típica de um
materialismo mecanicista. Nos limites desta percepção, anula-se a
possibilidade da dialeticidade, os elementos superestruturais e espirituais
(sociais e psíquicos) não seriam capazes de promover modificações
daqueles fenômenos dos quais derivam, constituindo-se apenas como
“sombras” daqueles.

[Para o materialismo mecanicista] a vida espiritual de todo o ser


humano ou indivíduo apresentar-se-nos-ia como desenrolando-se
junto à vida corporal. Neste caso, cada instante de uma
corresponderia a um certo instante da outra mas, entre uma e
outra, não haveria nenhuma acção ou efeito recíproco. De igual
modo, a sombra acompanha o corpo, sem exercer nenhuma
influência na rapidez dos seus passos (RUBINSTEIN, 1972a, p.
37, destaque meu).

Esta percepção mecanicista do materialismo revela sua miopia ao


não perceber que o efeito das condições e influências exteriores ao sujeito,
ou seja, oriundas da realidade exterior, material e social, não se configura
enquanto resultado imediato daquela influência. Pelo contrário, tal efeito
só pode ser verificado mediatamente, como um resultado da
interação daquela influência exterior, através das condições internas
daquele que a vivencia e condicionada por sua Atividade
(RUBINSTEIN, 1968). As influências e as condições externas, geram
efeitos distintos nos diferentes momentos históricos, tanto da humanidade
(em suas várias sociedades particulares), quanto dos próprios indivíduos e,
inclusive, divergindo comparativamente também entre aqueles que
compartilhem, ou não, um mesmo momento histórico. Ou seja, “o homem
é, antes de tudo, um ser físico e natural, mas que a natureza do próprio homem é o
produto da história (RUBINSTEIN, 1972a, p. 129, grifo do original)”.
Enquanto espécie e enquanto sujeito individual, o humano é
essencialmente um ser histórico, é produto histórico.
Considerando a dialeticidade posta na relação histórica pessoa-
realidade, especialmente pelo trabalho, nem o humano que se constitui em

91
determinado contexto de influências externas, nem o próprio ambiente no
qual se insere e onde se constitui o humano que trabalha, são idênticos
nos diferentes momentos históricos. Na medida em que as condições
internas medeiam os efeitos da influência vivida a partir da realidade
exterior na relação ativa para com ela estabelecida, tanto a humanidade
quanto o homem individualmente se constituirão de modos diferentes em
momentos distintos. No mesmo processo, a realidade continuamente será
modificada pela ação humana, caracterizando a relação dialética que
impulsiona sua própria historicidade.

[...] o princípio de que o efeito das influências externas depende


das condições internas da pessoa sobre as quais se exerçam as ditas
influências significa também que o efeito psicológico de cada
influência (incluída a pedagógica) sobre a pessoa está condicionado
pela história do seu desenvolvimento, pelas suas leis internas. Ao
dizer que a história condiciona a estrutura da pessoa, tem de se
entender a palavra no seu mais amplo sentido: a história inclui
tanto o processo da evolução dos seres vivos como a história
pròpriamente dita da humanidade e a do desenvolvimento pessoal
de um dado indivíduo (RUBINSTEIN, 1968, p. 397-398).

A humanidade e os sujeitos individuais que a compõe são, pois,


aspectos distintos, ambos resultantes de um mesmo fenômeno, a
constituição humana. São ainda, aspectos contraditórios e
complementares da totalidade filogênese-ontogênese humana, seus
desenvolvimentos condicionam-se mutuamente, se constituem a partir
dos limites postos e das conquistas historicamente alcançadas,
desenvolvem-se na relação dialética que estabelecem entre si a partir das
condições reais de mútua influência dada em cada momento histórico.
Apesar do desenvolvimento depender, em larga medida, das condições
biológicas de cada indivíduo (e da espécie), este se configura
simultaneamente, e em essência, como um fenômeno histórico e social.
Disso resulta uma segunda observação fundamental, estas
influências exteriores serão vivenciadas de distintas formas pelos
diferentes indivíduos, e mais, também nos vários níveis de
desenvolvimento que cada um deles alcançar nos diversos momentos de
suas vidas. Ao longo de seu desenvolvimento pessoal, a fluidez dos
arranjos de suas propriedades particulares emotivas, psíquicas, físicas e

92
relacionais é única, singular. Só essa distinção primordial já implicaria
variadas formas de interação com a realidade e garantiria o alcance de
diferentes efeitos a partir da vivência de condições e influências externas
semelhantes. Precisamente, a vivência, é singular e própria do sujeito que a
experimenta no contato, também singular, que estabelece para com a
realidade exterior e objetiva. Dada a historicidade dos elementos e das
formas psíquicas, mais precisamente, dado o modo como o
desenvolvimento das condições internas do sujeito se dá continuamente
nas relações que este estabelece com a realidade na qual se insere, vê-se
que os efeitos decorrentes da vivência representada nessa unidade
externo-interno, dimensões respectivamente objetiva-subjetiva, são
também historicamente determinados.

Toda vivência de um sujeito é, como vemos, sempre e


necessàriamente vivência de algo e saber de algo. A sua
natureza interna pròpriamente dita determina-se pela sua
relação com o mundo objectivo externo. Não posso dizer que
experimento alguma coisa, se não posso relacionar a minha
experiência com o objecto a que se dirige. O interno, o
psíquico, não pode determinar-se fora da relação com o
exterior, o objectivo. Por outro lado, a análise da conduta
mostra-nos que o aspecto externo de um acto não a determina
unìvocamente. Uma obra humana determina-se pela sua
relação de homem a homem e com o seu meio ambiente, a
qual constitui o seu conteúdo interno, que se manifesta nos
seus motivos e fins. Por isso, a conduta não deve relacionar -
se, como alguma coisa considerada só externa, com a
consciência, considerada como algo puramente interno. A
própria conduta representa já uma unidade do externo e do
interno, tal como, por outro lado, todo o processo interno
representa, pelo seu conteúdo objectivo-intuitivo, uma
unidade do interno e do externo, do subjectivo e do objectivo
(RUBINSTEIN, 1972a, p. 34).

Emerge da análise da fundamentação Materialista Histórico-


Dialético do pensamento rubinsteiniano a necessária consideração da
teoria do reflexo. Por um lado, não seria possível qualquer
instrumentalização da teoria de S. L. Rubinstein sem que se distinguisse
com precisão a natureza da unidade externo-interno, tal como acima
sinteticamente indicado, e sua absoluta distinção para com o
reducionismo caracterizado pelo determinismo mecanicista. Por outro

93
lado, e complementarmente, esta diferenciação exige uma caracterização
da teoria do reflexo que viabilize o entendimento mais preciso desta
diferenciação indicada. Em essência, a teoria do reflexo se constitui
enquanto um desdobramento da fundamentação epistemológica
Materialista Histórico-Dialética. Isso significa que por esse prisma teórico,
o psíquico, tal como a consciência e a Personalidade, é entendido
enquanto fenômeno secundário, todos os processos que participam de sua
formação e desenvolvimento estão determinados pela unidade constituída
a partir das condições objetivas da realidade histórica (material e social)
com as condições internas, também históricas, do próprio sujeito a partir
da Atividade que este desenvolve para com a realidade na qual se insere.
No nível da aparência, da mesma forma como dito para o
princípio do determinismo, a teoria do reflexo pode parecer incongruente
em relação à qualidade ativa e criativa que caracteriza a compreensão
rubinsteiniana das propriedades interiores humanas. Pode parecer
incongruente afirmar qualquer Atividade e criatividade no reflexo, já que,
a princípio, o termo parece referir-se apenas à passividade de um
determinado efeito produzido por uma causa externa, tal como a imagem
vista pelo sujeito frente ao espelho. Por outro lado, e de modo figurado
neste momento, também vale pensar a seguinte provocação: o reflexo é
dependente do espelho, ou mais precisamente, da superfície
refletora. A luz refletida por determinada superfície não é idêntica
àquela recebida, na verdade, é o resultado da interação da luz
recebida com as propriedades da superfície refletora.
Evidentemente a figura de linguagem não substitui as análises que
a seguirão, mas como argumentação ilustrativa, auxilia a revelar que as
qualidades e propriedades do espelho representam os elementos
mediadores que transformam a influência exterior experimentada e, se
desconsideradas, não permitem a compreensão verdadeira dos efeitos que
resultam da interação daquelas influências externas para com as
propriedades internas de quem as vivencia. Seus efeitos só poderão ser
devidamente compreendidos na relação particular entre eles estabelecida.
Ainda que seja evidentemente óbvia a simplicidade da analogia do espelho
(ou da superfície refletora), não é excessivo o cuidado em lembrar que o
universo humano é fundamentalmente dinâmico, histórico, social, enfim,
vivo. Tornando muito mais complexa a relação externo-interno do que a

94
referida analogia poderia, de fato, explicar, o que também não invalida a
utilidade do caráter sintético e ilustrativo de sua imagem.
Para se analisar a questão com maior cuidado, é certo dizer que
são duas as condições primárias para que a existência e constituição
humana se façam possíveis, primeiramente, sua existência corpórea e
funcional, genericamente, de um corpo munido de propriedades
fisiológicas funcionais e suficientes para a manutenção da vida e produção
de suas condições de existência. São algumas qualidades típicas da
fisiologia humana, que ultrapassam uma simples forma corporal específica
e distinta de outros animais, a funcionalidade própria dos órgãos
sensoriais, seus tipos e níveis de sensibilidade, a existência e
funcionamento do córtex cerebral, a especificidade de sua mão com a qual
manipula o ambiente, a existência de uma estrutura fonoaudiológica que
possibilite a fala, e todas as demais características definidoras da espécie
humana.
A segunda condição, é a existência da realidade exterior (material e
social) na qual se encontram as possibilidades e limitações postas pela
natureza, onde também se encontram as sociedades humanas
acompanhadas do conjunto de conhecimentos, práticas, hábitos, crenças
etc., historicamente acumulados, organizada em um determinado nível de
evolução de suas forças produtivas, caracterizada por formas específicas
de divisão do trabalho e organização social, e incontáveis outros
elementos exteriores a cada indivíduo particular. Como elemento
primário, está determinada a possibilidade de qualquer constituição
humana pela satisfação antecipada e simultânea das suas condições de
existência concreta, tanto as do corpo quanto aquelas da realidade
exterior.
Na relação estabelecida entre os sujeitos e sua realidade social,
material e histórica, possibilitada por aquelas condições anteriores, os
sujeitos se constituem enquanto pessoas, enquanto Personalidades. De
início, dado o funcionamento de seus órgãos sensoriais, a existência dos
objetos, seres e fenômenos que compõe a realidade pôde ser percebida. A
realidade exterior, nesse processo, torna-se conhecida pelo sujeito. O
conhecimento, ou antes, as sensações e as percepções que o possibilitaram
não são a própria realidade, são o efeito da influência da realidade no
sujeito particular, dada por sua atuação e por suas propriedades sensoriais,

95
são suas imagens. Tal como o conhecimento, todos os fenômenos
psíquicos se constituem como imagens resultantes da relação estabelecida
entre o sujeito e a realidade exterior.

De momento, a teoria do reflexo pode formular-se, nas suas linhas


gerais e de modo aproximado, da forma seguinte: percebem-se os
objectos e fenómenos do mundo material, e não sensações e
percepções. Por meio de sensações e percepções chegamos ao
conhecimento dos objectos, mas nem as sensações nem as
percepções são os próprios objectos, senão que tão-somente as
suas imagens. As sensações e as percepções não podem ser
colocadas directamente em vez dos objectos. Não há razão para
falar - como se fez em mais de uma ocasião - da imagem da
sensação ou da percepção como de um objecto existente à margem
de toda a realidade material no mundo ideal da consciência, de
modo semelhante ao da existência dos objectos no mundo dos
objectos materiais. As sensações, as percepções, etc., de per si,
constituem a imagem do objecto. O seu conteúdo gnosiológico não
existe sem estar relacionado com o objecto. Desta sorte, a teoria
materialista dialéctica do reflexo exclui radicalmente a concepção
subjectivista do psíquico. A fim de poder aplicar este princípio
gnosiológico ao estudo da actividade psíquica como tal, ao estudo
dos fenómenos psíquicos, é necessário compreender que o mundo
material participa, desde o começo, da mesma formação e
determinação dos fenómenos psíquicos. É isto que se leva a cabo
na teoria da actividade psíquica como reflexo, segundo a qual os
fenómenos psíquicos surgem durante o processo que se estabelece
ao relacionar-se e influir-se mùtuamente o indivíduo, o seu
cérebro, e o mundo exterior (RUBINSTEIN, 1968, p. 12,
destaques do original).

Sem o corpo, com suas estruturas sensitivas e seu funcionamento


particular, ou sem a realidade exterior, dotada de suas características
estruturais e sociais próprias ou sem a Atividade do sujeito que o coloca
em relação com seu mundo, nenhum fenômeno psíquico seria possível.
Olhando, ouvindo e sentido, atuando nos limites próprios das
funcionalidades de seus órgãos sensoriais, o humano, por exemplo, vê
objetos, escuta seus pares e os percebe em suas especificidades, os
conhece, toma consciência da realidade na qual se insere e de si próprio
no mesmo processo.
Tais sensações, percepções, tal conhecimento e mesmo a
consciência não são a realidade externa em si, são as sensações,

96
percepções, conhecimento e consciência da realidade. Só existem na
unidade daquele sujeito com aquela realidade, determinadas pelas
propriedades específicas tanto da pessoa que atua quanto das influências e
condições postas pela realidade na qual se insere. Por isso são imagens,
seu conteúdo gnosiológico é inseparável tanto dos objetos e fenômenos
concretos que lhes dão origem, quanto das condições internas e da
conduta daquele que com eles interage.

Que a sensação, a percepção e a consciência sejam a imagem do


mundo exterior, na teoria materialista dialéctica do reflexo,
significa que o seu conteúdo gnosiológico não pode separar-se do
objecto. A imagem não é uma coisa ideal, existente ao lado do
objecto, mas sim a imagem do objecto. A teoria materialista
dialéctica do reflexo torna efectivo o monismo materialista na
solução do problema gnosiológico que trata da correspondência
existente entre a imagem e o objecto. É isto que diferencia de
maneira essencial a teoria materialista do reflexo da picture-theory (ou
Bildtheorie) do chamado realismo representativo (Descartes, Locke e
seus discípulos)30. A imagem é-o sempre de algo que se encontra
fora dela. O próprio conceito de imagem pressupõe relação com
algo por ela reflectido. A sensação, a percepção, etc., chegam a ser
imagem sòmente em virtude da sua relação com o objecto de que
são imagem. A imagem, portanto, não constitui um algo ideal
existente no mundo interior da consciência de modo semelhante
ao de um objecto real que existe no mundo da matéria; tão-pouco
é, o objecto, uma imagem exteriorizada. A imagem como tal
constitui-se pela relação cognitiva de uma impressão sensorial
relativamente à realidade que se encontra fora dessa imagem e que
não fica reduzida ao conteúdo da imagem (RUBINSTEIN, 1968,
p. 44-45, destaque do original).

É fundamental que se distinga adequadamente os elementos gerais


e particulares concernentes à teoria do reflexo. Reconhecer a dependência
ontogenética (do substrato fisiológico e da realidade exterior, material e
social) como condição primária fundamental e possibilitadora da
constituição humana é um primeiro ponto. Um segundo ponto,
inseparável do primeiro, é o reconhecimento de que as propriedades
funcionais daquele corpo (considerado de maneira ampla, mas

30 Nota do original: Acerca do chamado realismo representativo, cf. Roy Wood


Sellars, The Philosophy of physical Realism. Ch. II - <<Idealism an Interlude>> §
<<Traditional representative Realism>> Nova Iorque, 1932, pp. 31-38.

97
especialmente, o modo específico de atuação dos órgãos sensoriais, o
funcionamento do córtex cerebral e do cérebro de modo geral
considerado enquanto órgão do psíquico) determinam possibilidades de
atuação dos sujeitos em sua realidade, é nessa atuação em que se
estabelece a relação com a realidade, mais precisamente, a unidade pessoa-
realidade. O caráter ativo, a Atividade do sujeito é definidora da relação
que este estabelece para com sua realidade. Um terceiro ponto, o
reconhecimento de que os fenômenos psíquicos são resultados da relação,
da interação possibilitada por aquelas pré-condições, é atuando na
realidade que os sujeitos simultaneamente experimentam suas influências
e manifestam seus efeitos resultantes e dependentes de suas condições
interiores.
As sensações, percepções, conhecimentos, a consciência e, de
modo amplo a própria Personalidade, são reflexos psíquicos derivados da
Atividade do sujeito no mundo e elaborados no sofrer destas influências
experimentadas a partir Atividade desenvolvida. Tais reflexos são
determinados pelas especificidades dos objetos, seres, fenômenos e
condições exteriores que geram sua influência na dependência da
qualidade da Atividade exercida pelo sujeito na realidade na qual se insere
e das condições interiores deste sujeito da Atividade. No que se refere à
teoria do reflexo, é correto afirmar que estes três pontos representam seus
elementos gerais. São gerais pois se fazem presentes em qualquer
manifestação particular do fenômeno da constituição humana, social ou
individualmente considerados. São gerais pois se mantém presentes e
atuantes ao longo de todo o desenvolvimento histórico das sociedades e
dos sujeitos. São gerais pois são essenciais, a existência de qualquer
formação social passada, presente ou futura, assim como de qualquer
Personalidade em qualquer tempo, essencialmente dependerão do arranjo
destas influências gerais.

A actividade reflexa é sempre uma actividade determinada de fora.


A teoria do reflexo baseada no determinismo mecanicista (por
exemplo, a de Descartes e seus discípulos imediatos) constitui uma
teoria da causa que actua na qualidade de impulso externo
entendido como determinante imediato do efeito último dessa
causa. Na concepção materialista dialéctica do determinismo, em
contrapartida, todo influxo é considerado como interacção. O

98
efeito de uma causa externa depende não sòmente do corpo onde
se origina essa causa, como também do corpo sobre o qual se
verifica a acção. As causas externas actuam através de condições
internas (formadas na dependência de influxos externos). A teoria
do reflexo a que nos estamos referindo significa, na essência, que o
princípio do determinismo, na sua concepção materialista
dialéctica, se aplica à actividade psíquica do cérebro. Essa
concepção materialista dialéctica do determinismo constitui a
premissa geral da teoria da actividade psíquica considerada como
reflexo. É ela, em derradeira instância, que unifica os conceitos de
actividade psíquica como reflexo do mundo e como função do
cérebro (RUBINSTEIN, 1968, p. 13).

O elemento fundamental neste ponto, que converge


dialeticamente o princípio do determinismo e a teoria do reflexo, se
caracteriza pela dupla determinação apresentada, primeiramente, no fato
de que a atuação humana na realidade (pelo trabalho social, ou pela
Atividade individual) é determinada pelas especificidades das condições da
realidade histórica (exterior, material, social e fisiológica). Mas não
unilateralmente, já que as influências resultantes dessa atuação também
estão determinadas pela natureza dos objetos, seres e fenômenos
exteriores dessa realidade. Se o reflexo foi tantas vezes reduzido a uma
causalidade unilateral31 dada pelo externo, em S. L. Rubinstein, pelo
contrário, se revela como fenômeno gerador da multiplicidade de
Personalidades já que a dependência das qualidades interiores torna todo
efeito reflexivo uma manifestação particular da natureza ativa e criativa da
Psique humana.

31 A análise comparativa do pensamento de S. L. Rubinstein com relação a outros


autores que compõe a escola Histórico-Cultural é um fato digno de uma apresentação
mais cuidadosa e aprofundada, mas que fugiria à proposta do presente texto. De toda
forma, é fundamental que se registre a especificidade da forma como o princípio do
determinismo e a teoria do reflexo são definidas em S. L. Rubinstein, se colocando
criticamente contrário à concepção vigotskiana de interiorização. Em sua concepção,
as propriedades interiores, psíquicas, apesar de se caracterizarem enquanto efeito,
reflexo, das influências experimentadas da realidade exterior, “não podem ser
injetadas simplesmente de fora para dentro (RUBINSTEIN, 2017 p. 113)”, sua
manifestação psíquica e reflexiva final depende de “certas premissas, certas condições
internas (idem)” próprias do indivíduo que as vivencia. É, pois, somente na unidade
externo-interno estabelecida pela Atividade do sujeito que se faz possível a
compreensão da formação e do desenvolvimento daquelas propriedades interiores,
suas faculdades e funções psíquicas.

99
Para este autor, é o sujeito que, pela e na Atividade, desvela a
realidade ao atuar sobre ela e, desvelando-a, descobre também a si mesmo.
Simultaneamente, se constitui a partir das influências experimentadas na
vivência de sua interação com a realidade, influências estas cujos efeitos
dependem de suas condições interiores. Produz, ao mesmo tempo, sua
realidade, seus conhecimentos sobre a realidade, a si mesmo enquanto
Personalidade (cognitiva, emocional, volitiva e comportamentalmente) no
exercício ativo de interação para com a realidade, continuamente
modificando seus modos de agir sobre ela na medida em que constrói e
transforma a si e ao mundo.
Eis a essência do sentido de existência no prisma de Rubinstein
([19--]), ou seja, a condição de ser do sujeito, de existir enquanto tal
implica, necessariamente, o sofrer das influências e das condições
exteriores da realidade na qual se inclui, sendo inerente ao fato de existir
sua condição de agir, de influenciar e estar exposto à influência. É de tal
qualidade do ser, que existindo influencia e sofre influência, pela e na
Atividade, faz derivar sua consciência simultaneamente como seu produto
e condição. Condição essa que ao considerar a especificidade do ser, que
existe, nas relações também específicas que estabelece com a realidade
particular na qual se inclui, singulariza os sujeitos e, consequentemente,
singularizando suas Personalidades em formação e desenvolvimento.
Da mesma forma como a realidade determina as influências e as
condições nas quais os sujeitos se constituirão, será na constituição destes
sujeitos que as Personalidades em elaboração, com suas especificidades
psíquicas, atuarão na transformação da realidade. Desta prática social, que
no limite alcança em maior ou menor grau a Atividade individual de cada
sujeito, que a realidade exterior, material e social será continuamente
modificada. Em síntese, a humanidade historicamente produz-se a si
mesma, filogenética e ontogenéticamente, na medida em que os
sujeitos se constituem humanos, produzindo e reproduzindo as
condições e modos humanos de existência.
De modo sintético, é correto dizer que em S. L. Rubinstein o
princípio do determinismo exige sua interpretação enquanto relação,
ou seja, como um verdadeiro fenômeno dialético entre a realidade
(suas influências e condições), e o interno (o espaço de manifestação ativa

100
e criativa do psíquico), dada a partir da unidade externo-interno
estabelecida pela Atividade.
Estabelecer a unidade Personalidade-Psique-Atividade
como fenômeno primário do movimento desta investigação
representou, dessa forma, analisar o processo da constituição
humana na especificidade da sua condição de sujeito ativo, criativo,
singular e coparticipante de sua própria constituição. Como dito, na
“explicação dos fenômenos psíquicos, quaisquer que sejam, a personalidade se apresenta
como um conjunto de condições internas através das quais passam, modificando-se, todos
os excitantes externos (RUBINSTEIN, 1959, p. 14-15, grifo do original)”.
Metodologicamente, a opção por partir-se da análise da Personalidade
representou assumir a forma sistêmica de interconexão destes fenômenos,
desvelando suas interconexões e reconhecendo suas especificidades nos
modos como participam e integram a constituição humana. Assim, a
análise da unidade decomposta Personalidade-Psique-Atividade revelou e
possibilitou a compreensão da totalidade observada, nas formas
particulares com as quais se manifesta na realidade.
Por isso, a “actividade expressa a relação concreta do ser humano
com a realidade, na qual aparecem realmente as características da
personalidade (RUBINSTEIN, 1973d, p. 12)”. Se a qualidade da
Atividade da pessoa é dependente de suas condições internas, valida-se a
unidade instrumental desta investigação ao confirmar-se que a
Personalidade é a expressão da Psique e da Atividade, em unidade
dialética e na relação que estabelecem para com a realidade. Investigar a
formação da Personalidade exigirá, evidentemente, a contínua e atenta
observação da relação que tal processo formativo estabelece para com a
Atividade de modo geral.

Trabalhar significa manifestar-se numa actividade, transformar a


intenção num facto, materializá-la em produtos materiais.
Trabalhar significa objectivar-se nos seus produtos de trabalho,
enriquecer e alargar a sua própria existência, ser criador e
formador. É esta a maior facilidade que o homem pode alcançar. O
trabalho é a lei básica do desenvolvimento da Humanidade
(RUBINSTEIN, 1973d, p. 82).

101
Simultaneamente a tal processo de relacionamento e modificação
da realidade, o homem supera os limites da percepção superficial dos
fenômenos que observa ao seu redor. Relacionando e modificando seu
ambiente, desvela as qualidades e propriedades do objeto ou fenômeno
manipulado, vislumbra e torna conhecida sua essência e as relações
envolvidas no processo de sua Atividade. Alcança a condição de sujeito
ativo deste processo de interação com a realidade na medida em que se
torna consciente dos resultados de seu trabalho, torna-os produto de sua
intencionalidade, impondo-se ao mundo, dessa forma, como
Personalidade.

Mediante a influência do sujeito sobre o objecto supera-se a


limitação do dado, descobrindo-se o conteúdo verdadeiro,
essencial e objectivo da existência. Ao mesmo tempo
realizando-se na actividade e por meio dela o indivíduo
impõem-se como sujeito, como personalidade: como sujeito
na sua relação com os objectos que cria, e como personalidade
na sua relação com os demais seres humanos, nos quais influi
por meio da sua actividade e com os quais entra em contacto
por meio dela (RUBINSTEIN, 1973d, p. 13).

Assumir a Personalidade-Psique-Atividade como unidade que


contém em si as qualidades essenciais e representativas da constituição
humana significa que não se considera aqui meramente sua existência
material e/ou biológica como fundamento principal deste processo.
Significa que só se faz possível o vislumbre da essência de sua constituição
na medida em que se observe o sujeito em sua totalidade, desde suas
propriedades interiores, que incluem as fisiológicas, e na unidade que este
estabelece com sua realidade social e histórica. Deste modo, esse sujeito
integral é compreendido como resultado das condições e influências de
sua realidade, das possibilidades e limites que o desenvolvimento de sua
época apresenta, mas essencialmente também, como ativo coprodutor
dela.

[...] a personalidade é o indivíduo concreto, histórico e vivo, que


está implicado nas relações [e]fectivas32 ou reais com o mundo real

Tomei a liberdade de realizar um pequeno, mas significativo, ajuste neste ponto.


32

Em Rubinstein (1973e), obra publicada pela editora portuguesa Estampa e traduzida

102
ou efectivo. Para o indivíduo na sua unidade não são essenciais,
decisivas e determinantes as normas biológicas, mas as normas
sociais da sua evolução. No sistema de relações que determinam
aquelas as relações sociais são determinantes (RUBINSTEIN,
1973e, p. 120, ajuste meu).

Uma leitura simplificada desta citação direta poderia sugerir que o


movimento histórico anularia, dessa forma, a possibilidade de qualquer
dialeticidade sujeito-realidade como supõe o materialismo mecanicista.
Como já discutido, assumir a realidade exterior cultural e material
enquanto fenômeno primário e determinante de um certo tipo de
influência formadora dos elementos superestruturais sociais e psíquicos de
modo algum anula a condição ativa, criativa e potencialmente
transformadora dos sujeitos individuais. A miopia reducionista típica do
materialismo mecanicista se expressa em sua incapacidade perceptiva,
metodológica e teórica de compreensão do modo como as influências e as
condições externas geram efeitos distintos dependentes das condições
internas daquele que vivencia tais influências e experimenta determinadas
condições objetivas exteriores possibilitadas por um determinado tipo de
Atividade desenvolvida.

Tornar extensivo o determinismo – o determinismo verdadeiro,


científico, para o qual as causas externas actuam através das
condições internas – à conduta do homem exige e pressupõe
necessàriamente que se tenha em conta a actividade psíquica deste
último em toda a multíplice diversidade das suas formas e
manifestações como condições internas da conduta. A actividade

por Jaime Carvalho Coelho, o termo que motiva essa nota de rodapé está
apresentado como afectivas. Em uma leitura comparada de S. L. Rubinstein (1977),
obra publicada pela editora cubana Pueblo y Educación e traduzida por Sarolta
Trowsky, nota-se o emprego do termo efectivas. Comparados os diferentes significados
entre os referidos termos no conjunto do pensamento rubinsteiniano, é minha
opinião que houve um erro no processo datilográfico no volume VII da obra
publicada em 1973. Mantenho a citação ajustada na língua portuguesa garantindo a
homogeneidade do tratamento textual dado, mas deixo a referência em língua
espanhola como recurso analítico comparativo. “[...] la personalidad es el individuo
concreto, histórico y vivo, que está implicado en las relaciones efectivas o reales con
respecto al mundo real o efectivo. Para el individuo en su unidad no son esenciales,
decisivas ni determinantes las normas biológicas, sino las normas sociales de su
desarrollo. En el sistema de las relaciones que determinan aquéllas son determinantes
las relaciones sociales (RUBINSTEIN, 1977, p. 741)”.

103
psíquica condicionada pelas circunstâncias objectivas da vida do
homem e, por sua vez, condicionadora da conduta deste,
incorpora-se à inter-relação universal dos fenómenos num duplo
plano: na qualidade de condicionada e na qualidade de
condicionante (RUBINSTEIN, 1968, p. 322).

Objetivamente, é a Atividade o fundamento que estabelece a


unidade pessoa-realidade e que constitui a propriedade essencial
possibilitadora da produção humana, ou seja, da produção dos elementos
sociais e psíquicos que definem a especificidade humana. Pela Atividade o
sujeito se relaciona com sua realidade e a transforma, conhece-a dessa
forma, inaugura sua própria historicidade ao transformar a si mesmo na
medida em que transforma e conhece sua realidade externa. Pelo trabalho
a humanidade se relaciona com sua realidade e a transforma, pela
linguagem materializa e compartilha o conhecimento e as conquistas
humanas historicamente produzidas. Em linhas gerais, são nas várias
formas assumidas pela Atividade que as condições históricas, externas,
materiais e sociais da realidade transformam-se a partir das condições
internas da pessoa, social, psíquica e fisiologicamente considerada. É nesse
processo que se constitui como Personalidade, como humano, filogenética
e ontogenéticamente, no mesmo processo desenvolve-se, ou seja,
manifesta sua continuidade histórica.

Os modos básicos de acção que o homem utiliza na sua actividade


quotidiana, prática e teórica, devem-se a toda a humanidade; o
indivíduo torna-os seus através da comunicação com os outros
homens, do ensino e da educação. Estes modos de actuar
elaborados socialmente somam-se às atitudes naturais do indivíduo à
medida que se automatizam e se transformam num sistema
generalizado de conexões reflexas tendo na sua base o cérebro. As
próprias aptidões naturais do homem apresentam-se, portanto, de
maneira concreta, como produto da evolução social
(RUBINSTEIN, 1968, p. 391-392, grifos do original).

Tudo isso indica que o desenvolvimento da Psique e da


Personalidade encontrará na Atividade seu elemento fundador e
transformador. Como discutido, no processo de relação e conhecimento
da realidade o humano descobre as qualidades essenciais dos objetos,
seres e fenômenos com os quais se relaciona, mais ainda, descobre os

104
resultados gerados por suas ações sobre a realidade manipulada. Com isso,
consegue estabelecer a intencionalidade de seus atos, prevendo os
resultados que sua Atividade provoca na realidade, torna-se capaz de
estabelecer objetivos a serem perseguidos e cujo alcance é absolutamente
dependente de sua ativa participação. A formação e o desenvolvimento
dos elementos psíquicos surgem como um resultado desse processo, na
medida em que se produzem, toda a estrutura psíquica é reorganizada na
forma de uma estrutura nova, nesse processo forma e desenvolve-se
enquanto Personalidade33. De resultado da Atividade, à medida em que se
estabelece e se transforma, o psíquico passa a condicionar a própria
Atividade, dialeticamente transformando a fonte que anteriormente o
produziu e que continuamente o modifica.

O desenvolvimento psíquico da própria personalidade é


mediado pela sua própria actividade prática e teórica, pelos
seus actos. A linha que conduz a partir do que o homem foi
num determinado nível da sua história ao que passou a ser no
nível seguinte passa pelos factos. Na actividade do ser
humano e nos seus fins ou objectivos, tanto nos teóricos
como nos práticos, não só se manifesta o desenvolvimento
psíquico do indivíduo, como também tudo o que nela se
produz (RUBINSTEIN, 1973e, p. 133).

A conduta humana é constituída34 a partir das condições psíquicas


de desenvolvimento já estabelecidas pelo sujeito nos limites dos modos

33 É curiosa a forma como, etimologicamente analisada, a palavra Personalidade traz


a evolução de seu significado relacionada a ideia de Atividade. Rubinstein (1973d)
observa a evolução histórica do termo desde sua origem latina, persona, quando os
romanos se apropriam dele a partir do uso dado pelos etruscos, seu significado se
vinculava inicialmente às máscaras utilizadas pelos atores e, posteriormente, ao papel
que estes desempenhavam em cena. A utilizaram ainda como referência à função
social, cargo, desempenhada por uma certa pessoa. Desde sua origem, o exercício de
determinado papel social, cênico ou laboral, foi-lhe um elemento essencial, sua
evolução histórica esclarece seu significado usual e atual. Segundo demonstra o autor,
a Personalidade enquanto conceito reflete a prática social, herda de certa forma a
designação relativa ao cumprimento de funções sociais, mais precisamente, ao modo
como a pessoa “desempenha o papel que a vida lhe destinou (idem, p. 117)”.
34 O caráter sintético do texto inviabiliza o aprofundamento em questões paralelas e

relacionadas às formas de manifestação da Atividade humana. De toda forma é


importante registrar que a pesquisa (SOUZA, 2019) considerou o modo como o
comportamento é, em larga medida, condicionado por fatores fisiológicos, tais como

105
como a realidade viabiliza a relação ativa da Personalidade para com esta
realidade. Mais ainda, o psíquico, que participa da elaboração da Atividade
humana, é formado e desenvolvido nesta própria Atividade, na vivência
das influências exteriores experimentadas nessa relação e transformadas
pelas qualidades internas, psíquicas e fisiológicas, das Personalidades que
as sofrem.
Vê-se que não se trata de um formalismo arbitrário a centralidade
ocupada pela Atividade na formação e desenvolvimento da Personalidade.
É por meio dela que a relação do sujeito para com sua realidade é
estabelecida, é a partir dela que a influência da ação humana sobre a
realidade se realiza. É por ela que a influência recíproca da realidade e das
condições externas, históricas e sociais, são vivenciadas pelos múltiplos
sujeitos. É no seu exercício que as qualidades essenciais da realidade são
reveladas, ao mesmo tempo em que são descobertos, ou seja, tornam-se
conscientes ao humano os efeitos que sua ação gera nesta realidade com a
qual se relaciona. Tais descobertas tornam possível a intencionalidade e o
planejamento da própria Atividade pelo estabelecimento de objetivos a
serem alcançados por seu exercício. Pontualmente, as qualidades que
fazem da pessoa um sujeito ativo e consciente se constituem como
elementos essenciais da Atividade.
Seja o trabalho considerado em sentido amplo e social ou, ainda,
seja a Atividade considerada em sentido restrito e individual, se
fundamenta como fenômeno essencial da formação da Personalidade. E
se, como dito, a “<<ontogênese>> do homem é a vida da personalidade,
o processo do desenvolvimento individual” (RUBINSTEIN, 1972b, p.
164)”, é correto abstrair-se da análise desse processo o fato de que a
constituição humana se faz possível e é essencialmente dependente da
forma como a pessoa se estabelece enquanto sujeito ativo e consciente das
práticas sociais que participa nas suas relações com o mundo ao seu redor.
Em outras palavras, não seria possível o estabelecimento da unidade
Personalidade-Atividade sem a mediação da psique, precisamente na

as funções endócrinas e o funcionamento próprio do sistema nervoso.


Condicionamento esse que não anula o argumento central deste ponto, precisamente,
a qualidade histórica do comportamento, da Atividade, se considerados os impactos
que o desenvolvimento psíquico e social produz, e que eles sofrem, nas formas como
a conduta humana se faz manifesta.

106
forma das propriedades e dos processos psíquicos que a compõe, tal
como a consciência, a vontade, as emoções, a memória, o caráter, entre
outros.
Sinteticamente, é a Atividade que possibilita a constituição
dialética da unidade pessoa-realidade, dessa unidade e da mútua e
simultânea influência de suas qualidades psíquicas e sociais que a
formação e o desenvolvimento da Personalidade, consequentemente, da
constituição humana, se fazem possíveis. Os diversos sujeitos, nos
distintos momentos históricos e nos variados contextos sociais e culturais
nos quais se incluem, estabelecem tal unidade a partir de sua Atividade.
Por meio da Atividade e na unidade pessoa-realidade estão
determinadas as formas condicionantes, não os efeitos resultantes,
como se darão o desenvolvimento da Personalidade nas suas
múltiplas possibilidades particulares. Consequentemente, é nesse
mesmo processo em que se manifesta a ontogênese humana.

Os diferentes períodos de desenvolvimento da personalidade determinam-


se pelo género de vida e modos de existência, os quais são diferentes no
lactente e no menino, na criança pré-escolar e na idade escolar.
Não é o auto-desenvolvimento imanente do conhecimento nem é
a actividade da criança em si aquilo que determina a modificação
do seu modo de vida e da sua forma de existência: a modificação
das formas de existência e do modo de vida – conjuntamente com
as suas condições objectivas – determinam as novas fases do
desenvolvimento da sua actividade prática e cognoscitiva. A
actividade cognoscitiva influi, naturalmente, no género de vida,
mas este último é primário, básico e determinante. Dado que a vida
infantil se organiza através da actividade dos adultos, é, por
conseguinte, como todo o desenvolvimento da criança, um
produto histórico (RUBINSTEIN, 1972b, p. 155-156, grifos do
original).

Considerando que ambos os aspectos que integram a unidade


pessoa-realidade são históricos, ou seja, estão em contínuo processo de
mudança a partir da concomitante e mútua influência que exercem entre si
pela prática social que os estabelece enquanto unidade, faz-se possível
novos desdobramentos. Simultaneamente ao fato da pessoa se
transformar continuamente por meio da Atividade, ampliando sua
consciência da realidade e seu domínio intencional dos resultados de suas

107
ações, ocorre dialeticamente a transformação da natureza, da realidade
externa e social na qual aquele se inclui. Da mesma forma, pela ação da
pessoa, a realidade concreta se modifica estabelecendo novas formas de
influência e novas condições de existência exteriormente determinadas
para o conjunto dos sujeitos que integram um dado contexto histórico e
social.
A Personalidade, como expressão da singularidade da pessoa e do
nível de seu desenvolvimento psíquico em unidade com sua atuação na
realidade, não só se forma como se transforma ao longo desse processo.
Em meio a dialética e contínua tensão e influência das modificações dos
fatores externos e internos à pessoa ao longo de sua existência, a
Personalidade acumula reiteradas modificações quantitativas que
culminam, em certo ponto, em uma transformação qualitativa de suas
propriedades. Como resultado, dá-se novas modificações de sua própria
Atividade e das relações que estabelece com as demais pessoas e com a
sua realidade, determinando novamente a causalidade de novas
modificações tanto de suas qualidades psíquicas interiores quanto de sua
realidade exterior, dialética e ininterruptamente.

Assim, toda a personalidade do ser humano em crescimento se


transforma reiteradamente à medida que a acumulação de
modificações quantitativas conduz a uma transformação qualitativa
fundamental das suas características básicas, que se formam nas
relações recíprocas da personalidade com o mundo que a rodeia e
nas formas transmutantes da actividade, assim como nas relações
com os outros homens (RUBINSTEIN, 1972b, p. 161).

Da Personalidade, de sua formação e desenvolvimento,


participam também outros processos psíquicos a ela intrínsecos. Não é
excessivo reafirmar que a filogênese-ontogênese humana da qual se
iniciou este esforço abstrativo, se caracteriza enquanto processo
constituído por uma diversidade de fenômenos distintos e simultâneos,
mas a ela intrinsecamente relacionados. Metodologicamente, a unidade
decomposta Personalidade-Psique-Atividade guarda em si as propriedades
fundamentais que possibilitam a compreensão da totalidade filogênese-
ontogênese perseguida. Revelar os fenômenos essenciais dos processos de
formação e desenvolvimento da Personalidade significa, dessa forma,
estabelecer com mais precisão e clareza as vias com as quais se faz

108
possível a compreensão da constituição humana, assim como também a
possibilidade de instrumentalização deste saber com vistas a alcançar
objetivos educacionais.
Mesmo que o foco analítico-abstrativo esteja neste momento
centrado argumentativamente no fenômeno da Personalidade, a
compreensão da filogênese-ontogênese enquanto generalização do
processo de constituição humana, exige o entendimento das relações e
mútuas influências estabelecidas por suas propriedades internas,
essenciais. Em meio ao gradativo desvelamento da relação sistêmica
existente entre as propriedades gerais da Personalidade, evidenciou-se
com grande nitidez sua dependência em relação ao sistema que configura
a organização de suas qualidades essenciais decompostas neste processo.
Dito de modo mais preciso, ao longo da investigação alguns processos,
funções e fenômenos psíquicos revelaram possuir uma importância
principal na qualidade da unidade dialética que estabelecem para com a
Atividade e no que se refere à formação e desenvolvimento da
Personalidade, precisamente, a Consciência, a Vontade, as Emoções, as
Aptidões e o Caráter35.
É preciso considerá-los como propriedades essenciais que em
unidade definem o fenômeno da Personalidade, estão todos em interação,
mútua e recíproca influência, mas, precisamente em relação à formação e
desenvolvimento da Personalidade, revelaram conexões específicas. Se
compreendidos como fenômenos isolados ou independentes, ainda que
em interação, não seria possível a compreensão adequada da natureza da
Personalidade e, metodologicamente, se perderia o foco na compreensão
da totalidade filogênese-ontogênese que é a razão fundamental de todo o
esforço investigativo e do uso destes recursos metodológico-
instrumentais. Como o tratamento pormenorizado destes fenômenos
extrapolaria os limites e os objetivos deste trabalho, em Souza (2019)

35 Evidentemente outros também se destacaram, mas não poderiam ser aprofundados


de modo apropriado neste texto. Dentre eles é possível indicar ilustrativamente
alguns, tais como: a Atenção; a Consciência-de-si; a Memória; a Percepção, entre
outros. Para melhor entendimento da especificidade destes e de outros fenômenos
psíquicos, na unidade que estabelecem para com a Atividade na constituição e no
desenvolvimento da Personalidade ver a apresentação gráfica dos sistemas de
conceitos e a respectiva análise em Souza (2019).

109
poder-se-á encontrar uma cuidadosa análise de cada um deles, servindo de
fonte complementar a quem, porventura, se interessar.

A Personalidade como expressão dialética da Atividade-Psique:


potencialidades educacionais da Constituição Humana

A análise do fenômeno constituição humana possibilitou que se


evidenciassem possibilidades potenciais de intervenções educacionais
capazes de condicionarem a formação e o desenvolvimento de
Personalidades integrais e harmoniosamente desenvolvidas. Nesse
sentido, é sincero afirmar-se que do próprio estudo de S. L. Rubinstein
deriva a forma como o desenvolvimento humano foi pensado neste
trabalho, não apenas limitado a pensar-se o fenômeno em si da
constituição humana, mas na produção de um pensamento investigativo
essencialmente motivado em participar da construção de uma realidade
melhorada. Precisamente, ao encontrar como razão justificadora do
próprio fazer científico o enfrentamento dos problemas que derivam da
presente organização classista da sociedade. Que pensado a partir do
problema desta pesquisa, a constituição humana, objetivou-se nesta
redação na missão em contribuir com o desbravamento de novas vias
potencialmente capazes de orientar uma formação e um desenvolvimento
o mais amplo possível de Personalidades harmoniosas.
Os resultados desta pesquisa, deixam evidentes sua significativa
relevância para a produção científica, mas é igualmente certo que são
ainda insuficientes para que a educação, enquanto fenômeno social, esteja
suficientemente organizada e capaz de instrumentalizar a constituição
humana na direção aqui apontada. Existem ainda questões básicas não
resolvidas, por exemplo, na especificidade da educação escolar,
precisamente, os modos e as possibilidades de trabalho com os
conhecimentos curriculares, nos vários anos escolares e quais
propriedades psíquicas poderiam ser por e com eles desenvolvidas, entre
tantos outros problemas teóricos, que ainda exigirão um grande esforço
investigativo futuro. Por outro lado, foram apontados elementos que
evidenciam as relações existentes entre a Psique, considerado o conjunto
dos fenômenos psíquicos que a compõe, e a Atividade que ao
estabelecerem a interação da pessoa com a realidade exterior, se formam,

110
se desenvolvem, sendo a Personalidade a expressão da unidade dialética
delas estabelecida. Processos próprios da constituição humana e que
guardam grande potencial instrumental didático-pedagógico.
Ainda que dependente de estudos que avancem rumo a
intervenções práticas na realidade escolar, é certo dizer que uma escola,
pensada nos moldes aqui propostos, não teria nos conhecimentos
curriculares seus principais objetivos formativos, seus estudantes não
estariam na escola com vistas ao aprendizado de determinado
conhecimento específico apenas. Na verdade, o modelo de escola que
deriva das presentes proposições se assenta na percepção que os
conhecimentos curriculares representam meios, instrumentos que
comporão as Atividades educativas escolares organizadas pelo
professor com vistas ao desenvolvimento de determinadas
propriedades, socialmente desejáveis, da Personalidade em suas
múltiplas formas particulares de manifestação concreta. Neste
segundo caso, seu objetivo formativo é o desenvolvimento
consistente, universal, integral e harmonioso da Personalidade,
sendo que para isso, instrumentalizará as Atividades de ensino-
aprendizado, assim como os conhecimentos escolares, como instrumentos
didáticos viabilizadores das condições do desenvolvimento da
Personalidade pretendido.
Fará isso organizando cuidadosamente as Atividades educativas
capazes de influenciar as propriedades, fenômenos e processos psíquicos.
Fazendo da Atividade educativa o meio pelo qual a pessoa vivencia a
experiência de interação com a realidade, em especial, as influências e as
condições da realidade na qual se insere. Nunca perdendo de vista que os
efeitos das influências externas vivenciadas a partir da Atividade são
internamente elaborados a partir da mediação da Psique. As
propriedades psíquicas internas que caracterizam cada Personalidade, à
medida em que se formam e se desenvolvem, e em unidade para com a
Atividade, transformam os modos como aquela influência externa é
vivenciada, consequentemente, modificando a forma como produzem-se
seus efeitos e determinando modificações na própria estrutura da
Atividade.
Vê-se que a proposição que deriva desta pesquisa não assume o
conhecimento como fim da formação, seja ela escolar ou não, mas como

111
meio. Nesse sentido, os conhecimentos atuam como conteúdo da
Atividade formativa e elemento orientador da conduta. Em outras
palavras, o que está posto é a proposição de uma estrutura de organização
das Atividades formativas capaz de propiciar um meio externo
cuidadosamente organizado para, primeiramente, condicionar um
determinado tipo específico de Atividade que estabeleça a interação da
pessoa com o conjunto dos conhecimentos exteriores e interiores em
foco. Segundo, que tal Atividade estimulada propicie a vivência de
influências específicas que melhor ofereçam condições para um
determinado desenvolvimento pretendido.
Tão importante quanto o esforço de elaboração, planejamento e
execução das Atividades formativas, é a habilidade de avaliação
diagnóstica contínua das aptidões e de seus níveis de desenvolvimento no
conjunto das pessoas com os quais se desenvolve o trabalho formativo.
Para o desenvolvimento de Atividades educacionais com vistas à
formação e o desenvolvimento de Personalidades integrais e harmoniosas,
se fará necessário o acompanhamento de fenômenos essencialmente
psíquicos, tal como a memória, a percepção, a atenção, as emoções, a
consciência, as motivações, entre outros. O fato é, como visto, os
fenômenos psíquicos encontram na Atividade o elemento propiciador de
suas formações e desenvolvimento, mas à medida em que esta formação e
desenvolvimento ocorre, transformam a Personalidade e determinam
novas formas de estabelecimento da Atividade.
É inseparável aos fenômenos psíquicos seu vínculo para com a
Atividade humana na medida em que é dela que derivam sua existência e
seu nível de desenvolvimento. Mas ao mesmo tempo, é inseparável da
Atividade o conteúdo interno da Personalidade, essencialmente
representado pela Psique que determina limites e possibilidades para o
estabelecimento da própria Atividade. Diagnosticar, nesse sentido,
significa saber reconhecer na Atividade a expressão da ativa
participação dos fenômenos psíquicos que viabilizaram a forma
final assumida por uma Atividade específica. Mas, inversa e
dialeticamente, também significa reconhecer os próprios
fenômenos psíquicos como expressões reflexas das Atividades que
os propiciaram e os desenvolveram.

112
A psique, a consciência, ao desenvolver-se na
actividade, também se manifesta na actividade e na
conduta. Actividade e consciência não são dois
aspectos dirigidos para diferentes direcções. Ambos
formam um todo orgânico, não são idênticos, antes
constituem uma unidade. O homem que é movido por
um impulso qualquer, trabalhará de maneira diferente
quando tem consciência do mesmo impulso de quando
não tem, isto é, quando estabelece um objectivo para o
qual se dirige. O facto de ter consciência da sua actividade
faz mudar as condições de direcção da mesma e, com isso,
também o seu desenvolvimento e o seu carácter. Esta
actividade deixa de ser um simples complexo de reacções
de resposta aos estímulos externos de ambiente e passa a
regular-se de outra maneira (RUBINSTEIN, 1972a, p. 30,
grifo meu).

Se a consciência das propriedades internas das pessoas em


formação é fundamental para o planejamento das Atividades formativas,
visando o aproveitamento do conteúdo interno já existente e o
estabelecimento preciso dos objetivos formativos desejados, será das suas
próprias condutas que se poderá estabelecer o diagnóstico de seus
respectivos conteúdos psíquicos. As emoções que sentem, as vontades
que os motivam, os conhecimentos já aprendidos, entre outros, de fato,
não são passíveis de observação direta. Mas, ainda que a Psique não esteja
visível aos olhos de um observador externo, é certo que a conduta
manifestada pela pessoa expressa o conteúdo de sua Psique. Esta, a
conduta, sim pode ser observada com cuidado e atenção. Se é inerente à
Atividade sua dependência das propriedades psíquicas internas do
sujeito que a manifesta, consequentemente a Atividade pode ser
instrumentalizada como recurso diagnóstico para o planejamento e
acompanhamento da dinâmica evolutiva da Personalidade
perseguida pelas Atividades formativas.
Por meio de um cuidadoso esforço analítico-sintético, este
trabalho buscou apreender o movimento evolutivo da Atividade dado na
contínua interação para com a realidade externa e mediado pela Psique. O
fez a partir da teoria de S. L. Rubinstein, desbravando uma trilha analítica
nova, revelando o fenômeno da constituição humana a partir da vida da

113
Personalidade. Precisamente, na forma como estão intrinsecamente
envolvidos os fenômenos da Personalidade, da Psique e da Atividade no
processo maior da constituição humana analisada a partir da totalidade
filogênese-ontogênese. A abstração realizada a partir do pensamento
rubinsteiniano representou o meio utilizado para a percepção da relação
existente entre a Atividade e a Psique na forma como as influências
externas são possibilitadas e vivenciadas, respectivamente. Como
expressão deste movimento evolutivo próprio apresentado nesta relação
sistêmica emerge a Personalidade, que na medida em que se constitui e
desenvolve, transforma em essência tanto a própria Atividade quanto a
Psique em um contínuo movimento evolutivo marcado pela interação
recíproca e dialética entre Personalidade, Psique e Atividade, eis a vida da
Personalidade e que caracteriza a especificidade da constituição humana.
Como dito, é a Personalidade “a base que determina o estudo de
todo o psiquismo do homem (RUBINSTEIN, 1973e, p. 13)”, mas não
apenas a Psique é revelada nas particulares formas como se manifesta a
Personalidade, também a Atividade, na medida em que é por meio dos
variados modos do comportamento humano que se faz possível a
formação e o desenvolvimento psíquico revelado pela Personalidade. “As
qualidades psíquicas da personalidade manifestam-se tanto na sua conduta
como nos seus actos e acções, formando-se simultaneamente com elas
(RUBINSTEIN, 1973e, p. 20)”. É por isso que a análise da Personalidade
se evidenciou tão importante no esforço de se compreender a constituição
humana, afinal, por meio dela faz-se possível a compreensão do humano
em sua integralidade, não fracionado em elementos desconectados ou
independentes. Observar a Personalidade é observar a totalidade do
humano real cuja constituição busca-se compreender, “a personalidade é o
indivíduo concreto, histórico e vivo (RUBINSTEIN, 1973e, p. 120)”. Por
isso, somente pelos processos que a determinam, a dialética entre
Atividade e Psique, que a constituição humana poderá ser compreendida,
precisamente, como processo ontogenéticamente sincrônico à
constituição da própria Personalidade, afinal, “o ser humano não nasce
como personalidade, mas converte-se nela (RUBINSTEIN, 1973e p.
132)”.
Buscou-se analisar o humano real e integral, cuja constituição
precisa considerar a materialidade de sua condição funcional fisiológica,

114
mas não isoladamente, e sim unida ao contexto histórico, social e material
exterior. Reconhecendo a função essencial da Atividade que possibilita sua
interação com a realidade na qual se insere e, mais ainda, contemplando o
complexo processo no qual, dialeticamente, Atividade e Psique
manifestam-se nos processos de formação e desenvolvimento da
Personalidade. Fazendo-a integrar cada vez mais a dinâmica na qual todos
estes fatores anteriores resultam na particularidade da manifestação final
do humano integral observado. Ser humano, neste sentido, representa um
processo em contínua (re)elaboração, daquele que, sendo a expressão de
um corpo com sua natureza fisiológica, ainda é simultaneamente um
sujeito social, que trabalha colocando-se ativamente em relação com sua
realidade e com outros humanos, mas também um sujeito psíquico dotado
de vontade, de emoções e de um vasto conteúdo interior com o qual
elabora seus sentidos acerca da realidade, dada as influências que dela
recebe. Ser e constituir-se humano significa, deste modo,
estabelecer-se como Personalidade.
Conclusivamente, tem-se revelado um elemento novo, tese
principal desta análise, precisamente, só há constituição humana a
partir das unidades que nele e com ele se estabelecem. A partir de S.
L. Rubinstein o humano é compreendido em sua totalidade e, dessa
forma, passível de apreensão pela consciência apenas por meio das
unidades que o revelam e o constituem. Muitas surgiram ao longo da
análise, a filogênese-ontogênese, a Atividade-Personalidade, a Atividade-
Psique, o externo-interno, a pessoa-realidade e tantas mais.
É verdade, a Personalidade aqui delineada carrega em si uma
parcela da esperança própria do espírito e do pensamento da modernidade
que, por meio das melhores qualidades humanas (ciência, técnica e artes)
acredita ser possível alcançar um futuro melhorado pela superação das
condições opressoras que definem a atualidade. Ou seja, apresenta duas
das principais características da utopia discutidas por Chauí (2008), a
angústia para com o presente, marcado pela desigualdade, pelo privilégio
entre outros problemas, mas que visa conseguir conquistar no futuro a
reconciliação, a superação, a justiça, a igualdade etc., não na promessa de
um outro mundo, mas neste. Isso significa que este trabalho reconhece a
crise estrutural, existencial, política, social, moral, e tantas mais, porque
passam as diversas sociedades humanas e seus sujeitos no dia a dia de suas

115
vidas particulares. Mas esse reconhecimento não pode ser confundido
com a descrença pós-moderna, que desacredita de qualquer avanço já
alcançado e da possibilidade de algum alcance por meio daquelas
melhores qualidades humanas. Para estes as promessas da ciência, de
melhoria da vida humana; da técnica, de fartura e prosperidade; e das
artes, de refino do belo, se converteram no presente momento em seu
oposto, na intensificação da desigualdade, na miséria crescente, na guerra
e na violência.
Ainda que tais críticas sejam fundamentadas, não coincidem as
conclusões. Se para estes a evidência da gravidade destes problemas da
atualidade os conduz ao fatalismo distópico e à descrença, neste trabalho,
são os mesmos problemas que fazem nascer os motivos para seu
enfrentamento. Não pela esperança tola, que aguarda inerte a solução
futura, tal como vinda de um salvador, pelo contrário, na forma de luta, da
certeza que a historicidade da realidade evidencia a possibilidade de sua
transformação, que é melhor viver da/na luta por aquilo que pode ser, do
que se conformar com o como a realidade é. Por isso o estudo da
Personalidade foi tão significativo aqui, não por buscar defini-la
simplesmente nas leis de sua formação e desenvolvimento, como também
feito, mas por ansiar que a partir desta compreensão refinada se possa
oportunizar a formação e o desenvolvimento de Personalidades melhores,
que compartilhem o dever moral e o desejo de participação na construção
de um mundo e de humanos melhores.

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121
Capítulo 4

Contribuições de L. I. Bozhovich para a compreensão da


formação e desenvolvimento da personalidade:
Um estudo introdutório36

Ione Mendes Silva Ferreira


Andréa Maturano Longarezi

Introdução

Tal como a agronomia não pode ser separada da biologia, a


pedagogia não pode ser separada da psicologia. Falar das bases
científicas da pedagogia significa, acima de tudo, falar das leis da
formação ativa da psique infantil 37.
(BOZHOVICH, 1976, p. 1).

Neste capítulo discutiremos as relações entre personalidade e


educação desde a perspectiva do materialismo histórico-dialético e da
teoria histórico-cultural da personalidade (LONGAREZI, 2019a, 2019b;
2020a; 2020b; PUENTES, 2017; PUENTES; LONGAREZI, 2017b,
2017c) à luz das contribuições de Lidia Ilyinichna Bozhovich - Лидия
Ильинична Божович (1908-1981). Para tanto, abordaremos os
fundamentos gerais da psicologia histórico-cultural da personalidade,
assim como a relação da psicologia da personalidade com a educação,
tomadas no escopo geral da teoria psicológica marxista na perspectiva

36 O presente texto apresenta os resultados obtidos na produção da tese de


Doutorado em Educação, “Formação de professores e desenvolvimento da
personalidade na infância: uma intervenção didático-formativa com professoras da
Educação Infantil”, defendida no âmbito do Programa de Pós-Graduação em
Educação, pela Universidade Federal de Uberlândia, MG/2021, desenvolvida sob a
orientação da Profa. Dra. Andréa Maturano Longarezi.
37 “Así como la agronomía no puede separaese de la biología, la pedagogía no puede

hacerlo de la psicología. Hablar de las base científicas de la pedagogía significa, ante


todo, hablar de las leyes de la formación activa de la psiquis infantil (BOZHOVICH,
1976, p. 1).

122
bozhovichiana; bases para formulações críticas e dialéticas acerca do que
se concebe como desenvolvimento integral do sujeito.
O estudo teórico é parte de uma pesquisa de Intervenção
Didático-Formativa (IDF)38 realizada em um Centro Municipal de
Educação Infantil (CMEI) de Goiânia/GO; traz uma importante
discussão no campo da psicologia pedagógica tomado por base a obra da
psicóloga soviética, orientanda e colaborada de L. S. Vigostski, Lidia. I.
Bozhovich; e se encerra no conjunto de pesquisas (SOUZA, 2019;
LONGAREZI; FRANCO, 2013; NASCIMENTO, 2014; LONGAREZI,
ARAÚJO, PIOTTO, MARCO, 2018; LOPES, 2020; CARDOSO, 2020;
AMORIM, 2020; entre outros) desenvolvidas no âmbito do Grupo de
Estudos e Pesquisas sobre Didática Desenvolvimental e Profissionalização
Docente - GEPEDI, com a finalidade de aprimoramento teórico da
produção de diferentes autores do período soviético e pós-soviético (L. S.
Vigotski, S. L. Rubinstein, L. V. Zankov, D. B. Elkonin, V. V. Davidov,
V. V. Repkin etc.).
Nascida em Kursk no Império Russo, L. I. Bozhovich dedicou-se,
fundamentalmente, aos estudos de psicologia infantil, com foco para o
desenvolvimento da personalidade da criança, a formação de sua
motivação e o estudo experimental dos conflitos afetivos.

38 A Intervenção Didático-Formativa (IDF) consiste em uma metodologia de


pesquisa desenvolvida no contexto do Grupo de Estudos e Pesquisas em Didática
Desenvolvimental e Profissionalização Docente – GEPEDI (LONGAREZI, 2017;
LONGAREZI; FERREIRA, 2020; LONGAREZI; MOURA, 2017; FERREIRA;
LONGAREZI, 2017; 2018; etc.), produzida como uma “[...] ação investigativo-
formativa, a partir da qual se faz, de forma intencional, uma intervenção no contexto
educacional pela via da formação didática do professor; e, nesse processo, se constitui
simultaneamente intervenção didática junto a classes de estudantes. Dessa maneira, o
processo didático da obutchénie é produzido no processo de formação didática do
professor. Por isso, (...) tem como objetivo-fim a formação-desenvolvimento de
professores e estudantes pela atividade pedagógica (objetivo-meio).” (LONGAREZI,
2017, p.198-199). Nessa perspectiva, “[...] a Intervenção Didático-Formativa compreende
a instrumentalização teórica dos professores para a apropriação dos fundamentos do
método materialista histórico-dialético e do Ensino Desenvolvimental; e, nesse
processo, compreende também a análise e elaboração de uma obutchénie que os
coloque, junto com os estudantes em atividade pedagógica desenvolvedora de
ambos” (LONGAREZI, FERREIRA, 2020, p. 66).

123
Figura: Lidia Ilyinichna Bozhovich

Fonte: http://psyprofi.com/wp-content/uploads/2012/12/bozhovich-
lidia.jpg

Apesar de pouco conhecida e pouco referenciada em pesquisas


nessa área no Brasil, L. I. Bozhovich teve uma proeminente contribuição
para a psicologia soviética, compondo com A. V. Zaporozhetes (1905-
1981), N. G. Morozova (1906-1989), L. S. Slavina (1906-1989) e R. E.
Levina (1908-1989) o grupo de estudantes que trabalhou de forma intensa
junto com L. S. Vigotski nas décadas de 1920 e meados de 1930, quando
passa a se constituir membro da escola de Kharkov. Nos anos de 1945 a
1975 chefiou o laboratório de psicologia da formação da personalidade
que criou no Instituto de Pesquisa de Psicologia Geral e Pedagógica. O
trabalho experimental que coordenou nesse laboratório foi aplicado na
prática, na antiga União Soviética, em escolas de Suvorov, internatos e
escolas para adolescentes considerados problemáticos.

Bozhovich caracterizou-se pela sua persistência, sua vontade e


força na defesa de suas opiniões e convicções, inclusive em
situações que a colocavam em risco devido às condições políticas
em que viveu. Era reconhecida pelos seus colegas como uma
pessoa entusiasmada, de bom humor e com um interesse

124
excepcionalmente forte no trabalho de investigação. Grande
polemista, porém, flexível e aberta à crítica, gerou no seu
laboratório um espaço de discussão franca, de crítica e autocrítica,
de respeito e incentivo a novas ideias, o que contribuiu
decisivamente para a produtividade de seus integrantes e para o
desenvolvimento de novas linhas de pesquisa39 (Robbins, 2004;
Chudnovsky, 2009) (MITJÁNS MARTÍNEZ, 2016, p. 168).
.
Com esse espírito combativo e analítico L. I. Bozhovich estuda a
personalidade como sistema que se relaciona em determinados níveis de
desenvolvimento psíquico, formada desde os primórdios da vida infantil.
Seus estudos levam-na a defender o caráter ativo da personalidade à
medida em que vai sendo formada. Orientada pelos princípios de seu
professor L. S. Vigotski, procura avançar no sentido de produzir uma
teoria em que os aspectos afetivos e emocionais se constituíssem em
unidade à dimensão cognitiva. Daí sua enorme contribuição para o campo
da psicologia infantil.

Fundamentos gerais da Psicologia Histórico-Cultural da Personalidade

Lídia I. Bozhovich, além de psicóloga, também foi uma


reconhecida pesquisadora e professora soviética que, dentre muitos outros
objetos de estudo, perquiriu durante os seus mais de 30 anos de intenso
trabalho de pesquisa, questões consideradas centrais para a psicologia da
então União Soviética e, diríamos, para a psicologia em todos os tempos e
lugares. Em síntese, pode-se dizer que se dedicou a tentar identificar,
compreender e explicitar os processos de formação e desenvolvimento da
personalidade em sua interface com a educação. Essa temática concentrou
suas principais preocupações teóricas, ao longo de toda a sua trajetória
profissional.
No esforço de demonstrar a importância fundamental da
investigação sobre a formação e o desenvolvimento da personalidade para
a prática educativa, L. I. Bozhovich se preocupou também em formular os
requisitos fundamentais para o desenvolvimento de investigações

39.Dentre os colaboradores mais destacados de Bozhovich encontravam-se: M. S.


Neimark; V. E. Chudnovsky; L. I. Slavina; L.V. Blagonadezhina; N. G. Morozova; T.
E. Konnikova; T. V. Endovitskaia.

125
psicológicas que subsidiassem o trabalho pedagógico dos professores nas
escolas (ROBBINS, 2004).
Nesse sentido, as contribuições dessa autora podem ajudar na
compreensão dos processos de formação e desenvolvimento da
personalidade desde a mais tenra infância, como também sobre a
importância de se buscar uma qualidade superior para os processos
formativos docentes que sejam efetivamente promotores do
desenvolvimento da personalidade das crianças na educação infantil.
O pensamento de L. I. Bozhovich destaca-se, dentre muitos
outros aspectos, pela sua expressa compreensão de que os processos de
formação e desenvolvimento da personalidade são mediados pelas
necessidades e motivos eminentemente humanos. Salienta, ainda, que
estes surgem e sofrem transformações a cada período do
desenvolvimento. Para ela, os motivos e as necessidades que compõem e,
de certa forma, direcionam a formação da personalidade humana são
tomados como fatores de primeira ordem e, por essa razão, considerados
responsáveis por estimular o indivíduo em suas atividades.

Um dos problemas psicológicos fundamentais, sem cujo estudo


não podem ser postos em prática dos fins de educação [...] é a
formação das necessidades e motivações humanas como fatores de
primeira ordem que estimulam o indivíduo em suas atividades [...].
Os conceitos de necessidade e motivações ainda não encontraram
na psicologia um valor concreto ou uma definição aceitável. A
abordagem que estes conceitos recebem neste livro é a seguinte: a
necessidade é entendida como algo que o indivíduo necessita para
dar saída às funções vitais do seu organismo ou para a sua própria
personalidade. A necessidade estimula o indivíduo a buscar o
objeto de sua satisfação, enquanto o próprio processo de busca
possui múltiplas emoções positivas.
As motivações, assim como as necessidades, são motivos de
comportamento humano. No entanto, também podem incitar o
homem indiretamente, através de uma determinação objetiva ou
conscientemente adotada (BOZHOVICH; BLAGONADIE-
ZHINA, 1978, p. 3, tradução nossa)40.

40 Uno de los problemas psicológicos fundamentales, sin cuyo estúdio no pueden ser
llevados a la práctica dos fines de la educacíon [...] es la formación de las necessidades
y motivaciones humanas como factores de primer orden que estimulan al individuo
em sus atividades [...]. Los conceptos de necessidad y motivaciones no han
encontrado, todavia en la psicología un valor concreto ni uma definición aceptable.

126
Os estudos empreendidos por L. I. Bozhovich sobre formação e
desenvolvimento da personalidade incorporaram diversas teses
desenvolvidas por L. S. Vigotski dentre as quais destacamos quatro que
nos parecem centrais neste trabalho:1. situação social de desenvolvimento;
2. perezhivanie41; 3. relação entre emoções, afetos e necessidades; e 4. o
caráter mediador dos signos na definição e desenvolvimento das funções
psicológicas superiores (ROBBINS, 2004).
A situação social de desenvolvimento “[...] não significa nada mais que o
sistema de relações entre a criança de uma certa idade e o meio”
(VIGOTSKI, 2001, p. 190; tradução nossa), ou seja, corresponde à forma
como a criança vivencia as novas condições de vida e de atividade a que
tem acesso. Para L. S. Vigotski, de acordo com Bozhovich, (1976, p. 123),
a situação social de desenvolvimento corresponde à “[...] relação especial dos
processos internos de desenvolvimento e das condições externas que são
típicas de cada etapa, que condiciona a dinâmica do desenvolvimento
psíquico durante o período evolutivo correspondente”, bem como às
novas formações psicológicas, qualitativamente peculiares, que emergem
no final deste período. Isso traz implicações substanciais ao
desenvolvimento infantil, uma vez que esse se realiza com base na relação
entre a atitude já formada na criança configurada a partir do modo como

El enfoque que dichos conceptos recibem en este libro es el seguiente: la necessidad


se entiende como un algo que precisa el individuo para dar salida a las funciones
vitales de su organismo o para su própia personalidad. La necesidad estimula al
indivíduo a la búsqueda del objeto de su satisfación, mientras que el próprio proceso
de búsqueda reviste múltiplas emociones positivas. Las motivaciones, al igual que las
necesidades, son móviles de la conducta humana. No obstante, las mismas tamién
puedem incitar al hombre en forma indirecta, mediante un objetivo o una
determinación adoptada conscientemente (BOZHOVICH;
BLAGONADIEZHINA, 1978, p. 3).
41 Mattos e Puentes (2017), respectivamente, tradutora e revisor técnico do texto O

problema do ambiente na pedologia de autoria de Vigotsky (p. 15-38), publicado no livro


Antologia I organizado por Longarezi e Puentes (2017), vão dizer que na literatura
brasileira há pelo menos três modos diferentes de transliterar essa palavra russa. Em
Prestes (2010) e em Capucci e Silva (2017; 2018) encontramos essa palavra grafada
como perejivanie; em Toassa e Souza (2010) e em Andrade e Campos (2019) como
perejivânie e em Robbins (2004) e em Fleer; González Rey e Veresov (2017) como
perezhivanie. A terminação ie dessa palavra indica que todas essas formas estão no
singular. Sua flexão para o plural, segundo Coelho (2020, p. 20, citando DELARI e
PASSOS, 2009, p. 9, nota 21) sofre, em todos os casos, uma modificação do final da
palavra passando a ser grafada com ia. Exemplo: perejivaniia.

127
ela vivencia as condições em que o seu desenvolvimento acontece. Esse
movimento dialético e contraditório é considerado a principal força
motriz do desenvolvimento.

No início de cada período etário a relação que se estabelece entre a


criança e o entorno que a rodeia, sobretudo o social, é totalmente
peculiar, específica, única e irrepetível para essa idade.
Denominamos essa relação como situação social do desenvolvimento em
determinada idade. Determina plenamente e por inteiro as formas
e a trajetória que permite à criança adquirir novas propriedades da
personalidade, já que a realidade social é a verdadeira fonte do
desenvolvimento. (VYGOTSKI, 1934/1996, p. 264; tradução
nossa, grifo do autor).

Esta ideia deve ser enfatizada porque inclui duas circunstâncias


que serão a base para a compreensão do desenvolvimento psíquico e da
personalidade nesta fase; primeiro, o carácter ativo do sujeito, ou seja,
como a criança contribui para o seu desenvolvimento de acordo com as
possibilidades já alcançadas, isso quer dizer, a atitude que surge nela como
resultado da forma como vivencia (perezhivanie) a sua própria vivência
(perezhivanie); dadas as condições do ambiente.
No concernente ao conceito de perezhivanie, desenvolvido por L. S.
Vigotski como a unidade indivisível entre o meio e a personalidade, ou
seja, entre o modo como se vivencia algo, no sentido de sua elaboração
pessoal, e aquilo que o meio lhe proporciona, no sentido social (Vigotski,
2010); se tem a célula que representa a unidade que constitui o humano.
Na perezhivanie se tem encarnada “[...] a unidade indivisível das
particularidades da personalidade e das particularidades da situação
representada na perezhivanie” (VIGOTSKI, 2001, p. 190; tradução nossa);
uma vez que se constitui na unidade do meio e da personalidade.

A perezhivanie é uma unidade na qual, por um lado, de modo


indivisível, o meio, aquilo que se vivencia está representado [...] e,
por outro lado, está representado como eu vivencio isso, ou seja,
todas as particularidades da personalidade e todas as
particularidades do meio são apresentadas na perejivanie ...”
(VIGOTSKI, 2010, p. 686-687).

128
L. I. Bozhovich destaca que perezhivanie, no sentido tratado por L.
S. Vigotski, integra tanto a esfera cognitiva, quanto a afetiva; o que,
inevitavelmente, implica considerá-la na dimensão das emoções.

A respeito da perezhivanie, Bozhovich afirma que Vigotski


compreendia perezhivanie como a integração de elementos
cognitivos e afetivos, aos quais sempre pressupõem a presença de
emoções. Vigotski usou este conceito para enfatizar a totalidade do
desenvolvimento psicológico da criança integrando os elementos
externos e internos em cada estágio de desenvolvimento... De
acordo com Bozhovich, por um curto período de tempo Vigotski
considerou a perezhivanie como a “unidade” do desenvolvimento
psicológico no estudo da situação social de desenvolvimento
(ROBBINS, 2004, p. 5, grifos e itálico no original).

L. I. Bozhovich parte da compreensão vigotskiana de perezhivanie


enquanto processo de desenvolvimento psicológico da criança e, nesse
sentido, se constitui como uma totalidade que, nessa condição, é capaz de
integrar os elementos externos e internos inerentes à vida do sujeito em
cada estágio do seu desenvolvimento. Nesse sentido, é possível dizer que
perezhivanie para L. I. Bozhovich é a relação afetiva da criança com o
ambiente. É a unidade na qual estão representados, num todo indivisível,
por um lado, o ambiente, ou seja, o que a criança vivencia (perezhivanie);
por outro lado, o que a própria criança traz para esta vivência (perezhivanie)
e que, por sua vez, é determinado pelo nível de desenvolvimento já
alcançado por ela anteriormente.
Todavia, para melhor compreender que influência o ambiente tem
sobre a criança, e assim como determina o curso do seu desenvolvimento,
é necessário compreender o carácter de suas vivências (perezhivanie), o
carácter de sua relação afetiva com o ambiente. Neste sentido, os estados
afetivos são interpretados como vivências (perezhivanie) prolongadas e
profundas, diretamente relacionadas com as necessidades que, por sua
vez, são de importância vital para o sujeito (BOZHOVICH, 1979, p. 123).
Tudo isso aponta para outra tese de L. S. Vigotski também
incorporada aos estudos de L. I. Bozhovich sobre a formação e o
desenvolvimento da personalidade da criança que é a relação intrínseca
entre emoções, afetos e necessidades nesse processo.

129
No que diz respeito à relação entre emoções, afetos e
necessidades para a formação e o desenvolvimento da personalidade, L. I.
Bozhovich (1978, p. 13) vai identificar tal relação como “esfera
motivacional humana”. Ademais, vai afirmar que essa esfera motivacional
subjaz a todo o desenvolvimento mental em ontogénese, o que permite a
um sujeito “atingir o nível que o caracteriza como uma personalidade"
(GUTKINA, 2018, p. 6). Tudo isso vai justificar a definição por parte de
L. I. Bozhovich das emoções, das necessidades e dos afetos como capa
central do psiquismo (BOZHOVICH, 1978, p. 13).
Sobre o último conceito acima destacado, o caráter mediador dos
signos na definição e desenvolvimento das funções psicológicas superiores, L. I.
Bozhovich buscou compreender, assim como o fez L. S. Vigotski, não só
a importância da mediação dos signos para o desenvolvimento das
funções psíquicas superiores (enquanto esfera cognitiva), mas também a
sua influência sobre as esferas afetivas da personalidade (necessidades e
motivos).
Assim, com base nas declarações de L. S. Vigotski sobre o
desenvolvimento de funções mentais superiores em ontogênese, L. I.
Bozhovich construiu um modelo do desenvolvimento da esfera da
personalidade da criança por analogia com a esfera cognitiva. Nesse
sentido, para ela, o mecanismo de formação de necessidades espirituais
superiores na esfera afetiva da personalidade é semelhante ao mecanismo
de formação de funções psíquicas superiores na esfera cognitiva. As
necessidades espirituais superiores, portanto, emergem das necessidades e
emoções naturais através da mediação que ocorre como resultado da
apropriação da cultura humana, por meio dos signos que são próprios
dessa cultura. Assim, a necessidade elementar de novas vivências
(perezhivanie), considerada por ela como uma força motriz do
desenvolvimento mental da criança como resultado da mediação na
ontogênese, pode transformar-se na mais alta necessidade cognitiva
espiritual por meio de um estímulo significativo. Essa pesquisadora
interpretou essas mudanças psicológicas como mudanças qualitativas na
psique humana indicativas do desenvolvimento da personalidade.
Compreendido o desenvolvimento das funções psíquicas
superiores a partir da relação dialética que essas funções estabelecem com
e sobre as esferas afetivas da personalidade como um todo, L. I.

130
Bozhovich concluiu que o desenvolvimento dessas esferas é orientado
pelas mesmas leis que guiam o desenvolvimento de todo o processo,
muito embora não seja possível distinguir entre as componentes afetivos e
intelectuais da personalidade. Essa elaboração definiu a principal linha
investigativa desenvolvida pela autora ao longo de seus mais de trinta anos
de fecundo trabalho científico sobre a personalidade (ROBBINS, 2004).

Psicologia Histórico-Cultural da Personalidade e Educação

De acordo com Ushinsky (1945, p. 180), para que a pedagogia se


constitua ciência genuína, capaz de oferecer suporte efetivo ao trabalho do
professor e, nesse sentido, não se converter em mera coleção de
conselhos práticos, ela precisa estar baseada no estudo dos “fenômenos
da natureza e da alma humana”. Cabe destacar que o estudo da alma
humana a que o autor se refere abarca, nessa perspectiva, o estudo da
personalidade, sua formação e seu desenvolvimento; o que tomamos
agora como objeto de análise na perspectiva desenvolvida por L. I.
Bozhovich.
O estudo acerca da formação da personalidade pode ser
considerado, de acordo com Bozhovich (1976), um dos temas da
psicologia menos desenvolvidos cientificamente à época. Para a autora,
isso se explica, em certa medida, pelas dificuldades metodológicas
inerentes ao estudo da personalidade, dada a complexidade metodológica
para se abordar esse fenômeno numa perspectiva materialista histórico-
dialética. Assim como o conjunto de autores desse campo teórico, L. I.
Bozhovich também ressalta que investigações desenvolvidas a partir dessa
episteme pressupõe, tomar o objeto nas suas mais diversas interrelações e
em condições reais de vida e de atividade (BOZHOVICH, 1976, p.5).
Para tratar especialmente do tema da formação da personalidade
desde a infância, L. I. Bozhovich produz uma obra que, talvez possa ser
considerada sua mais importante contribuição para o estudo do tema.
Publicada primeiramente em russo, no ano de 1976, e depois em
espanhol, no ano de 1981, La personalidad y su formación en la edad infantil,
essa obra se constitui numa importante referência na perspectiva da
psicologia histórico-cultural da personalidade bozhovichiana Neste
trabalho a autora desenvolve ideias fundamentais sobre o assunto,

131
advertindo seus leitores de que as elaborações nela apresentadas estão
assentadas em concepções tratadas por L. S. Vigotsky, que, conforme já
mencionado, foi também seu orientador de doutorado.
As ideias de L. I. Bozhovich pautaram-se, principalmente, na
concepção vigotskyana de que o desenvolvimento psíquico na ontogénese
desencadeia uma série de mudanças qualitativas importantes na psiquê
infantil. No entanto, essas mudanças só podem ser processadas pela
criança por meio de “complexas relações interfuncionais [que] dão início a
formações psíquicas, totalmente novas; sociais pela sua natureza (funções
psíquicas superiores) específicas do homem”42, que se estabelecem entre a
criança e a experiência social acumulada pelas gerações anteriores
(BOZHOVICH, 1976, s/p, nota da autora para a edição cubana, tradução
nossa).
Desse modo, seria acertado afirmar que o desenvolvimento
psíquico da criança, inicialmente elementar, ocorre somente sob a base do
legado sócio-histórico-cultural deixado pelas gerações precedentes; melhor
dizendo, a partir do patrimônio histórico a que tem acesso, considerado,
certamente, o lugar social que ocupa em uma sociedade de classes.

Essas mudanças qualitativas, segundo a teoria de L, S Vigotsky, se


manifestam no feito de que os processos e funções psíquicas,
inicialmente elementares (naturais), ao atuar uns com os outros em
complexas relações interfuncionais, dão início a formações
psíquicas, totalmente novas; sociais por sua natureza (funções
psíquicas superiores); específicas somente para o homem
(BOZHOVICH, 1976, s/p, nota da autora para a edição cubana,
tradução nossa) 43.

42 [...] complejas relaciones interfuncionales, dan comienzo a formaciones psíquicas,


totalmente nuevas; sociales por su naturaleza (funciones psíquicas superiores)
específicas sólo para el hombre (BOZHOVICH, 1976, s/p, nota da autora para a
edição cubana).
43 Estos câmbios cualitativos, según la teoría de L.S. Vigotsky, se manifiestan en el

hecho de que los procesos y funciones psíquicos, iniciahnente elementares


(naturales), al actuar unos con otros en complejas relaciones interfuncionales, dan
comienzo a formaciones psíquicas, totalmente nuevas; sociales por su naturaleza
(funciones psíquicas superiores); específicas sólo para el hombre (1976, s/p, Nota del
autor a la edición cubana).

132
Bozhovich (1976) adverte, ainda, que as mudanças qualitativas nas
funções psíquicas elementares se ‘mediatizam’ por meio do pensamento,
tornando-se, assim, funções intelectualizadas e, portanto, voluntárias e,
desse modo, dirigidas pelo próprio sujeito. De acordo com a autora,
Vigotski demonstrou essa compreensão, de forma experimental e sob
diversas perspectivas. Um exemplo emblemático trazido por ela refere-se
ao surgimento de sistemas psíquicos novos, sua estrutura e sua função na
esfera dos processos psíquicos cognitivos que vão formar a memória da
criança. Segundo esse entendimento, inicialmente a memória da criança se
manifesta enquanto uma percepção direta do mundo, mas que, a partir
das interações que vai estabelecendo com esse mundo, torna-se cada vez
mais mediada e lógica, ou seja, de percepção direta, a memória passa à
“percepção categorial” e, desse modo, cada vez mais dirigida
voluntariamente pelo ser humano (BOZHOVICH, 1976, p. 3).
Apoiando-se inicialmente nesses e em outros pressupostos
vigostikyanos, Bozhovich (1976; 1978, 1956), desenvolve importantes
investigações sobre a formação e o desenvolvimento da personalidade da
criança; sobre o estabelecimento de leis que regem esse complexo
processo; sobre as forças que o impulsionam e, ainda, sobre as condições
que o determinam. A autora buscou, desse modo, compreender o caráter
concreto da ontogênese nas diferentes etapas da formação da
personalidade na criança. Suas investigações iniciaram-se pelo estudo das
relações existentes entre as condições de vida e de educação da criança e
as particularidades de sua personalidade. Foi no curso dessas investigações
que a autora reafirmou sua compreensão de que as condições de vida da
criança não seriam capazes, por si mesmas, de determinar a formação da
sua personalidade. Identificou, ainda, que frente a condições externas
semelhantes, podem formar-se distintos traços e qualidades psíquicas que
dependem fundamentalmente das interrelações que cada criança
estabelece de modo único e particular com a realidade circundante.
Dito de outro modo, cada etapa do desenvolvimento da criança se
caracteriza por uma combinação própria das condições externas e internas
do seu desenvolvimento. Esse desenvolvimento, por sua vez, cria a
posição interna da criança, entendida como condição específica de cada
criança em cada idade do seu desenvolvimento.

133
De acordo com Bozhovich (1976), para compreender como se
forma, na criança, uma nova qualidade psíquica é necessário diferenciar a
posição objetiva que a criança ocupa na vida e em sua própria posição
interna.

Tudo isso sugere que, para entender como a criança se forma em


uma ou outra nova qualidade, é necessário diferenciar a posição
objetiva que a criança ocupa na vida e sua própria "posição
interna", ou seja, que ao longo da história de seu próprio
desenvolvimento que lhe proporcionou certa experiência e ao
longo da qual suas qualidades foram formadas, se relaciona com a
realidade que a rodeia e qual é sua atitude diante das exigências que
a vida lhe impõe (BOZHOVICH, 1976, s/p, nota introdutória da
edição cubana, tradução nossa)44.

Se constitui ponto pacífico, na compreensão de L. I. Bozhovich, a


defesa de que, em cada etapa do desenvolvimento da criança, ocorrem
mudanças fundamentais na esfera de suas necessidades e motivos que vão,
inevitavelmente, produzir alterações em sua situação social de
desenvolvimento. Para a autora, são essas alterações que guardam em si o
potencial de promover o desenvolvimento psíquico da criança de forma
constante, impulsionando o surgimento de novas necessidades e, por
conseguinte, a busca por sua satisfação.
Trata-se, dessa forma, de um movimento dialético no qual a
situação social da criança produz nela necessidades diversas que terão de
ser satisfeitas. Porém, ao serem satisfeitas, novamente produzirão
transformações na situação social, o que leva ao surgimento de outras
esferas de necessidades que também buscarão por satisfação, iniciando,
assim, um novo ciclo.
Para compreender esse ciclo à luz do pensamento de Bozhovich
(1956; 1976; 1978) faz-se necessário considerar que, nas idades menores e

44 Todo esto plantea que para comprender cómo se forma en el niño una u otra
nueva cualidad, es necesario diferenciar la posición objetiva que el ninho ocupa em la
vida y su propia “posición interna”, es dicir, como el por toda la historia de su
proprio desarrollo que le ha proporcionado determinada experiencia y en el curso del
cual se han formado sus cualidades, se relaciona con la realidad que le rodea y cuál es
su actitud ante las exigencias que la vida le plantea (BOZHOVICH, 1976, s/p. nota
introductoria para la edición cubana).

134
na fase pré-escolar45, seguem sendo fundamentais as necessidades de
comunicação e, também, as cognitivas, embora ambas as necessidades
apresentem formas distintas de satisfação em cada uma dessas fases. Na
idade escolar46, por exemplo, cria-se uma situação social para a criança que
vai, por sua vez, determinar a satisfação de novas necessidades inerentes a
esse período da vida, por exemplo, a necessidade cognoscitiva de
assimilação dos fundamentos das ciências.
Nessa nova situação social do desenvolvimento da criança, criada
com a chegada à idade escolar, a necessidade de comunicação vai, então,
se tornando cada vez mais extensiva ao grupo de colegas. Todo esse
processo prepara a criança para a etapa seguinte, chamada pela autora de
idade escolar média47, na qual vai configurar-se uma nova situação social
de desenvolvimento do estudante, que, por sua vez, passa a exigir a
satisfação de outras necessidades (BOZHOVICH, 1956; 1976; 1978).
Na idade escolar média, por exemplo, a presença de um coletivo
já suficientemente organizado faz surgir na criança/adolescente a
necessidade de encontrar um novo lugar social, ou seja, a necessidade de
reconhecimento de seus companheiros e de responder às exigências
estabelecidas pelo grupo (BOZHOVICH, 1976).
Em suma, é possível dizer que, em cada etapa de vida da criança
surge nela uma determinada caracterização psíquica, que, por seu turno,
responde à situação social do desenvolvimento, assim como à sua posição
interna, como também às novas formações que nela se apresentam na
relação com o mundo que a rodeia. Sendo assim, em cada etapa de vida da
criança é possível observar como ela, enquanto sujeito que assimila a
experiência social acumulada, transforma-se em criadora dessa
experiência, (BOZHOVICH, 1976).

Para cada etapa há uma caracterização de acordo com a situação


social do desenvolvimento, sua posição interna, as novas

45 Na atual organização educacional brasileira, o equivalente ao que Bozhovich


identifica como sendo idades menores e pré-escolar compreende o ciclo completo da
educação infantil, ou seja, do nascimento a cinco anos.
46 No Brasil, a idade escolar referida pela autora equivale a primeira fase do ensino

fundamental (1º ao 5º ano).


47 Quanto a idade pré-escolar média a que a autora faz menção seria equivalente no

Brasil a segunda fase do ensino fundamental.

135
formações que se apresentam nele, o papel que o coletivo
desempenha nas diferentes etapas, etc. Analisa-se como a criança, a
partir de um sujeito que assimila a experiência social acumulada,
torna-se o criador desta experiência, o criador dos valores materiais
e espirituais que produzem o desenvolvimento de toda a psique
humana. (BOZHOVICH, 1976, s/p. nota introdutória da edição
cubana, tradução nossa)48.

Em todo o processo de desenvolvimento psíquico da criança, a


formação das qualidades da personalidade tem lugar através da assimilação
dos modelos psíquicos existentes em uma dada sociedade. Todavia, para
que as crianças não permaneçam em um mesmo nível de conhecimentos e
habilidades, torna-se imprescindível que surjam nelas a necessidade de
atuar conforme os modelos sociais estabelecidos; somente assim, as
formas de condutas sociais assimiladas pela criança podem influenciar em
todo o seu desenvolvimento psíquico. A partir dessa compreensão, foi
possível determinar o curso pelo qual as formas de conduta assimiladas
pela criança podem se transformar em qualidades da sua personalidade
(BOZHOVICH, 1976).
Concordamos com Robbins (2004, p. 4) de que o conceito de
personalidade proposto por L. I. Bozhovich, de certa forma, parece mais
“concreto” em relação a esse mesmo conceito proposto por Vigotski.

Seu conceito de personalidade era mais concreto do que o de


Vygotski, e ela sentia que a personalidade para Vygotski era algo
análogo a outros termos como “síntese superior”, ou
“desenvolvimento cultural”. Para Bozhovich, o estudo da
personalidade é uma compreensão interna de uma pessoa livre,
ainda que isto seja inseparável da cultura. Ela atribuiu um
importante papel à vontade humana e à capacidade de auto-
organização da personalidade, incluindo as características
relacionadas ao plano subjetivo de um indivíduo (ROBBINS, 2004,
p. 4, aspas do original).

48 Para cada etapa se da una caracterización del atendiendo ala situación social del
desarrollo, a su posición interna, a las nuevas formaciones que en la misma se
presentan, al papel que juega el colectivo en las diferentes etapas, etc. Se analiza cómo
el niño, de sujeto que asimila la experiencia social acumulada, se transforma en el
creador de esta experiencia, en el creador de los valores materiales y espirituales que
levan ya en sí el desarrollo de toda la psiquis humana (BOZHOVICH, 1976, s/p,
nota introductoria para la edición cubana).

136
Associando o conceito de personalidade à ideia de liberdade, L. I.
Bozhovich, considera que o ser humano se converte em personalidade
quando alcança um nível de desenvolvimento que o torna capaz de guiar
sua conduta e atividade e isso, de certa forma, colocá-lo-ia relativamente
independente das influências do meio. Para a autora, ao alcançar esse
patamar de desenvolvimento da personalidade, o ser humano passa, então,
a atuar conforme objetivos prévios e conscientemente formulados
(BOZHOVICH, 1976).
Entretanto, esse nível de desenvolvimento da personalidade
somente pode ser alcançado quando o ser humano atinge a idade adulta,
ou seja, quando, supostamente, o resultado de todo o curso do
desenvolvimento ontogenético se completaria. Todavia, durante todo seu
curso, esse desenvolvimento apresenta uma conformação que o torna
peculiar para cada um, em cada época da vida. Essa peculiaridade vai
demandar, portanto, processos organizados de orientação e de educação,
o que traduz o entendimento dessa autora acerca do papel fundamental
que ocupa a educação no desenvolvimento da personalidade do indivíduo
desde a mais tenra idade.
A concepção de personalidade como uma estrutura integral implica
ainda tentar compreender o que constitui o centro dessa estrutura. Para a
autora, esse núcleo estrutural constitui a direção ou orientação da
personalidade, em cuja base se encontra o sistema hierárquico de motivos. É,
portanto, em torno dos motivos que, na sua perspectiva, se estruturam todas as
outras peculiaridades da personalidade (BOZHOVICH, 1976; 1978).
Em que pesem os limites para o desenvolvimento de investigações
sobre a formação da personalidade da criança, L. I. Bozhovich adverte
que o estudo desse objeto enquanto uma estrutura integral e complexa
pode ser o caminho para alcançar o objetivo educacional da sua formação,
o que pode ser alcançado por meio da prática educativa; isso, claro, se a
formação da personalidade for entendida nas suas complexas inter-
relações com a realidade (BOZHOVICH, 1976).

Para nós, a tarefa da investigação psicológica da personalidade da


criança consistiu no estudo das leis de sua formação, em descobrir,
na medida do possível, as condições que favorecem ou dificultam
esse processo. A personalidade, assim colocada, como objeto de
pesquisa psicológica, também exigia um certo princípio metódico.

137
Este princípio consistiu nos aspectos ou qualidades da
personalidade da criança no contexto da estrutura geral da
personalidade e dentro do papel que desempenham no processo de
inter-relação da criança com a realidade que a rodeia
(BOZHOVICH, 1976, s/p, prólogo, tradução nossa)49.

Importava para a autora compreender, sobretudo, o processo de


formação da personalidade da criança a partir de seus marcos
pedagógicos. Desse modo, defendeu a necessidade de elaboração de uma
concepção inicial da personalidade da criança e das leis de seu
funcionamento em distintas idades.

No nível atual do conhecimento científico toda a atividade criadora


humana está baseada no conhecimento das leis desses fenômenos e
processos que o homem tenta dominar e dirigir de acordo com as
tarefas colocadas. A pedagogia também deve ser desenvolvida
numa base científica. Para formar o homem sistematicamente e
com objetivos definidos é essencial conhecer as leis desta nação e
confiar nelas para o trabalho pedagógico. Assim como a agronomia
não pode ser separada da biologia, a pedagogia não pode ser
separada da psicologia. Falar das bases científicas da pedagogia
significa, acima de tudo, falar das leis da formação ativa da psique
infantil (BOZHOVICH, 1976, p 14, tradução nossa)50.

O reconhecimento da importância da psicologia para a pedagogia


não significa que a essa última tenha sido criada a partir dos fatos

49 Para nosotros, la tarea de la investigación psicológica de la personalidade del niño


consistía en el estudio de las leyes de su formación, em descubrir, en lo posible, las
condiciones. que favorecen o entorpecen este proceso. La personalidad, así
planteada, como objeto de investigación psicológica, exigía también un principio
metódico determinado. Este principio consistió en los aspectos o cualidades de la
personalidade del niño en el contexto de la estructμra general de la personalidade y
dentro de la función que cumplen en el proceso de interrelación del niño con la
realidad que lo rodea (BOZHOVICH, 1976, prólogo).
50 En el nivel actual del saber científico toda la actividad creadora humana se basa en

el conocimiento de las leyes de aquellos fenómenos y procesos que el hombre trata


de dominar y dirigir de acuerdo con las tareas que se plantee. La pedagogía también
debe ser elaborada sobre bases científicas. Para formar al hombre sistemáticamente y
con objetivos definidos es imprescindible conocer las leyes de esta fonnación y
apoyarse en ellas para el trabajo pedagógico. [...] Así como la agronomía no puede
separarse de la biología, la pedagogia no puede hacerlo de la psicología. Hablar de las
bases científicas de la pedagogía significa, ante todo, hablar de las leyes de la
formación activa de la psiquis infantil (BOZHOVICH, 1976, prólogo).

138
psicológicos científicos; efetivamente não foi. Pelo contrário, o
conhecimento das leis da vida psíquica das crianças é praticamente
suprido pelo que L. I. Bozhovich chamou de “intuição pedagógica”51;
essa, por sua vez, elaborada experimentalmente como resultado de um
longo trabalho desenvolvido diretamente com crianças (BOZHOVICH,
1976, p. 2, tradução nossa).
Historicamente, isso teve suas causas, uma vez que a prática da
educação precedeu o desenvolvimento da psicologia científica.

Inicialmente, a educação das crianças era realizada da forma mais


lógica e sensata. No entanto, gradualmente, com a experiência
acumulada, foram-se desenvolvendo certos métodos de educação e
ensino que foram comprovados na prática, tornaram-se modelos
para a sua aplicação, e foram preservados, e transmitidos de
geração em geração, consolidando-se finalmente num sistema
particular, empírico em essência. Naturalmente, em qualquer
método ou tradição pedagógica, em regra, há algo verdadeiro, já
que nasce de uma prática concreta baseada na observação
pedagógica, e no seu momento, de uma forma ou de outra,
resolveu os problemas da educação. Quando não são
compreendidos ou generalizados em termos de fatos psicológicos,
podem se tornar dogmas, fetiches, tornando-se "receitas" que
perdem seu fundamento. [...] Por melhor que seja a experiência
pedagógica, por mais bem-sucedida que seja, por mais método
baseado nela, ela só pode ser um sucesso da ciência e da
prática pedagógica quando são estudadas e generalizadas
levando em consideração as leis da atividade psíquica da
criança. Uma pedagogia não baseada em fatos psicológicos
científicos será sempre confrontada com um dilema, ou se tornará
uma coleção de regras empíricas, ou tratará da elaboração de
teorias gerais, sem conteúdo concreto. Tratamos esta questão em
detalhe porque, embora a ideia da experiência pedagógica como
algo capaz de mudar o conhecimento científico psicológico sobre a
criança por si só, no espírito de muitos professores práticos, e
mesmo de alguns pedagogos teóricos, há muito desapareceu da
ciência pedagógica, ela ainda permanece latente, constituindo
"aquele núcleo de dúvida" que os impede de focalizar corretamente
a pedagogia científica e seus fatos. A compreensão das leis da
vida psíquica da criança é também indispensável para a
elaboração de uma teoria geral da pedagogia, de um método
de educação e para o trabalho do professor, que realiza na

51 [...] intuición pedagógica (BOZHOVICH, 1976, p. 2).

139
prática a formação do homem (BOZHOVICH, 1976, p. 2,
tradução e negrito nossos). 52

L. I. Bozhovich deixa nítido seu entendimento sobre o estreito


vínculo entre psicologia e pedagogia. Para ela, o desenvolvimento das
investigações da teoria psicológica precisa ser constantemente verificado
pela prática educativa, por exemplo, na organização de processos
educativos que considerem as leis psicológicas, ao mesmo tempo em que
tais leis também sejam submetidas à comprovação empírica da prática
educativa. Para ela tal submissão, poderia, inclusive, ser geradora de novos
problemas científicos para a própria ciência psicológica.
A partir do aprofundamento dos estudos sobre a psicologia e sua
relação com a educação, L. I. Bozhovich amplia sua interpretação acerca
da necessidade de se organizar um processo único de educação orientado
para um mesmo objetivo desde o momento do nascimento da criança até

52 Inicialmente la educación de los niños se llevaba a efecto de la manera que


pareciera más lógica y sensata. No obstante, paulatinamente, a medida que se
acumulaba la experiencia, se elaboraram certos métodos de educação e enseñanza os
quais ao serem comprovados na prática, devinieron em modelos para su aplicación, y
se conservaron, y trasmitieron de generación en generación, consolidándose
finalmente en un determinado sistema, empírico por su esencia. Por suposto, em
qualquer método ou tradição pedagógica, como regra, hay algo de verdadero, ya que
nascem de uma práctica concreta sobre la base de la observación pedagógica, y em su
momento, de uma forma u otra, resolvieron los problemas de la educación. Cuando
no son comprendidos ni generalizados en términos de los hechos psicológicos,
pueden convertirse en dogma, en fetiche, llegar a ser "recetas' que pierden su
fundamento. [...] Por muy buena que sea la cxperiencia pedagógica, por muy acertado
que sea o método basado en la misma sólo podrá resultar un éxito de la ciência y de
la prática pedagógica cuando sean estudiadas e generalizadas tomando em
consideraçión las leyes de la atividade psíquica del niño. A pedagogia no basada em
fatos psicológicos científicos, siempre se hallará ante um dilema, o convertir-se en
una colección de reglas empíricas, u ocupar-se de la elaboración de teorias gerais,
carentes de contenido concreto. [...] Hemos tratado esta cuestión detalhadamente
detalladamente porque, aunque ya hace tiempo que desapareció de la ciencia
pedagógica la idea de la experiencia pedagógica como algo capaz de cambiar pór sí
misma el conocimiento psicológico científico sobre el niño, en el espíritu de muchos
maestros prácticos, e incluso de algunos pedagogos teóricos, aún permanece latente,
constituyendo "ese núcleo de duda", que les impide enfocar correctamente la
pedagogía científica y sus hechos. [...] La comprensión de las leyes de la vida psíquica
del niño es imprescindible también para la elaboración de una teoría general de la
pedagogía, de una metódica de educación, y para el trabajo del maestro, que realiza en
la práctica la formación del hombre (BOZHOVICH, 1976, p. 2).

140
o que ela chamou de “maturidade social” (BOZHOVICH, 1976, p. 3).
Para tanto, em sua compreensão, seria indispensável a produção de um
processo educativo que permitisse alcançar a formação integral da
personalidade de cada criança.

Para isso é necessário construir um processo educativo que inclua


o acaso e a espontaneidade e permita alcançar a plena formação da
personalidade de cada criança. Para tal fim, a formação da
personalidade deve ser realizada, por um lado, em correspondência
com um modelo moral, com o ideal que encarna as exigências da
sociedade para com o homem e, por outro, para prosseguir o
objetivo do livre desenvolvimento das particularidades individuais
da criança. (BOZHOVICH, 1976, p. 3, tradução nossa) 53.

Para a autora:

A educação cientificamente organizada desde a mais tenra idade


evita o aparecimento durante o desenvolvimento da criança de
traços negativos, que muitas vezes surgem nas condições da
educação espontânea e que exigem um trabalho sério para superá-
los. É por isso que, em nossa opinião, a tarefa fundamental das
ciências pedagógicas consiste na criação de um sistema único de
educação infantil, e não na solução de problemas isolados, embora
também importantes relacionados com a eliminação das fissuras
causadas pelo ainda insuficiente nível de trabalho educativo com
crianças (BOZHOVICH, 1976, p. 3, tradução nossa)54.

A elaboração de um programa de educação que abarcasse o


desenvolvimento da criança desde o seu nascimento até a sua vida adulta,
53 Para esto es necessário construir um proceso educativo tal, que incluya casualidad y
espontaneidad y permita alcanzar la plena formación de la personalidad de cada niño.
Para ello la formación de la personalidad debe realizarse por una parte, en
correspondencia con un modelo moral, con el ideal que encarnen las exigencias de la
sociedad hacia el hombre, y por la outra, perseguir el objetivo del libre desarrollo de
las particularidades individuales del niño (BOZHOVICH, 1976, p. 3).
54 La educación científicamente organizada desde la más temprana edad evita la aparición

durante el desarrollo infantil de los rasgos negativos, que con frecuencia surgen en las
condiciones de una educación espontánea y que exigen para su superación un trabajo sério.
He aquí por qué, en nuestra opinión, la tarea fundamental de las ciências pedagógicas
consiste en la dabraión de un sistma único de educación infantil, y no en la solución de
problemas aislados, aunque también importantes relacionados con la eliminación de las
grietas provocadas por el nivel centífico aún insuficiente del trabajo educativo con los niños
(BOZHOVICH, 1976, p. 3).

141
processo denominado pela autora de “maturidade social”, que fosse capaz
de alcançar a plena formação da sua personalidade, consiste em uma tarefa
bastante complexa, mesmo em uma sociedade socialista como a que
caracterizava a, então, União Soviética. Um projeto dessa magnitude
pressupunha, segundo ela, um alto nível de desenvolvimento da própria
ciência pedagógica, como também das investigações psicológicas, estas,
por sua vez, apoiadas tanto na teoria quanto na prática educativa.
Para a autora, existiram dificuldades e limites importantes na
consecução desse objetivo tanto a União Soviética, quanto em outros
países socialistas que empreenderam esforços nesse sentido. Essas
tentativas padeceram “em grande medida, da falta de solução dos
problemas de educação que exigem os esforços conjuntos do
pensamento pedagógico e psicológico” (BOZHOVICH, 1976, p. 15,
tradução nossa) 55.
Não resta dúvida acerca da compreensão dessa psicóloga soviética
da implicação mútua entre pedagogia e psicologia. Entretanto, enfatiza
que a pedagogia sempre atua conforme os objetivos demarcados pela
sociedade em determinada etapa histórica do seu desenvolvimento. Isso
pressupõe considerar que os objetivos educacionais de uma dada
sociedade, em certo tempo e espaço coincidem com as aspirações dessa
mesma sociedade, a partir das exigências históricas que a ela são
direcionadas.
Mesmo considerando a relevância de tal aspecto e sua implicação
na realidade educativa de cada lugar, ainda há, segundo a autora, a
necessidade de se pensar sobre as qualidades psíquicas que devem ser
educadas nas crianças e jovens em todas as etapas educativas, respeitando,
claro, as particularidades psicológicas de cada idade.

A ausência de uma concretização cientificamente fundamentada


dos objetivos gerais da educação para determinadas idades, que só
é possível se nos basearmos nas particularidades psicológicas da
idade da criança, deve ser assinalada em primeiro lugar.
Naturalmente, é possível enumerar em detalhe as qualidades de
personalidade que devem ser educadas nas crianças, digamos, nos

55[...]
en considerable medida, de la falta de solución de aquellos problemas de
educación que exigen los esfuerzos conjuntos del pensamiento pedagógico y
psicológico (BOZHOVICH, 1976, p.15).

142
graus primário, médio e superior da escola (BOZHOVICH, 1976,
p. 7, tradução nossa)56.

Vale assinalar que, nessa perspectiva, nenhuma qualidade da


personalidade pode existir fora do contexto da personalidade integral da
criança, ou seja, fora do sistema de motivos da sua conduta, das suas
relações com a realidade, das suas vivências e convicções.

Cada qualidade mudará seu conteúdo e estrutura dependendo da


estrutura da personalidade em que é dada, dependendo das
qualidades e particularidades às quais está ligada, bem como do
sistema de conexões em que atua em um determinado momento
do comportamento do homem (BOZHOVICH, 1976, p. 7,
tradução nossa)57.

Caso as qualidades psíquicas sejam tomadas isoladamente e de forma


abstrata, elas pouco contribuirão com o objetivo imediato da educação uma vez
que tais qualidades somente se revelam no contexto da personalidade integral
do homem. Ou seja, é justamente no contexto no qual se forma a
personalidade integral que estão contidos os objetivos e tarefas dessa formação.
Desse modo, “[a] estrutura e o caráter de qualquer qualidade psicológica
dependem da orientação da personalidade do homem, da correlação com as
suas outras qualidades e da função que essa qualidade cumpre no sistema geral
da sua conduta” (BOZHOVICH, 1976, p. 9) 58.

56Ante todo debe señalarse la ausencia de una concreción científicamente fundada de los
objetivos generales de la educación para determinadas edades, lo que es posible sólo si nos
apoyamos en las particularidades psicológicas de la edad del niño. Por supuesto se pueden
enumerar detalladamente las qualidades de la personalidad que imprescindiblemente deben
ser educadas en los niños, digamos de los grados primarios, medios y superiores de la
escuela”(BOZHOVICH, 1976, p 7).
57 Cada qualidad cambiará su contenido y estructura en dependencia de la estructura

de la personalidad en que esté dada, en dependencia de las cualidades y


particularidades a las que está vinculada, así como también del sistema de conexiones
en el que actúa en un momento concreto dado de la conducta del hombre
(BOZHOVICH, 1976, p. 7).
58 La estructura y el carácter de cualquier cualidad psicológica dependen de la

orientación de la personalidad del hombre, de la correlación con sus otras cualidades


y de la función que dicha cualidad cumple en el sistema general de su conducta
(BOZHOVICH, 1976, p. 9).

143
Essa compreensão se complexifica quando se leva em
consideração a questão da definição dos objetivos concretos da educação
por idades.

Aqui cada traço adquire um conteúdo diferente, não apenas na


dependência da estrutura geral da personalidade do homem e
da sua orientação ideológica, mas também na caracterização
psicológica da idade da criança. Deste modo, a definição dos
objetivos da educação em relação às crianças de diferentes
idades torna-se um problema psicopedagógico extremamente
complexo, cuja solução pressupõe não só o conhecimento das
exigências que a sociedade coloca às crianças e aos adultos,
mas também o conhecimento das particularidades da criança,
bem como das leis do seu desenvolvimento. [...] Por exemplo,
se a sociedade coloca à pedagogia a tarefa de educar na
geração jovem o ódio da exploração do homem pelo homem,
a solidariedade incerta, uma atitude intransigente diante de
qualquer forma de opressão ou discriminação, pode-se
perguntar que características da atividade e do
comportamento, que sentimentos e experiências, que sistema
de atitudes para com a realidade e que noções e conceitos
devemos educar nas crianças pré-escolares, nas crianças mais
jovens, nos adolescentes e jovens, para que se possa dizer com
segurança que a educação da geração jovem é,
consequentemente, realizada de acordo com a tarefa colocada
(BOZHOVICH, 1976, p. 9, tradução nossa) 59.
Consideradas as aspirações sociais mais gerais da formação da
personalidade em uma dada geração, se faz igualmente necessária

59 Aquí cada rasgo adquiere un contenido distinto, no sólo en dependencia de la


estructura general de la personalidad del hombre y de su orientación ideológica, sino
también de la caracterización psicológica de la edad del niño. [...] De esa forma, la
definición de los objetivos de la educacíón en rclación con los niños de edades
diferentes, se convierte en um problema psico-pedagógico sumamente complejo,
cuya solución presupone no sólo el conocimiento de las exigencias planteadas por la
sociedad a niños y adultos, sino el conocimiento de las particulridades del niño, así
como de las leyes de su desarrollo. [...] Por ejemplo, si la sociedad plantea a la
pedagogía la tarea de educar en la joven generación el odio a la explotación del
hombre por el hombre, la solidaridad incernacional, una actitud intransigente ante
cualquier forma de opresión discriminación, cabe preguntarse caules rasgos de la
actividad y la conducta, qué sentimientos y vivencias, qué sistema de actitudes ante la
realidad y cuáles nociones y conceptos debemos educar en los niños de idad
prescolar, en los escolares más pequeños, en los adolescentes y jóvenes, para que
pueda decirse com seguridad que la educación de lá joven gencración se realizse
consecuentemente de acuerdo a la tarea planteada (BOZHOVICH, 1976, p. 9).

144
determinar as particularidades que precisam ser construídas pelo
educando em cada período do seu desenvolvimento para que, a partir daí,
se possa criar um modelo concreto de conduta e de atividade levando em
consideração as diferentes idades (BOZHOVICH, 1976; 1978; 1987). Em
outras palavras, há de se definir o complexo de particularidades da
personalidade que poderão ser desenvolvidas ao longo da escolarização,
para que a pedagogia possa, desse modo, delinear e viabilizar sua
formação.
Entretanto, teoricamente, esse problema não havia sido
formulado pela pedagogia até então. A tarefa de criar um programa de
trabalho educativo orientado pelas idades colocou a pedagogia frente à
necessidade de delimitar e formular objetivos educacionais concretos para
cada ano de estudo. Ao contrário disso, o que L. I. Bozhovich identificou
foram programas educativos cuja organização estava estabelecida sobre
bases empíricas, portanto, não necessariamente científicas, pois nesses
programas não estavam indicadas as linhas principais pelas quais se daria o
desenvolvimento da personalidade da criança em cada idade.
Na ausência de uma orientação científica para esse problema, a
solução se reduziria à enumeração de conhecimentos concretos, hábitos e
habilidades esperadas para a criança em determinada idade. Nas palavras
da própria autora, o resultado de tudo isso é a criança dividida em partes
e, dessa forma, também educada por partes.

[...] a solução da questão foi reduzida no essencial, à enumeração


de uma determinada quantidade do conhecimento concreto, hábito
e habilidades, que a criança deve possuir de cal ou que idade; mas
quase não está indicada em todas as linhas principais do
desenvolvimento da personalidade: o desenvolvimento das
motivações do sistema de atitudes diante da realidade, dos
interesses, aspirações e sentimentos; e, precisamente isto é o que
determina moralmente toda a caracterização psicológica da criança
e sua conduta. Como resultado disso, encontramos uma criança
"dividida em partes" e educada "em partes" (BOZHOVICH, 1976,
p. 10, tradução nossa)60.

60 “[...] la solución de la cuestión se redujo en lo esencial, a la enumeración de una


cantidad determinada de los conocimientos concretos, hábito y habilidades, que debe
poseer el niño de cal o cual edad; pero casi no se indica en absoluto las líneas
principales del desarrollo de la personalidade: el desarrollo de las motivaciones del

145
Depreende-se, a partir daí, que uma das ideias fundamentais
defendidas no âmbito da psicologia histórico-cultural da personalidade
bozhovichiana seja a de que o principal problema da pedagogia passa,
inevitavelmente, pela organização de um processo educativo bem
orientado em todos os seus aspectos, ou seja, que se tenha uma
elaboração clara dos objetivos concretos da educação para cada período
do desenvolvimento da criança.

Precisamente, o sistema de tais exigências, que por um lado


derivam dos objetivos gerais da educação e, por outro, são
mediadas pelas particularidades da idade, da personalidade da
criança, deve tornar-se o objetivo pedagógico que determina o
conteúdo e os métodos da educação das crianças em cada etapa do
seu desenvolvimento (BOZHOVICH, 1976, p. 12, tradução
nossa)61.

Corroboramos com essa perspectiva em que os objetivos da


educação devem ser o resultado da materialização das exigências feitas ao
homem pela sociedade, em exigências concretas direcionadas à criança, na
forma de seus interesses, aspirações e atuações. Na perspectiva defendida
tudo isso constitui o aspecto principal da caracterização psicológica
segundo a idade.

Considerações finais

A extensa produção científica de L. I. Bozhovich, na qual se situa


a intrínseca relação entre psicologia e pedagogia na determinação dos
objetos da educação, influenciou, juntamente com outros pesquisadores
soviéticos, muito mais a formulação e divulgação de uma psicologia

sistema de actitudes ante la realidad, de los intereses, aspiraciones y sentimientos; y,


precisamente, esto es lo que determirna moralmente toda la caracterización
psicológica del niño y su conducta. Como resultado de esto, nos encontramos a un
niño "dividido en partes" y educado "por partes"” (BOZHOVICH, 1976, p. 10).
61 Precisamente, el sistema de tales exigencias, que por un lado se derivan de los

objetivos generales de la educación y por d otro se mediatizan por las particularidades


de la edad, de la personalidad del niño, debe convertirse en el objetivo pedagógico
que lccerminc el contenido y los métodos de la educación de los niños en cada etapa
de su desarrollo (BOZHOVICH, 1976, p. 12).

146
histórico-cultural da personalidade do que propriamente uma didática
desenvolvimental da personalidade. Há de se destacar, no entanto, que os
esforços teóricos observados para a formulação de tal perspectiva didática
têm colocado a ideia do caráter ativo e gerador da psique humana, bem
como da unidade do cognitivo e do afetivo no centro das discussões
(PUENTES; LONGAREZI, 2017a).
Pensar sobre tudo isso do ponto de vista didático nos parece uma
tarefa de fundamental importância, cujos esforços investigativos ficam
como convite para que a Didática Desenvolvimental se debruce, tomado
o desenvolvimento da personalidade como finalidade dos processos
educativos, no qual o pensamento teórico (já devidamente defendido e
tratado no âmbito da psicologia histórico-cultural da atividade) compõe
apenas uma parcela das intenções de processos educativos que se
pretendam desenvolvedores do humano em sua integralidade.

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151
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153
Capítulo 5

A psicologia histórico-cultural soviética (1917-1991):


Problemas de paternidade associados as obras e autores
importantes62

Roberto Valdés Puentes

Introdução

Onze anos atrás a psicóloga brasileira Zoia Ribeiro Prestes (2010)


defendeu, no Programa de Pós-Graduação em Educação da Faculdade de
Educação da Universidade de Brasília, uma tese para a obtenção do título
de Doutora com o sugestivo título de “Quando não é quase a mesma coisa”,
em que analisa as traduções de Lev Semionovitch Vigotski no Brasil e suas
repercussões no campo educacional.
Esse trabalho teve, e ainda continua a ter, por diversas razões, um
grande impacto entre os que consideram a educação seu campo de
atuação e de pesquisa, sobretudo, desde uma perspectiva histórico-
cultural. A razão mais poderosa tem a ver com o fato de que Prestes
evidencia sua proposição e também alerta sobre os graves problemas de
tradução pelos quais tem atravessado a obra dos autores russos que no
país começaram a ser lidos a partir da década de 1980 e, em especial, a
produção de L. S. Vigotski.
Prestes conclui que o trabalho de tradução envolve questões de
caráter técnico e ético, identificando, no caso específico da obra de
Vigotski, problemas de ambos os tipos. Afirma também a autora que

62 Uma versão inicial desse texto foi publicada na revista Educativa, Goiânia, v. 19, n.
2, p. 449-473, maio/agos., 2016. O autor agradece a colaboração técnica oferecida
por Joanna Jakuszko (no idioma russo) e Vivian Garcez (no inglês), as informações
oferecidas pelo psicólogo e professor universitário cubano Guillermo Arias Beatón,
as sugestões realizadas pelos colegas Andréa Maturano Longarezi, Maria Aparecida
de Melo, Suely Amaral Mello, Lucielle Farias Arantes, Ruben Nascimento, Orlando
Fernández Aquino, Rossana Abbiati Spacek, bem como o apoio financeiro das
agências de fomento CNPq e FAPEMIG.

154
algumas adulterações foram o resultado de meros descuidos dos
tradutores (problemas técnicos), mas outras decisões foram de caráter
intencional (desvios éticos) escondendo sob um véu ideológico quase
imperceptível os interesses dos profissionais envolvidos nesse processo.
Por fim, assevera que o verdadeiro papel do tradutor é dizer a mesma ou
quase a mesma coisa que o autor disse.
Riscos similares a esses que Prestes menciona em relação à obra
de Vigotski, correm outros psicólogos russos e suas obras desde o início
de suas traduções e publicações, tanto dentro quanto fora da ex-União
Soviética. Isto é, além do problema de adulterações de conceitos e
distorções de ideias provocadas por problemas técnicos e éticos
envolvendo o trabalho de tradução que têm transformado o que é ou o
que poderia ser em algo bastante diferente, temos também no interior da
psicologia do período soviético erros cometidos que geraram, pelo menos
entre os acadêmicos e pesquisadores latino-americanos, atribuições
inadequadas de paternidade, bem como decisões autorais que provocaram
mistérios e confusões envolvendo títulos importantes.
Em tal sentido, o presente trabalho se situa no contextos das
pesquisas e publicações realizadas no interior do Grupo de Estudos e
Pesquisas em Didática Desenvolvimental e Profissionalização Docente –
GEPEDI, que favorecem o acesso de pesquisadores contemporâneos ao
pensamento e obra da matriz histórico-cultural (FEROLA, 2019;
LONGAREZI, 2017; LONGAREZI; FRANCO, 2013; NASCIMENTO,
2014; LONGAREZI; ARAÚJO; PIOTTO; MARCO, 2018;
LONGAREZI; PUENTES; ARAUJO, 2020; LOPES, 2020; CARDOSO,
2020; AMORIM, 2020; SOUZA, 2019; LOPES, 2020; PUENTES, 2017;
CARCANHOLO, 2020) e tem dois objetivos fundamentais. O primeiro é
tornar público um mistério ou uma enorme confusão gerada em torno de
dois títulos e dois psicólogos russos. O segundo é descrever as etapas
pelas quais passou o processo de identificação e esclarecimento da
confusão, bem como explicar as possíveis razões que podem ter gerado
essa questão.
Olhando dessa maneira, a história que aqui é relatada pode
parecer estrondosa e lamentável. Em efeito o é, contudo não configura
plágio, mentira ou alteração intencional de autoria. Trata-se sim, de uma
confusão envolvendo autorias que se gerou muito provavelmente pela

155
falta ou pelo pouco cuidado que se teve durante o processo de edição da
obra em questão.
Do ponto de vista metodológico, com o objetivo de auxiliar no
trabalho de identificação e esclarecimento dos fatos, procurou-se localizar
o maior número possível de fontes documentais em russo e espanhol,
cotejar essas provas em seus aspectos cronológico e autoral e, por fim,
relatar todo o processo tentando ser objetivos, responsáveis e respeitosos
com os autores, tradutores e editoras envolvidos, bem como com os
leitores interessados na temática.
Entretanto, adverte-se que o presente texto, ainda assim, é muito
mais circunstancial do que erudito. Ele simplesmente nasceu da
necessidade de esclarecer fatos que foram surgindo durante o processo de
elaboração de uma obra de divulgação científica. Admito também que não
sou caçador de mistérios, nem especialistas na temática, muito menos
conhecedor da maioria dos autores evocados aqui. Além disso, muito
provavelmente não tive acesso a todas as fontes relacionadas com os fatos
descritos e, muito provavelmente jamais vou ter, porque uma parte dessa
história se perdeu no tempo ou porque partiu junto com as pessoas
envolvidas que já não estão mais entre nós.
Por esse motivo, longe de alimentar o desejo de gerar polêmicas
ou divulgar histórias que em lugar de esclarecer fatos ajudam a produzir
especulações e mal-entendidos, o propósito desse trabalho tem sido o de
preservar a integridade científica de autores e obras, honrar a verdade,
corrigir um erro, sermos justos com aqueles que foram lesados e
restaurarmos a legitimidade de assinaturas.

A identificação de problemas de paternidade associados à


psicologia russa

Problemas de paternidade associados a obras importantes já


foram identificados inúmeras vezes nos mais diversos cantos do planeta e
nas mais distintas áreas da produção humana, desde a literatura, medicina,
ciências farmacêuticas, física, filosofia, até as artes.63 Muitos outros devem

63No Brasil, a tradutora Denise Bottmann, responsável pelo blog "Não gosto de
plágio", comprovou em uma pesquisa importante que existia um número significativo

156
estar aí aguardando o momento de serem tornados públicos em uma
época em que erros e denúncias de má conduta científica são tão
frequentes.
No período da União Soviética (1917-1991), especificamente, o
caso mais polêmico de usurpação de direitos autorais que se conhece no
ocidente provavelmente seja aquele que relaciona a Mikhail Mikhailovich
Bakhtin (1895-1975) com a obra de Pavel Nikolaevich Medvedev (1892-
1938) e de Valentin Nikolaevich Volóshinov (1895-1936). Essa questão
vem se arrastando desde a década de 1960 e voltou à tona muito
recentemente com a publicação, do livro Bakhtin desmascarado: história de um
mentiroso, de uma fraude, de um delírio coletivo (Parábola, 2012), dos genebrinos
Jean-Paul Bronckart e Cristian Bota e, de uma crítica a esse livro redigida
pelo autor russo Serge Zenkine (2014). Na obra Bakhtin desmascarado se
acusa o teórico de mentiroso por ter declarado cinquenta anos atrás que
era o autor efetivo da obra mais importante de Medvedev e da quase
totalidade dos escritos de Volóshinov. Na resenha de Zenkine, pelo
contrário, defende-se a unidade da obra de Bakhtin e alerta-se para o fato
do perigo que se corre quando a complexidade de um pensamento teórico
se reduz a plágios, mentiras, fraudes e delírios coletivos como é feito no
livro citado. Enfim, o caso Bakhtin continua ainda sem ser resolvido e
exige que seja tratado com muita cautela.
Em relação à Psicologia Histórico-Cultural não se tinha notícia de
problema algum associado a erros, mistérios ou confusões de autoria,
muito menos a concessões inadequadas de paternidade, até o momento
em que o Grupo de Estudos e Pesquisas em Didática Desenvolvimental e
Profissionalização Docente – GEPEDI, vinculado ao Programa de Pós-
Graduação em Educação da Universidade Federal de Uberlândia, decidiu
trabalhar na elaboração de uma obra de divulgação científica: 1) Ensino
desenvolvimental: vida, pensamento e obra dos principais representantes russos
(Volume II).
La elaboração do livro Ensino Desenvolvimental: vida, pensamento e obra
dos principais representantes russos (Volume II), quatro autores trabalhavam
em duas pesquisas diferentes relacionadas com os psicólogos Leonid

de traduções publicadas com autoria apócrifa e falsificações grosseiras de textos


traduzidos por intelectuais consagrados nacionalmente (L&PM Editores, 2009).

157
Abramovich Venguer (1925-1992) e Valéria Serguéyevna Mukhina (1935)
quando, em uma conversa informal, no Brasil, com os psicólogos
cubanos, Gloria Fariñas León e Guillermo Arias Beatón,64 este último,
amigo tanto de Venguer quanto de Mukhina, me confirmou algo que
antes tinha relatado para a professora doutora Suely Amaral Mello, da
UNESP/Marília: o livro mais divulgado em espanhol e português de
Mukhina, intitulado Psicologia pré-escolar (Pablo del Río Editor, 1978; Visor,
1983; Martins Fontes, 1996), e o livro mais conhecido em espanhol de
Venguer, com o título Temas de psicologia pré-escolar (Temas de psicologia
pré-escolar, Científico-Técnica, 1976; Pueblo y Educación, 1978) eram um
mesmo e único livro.
As circunstâncias me obrigavam a abandonar a pesquisa ou a
esclarecer os fatos até onde fosse possível. Como o leitor pode perceber,
escolhi o segundo. Afinal de contas, o esclarecimento do assunto era
importante porque envolvia uma das obras de psicologia pré-escolar mais
citada em Cuba e no Brasil, e em algum desses dois países poderia estar
sendo referenciado o autor errado.
O primeiro passo consistiu em localizar e cotejar as diferentes
versões da obra publicadas em espanhol e em português para confirmar
os fatos. O resultado permitiu comprovar, em primeiro lugar, que entre as
versões publicadas na Espanha e no Brasil com a assinatura de Mukhina
não existiam diferenças; em segundo, que, se entre os livros publicados na
Espanha e no Brasil, assinados por Mukhina, e o livro publicado em
Cuba, assinado por Venguer, não eram totalmente idênticos, pelo menos
noventa por cento do conteúdo de ambos era exatamente o mesmo.
O segundo passo resultou na validação das duas hipóteses que a
partir desses dados iniciais se elaboraram: a) o livro que dera lugar a essas
versões tinha sido escrito e publicado, inicialmente, em russo por
Mukhina, e por Venguer conjuntamente ou; b) tratava-se de um erro
técnico cometido por alguma das editoras envolvidas no processo de
tradução e edição.

64Depois desse encontro inicial, em 2014, sustive com o professor Beatón, em 2015,
una troca intensa de correios eletrônicos que me ajudaram a esclarecer muitas das
questões tratadas neste texto.

158
Algo muito mais grave, como um caso típico de plágio ou
usurpação de direitos autorais cometidos por um dos autores, jamais foi
cogitado aqui. Esse caso de paternidade não deve ser confundido com os
comuns processos irregulares de má conduta ética cometidos por qualquer
que for, seja no esforço por se apropriar de maneira criminal da produção
intelectual do outro, seja no intento por domesticar, reprimir, amordaçar e
submeter um pensamento científico aos interesses ideológicos de
poderosos grupos políticos, ou governos inteiros a que se fez referência
inicialmente.

Relato do processo de identificação de caso com problema de


paternidade

Esse caso de paternidade se deu a partir da publicação em Cuba,


Espanha e Brasil de três títulos diferentes, atribuídos a autores também
diferentes, cujo conteúdo era praticamente o mesmo. As editoras
envolvidas são Editorial Científico-Técnica, Editorial Pueblo y Educación,
Pablo del Río Editor, Visor e Martins Fontes; os títulos Temas de psicología
preescolar, Psicología de la edad pré-escolar, Un manual completo para comprender y
enseñar al niño desde que nace hasta los siete años e Psicologia da idade pré-escolar
(Psicologia da idade pré-escolar. Um manual completo para compreender
e ensinar a crianças desde o nascimento até os sete anos) e, os autores, L.
A. Venguer e V. S. Mukhina.
Como explicar a publicação de um mesmo conteúdo com títulos
diferentes e paternidade atribuída, indistintamente, a dois autores também
diferentes? Só pelas hipóteses do erro técnico ou da ideia de tratar-se do
mesmo livro publicado na ex-União Soviética por ambos os autores, e
depois no exterior por cada um deles em separado, é que se poderia
responder a essa questão. Com outras palavras: ou alguma das editoras
atribuíra paternidade de maneira errada ou ambos os autores escreveram
juntos a mesma obra, para decidir depois sua publicação separadamente.
Qual seria a resposta correta?
Saber a verdade seria importante no contexto da elaboração do
livro pelo GEPEDI, ainda mais considerando que cada um desses títulos
tinha tornado seu suposto autor um psicólogo importante, conhecido e
amplamente citado tanto na Espanha como na América Latina. Nenhuma

159
outra obra tinha tornado Venguer tão relevante fora da União Soviética
como Temas de psicología preescolar, nem Mukhina com Psicología de la edad
preescolar ou Psicologia da idade pré-escolar. Ao mesmo tempo, um deles
poderia não ser merecedor desse reconhecimento.
L. A. Venguer (Kharkov, 1925 – Moscou, 1992) formou parte do
grupo numeroso de discípulos, seguidores e colaboradores vinculados a A.
V. Zaporozhets (1905-1981). Trabalhou no campo da psicologia infantil e
pré-escolar e, por suas contribuições importantes, passou a ser
considerado um dos teóricos mais reconhecidos no tema das capacidades
cognitivas das crianças, bem como um dos principais representantes da
terceira geração de seguidores da escola de Vigotski (cf. Puentes, 2015).65
Por sua vez, Valéria Serguéyevna Mukhina (22 de janeiro de 1935,
cidade de Ussuriisk), formou-se em Química pela Faculdade de Biologia e
Química do Instituto Estatal Pedagógico de Moscou em 1956. A partir de
1962, começou a lecionar no Departamento de Psicologia do próprio
Instituto, em 1965. Adquiriu o título de Candidata a Doutora em Ciências
Psicológicas e, em 1972, de Doutora em Ciências Psicológicas. De 1988 a
1992, desempenhou o cargo de Chefe do Departamento de Psicologia do
Desenvolvimento do Instituto de Psicologia da Faculdade de Educação e
Psicologia da Universidade Estatal Pedagógica de Moscou e de 1992 a
1998 foi diretora desse mesmo Instituto (cf. Mello e Campos, 2015).66

65Os resultados de seus estudos deram lugar à sua tese de doutorado intitulada O
desenvolvimento de habilidades cognitivas durante a primeira infância (1969).
Durante os anos que se seguiram, escreveu numerosas obras sobre desenvolvimento
intelectual das crianças, diagnóstico, habilidades etc. Alguns dos títulos mais
importantes dessa primeira etapa foram Percepção e ação (em coautoria com A. V.
Zaporozhets, V. P. Zinchenko e A. G. Rúzskaia) (1967), Percepção e aprendizagem
(1969), Jogos didáticos e exercícios de educação sensorial de crianças pré-escolares
(1973), A gênese das habilidades sensoriais (1976) e O desenvolvimento de
habilidades cognitivas na educação infantil (1986). Além disso, escreveu e publicou
em parceria com seu filho A. L Venguer, trabalhos tais como Escola da origem do
pensamento (uma série de quatro livros). M.: Conhecimento, 1982, 1983, 1984, 1985
(2ª ed., 1994, 3 ª Edição: M. Abetarda, 2010); O início da escola (Editorial
Conhecimento, 1994); Atividades inteligentes: brincar em casa com nossos filhos em
idade pré-escolar (tradução de Marta Shuare, Editora Visor, Madri, 1993) (Puentes;
Longarezi, 2015).
66Como Venguer, Mukhina especializou-se no campo da psicologia do
desenvolvimento mental das crianças. Recebeu importantes condecorações nacionais
pela obra desempenhada na coordenação de projetos de pesquisa executados na ex-

160
Com essas duas hipóteses acerca da autoria das obras
mencionadas anteriormente e com os dados sobre ambos os autores,
partiu-se para a pesquisa. Ao longo do trabalho, as informações que iam
aparecendo me faziam acreditar em uma ou em outra hipótese
indistintamente. A descoberta de três fatos importantes me levou a
descartar de imediato a hipótese de que o livro tinha sido publicado,
inicialmente, na ex-União Soviética pelos dois autores, e a imaginar que só
Mukhina poderia ser considerada a autora legítima de todos esses
trabalhos. Tratam-se de 1) o original de duas obras publicadas pela editora
russa Educação (Просвещение), com os títulos de Psicologia pré-escolar
(Психология дошкольника, 1975) e Psicologia infantil (Деtская
психология, 1985), assinadas única e exclusivamente por Mukhina, cujos
conteúdos eram similares (Quadro I),67 e o conteúdo dessas duas obras
com aquelas publicadas na Espanha, no Brasil e em Cuba também. Às
duas obras russas o nome de Venguer está associado, mas apenas na
condição de redator ou editor; 2) uma bibliografia completa elaborada
pela própria Mukhina com mais de 470 títulos registrados na qual se
mencionam, além dos russos mencionados, aqueles publicados pelas
editoras espanholas Pablo del Río Editor e Visor. Não há nenhum registro
relacionado à obra publicada no Brasil, com título escrito em parceria com
Venguer na forma de livro antes de 1976, nem menção alguma à obra
intitulada Temas de psicología preescolar; e, por fim, 3) uma bibliografia

União Soviética e em outros países, na fundação e edição de periódicos científicos, na


direção de departamentos acadêmicos, etc. Como resultado de sua obra publicou
mais de 400 trabalhos científicos na forma de artigos, livros e capítulos de livro e
orientou mais de 80 trabalhos (13 teses de doutorado e 71 dissertações de mestrado).
Entre suas principais publicações estão Gêmeos: Diário dos dois rapazes (Moscou,
1969, 2a ed. 1997); A atividade gráfica da criança como uma forma de assimilação da
experiência social (Monografia. M., 1981); O nascimento do indivíduo (Moscou,
1984, 1987 em Inglês, Bengali, Marathi e árabe); Psicologia Infantil (Moscou, 1975,
1985, 1992); Psicologia da infância e da adolescência: um livro didático (Moscou,
1997); Fenomenologia do desenvolvimento e da vida da pessoa (Moscou, Voronezh,
1999); O sacramento da infância (em 2 volumes e três edições, Moscou, 1998; SPb.,
2001; Ekaterinburg, 2005); Psicologia: a fenomenologia do desenvolvimento
(Moscou, 2007, 11ª ed.); Personalidade: Mitos e Realidade (Ekaterinburg, 2007); entre
outros (Mello e Campos, 2015).
67Na verdade, depois, ficou evidenciado que o livro Psicologia Infantil era uma versão

revisada, ampliada e melhorada de Psicologia pré-escolar.

161
bastante completa da obra de Venguer em que não se faz menção ao livro
publicado pelas editoras cubanas.

Quadro I – Ficha catalográfica dos livros Psicologia pré-escolar (Психология


дошкольника, 1975) e Psicologia infantil (Деtская психология, 1985).

Мухина, В. С. Мухина, В. С.

М92 Психология дошкольника. Учебное


Детская психология: Учеб. для студентов пособие.
пед. ин-тов/ Под ред. Л. А. Венгера.—2-е Удостоен серебряной медали ВДНХ.
изд., перераб и доп.— М.: Просвещение, Под ред. Л. А. Венгера.– М.:
1985.—272 с, ил. Просвещение. – 1975. – 239 с.68

Учебник соответствует программе курса


«Детская психология. Его основой явилось
учебное пособие «Психология
дошкольника», вышедшее в 1975 году, по
сравнению с которым учебник дополнен
новыми материалами (о генезе личности
ребенка, взаимоотношениях мальчиков
и девочек к др.).69

Fonte: O autor.

Na ausência de uma obra comum de Mukhina e Venguer anterior


a 1976, ano em que foi publicado, em Cuba, Temas de psicología preescolar
atribuído a Venguer, e de uma manifestação sequer de paternidade por
parte do Venguer, somado ao fato da existência de duas obras publicadas
por Mukhina, cujos conteúdos se aproximam quase que integralmente ao
conteúdo das obras publicadas na Espanha, Brasil e Cuba, só restava dar o
mistério por parcialmente encerrado.
Assim, a primeira parte do problema parecia estar resolvida:
Mukhina era a autora legítima não só dos títulos publicados na Espanha e

68(Tradução) Mukhina, V. S. Psicologia pré-escolar: livro didático para estudantes de


pedagogia. / ed. L. A. Venguer. Moscou: Educação, 1975, p. 264p.
69(Tradução) Mukhina, V. S. M92. Psicologia Infantil: livro didático para estudantes

de pedagogia. / ed. L. A. Venguer, 2ª ed., revisado e ampliado.- M:. Educação, 1985,


272p. O texto didático atende ao currículo da disciplina Psicologia Infantil. O mesmo
teve como base o livro Psicologia pré-escolar, publicado em 1975. Em comparação a
este, o livro didático mostra sua complementariedade com novos materiais (sobre a
gênese da personalidade da criança, relações de meninos e meninas com o outro).

162
no Brasil, mas também da obra publicada em Cuba e atribuída
“erroneamente” a Venguer. Contudo, ainda ficava em aberto a segunda
questão: o erro cometido em Cuba era de caráter técnico e as editoras
cubanas deveriam ser responsabilizadas pela atribuição inadequada de
autoria?
Sabe-se que tanto Venguer como Mukhina viajaram e
permaneceram em Cuba na década de 1970, ministrando palestras e
cursos sobre psicologia infantil e pré-escolar. Durante as visitas técnicas e
de assessoramento realizadas, ambos os autores deixaram em Cuba textos
que depois foram publicados com o propósito de facilitar a circulação de
seus conteúdos entre os profissionais que se formavam na área
educacional.70 Como exemplo, na época foi publicado um texto de
Mukhina com o título de Psicologia Infantil (1974), bem como alguns artigos
de Venguer, além desse livro já mencionado.
O Instituto Cubano da Infância, responsável pela coordenação do
trabalho de assessoramento dos profissionais soviéticos no país, teria sido
o encarregado de tramitar junto a Venguer a autorização para a publicação
de suas conferências.
Sendo assim, a segunda parte do problema também parecia estar
resolvida: as editoras cubanas não teriam cometido erro técnico de
atribuição inadequada de paternidade, porque elas apenas publicaram o
livro tramitado pelo Instituto Cubano da Infância com a anuência do
próprio Venguer.
Dadas as possíveis questões técnicas e específicas que o curso da
indagação aconselhava e que, seguramente, Beatón, ao nos alertar sobre o
assunto, não teve em conta pela especificidade da situação, decidi retomar
a ideia inicialmente abandonada, mas agora redigida de maneira diferente,
divida em quatro partes e, ao mesmo tempo, acrescentando um dado
novo: 1) Mukhina e Venguer eram colegas de trabalho e amigos; 2) juntos,
os psicólogos teriam realizado diversas pesquisas no campo da psicologia

70De acordo com Beatón, amigo de Venguer, a prática de doar os direitos autorais a
editoras cubanas era habitual nessa época entre autores soviéticos como manifestação
de colaboração, entusiasmo e amizade. Como exemplo, Lídia I. Bozhovich (1908-
1981) cedeu seus direitos sob o livro Psicología de la personalidad el niño escolar (Havana,
1965) que fora editado pelo Departamento de Psicologia do Ministério da Educação
de Cuba.

163
infantil; 3) o resultado dessas pesquisas realizadas em conjunto seria
publicado na União Soviética; 4) esse resultado poderia ter sido divulgado
tanto na forma de livro, quanto de comunicação científica ou artigo; 5)
ambos os autores publicaram mais tarde de maneira individual o conteúdo
desses trabalhos, tanto dentro como fora da ex-União Soviética, movidos
por uma decisão pessoal ou, simplesmente, guiados pelas circunstâncias.
Dessa maneira, retornou-se ao trabalho de pesquisa a partir
do cotejamento dos livros Psicologia pré-escolar de Mukhina, publicado
na Rússia em 1975, e Temas de psicología preescolar de Venguer,
publicado em Cuba em 1976. É impossível apresentar aqui, por razão
óbvia de espaço, o resultado completo dessa tarefa de análise do
conteúdo integral das duas obras. No entanto, isso pode ser feito ao
menos com os sumários e, assim, auxiliar o leitor no trabalho de
identificação das autorias (Quadro II).
O quadro a seguir (Quadro II) apresenta o conteúdo do sumário
das duas obras publicadas: a primeira em russo; a segunda em espanhol.

Quadro II – Sumário das obras em análise.


Sumário do livro Temas de psicología preescolar de L.
A. Venguer em dois volumes.
Da autora Volume I:
Primeira Seção. Questões gerais sobre Prólogo
psicologia infantil. Capítulo 1: Objeto e métodos da psicologia
infantil.
Capítulo 1: A psicologia infantil como ciência -Objeto da psicologia infantil.
do desenvolvimento psíquico das crianças. -Importância da psicologia infantil. Sua relação
Capítulo 2: Os métodos da psicologia infantil. com outras ciências.
Capítulo 3: As regularidades fundamentais do -Métodos psicológico-científicos para o estudo do
desenvolvimento psíquico. desenvolvimento das crianças.
Capítulo 2: Regularidades fundamentais do
Segunda Seção. Características psicológicas do desenvolvimento psíquico.
desenvolvimento na primeira infância. -O papel que desempenham no desenvolvimento
psíquico da criança as propriedades naturais deste,
Capítulo 4: O desenvolvimento psíquico da as condições sociais de vida e a educação.
criança no primeiro ano de vida. -A atividade e o desenvolvimento psíquico.
Capítulo 5: Características da primeira infância. Concepções básicas do estudo sobre a atividade
na psicologia soviética.
Terceira Seção. Características psicológicas da -O ensino e o desenvolvimento psíquico.
atividade da criança na idade pré-escolar. -As etapas evolutivas e a periodização do
desenvolvimento psíquico.
Capítulo 6: A brincadeira como atividade -As particularidades do desenvolvimento psíquico
principal na idade pré-escolar. da criança.
Capítulo 7: As atividades produtivas e os Capítulo 3: Tendências fundamentais dentro da
elementos didáticos e de trabalho da criança psicologia infantil.
pré-escolar. -Principais diretrizes no estudo do
desenvolvimento psíquico da criança.
Quarta seção. Desenvolvimento da -O desenvolvimento das pesquisas sobre
personalidade do pré-escolar. psicologia infantil nas idades iniciais e pré-

164
escolares na URSS.
Capítulo 8: As condições do desenvolvimento Capítulo 4: A idade inicial.
da personalidade do pré-escolar. -O desenvolvimento psíquico da criança no
Capítulo 9: O desenvolvimento dos motivos e a primeiro ano de vida.
formação da autoconsciência da criança na -O desenvolvimento da esfera emocional.
idade pré-escolar. O complexo de animação.
Capítulo 10: O desenvolvimento dos -O papel que desempenha a comunicação entre a
sentimentos. criança e o adulto.
Capítulo 11: O desenvolvimento da vontade. -O desenvolvimento dos movimentos e das ações.
-O desenvolvimento da orientação no ambiente
Quinta seção. O desenvolvimento psicológico circunstante.
da criança pré-escolar. -O desenvolvimento da atividade com objetos.
-Surgimento de novos tipos de atividades na idade
Capítulo 12: O desenvolvimento da fala na inicial.
idade pré-escolar. -Surgimento da atividade plástica.
Capítulo 13: O desenvolvimento sensorial na -O desenvolvimento da fala.
idade pré-escolar. -O Desenvolvimento intelectual.
Capítulo 14: O desenvolvimento do -O desenvolvimento da percepção e formação das
pensamento na idade pré-escolar. representações acerca das propriedades dos
Capítulo 15: O desenvolvimento da atenção, a objetos.
memória e a imaginação na idade pré-escolar. -O desenvolvimento do pensamento.
Conclusão. A preparação psicológica para o -Premissas para a formação da personalidade.
ingresso na escola. Volume II:
Capítulo 5: A idade pré-escolar.
-A brincadeira como atividade diretriz.
-O papel da brincadeira no desenvolvimento
psíquico da criança.
-O desenvolvimento das atividades produtivas.
-O desenvolvimento dos elementos da atividade
didática e de trabalho.
- Assimilação de ações e interesses didáticos.
-Condições para o desenvolvimento da
personalidade.
-Desenvolvimento dos motivos da conduta e
formação da autoconsciência.
-Desenvolvimento dos sentimentos do pré-
escolar.
-O desenvolvimento da vontade.
-O desenvolvimento da fala.
-O desenvolvimento sensorial.
-O desenvolvimento das ações de percepção.
-O desenvolvimento do pensamento.
-O desenvolvimento da atenção, a memória e a
imaginação.
-A preparação psicológica para seu ingresso na
escola.

Fonte: O autor.

Como pode ser observado, na edição cubana do livro Temas de


psicología pré-escolar, foram introduzidas numerosas alterações na
estruturação geral: 1) em lugar de um volume, a obra foi dividida em dois;
2) as seções foram subtraídas; 3) o primeiro capítulo concentrou os dois
primeiros da edição russa; 4) o segundo volume foi totalmente destinado

165
ao estudo da criança na idade pré-escolar e da terceira à quarta seção; do
quinto ao décimo quinto capítulo passaram a fazer parte do capítulo 5 que
transformou o resto da obra em tópicos específicos.
Contudo, contrariando a ideia inicial de que o livro publicado em
Cuba era o mesmo que o publicado na Rússia por Mukhina - salvo as
alterações visuais existentes, e as mudanças já mencionadas – me deparei
com o fato de que o mesmo continha um novo capítulo em que se
abordavam questões não tratadas em qualquer dos capítulos da obra de
Mukhina, relacionadas às principais diretrizes no estudo do
desenvolvimento psíquico da criança, e o desenvolvimento das pesquisas
sobre psicologia infantil na idade inicial e pré-escolar na União Soviética.
Sendo assim, concentrei a atenção na relação de amizade existente
entre Mukhina e Venguer. A intenção era localizar não apenas um livro
publicado por ambos antes dessa data, mas de todo e qualquer tipo de
trabalho escrito em parceria ou individualmente que sinalizasse à
aproximação dos autores ao conteúdo daquele livro publicado tanto em
Cuba como na Rússia.
Devemos admitir que até o presente momento, na América
Latina, inclusive em Cuba onde Venguer e Mukhina eram bastante
conhecidos, não se sabia muita coisa em relação à profundidade dos
vínculos pessoais e de trabalho existentes entre eles e, muito menos, em
relação ao resultado que esses vínculos tinham gerado em termos de
produção científica. Devo admitir também que foram muito gratificantes
as descobertas a esse respeito. Nessa última fase de levantamento, foram
localizadas, se não todas, as evidências, pelo menos algumas em número
suficiente que ajudaram a esclarecer o mistério envolvendo as obras, os
autores e as editoras mencionadas da melhor maneira possível, do ponto
de vista técnico e ético.
Essas evidências me permitiram concluir que, mesmo que Mukhina e
Venguer não tenham escrito nem publicado algum livro juntos antes de 1976, e
que depois pudesse ser editado no exterior com autorias individuais, a obra
publicada em Cuba nesse ano com o título Temas de psicología preescolar poderia
ser atribuído a Mukhina tanto quanto a Venguer. Da mesma maneira que o
livro publicado por Mukhina, na Rússia, em 1975, com o título de Psicologia pré-
escolar poderia ser atribuído a Venguer ou a ela.

166
Porém, algo dessa natureza podia ser possível? É estranho, mas é
possível. Os documentos localizados permitiram constatar que Mukhina e
Venguer, além de serem bons amigos, juntos construíram também uma
importante parceria profissional e acadêmica ao longo de quase trinta anos
que se estendeu desde a década de 1960 até, muito provavelmente, à
morte de Venguer em 1992. Essa parceria deixou numerosas e
importantes contribuições teóricas no campo da psicologia infantil, a
maior parte delas na década de 1970. Aliás, durante trinta anos,
exatamente entre 1958 e 1988, salvo em duas oportunidades (1983 e
1986), Mukhina só escreveu e publicou com Venguer.
Um total aproximado de vinte trabalhos foram produzidos por
Mukhina e Venguer na forma de artigos, programas de disciplinas e livros,
quinze dos quais já foram localizados como resultado desse trabalho.
Dessa lista, podem ser mencionados os artigos O desenvolvimento da
personalidade na idade pré-escolar (1973), O desenvolvimento dos motivos e a formação
da autoconsciência na criança (1973), O desenvolvimento dos sentimentos na idade pré-
escolar (1973), O desenvolvimento da vontade na idade pré-escolar (1974); O
desenvolvimento sensorial na idade pré-escolar (1974), O desenvolvimento do
pensamento na idade pré-escolar (1974), A preparação psicológica da criança para o
ingresso na escola (1974); diversos programas de estudo da disciplina
Psicologia Infantil para os cursos ministrados nos Institutos Superiores
Pedagógicos; o livro Psicologia: manual didático para os institutos de pedagogia
(1987).71

71Listadas publicações em russo: Мухина, В. С., Венгер, Л. А. Условия развития


личности дошкольника//Дошкольное воспитание. - 1973. - № 7. – 13 с.;
Мухина, В. С., Венгер, Л. А. Развитие мотивов поведения и формирование
самосознания ребенка//Дошкольное воспитание. - 1973. - № 8. – 12 с.; Мухина,
В. С., Венгер, Л. А. Развитие чувство дошкольника//Дошкольное воспитание.
– 1973. - № 10. – 13 с.; Мухина, В. С., Венгер Л. А. Развитие воли
дошкольника//Дошкольное воспитание. - 1974. - № 1. – 10 с.; Мухина, В. С.,
Венгер, Л. А. Сенсорное развитие дошкольника//Дошкольное воспитание. –
1974. - № 3. – 10 с.; Мухина, В. С., Венгер, Л. А. Развитие мышления
дошкольника//Дошкольное воспитание. – 1974. - № 7. – 10 с.
Мухина, В. С., Венгер, Л. А. Психологическая готовность к обучению в
школе//Дошкольное воспитание. - 1974. - № 8. – 10 с.; Мухина, В. С., Венгер
Л.А. Развитие внимания, памяти и воображения в дошкольном
возрасте//Дошкольное воспитание. - 1974. - № 12. – 7 с.; Мухина, В. С., Венгер
Л. А. - Психология детей раннего и дошкольного возраста. Программа для

167
Além desses trabalhos redigidos em colaboração com Mukhina,
Venguer publicou, sozinho, na maior parte das vezes, artigos e livros
importantes no período de 1965 a 1976. Em 1969, divulgou suas duas
primeiras monografias intituladas Восприятие и обучения. дошкольный
возраст (Percepção e aprendizagem da idade pré-escolar), pela editora
Просвещение (Iluminação), e O desenvolvimento de habilidades cognitivas durante a
primeira infância (Tese de Doutorado, 1969). Dois anos antes tinha publicado
em parceria com A. V. Zaporozhets, V. P. Zinchenko e A. G. Ruzskaia o
livro Восприятие и действие (Percepção e ação, Moscou, 1967). Nos
Estados Unidos, o Journal of Russian and East European Psychology, divulgara
também no seu Vol. 10, nº 1, de 1971, um total de sete artigos seus: “A
ascensão de ações perceptivas” (p. 5-22); “Desenvolvimento perceptivo
através do domínio da atividade orientada ao objeto” (p. 22-37);
“Desenvolvimento perceptivo no contexto da atividade produtiva” (p. 38-54);
“Várias leis de desenvolvimento perceptivo” (p. 55-67); “A pedagogia da
percepção e a noção de formação de atos perceptivos” (p. 68-73); “Formação
sensorial na história da educação pré-escolar” (p. 73-83); “Formação sensorial
em Jardins de Infância Soviéticos e a tarefa de formar a percepção das
crianças” (p. 83-108).72

педагогических училищ. - М.: Просвещение. – 1975. – 32 с.; Мухина, В. С.,


Венгер Л. А. Психологическая готовность к обучению в школе. - В сб.
Подготовка детей к школе в семье. - М.: Педагогика. – 1976. – 4 с.; Мухина, В.
С., Венгер, Л. А. Детская психология. (программа для педагогических
институтов). - М.: Просвещение. – 1979. – 32 с.; Мухина, В. С., Венгер Л. А.
Психология детей раннего и дошкольного возраста. (Программа по
специальности № 2010) . - М.: Просвещение. – 1982. – 24 с.; Мухина, В. С.,
Венгер Л. А. Детская психология. Программа для педагогических институтов. -
М.: Просвещение. – 1984. – 24 с.; Мухина, В. С., Венгер Л. А. Психология:
учебное пособие для педагогических училищ. Книга. - М.: Просвещение. –
1988. – 400 с.; Мухина, В. С., Венгер Л. А. Психология детей раннего и
дошкольного возраста: программа для педагогических училищ. Специальность
№ 2010. Отв. редактор и составитель. - М.: Просвещение. – 1988. – 16 с.
72The Rise of Perceptual Actions, p. 5-22; Perceptual Development Through Mastery

of Object-Oriented Activity, p. 22-37; Perceptual Development in the Context of


Productive Activity, p. 38-54; Several Laws of Perceptual Development, p. 55-67;
The Pedagogy of Perception and the Notion of the “Formation of Perceptual Acts”,
p. 68-73; Sensory Training in the History of Preschool Education, p. 73-83; Sensory
Training in Soviet Kindergartens and the Task of Forming Children's Perception, p.
83-108.

168
Pouco depois, Venguer publicaria ademais os livros Brincadeiras didáticas
e exercícios de educação sensorial com crianças pré-escolares (1973); A gênese das habilidades
sensoriais (Moscou, 1976) e O diagnóstico do desenvolvimento intelectual do pré-escolar (em
parceria com V. V. Jolimovskaia, Moscou, 1978).
Mukhina, por sua vez, tinha publicado mais de cinquenta
trabalhos antes de redigir e divulgar o livro Psicologia pré-escolar (1975), além
daqueles que escrevera com Venguer. Os temas mais recorrentes nesses
trabalhos foram: a imitação no desenvolvimento da criança, a formação
das ações mentais, o desenvolvimento psicológico da consciência e as
regularidades básicas do desenvolvimento psíquico da criança. Contudo,
previamente à publicação do livro parece ter escrito muito pouco sobre
temas que lá foram abordados com relação ao desenvolvimento da
percepção, do intelecto na criança pré-escolar e das atividades orientadas
com objetos, bem como sobre o papel das brincadeiras no
desenvolvimento infantil e a relação entre ensino e desenvolvimento
psíquico, etc (cf. Mukhina, s/d), temas sobre os quais Venguer dedicou
boa parte de sua obra intelectual, especialmente aqueles que se referem ao
desenvolvimento da atividade perceptiva e das capacidades cognitivas e
intelectuais.
Como pode ser observado, a maior parte dessas publicações
assinadas pelos dois psicólogos, bem como aquelas que Venguer assinara
sozinho ou com outros autores, saíram, ou já estavam escritas, antes da
publicação russa do livro Psicologia pré-escolar (1975), das edições cubanas
dos livros Temas de psicología preescolar (1976), das edições espanholas de
Psicología de la edad preescolar. Un manual completo para compreender y enseñar al
niño desde que nace hasta los siete años (1978) e da edição brasileira de Psicologia
da idade pré-escolar (1996).
Basta prestar atenção inicialmente à lista das produções que
Mukhina e Venguer realizaram em conjunto e para perceber que sete
delas, pelo menos, coincidem plenamente com seis dos quinze capítulos e
com as conclusões da edição russa do livro Psicologia pré-escolar de Mukhina
as quais deram lugar ao resto das publicações. Em outras palavras, metade
dessa obra era resultado da produção coletiva de ambos. Agora, há de se
atentar para a lista completa das publicações efetuadas por Venguer,
sozinho ou com outros autores, e novamente será possível perceber que
alguns desses trabalhos coincidem (e isso foi confirmado também no

169
conteúdo) com pelo menos mais três capítulos, ou com partes
importantes deles. Estou fazendo referência ao capítulo 3, sobre as
regularidades fundamentais do desenvolvimento psíquico, especialmente
no que tange a relação entre ensino e desenvolvimento; ao capítulo 6,
sobre o papel da brincadeira como atividade principal na idade pré-
escolar; ao capítulo 7, destinado ao estudo das atividades produtivas e aos
elementos didáticos e de trabalho da criança pré-escolar. Ao todo, nove
dos quinze capítulos da obra, bem como as conclusões finais, receberam
de maneira direta ou indireta a contribuição de Venguer.
Enfim, esses inéditos indícios, ainda que incompletos, permitem
afirmar que as obras em análise poderiam ter sido redigidas tanto por
Mukhina quanto por Venguer, não só pelo que ambos escreveram juntos
a esse respeito previamente, mas também pelo que o próprio Venguer
escreveu e publicou sozinho que, especulo, deve ter sido utilizado por
Mukhina com o consentimento explícito dele.
Resta apenas saber, agora, por que tanto Mukhina como Venguer
publicaram sozinhos os livros Psicologia pré-escolar (1975) e Psicologia
infantil (1985), bem como Temas de psicologia pré-escolar (1976),
respectivamente. Essa parte da história é um mistério ainda em questão,
embora pouco relevante se comparado à confusão gerada pelas
publicações em separado, que só foi esclarecida quarenta anos depois. A
ideia de que ambos os autores publicaram separadamente porque a
amizade que existiu entre eles teria ficado abalada não se sustenta, hoje em
dia, pelo fato de que não existiu inicialmente uma obra conjunta, salvo os
artigos mencionados, até porque, depois dessa história envolvendo as duas
obras, tanto Mukhina como Venguer escreveram e publicaram juntos pelo
menos outros seis trabalhos entre 1976 e 1988.
Uma coisa é fato: na condição de redator dos dois livros didáticos,
Venguer sabia que Mukhina os estava publicando sozinha e usando o conteúdo
dos artigos escritos em conjunto. Outras duas questões precisam ser indagadas:
primeiro, se Mukhina sabia da publicação de Venguer em Cuba; segundo, se o
próprio Venguer sabia da concretização dessa publicação, pois jamais fez
menção a ela nas bibliografias por ele preparadas.

170
Considerações Finais

Como resultado dessa pesquisa, foi possível chegar a uma


consideração final importante: os livros Temas de psicologia pré-escolar e
Psicologia Pré-escolar, publicados por Venguer e por Mukhina,
respectivamente, são, pelo conteúdo dos mesmos, praticamente um único
livro. Contudo, longe de se tratar de uma atitude enganosa cometida por
parte de algum dos autores envolvidos, ou de um erro técnico praticado
pelas editoras que efetuaram sua publicação na Rússia, Espanha, Brasil ou
Cuba, parece tratar-se de um raro caso de autoria compartilhada em cujos
casos os autores decidiram, individualmente, por razões pessoais ou
mesmo levados simplesmente pelas circunstâncias, efetuar a publicação
sem a participação do outro.
Nesse caso, sugiro que o autor seja referenciado com base na
edição utilizada. Sendo assim, os direitos autorais das edições efetuadas na
Espanha e no Brasil devem ser atribuídos a Mukhina, da mesma maneira
que a Venguer, quando das edições cubanas. Isso pode e deve ser feito
sem prejuízo das partes. Sugiro também que essas citações, mediante a
autoria, venham acompanhadas da problematização que existe em torno
dessas obras e autores, bem como de uma posição que assumidamente
reconheça que essas ideias e produções pertencem a ambos os autores,
embora sejam citadas por um ou outro em livros diferentes.
Na União Soviética, parecia não existir, pelo menos à época, essas
questões de direitos autorais que predominam hoje. As mesmas eram
relegadas a um segundo plano em função da urgência de resolver
demandas práticas imediatas de toda natureza que se apresentavam à
enorme comunidade científica. O conhecimento, como qualquer outro
bem produzido, era resultado do trabalho coletivo e ao coletivo pertencia.
A obra individual misturava-se, diluía-se e metamorfoseava-se na obra
coletiva, e vice-versa. O movimento fluido de ideias do indivíduo para o
grupo, e do grupo para o indivíduo, tornava difícil a identificação de
autorias. Contudo, isso não parece ter preocupado os autores.
Por fim, gostaria de declarar aqui a grata satisfação que gerou o
desenlace desse trabalho de identificação e atribuição de autoria. O
resultado não poderia ser mais gratificante, pois, em momento algum,
ficou comprometida a imagem das instituições, editoras e autores

171
envolvidos nos problemas de autoria analisados. Ficou, dessa maneira,
preservada a obra grandiosa realizada pela psicologia do período soviético,
o aporte significativo de seus representantes, a qualidade técnica e
científica das obras geradas e, ao mesmo tempo, esclarecidos os fatos,
restaurada a verdade e feita justiça àqueles que foram afetados pelos
problemas de paternidade cometidos, ou pelas decisões individuais
tomadas.

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175
Capítulo 6

Docência com adolescentes:


contribuições para um ensino desenvolvimental73
Cláudia Silva de Souza

Introdução

Tradicionalmente, a Psicologia tem enfocado no fator “etapa de


vida” na compreensão do desenvolvimento humano, a partir do indivíduo
isolado e de elementos que ocorrem de forma semelhante em todos os
seres humanos, como os processos de dentição e envelhecimento, que
correspondem às mudanças físicas do organismo. As teorias
desenvolvidas nesta perspectiva são baseadas nos processos biológicos de
maturação e consideradas universais para todos os indivíduos. Esta ênfase
nos processos de origem biológica, somada à busca da universalidade
como meta científica maior, resulta na “apresentação daquilo que é
contextualizado historicamente como sendo universal” (OLIVEIRA;
TEIXEIRA, 2002, p. 26).
No Brasil, a partir da década de 1970 foi realizado um movimento de crítica
e revisão das bases epistemológicas da Psicologia Escolar, na busca por compreender as
relações entre indivíduo e sociedade de forma dialética. De uma Psicologia marcada
por práticas psicométricas, adaptacionistas e individualizantes,
fundamentada numa perspectiva ideologizada dos problemas de
aprendizagem, passou-se a uma Psicologia que investiga dialeticamente as
relações entre sociedade e indivíduo.
O Enfoque Histórico-Cultural, fundamentação teórico-
metodológica da qual partimos para a realização de nossos estudos, busca
entender dialeticamente as relações entre indivíduo e sociedade,

73 O presente texto apresenta os resultados obtidos na produção da tese de


Doutorado em Educação, defendida no âmbito do Programa de Pós-Graduação em
Educação, pela Universidade Federal de Uberlândia, MG/2018, desenvolvida sob a
orientação da Prof. Dr. Roberto Valdés Puentes e co-orientação da Profa. Dra. Silvia
Maria Cintra da Silva.

176
destacando a dimensão histórica de sua constituição, tendo em vista uma
premissa essencial, segundo a qual “através dos outros constituímo-nos”
(VIGOTSKI, 2000, p. 24). Nesta perspectiva, enfatiza-se a necessidade de
o desenvolvimento ser guiado pelo ensino, isto é, que este seja
sistematizado para conduzir e exercer sua influência sobre aquele.
Todavia, ainda que o ensino se adiante ao desenvolvimento,
segundo Venguer (1975), ele deve considerar, necessariamente, as próprias
leis de desenvolvimento. Sob este enfoque, o autor faz referência à
concepção vigotskiana sobre os períodos sensíveis que ocorrem ao longo do
desenvolvimento da criança, e se caracterizam por serem, especialmente,
propícios para a assimilação de certos tipos de aprendizagem. A existência
destes momentos relaciona-se à maturação das funções psíquicas, uma vez
que quando uma nova função psíquica começa a se constituir, as crianças
são mais sensíveis às formas de ensino em que essas funções psíquicas se
baseiam. Deste modo, se bem conduzido, nestes períodos o ensino pode
exercer um maior efeito sobre o desenvolvimento.
Somos de acordo que a apropriação de elementos culturais
acontece nas mais variadas práticas sociais, sobretudo no contexto escolar.
Contudo, tal apropriação é ativa, uma vez que a subjetividade elege e
transforma aspectos que fazem sentido na história do sujeito, na formação
da sua personalidade, o que nos leva a problematizar sob que condições o
ensino conduz ao desenvolvimento.
Com o intuito de contribuir com tal questão, este trabalho
apresenta uma discussão, fruto de uma pesquisa de doutorado sobre a
docência com adolescentes (SOUZA, 2016), na qual se destaca a
importância do ensino na formação da personalidade dos estudantes.
Busca-se proporcionar ao leitor algumas das principais contribuições
levantadas a partir da tese, no que se refere aos processos educativos na
formação da personalidade do estudante que se encontra numa etapa
específica de desenvolvimento humano, a adolescência.

Desenvolvimento

Não obstante as concepções de universalização e de maturação


biológica ainda desempenharem uma forte influência na compreensão dos
processos de desenvolvimento humano, sabemos que a totalidade desses

177
processos não se limita a fatores biológicos. Neste sentido, Facci (2004)
ressalta que, “filogeneticamente, o homem já nasce hominizado, mas é o
convívio com outros homens, a interação e apropriação dos bens
culturais, no desenvolvimento ontogenético, que permitirão que haja o
desenvolvimento do complexo psiquismo humano” (FACCI, 2004, p.
204). A condição humana não é dada ao nascer, uma vez que a criança
ainda não tem os recursos simbólicos para adentrar no universo da
cultura. É graças à mediação do outro, que já detém a significação cultural
que, paulatinamente, o indivíduo se introduz nas práticas sociais, nas
relações humanas (PINO, 2005).
A mediação, feita via signos ou instrumentos é o canal por meio
do qual as funções psíquicas superiores se desenvolvem. Estas se
caracterizam por apresentarem uma origem social, controle voluntário e a
realização consciente. As funções psicológicas superiores modificam a
estrutura do funcionamento mental e estruturam a personalidade, sendo
que o desenvolvimento de tais funções passa pela apropriação dos bens
culturais e, para isso, é fundamental a contribuição do processo de
escolarização (FACCI, 2004, p. 210).
De acordo com Cunha (2000, p. 67, grifo do autor), “a escola tem
enfatizado mais o seu papel de ensinar, restringindo-o a fornecer
informações, valorizando a memorização, a repetição, a aprendizagem de
conteúdos isolados e menos a educação ‘como desenvolvimento da personalidade
dos educandos e de sua condição de sujeitos individuais’. (REY: 1995:20)”. No
entanto, o processo ensino-aprendizagem pressupõe uma relação dialética
entre professor-aluno, na qual as funções de ambos vão sendo
desenvolvidas. Partindo dessa premissa fundamental é que articulamos
neste trabalho, a adolescência como etapa do desenvolvimento humano, o
desenvolvimento da personalidade do estudante e os processos de ensino-
aprendizagem.
A atividade mediadora é a base das formas culturais de
comportamento e, conduzindo a prática pedagógica, o professor tem
papel destacado nesta atividade (VIGOTSKI, 1995, p 53). Concordamos
que “[...] os educadores, de uma forma geral, precisam estar atentos às
peculiaridades do desenvolvimento psíquico em diferentes etapas
evolutivas, para que possam estabelecer estratégias que favoreçam a
apropriação do conhecimento científico” (FACCI, 2004, p.78). Conforme

178
aponta Kostiuk (1991), é necessário que o professor tenha clareza de
como o ensino influi sobre o desenvolvimento dos alunos, e que se
estudem maneiras de valorizar a eficácia dos diversos métodos de ensino
na constituição integral dos sujeitos
A personalidade é resultante do desenvolvimento da psique em
condições sociais e, deste modo, o processo educacional pode intervir
significativamente em sua direção e formação. Sob esta perspectiva, os
objetivos e métodos educacionais terão êxito quando estiverem apoiados
nas necessidades desenvolvimentais do estudante, a partir da compreensão
da personalidade e dos caminhos de sua formação. Ademais, as estruturas
psíquicas relacionadas às necessidades e motivações humanas também se
desenvolvem e são formadas ao longo do processo educacional,
evidenciando a relação dialética entre ensino e desenvolvimento
(NEIMARK, 1975).
O objeto de nosso estudo situa-se na interface de quatro grandes
campos do saber científico: a Psicologia Escolar, a Psicologia do
Desenvolvimento, a Psicologia da Personalidade e a Educação, sobretudo
os estudos sobre o Ensino Desenvolvimental (PUENTES;
LONGAREZI, 2013; LONGAREZI; PUENTES, 2013; PUENTES,
2015, aos quais este trabalho soma-se às produções que têm sido
realizadas na última década neste campo.
Encontramos na literatura russa e cubana autores que
compartilham do Enfoque Histórico-Cultural e que desenvolveram
pesquisas muito importantes a partir dos estudos vigotskianos,
produzindo um legado para a compreensão da adolescência inexistente
em nossas produções brasileiras. Desse modo, trouxemos para este
estudo, sobretudo, as contribuições de L. B. Bozhovich (2003), L. G.
Domínguez García (2003a) e T. V. Dragunova (1980). Estas últimas
desenvolveram pesquisas sobre a personalidade humana, em especial,
direcionadas para o estudo das características psicológicas da
personalidade na adolescência, um dos focos principais de nosso estudo.
Em meio a tantos saberes, o Enfoque Histórico-Cultural constitui
a confluência desses campos, a partir do qual investigamos a compreensão de
professores de adolescentes sobre as características psicológicas dos seus alunos e sua
influência na prática pedagógica. Para tal, realizamos entrevistas semidirigidas e
formulamos algumas questões para os docentes responderem de modo

179
que, posteriormente, pudéssemos analisá-las à luz do nosso enfoque
teórico, sobretudo com as contribuições da pesquisadora soviética Lidia I.
Bozhovich (1908-1981) quanto ao desenvolvimento psíquico no período
da adolescência.
Para Bozhovich (1976), o lugar que o sujeito ocupa no sistema de
relações sociais, bem como a atividade realizada neste sistema é a
condição fundamental que determina a formação da sua personalidade.
Esta é decisiva para caracterizar o homem, pois propicia formas de
conduta e atividades mais elevadas e conscientes e permite uma integração
de todas as suas atitudes voltadas para a realidade em que vive. Por
conseguinte, “as reações do homem e todo o sistema de sua vida afetiva
interna são determinados por aquelas particularidades da personalidade
que se formaram durante o processo de sua experiência social”
(BOZHOVICH, 1976, p. 99).
Nesta perspectiva, González Rey (2013, p. 241) define a
personalidade como “o sistema subjetivo auto-organizador da experiência
histórica do sujeito concreto”. A personalidade é compreendida como
uma organização sistêmica da subjetividade individual, “comprometida
com o momento atual de expressão e subjetivação do sujeito”, um sistema
autônomo, que se constitui constantemente num “processo gerador de
sentidos ao longo da história do sujeito individual” (GONZÁLEZ REY,
2013, p. 254, 256). Nesta mesma linha, Domínguez García (2007, p. 58) a
define como “nível superior de organização dos componentes da
subjetividade e de regulação do comportamento”.
Considerada como o nível mais avançado de integração de
conteúdos e funções psicológicas, a personalidade intervém na regulação e
na autorregulação do comportamento do sujeito. A estrutura da personalidade
é entendida como a forma em que se organizam e se integram os seus
conteúdos para definirem seus sentidos psicológicos. Estes, por sua vez,
expressam-se, principalmente, de duas formas: as unidades psicológicas
primárias e as formações motivacionais (FERNÁNDEZ, 2003).
As unidades psicológicas são as necessidades, os motivos, o
caráter, os interesses, as atitudes e os hábitos, constituindo-se em
“conteúdos parciais, estáveis, portadores de determinado valor emocional,
expressas em diferentes formas definidas comportalmentalmente ou
psicologicamente” (FERNÁNDEZ, 2003, p. 301). Já as formações

180
psicológicas (ou motivacionais) são mais estáveis e englobam a identidade
pessoal, os ideais, as intenções e a concepção de mundo.
A caracterização psicológica por idades define-se pela estrutura
integral da personalidade do sujeito, que é diferente em cada etapa do
desenvolvimento humano. “Cada etapa do desenvolvimento se caracteriza
não apenas pelo conjunto de particularidades isoladas, senão por uma
estrutura integral peculiar da personalidade da criança, assim como pela
existência de uma tendência do desenvolvimento específico para esta
etapa” (BOZHOVICH, 1976, p.353). Tomando-se por base tais
considerações sobre a estrutura e a dinâmica da personalidade, é possível
compreendermos as relações entre a formação da personalidade e o
desenvolvimento psicológico na adolescência.
A adolescência e a juventude têm sido tradicionalmente definidas
na literatura sobre o desenvolvimento humano como idades de trânsito
entre a infância e a vida adulta, sendo considerados momentos centrais no
processo de socialização dos indivíduos, no decurso do qual o sujeito se
prepara para cumprir determinados papeis sociais próprios da vida adulta,
nos campos profissionais e relacionais (DOMÍNGUEZ GARCÍA, 2003).
Contudo, até o século XVIII, a adolescência era confundida com
a infância, pois não era considerada uma fase do desenvolvimento
humano. Com o processo de escolarização e o distanciamento paulatino
da criança em relação ao mundo do trabalho, a adolescência passou a ser
reconhecida como etapa do desenvolvimento humano (ARIÈS, 1981).
Desde então, os fatores de ordem biológica e individual foram associados
à adolescência, que era percebida como fenômeno universal. Ainda hoje,
predominam concepções naturalizantes sobre a adolescência,
universalizando e patologizando este período do desenvolvimento
humano, considerando-a naturalmente conflituosa, turbulenta, difícil,
cheia de crises e instabilidades que são atribuídos ao psiquismo do
adolescente (CHECCHIA, 2006).
A visão naturalizante da adolescência encontrada na literatura já
foi problematizada por outros autores como Mascagna (2009), Leal
(2010), Bock (2004) e outros. A perspectiva Histórico-Cultural tem
questionado a visão hegemônica, que reduz o conceito de adolescência a
uma categoria homogênea ou abstrata, uma vez que a constituição
histórica e social considera que “(...) as representações, significações,

181
atributos e papeis socialmente vinculados aos adolescentes apresentam
variações em uma mesma sociedade ao longo da história, bem como entre
distintas conjunturas ou contextos sociais” (CECCHIA, 2006, p. 131).
Sob este enfoque, é preciso compreender as singularidades presentes em
adolescências diferentes, em distintas formas de vivenciar a condição de
ser adolescente, que variam segundo a classe social, o gênero, a raça, o
contexto sócio-histórico no qual os adolescentes se situam, dentre outros
fatores.
A influência do meio (entorno) na formação da personalidade
varia significativamente em cada etapa. Vigotski (1935) aponta que o
papel do entorno no desenvolvimento do sujeito deve ser abarcado a
partir de uma perspectiva relativa, uma vez que o meio não se traduz
numa condição que determina o desenvolvimento, objetivamente,
entretanto, deve-se considerar o prisma da relação existente entre o sujeito
e seu entorno.
O autor salienta que as experiências emocionais do sujeito
explicam a influência do entorno no desenvolvimento psicológico de
forma que, uma mesma situação ambiental/social pode influenciar
pessoas distintas de formas diferentes, de acordo com a idade em que
ocorrem e da forma como se relaciona emocionalmente com os
acontecimentos.
O entorno exerce sua influência sobre o sujeito conforme ele
organiza as suas experiências emocionais para desenvolver sua atitude
interna face às demandas situacionais. De acordo com Vigotski (1935),
mais importante do que saber quais são as características constitucionais
do sujeito, importa descobrir quais destas características desempenharam
um papel decisivo na determinação da relação deste com uma dada
situação. Então, as diversas situações vitais suscitam efeitos diferentes no
desenvolvimento, dependendo dos sentidos e significações atribuídas pelo
sujeito.
Compreendendo-se que o desenvolvimento da personalidade se
constitui dialeticamente nas relações entre sujeito e sociedade, a educação
apresenta um papel fundamental, uma vez que o processo ensino-
aprendizagem tem lugar privilegiado ao longo do desenvolvimento da
personalidade do estudante. Para González Rey e Mitjáns Martínez (1989,
p. 103), “o processo de educação necessita de uma inter-relação

182
permanente entre a assimilação de conhecimento e o desenvolvimento da
personalidade do aluno; ambos os elementos constituem uma unidade
indissolúvel.
Neste sentido, os estudantes não se apropriam do conhecimento
por meio de mecanismos padronizados de assimilação ou por sequências
de operações generalizadas, uma vez que o educando deve individualizar
os conhecimentos que recebe e, desse modo, desenvolver a sua
capacidade para utilizá-los de forma generalizada nas várias situações da
vida. Cada ser é único, com condições singulares. Logo, a informação que
o sujeito individualiza ao longo da vida escolar “constitui a base do
sistema de operações que definem a constituição de suas próprias
capacidades, e tem um importante papel nas operações que desenvolve
como personalidade” (GONZÁLEZ REY; MITJÁNS MARTÍNEZ,
1989, p. 104). Tendo essa base de discussão teórica estabelecida,
apresentaremos, a seguir, os caminhos da pesquisa.

Caminhos da pesquisa

O nosso objeto de pesquisa envolveu três dimensões que se


articulam: a personalidade na adolescência; a compreensão dos
professores sobre a adolescência; as práticas pedagógicas influenciadas
pela compreensão dos professores sobre a adolescência. O universo de
pesquisa abarcou nove professores de adolescentes de uma escola pública
federal, sendo que foram utilizadas como instrumentos de pesquisa
questionários e entrevistas semi-estruturadas.
Para a análise do material construído baseamo-nos no Enfoque
Histórico-Cultural, a partir de autores como Vigotski (2006, 2000, 1995,
1935), Bozhovich (2003, 1976), Domínguez García (2007, 2003a, 2003b),
González Rey (2013, 2002, 1989, 1985), Dragunova (1980), dentre outros.
De acordo com González Rey (2002) o conhecimento científico a partir
de uma epistemologia qualitativa é legitimado pela qualidade da expressão
do(s) sujeito(s) e não pela quantidade destes.
Na investigação qualitativa reconhece-se “as exigências
epistemológicas inerentes ao estudo da subjetividade como parte
constitutiva do indivíduo e das diferentes formas de organização social”
(GONZÁLEZ REY, 2002, p. 28). Assim, tomamos como referencial para

183
a compreensão da constituição da subjetividade humana, o Enfoque
Histórico-Cultural e a Teoria Histórico-Cultural da Subjetividade.
Os pressupostos vigotskianos apresentam, como princípios
metodológicos na investigação dos fenômenos psicológicos, a análise de
processos e não somente de resultados e a explicação ao invés da
descrição, o que significa buscar a gênese e a essência dos fenômenos.
Nesta perspectiva, toda e qualquer produção humana é desenvolvida na e
pela cultura, ideologicamente inscrita num dado contexto social
(VIGOTSKI, 2000).
A subjetividade é compreendida como um sistema em
desenvolvimento no qual o individual e o social constituem-se
reciprocamente em sua rede de significações e sentidos (GONZÁLEZ
REY, 2002). Logo, há uma relação constitutiva entre sujeito individual e
subjetividade social, pois “o sujeito individual está constituído pela
subjetividade social e, por sua vez, é um dos momentos constituintes
daquela, por meio das consequências de suas ações criativas dentro do
tecido social em que atua” (GONZÁLEZ REY, 2013, p. 136).
Os nove professores que participaram da pesquisa atuavam no 3°
Ciclo de ensino (correspondendo aos sétimos, oitavos e nonos anos) de
uma escola pública de educação básica e ministravam aulas de disciplinas
diversas, sendo os alunos adolescentes o principal público de seu trabalho.
A escolha dos participantes foi realizada mediante o contato da
pesquisadora com os professores na escola e livre adesão. Foram
aplicados questionários e realizadas entrevistas com os docentes. Os
questionários tratavam de questões objetivas e de informações gerais
como faixa etária, sexo, tempo de atuação na área educacional e formação.
As entrevistas constaram de questões que investigaram a
compreensão do professor de adolescentes sobre as características
psicológicas dos seus alunos na docência, abarcando os processos de
comunicação entre eles e com os adultos, a dimensão motivacional dos
adolescentes perante o estudo e as principais demandas destes alunos.
Buscou-se conhecer também como o professor organiza a sua prática a
partir de tais aspectos. Por fim, as questões versaram sobre a formação
inicial e continuada.
Fundamentados na epistemologia qualitativa, segundo a qual o
conhecimento é uma produção construtivo-interpretativa, cujo caráter

184
interpretativo é oriundo da necessidade de se atribuir sentido às
expressões do sujeito estudado (GONZÁLEZ REY, 2002, p. 31), a
análise dos dados foi realizada de forma interpretativa, partindo-se do
pressuposto que neste processo, o pesquisador integra, reconstrói e
produz indicadores, que só fazem sentido no conjunto da pesquisa.

A docência com adolescentes à luz da tríade ensino-aprendizagem-


desenvolvimento

Um dos aspectos mais ressaltados na compreensão dos


professores entrevistados sobre a docência com adolescentes refere-se aos
sistemas de comunicação que se estabelecem durante o processo ensino-
aprendizagem-desenvolvimento. Neles se destacam as relações entre
professor e aluno, bem como o relacionamento entre os adolescentes. A
identificação e análise das informações coletadas levou-nos ao
agrupamento de algumas dimensões ou categorias, quais sejam: os
Sistemas de comunicação, a Atividade de estudo e a Identidade pessoal.
Os “Sistemas de comunicação” correspondem às compreensões
dos professores sobre os aspectos relacionais da docência junto a
adolescentes, com destaque aos fatores que se sobressaem nas relações
entre professor e estudante adolescente, bem como nas relações entre os
próprios adolescentes que influenciam a prática pedagógica.
A “Atividade de estudo”, refere-se às compreensões acerca das
características psicológicas do aluno adolescente apresentadas durante a
atividade de estudo e suas implicações práticas, enquanto que a dimensão
“Identidade pessoal ou autocompreensão” aborda as compreensões
docentes quanto ao processo de formação da Identidade pessoal do
adolescente que incide no contexto de ensino-aprendizagem, provocando
a necessidade de mudanças nas práticas pedagógicas. Ressaltamos que, a
despeito de termos optado pelo agrupamento de temas nas categorias
citadas para uma melhor apresentação do assunto, elas estão todas
interligadas, estabelecendo conexões entre si.
Os sistemas de comunicação correspondem à dimensão mais
destacada pelos docentes a influenciarem sua prática pedagógica. Estes
são constituídos pelas relações interpessoais, sobretudo à relação professor-
aluno. Logo, a principal demanda da docência junto a adolescentes

185
relaciona-se à preparação profissional para lidar com as nuances que as
características relacionais dos adolescentes conferem ao processo ensino-
aprendizagem. Tais relações exigem determinadas disposições pessoais do
professor, como abertura para o diálogo e dinamicidade para modificar
suas práticas a partir das demandas discentes.
Dentro dos sistemas de comunicação, as relações entre os adolescentes
foram identificadas como outro aspecto que dispensa uma atenção
especial dos docentes, uma vez que destacam as características
psicológicas discentes nestas relações e assinalam a importância de um
manejo adequado destas relações no coletivo da sala de aula. Importa
ressaltar que a posição social do adolescente, ou seja, o novo papel que ele
ocupa nos grupos do qual faz parte é a base para a sua nova situação
social de desenvolvimento.
Em nossa pesquisa, constatamos que foram feitas muitas
referências às características psicológicas dos adolescentes no âmbito das
relações entre eles, as suas dificuldades relacionais e o sofrimento de
muitos alunos oriundos de suas necessidades de aceitação no grupo, no
coletivo da sala de aula. Contudo, poucas práticas foram citadas a partir de
tais observações, o que pode indicar uma dificuldade dos docentes em
realizar o manejo do coletivo com a finalidade de contribuir com tal
aspecto. Acreditamos que ações neste viés, talvez requeiram um maior
investimento numa formação docente que abarque, dentre outros temas,
teorias e manejos de grupo, associadas ao desenvolvimento psicológico
dos adolescentes no contexto escolar.
A segunda dimensão mais ressaltada pelos docentes foi a atividade
de estudo. Foi destacada a falta de interesses de muitos alunos pelo estudo e
muitos docentes mencionaram práticas pedagógicas desenvolvidas para
despertarem o interesse discente no processo ensino-aprendizagem. A
maior parte das compreensões docentes incide sobre as motivações dos
alunos para o estudo, bem como sobre o papel do professor na formação
da motivação para os estudos.
Por fim, com menor intensidade, os docentes direcionam suas
compreensões à dimensão da identidade pessoal do adolescente. Nesta
dimensão, um aspecto destacado na docência junto a adolescentes é a
compreensão da singularidade do aluno, ou seja, da personalidade que está
em desenvolvimento e, como tal, requer do professor sensibilidade para

186
perceber até onde incidem as características gerais do aluno adolescente
no coletivo da sala de aula e em que momento se apresentam as demandas
específicas do processo de formação da personalidade do aluno.
Os sistemas de comunicação foi o aspecto mais mencionado na
docência com adolescentes, o que vai ao encontro da principal mudança
na situação social que ocorre na adolescência: a mudança no sistema de
relações. Nesta perspectiva, a pesquisa indicou que para que o professor de
adolescentes promova o desenvolvimento, é importante que se inclua os
sistemas de comunicação como fundamento de suas metodologias na
prática pedagógica.
Defendemos que o conhecimento sobre a adolescência e as
relações entre ensino e desenvolvimento podem contribuir,
significativamente, para que a docência com adolescentes tenha mais
condições de promover o desenvolvimento humano, conforme preceitua
o Ensino Desenvolvimental (PUENTES; LONGAREZI, 2013;
LONGAREZI; PUENTES, 2013; PUENTES, 2015).
Buscamos, ao longo do trabalho, investigar como a compreensão
do professor de adolescentes sobre as características psicológicas dos seus
alunos influencia sua prática pedagógica. Em nosso objetivo geral,
consideramos, primeiramente, que as compreensões docentes se inserem
num contexto social muito mais amplo que não depende, somente, da
relação professor-aluno. Neste enfoque, concordamos com González Rey
e Mitjáns Martínez (1989), segundo os quais é equivocado se pensar que a
criança e o jovem somente se educam no período de sua vida escolar, pois
o processo de educação da personalidade é ilimitado, uma vez que a
educação e o desenvolvimento ocorrem no decorrer de toda a vida
humana.
A compreensão docente apresenta-se como aspecto significativo
no desenvolvimento da personalidade do adolescente. Ela envolve
conhecimentos gerais sobre a adolescência como etapa evolutiva, mas
requer também a observação da singularidade de cada aluno. Ademais,
múltiplos fatores devem ser considerados, tais como as representações
sociais sobre a adolescência, o conhecimento da situação social de
desenvolvimento do aluno, das leis que regem o desenvolvimento
humano, das regularidades e tendências de cada idade ao longo desse

187
processo, da posição interna de cada adolescente, dentre outros aspectos
levantados neste trabalho.
A identificação das características psicológicas dos estudantes é
apenas um dos aspectos da compreensão docente. Outro aspecto
importante é o posicionamento do professor mediante tal compreensão,
ou seja, as suas ações, a sua prática, o seu manejo de sala, a constituição
permanente do seu “fazer pedagógico” que, por sua vez, está inserido
num contexto escolar de uma dada sociedade.
Concordamos com Menezes (2004), segundo a qual, muitas vezes,
a formação do professor não contempla o conhecimento de tais
dimensões em sua complexidade e a principal via de conhecimento
docente torna-se a experiência profissional. Desse modo, a produção de
sentidos sobre tais questões é constituída no dia a dia, no chão da sala de
aula, baseada, sobretudo, nas experiências vividas junto aos alunos.
A adolescência é uma etapa do desenvolvimento humano com
características, peculiaridades, tendências psicológicas e regularidades
próprias. Não obstante, no Enfoque Histórico-Cultural, a situação social
do desenvolvimento apresenta-se como categoria central para
entendermos todas as transformações que ocorrem nesta fase, pois diz
respeito à grande reestruturação que se opera nas relações do sujeito com
o seu meio, pelas mudanças que apresentam, sobretudo, um caráter
qualitativo, resultando em novas formações na personalidade.
Os aspectos apontados neste trabalho nos fazem questionar sobre
que tipo de concepções e metodologias de ensino é preciso se desenvolver
para se contribuir efetivamente na formação da personalidade do
estudante, tendo em vista que o desenvolvimento desta deva se direcionar
para a conquista da capacidade de autodeterminação do sujeito.
Nesse sentido, há uma indicação de que a organização
metodológica considere o desenvolvimento da personalidade do
adolescente no processo ensino-aprendizagem. Entendemos que o estilo
de mediação pode ser determinante para a obtenção de resultados
satisfatórios, uma vez que é na relação entre docentes e estudantes e
destes com seus pares que o processo acontece de forma mais
significativa. Isto posto, destacamos a intencionalidade do processo
ensino-aprendizagem para que seja formada, no educando, uma
orientação ativa-transformadora para o conhecimento.

188
Para tal, há que se contemplar, nas atividades pedagógicas, a
existência de ações intencionais para que os estudantes sejam mais
propositivos, que compreendam o erro como parte do processo e não
como algo a ser temido ou motivo de vergonha. A formação de
estudantes ativos, criativos e audazes requer que “o processo educativo
contemple espaços para a individualização do conhecimento, para a
formulação de perguntas, problemas, questionamentos” (GONZÁLEZ
REY; MITJÁNS MARTÍNEZ, 1989, p. 108). Sob esse enfoque, “o erro é
um momento necessário da aprendizagem e do desenvolvimento da
personalidade; saber utilizar o mesmo como fonte de estímulo e de
desenvolvimento é um importante elemento do processo educativo”
(GONZÁLEZ REY; MITJÁNS MARTÍNEZ, 1989, p. 108). Inclusive, a
compreensão do erro como momento necessário na aprendizagem, e não
como vergonha, é um elemento que contribui para a formação de
qualidades como a persistência, a segurança e a autocrítica construtiva,
incidindo no desenvolvimento da esfera moral.
Outro aspecto a ser ressignificado diz respeito ao processo
avaliativo, conduzindo-o como momento propício e oportunidade do
educando de identificar as dificuldades e superá-las. A capacidade de
discussão pode ser ensinada em todos os conteúdos, por meio do
incentivo à apresentação de argumentos lógicos, à escuta ativa e à
mediação e conflitos relacionais.
A segurança em si mesmos pode ser construída, sobretudo, por
meio de uma organização adequada do coletivo da sala de aula, que se
atente para mecanismos sutis nas relações como olhares, gestos e palavras
que incentivem o estudante a confiar em sua capacidade de superação e
desenvolvimento de suas potencialidades. Tendo em vista que no período
da adolescência a relação com os pares é extremamente sensível para os
estudantes, revela-se extremamente importante a atitude atenta do
docente para conduzir as atividades em grupo de forma a propiciar o
maior desenvolvimento possível do alunado. A contemplação de todos
esses elementos demanda perspectivas pedagógicas e metodologias
consistentes e intencionais.
González Rey e Mitjáns Martínez (1989) apontam que o
desenvolvimento de alguns aspectos da personalidade, tais como os
interesses, a flexibilidade, a capacidade de reflexão e de estruturação do

189
campo da ação, garantem uma orientação ativa-transformadora do educando
para o conhecimento, tornando-o sujeito do processo de aprendizagem. O
estudante com tal orientação é capaz de se implicar no processo ensino-
aprendizagem que, por sua vez, converte-se numa via de desenvolvimento
de suas potencialidades. De acordo com González Rey e Mitjáns Martínez
(1989), isso pode ser feito estimulando elementos psicológicos da
personalidade, tais como a sua iniciativa, persistência, capacidade de
discussão e segurança em si mesmo, ao longo de sua escolarização. Esses
elementos serão significativos no modo como o aluno utiliza os seus
conhecimentos.
Nesse sentido, como despertar o interesse pelo conhecimento dos
estudantes, que estratégias utilizar em sala de aula para que eles aprendam
o significado de flexibilidade e a vivenciem, bem como a capacidade de
reflexão e proposições para agir no mundo, são questões sobremaneira
importantes a serem consideradas na docência que se pretende guiar por
uma orientação ativa e transformadora.
Por outro lado, alunos que não desenvolvem tais características de
personalidade, apresentam aspectos como a rigidez, a falta de interesses, a
pobreza de reflexão e insegurança, sendo conduzidos por uma orientação
passivo-descritiva ao longo do processo ensino-aprendizagem.
Consequentemente, tais alunos se implicam de forma insatisfatória em sua
escolarização, pois trabalham com as informações apenas para cumprir
com as exigências que, para eles são externas, de modo que o ensino
perde o seu valor educativo e não apresenta nenhuma significação para o
desenvolvimento da personalidade.
Os autores assinalam que as reflexões, as ideias, as dúvidas e as
vivências produzidas na atividade de estudo, durante a assimilação de
conhecimentos, são elementos fundamentais para que o professor
conduza o processo de individualização do conhecimento. Muitas vezes,
tais elementos não são cultivados nem estimulados pelo professor no
processo ensino-aprendizagem. Deste modo, se incita a “condição
passivo-reprodutivista”, ou seja, a capacidade do educando para
reproduzir a informação, sem sentido educativo para si. Este modo de
compreender o processo ensino-aprendizagem o reduz a memorizar e a
reproduzir, e não a pensar.

190
Um processo ensino-aprendizagem adequadamente desenvolvido
é fundamental para a educação da personalidade, uma vez que nele, além
de obter conhecimentos, o aluno desenvolve interesses, aprende a se
expressar, a defender seus critérios, a formar suas convicções, a propor
questionamentos mediante a realidade, a educar sua persistência, sua
autocrítica, dentre outras particularidades centrais para o desenvolvimento
da personalidade. Assim, é essencial o papel criativo e ativo do professor,
que deve adequar o material pedagógico às particularidades dos
estudantes, desenvolvendo atividades que estimulem a participação dos
alunos, estimulando a dúvida e a reflexão (GONZÁLEZ REY;
MARTÍNEZ, 1989, p. 109).
Outro fator a ser destacado para se considerar na prática
pedagógica e sua importância na formação da personalidade do estudante,
é considerar a unidade entre os aspectos cognitivos e afetivos, uma vez
que na escola, os parâmetros de qualidade exigidos para a avaliação da
aprendizagem têm sido eminentemente cognitivos e, neste sentido,
componentes afetivos tais como as emoções e os sentimentos, muitas
vezes não são considerados como características intrínsecas à formação
humana (FARIÑAS, 1999). Tal dicotomia reflete-se no pensamento
equivocado segundo o qual os aspectos cognitivos devam ser tratados
exclusivamente pela Pedagogia, da mesma forma que os aspectos
emocionais/relacionais/afetivos devam ser tratados somente pela
Psicologia.
Entendemos que, uma vez que o processo ensino-aprendizagem
ocorre, sobretudo, em sala de aula, local onde os estudantes convivem
entre si, por meio de trocas e interações, torna-se fundamental considerar
a qualidade da convivência dos estudantes neste espaço e nos demais
ambientes da escola, favorecendo relações saudáveis, onde a violência
física e psicológica seja combatida por toda a comunidade escolar. As
vivências dos estudantes, ou seja, o modo como se relacionam
afetivamente com as experiências sociais são determinantes para o
desenvolvimento adequado da personalidade dos alunos e,
consequentemente, de suas aprendizagens.
Nesta perspectiva, Toassa (2009) lembra-nos de que Vigotski
apresenta uma compreensão dialética do psiquismo, e por isto, não separa
pensamento/cognição de afeto/emoção. O autor estabelece que a emoção

191
e a cognição formam uma unidade, preconizando que, assim como a
memória, a atenção e o pensamento, os afetos consistem em funções
psicológicas superiores, portanto, passíveis de mediação. Tanamachi e
Meira (2003, p. 50) destacam que “na medida em que é impossível separar
processos intelectuais e afetivos, para que a aprendizagem ocorra, é
preciso que se estabeleça um vínculo que possa levar o aluno a dirigir sua
atenção para o objeto do conhecimento”. Ademais, conceber o sujeito em sua
condição subjetiva é essencial para a compreensão do seu processo de aprendizado, pois
torna possível reconhecer e compreender as emoções do sujeito
produzidas no processo de aprendizagem, que é repleto de produção de
sentidos.
Assim, González Rey (2013) indica a importância do sentido que
o processo de aprendizagem tem para o sujeito, em sua condição singular,
dentro de sua trajetória de vida. Para o autor, ao considerarmos a
condição subjetiva do sujeito aprendente, é possível acessarmos as
emoções que são geradas em outros espaços da vida, mas que surgem em
sala de aula. Nesta perspectiva, o sujeito da aprendizagem não se constitui
como mero assimilador de conhecimentos, mas sujeito ativo, gerador de
sentidos na produção do conhecimento.
O autor sublinha que os processos sociais nem são externos aos
indivíduos e nem estanques, mas são sistemas complexos em que o
indivíduo é, ao mesmo tempo, constituinte e constituído. Suas
ponderações levam-nos a compreender a complexidade das relações
estabelecidas no contexto escolar, esclarecendo o modo como os
elementos de sentido, que se estendem àqueles gerados nos processos
relacionais restritos ao espaço escolar, se integram e constituem a
subjetividade escolar.
González Rey (2013) ressalta que os elementos de sentido
presentes em configurações subjetivas de espaços sociais concretos
relacionam-se, constantemente, com outros elementos de sentido de
diferentes espaços sociais e é precisamente nesses espaços
interconectados, constituídos histórica e culturalmente, que a
personalidade se desenvolve. Compreender a articulação de tais elementos
e considerá-los, atuando de forma a promover o desenvolvimento
psíquico dos estudantes por meio do ensino trata-se de um desafio ainda a
ser superado.

192
Assim como os estudantes levam para a escola conhecimentos
aprendidos em outros espaços, eles também podem apresentar elementos
afetivo-relacionais que foram gerados em outros ambientes sociais para a
escola e, muitas vezes, surgem situações que precisam da mediação da
equipe pedagógica, como, por exemplo, o aluno que está apático porque
presenciou uma briga familiar em casa. O inverso também pode
acontecer: vivências escolares são levadas para o ambiente familiar,
demandando atenção e cuidado da família e articulação desta com a
escola. Todas essas inter-relações constituem a subjetividade do estudante
e impactam no processo ensino-aprendizagem e no desenvolvimento de
sua personalidade. Neste viés, faz-se necessário a elaboração de propostas
educacionais que contribuam na construção de um processo de
escolarização que, realmente, reconheça a subjetividade dos estudantes no
processo de elaboração do conhecimento e, a partir disso, atue na tríade
ensino-aprendizagem-desenvolvimento.

Considerações Finais

Um dos maiores desafios no estudo do desenvolvimento


psicológico humano talvez seja perceber algumas regularidades e
tendências do desenvolvimento e, ao mesmo tempo, reconhecer a
expressão particular de cada sujeito, ativo em sua constituição. Portanto,
para os adultos que convivem com o adolescente, acompanhá-lo em seu
processo de mudanças pode ser tarefa complexa, tendo em vista a
necessidade de se compreender o processo educativo na adolescência
articulado ao desenvolvimento da personalidade do sujeito.
A compreensão docente sobre as características psicológicas dos
alunos e as suas práticas pedagógicas constitui uma relação e é indiscutível
a complexidade da docência junto a adolescentes. O trabalho nesse nível
de ensino, especializado em disciplinas como Geografia, Matemática e
Ciências, provém de uma formação em licenciatura, focada em conteúdos
específicos e que não se aprofunda nas questões pedagógicas que o
Ensino Fundamental exige. Sob este aspecto, como identificamos nas
entrevistas com os docentes, a maioria deles não teve a oportunidade de
estudar sobre o desenvolvimento humano na adolescência e, tampouco,
relacioná-lo, sistematicamente, à prática pedagógica. Tal realidade diz

193
respeito à importância do conteúdo de Psicologia do Desenvolvimento e
Psicologia da Educação nas licenciaturas, tema abordado pela tese de
Checchia (2015) sobre a disciplina Psicologia da Educação nas
licenciaturas. Por sua vez, a Psicologia Escolar, pode contribuir muito
com propostas de formação continuada, que contemplem um sólido
referencial teórico sobre a adolescência.
A experiência profissional oferece ao docente variadas vivências
que tornam o seu conhecimento um sólido referencial que vai sendo
ressignificado, gradualmente, a partir do cotidiano da sala de aula. O
professor se depara, no cotidiano escolar, com alunos que demandam
formas de atuação muito peculiares à etapa em que vivem, exigindo-lhe
determinados conhecimentos e habilidades que ultrapassam o domínio
dos conteúdos e apontam para a importância de saber conduzir as
relações interpessoais, considerando as características psicológicas desse
público. Logo, torna-se fundamental a organização do coletivo da sala de
aula, tendo em vista os impactos deste na formação da personalidade do
aluno, cujo processo intensivo de formação da identidade pessoal o torna
extremamente sensível às opiniões sociais.
Ao reconhecermos a importância dos conhecimentos acumulados
pelos docentes ao longo de sua trajetória profissional, tivemos como
desafio transformá-los em saberes sistematizados, que pudessem ser
compartilhados coletivamente sem perder de vista a dinamicidade do
processo da docência. Não obstante, ressaltamos a importância da
formação continuada para auxiliar o docente a compreender o seu
cotidiano, a partir do conhecimento teórico, por meio do qual ele poderá
desenvolver novos modos de pensar e fazer a sua atuação profissional.
Seguramente, faz-se necessário investir na formação docente para
que este utilize seus recursos criativos e autônomos e, consequentemente,
possa contribuir para que os estudantes também desenvolvam sua
personalidade de forma ativa, criativa e autônoma, ao longo de sua
escolarização. Entendemos que as metodologias estão inteiramente
relacionadas às concepções de ensino-aprendizagem e, consequentemente,
os processos almejados a partir da tríade ensino-aprendizagem-
desenvolvimento apontam para que sejam considerados, na prática
pedagógica, alguns princípios, tais como: o caráter histórico-cultural do
conhecimento, a importância da função da mediação docente no processo

194
ensino-aprendizagem-desenvolvimento, o papel do ensino na formação da
personalidade do educando, os períodos sensíveis das etapas do
desenvolvimento humano e as pistas decorrentes desse estudo para que
sejam desenvolvidas metodologias que instiguem e potencializem o
desenvolvimento psicológico dos estudantes.
Esperamos que as sistematizações realizadas no presente estudo
contribuam para a produção de subsídios teóricos sobre as relações entre
ensino e desenvolvimento de adolescentes, no Enfoque Histórico-
Cultural. Este trabalho sobre a docência com adolescentes, longe de
pretender esgotar um tema tão complexo, apresenta-se como um
conjunto de informações que podem servir como pressupostos na
constituição de um Ensino Desenvolvimental, voltado para a
adolescência. Tais pressupostos podem tornar-se fonte de estudo e de
outras pesquisas, além de constituir-se em conteúdos para cursos de
formação inicial e continuada de professores da educação básica. A partir
das considerações deste trabalho, indicamos também que sejam feitas
novas investigações com os adolescentes, com o intuito de contribuir para
melhorar a qualidade de um ensino desenvolvimental.

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198
Capítulo 7

Os princípios didáticos na perspectiva marxista da educação:


uma análise à luz da teoria da subjetividade74

Naíma de Paula Salgado Chaves


Roberto Valdés Puentes

Introdução

Os sistemas de princípios didáticos elaborados na perspectiva


marxista da educação foram objeto de nossa pesquisa (CHAVES, 2019) e
de estudo crítico de seus fundamentos filosóficos, psicológicos e
pedagógicos com base em alguns pressupostos da Epistemologia
Qualitativa75 e da Teoria da Subjetividade de Fernando González Rey e
seus seguidores (GONZÁLEZ REY, 2002a, 1997).
González Rey76 desenvolveu sua teoria sob a compreensão de que
o materialismo histórico e dialético une a realidade objetiva, os sujeitos e
suas transformações, bem como de que a matéria não está posta a priori
em relação à consciência: ela se constitui no ato consciente. Assim,
matéria e consciência se dão em uma relação de reciprocidade, sem que
uma seja causa da outra. Ambas se evocam ao mesmo tempo. É nesse
sentido que González Rey desenvolve sua concepção teórica de sujeito,
personalidade, aprendizagem, desenvolvimento e subjetividade.

74 O presente texto apresenta os resultados obtidos na produção da tese de


Doutorado em Educação do Programa de Pós-Graduação em Educação pela
Universidade Federal de Uberlândia, MG/2019, 284f. desenvolvida sob a orientação
do Prof. Dr. Roberto Valdés Puentes.
75 Os principais aspectos da Epistemologia Qualitativa são o caráter construtivo-

interpretativo da produção do conhecimento; a pesquisa como processo de


comunicação e diálogo; e a legitimação do singular como instância de produção do
conhecimento científico.
76 Em nossa tese apresentamos o estudo crítico de Fernando González Rey às

diferentes correntes da Teoria Cultural-Histórica desenvolvida na União Soviética,


especialmente, da Teoria da Atividade. Sua análise, estudo e crítica se desenvolve a
partir das proposições dos autores que investiga, citando suas teses e contrapondo-as.

199
A Didática é aqui assumida enquanto eixo central da pesquisa,
a partir do estudo de uma de suas categorias específicas, os
“princípios didáticos”. A Didática é a teoria e prática da organização
do processo de ensino-aprendizagem fundamentado na unidade
dialética e complexa dos modos, condições e fundamentos de sua
realização, visando à formação integral do ser humano. Isso posto,
apresentaram-se as seguintes questões: “qual a relevância da categoria
de princípios para a Didática na perspectiva marxista da educação?”;
“a compreensão crítica e a análise sobre os sistemas de princípios
didáticos formulados sob a orientação da educação marxista podem
revelar novas interpretações quanto ao entendimento da unidade
dialética entre ensino, aprendizagem e desenvolvimento e,
principalmente, de sujeito?”; “que pressupostos teóricos são
necessários para essa análise e compreensão dos sistemas de
princípios como categoria fundamental da Didática na perspectiva
marxista da educação?”
Tais questionamentos estiveram orientados pelo objetivo de
sistematizar as tipologias e classificações elaboradas sobre os
princípios didáticos na perspectiva marxista, a partir da análise crítica
à luz de alguns dos pressupostos da Teoria da Subjetividade. Desse
modo, o percurso da investigação esteve integrado por três
momentos distintos, mas complementares: a) estudo, discussão e
aprofundamento da Teoria da Subjetividade como fundamento e eixo
estrutural para as análises, leitura e interpretação dos princípios
didáticos na perspectiva marxista; b) processo de localização,
tradução, catalogação, sistematização e classificação de sistemas de
princípios didáticos elaborados por diversos autores, em contextos
históricos, sociais, culturais, políticos e econômicos distintos, na
perspectiva marxista da educação; e c) discussão e análises dos
fundamentos filosóficos, psicológicos e pedagógicos dos sistemas de
princípios didáticos na perspectiva marxista da educação localizados e
selecionados.
O texto pode ser localizado no âmbito das pesquisas
realizadas no interior do Grupo de Estudos e Pesquisas em Didática
Desenvolvimental e Profissionalização Docente – GEPEDI, que
favorecem o acesso de pesquisadores contemporâneos ao

200
pensamento e obra da matriz histórico-cultural (FEROLA, 2019;
LONGAREZI, 2017; LONGAREZI; FRANCO, 2013;
NASCIMENTO, 2014; LONGAREZI; ARAÚJO; PIOTTO;
MARCO, 2018; LONGAREZI; PUENTES; ARAUJO, 2020;
LOPES, 2020; CARDOSO, 2020; AMORIM, 2020; SOUZA, 2019;
LOPES, 2020; PUENTES, 2017; CARCANHOLO, 2020).

Teoria da subjetividade: conceitos e fundamentos

Assumiu-se a Teoria da Subjetividade como fundamento para


nossa análise crítica, em primeiro lugar, pelo vínculo intelectual e pessoal
que o Gepedi – Grupo de Pesquisas em Didática Desenvolvimental e
Prossionalização Docente, mantém com seu fundador, o pesquisador
cubano Fernando González Rey, Albertina Mitjáns Martínez, seu grupo e
seus colaboradores; em segundo, pelos seus aportes teóricos que colocam
em evidência as dicotomias interno/externo; realidade subjetiva/realidade
objetiva; produção/reprodução; cognitivo/emocional, dentre outras, que
abrem novas possibilidades de compreender que o sujeito integra como
unidade e totalidade de forma complexa e dialética essas dicotomias.
Entendemos que uma análise crítica precisa ser apurada por uma
base teórica que forneça critérios que possibilitem desenvolvê-la e que seja
fonte de contribuição para o avanço da ciência, isso é, não invalida ou
nega o que já foi desenvolvido, mas, de posse destas produções teóricas
que carregam consigo expressões históricas, sociais, culturais, políticas e
de subjetividades, o objetivo é inspirar uma interpretação que oxigene
ideias e desafie novos projetos.
É, portanto, imprescindível reconhecer as relevantes contribuições
que representaram e orientaram o processo educativo em determinados
momentos, posição que não impede a análise das suas limitações, o que
certamente possibilita avanço no estudo da Didática, em especial na sua
categoria de formulação de princípios didáticos.
As bases da Teoria da Subjetividade de González Rey se
sustentam nos clássicos do materialismo histórico-dialético (K. Marx e F.
Engels), nas posições filosóficas de C. Marx, Maurice Merleau-Ponty e
Edgar Morin, na psicologia cultural-histórica (principalmente L. S.
Vigotski, S. L. Rubinsten e L. Bozhovich, V. E. Chudnovaky, K. A.

201
Abuljanova, B. F. Lomov e B. G. Ananiev,) e nas concepções psicológicas
da personalidade de G. Allport e F. Guattari. Seu ponto característico é o
entendimento do caráter gerador da psique, convicção que contradiz as
concepções psicológicas marxistas da maior parte dos autores que lhe
precederam. Este entendimento entra em contradição, sobretudo, com a
teoria cultural-histórica da atividade, de A. N. Leontiev e seguidores.
O caráter materialista nesta concepção de subjetividade defendida
por González Rey, ultrapassa o entendimento de materialismo como
sinônimo de determinismo; além disso, mantendo a defesa de seu caráter
histórico, social, cultural, no papel do trabalho e da atividade na
constituição humana, conforme afirma Marx (2008):

[...]. O modo de produção da vida material é que condiciona o


processo da vida social, política e espiritual. Não é a consciência
dos homens que determina o seu ser, mas, inversamente, o seu ser
social que determina a sua consciência (MARX, 2008, p.47).

De acordo com o filósofo, o ponto de partida para a compreensão


da realidade social não é o que está, a priori, na consciência, como
resultante do pensar. Contudo, mesmo com a ressalva imperativa de que
não se deve começar pela consciência, o filósofo alemão não advoga que o
pensar e seus produtos (como as ideias e a consciência) devam ser
ignorados no processo do conhecimento e nem exclui estas questões de o
processo material-dialético de formação do homem como ser humano-
social.
Neste processo, Marx chegou às seguintes conclusões: o material
é o determinante do real; essa condição, porém, não implica abolir o papel
ativo do pensamento, das ideias, da consciência. O que esse entendimento
revela é a intrínseca relação entre o material e o ideal. A filosofia histórico-
dialética emprega uma concepção materialista que une dialeticamente a
realidade objetiva, os sujeitos e suas transformações. Desta forma, a ideia
de que a matéria precede a consciência não significa afirmar que um
desses elementos precede o outro, ou o inverso: significa que a ideia é
condição para a atividade consciente.
A interpretação do pensamento de Marx que leva a um
reducionismo e objetivismo, a um mecanicismo entre a esfera da

202
produção da existência (determinante) e a esfera das ideias e da
consciência (determinada), sem uma ideia de unidade ou de práxis como
mediação entre a objetividade e a subjetividade, entre o material e o
espiritual, entre a base e a superestrutura, carece de uma análise
consistente de sua filosofia. A Teoria da Subjetividade de González Rey
assume, de partida, a posição marxista sobre a materialidade, que une
dialeticamente a realidade objetiva, os sujeitos e suas transformações, e
que, a partir disso, ativa nossas interpretações e coerência do fundamento
apreendido.
Diante dessa breve consideração a respeito da base materialista da
Teoria da Subjetividade de González Rey fica evidente a indissociabilidade
entre a concepção materialista e a lógica histórico-dialética como
coerência de sua perspectiva marxista. Ao considerar as origens materiais
e a ação interativa e implicada do homem na sua ação de transformar,
criar, produzir, relacionar-se e viver suas experiências demonstra-nos sua
compreensão do homem como gerador de sentidos subjetivos.
Na Teoria da Subjetividade considera-se que o social e o
individual são sistemas que se constituem mutuamente, em que um não se
sobrepõe ao outro. Nas palavras do autor,“a subjetividade não tem causas
externas, ela expressa produções diante das situações vividas”
(GONZÁLEZ REY, 2017, p. 51). A subjetividade é simultaneamente
individual e social, se produz na vida. Isso inviabiliza pensar em
determinação social. Nessa direção, é essencial compreender a
subjetividade como um sistema configuracional, em que não há relação
imediata entre os diferentes elementos dos sistemas e tampouco que a
soma deles define a subjetividade. A subjetividade é a produção que
emerge da articulação desses sistemas (individual e social) na sua relação
com a cultura. Portanto, a Teoria da Subjetividade compõe-se de
conceitos que dão unidade a um sistema de configuração de sentidos
subjetivos e significados. As configurações são sistemas em movimento
que guardam a qualidade de compreender o sujeito como gerador e
produtor de subjetividades num processo ativo que expressa a vitalidade
da vida.
González Rey (2005a,c) apresenta um arcabouço teórico
detalhando todo o percurso histórico em que o campo da psicologia foi
sendo desenvolvido, explorando assim os fundamentos e concepções que

203
cada momento histórico, social, econômico e político engendrou em sua
constituição. Diante dos argumentos de que o sujeito se constitui pela
reprodução, assimilação, interiorização, apropriação e consciência como
reflexo, traz novos argumentos que contradizem a noção de sujeito
determinado e passivo, ao reconhecer o caráter produtor de sua
subjetividade a partir da experiência vivida na atividade humana. É uma
totalidade, uma rede complexa e implicada entre sujeito e a realidade (que
não é só o hoje, mas a vida de toda a humanidade) que, ao ser vivida, é
continuadamente pensada, transformada e produzida.
A psicologia soviética foi pioneira no desenvolvimento de uma
concepção que ampliou a compreensão dos fenômenos psicológicos
condicionando-os aos aspectos sociais, históricos e culturais
(GONZÁLEZ REY, 2005a). A explicação sobre a questão da formação
social do psiquismo se deu sobre a base de dois processos: o reflexo e a
interiorização, os quais, segundo González Rey (2005a), dão atribuição
primária ao objeto.
A partir do estudo consistente contextualizado das obras de
Vigotski e Rubinstein, dentre outros, González Rey (1997, 2005a, 2005b,
2005c, 2005d, 2007, 2012a, 2012b) elaborou os elementos essenciais para
o desenvolvimento da categoria subjetividade77. Essa categoria analítica
esteve presente desde o início de suas investigações e seu
desenvolvimento foi se constituindo a partir das análises críticas dos
principais períodos e ideias de Vigotski e Rubinstein, mais
especificamente, da produção teórica de ambos. Destes pesquisadores,
González Rey (2012c) coloca:

O caráter gerador, produtor da psique humana, essencial para a


consideração da subjetividade como produção de sentido
(GONZÁLEZ REY, 2001, 2002), é o centro da última mensagem

77 Ainda, para entender o significado de subjetividade, é importante esclarecer a


diferença entre a subjetividade e o subjetivismo. O subjetivismo representa a ênfase
em uma gênese intrapsíquica dos fenômenos humanos de maneira separada de outras
condições da vida, já a subjetividade é a qualidade específica dos processos e
fenômenos humanos nas condições da cultura, algo inseparável das condições de vida
da pessoa, ainda que não seja uma expressão direta e linear dessas condições.
(GONZÁLEZ REY, 2015, p. 13).

204
que Rubinstein nos legou a partir de suas últimas obras, o que teve
outra grande semelhança com Vygotsky. Ambos, Vygotsky e
Rubinstein, foram, a meu ver, os autores mais importantes da
nascente psicologia cultural-histórica que emergiu no devir da
Psicologia Soviética. (GONZÁLEZ REY, 2012c, p. 270).

Portanto, pode-se inferir que González Rey desenvolveu a Teoria


da Subjetividade a partir da compreensão crítica das tensões e
contradições do surgimento da Psicologia Soviética dentro de seu
contexto, e do caráter eminentemente dialético de sua parte. O
pesquisador evidencia a apreensão entre a ciência e a política que
caracterizaram todo o desenvolvimento da psicologia soviética e suas
construções teóricas. Exemplifica:

Na Teoria de A. N. Leontiev se sintetizam muito bem os


dois efeitos centrais do estalinismo sobre a psicologia: sua
tendência à objetivação do psíquico, e se centrar nos
níveis micro do social, deixando de lado os níveis
macrossociais e as formas em que estes vão intervir no
desenvolvimento da subjetividade individual e social.
(GONZÁLEZ REY, 2005a, p. 84).

Tal postura de Leontiev, comum à de muitos outros da época,


inviabilizou a compreensão da psique como produtora e geradora,
reduzindo-a apenas à noção de reflexo do externo.
Nessa nova proposta de González Rey, em que as configurações
subjetivas – e não mais as funções psíquicas – são o núcleo da
subjetividade humana, ganha centralidade o caráter gerador e produtivo
dos processos subjetivos da experiência humana. Este caráter gerador de
subjetividades dos processos humanos se opõe ao paradigma natural-
instrumentalista, isto é, o materialismo mecanicista que predominou na
psicologia soviética. Assim, conceitos como internalização, reflexo e
mediação, não são mais fundamentos para explicar o complexo
funcionamento e desenvolvimento das funções psíquicas como
configurações psicológicas.
González Rey (2003) ainda elucida que o desenvolvimento da
subjetividade responde à tentativa de reconceituar o fenômeno psíquico

205
em uma ontologia78 própria. Para tanto, defende a necessidade de uma
mudança epistemológica e metodológica que apoie a produção desse
conhecimento, orientada para uma realidade de caráter sistêmico, dialético
e dialógico.
Compreendido, de modo geral, o movimento investigativo e
crítico que González Rey desenvolve para propor a Teoria da
Subjetividade, passamos a discutir sobre os principais conceitos que
formam a base para a análise dos sistemas de princípios didáticos que
apresentaremos mais adiante. Trataremos primeiramente do conceito que
subjetividade.
O termo “subjetividade” trata de um processo qualitativo do ser
humano (sujeito como gerador e produtor de subjetividades num
processo ativo que expressa a vitalidade da vida), seja ele social ou
individual, que envolve emoções e processos simbólicos que se integram
em novas unidades subjetivas, o que possibilita o desenvolvimento da
personalidade79 como uma nova qualidade humana, a subjetividade, a
partir de um movimento dialético entre o social e o individual. O
momento individual é constituído por um sujeito comprometido e
implicado permanentemente no processo de suas práticas sociais, de suas
reflexões e de seus sentidos subjetivos. Os sentidos subjetivos expressam,
portanto, o microcosmo de toda a sua vida. O modo como as experiências
histórico-sociais são vivenciadas pelo indivíduo e pelas instâncias sociais
resultam em configurações subjetivas que emergem no curso destas
experiências.

78 Entendendo ontologia como o movimento de investigação do ser humano,


superando a falsa concepção da sua natureza como imutável e a-histórica. Portanto,
não há como discutir a ontologia do ser social sem compreender a ontologia geral,
isto é, entender a visão histórica e social do real. Compreensão de que consciência e
realidade objetiva são dois momentos com o mesmo estatuto ontológico, ou seja, a
consciência não é um simples epifenômeno da realidade objetiva.
79 A personalidade é entendida como uma fonte dinâmica de sentidos subjetivos no

contexto da ação, não sendo um fator determinante do comportamento humano. As


expectativas, os sentimentos e outras produções subjetivas resultam no sistema
subjetivo individual produzido na sua experiência vivida. González Rey relata que
essa compreensão da personalidade como sistema implicado no curso da ação e não
como determinante dela, o fez reler a obra de Vigotski e repensar a definição de
sentido psicológico a partir do que ele conceituou “sentido da palavra”, resultando no
trânsito do tema de “personalidade” para o tema de “subjetividade”.

206
Nesta compreensão, entende-se que é um processo que nos
permite adentrar nas complexas formações “simbólico-emocionais”80 que
estão na base das produções humanas. Assim, tornam-se importantes
elementos de estudo: a gênese deste processo; a relevância do afeto, das
emoções sem sobreposição ao cognitivo e vice-versa; a consciência como
unidade dialética; e a cultura.
Outro conceito fundamental é o de “sujeito”. Vejamos nas
próprias palavras do autor: “o sujeito representa aquele que abre uma via própria
de subjetivação, que transcende o espaço social normativo dentro do qual suas
experiências acontecem, exercendo opções criativas [...]” (GONZÁLEZ REY,
2017, p.73). Nessa perspectiva, fica evidente o caráter gerador e produtor
do sujeito na unidade do simbólico-emocional. A produção é uma
dimensão fundamental para a subjetividade. A experiência pode ser a
mesma para os sujeitos, o que vai mudar é a maneira como cada um sente
e produz sentidos subjetivos. Isto posto, fica claro que a unidade do
simbólico (cognitivo, criatividade, fantasia, imaginação) e do emocional
representa o “sentido subjetivo”, e define o caráter subjetivo das
experiências humanas. Em outras palavras, sentido subjetivo é a unidade
do simbólico-emocional a partir da experiência vivida pelo sujeito. É uma
produção do sujeito na sua interação com o mundo, tornando a realidade
subjetiva, nutrindo-se constantemente da experiência vivida, não só de
suas ações do momento atual, mas também dos sentidos historicamente
configurados. O sentido se caracteriza como produção singular: não é
universal, pois traz a marca da história do sujeito e de sua ação nos
contextos atuais de sua vida. Deste modo, o sentido está sempre
envolvido na subjetividade, tanto social como individual.

80 A unidade simbólico-emocional difere do princípio da unidade cognitivo-afetivo


formulado por Vigotski, na sua tentativa de evidenciar uma concepção integradora da
psique. Simbólico são processos que substituem, transformam e sintetizam sistemas
de realidades objetivas em realidades (produção humana) que são inteligíveis na
cultura. O simbólico termina sendo naturalizado como parte da objetividade em que
o mundo cultural humano aparece para a nova geração. Portanto, não são produções
lineares e nem diretas com a realidade, pois, tem um caráter singular. O simbólico
aponta para o caráter gerador da psique do homem, como criador e utilizador de
símbolos nos espaços culturais, isto é, o simbólico é uma produção que expressa o
caráter gerador de subjetividade. Já o cognitivo fica mais restrito à capacidade do
homem se relacionar com algo pela informação. Assim, os processos simbólicos são
inseparáveis dos emocionais. (GONZÁLEZ REY, 2017)

207
É preciso entender a unidade simbólico-emocional como uma
chave de análise crítico-interpretativa das concepções teóricas-
metodológicas que fundamentaram a elaboração de princípios didáticos na
perspectiva marxista, para buscar, em profundidade, desvelar a aparência
formal de integrar afetivo e cognitivo e sua realização. Aliado a essa
compreensão, temos como máxima de análise o conceito de sujeito no
reconhecimento de seu caráter ativo, gerador, reflexivo, criativo e sua
relação com o social em permanente estado de tensão e rupturas,
podendo gerar novos sentidos subjetivos e, assim, unidades de
subjetivação individual e social.
Com base nesses conceitos, González Rey defende a ideia da
aprendizagem enquanto uma produção subjetiva na qual se desenvolve e
se criam, a partir do conhecimento, recursos para enfrentar exigências e
situações da vida que cobram seu posicionamento, decisão e participação,
e não a mera reprodução acrítica do quanto aprendido. A aprendizagem e
o desenvolvimento do sujeito estão intrinsicamente relacionados e são
processos interativos, de qualidade e produção subjetiva que integra o
individual e o social. Desse modo, é essencial transcender a concepção
cognitivo-intelectual do processo de aprender ou de um processo
plurideterminado no qual o emocional e o relacional são considerados
uma adição ao cognitivo para favorecê-lo ou estimulá-lo. Mitjáns Martinez
e González Rey (2012) explicam o significado que a produção do
conhecimento tem como essencial à categoria do sujeito que aprende. A
natureza psicológica do aprender é inseparável da subjetividade. A
subjetividade alimenta-se de uma produção simbólica de origem cultural e
de uma produção social e histórica. Desse modo, essa produção na prática
social é portadora de uma emocionalidade que se constitui no sujeito,
sentidos que permitem falar da mente como sistema gerador,
compreendendo que a aprendizagem escolar como um processo em que a
personalidade está ativamente implicada.
Esta explicação nos coloca diante de uma reflexão importante, de
que a produção do sujeito tem como matéria prima sua vida social e
cultural, articulada a todos os seus processos subjetivos constituídos em
sua experiência vivida. Assim, esta produção caracteriza o sujeito que
aprende e desenvolve pela capacidade de produzir configurações
subjetivas que explicam o desenvolvimento de recursos, de operações,

208
funções e decisões que assume em novas experiências de forma ativa e
comprometida. Nestes termos, o elemento-chave para compreender a qualidade
da aprendizagem e do desenvolvimento é a capacidade geradora do sujeito frente
às situações em que usa esse saber.
Ao não considerar o envolvimento emocional dos alunos, promovendo
meramente um exercício cognitivo que se aplica ao desenvolvimento puramente
intelectual, o processo de ensino-aprendizagem institucionalizado permanece
desprovido de sentido subjetivo. Compreender o ser humano é vê-lo como
processo, como fenômeno em andamento, que vive a contradição e, por não
estar totalmente determinado, é essencialmente mutável, é transformador, é
desafiado por si mesmo a superar-se.

Sistemas de princípios didáticos na perspectiva marxista de


educação

Com base nesses fundamentos de González Rey, definiram-se as


categorias de análise dos sistemas de princípios didáticos na perspectiva marxista
da educação: sujeito, subjetividade, sentido subjetivo, aprendizagem e
desenvolvimento, unidade simbólico-emocional e dialética.
O olhar investigativo sobre a categoria da Didática intitulada “princípios
Didáticos”, é, em nosso entendimento, singular por possibilitar, ainda mais,
validar a relação entre as leis do ensino, os princípios didáticos e as regras
didáticas que são indicações complementares para a realização e correta
condução dos princípios didáticos, bem como a articulação intrínseca destes
elementos com as finalidades da educação e da sociedade e, com isso, revelar o
valor pedagógico, científico e filosófico assumido pelos componentes da
Didática. A partir da imagem a seguir (Figura 1), pode-se visualizar e
compreender como se estabelecem a organização desta relação:

FIGURA 1 – RELAÇÃO ENTRE PRINCÍPIOS DIDÁTICOS E LEIS

Fonte: Chaves (2019).

209
Os “princípios didáticos” configuram um sistema e são
postulados gerais sobre a estruturação do processo de ensino-
aprendizagem em correspondência com os objetivos e fins da educação,
fundamentando a direção e orientação do trabalho docente na formação
intelectual e no desenvolvimento do estudante, conforme os objetivos da
sociedade em questão. Eles têm caráter sistêmico e processual, pelo que a
não observância de um dos princípios didáticos que compõem o sistema
coloca em fragilidade o cumprimento dos demais e, por conseguinte, afeta
o processo e o resultado da finalidade do sistema e da educação. No
sistema de princípios, cada unidade cumpre determinados objetivos do
ensino e, ao mesmo tempo, se subordina às finalidades de todo o sistema
e da educação, o que exige que sejam observados em sua integralidade
(KLINGBERG, 1972; DANILOV, 1972).
Os princípios didáticos originam-se do desenvolvimento histórico
da prática educativa a partir de suas determinadas regularidades,
características gerais e regras, o que corrobora para o caráter científico da
Didática. O processo de ensino-aprendizagem assume, assim, sua
explicação e orientação científica com o apoio de outras ciências. Não é
demais enfatizar que uma investigação sobre os fundamentos filosóficos,
psicológicos e pedagógicos que orientaram a produção de princípios
didáticos na perspectiva marxista da educação remete-nos a possibilidade
de pensar/transformar a realidade brasileira a partir de princípios
didáticos, pois guardam em si a função de garantir que as finalidades da
educação e da sociedade se materializem. Por exemplo, podemos, ao
longo da leitura da análise interpretativa dos sistemas de princípios
didáticos, ir produzindo um desejo de que princípios didáticos, na
perspectiva da Teoria da Subjetividade, ampliem cada vez mais nossa
compreensão de que o processo de aprendizagem nos torna cada vez mais
perto de nossa humanidade, e de que sejamos todos sujeitos autorais de
nossa história em unidade uns com os outros.
Desse modo, nosso estudo corrobora a importância do
conhecimento dos fundamentos e finalidades do processo educativo na
hora de viabilizar a criação de condições para que passem da esfera teórica
à esfera prática. Isto é, compreender as finalidades e os objetivos gerais da
Educação é essencial para entender a existência e as relações humanas na
sua dinamicidade, complexidade e entrelaçadas pelas condições históricas,
sociais, culturais e econômicas. Assim, extraem-se fundamentos que

210
desestabilizam a tradicional estrutura limitadora do pedagógico apenas às
paredes da sala de aula, negando-se a educação como ação política que
proporciona conhecimentos e habilidades para uma vida produtiva no
contexto de construção de uma sociedade democrática, intercultural e
cidadã.
A pesquisa teve como critério de delimitação a escolha de autores
cujos trabalhos apresentam uma base filosófica materialista e dialética a
respeito do caráter histórico-cultural da sociedade e dos indivíduos, bem
como sobre o papel da educação, da escola e dos processos de ensino-
aprendizagem no desenvolvimento do psiquismo humano, formulada por
K. Marx, F. Engels e V. I. Lenin, fundamentalmente.81 A partir desse
critério, foram selecionados os sistemas de princípios didáticos
estabelecidos por autores soviéticos e russos, alemães, cubanos e
brasileiros que se apresentam no quadro a seguir (Quadro 1).

Quadro 1 – Autores marxistas com sistemas de princípios didáticos selecionados.


Nacionalidade Autor(es) Ano

1.L.S. Vigotski, A. N. Leontiev, Ya. Galperin (1930-


(apresentados por Isauro Beltrán Núñez). 1950) -
2.N. A. Konstantinov, A. L. Savich e M. T. Smirnov 2009
3.N. V. Savin 1964
Soviéticos e russos 4.V.V. Davidov 1972
5.M. A. Danilov 1975
6.L. V. Zankov 1972
7.A. A. Leontiev 1975
1999
Alemães 1.L. Klingberg 1972
2.Coletivo de Autores 1981

1.G. Labarrere Reyes e G. E. Valdívia Pairol 1988


Cubanos 2.M. Silvestre Oramas e J. Zilberstein Toruncha 2002
3.A. Mitjáns Martínez 1997/2017

1.J. C. Libâneo 1990


2.M. S. F. Sforni 2015
Brasileiros 3.L. M. Araújo Souza 2016
4.M. A. S. Franco
2013
5.A. M. Longarezi
2017
Fonte: Chaves (2019).

81A presente pesquisa levou em consideração, como fonte de inspiração de natureza teórica
e metodológica, os estudos prévios sobre princípios didáticos realizados por (SILVESTRE
ORAMAS; TORUNCHA ZILBERSTEIN, 2000, 2002; NÚÑEZ, 2009).

211
O quadro anterior permite conferir que foram localizados 17
(dezessete) sistemas de princípios didáticos elaborados ao longo de um
período de quase noventa anos, isto é, entre, aproximadamente, 1930 e
2017.A maior quantidade de propostas foi elaborada por autores
soviéticos e russos (7); seguida pelas brasileiras (5); cubanas (3) e alemãs
(2). O sistema de princípios de Vigotski, Leontiev e Galperin, foi
resultado da interpretação teórica da obra desses três autores realizada
pelo professor e pesquisador cubano Isauro Beltrán Núñez (2009), a partir
de Talizina (1988), para o caso específico de Galperin. As propostas
soviéticas foram elaboradas, maioritariamente, entre 1965 e 1975, etapa na
qual o desenvolvimento dos fundamentos teóricos e metodológicos da
educação atingiu seu nível mais elevado. Os sistemas de princípios
didáticos elaborados no contexto do Brasil, excetuando a proposta de
Libâneo (1990), são muito recentes.
No quadro seguinte (Quadro 2), por sua vez, apresenta-se um
panorama geral que indica: a) a distribuição das propostas de sistemas de
princípios didáticos no processo de ensino-aprendizagem na Educação
Básica e na formação de professores; b) os autores desses sistemas de
princípios didáticos; c) a nacionalidade dos autores; d) a quantidade exata
de princípios em cada sistema; a origem ou procedência desses sistemas.

Quadro 2 – Distribuição, autoria, nacionalidade, quantidade e origem dos Princípios


Didáticos
Princípios didáticos processo ensino-aprendizagem na
Educação Básica (EA)
Autores Quant. Origem
Autores Soviéticos
Principais teses dos autores:
1. Núñez apresentando a L. S.
- Ensino que desenvolve;
Vigotski; A. N. Leontiev; P. Ya. 15
- Teoria da Atividade;
Galperin
- Formação por etapas das ações mentais.
2. N. A. Konstantinov, A. L. Savich e Resultado de estudos e conferências e da
6
M. T. Smirnov concepção marxista-leninista do conhecimento.
Resultado de estudos de autores e da concepção
3. Nikolai Vasilievich Savin 5
marxista-leninista do conhecimento.
Análise e crítica dos princípios didáticos da
4. Vasili Vasilievich Davydov 4
escola tradicional.
Análise das limitações de alguns sistemas de
5. Mikhail Alexandrovich Danilov 7
princípios didáticos.
6. Leonid Zankov 5 Experimento didático-formativo.
Experiência como pesquisador, professor e
7. Alexei Alexeevich Leontiev 10
estudo teórico.

212
Autores alemães
Análises críticas, interrogações sobre a unidade
8. Lothar Klingberg 9
de leis do ensino, princípios didáticos e regras
9. Coletivo de Autores 7 Estruturação da educação socialista.
Autores cubanos
10. Guillermina Labarrere Reyes e Resposta à exigência de construção da educação
9
Gladys Valdivia Pairol socialista.
11. Margarita Silvestre Oramas e José Revisão dos principais sistemas de princípios
8
Zilberstein Toruncha didáticos e investigações experimentais.
Autores brasileiros
12. José Carlos Libâneo 6 Estudo teórico: a Didática
Aproximação da Teoria Cultural-Histórica e a
13. Marta Sueli de Faria Sforni 5
Didática.
14. Leandro Montandon de Araújo Didática desenvolvimental para o ensino da
4
Souza Sociologia no Ensino Médio.
Total de princípios (EA) 100
Princípios Didáticos – Formação de professores (FP)
Autores Quant. Origem
Autores cubanos
Pesquisas no Ensino Médio e no Ensino
Superior com o objetivo de estruturar ações
15. Albertina Mitjáns Martínez 7
sistêmicas para desenvolver a criatividade em
sala de aula – formação de professores.
Autores Brasileiros
16. Maria Amélia Santoro Franco 4 Didática para a formação de professores.
Didática desenvolvimental para a formação de
17. Andréa Maturano Longarezi 8
professores
Total de princípios (FP) 19
Fonte: Chaves (2019)

Podemos observar que, entre os autores, existe uma disparidade


muito acentuada a respeito da quantidade de princípios didáticos que
integram os sistemas propostos. Esse dado pode ser compreendido a
partir de três pontos: a) as características pessoais de cada autor; b) a
necessidade de desmembrar orientações que consideram de maior valor e
destaque pedagógico; e c) a origem contextual da elaboração. Destaque-se
aqui que a quantidade de princípios propostos, tanto no interior dos
sistemas para o processo ensino-aprendizagem na Educação Básica (100
princípios), quanto dos sistemas de formação de professores (19
princípios), revela que os autores, ao explicitarem seus princípios,
procuram estabelecer a relação adequada entre anseios da sociedade,
finalidades da educação e fundamentos teóricos que sustentam
orientações, organização, direção e ações para a prática educacional.
Os diferentes sistemas didáticos originários tanto da influência
direta da Filosofia (Marxismo-Leninismo) quanto da Psicologia (Enfoque

213
Cultural-Histórico)82 parte da necessidade de direcionar o processo de
ensino-aprendizagem às exigências da sociedade conforme o contexto
histórico, social e cultural, a fim de constituir o novo homem para uma
nova sociedade socialista. No caso dos autores brasileiros, a preocupação
está na qualidade do ensino-aprendizagem e a valorização da escola
pública, buscando assim a defesa da democracia, da justiça social e da
dignidade da pessoa, de modo que os estudos empreendidos vão na
contramão do sistema capitalista que impera no país.
Face a esse contexto, elaborar princípios didáticos pautados nos
pressupostos teórico-metodológicos da teoria do conhecimento
materialista histórico-dialético teve como orientação superar a relação
dicotômica entre teoria-prática e propor uma nova forma de organização
do processo de ensino-aprendizagem, tendo como fundamento a
Didática. Nesse sentido, buscou-se a valorização dos conhecimentos
científico-culturais, a constituição social e histórica do homem, a atividade
como produção humana e os resultados de estudos da Psicologia, tais
como orientações sobre periodização da atividade de estudo, motivação,
formação de conceitos, como base para a transformação da realidade e
construção de uma sociedade capaz de superar a hegemonia dos ditames
do capitalismo.
Os princípios didáticos aqui estudados se constituíram a partir de
diretrizes e fundamentos para a direção e orientação do trabalho docente
com o objetivo da formação das operações intelectuais e o
desenvolvimento da personalidade do estudante, conforme os anseios da
construção de um homem e uma sociedade socialista. Daí a importância
de, a partir da Teoria da Subjetividade, repensar concepções e
intencionalidades de conceitos que impactam em sua aceitação sem uma
análise mais abrangente e descolada de condicionantes muitas vezes já
sedimentados. González Rey, ao desenvolver sua teoria, assume a
indissociabilidade entre a concepção materialista e a lógica histórica e
dialética como coerência de sua perspectiva marxista. Desse modo, ao
considerar as origens materiais e a ação interativa e implicada do homem
na sua ação de transformar, criar, produzir, relacionar-se e viver suas

82A utilização do termo Cultural-Histórico é fiel à sua origem, empregado em russo


por Vigotski e às respectivas traduções. (GONZÁLEZ REY, 2017a).

214
experiências, demonstra-nos sua compreensão do homem como gerador e
produtor de sentidos subjetivos.
Adicionando a essa matriz teórica as contribuições da perspectiva
cultural-histórica, retomamos novamente o conceito de subjetividade para
substanciar ainda mais nossa análise interpretativa sobre “as formas
complexas em que o psicológico se organiza e funciona nos indivíduos,
cultural e historicamente constituídos e nos espaços sociais das suas
práticas e modos de vida” (GONZÁLEZ REY, 2017a, p. 52). Desse
modo, a subjetividade não se reduz a formas de expressão e processos
simples, mas como complexas integrações simbólico-emocionais que se
organizam de forma simultânea na experiência vivida e no sujeito dessa
experiência. A subjetividade individual e a subjetividade social interagem e
reciprocamente se constituem sem imediatismos e nem determinismos. É
com essas contribuições que constituímos o referencial para repensar,
interpretar e refletir sobre os fundamentos que orientaram a elaboração
dos sistemas de princípios didáticos.
Nesse exercício investigativo e de comunicação desta pesquisa
assumimos o ser humano na sua condição geradora, produtora e subjetiva,
o que, com isso, expressa um nível qualitativo dos processos humanos nas
condições da cultura que permite transcender os processos de adaptação e
assimilação.

Princípios didáticos: reflexão crítica para ampliar novos sentidos

Os dados que compõem os resultados serão apresentados de tal


modo que, primeiramente, sejam trazidos os pontos de interseção entre
princípios didáticos elaborados pelos autores e, posteriormente, as sínteses
fundamentais da análise crítica desses sistemas localizados e
sistematizados.

Temas mais recorrentes nos sistemas de princípios didáticos


analisados

Nos quadros a seguir (Quadro 3) são evidenciados os temas mais


recorrentes no interior dos sistemas de princípios didáticos localizados,
sistematizados e analisados, com o objetivo de demonstrar que a escolha

215
dos princípios sempre responde, em primeiro lugar, ao critério de
afinidade filosófica e ideológica: uma concepção marxista de educação.

Quadro 3 – Temas e interseções entre princípios didáticos: processo de ensino-


aprendizagem

Autores/quantidade de sistemas
Nacionalidade Alemães Cubanos Brasileiros
Russos / 7 sistemas
2 sistemas 2 sistemas 2 sistemas

Total Princípios didáticos comuns


Numeração

Vigotski, Leontiev e Galperin

Oramas – Zilberstein- 2002


Temas mais recorrentes

Labarrere Reyes – Pairol -


Coletivo de Autores 1981
Konstantinov 1964
Savich – Smirnov

Klingberg - 1972
Autor/Ano

Libâneo – 1990
Davydov- 1975
Danilov - 1975
Zankov - 1975
Leontiev 1999

Sforni - 2015
-Nuñez 2009

Savin - 1972

1988
1
Caráter científico do ensino x x x x x x x x x x x 11
1
Unidade2 do ensino com a vida:
x x x x x x x x x x x 11
2 teoria/prática
Caráter3consciente e ativo na
assimilação dos alunos sob a x x x x x x x x x x 10
3
guia do professor
4
Sistematização do ensino x x x x x x x x x 9
4
5
Ensino que desenvolve x x x x x x x x 7
5
O caráter
6 sistêmico e da
solidez da assimilação dos x x x x x x x 7
6
conhecimentos
A unidade
7 do concreto e
abstrato: x x x x x x x 7
7
Percepção/visualização
Unidade8 da educação e o
x x x x x x 6
8 ensino
9
A acessibilidade x x x x x x 6
9
Atenção1 às particularidades
individuais sob o caráter x x x x x x 6
10 coletivo do ensino
Fonte: Chaves (2019, com base em Silvestre Oramas e Zilberstein Toruncha, 2002).

Nota-se que a base de toda a sistematização do processo de


ensino-aprendizagem dos conteúdos se constitui pelo conhecimento
científico, a partir do papel ativo e consciente do aluno sob a orientação

216
do professor. Podemos, ainda, destacar que os primeiros cinco princípios
mais recorrentes constituem alicerce estrutural para todos os outros,
sendo, por meio desses que se dá a direção para o desenvolvimento de
sistemas na perspectiva marxista da educação. Portanto, fica evidente que
os autores estabeleceram os princípios didáticos sob a perspectiva
marxista, mantendo-se atentos aos objetivos da construção ou
consolidação da sociedade socialista e do novo homem socialista. Desse
modo, não há possibilidade de compreendê-los descolados de seu
contexto histórico, social e político.

QUADRO 4 – TEMAS E INTERSEÇÕES PRINCÍPIOS DIDÁTICOS: FORMAÇÃO DE


PROFESSORES
Numeração

Nacionalidade Cuba Brasil

Total
Temas mais recorrentes Mitjáns
Franco Longarezi
Martínez
Autor/Ano 1997/2017 2013 2017

1 Natureza social do conhecimento e da formação humana. x x x 3


2 Atividade que integre formativamente alunos e docentes
(desenvolvimento humano e profissional): processos de x x 2
criação coletiva.
3 Contradição e confronto como geradores da ruptura e do x x 2
desenvolvimento.
4 Aprendizagem como processo ativo do aluno (professor)
que integre seus mecanismos cognitivos e afetivos e x x 2
promova a autonomia: auto formação.
O trabalho docente precisa abrir tempo e espaço para o
5 diálogo e desenvolver o olhar do pesquisador dos alunos: x x 2
argumentação e curiosidade para descobertas novas.
Fonte: Chaves (2019)

De acordo com o quadro 4, os princípios para a formação de


professores desenvolvidos pelas autoras enfatizam a importância de se
estruturar o processo formativo para o desenvolvimento integral do
professor e defendem a concepção da natureza social e histórica do
conhecimento e da formação humana. Outra característica presente nesses
sistemas é a problematização e atividade coletiva como atributos
importantes na formação docente.
Os cinco (5) princípios mais recorrentes para a formação de
professores deixam evidente a relevância de promover processos
formativos em que o diálogo, a realidade e a preocupação com o
desenvolvimento humano e profissional sejam elementos vitais e

217
substanciais em seus fundamentos. São sistemas de princípios que
orientam e possibilitam processos formativos que considerem a educação
como promotora do desenvolvimento humano.
Vale ainda ressaltar que os sistemas de princípios didáticos em sua
constituição prezam pela materialidade da tese teórica vigotskiana de que
“a única boa obutchénie83 é a que se adianta ao desenvolvimento”
(VIGOTSKI, 2010b, p. 114).

Análise crítica dos sistemas de princípios didáticos à luz da Teoria


da Subjetividade

A análise foi realizada após a definição dos princípios didáticos


mais recorrentes dentre os elaborados para o processo de ensino-
aprendizagem para a Educação Básica e a formação de professores,
conforme apresentado nos quadros 3 e 4. Essa análise de cada princípio
foi determinada conforme a categoria de análise preponderante em sua
formulação e descrição, como sistematizado no quadro 5, a seguir:

QUADRO 5 – PRINCÍPIOS DIDÁTICOS E CATEGORIAS DE ANÁLISE – EA E FP

Princípios Didáticos mais recorrentes nos


N. sistemas formulados para o processo de ensino- Categorias de análise
aprendizagem (EA)
1 Caráter científico do ensino Sujeito
Sentido
2 Unidade do ensino com a vida: teoria/prática
subjetivo
Caráter consciente e ativo na assimilação dos
3 Sujeito
alunos sob a guia do professor
Unidade do
Subjetividade

4 A sistematização do ensino simbólico-


Dialética

emocional
Unidade
5 Ensino que desenvolve aprendizagem-
desenvolvimento
Unidade do
O caráter sistêmico e da solidez da assimilação
6 simbólico-
dos conhecimentos
emocional
7 A unidade do concreto e abstrato: Subjetividade

83A Obutchénie consiste no processo de aprendizagem desenvolvimental colaborativa


que ocorre no interior da sala de aula e não se restringe à ação do educador ou a do
aprendiz, consiste no processo como um todo, tomando a atividade pedagógica do
professor e a atividade de estudo do aluno como uma unidade.

218
Percepção/visualização
Unidade do
8 A unidade da educação e o ensino simbólico-
emocional
9 Acessibilidade
Atenção às particularidades individuais sob o Subjetividade
10
caráter coletivo do ensino
Princípios Didáticos mais recorrentes nos
Categorias de
N. sistemas formulados para formação de
Análise
professores (FP)
Unidade
Princípio da natureza social do conhecimento e
1 aprendizagem-
da formação humana
desenvolvimento
O trabalho docente precisa abrir tempo e espaço
para o diálogo e desenvolver o olhar do Sentido
2
pesquisador dos alunos: argumentação e Subjetivo
curiosidade para descobertas novas.
Atividade que integre formativamente alunos e
3 Subjetividade
docentes: processos de criação coletiva.
Aprendizagem como processo ativo do aluno
Unidade do
(professor) que integre seus mecanismos
4 simbólico-
cognitivos e afetivos e promova a autonomia:
emocional
auto formação.
Princípio da contradição e do confronto como
5 Dialética
geradores da ruptura e do desenvolvimento

Fonte: Chaves (2019).

Nossa investigação e análise construtiva-interpretativa buscou,


primeiramente, reconhecer a contribuição e o propósito que cada
princípio assumiu diante dos fundamentos que os orientaram: base
teórica, finalidades da educação e sociedade. Ao mesmo tempo, procurou,
dentro de uma outra perspectiva, abrir e ampliar a discussão para uma
educação como espaço social em que se estabeleça relações de modo
efetivo, de organização de processos comunicativos e interativos de
desenvolvimento para todos. O outro como sujeito em relação, ainda não
se consolidava, embora esses sistemas de princípios didáticos fossem
sensíveis à sua gênese social.
O sentido está em desvencilhar de reducionismos e nos permitir,
por meio do conceito de subjetividade, compreender como o universo
social e histórico dos múltiplos e diferentes sistemas relacionais, que
marcam a vida humana de cada pessoa, se organizam em um nível
subjetivo não como um reflexo desses sistemas, mas como uma produção
no curso desses processos. Para a educação isso é substancial, primeiro,
porque se amplia a concepção de sujeito e, segundo, porque exige

219
compreender e assumir como conteúdo de estudo o social que se faz
presente no indivíduo, mas também como o indivíduo se faz presente no
social.
Para esse texto em questão, escolhemos destacar duas categorias
principais, sujeito e subjetividade examinando os princípios mais
recorrentes, conforme os quadros 3 e 4, sob o principal aspecto do caráter
construtivo-interpretativo. Isto é, a produção do conhecimento aqui
desenvolvida representa uma produção da pesquisadora (autora principal)
apoiada no conjunto das informações, de sentidos subjetivos gerados
durante o processo de pesquisa, e não como apropriação da realidade.
Desse modo, o conhecimento produzido ganha condição permanente de
transformação, uma vez que a realidade não é um sistema meramente
externo.
Dentre os princípios mais recorrentes, conforme os quadros 3 e 4,
destaque-se a concepção de sujeito que trazem em seu bojo. O sujeito,
nos sistemas de princípios didáticos aqui em estudo, é aquele que age de
forma ativa e consciente na atividade de apropriação ou assimilação dos
conhecimentos, habilidades e hábitos resultando em seu desenvolvimento
intelectual, isto é, na formação de suas operações cognitivas.
Desse modo, esses princípios apontam para um conceito de
sujeito que se desenvolve, se constitui pelo seu caráter ativo e consciente
em atividades que criam direta e intencionalmente um tipo organizativo e
metodológico para a assimilação de conteúdos de valor social almejados
por determinada sociedade. Com isso, a assimilação de conhecimentos e o
desenvolvimento das operações cognitivas são dois aspectos que se inter-
relacionam. Assimilando os conhecimentos científicos e cumprindo
determinadas tarefas cognitivas, os alunos, simultaneamente, desenvolvem
suas potencialidades mentais. Nessa abordagem, percebe-se que os
conteúdos escolares são condições necessárias para o sujeito se
desenvolver e se constituir.
Ao defender a escola como espaço social de interação, produção e
comunicação em que o estudante se sinta envolvido e capaz de
estabelecer, realmente, relações efetivas, não são importantes apenas os
conhecimentos científicos, mas essencialmente todos os demais
elementos. Se não há uma cultura de relação onde os estudantes se sintam
envolvidos, pertencentes e possam criar vínculos como fundamento

220
central da aprendizagem, há um distanciamento do conceito de sujeito.
Nesse sentido, não ter espaço social na escola implica em não criar
condições adequadas para que os estudantes tenham capacidades para se
integrar e agir de tal maneira que favoreça seus processos de
aprendizagem e de desenvolvimento subjetivo. Assim, importa não só a
aprendizagem do conteúdo, mas como aquele conteúdo passa a se integrar
e se articular a múltiplos espaços da vida da pessoa que aprende.
Diante do exposto, analisar a categoria sujeito nos sistemas de
princípios didáticos nos coloca em diálogo com o individual e o social,
com a unidade do simbólico- emocional, com o sentido subjetivo, com
caráter produtor, criador do sujeito e com a unidade de aprendizagem-
desenvolvimento. De certa forma, nestes princípios didáticos mais
recorrentes, o sujeito ainda não é aquele que pensa, produz e se posiciona
a partir de sentidos subjetivos, o que é a qualidade fundamental de suas
experiências.
Passamos agora à categoria subjetividade, a fim de entender a
relação entre a questão da particularidade individual e coletiva e a
subjetividade, o individual e o social. A relação individual e social é
observada nos sistemas de princípios analisados, mas há uma
predominância do social em relação ao individual. Como observamos, os
sistemas de princípios didáticos em estudo não contemplam fundamentos
em que expressam a concepção de sujeito gerador e produtor de sentido
subjetivo - produção subjetiva em uma experiência vivida historicamente
situada-, como apontamos na categoria anterior.
Se analisarmos o princípio “unidade do ensino com a vida:
teoria/prática”, a preocupação é estabelecer uma contextualização da
realidade à sua necessidade de adequação de atitudes/comportamento.
Por sua instância, os fundamentos que orientam este princípio abordam a
importância de unidade da escola com a vida, o desenvolvimento integral
do estudante, atenção às particularidades individuais, ao papel ativo,
consciente do estudante, a relação com a realidade, dentre outros temas
que aproximam reconhecer a relevância do processo histórico, social e
cultural na formação do estudante.
Este propósito se desenvolve, ainda, em duas vertentes: a)
valorizam o cognitivo e o afetivo como atributos em separados,
defendendo a importância de conhecer a realidade do estudante, seus

221
interesses e emoções, mas não em unidade com o cognitivo; b) e em um
outro modelo de defender a unidade do cognitivo e o afetivo.
Nestes dois movimentos, a subjetividade ainda aparece como um
elemento paralelo à objetividade e ao sujeito que age ativamente em seus
processos mentais e afetivos ao responder às atividades propostas. Porém,
o papel ativo é um processo que implica gerar e produzir ideias próprias a
partir dos conhecimentos desenvolvidos.
Portanto, o fato de não compreender que o sujeito se expressa em
cada um dos momentos de sua vida desconsidera o complexo processo do
desenvolvimento da subjetividade, o que faz caracterizá-la em processo
linear e fragmentado. A subjetividade não marca a exclusividade do
individual, mas se faz no processo em que o individual e o social são
fatores imbricados.
O fato de, ainda, não considerar a realidade social como um
cenário complexo no qual a atividade humana e os sujeitos emergem e as
relações sociais como gênese dos sistemas subjetivos humanos
complexos, impede a subjetividade de ser plenamente desenvolvida.

Considerações Finais

No estudo, a partir das categorias de análise fundamentas no


Teoria da Subjetividade (sujeito, subjetividade, sentido subjetivo, aprendizagem-
desenvolvimento, unidade simbólico-emocional, dialética) e sob a tese de conceber
o ser humano como produtor, criativo, gerador de sentidos subjetivos
nesses sistemas de princípios didáticos, podem-se identificar os seguintes
resultados: a marginalidade da subjetividade do ponto de vista do caráter
gerador do sujeito na unidade do simbólico-emocional, isto é, sua
desconsideração nas reflexões sobre o processo de ensino-aprendizagem;
o caráter hegemônico guiado por princípios de condicionalidade,
determinismo; a negação do sujeito como produtor de sentidos subjetivos;
dicotomias entre interno e externo, individual e social, o material e o
psíquico, o simbólico e o emocional; a consciência como reflexo da
realidade; o caráter determinista da atividade objetiva (externa) em relação
a subjetiva (interna); a compreensão da atividade como processo de
interiorização dos conhecimentos; o predomínio do caráter cognitivista
dos processos didáticos, com o que se nega a unidade do simbólico e

222
emocional na constituição da subjetividade; e a motivação como conteúdo
pontual de ativar a ação.
Esses elementos, discutidos a partir das categorias de análise,
criam espaço para se desfazer do apego que se desenvolveu aos clássicos
da teoria, o que gerou, muitas vezes, sua aceitação e adoção
desacompanhada da crítica e atualização necessária. O espaço que se
almeja por essa pesquisa é criar e produzir novos sentidos subjetivos e
configurações que possam, de certa forma, integrar novos estudos e
tornar um movimento de pesquisa na Didática, consequentemente, em
sistemas princípios didáticos que considerem: o sujeito como produtor,
gerador, ativo e intencional; a subjetividade como processo de produção
individual e social; a unidade do simbólico-emocional; os sentidos
subjetivos como produção da experiência vivida na atividade pedagógica;
a unidade desenvolvimento-aprendizagem; o caráter dialético dos
processos da produção humana; a motivação como produção subjetiva; o
caráter histórico, social e cultural da atividade humana etc.
Há de se considerar que nenhum destes elementos tem um fim
em si mesmo, mas todos se fazem significativos e promovem novos
sentidos porque conjuntamente potencializam a dinamização de um
movimento a partir de uma concepção que na que não há dicotomia entre
o cognitivo e afetivo, interno e externo, social e individual. A Teoria da
Subjetividade, como pressuposto teórico da análise assumida pela
pesquisa, possibilitou uma nova interpretação, principalmente das
categorias sujeito e subjetividade. Mesmo assim, não buscamos apresentá-
la como uma teoria “salvadora”, mas como fonte essencial para repensar
questões que levem em consideração que o processo de produção de
conhecimento não adquire valor fora do sentido subjetivo que o sujeito
atribui a ele, à elaboração de sistemas de princípios didáticos e,
principalmente, integrar articuladamente o simbólico e o emocional.
Da análise realizada, salientam-se os avanços na formulação de
princípios didáticos, em especial de autores contemporâneos, como por
exemplo soviéticos e russos, cubanos e brasileiros. Eles desenvolveram
importantes temas como produção, criatividade, dialética, diálogo e
reflexão como espaço para o novo e expressão singular do sujeito,
salienta-se que tais temas ganharam ênfase dos autores para desenvolver o
sujeito na sua totalidade.

223
Como síntese, ainda, destacamos a possibilidade de elaborar um
novo sistema de princípios didáticos caso se estabeleça como critério o
caráter recorrente dos mesmos no interior das diferentes tipologias e
classificações. Esse novo sistema poderia estar integrado por cinco
princípios, a saber: 1) caráter científico do processo de aprendizagem
desenvolvimental colaborativa; 2) a unidade da aprendizagem
desenvolvimental colaborativa com a vida: práxis; 3) o caráter consciente e
ativo da aprendizagem dos alunos, sob a orientação e em colaboração e
diálogo com o professor; 4) sistematização e solidez do processo de
aprendizagem desenvolvimental colaborativa e; 5) o processo de
aprendizagem que desenvolve sobre a base da interação colaborativa e
dialógica.
Pode-se ressaltar que esse novo sistema de princípios expressa um
conteúdo qualitativo específico que tem como essência a sua capacidade
potencializadora do desenvolvimento do sujeito. Portanto, pode servir de
base para futuras propostas de estudo e investigação aliadas aos
pressupostos epistemológicos e metodológicos da Teoria da
Subjetividade, avançando, assim, na compreensão do caráter gerador do
sujeito na unidade do simbólico-emocional.
Face ao exposto, concluímos que os sistemas de princípios
didáticos representam uma grande contribuição qualitativa ao processo de
aprendizagem desenvolvimental colaborativa e à formação de professores,
portanto, o que buscamos salientar é que essa categoria cada vez mais se
firme como propósito da Didática, e que seja aprimorada e revisitada pela
constante concepção dialética do conhecimento. Em síntese, um sistema
de princípios didáticos cria novos significados e sentidos quando o sujeito
é compreendido por seu caráter gerador, criativo, ativo, intencional e
produtor de sentidos subjetivos, a natureza psicológica do aprender é
inseparável da subjetividade. É essencial enfatizar que as sugestões têm
inspiração na Teoria da Subjetividade, a qual se orienta para a promoção
da emancipação do sujeito e que procura contribuir para o
desenvolvimento individual e social, favorecendo o compromisso e a luta
por uma sociedade mais justa.
Consideramos, após nossa análise dos sistemas dos princípios
didáticos na perspectiva marxista, que uma concepção Didática dos
processos de aprendizagem marxista da educação, ao formular princípios

224
didáticos que tiverem como fundamento uma concepção filosófica,
psicológica e pedagógica que ignorou o caráter gerador, produtor do
sujeito e a unidade simbólico-emocional, será objeto de um importante
exercício crítico. Será preciso estabelecer um novo diálogo realmente
dialético e histórico que parta de uma concepção de sujeito, ensino,
aprendizagem e desenvolvimento em toda sua totalidade e particularidade,
que carrega em si o caráter transformador da gênese humana.

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234
PARTE II

CONTRIBUIÇÕES DO GEPEDI
NA PERSPECTIVA DA TEORIA
DA APRENDIZAGEM
DESENVOLVIMENTAL

235
Capítulo 8

A periodização do desenvolvimento e
a teoria da atividade de estudo de D. B. Elkonin84

Ewellyne S. L. Lopes

Daniil Borisovich Elkonin (1904-1984) é um dos principais


representantes do grupo de psicólogos soviéticos que se dedicou ao
estudo da psicologia desenvolvimental e da psicologia pedagógica sobre as
bases lançadas e defendidas por Lev S. Vigotski. Juntamente com outros
renomados estudiosos, Elkonin erigiu e expandiu a psicologia histórico-
cultural abordando, principalmente, tópicos relacionados à educação e ao
desenvolvimento psíquico infantil. Contudo, no círculo acadêmico
brasileiro, sua obra ainda não foi extensamente explorada.
A psicologia histórico-cultural ganhou proeminência no cenário
científico brasileiro a partir da década de 1980. Com base em um
levantamento das teses e dissertações disponíveis na Plataforma da
Capes,85 pode-se afirmar que Vigotski é o autor mais citado e estudado,
havendo mais de 4 mil trabalhos que o referenciam, entre os anos de 1987
e 2019. No mesmo período, 93 entradas fazem referência a Elkonin. A
partir da leitura de seus resumos, identificam-se 56 tendo como temática
principal o jogo de papéis e a brincadeira infantil, 17 que tratam da
periodização do desenvolvimento e, relacionados com a atividade de
estudo ou a aprendizagem desenvolvimental, há apenas 07 trabalhos. Os
demais tratam de temas variados sobre educação infantil, não ficando
claro de que forma o autor foi tomado como referência. A partir desse
levantamento superficial, infere-se que Elkonin é conhecido no Brasil,
sobretudo, como um teórico do jogo de papéis. Apesar da relevância

84 O presente texto apresenta os resultados obtidos na produção da tese de


Doutorado em Educação do Programa de Pós-Graduação em Educação pela
Universidade Federal de Uberlândia, MG/2020, desenvolvida sob a orientação do
Prof. Dr. Roberto Valdés Puentes.
85 Trabalhos disponíveis no Catálogo online da Capes (Coordenação de

Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior), por meio do endereço eletrônico


https://catalogodeteses.capes.gov.br

236
desse trabalho, é imprescindível considerar a amplitude de sua obra,
repleta de contribuições para se pensar todo o desenvolvimento psíquico
infantil e sua ligação com a educação.
Na psicologia histórico-cultural, há uma estreita conexão entre
desenvolvimento e educação, portanto, é de suma importância
compreender como esses conceitos são considerados nessa perspectiva
teórica. Assim, justifica-se a busca por aprofundar o entendimento sobre a
obra de Elkonin, dado que se coloca como um dos principais teóricos do
desenvolvimento na psicologia soviética, tendo destaque sua proposta
sobre a periodização do desenvolvimento psíquico, publicada em 1971, e
seu trabalho no campo educacional, posto figurar como um dos
fundadores do sistema didático Elkonin-Davidov-Repkin86 e da teoria da
atividade de estudo. Dessa feita, as sessões seguintes trazem novos aportes
sobre a obra desse autor por meio da apresentação e análise de
bibliografias, até então, pouco ou nunca exploradas na literatura brasileira.
Apresenta-se ainda análise sobre a relação entre essa proposta de
periodização e a teoria da atividade de estudo com o intuito final de
contribuir para a abertura de novas possibilidades de entendimento e
avanço sobre desenvolvimento e educação.

Elkonin e o desenvolvimento psíquico infantil

A história da vida de Elkonin demonstra que seu interesse esteve,


desde o princípio de sua trajetória laboral e acadêmica, relacionado à área
da educação e do desenvolvimento infantil. Tendo se encontrado com
Vigotski na década de 1930, tornou-se um de seus mais zelosos discípulos,
empenhando-se em compreender, elucidar e avançar o que foi deixado
por seu mestre (DAVIDOV, 1989; LAZARETTI, 2011).
A ciência sempre avança num movimento contínuo de construção
e reconstrução de um corpo de conhecimentos estabelecidos previamente
por estudiosos que precederam o momento atual. Tal fato é exemplificado
por Kostyuk (1968) e Elkonin (1979) no que tange à psicologia
desenvolvimental no contexto soviético. Por exemplo, estudiosos como

86 O referido sistema surgiu no final da década de 1950 e firmou-se como um dos


principais sustentáculos da aprendizagem desenvolvimental (PUENTES, 2019a).

237
Blonsky, Rubinshtein, Vigotski e Smirnov estabeleceram, já na década de
1920, elementos que definiram o modo como o desenvolvimento foi
considerado nas décadas seguintes, isto é, como um processo determinado
pelas condições sociais e históricas concretas em que a criança vive, em
estreita relação com a aprendizagem, tendo a atividade como principal
motor e o adulto como seu organizador. No trabalho de Elkonin, além
dos pontos mencionados, tem destaque também as asserções da teoria da
atividade de Leontiev.
O fundamento da psicologia histórico-cultural de que o social é a
fonte do desenvolvimento sobressai-se como linha mestra que
interconecta os pilares do pensamento de Elkonin. É nesse sentido que se
destaca a ideia de que o indivíduo que uma criança se tornará como
resultado de seu desenvolvimento, constituir-se-á de elementos já
existentes na sociedade, incluindo necessidades, motivos, tarefas sociais e
emoções. Assim, a origem do desenvolvimento, que se dá por meio da
assimilação de experiências e conhecimentos construídos pela
humanidade, está no ambiente e nos modelos sociais ideais (ELKONIN,
1989).
A partir desse ponto, infere-se que somente a educação e a
aprendizagem podem promover o desenvolvimento psíquico, pois este
não resulta de um processo simples de amadurecimento, nem é
determinado por forças internas do indivíduo (EL’KONIN, 1967). Tais
processos, por sua vez, não acontecem de forma espontânea e aleatória,
sendo necessário que sejam conduzidos e organizados por aquele que já
assimilou essa bagagem sociocultural, o adulto. De acordo com Elkonin e
Zaporozhets (1956/1961),

O desenvolvimento psicológico das crianças se dá no


processo de educação e aprendizagem realizado pelos
adultos, que organizam a vida da criança, criam
condições específicas para o seu desenvolvimento e lhes
transmitem a experiência social acumulada pela
humanidade no período precedente de sua história. Os
adultos são os portadores dessa experiência social. Graças
aos adultos, a criança assimila um amplo círculo de
conhecimentos adquiridos pelas gerações anteriores,
aprende as habilidades e formas de comportamento

238
socialmente elaboradas que foram criadas na sociedade. À
medida que assimilam a experiência social, diferentes
capacidades são formadas nas crianças8788 (ELKONIN;
ZAPOROZHETS, 1956/1961, p. 498, destaques dos
autores).

Ao avançar em seus estudos sobre a idade pré-escolar, Elkonin


(1965/1989, 1971/2017) observa que certas conquistas das crianças levam
a mudanças em sua forma de ver e se relacionar com o adulto. Ao
visualizar que o adulto pode atuar em papéis sociais diferentes, realizando
tarefas que se diferenciam pelo significado social que carregam, a criança
compreende que não há uma forma única de ser adulto e passa à atividade
de jogo de papéis para assimilar os diferentes modos de relações sociais,
tarefas e motivos das atividades humanas. Surge, nesse processo, uma das
necessidades mais relevantes da vida humana, a necessidade de ser como o
adulto.
Sendo assim, além de organizador e condutor do processo de
desenvolvimento infantil, o adulto ocupa também a posição de modelo a
ser alcançado. Todavia, vale ressaltar que, na visão de Elkonin, ter o
adulto como modelo não se reduz a encará-lo como uma imagem externa
a ser seguida. De fato, esse modelo traduz-se em uma imagem de si
mesmo, do outro e do seu futuro, presente em todos os períodos da vida
da criança. Em cada uma delas, essa imagem se coloca sob diferentes
perspectivas do papel do adulto, quais sejam, fazer como você faz, ser
como você é e ser capaz de fazer como você faz (VENGER;
SLOBODCHIKOV; EL’KONIN, 1990).

87 “El desarrollo psíquico de los niños tiene lugar en el processo de educación y enseñanza realizado
por los adultos, que organizan la vida del niño, crean condiciones determinadas para su
desarrollo y le transmiten la experiencia social acumulada por la humanidade en el
período precedente de su historia. Los adultos son los portadores de esta experiencia
social. Gracias a los adultos el niño assimila un amplio círculo de conocimientos
adquiridos por las generaciones precedentes, aprende las habilidades elaboradas
socialmente y las formas de conducta que se han creado en la sociedad. A medida que
asimilan la experiencia social se forman en los niños distintas capacidades”
(ELKONIN; ZAPOROZHETS, 1956/1961, p. 498).
88 Todas as traduções realizadas no presente texto, identificáveis por terem suas

versões originais apresentadas em nota de rodapé, são de responsabilidade da autora.

239
Os processos de assimilação e aprendizagem acontecem por meio
da atividade, que é, segundo Elkonin (1989), o modo como se dá a relação
entre a criança e a sociedade, representada, especialmente, pela relação
criança-adulto. Por isso, tais processos não ficam restritos ao contexto das
instituições escolares e ao ensino formal, acontecendo em todas as etapas
da vida da criança por meio das atividades realizadas. Destaca-se que, em
cada etapa, essa aprendizagem se caracteriza por seu conteúdo e pelo tipo
de atividade em que, predominantemente, ocorre, ou seja, cada etapa se
caracteriza por uma atividade principal distinta (ELKONIN, 196-/2019).
Conclui-se que a relação da criança com o meio social é o
elemento definidor do desenvolvimento psíquico infantil, na perspectiva
de Elkonin. Conforme afirma, juntamente com Zaporozhets, o
desenvolvimento “se dá sob a influência determinante das condições de
vida e educação, em correspondência com o meio ambiente e sob a
influência orientadora dos adultos”89 (ELKONIN; ZAPOROZHETS,
1956/1961, p. 493). Em suma, o desenvolvimento se dá no social, para o
social e determinado pelo social.

Elkonin, a periodização do desenvolvimento psíquico infantil e a


teoria da atividade de estudo

O contexto histórico, social e científico em que Elkonin se


encontrava possibilitou que seus estudos sobre o desenvolvimento
psíquico estivessem aliados aos estudos sobre a educação e a
aprendizagem. Nesse sentido, suas contribuições para a teoria da atividade
de estudo e para a teorização acerca da periodização do desenvolvimento
psíquico se entrelaçam, conforme pode ser constatado com a análise de
suas publicações e das entradas em seus diários científicos90.

89 “[...] se efectúa bajo la influencia determinante de las condiciones de vida y de la


educación, en correspondência con el médio ambiente y bajo la influencia directriz de
los adultos” (ELKONIN; ZAPOROZHETS, 1956/1961, p. 493).
90 Por muitos anos, Elkonin fez anotações sobre suas pesquisas e reflexões em diários

científicos que foram organizados e publicados por seu filho, Boris D. Elkonin. Em
1989, no livro Trabalhos psicológicos selecionados, encontram-se entradas escritas entre
dezembro de 1965 e novembro de 1983. Em 2004, na revista russa Voprosy Psichologii,
são publicadas entradas do período de dezembro de 1960 a março de 1962.

240
O texto Sobre o problema da periodização do desenvolvimento psíquico da
infância, publicado pela primeira vez em 1971, é tomado como referência
fundamental – e frequentemente única – para o estudo da periodização do
desenvolvimento psíquico infantil na perspectiva de Elkonin. Entretanto,
há três capítulos91, publicados em 1956, que contam com sua contribuição
e trazem um panorama amplo e detalhado sobre as características de cada
período. Constituem-se assim, como referência importante de suas ideias
sobre o tema.
Quanto à teoria da atividade de estudo, conforme aponta Davidov
(1996), Elkonin deu o pontapé inicial para seu estabelecimento em 1959,
quando atuava como chefe do Laboratório de Psicologia de Crianças em
Idade Escolar. É válido mencionar que, esse mesmo movimento resultou
no estabelecimento do sistema didático conhecido como Sistema Elkonin-
Davidov-Repkin, dentro do qual a referida teoria encontrou espaço para
se aprimorar. A análise dos títulos das produções teóricas sobre a teoria
(PUENTES, 2019b) e das produções de Elkonin (ELKONIN, 1989;
LAZARETTI, 2011), leva à conclusão de que sua maior participação na
teoria se deu até meados da década de 1970 por meio de diversos artigos e
capítulos de livros.
Com isso em vista, no presente trabalho, recorreu-se à análise das
produções datadas entre os anos de 1956 e 1974, no intuito de
compreender a ligação entre a hipótese sobre a periodização e a teoria da
atividade de estudo.
No tocante à periodização do desenvolvimento, nesse intervalo
temporal, encontram-se alterações na distribuição dos períodos, no

91 Estes capítulos foram escritos por Elkonin e colegas, compondo o livro Psicologia
organizado por Smirnov, Leontiev, Rubinshtein e Tieplov publicado na Rússia, em
1956. Usualmente, a autoria dos referidos capítulos é atribuída exclusividade a
Elkonin. No entanto, o prólogo do livro de que fazem parte aponta que os capítulos
tiveram a contribuição de L. V. Blagonadezhina, L. I. Bozhovich e A. V.
Zaporozhets, sem especificar como esta ocorreu. A lista de trabalhos bibliográficos
de Elkonin constante no livro Trabalhos psicológicos selecionados (1989) esclarece a ordem
dessas contribuições e indica que o capítulo Caracteristica general del desarrollo psiquico de
los niños foi escrito com Zaporozhets, e o capítulo Desarrollo psiquico de los escolares com
Blagonadezhina e Bozhovich. Portanto, o único capítulo de autoria exclusiva de
Elkonin é o que discorre sobre o desenvolvimento das crianças do nascimento até a
idade escolar, intitulado Desarrollo psiquico del niño desde el nascimiento hasta el ingreso en la
escuela.

241
elemento propulsor das mudanças de um período ao outro e, de grande
relevância, na visão sobre a unidade entre afeto e cognição. Na teoria da
atividade de estudo, percebe-se, com o passar dos anos, maior ênfase dada
à influência da atividade de estudo sobre a formação da personalidade e
maior preocupação com os motivos e as necessidades como elementos da
estrutura da atividade de estudo. Como se verá, tais mudanças decorrem
do amadurecimento do pensamento de Elkonin a partir de suas pesquisas
e reflexões e resultam em novas formas de abordar tanto o
desenvolvimento psíquico quanto o processo de aprendizagem.
Nos textos publicados em 1956, a periodização etária é desenhada
conforme a inserção da criança na escola. Tem-se os períodos do
nascimento até a entrada na escola – primeira infância, infância inicial e
idade pré-escolar – e os períodos escolares, que se subdividem em idade
escolar primária, média e preparatória (ELKONIN; ZAPOROZHETS,
1956/1961). Destaca-se o fato de a atividade de estudo ser considerada
principal em todos os períodos escolares (de 11 a 18 anos), os quais se
diferenciavam pelos motivos, interesses e formas de pensamento próprios
de cada um.
Foi em meados de 1961, conforme entrada em seus diários, que
Elkonin (2004) diz estar convencido de que na adolescência ocorre o
domínio das normas e relações sociais, por meio da reprodução das
relações adultas. Nesse mesmo ano, Elkonin inicia o estudo sobre o
desenvolvimento da personalidade do adolescente, juntamente com
Tatiana V. Dragunova. A conclusão advinda desse estudo, de que a
comunicação com pares etários se configura como a atividade principal
nesse faixa etária (DRAGUNOVA; ELKONIN, 1965) possibilitou que
um período com uma ênfase desenvolvimental no domínio das relações e
normas sociais se interpusesse entre dois períodos com foco no
desenvolvimento cognitivo. Essa nova configuração é ilustrada por
Elkonin (1989) conforme a figura 1 e, aliando-se a sua compreensão sobre
as crises etárias, possibilitou a visualização da regularidade na alternância
entre os períodos com ênfase no desenvolvimento da esfera social-afetiva
com aqueles que privilegiam o desenvolvimento da esfera cognitiva-
operacional.

242
Figura 1 - Periodização do desenvolvimento psíquico infantil (ELKONIN,
1989, p. 487)

Domínio Crise situação social do Domínio Crise relação


Relações desenvolvimento Objetos “criança-adulto”

0-1 ano

1 ano

1-3 anos
3 anos

3-7 anos

7 anos

7-11 anos
11-12
anos

11-15
anos
15 anos

15-18
anos
Adulto

Outro aspecto que chama a atenção é a ênfase que passa a ser


dada à atividade como diferenciador e propulsor primordial da mudança
entre períodos. Nos textos publicados em 1956, a atividade principal era
considerada e diferenciada em cada período, porém, não ganhava
destaque. O elemento que detinha esse papel era a mudança da situação
social da criança, algo que se evidencia quando Elkonin, Blagonadezhina e
Bozhovich (1956/1961, p. 536) afirmam que “o adolescente continua

243
sendo aluno e sua atividade principal continua sendo o estudo”92, porém,
as mudanças alcançadas no final da etapa anterior trazem as “premissas
necessárias para mudar fundamentalmente a situação do adolescente na
sociedade ao seu redor”93.
Quase 15 anos mais tarde, Elkonin considera a atividade como
uma conquista valiosa na psicologia soviética, tendo em vista ter
possibilitado que “pela primeira vez, a solução do problema sobre as
forças propulsoras do desenvolvimento psíquico uniu-se diretamente à
questão dos princípios de divisão dos estágios no desenvolvimento
psíquico das crianças” (ELKONIN, 1971/2017, p. 153).
É nesse sentido que o autor recorre diretamente às atividades
principais como marcos definidores de cada período do desenvolvimento
infantil. Acresce-se a isso, seu posicionamento de que a atividade não deve
ser vista somente como uma ação objetiva, mas como um modo de
relação entre o indivíduo e a sociedade, na qual ocorrem os processos de
aprendizagem, assimilação e desenvolvimento (ELKONIN, 1989). Cada
período desenvolvimental caracteriza-se por uma atividade principal,
caracterizada pelo aspecto da realidade com o qual a criança interage de
forma mais intensa, isto é, para o qual se orienta (ELKONIN,
1971/2017).
Entre 1967 e 1970, destacam-se anotações nos diários científicos
de Elkonin (1989) que indicam seu empenho em compreender a
periodização e as forças motrizes do desenvolvimento. A análise dessas
entradas evidencia tópicos como as crises etárias, o conteúdo da atividade
principal, a relação da criança com a sociedade, a contradição entre
aspectos operacionais e motivacionais da ação objetiva e, destacadamente,
a unidade entre afeto e cognição. Todos os tópicos participam da
construção de sua hipótese sobre a periodização, mas, a unidade afeto e
cognição é o elemento que imprimiu de forma mais contundente uma
mudança em seu pensamento.

92 “el adolescente continúa siendo escolar y su actividad principal sigue sendo el


estudio” (ELKONIN; BLAGONADEZHINA; BOZHOVICH, 1956/1961, p. 536).
93 “premisas necesarias para que cambie fundamentalmente la situación del

adolescente en la sociedad que le rodea” (ELKONIN; BLAGONADEZHINA;


BOZHOVICH, 1956/1961, p. 536).

244
Buscando minimizar ou eliminar a visão dicotômica acerca da
personalidade e da cognição, que caracterizava a compreensão do
desenvolvimento psíquico dentro da psicologia, Elkonin (1989) defende
que haveria um ponto de conexão entre os sistemas “criança-objeto
social” e “criança-adulto social”: o caráter social do objeto da atividade,
seja ele coisa ou pessoa. Para ele, o objeto da atividade não se constitui
somente como uma coisa com propriedades físicas ou características
pessoais, mas como um objeto social em sua função e origem. A fim de
atuar no mundo, a criança deve aprender mais do que as propriedades e
peculiaridades desses objetos. Por um lado, deve assimilar o modo social
de interagir com eles. Por outro, deve assimilar o modo de comportar-se
nessa sociedade já que os adultos não se resumem a indivíduos com
características pessoais, mas são, na verdade, adultos sociais, ou seja,
membros da sociedade definidos pelas diferentes posições que nela
ocupam.
Sendo assim, a criança se relaciona sempre com o social, numa
espécie de tríade cambiante. Em determinados momentos tem-se, criança-
objeto-adulto, e em outros, criança-adulto-objeto. A ênfase e o conteúdo
da atividade da criança definem essa relação. Por conseguinte, em todas as
ações da criança com objetos subjaz o caráter social que condensa tanto
seu aspecto material quanto seu aspecto humano-relacional. Essa
concepção e a análise dos conteúdos objetais de cada período
desenvolvimental, levam Elkonin (1989, 1971/2017) à conclusão de que
há uma alternância entre esses períodos. Em determinados períodos a
relação criança-adulto tem como foco o objeto social, em outros, o adulto
social.
Nos períodos em que o foco recai sobre o objeto social, a criança
desenvolve os modos de ação com as ferramentas para atuar no mundo
social em que se encontra. O desenvolvimento das habilidades
cognoscitivas e operacionais ganha destaque nesses momentos, tendo
primazia o como fazer. Quando o adulto social se torna o foco da
criança, sua concentração volta-se para o como ser. Nesses períodos, a
criança busca entender como é ser adulto, tentando alcançar a
compreensão do comportamento deste não na ação pela ação, mas no que
está por trás desta, ou seja, quais motivos e necessidades o levam a agir. A
alternância de períodos é motivada pela dissonância entre o que a criança

245
percebe entre os dois aspectos que visualiza na atuação do adulto na
sociedade – o como ser e o como fazer – e imprime um ritmo ao
desenvolvimento, provocando o seu avanço.
É com base nesses postulados que Elkonin (1971/2017) afirma
que o desenvolvimento psíquico infantil é um processo único e integral e
não cindido entre duas linhas paralelas, a afetiva e a cognitiva. Em sua
proposta, ambas se encontram em um mesmo percurso desenvolvimental.
Seu raciocínio leva à conclusão de que, em todos os períodos de sua vida,
a criança está envolvida com objetos sociais por meio da relação com
adultos sociais. Dessa forma, mesmo uma ação em que os aspectos
cognitivos são mais evidentes comporta também o aspecto motivacional,
estando esses dois aspectos ligados pela origem social dos objetos da
atividade. A explicação dessa unidade constitui-se como sua grande
contribuição para a compreensão do desenvolvimento psíquico infantil.
No tocante à teoria da atividade de estudo, é possível afirmar que
sua trajetória se caracteriza por um protagonismo cambiante entre seus
principais teóricos – Daniil B. Elkonin, Vasily V. Davidov e Vladmir V.
Repkin. Considerando as publicações e os diferentes momentos teóricos
por que passou a teoria, conforme apresentado por Puentes (2019b),
Elkonin domina o cenário teórico, até meados da década de 1970, com
suas publicações acerca dos aspectos mais fundamentais da teoria. Nas
décadas posteriores, Davidov e Repkin assumem o protagonismo,
contribuindo para ampliação e aprimoramento do núcleo central da teoria
em tópicos concernentes a sua estrutura, conceito e conteúdo. Após a
morte de Davidov, em 1998, coube a Repkin dar continuidade e avançar a
teoria até os dias atuais, juntamente com outros pesquisadores que
ganharam destaque com o passar dos anos.
A teoria da atividade de estudo guarda uma relação simbiótica
com o sistema Elkonin-Davidov-Repkin, tanto na sua origem quanto na
sua evolução. O momento inicial das pesquisas acerca da teoria é também
o momento de idealização, experimentação e concepção do sistema,
caracterizado como um período de intensa produção experimental e
teórica. Nesse momento, Elkonin coordenava o grupo de pesquisa do
qual Davidov fazia parte. Com o passar do tempo, grupos de pesquisa e
laboratórios ligados ao sistema se espalharam por inúmeras cidades
soviéticas, inclusive na cidade ucraniana de Kharkov, onde se estabeleceu

246
o grupo liderado por Repkin, que se tornou proeminente dentro do
sistema devido a suas contribuições (PUENTES, 2019a).
Em cerca de cinquenta anos, pontos de viragem relevantes se
deram ao longo do processo de gênese e desenvolvimento da teoria. Com
base nessas movimentações, Puentes (2020) propõe uma divisão em três
períodos distintos: a etapa operacional (1959-1970), a etapa motivacional
(1971-1996) e a etapa emocional (1997-2018). Tendo em vista o intuito
desse capítulo, serão discutidas somente as duas primeiras etapas, das
quais Elkonin participou efetivamente.
Davidov (1996), Repkin (1997/2019) e Zuckerman (2003) dão
destaque ao pioneirismo e à contribuição de Elkonin à teoria. Conforme
relato de Davidov (1996), ocupando o posto de chefe do Laboratório de
Psicologia de Crianças em Idade Escolar, em 1959, Elkonin foi o
responsável pelo delineamento e coordenação das primeiras pesquisas
realizadas. Tendo em vista que a atividade de estudo já havia sido definida
como a atividade principal de crianças em idade escolar por Leontiev
(2009), Elkonin e Zaporozhets (1956/1961) e Elkonin, Blagonadezhina e
Bozhovich (1956/1961), ela se tornou objeto da primeira investigação
proposta por Elkonin ao grupo.
A partir dessas primeiras pesquisas, Elkonin reconhece a
inexistência de conhecimentos concernentes à estrutura, definição e modo
de formação da atividade de estudo bem como a ausência dessa atividade
no cotidiano das escolas soviéticas. Isto posto, defende a necessidade de
defini-la e traçar os caminhos para que fosse aplicada na prática educativa,
tendo em vista que, sendo a atividade principal da criança em idade
escolar, seria a forma preponderante para promover o desenvolvimento
psíquico (DAVIDOV, 1996).
A influência de Elkonin nesse primeiro delineamento da teoria é
corroborada quando Davidov (1991/2019; 1997) emprega o termo
“abordagem de Elkonin” ao se referir às ideias acerca da relação entre
aprendizagem e desenvolvimento que a subsidiaram. Nesse sentido,
enfatiza que apesar de seu caráter dinâmico e da necessidade de continuar
em aprimoramento, “os princípios da teoria da Atividade de Estudo
devem permanecer de acordo com os fundamentos estabelecidos por
Elkonin” (DAVIDOV, 1991/2019, p. 239). Assim, pode-se afirmar que
os principais fundamentos da teoria – o caráter primordial do conteúdo

247
no processo de aprendizagem, a estrutura da atividade de estudo e o
objetivo da tarefa de estudo – foram apresentados por Elkonin na etapa
operacional (1959-1970).
De acordo com Puentes (2020), nesse primeiro momento, as
pesquisas se voltam para a análise do desenvolvimento de aspectos
operacionais, ganhando maior relevância os conteúdos escolares e a
formação dos modos de ação como fator de impacto no desenvolvimento
das crianças.
O primeiro texto de El’konin (1960/1961), apresentando os
resultados iniciais das pesquisas do grupo, traz a estrutura da atividade de
estudo como um resultado expressivo. Os elementos destacados são a
tarefa de estudo e as ações de estudo, de controle e de avaliação. A tarefa
é considerada a unidade de análise, sendo seu objetivo, modificar o
próprio sujeito da ação e não somente os objetos com os quais ele atua, o
que caracteriza a própria atividade. Dessa forma, ao resolver uma tarefa de
estudo, o aluno deverá ter assimilado modos de ação com objetos que lhe
permitirão resolver outras tarefas semelhantes posteriormente. Apesar de
ganhar destaque entre os demais elementos, esta tarefa não se dissocia
destes. A realização das ações de estudo possibilita que as crianças
assimilem os modos de ação. No que lhe diz respeito, a ação de controle
possibilita que a criança compare a ideia de uma ação iminente com o
modelo dado anteriormente. Por fim, a ação de avaliação proporciona a
oportunidade de avaliar quanto foi assimilado do material aprendido, de
maneira que possa ser usado posteriormente na resolução de problemas
práticos. Resumidamente, tem-se que a atividade de estudo é composta
por quatro elementos que se relacionam de modo recíproco (ELKONIN
196-/2019).
Outra definição importante realizada nesse momento, e que se
mantem como um dos pontos essenciais da teoria, diz respeito ao objetivo
definido para a atividade de estudo, qual seja, a autotransformação do
próprio sujeito. Nesse sentido, apesar de ser definida como uma ação
objetal, ou seja, uma ação na qual o sujeito atua com objetos e ideias,
podendo transformá-los, o objetivo e o resultado dessa atividade é, de
fato, as transformações que se intendem imprimir sobre o próprio sujeito
(ELKONIN, 196-/2019).

248
Os fundamentos pontuados acima, resultam da contribuição
direta de Elkonin, e exemplificam o que, de acordo com Puentes (2020),
define essa primeira etapa como marcadamente direcionada para o
aspecto operacional do desenvolvimento psíquico. É perceptível que os
fundamentos se relacionam com o desenvolvimento intelectual e as
operações necessárias para promovê-lo. Destaca-se que, mesmo quando
aponta para a transformação do sujeito, esta ocorre pela via da assimilação
de modos de ação, o que pressupõe um conteúdo operacional e cognitivo.
Na mesma direção, chama a atenção que aspectos relacionados aos
motivos e às necessidades, investigados anteriormente por outros
estudiosos, sejam completamente desconsiderados.
Há mais de uma razão que justifique o caráter operacional da
teoria nesse momento. Em primeiro lugar, destaca-se que os objetivos do
grupo de pesquisadores era

estabelecer a estrutura, o processo de formação e a relação dessa


atividade com o desenvolvimento psicológico das crianças nas
séries iniciais. A finalidade da primeira etapa desse processo foi
fazer uma avaliação preliminar dessa área pouco pesquisada e
elaborar uma visão prévia sobre a estrutura da Atividade de
Estudo, bem como postular uma hipótese sobre o processo de sua
formação e a relação com o desenvolvimento psicológico das
crianças nas séries iniciais (ELKONIN, 196-/2019, p. 152).

Entende-se que o grupo se preocupava com o objetivo prático de


encontrar os pilares que promoveriam o avanço da escola soviética para
atender aos objetivos que lhe haviam sido estabelecidos pelo estado.
Conforme pontua Elkonin (1960/1961, 1961/1962, 1963, 1967), os
psicólogos e pedagogos soviéticos estavam imbuídos da tarefa de
aprimorar a qualidade da educação, a fim de atender à demanda de formar
o homem comunista do futuro. Assim, sendo a atividade de estudo a
forma privilegiada de assimilação do conhecimento e consequente
desenvolvimento psíquico na faixa etária correspondente ao ensino
fundamental, caberia às escolas encontrar um modo eficiente de organizá-
la, o que presumia conhecer sua natureza e processo de formação. As
investigações a seu respeito, até aquele momento, contemplavam aspectos
particulares, como a motivação, a avaliação e os problemas da

249
aprendizagem consciente, o que era insuficiente para alcançar os objetivos
propostos (ELKONIN, 196-/2019).
Ademais, a influência da teoria da formação por etapas das ações
mentais de Galperin imprimia-lhe um caráter operacional, pois, conforme
destacam Repkin (1977/2019) e Puentes (2020), baseados em aportes de
Leontiev, essa abordagem caracterizava-se por volver em torno do sistema
de operações para a execução da tarefa de modo adequado,
negligenciando as condições e os modos de origem desta, dentre os quais
se incluem os motivos e as necessidades.
Contudo, para além dessas questões de ordem prática e de
delineamento da pesquisa acerca da teoria da atividade de estudo, o que de
fato elucida essa ausência dos motivos e necessidades nessa primeira etapa
de desenvolvimento da teoria é o posicionamento de Elkonin, naquele
momento, acerca da dualidade do processo de desenvolvimento psíquico.
Em uma entrada em seus diários científicos, em janeiro de 1961, Elkonin
(2004) relata uma discussão com pesquisadores do laboratório liderado
por Lydia Bozhovich. Entre outros pontos, esses pesquisadores apontam
o fato de que a atividade de estudo, conforme concebida pelo grupo de
Elkonin, se voltava somente para a esfera intelectual, não englobando a
formação da personalidade como um todo. Ademais, ressaltam o fato de
que, no estudo de Elkonin e seu grupo, não havia lugar para as
necessidades e os motivos ou para as relações sociais.
Refletindo sobre a situação, Elkonin (2004) considera que se
expressou de maneira inadequada em seu relatório e apresentação, ao
sinalizar a ligação entre a atividade de estudo e o processo de formação da
personalidade, o que deu a entender que esta atividade resultaria na
assimilação do conhecimento e na formação da esfera das necessidades e
dos motivos. O autor expõe então, o que seria sua concepção a respeito
da relação entre as duas esferas do desenvolvimento psíquico.
Em primeiro lugar, a seu ver, necessidades e motivos também
seriam assimilados em atividades organizadas com base em formas de
ensino, as quais, todavia, se distinguiriam daquelas que ocorriam na
atividade de estudo. Afirma inclusive que, sem grandes rigores, poderia
dizer que tais atividades seriam uma espécie de atividade de estudo,
porém, com um conteúdo diferente. Enquanto nesta, o conteúdo é a
ciência, naquelas, o conteúdo seria a moral e regras sociais, por exemplo.

250
Então, a esfera afetiva e das necessidades não se formaria no processo de
assimilação de conhecimento que se dá na atividade de estudo. Por fim,
acrescenta que, com a entrada da criança na escola, se inicia um novo
estágio do desenvolvimento cujo principal conteúdo é a assimilação do
conhecimento e, simultaneamente, surge uma atividade independente,
específica e completamente diferente de assimilação das relações sociais e
da moral. Assim, as duas esferas do desenvolvimento seriam formadas a
partir de atividades completamente distintas (ELKONIN, 2004).
Essa exposição de ideias clarifica como o pensamento de Elkonin
se direciona, naquele momento, no que tange à questão da inclusão dos
motivos e necessidades na atividade de estudo, ou seja, estes não seriam
foco de atenção porque estariam ligados a outro tipo de atividade.
Consequentemente, sua visão acerca da atividade de estudo estava
limitada pela concepção de que esta vinculava-se estritamente ao
desenvolvimento da esfera intelectual. Esse é o sentido encontrado na sua
afirmação de que na escola se formam tanto as qualidades essenciais da
personalidade quanto os distintos processos psíquicos, em vez de afirmar
que isso aconteceria especificamente na atividade de estudo (ELKONIN,
1961/2019).
Seguindo a divisão proposta por Puentes (2020), em 1971, começa
a segunda etapa da teoria, a motivacional, em que o foco desloca-se para a
formação dos motivos que levariam a criança a realizar a atividade de
estudo e, consequentemente, desenvolver-se. Davidov e Márkova
(1981/2019) defendem que as pesquisas realizadas na década de 1960
possibilitaram que hipóteses sobre a influência da atividade de estudo
sobre o desenvolvimento intelectual e moral da criança fossem levantadas
e, por isso, ganharam relevância nos anos posteriores

as particularidades do pensamento teórico [...] e sobre a mudança no


caráter das diferenças individuais dos alunos, em relação ao aumento do
grau de dificuldade da esfera motivacional do processo de aprendizagem
em função da prática e formação da Atividade de Estudo (DAVIDOV;
MÁRKOVA, 1981/2019, p. 195).

A mudança de foco indica uma ampliação do escopo teórico, que


passa a considerar que o desenvolvimento a ser alcançado a partir da
adequada implementação da atividade de estudo não se resume ao

251
desenvolvimento intelectual – seu principal foco na etapa anterior – mas,
também o desenvolvimento moral, que engloba o caráter voluntário das
ações e a motivação para o estudo.
Em um panfleto direcionado para professores e pais de estudantes
do ensino fundamental, sob o título Psicologia da aprendizagem de crianças em
idade escolar (Психология обучения младшего школьника), publicado em 1974 e
reproduzido em 1989 na obra Trabalhos psicológicos selecionados, Elkonin
condensa suas principais contribuições para a teoria da atividade de
estudo, incluindo abordagens que coadunam com as mudanças de rumo
que caracterizaram a etapa motivacional da teoria.
Elkonin (1974/1989) afirma que a educação escolar no nível
fundamental pressupunha o cumprimento de três tarefas interligadas:
viabilizar a aquisição de conhecimento científico pelas crianças por meio
do contato com as propriedades básicas e fundamentais da realidade;
formar a atividade de estudo de modo a torná-la uma constante na vida
dos indivíduos; e, lançar mão de todas as possibilidades de formação, na
criança, de motivos para a aprendizagem e seu desenvolvimento.
Nesse texto, Elkonin (1974/1989) apresenta pela primeira vez,
uma nova estrutura para a atividade de estudo, que se destaca pela
inclusão dos motivos para a aprendizagem e que encontra eco nas
publicações de Davidov e Repkin, nos anos seguintes (DAVIDOV,
1979/2019, 1986/2019, 1991/2019; MATVEEVA; REPKIN;
SKOTARENKO, 1975/2019; REPKIN, 1976/2019a, 1977/2019).
De acordo com Elkonin (1974/1989), a satisfação da criança em
realizar uma atividade socialmente valorizada e útil é o motivo inicial para
começar a frequentar a escola. Todavia, esse motivo tem um caráter muito
amplo e dissociado da atividade de estudo, tendo em vista que apresenta
um caráter externo a esta, pois a importância social da atividade não se
conecta diretamente com o conteúdo a ser estudado. Em decorrência
disso, perde sua importância gradualmente e não atua como motivador
para a aquisição do conhecimento científico. Sendo assim, faz-se
imprescindível que novos motivos, relacionados à aquisição dos modos
generalizados da ação ou para o autodesenvolvimento, isto é,
correspondentes ao conteúdo da aprendizagem, sejam formados. Tais
motivos são denominados de cognitivo-educativos e passam a ser o
primeiro elemento da estrutura da atividade de estudo. Os elementos

252
descritos anteriormente – tarefa de estudo, ações de estudo, controle e
avaliação – continuam a integrar essa estrutura.
Além desse novo cuidado dispensado aos motivos, a abordagem
das funções sociais da atividade de estudo também indica uma ampliação
da teoria para além de questões intelectuais e operacionais. Elkonin
(1974/1989) pontua que a convivência em sala de aula demanda o
ajustamento da criança às regras sociais estipuladas para manter a
organização e o bom andamento das relações entre as crianças e destas
com o professor. O cumprimento dessas regras indica que a criança
adquiriu um comportamento coletivista, ou seja, mostra-se capaz de se
atentar às necessidades de todo o grupo. Como resultado, a criança passa
a regular o próprio comportamento e desenvolve a habilidade de formar
condutas voluntárias avançadas. Como conclusão, tem-se que a
aprendizagem deve ser considerada para além da função formadora de
conhecimentos e habilidades, tendo em vista que pode atuar na formação
de traços da personalidade.
Posicionamento semelhante em relação às funções sociais da
atividade de estudo é encontrado no trabalho de Repkin (1976/2019b). A
seu ver, essa atividade tem como uma função social, o espaço que abre
para que os seres humanos possam assimilar os conhecimentos científicos
que os levarão a adquirir as capacidades que lhes caracterizam como tal.
Ademais, inclui as “novas gerações no sistema de relações sociais, na
atividade abertamente coletiva, em cujo curso assimilam-se os valores
morais e as normas sociais que estão na base de qualquer atividade
coletiva das pessoas” (REPKIN, 1976/2019b, p. 317-318). Portanto, essa
é a primeira atividade socialmente padronizada com que a criança se
depara e que a impele a adequar-se às normas sociais.
É possível encontrar, na etapa operacional, menções pontuais e
superficiais sobre a formação da personalidade da criança no contexto da
atividade de estudo. Por exemplo, El’konin (1960/1961) cita a existência
de uma responsabilidade dos formadores sobre a tarefa prática de moldar
a personalidade da criança. Contudo, não há aprofundamento dessa
discussão em nenhum trabalho publicado nessa etapa. Diferentemente, na
etapa motivacional, o desenvolvimento da personalidade é claramente
considerado como um dos objetivos da formação da atividade de estudo
na criança e, por isso, uma preocupação para os estudiosos da teoria.

253
Nesse sentido, Elkonin (1974/1989) destaca que

pela realização de uma nova atividade, por meio de uma nova


posição, determinam-se todas as demais relações da criança com os
adultos e seus pares, na família e fora da escola, a atitude para
consigo mesmo e a autoavaliação. Esta é a função educacional
mais importante da aprendizagem escolar, a função de
formação da personalidade. Com pesar, temos que admitir que o
valor educativo da aprendizagem, sua função na formação da
personalidade é muitas vezes subestimada e a tendência da criança
a realizar atividades socialmente significativas e apreciadas,
presente quando entra na escola, não é apoiada94 (ELKONIN,
1974/1989, p. 226, destaque meu).

Entende-se, a partir do excerto acima, que Elkonin (1974/1989)


assume uma posição de defesa da importância da atividade de estudo no
processo de formação da personalidade. Isto porque, para ele, a principal
característica do processo de aprendizagem escolar (школьного обучения)
reside no fato de que ao iniciá-lo, a criança se envolve na realização de
uma atividade socialmente significativa e importante – a atividade de
estudo. Assume então, uma nova posição social, a qual influencia suas
relações com o outro e consigo mesma. Dessa forma, apesar de ser
usualmente subestimada, a formação da personalidade é a função
educacional mais importante do processo de aprendizagem escolar,
intimamente ligada à atividade de estudo.
A principal razão que leva à ignorância dessa função é o
desconhecimento de seu significado social. Isto porque, mesmo sendo
social em seu conteúdo (assimilação da cultura e da ciência acumuladas
pela humanidade), em seu significado (socialmente significativa e
importante) e em sua forma de implementação (segue padrões

94 “Через выполнение новой деятельности, через новую позицию


определяются все остальные отношения ребенка со взрослыми и сверстниками,
в семье и вне школы, отношение к себе и самооценка. В этом заключается
важнейшая воспитательная функция школьного обучения, функция
формирования личности. С сожалением приходится констатировать, что
воспитывающее значение обучения, его функция в формировании личности
часто недооцениваются, имеющаяся у ребенка к моменту поступления в школу
тенденция к осуществлению общественно значимой и общественно
оцениваемой деятельности не поддерживается” (ELKONIN, 1974/1989, p. 226).

254
socialmente estabelecidos), os resultados da atividade de estudo são
usualmente reconhecidos em sua forma individual (conhecimento,
habilidades, modos de ação) (ELKONIN, 1974/1989).
Os trabalhos de Repkin e Davidov também passam a indicar essa
preocupação com a formação da personalidade. Repkin (1976/2019b, p.
319) argumenta que o estudo é um processo de formação da
personalidade dos indivíduos, sendo essa atividade, “uma forma específica
de dinamismo da personalidade, como uma atividade do indivíduo,
durante a qual ele gera motivos e metas vitais específicos”.
Davidov e Márkova (1981/2019), por sua vez, defendem que a
atividade de estudo se configura como pré-requisito tanto para o
desenvolvimento intelectual quanto social e motivacional. Por estar
fundamentalmente relacionada à formação da personalidade do aluno e da
esfera que determina seu comportamento, a qual inclui valores, motivos,
objetivos, regras sociais e relações interpessoais, deve ir além da
transmissão do conhecimento e da elaboração e aprimoramento de ações
e operações. Isto porque, o

estudo não é apenas o domínio dos conhecimentos, nem mesmo o


domínio daqueles modos generalizados de ação ou as
transformações que o aluno realiza no decorrer desse processo de
assimilação, mas consiste, em primeiro lugar, nas mudanças,
reestruturações e enriquecimento da própria criança (DAVIDOV;
MÁRKOVA, 1981/2019, p. 199).

Diante do exposto, destacam-se três principais pontos indicadores


do novo alinhamento da teoria da atividade de estudo, nessa segunda
etapa: a inclusão de motivos e necessidades na estrutura da atividade; o
destaque dado a suas funções sociais; e, a defesa de que é uma atividade
fundamental para a formação da personalidade do estudante.
Puentes (2020) defende que o texto de Elkonin sobre a
periodização do desenvolvimento psíquico na infância, publicado em
1971, é o marco inicial da etapa motivacional. Sem dúvida, esse texto
marca uma grande contribuição teórica de seu autor e torna público seu
novo posicionamento acerca da unidade das esferas do desenvolvimento.
No entanto, mudanças dessa magnitude acontecem de modo paulatino,
baseadas em reflexões e (re)construções teóricas. Esse posicionamento

255
mostra-se consolidado no referido texto, mas resultou de um processo
reflexivo em torno, principalmente, da questão da unidade entre afeto e
cognição. Tópicos como jogo de papéis, atividade de estudo,
desenvolvimento da personalidade na adolescência e o desenvolvimento
psíquico como um todo representam os gatilhos para esse processo, que
alterou o posicionamento de Elkonin e afetou suas contribuições no
âmbito da teoria da atividade de estudo bem como do desenvolvimento
psíquico infantil.
A preocupação com a questão da unidade entre afeto e cognição
havia sido colocada por Vigotski já na década de 1930, mas de acordo
com as anotações em seus diários científicos, foi em 1965, que Elkonin
(1989) fez uma formulação inicial acerca da problemática. Refletindo
sobre a atividade de jogo de papéis, considera que, nessa atividade, a
criança afasta-se do objeto na busca por compreendê-lo a partir da
perspectiva do adulto, porque seu objetivo é desvendar as relações e
normas sociais adequadas para interagir com ele. Conclui assim, que a
chave para explicar essa capacidade de atentar-se para um objeto para
além de sua funcionalidade residia na unidade entre os aspectos social e
intelectual do desenvolvimento. Acrescenta que Vigotski não havia
conseguido solucionar essa questão porque sua atenção esteve restrita à
perspectiva “criança-objeto”, o que representa somente um dos lados da
questão.
Seguindo essa linha de pensamento, Elkonin (1989) argumenta
que a essência para compreender a questão do desenvolvimento psíquico,
da personalidade como um todo, está na unidade entre afeto e cognição.
Nesse sentido, o desenvolvimento psíquico e o desenvolvimento da
personalidade podem ser considerados coincidentes, englobando, num
processo único, tanto a esfera cognitivo-operacional quanto a social-
afetiva.
Essa compreensão associa-se ao caráter social dos objetos que,
conforme já mencionado, representava a possibilidade de conexão entre
os sistemas “criança-objeto social” e “criança-adulto social”. Para tanto, as
atividades não ficam restritas a atividades de relações com coisas ou
pessoas como simples objetos. Ainda que tendo conteúdos diferentes,
estão sempre destinadas a desvendar e aprofundar a relação da criança
com a sociedade. Conclui-se, então, que o desenvolvimento de ambas as

256
esferas se dá em todos os períodos, ainda que haja o predomínio de uma
delas. É por isso que, no período pré-escolar há um desenvolvimento
cognitivo intenso, porém, em apoio à socialização. Na adolescência, de
maneira semelhante, a assimilação do conhecimento científico denota-se
como a essência da ciência adulta e apoia a formação do sentimento de
maturidade (ELKONIN, 1989).
Na mesma direção, Elkonin (1989) assume a ação objetal como
uma unidade de interação social, portadora de uma contradição em si
mesma. Por um lado, é humana e traz em si a relação com a sociedade e a
essência humana. Por outro, é material, carregando a relação com a
essência das coisas. Dessa forma, traz tanto o lado técnico-operacional
quanto o lado social. Com isso em vista, o autor conclui que as tarefas, os
modos de ação e os objetos são sempre socialmente motivados.
A nova postura diante da ação e da própria atividade gerou uma
flexibilização no pensamento elkoniano. Em relação à teoria da atividade
de estudo, tem-se que, na etapa operacional, seus preceitos se assentavam
na ideia de que a assimilação das necessidades e motivos aconteceria
somente em uma atividade que contemplasse o conteúdo social e que a
atividade de estudo se voltava somente para a assimilação do conteúdo
científico. Na etapa motivacional, o entendimento é de que a assimilação
de qualquer conteúdo, por ser socialmente motivado, possibilita
desenvolvimento em ambas as esferas em todas as atividades. Decorre daí
que a formação da personalidade também se dá na atividade de estudo.
Há dois textos de Elkonin que trazem indícios dessas mudanças
na teoria da atividade de estudo. O primeiro, escrito em meados da década
de 1960 e publicado somente em 1989 na obra Trabalhos psicológicos
selecionados, traz a preocupação de Elkonin (196-/2019) em investigar a
atividade de estudo com o intuito de esclarecer questões acerca da
formação da personalidade das crianças. Em suas palavras,

a necessidade de estudar a Atividade de Estudo se torna mais clara


à luz do desenvolvimento do problema de formação da
personalidade das crianças nas séries iniciais. Até então, não foi
resolvida a questão das premissas de transição para a adolescência
e a evolução da autoconsciência nessa etapa; como se sabe, essas
premissas surgem na infância. Além disso, está claro que essa
transição não está relacionada apenas com o acúmulo de

257
habilidades, conhecimentos ou métodos de raciocínio das crianças
(ELKONIN, 196-/2019, p. 151).

Percebe-se no excerto acima, que uma relação é estabelecida entre


a formação da personalidade e as premissas para a transição à
adolescência, ou seja, condições relacionadas à personalidade são
formadas no período da atividade de estudo para que a criança passe à
adolescência. Além disso, destaca-se o posicionamento de que essa
transição depende de outros processos, diferentes da assimilação de
habilidades operacionais e cognitivas. Em seus diários, Elkonin (1989)
esclarece quais seriam esses processos.

Refletindo sobre a atividade de estudo, cheguei à conclusão de que


é nela que se formam os pré-requisitos para a transição ao período
desenvolvimental da adolescência. De fato, se for verdade que a
atividade de estudo é uma atividade em que o objeto da
transformação é o próprio sujeito, ou seja, o próprio aluno, então a
formação da atividade de estudo não pode ser outra coisa senão a
formação de alguns aspectos de autoconsciência, autoavaliação
– algumas etapas da “autoeducação”. Portanto, hipoteticamente,
pode-se argumentar que o nível de formação da atividade de
estudo deve se correlacionar diretamente com o nível de
desenvolvimento da personalidade. O fato de ainda não termos
compreendido essa conexão natural é nosso erro, ou melhor, um
descuido. [...] Portanto, à luz da teoria da periodicidade que estou
desenvolvendo, deveria haver dois aspectos inter-relacionados na
autoconsciência: a) consciência de “si mesmo” – suas habilidades,
etc.; b) consciência de “seu lugar” – o sistema de relações95
(ELKONIN, 1989, DC 31/03/1968, p. 491, destaque meu).

95 “Раздумывая над учебной деятельностью, я пришел к заключению, что


именно в ней формируются предпосылки для перехода к подростковому
периоду развития. В самом деле, если верно, что учебная деятельность есть
деятельность, в которой предметом изменения является сам субъект, т. е. сам
обучающийся, то становление учебной деятельности не может быть ничем
иным, как только становлением каких-то сторон самосознания, самооценки –
какихто этапов “самовоспитания”.
Поэтому гипотетически можно утверждать, что уровень сформированности
учебной деятельности должен прямо коррелировать с уровнем развития
личности. То, что мы до сих пор не уловили этой закономерной связи, - наша
ошибка, вернее – недосмотр. [...] Следовательно, в свете развиваемой мною
теории периодичности и в самосознании должны быть две взаимосвязанные
стороны: а) сознание “себя” – своих умений и т. п.; б) сознание “своего места”
– системы отношений” (ELKONIN, 1989, p. 491).

258
Os processos de autoconsciência e autoavaliação, apontados na
citação acima, estão diretamente associados a dois elementos da estrutura
da atividade de estudo: ação de controle e ação de avaliação. A primeira
dessas ações diz respeito à determinação da voluntariedade da atividade de
estudo, isto é, indica o grau de intencionalidade da criança na atividade,
sua disponibilidade para se envolver e realizá-la. É nesse sentido, que a
atividade de estudo assume uma importância que vai além da assimilação
do conteúdo material ou didático. Para além desse resultado, promove
mudanças qualitativas no modo de raciocinar do estudante, no que se
refere ao controle, voluntariedade e envolvimento do sujeito com a
atividade (ELKONIN 196-/2019).
A partir desse entendimento, é possível visualizar uma nova
preocupação por parte de Elkonin em relação à qualidade dos processos
psíquicos envolvidos na atividade de estudo. A novidade reside no fato de
que tais processos e seu desenvolvimento não ficavam restritos à aquisição
e ampliação dos modos de ação dominados pela criança. Passa a ter
importância, o fato de possibilitarem que as ações da criança fossem
voluntárias e, ao mesmo tempo, autocontroladas. Essas características da
ação seriam os reais indicadores de que a criança estaria se direcionando
para adquirir autonomia no processo de aprendizagem, qualidade
fundamental para atestar a formação da atividade de estudo e da
personalidade (ELKONIN, 1989).
De acordo com Elkonin (196-/2019, p. 157), a ação de avaliação
“se torna um aspecto muito importante para quantificar a influência da
Atividade de Estudo realizada pelo aluno, sobre si mesmo, como sujeito
da atividade”. Nesse sentido, ao contrário do modo como usualmente é
concebida, a avaliação não funciona somente para quantificar os
conhecimentos e habilidades acumulados pela criança. Ela deve ser
realizada pela própria criança a fim de verificar o grau de assimilação dos
modos de ação e sua generalização, ou seja, o quanto a criança será capaz
de aplicar o que foi assimilado diante de tarefas e situações semelhantes
que lhe serão impostas futuramente. Dessa forma, configura-se, de fato,
como uma ação para verificar a transformação do sujeito no processo da
atividade de estudo.
A partir dessas considerações, é compreensível que Elkonin
(1989), em aulas sobre psicologia infantil proferidas na Universidade

259
Estatal de Moscou, em meados da década de 1970, reconheça entre as
principais neoformações da idade escolar a capacidade de autocontrole e
sua relevância na formação da personalidade. Em suas palavras,

a principal neoformação da idade escolar primária é o


pensamento lógico-verbal abstrato e racional, cujo
surgimento reorganiza significativamente outros processos
cognitivos das crianças; assim, nessa idade, a memória e a
percepção tornam-se pensamento. Graças a esse
pensamento, memória e percepção, as crianças são
subsequentemente capazes de assimilar, com sucesso,
conceitos verdadeiramente científicos e operar com eles.
Outra neoformação importante dessa idade é a
capacidade das crianças de regular e controlar
voluntariamente seu comportamento, o que se torna
uma qualidade importante da personalidade da
criança96 (ELKONIN, 1989, p. 56, destaque meu).

O panfleto publicado em 1974, já mencionado anteriormente, é o


segundo texto de Elkonin que evidencia as mudanças na teoria da
atividade de estudo. Como já discutido, é nesse texto que o autor, pela
primeira vez, clarifica a necessidade de se formar motivos específicos –
denominados cognitivos-educativos – na atividade de estudo, colocando-
os como um dos elementos de sua estrutura. Destaca-se também a ênfase
dada à educação escolar para a formação da personalidade da criança.
Esse movimento teórico dentro da teoria da atividade de estudo
coaduna-se com a compreensão acerca da unidade entre aspectos afetivos
e cognitivos da psique, que pode ser classificada como a grande
contribuição teórica de Elkonin em sua hipótese sobre a periodização.
Apesar de ser frequentemente reconhecido e utilizado em grande parte

96 “Основным новообразованием младшего школьного возраста является


отвлеченное словесно-логическое и рассуждающее мышление, возникновение
которого существенно перестраивает другие познавательные процессы детей;
так, память в этом возрасте становится мыслящей, а восприятие-думающим.
Благодаря такому мышлению, памяти и восприятию дети способны в
последующем успешно осваивать подлинно научные понятия и оперировать
ими. Другим важным новообразованием этого возраста можно назвать умение
детей произвольно регулировать свое поведение и управлять им, что
становится важным качеством личности ребенка” (ELKONIN, 1989, p. 56).

260
como referência na apresentação dos períodos etários e sua ordem de
sucessão, é preciso reconhecer que o grande esforço de Elkonin
(1971/2017) está direcionado para demonstrar que o desenvolvimento da
personalidade é perpassado também pelo desenvolvimento da esfera
operacional-cognitiva e não somente da esfera social-afetiva.
Conclui-se, por fim, que a influência exercida por Elkonin, no que
se refere, especificamente, às mudanças ocorridas na segunda etapa da
teoria da atividade de estudo, está diretamente relacionada com as
concepções teóricas sobre as quais construiu sua hipótese acerca da
periodização do desenvolvimento psíquico. Tais concepções centram-se
na ideia de que os processos e objetos constituintes da vida possuem um
caráter dual: material e social. E, somente um processo desenvolvimental
que contemple as esferas afetiva e cognitiva do psiquismo desenvolvendo-
se interligadas em uma linha única é capaz de possibilitar a formação
humana.

Considerações Finais

O trabalho de Elkonin, a respeito do desenvolvimento psíquico


infantil, representou, dentro da psicologia histórico-cultural, continuidade
e progresso. Ao mesmo tempo que se baseia e dá prosseguimento aos
aportes teóricos de seus colegas, especialmente, Leontiev e Vigotski,
avança em relação às propostas deixadas por estes, trazendo como
principal contribuição a proposta de unidade entre afeto e cognição no
processo desenvolvimental.
Essa proposta de unidade afetivo-cognitiva está refletida tanto em
suas contribuições para o desenvolvimento psíquico quanto para a teoria
da atividade de estudo, permitindo que Elkonin consiga fortalecer a ponte
importante sobre dois aspectos fundamentais da psicologia histórico-
cultural: aprendizagem e desenvolvimento.
Não se pode deixar de notar que o momento histórico e as
condições socioculturais e ideológicas em que Elkonin se encontrava
delinearam seu posicionamento teórico. Sem dúvidas, seus pés estavam
fincados em sua realidade histórica e cultural, o que não desmerece o seu
trabalho, mas traz luz para o fato de que deve ser considerado em
conexão com o momento e a realidade específicos em que foi realizado.

261
Sendo assim, e considerando a celeridade e proporção das
mudanças vividas pelas sociedades locais e global nos últimos cinquenta
anos, as inovações quanto aos paradigmas científicos e epistemológicos e
o caráter histórico da infância, apontado pelo próprio Elkonin, é coerente
recorrer a sua obra como uma fonte de ideias para a compreensão do
desenvolvimento psíquico, sem, contudo, perder o olhar crítico e voltado
para a realidade sócio-histórica atual.

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266
Capítulo 9

V. V. Davidov: contribuições à teoria


da atividade de estudo97

Cecília Garcia Coelho Cardoso


Roberto Valdés Puentes

Introdução

A pesquisa de mestrado intitulada “Teoria da Atividade de


Estudo: contribuições de V.V. Davidov” (CARDOSO, 2020), esteve
vinculada, em primeiro lugar, às atividades do Gepedi98 e de outros grupos
de pesquisa brasileiros e estrangeiros no interior dos quais encontramos
apoio, orientação e interlocução; em segundo, ao auge crescente da
temática em âmbito nacional e; em terceiro, ao amparo financeiro
concedido pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e
Tecnológico (CNPq) sem cuja ajuda teria sido impossível estabelecer as
condições de trabalho necessárias. O Gepedi, desde sua criação em 2008,
investiga os modos mais adequados de organização dos processos
didáticos responsáveis pelo desenvolvimento psíquico e subjetivo humano
inspirado nos pressupostos do Materialismo Histórico-Dialético, do
Enfoque Histórico-Cultural e da teoria da Aprendizagem
Desenvolvimental, em diálogo com outras teorias e perspectivas, tais
como, a Epistemologia Qualitativa, a teoria da Subjetividade e a
Metodologia Construtivo-Interpretativa.
Foi efetuado um estudo sobre as produções científicas do
psicólogo e didata russo V. V. Davidov (1930-1998), considerado, em

97 O presente texto apresenta os resultados obtidos na produção da dissertação de


Mestrado em Educação do Programa de Pós-Graduação em Educação pela
Universidade Federal de Uberlândia, MG/2020, desenvolvida sob a orientação do
Prof. Dr. Roberto Valdés Puentes.
98 Grupo de Estudos e Pesquisas em Didática Desenvolvimental e Profissionalização

Docente, é coordenado pelos professores Andréa Maturano Longarezi e Roberto


Valdés Puentes, da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Uberlândia.

267
virtude de seus aportes teóricos e de suas publicações, um dos mais
importantes estudiosos, do ponto de vista teórico, acadêmico e político,
que contribuiu de maneira significativa para o desenvolvimento e para a
consolidação das teorias da Atividade de Estudo, da Aprendizagem
Desenvolvimental e da Didática Desenvolvimental. Nesse sentido, o
objetivo geral foi descobrir a extensão teórico e metodológico que o
pensamento e a obra do autor experimentaram, em relação a concepção
de sujeito e a elaboração do conceito, do conteúdo e da estrutura da
Atividade de Estudo.
No Brasil, as pesquisas no âmbito do Enfoque Histórico-Cultural,
da Aprendizagem Desenvolvimental e da Atividade de Estudo ainda são
recentes e tímidas quando comparadas com aquelas que se realizam no
interior de outras concepções teóricas, mas cresceram significativamente
nos últimos anos (PUENTES, 2019c; PUENTES; LONGAREZI, 2021).
A maior parte da produção do período soviético e pós-soviético
relacionada especificamente com Aprendizagem Desenvolvimental e
Atividade Estudo que mais influência tem exercido nas investigações
nacionais está relacionada a A. N. Leontiev, o sistema Elkonin-Davidov-
Repkin, o grupo de Moscou e a V. V. Davidov, o que dá a ela um caráter
leontiviano, moscovita e davidoviano.
V. V. Davidov é a figura mais emblemática entre os
representantes do sistema Elkonin-Davidov-Repkin e do grupo de
Moscou. O contato com sua obra no Brasil está para comemorar em
breve trinta anos e se mantém em uma tendência crescente, mesmo
quando hoje divide de maneira mais expressiva do que antes espaço com
o pensamento e obra de outros autores. As primeiras referências
brasileiras associadas ao trabalho desse autor datam da primeira metade da
década de 1990 (LIBÂNEO, 2004) e os intelectuais mais representativos
no país em relação com o estudo e divulgação de seus pressupostos
teóricos e metodológicos são Nereide Saviani (1994), por ter sido
provavelmente a primeira a se referir a ele, e José Carlos Libâneo
(LIBÂNEO, 2004; LIBÂNEO; FREITAS, 2006; LIBÂNEO; FREITAS,
2013), por ter nos apresentado suas ideias de maneira mais sistematizada e
profunda.
Apesar da tendência crescente no Brasil dos estudos relacionados
com a obra de V. V. Davidov, os aspectos relacionados com sua

268
concepção de sujeito da Atividade de Estudo, bem como a ascensão de
seu pensamento a respeito do conceito, conteúdo e estrutura dessa
atividade, não tinham sido objeto de análise sistemático. Os estudos
nacionais na perspectiva da Aprendizagem Desenvolvimental e da
Atividade de Estudo têm, por um lado, priorizado os aspectos
operacionais dessas teorias, ignorando ou negligenciando com isso a
abordagem do próprio sujeito dela; pelo outro, lidado, no geral, com o
conceito, conteúdo e estrutura da Atividade de Estudo de maneira
estática, abandonando uma aproximação dialética que leve em
consideração o verdadeiro movimento de gênese e constituição tanto do
conceito como desses dois componentes.
Por esse motivo, o presente trabalho, mesmo mantendo, e até
reforçando, o caráter moscovita e davidoviano que caracterizam as
pesquisas brasileiras sobre a temática, avança quando assume como objeto
um aspecto específico do problema. A nossa abordagem foi realizada
partindo do pressuposto de que esse tipo de estudo teórico é fundamental
para novas elaborações no campo da Didática, especificamente, no
contexto brasileiro. A análise levou em consideração aspectos
metodológicos que permitiram elaborar uma interpretação subjetiva do
pensamento de V. V. Davidov, por meio da interpretação documental de
sua obra, compreendendo suas ideias não como um resultado de coleta de
dados, mas como uma construção hipotética do saber que o autor
elaborou a partir de suas percepções e estimativas.
O capítulo deve ser situado no contextos das pesquisas e
publicações realizadas no interior do Grupo de Estudos e Pesquisas em
Didática Desenvolvimental e Profissionalização Docente – GEPEDI, que
favorecem o acesso de pesquisadores e interessados ao pensamento e obra
no enfoque histórico-cultural (FEROLA, 2019; LONGAREZI, 2017;
LONGAREZI; FRANCO, 2013; NASCIMENTO, 2014; LONGAREZI;
ARAÚJO; PIOTTO; MARCO, 2018; LONGAREZI; PUENTES;
ARAUJO, 2020; LOPES, 2020; CARDOSO, 2020; AMORIM, 2020;
SOUZA, 2019; LOPES, 2020; PUENTES, 2017; CARCANHOLO,
2020).

269
Aprendizagem desenvolvimental: Sistema Elkonin-Davidv-Repkin e
Atividade de Estudo

De acordo com Davidov (1996[2019]), no decorrer da história da


educação, emergiram duas teorias da aprendizagem diametralmente
opostas: a teoria reflexo-associativa e a teoria da aprendizagem do ponto
de vista da atividade. Na primeira, segundo Talízina (2000), o processo de
aprendizagem consiste em estabelecer relações determinadas entre
estímulos e respostas, as funções da atividade se apresentam separadas da
psique, fora do processo de resolução de problemas da vida do homem.
Leontiev (1978), provou que o processo das associações na relação
estímulo-resposta não é, de maneira alguma, similar ao processo de
atividade intelectual, mas uma das condições e um dos mecanismos para a
sua realização.
Na teoria reflexo-associativa os alunos adquirem o conhecimento
pronto e dominam os padrões de habilidades e hábitos por meio dos
processos de associação. Esse tipo de atividade está relacionado à
realização de “tarefas reprodutivas”, associadas à transformação do
material didático e acontece devido à necessidade de atender aos
requisitos da educação tradicional, que tem por natureza a reprodução
(DAVIDOV, 1996[2019]).
A teoria da aprendizagem do ponto de vista da atividade, por sua
vez, surgiu como resultado do desenvolvimento da educação, em
consequência da necessidade experimentada pela maior parte dos alunos
em relação a um novo tipo de conhecimento. Essa abordagem foi
desenvolvida no século passado como resultado das contribuições dos
teóricos alemães F. Fraebel, A. Disterweg e colaboradores, do psicólogo
americano Jonh Dewey e dos psicólogos histórico-culturais soviéticos S.
L. Rubinstein, A. N. Leontiev, P. Ya Galperin, D. B. Elkonin, entre
outros. Segundo V. V. Davidov (1996[2019]), foi no interior da psicologia
histórico-cultural que surgiu a teoria da Aprendizagem Desenvolvimental.
Os conceitos de “ação” e “tarefa”, de acordo com o referido
autor, são os componentes essenciais dessa teoria. A ação implica na
modificação de um objeto pelo sujeito e a tarefa insere o objeto retratado
nas condições específicas de sua realização. Portanto, essa teoria se opõe à
teoria reflexo-associativa da aprendizagem, pois procura compreender o

270
processo de aprendizagem ativo do conhecimento e não a reprodução
mecânica de conhecimentos prontos e acabados. Nesse sentido, a
aprendizagem foi entendida como o momento em que o conteúdo é
assimilado por meio da solução motivada e proposital de tarefas de uma
determinada categoria.
A teses iniciais da Aprendizagem Desenvolvimental começaram
emergir no final da década de 1950. A mesma tinha o intuito de contribuir
com a consolidação de uma educação de caráter socialista, inspirada no
legado teórico de L. V. Vigotski, S. L. Rubinstein e A. N. Leontiev, sobre
o papel e o lugar da aprendizagem no desenvolvimento do psiquismo
humano. Assim, a partir dos conceitos de atividade e de atividade
principal99 criados por A. N. Leontiev, de zona de desenvolvimento
próximo, desenvolvido por L. V. Vigotski, irrompeu uma concepção
específica de Aprendizagem Desenvolvimental do ponto de vista da
atividade conhecida com o nome de sistema Elkonin-Davidov-Repkin
(PUENTES, 2017; PUENTES; LONGAREZI, 2020).
O sistema Elkonin-Davidov-Repkin foi, de acordo com Davidov
(1996[2019]), o único que estabeleceu como objetivo considerar
integralmente o conceito de Atividade de Estudo como base da
aprendizagem que desenvolve. Essa concepção foi marcada pelo
surgimento do grupo de Moscou, a partir das pesquisas realizadas pelos
seus principais representantes, D. B. Elkonin, V. V. Davidov e
colaboradores, com o intuito de estabelecer o conceito, o conteúdo e a
estrutura da Atividade de Estudo; as bases lógico-psicológicas de
estruturação das disciplinas escolares; as peculiaridades do
desenvolvimento psíquico dos alunos no processo da Atividade de
Estudo; as reservas do desenvolvimento psíquico dos educandos nos

99 Nesse contexto, o conceito de atividade aparece como primordial para o


entendimento da formação do psiquismo infantil. A atividade constitui, segundo
Leontiev (2001), um elo prático que une o sujeito ao mundo ao redor, como um
processo de trânsito entre polos opostos: sujeito e objeto. Assim, a atividade
principal é aquela cujo desenvolvimento orienta as mudanças mais importantes nos
processos psíquicos e nos traços psicológicos da personalidade da criança em certo
estágio de seu desenvolvimento, pois é no decorrer das situações vividas no dia a dia
que acontece a mudança no papel ocupado pela criança no interior das relações
humanas e, portanto, no seu desenvolvimento.

271
diferentes anos escolares; as particularidades da organização do
experimento formativo.
A periodização estabelecida por Elkonin (1971[2017]) contribuiu
ao oferecer uma base consistente à gênese de uma teoria
metodologicamente significativa a respeito da história do
desenvolvimento da psique da criança. A partir desses fundamentos surgiu
a necessidade de examinar a relação entre as leis históricas que dominam o
desenvolvimento da atividade prático-cognitiva e a atividade adequada
realizada pela criança, que reproduz as capacidades historicamente
formadas. É por isso que o período inicial de gênese e consolidação do
sistema foi caracterizado pelo desenvolvimento de um grande número de
pesquisas dedicadas a elaborar as bases de importantes teorias —
psicológica da Atividade de Estudo, da generalização teórica, da
modelagem, do diagnóstico, no movimento de ascensão do abstrato para
o concreto, da transição de um nível para o outro, da cooperação, da
comunicação, etc. (PUENTES; LONGAREZI, 2019) — e a construir um
programa de formação para professores das escolas experimentais. Nesse
sentido, tornou-se possível respaldar experimentalmente o protagonismo
da Teoria da Aprendizagem Desenvolvimental na formação psíquica dos
escolares e estabelecer alguns requisitos psicológicas e pedagógicas
particulares para sua implementação.
Os representantes do sistema Elkonin-Davidov-Repkin
sustentaram a tese de que a didática adequada é aquela que cria as
condições necessárias para que o aluno desenvolva uma Atividade de
Estudo que permita avançar desde o nível mais simples de aprendizagem
(funcional), até o mais complexo (desenvolvimental), incluindo na
organização desse processo a participação de professores e colegas, para
atingir os estágios posteriores, a aprendizagem colaborativa (assistida,
orientada ou regulada) e autônoma (independente ou autorregulada). À
vista disso, a base da aprendizagem que desenvolve está no conteúdo do
qual derivam os métodos de organização desse processo; logo, o papel do
professor, na referida situação, não é ensinar o conteúdo, mas organizá-lo
na forma de tarefa de estudo e colaborar com o aluno no processo de
solução dela. Nesse sentido, ele participa de modo colaborativo, regulando
a Atividade de Estudo e o próprio processo de aprendizagem do aluno.

272
Assim, a Atividade de Estudo foi considerada a teoria central do
sistema. Embora psicólogos russos A. N. Leontiev, S. L. Rubinstein, L. I.
Bozhovich e colaboradores tenham realizado várias pesquisas a respeito
dos aspectos específicos da Atividade de Estudo, não demonstraram sua
estrutura objetiva, seu processo de formação e seu papel no
desenvolvimento psicológico das crianças. De acordo com Elkonin
(1974[2019]), isso aconteceu porque a análise do desenvolvimento
psicológico das crianças e os processos de desenvolvimento do
pensamento, da memória, da percepção e da personalidade foram
direcionados independentes da atividade principal. Desse modo, o papel
do estudo, como atividade principal nos anos iniciais do nível
fundamental, estava fora do objetivo das investigações naquele momento.
Os membros do sistema, fundamentados em uma série de
suposições teóricas desenvolvidas anteriormente pela psicologia infantil,
assumiram analisar os mecanismos psicológicos da Atividade de Estudo, a
noção de sujeito dessa atividade, bem como seu conceito, conteúdo e
estrutura. Um papel relevante foi desempenhado por V. V. Davidov.

Contribuições de V. V. Davidov para a teoria da Atividade de Estudo

A pesquisa levou em consideração apenas a produção científica de


V. V. Davidov a respeito da Teoria da Atividade Estudo. Contudo, em
alguns momentos se estabeleceu um diálogo com teses produzidas no
interior da Teoria da Aprendizagem Desenvolvimental e do sistema
Elkonin-Davidov-Repkin por seus colaboradores e contemporâneos.
Com base na evolução teórico-metodológica do pensamento de V. V.
Davidov em relação à Teoria da Atividade de Estudo, assim como o nível
de contribuição do autor para o desenvolvimento da teoria, analisamos a
concepção de sujeito assumida ou desenvolvida pelo estudioso, bem
como suas elaborações a respeito do conceito, conteúdo e estrutura dessa
atividade, por meio de uma abordagem teórica que leva também em
consideração aspectos específicos da metodologia construtivo-

273
interpretativa de nove textos escritos ou publicados por V. V. Davidov no
período de 1979 a 1998.100
O quadro a seguir (Quadro 1) contém o número de vezes que os
termos “sujeito”, “personalidade” e “atividade” aparecem nos artigos
analisados de V. V. Davidov (1979-1998).

Quadro 1 – Os termos “sujeito”, “personalidade” e “atividade” nos artigos de V. V.


Davidov (1979-1998).

Título do texto Ano de Sujeito Personalidade Atividade


publicação
Os problemas 1979 - - 26
psicológicos do processo
de aprendizagem dos
estudantes
Desenvolvimento 1980 - 1 44
psíquico da criança

O conceito da Atividade 1981 16 10 180


de Estudo dos estudantes
Conteúdo e estrutura da 1986 2 1 62
atividade de estudo

Atividade de estudo: 1991 1 8 96


situação atual e problema
de pesquisa
O aluno das séries iniciais 1992 12 - 37
do ensino fundamental
como sujeito da atividade
de estudo
Atividade de estudo e 1996/1998 1 - 99
aprendizagem
desenvolvimental
Problemas de pesquisa da 1996 17 9 9/124
atividade de estudo

Uma nova abordagem 1998 13 1 1/149


para o entendimento do
conteúdo e da estrutura
da atividade
Total 72 30 727

Fonte: Cardoso (2020).

100Os textos analisados estão disponíveis em português nos livros de Puentes,


Cardoso e Amorim (2019) e Puentes e Mello (2019).

274
No total, o termo “sujeito” aparece setenta e duas vezes,
“personalidade” trinta e “atividade” setecentas e vinte e sete vezes. Os
dados mostram que se bem o objetivo da Atividade de Estudo era o
processo de autotransformação do sujeito da atividade (ELKONIN,
1961[2019]; REPKIN, 1997[2019]),101 as pesquisas experimentais
realizadas em laboratórios e escolas experimentais de massa, entre 1979 e
1998, privilegiaram a análise da atividade objetiva, em lugar da elaboração
de uma concepção de sujeito dessa atividade.102 O resultado das pesquisas
mostram a quantidade de produções preocupadas com as mudanças
ocorridas do ponto de vista teórico em relação ao conceito, conteúdo,
estrutura e processo formativo da Atividade de Estudo e o tema do sujeito
e da personalidade deixados em um segundo plano. Contudo, o sujeito e
seu estudo foi negligenciado, mas não excluído.

As diferentes concepções de sujeito da Atividade de Estudo na obra


de V. V. Davidov (1979-1998)

A preocupação pela autotransformação do sujeito, mesmo que em


proporção inferior quando comparada com a abordagem da própria
atividade, também levou à produção de um rico, pela sua qualidade,
material a respeito das categorias psicológicas de sujeito e de
personalidade (DUSAVINSKII, 1996, 2001, 2008, 2012; REPKINA,
2010; ZUCKERMAN; VENGUER, 2010). Nesse sentido, V. V.
Davidov, sem que tenha se colocado essa problemática como objeto
específico de pesquisa, assumiu, pelo menos, três concepções de sujeito
em momentos diferentes de sua obra, mas com certas sobreposições
também: (1) sujeito das necessidades e dos motivos (1979-1991); (2)
sujeito individual e coletivo (1987-1998); (3) sujeito das emoções (1997-
1998).

101 Repkin (1997[2019], p. 376), escreveria que a Atividade de Estudo deve ser entendida
como uma atividade para a autotransformação do sujeito.
102 Na obra de Elkonin e de Davidov, os termos “sujeito” e “personalidade” ora foram

empregados tendo o mesmo sentido, ora definindo o sujeito como aquela criança que é
capaz de resolver tarefas de estudo de maneira colaborativa e a personalidade como a criança
que realiza a tarefa de maneira autônoma (PUENTES, 2019a).

275
O sujeito das necessidades e motivos

A concepção de sujeito das necessidades e motivos começa a se


manifestar na obra de D. B. Elkonin, entre 1967 e 1970, quando passa a
expressar de maneira explícita em suas anotações dos diários científicos a
preocupação pelas forças motrizes do desenvolvimento humana,
especialmente dos modos de ação (LOPES, 2020).103 Contudo, atinge o
nível mais elaborado, em 1971, com a publicação da periodização do
desenvolvimento psíquico da criança na infância e, sobretudo, a partir da
estruturação da Atividade de Estudo a respeito do desenvolvimento do
caráter voluntário das ações (motivação) dos alunos.
Neste período, o conceito de sujeito das ações cognitivas sofreu
uma importante modificação,104 visto que as investigações vieram a ter
como objetivo o estudo das necessidades e os motivos, sobretudo os
interesses cognitivos, que levam o aluno à formação dos modos
generalizados de ação e não os próprios modos. Davidov e Márkova
(1981[2019]) evidenciaram que a inquietação, em relação à formação da
Atividade de Estudo nos alunos, deixou de estar na investigação do
processo de transição do “objeto-processo da atividade”, que caracteriza o
período anterior (“sujeito cognitivo”, 1961-1979) e passou para o
processo de transição da “atividade-produto subjetivo da atividade”. Ao

103 Essa preocupação passou a ser expressada pelo Elkonin na segunda metade da
década de 1969 não apenas nos seus diários científicos, mas também em artigos sobre
a relação entre os diferentes níveis de desenvolvimento da atividade de estudo e os
níveis de formação dos interesses cognitivos (cf. ELKONIN, 1961[2019]).
104 De acordo com Puentes (2019d), entre 1961 e 1970, a concepção de sujeito

predominante no interior da teoria da atividade de estudo era o “sujeito cognitivo”.


Essa noção de sujeito é descrita nos trabalhos do autor da seguinte maneira: O foco no
aspecto operacional da formação subjetiva das crianças levou à elaboração de uma noção de sujeito da
cognição. A convicção de que a formação subjetiva das crianças se dava apenas pelo domínio dos
modos da ação e dos conceitos científicos, levaram a uma concepção cognitivista do sujeito. Com isso,
caracterizou essa etapa do desenvolvimento dos conceitos de sujeito e personalidade, a ênfase unilateral
em um dos polos da constituição subjetiva: o cognitivo. Tal atitude deixou de fora outros aspectos da
dimensão simbólica, tais como, imaginação e fantasia, bem como a dimensão emocional da
constituição humana. Desde essa perspectiva, o sujeito é sujeito do pensamento meramente, de um
pensamento compreendido de forma exclusiva em sua condição cognitiva. A ideia de um pensamento,
entendido como processo de sentido que atua somente por meio de situações e conteúdos que implicam
a emoção do sujeito, tal e como é formulada por González Rey (2005), não foi considerada
(PUENTES, 2019d, p. 67).

276
mesmo tempo, o sujeito passou a ser visto como aquele que possui a
capacidade de se envolver conscientemente na atividade e realizar
determinadas ações porque sente a necessidade e a motivação para se
envolver e efetivá-las.
Contudo, esse conceito manteve uma conexão com a concepção
de sujeito das ações cognitivas, pois, para os teóricos do sistema, o motivo
que surge do interesse promovido no aluno pelo conteúdo seria
efetivamente capaz de transformá-lo em sujeito da Atividade de Estudo.
Segundo V. V. Davidov, em texto escrito com Márkova (DAVIDOV;
MÁRKOVA, (1981[2019], p. 205), “a análise da posição do aluno na
Atividade de Estudo e o sentido que essa atividade tem para ele
estimularam o início de uma série de pesquisas sobre a motivação para o
estudo (MÁRKOVA, 1980)”.
Desde esse ponto de vista, a ação que impulsiona a atividade do
sujeito ainda estava estreitamente ligada aos modos generalizados de ação
e aos conceitos científicos; assim, o sujeito das necessidades e dos motivos
era visto também como o sujeito das ações cognitivas. Com isso, apesar
de Davidov (DAVIDOV; MÁRKOVA, (1981[2019]) evidenciar que o
conteúdo principal da Atividade de Estudo era a assimilação dos modos
generalizados de ação no âmbito dos conceitos científicos, considera o
sujeito da motivação como aquele capaz de se transformar em sujeito da
atividade, sendo este o ponto mais elevado na formação das características
individuais, que ocorre quando o aluno começa a dominar a estrutura
geral da Atividade de Estudo, a reconhecer as características individuais
do seu estudo e a fazer uso desse tipo de atividade como forma de
estruturar as interações sociais com os outros alunos.
Para Davidov (1986[2019]), o ingresso na escola permite ao aluno
adquirir uma nova posição social na vida e realizar a Atividade de Estudo
para atender seus interesses cognitivos. Desse modo, tal ingresso age
como premissa psicológica para que surja a necessidade de assimilar os
conhecimentos teóricos. De acordo com o autor, “o pensamento teórico,
ao se constituir como o conteúdo da Atividade de Estudo é, ao mesmo
tempo, a sua necessidade. A atividade humana se correlaciona com certa
necessidade, enquanto as ações são relacionadas aos motivos”
(DAVIDOV, 1986[2019], p. 220).

277
A necessidade do pensamento teórico surge nos alunos dos anos
iniciais no processo de assimilação do conhecimento durante a resolução
de tarefas de estudo, em colaboração com o professor; a princípio, em
ações de estudo mais simples, dirigidas à solução de ações mais
complexas. Esse processo de formação da necessidade da Atividade de
Estudo leva o aluno a assimilar o conhecimento teórico; o motivo, por sua
vez, conduz à apropriação dos modos de sua reprodução por meio de
ações de estudo direcionadas à solução da tarefa de estudo.
O sujeito da Atividade de Estudo, do ponto de vista de Davidov
(1991[2019]), é aquele que tem necessidades e motivos para a execução de
ações de estudo. Contudo, ainda no começo da década de 1990 as
necessidades-motivos da Atividade de Estudo, como componentes
principais do sujeito, não tinham sido ampla e adequadamente
pesquisadas.

Infelizmente, a esfera da necessidade-motivo do sujeito dessa


atividade foi pouco estudada. E a maioria dos estudos
existentes foi realizada por meio de observações que apenas
nos permitiu descrever as características externas dessa esfera.
Para revelar suas leis internas é necessário usar ferramentas
experimentais, os experimentos formativos. Só assim, será
possível abordar o estudo das necessidades e motivos da
Atividade de Estudo do ponto de vista do seu componente
principal. (DAVIDOV, 1991[2019], p. 241).

Apesar de serem consideradas os componentes principais da


estrutura da Atividade de Estudo, as necessidades e os motivos, foram
analisados de maneira superficial porque o uso da observação como
método de pesquisa só permitia a descrição de seu aspecto externo. Era
preciso conhecer as leis internas que determinam a gênese e
desenvolvimento desse componente, mas isso só seria possível com o
emprego do experimento formativo, o que não aconteceu. De acordo
com. Davidov (1996[2019]), a questão mais incompleta da Teoria de
Atividade de Estudo, estava na ausência da formação de necessidades na
Atividade de Estudo. Até aquele momento não haviam sido estabelecidas
estratégias para a realização de um estudo experimental, apenas ideias
isoladas, baseadas em observações dispersas a respeito do assunto. Logo,
sem um entendimento claro dessa questão, seria impraticável apresentar as

278
circunstâncias essenciais que preparariam os alunos para dominar o
conhecimento teórico e desenvolver o desejo de aprender.

Sujeito individual e coletivo (1986-1998)

Na mesma época, aliás, na mesma obra em que Davidov


(1986[1988]) publicou o texto em que ainda empregava a noção de sujeito
das necessidades e motivos (DAVIDOV, 1986[2019]), utiliza também o
conceito de sujeito individual e coletivo. Ambas as concepções povoaram
pacificamente o pensamento davidoviano, entre 1986 e 1991, porque não
há contradição aparente entre elas do ponto de vista teórico e
metodológico. A primeira faz referência às forças motrizes (as
necessidades e motivos) que levam a criança a executar ações de estudo; a
segunda, às condições em que essas forças motrizes são desenvolvidas (na
ação individual ou coletiva).
A noção de sujeito individual e coletivo não foi formulada e nem
desenvolvida por V. V. Davidov. Ele passou a empregar um conceito
elaborado por Zuckerman (1985[1990]), para quem o sujeito é a criança
capaz de executar ações coletivas e individuais. Nesse sentido, o processo
de constituição do sujeito passava por duas etapas diferentes e
complementares: a do sujeito coletivo, aquele que quer e sabe aprender na
colaboração com o outro; a do sujeito individual, aquele que é capaz e está
disposto a aprender de maneira autônoma depois de dominar essa
habilidade. De acordo com Davidov (1986),

O sujeito individual, por meio da apropriação, reproduz em si


mesmo as formas histórico-sociais da atividade. O tipo
geneticamente inicial da apropriação é a participação do indivíduo
na realização coletiva, socialmente significativa, da atividade,
organizada de forma objetal externa. Graças ao processo de
interiorização a realização desta atividade se converte em individual
e os meios de sua organização, em internos. Uma particularidade
importante da atividade humana externa e interna é seu caráter
objetal, já que durante o processo de satisfazer suas necessidades, o
sujeito coletivo e individual da atividade transforma a esfera objetal
da sua vida. (DAVIDOV, 1986, p.13)

279
Podemos observar que, enquanto a noção de sujeito das
necessidades e motivos se baseia na ideia das forças motrizes para a
execução da ação de estudo, sua concepção de sujeito individual e coletivo
se sustenta na avaliação do nível de autonomia do aluno no processo de
aprendizagem. Inicialmente, nos anos iniciais, essa habilidade ocorre em
colaboração com o professor, de forma coletiva: toda a turma se torna
sujeito da aprendizagem e, posteriormente, cada indivíduo se torna sujeito
de sua aprendizagem individual, o que acontece ao final do nível
fundamental, quando o aluno internaliza a capacidade coletiva de
aprender.
A Atividade de Estudo, segundo Davidov (1991[2019]), é
realizada pelo sujeito da atividade; a princípio, pelo coletivo e,
posteriormente, pelo individual. Nesse sentido, a atenção passou a estar,
também, na transição que o aluno vivencia no processo de assimilação dos
conhecimentos teóricos em um tipo de Atividade de Estudo específica e
não nos conhecimentos que ele assimila por meio dela. Contudo, o exame
mais detalhado da singularidade do sujeito coletivo da Atividade de
Estudo e o conteúdo do conceito psicológico do sujeito individual não foi
realizado nessa época.
O sujeito da Atividade de Estudo, portanto, é, em um primeiro
momento, o grupo de alunos que trabalha em conjunto, que realiza a
tarefa de estudo (reflexiva): “(...) não podemos descobrir portadores
individuais ou ‘dons’ da reflexão no processo de estudo, o sujeito da
reflexão não é individualizado, a reflexão existe de uma forma
interpsíquica”. (DAVIDOV; SLOBODCHIKOV; ZUCKERMAN,
1992[2019], p. 244). Assim, era preciso identificar como o aluno objetiva
as alterações que ocorrem dentro de si no processo de aprendizagem, pois
“é precisamente esse problema que nos parece a chave para o segredo da
capacidade de estudar, de ser sujeito da atividade de estudo”.
(DAVIDOV; SLOBODCHIKOV; ZUCKERMAN, 1992[2019], p. 248).
Para responder a essa pergunta, V. V. Davidov, em colaboração
com Slobodchikov e Zuckernan (1992[2019]), descreveu a estrutura da
Atividade de estudo, na qual os limites da capacidade de aprender podem
suscitar a presença de três etapas durante o processo reflexivo,
relacionadas entre si, mas são inflexíveis umas às outras: (1) atividade
cognitiva; (2) atividade de comunicação e cooperação; (3) atividade de

280
autoconsciência. Apresentaremos, sucintamente, o modus operandi de cada
uma.
Na etapa da atividade cognitiva, o objeto de trabalho conjunto
entre o professor e o aluno se efetiva no conceito científico e nos modos
de ação. O sujeito da Atividade de Estudo está no professor e no
conteúdo, sendo que o mecanismo para produzir a reflexividade se
concentra nas situações criadas pelo docente. Nesse nível, o pensamento
se direciona para a resolução de tarefas, a fim de que o sujeito adquira
consciência dos fundamentos das suas próprias ações.
Na atividade de comunicação e cooperação, a esfera da existência
da reflexividade está na comunicação e na cooperação entre alunos e
professor. Para Davidov, Slobodchikov e Zuckerma (1992[2019]), o
sujeito da atividade é o grupo de alunos envolvidos no debate, que
trabalha em conjunto na tarefa de estudo e utiliza, como mecanismo para
produzir o pensamento, a interação reflexiva entre os alunos. O resultado
desse trabalho se encontra na reflexibilidade como habilidade do grupo
para distinguir e coordenar posições.
A atividade de autoconsciência, por sua vez, tem como objeto o
trabalho conjunto entre professor e aluno, a transição da criança de uma
posição para outra, do desconhecido ao conhecido. Nessa etapa, o sujeito
da atividade é o aluno, que adquire por resultado a reflexibilidade como
habilidade individual para estabelecer seus limites e se autotransformar.
Reconhecemos que, segundo os representantes do sistema, os
componentes da Atividade de Estudo, tais como conteúdo, estrutura e
motivação, apenas serão suficientes para atingir o objetivo primordial da
aprendizagem desenvolvimental se a Atividade de Estudo for realizada
pelo aluno como sujeito da aprendizagem e não como objeto. Ademais,
isso também dependerá da relação estabelecida entre o professor e os
alunos, como parceiros capazes de realizar algo em comum, na forma de
diálogo de estudo.
O diálogo de estudo, além de ser um processo de cooperação
entre alunos e professor, é a fonte de desenvolvimento não só daqueles,
mas também deste. Há vários motivos para acreditarmos que a função do
diálogo de estudo diz respeito não apenas ao desenvolvimento dos
discentes, mas também dos docentes. Quando estes promovem tal
atividade, como um tipo de comunicação interpessoal, eles também são

281
participantes. Quando acontece o diálogo, o aluno passa a ser fonte de
desenvolvimento capaz de torná-lo sujeito da aprendizagem; para o
professor, um entendimento da própria compreensão da relevância da
atividade pedagógica. Assim, o diálogo de estudo, para o educador, como
um meio de comunicação interpessoal, é modelado em forma de
criatividade profissional na qual ele se desenvolve como pessoa criativa.
Portanto, as normas estabelecidas dentro de um grupo de pessoas
se baseiam no diálogo e na cooperação, nos motivos que permitem a
comunicação quando o aluno sozinho não é capaz de resolver uma
determinada tarefa. Assim, a presença do diálogo entre professor e aluno é
possível apenas quando o aprendiz reflete sobre a sua ação e conclui que
esta não teve sucesso e precisou de avaliação e controle. Dessa forma, a
comunicação, além de presumir o plano ideal, considera também a
reflexão do aluno sobre si mesmo, já que avalia suas ações.
Nesse sentido, o plano ideal surge a partir da comunicação entre
alunos e professores e representa a base de uma determinada cultura. A
consideração do plano ideal de um indivíduo e o estudo do
funcionamento daquele podem nos levar à possibilidade de descrever o
sujeito individual. Mas, o que é sujeito individual? Para Davidov
(1998[2019], p. 298), “é a iniciativa de um indivíduo de definir os
objetivos da atividade coletiva e a responsabilidade para consigo mesmo e
com os outros”. A atividade coletiva é praticada pelo sujeito coletivo.
Qualquer atividade coletiva possui formas materiais e espirituais de sua
realização, ou seja, algo que é chamado de comunicação. A comunicação
entre alunos e professores é a reflexão sobre suas ações, métodos usados
para executar uma ou outra ação, no plano ideal ou imaginativo; essa é a
atividade individual consciente do sujeito individual.

Sujeito das emoções (1997-1998)

O pensamento de V. V. Davidov, na segunda metade da década


de 1990, experimentou uma mudança significativa em relação ao conceito
de sujeito. A ideia do sujeito das necessidades e motivos cedeu lugar ao
sujeito das emoções e dos desejos, que passou agora a conviver com a
noção de sujeito individual e coletivo.

282
Segundo Libâneo (2004), apesar de continuar evidenciando o
papel dos motivos, V. V. Davidov passou a reiterar que as ações são
ligadas muito mais a necessidades fundamentadas em desejos do que a
necessidades baseadas em motivos. A relevância dessa perspectiva é óbvia,
pois põe em destaque a relação entre a afetividade e a cognição e sua
inserção na subjetividade. Para Davidov (1998[2019]), por detrás das
ações, estão as necessidades e as emoções, que antecedem a ação, a
linguagem e o diálogo na relação com o outro. Segundo o autor,

A coisa mais importante na atividade científica não é a reflexão,


nem o pensamento, nem a tarefa, mas a esfera das
necessidades e emoções. [...] As emoções são muito mais
fundamentais do que os pensamentos, elas são a base para todas as
diferentes tarefas que um homem estabelece para si mesmo,
incluindo as tarefas do pensar. [...] A função geral das emoções é
capacitar uma pessoa a pôr-se certas tarefas vitais, mas este é
somente meio caminho andado. A coisa mais importante é que as
emoções capacitam a pessoa a decidir, desde o início, se, de fato,
existem meios físicos, espirituais e morais necessários para que ela
consiga atingir seu objetivo. (DAVIDOV, 1998[2019], p. 296,
destaque nosso).

A partir deste momento, as necessidades e as emoções passaram a


ser, na visão de V. V. Davidov, o fundamento da atividade; mais
importantes do que os pensamentos, as emoções eram a base para a
realização de qualquer tipo de tarefa. De acordo com Davidov
(1998[2019]), a estrutura da atividade deveria possuir um caráter
multidisciplinar e não exclusivamente psicológico, conforme estabelecido
por Leontiev (necessidades, tarefas, ações e operações), pois o desejo, em
uma estrutura da atividade, do ponto de vista multidisciplinar, possuía
uma grande importância. Nesse sentido, a questão seria descobrir como o
desejo se transforma em uma necessidade natural da pessoa.

Ninguém até o momento pesquisou de maneira profunda o


processo de transformação do desejo em necessidade, nem
mesmo em relação às orgânicas. Entretanto, ao observarmos
as pessoas que não têm necessidades estéticas, com o tempo
elas começam a demonstrar, por meio do seu comportamento,
o desejo de algo bonito e esteticamente valioso. Esse assunto
pode ser estendido para uma pesquisa, mas vale ressaltar que,

283
além de necessidades espirituais, possui também desejos.
(DAVIDOV, 1998[2019], p. 292).

Portanto, sem a compreensão do que é o desejo, e como ele se


transforma em necessidade, não se pode falar a respeito da atividade.
Nesse contexto, as emoções funcionam sobre a base dos desejos e
necessidades, compreendendo que as emoções e as necessidades não
podem ser observadas de forma desconectada, visto que estas se
apresentam por meio de expressões emocionais. Desse modo, de acordo
com Davidov (1998[2019], p. 293), o “termo desejo atinge a verdadeira
essência da questão: as emoções são inseparáveis das necessidades. Ao
discutir certa emoção, podemos sempre identificar a necessidade em que
aquela está baseada. E, quando estamos discutindo um tipo de
necessidade, temos que definir as emoções que dela se originam”.
Davidov (1998[2019], p.293) discordava da afirmação de Leontiev,
segundo a qual, os motivos e as necessidades antecedem a ação. Para
aquele, “a ação surge a partir da necessidade e a necessidade, por sua vez,
baseia-se em desejos”. Desse modo, a ação dirigida a solucionar uma
determinada tarefa manifesta-se baseada nos motivos existentes. Em
contrapartida, para o aluno que determina para si mesmo uma tarefa e
realiza ações para resolvê-la, os motivos caracterizam a materialização das
necessidades. Assim, o desejo sempre está associado ao trajeto definido
para se atingir as metas (os objetivos), que é construído no decorrer da
resolução das tarefas de estudo.
Com isso, no final da década de 1990, o termo “desejo” passou a
ser incluído na estrutura da atividade psicológica geral, evidenciando seus
componentes da seguinte maneira: (1) desejos; (2) necessidades; (3)
emoções; (4) tarefas; (5) ações; (6) motivos para as ações; (7) meios usados
para executar ações; (8) planos de cognição (percepção, memória,
pensamento, imaginação e criatividade) - todos se referindo aos processos
cognitivos e também ao desejo. Segundo Davidov (1998[2019], p.295),
“pode-se especificar o desejo e a necessidade, correspondendo as
emoções e a todas as outras características da atividade de pensamento.”
Observamos, então, que as emoções são mais importantes do que o
pensamento; elas são a base para as tarefas distintas que o sujeito estipula
para si mesmo.

284
Contudo, embora o autor tenha evidenciado que a necessidade, o
desejo e a emoção são aspectos importantes da atividade psicológica, o
desejo ainda não tinha sido detalhado em sua estrutura. Davidov
(1998[2019]) reconheceu que a maioria das pesquisas na área da
psicologia, de alguma forma, não esclarecia os fundamentos pelos quais a
pessoa aceita a tarefa e deseja atingi-la com sucesso, pois, até então, não se
conhecia praticamente quase nada a respeito da emoção de um sujeito.

O conceito, conteúdo e estrutura da Atividade de Estudo na


perspectiva de V. V. Davidov (1979-1998)

Mesmo quando a obra intelectual de Davidov tenha sido


vastíssima em todos os aspectos e campos da Teoria da Atividade de
Estudo, algumas de suas maiores contribuições teóricas estiveram
associadas aos aspectos objetivos dessa atividade. Por essa razão,
analisaram-se três linhas específicas de atuação: as pesquisas sobre o
conceito, o conteúdo e a estrutura da Atividade de Estudo, procurando
identificar, ao mesmo tempo, as mudanças ocorridas do ponto de vista
teórico e metodológico. O quadro a seguir (Quadro 2), contém o número
de vezes que os termos “conceito”, “conteúdo” e “estrutura” aparecem
nos artigos selecionados de V. V. Davidov (1979-1998) associados a
Atividade de Estudo.

Quadro 2 – Os termos “conceito”, “conteúdo” e “estrutura” nos artigos de V. v.


Davidov (1979-1998)
Título do texto Ano de Conceito Conteúdo Estrutura
publicação
Os problemas 1979 03 10 3
psicológicos do processo
de aprendizagem dos
estudantes
Desenvolvimento 1980 - 3 2
psíquico da criança

O conceito da Atividade 1981 16 1 9


de Estudo dos estudantes

285
Conteúdo e estrutura da 1986 0 28 8
atividade de estudo

Atividade de estudo: 1991 0 20 2


situação atual e problema
de pesquisa
O aluno das séries iniciais 1992 0 5 1
do ensino fundamental
como sujeito da atividade
de estudo
Atividade de estudo e 1996/1998 6 10 1
aprendizagem
desenvolvimental
Problemas de pesquisa da 1996 2 22 11
atividade de estudo

Uma nova abordagem 1998 1 6 1


para o entendimento do
conteúdo e da estrutura
da atividade
Total 28 105 38

Fonte: Cardoso (2020).

No total, os termos “conceito”, “conteúdo” e “estrutura” são


mencionados vinte e oito, cento e cinco e trinta e oito vezes,
respectivamente. Observa-se o número significativo de vezes que
“conteúdo” é empregado quando comparados com os dois termos
restantes. Essa reiteração parece confirmar a tese sobre o
posicionamento vigotskiano do sistema Elkonin-Davidov-Repkin em
relação ao papel principal dos conteúdos no desenvolvimento das
crianças. De acordo com Puentes (2017, p. 32), “trata-se de uma
interpretação particular dos membros do sistema das teses de
Vigotski sobre o papel da aprendizagem105 e da educação no
desenvolvimento cognitivo das crianças que difere de outros
posicionamentos”.106 Contudo, vamos proceder a analisar esses três
termos a começar pelo conceito de Atividade de Estudo.

105Atualmente, o termo ensino é substituído pelo autor por “aprendizagem”.


106 Puentes (2017) e Puentes e Aquino (2018) mencionam o sistema Zankoviano que,
por exemplo, baseado também nas teses de Vigotski, alegava que os métodos de
aprendizagem, e não os conteúdos, determinam o desenvolvimento intelectual das
crianças.

286
Conceito de Atividade de Estudo na perspectiva de V. V. Davidov

O termo Atividade de estudo começou a ser bastante empregado


no interior da psicologia histórico-cultural soviética, na década de 1940,
por autores, tais como, Leontiev (1947), Rubinstein (1946[2002]) e
Bozhovich, Morozova e Slavina (1951). A. N. Leontiev, estabeleceu o
conceito de “atividade principal” e identificou o tipo particular dela que
correspondia a cada um dos períodos do desenvolvimento humano. Na
sua obra ficou definido que o “estudo” é a atividade principal na etapa da
idade escolar inicial, entre 7 e 10 anos de idade, porque é responsável
pelas neoformações que se formam nessa etapa (PUENTES, 2019c).
Contudo, nem Leontiev e nem nenhum dos outros autores definiu o
conceito de atividade especificamente de estudo, muito menos estabeleceu
seu conteúdo, estrutura e processo formativo.
Esse conceito só seria definido pelos representantes do sistema
didático desenvolvimental Elkonin-Davidov-Repkin, mais de uma década
depois, provavelmente no próprio final dos anos de 1950.107 Contudo, a
definição mais antiga localizada data de 1961 e corresponde a D. B.
Elkonin. Na ocasião, Elkonin (1961[2019], p. 141), formularia o termo
mais ou menos da seguinte maneira: a atividade de estudo é aquele tipo de
atividade principal fundamental na idade escolar porque, em primeiro
lugar, por intermédio dela se realizam as relações básicas da criança com a
sociedade; em segundo lugar, porque na escola, é realizada a formação
tanto das qualidades fundamentais da personalidade da criança da idade
escolar, como dos distintos processos psíquicos. No mesmo artigo, D. B.
Elkonin adicionaria novos elementos a essa definição:

A diferença fundamental entre a tarefa de estudo e todas as demais


tarefas, reside no fato de que seu objetivo e resultado consistem
em modificar o próprio sujeito atuante, quer dizer, em dominar
determinados modos de ação e não em modificar os objetos com
os que o sujeito interage. (ELKONIN (1961[2019], p. 142).

107 De acordo com Davidov (1996[2019]), nenhum dos outros sistemas de


aprendizagem desenvolvimental (Zankov, Amonashvili, Bibler, Tarasova) se
estabeleceu como objetivo levar em consideração o conceito de Atividade de Estudo.

287
Dessa maneira, a Atividade de Estudo ficaria definida como
aquele tipo específico de atividade humana que tem como propósito a
automodificação, a auto alteração, a autotransformação (psíquica e da
personalidade) do sujeito dela (a criança ou o aluno), pela via da
assimilação do objeto de estudo (os conteúdos escolares).
Há, pelo menos, três textos de Davidov (1979[2019], 1991[2019],
1996[2019]), que, de um modo ou de outro, apresenta a sua compreensão
do “conceito de Atividade de Estudo”. No primeiro deles para fixar que o
conceito de Atividade de Estudo não pode ser identificado com o
conceito mais amplo de “assimilação”, pois “somente dentro da atividade
propriamente de estudo os processos de assimilação intervêm como seu
objeto direto e como sua tarefa” (DAVIDOV, 1979[2019], p. 172). Com
base em A. N. Leontiev e D. B. Elkonin, reconhece que esse tipo de
atividade é principal para os escolares dos anos iniciais do nível
fundamental, entre os sete e dez anos de vida, o estudo se forma nesse
período e no seu interior surgem as neoformações correspondentes e
determina no período em questão o caráter dos demais tipos de atividade.
No texto com Márkova, publicado em 1981 (DAVIDOV;
MÁRKOVA, 1981[2019]), o autor amplia sua apreciação a respeito do
conceito de Atividade de Estudo ao agregar mais algumas qualidades ao
mesmo:

(1) a noção de “conceito de Atividade de Estudo” é bem relativa;


(2) entende-se por esse conceito uma abordagem teórica de uma série
de estudos, que se estende por mais de 20 anos, com base em
experimento didático-psicológico que constituiu na reforma dos
programas escolares dos anos iniciais do nível fundamental;
(3) o “conceito de Atividade de Estudo” é uma das abordagens
aplicadas ao processo de aprendizagem e usada na psicologia
soviética que se realiza sobre a base da tese marxista que
estabelece a condicionalidade histórico-social do desenvolvimento
psíquico e da personalidade da criança (L. S. Vigotski);
(4) esse conceito se formou a partir de uma dos princípios dialético-
materialistas fundamentais da psicologia soviética (o princípio da
unidade da psique e a atividade de S. L. Rubinstein e A. N.
Leontiev), no contexto da teoria psicológica da atividade (A. N.

288
Leontiev) e em estreita vinculação com a teoria da formação por
etapas das ações mentais e dos tipos de aprendizagem de P. Ya.
Galperin, N. F. Talízina e colaboradores;
(5) o termo “atividade” é entendido, no sentido amplo, como o elo
interno do processo de aprendizagem não como o conjunto das
funções psíquicas isoladas, mas como atividade do aluno na
condição de sujeito, de personalidade; no sentido mais específico,
como atividade interna do sujeito que é portadora de certa
estrutura (por um lado, atividade-ação-operação” e, pelo outro,
“motivo-objetivo-condição”).

Por fim, V. V. Davidov faz uma afirmação a respeito do “conceito


da Atividade de Estudo” que pode ser considerado seu aporte mais
significativo a respeito da questão nesse texto.

A peculiaridade do conceito de Atividade de Estudo consiste no


desejo de abordar a análise da transição da atividade para seu
“produto subjetivo” – na análise de novas formações, mudanças
qualitativas na psique da criança, seu desenvolvimento intelectual e
moral. (DAVIDOV; MÁRKOVA, 1981[2019]), p. 194).

A partir das apreciações e da citação, interpreta-se que o estudo,


para V. V. Davidov, é a atividade na qual a aprendizagem que acontece
tem como objetivo a transformação psíquica (novas formações, mudanças
qualitativas na psique, desenvolvimento intelectual) e subjetiva
(personalidade, moral) do sujeito dela por intermédio da assimilação do
conteúdo escolar.
Essa compreensão de V. V. Davidov, a respeito do “conceito de
Atividade de Estudo”, fica ainda mais clara quando procura responder, em
um texto da segunda metade da década de 1990 (DAVIDOV,
1996[2019]), à pergunta que D. B. Elkonin estabeleceu para ele e para um
grupo de jovens pesquisadores no final da década de 1950: o que é a
Atividade de Estudo? A respeito V. V. Davidov escreveu:

O conceito de Atividade de Estudo destrói essa concepção –


refere-se ao estudo na forma de associação, visualização, palavra e
exercício - do ato de estudo. Os conceitos básicos da Atividade de
Estudo são: tarefas e ações. Lembre-se que esses conceitos mesmo

289
no contexto terminológico, não existem na teoria tradicional de
aprendizagem.
[...]
A primeira diferença entre a Atividade de Estudo e a tradicional
consiste no seguinte: de acordo com a teoria tradicional, os alunos
recebem os conhecimentos prontos do livro didático. Na teoria da
Atividade de Estudo o professor não possui tal conhecimento de
maneira acabada. Quem deve ter esse conhecimento é o
metodólogo, mas os professores inteligentes também devem tê-lo
e, ao mesmo tempo, fazê-lo surgir enquanto os alunos assimilam
os conhecimentos no próprio processo da Atividade de Estudo
(DAVIDOV, 1996[2019], p. 252-258).

Com isso, V. V. Davidov completa seu conceito de Atividade de


Estudo ao afirmar que esse tipo de atividade estava composta pelas tarefas
e pelas ações, o que faz com que os conhecimentos escolares não sejam
aprendidos de maneira prontas, mas que emerjam no próprio processo de
sua assimilação enquanto o sujeito reconstrói o percurso pelo qual o
cientista produziu o conhecimento científico. Davidov (1986[2019], p.
217) escreveria que na “Atividade de Estudo, os alunos reproduzem o
processo real pelo qual os homens criaram os conceitos, as imagens, os
valores e as normas sociais”.

Conteúdo da Atividade de Estudo na perspectiva de V. V. Davidov

Inspirado nas teses teóricas de L. S. Vigotski, a respeito da relação


dialética entre aprendizagem e desenvolvimento, D. B. Elkonin, desde a
década de 1960, tinha abordado a função e importância dos conteúdos na
Aprendizagem Desenvolvimental. A respeito chegou a escreveu que “para
nós é muito importante a ideia de L. S. Vigotski de que a aprendizagem
tem influência sobre o desenvolvimento intelectual da criança por meio
do conteúdo do conhecimento a assimilar” (ELKONIN, 1966, p. 47-
48, destaque nosso). Isso diferenciou significativamente o sistema didático
do Zankoviano, para quem o mais importante eram os métodos
específicos de aprendizagem, e do Galperin-Talízina, para o qual o mais
relevante era um método geral de assimilação, é dizer, o método de
formação das ações mentais e dos conceitos pela via da aprendizagem de
tipo III (PUENTES, 2017).

290
A função e importância dos conteúdos não se limita a capacidade
intelectual do sujeito, mas se estende para outras dimensões da formação
psíquica, bem como para o desenvolvimento da personalidade, pois
abarca de maneira simultânea tanto o desenvolvimento “intelectual e
moral”, como a “transição da atividade para seu produto subjetivo”.
Contudo, há dois aspectos do conteúdo da Atividade de Estudo
que merecem o maior cuidado. Em primeiro lugar, os componentes dos
quais esse conteúdo está feito na perspectiva dos principais representantes
da teoria, sobretudo de V. V. Davidov. Em segundo, o comportamento
assumido por esses componentes ao longo do processo de
desenvolvimento histórico da própria Teoria da Atividade de Estudo,
quanto do pensamento de V. V. Davidov.
Puentes (2019b, c; 2020a, b), em publicações recentes estabelece
várias periodizações relacionadas com o processo de gênese e
consolidação da Teoria da Atividade de Estudo, no período entre 1959-
2019, com base na análise do comportamento de diferentes categorias.
Uma das categorias estabelecidas na sua pesquisa foi o “conteúdo” da
Atividade de Estudo, sua composição ou essência e o processo de seu
desenvolvimento. Essas periodizações foram elaboradas a partir da
abordagem da obra escrita por D. B. Elkonin, V. V. Davidov e V. V.
Repkin a respeito da Atividade de Estudo.
Em um desses trabalhos, Puentes (2019c) estabelece as três etapas
na que se poderia periodizar o desenvolvimento da Teoria da Atividade de
Estudo, a saber: (1) etapa operacional (1959-1970); (2) etapa motivacional
(1971-1996) e; (3) etapa emocional (1997-2018). Em um dos primeiros
artigos de Elkonin (1961[2019], p. 142) sobre Atividade de Estudo, ao
abordar seu objetivo, ele definiu também o componente fundamental que
caracterizaria o conteúdo dessa atividade ao longo da primeira etapa, é
dizer, “o domínio de determinados modos de ação”. Em um texto
posterior (ELKONIN, 196-[2019]), completaria a ideia inicial ao definir o
que entendia por “domínio dos modos de ação”. Segundo ele, os modos
de ação eram aquelas ações particulares que o sujeito realiza com um dado
material que se destina à discriminação dela de tal forma que todas a ações
consequentes são definidas durante essa ação. Elkonin, com uma postura
galperiana, afirma também que esses modos estão associados ao domínio

291
da base orientadora da ação subsequente e os define agora de uma
maneira um pouco diferente:

A separação independente pela criança da base orientadora da ação


subsequente é o conteúdo da tarefa de estudo. Dessa forma, um
elemento importante da tarefa de estudo é o objetivo, cujo
conteúdo é o modo de ação (ELKONIN, 196-[2019], p. 154,
destaque nosso).

Em relação à posição teórica de V. V. Davidov a respeito do


conteúdo da Atividade de Estudo, na segunda etapa, no marco da qual se
inicia a análise de sua obra, observa-se que há um alinhamento com as
teses fundamentais que D. B. Elkonin sustentava durante a primeira etapa.
Para V. V. Davidov, da mesma forma que para D. B. Elkonin no período
entre 1959 e 1970, o conteúdo dessa atividade eram os “modos de ação”.
Contudo, mesmo que para V. V. Davidov os “modos de ação” continuam
a ser o conteúdo, há, na verdade, uma diferença que representa muito
mais uma correção terminológica do que uma mudança de rumo do ponto
de vista conceitual. Davidov (1979[2019], p. 172) escreveu:

O domínio dos modos generalizados de ação, desde o ponto


de vista do conteúdo (teórico) da solução de centenas de tarefas
práticas concretas, é a característica substancial da tarefa
propriamente de estudo. Formular para o aluno, uma tarefa de
estudo significa colocá-lo em uma situação que requer uma
orientação para um modo generalizado de ação desde o ponto
de vista do conteúdo de sua solução em todas as variantes
particulares e concretas possíveis das condições (destaque nosso).

D. B. Elkonin chamava de “domínio dos modos de ação”, V. V.


Davidov passou a identificar pelo nome de “domínio dos modos
generalizados de ação”. Essa mudança no interior da Teoria da
Aprendizagem Desenvolvimental começou a ser operada a partir,
sobretudo, na segunda metade da década de 1960, como resultados das
pesquisas de Davidov (1972) a respeito da generalização substantiva ou
essencial na aprendizagem como única forma possível de
desenvolvimento do pensamento teórico. De acordo com V. V. Davidov,
o domínio dos modos generalizados favorece a formação de habilidades

292
que permitem que as crianças “reproduzam e consolidem em modelos
uma relação singular das coisas que aparece ao mesmo tempo como
assento geral das manifestações particulares do sistema estudando”
(DAVIDOV, 1972, p. 408). Elkonin (196-[2019], p. 154) disse
praticamente o mesmo quando defini os “modos de ação” como “uma
ação particular com um dado material que se destina à discriminação do
mesmo de tal modo que todas as habilidades consequentes são definidas
durante a sua execução”.
Davidov (1979[2019]) estabelece as diferenças que existem entre a
generalização substantiva ou essencial (teórica) e a generalização empírico-
formal. Relaciona essa última com a distinção das propriedades gerais e
aparentemente iguais de uma variedade de objetos ou fenômenos pela via
da comparação e orientação da pessoa para essas propriedades. A
primeira, por sua vez, envolve a análise das condições de origem de algum
sistema de objetos mediante sua transformação real ou psíquica. Esta leva
ao desenvolvimento do pensamento teórico, enquanto que aquela conduz
ao pensamento empírico ou espontâneo.
Apenas um ano depois, Davidov (1980[2019]) atualiza
consideravelmente a sua concepção de conteúdo da Atividade de Estudo,
ao admitir que o mesmo estava basicamente constituído por, além do
domínio dos modos generalizados de ação já estabelecido anteriormente,
pelos conceitos científicos e pelas leis da ciência. E volta a atualizá-la
imediatamente no ano seguinte quando afirmo que o conteúdo da
Atividade de Estudo era a “assimilação dos modos generalizados de ação
na esfera dos conceitos científicos e as mudanças qualitativas no
desenvolvimento psíquico da criança que acontecem sobre essa base”
(DAVIDOV; MÁRKOVA, 1981[2019]). Com isso, o produto final da
Atividade de Estudo, isto é, a transformação do aluno, passava a aparecer
explicitamente também no seu conteúdo.
Assim, o autor reafirma aquilo que passaria a ser o foco
fundamental da Aprendizagem Desenvolvimental e da Atividade de
Estudo, pelo menos no que se refere ao ponto de vista dos representantes

293
do sistema no grupo de Moscou,108 até a segunda metade da década de
1990, isso é, o desenvolvimento do pensamento teórico como conteúdo
de ambas teorias. Davidov (DAVIDOV; MÁRKOVA, 1981[2019], p.
204) escreveria que “a formação do pensamento teórico dos estudantes é
o foco da Atividade de Estudo”.
Na fase final de sua vida, ainda que no início daquela que Puentes
(2019c) considera de etapa emocional (1996-2018), Davidov (1998[2019])
mudou de maneira radical seu posicionamento teórico a respeito do papel
da reflexão, do pensamento e da tarefa na atividade psicológica geral e
passou a priorizar a esfera das necessidades, desejos e emoções de uma
pessoa no processo de sua constituição humana.

A necessidade, o desejo e a emoção são fundamentos da atividade


integral. Entretanto, não se sabe quase nada sobre a emoção de
uma pessoa e o que ela significa. Desse ponto de vista, as
emoções são mais importantes do que o pensamento; elas são
a base para todas as diferentes tarefas que o homem estabelece
para si mesmo, inclusive a tarefa do pensar. (DAVIDOV,
1998[2019], p. 296, destaque nosso).

A relevância fundamental dessa citação de V. V. Davidov está,


precisamente, no fato de ter elevado essa temática para um patamar
científico nunca antes atingido no interior da teoria da atividade
psicológica geral, com efeitos diretos na atividade de estudo, ao
abordar a unidade entre o cognitivo e o afetivo. Ao revelar que por trás
de uma pessoa que pensa há sempre uma pessoa com necessidades,
motivos, sentimentos, desejos e emoções, que por trás do ato de
pensar está a vida mesma, V. V. Davidov aproximou-se bastante de
uma noção de sujeito de maneira integral. Lamentavelmente, as novas
disposições teóricas de V. V. Davidov não influenciaram o pensamento
do restante dos representantes da Teoria da Atividade de Estudo. Com
isso, o conteúdo dessa atividade não experimentou nenhuma mudança
significativa no interior do grupo de Moscou.

108Em relação com o conteúdo da Atividade de Estudo, como em muitos outros


aspectos, nunca existiu consenso entre os representantes dos diferentes grupos de
pesquisa, inclusive entre membros de um mesmo grupo.

294
Estrutura da Atividade de Estudo na perspectiva de V. V. Davidov

Nos trabalhos sobre as etapas do desenvolvimento da Teoria da


Atividade de Estudo, Puentes (2019b, c; 2020a, b) identificou, no período
entre 1959-2018, variações significativas no pensamento teórico dos
principais representantes do sistema Elkonin-Davidov-Repkin a respeito
da estrutura dessa atividade, o que só manifesta o processo normal de
gênese, formação e consolidação de qualquer teoria. Antes disso, as
abordagens brasileiras sobre essa estrutura não levavam em consideração
o movimento próprio no interior da Teoria da Atividade de Estudo,
gerando com isso problemas graves de interpretação, pois, comumente,
era atribuído a um período características que não eram suas e a um autor
posicionamentos de outros autores. Esse tipo de generalização
reducionista tem disso mais comum do que deveria na análise de outros
aspectos da Atividade de Estudo.
Alterações na estrutura da Atividade de Estudo como resultado de
modificações no pensamento também são evidentes no caso específico de
V. V. Davidov. É por esse motivo que, a partir das análises dos textos do
autor, produzidos no período de 1979 a 1998, constatamos que sua
concepção a respeito da estrutura da Atividade de Estudo passou por três
momentos diferentes, no geral, em um diálogo recíproco com as etapas
do desenvolvimento da estrutura dessa atividade no contexto do sistema
didático Elkonin-Davido-Repkin.
O primeiro momento se situa nos marcos do que Puentes (2019c)
identificou como etapa de inflexão filosófica (1966-1980). As
características mais marcantes dessa etapa foram a forte influência dos
fundamentos filosóficos marxistas soviéticos, especialmente da lógica
dialética nas pesquisas psicológicas e didáticas e a nova reformulação da
estrutura da Atividade de Estudo. Enquanto que na etapa anterior (1959-
1965) a estrutura estabelecida por Elkonin (1961[2019]) estava integrada
pela tarefa de estudos, ações de estudo, ações de controle e ações de
avaliação; na etapa de inflexão filosófica o próprio Elkonin (1974[2019])
teria proposto uma nova estrutura: (1) os motivos cognitivos de estudo,
(2) a tarefa de estudo e as operações de estudo que compõem essa tarefa,
(3) o controle e (4) a avaliação.

295
Na fase inicial dessa segunda etapa, Davidov (1972) teria
especificado e esclarecido o conceito de estrutura da Atividade de Estudo
no processo de análises dos tipos de generalização do pensamento teórico
dos alunos, ao estabelecer que a mesma refletia as ações que garantem a
solução da tarefa de estudo, mas não propus qualquer modificação nela.
Na fase final, Davidov (1979[2019], 1980[2019]) retomaria novamente a
estrutura da atividade, mas apenas aspectos específicos dela. No primeiro
texto, analisa alguns dos componentes fundamentais da Atividade de
Estudo, isto é, o sistema de ações particulares para a resolução da tarefa
de estudo. A maior contribuição do texto está na enumeração de ações
básicas de estudo que não tinham sido identificadas até então: (1)
transformação da situação para colocar de manifesto a relação geral do
sistema que se analisa; (2) modelagem da relação assinalada em forma
gráfica e simbólica; (3) transformação do modelo da relação para o estudo
de suas propriedades em forma pura; (4) distinção e organização de uma
série de tarefas práticas concretas particulares, que se resolvem pelo modo
generalizado de ação; (5) controle do cumprimento das ações anteriores;
(6) avaliação da assimilação do modo generalizado de ação como resultado
da solução da tarefa de estudo em questão.
No segundo texto, Davidov (1980[2019]), ignorando a estrutura
proposta por D. B. Elkonin, em 1974, que contém como elemento novo
os motivos cognitivos de estudo característicos de um período dominado
por uma preocupação intensa em relação as forças motrizes do
desenvolvimento dos modos generalizados de ação e dos conceitos
científicos, apresenta e caracteriza a estrutura inicialmente proposta por
D. B. Elkonin (1961[2019]): (1) As situações de estudo (as tarefas); (2) as
ações de estudo; (3) controle; (4) avaliação. Se no texto anterior tinha sido
relevante a especificação das ações como componentes da estrutura da
Atividade de Estudo, nesse texto foi importante as duas características das
situações de estudo que V. V. Davidov estabeleceu. Em primeiro lugar,
que nas situações de estudo os alunos assimilam os modos generalizados
de ação para diferenciar as propriedades dos conceitos com o objetivo de
resolver algum tipo de tarefa concreta prática; em segundo lugar, que a
reprodução dos modelos desses modos de ação aparece como objetivo
básico do estudo como trabalho.

296
De acordo com Davidov (1980[2019]), a grande diferença entre a
resolução de tarefas práticas e concretas nas situações de estudo e em
qualquer outro âmbito é que naquelas as tarefas se assimilam de um modo
distinto. Por exemplo, nas situações de estudo a escrita de um ditado é
precedida por um trabalho em que as crianças estudam primeiro a
composição das palavras e as regularidades segundo as quais se combinam
e as regras gerais da ortografia. Já a solução de um problema de aritmética
está precedida pelo estudo das propriedades gerais e dependências das
magnitudes, dos modos de ação para encontrá-las nos enunciados do
problema e dos meios de representa-las pela via de operações aritméticas.
O segundo momento no pensamento de V. V. Davidov se
corresponde com a etapa de inflexão metodológica (1981-1990).
Sobressai, ao longo de toda a década de 1980, o predomínio de
trabalhos sobre Atividade de Estudos escritos por V. V. Davidov,
sozinho ou em parceria com colaboradores do grupo de Moscou.
Sobressai também o número de reformulações a que foram submetidos
o conteúdo e a estrutura dessa atividade, sobretudo, a partir dos
trabalhos de V. V. Davidov.
Em dois trabalhos específicos V. V. Davidov aborda a estrutura
da Atividade Estudo. No artigo junto com Márkova (DAVIDOV;
MÁRKOVA, 1981[2019]), ele trata da estrutura, mas deixa a mesma do
jeito que tinha sido estabelecida pelo D. B. Elkonin (1961[2019]), sem
sequer considerar as atualizações de 1974 em relação aos motivos
cognitivos de estudo. Contudo, a novidade da proposta de V. V. Davidov
está no fato de que, mesmo mantendo os componentes da estrutura
definida na etapa inicial, o aspecto dos motivos cognitivos de estudo foi
incorporado como parte da tarefa de estudo. Mais uma vez, a estrutura da
Atividade de Estudo segundo V. V. Davidov seria a seguinte: (1) tarefa de
estudo; (2) ações de estudo; (3) ações de controle; (4) ações de avaliação.
No livro intitulado Problemas de aprendizagem desenvolvimental
(DAVIDOV, 1986), o autor faz a maior reformulação da estrutura da
Atividade de Estudo nesse segundo momento de sua obra. Entre as
questões relevantes a ressaltar do texto de Davidov (1986[2019])) estão,
por um lado, a definição dos conhecimentos teóricos enquanto conteúdo
da Atividade de Estudo. Pelo outro, a especificação dos componentes
estruturais da Atividade de Estudo, a saber: 1) as necessidades; 2) os

297
motivos; 3) as tarefas; 4) as ações; 5) as operações, bem como com a
definição que faz de alguns deles. Se por uma parte essa proposta
manifesta o modo particular de V. V. Davidov enxergar a estrutura da
Atividade de Estudo, diferente em alguns aspectos das propostas de
Elkonin (1961[2019], 1974[2019]), guarda com elas estreita relação. Além
disso, reafirma o movimento, iniciado nos períodos anteriores, de
aproximação da estrutura dessa atividade específica com a estrutura da
atividade psicológica geral elaborada por Leontiev (1975[1985]), ao se
estabelecer um novo componente: as operações.
O texto de Davidov (1986[2019]) avança com a caracterização das
peculiaridades da ação de estudo, por diversas vezes abordada em outros
estudos precedentes, mas nunca de maneira tão explícita. De acordo com
o autor, essa ação se subdivide, por sua vez, em outras quatro ações: 1) a
ação inicial (principal), que consiste na transformação dos dados da tarefa
de estudo com a finalidade de colocar em evidência determinada relação
universal do objeto dado; 2) a ação de modelagem em forma objetal, gráfica
ou com signos da relação universal diferenciada; 3) a ação de
transformação do modelo com o objetivo de estudar a propriedade da
relação universal do objeto que tem sido diferenciada; 4) a ação de dedução e
construção de um determinado sistema de tarefas particulares. Entretanto,
surpreendentemente, V. V. Davidov não descreve o novo componente
que incorpora à estrutura da Atividade de Estudo, é dizer, as operações.
O terceiro momento de desenvolvimento do pensamento de V.
V. Davidov a respeito da estrutura da Atividade de Estudo se estende
entre 1991 e 1998 e se corresponde com a etapa de inflexão crítico-
emocional na história da formação da Teoria da Atividade de Estudo
(1991-2002). O aspecto mais relevante da etapa e do momento foi a
elaboração de uma nova abordagem para a compreensão da estrutura e
do conteúdo da atividade psicológica geral, cujo foco esteve na
dimensão emocional dessa atividade.
Há dois textos de Davidov (1991[2019], 1997[2019]), em especial,
que permitem captar o nível de desenvolvimento atingido pelo
pensamento do autor a respeito de toda a problemática envolvendo, em
primeiro lugar, as teorias da Aprendizagem Desenvolvimental e da
Atividade de Estudo; em segundo lugar, a estrutura da atividade, sem bem
não especificamente de estudo, mas psicológica geral.

298
O texto que abre esse último momento, é um balanço bastante
objetivo e crítico do estado atual atingido pela Teoria da Atividade de
Estudo depois de trinta anos de desenvolvimento contínuo. Nele,
Davidov (1991[2019]), entre muitos outros problemas da teoria, dá
destaque para três deles: (1) a necessidade de aumentar as pesquisas sobre
as características psicológicas do sujeito da atividade, uma vez que a
atenção principal tinha sido dada à estrutura da própria Atividade de
Estudo, à natureza da tarefa de estudo, assim como à sua manifestação
nas disciplinas escolares específicas; (2) a necessidade de pesquisar melhor
e de maneira mais sistemática os motivos, pois a esfera necessidade-
motivacional do sujeito dessa atividade tinha sido pouco analisada e a
maioria dos estudos existentes foram feitos por meio de observações, o
que permitiu descrever apenas as características externas dessa esfera; 3) a
necessidade de estudar a conexão existente entre a formação da Atividade
de Estudo do aluno e o desenvolvimento de sua personalidade.
Esses três problemas colocam de manifesto a questão de que se
bem as necessidades e motivos, já desde a primeira metade da década de
1970, passaram a integrar a estrutura da Atividade de Estudo, vinte anos
depois o foco ainda estava no papel deles como combustíveis das ações e
não no estudo do processo de desenvolvimento dos mesmos, na pesquisa
de suas leis internas, de seu conteúdo, estrutura e formação. As pesquisas,
por intermédio do método do experimento didático-formativo,
priorizavam, sobretudo, a análise do processo de formação das ações de
estudo, controle e avaliação.
Davidov, no texto de 1991, tinha deixado de fora uma questão
de extrema importância, mas sobre a qual não se tinha tomado
consciência ainda no interior do sistema Elkonin-Davido-Repkin:
trata-se do lugar das emoções no processo de formação da Atividade
de Estudo nas crianças e sua relação com os processos cognitivos. A
preocupação pela natureza das emoções e seu papel no
desenvolvimento cognitivo dos alunos só emergiria na obra do V. V.
Davidov na fase final de sua vida e, por isso mesmo, o aporte teórico
realizado ainda não teve o impacto significativo que se supõe que
deva ter futuramente na estrutura da Atividade de Estudo.
A nova abordagem sobre os desejos e emoções foi realizada por
Davidov (1997[2019]) em um texto baseado em reflexões da natureza

299
teórica e especulativa sem dados de pesquisas de campo que deram
sustentação às teses apresentadas. Trata-se de uma apresentação cheia de
problematizações, novas elaborações, hipóteses de trabalho e
interpretações sem nenhuma tese conclusiva. Por esse motivo, V. V.
Davidov tem o mérito de levantar um novo problema, muito mais do que
avançar no seu estudo. Entretanto, com sua morte, em 1998, sobretudo,
com a paulatina desintegração do sistema didático desenvolvimental, essas
ideias caíram no esquecimento.
Insistamos mais uma vez que Davidov (1998[2019]) realizou dessa
vez uma abordagem da estrutura e do conteúdo da atividade psicológica
geral, não do estudo como atividade específica. V. V. Davidov adota a
estrutura geral da atividade proposta por Leontiev (1975), mas a amplia ao
propor dois novos componentes: o desejo e as emoções. De acordo com
Leontiev (1975), o desejo não fazia parte da estrutura psicológica da
atividade, mas V. V. Davidov passou a considerar que tinha uma
importância fundamental. A questão estava, de acordo com V. V.
Davidov, em descobrir como o desejo se transforma em uma necessidade
natural da pessoa. Por fim, estabeleceu os componentes da nova estrutura:
(1) desejos; (2) necessidades; (3) emoções; (4) tarefas; (5) ações; (6)
motivos para as ações; (7) meios usados para executar ações; (8) planos da
cognição (percepção, memória, pensamento, imaginação e criatividade) e;
(9) vontade (a atenção como controle).
A relevância científica desse artigo de Davidov (1998[2019]) está
no fato de ter elevado essa temática para um patamar científico nunca
antes atingido no interior da teoria da atividade e superar, com isso, as
teses fundamentais predominantes à época, com a introdução do estudo
das emoções e da unidade do cognitivo-emocional se recorrer a nenhum
dos recursos teóricos comumente empregados.

Considerações Finais

As pesquisas de V. V. Davidov partiram de considerar a


insuficiência da escola que transmitia aos alunos apenas conteúdos
prontos e tiveram por objetivo superar a transmissão de conhecimentos
empíricos pela via dos métodos tradicionais de ensino (sobretudo o
método explicativo-ilustrativo), analisando como a aprendizagem poderia

300
impulsionar a formação das capacidades cognitivas mediante a formação
de modos generalizados de ação no âmbito dos conceitos científicos. A
ideia era desenvolver o pensamento teórico, isto é, descobrir por que
meios os alunos poderiam melhorar e potencializar sua aprendizagem.
Pela magnitude dos aportes teóricos e práticos oferecidos por V.
V. Davidov à aprendizagem escolar, destacamos suas principais
contribuições a respeito da Teoria da Atividade de Estudo, à qual ele
dedicou grande parte da sua vida profissional e científica. Seus estudos a
respeito da temática se mostram relevantes para a análise dos processos de
aprendizagem das escolas brasileiras de nível fundamental. No entanto, a
implantação de suas proposições exige uma mudança de postura
significativa por parte das instituições de ensino, pois sua função não
poderá ser apenas atender as necessidades básicas de aprendizagem,
aquisição de habilidades, aptidões e valores para o trabalho, mas
proporcionar um espaço capaz de promover o desenvolvimento das
capacidades humanas (simbólicas, valores, sentimentos, emoções, motivos
e outros) que permitem e favorecem a formação integral do sujeito.
Levando-se em consideração as características e as realidades das
instituições de ensino no Brasil, nas quais predomina um modelo de
aprendizagem tradicional, qualquer mudança requer um incentivo maior a
respeito de duas questões fundamentais: em primeiro lugar, uma
reformulação no interior dos cursos de formação de professores no país
que considere maior inserção dos futuros docentes nas escolas de
educação básica, uma alteração radical do currículo que substitua os
conteúdos empíricos que são ensinas por conteúdos teóricos que devem
ser aprendidos em processos colaborativos e dialógicos, por intermédio
do método de pesquisa e a melhoria na qualidade da formação dos
próprios formadores de formadores; em segundo lugar, políticas públicas
que favoreçam a criação de escolas-experimentais nas quais esse tipo de
trabalho posso ir sento implementado, testado e melhorado, medidas ágeis
que permitam a socialização e generalização de experiências bem-
sucedidas e a transformação das escolas de aplicação vinculadas as
universidades públicas no que elas verdadeiramente deveriam ser: escolas
de pesquisa, intervenção e experimentação didático-pedagógica.
Ademais, será preciso investigar uma concepção de didática que
tenha como propósito um processo humano de aprendizagem, organizado

301
adequadamente em ambientes de colaboração e participação ativa e mútua
entre professor e aluno, capaz de impulsionar o desenvolvimento
humano; um processo de mediação à apropriação de conceitos teóricos
relevantes para o desenvolvimento dos estudantes, cujo princípio é
colocar o aluno em patamares superiores àqueles em que se encontrava
antes de participar da experiência educativa. Nesse sentido, acreditamos
que a abordagem apropriada para fornecer as ferramentas capazes de
auxiliar no planejamento e na execução de ações que possibilitem a
formação do sujeito é a Atividade de Estudo, considerada a teoria central
da Teoria da Aprendizagem Desenvolvimental.
Salientamos que se faz necessário pesquisar ainda mais as
características internas da formação dos componentes estruturais da
Atividade de Estudo, a compreensão das tarefas de estudo, das ações de
estudo, de controle e de avaliação, bem como da esfera das emoções do
sujeito da atividade. Porém, acreditamos que a Teoria da Atividade de
Estudo, na perspectiva de V. V. Davidov, pode contribuir, futuramente,
com intervenções para a melhoria da qualidade dos processos de
aprendizagem realizados no interior das salas de aula, sem desconsiderar
as caraterísticas e as exigências concretas desse contexto.

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310
Capítulo 10

Aportes de V. V. Repkin para o desenvolvimento da teoria


da atividade de estudo (1963 – 2019)109

Paula Alves Prudente Amorim


Roberto Valdés Puentes

Introdução

O presente texto é uma versão parcial e revisada do terceiro


capítulo da dissertação de mestrado de Paula Alves Prudente Amorim
(AMORIM, 2020), defendida no Programa de Pós-Graduação em
Educação da Universidade Federal de Uberlândia, sob a orientação do
professor Roberto Valdés Puentes. O trabalho está vinculado as pesquisas
realizadas no interior do Gepedi (Grupos de Estudos e Pesquisas em
Didática Desenvolvimental e Profissionalização Docente) que favorecem
o acesso de pesquisadores (FEROLA, 2019; LONGARZI, 2017;
LONGAREZI; FRANCO, 2013; NASCIMENTO, 2014; LONGAREZI;
ARAÚJO; PIOTTO; MARCO, 2018; LONGAREZI; PUENTES;
ARAUJO, 2020; LOPES, 2020; CARDOSO, 2020; AMORIM, 2020;
SOUZA, 2019; LOPES, 2020; PUENTES, 2017; CARCANHOLO,
2020).
A teoria da Atividade de Estudo surgiu na antiga União Soviética,
no final dos anos de 1950, no contexto da teoria da aprendizagem
desenvolvimental (PUENTES, 2019a), com base nas teses de S. L.
Rubinstein, A. N. Leontiev e, principalmente, de L. S. Vigotski sobre a
relação entre atividade, aprendizagem e desenvolvimento humano. Pode-
se dizer, no entanto, que essa teoria remonta, de certo modo, à

109O presente texto apresenta os resultados obtidos na produção da dissertação de


Mestrado em Educação do Programa de Pós-Graduação em Educação pela
Universidade Federal de Uberlândia, MG/2020, desenvolvida sob a orientação do
Prof. Dr. Roberto Valdés Puentes.

311
antiguidade, especialmente aos filósofos medievais que já discutiam,
naquela época, as questões relativas à atividade.
Mas, de acordo com Davidov (2019e), a teoria genuinamente
filosófica da atividade foi criada pelos filósofos alemães (Kant, Fichte,
Schelling e, especialmente, Hegel). Tributária da pedagogia, da filosofia, da
fisiologia e, em especial, da psicologia histórico-cultural, a teoria da
Atividade de Estudo emergiu a partir da busca por uma forma de
aprendizagem diferente daquela consolidada na ex-União Soviética dos
anos de 1950. A Atividade de Estudo seria aprimorada no interior de um
movimento de psicólogos e didatas soviéticos que, ao longo de mais de
cinquenta anos de estudo, desenvolveram a concepção que ficou
conhecida como Aprendizagem Desenvolvimental, teoria que se destina,
fundamentalmente, “a preparar os alunos para a atividade criativa, não [...]
o desenvolvimento do pensamento em si, mas [...] dos alunos como
sujeitos da aprendizagem, que precisam pensar para resolver seus
problemas” (REPKIN; REPKINA, 1997 apud REPKIN; REPKINA,
2019b, p. 35).
As pesquisas realizadas acerca da aprendizagem desenvolvimental
deram curso a diversas tendências educacionais direcionadas, todas elas,
por três grandes concepções psicológicas, ou seja, desenvolvimental da
atividade, desenvolvimental da personalidade e desenvolvimental da
subjetividade, sendo que a primeira foi aquela que teve, ao longo do
tempo, maior número de pesquisas teóricas e práticas (PUENTES;
LONGAREZI, 2017). Alguns princípios da didática desenvolvimental
acabariam sendo interpretados de maneiras diferentes, sobretudo aqueles
ligados ao pensamento de Vigotski, gerando, com isso, no interior dessa
didática, o surgimento de pelo menos três sistemas bem distintos: (a)
sistema Zankoviano (PUENTES; AQUINO, 2019), (b) sistema Galperin-
Talízina (PUENTES; LONGAREZI, 2020) e (c) sistema Elkonin-
Davidov-Repkin (PUENTES, 2017, 2019b, e, f).
O sistema Elkonin-Davidov-Repkin, como a própria
nomenclatura subentende, desenvolveu suas teses fundamentais a partir
dos trabalhos de Elkonin, Davidov e Repkin, em colaboração com um
grupo numeroso de cientistas e professores (cf. PUENTES;
LONGAREZI, 2020). Vladimir Vladmirovski Repkin (1927), filólogo,
filósofo, psicólogo e didata, foi uma das figuras que mais contribuiu na

312
sua consolidação; primeiro, desenvolvendo pesquisas teórico-
experimentais na cidade de Kharkov e; depois, com o fim da União
Soviética, em toda a república da Ucrânia. Junto com Elkonin e de
Davidov, V. V. Repkin foi o teórico e líder mais importante dessa
concepção: participou ativamente da criação, do fortalecimento e
consolidação do grupo de Kharkov e realizou aportes significativos no
campo da didática da língua russa e, principalmente, da teoria e da prática
da Atividade de Estudo.
A dissertação de mestrado surgiu da carência de pesquisas,
sobretudo brasileiras, destinadas à análise do pensamento psicológico,
pedagógico e didático de Repkin e suas possíveis contribuições para o
desenvolvimento da teoria da Atividade de Estudo em suas diferentes
vertentes. Repkin, a partir de 1963, assumiu a implementação de uma
proposta de aprendizagem desenvolvimental, para o qual realizou uma
série de experimentos buscando compreender o princípio da atividade e,
em colaboração com outros estudiosos da didática desenvolvimental,
elaborar uma teoria psicológica que fundamentasse o processo de estudo,
os tipos, a estrutura e o conteúdo desse tipo específico de atividade
humana. Ele entendia que “o estudo dessa atividade tem importância não
apenas científica, mas também, e sobretudo, [...] prática e aplicada”
(REPKIN, 2014, p. 86).
Os trabalhos realizados por Repkin alcançariam importância
científica, prática e aplicada, tal como indicada no trecho acima? Em que
consistiria, afinal, a contribuição desse ucraniano, colaborar de Davidov e
de Elkonin, para os rumos da teoria da Atividade de Estudo? Repkin
traria de fato contribuições importantes a esta já famosa teoria? Os
estudos recentes de Puentes e Longarezi (2020) projetam alguma luz sobre
esse problema ao identificarem a Atividade de Estudo como um sistema
complexo: formado por estudos dotados de uma matriz teórica comum,
mas com pontos de vista divergentes sobre diferentes questões.
Compreender esse sistema, por isso, passa tanto pelo estudo daquilo que
há de comum nos autores, quanto o que cada um, individualmente,
agregou à teoria. Por isso mesmo, segundo Puentes e Longarezi (2020, p.
224-225), “uma visão mais integral, contemporânea e dialética sobre o
sujeito, a atividade de estudo, a aprendizagem e o desenvolvimento

313
passam, necessariamente, pelo regaste da obra, do pensamento e da
projeção de autores, tais como, V. V. Repkin [...]”.
A nossa hipótese é a de que Repkin teria trazido contribuições
importantes à elaboração da Atividade de Estudo, podendo ser
considerado um dos principais responsáveis pela sua inserção e
consolidação nas escolas de massa. As suas obras monográficas relativas à
Atividade de Estudo, embora importantes, foram menos teóricas. Ele
escreveu mais de quarenta livros didáticos de língua russa, de orientações
metodológicas e dicionários e atuou na formação de professores
(PUENTES; LONGAREZI, 2020, p. 225). Além dessa vasta experiência
didática, o fato de Repkin fundar e coordenar, durante mais de vinte anos,
o grupo de pesquisa de Kharkov, dá provas suficientes da sua importante
atuação como didata e psicólogo, fazendo-nos esperar dele mais do que
uma contribuição marginal ao sistema.
O objetivo geral do presente capítulo é apresentar os resultados
mais importantes da análise realizada sobre o progresso teórico-
metodológico do pensamento e da obra de Repkin em relação à Teoria da
Atividade de Estudo, a partir da avaliação das contribuições do autor para
o desenvolvimento da teoria com foco nos seguintes aspectos: a) objetivo
da Atividade de Estudo, b) conceito de Atividade de Estudo, c) conteúdo
da Atividade de Estudo e, d) estrutura da Atividade de Estudo.

Desenvolvimento

V. V. Repkin (1927), mesmo sendo considerado a terceira mais


importante figura do sistema Elkonin-Davidov-Repkin, no Brasil é ainda
um autor praticamente desconhecido.110 Cinco fatores contribuíram para
o ostracismo intelectual de Repkin. Em primeiro lugar, o fato de ser um
homem despretensioso na vida cotidiana, profissional e intelectual o
manteve longe dos holofotes da fama; em segundo, que não tenha sido
publicada, ainda, uma grande quantidade de materiais que refletem uma
ampla gama de problemas psicológicos e pedagógicos com os quais lidou

110Apenas um único texto de V. V. Repkin tinha sido publicado no país, até o ano de
2018, a saber, REPKIN, V.V. Ensino desenvolvente e atividade de estudo. Ensino em
Revista, Uberlândia, v. 21, n. 1, p. 85-99, jan./jun. 2014.

314
(manuscritos, relatórios sobre trabalhos de pesquisa, relatórios e discursos
em congressos e conferências, palestras para alunos, professores e o
público em geral); em terceiro, que a maior parte de seus trabalhos
publicados estão relacionados com livros didáticos, orientações
metodológicas e dicionários para a aprendizagem de língua russa; em
quarto, que sua produção intelectual e acadêmica publicada está,
principalmente, em russo e ucraniano, com pouquíssimo vínculo
linguístico com os idiomas mais comuns na América Latina; em quinto
lugar, que algumas obras russas traduzidas para o espanhol tenham
sofrido cortes indevidos e inexplicáveis de partes importantes
relacionados com suas pesquisas e publicações (PUENTES; AMORIM;
CARDOSOS, 2017; PUENTES; CARDOSO; AMORIM, 2018, 2019).
Porém, a contribuição de V. V. Repkin foi significativa no campo
da teoria e da prática da aprendizagem desenvolvimental, assim como,
para o fortalecimento e consolidação do grupo de Kharkov, do qual foi
líder durante décadas (PUENTES; AMORIM; CARDOSOS, 2017;
PUENTES; CARDOSO; AMORIM 2018, 2019). Além disso, estabeleceu
novos grupos e laboratórios em outras repúblicas soviéticas, bem como
ajudou V. v. Davidov a fundar a Associação Internacional de
Aprendizagem Desenvolvimental, da qual sempre foi se vice-presidente
(PUENTES; CARDOSO; AMORIM, 2019).
A prática da Aprendizagem Desenvolvimental e,
consequentemente, da Atividade de Estudo, teve autorização para ser
aplicada nas escolas da Ucrânia e de outros países vizinhos há mais de
vinte anos. Foi vivendo essa realidade que V. V. Repkin e seus
colaboradores puderam fazer algumas confirmações sobre o sistema,
tanto em relação a sua eficácia quanto às dificuldades associadas à sua
implementação. Essas dificuldades estavam relacionadas com “várias
versões de livros didáticos de aprendizagem desenvolvimental [...] cada
uma das quais alegou ter sua própria interpretação especial do sistema”
(REPKIN; REPKINA, 2019b, p. 27).
Repkin considera que essas diferentes interpretações da teoria e da
prática da Aprendizagem Desenvolvimental agravaram o avanço,
principalmente, de sua prática. Assim, propõe em suas pesquisas terminar
o que foi iniciado, sobretudo, por Davidov “e chegar a uma conclusão
lógica, por meio da construção de um modelo teórico coerente e

315
consistente” (REPKIN; REPKINA, 2019b, p. 27). As partes a seguir
analisam as possíveis contribuições do Repkin em relação a aspectos
específicos da Teoria da Atividade de Estudo

O objetivo da atividade de estudo na perspectiva de V. V. Repkin

Uma das particularidades fundamentais da Atividade de Estudo é


o seu objetivo. O propósito desse tipo específico de atividade humana é
transformar o indivíduo em sujeito da ação, introduzindo “modificações
preestabelecidas no próprio sujeito” (ELKONIN, 1960[2019a], p. 153),
em lugar de transformar o objeto com os quais atua. Repkin, em
colaboração com sua filha Natálya V. Repkina (REPKIN; REPKINA,
2019b) com base nas pesquisas de Elkonin e Davidov sobre a Atividade
de Estudo, aprofundaram a análise dos objetivos da aprendizagem,
colocando o grupo de Kharkov na vanguarda no âmbito nacional. Para
Repkin, o verdadeiro resultado da aprendizagem é a formação de um
indivíduo apto a desempenhar formas de atividade humanas. Por esse
motivo, percebe que se faz necessário distinguir duas dimensões da
aprendizagem: “o psicológico, que implica que o indivíduo tem o desejo de
participar desse tipo de atividade, e o objetivo-tecnológico, que pressupõe a
presença de conhecimentos e habilidades necessários para participar dessa
atividade” (REPKIN; REPKINA, 2019b, p. 33).
O aspecto objetivo-tecnológico foi o mais enfatizado pelos sistemas de
ensino predominantes. Seu objetivo geral era o domínio bem-sucedido
das profissões, meta facilmente alcançada através da transmissão de
conhecimentos elementares, passados inclusive, sem dificuldade, de pai
para filho. Com a expansão da gama de profissões e a ampliação de suas
complexidades, tornou-se praticamente impossível determinar, numa
síntese, os conhecimentos por detrás do bom desempenho das atividades
profissionais. A implicação disto foi que “os objetivos do ensino
perderam sua conexão significativa com sua função, isto é, tornaram-se
cada vez mais formais” (REPKIN; REPKINA, 2019b, p. 33),
formalização essa cujo ápice atingiu, na primeira metade do século XX,
afundando o modelo tradicional e profissional de educação numa
profunda crise.

316
Repkin e Repkina (2019b) não desconsideram as atividades
reprodutivas em suas reflexões, porém, compreendem que o aspecto
psicológico da Atividade de Estudo se evidencia melhor e se aprende mais
facilmente apreendidos naquelas atividades criativas. A criatividade, eles
observam, é mais um produto das habilidades e necessidades do
indivíduo, do que de certos conhecimentos elementares. Levando em
conta que o principal objetivo da Atividade de Estudo é “preparar os
alunos para a participação em atividades criativas” (REPKIN; REPKINA,
2019b, p. 34), o aspecto psicológico deve ser o foco.
Sendo assim, o objetivo da Atividade de Estudo é desenvolver
nos alunos suas próprias necessidades e habilidades, de modo que a
aprendizagem nunca acontece descolada do desenvolvimento. Para a
psicologia e a pedagogia tradicionais a aprendizagem e o desenvolvimento
eram considerados “processos diferentes, embora intimamente
relacionados” (REPKIN; REPKINA, 2019b, p. 34). Porém, segundo
Repkin e Repkina (2019b, p. 34), o processo de aprendizagem se funde
com o do desenvolvimento, quando a experiência cultural e histórica, em
vez de ser simplesmente transmitida, é recriada pelo aluno em parceria
com o professor. Além disso, Repkin (1977[2019d], p. 350) salienta “que a
Atividade de Estudo surge apenas no âmbito de um tipo especial de troca
de atividades que se desenvolve como uma solução conjunta de tarefas
recebidas pelo aluno com base nas generalizações conceituais feitas pelo
professor.”
A grande questão estava “no ‘que’ e em ‘como’ deve ser
desenvolvido o processo de aprendizagem” (REPKIN; REPKINA,
2019b, p. 34) e a resposta para ela vinha sendo formulada desde o início
das pesquisas soviéticas sobre o objetivo da Atividade de Estudo.
Os primeiros experimentos de D. B. Elkonin e V. V. Davidov
buscaram enfrentar os problemas causados pelo ensino tradicional no
desenvolvimento dos modos de ação dos alunos das séries iniciais do nível
fundamental, particularmente no caso do pensamento teórico. Para
Elkonin (1989[2019b], p. 162), “[a] Atividade de Estudo tem como
conteúdo aprender modos generalizados de ação no mundo dos conceitos
científicos”. Sendo assim, o êxito da Atividade de Estudo está na
capacidade do aluno de adquirir o modo generalizado de ação, focando
em certo conceito geral e não em modos de ação com base em conceitos

317
empíricos ou específicos. Tanto isso é certo que Repkin (1977[2019d], p.
346) notou que a “característica do conteúdo objetivo da Atividade de
Estudo carece de uma precisão que consiste em que a meta da Atividade
de Estudo” seja “a assimilação não dos modos generalizados de ação, mas
apenas daquelas que foram generalizadas na forma de conhecimento
científico, em particular, na forma de conceito.” Sendo assim, foi
realizada um experimento com crianças das séries iniciais do nível
fundamental com a intensão de desenvolver esse tipo particular de
pensamento com base na ideia de A. N. Leontiev, que nivelava o
desenvolvimento com assimilação.
Porém, segundo Repkin e Repkina (2019b, p. 35), a assimilação
dos conceitos teóricos, propostos no experimento, não levaram os alunos
a desenvolverem formas elementares do pensamento teórico. Segundo
eles, a razão disso não acontecer estava na ineficácia no desenvolvimento
desses conceitos para crianças das séries iniciais do nível fundamental.
Nas palavras de Repkin e Repkina (2019b, p. 35):

Sem dificuldade, e mesmo com interesse óbvio, analisando a


estrutura da palavra ou inventando maneiras engenhosas de medir
valores, os alunos foram forçados a usar as regras empíricas usuais
de escrita quando escreviam as mesmas palavras, e quando
adicionavam ou subtraíam números acabavam confiando nos
resultados da conta e não nos resultados da medição. Em outras
palavras, fatos muito interessantes da teoria se revelaram
desnecessários para eles como sujeitos da ação prática e, portanto,
foram rejeitados.

Ficou claro para Repkin que o objetivo da Atividade de Estudo


era desenvolver o pensamento, mas levando em consideração a lógica do
desenvolvimento do aluno como sujeito da aprendizagem. Com base
nisso e sob o comando de Repkin, as pesquisas do grupo de Kharkov,
sobre como preparar os alunos para da atividade criativa, chegaram ao
acordo que o principal objetivo da Atividade de Estudo, além do
“desenvolvimento do pensamento em si”, era, também, “o
desenvolvimento dos alunos como sujeitos da aprendizagem
desenvolvimental, que precisam pensar para resolver seus problemas”
(REPKIN; REPKINA, 2019b, p. 35).

318
Como se pode notar, a interpretação sobre o objetivo da
Atividade de Estudo, feita por Repkin e a sua equipe de Kharkov, difere-
se um pouco do grupo de Moscou liderado por Davidov. Davidov (1996)
concordava que o objetivo principal da Atividade de Estudo era o
desenvolvimento do aluno como sujeito da atividade, porém para ele o
foco estava no desenvolvimento do pensamento teórico. Para Repkin, por
sua vez, o objetivo principal era tornar o aluno sujeito “da ação
transformadora”, dessa forma o “seu desenvolvimento como
personalidade é uma continuação desse processo, realizado principalmente
fora da escola” (REPKIN; REPKINA, 2019b, p.39).

O conceito de Atividade de Estudo na perspectiva de Repkin

A análise da Atividade de Estudo nasceu no contexto do


problema da aprendizagem desenvolvimental. Segundo explica Repkin
(1997[2019f], p. 368):

A realização das ideias da aprendizagem desenvolvimental nos


conduz à necessidade: de explicação das relações encontradas na
base do processo de aprendizagem; da análise da sua estrutura, de
seu conteúdo, da gênese da Atividade de Estudo como uma forma
particular da atividade humana. Cada um desses problemas é
independente e, ainda assim, estão todos interligados entre si.

A investigação desses problemas superaria a falta de eficácia do


ensino tradicional. Era preciso dar resposta a alguns questionamentos:
como os alunos estudam? Qual o procedimento desse estudo? Existem
nesse processo um lado que ainda não foi explorado? Essas eram algumas
das problemáticas levantadas pelos representantes da teoria da
Aprendizagem Desenvolvimental e foi através desses questionamentos
que a teoria da Atividade de Estudo se tornou central dentro dessa
concepção. Sendo assim, é preciso entender de que modo a compreensão
científica da Atividade de Estudo pode solucionar certos problemas da
Aprendizagem Desenvolvimental, tanto do ponto de vista teórico como
do trabalho prático do professor.
Vimos que, de acordo com Davidov e Márkova (1981[2019], p.
193), o conceito da Atividade de Estudo tem como princípios a unidade

319
dialético-materialista da psique e da atividade (Rubinstein, Leontiev), a
teoria psicológica da atividade (A. N. Leontiev) e a teoria da formação por
etapas das ações mentais e tipos de aprendizagem (P. Ya. Galperin, N. F.
Talizina e outros). Seguindo essa linha, Repkin reconstrói os passos dados
na direção do conceito da teoria da Atividade de Estudo, permitindo-lhe
avançar na elaboração de uma posição própria. Em seu artigo O conceito de
Atividade de Estudo, publicado pela primeira vez, em 1976, na revista Vestik
da Universidade de Kharkov, ele apresenta o seguinte problema da
Atividade de Estudo: “[n]a maioria das vezes, ela é substituída pelo
conceito de ensino” (REPKIN, 1976[2019b], p. 313).
Segundo ele, a aprendizagem vinha sendo considerada apenas
como “um tipo de atividade” da pessoa, isto é, como uma forma de
desempenho comparável às outras formas de desempenho individuais
típicas, podendo ser explicada a partir simplesmente das leis da formação
dos reflexos condicionados, ou como um processo psíquico com seus
mecanismos nervosos correspondentes. Repkin (1976[2019b],) observa
que, assim entendido, o mecanismo da aprendizagem nivelaria a atividade
da pessoa àquela do animal. Na condição de um tipo de desempenho
qualquer, a aprendizagem se resumiria ao rebaixamento do estado de
incerteza do sujeito e à elaboração de programas comportamentais de
tomada de decisão. Deste modo, ainda que a ideia de aprendizagem
continuasse a valer no contexto escolar e educacional, em se tratando do
indivíduo, o que na prática ocorre é a pura e simples “assimilação”
(REPKIN, 1976[2019b], p. 314).
Repkin entendia a aprendizagem como uma forma de atividade
“específica”, distinta das demais formas de desempenho do indivíduo. O
mecanismo por detrás da aprendizagem, propriamente dita, estaria muito
além daquele do condicionamento a partir de reflexos. Para ele, em vez
disso, a aprendizagem era uma atividade, principalmente, de “assimilação
da experiência histórico-social” (REPKIN, 1976[2019b], p. 314). Esse é o
aspecto que levou a teoria da Atividade de Estudo a um outro nível do seu
desenvolvimento destacando-a das demais teorias do sistema. Para
Repkin, era preciso repensar o lugar do conceito de assimilação no interior
da teoria:

320
Dificilmente pode-se duvidar que o processo de assimilação dos
conhecimentos, das habilidades e dos hábitos é a característica
mais importante da Atividade de Estudo. Contudo, é tão certo que
a análise dessa atividade como uma forma especial de desempenho social
do sujeito não pode ser exaurida mesmo pela mais minuciosa análise
do processo de assimilação, que é um componente e um resultado
de qualquer atividade da pessoa. Ademais, a construção de uma
teoria psicológica da assimilação pressupõe em última instância
uma análise da atividade em cujo âmbito ela é posta em prática. A
identificação do conceito de Atividade de Estudo com conceito de
assimilação é, assim, não tanto a solução de um problema teórico
complexo, quanto uma tentativa peculiar de contornar esse
problema (REPKIN,1976[2019b], p. 314 e 315).

O principal desafio para o desenvolvimento psicológico da


Atividade de Estudo é “compreendê-la como uma forma especial de
desempenho social do sujeito” (REPKIN, 1976[2019b], p. 315). Deve-se
começar esclarecendo qual é a “função social específica” da Atividade de
Estudo, dando precedência à análise sociológica em relação àquela
psicológica. Quais são as demandas sociais que esse tipo de atividade visa
satisfazer? Segundo Repkin, a Atividade de Estudo não pode ser resumida
na forma da transmissão para as novas gerações dos conhecimentos e das
habilidades necessárias à participação no trabalho, pois entende que isso
pode se dar na própria atividade produtiva, ainda quando se considera o
processo histórico de complexificação crescente do trabalho. Os
conhecimentos e habilidades não estão ali separados da própria ação
prática. A resposta àquela pergunta exige que se considere a evolução
histórica do processo cognitivo humano, isto é, o fato de o conhecimento
assumir, ao longo do tempo, um caráter universal, “adquirindo uma forma
de existência relativamente autônoma, isto é, transformando-se em
conhecimento científico” (REPKIN, 1976[2019b], p. 316) e, assim,
revelando-se só parcialmente nas ações práticas específicas.
Os conhecimentos científicos, com efeito, emergem na época
moderna, da revolução técnico-científico, inclusive como premissas
universais das ações produtivas, contudo, não podem ser, enquanto tais,
transmitidos e assimilados no interior da própria atividade produtiva, daí a
natural separação da Atividade de Estudo em relação à atividade de
trabalho. Com a intenção de responder àquele questionamento, disse
Repkin (1976[2019b], p. 316):

321
[...] a necessidade social a qual se busca satisfazer com a Atividade
de Estudo, consiste não na transmissão de conhecimentos,
habilidades e hábitos, em geral, para as novas gerações, e sim em
provê-las com os conhecimentos científicos como premissa universal
para se dominar os diferentes modos de atividade de trabalho.

Com isso, podemos diferenciar a Atividade de Estudo tanto


da atividade de trabalho quanto da atividade cognitiva. Enquanto por
meio do trabalho produzimos as nossas condições materiais de vida e
na cognição (ou atividade teórica) produzimos os conhecimentos
científicos, na Atividade de Estudo, por sua vez, produzimos os
modos de aquisição dos conhecimentos científicos e dominamos os
diferentes modos de trabalho. Exatamente por isso, a Atividade de
Estudo tem uma natureza dinâmica e historicamente determinada,
pois ela sempre se transforma em sintonia com a ciência e o trabalho:
“[o] rumo e o caráter do desenvolvimento da Atividade de Estudo
são determinados [...] pelo desenvolvimento da ciência e [...] pelas
demandas da sociedade na transmissão dos conhecimentos científicos
para as novas gerações” (REPKIN, 1976[2019b], p. 316). Em lugar de
apenas assegurar a assimilação de conhecimentos, a Atividade de
Estudo, nesse sentido, como notou Leontiev (1972a), desenvolve nos
alunos aquelas capacidades humanas cristalizadas numa determinada
cultura e fase da história, que visam, portanto, a reprodução da
estrutura social.
A Atividade de Estudo insere, assim, a criança em uma forma
de atividade expressamente coletiva, promovendo a sociabilidade das
novas gerações, que, durante a trajetória dos seus estudos,
desenvolvem também os valores morais e as normas sociais. Como
explica Repkin (1976[2019b], p. 318):

[...] a Atividade de Estudo é o primeiro tipo de atividade


socialmente padronizada com que se defronta a criança. A
sociedade define oficialmente as exigências sobre o conteúdo da
Atividade de Estudo, sua intensidade, sobre seu “produto” final;
ela cria as condições (econômicas, jurídicas e outras) necessárias
para sua realização; sanciona e estima seus resultados. Em outras
palavras, a Atividade de Estudo não é um assunto particular do

322
indivíduo, ela, desde o início, intervém como uma das suas funções
sociais mais importantes.

É esse caráter social e coletivo da Atividade de Estudo que,


essencialmente, a diferencia da brincadeira e a aproxima, por outro lado,
do trabalho.
Nessa abertura da criança à sociabilidade, o adulto desempenha
um papel fundamental. São os adultos que primeiro materializam, com as
suas exigências, as normas sociais, que serão reproduzidas mais tarde,
também, no ambiente escolar. Repkin vê nas normais sociais a
determinação dos objetivos da Atividade de Estudo e a base para o seu
controle e avaliação, e, porque são dadas às crianças por meio das
exigências dos adultos, serão eles, inicialmente, os orientadores efetivos da
Atividade de Estudo. Trata-se essa, portanto, de uma atividade partilhada
entre o aluno e o professor, entre a criança e o adulto, que dividem
funções e cooperam em vista de uma meta comum, não podendo ser, por
isso mesmo, compreendida apenas como um dinamismo do indivíduo. Os
modos dessa partilha se alteram no curso da Atividade de Estudo, porém,
segundo Repkin, a divisão das tarefas entre aluno e professor está sempre
presente e constitui sua principal característica. Isso significa, portanto,
“que é na Atividade de Estudo que as relações da criança com as outras
pessoas, pela primeira vez, se constroem não como relações parciais,
interindividuais, mas adquirem um caráter social abertamente explícito”.
É importante ressaltar que essa conduta do adulto, apesar de
constitutiva da Atividade de Estudo, não é permanente, mas apenas o
ponto de partida para a sua realização. No final das séries finais do nível
fundamental, espera-se que o aluno seja já capaz de atuar como professor
de si mesmo. Puentes (2019a, p. 45) observa que o conteúdo principal da
Atividade de Estudo é a autotransformação do sujeito por intermédio da
formação do pensamento teórico (conceitos científicos e modos
generalizados de ação). O esperado é que no início da quinta série seja
dado o passo na direção da aprendizagem desenvolvimental autônoma e
os alunos, da solução de tarefas propostas pelo professor, comecem a
formular suas tarefas independentemente com base nos materiais e livros.
Como explica Puentes (2019a, p. 45), “já no começo do nível médio, o
estudante é capaz de abandonar a posição de aluno e se transformar num

323
parceiro do professor. [...] deixa de ser escravo dos acontecimentos e
torna-se criador de sua própria vida”.

O conteúdo da Atividade de Estudo na perspectiva de Repkin

Repkin amplia a pesquisa da Atividade de Estudo ao evidenciar


que é necessário compreender o conteúdo específico e os “os modos
historicamente formados de realização das ações práticas e teóricas, isto é
a meta do sujeito, que resolve a tarefa de estudo” (REPKIN, 1977[2019d],
p. 346). Isso, segundo ele, cria as premissas para a análise psicológica,
“cuja tarefa é entendê-la como uma forma específica de dinamismo da
personalidade, como uma atividade do indivíduo, durante a qual ele gera
motivos e metas vitais específicos” (REPKIN, 1976[2019b], p. 319).
Nesse estudo, Repkin parte de Leontiev (1972b), que ressalta que a
objetividade é a principal característica da atividade psicológica, visto que
toda atividade da pessoa é movida por uma necessidade e toda
necessidade busca algo e pressupõe, imprescindivelmente, um objeto que
é almejado. O que distingue uma atividade de outras atividades, segundo
Leontiev (1972b, p. 104), “é a distinção de seus objetos”. O objeto da
atividade não é posto, porém, de forma imediata, mas se constitui em
motivo para o sujeito, em objetivo a ser atingido, em uma necessidade que
precisa ser realizada, e é isso que põe o sujeito em movimento. Na
perspectiva da Atividade de Estudo, particularmente, definir o objeto da
atividade “significa determinar a especificidade das tarefas para cuja
solução ela está orientada” (REPKIN, 1976[2019b], p. 319). Como definir
o objeto da Atividade de Estudo? Por meio da tarefa de estudo, responde
Repkin. O objeto não é aqui o resultado em si da atividade, mas o
domínio do modo: “ampliar e enriquecer suas possibilidades como sujeito
da atividade prática e cognitiva” (REPKIN, 1976[2019b], p. 319).
Normalmente, avaliamos a atividade com base em suas
características visíveis, como por exemplo, quando um indivíduo realiza a
leitura de um caderno. Se esse indivíduo for uma criança, pode fingir que
está lendo ou brincando. Se for um professor, pode estar preparando a
sua aula. Se for um escritor, pode lê-lo para corrigir erros. Enfim,
aparentemente estão todos realizando a mesma atividade, mas, na
verdade, cada uma delas é diferente da outra. Com efeito, diferem pelo

324
objetivo e pela tarefa que estão solucionando. Segundo Repkin
(1997[2019f], p. 375), “[a] tarefa é o que diferencia uma atividade da outra,
pois cada uma tem suas tarefas específicas”. Como já vimos, a
particularidade da Atividade de Estudo é que seu objetivo e o seu
resultado não têm como foco a transformação do objeto do estudo, mas a
mudança do indivíduo como sujeito da ação. Por isso mesmo, se distingue
das atividades cujo propósito é obter resultados externos, em vez disso,
“deve ser entendida como uma atividade para a autotransformação do
sujeito [...] a mudança de si mesmo como sujeito da atividade” (REPKIN,
1997[2019f], p. 376).
A compreensão do conteúdo objetivo da Atividade de Estudo
exige que essa atividade seja considerada, primeiro, pelo ponto de vista da
assimilação dos modos generalizados de ação e, em seguida, pelo prisma
da aquisição dos conhecimentos científicos, que dão a base para a
assimilação daqueles modos de ação. Para que o aluno consiga se orientar
de maneira autônoma “nas propriedades do conteúdo, só é possível
quando essas são destacadas como as ‘unidades’ estruturais do próprio
conteúdo e sua aprendizagem se aproxima o máximo possível do
conhecimento científico atual” (REPKIN, 1968[2019a], p. 303). Sobre
esse aspecto, Repkin concorda com Davidov (1972, p. 73), para quem o
objeto da Atividade de Estudo são “os conceitos científicos, as leis da
ciência e os modos generalizados sustentados nessas”. Repkin considera a
existência de diversos dinamismos atuantes no processo de estudo,
contudo, orientando-se conforme Zankov (1968), o dinamismo que se
impõe como Atividade de Estudo é a refração subjetiva da tarefa de
estudo.
Ignorar isso, como fizeram outros didatas, representaria adotar
uma perspectiva antipsicológica, incapaz de assimilar o fenômeno
complexo da aprendizagem ao deixar em segundo plano, como uma
questão sem importância, os aspectos relativos ao sujeito da Atividade de
Estudo: “como seu conteúdo objetivamente dado se transforma em
motivos e objetivos específicos do sujeito”; o problema do “entendimento
dos meios e modos pelos quais esse sujeito realiza suas intenções”; como
o sujeito “concretiza os objetivos e tarefas de estudo sancionados pela
sociedade”; e o que se perde com isso principalmente é a capacidade de

325
compreender o “estudo como um processo de formação da personalidade
do homem” (REPKIN, 1976[2019b], p. 320).
Uma investigação psicológica da Atividade de Estudo é assim
fundamental, mas, como afirma Davidov (1977[2019d], p. 281), “até o
momento, as características psicológicas do sujeito foram estudadas muito
pouco, uma vez que a principal atenção foi dada à estrutura da própria
Atividade de Estudo, à natureza da tarefa de estudo, às ações de estudo e
às suas manifestações em disciplinas específicas”. Isso ficou ainda mais
claro quando Elkonin e Davidov (1966) realizaram uma pesquisa com as
séries iniciais do ensino fundamental, cujo objetivo era o desenvolvimento
do pensamento teórico dos estudantes. Ao final do experimento esse
desenvolvimento não se verificou, levando à conclusão de que
“desenvolver o pensamento ignorando a lógica do desenvolvimento do
aluno como sujeito da aprendizagem é simplesmente impossível”
(REPKIN; REPKINA, 2019b, p. 35).
Repkin considera que a autotransformação da pessoa, como
caraterística da Atividade de Estudo, não se dá sem que se tenha
formado antes o sujeito da atividade. A história do desenvolvimento
do sujeito, “o processo de maturação no sujeito dos diferentes tipos e
formas da atividade”, antecede a atividade de autotransformação e
outras atividades da pessoa, revelando-se, também por isso, uma
condição necessária para o desenvolvimento do intelecto, “que está
incluído na atividade e assegura a sua execução” (REPKIN,
1997[2019f], p. 376). A ideia do sujeito está, portanto, intimamente
ligada à ideia de atividade. Repkin (1997[2019f], p. 377) definiu o
sujeito como sendo “fonte de atividade, [...] modo de sua existência e,
em nenhuma outra forma, exceto na atividade, ele existe”. Viu,
portanto, o sujeito como a forma material da existência potencial da
atividade. Nessa perspectiva, o professor sai do lugar de transmissor
do conhecimento e assume a tarefa de ajudar o aluno a ser um
professor de si mesmo.
Na escola podemos confirmar que todos os alunos estão
estudando, porém, não é possível afirmar que todos estão realizando a
Atividade de Estudo. Ela, como insistimos, só acontece quando o aluno
está na condição de sujeito da atividade, isto é, quando “atua
conscientemente e com responsabilidade, [...] livremente, quando [...] faz

326
algo não porque o professor ordenou, mas porque é necessário para ele”
(REPKIN, 1997[2019f], p. 378).
Isso deixa claro aqui que a Atividade de Estudo não é meramente
“estudar”. Repkin (1997[2019f], p. 378-381) sustentou essa diferença
enunciando distintos níveis de estudo, que vão desde o nível das
operações até aos mais complexos. Sempre que o estudo é executado no
nível das operações, o aluno apenas faz o que o professor ordena. Nesse
caso, a aprendizagem é programada. Nela, o conteúdo é fragmentado em
pequenas partes de modo a auxiliar o estudante a não cometer erros
durante a realização da atividade. Além disso, quando ocorre algum
equívoco, o professor se prontifica a ajudá-lo fracionando ainda mais o
conteúdo. A participação da criança nesse nível de estudo está
condicionada ao comando do professor; ele se limita, assim, à mera
repetição da resolução, comportando-se à semelhança de um animal
domesticado. Segundo Repkin (1997[2019f], p. 379), está ausente ali “o
indicador mais importante da Atividade de Estudo – a criatividade”,
componente que, para ele, define o nível mais elevado e complexo da
atividade, que só ocorre sob o pressuposto do aluno enquanto sujeito
ativo.
O caráter “inventivo” e “criativo” da atividade humana emerge,
justamente, quando a criança descobre por si só os meios para satisfazer
suas necessidades. Repkin elaborou uma periodização das leis do
desenvolvimento do sujeito a partir da lógica das suas necessidades. O
recém-nascido humano depende de um adulto para satisfazer as suas
necessidades. Nessa relação de dependência, o primeiro sinal da
subjetividade acontece quando, por meio da comunicação, o adulto
satisfaz a necessidade do bebê, por exemplo, quando a criança chora e só
de a mãe chegar perto e curvar-se ela se acalma. Logo depois a criança
começa a ampliar essa comunicação, interagindo também com os objetos,
formando assim o triângulo “criança-adulto-objeto”. Esse novo período
do desenvolvimento influencia fortemente a criança, que se torna, enfim,
“sujeito em relação aos objetos que a rodeia, pois eles exigem operações”
(REPKIN, 1997[2019f], p. 379-380).
O próximo período do desenvolvimento do sujeito acontece entre
o segundo e o terceiro ano de vida e é marcado pelo que chamamos de
egocentrismo. É nessa fase que a criança sente, de fato, a necessidade de

327
ser um sujeito, pois ela se vê ali, pela primeira vez, como tal. Daí em
diante, e com a expansão do campo de ação da subjetividade, a criança
chega à fase da brincadeira, em que ele realiza mais do que a simples
manipulação dos objetos, permitindo-lhe “o domínio das relações
humanas de forma operacional condicionada” (REPKIN, 1997[2019f], p.
380). Para Repkin a brincadeira é considerada uma etapa essencial do
desenvolvimento, porque nela a criança aumenta “poderosamente a
subjetividade”. Por isso, um erro das escolas de educação infantil, ainda
hoje, é acreditar poder desenvolver o intelecto das crianças ensinando-as a
ler. Ignoram, assim, a particularidade da brincadeira, sua vocação para
desenvolver a criatividade nas crianças dessa idade, pois, ao brincar, elas
assumem papéis e aceitam as regras próprias da brincadeira, executando-as
imaginariamente.
É na fase da pré-escola que o desenvolvimento das necessidades
se intensifica e a criança se auto-realiza, sentindo-se sujeito. Surge, então, a
maior preocupação da aprendizagem desenvolvimental: como realizar o
ingresso da criança nas séries iniciais do nível fundamental. Como
conservar o desenvolvimento da subjetividade sem interrupção? Quais
padrões culturais deverão ser desenvolvidos agora nas crianças? Para
responder a isso, o processo de aprendizagem deve ser organizado com a
participação da criança, de modo que a assimilação tenha caráter de
atividade (REPKIN, 1997[2019f], p. 380).
O conteúdo da Atividade de Estudo pode assim variar
significativamente. Davidov considerava que o conteúdo principal da
Atividade de Estudo era a introdução dos conceitos teóricos e,
consequentemente, o desenvolvimento do pensamento teórico. Por meio
do conceito de “modo generalizado da ação”, que refletia uma ideia
precisa do papel do conhecimento teórico no desenvolvimento da psique,
Davidov pretendia justificar o uso dos conceitos teóricos desde o início da
escolaridade. Repkin e Repkina (2019b, p. 42-43) discordavam, em parte,
da posição de Davidov. Consideravam ser mais correto falar sobre
generalização como um modo de ação, no qual a base objetiva de todo
um gênero de modos de um mesmo tipo é generalizada no conceito. Para
eles, “nem todo conceito científico resume as bases substantivas das
ações” e, assim, “a função mais importante dos conceitos científicos é
fixar a essência de um sistema particular e as leis de seu funcionamento,

328
desenvolvimento e mudança” (REPKIN; REPKINA, 2019b, p. 43). Isso
foi observado nos primeiros experimentos implementados nos programas
de “língua russa, matemática, física, leitura, os quais no decorrer de mais
de 10 anos vêm sendo praticados nas classes iniciais da escola n. 17 da
cidade de Kharkov.” (REPKIN, 1978[2019e], p. 354).
Nesses programas, o conteúdo foi desenvolvido a partir de
complicações próprias do russo e da matemática, como, por exemplo, a
dificuldade de escolher uma letra russa para denotar um som de vogal.
Para enfrentá-las, primeiro os alunos dominaram o conceito, podendo
começar “com uma conversa introdutória, durante a qual foram
explicados, aos alunos, além do conteúdo da tarefa, os requisitos para sua
solução e o sistema de codificação” (REPKIN, 1968[2019a], p. 305).
Depois, definiram os modos generalizados de ação, isso foi percebido em
um experimento em que aquelas “tarefas estabelecias na fase teórica
motivaram as atividades dos sujeitos, dando-lhes uma orientação cognitiva
[...]. O resultado dessa etapa foi a identificação total da base orientadora
do sistema de ações que garantem a solução da tarefa original e a
formação [...] de todos os componentes desse sistema” (REPKIN,
1968[2019a], p. 305). A aprendizagem foi construída, em seguida, com
base na definição concreta desse modo generalizado. No caso da
aprendizagem de matemática, foi proposto aos alunos, de início, o
conceito de número, relacionando tamanho e medida. Com base nesse
conceito, os alunos dominaram o sistema numérico. A noção de número
define o modo generalizado das operações matemáticas. A aprendizagem
se deu, depois, com a definição concreta desse modo generalizado
aplicado a cada uma das quatro operações. O cumprimento dessas ações,
segundo Repkin e Repkina (2019b, p. 45):

[...] garante o desenvolvimento dos alunos como sujeitos de ação


prática e, ao mesmo tempo, muda o significado pessoal das
operações mentais que eles realizam no processo de execução de
tais ações. Se, no início, essas operações forneciam o modo
necessário de ação, então, à medida que as dominavam, os alunos
ficavam cada vez mais convencidos de que haviam ampliado suas
possibilidades de ação independente como sujeitos, o que
significou uma mudança fundamental na motivação das ações de
aprendizagem. Nesse momento, elas estavam começando a ser

329
realizadas pelo aluno não para obter resultados práticos, mas para
expandir suas capacidades como sujeitos.

Deste modo, os alunos conseguem realizar a atividade voltada


para o que Repkin chama de autotransformação do sujeito. Além disso,
fica claro que, para ele, somente a necessidade cognitiva não garante a
atividade, ou seja, não leva o aluno a estudar gramática ou matemática. É
necessário, também, a mudança nos motivos da aprendizagem para que
ocorra a transição dos alunos de um estágio de desenvolvimento para
outro. Segundo Repkin (1997[2019f], p. 381), “os motivos cumprem uma
dupla função”, sendo elas, “de estímulo” ou “a função de formação de
sentido que aporta à atividade do homem um sentido pessoal, individual”.
Cabe ressaltar que, neste processo, a interação do professor com os alunos
deve ser alinhada, pois, “o professor é o responsável por cuidar da
necessidade de os alunos realizarem uma situação de dificuldade para que,
posteriormente, ela se torne uma situação-problema” (MARCO; LOPES;
CEDRO, 2019, p. 464), passando “da cooperação de ações no processo
de solução de tarefas específicas, (...) se transforma em atividade geral, em
uma comunicação ‘por motivo’ da aprendizagem” (REPKIN,
1978[2019e], p. 360).

Estrutura da Atividade de Estudo na perspectiva de Repkin

Para Repkin, a construção da Atividade de Estudo se inicia com a


definição do objeto de forma mais geral e abstrata, definição que mostra,
segundo ele, a essência do objeto, o modo como ele se constrói e se
organiza. Outro elemento que estrutura a Atividade de Estudo é a ação, o
processo. Entretanto, Repkin alerta que mais importante do que expor os
elementos estruturantes um a um é estabelecer a unidade simples desse
todo, o seu princípio, isto é, a atividade, a partir da qual se pode melhor
representar o sistema de relações desses elementos. Baseado nos
princípios de Leontiev (1972a), Repkin compreendeu a atividade como
um “sistema de ações”, não como se fosse uma ação isolada. Neste
sentido, como lhe ensinou Leontiev, uma atividade pressupõe sempre a
realização de uma série de objetivos interligados entre si, isto é, um
conjunto de “metas parciais” que, enquanto tais, mobilizam ações

330
igualmente parciais. Mas, essas “metas parciais” são distinguidas por
Leontiev (1972b) da “meta global” da atividade que para Repkin
(1977[2019d], p. 350) determina os modos de solução de todas as tarefas
parciais em relação a esse sistema”. A característica principal dessa “meta
global” é o fato de estabelecer um “motivo consciente” e pôr em curso,
assim, uma ação consciente, sendo então definida como o “motivo-meta”.
A atividade pensada a partir do seu motivo-meta é o que define, para
Repkin, a unidade estrutural da atividade:

Justamente esse ato da atividade, esse sistema de ações, por meio do


qual se realiza o “motivo-meta” [...] é a sua autêntica unidade
estrutural em cujo âmbito podem ser postos em evidência seus
elementos-componentes e estabelecidas as relações entre eles
(REPKIN, 1976, [2019c], p. 324).

Questão fundamental da Atividade de Estudo é, portanto, o da


definição das metas da atividade. Segundo Matveeva, Repkin e Skotarenko
(1975[2019], p. 332) a tarefa de estudo “significa, antes de tudo, a
definição da meta da atividade que virá a seguir, isto é, uma percepção
exata daquele conteúdo que deve ser assimilado”. Leontiev (1972b) já
havia notado que tais metas não podem ser inventadas, muito menos
arbitrariamente propostas aos alunos, pois elas nascem das circunstâncias
objetivas da vida e não são tornadas conscientes automaticamente e de
uma hora para outra. O problema, segundo Repkin, é que na Atividade de
Estudo necessariamente o aluno recebe a meta da sua atividade de fora,
pronta, do professor e do livro didático, mas, apesar disso, ecoando
Leontiev, não pode ser percebida pelo sujeito apenas como exigência
externa. “Para atuar na função de meta real da atividade, essa exigência
deve ser aceita pelos alunos” (REPKIN, 1976[2019c], p. 324). Nesse
sentido, a definição das metas da Atividade de Estudo precisa lidar,
primeiro, com o problema da sua aceitação pelo sujeito. Dadas essas
circunstâncias, Repkin (REPKIN; DOROKHINA, 1973), observou nas
escolas a frequência, em 40, 50% dos casos, do inconveniente da
“redefinição” ou “desvio” das metas. Por exemplo, “ao invés da
assimilação do modo de demonstração de um teorema geométrico, o
aluno não raramente vê sua meta na reprodução de um formato concreto
[...] ignorando a compreensão do conteúdo do conceito” (REPKIN,

331
1976[2019c], p. 324). Deste modo, a atividade até se realiza, mas não na
forma de uma autêntica Atividade de Estudo. Para ser uma aprendizagem
voltada para o autodesenvolvimento ela deve ter como foco desenvolver
no aluno “o interesse pelo conteúdo dos conhecimentos assimilados”
(MATVEEVA; REPKIN; SKOTARENKO, 1975[2019], p. 332).
Para enfrentar esse difícil problema, Repkin estabelece duas
condições necessárias para a aceitação da meta pelo aluno. Em primeiro
lugar, o “objeto deve existir para o sujeito” (REPKIN, 1976[2019c], p.
325), isto é, deve ser colocado em evidência, como um objeto à parte,
conhecido distintamente pelo sujeito. O conceito de rio, por exemplo,
como algo dotado de nascente, água corrente e margens, enquanto tal, o
distingue do mar, das represas etc. Segundo Repkin (1976[2019c], p. 325),
“[n]o que diz respeito à Atividade de Estudo isso quer dizer que a sua
meta específica não pode ser definida (aceita) adequadamente se para ela
não existem conceitos teóricos como uma forma especial de generalização
dos modos de atividade cognitiva e prática”.
Outra condição para a aceitação do motivo-meta é que aquele
conteúdo teórico se vincule às necessidades presentes no sujeito, ou seja,
ele precisa, de algum modo, já ter formulado para si a necessidade daquele
tipo específico de objeto. Levando-se em conta que o objeto próprio da
Atividade de Estudo é o conhecimento teórico, “a aceitação da meta de
estudo, pelo sujeito, pode ser levada a cabo somente se este tiver uma
necessidade [...] de conhecimentos teóricos, necessidade esta que se revela
na forma de interesses teórico-cognitivos” (REPKIN, 1976[2019c], p.
325), o que só se verifica nas etapas superiores do desenvolvimento.
O encontro do “interesse teórico-cognitivo” com o “objeto a ele
correspondente”, isto é, a objetivação do interesse, indica para Repkin
(1976[2019c], p. 325) “o momento de partida, o elo inicial no ato global
da Atividade de Estudo”. Como explicou Puentes (2019b, p. 70), é o
interesse provocado pelo conteúdo o que determina o motivo que leva a
criança a atuar no estudo como um sujeito.
Resolvida a questão da aceitação da meta, o passo seguinte é
compreender o “sistema de ações” que asseguram a sua real obtenção.
Cabe a ele correlacionar as ações a serem executadas e orientar o ato
global da Atividade de Estudo em vista do seu motivo-meta final, que é “a
assimilação de um conceito (ou de um modo de ação)” (REPKIN,

332
1976[2019c], p. 326). Nesse sentido, a meta de estudo é a assimilação dos
modos de obtenção dos conceitos, ou das condições e leis da origem dos
conceitos, o que requer o desmembramento da tarefa de estudo em uma
série de tarefas auxiliares que pressupõem os modos de alcançar todo um
sistema de metas intermediárias.
No processo de assimilação do conteúdo do conceito ou do modo
de ação, o objeto estudado passa por uma transformação, tornando-se,
primeiro, em um conjunto de relações teóricas, “fundamento geral da
solução de uma série de tarefas cognitivas e práticas” (REPKIN,
1976[2019c], p. 326). A partir daí o próximo passo é a construção do
“modelo material”, de uma espécie de sinalizador que demarca uma
relação específica, permitindo o estudo das propriedades e a descoberta
das condições e formas de solução de uma certa tarefa cognitiva. Esse
modo de ação, por fim, é concretizado nos vários tipos de tarefa do
mesmo gênero. Repkin (1997[2019f], p. 389) exemplifica:

[...] na aula de língua russa, os alunos estão determinando as partes


da oração “Eu não conheço a criança desenhando”. Os alunos
realizam facilmente a tarefa: pronome, verbo, gerúndio,
substantivo. O professor muda a frase “Eu não conheço a criança
que foi desenhada”. As crianças imediatamente compreendem a
diferença entre “desenhado e foi desenhado”. Qual é a parte da
oração? Se a criança estava apenas orientada para a pergunta,
então, não há contradição, mas se se orientou para o significado
gramatical, então é um problema. As crianças, geralmente,
respondem que é uma nova parte da oração (por exemplo, um
adjetivo verbal).

Como mostra o exemplo, as crianças trabalham com os seus


próprios modelos e, com eles, reconhecem as partes da oração segundo as
características gramaticais. Com a concretização desse modo de ação,
conseguem responder, naquele caso, a questão sobre as partes da oração:
“surge uma tarefa de estudo” (REPKIN, 1997[2019f], p. 389).
Algumas ações do processo de assimilação do conceito são
responsáveis pela realização bem-sucedida da atividade de estudo, como é
o caso da ação de controle, que, por isso, não se realiza na qualidade de
ação independente (REPKIN; REPKINA, 2007[2019a], p. 428). Essa é
uma ação que vai além da simples atenção, pois exige um nível alto de
desenvolvimento, uma tomada de consciência completa dos modos de

333
suas ações pelo sujeito. Assim, o foco do controle não deve estar apenas
no resultado, mas nos modos de sua obtenção, portanto, “o controle é
realizado, sobretudo, com base nos resultados presumíveis das ações de
estudo, executadas apenas no plano mental, isto é, adquire um caráter de
controle de preferência” (REPKIN, 1976[2019c], p. 327).
Associada à ação de controle está a de avaliação, que, segundo
Repkin, tem a função de despertar no aluno o interesse pelo resultado do
seu motivo-meta final, se o produto da Atividade de Estudo foi conforme
ou não ao motivo-meta. Repkin (1976 [2019c], p. 327) ressalta, porém,
que não se trata ali de “uma constatação formal”, mas sim de “uma análise
substancial, qualitativa dos resultados da Atividade de Estudo e a
confrontação com a sua meta”. Se o resultado e a meta coincidirem, será
um sinal de que a tarefa de estudo de fato se concluiu, deixando o aluno
pronto para uma nova tarefa, mas, se isso não aconteceu, sentira-se
estimulado a voltar às ações de estudo e seu controle. Segundo Repkin e
Repkina (2007[2019a], p. 429):

A ação de avaliação, geralmente, é considerada a etapa final do ato de


execução da Atividade de Estudo, relacionada com a avaliação dos
resultados de resolução da tarefa de estudo [...]. Na realidade, a avaliação
não é apenas o momento final, mas também o momento inicial de
abertura do ato de execução do estudo. Na verdade, até que o aluno não
tenha avaliado seus conhecimentos, aprendizagens e habilidades como
insuficientes, não tem o quê e nem o para que aprender.

Fica claro, assim, a influência das pesquisas de Elkonin e Davidov


sobre Repkin, pois o didata de Kharkov repetiu os componentes gerais da
estrutura da Atividade de Estudo propostos por eles. Porém, Repkin contribuiu
significativamente com o desenvolvimento dessa estrutura, introduzindo nela
mais dois componentes: o primeiro, “o interesse cognitivo-teórico presente”,
prévio ao motivo, e o outro, o “sistema de metas intermediárias”, após dividir o
motivo em motivo-meta final de estudo. Sem pretender com isso reduzir os
fatos concretos da Atividade de Estudo, Repkin (1976[2019c], p. 327)
sintetizou assim sua proposta de estrutura:

A atualização do interesse cognitivo-teórico presente;


A definição do motivo-meta de estudo final;

334
A definição preliminar do sistema de metas intermediárias e das
formas de seu alcance;
A execução do sistema de ações de estudo próprias, cujo lugar
central é ocupado pela transformação específica do objeto e a
construção de seu modelo;
As ações de controle;
As ações de avaliação.

Repkin (1976[2019c], p. 328), com esse elenco de etapas


sucessivas, designou somente um modelo abstrato da Atividade de
Estudo, incapaz, portanto, de expressar os fatos concretos. Na prática, a
Atividade de Estudo se constrói a partir de uma estrutura dinâmica e não
linear de ações. As etapas, concebidas nessa sequência, se dão, também,
nos diferentes estágios da tarefa de estudo, da sua resolução e avaliação,
de maneiras distintas e complementares umas às outras: “uma mesma
ação de estudo se executa nos diversos estágios do ato da Atividade de
Estudo, interagindo com outras e alterando seu conteúdo e funções”
(REPKIN; REPKINA, 2007[2019a], p. 428). De acordo com esses
autores, por exemplo, as ações de avaliação diferem de acordo com o seu
objeto e modos de realização, também se alteram consideravelmente no
curso da Atividade de Estudo as particularidades da ação de estudo e a
modelagem. A ação de controle é o melhor exemplo do dinamismo
mencionado por Repkin, já que nunca ocorre na qualidade de ação
independente, ou é um modo de realização da ação de avaliação, ou está
incluído na estrutura de ações transformadoras do objeto e nas ações de
modelagem (REPKIN; REPKINA, 2007[2019a], p. 428).

Considerações Finais

Só é possível avaliar da verdadeira dimensão das contribuições


teóricas e metodológicas de V. V. Repkin para a teoria da aprendizagem
desenvolvimental, para o sistema didático desenvolvimental D. B.
Elkonin-V. V. Davidov-V. V. Repkin e, sobretudo, para a Atividade de
estudo, caso essa análise seja realizada em seu contexto. Foi isso que o
presente texto procurou fazer. Essa é a razão pela qual aqui a apresentam
foi apresentado os aspectos mais relevantes dessas teorias e desse sistema.

335
A teoria da aprendizagem desenvolvimental surgiu na ex-União Soviética
no final da década de 1950, como resultado de diferentes tendências que
se constituíram ao longo de mais de cinquenta anos de construção de um
sistema de aprendizagem e de educação pública daquele país.
O principal objetivo da aprendizagem desenvolvimental é
promover uma educação apta a impulsionar ao máximo o
desenvolvimento psíquico e subjetivo dos estudantes, pondo em prática a
premissa de que “a única boa aprendizagem é a que se adianta ao
desenvolvimento” (VIGOTSKII, 2010). Assim sendo, a aprendizagem
deixa de ser um fim em si mesmo, algo que a escola persegue como o seu
objetivo próprio, e passa a ser meio, condição para que se alcance o fim
educacional efetivo: o desenvolvimento da criança. Para tal, a participação
e a forma como os professores intencionalmente dão à criança acesso a
aprendizagem devem estar orientados para esse processo. Deste modo, a
aprendizagem desenvolvimental deve ocorrer na relação professor-aluno,
sendo tarefa fundamental do primeiro “ajudar o aluno a se ensinar a si
mesmo” (REPKIN, 1997[2019f], p. 377).
Neste contexto surgiu o sistema Elkonin-Davidov-Repkin,
responsável por uma parte significativa das contribuições no campo da
teoria da aprendizagem desenvolvimental a partir de um conjunto de
pesquisas teórico-experimentais realizadas por numerosos grupos de
trabalho espalhados por diferentes repúblicas e países. D. B. Elkonin foi o
idealizador desse sistema a partir de um conjunto de premissas: a) o
autodesenvolvimento contínuo é condição necessária para a existência do
homem; b) a atividade criativo-transformadora é a fonte do
autodesenvolvimento e; c) a ampliação do espaço para a criatividade, a
interação com outros sujeitos e o estudo dialógico é um meio
indispensável desse processo.
O sistema Elkonin-Davidov-Repkin tornou-se, na década de
1970, o sistema oficial alternativo do currículo escolar na Rússia, Ucrânia e
outras partes da União Soviética. Com a desintegração da União Soviética,
em 1991, o sistema enfrentou, talvez, o seu maior obstáculo, mas
sobreviveu. Em 1994, ganhou visibilidade internacional, com a criação da
Associação Internacional de Aprendizagem Desenvolvimental.
O sistema desenvolveu numerosas teorias, mas a Atividade de
Estudo foi sua teoria central. O termo Atividade de Estudo começou a ser

336
usado na psicologia soviética no final da década de 1950, associado ao
conceito de atividade utilizado na análise do problema do processo de
formação e desenvolvimento da psique e da consciência. Elkonin é
considerado o pai da teoria da Atividade de Estudo, pois definiu seu
conceito, conteúdo e estrutura. Com base nesse autor, passou-se a
entender mais claramente que o conteúdo da Atividade de Estudo
engloba, intimamente implicados, tanto a assimilação dos modos
generalizados de ação na esfera dos conceitos científicos, quanto as
mudanças qualitativas no desenvolvimento psíquico da criança.
V. V. Davidov também contribuiu significativamente para o
desenvolvimento do conceito, conteúdo e estrutura da teoria da Atividade
de Estudo. Investigou a formação dos conceitos científicos, os modos de
ação e o desenvolvimento do pensamento teórico em sentido geral.
Destaca-se, também, o seu estudo acerca das emoções, fundamentado na
estrutura da atividade desenvolvida por Leontiev, que enunciava que a
estrutura da Atividade de Estudo, por ser multidisciplinar, precisava
acrescentar mais um componente: o desejo. Porém, Davidov mesmo
afirmaria que ainda se sabe pouco, ou quase nada, sobre as emoções.
Contudo, o presente texto consegue evidenciar que V. V. Repkin
pode ser considerado a terceira mais importante figura do sistema
didático. Sua contribuição foi significativa tanto no campo da teoria, como
na prática da aprendizagem desenvolvimental, assim como para o
fortalecimento e consolidação do grupo de Kharkov, do qual foi líder
durante décadas. Seus aportes mais relevantes estão associados ao estudo
sobre o desenvolvimento da atividade criativa nos alunos, cujo foco não
era apenas o desenvolvimento do pensamento em si, mas a promoção do
desenvolvimento dos alunos como sujeitos da aprendizagem.
Como já foi dito no início e no decorrer deste trabalho, a
Atividade de Estudo é uma teoria aberta e em desenvolvimento,
requerendo ainda um aprofundamento teórico e, principalmente, o
desenvolvimento de sua prática. Fica aqui, como intenção para os nossos
próximos trabalhos, a necessidade de continuar aprimorando os estudos
iniciados, entre outros, por V. V. Repkin.

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344
Capítulo 11

Princípios didáticos, orientações metodológicas e


desenvolvimento integral do estudante:
contribuições de L. V. Zankov111
Bianca Carvalho Ferola
Andréa Maturano Longarezi

Introdução

Leonid Vladimirovich Zankov - Леонид Владимирович Занков


(1901-1977) foi um importante cientista soviético no campo da psicologia,
pedagogia e defectologia que trabalhou intensamente, em parceria com
uma enorme equipe de cientistas (composta, entre outros, por I. I.
Budnitskaya, I. I. Zborovskaya, M. V. Zvereva, A. V. Polyakova e I. P.
Tovpinets, I.I. Arginskaya, Yu. N. Vyunkova, N. Ya. Dmitrieva, R. Ya.
Zhuravleva, N.V. Nechaeva, A.V. Polyakova e 3. I. Romanovskaya; bem
como pelos alunos de pós-graduação N.B. Istomina, N.I. Illicheva, G.F.
Cumarina, W.E. Kuznetsova, G.I. Ovchinnikov, N.N. Roshchina e N.A.
Tsirulik). O trabalho experimental desenvolvido, na antiga União
Soviética, por toda sua equipe resultou na edificação de um sistema
didático112 que leva seu nome: Sistema Didático Zankov.

111 O presente texto apresenta os resultados obtidos na produção da dissertação de


Mestrado em Educação, “O desenvolvimento integral na obra de L.V. Zankov (1957-
1977): um olhar para os princípios e orientações metodológicas”, defendida no
âmbito do Programa de Pós-Graduação em Educação, pela Universidade Federal de
Uberlândia, MG/2019, 78f. desenvolvida sob a orientação da Profa. Dra. Andréa
Maturano Longarezi e com financiamento da Capes - Coordenação de
Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior.
112 Sistema didático é compreendido “[...] enquanto um conjunto inter-relacionado

dos objetivos educacionais com os princípios de sua organização, os conteúdos da


educação, as ‘[...] formas organizacionais, bem como os métodos de ensino;
condicionados ao alcance dos objetivos de aprendizagem adotados pela comunidade
educativa’ (VALEEV; ZINNATOVA, 2013, p. 17)” (PUENTES; LONGAREZI,
2020a, p. 205).

345
Figura 1 - Leonid Vladimirovich Zankov

Fonte: Центр специальных исследований и экспертиз (2011).

Este sistema didático, juntamente com os sistemas Elkonin-


Davidov-Repkin113 e Galperin-Talízina114, se constitui um dos sistemas

113 “Ainda quando o trabalho elaborado em torno desse sistema tenha sido difundido
a partir da denominação “sistema Elkonin-Davidov” e que reconheçamos D. B.
Elkonin (1904-1984) e V. V. Davidov (1930-1998) como os precursores dessa
elaboração didática em Moscou, optamos por denomina-lo enquanto “sistema
Elkonin-Davidov-Repkin” por admitir, assim como V. V. Davidov também o fez, há
importante contribuição na Ucrânia, de V. V. Repkin (1927- ) para a edificação do
sistema” (LONGAREZI, 2019c, p. 3). Além disso, em estudo recente (PUENTES;
LONGAREZI, 2020a), já se demonstrou que não foi apenas V. V. Davidov que fez
tal reconhecimento; assim como se tem apresentado dados que corroboram a incluir
V. V. Repkin na nomenclatura do sistema.
114 Não há, especialmente no Brasil, um consenso sobre as produções de P. Ya.

Galperin e N. F. Talízina se constituírem em um sistema didático. Contudo, estudo


recente (PUENTES; LONGAREZI, 2020) já tem demonstrado a veracidade de tal
compreensão: “Observa-se que, aplicados os 11 (onze) critérios estabelecidos por
Davidov (1996a) à proposta de P. Ya. Galperin, N. F. Talizina e colaboradores, a
mesma pode ser considerada um sistema pelo fato de obedecer a maior parte deles: 1)
estabelece um conjunto de princípios teóricos; 2) surgiu com base no conceito
histórico-cultural de L. S. Vigotski, sobretudo, na hipótese sobre a relação dialética
existente entre aprendizagem, educação e desenvolvimento humano; 3) as pesquisas
se sustentam em conceitos filosóficos e psicológicos importantes (atividade
orientadora, ação mental, [...] etc.); 4) elaboraram uma teoria central – a teoria
orientadora da atividade - e várias teorias auxiliares (teoria da formação por etapa das
ações mentais e conceitos, bem como teoria da atividade aplicada à aprendizagem); 5)
o sistema resultou na fundamentação teórica de casos práticos realizados em escolas-
laboratório coordenados por N. F. Talízina e outros colaboradores; 6) a proposta
inclui um conteúdo de aprendizagem específico (os conceitos científicos e os modos
de ação) e formas ou métodos de usá-lo na prática (o método de orientação de tipo

346
didáticos desenvolvimentais soviéticos mais difundidos. Juntos edificaram
a Teoria da Obutchénie115 Desenvolvimental que tem uma história de mais
de sessenta anos (PUENTES; LONGAREZI, 2017b). Longe de qualquer
perspectiva homogeneizadora, os diferentes sistemas didáticos emergem
de um complexo trabalho experimental de grupos distintos de psicólogos,
filósofos, fisiólogos, pedagogos, metodólogos, didatas e professores, que
experimentaram modos particulares de educação desenvolvimental frente
às contraditórias interpretações das teses vigotskianas; o que evidencia
uma realidade controversa e díspar (LONGAREZI, 2019a, b, c; 2020a, b;
2021; PUENTES, 2017; PUENTES; LONGAREZI 2013; 2017a, b, c;
2018a, b; 2020a); contudo, altamente produtiva no campo da psicologia
histórico-cultural e da didática desenvolvimental.
O sistema Zankov parte da premissa central da obra
vigotskiana acerca da relação obutchénie-desenvolvimento: “[...] a única
boa obutchénie é a que se adianta ao desenvolvimento” (VYGOTSKY,
2005, p. 38, grifo do autor). Para L. S. Vigotski, apenas a correta
sistematização e organização da obutchénie ativa os processos de
desenvolvimento psicointelectuais humanos, isto é, somente a boa

III).” (PUENTES; LONGAREZI, 2020, p. 218-219). “Além de Davidov (1995,


1996a, b, c), autores russos e ucranianos, tais como Yakimanskaya (1979), Grebenyuk
(1996), Sitarov (2002), Podlasy (2004), Volokhova e Yukina (2004), Voronov (2005),
bem como Vallev e Zinnatova (2013), abordaram em graus diferentes de amplitude e
profundidade os sistemas didáticos. Todos eles, assim como V. V. Davidov,
consideram a proposta de P. Ya. Galperin, N. F. Talízina e colaboradores uma
variante específica de sistema didático, pedagógico ou teoria da aprendizagem
desenvolvimental.” (PUENTES; LONGAREZI, 2020a, p. 222).
115 Obutchénie é a transliteração da palavra russa обучение e corresponde à “[...]
interação entre alunos e professores, a inter-relação entre a utchenia (aprendizagem) e
os esforços profissionais do professor (se essa interação for compreendida com a
noção de "atividade", então a obutchénie pode ser caracterizada como uma correlação
entre atividade de estudo e atividade pedagógica.)” (ДАВЫДОВ [DAVIDOV], 1996,
p. 252, tradução e destaques nossos). Nesse sentido, obutchénie expressa a unidade da
ação de professores e alunos “[...], com foco na aprendizagem do estudante que
ocorre em processo de colaboração com o professor e com outros estudantes.”
(LONGAREZI, 2020a, p. 4). Devido às imprecisões conceituais que as traduções do
termo para o português têm gerado, temos optado por não o traduzir
(LONGAREZI, 2020a; 2020b; LONGAREZI; PUENTES, 2017; LONGAREZI;
SILVA, 2018). Assim, o manteremos, neste texto, em sua forma transliterada:
obutchénie.

347
obutchénie, corretamente organizada do ponto de vista didático e que
se adianta ao desenvolvimento, poderá gerá-lo.

Considerada sob este ponto de vista, a obutchénie não é em si mesma


desenvolvimento, mas uma correta organização da obutchénie
conduz ao desenvolvimento mental, ativa todo um grupo de
processos de desenvolvimento, e esta ativação não poderia
produzir-se sem a obutchénie. (VYGOTSKY, 2005, p. 40).

Os vários grupos de pesquisa que se debruçaram nos estudos


experimentais para a organização “correta” da obutchénie, tendo em vista o
desenvolvimento, não produziram uma perspectiva uniforme e
homogênea; não construíram um modelo único. Nesse contexto diverso,
diferentes pesquisadores desenvolvimentais elaboraram modos
particulares, que resultaram em sistemas didáticos específicos
(LONGAREZI, 2019a, b, c; 2020a, b; LONGAREZI; SILVA, 2018;
PUENTES, 2017; PUENTES; LONGAREZI, 2013, 2017a, PUENTES;
AMORIM; CARDOSO, 2017).

[...] não há uma didática desenvolvimental una ou mesmo uma


única teoria histórico-cultural (...); o que nos remete à compreensão
da importante participação dos diferentes grupos e coletivos que
trabalharam fortemente à época (LONGAREZI; SILVA, 2018, p.
573-574).

Dentre os vários sistemas didáticos produzidos neste contexto, os


já mencionados sistemas Elkonin-Davidov-Repkin, Galperin-Talizina e
Zankov (LONGAREZI, 2019a, 2019b, 2019c) têm uma importante
representatividade com uma proeminente contribuição para a educação do
homem socialista. Mesmo após a dissolução da União Soviética, em 1991,
e as reformas políticas e econômicas que trouxeram impactos negativos
para a permanência dos sistemas didáticos alternativos nas escolas de
massa, implantadas por Vladimir V. Putin, desde os anos de 1999
(inicialmente como primeiro-ministro e depois como presidente da
Rússia), ainda existem hoje escolas orientadas pelos sistemas didáticos
desenvolvimentais.
O estudo da psicologia pedagógica e dos sistemas didáticos, em
suas várias perspectivas, tem sido objeto do esforço colaborativo de vários
grupos de pesquisa no Brasil (TULESKI, 2008; DELARI JR., 2013;
SFORNI, 2015; LAZARETTI; MELLO, 2018; MENDONÇA;

348
ASBAHR, 2018; MELLO, 2015; SMOLKA, 2009; TOASSA, 2013;
LIBÂNEO; FREITAS, 2013; LIBÂNEO, 2004; ROSA, DAMAZIO,
2016; LONGAREZI 2019b, c; 2020a, b; 2021; LONGAREZI;
PUENTES, 2013, PUENTES; LONGAREZI, 2017a, b, c, d; 2018a, b;
2019; entre outros). No âmbito do presente trabalho, focaremos o olhar,
particularmente, para as contribuições do sistema zankoviano para a
Teoria da Obutchénie Desenvolvimental, com ênfase nas proposições que
emergem, particularmente, das obras de L. V. Zankov, no período de
1957-1977. Este recorte temporal justifica-se por corresponder aos
últimos 20 anos de vida do autor, nos quais dedicou, junto à sua equipe de
pesquisa, especial atenção às investigações no campo da obutchénie
desenvolvimental, e que resultaram nos alicerces teórico-metodológicos
do sistema. Este estudo se situa no contexto de várias pesquisas teóricas
(SOUZA, 2019; LONGAREZI; FRANCO, 2013; NASCIMENTO, 2014;
LONGAREZI, ARAÚJO, PIOTTO, MARCO, 2018; LONGAREZI;
PUENTES, 2020; PUENTES; LONGAREZI, 2020b; LOPES, 2020;
CARDOSO, 2020; AMORIM, 2020; FERREIRA, 2021; entre outros)
sobre o pensamento histórico-cultural no período soviético e pós-
soviético realizadas pelo Gepedi e compõe, com elas, uma perspectiva de
aprofundamento sobre a produção no escopo desse referencial.
As bases epistemológicas dos estudos de L. V. Zankov podem ser
remontadas às teses centrais de L. S. Vigotski, de quem foi aluno e
orientando; tendo portanto seus fundamentos na psicologia histórico-
cultural que surge, a partir de estudos e investigações de vários filósofos,
fisiólogos, filólogos e psicólogos soviéticos (S. L. Rubinstein, L. S.
Vigotski, G. D. Lukov, V. I. Asnin, A. V. Zaporozhets, P. I. Zinchenko,
L. I. Bozhovich, dentre outros); pós revolução russa de 1917
(LONGAREZI, 2019a), trazendo contribuições significativas acerca de
questões, entre outras, como a condição material e histórica do homem,
sua influência na formação da consciência, a relação entre pensamento e
linguagem e os processos de obutchénie - desenvolvimento humano
(PALANGANA, 2001; NÚNEZ, 2009).
Conforme destacado, a Teoria Histórico-cultural e a Obutchénie
Desenvolvimental não configuram uma construção teórica homogênea,
emergem do trabalho de pesquisadores e grupos de pesquisa que, mesmo
compartilhando de uma base epistemológica marxista, possuem variados

349
pontos de divergência nas questões teóricas e metodológicas que
investigam; assim como têm sinalizado estudos contemporâneos
realizados no Brasil (LONGAREZI, 2019b, 2020a, b; LONGAREZI;
SILVA, 2018; LONGAREZI; PUENTES, 2017; LONGAREZI;
FRANCO, 2013, 2015; PUENTES; LONGAREZI, 2013, 2017a, 2019;
PUENTES, 2017, 2018; PUENTES; AMORIN, CARDOSO;
MUSIYCHUK, 2016; PUENTES; AMORIN; CARDOSO, 2017, 2018).
Esses trabalhos identificaram pelo menos três correntes de
pensamento que surgem na perspectiva histórico-cultural: 1) “Teoria da
Atividade, representada por A.N. Leontiev, S. L. Rubinstein e os vários
grupos que produziram com eles” (LONGAREZI, 2019b, p. 01); 2)
“Teoria da Personalidade, elaborada pelos coletivos que trabalharam com L.
I. Bozhovich, N.G. Morozova, B.G. Ananiev, B.F. Lomov, L.S. Slavina e
L.I. Aidarova” (idem); e 3) “Teoria da Subjetividade, proposta pelos
psicólogos cubanos F. Gonzáles Rey e A. M. Martínez” (idem). Nesse
contexto heterogêneo, os sistemas didáticos Elkonin-Davido-Repkin e
Galperin-Talízinha emergem, em especial, da Teoria da Atividade
(LONGAREZI, 2020a; 2020b) e o sistema Zankov, por sua vez, se
orienta de modo mais direto às teses centrais de L. S. Vigotski.
Especialmente, a partir das últimas duas décadas, um grande esforço
tem sido realizado pelos pesquisadores brasileiros para a compreensão do
legado intelectual e metodológico dos sistemas desenvolvimentais. No Brasil,
com o recente avanço da pesquisa no enfoque histórico-cultural, são
encontrados trabalhos na área da didática que se apoiam nos aportes teórico-
metodológicos dos sistemas educacionais desenvolvimentais Elkonin-
Davidov-Repkin (LIBÂNEO, 2004; DAMAZIO; CARDOSO; SANTOS,
2014; AQUINO, 2015; AQUINO, CUNHA, 2015; PUENTES; 2017;
PUENTES, AMORIM, CARDOSO, 2017; entre outros) e Galperin-Talízina
(NÚNEZ; RAMALHO; ALBINO, 2013; ALVES; AQUINO, 2015;
AQUINO, CUNHA, 2015; ALVES; MENDOZA, 2015; NÚNEZ,
RAMALHO, 2017; RODRIGUES; FRANCO; BUÊNCIO, 2018; entre
outros). Entretanto, as especificidades do sistema zankoviano são pouco
conhecidas no país, especialmente, pelo restrito acesso às obras de L. V.
Zankov. Portanto, estudos sobre o pensamento e as proposições do autor
configuram uma importante contribuição para o campo da Didática
Desenvolvimental, no contexto brasileiro. Nesse sentido, unimos esforços
por meio do estudo dos princípios e orientações metodológicas zankovianas.

350
Objetivos, metodologia do trabalho e o prenúncio que orienta as
proposições de L. V. Zankov

O ser humano é um ser integral e, nesse sentido, uma obutchénie


que se proponha desenvolvimental precisa buscar desenvolvê-lo em todas
suas linhas e dimensões, tratando-o enquanto totalidade. Nesse sentido,
precisa ser multidimensional: cognitivo, mental, físico, ético, moral,
afetivo, volitivo.

[...] uma Didática que não conduza ao desenvolvimento – não só


das funções psicológicas superiores (memória lógica, fala,
abstração, generalização, pensamento teórico, etc.), mas também
da formação integral da personalidade – não tem razão de existir
(AQUINO, 2017, p. 325).

Sendo assim, a formação integral do sujeito, sob diferentes


argumentos e estruturações tem sido objeto e objetivo do trabalho de
vários dos psicólogos e didatas russos. D. B. Elkonin (ELKONIN, 1986),
por exemplo, sinaliza para a solução do problema da periodização,
pensando na elaboração de um sistema educacional padrão para as
repúblicas socialistas, cuja finalidade seja o desenvolvimento multilateral e
completo e, portanto, no alcance pleno das possibilidades que existem em
cada período do desenvolvimento humano. Núnez e Ramalho (2015), ao
tratarem da teoria de P. Y. Galperin para formação de habilidades gerais,
apontam que a finalidade da teoria galperiana de promover o
desenvolvimento integral e, dessa maneira, a assimilação com base em recursos
cognitivos e afetivos que possuem os estudantes, assim como sua história
de vida, interesses, motivos e desejos, de modo que o estudante seja
envolvido em condições favoráveis à aprendizagem. No entanto, o
anúncio de pretensões desenvolvimentais gerais, por vários autores, não
garante que o desenvolvimento integral tenha sido resguardado a partir
das proposições construídas.
L. V. Zankov não foge a essa perspectiva e anuncia: “Quanto à
aula experimental, aplica-se um sistema didático, que difere
substancialmente do tradicional e visa à promoção ótima dos estudantes em seu
desenvolvimento global” (ЗАНКОВ, 1963, p. 19, grifo nosso, tradução nossa).
O autor afirma que, em determinadas condições de obutchénie, há
mudanças no desenvolvimento geral dos estudantes e possui, como um de
seus objetivos, compreender as causas do processo de desenvolvimento
geral; o que acaba configurando-se em sua agenda de pesquisa:

351
Essas mudanças complexas nos processos neuropsíquicos nos
quais o progresso do desenvolvimento geral dos estudantes é
revelado, em certas condições de obutchénie, podem ser
corretamente entendidas apenas no contexto do conceito marxista-
leninista de desenvolvimento. A tarefa da pesquisa é revelar as
genuínas causas externas e internas do "auto-movimento" que
ocorre no desenvolvimento geral dos estudantes, a relação
específica entre eles, a natureza específica das contradições internas
(ЗАНКОВ, 1963, p. 22, tradução nossa).

Este capítulo assume, como objeto de estudo e discussão, o


prenúncio que orienta as proposições de L. V. Zankov: o
desenvolvimento integral do estudante. Nesse sentido, o presente trabalho
traz contribuições para a compreensão da obra do autor, no tocante ao
modo como o mesmo defende o que chamou de desenvolvimento
humano em sua integralidade, na relação com os princípios didáticos e as
orientações metodológicas que propõe.
No escopo dos propósitos apresentados, esta pesquisa se
constituiu em um estudo teórico, realizado com fontes documentais do e
sobre o autor, no original em russo, traduções para o inglês, espanhol e
português. O trabalho atentou-se fundamentalmente, ainda que não
exclusivamente, para a obra de L. V. Zankov, no período de 1957-1977,
com o intuito de analisar as proposições teórico-metodológicas por ele
empreendidas. Para isso, os procedimentos de pesquisa incluíram o
levantamento bibliográfico116, tradução117, leitura e produção de dados a
partir do material documental. O estudo contou também com visitas
técnicas, observações em aulas zankovianas e entrevistas (FEROLA,
2020a, 2020b) com professoras do sistema, realizadas em Magnitogorsk e
Moscou (Rússia) no ano de 2017.

116 O levantamento bibliográfico estendeu-se às bibliotecas da Universidade Técnica


Estatal de Magnitogorsk e da Universidade Estatal de Psicologia e Pedagogia de
Moscou/ Rússia, além de pesquisas em bibliotecas digitais realizadas em colaboração
com os russos Vladimir Chernobrovkin e Evgeny Chevychelov.
117 A tradução dos textos em russo foi realizada por meio de tradutores on-line, como

o GoogleTradutor, Yandex.Translate e PROMT, tomado como tradução exploratória no


sentido empreendido por Almeida e Simões (ALMEIDA; SIMÕES, 2003, p. 16):
“Tradução exploratória é destinada a obter um documento traduzido, mesmo que
com palavras por traduzir ou mal traduzidas, e erros sintácticos, apenas para
compreender total ou parcialmente o conteúdo do documento.” 2003, p. 16).

352
Figura 2 - Aluno da escola 17 de Krasnogorsk vinculada ao Centro Científico-
metodológico Federal de Zankov - “Eu estudo no sistema L.V. Zankov”

Fonte: Acervo da pesquisa.

Em síntese, o presente capítulo, lança o olhar analítico para os


princípios e orientações metodológicas propostos por L. V. Zankov, tendo em
vista compreender os limites e as possibilidades de uma obutchénie
zankoviana para o desenvolvimento integral dos estudantes, no que tange aos
seus aspectos cognitivos, volitivos e emocionais.

Princípios didáticos zankovianos

L. V. Zankov investigou e sistematizou o caráter dessa relação


complexa entre a estrutura da obutchénie e o processo de desenvolvimento
geral dos estudantes, buscando no plano científico as vias de organização
da atividade de obutchénie que efetivamente intensificam o
desenvolvimento, favorecendo o alcance dos resultados almejados pelo
processo da atividade pedagógica. O autor elabora cinco princípios
didáticos aplicáveis à estruturação do conteúdo e da metodologia que se
configuram enquanto unidade (e, enquanto tal, não passíveis de
tratamentos isolados ou independentes): 1. obutchénie com um alto nível de
dificuldade, 2. papel principal do conhecimento teórico, 3. avançar em ritmo acelerado
no estudo do material planejado, 4. conscientização do processo de aprendizagem por
parte dos estudantes e 5. desenvolvimento de toda a classe de estudantes, incluindo os
mais fracos. Esses princípios são abordados ao longo de sua obra, mas
também por autores contemporâneos, como N. V. Nechaeva e N. N.
Roshchina (HЕЧАЕВА; PОЩИНА, 2006), L. G. Guseva (GUSEVA,
2017), L. G. Guseva e M. Solomonovich (GUSEVA;
SOLOMONOVICH, 2017), Aquino (2012; 2017), dentre outros.

353
O primeiro princípio, da obutchénie com um alto nível de dificuldade,
demanda uma complexificação do material didático previamente existente
na escola primária da URSS. Todavia, esse aumento de dificuldade e a
reestruturação do material não poderiam ser infinitos no sentido da
dificuldade, pois uma vez que o material se torna ininteligível, aquilo que
era positivo para o desenvolvimento converte-se em negativo, um peso
morto na consciência do escolar: “O material da obutchénie que é
inacessível ao entendimento só pode ser memorizado, e o cramming é um
feroz inimigo do desenvolvimento” (ЗАНКОВ, 1963, p. 43). Cramming é a
prática de trabalhar intensamente para absorver grandes volumes de
material informativo em curtos períodos de tempo, ou seja, a
memorização em detrimento da verdadeira assimilação dos conteúdos.
O processo de assimilação dos conteúdos e habilidades precisam
ser controlados. Apenas um controle sistemático, isto é, um
monitoramento constante por parte do professor, baseando-se no
resultado da assimilação, poderá indicar o grau correto da dificuldade da
obutchénie. Deve-se ter clareza que tal controle não pode ser realizado por
meio de notas ou marcas, mas uma definição precisa e diferenciada da
qualidade da assimilação dos conteúdos e habilidades por parte dos
estudantes (ЗАНКОВ, 1963; 1968). Vale ressaltar que a qualidade dessa
assimilação é considerada de demasiada importância para a aplicabilidade
desse princípio, uma vez que ele

[...] concentra em si a peculiaridade dos processos de atividade


mental do aluno no domínio do material didático. Aqui não há
apenas um acréscimo ao conhecimento existente e sua unificação.
O mais importante é que a assimilação de certas informações se
torne, ao mesmo tempo, propriedade do estudante que
permanecerá com ele como tal, e um passo que será destruído no
decorrer do processo cognitivo, a fim de assegurar a transição para
um estágio mais elevado (ЗАНКОВ, 1968, p. 32, tradução nossa).

Esse alto nível de dificuldade está atrelado a uma medida de


dificuldade. Essa não é absoluta, mas relativa, podendo assim atuar tanto
em um nível alto de dificuldade, quanto em um nível baixo. Para que o
princípio seja bem aplicado, nota-se o papel do controle da assimilação,
uma vez que tal medida não tem a função de reduzir o grau de dificuldade,
mas age como seu regulador; sendo assim, um componente necessário
para a aplicabilidade do princípio (ЗАНКОВ, 1968).
Observamos aqui uma característica peculiar do sistema Zankov: a
atuação na individualidade. Uma vez que a diferença nos níveis de
assimilação entre os estudantes é percebida pelo organizador do processo

354
de obutchénie, especifica-se a medida de dificuldade a ser aplicada a cada
aluno, e que se concretiza nos programas, nos manuais, nos métodos de
obutchénie e nos procedimentos didáticos.

A informação sobre o processo de domínio de conhecimentos e


habilidades por crianças em idade escolar é o material adicional
necessário para especificar a medida de dificuldade em relação à
classe como um todo, bem como para cada aluno,
respectivamente, a originalidade individual do material didático
(ЗАНКОВ, 1968, p. 34, tradução nossa).

Uma obutchénie com alto nível de dificuldade está em contraposição


àquela em que se tem muita repetição. Fazer um grande número de
exercícios monótonos é contra uma obutchénie à alto nível. O material
escolar e os métodos de estudos devem ser organizados com dificuldades
para que os alunos possam superá-las, assim como para que o
desenvolvimento não se opere de modo débil e amortecido (ZANKOV,
1984). Guseva (2017) argumenta que esse princípio didático se baseia na
ideia vigotskiana de que as atividades devem colocar as crianças frente a
situações novas-complexas que as desafiem para a resolução dos
problemas elaborados.

É útil recordar os sábios conselhos de Leo Tolstoi aos professores:


"Para tornar compreensível e divertido para o aluno o que ensina,
evite dois extremos: não diga ao aluno aquilo que ele não pode
saber e entender, e não diga o que ele sabe, às vezes até melhor que
professor” (ЗАНКОВ, 1963, p. 37-38, tradução nossa).

Essa passagem destaca que a obutchénie precisa atuar na Zona de


Desenvolvimento Possível (ZDP) do estudante e que tal processo
necessita ser “compreensível” e “divertido”. Nesse sentido, destacamos a
evidente preocupação de L. V. Zankov tanto com os aspectos do
desenvolvimento cognitivo, quanto do desenvolvimento emocional,
mesmo quando esses últimos (emocionais) apareçam, na obra do autor,
submetidos aos primeiros (cognitivos).
O segundo princípio, do papel principal do conhecimento teórico, se
contrapõe ao ensino tradicional russo, uma vez que esse é dirigido
fundamentalmente à formação de habilidades em detrimento do
conhecimento teórico. “A ênfase no ensino fundamental deveria estar em
conceitos ao invés de estar no desenvolvimento das habilidades da
manipulação de símbolos linguísticos e matemáticos” (GUSEVA, 2017, p.
231). A experiência zankoviana via experimentos formativos mostrou que

355
o conhecimento da origem dos fenômenos, com suas conexões internas e
o processo de seu desenvolvimento podem ser incluídos na obutchénie do
ensino fundamental, em detrimento do foco nos aspectos externos dos
fenômenos.
Segundo o autor, a base para o estabelecimento desse princípio de
liderança do conhecimento teórico, no Ensino Fundamental, concentra-se
nas pesquisas de L. S. Vigotski e outros cientistas soviéticos que expõem
como o pensamento do escolar caminha de diversas maneiras, incluindo
do abstrato ao concreto. Todavia, o sistema experimental não defende a
formação pura do pensamento teórico nos estudantes. É necessário
reconhecer o papel do conhecimento empírico, uma vez que “O
conhecimento empírico é o ponto de arranque do complexo caminho que
conduz a abstração” (ZANKOV, 1984, p. 36, tradução nossa).
O pensamento teórico não se esgota em definições ou termos,
mas consiste na assimilação das dependências e leis que regem os
fenômenos, na compreensão mais profunda dos conceitos. Nas palavras
do próprio autor:

“Conhecimentos teóricos”, ao contrário dos hábitos práticos que


se adquirem na escola (ortográficos, de cálculo, laborais, musicais,
etc.) são conhecimentos extraídos do sistema da ciência,
conhecimentos não apenas acerca dos fenômenos como tais, mas
também de suas interrelações essenciais, das leis dominantes na
natureza, na vida social, na existência de uma pessoa isolada
(ZANKOV, 1984, p. 35, tradução nossa).

O terceiro princípio consiste em avançar em ritmo acelerado no estudo


do material planejado, o que significa o enriquecimento contínuo da obutchénie
com novos conhecimentos e conteúdos diversos, evitando a repetição do
que já foi aprendido. Nota-se que esse princípio não significa apressar o
andamento da aula, tampouco encurtar o tempo necessário para o
processo de assimilação do conhecimento teórico por parte dos
estudantes, pois, somente quando o material é aprendido pelos estudantes,
deve-se ir além. Essa medida deve ser controlada, de forma que se avance
para o material adiante à medida que o anterior é dominado, mas também
se evite mastigar e repetir o que é aprendido (ЗАНКОВ, 1963; 1968;
ZANKOV, 1984).
A aplicabilidade deste princípio não pode gerar um ambiente que
evite a manifestação das crianças. É no estudo do material e na
manifestação das crianças que seus julgamentos são comparados, as
contradições emergem e são evidenciadas, há confronto das ideias. Nessa
hora, o professor e os alunos devem atuar em conjunto para encontrarem

356
a solução dos problemas que surgem (ЗАНКОВ, 1963). O autor destaca a
importância da fala das crianças:

O professor não deve se arrepender de dar tempo para ouvir


atentamente a criança: uma história sobre observações, impressões
que ele deseja compartilhar, dúvidas e perguntas a serem
respondidas. Não há necessidade de poupar tempo para conversas
sinceras com crianças. Tal estilo de trabalho, como mostra a
experiência de professores nas aulas experimentais, está dando
frutos (ЗАНКОВ, 1968, p. 34-35, tradução nossa).

Avançar a ritmo acelerado também não significa “colecionar” um


grande número de tarefas realizadas pelas crianças, ou seja, não é
necessário que a criança realize o máximo possível de exercícios, o
princípio é qualitativo e não quantitativo. Assim, exige um avanço
permanente, de forma que a mente do aluno seja constantemente
enriquecida por novos conteúdos e conhecimentos, levando à formação
de uma rede de significados (ЗАНКОВ, 1968). L. V. Zankov destaca que
“[...] ritmo acelerado não significa apressar a lição. É necessário que o
professor e as crianças trabalhem com calma” (ЗАНКОВ, 1968, p. 34,
tradução nossa).

O enriquecimento incessante do intelecto do escolar com um


conteúdo diverso cria condições favoráveis para uma compreensão
mais e mais profunda dos dados obtidos, posto que se tornam
parte de um sistema amplamente desenvolvido (ZANKOV, 1984,
p. 32, tradução nossa).

Nas palavras de L. G. Guseva,

O material aprendido anteriormente é, assim, reintroduzido com


novos conteúdos, permitindo que os aprendizes observem o que já
lhes é familiar sob uma nova perspectiva à medida que exploram
terrenos desconhecidos. O conhecimento prévio é integrado ao
novo e se torna sincronizado com o conhecimento em expansão
do aluno (GUSEVA, 2017, p. 232).

O quarto princípio, o da conscientização do processo de aprendizagem por


parte dos estudantes, envolve a atitude consciente dos alunos em relação à
obutchénie; em outras palavras, é quando os alunos compreendem o assunto
e têm consciência da sua assimilação, assim como podem aplicar
conscientemente tal conhecimento na solução de problemas práticos
(ЗАНКОВ, 1968). Desse modo, “[...] o processo de dominar

357
conhecimentos e habilidades, até certo ponto, torna-se um objeto de
consciência” (ЗАНКОВ, 1968, p. 41, tradução nossa).
L. V. Zankov (ЗАНКОВ, 1968), com base em S. V. Ivanov
(ИВАНОВ, 1947), destaca sete características da consciência dos
estudantes em aprendizagem: 1) a consciência do propósito e
objetivos da obutchénie, 2) o domínio consciente do material, 3) a
formação de maneira ativa dos conceitos, 4) o domínio consciente de
habilidades, 5) a consolidação consciente de conhecimentos e
habilidades, 6) a aplicação consciente na prática e 7) a consciência
dos resultados do trabalho desenvolvido.
O autor comenta reforça a importância da formação de uma visão
de mundo dialética e materialista, assim como o faz N. G. Kazansky
(КАЗАНСКИЙ, 1947). Para ele, o desenvolvimento da consciência da
aprendizagem inclui operações intelectuais, fundamentais, de analise,
comparação, sintetização, generalização e elaboração de conclusões. Sh. I.
Ganelin (ГАНЕЛИН, 1961) reforça a importância da consciência da
aprendizagem, atribuindo a ela o papel de proporcionar um profundo
conhecimento dos fatos, além da compreensão das conclusões e
generalizações. Alunos conscientes de sua aprendizagem podem expressar,
adequadamente, seus pensamentos em fala e usar o conhecimento
apreendido na solução de problemas práticos.
Nas lições de trabalho prático, por exemplo, esse princípio é
manifestado no fato de que, ao planejar a produção de um objeto, os
estudantes devem ter consciência da sequência e conexão interna das
operações necessárias, do passo-a-passo da operação e suas relações
com o objeto dado. Evidencia-se, portanto, a necessidade de um auto
monitoramento cuidadoso de todo o processo de trabalho
(ЗАНКОВ, 1968).
De maneira prática, a consciência da aprendizagem implica que o
aluno, ao organizar o processo de estudo, seja capaz de explicar a si
mesmo os fundamentos que sustentam a disposição do material, quais as
necessidades, portanto, de apreender cada elemento e explanar as causas
de erros ao assimila-los (ZANKOV, 1984).
Ao analisar os quatro princípios do sistema didático experimental,
L. V. Zankov (2017) afirma que todo o campo de ação para a
aplicabilidade dessa rede de princípios deriva de um outro princípio
(quinto e último): o trabalho do professor deve ser intencional e
sistemático para o desenvolvimento de toda a classe de estudantes, incluindo os mais
fracos.

358
O alto ideal do genuíno humanismo socialista, que distingue a
Terra dos Soviéticos, exige dar o máximo possível em educação e
desenvolvimento a todos, não apenas à elite. Este requisito
estende-se à escola soviética. Portanto, deve-se tomar cuidado para
assegurar a criação de um trabalho educacional que alcance o maior
desenvolvimento de todas as crianças em idade escolar, incluindo
os mais fracos (ЗАНКОВ, 1968, p. 42, tradução nossa).

O caminho que leva a aplicação desse princípio na prática


demanda persistência e propósito por parte dos professores, pois exige a
aplicação de metodologia diferenciada para alunos diferentes. Nesse
sentido, as questões do programa possuem profundidades diferentes e,
graças a isso, cada aluno pode resolver os problemas que se encontram em
seu nível potencial de desenvolvimento, desde os mais fortes até os mais
fracos, gerando desenvolvimento para toda a classe.
Tomados em sua totalidade, os princípios didáticos precisam ser
considerados enquanto unidade. Segundo o autor, uma característica
indispensável do sistema é sua integridade, ou seja, há uma conexão
interna entre os princípios e uma interdependência mútua, uma
organicidade (ЗАНКОВ, 1968). Os princípios não podem, então, ser
aplicados individualmente ou em partes. Como sistema integral, devem ser
tratados enquanto todo indissociável.
Consideremos, por exemplo, uma obutchénie em alto nível de
dificuldade que requer o avanço a ritmo rápido no material de estudo. Quando há
redução do ritmo e repetições, o estudante percorre caminhos já trilhados,
o que não configura um alto nível de dificuldade. Estão ligados
organicamente também o princípio da consciência do estudante do processo de
aprendizagem com o papel reitor do conhecimento teórico, pois ambos dependem
das operações intelectuais para sua concretização. O sistema só funciona
como um todo orgânico.
Os princípios didáticos são as diretrizes que determinam todo o
curso da obutchénie, de acordo com os objetivos da educação, as leis do
processo de aprendizagem, o conhecimento e as habilidades dos alunos.
Eles constituem o elemento estrutural do sistema e, segundo N. V.
Nechaeva e N. N. Roshchina (НЕЧАЕВА; РОЩИНА, 2006), são o elo
entre os fundamentos teórico-metodológicos do sistema desenvolvimental
e a prática pedagógica.
Contudo, a análise de cada um dos princípios vai dando sinais que
nos permitem afirmar que o foco do sistema de princípios se constitui,
notadamente, cognitivista. Todos os princípios se preocupam em
desenvolver, primariamente, o cognitivo; ficam secundarizados os demais
aspectos do desenvolvimento humano. Não defendemos que, por isso, o

359
sistema Zankov falhe em assegurar o desenvolvimento integral,
entretanto, é lacunar ao estabelecer princípios que priorizam um aspecto
do desenvolvimento, em detrimento de outros; fragilizando, na prática, o
alcance do objetivo, declaro por L. V. Zankov, de desenvolvimento
integral.

Orientações metodológicas propostas por L. V. Zankov e seus


colaboradores

L. V. Zankov assume que seu trabalho não tem por finalidade


“[...] que todos os elementos do [...] sistema sejam novos. Tal desejo seria
absurdo. O novo sempre absorve até certo ponto e transforma o valioso
que está contido no antigo” (ЗАНКОВ, 1963, p. 34, tradução nossa).
Tomada a dialética como princípio metódico em suas investigações, o
autor, reconhece que as sínteses são feitas a partir do conflito entre o
novo e o antigo e não uma produção espontânea sem fundamento prévio.
Assim, não despreza os estudos e proposições de obutchénie dos didatas e
pedagogos que trabalharam antes ou paralelamente a ele; pelo contrário,
parte dos aspectos valiosos anteriormente produzidos, transformando-os,
para uma nova sistematização didático-metodológica: “Como parte do
novo sistema, métodos didáticos já conhecidos e técnicas metódicas
adquirem uma segunda vida” (ЗАНКОВ, 1963, p. 35, tradução nossa).
L. V. Zankov (ЗАНКОВ, 1963) cita uma experiência da prática
pedagógica soviética que inspirou a criação de seu sistema experimental.
Trata-se da experiência de S. T. Shatsky (ШАЦКИЙ, 1958), que criou
uma colônia intitulada “Uma vida alegre”, na qual houve a formação de
um coletivo composto por estudantes e educadores que não se baseavam
em relações oficiais de dominação e subordinação, mas no trabalho
conjunto entre eles. O fundamento consistia em alegrar-se com o
trabalho, o que era alcançado por meio da implementação de formas de
organização dos coletivos. Aqui temos duas características metodológicas
que estão presentes no sistema Zankov: a formação de coletivos e a
relação amistosa entre professores e estudantes.

O estímulo da previsão, das ações mediadas, por parte do


professor, desperta e forma nos estudantes a atenção para a
experiência valiosa dos companheiros. Isso contribui também para
a organização da atividade de estudo dos estudantes: as crianças
manifestam livremente suas considerações, escutam com atenção
as observações de seus camaradas, as valoram com critério crítico
(as aprovam ou as rejeitam) tratam de demonstrar a justiça de seus
juízos. Em suma, nas classes, a vida transcorre intensa e rica em

360
conteúdo. O surgimento das relações recíprocas, baseadas na ajuda
e no enriquecimento em experiência mútuas, cria a base para a
formação do coletivismo (ZANKOV, 1984, p. 76, grifo nosso,
tradução nossa).

Nos termos tratados pelo autor, há um incentivo para a livre


comunicação dos alunos entre eles e entre alunos e professor. A criação
dessa atmosfera amigável e convidativa para que as crianças expressem
suas opiniões e juízos, favorece o desenvolvimento da confiança e
amizade entre os envolvidos no processo, criando bases sólidas para a
formação do coletivo e possibilitando que emoções positivas emerjam
durante o processo de aprendizagem. “O livre intercâmbio de opiniões
contribui para a criação de um ambiente de criatividade: o pensamento
inquieto das crianças não se contém, a busca da melhor decisão continua
durante toda a lição” (ZANKOV, 1984, p. 78, tradução nossa). O autor
aborda, também, a questão da coletividade nas classes de trabalho manual,
com destaque para a importância de que cada aluno saiba desempenhar
sua função na confecção do todo. Percebemos, aqui, a aplicabilidade do
princípio de conscientização do processo de aprendizagem por parte dos estudantes:

As operações de trabalho se distribuem entre os membros da


equipe. Para isso, os estudantes devem ter uma ideia acerca de todo
o processo de preparação do objeto, discutido previamente na
classe. O procedimento de trabalho por equipes é muito valioso
também para que as crianças conheçam o trabalho nas empresas. A
apresentação, ao final da aprendizagem, de tarefas que demandam
uma distribuição e um emprego racional das forças dos alunos de
toda a classe, aprofunda, todavia, mais o conhecimento de
peculiaridade do trabalho coletivo por parte dos estudantes: do
trabalho de cada aluno depende o resultado da obra comum
(ZANKOV, 1984, p. 78-79, tradução nossa).

Figura 3 - Estudantes em atividade coletiva na Escola 1953/ Moscou 98

Fonte: Acervo da pesquisa.

361
No que tange à relação professor-aluno, propõe-se o
desenvolvimento de uma relação amigável:

A natureza da obutchénie experimental altera a relação entre o


professor e os alunos. O professor não perde seu papel de
liderança na aprendizagem, mas, ao mesmo tempo, torna-se
participante do processo coletivo de cognição, um verdadeiro
amigo e companheiro sênior de seus alunos. Desaparecem as notas
de "comando" que geralmente ainda soam fortemente nas classes
iniciais (ЗАНКОВ, 1968, p. 96, grifo nosso, tradução nossa).

As orientações metodológicas de L. V. Zankov, incluem o


trabalho independente do estudante, tomado a partir da experiência de R.
M. Mickelsson (МИКЕЛЬСОН, 1940), na escola secundária Moscou 32,
em que o desenvolvimento da obutchénie era organizado para que fosse
estimulado o trabalho independente do estudante; entendido esse como
impulsionador das condições psíquicas que motivam a mente infantil para
a aprendizagem. Com essa proposição, L. V. Zankov não ignora a tese
vigotskiana de que a obutchénie deve atuar na ZDP, não ignora, portanto, a
importância da colaboração do professor ou do outro mais experiente
para a aprendizagem. Contudo, para L. V. Zankov, não é apenas nessa
situação colaborativa da ZDP que a obutchénie pode impulsionar o
desenvolvimento. O autor introduz o trabalho independente das crianças
como um aspecto novo que as mobiliza à aprendizagem. Essa
peculiaridade fica evidente no trabalho educativo orientado pela
abordagem zankoviana:

A ajuda é fornecida apenas quando a criança se recusa a tentar, de


forma independente, seguir em frente. Mas, primeiro o aluno deve
enfrentar uma dificuldade cognitiva, que provoca emoções que
estimulam a atividade de busca do aluno. Assim, a atividade
cognitiva do aluno é construída não do simples ao complexo,
mas do complexo ao simples, de alguma situação desconhecida
através de uma busca coletiva até a sua resolução, se necessário,
com a ajuda de uma orientação geral [...] (НЕЧАЕВА; РОЩИНА,
2006, p. 58, grifo dos autores, tradução nossa).

Nesse sentido, a colaboração é um recurso metodológico relevante à


obutchénie, entretanto, apenas requisitado quando a criança não consegue realizar
a tarefa de maneira independente, o que deve ser priorizado; uma vez que, “em
qualquer caso, a atividade independente dos estudantes é o elo inicial no
desenvolvimento do conhecimento e seu elo final, de acordo com o qual ele

362
pode ser julgado e a eficácia de sua assimilação” (НЕЧАЕВА; РОЩИНА,
2006, p. 47, tradução e destaque nossos).
O que vai assumir um lugar de fundamental importância, nesse
processo, é o manual ou material didático. Ele está elaborado de modo a
que o estudante possa, a partir do seu pensamento e trabalho intelectual,
chegar nos resultados das tarefas e conclusões possíveis.

O mais importante é não dar nada diretamente para o aluno. O


mais importante é que a criança descubra, com sua mente e sua
lógica, com base no manual; porque nele está escrito como a
criança pode descobrir alguma coisa. (FEROLA, 2020b).

Assim, do modo como temos compreendido o papel da mediação,


da colaboração e do professor no desenvolvimento dos estudantes, a
partir de uma perspectiva histórico-cultural, entendemos que esses estão
materializados no manual; uma vez que o material didático contém
orientações e instruções elaboradas pela pessoa mais experimente e, por
ela, selecionado para mediar a atividade de estudo. Assim, a colaboração
do professor, em nosso modo de ver, está aí resguardada, mesmo quando
na perspectiva zankoviana se oriente para que o estudante trabalhe com o
manual de maneira independente e descubra, por si só, a resolução das
tarefas.
Cabe aqui destacarmos, também, a relação deste aspecto
metodológico (atividade independente do estudante) com o
desenvolvimento das emoções e vontade. Ao lidar com a dificuldade
cognitiva, conforme ressaltado por N. V. Nechaeva e N. N. Roshchina, se
desperta as emoções do aluno e a inquietude frente a dificuldade,
motivando-o para o estudo (НЕЧАЕВА; РОЩИНА, 2006, p. 58). Isso
está claramente explícito nos objetivos defendidos por L. V. Zankov:
“Um dos objetivos principais de nossa obutchénie consiste em despertar o
pensamento independente, inquieto, do escolar, ligado a emoções vivas”
(ZANKOV, 1984, p. 62, tradução nossa). Percebe-se, portanto, que a
atividade independente está ligada ao despertar das emoções e que essas
são consideradas impulsionadoras do desenvolvimento. Dessa maneira, o
sistema zankoviano tem uma forte preocupação em despertar as emoções
do estudante, porém, na prática o faz submetendo-as, de certa forma, ao
objetivo da aprendizagem e o desenvolvimento cognitivo.
O sistema Zankov defende que o aluno precisa estar ativo em seu
processo de aprendizagem e que, ao resolver as tarefas educativas do
sistema, desenvolve seu pensamento e chega às suas próprias conclusões.
O método para o desenvolvimento, nessa perspectiva, promove o

363
desenvolvimento de suas habilidades, talentos, independência e iniciativa
(ЗАНКОВ, 1968); o que se apresenta como um sistema didático
alternativo no contexto soviético da época; em que a prioridade passa a
ser a atividade do estudante e não mais do professor.

[...] a Rússia se voltou para uma obutchénie que desenvolve a criança.


Este é um processo muito complicado e o passo mais complicado é
passar da atividade do professor à atividade do aluno. É muito difícil
para o professor. É muito mais fácil ele contar tudo e ouvir o que o
aluno responde. Esse é o sistema tradicional de Comenius, satisfez o
país durante 400 anos (NECHAEVA, N. V. apud FEROLA, 2020b),

O sistema metodológico foi construído com base em algumas


qualidades pedagógicas típicas, tais como a multilateralidade, o caráter do
processo, as colisões e a variabilidade (ZANKOV, 1984; НЕЧАЕВА;
РОЩИНА, 2006). Por multilateralidade, entende-se o foco no
desenvolvimento da diversidade real da atividade psíquica dos estudantes,
em detrimento da assimilação exclusiva de conhecimentos e hábitos.
Nesse sentido, parte-se da compreensão de que emoções e vontade estão
envolvidas na atividade de estudo. Para L. V. Zankov (ZANKOV, 1984),
essas constituem-se nas necessidades espirituais do estudante e são
consideradas a raiz profunda da atividade.
O caráter do processo, ou processualidade, consiste no fato de que o
processo didático é composto por etapas que seguem uma atrás das outras
em uma relação orgânica e integrada, o que pode ser percebido na
comunicação do conhecimento teórico ou na ordem das tarefas educativas
dadas aos estudantes. L. V. Zankov (ZANKOV, 1984) explica como, na
metodologia tradicional, se atravessam as etapas no processo educativo
apenas à medida em que a etapa anterior é completamente assimilada, o
que caracteriza o isolamento de cada etapa didática.
No sistema zankoviano, as etapas estão interconectadas, pois
conforme demonstrado pela investigação experimental, “[...] o verdadeiro
conhecimento de cada elemento progride constantemente à medida em
que se assimilam os outros elementos que seguem e que se toma
consciência do correspondente todo único, até a totalidade do curso
escolar [...]” (ZANKOV, 1984, p. 223, tradução nossa). Dessa maneira,
cada tópico novo, que é incluído no processo de obutchénie, é inserido
como um elemento dependente na conexão direta e orgânica com os
outros tópicos do curso, previamente estudados, assim, cada novo
material apresentado aumenta e ativa todas as conexões pré-estabelecidas,
todas as camadas que foram estudadas anteriormente, todavia, com o
advento de conexões mais complexas (НЕЧАЕВА; РОЩИНА, 2006).

364
A natureza processual da metodologia manifesta-se no fato de que,
no decorrer do domínio de um novo material, o conhecimento
adquirido anteriormente não permanece no mesmo nível, entra em
sistemas novos ou mais amplos de relações e, devido a isso,
progride. O processo - não é um lado quantitativo do material
educacional assimilado no processo de obutchénie, mas uma
característica qualitativa do método em si (НЕЧАЕВА;
РОЩИНА, 2006, p. 86, tradução nossa).

Outra característica do sistema metodológico são as colisões. Com o


objetivo de intensificar a atividade de estudo dos estudantes, estão
presentes, no material de estudo, situações em que “[...] as noções
adquiridas pelos estudantes entram em colisão” (ZANKOV, 1984, p. 223,
tradução nossa). As colisões são responsáveis por iniciar atividades
intensivas de aprendizagem das crianças, de forma que, o trabalho criativo
e ativo do pensamento surge na medida que uma pessoa se confronta com
o incompreensível. Essa situação lhe inflama as emoções, desperta-se no
estudante uma emoção de surpresa. Há três situações em que as colisões
ocorrem: 1) quando o estudante se depara com escassez ou excesso de
informação para resolver o problema dado, 2) em situações em que o
estudante precisa opinar, escolher ou solucionar um problema e 3) quando
o estudante enfrenta novas condições, até então desconhecidas, para o
uso do conhecimento existente (НЕЧАЕВА; РОЩИНА, 2006).
Por fim, a última propriedade dos métodos de obutchénie do
sistema é a variabilidade. O sistema precisa ter flexibilidade para que
alterações sejam realizadas, a partir das necessidades pessoais dos
professores e estudantes. De acordo com as particularidades dos alunos e
o estilo de trabalho do professor podem-se realizar mudanças nos
procedimentos de trabalho, na ordem das tarefas, em seu caráter etc.. No
entanto, para que as condições e finalidades do sistema sejam
resguardadas, a variabilidade tem limites definidos pelos princípios didáticos
zankovianos; uma vez que esses “[...] assumem um papel diretriz e
regulador” (ZANKOV, 1984, p. 224, tradução nossa) e não podem ser
alterados. Segundo Nechaeva,

[...] a implementação de um sistema didático para o


desenvolvimento é impossível sem uma interpretação criativa,
considerando os interesses individuais dos alunos, as características
de uma região e o estilo de trabalho do professor. Mas é claro que
os princípios didáticos não devem ser alterados, caso contrário o
sistema inteiro também será alterado (NECHAEVA, N. V. apud
FEROLA, 2020b).

365
Analisadas as propriedades do sistema metodológico observamos
que os aspectos volitivo-emocionais são considerados em, pelo menos,
duas delas: na multilateralidade e nas colisões. Na primeira, por constituir-se
exatamente no objetivo de desenvolvimento integral dos estudantes e, na
segunda, por fazer erguer-se as contradições com que se deparam os
estudantes em situações em que divergem o que se apresentam a eles face
ao seu real desenvolvimento, levando à emergência de dificuldades para
sua solução. Em tais situações, surgem diversos tipos de emoções. Mas, os
aspetos emocionais e volitivos, tal como explicitados, aparecem como
impulsionares para a solução de tarefas cognitivas, portanto, submetidos a
elas.
Contudo, para L. V. Zankov, o trabalho metodológico,
principalmente demonstrado pelas áreas do conhecimento específicas
(aprendizagem da língua, das ciências exatas, biológicas etc.), precisa
incluir procedimentos que permitam destacar percepções pessoais,
sentimentos e imaginação sobre o conteúdo em estudo, o que é diferente
de relatar o próprio conteúdo; por isso os alunos são estimulados a se
expressarem

Dentro do sistema zankoviano, os alunos são incentivados a,


livremente, fazer observações sobre o tópico em estudo. O papel
do professor é o de direcionar a atenção dos alunos para os
padrões e conexões evidentes sobre o assunto e solicitar-lhes que
deduzam e expliquem a natureza dessas relações [...] (GUSEVA,
2017, p. 231).

Dessa maneira, o trabalho do professor é o de selecionar situações


que contribuam para elevar os estudantes a degraus do desenvolvimento
da fala; como, por exemplo, em uma excursão ao bosque quando os
estudantes poderão comentar, livremente, aquilo que estão observando no
campo. Ou, analisando ilustrações selecionadas pelo professor, quando as
crianças são convidas a descreverem o que veem, com liberdade para
expressar seus sentimentos e percepções. Em ambos exemplos, a fala e a
descrição livres, por parte dos estudantes, são diferentes do trabalho
tradicional que seguiria planos preestabelecidos. A liberdade e a
comunicação livre das crianças são incentivadas enquanto meios para o
desenvolvimento da fala.
A leitura de textos é também uma ferramenta para aumentar o
vocabulário dos estudantes e desenvolver o pensamento e a fala. P. V.
Zankov destaca a importância de que, ao lidar com um vocabulário
desconhecido para o aluno, o professor não se restrinja a simplesmente

366
dar-lhe um sinônimo. Se assim o faz, ele estará desperdiçando uma
oportunidade de enriquecer o vocabulário do estudante, pois a palavra
desconhecida toma o mesmo significado do seu sinônimo e não se
adiciona um outro significado ao vocabulário do estudante. Lidar com
uma palavra desconhecida para os estudantes configura uma oportunidade
de enriquecer seu vocabulário se o professor explicar, com clareza, e
revelar suas peculiaridades em relação aos seus sinônimos. “A comparação
desempenha um papel substancial para evidenciar o significado da palavra
explicada em seu sentido específico e, ao mesmo tempo, delimitá-la com
relação ao sinônimo” (ZANKOV, 1984, p. 71, grifo do autor, tradução
nossa).
Em relação aos exercícios escritos, há uma diferença significativa
entre a metodologia tradicional e a metodologia experimental zankoviana.
Na primeira, quando se estuda um determinado tema, os alunos são
encorajados a responderem uma série de exercícios previamente
elaborados sobre o assunto. L. V. Zankov cita, como exemplo, o estudo
do “outono dourado” pelo terceiro ano. Para tanto, os professores
elaborariam uma lista de perguntas e tarefas para serem respondidas pelos
alunos, tais como: “vocês gostam do outono dourado? Como aparecem por
esses dias o bosque, o campo, o rio? Por que nos agrada em particular o
outono dourado?” (ZANKOV, 1984, p. 71, grifo do autor, tradução nossa).
Para o autor, quando se elabora previamente o conteúdo que deve conter
os exercícios, quando se prepara um plano, se limita a liberdade do aluno
para seus relatos.
Contrapondo-se à metodologia tradicional, no estudo de um tema
específico, incentiva os estudantes a se manifestarem livremente,
expressando suas opiniões, ideias e emoções. “Os estudantes das classes
experimentais nunca foram sobrecarregados por indicações sobre o que
deviam fazer ou se deviam escrever, exclusivamente, de um determinado
modo” (ZANKOV, 1984, p. 72, tradução nossa); em verdade, essa
metodologia considera que “O principal é que o escolar busque,
evidentemente, o procedimento adequado para a expressão de suas ideias
e sentimentos” (idem).
Esse recurso metodológico incentiva a imaginação, a liberdade e
as emoções das crianças, a busca na prática pedagógica de que a obutchénie
não seja tediosa e aborrecedora, mas desenvolva emoções positivas nas
crianças. E, nessa ocasião, não necessariamente submete-se esse
desenvolvimento à esfera apenas cognitiva.
Referente às atividades práticas, destaca-se a liberdade criadora em
que se coloca os estudantes. Segundo o autor, o aluno passa pelo mesmo
que um inventor ou construtor e, ao deparar-se com o resultado do seu

367
trabalho, experimenta a alegria de uma criação. Nesse sentido, as
atividades práticas são capazes de despertar nos alunos suas emoções, o
que é motivador da atividade docente e discente (ZANKOV, 1984). As
qualidades volitivas, inseparáveis das emoções, são também
potencializadas pelas atividades práticas, tais como apresentadas.
Para o alcance do objetivo proposto, os alunos precisam vencer os
obstáculos e dificuldades com que se deparam, e lidam com o êxito e o
fracasso dos esforços que empreendem e a conscientização acerca de cada
etapa de trabalho que precisam realizar para a concretização do todo.
Ademais, as atividades práticas são, igualmente, responsáveis pelo
desenvolvimento do autocontrole, devido a formação das capacidades de
auto análise e de previsibilidade das consequências da ação (ZANKOV,
1984).

A obutchénie do trabalho manual nas classes experimentais se


organizou de tal modo que os estudantes, de um grau a outro,
avançam intensamente na compreensão das relações entre as
particularidades de um objeto dado, suas partes e os
procedimentos para sua realização (ZANKOV, 1984, p. 77,
tradução nossa).

De maneira geral, os métodos de obutchénie encontrados ao longo


da obra zankoviana, diferente do que encontramos nos princípios
didáticos, mostram uma preocupação para além do desenvolvimento
cognitivo dos estudantes, conforme procuramos evidenciar. Contudo,
ainda quando, no trabalho independente, na multilateralidade e na
propriedade de colisão do método, L. V. Zankov defenda o surgimento de
emoções enquanto impulsionadores da tarefa educativa, o faz submetendo
a dimensão emocional à dimensão cognitivo.
Em seu sentido amplo e abrangente, a metodologia na perspectiva
zankoviana depende da ciência que se trabalha: “Tanto antes, como agora,
existiram e existem toda uma série de metodologias, cada uma das quais
representa uma formação do todo independente, adaptada ao especifismo
de cada matéria escolar” (ZANKOV, 1984, p. 222, tradução nossa).
Quando L. V. Zankov trata das metodologias específicas de cada
disciplina, em literatura e exercícios escritos, por exemplo, demonstra
como o modo de obutchénie foca no incentivo às percepções pessoais, aos
sentimentos e a imaginação, como fins em si mesmas, não
necessariamente submetendo-as ao desenvolvimento cognitivo. Portanto,
as orientações metodológicas aproximam-se mais do objetivo geral do
sistema de desenvolvimento integral dos sujeitos, ainda que, em algumas
particularidades, priorizem também o desenvolvimento intelectual.

368
Algumas considerações sobre o desenvolvimento integral com base
nos princípios e orientações metodológicas expressos na obra de
L. V. Zankov

L. V. Zankov, juntamente com seus colaboradores, fez um


trabalho brilhante na segunda metade do século XX. Pode ser
considerado um dos pioneiros na experimentação das teses de L. S.
Vigotski sobre obutchénie e desenvolvimento em sala de aula, na República
Socialista Federativa Soviética da Rússia (RSFSR), no ano de 1958, logo
após a promulgação da resolução que estabeleceu diretrizes para que as
atividades acadêmicas dos centros de pesquisa fossem articuladas às
demandas práticas da educação escolar, criando as escolas experimentais.
L. V. Zankov e os grupos que trabalharam com ele desenvolveram
experimentos-formativos com cerca de 1.200 classes escolares, em oito
repúblicas da União Soviética. Esse processo ergueu as bases e os
procedimentos do que, posteriormente, foi denominado sistema didático.
Todo esse trabalho experimental foi sendo tecido e possibilitando tecer
cinco princípios didáticos, um sistema metodológico e tarefas educativas.
As equipes, além de realizarem inúmeros experimentos, formaram
professores, elaboraram manuais didáticos para professores e estudantes;
o que resultou na edificação de um dos três sistemas considerados oficiais
no contexto soviético.
Os princípios didáticos do sistema estabeleceram a base
experimental para o processo da prática pedagógica dos professores,
orientaram a atividade cotidiana de cada docente, estabeleceram o norte
sobre o qual se destrincha a atividade pedagógica proposta; nesse sentido,
enquanto orientações metodológicas dirigiram o trabalho do professor e o
processo didático escolar.
Nosso olhar para os princípios didáticos (1. obutchénie com um alto
nível de dificuldade, 2. papel principal do conhecimento teórico, 3. avançar em ritmo
acelerado no estudo do material planejado, 4. conscientização do processo de
aprendizagem por parte dos estudantes e 5. desenvolvimento de toda a classe de
estudantes, incluindo os mais fracos), por um lado, revela-os demasiadamente
cognitivistas por focarem-se, prioritariamente, o desenvolvimento
cognitivo, o que secundariza outros aspectos do desenvolvimento integral
humano, como os emocionais e volitivos.
Quando, por outro lado, analisamos as orientações metodológicas,
destacamos a formação de coletivos, a relação amigável entre professores
e alunos, o foco no pensamento independente dos estudantes e o papel
ativo do estudante no processo educativo. Além disso, o sistema
metodológico foi construído a partir de quatro propriedades básicas:

369
multilateralidade, o caráter do processo, as colisões e a variabilidade. Em suma, os
métodos de obutchénie encontrados ao longo da obra zankoviana,
diferentemente do que encontramos nos princípios didáticos, mostram
uma preocupação para além do desenvolvimento cognitivo dos
estudantes. Assim, aproximam-se mais do objetivo geral do sistema de
desenvolvimento integral dos sujeitos.
Destaca-se o fato de que o desenvolvimento emotivo-volitivo
aparece, ao longo da obra, submetido, na maioria das vezes, ao
desenvolvimento cognitivo; isto se dá pela compreensão epistemológica
zankoviana acerca das emoções enquanto aquelas que impulsionam a
atividade de estudo. Isso é um dado que não podemos ignorar. No
entanto, mesmo que, a partir dessa concepção epistemológica, note-se
uma preponderância ao desenvolvimento cognitivo, o sistema Zankov
avança no sentido do desenvolvimento integral do sujeito, revelado pela
preocupação constante na relação entre a obutchénie e os aspectos
cognitivos, volitivos e emocionais no desenvolvimento de estudantes.

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380
Capítulo 12

Obutchénie por unidades: uma concepção histórico-cultural


de didática desenvolvimental118

Andréa Maturano Longarezi

[...] não queremos que todos os elementos [...] sejam novos. Tal
desejo seria absurdo. O novo sempre absorve até certo ponto e
transforma o valioso que está contido no antigo. (ЗАНКОВ,
1963, p. 34).

Introdução

No cenário complexo, diverso e heterogêneo no qual se edificam


diferentes perspectivas didáticas desenvolvimentais (LONGAREZI,
2020a; PUENTES; LONGAREZI, 2018), assistimos a história da
produção de uma nova psicologia fundada nas teses centrais de L. S.
Vigotski, posterior e paralelamente, tomadas como objeto de estudo de
vários psicólogos soviéticos (S. L. Rubinstein, G. D. Lukov, V. I. Asnin,
A. V. Zaporozhets, P. I. Zinchenko, L. I. Bozhovich, entre outros), com
desdobramentos para perspectivas psicológicas histórico-culturais
distintas (LONGAREZI, 2019a; 2019b; 2020a; 2020b; PUENTES, 2017;
PUENTES; LONGAREZI, 2017a, 2017b).

[...] alicerçadas em alguns princípios comuns à psicologia vigotskiana


emerge, então, uma Psicologia Histórico-Cultural da Atividade, uma Psicologia
Histórico-Cultural da Personalidade e uma Psicologia Histórico-Cultural da
Subjetividade. (LONGAREZI, 2019a, p. 17).

No Brasil, a psicologia histórico-cultural teve sua entrada marcada,


especialmente, por algumas obras de L. S. Vigotski e A. N. Leontiev. Essa
abordagem psicológica do humano acabou sendo fundamento para o

118 Este capítulo apresenta uma síntese, com aprofundamentos de trabalhos


precedentes (LONGAREZI, 2017b; 2020b; LONGAREZI; DIAS DE SOUSA,
2018). O texto traz dados de pesquisas desenvolvidas com financiamento do CNPq,
Capes e Fapemig.

381
campo educacional pelo acesso a uma parte restrita da produção desses
autores; o que, em certa medida, limitou a apreensão do processo de
ascensão do pensamento de L. S. Vigotski e A. N. Leontiev, assim como a
compreensão da complexa e ampla rede de pesquisa que se estabeleceu à
época, a partir da qual a psicologia pedagógica marxista soviética se
estrutura.
A didática e a pedagogia marxistas no Brasil (CURY, 1979;
MELLO, 1982; LIBÂNEO, 1985, SAVIANI, 1980, 1994, 1995;
SEVERINO, 1999; LUCKESI, 1990; FREITAS, 1994; DUARTE, 1993;
GASPARIN, 2005; MAZZEU, 1998; entre outros) se alicerçam sob uma
abordagem filosófica de educação e ensino. Por esse viés, a escola e os
processos educativos a ela associados têm sido tomados como pilares para
a construção da democratização e transformação social, pela via do acesso
aos conteúdos historicamente produzidos pela humanidade, na defesa de
uma pedagogia crítico social dos conteúdos (SAVIANI, 1980, 1994, 1995;
LIBÂNEO, 1985; LONGAREZI; PUENTES, 2020; LONGAREZI;
PUENTES; SOUZA, 2020a; 2020b etc.). Os processos de apropriação-
objetivação, nessa perspectiva, orientam uma abordagem de ensino que
assume a humanização como finalidade (DUARTE, 1993; 1996; 2012;
MARTINS, 2013; entre outros) e a instrumentalização do homem pela
escola, como condição (SAVIANI, 1994; GASPARIN, 2005; MAZZEU,
1998 etc.); sem às quais não se entende possível mudanças concretas nas
relações sociais e nos modos político-econômicos de organização da
sociedade.
A perspectiva didática marxista histórico-cultural, por sua vez, é
mais recente na trajetória da pedagogia brasileira e tem sua entrada no país
por um viés psicológico, a partir, fundamentalmente, dos trabalhos de L.
S. Vigostki e A. N. Leontiev. A chegada dos didatas soviéticos (V. V.
Davidov, V. V. Repkin, G. Repkina, N. V. Repkina, G. A. Zuckerman, P.
Ya. Galperin, N. F. Talizina, L. V. Zankov, M. V. Zvereva, N. V.
Nechaeva, entre outros) e cubanos (I. B. Núñez, J. Z. Toruncha, H. J. G.
Mendoza, O. T. Delgado, etc.), no contexto brasileiro, ganha força
somente no final do século XX. Mas, é praticamente no início do XXI
que se tem, de fato, aprofundado nos estudos dos então designados
sistemas didáticos desenvolvimentais (PUENTES; LONGAREZI, 2020a;
2020b; 2020c; LONGAREZI; PUENTES, 2020), dentre os quais

382
destacam-se os sistemas 1. Elkonin-Davidov-Repkin, 2. Galperin-Talizina
e 3. Zankov. Orientados pelos princípios gerais da Psicologia Histórico-
Cultural da Atividade e da Didática Desenvolvimental, esses sistemas se
constituem em processos educacionais particulares (LONGAREZI,
2020a; 2020b).
Na trajetória dos estudos brasileiros histórico-culturais, observa-se
que a aproximação com essa produção tem sido um esforço de diferentes
grupos dedicados à investigação didático-pedagógica de fundamentação
materialista histórico-dialética. Essa produção, no campo da psicologia
pedagógica, que envolveu um grande número de psicólogos, filósofos,
filólogos, fisiólogos, metodólogos, didatas e professores que trabalharam
intensamente em torno de uma nova psicologia e uma nova didática, no
período soviético (1917-1991), tem sido objeto do trabalho colaborativo
de várias pesquisas realizadas no contexto brasileiro (TULESKI, 2008;
DELARI JR., 2013; SFORNI, 2015; LAZARETTI; MELLO, 2018;
MENDONÇA; ASBAHR, 2018; MELLO, 2015; DUARTE, 2012;
SMOLKA, 2009; TOASSA, 2013; LIBÂNEO; FREITAS, 2013;
LIBÂNEO, 2004; ROSA E DAMAZIO, 2016; LONGAREZI;
PUENTES, 2013, PUENTES; LONGAREZI, 2017c, 2019; entre
outros), em interface com pesquisadores cubanos, mexicanos, chilenos,
italianos, portugueses, ingleses, dinamarqueses, finlandeses, russos,
ucranianos, entre outros; somando esforços para que se ampliem o acesso
ao pensamento e à produção da época, inclusive com traduções para
diferentes línguas.
Como contribuição para o estudo no campo específico da
Didática Desenvolvimental, no Brasil tem-se realizado pesquisas teóricas e
de intervenção (LIBÂNEO, 2004; MOURA, 2016; MOURA; ARAUJO;
SERRÃO, 2018; CEDRO; MORETTI; MORAES, 2018; LONGAREZI,
2017a, 2017b, 2019a, 2019b, 2019c; LONGAREZI; DIAS DE SOUSA,
2018; FRANCO; SOUZA; FEROLA, 2018; ROSA; DAMAZIO;
ARAUJO; ASBAHR; MOURA; SERRÃO; EUZEBIO, 2013; MOURA,
2016; PUENTES, 2017, 2018; etc.), com foco para a compreensão da rica
e complexa produção didática da época, assim como para a análise e
produção de modos particulares de organização didática frente à realidade
escolar brasileira, que resguardem os princípios psicológicos e didáticos
desenvolvedores, bases e fundamentos a partir dos quais se edificaram os

383
vários sistemas didáticos soviéticos elaborados desde a segunda metade do
século passado.
Nota-se que, quanto mais as iniciativas didático-pedagógicas
desenvolvimentais realizadas no Brasil se distanciam dos primeiros
encontros com essa abordagem soviética (no início, com uma influência
mais psicológica do que pedagógica) e, simultaneamente, mais amplo tem
sido o acesso à produção desses psicólogos e didatas, se concretizam mais
profundas e consistentes as produções didáticas histórico-culturais no
país, reveladas tanto em estudos teóricos, quanto em práticas pedagógicas
experimentadas nas escolas públicas brasileiras. Esse esforço tem
resultado em produções originais, com especificidades em suas
proposições correspondentes ao trabalho de intervenções realizado, no
país, em diferentes contextos escolares, envolvendo níveis de ensino
distintos e áreas específicas do conhecimento.
Para os propósitos deste capítulo, toma-se a perspectiva de
“Obutchénie119 por Unidades” (LONGAREZI, 2017b; 2020b;
LONGAREZI; DIAS DE SOUSA, 2018), produzida no bojo desse
movimento de estudos no Brasil, e que, por isso, representa princípios
orientadores para uma educação desenvolvimental pensada “neste” e
“para este” contexto escolar específico. Assim, nos limites deste capítulo,
pretendemos trazer os principais elementos que estruturam essa proposta,
elaborada a partir de pesquisas teóricas (SOUZA, 2019; FEROLA, 2019;
NASCIMENTO, 2014; LONGAREZI, 2019a, 2019b, 2019c;
LONGAREZI; SILVA, 2018; LONGAREZI; PUENTES, 2013, 2017a;
2017b; LONGAREZI; FRANCO, 2013, 2015; LONGAREZI; ARAUJO;
PIOTTO; MARCO, 2018, 2019; PUENTES; LONGAREZI, 2017a,
2017b, 2017c, 2019) e de intervenção didático-formativa (LONGAREZI,
2012, 2014; 2017a; 2017b; FRANCO, 2015; DIAS DE SOUSA, 2016;
GERMANOS, 2016; COELHO, 2020; SOUZA, 2016; FERREIRA,
2021; MARRA, 2018; JESUS, 2021; FEROLA, 2016; entre outros), que

119Obutchénie é a transliteração da palavra russa обучение e “[...] expressa a unidade


constitutiva [...] que encerra tanto a atividade didática do professor quanto a atividade
de autotransformação dos alunos.” (LONGAREZI; PUENTES, 2017c, p. 7).. Como
a tradução dessa palavra (por ensino, aprendizagem, instrução, treinamento etc.)
implica certo limite na apreensão de seu real significado, optamos por mantê-la em
sua forma transliterada.

384
revelam um modo didático desenvolvimental produzido em meio às
contradições inerentes à realidade capitalista e neoliberal que,
particularmente, caracteriza o Brasil.

Universo conceitual de uma “Obutchénie por unidades”

Sob os princípios gerais histórico-culturais e desenvolvimentais


soviéticos, a “Obutchénie por Unidades” se projeta como novo, entretanto,
com base na produção didático-desenvolvimental precedente; uma vez
que, assim como o prenúncio com o qual abrimos o presente texto, “o
novo sempre absorve até certo ponto e transforma o valioso que está
contido no antigo.” (ЗАНКОВ, 1963, p. 34) e, nesse sentido, se constitui,
em si, unidade.
“Obutchénie por Unidades” pode ser considerada uma perspectiva
de educação voltada para o desenvolvimento humano e social que,
produzida no contexto educacional brasileiro, tem como princípios as leis
da dialética, uma vez que detêm a força propulsora do movimento que
gera mudança real nas relações essenciais que compõem o psiquismo
humano. Sob tal prisma, essa abordagem didática tem a dialética como seu
nuclear e como, “em termos sucintos, pode-se definir [...] a dialética
como doutrina da unidade dos contrários.” (KOPNIN, 1978, p.104),
pode-se considerar que a “Obutchénie por Unidades” se constitui,
fundamentalmente, pelo campo das forças contraditórias, enquanto
emersão de unidades possíveis.
A compreensão da formação e desenvolvimento humano sob as
tensões e choques que compõem o processo dialético no campo da
existência contraditória dos fenômenos, fundamenta uma visão de homem
cuja constituição histórico-cultural seja também a produção cultural de sua
humanidade. Assim, entende-se que a constituição e o desenvolvimento
do homem (de sua humanidade) ocorre no processo de constituição e
desenvolvimento de sua própria cultura (da humanidade coletiva). Isso
porque, imerso em um determinado contexto sócio-histórico, encontra
nele os elementos simbólico-mediadores que tecem as possibilidades de
sua humanidade, porém, não como em um determinismo mecanicista;
afinal o desenvolvimento humano ocorre enquanto “processo que se
distingue pela unidade do material e do psíquico, do social e do pessoal”

385
(VIGOTSKI, 1996, p. 254) e se faz enquanto processo dialético. Nas
palavras de Marx e Engels (1987, p. 56), “[...] as circunstâncias fazem os
homens assim como os homens fazem as circunstâncias.”.
Nesse sentido, não só o homem é produzido no limiar de uma
dada cultura, mas também a cultura é produzida pela ação material e
simbólica do homem. A materialidade dessa relação se dá pela via da
educação120, pelos processos de apropriação-objetivação nos quais o
humano produz a si mesmo e, simultaneamente, à realidade a que se
insere.
Tomada a constituição humana e social pela unidade homem-
cultura, uma educação escolar que se pretenda dialética e desenvolvedora
encontra seus fundamentos nas leis que regem a dinâmica complexa na
qual se faz vital a prática social da unidade. Por isso, propomos pensar nos
princípios e elementos estruturantes de uma didática que se constitua
dialética e desenvolvedora do homem e da sociedade, alicerçada sob as
forças contraditórias da existência humano-cultural que se efetivam
“como unidade” e “por unidades”.
Nessa abordagem, o desenvolvimento está intrinsecamente
vinculado à constituição da própria unidade, uma vez que é no confronto
de forças contraditórias que os processos psicológicos encontram impulso
e, para os quais, se faz possível a emersão de novas funções, como síntese
da luta e das tensões oportunizadas. Por tal princípio, e para além de
qualquer tipo de apologia, toma-se como horizonte uma proposta de
obutchénie que se materialize como unidade dos contrários.
A unidade, lei geral da dialética, presume sua compreensão
enquanto síntese, na qual elementos, aspectos e/ou dimensões distintas
produzem, pelo choque e confronto, a emergência do novo e se
caracteriza, nuclearmente, pelo o que aqui se tem assumido como unidade.

120 Educação, originalmente no Russo Bоспитаниe, em sua forma transliterada,


vospitanie, aparece na obra original de Vigotski (ВЫГОТСКИЙ, 1991) como “...
um tipo mais amplo de educação do sujeito, inclui a formação de valores éticos
que constituem seu caráter e sua personalidade, cujo processo se dá nos diversos
contextos sócio-culturais nos quais se está inserido (LONGAREZI; FRANCO,
2017, p.265, nota 2); diferentemente de obutchénie (обучение) que se refere aos
processos educativos que ocorrem especificamente em instituições de ensino que
podem ou não ser desenvolvimentais, a depender do modo como são
organizadas.

386
Contudo, uma “Obutchénie por Unidades” implica não somente a
unidade em si, tal como problematizada, mas também a própria obutchénie,
que, no sentido empreendido no contexto da psicologia e didática
desenvolvimental soviéticas, já se constitui enquanto unidade. Assim, uma
“Obutchénie por Unidades”, incluída todas as tensões expressas pelas leis
fundamentais que a regem enquanto processo dialético, funda-se, em
princípio, pelo que designamos de unidade primária, essencialmente,
vinculada ao próprio conceito de obutchénie.
Uma obutchénie desenvolvimental tem sido compreendida como o
processo em que se impulsiona a aprendizagem e o desenvolvimento do
estudante pela via da atividade colaborativa do professor. Davidov (1996)
define obutchénie como

[...] a interação entre alunos e professores, a inter-relação entre a


utchenia (aprendizagem) e os esforços profissionais do professor (se
essa interação for compreendida com a noção de "atividade", então
a obutchénie pode ser caracterizada como uma correlação entre
atividade de estudo e atividade pedagógica)121. (ДАВЫДОВ, 1996,
p. 252, tradução nossa122).

A obutchénie, do modo como apresentado pelo autor, se


considerada na perspectiva da Teoria da Atividade, “pode ser caracterizada
como uma correlação entre atividade de estudo e atividade pedagógica”
(idem). Nesse sentido, não representa-as como partes a serem somadas ou
fundidas. Obutchénie, nessa perspectiva, expressa a unidade da atividade
profissional docente e da atividade de autotransformação dos estudantes.
Porém, mesmo quando se constitua enquanto unidade,

Na obutchénie, compreende-se como principal o processo de


aprendizagem (ou assimilação), uma vez que os esforços dos

121 Обучение — это взаимодействие учащихся и учителей, взаимосвязь учения


и профессиональных усилий учителя (если последнюю истолковывать с
помощью понятия "деятель- ность", то обучение можно характеризовать как
взаимосвязь учебной и педагогической еятельностей).
122 Todas as traduções da autora, da obra de Давыдов (1996), apresentadas neste

texto, foram realizadas a partir de tradução prévia do russo para o português, por
Andrii Mishchenko, e fruto de aprofundamentos teórico-conceituais produzidos no
interior do Gepedi.

387
professores são direcionados para a organização intencional desse
processo primário123. (ДАВЫДОВ, 1996, p. 252, tradução nossa).

Nesse sentido, o nuclear desse processo é a aprendizagem e, dessa


maneira, pode ser entendida como o processo no qual a aprendizagem
discente ocorre em colaboração com a ação docente. Portanto, “[...]
contempla, ao mesmo tempo, o trabalho ativo, colaborativo, intencional,
comunicativo, motivado e emocional, tanto do professor quanto dos
alunos, [...], com vista ao desenvolvimento pleno das qualidades humanas
dos sujeitos.” (LONGAREZI; PUENTES, 2017c, p. 12); tendo a
aprendizagem como processo primário. Assim, obutchénie é tomada
enquanto unidade, primeiro princípio que orienta a proposta de
“Obutchénie por Unidades”.
Não obstante, é importante ressaltar que ela, em si, “[...] não é o
mesmo que desenvolvimento.” (ВЫГОТСКИЙ <VIGOTSKI>, 1956,
p.449, tradução nossa), não corresponde de modo direto e incondicional a
ele. Existem modos distintos de obutchénie, por exemplo, a reflexo-
associativa e a desenvolvimental.

Apesar da assimilação e sua organização estarem inseparavelmente


ligadas, historicamente têm sido criadas de forma separadas as
teorias da utchenia (aprendizagem) e do trabalho profissional do
professor.124 (ДАВЫДОВ, 1996, p. 252, tradução nossa).

Razão pela qual se tem construído compreensões dicotômicas


entre as atividades de ensino e as de aprendizagem.

Na história da educação europeia e americana, havia basicamente


duas teorias da utchenia (aprendizagem). Os fundamentos da
primeira teoria foram formados por conceitos de associação,
reflexo, estímulo-resposta (essa pode ser chamada de teoria do
reflexo-associativo). A segunda é baseada nos conceitos de ação e

123 В обучении основным выступает процесс учения (или усвоения), поскольку


усилия педагогов обращены на целенап- равленное управление именно этим
первичным процессом.
124 Несмотря на то что усвоение и управление им неразрывно связаны друг с

другом , исторически были созданы раздельные теории учения и теории


профессиональной работы учителя.

388
tarefa (pode ser chamada de teoria da atividade).125 (ДАВЫДОВ,
1996, p. 252, tradução nossa).

Desse modo, no sentido para o qual se dirige a proposição de uma


“Obutchénie por Unidades”, tratar a obutchénie na sua relação com o
desenvolvimento torna-se essencial para a compreensão de suas
finalidades educativas. Assim, da unidade primária expressa no próprio
processo de obutchénie, emerge uma segunda e imprescindível unidade,
obutchénie-desenvolvimento, que aqui se constitui o segundo princípio que
fundamenta a proposta de “Obutchénie por Unidades”.
Esse princípio, resguarda a condição de uma obutchénie
desenvolvimental, encontra seu principal motivo na tese vigotskiana de
que “a única boa obutchénie é a que se adianta ao desenvolvimento”
(VIGOTSKI, 2010, p. 114) e é nela que a concepção que estamos aqui
defendendo se ancora: organizar o processo didático que produza as
condições para que o desenvolvimento das máximas possibilidades
humanas seja impulsionado. Isso só é possível se a organização didática da
educação que promove desenvolvimento, orientar-se tomado o processo
de constituição e desenvolvimento humano pela emergência do campo
contraditório, enquanto processo dialético de formação e
desenvolvimento, potencializadores do homem e da sociedade.

Unidades possíveis numa perspectiva dialética de didática

A proposição de uma “Obutchénie por Unidades”, sob a base dos


princípios e leis da dialética, enquanto processo que se materializa como
na unidade obutchénie-desenvolvimento, toma como orientador um
processo didático que se organize a partir de unidades que consideramos
fundantes de uma perspectiva educacional impulsionadora do
desenvolvimento. Com base na unidade primária que contempla a
aprendizagem do estudante na colaboração com professor (obutchénie) e da
unidade obutchénie-desenvolvimento, sem as quais não se resguardaria os

125В истории европейско-американского образования сложи - лись две


основные теории учения. В основе первой лежат понятия ассоциации,
рефлекса, стимула-реакции (она может быть названа ассоциативно-
рефлекторной теорией). Вторая опирается на понятия действия и задачи (ее
можно назвать деятельностной теорией).

389
princípios elementares de uma educação desenvolvedora, enunciam-se
outras unidades (LONGAREZI, 2017b; LONGAREZI; DIAS DE
SOUSA, 2018), aqui propostas como constituidoras de uma didática
dialética e desenvolvedora: unidades conteúdo-forma, imitação-criação e
ruptura-desenvolvimento.

A unidade conteúdo-forma

[...] o conceito como atividade mental, síntese abstrata do objeto, no caso do


conceito científico, [...] síntese de sua abstração teórica, carrega em sua essência
o lógico e o histórico do conteúdo científico. (LONGAREZI; DIAS DE
SOUSA, 2018, p. 461)

A unidade conteúdo-forma tem seu fundamento, por um lado, na


categoria de totalidade, considerada central no método materialista
histórico-dialético e, por outro, na perspectiva davidoviana de vinculação
do método aos conteúdos. Em ambos os casos a compreensão está
vinculada à ideia de que a escolha ou proeminência de qualquer uma das
partes implica uma visão restrita e que, também por isso, gera uma
apreensão incompleta e inconsistente do objeto do conhecimento.
A formação do conhecimento científico e dos modos
generalizados de ações (dimensões nucleares para a constituição de um
pensamento teórico126) implicam a apreensão do conteúdo pelo domínio
daquilo que lhe é essencial, das relações que o compõe, para além daquilo
que lhe é meramente aparente.
A essência de qualquer conceito, compreendida interfuncional-
mente, como um complexo e inesgotável sistema de conceitos, carrega,
em seu núcleo, o lógico e o histórico do conteúdo que se reflete como
processo e produto de significações humanas. Dominar o conceito em seu
campo cientifico implica, portanto, a apreensão de seu núcleo conceitual,

126O pensamento teórico é o conteúdo da Atividade de Estudo, na perspectiva


defendida por V. V. Davidov, um dos principais idealizadores do sistema didático
Elkonin-Davidov-Repkin. Contudo, consiste em uma qualidade do pensamento que
é tomada como finalidade em uma perspectiva desenvolvimental, em seu sentido
geral, mesmo quando não haja consenso quanto às finalidades de uma Didática
Desenvolvimental. Ver mais em Repkin; Repkina (2019).

390
o domínio do lógico e do histórico encarnado nos signos designados à sua
constituição.

Segundo Kopnin (1978), a história do desenvolvimento do objeto


cria os elementos imprescindíveis constitutivos de sua essência e,
nesse sentido, os “fixa” em suas formas de abstração; em seu
conceito. Nesse sentido, a história do desenvolvimento do objeto
constitui a teoria do objeto.

O lógico, por sua vez, se expressa na “[...] essência do objeto e da


história do seu desenvolvimento no sistema de abstrações” (Kopnin,
1978, p. 183), é a apropriação do histórico pelo pensamento humano. Por
isso, “o lógico é o histórico libertado das casualidades que o perturbam”
(Ibid., p. 184). (LONGAREZI; DIAS DE SOUSA, 2018, p. 461).

Por isso, nessa perspectiva didática, o trabalho pedagógico inclui a


identificação, no conceito, de sua essência. Dito de outro modo, a
apreensão do lógico e do histórico encarnados no conceito, na
ascensão do abstrato ao concreto. Nesse sentido, o método (a
forma) está em unidade absoluta com o conteúdo, diretamente
vinculado a ele.

O processo de apreensão do conteúdo (método) passa pelo


processo de identificação e apreensão dos nexos conceituais a ele
inerentes (outros conteúdos), sempre conectados, compondo uma rede
sistêmica complexa e que vai (pela sua apreensão) complexificando o
pensamento que se forma e desenvolve não pela apreensão do conteúdo
em si, mas pela apreensão das infinitas e infindáveis relações que se
estabelecem entre os conceitos, garantidas pelo método. É essa rede
conceitual, mediada por signos, cuja compreensão, se dá mediada por
outras redes conceituais (sempre em relações signo-signo) que
caracterizam a dimensão científica do conceito e resguardam, pela unidade
conteúdo-forma, o desenvolvimento do pensamento teórico. Nessa
perspectiva, a aprendizagem teórica implica em o estudante

[...] captar o princípio geral, as relações internas de um conteúdo, o


desenvolvimento do conteúdo. É aprender a fazer abstrações para
formar uma célula dos conceitos-chave, para fazer generalizações
conceituais e aplicá-las a problemas específicos. Para isso: captar o
caminho já percorrido pelo pensamento científico como forma de

391
interiorização de conceitos e aquisição de métodos e estratégias
cognitivas. (LIBÂNEO, 2008, 14).

Nesse sentido, a unidade conteúdo-forma trata o domínio


conceitual pela via da apreensão de suas relações, porque entende que o
“[...] epistemológico do conteúdo contém o epistemológico da ciência na
qual ele se insere. “Aprender o conteúdo é, então, interiorizar os modos
de pensar, de raciocinar e de investigar próprios da ciência ensinada.”
(Libâneo, 2008, p.15).” (LONGAREZI; DIAS DE SOUSA, 2018, p. 462).
Essa perspectiva didática que se assegura na unidade conteúdo-
forma segue o método dedutivo, em uma linha de apreensão da realidade
que vai do abstrato ao concreto. Esse é o método de apropriação do
conhecimento, defendido desde as primeiras elaborações da psicologia
pedagógica vigotskiana, até as elaborações didáticas que edificaram os
vários sistemas pedagógicos desenvolvimentais.
Tomar a unidade conteúdo-forma como princípio para o
entendimento do modo de organização didática para a formação e o
desenvolvimento do pensamento teórico pela apreensão das relações que
estabelecem o objeto do conhecimento enquanto tal, em unidade com o
modo de sua apreensão, permite sinalizar para o essencial na organização
didática da obutchénie desenvolvimental, tendo na formação do conceito
científico, com o estudo do lógico-histórico dos conceitos e dos nexos
conceituais que o compõem, a revelação da forma em unidade com o
conteúdo, a totalidade do processo educativo que, nessa perspectiva, não
encontra ressonância se tratado de forma particularizada.

A unidade imitação-criação

A obutchénie é possível onde existe a possibilidade de imitar. (VIGOTSKI,


2007, p. 358, tradução nossa).
[...] imitação-criação se constitui síntese e se expressa como processo de
superação; não é um novo “puro”, sem traços do “antigo imitado”, [...] surge
dos processos de confrontos entre elementos distintos e contraditórios; é voltada
para o futuro, para o desenvolvimento. (LONGAREZI; DIAS DE
SOUSA, 2018, p.465).

A unidade imitação-criação tem sua célula-mãe na aprendizagem


colaborativa, entendida como aquela capaz de transformar, em real, o

392
nível possível de desenvolvimento do estudante. O desenvolvimento, em
potencial, depende, como considerou L. S. Vigotski, dos processos de
imitação que ocorrem na colaboração com o outro (mais experiente) na
zona de desenvolvimento possível (ZDP) do estudante. Em suas palavras:
“Pode-se considerar estabelecido, na moderna psicologia da imitação, que
a criança pode imitar apenas o que está na zona de suas próprias
possibilidades intelectuais.” (VIGOTSKI, 2007, p. 354, tradução nossa127).
A imitação, para o psicólogo bielorrusso, “[...] é a forma principal
em que a obutchénie influência o desenvolvimento.” (VIGOTSKI, 2007, p.
357, tradução nossa), respeitado os limites estabelecidos no interstício de
seu estado atual e possível de desenvolvimento. L. S. Vigotski observou,
por meio de estudos experimentais, diferenças nos processos imitativos,
relacionadas aos diferentes estágios de desenvolvimento: “se pudesse
imitar tudo o que quisesse, independentemente do estado do seu
desenvolvimento, ambas crianças teriam resolvido com idêntica facilidade
todos os testes calculados para todas as idades infantis” (VIGOTSKI,
2007, p. 355, tradução nossa).
Dessa maneira, a obutchénie pode influir sobre o desenvolvimento
se for organizada, intencionalmente para potencializar os processos
psíquicos humanos, no intervalo entre os níveis real e potencial do
desenvolvimento, ou seja, na zona de desenvolvimento possível (ZDP).
Seus estudos comprovaram esse potencial, demonstrando que, com a
ajuda e colaboração do outro mais experiente, o estudante pode realizar
aquilo que não consegue solucionar sozinho, desde que esteja em seu nível
possível de realização. “Dissemos que, em cooperação, uma criança
sempre pode fazer mais do que sozinha. Mas devemos acrescentar: não
infinitamente mais, [...] apenas dentro de certos limites estritamente
definidos pelo estado de seu desenvolvimento e suas possibilidades
intelectuais.” (VIGOTSKI, 2007, p. 355, tradução nossa).

127 As traduções das citações de Vigotski (2007) são traduções comparadas. Foram
realizadas pela autora, a partir da edição argentina de “Pensamiento y habla”,
confrontada com o original em russo “Исследование развития научных понятий в
детском возраст. Опыт построения рабочей гипотезы” (Estudo do
desenvolvimento dos conceitos científicos na infância. Experiência na construção de
uma hipótese de trabalho), de Л.С. Выготский (L. S. Vigotski), 1999.

393
A imitação, portanto, é um mecanismo fundamental para o
processo de desenvolvimento, sem a qual só seria possível realizar aquilo
que já se tem desenvolvido: “tudo quanto uma criança não é capaz de
realizar por si mesma, mas pode aprender sob a direção ou a colaboração
do adulto, ou com a ajuda de perguntas orientadoras, incluímos na área da
imitação” (VIGOTSKI, 2006, p. 268).
Atentemo-nos para o que essa perspectiva representa enquanto
superação do conceito clássico de imitação, que temos culturalmente
consolidado; uma vez que, no sentido atribuído por L. S. Vigotski,
imitação não corresponde a uma atividade de reprodução mecânica.
Outrossim, refere-se a uma atividade orientada por perguntas que dirigem,
em colaboração, a atividade psíquica, para além das respostas que se
poderiam dar em um nível real de seu desenvolvimento e, nesse sentido,
se constitui atividade criadora. “Ao falar de imitação, não nos referimos a
uma imitação mecânica, automática, sem sentido, mas sim a uma imitação
racional, baseada na compreensão da operação intelectual que se imita.”
(VIGOTSKI, 2006, p. 268). Nesse sentido, a imitação está na esfera de
tudo o que não se pode realizar sozinho: “ampliamos o significado do
termo, empregando a palavra “imitação” aplicando a toda atividade que a
criança não realiza por si só, mas sim em colaboração com um adulto ou
outras crianças. (VIGOTSKI, 2006, p. 268).
Nessa perspectiva, a zona de desenvolvimento possível é um
conceito fundamental para a concepção de processos desenvolvedores de
educação. É decisiva na relação obutchénie-desenvolvimento porque, dela,
delineia-se o que está ao alcance do estudante. Uma educação e uma
escola que se pretendam desenvolvedoras não podem limitar-se ao que a
criança já consegue realizar sozinha, mas orientarem-se ao que lhe pode
ser acessível em colaboração e orientação do professor. No sentido
atribuído por L. S. Vigotski, é preciso a prática da imitação como
possibilidade de se influir sob o desenvolvimento e é, por isso, que a
imitação (tal como entendida na concepção vigotskiana) se constitui
processo fundamental para impulsionar o desenvolvimento.
Cabe ressaltar, no entanto, que a colaboração (processo
imprescindível para o entendimento da imitação) não quer dizer atividade
de transmissão ou transferência do conhecimento pelo professor
(procedimento que caracteriza uma abordagem tradicional de obutchénie).

394
Apesar da dimensão social dos processos educativos, a aprendizagem é
uma atividade psíquica e, portanto, um processo mental do sujeito.

[...] o conceito e sua formação não são fenômenos preexistentes, nem


ocorrem fora do sistema psíquico do homem; são processos e produtos
da atividade psíquica humana. [...] Sua formação e desenvolvimento
implica processos psíquicos, que ocorrem no sujeito na unidade com a
realidade. Trata-se, portanto, de uma atividade mental, a partir da qual os
atributos essenciais do objeto, se constituem em processos mentais e se
apresentam sob a forma de pensamento, de conceito. [...] Formar o
conceito é, portanto, uma atividade psíquica do sujeito [...]
(LONGAREZI, 2017b, p. 193-194).

Nesse sentido, a atividade psíquica se produz, ainda que pela


imitação (na colaboração), de forma única e singular. E, por essa razão, é
preciso que se reconheça a dimensão criadora da atividade de
aprendizagem; uma vez que “[...] todo ato imitativo se produz sob a base
da subjetividade de quem imita, e, portanto, se assenta no ´sujeito sócio-
pessoal128` que reinventa; reelabora de maneira criativa impressões e
vivências.” (LONGAREZI, DIAS DE SOUSA, 2018, p. 464). A imitação
não é, portanto, reprodução, é processo de criação (FERNANDES,
2007). Daí emerge a compreensão da imitação em unidade com os
processos criativos produzidos por cada sujeito129.

O cérebro não é apenas o órgão que conserva e reproduz nossa


experiência anterior, mas também o que combina e reelabora, de forma
criadora, elementos da experiência anterior, erigindo novas situações e
novo comportamento. Se a atividade do homem se restringisse à mera
reprodução do velho, ele seria um ser voltado somente para o passado,

128 Em se tratando do campo que se constitui sob as bases da unidade, sujeito sócio-
pessoal é “[...] entendido como unidade sujeito social-sujeito pessoal. Tal concepção
de constituição humana se dá, primeiramente, porque não se compreende a existência
do indivíduo descolada do social. Aqui se faz jus à compreensão fundamental
vigotskiana da natureza sócio-histórica do homem. Na mesma medida, assume-se
também que o social não é algo imprimido no indivíduo, como se o mesmo não
criasse formas próprias de significação e produção do mundo. Dessa maneira,
reconhece-se a dimensão da pessoalidade produzida pelo humano que também é o
produtor do social. Nessa relação de unidade sujeito-sociedade, propõe-se a
compreensão de sujeito social- sujeito pessoal ou sujeito sócio-pessoal.”
(LONGAREZI, DIAS DE SOUSA, 2018, p. 460).
129 Ver mais em Dias de Sousa e Longarezi (2018).

395
adaptando-se ao futuro apenas na medida em que este reproduzisse
aquele. É exatamente a atividade criadora que faz do homem um ser que
se volta para o futuro, erigindo-o e modificando o seu presente.
(VIGOTSKI, 2009, p. 13-14).
Toda atividade do homem que tem como resultado a criação de novas
imagens ou ações, e não a reprodução de impressões ou ações anteriores
da sua experiência pertence a esse segundo gênero de comportamento
criador ou combinatório. (VIGOTSKI, 2009, p. 13).

Nesse sentido, os processos de obutchénie-desenvolvimento se


constituem pela unidade imitação-criação, na qual a imitação não é um
impulso reprodutor, mas processo criativo, a partir do qual se produz
sentidos e emerge como síntese do movimento de constituição humana.

A unidade ruptura-desenvolvimento

Essa unidade é a expressão de que o desenvolvimento só se realiza enquanto


processo de ruptura, de síntese, enquanto revelação de superação.
(LONGAREZI; DIAS DE SOUSA, 2018, p. 466).

A unidade ruptura-desenvolvimento traz em seu nuclear os


atributos essenciais que compõem o processo dialético, enquanto
revelação da emergência do novo, como síntese da luta/unidade dos
contrários; tendo na dialética o princípio e a lei orientadora do
desenvolvimento. Se desenvolvimento, no sentido vigotskiano, é a
mudança dialética de estágio, expressa como transformação revolucionária
e que surge como mudança nas propriedades dos fenômenos; quando
levada aos processos psíquicos, o desenvolvimento tem, na ruptura, a
manifestação da emergência de um novo pensamento, sob outra
qualidade.
Entretanto, não somente o produto, mas todo o movimento do
pensamento se constitui processo de ruptura-desenvolvimento.

[...] a construção de uma outra lógica de pensamento. [...], é


desencadeadora de mudanças [...] e se deu não pela negação de um
ou outro saber, mas pela sua superação.
Tal como concebido no materialismo histórico-dialético, essa
superação configura-se em mudança qualitativa. (LONGAREZI,
2006, p. 171-172).

396
O princípio desse movimento está nas próprias leis da dialética
(Lefebvre,1995) e tem sua essência no conceito de unidade tomada
como fruto de um movimento de conflito, de luta entre contrários.
[...] (LONGAREZI, 2006, p. 170).

O desenvolvimento do pensamento enquanto processo tem,


como chave da transformação, a ruptura que emerge dos confrontos entre
as forças contraditórias que atuam nos processos psíquicos, em situações
de obutchénie-desenvolvimento, o que implica mudanças qualitativas.

[...] a ruptura pode ser considerada o ápice do processo de luta e


confronto entre os diferentes e contraditórios tipos de
conhecimentos; a superação, caracterizando o ponto alto da
mudança qualitativa, provocado pelo enfrentamento das
contradições inerentes aos fenômenos e processos envolvidos no
transcurso da formação-desenvolvimento [...]. A ruptura se
constitui, pois, em processo fundamental na passagem da
quantidade à qualidade no movimento de desenvolvimento do
pensamento-ação [...]. (LONGAREZI, 2017b, p. 213).

Sem rupturas, não há desenvolvimento que se constitua como


emergência do novo. Numa perspectiva de educação desenvolvimental,
sob a base da Teoria da Atividade, a mudança de qualidade está dirigida,
fundamentalmente, ao desenvolvimento do pensamento teórico que inclui
a formação de conceitos científicos e de ações mentais.
O processo didático para o qual tal mudança se constitua efetiva
presume a educação pela formação de conceitos, processo que pressupõe
a mediação por outros conceitos, em uma relação signo-signo, concebido
em um complexo sistema de conceitos; elevando o processo psíquico a
um nível dedutivo (de análises e sínteses). Esse procedimento permite a
formação do conceito e das ações mentais enquanto unidade; permite a
formação conjunta de conceitos e ações conceituais, orientando o
desenvolvimento, na ascensão do abstrato ao concreto.
Quanto mais complexas as abstrações e relações abstratas
mediadoras desses processos (em relações signo-signo), mais generalizadas
e generalizáveis se constituí a formação conceitual. Assim, generalização é
condição do pensamento conceitual/teórico, uma vez que tem
implicações nucleares para o que V. V. Davidov destaca como parte
fundante do pensamento teórico, as ações mentais.

397
Generalização, conforme defende L. S. Vigotski, é tomada de
consciência130 e, “tomar consciência de alguma operação significa
transferi-la do plano da ação para o plano da linguagem, isto é, recriá-la na
imaginação para que seja possível exprimi-la em palavras.” (VIGOTSKI,
2001, p. 275).
Nesse sentido, tomar consciência é fazer no plano da linguagem -
do pensamento - o que é plano de ação, é cria-la pela imaginação para que
se possa, em pensamento e linguagem, materializá-la em palavra. Dito de
outro modo, a tomada de consciência é generalização e, enquanto tal, é a
formação de um conceito superior (VIGOTSKI, 2001); portanto, se
configura como atividade mental.
Nesse processo de formação conceitual,

Se a tomada de consciência significa generalização, então é


evidente que a generalização, por sua vez, não significa nada senão
formação de um conceito superior (Oberbegriff- übergeordneter
Begriff) em cujo sistema de generalização foi incluído um
determinado conceito como caso puro. (VIGOTSKI, 2001, p.
292).

Porém,

A tomada de consciência não surge como um degrau superior e


necessário no desenvolvimento a partir de conceitos não-
conscientizados, mas é trazida de fora. Um modo de agir
simplesmente desloca outro. Como a cobra lança fora a pele velha
para cobrir-se de outra nova, a criança lança fora e abandona o
modo anterior de pensar porque este dá lugar a um novo.
(VIGOTSKI, 2001, p. 282).

A tomada de consciência entra “[...] pela porta dos conceitos


científicos.” e “[...] está baseada na generalização dos próprios processos
psíquicos, o que conduz ao seu domínio. Nesse processo, o papel decisivo
é desempenhado principalmente pela obutchénie.” (VIGOTSKI, 2007, p.
315, tradução nossa); portanto, é “peça-chave” na unidade ruptura-
desenvolvimento.

130 Ver mais em Germanos e Longarezi (2019).

398
Dessa maneira, fica evidente que o desenvolvimento presume
tomada de consciência, em processos de obutchénie que promovam a
emergência de contradições; condição para rupturas, pelas relações
essenciais que caracterizam os fenômenos e que se constituem força
motriz do desenvolvimento (pela via da formação do conceito científico e
das ações mentais.

A unidade ruptura-desenvolvimento tem suas bases, portanto, no


movimento possível, fundado nas leis da dialética, de
transformação do pensamento pela obutchénie que provoque o
confronto [...] e seja propulsor, não apenas de mudanças
quantitativas, mas de rupturas que permitam de fato mudanças na
essência, que gere desenvolvimento. Essa é uma das teses centrais
da Didática Desenvolvimental, a da obutchénie que impulsiona o
desenvolvimento, orientada pela compreensão de formação e
desenvolvimento humanos defendidos pela psicologia soviética da
época. (LONGAREZI, 2017b, p. 215).

Em síntese, é na unidade ruptura-desenvolvimento que o


desenvolvimento se expressa, pela via da tomada de consciência. O
desenvolvimento tem a ruptura como chave da transformação e essa, por
sua vez, emerge dos confrontos entre as forças contraditórias que atuam
nos processos psíquicos, em situações de obutchénie-desenvolvimento, o
que implica mudanças qualitativas na essência desses processos. Desse
modo, é nessa unidade que o desenvolvimento se expressa enquanto
processo de tomada de consciência, generalização abstrata dos atributos
essências do conceito, mudança na qualidade do pensamento, ruptura-
desenvolvimento.

Unidades em movimentos didáticos

Em todas as unidades problematizadas (conteúdo-forma,


imitação-criação e ruptura-desenvolvimento) fica evidente a centralidade
que a unidade obutchénie-desenvolvimento assume. Por essa perspectiva,
propõe-se três movimentos didáticos considerados imprescindíveis para a
materialidade das unidades enquanto processo de obutchénie
desenvolvimental: 1. diagnóstico, 2. problematização e 3. formação
conceitual.

399
Tomados em sua totalidade, esses movimentos compõem um
processo que tem como fonte propulsora as contradições e superações,
geradoras de novas crises e se organizam de modo a que os três ocorram
simultaneamente, imbricados reciprocamente (FRANCO; SOUZA;
FEROLA, 2018); sem qualquer tipo de hierarquia ou linearidade. Os
movimentos se constituem em um sistema didático de formação de
conceitos e, nesse sentido, contemplam-se reciprocamente seja na sua
particularidade, seja na sua generalidade: diagnóstico, problematização e
formação conceitual.
O diagnóstico acompanha todo processo didático e tem seu
fundamento nos princípios que orientam o conceito de Zona de
Desenvolvimento Possível (VIGOTSKI, 1999, 2007); constitui-se, pois,
crucial para orientar o tipo de colaboração a ser estabelecido no processo
educativo, enquanto unidade imitação-criação. Ele permite identificar o
nível real de desenvolvimento dos estudantes frente a um conceito ou a
um sistema de conceitos; implica a apreensão das formas hipotéticas de
explicação-compreensão que se tem em torno do fenômeno em estudo; e
identifica, em todo o processo, o movimento conceitual produzido pelos
estudantes, sinalizando novas demandas de colaboração. Assim, o
diagnóstico é processual, permite acompanhar o movimento do
pensamento, suas crises, transformações e superações e, por isso, se dá
também em processo de problematização e formação conceitual.
A problematização, por sua vez, compõem os movimentos de
diagnóstico e formação conceitual, assume um papel essencial para tornar
consciente as contradições e gerar crises. Esse movimento implica a
proposição de um (ou mais) problema(s) científico(s) que coloque(m) em
dúvida as hipóteses explicativas consolidadas, que gere(m) a necessidade
de outras formas (científicas) de compreensão dos fenômenos, criando
condições para a formação-desenvolvimento de uma nova qualidade de
pensamento. À medida em que as contradições vão sendo desveladas, vão
também sendo criadas as condições para a emergência de novas
necessidades, direcionadas ao objeto do conhecimento que, nesse caso,
corresponde ao conceito científico.

[...] quando você apresenta um problema ao estudante que


desconhece sua solução e as possibilidades intelectuais para

400
resolver a contradição [...] eles se deparam com o incompreensível
[...]. Nessa situação [...] se orientam para realizar uma ação,
portanto a contradição que se dá no plano mental devido a
situação problema conduz a sua assimilação. Este caráter de
impulsionar a busca ativa do conhecimento pelo aluno, instigado
pelas situações problema, é considerado [...] fundamental para a
estrutura de um processo de ensino-aprendizagem [obutchénie].
(FEROLA, 2016, p. 24-25, acréscimo nosso).

A criação da necessidade do conhecimento científico ocorre como


processo de crise, o que se apresenta como motivo para a formação
conceitual, outro importante movimento no sistema didático
desenvolvimental que se orienta pela perspectiva das unidades.
Como vimos, a formação de conceitos constitui-se atividade
psíquica; portanto, não é algo externo ao estudante, nem preexiste; é
processo criativo que se dá na unidade dialética sujeito social-sujeito
pessoal. Nesse sentido, embora o conceito se constitua síntese abstrata do
real (objetal ou não), sua formação está na consciência do próprio
conceito, por isso é processo de generalização.
Para se compreender o processo de formação conceitual,
enquanto movimento didático, um olhar para a constituição do próprio
conceito faz-se revelar a unidade conteúdo-forma, a partir da qual se
constitui e se efetiva a formação conceitual. O conceito

[...] é caracterizado pelas relações lógicas complexas obrigatórias


que estabelece com outros conceitos, [...] só existe enquanto
constituinte/constituidor de um sistema de conceitos – ´a própria
natureza de cada conceito particular já pressupõe a existência de
um determinado sistema de conceitos, fora do qual ele não pode
existir.` (VIGOTSKI, 2001, p. 359). (FEROLA, 2016, p. 34).

A constituição do conceito revela a forma de sua apreensão,


fazendo, do movimento de formação conceitual, unidade conteúdo-
forma. Dessa maneira, a formação do conceito ocorre como processo de
apreensão dos nexos conceituais que constituem o próprio conceito e, por
isso mesmo, se efetiva enquanto sistema.

Cada nexo conceitual configura-se um novo conceito científico


[...]. De maneira geral, as ações didáticas empregadas [...] -
diagnóstico, situações científicas para problematização,

401
apresentação da definição, discriminação e desenvolvimento de
nexos conceituais – foram as ferramentas empregadas para o
desenvolvimento de cada nexo interno do conceito. (FEROLA;
LONGAREZI, 2017, p. 296).

Em síntese, no movimento didático que se propõe, a organização


da obutchénie pela formação conceitual é pensada e materializada dentro do
sistema de conceitos no qual está presente o conceito em formação, com
foco para os vários sistemas internos delineados pelos nexos conceituais
que compõe o conceito central em estudo-formação.
Nesse sentido, a organização didática pela formação conceitual se
constitui “na” e “a partir da” trama de sistemas na qual o conceito faz
parte. Com isso,

as situações ou tarefas de estudo colocam o estudante em uma


condição de análise das relações e propriedades dos conceitos, a
partir da identificação das suas características essenciais, dos
atributos que não se percebem de modo direto. [...] Davidov (1980,
p. 91) afirma que tais tarefas ou situações de estudo,
necessariamente, precisam exigir dos estudantes determinadas
ações de estudo que os façam analisar as relações e os nexos
existentes no conceito. (FRANCO, 2015, p.102-3).

Esse processo permite que a formação de conceitos ocorra,


juntamente às ações mentais (modos generalizados de ações), enquanto
processo de tomada de consciência (generalização).
Pelos movimentos de diagnóstico, problematização e formação
conceitual vão se evidenciando contradições, gerando crises, formando
conceitos científicos e modos generalizados de ações; fazendo com que
esses movimentos se constituam em processos didáticos que promovam
superações de formas consolidadas de pensamento, com a criação de
condições para a formação-desenvolvimento de novas propriedades que
qualificam o pensamento.

Unidades em síntese: breves considerações

Numa perspectiva dialética da obutchénie, que se constitua a partir


de unidades, o desenvolvimento é expressão de transformações
revolucionárias na essência do pensamento-ação dos sujeitos e, portanto,

402
se materializa sob a base de rupturas, que emergem da formação-
desenvolvimento do “novo” (produzido como síntese da luta entre as
contradições inerentes aos fenômenos da vida, na condição humana a que
se está imerso), em processo de imitação-criação, oportunizado pela
unidade conteúdo-forma. Nesse sentido, a “Obutchénie por Unidades” se
expressa pelo novo que “absorve até certo ponto e transforma o valioso
que está contido no antigo.” (ЗАНКОВ, 1963, p. 34), conforme anuncia a
epígrafe deste trabalho.
Na concepção histórico-cultural de didática desenvolvimental que
estamos defendendo, as unidades conteúdo-forma, imitação-criação e
ruptura-desenvolvimento se constituem a essência e o prenúncio de uma
perspectiva dialética e desenvolvimental factível à realidade sócio-cultural
brasileira, com base nos movimentos didáticos de diagnóstico,
problematização e formação conceitual.
Pensadas de forma sistêmica e tomadas enquanto totalidade as
unidades (conteúdo-forma, imitação-criação e ruptura-desenvolvimento) e
os movimentos didáticos (diagnóstico, problematização e formação
conceitual), sinalizam, como horizonte, uma proposta de obutchénie que
pode se materializar como unidade dos contrários, condição sine qua non
para uma didática que se pretenda desenvolvimental e dialética.
O esforço de muitas pesquisas tem sido no sentido de produzir
respostas e novas perguntas às questões educacionais com as quais se
deparam cotidianamente na educação escolar brasileira. Produzir
processos que avancem em práticas de ruptura-desenvolvimento, que
contribuam, pela unidade conteúdo-forma, para o desenvolvimento do
pensamento numa qualidade diferente daquela que a vida do cotidiano já
imprime, na unidade imitação-criação, em que os processos psíquicos-
criativos sejam potencializados pela imitação-colaboração, foi o modo
vivenciado pelas pesquisas que têm experimentado uma perspectiva
educativa desenvolvedora pela vivência das unidades.
A análise produzida em torno das unidades possíveis como força
motriz de uma obutchénie-desenvolvimental se revela motivo para a
continuidade, a partir da qual espera-se ter, cada vez mais, o ânimo e a
força para que os esforços imitativo-criativos sejam lançados ao desafio
permanente de rupturas-desenvolvimento, de tal modo que novas sínteses

403
sejam produzidas como possibilidade de luta e unidade em meio às
contradições que caracterizam os contextos nos quais se está inserido.
Não obstante, um olhar para a realidade brasileira, frente à
compreensão da diversidade “na” e “pela” unidade, nos permite concluir
que a educação no Brasil possui terreno fértil para a proposição de
impulsionadores do desenvolvimento dos estudantes, com sentidos e
finalidades edificantes de uma educação mais humanizadora; afinal é na
contradição que se produzem unidades dialéticas, sem a qual o
desenvolvimento não se realiza enquanto processo de superação na
emergência de uma nova qualidade psíquica, objetivo precípuo de toda
Obutchénie Desenvolvimental.

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414
Capítulo 13

A aprendizagem criativa do sujeito: um estudo à luz da


Didática Desenvolvimental e da Teoria da Subjetividade131

Flávia Pimenta de Souza Carcanholo

Introdução

A compreensão da aprendizagem humana e as condições para que


ela aconteça são premissas necessárias para que o processo educacional
aconteça de maneira satisfatória e condizente com sua própria função.
Dialogar sobre os estudos nessa área torna-se primordial para os
profissionais da educação, relacionado aos aspectos epistemológicos,
teóricos e metodológicos do processo de aprendizagem e
desenvolvimento e ainda com a perspectiva de novos estudos e hipóteses
que contribuam ao processo educativo. No entanto, deparamo-nos com
teorias nas quais a condição do desenvolvimento cognitivo torna-se
categórica para a aprendizagem, desconsiderando a emoção e a
afetividade, sendo estes apontados como aspectos desvinculados da
pessoa durante a aprendizagem.
Partimos do pressuposto que para aprender é preciso considerar o
sujeito desse processo, sendo este o protagonista nesta ação. Requer,
ainda, conceber as condições históricas, culturais, sociais e subjetivas
oriundas do processo de aprender. Neste sentido, direcionamos à hipótese
que todo indivíduo só aprende quando emerge como sujeito, sendo essa
aprendizagem fruto da sua atividade criativa, na unidade simbólico-
emocional. Vigotski (2009, p.16) dizia que “a criação é condição
necessária da existência” e a depender das condições didáticas
oportunizadas pode favorecer essa condição.

131O presente texto apresenta os resultados obtidos na produção da tese de


Doutorado em Educação do Programa de Pós-Graduação em Educação pela
Universidade Federal de Uberlândia, MG/2020, desenvolvida sob a orientação do
Prof. Dr. Roberto Valdés Puentes.

415
Assim, o problema da pesquisa esteve no sentido de compreender
e responder a seguinte problemática: A aprendizagem humana é sempre um ato
de produção criativa? A partir desse questionamento, derivam-se outros, na
construção e interpretação da pesquisa: A criança é sujeito de sua
aprendizagem? Só aprende o sujeito? Neste viés, a pesquisa teve como objetivo
geral investigar a produção da aprendizagem criativa da criança na
Atividade de Estudo.
Desenvolvemos a metodologia por meio de uma pesquisa de
campo de natureza didática, em um estudo de caso com alunos do
primeiro ano do ensino fundamental para conceber, implementar e avaliar
uma Atividade de Estudo, baseada no Sistema Elkonin-Davidov-
Repkin132, que considerasse a subjetividade do sujeito. Utilizamos
enquanto inspiração os princípios teóricos e metodológicos da Teoria da
Subjetividade, baseados em González Rey.
Discorreremos sobre os principais pressupostos teóricos e
metodológicos das duas teorias e apresentaremos as discussões relativas
aos indicadores gerados a partir da pesquisa de campo e de todo o estudo
teórico que nos levou as considerações da pesquisa. Dessa maneira, temos
o intuito de compreender que a aprendizagem criativa da criança acontece
somente se ela for sujeito em atividade, elaborando para si o propósito de
estudo, na unidade simbólico-emocional.

132 A opção por abordar o sistema didático utilizando os três autores, Elkonin-
Davidov-Repkin diferentemente de como se encontra no Brasil e ainda nas
produções precedentes do GEPEDI, grupo do qual fazemos parte, justifica-se pelo
fato de que “a partir da localização de uma afirmação realizada pelo próprio V.V.
Davidov, em 1997, do pensamento e da produção de V.V. Repkin e dos trabalhos de
importantes representantes da aprendizagem desenvolvimental das repúblicas ex-
soviéticas da Ucrânia e Letônia, bem como das regiões russas da Sibéria
(especialmente da cidade de Tomsk) e Samara, optou-se por nomear de sistema
Elkonin-Davidov-Repkin do modo como é feito em Riga, Kiev, Kharkov, Tomsk
etc.” (PUENTES, 2019b, p. 83-84).

416
Pressupostos teóricos e metodológicos da pesquisa

Para o estudo identificamos primeiramente a pertinência da tese


principal de Vigotsky133 sobre a Zona de Desenvolvimento Proximal e a
premissa de que é a boa Obutchénie134 que promove o desenvolvimento.
Levamos em consideração a Atividade de Estudo, no sistema Elkonin-
Davidov-Repkin fundamentada na Didática Desenvolvimental, com todas
as contribuições obtidas até o momento ao longo de 60 anos, sob
influência dos estudos de Rubinstein, Leontiev e Vigotsky. Este sistema
tem sua importância enquanto aplicação de um nível de densidade e
profundidade teórico didático, evidenciando um avanço epistemológico e
teórico. Ao mesmo tempo, possui limitações, visto que tem dificuldades
em voltar-se para o sujeito em seus aspectos emocionais, para um
desenvolvimento integral e para um sujeito que é concreto, ou seja, é
situado e singular. Por este motivo, procuramos aproximar à Teoria da
Subjetividade, por sustentar o conceito de sujeito e aprendizagem de tal
modo que ampare nossas hipóteses sobre o processo produtivo de
aprender, assegurando os aspectos simbólicos-emocionais, singulares e
gerador do sujeito.
Assim, a escolha em fundamentar teórica e metodologicamente a
pesquisa utilizando a Didática Desenvolvimental e a Teoria da
Subjetividade justifica-se pois cada qual, a seu modo, pode contribuir para
avanços teóricos na compreensão do sujeito que aprende e porque ambas

133 Em todos os momentos que Vigotsky for citado neste texto, será preservada a
grafia original da obra utilizada como referência. Por este motivo, será encontrado no
texto seu nome escrito de várias maneiras: Vigotski, Vygotsky e Vigotsky. Isso
acontece em função da regra de transliteração adotada de cada livro utilizado. Para a
referência bibliográfica, será mantida a grafia de cada edição, com o objetivo de
facilitar buscas futuras, caso o leitor deseje.
134 Obutchénie “é um tipo especial de atividade docente que contempla, ao mesmo

tempo, o trabalho ativo, colaborativo, intencional, comunicativo, motivado e


emocional, tanto do professor quantos dos alunos, portanto do ensino e da
aprendizagem, com vista ao desenvolvimento pleno das qualidades humanas dos
sujeitos. Desse modo, o objetivo da obutchénie não se esgota nem no ensino nem na
aprendizagem, em separado; nem no ensino-aprendizagem, como unidade em si; o
objetivo está na extremidade do processo, no produto que nasce como fruto dele,
aquilo que é evocado por ela: o desenvolvimento” (LONGAREZI; PUENTES,
2017, p. 12).

417
têm pressupostos conceituais em comum originando-se de uma mesma
matriz teórica, o Enfoque Histórico-Cultural. Essas teorias sustentam os
conceitos de aprendizagem, desenvolvimento e ato criativo da pessoa. Por
outro lado, interpretam de maneiras diferentes alguns postulados dos
principais representantes do enfoque e, por esse motivo, possuem
algumas divergências conceituais que serão apresentadas posteriormente.

Aprendizagem, desenvolvimento e criatividade a partir das teses


elaboradas no sistema Elkonin-Davidov-Repkin e na Teoria da
Subjetividade

O sistema Elkonin-Davidov-Repkin emergiu ao mesmo tempo


que a Didática Desenvolvimental da Atividade. Os estudos realizados por
esse sistema tiveram lugar, prioritariamente, entre as décadas de 1950 e
1980 (PUENTES, 2017) e tinham como objetivo a aprendizagem e
desenvolvimento dos aspectos cognitivos e a autotransformação do aluno.
Para esta pesquisa, utilizamos como fundamentação teórica as
diversas obras dos próprios autores que compõem o sistema, tais como:
Elkonin (2009; 2017), Davidov (DAVIDOV, 1988, 2019; DAVYDOV135,
1986, 1999, 2017; DAVIDOV; MÁRKOVA, 1987) e Repkin (2014;
2019a,b), além de livros e artigos que são produtos de pesquisas sobre o
sistema, que utilizaram das fontes primárias dos textos, escritos em russo e
de outros traduzidos para o espanhol, como Puentes (2017; 2019a,b,c),
Puentes, Amorim e Cardoso (2017), Lazaretti (2013), bem como Libâneo
e Freitas (2013).
A partir dos estudos e das teorias desenvolvidas por cada um dos
representantes desse sistema, depreendeu-se grande parte da elaboração
dos preceitos didáticos e pedagógicos do sistema Elkonin-Davidov-
Repkin na Atividade de Estudo.
Os estudos desenvolvidos por Daniil Borisovich Elkonin
contribuíram para a compreensão do desenvolvimento humano em seus
períodos e em suas características, assim, expunham que “o

135O nome de Davidov está escrito de maneira diferente (Davydov) pois está
preservada a grafia original da obra utilizada como referência. Por este motivo, será
encontrado no texto seu nome escrito de duas maneiras: Davidov e Davydov.

418
desenvolvimento humano – a criança – produz-se na base de condições
biológicas e sociais, não privilegiando uma em detrimento da outra nem as
dissociando, mas compreendendo num processo dialético entre ambas as
condições” (LAZARETTI, 2013, p. 208). Compreendia-se que o
desenvolvimento da criança perpassa por períodos psíquicos e que estes
se transformam na relação social objetiva com a realidade.
A Teoria da Atividade desenvolvida por Leontiev (2001) foi uma
das bases fundamentais para consolidar as hipóteses de Elkonin acerca da
periodização do desenvolvimento humano. Essa teoria considera que, em
cada fase da vida, existe uma atividade principal – que propulsiona o
desenvolvimento – como condutora da atividade, motivada pelo encontro
das necessidades e do objeto, em uma relação dialética. De acordo com
Leontiev (2001, p. 65), “a atividade principal é [...] a atividade cujo
desenvolvimento governa as mudanças mais importantes nos processos
psíquicos e nos traços psicológicos da personalidade da criança, em certo
estágio de seu desenvolvimento”. E o conteúdo da atividade dominante
ocorre sob a base de condições históricas concretas.
A partir dessas premissas teóricas, Elkonin (2017) definiu os tipos
de atividades principais infantis seguindo uma sequência que alterna
aspectos emocionais e cognitivos, sendo um deles, em específico,
dominante em cada fase do desenvolvimento. A transição de um estágio
do desenvolvimento ao outro é atribuída pelo autor a uma saturação da
atividade principal, assim como a fatores sociais. O processo de
aprendizagem e desenvolvimento perpassa pelas ações com objetos sob a
mediação dos adultos, em um processo de assimilação. Considera que seja
realizada a transmissão do conhecimento culturalmente adquirido pela
sociedade e coloca que “a forma fundamental é a de atuarem em conjunto
criança e adultos a fim de, paulatinamente, estes transmitirem àquelas os
modos planejados pela sociedade para utilizar objetos” (ELKONIN,
2009, p. 217). Assim, é possível verificar o ponto no qual a aprendizagem
de conceitos teóricos origina e consolida a entrada da criança na escola.
Desse momento, depreendem as premissas teóricas que vão fundamentar
o sistema Elkonin-Davidov-Repkin justificando as ações pedagógicas na
idade escolar.
Os estudos realizados por Vasily Vasilyevich Davidov
contribuíram para a consolidação do sistema didático. Ele identificou que

419
a Atividade de Estudo estava ausente nas escolas. Esse fato levou este
pesquisador, juntamente com Elkonin, seu principal mentor na psicologia,
a desenvolver programas de aprendizagem visando uma mudança no
sistema e conteúdo no nível fundamental escolar. A partir dessa
aproximação entre esses dois pesquisadores, com objetivos e fundamentos
teóricos comuns, dava-se início a criação do sistema didático Elkonin-
Davidov-Repkin. “Foi no trabalho desse laboratório que surgiu a hipótese
central explorada nas pesquisas de Davydov: as crianças pequenas podem
desenvolver o pensamento teórico por meio da assimilação de
conhecimento teórico” (LIBÂNEO; FREITAS, 2013, p. 320).
De acordo com os estudos de Davidov, as ações escolares que
envolvem a relação professor-aluno no processo de aprendizagem são
fundamentais, visto que é a partir da percepção do professor sobre a
formação do pensamento teórico-científico do aluno que ele estrutura e
organiza a Atividade de Estudo da criança para ser capaz de realizar
abstrações e generalizações conceituais e saber analisar e resolver
problemas.
Na Atividade de Estudo elaborada por Davydov (2017, p. 219), os
alunos são levados a resolver problemas que identificam a gênese do
conceito a ser estudado, “se os educandos não recebem conhecimentos já
prontos, se eles mesmos revelam as condições de sua origem”, formando
o pensamento teórico do objeto de estudo. A formação do pensamento
teórico é, para Davydov (2017), o fundamento para a atitude criativa da
pessoa em relação à realidade. Essa atitude criadora ou produtiva estaria
ligada à atividade que esteve baseada nos elementos constitutivos
estudados por Leontiev, como objeto, necessidade, motivo, finalidade,
ações, operações, condições – que podem ser identificados em todo tipo
de atividade humana. Todavia, Davidov incorpora, no final da década de
1990, um elemento nessa estrutura psicológica da atividade: o desejo,
sendo este o núcleo básico de uma necessidade. A partir desse novo
aspecto da atividade, são estabelecidas novas relações entre as
necessidades e emoções, evidenciando “as relações entre a afetividade e a
cognição e sua integração na subjetividade” (LIBÂNEO; FREITAS, 2013,
p. 331). Davydov (1999) faz uma tentativa de aproximação entre
afetividade e cognição ao colocar a função da emoção como uma

420
capacidade para cumprir certas ações, capacitando as pessoas para a
apropriação de conhecimentos.
Pode-se especificar o desejo e a necessidade, correspondendo às
emoções e a todas as outras características da atividade do pensamento. A
partir desse ponto de vista, fica claro que o aspecto mais importante na
atividade científica não é a reflexão, o pensamento e nem a tarefa, mas a
esfera das necessidades e das emoções. “As emoções são mais
importantes do que o pensamento; elas são a base para todas as diferentes
tarefas que o homem estabelece para si mesmo, inclusive as tarefas do
pensar” (DAVIDOV, 2019, p. 296).
No entanto, a emoção foi considerada como mais um elemento a
ser incorporado à estrutura psicológica da atividade, mantendo o processo
de assimilação e interiorização de conceitos ainda como referência ao
processo de ensino e aprendizagem. Puentes (2019c) explica que Davidov,
na tentativa de encontrar argumentos para as forças propulsoras das
necessidades e motivos, inclui a emoção e o desejo enquanto
componentes essenciais da Atividade de Estudo e como núcleo básico
para a necessidade e, “de acordo com ele, a questão fundamental estava
em descobrir como o desejo se transforma em necessidade natural do
sujeito” (PUENTES, 2019c, p. 66).
Para a consolidação do sistema Elkonin-Davidov-Repkin, foi de
fundamental contribuição a participação de Vladimir Vladimirovich
Repkin, enquanto um dos mais importantes líderes desse sistema. Seus
estudos concentraram-se entre memória e aprendizagem, e primeiros
experimentos didático-formativos na perspectiva da aprendizagem
desenvolvimental, os quais contribuíram significativamente para a
educação nessa perspectiva. Seu aporte no sistema didático em questão
deve-se pelo seu debruçar na elaboração de uma teoria psicológica e
didática que fundamentasse a função, estrutura, conteúdo e processo
formativo da atividade de estudo (PUENTES; AMORIM; CARDOSO,
2017).
Repkin (2014) elaborou o conceito de sujeito como sendo aquele
que se desenvolve intelectualmente, atuando na atividade. Para tanto, esse
sujeito, pressupõe a presença e implicação na atividade com o objetivo de
autotransformação. Para ele “a pessoa se desenvolve intelectualmente
apenas na medida em que ela se torna sujeito – primeiramente de

421
determinados tipos e formas de atividade e, em seguida, de agregados e
sistemas de atividades” (REPKIN, 2014, p. 88). Essa relação entre
constituição do sujeito na atividade implica numa coexistência em que o
sujeito não existe se não for na atividade, de maneira estreitamente
interligada.
Dessa maneira, o foco estaria não no pensamento teórico, mas na
organização das condições necessárias para que a criança seja o sujeito da
aprendizagem, no estabelecimento de propósitos. O importante é a
criança ter a “capacidade de formular para si próprio uma nova tarefa,
com base na necessidade de esclarecer o modo de ação aprendido
anteriormente” (PUENTES, 2019c, p. 68), estabelecendo os propósitos
de sua atividade.
Essa nova perspectiva de conceitualização do sujeito na atividade,
elaborada por Repkin, entre os anos de 1991 e 2019, traz aspectos
fundamentais para pensar a elaboração da Atividade de Estudo de tal
maneira que seja oportunizada à criança as condições para ser sujeito da
mesma, visto que atribui a ela o protagonismo na elaboração da tarefa de
estudo como preceito para que a aprendizagem aconteça (PUENTES,
2019a;b). Assim, “no processo de aprendizagem de uma tarefa só pode
agir como tal se é resolvida pelo educando” (REPKIN, 2019a, p. 348), a
partir do momento em que ele acolhe a proposta do professor, mas a
redefine para si, com os modos de ação que dispõe e estrutura sua tarefa
de estudo. A ação é colaborativa, mas a atuação da criança como fonte, é
fundamental, “se a criança não está incluída nessa atividade conjunta, não
ocorre nenhum desenvolvimento, já que a criança precisa de sua fonte
(REPKIN, 2019b, p. 373).
Os pressupostos teóricos que conceituam a aprendizagem em
Elkonin, Davidov e Repkin substanciaram os preceitos teóricos e práticos
da Atividade de Estudo desenvolvida no sistema didático por eles
constituído. Embora tivessem seus próprios estudos, experimentos e
definições teóricas, todos os três compartilharam princípios teóricos
semelhantes, trabalharam juntos e, por esse mesmo motivo, foi possível a
criação do sistema de maneira unificada.
Assim, no sistema didático Elkonin-Davidov-Repkin, a aprendizagem é a
autotransformação do aluno, o qual se torna cada vez mais professor de si
mesmo. Dessa forma, o aluno fará parte de um processo no qual ele passa

422
de uma Atividade de Estudo orientada para uma Atividade de Estudo
independente, e, por isso, se transforma e se desenvolve. A aprendizagem
tem um caráter cognitivo e de assimilação, em um processo de
interiorização, tornando individual a experiência social, além de criativa,
na medida em que o aluno, enquanto sujeito do processo, transforma-se
em personalidade, sendo esse um estado que o sujeito autorregula a
atividade que realiza.
É importante entender que a Atividade de Estudo não é uma
atividade didática vinculada ao professor, e sim um mecanismo
psicológico que se desenvolve no sujeito no período entre os 6 e 11 anos
de idade, com a colaboração do professor. Para constituir este estado
psicológico, é organizado didaticamente situações problemas, que leve à
gênese dos conceitos. A resolução de problemas acontece durante a
resolução de tarefas de estudo a ser redefinida e desenvolvida pelo aluno,
em colaboração com o professor, numa abordagem que remete aos
conceitos teóricos envolvidos. Puentes, Amorim e Cardoso (2017, p. 275)
afirmam que “na perspectiva do ensino desenvolvimental, qualquer tipo
de atividade de estudo é um processo de resolução de tarefas que se
apresenta na forma de problema de aprendizagem capaz de conduzir à
formação do pensamento teórico”. A estrutura da Atividade de Estudo
sofreu várias alterações com o sentido de constituí-la de maneira
completa, à medida que a concepção de aprendizagem, desenvolvimento e
criatividade fosse reelaborada. Basicamente, ela estruturou-se da seguinte
maneira: 1) a tarefa de estudo; 2) as ações de estudo; 3) as ações de
controle; 4) as ações de avaliação, sendo componentes dialéticos que se
entrecruzam.
No caso da Teoria da Subjetividade, esta sustenta uma concepção
da aprendizagem de maneira um pouco diferente da conceituada pelo
Sistema Elkonin-Davidov-Repkin. O estabelecimento das discussões e
definições de aprendizagem, desenvolvimento e criatividade na Teoria da
Subjetividade foi baseado nos trabalhos de: González Rey (2005, 2010,
2012, 2014a,b; 2015a,b); González Rey e Mitjáns Martinez (2017); Mitjáns
Martinez (2012), Mitjáns Martinez e González Rey (2017; 2012).
Podemos considerar que o nuclear da Teoria da Subjetividade é a
compreensão da forma que produzimos subjetivamente no mundo, e não
o mundo vivido pelas pessoas. É o entendimento sobre o modo peculiar

423
como o humano se constitui, sendo a psique conceituada enquanto seu
caráter gerador, na unidade simbólico-emocional. Por simbólico, a Teoria
da Subjetividade define “todos aqueles processos que substituem,
transformam, sintetizam, sistemas de realidades objetivas em realidades
humanas que só são inteligíveis na cultura” (GONZÁLEZ REY, 2015b
apud MITJÁNS MARTINEZ; GONZÁLEZ REY, 2017, p. 55). Os
processos simbólicos englobam os signos, os mitos, a linguagem, as
metáforas, as construções criativas, as imagens, a fantasia, a imaginação,
constituindo um patrimônio cultural, não como produções lineares, mas
como “tudo aquilo capaz de gerar processos singulares irreconhecíveis na
experiência vivida diretamente” (GONZÁLEZ REY, 2015b apud
MITJÁNS MARTINEZ; GONZÁLEZ REY, 2017, p. 55).
O simbólico constitui-se de modo inseparável com o emocional,
em uma construção única. A emoção é definida nessa teoria enquanto
“um processo de ativação somática produzida por uma experiência, que
pode ser exterior ao sujeito, corporal, psíquica” (GONZÁLEZ REY,
2005, p. 215) e que está para além de registros somáticos e fisiológicos,
pois são incorporados as práticas sociais e o desenvolvimento da cultura.
Desta maneira, a subjetividade constitui-se no plano individual e
no plano social, de forma complexa, sistêmica, dialética, dialógica, em um
ato de produção. Um plano não determina o outro, pois não há uma
relação determinista, mas se evocam e se dimensionam. “Cada indivíduo
concreto expressa processos da sociedade em que vive por meio de seus
próprios sentidos subjetivos gerados pela configuração subjetiva
individual de suas experiências de vida” (GONZÁLEZ REY; MITJÁNS
MARTINEZ, 2017, p. 81). Suas funções psicológicas vão se constituindo
na demanda, na atividade, na necessidade, e se produz na forma de
sentido e configurações subjetivas.
Este conceito de sentido subjetivo elaborado por González Rey
decorreu, em grande parte, do conceito de sentido definido por Vigotski
(2017) enquanto o conjunto de todos os aspectos psicológicos que
emergem na consciência perante a palavra, no processo de diálogo, o que
foi chamado de perezhivanie136. Para González Rey (2014a; 2005), o sentido

136Perezhivanie
é o termo russo usado por Vigotski para fazer referência ao processo
que descreve no texto intitulado O problema do ambiente na Pedologia (VIGOTSKI,

424
é algo mais complexo, referindo-se a uma produção de ideias, na unidade
simbólico-emocional, que vai além de uma produção de significado. O
sentido subjetivo desdobra-se por meio de um sistema emocional, de
produções simbólicas e de memória, que vai se atualizando e se
reconfigurando enquanto o sujeito vive a experiência. Por isso, o sentido
subjetivo não tem princípio nem fim, ele sempre se desdobra em novos
sentidos, se reelabora, a partir do que emerge no curso da experiência,
definindo o que a pessoa sente, motiva e gera nesse processo
(GONZÁLEZ REY, 2014b).
O sentido subjetivo é um atributo fundamental da configuração
subjetiva pois, por meio do fluxo de diversos sentidos subjetivos no curso
de uma experiência, se expressam os estágios subjetivos mais estáveis, e
constitui-se assim a configuração subjetiva, especificando estados
subjetivos dominantes. Essas organizações emergem na atividade e nas
relações que formam o presente, em um sistema de redes de sentidos
subjetivos.
De acordo com a Teoria da Subjetividade, na própria ação de
aprender produzem diversos sentidos subjetivos que são constituintes das
configurações subjetivas que participam deste processo, e que podem
gerar novos sentidos subjetivos. Nessa ação, são necessários não somente
o aparato cognitivo, mas “afetos e condições sociais, em especial, a
qualidade da relação com o Outro que vai mediar esse processo”
(MONTE; FORTES-LUSTOSA, 2012, p. 169). Neste processo de
aprendizagem, é necessário considerar as configurações subjetivas
individuais e sociais que são percebidas pelo indivíduo e contribuem para
novos sentidos subjetivos, transformando a percepção das informações a
partir dos recursos subjetivos que possui e de sua forma de operar. A
aprendizagem escolar deve ser vista, de maneira não determinista, mas
como parte da subjetividade social do aluno. “Na medida que possamos

2017). Algumas traduções feitas a este termo, como “experiência emocional” e


“vivência” não são totalmente adequadas. O termo perezhivanie é compreendido como
uma unidade psíquica, como um processo interno, espiritual, que é normalmente
duradouro, sendo este um estado psicológico do sujeito, que integram a lógica dos
sentimentos e das ideias (GARCEZ; PUENTES, 2017, revisores técnicos de
VIGOTSKI, L. S., 2017). Para garantir a fidedignidade da atribuição do conceito na
obra de Vigotsky, manteremos o termo escrito na língua russa.

425
avançar na compreensão da complexidade da aprendizagem, estaremos
em melhores condições para delinear estratégias educativas que a
favoreçam” (MITJÁNS MARTINEZ; GONZÁLEZ REY, 2012, p. 79).
A partir da compreensão de como o sujeito aprende, é possível
pensar melhores maneiras de contribuir enquanto organizador e
colaborador desse processo e alcançar níveis melhores de aprendizagem.
Nessa perspectiva, González Rey (2014b, p. 39) indica que o ensino
escolar seja norteado pela conversação e diálogo que norteie o aluno para
a reflexão e possa “assumir posições, processo facilitador da
emocionalidade na atividade de aprender”. Nesse processo de aprender,
no qual acontece de maneira singular, mas constituído na subjetividade
individual e social, Mitjáns Martinez e González Rey (2012) esclarecem
que os tipos de aprendizagem dependem da condição do aluno no que
tange as suas configurações subjetivas da ação do aprender assim como
sua implicação nesse processo.
Para se caracterizar uma aprendizagem como criativa, é necessário
que o sujeito personalize a informação, confronte o conhecimento e
produza ideias próprias e novas, que vão além do conhecimento
apresentado, através da imaginação e da fantasia, juntamente com a
construção intelectual pessoal, singular e dessa forma criativa.
Partindo das premissas de uma aprendizagem criativa, é possível
identificar quem é este sujeito que aprende criativamente. Dessa forma, o
sujeito é o indivíduo ativo que gera novos espaços de subjetivação e,
segundo Gonzáles Rey “é capaz de se posicionar e de se confrontar a
partir de seus projetos, pontos de vista e reflexões pessoais, sempre que
esses processos representem produções de sentido subjetivo. O sujeito
existe na tensão com o estabelecido” (GONZÁLEZ REY, 2010 apud
MITJÁNS MARTINEZ, 2012, p. 93).
É preciso considerar que a criança aprende através dos recursos
subjetivos que dispõe, de uma história, de um contexto atual e de suas
próprias experiências. Assim, aprender significa ser capaz de produzir
sentidos e configurações subjetivas sobre uma experiência vivida na
unidade dialética, que inclui experiências passadas e estados emocionais
que influenciam, mas não determinam, em um movimento recursivo. Para
estudar a aprendizagem é preciso compreender a subjetividade em sua
estreita relação com o mundo social que a criança vive e com as

426
produções simbólicas e emocionais configuradas em cada criança
concreta, de forma singular.
Estes estudos produzidos da Teoria da Subjetividade são
fundamentados pelos preceitos da Epistemologia Qualitativa. Esta é fruto
dos estudos desenvolvidos por Fernando González Rey (GONZÁLEZ
REY, 2005; 2012; 2014a,b; 2015a,b) e tem como propósito compreender
como o conhecimento do ser humano se produz. Ela é definida por três
características fundamentais: o caráter construtivo e interpretativo do
conhecimento; a legitimação do singular como instância de produção do
conhecimento científico; o ato de compreender a pesquisa nas ciências
antropossociais, como um processo de comunicação, um processo
dialógico (GONZÁLEZ REY, 2015b). Assim, a partir dessas
características, o referido autor elabora uma epistemologia que dá suporte
a uma proposta metodológica Construtivo Interpretativa, na busca de
compreensão da produção do saber, de tal forma que seja possível
pesquisar sobre a subjetividade direcionado ao campo da psicologia.
A Metodologia Construtivo Interpretativa consiste em uma
investigação na qual os participantes precisam, primeiramente, serem
motivados a participar do processo de investigação, imersos em um
cenário social. Após a criação desse cenário social, que compreende toda a
dialogicidade entre o pesquisador e os participantes da pesquisa, em uma
situação convidativa entre os envolvidos, levantando o interesse, a
curiosidade, numa trama relacional viva, é que se pode construir os
saberes que impliquem os participantes partindo das suas necessidades
(GONZALEZ REY; MITJÁNS MARTÍNEZ, 2017).
Nesta condição de cenário social da pesquisa, é possível
estabelecer uma identificação com a situação de Atividade de Estudo,
desenvolvida no sistema didático Elkonin-Davidov-Repkin, quando
caracterizam tal atividade somente quando há uma implicação conjunta,
professor e alunos no desenvolvimento da atividade, na qual congregam
as necessidades, motivos, ações de estudo, tarefas de estudo, ações de
controle e avaliação.
No entanto, conforme os preceitos da Atividade de Estudo, as
necessidades e motivos estariam relacionados especificamente ao
conteúdo da tarefa de estudo. A esse respeito, difere substancialmente do
conceito de necessidade e motivo na metodologia construtivo

427
interpretativa, a qual se baseia nos estudos desenvolvidos por L.
Bozhovich (2021). Para a autora, a atividade de estudo dos escolares incita
todo um sistema de motivos diversos. Todos esses motivos de estudo
podem ser divididos em duas grandes categorias, “os que estão
relacionados com o conteúdo do próprio processo de estudo e o processo
de seu cumprimento, e os que pertencem ao campo das relações
recíprocas entre a criança e o meio ambiente” (BOZHOVICH, 2021, p.
15).
Ao relacionar com os motivos mencionados anteriormente,
Mitjáns Martinez (2016, p. 178) “considera que ambas as categorias de
motivos são indispensáveis, não apenas para efetuar com sucesso o
processo de aprendizagem, mas também para qualquer outra atividade”.
O motivo está no próprio curso da atividade, é autogerador e, para isso, o
pesquisador precisa estar envolvido, relacionando, observando,
produzindo significados a partir dessa vivência, estabelecendo uma
dialogicidade de forma ativa entre ele e os demais membros da pesquisa.
Isto é o que torna singular essa forma de pesquisar e que promove o
envolvimento dos participantes na pesquisa.
Toda situação ou recurso utilizado que possibilite a expressão do
sujeito no contexto da relação no cenário social da pesquisa pode ser
definido como o instrumento. Porém ele não se aplica, e sim, é como uma
ferramenta de provocação, de tensão durante o diálogo. O instrumento na
pesquisa qualitativa acompanha todo o processo e utiliza da construção de
indicadores que levam às hipóteses os recursos interpretativos. O
pesquisador é o principal instrumento da pesquisa, visto que se
transforma em um criador e produtor no curso da investigação. Para
tanto, ele precisa utilizar de um sistema simultâneo de informações, com
uma diversidade de instrumentos aliados a situações espontâneas,
informais e, assim, interpretar e dar sentido à pesquisa e à construção
teórica (GONZÁLEZ REY, 2015b). O levantamento de indicadores não
é legitimado apenas com uma fala, mas em uma rede de situações que
abarcam outros contextos e que permitem ao pesquisador realizar
interpretações.
Para nossa pesquisa, realizamos a elaboração de indicadores que
sustentavam a interpretação e o levantamento de hipóteses de uma
aprendizagem criativa do sujeito, em atividade, direcionado ao campo da

428
didática. Estamos considerando esta aprendizagem enquanto ato
produtivo do sujeito, na unidade simbólico-emocional.

A pesquisa de campo e a realização da atividade de estudo

A pesquisa de campo realizada constituiu-se um estudo de caso


que permitiu construir e interpretar a aprendizagem dos participantes.
Teve uma perspectiva de olhar para um sujeito social, sem o intuito de
aprofundamento e imersão sobre cada participante individualmente. Para
a nossa pesquisa, na qual o campo está fundado na Didática
Desenvolvimental, foram realizadas duas Atividades de Estudo com base
nos princípios do sistema Elkonin-Davidov-Repkin e na consideração da
existência da produção subjetiva dos participantes. Durante toda a
pesquisa, nos inspiramos nos princípios da Metodologia Construtivo
Interpretativa, com a possibilidade de compreender em cada sujeito social,
alguns aspectos individuais possíveis, diante da complexidade de observar,
interpretar, analisar, construir e gerar inteligibilidade de um grupo total de
alunos.
A pesquisa de campo foi constituída também por momentos
diversos, acompanhando situações da rotina escolar das crianças, e que
juntos compuseram um aglomerado de informações, análises, indicadores,
hipóteses, que fizeram parte da nossa construção interpretativa do
processo de aprender.
Fizemos a opção em realizar as Atividades de Estudo direcionadas
para a aprendizagem de conceitos nucleares da matemática. Entretanto,
previamente foi realizado um estado da arte sobre pesquisas acerca desta
área curricular na perspectiva da Didática Desenvolvimental, bem como
sobre um panorama curricular da matemática nos primeiros anos do
ensino fundamental, com o intuito de compreender e fundamentar o
nuclear desta área a ser trabalhada. Amparamos nos documentos oficiais
norteadores, em didatas brasileiros e outros estudiosos da área e
identificamos que o conceito de número e os nexos conceituais abarcados
nesse conceito nuclear são considerados como os primordiais para serem
trabalhados no início desse nível de ensino. Assim, elaboramos as duas
Atividades de Estudo utilizando os nexos conceituais células, que são
fundamentais para que a criança elabore a aprendizagem do conceito de

429
número de forma processual, a partir do trabalho com os diversos
conceitos por ele envolvidos. As Atividades de Estudo elaboradas foram:
uma atividade sobre classificação e outra sobre grandezas e medidas (cf.
CARCANHOLO, 2020). Elas foram desenvolvidas com toda a sua
estrutura (situação de dificuldade; situação problema; tarefa de estudo;
ação de controle; ação de avaliação) e com alguns instrumentos que
consistem como vias de acesso à subjetividade e expressão dos
participantes, a saber: análise documental do planejamento curricular da
professora da turma; observação em sala; observação participante;
completamento de frases; sistemas conversacionais; conversas coletivas
entre as crianças e a pesquisadora, na preparação da Atividade de Estudo;
e, após a realização, conversas individuais durante a Atividade de Estudo;
registro por meio de desenhos; e registro por meio de escrita.
Todos esses instrumentos compuseram o material desenvolvido e
utilizado enquanto construção teórica para realização da análise
interpretativa do processo de aprendizagem e da produção de indicadores,
que emergiram ao longo do processo vivido.
A sala de aula participante da pesquisa de campo era composta
por quinze alunos do primeiro ano do Ensino Fundamental de uma
Escola de Educação Básica na cidade de Uberlândia. Essa quantidade de
alunos é o total de crianças existente nessa turma e todos participaram da
pesquisa. Após autorização e aceite da professora, providenciamos os
Termos de Consentimento Livre e Esclarecido assinados pelos
pais/responsáveis pelas crianças envolvidas e o termo de autorização da
direção da escola. A pesquisa teve seu parecer aprovado pelo Comitê de
Ética137. Assim, os momentos de realização da Atividade de Estudo, tanto
coletivo, como individuais, puderam ser filmados, com o intuito de
contribuir para a análise da Atividade, a partir da autorização dos
pais/responsáveis e com o compromisso de não divulgação e
identificação dos participantes, bem como da realização do descarte das
filmagens assim que a pesquisa fosse concluída.
A partir dos postulados das teorias utilizadas, a Didática
Desenvolvimental e Teoria da Subjetividade, com o foco na aprendizagem

137Número do processo: 12928919.0.0000.5152 – Plataforma Brasil, Comitê de Ética


e Pesquisa.

430
criativa, conceituamos que o sujeito é aquele que estabelece um
problema e um propósito, produzindo simbólica e emocionalmente.
Como partimos do pressuposto teórico de que a criança só está na
condição de sujeito quando está em atividade, a análise do processo de
aprendizagem só é possível de ser realizada a partir da atividade e, neste
caso, da Atividade de Estudo.
Após a realização das duas atividades, e do levantamento de
indicadores construídos ao longo de todo o processo, elaboramos a
análise com o intuito de aproximar da tese discutida. Assim, discorremos
sobre o sujeito e a aprendizagem, realizando as construções hipotéticas
que levam a responder à problemática da pesquisa, na interpretação da
aprendizagem criativa da criança enquanto sujeito da mesma.

Processo construtivo interpretativo: análise dos indicadores do


estudo de caso e construções hipotéticas

A análise dos indicadores esteve alicerçada no intuito de apontar


para a aprendizagem do sujeito enquanto um ato criativo, na unidade
simbólico-emocional, em Atividade de Estudo. Assim, em uma atividade
baseada nos preceitos do Sistema Elkonin-Davidov-Repkin, que se intitula
cognitivista, na qual só aprende o sujeito, primamos por identificar pelos
princípios da Metodologia Construtivo Interpretativa, que os alunos
aprendem em Atividade de Estudo, mas implicados pelo simbólico e
emocional, configurando produções subjetivas e criativas do processo de
aprender. Dessa forma, evidenciar também que só aprende criativamente
o sujeito em atividade.
Lembramos que os indicadores são construídos a partir da
qualidade da fala e das vivências, do que é possível de perceber,
interpretar e gerar na forma de hipóteses, com o intuito de analisar o
processo, e não o resultado. Sendo assim, a partir de uma rede de
indicadores que foram levantados ao longo da pesquisa, tencionamos
nossa interpretação para aqueles que contribuíram para compreender o
processo de aprendizagem criativa da criança na Atividade de Estudo.
Nesse sentido, elaboramos unidades essenciais da informação, a partir da
integração dos indicadores, configurando em três categorias que permitem
subsidiar elaborações mais contundentes às nossas hipóteses. Essas

431
categorias evidenciam os aspectos condicionantes da aprendizagem
considerando sua subjetividade, na unidade simbólico-emocional. Vale
lembrar que dispusemos as categorias organizadas em tópicos separados,
mas todas elas se entrelaçam em uma cadeia de relações.

A relação entre a intenção e o ato na elaboração do propósito da


Atividade de Estudo

Para a elaboração do propósito da Atividade de Estudo, de acordo


com o Sistema Elkonin-Davidov-Repkin, a criança produz a tarefa de
estudo, formula um objetivo cognitivo e planeja suas ações que
correspondam para a resolução do problema. No entanto, durante a
realização da Atividade de Estudo na pesquisa de campo, evidenciamos,
por meio da construção e interpretação dos indicadores, que a criança
produz essa ação na medida em que suas intenções se mobilizam para tal.
Entendemos a intenção a partir da definição de Madeira-Coelho
(2019, p. 96), que revela que “no senso comum, em relação aos
significados da linguagem cotidiana, ao aspecto semântico das palavras,
‘intenção’ reúne ‘propósito’ e ‘desejo’ e, assim, pode significar tanto
‘planejamento’ ou ‘plano’ quanto ‘vontade’ ou ‘desejo”. Assim, o
movimento intencional que a pessoa precisa produzir na atividade incide
em aspectos que são subjetivos, imbuídos de sentimentos, emoções, que
podem transformar em vontade ou desejo. Mitjáns Martínez e Gonzalez
Rey (2017) afirmavam que nunca uma ação intencional tem um sentido
único ou pode ser pensada com ações que produzem resultados diretos
somente pela intencionalidade que as particulariza, ou seja, por trás de
uma intenção existem produções subjetivas que impulsionam esses
desejos e atitudes.
Para haver intenção é preciso também implicação, atitude, volição,
confiança, visto que a intenção é produzida pela pessoa, pelo sujeito
enquanto fonte, ainda que tenham situações externas motivadoras e
instigadoras. “A intenção é um complexo ato da conduta, indireto por sua
natureza interna, que incita o indivíduo a obtenção de um fim desprovido
de sua própria força estimulante” (BOZHOVICH, 2021, p. 25). Assim,
embora a professora na pesquisa de campo desenvolvesse estratégias
variadas para a motivação e envolvimento dos alunos, se essas não

432
mobilizassem a intenção, o desejo, a vontade por parte deles para àquela
ação, o trabalho acontecia em vão. “O indivíduo, movido por uma
intenção, pode atuar arbitrariamente, orientando sua conduta ou sua
atividade para a obtenção do propósito almejado” (BOZHOVICH, 2021,
p. 25).
No primeiro momento individual da Atividade de Estudo sobre
classificação, notamos que a intenção inicial para a realização da atividade
era da pesquisadora, a qual havia organizado didaticamente aquela
proposta. No entanto, cada criança, ao se deparar com a situação a ela
proporcionada, desde a história que foi contada até os objetos dispostos a
serem classificados, precisou produzir uma intenção para que a atividade
fosse resolvida. Essa teve origem em fontes diversas. Podemos dividir as
crianças em três grupos distintos relacionados à produção da intenção
naquele momento: 1) demonstrou prontamente uma intenção de resolução para
aquela situação; 2) precisou da colaboração da pesquisadora, com uma conversa inicial
para estimular e manifestar sua intenção e 3) precisou de colaboração da pesquisadora
com uma conversa mais elaborada, de tal modo que sentisse confiante para se expressar.
A partir desses três grupos, identificamos uma relação existente do
primeiro grupo com a elaboração do propósito para a Atividade de
Estudo. As crianças desse grupo caminharam de maneira mais autônoma
e com uma produção mais criativa na elaboração dos critérios
estabelecidos para os agrupamentos. Muniz e Mitjáns Martínez (2019, p.
66) explicam que “a intencionalidade é a marca do caráter ativo do
aprendiz”. A curiosidade, o desejo em ajudar a personagem da história138 e
até mesmo cumprir seu papel social em ser um bom aluno são exemplos de
motivação produzida pela criança para demonstrar a sua intenção em
resolver aquela situação de dificuldade estabelecida na pesquisa de campo.
Todavia, o que mais predominou foi a afetividade, que envolvia a ajuda
que dariam à personagem da história. Isso pôde ser evidenciado com as
respostas que obtivemos ao perguntar às crianças sobre o porquê estarem
ali diante daqueles objetos.

138 Para a realização da Atividade de Estudo sobre os agrupamentos, iniciamos com a


leitura de uma história. Esta pode ser encontrada nas referências, em: Andrade, T. G.
(2000).

433
Após o estabelecimento da intenção é que se torna possível o
estabelecimento do propósito, criando os critérios para a resolução da
tarefa de estudo. Existem outras questões que envolvem a elaboração do
propósito, como suas produções subjetivas relacionadas ao desafio, como
lidar com o novo, suas experiências anteriores, a relação que estabelece
com o faz de conta... e que contribuem para a criança elaborar a tarefa de
estudo necessária para a situação proposta.
No caso das crianças Laura139 e Natália, que se colocavam
passivas nas propostas pedagógicas, respondendo “Não sei” em muitas
perguntas, dificilmente produziam intenção para resolução de situações
problemas. Assim, nesses casos, era preciso estimular ações de
empoderamento pessoal durante os diálogos, a ponto de favorecer novas
configurações subjetivas, que contribuíssem para ser o sujeito de sua
aprendizagem, na tentativa de estabelecer uma relação entre intenção e
ato.
As produções subjetivas não são estáticas, dado que podem ser
modificadas durante todo o processo de desenvolvimento da pessoa e
contribuem para a elaboração do propósito. “Assim, as dificuldades que o
aluno encontra, os resultados que percebe e obtém, as descobertas que
faz, a percepção de contradições, as ideias que produz, ou seja, tudo o que
caracteriza o processo está acompanhado de sentidos subjetivos diversos e
móbeis” (MITJÁNS MARTÍNEZ, 2012, p. 97).
Assim, a partir do momento que o indivíduo passa a se interessar
e implicar na atividade, o caminho para a constituição da relação intenção
e ato, e elaboração do propósito, fica mais evidente. A partir de então, de
acordo com as palavras de Repkin e Repkina (2019, p.40), “ao serem as
ações motivadas pelos interesses do sujeito, esses interesses passam a ser
necessários e adquirem um profundo significado pessoal, tornando-se o
núcleo, o germe das habilidades e necessidades futuras”. Com essa
interpretação, identificamos que o que leva ao ato em si é sua intenção,
seu propósito, mas, abarcado de suas produções subjetivas. O “‘ato’
desdobra-se como ‘evento’ ou ‘acontecimento’, mas também em

139Todas as crianças participantes da pesquisa tiveram seus nomes modificados, para


resguardar a sua identidade.

434
‘posicionamento’ ou ‘atitude’, ou ainda em ‘ação’ ou ‘realização’”
(MADEIRA-COELHO, 2019, p. 96).
Na primeira Atividade de Estudo, observa-se que quanto mais a
criança estivesse como sujeito na ação mental requerida, na qual a
intenção e o ato voltavam-se para o propósito da atividade, mais era
possível de identificar uma aprendizagem em um nível criativo avançado.
Assim, no caso de Ana, Gustavo, George, Heloísa, Jamile, Marcia e
Mônica que tinham um movimento emocional positivo, de entusiasmo,
confiança e curiosidade, promoviam prontamente uma implicação pela
proposta da Atividade de Estudo, o que permitia a produção, de maneira
mais criativa, para a realização de agrupamentos e, ainda, na atividade
prática, a elaboração de mais possibilidades de grupos, classificando-os.
Embora seja fundamental a organização didática do professor na
elaboração de um planejamento para a aprendizagem de conceitos
teóricos conforme a organização curricular e como dispõe a Atividade de
Estudo, e, ainda, a ponto de contribuir com as crianças para o movimento
da participação, implicação e resolução das situações problemas, isso só
irá acontecer se, de fato, a pessoa motivar a si mesma, produzindo suas
próprias intenções, o que inclui suas vontades, desejos e necessidades.
Lembramos que a intenção e o ato são processos complexos que reúnem
e “caracteriza(m) processos humanos singulares” (MADEIRA-COELHO,
2019, p. 96).
Ainda sobre essa questão, a aprendizagem do aluno na Atividade
de Estudo vai depender de sua compreensão sobre os modos de ação a
serem estabelecidos por ele, dessa forma, entende-se que “é esse o
objetivo que determina a posição do aluno no processo da AD140 como a
posição do sujeito que define novas tarefas de estudo para si mesmo. De
fato, é impossível definir uma tarefa de forma externa” (REPKIN;
REPKINA, 2019, p. 51). A tarefa de estudo é sempre estabelecida pela
própria pessoa, e o professor colabora de diversas maneiras, pelas
organizações didáticas, pelas perguntas instigadoras, por uma situação de
dificuldade estabelecida a partir da Zona de Desenvolvimento Proximal,
observando e interpretando as produções subjetivas desse aluno e o

140 AD – refere-se a Aprendizagem Desenvolvimental.

435
considerando enquanto sujeito de sua aprendizagem na atividade
produzida na Obutchénie.
A partir dessas afirmações, reforçamos nossa hipótese de que a
elaboração de um propósito para a resolução de uma situação problema
na tarefa de estudo requer que reconheçamos a produção subjetiva da
pessoa, sua intenção, os aspectos da unidade simbólico-emocional e o seu
protagonismo, enfim, o sujeito enquanto fonte. Mais sobre essa questão
será tratado na próxima categoria.

O indicativo da unidade simbólico-emocional na Atividade de


Estudo

Durante a Atividade de Estudo, percebemos que o que move o


indivíduo a ser sujeito da atividade é o estabelecimento por si de um
propósito. Indicamos, enquanto propósito, a elaboração da tarefa de
estudo, juntamente com as ações que levam ao cumprimento dos
objetivos por meio de necessidades e motivos que lhe são próprios. Nesse
sentido, o estabelecimento de um propósito carrega a função primordial
da condição da pessoa enquanto sujeito da atividade. Ao mesmo tempo,
as necessidades e motivos inerentes nesse processo são sustentados por
produções subjetivas do sujeito, nas quais a afetividade, a emoção, os
processos cognitivos, a memória, enfim, o simbólico e o emocional
encontram-se em unidade e condicionam a elaboração do propósito.
Para tanto, aproximar-se dessas premissas requer que
consideremos que esse sujeito é concreto, singular, simbólico e emocional,
constituído individual e socialmente, em um movimento recursivo e
dialético. Assim, na Atividade de Estudo, reconhecer a existência geradora
do estabelecimento de um propósito é muito mais do que incluir mais
uma etapa na sua estrutura. É assumir a existência subjetiva na produção
da atividade pelo sujeito.
Nesse viés, as etapas da Atividade de Estudo, estabelecidas em sua
elaboração, tais como: tarefa de estudo, ações de estudo, ações de controle
e de avaliação, precisam reconhecer que o propósito se torna parte
fundante do caminho que o indivíduo precisa percorrer. Para formular
uma tarefa, é necessário que o sentido pessoal condicione o acolhimento
da situação de dificuldade, a elaboração da situação problema e da

436
situação de estudo, para que a tarefa de estudo, enfim, possa ser
estabelecida pelo sujeito. Asbahr (2019, p. 202) alertava que “quando a
atividade de estudo não tem um sentido real, conectado aos motivos do
próprio sujeito, a atividade torna-se formal, meramente reprodutiva”. E,
ainda, requer assumir que essas produções acontecem se houver
motivações, intenções, implicações, desejos e pensamentos em unidade,
para que, diante de uma nova situação de dificuldade, os modos de ação
necessários sejam produzidos pelo sujeito. Nessa perspectiva, entende-se
que para o indivíduo desenvolver como sujeito na atividade “depende dos
motivos que estimulam o aluno a aprender e dar um sentido pessoal ao
que ele faz. Portanto, esses motivos são ao mesmo tempo componentes
integrais da atividade de estudo, assim como seu conteúdo e estrutura”
(REPKIN; REPKINA, 2019, p. 58). Esse sentido pessoal evidencia o
quanto a emoção e o singular do sujeito precisam ser considerados.
Assim, a Atividade de Estudo é construída subjetivamente por
cada criança. Durante os diálogos, percebemos que diversos conceitos
tratados se fizeram presentes de forma subjetiva, pois eram retratados nas
suas experiências compartilhadas, nas falas, nas manifestações de
sentimentos e emoções, e se constituíam durante o processo. Embora a
produção subjetiva não se expresse por uma via direta, foi possível realizar
algumas construções teóricas hipotéticas durante os diálogos que nos
remetem à aprendizagem na Teoria da Subjetividade, que envolve um
processo de produção subjetiva que se expressa em um nível simbólico-
emocional (MITJÁNS MARTÍNEZ; GONZALEZ REY, 2017).
Mesmo que, durante os diálogos, direcionássemos para a
provocação de uma situação de dificuldade aparentemente cognitiva e,
assim, as crianças elaborassem a tarefa de estudo, suas falas representavam
a necessidade da expressão da emoção, do pensamento, da fantasia, da
memória, enfim, da unidade simbólico-emocional. Interpretamos que as
produções subjetivas favorecem nos aprofundamentos dos diálogos,
constituindo situações que ajudam a criança sair de sua zona de conforto e
configurarem novas formas de pensamento, mesmo que não contribuam
primeiramente de forma direta para a resolução da tarefa de estudo. Ao
mesmo tempo, a emergência do sujeito nessas vivências dialogadas ocorre
por sua implicação subjetiva na atividade, embasadas pelas experiências
individuais do estudante, numa relação entre passado e futuro compondo

437
suas produções subjetivas atuais. Essas permeiam a possibilidade de a
pessoa se constituir enquanto sujeito em uma atividade.
Para classificar os objetos na Atividade de Estudo proposta, a
criança requer o envolvimento com sua experiência, seus conhecimentos e
sua história, imbuídos dos seus sentidos subjetivos. Essas experiências
vividas pela criança são a base para a organização de configurações
subjetivas, de maneira dinâmica, concreta, singular, histórica e social,
retratando a existência da unidade simbólico-emocional na ação da criança
em atividade. Um exemplo disso foi a escolha dos critérios para a
classificação, pelo fato de que as crianças sempre iniciavam esse processo
a partir do nível de preferência e/ou de conhecimentos/experiências em
relação aos objetos a serem agrupados. Deixavam por último os objetos
desconhecidos, ou que não gostavam tanto.
Vigotski (2017) apontava para uma nova maneira de entender os
processos vividos, entendia-os como experiências que o indivíduo produz
a partir de seu nível de desenvolvimento e da forma como relacionava
afetivamente com as influências do meio, o qual ele denominou de
perezhivanie. Mitjáns Martínez e González Rey (2017, p. 34) afirmam que a
perezhivanie é “a forma com que o indivíduo subjetiviza a influência
externa com a qual entra em contato, processo complexo que pode ser
mais bem entendido mediante o uso das categorias sentido subjetivo e
configuração subjetiva da ação”, assim, contribui-se para a compreensão
do desenvolvimento da subjetividade do indivíduo.
Na atividade de grandezas e medidas, as experiências anteriores
das crianças, de forma geral, também fundamentaram suas falas, pois
procuravam remeter às vivências para, a partir delas, levantar hipóteses.
Assim, confirmamos o indicador sobre a importância de remeter às
experiências anteriores como base para a construção de novos
conhecimentos, visto que suas experiências contém os sentidos subjetivos
capazes de reelaborá-los a cada nova situação vivenciada, que, no caso da
escola, é a Atividade de Estudo desenvolvida. Quando nos remetemos a
essas vivências, estão atrelados a unidade simbólico-emocional, imersos de
memória, emoção e afeto.

438
A existência mútua: sujeito e atividade

As duas teorias utilizadas enquanto fundamentação – a Didática


Desenvolvimental e a Teoria da Subjetividade – possuem pontos de
convergência sobre o conceito de sujeito, ainda que não seja em sua
totalidade. Por outro lado, a diferença crucial entre os pontos ocorre pelo
fato de o sistema Elkonin-Davidov-Repkin, proveniente da Didática
Desenvolvimental, definir o sujeito sem reconhecer adequadamente os
aspectos emocionais constituintes na gênese de sua formação, indicando
que a produção cognitiva aconteça de forma independente. Também
concebem o sujeito enquanto abstrato, e esse ponto é o que diferencia
substancialmente da definição de sujeito definida na Teoria da
Subjetividade. Nessa, o sujeito é concreto, singular, social e cultural, sua
aprendizagem acontece enquanto uma produção subjetiva, que é
simbólica e emocional, e na tensão com a atividade. Para Chaves (2019),
definir os princípios organizadores do conhecimento e a compreensão de
sujeito enquanto aquele que gera e produz sentido é fundamental para
romper com as fronteiras existentes entre cognitivo e afetivo, simbólico e
emocional.
No entanto, neste momento, nos direcionaremos aos pontos de
convergência dessas teorias. Os consensos encontrados a respeito do
conceito de sujeito nas duas teorias foram:
• O sujeito é o foco dos estudos;
• A autotransformação do sujeito é a fonte para seu desenvolvimento;
• A boa aprendizagem é aquela que provoca o desenvolvimento do sujeito;
• É preciso ocorrer a emergência do sujeito para transformar a realidade e a si
mesmo;
• A emergência do sujeito acontece na sua Zona de Desenvolvimento Proximal;
• Todo processo é social e colaborativo;
• A condição de sujeito só é possível em atividade.

Dentre todos esses aspectos, a maneira de conceber a existência


mútua do sujeito e da atividade é a que contribui para sustentar
teoricamente e dar suporte ao indicador de que só aprende aquele que
emerge como sujeito na atividade. A condição de existência do sujeito e

439
atividade ocorre no estabelecimento dessa relação, sem um sobrepor ao
outro, mas de maneira recíproca, mutuamente, constituir sujeito e
atividade. “O sujeito, sendo o que produz sentidos subjetivos, o faz
porque vive esse processo dialético e complexo da experiência que realiza
nas relações que estabelece com os outros, com a natureza, e consigo
mesmo” (CHAVES, 2019, p. 230). O sujeito existe nessa condição
dialética e complexa, nesse processo.
Assim, nas duas Atividades de Estudo realizadas na pesquisa de
campo, evidenciamos que esta condição e existência recíproca de sujeito e
atividade torna-se fundamental para a ocorrência da aprendizagem
criativa. Portanto, a criança precisa ser sujeito na atividade. Essa condição
foi alertada por Repkin e Repkina (2019) com o intuito de considerar a
importância do sujeito para além do desenvolvimento de ações e
operações, sendo ele a condição para a existência da atividade e da
aprendizagem. Os autores explicam que o principal objetivo do sistema é
preparar “o desenvolvimento dos alunos como sujeito da aprendizagem
desenvolvimental, que precisam pensar par resolver seus problemas”
(REPKIN; REPKINA, 2019, p. 35).
Uma evidência dessa relação foi analisada na Atividade de Estudo
sobre agrupamentos. A nossa relação de forma dialógica com a criança era
constante, visto que era uma forma de interpretar o que estavam
pensando e, ainda, de maneira colaborativa, provocar na criança situações
de dificuldades que a levasse a elaborar a situação problema. No entanto,
cada criança reagia de uma maneira própria a cada comentário realizado,
estabelecendo ou não o propósito da atividade. E, ainda, a criança,
enquanto não estivesse no lugar de sujeito da atividade, não estabelecia o
propósito. Para Repkin (2019b, p. 377) o sujeito é “fonte de atividade, é o
modo de sua existência e, em nenhuma outra forma, exceto na atividade,
ele existe”. Isso ficou muito evidente após o momento da primeira
atividade mental, que coletivamente comentamos alguns agrupamentos
que foram realizados. Ao iniciar a atividade prática, em seguida, na qual
poderiam aproveitar para repetir a ideia de agrupamento feito por outro
colega, isso não ocorreu. É a própria criança que precisa estabelecer o
propósito, pois “onde o homem cria, ali ele é sujeito” (REPKIN, 2019b,
p. 377). Ouvir e reproduzir não produz, portanto, não é suficiente para
aprender, se, de fato não foi produzido pela própria pessoa.

440
Considerar a necessidade da emergência do sujeito para que a
atividade seja estabelecida é fundamental para compreender sua condição
nesse processo de produção da aprendizagem. Muniz e Mitjáns Martínez
(2019, p. 35) alertam que “a condição de sujeito não é inata, mas uma
produção que geramos pela posição assumida perante as situações que
enfrentamos, perante posições que de alguma forma ‘subvertem’ o que
está posto”. Diante de uma proposta elaborada pelo
professor/pesquisador qualificada pela situação de dificuldade, a
subversão é a geração de novos modos de ação elaborada pelo sujeito, que
acolhe e percebe a situação de dificuldade, e, transforma em problema.
Assim, aquilo que sabia para resolver uma determinada situação, não é
mais possível nesse momento e precisa produzir uma tarefa de estudo,
com propósito e modo de ação.
No entanto, Repkin (2019b, p. 381) já alertava ao fato de que “é
muito difícil definir as características da atividade que parte da criança
como sujeito e daquela que começa a partir do exterior, do professor”,
que tem o papel de colaborador. Isto decorre porque a implicação da
criança envolve os aspectos que são subjetivos, que provocam desejos,
vontades, sentimentos de segurança para lidar com o novo, imaginação,
lógica e que não têm como ser impostos e nem interiorizados.
Interpretamos que uma das crianças, George, produziu a
Atividade de Estudo sobre agrupamentos desde o início de sua
participação, como sujeito da atividade. Sua implicação enquanto sujeito,
produzindo a atividade, gerou a possibilidade de criar, atrelada a sua
imaginação e fantasia. “A imaginação (como criação e produção) é a
qualidade que sinaliza a presença do subjetivo em todas as funções e
atividades humanas” (GONZÁLEZ REY, 2014a, p. 46). Ao comparar os
tipos de agrupamentos realizados com todos os envolvidos na pesquisa,
essa criança foi a que realizou os grupos mais variados, transcendendo às
possibilidades de classificação apenas por meio das características
físicas/externas dos objetos.
Na Atividade de Estudo realizada sobre os agrupamentos com
outra criança, a Jamile, reafirmou a necessidade da brincadeira,
envolvendo a imaginação e a fantasia como ação primordial para que a
criança estivesse enquanto sujeito e elaborasse a atividade. Sua relação
com o jogo simbólico, ou seja, a fantasia, a brincadeira de faz de conta,

441
fundamentou os critérios estabelecidos para a maioria de seus
agrupamentos. Toda a sua participação na Atividade de Estudo,
qualificada pela existência sujeito e atividade, esteve alicerçada em uma
situação na qual o jogo simbólico estivesse presente.
Isso nos possibilitou compreender que essa criança estava
vivenciando o caminho transitório entre o jogo e a Atividade de Estudo,
conforme estudos apresentados por Elkonin (2009). Nesse viés, Puentes
(2019c, p. 62), baseado nos estudos de Davidov, revela que “a brincadeira
estimula a formação dos interesses cognitivos e o acesso à escola favorece
o cumprimento da Atividade de Estudo, a qual oferece um rico material
para satisfazer os interesses cognoscitivos das crianças”.
A condição para que Jamile estivesse em Atividade de Estudo e,
dessa forma, fosse sujeito dela, foi pela utilização da fantasia, do faz de
conta, da imaginação, oportunizados pelo jogo simbólico. Repkin (2019b,
p. 393) nos alertava para a questão ao indagar: “Que tipo de atividade
pode contribuir para o surgimento da Atividade de Estudo? A essência da
Atividade de Estudo é a atividade da brincadeira, a qual gradualmente se
torna estudo”.
Esse exemplo revela que o jogo simbólico ainda está muito
presente na organização do pensamento da criança e, muitas das vezes,
enquanto atividade principal que mobiliza sua aprendizagem e seu
desenvolvimento. Elkonin (2009, p. 406) explica que “nenhuma outra
atividade se entra com tanta carga emocional na vida dos adultos, nem
sobressaem tanto as funções sociais e o sentido da atividade das pessoas
quanto no jogo”. Essa presença do lúdico e do faz de conta provocou
uma reflexão sobre como essas crianças, imersas no primeiro ano do
ensino fundamental, ainda requerem atividades que permitam a transição
entre a atividade do jogo e do estudo.
Assim, entendemos que, na atividade em que a brincadeira se faz
presente, para o nível de ensino do qual trata-se a pesquisa de campo,
torna-se um elo de ligação na constituição da criança enquanto sujeito da
atividade proposta e por ela produzida. Lembramos que “a condição de
sujeito emerge mediante uma implicação subjetiva, um posicionamento
ativo, reflexivo e essencialmente próprio perante o contexto em que a
criança está inserida” (MUNIZ; MITJÁNS MARTÍNEZ, 2019, p. 35).

442
Dessa mesma maneira ocorreu na Atividade de Estudo sobre
grandezas e medidas, na qual com a utilização do jogo simbólico, com o
uso da fantasia e da imaginação, as crianças manifestaram-se mais
implicadas na situação e estiveram presentes para a elaboração da tarefa de
estudo e sua resolução. “A fantasia organizada através da imaginação
é um processo gerador não apenas de imagens, mas de modelos que nos
permitem uma representação do mundo e dos outros” (GONZÁLEZ
REY, 2014a, p. 40, grifos do autor). Compreendemos que essa relação de
existência mútua de sujeito e atividade contribui para entender que
somente aprende aquele indivíduo que se torna sujeito.

Considerações Finais

Aproximar duas teorias, a Didática Desenvolvimental e a Teoria


da Subjetividade, conferiu a esta pesquisa um grande desafio, mas ao
mesmo tempo, uma perspectiva de compreender a aprendizagem do
sujeito com o intuito de avançar teoricamente e contribuir para futuras
propostas didáticas e interpretação do processo produtivo de aprender.
Ao considerar a trajetória da investigação realizada, desde as primeiras
hipóteses construídas, a revisão de literatura e a elaboração dinâmica do
problema a ser investigado, construímos interpretações relevantes acerca
do que nos propusemos analisar e compreender: a aprendizagem. Assim,
os diversos aspectos que fizeram parte do que foi estudado, vivenciado,
observado, interpretado e construído durante a pesquisa contribuiu para
compartilhar a tese que construímos.
Ainda que, quando se olha para Atividade de Estudo enquanto
um processo de interiorização cognitiva, deparamo-nos com a produção
do sujeito, na condição da unidade simbólico-emocional. Para esta
afirmação, nos amparamos que a aprendizagem humana necessita da
relação intrínseca e de coexistência entre atividade e sujeito. Só aprende o
sujeito. E, ainda, evidenciamos que a aprendizagem criativa só acontece
quando este sujeito elabora o propósito da Atividade de Estudo,
subvertendo as condições que a situação de dificuldade lhe oferece,
identificando as contradições existentes, produzindo uma situação
problema e novos modos de ação que conduzem à sua resolução.

443
Reforçamos que este estudo também traz apontamentos diante
das definições de sujeito, aprendizagem, desenvolvimento e ato criativo.
Mas, nos leva recursivamente a atribuir a esses conceitos novas
perspectivas: o sujeito enquanto fonte, produtor de sua aprendizagem
criativa, em uma atividade subjetivamente produzida, numa perspectiva de
autotransformação e desenvolvimento próprio. Sendo assim, apontar as
críticas, reconhecimentos e congruências das obras da Didática
Desenvolvimental e da Teoria da Subjetividade revelam na abertura para
novas perspectivas, diálogos e reflexões na expectativa de avanços
teóricos e práticos. É, ao mesmo tempo, reconhecer que nos processos
didáticos estão imersas as pessoas: crianças e professores; que possuem
histórias, sentimentos, desejos, emoções e pensamentos, unidos em um
processo de aprendizagem e desenvolvimento. É compreender que
precisamos sempre do outro, que a aprendizagem acontece na relação, na
troca, no diálogo, nutridos pelos aspectos constituintes da subjetividade
individual e social.
Ao refletir sobre o percurso trilhado, desde os conceitos
discutidos e reelaborados no presente estudo, até as construções de
indicadores da interpretação da aprendizagem da criança na pesquisa de
campo, destacamos a necessidade constante da (re)elaboração de novos
princípios didáticos aos estudos realizados sobre a Didática
Desenvolvimental, de tal forma que considerem a subjetividade e a
unidade simbólico-emocional no processo de produtivo e criativo de
aprender da criança.

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450
Capítulo 14

Por uma Didática Desenvolvimental da Subjetividade no


ensino de Música na escola
Lucielle Farias Arantes

Introdução

O presente trabalho, situado no campo da Didática, refere-se à


pesquisa de Doutorado desenvolvida no Programa de Pós-Graduação em
Educação – Doutorado (PPGED-FACED/UFU)141, que teve como
objetivo geral implementar uma proposta didática ao ensino de Música na
escola favorecedora do desenvolvimento integral de estudantes
considerados em seu potencial ativo e gerador de realidades subjetivas.
Como objetivos específicos foram definidos: estabelecer princípios
didáticos baseados na combinação de prerrogativas da Teoria do Ensino
Desenvolvimental, sistematizada e implementada por psicólogos e didatas
soviéticos, e da Teoria da Subjetividade, desenvolvida pelo psicólogo
cubano F. González Rey (1949-2019) – ambas aportadas na tradição
Histórico-Cultural; construir um olhar sobre expressões de sentidos
subjetivos envolvidos em processos de ensino-aprendizagem musicais de
alunos do ensino fundamental do Colégio de Aplicação Escola de
Educação Básica da UFU (CAp Eseba/UFU) e desenvolver estratégias
didáticas para aulas de Música comprometidas com a produção de
sentidos subjetivos. O trabalho pedagógico-musical, realizado em
ambiente coletivo e dialógico sobre a base metodológica construtivo-
interpretativa, propiciou a constituição de uma compreensão inicial dos
alunos sobre os meios expressivos musicais inter-relacionados e o
desenvolvimento de habilidades em processos nutridos de expressões
simbólico-emocionais.

141 Orientação pelo Prof. Dr. Roberto Valdés Puentes, entre os anos de 2014 e 2018.

451
A ideia de uma didática que fosse capaz de abarcar as
contribuições dos pensadores soviéticos ao conceberem o ensino voltado
ao desenvolvimento, e, concomitantemente, considerasse o sujeito do
processo de aprendizagem como ativo e gerador, conforme teorizado por
González Rey, já perfazia seu desenvolvimento por iniciativa do Prof. Dr.
Roberto Valdés Puentes em seus estudos e pesquisas vinculados à
produção do Grupo de Estudos e Pesquisas em Didática e
Desenvolvimento Profissional Docente (GEPEDI), na Faculdade de
Educação da Universidade Federal de Uberlândia (FACED/UFU). Este
trabalho representa, assim, um esforço na direção de sistematizar
princípios dessa concepção didática ainda em elaboração por meio da
produção de conhecimento didático-musical.
Apesar de a Educação Musical consistir em um território
delimitado da produção de conhecimento, no intento de iluminar o seu
objeto, mobiliza saberes gestados em distintas áreas. É nesse sentido que a
interlocução com as elaborações decorrentes da Teoria Histórico-Cultural
é vislumbrada. Para tanto, os princípios teóricos e metodológicos são
resinificados no contexto da pesquisa dadas às especificidades do campo
artístico, não sendo possível nem desejável seu traslado literal de uma área
à outra, constituindo-se em dogma. A relevância de sua adoção está em
possibilitar a abertura do conhecimento e da prática pedagógico-musical a
“novas zonas de inteligibilidade”, conforme expressão de González Rey
(2012b), subsidiando uma proposta de aplicação didática que fomente a
potencialização do desenvolvimento integral dos sujeitos e contribua à sua
emancipação, finalidade última da Educação e da pesquisa educacional.

Breves considerações sobre música na escola

A música, como expressão humana, tem sua acentuada relevância


em diferentes períodos históricos e cenários, sendo, por vezes, voltada à
educação dos indivíduos. Na Grécia antiga, pensadores como Platão e
Aristóteles relacionavam seus efeitos à vontade humana e, assim, ao
caráter e à conduta das pessoas. Mediante o pensamento e proposição de
Platão, a música foi instituída como componente de um sistema público
de educação que, ao lado da ginástica, formaria seres humanos
disciplinados espiritual e corporalmente (GROUT; PALISCA, 1994). Na

452
contemporaneidade, o ensino musical com seus objetivos, conteúdos e
metodologias, está diretamente relacionado às concepções sobre música e
às suas finalidades, concepções essas suscetíveis a descontinuidades e
mudanças.
No Brasil, a associação da música à educação pode ser observada
desde o período colonial pelas ações dos jesuítas, tanto no processo de
catequização dos indígenas, quanto na instrumentalização do ensino aos
filhos de colonos. Propostas e ações oficiais pontualmente voltadas ao
ensino musical escolar são localizadas desde o Império, mas foi devido à
implementação do canto orfeônico – projeto do maestro Heitor Villa
Lobos – que o ensino de Música na escola, a partir dos anos 1930, ganhou
maior amplitude e efetividade no país, encontrando solo fértil em um
contexto de otimismo pedagógico, em que eram difundidos os ideais da
Escola Nova. O ensino de canto orfeônico perdurou até a década de
1960, quando, já em decadência, deixou de contar com a existência de
seus termos na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) de
nº 4.024/1961, onde ganhou lugar o termo genérico “iniciação artística”,
com referência às atividades complementares a serem ofertadas na escola.
A partir de 1971, com a LDB 5.692, entrou em cena a “Educação
Artística”, ocasionando inúmeras implicações ao ensino musical. Isso, por
implementar a chamada “polivalência” ao ensino de Arte, com o
componente curricular sendo ministrado por um único professor frente a
modalidades artísticas distintas. Se, em tal contexto histórico, de
progressiva expansão da rede pública e das oportunidades físicas de
acesso à escola, a LDB de 1971 contribuiu para o envolvimento de um
número maior de pessoas com a arte, a perspectiva de um único docente
ministrar todas as modalidades artísticas em um enfoque polivalente
acabou por ocasionar a predominância do ensino escolar voltado a uma
ou outra modalidade, já que não era possível aos professores
aprofundarem seus conhecimentos e competências em cada uma delas.
Com isso, a presença da música no meio escolar foi se limitando cada vez
mais a uma posição periférica, pouco significativa como área de
conhecimento.
Ermelinda Paz (2000) observa que durante a vigência da LDB de
1971, quando da configuração da Educação Artística em caráter
polivalente, “tudo era criatividade”, como que seguindo a um “modismo”

453
sem propósito que acabava por encobrir a fragilidade da formação dos
professores. O próprio Parecer 540 (BRASIL, 1977, p. 26) reforçava a
superficialidade das práticas pedagógicas ao definir o objetivo da
Educação Artística associado ao lazer. Concomitantemente, o período que
se seguiu à referida Lei foi também de presença da visão tecnicista, em
que os professores lançavam mão de atividades preestabelecidas em livros
didáticos, que, muitas vezes, fragmentavam a experiência artística e
instituíam conteúdos descontextualizados em relação às referências
culturais dos alunos. O panorama do ensino musical nas escolas de
educação básica torna-se, de fato, passível a modificações com a alteração
do artigo 26 da LDB de 1996 (Lei nº 9.394/1996), estabelecendo a Música
como “conteúdo obrigatório, mas não exclusivo” (BRASIL, 2008). Para
Maura Penna (2010, p. 141), a Lei fortaleceu conquistas de professores de
Música que lutavam por espaço nas escolas, abrindo-se múltiplas
possibilidades para a área de Educação Musical.
O histórico da música nas escolas brasileiras (QUEIROZ, 2012;
PENNA, 2010) evidencia que ela nunca esteve ausente de processos
formativos nem tampouco das instituições de ensino, sendo alvo de
diferentes abordagens e cumprindo a distintas funções, em consonância
com as tendências pedagógicas vigentes em cada época. E no tempo
presente, qual seria o papel do ensino musical na escola e os
procedimentos didáticos adequados? A resposta à questão pode ser ampla
e multifacetada, contudo, parto do pressuposto de que o ensino musical
deve coadunar para a consolidação do papel mais amplo da própria escola,
como espaço de aprendizagem e formação dos sujeitos situados social e
historicamente, tendo em vista o seu desenvolvimento integral.
Não raro é notar a associação das expressões artísticas às emoções
e à criatividade, mas nem sempre as concepções orientadoras do ensino de
Arte trataram desses aspectos de forma intencional e voltada ao
desenvolvimento humano, para além do espontaneísmo, da finalidade
lúdica, como à época de vigência da Educação Artística. Por outro lado, o
ensino musical no Brasil é também marcado pela tradição das escolas
especializadas na expressão artística, difundindo práticas pedagógicas
cujos processos são bem organizados, mas têm em seu cerne a assimilação
de conteúdos e o aprimoramento de habilidades, importando o
desenvolvimento cognitivo como se o aluno fosse um sujeito apartado de

454
suas emoções. Dessa problemática emerge a necessidade da definição de
princípios didáticos para subsidiarem estratégias pedagógicas no ensino
musical na escola que, diferentemente de prescritivos, embasem a
organização de processos comprometidos com a complexa trama
subjetiva do sujeito que aprende, impulsionando o seu desenvolvimento
psíquico em unidade com a dimensão afetivo-emocional. Daí a adoção de
fundamentos da Teoria do Ensino Desenvolvimental combinados à
Teoria da Subjetividade, aportes teóricos esses alicerçados na Teoria
Histórico-Cultural.

Fundamentos da Didática Desenvolvimental e sua adoção no ensino


de música

A Didática, ciência da Educação que se ocupa da sistematização


do ensino, perpassou distintos momentos históricos nos quais os
elementos constitutivos da ação pedagógica e sua organização foram
abordados segundo concepções de ser humano, sociedade, infância,
escola, ato de ensinar e aprender, influenciadas por contribuições de
campos do conhecimento como a Filosofia, a Psicologia, a Sociologia e a
Antropologia, dentre outros. Especificamente a concepção didática
fundada na ex-URSS após a Revolução de 1917 no intento de formar os
sujeitos para a sociedade socialista que se instaurava, representou
significativa contribuição à ciência educacional, fazendo-se conhecida e
implementada também no Ocidente.
Baseada em prerrogativas de psicólogos de tradição marxista,
sobretudo nas teses de L. S Vigotsky (1896-1934) definidas na Teoria
Histórico-Cultural, a concepção didática gestada pelos soviéticos avançou
na compreensão do desenvolvimento humano ao considerar o caráter
histórico e cultural da psique. Ao invés de ser explicado como fenômeno
de caráter essencialmente biológico, o desenvolvimento humano passou a
ser entendido mediante as relações tecidas no espaço social, constituindo-
se as capacidades humanas na medida em que se assimilava a produção
cultural da sociedade, como a materializada na Arte, na Ciência e na
Filosofia. Nesse sentido, à escola, na condição de lócus da transmissão de
conhecimentos, coube o papel singular de proporcionar o ensino
intencional em favor do desenvolvimento humano.

455
Em sua teorização, Vigotsky (1988) cunhou o conceito de área de
desenvolvimento potencial142, considerando que a partir do envolvimento
dos alunos no processo de ensino-aprendizagem constituído por
atividades intencionais com foco à área de suas futuras potencialidades,
eles teriam condições de ultrapassar os limites de suas potencialidades
reais, encontrando no ensino, o impulsionador de seu desenvolvimento
psíquico. O entendimento de Vigotsky e seus seguidores de que o ensino
gerava e impulsionava o desenvolvimento, e, ainda, a valorização do
pensamento teórico, fomentaram importantes alterações na organização
do ensino. Esses aspectos articulados à Teoria da Atividade formulada por
A. N. Leontiev (1903-1979) definiram as bases da Teoria do Ensino
Desenvolvimental, também designada Didática Desenvolvimental.
Foi a partir de pesquisas teórico-práticas que V. V. Davidov
(1930-1998), notável integrante da terceira geração de psicólogos
soviéticos a partir do grupo de Vigotsky, ao lado de D. B. Elkonin (1904-
1984), desenvolveu ao longo de 25 anos a Teoria do Ensino
Desenvolvimental. As pesquisas se davam por meio de experimentos
formativos, com a interferência no processo de neoformações psíquicas
dos estudantes (principalmente do ensino primário) durante a atividade de
aprendizagem, aquela caracterizada como “principal” para as crianças de 6
a 10 anos. Tendo por mote a formação do pensamento teórico, tais
experimentos possibilitaram a materialização da Teoria em programas
para as disciplinas escolares (LIBÂNEO; FREITAS, 2013).
Davidov parte das teses acerca do desenvolvimento humano
mediante a apropriação da cultura e da constituição das capacidades e da
conduta humana nas relações estabelecidas pelos sujeitos no mundo
objetivo, tal como formuladas por Vigotsky e estabelecidas por Leontiev
no âmbito da Teoria da Atividade. Também sob influência do

142 A expressão original em russo, zona blijaichego razvitia, é comumente traduzida para
a língua portuguesa como “zona de desenvolvimento próximo” (ou “proximal”) ou
“zona de desenvolvimento imediato”. A partir de uma análise aprofundada, Prestes
alerta que “zona de desenvolvimento iminente” seria a tradução mais apropriada
(PRESTES; TUNES; NASCIMENTO, 2013, p. 51). Contudo, a tradução do texto
de Vigotski “Aprendizagem e desenvolvimento intelectual na idade escolar”
(VIGOTSKII, 1988) utilizada neste trabalho, emprega o termo “área de
desenvolvimento potencial” para se referir ao mesmo constructo teórico, motivo
pelo qual ele será aqui adotado.

456
pensamento de Vigotsky advém o entendimento de Davidov sobre a
importância do processo de escolarização das crianças no
desenvolvimento de suas capacidades de pensamento via a assimilação
dos conceitos científicos. Considerando a periodização do
desenvolvimento mental concebida por Elkonin, Davidov investigou os
processos de neoformações psicológicas em crianças no início de sua
escolarização, corroborando a tese de Vigotsky ao desvelar que elas “[...]
poderiam resolver tarefas de aprendizagem se fossem promovidas nelas
transformações básicas por meio da atividade de estudo, do pensamento
teórico-abstrato e da livre regulação da conduta” (LIBÂNEO; FREITAS,
2013, p. 325).
Ao considerar a atividade prática humana de aprendizagem,
Davidov (1988) se fundamenta na Teoria de Leontiev acreditando que ao
realizá-la, dirigindo-se ao seu objeto, o sujeito não só se apropria de seu
conteúdo, como reproduz em si mesmo as formas histórico-sociais da
atividade externa, a qual, interiorizada, é convertida em atividade
individual, transformando suas conexões internas, redefinido suas
capacidades mentais e, assim, sua capacidade de transformação da
realidade. Contudo, inclui o componente “desejo” na condição de núcleo
de uma necessidade, impulsionando as ações. Considera, assim, o fator
emocional no processo de formação do pensamento e desenvolvimento
humano, muito embora compreendendo que necessidade, desejo e
capacidade de estudar somente surgem no processo da atividade de
aprendizagem.
Tendo em vista que cada tipo de atividade é caracterizado por seu
conteúdo objetal, a atividade de aprendizagem parte dos conteúdos das
diversas áreas de conhecimento com o intuito de promover o domínio de
símbolos e instrumentos culturais, bem como a própria condição do
pensar mediante a generalização conceitual, processo que se constitui
instrumento e conteúdo do conhecimento. Davidov propõe que a escola
desempenhe sua finalidade superando a ênfase no desenvolvimento do
pensamento empírico, necessário em certa medida, como no caso de
diferenciação, classificação de elementos e construção de noções, porém,
limitado por se ater às aparências dos objetos e fenômenos, não
compreendendo sua essência. Invertendo essa lógica tradicional, formal,
que até então predominava na escola russa, o autor define uma proposta

457
pedagógica que, centrada na formação de conceitos teóricos, parte da
análise do objeto desvelando seu princípio interno e ascende do abstrato
ao concreto, incorrendo em generalizações substantivas.
O processo mental denominado “pensamento teórico” envolve,
para além das impressões iniciais desferidas pelos sentidos, a análise, o
pensamento lógico, o raciocínio teórico e as referidas abstração e
generalização substantivas, permitindo, a partir da contemplação do
objeto, conhecer seu fundamento geneticamente original, reconstruir sua
essência na forma de conceito teórico e proceder à sua aplicação aos
objetos em particular e situações concretas da vida. Dessa forma, os
alunos submetidos ao adequado processo de ensino (subsidiados pelo
professor) assimilam o conhecimento, estruturando também seu modo de
pensar dialeticamente. Compreendem, assim, o caminho percorrido na
construção histórica dos produtos da cultura espiritual, desvelando a
gênese e o desenvolvimento do conhecimento.
A concepção de ensino defendida por Davidov (1988, p. 96) não
se refere à imposição de conteúdos nem tampouco à negação do
pensamento empírico e da especificidade da atividade infantil. O autor
ressalta que a necessidade de aprendizagem nas crianças menores se forma
juntamente com a imaginação e a função simbólica, encontrando nas
brincadeiras, na comunicação com os adultos e nas referências difundidas
pelos meios de comunicação de massa, o jogo dos papéis e a possibilidade
de observação do mundo circundante, o que favorece o surgimento dos
interesses cognoscitivos. Sua perspectiva se contrapõe, sim, à promoção
de práticas espontaneístas no ensino escolar, dado ao papel do ensino-
aprendizagem no desenvolvimento.
Para que aluno opere conceitualmente é preciso apreender o
princípio geral do objeto de aprendizagem, compreendendo-o em sua
relação sistêmica com outros conceitos. Distintamente da perspectiva
empírica, em que “a coisa isolada aparece como uma realidade
autônoma”, no âmbito abarcado pela teoria “a coisa aparece como meio
de manifestação de outra dentro de certo todo” (DAVIDOV, 1988, p.
76). Para isso, parte-se de uma tarefa proposta pelo professor que estimule
o pensamento da abstração à generalização. As tarefas de aprendizagem
por meio da resolução de problemas permitem que os alunos, ao se

458
apropriarem dos conceitos, conheçam as condições de origem do objeto,
as relações, as contradições e as transformações nele configuradas.
Quanto ao ensino das artes, Davidov aponta especificidades
considerando os objetivos e técnicas. Para ele, o desenvolvimento da
consciência estética consiste no principal objetivo das disciplinas artísticas,
entendendo-a segundo a doutrina marxista-leninista, “[...] relacionada à
esfera da apropriação subjetiva da realidade, conforme as leis e as formas
da beleza”, o que inclui “sentimentos, gostos, valorações, vivências, ideais
estéticos”. É por meio das categorias de “‘medida’ e ‘perfeição’” (Ibid., p.
120) que se acredita revelar a consciência estética. A formação de tal
consciência nas crianças se expressa na compreensão demonstrada sobre
as obras artísticas, bem como na presença das “leis da beleza” em suas
ações e desejos. A partir da identificação e da assimilação de “modelos da
relação estética em relação à realidade”, objetivados nas obras de arte, a
criança se apropria de meios de expressão utilizados pelos artistas.
Davidov ressalta que as artes, em suas diferentes manifestações,
contêm em comum o potencial de desenvolvimento da capacidade de
imaginação ou fantasia, considerada uma das mais importantes
capacidades humanas. Assim, o conteúdo básico das disciplinas artísticas
é, para ele, “a assimilação pelas crianças de um modo geral de percepção
adequada e criação de uma forma artística” que, entendida nos termos de
uma “composição”, define-se como “a conformação, a combinação, o
estabelecimento de relações, o ordenamento e a unificação das partes ou
elementos de algo destinado a converter-se num todo” (DAVIDOV,
1988, p. 121). Nesse sentido, importante é que as crianças desenvolvam
sua capacidade de percepção do todo, compreendendo composição em
sua integralidade e, ainda, as relações entre as partes, operando mediante
tais relações de modo a criar uma imagem da fantasia, assim como são
elaborados conceitos científicos. É, então, a partir da realização das
atividades que os alunos se apropriam das ações presentes no fazer
artístico, apreendendo os modos de produção de obras de artistas e
tomando-as como modelares para suas próprias composições. Em um
movimento dialético, ao realizar ações formando sua capacidade de
combinação de elementos, a criança passa a ter mais condições de
perceber a expressividade em obras de artistas reconhecidos. Como dito
por Davidov (1988, p. 123), “ao solucionar tarefas de aprendizagem, as

459
crianças vão dominando as ações que constituem um novo modo de
atividade artística ou aprimoram estas ações”.
L. V. Zankov (1901-1977), contemporâneo de Davidov,
responsável por liderar um dos grupos de pesquisa no Instituto de
Psicologia Geral e Pedagógica da Academia de Ciências Pedagógicas da
União Soviética por meio da realização de experimentos didáticos,
também considera as artes e, especificamente, a Música, em sua
potencialidade para o desenvolvimento da consciência estética das
crianças, conferindo-lhe importância ao se ter em vista o desenvolvimento
humano.
No intento de promover o desenvolvimento cognitivo integral
dos estudantes, o didata propôs cinco princípios a embasar sua
abordagem nas escolas de ensino fundamental (ZANKOV, 1984;
GUSEVA, 2017). O primeiro princípio didático se refere ao grau de
dificuldade do ensino, devendo abarcar atividades provocativas, com a
exposição das crianças a situações novas e desafiadoras que exijam seu
empenho na resolução de problemas. O segundo princípio se trata da
ênfase no conhecimento de conceitos teóricos, processo em que os
estudantes são incentivados à observação e análise do objeto de estudo ao
passo em que o professor chama atenção aos padrões e conexões sobre o
assunto. O terceiro prevê a variedade e velocidade de conteúdos,
evitando-se repetições demasiadas e entediantes que não favorecem o
desenvolvimento do potencial dos alunos. O quarto salienta a importância
de que o aluno tenha consciência sobre seu próprio processo de
aprendizagem no decorrer de uma experiência em particular e, o quinto
princípio, trata do planejamento do ensino voltado ao desenvolvimento
individual com seu curso em ambiente coletivo, agregador dos estudantes
com seus diferentes níveis de desenvolvimento cognitivo. Zankov toma
em relevo o ambiente da sala de aula considerando que somente em
espaço confortável, acolhedor, com respeito e afeto, é possível aguçar a
curiosidade dos estudantes, seu desejo e confiança para expor
pensamentos, fazer escolhas e contribuir com o grupo.
Assim como Davidov (1988), Zankov (1984, p. 35-36, tradução
nossa) salienta a importância da relação constante entre as formas de
conhecimento empírico e teórico, bem como entre a experiência e a teoria
no processo do desenvolvimento do conhecimento. Para o autor, a

460
correlação e as inter-relações entre as formas de conhecimento são
dependentes da especificidade da matéria de estudo e da ação didática,
sendo que o conteúdo específico – objeto do ensino – tem grande
relevância para a definição dos procedimentos didáticos (Ibid.).
De acordo com Zankov, a introdução das crianças no estudo
musical se dá pela atividade de canto, desenvolvendo-se a expressão vocal
em estreita relação com as qualidades auditivas. Pode se dizer que tal
atividade se configura contexto da educação auditiva, vocal, da aplicação
de conceitos musical-auditivos e da formação/utilização de hábitos
musicais em uma mútua relação (ZANKOV, 1984, p. 190). Ademais, ao
passo em que se desenvolvem as ideias musical-auditivas, são
desenvolvidas as qualidades psíquicas, incluindo a percepção, a
sensibilidade, a memória, a atenção, e a imaginação.
Os conceitos musical-auditivos são considerados imprescindíveis
ao conhecimento musical, mas é no próprio processo de realização
artística que tais conceitos e habilidades são formados e desenvolvidos
(Ibid., p. 188). Na execução musical – pontualmente no canto coletivo
proposto ao processo de aprendizagem introdutório – desenvolve-se o
chamado “ouvido musical” articulando-se conhecimentos e hábitos e
consolidando a capacidade criativa das crianças.
A atividade de canto abarca a execução de canções e o solfejo de
notas com expressão, prazer e sentido estético, requerendo, para tanto, a
atenção aos aspectos concernentes à emissão dos sons – a respiração, a
pronúncia, a projeção vocal, a afinação – aspectos esses inter-relacionados
à percepção auditiva. Também pertinente aos hábitos musicais está a
percepção visual dos símbolos que representam as notas, tendo sua
reprodução auditiva e vocal consciente precedida pelo “canto interior” ou
“leitura para si”, ou seja, a criação de imagens mentais dos sons com suas
estruturas entrelaçadas (Ibid., p. 192-197, tradução nossa). Para além do
canto, Zankov (1988, p. 200) postula que o envolvimento em qualquer
atividade musical, como a execução instrumental ou a composição,
permite o desenvolvimento dos conceitos musical-auditivos por
compreenderem fenômenos psíquicos complexos.
Em suas propostas voltadas ao ensino artístico, tanto Zankov
quanto Davidov reconhecem a especificidade do objeto de ensino-
aprendizagem e a necessidade de procedimentos que sejam condizentes

461
com suas características, mantendo o princípio reitor de que o ensino
impulsiona o desenvolvimento. Ambos os autores também se atentam à
importância da expressão simbólica e emocional dos sujeitos no processo
de aprendizagem, apesar de tomarem o desenvolvimento das funções
cognitivas como central devido à fundamentação na Teoria da Atividade.
A perspectiva da Didática Desenvolvimental fomenta o ensino
intencional de Música na escola, por meio do qual as crianças podem
conhecer a vasta produção elaborada em distintos contextos históricos e
localidades, compreendendo as circunstâncias de criação das obras,
analisando sua gênese, sua estruturação e desenvolvimento, apreciando,
executando e criando música. A valorização dos processos de pensamento
visando a apreensão de conceitos musicais não se refere à separação do
estudo em “teoria” e “prática”, afastando o sujeito do objeto musical
concreto. Desvelar a essência do objeto trata-se, antes, de reconhecer no
todo em movimento as suas conexões internas, em interação.
A concepção dos didatas soviéticos permite, assim, avançar na
sistematização do ensino musical que se quer voltado ao desenvolvimento
humano. Mas, para a adoção de tais constructos na atualidade faz-se
necessário que o entendimento sobre música leve em conta as pesquisas e
práticas contemporâneas do campo da Arte e, especialmente da Educação
Musical, que ampliam o olhar sobre a expressão artística extrapolando a
noção de “obras musicais” em seu sentido estrito, como produto
universal, pronto e acabado, a encarnar significados estanques. Na mesma
direção é preciso que sejam relativizadas as noções de “perfeição” e “leis
da beleza” mencionadas por Davidov (1988) e também prezadas por
Zankov (1984) ao versarem sobre a consciência estética. É que a
compreensão sobre os processos subjetivos implicados na experiência
artística e na aprendizagem carece ultrapassar os limites do objetivismo
definido na teoria de Leontiev, a qual embasa a Didática
Desenvolvimental. Nesse sentido, a teorização de González Rey (2013b,
2017) proporciona uma nova “zona de inteligibilidade”, permitindo
pensar a Didática Desenvolvimental da Subjetividade no ensino de Música
na escola, em que música e suas práticas podem ser analisadas segundo a
produção de sentidos subjetivos pelos sujeitos, envolvendo seu contexto
histórico, suas histórias de vida, suas referências sociais e culturais.

462
O PENSAMENTO CRÍTICO DE GONZÁLEZ REY, TEORIA DA
SUBJETIVIDADE E EDUCAÇÃO

Em sua leitura crítica à obra de Vigotsky, Leontiev e outros


autores soviéticos da teoria psicológica, o psicólogo cubano F. González
Rey (2013b) identifica méritos da Teoria Histórico-Cultural, bem como
contradições, limites e continuidades. Dadas às condições do momento
político soviético, de total controle do Estado sobre as distintas
dimensões da sociedade, com a adoção do pensamento marxista-leninista
em uma visão ortodoxa, González Rey observa que a teoria defendida por
A. N. Leontiev e seus seguidores assumiu a posição de representante do
marxismo na Psicologia russa, promovendo a interpretação dos
fenômenos psicológicos em uma relação direta com a realidade objetiva.
Devido à ênfase no aspecto material, na concepção linear do processo de
interiorização dos fenômenos externos tornando-os internos, psíquicos,
houve, tanto em Leontiev quanto em Vigotsky a centralidade no estudo
das funções cognitivas, negligenciando-se o estudo da personalidade e das
emoções.
Segundo González Rey, a obra de Leontiev compartilhou
postulados vigotskyanos, porém, no desejo de explicar os fenômenos
psicológicos pela via da objetividade em negação a todo e qualquer sinal
de idealismo, seguindo “ao pé da letra” as prerrogativas marxistas,
enfatizou a categoria de atividade objetal com a priorização do conceito de
atividade externa com objetos. Nessa abordagem, a psique era entendida
como “um reflexo do objeto concretizado através da atividade externa”
(GONZÁLEZ REY, 2013b, p. 199), ou seja, a atividade interna não
passava de uma consequência da interiorização de operações com objetos.
Tal perspectiva limitou tanto a compreensão da sociedade – por tomar o
social como a relação do indivíduo com os objetos – quanto a da cultura,
por restringi-la aos próprios objetos produzidos. Em decorrência dessa
visão reprodutiva dos fenômenos psíquicos, González Rey nota o
esvaziamento do conteúdo propriamente psicológico, eliminando-se,
inevitavelmente, “a fantasia, a imaginação e o caráter imaginativo e
subjetivo das hipóteses e dos modelos que caracterizam esse processo
[psicológico]” (Ibid., p. 181).

463
Quanto à Vigotsky, se, no segundo momento de sua obra,
sobressaiu a relação direta entre operações externas e internas – o que
consistiu em um relevante antecedente às elaborações de Leontiev – em
seu terceiro momento González Rey nota o retorno à questão da unidade
do cognitivo com o afetivo, preocupação já demonstrada nos primórdios
de sua obra143. Conforme analisa González Rey (2013b), novas
perspectivas surgiram da própria retomada de reflexões e termos
cunhados por Vigotsky no primeiro e terceiro momentos de suas
teorizações. Nessa direção, crucial foi a releitura das categorias “sentido” e
“perizhivanie”, bem como a retomada da visão do autor sobre a unidade
dos aspectos cognitivos e afetivos e do caráter gerador da psique. Desse
movimento crítico e reflexivo, que discutiu a concepção predominante na
Psicologia soviética, emergiram as elaborações de diversos autores,
incluindo as de González Rey, que convergiram no desenvolvimento da
Teoria da Subjetividade, por meio da qual o psicólogo cubano propõe
uma nova zona de inteligibilidade sobre os fenômenos psíquicos atrelada à
compreensão do social e da cultura na perspectiva marxista.
A teorização de González Rey parte do princípio de que o ser
humano é criador, ativo em seu meio social, produzindo cultura e sendo
por ela constituído. Nesse movimento dialético, o autor traz à baila a
condição do sujeito de produtor de sentidos em superação à de
reprodutor de realidades, com o que supera lógicas dicotômicas
predominantes na Psicologia soviética, como a do externo-interno e do
cognitivo-afetivo. Pensar o sujeito como ser ativo, é entender que o
humano não se trata de uma matéria esponjosa a absorver aquilo que lhe
fora outorgado por um corpo social, até mesmo porque tal corpo
constitui-se por sujeitos com suas vivências e intervenções em seus
espaços sociais. Tomar o sujeito como ativo significa entendê-lo como ser
concreto, que, provido de história de vida, atua cotidianamente em seu

143 Em sua interpretação da obra de Vigotsky, González Rey (2013b) a organiza em


três distintos momentos em que o primeiro (1915-1928) e terceiro (1931-1934) são
marcados pela preocupação do autor com a relação entre cognição e afeto e o caráter
gerador das emoções e, o segundo momento (1928-1931), definido por um
caráter mais objetivista, centrado no desenvolvimento das funções psíquicas
superiores, com a emersão dos conceitos de signo, ferramenta, mediação e
interiorização.

464
meio, criando alternativas nas variadas situações de sua existência social, e,
de forma concomitante, desenvolve sua subjetividade.
González Rey reconhece a dimensão biológica da psique humana,
mas defende sua qualidade diferenciada ao considerar as condições
histórico-culturais do desenvolvimento dos indivíduos, conforme
enunciado por Vigotsky em sua principal tese. Assim, os fenômenos
psicológicos não se traduzem como produtos da natureza humana, como
se compreendessem uma essência universal. Mas também não consistem
em “cópia” do social ou reflexo alterado da realidade, nem são
constituídos de forma unidimensional, em seus aspectos cognitivos, para,
daí, originarem os aspectos de cunho afetivo-emocionais (os sentimentos,
a fantasia, a imaginação e a criatividade). Na concepção de González Rey
o sujeito é ativo, é social, é singular e é indivisível em suas dimensões
simbólica e emocional. O autor analisa que Vigotsky, no primeiro e
terceiro momento de sua obra, já apresentara as bases desse pensamento
ao evidenciar o potencial criativo e gerador da psique, a unidade dos
processos simbólicos e emocionais e a representação da psique como
sistema integral.
A perspectiva de González Rey permite analisar o sujeito como
ser ativo em seus espaços de práticas sociais que, em virtude da
capacidade geradora de sua mente, elabora mecanismos próprios para
lidar com as situações objetivas no decorrer de suas experiências,
subjetivando-as. É no contexto de suas práticas sociais que o sujeito,
singular, constitui sua subjetividade individual e, dialeticamente, age no
espaço social subjetivado, por meio de suas ideias, comportamentos,
gestos, constituindo a subjetividade social.
Como indivíduo produtor, o sujeito constitui e desenvolve sua
subjetividade em sua ação desferida no momento atual de sua existência
social, que, por sua vez, é implicada com sua história de vida, com suas
experiências passadas. Isso significa que, diferentemente da
fundamentação que orientou a Teoria da Atividade, não é a partir da
atividade externa, objetiva do sujeito, que se definirá sua dimensão
intrapsíquica, de forma imediata. Na perspectiva da Subjetividade, tal
dimensão se configura a partir da atividade subjetivada, sob a forma de
sentidos subjetivos quando o sujeito, em ação em seus distintos cenários,
constitui processos simbólico-emocionais partilhando ideias, tradições,

465
discursos, representações, valores. É nesse entrecruzar permanente entre
os sentidos produzidos na ação e aqueles relativamente estáveis,
configurados em experiências anteriores, que o sujeito produz sua
subjetividade, desenvolvendo sua personalidade e provocando
modificações nos contextos de suas práticas sociais.
Para além dos elementos objetivos que afetam o humano,
González Rey defende, então, a existência de uma realidade subjetiva que
implica simultaneamente o humano e a subjetividade dos espaços sociais
dos quais toma parte, integrando o histórico e o atual, bem como o
individual e o social no plano subjetivo. A subjetividade trata-se, pois, de
um sistema em desenvolvimento, em que se produzem e organizam
processos simbólicos em unidade indissociável com os emocionais. Essa
unidade, definida como “sentido subjetivo”, caracteriza-se por expressar-
se na ação, nas diversas manifestações do sujeito, e, embora os processos
da ordem simbólica e emocional emerjam uns na presença dos outros, não
se pode afirmar que uns sejam causas dos outros (GONZÁLEZ REY;
MITJÁNS MARTÍNEZ, 2017, p. 63).
Enquanto Vigotsky concebe o princípio da unidade do cognitivo
com o afetivo para expressar a concepção integradora da psique em um
sistema, González Rey desenvolve a categoria de sentido subjetivo
referindo-se às unidades simbólico-emocionais. González Rey e Mitjáns
Martínez (2017, p. 55) deixam clara a diferença entre os recursos teóricos,
explicando que o “simbólico” evidencia o caráter gerador, produtivo da
psique, tendo em vista a capacidade humana de lidar com símbolos,
tangentes ao imaginário nos espaços culturais. Já o “cognitivo” se
apresenta como forma de conhecer o existente, um produto do
processamento da informação, tendo a ver com a capacidade humana de
lidar com as informações disponíveis no meio.
Os sentidos subjetivos se organizam sob a forma de configurações
subjetivas, as quais consistem em um sistema “auto-organizado em
processo” (GONZÁLEZ REY, 2013a, p. 35, tradução nossa). Elas
integram tanto o aspecto processual quanto aquele relativamente estável
da organização da personalidade. A chamada “configuração subjetiva da
ação” é responsável por integrar as configurações da personalidade aos
sentidos subjetivos gerados durante a ação (Ibid.). As configurações
subjetivas não são independentes nem portadoras de sentidos universais,

466
estáveis, estando em constante reorganização, com sua expressão nas
diversas manifestações do sujeito.
O entendimento de González Rey nega, assim, qualquer caráter
determinista e essencialista e, sobre a base do pensamento dialético,
supera dicotomias notórias na Psicologia soviética – interno/externo,
social/individual, cognitivo/afetivo, simbólico/emocional,
consciente/inconsciente, necessidade/motivo, histórico/atual e
estabilidade/processo – integrando essas dimensões no plano subjetivo.
No campo educacional a Teoria da Subjetividade acarreta
importantes consequências, colocando o aluno no centro do processo de
ensino-aprendizagem como “sujeito que aprende” e se desenvolve. A
aprendizagem passa a ser concebida a partir da produção de sentidos
subjetivos, sentidos esses configurados pelo aluno na ação, no contexto da
sala de aula em uma relação dialética com as configurações subjetivas
constituídas e reconstituídas em situações e momentos diversos, sejam na
escola e ou em outros espaços e contextos, organizadas em sua
subjetividade individual. Sendo assim, a motivação é entendida como
configuração subjetiva da ação de aprender do próprio aluno e não como
conteúdo pontual diretamente associado à natureza do objeto da
aprendizagem (GONZÁLEZ REY, 2014, p. 31).
Considerando o papel exercido pelos professores, a concepção
que prima pela manifestação da subjetividade requer suas ações como
facilitadores da emersão dos sentidos subjetivos considerando o aluno em
sua integralidade, não tão somente em sua condição mental operacional,
portanto, como sujeito que ao pensar, o faz não como capacidade isolada,
mas de forma sistêmica, envolvida em processos emocionais e simbólicos.
Tais processos, com suas origens distintas, não se apresentam de forma
intencional nem integral, articulando-se aos processos vividos em sala de
aula. Assim, a aprendizagem passa a ter um caráter singular e de produção
do próprio sujeito, opondo-se ao ensino “despersonalizado” que separa o
sujeito (com suas emoções e vivências) do objeto do conhecimento
(GONZÁLEZ REY, 2014, p. 31). Nesse sentido, González Rey e Mitjáns
Martínez (2017, p. 147) consideram de fundamental importância que os
professores busquem estratégias para a personalização do ensino, haja
vista a importância do olhar singularizado ao desenvolvimento dos
recursos subjetivos dos aprendizes. Para tanto é preciso que se atentem às

467
expressões individuais e aos sentidos subjetivos constituintes da
subjetividade social.
No intento de promover a expressão do aluno, favorecendo a
emersão de sentidos subjetivos, é primordial a criação de um ambiente
participativo, dialógico em sala de aula, propondo tarefas provocativas por
meio das quais seja instigado a refletir sobre os problemas, a pensar
criticamente, a se posicionar, a propor novas alternativas e caminhos
frente aos desafios. Nessa mesma direção, a avaliação também deve
envolver o aluno estimulando sua capacidade reflexiva e de compreensão
daquilo que ainda não domina (GONZÁLEZ REY, 2014, p. 39- 40).
O objetivo de propiciar a aprendizagem comprometida com a
subjetividade é de promover o envolvimento produtivo do aluno nesse
processo, em que ele gera sentidos subjetivos, sendo capaz de pensar de
forma ampliada, sistêmica. Nessa ótica, as operações e funções se
constituem atreladas às emoções, à imaginação e à fantasia, de modo que
o pensamento atua como motivador e permite ao sujeito vislumbrar
diferentes caminhos e aplicações do aprendido em novas situações. Para
González Rey (2012a, p. 36), “o sujeito que aprende define-se não pelas
capacidades e processos cognitivos envolvidos no processo de aprender,
mas pelas configurações subjetivas que explicam o desenvolvimento dos
recursos do aluno nesse processo”.
O sujeito que aprende é também o que se desenvolve por tratar-se
do sujeito produtor de sentidos, capaz de operar e tomar decisões de
forma ativa em seus múltiplos contextos da experiência social. González
Rey (2014, p. 32) afirma que na tensão da produção singular do sujeito
“ante a possibilidade de alimentar com sua experiência o que aprende e de
alimentar o seu mundo com aquilo que aprende”, se efetivará o seu
desenvolvimento.
A aprendizagem, vista sob o prisma da Subjetividade, não
renuncia ao processo de compreensão dos significados de caráter cultural
e ao uso e desenvolvimento de operações e funções mentais, mas
possibilita a percepção e expressão do psiquismo humano em sua
condição geradora e autônoma em relação às influências imediatas do
externo. Como dito por González Rey, “o sentido subjetivo não se
contrapõe ao aspecto operacional da aprendizagem, senão que acrescenta
uma qualidade da aprendizagem que não tinha sido considerada como

468
intrínseca ao aprender” (GONZÁLEZ REY, 2014, p. 35). Assim sendo,
as operações mentais não se circunscrevem ao sistema lógico-cognitivo.
Elas funcionam em um “sistema de produção de sentido subjetivo que é
parte essencial da operação intelectual, no que uma operação concreta é
apenas uma ferramenta, mas não a condição que assegura a produção de
um sistema de conhecimento” (Ibid., p. 36).

Pressupostos metodológicos e cenário da pesquisa

Visando pôr em prática princípios da Didática Desenvolvimental


e da Teoria da Subjetividade no ensino-aprendizagem musical na escola,
convergentes à ideia de uma Didática Desenvolvimental da Subjetividade
favorecedora do desenvolvimento integral dos sujeitos, processos
didáticos foram realizados junto a alunos do Colégio de Aplicação Escola
de Educação Básica da Universidade de Uberlândia (CAp Eseba/UFU)
no âmbito do componente curricular Arte. A pesquisa na escola, de cunho
qualitativo, além de se valer dos princípios teóricos anteriormente
expostos, se fundamentou metodologicamente na concepção construtivo-
interpretativa elaborada por González Rey. A partir da epistemologia
qualitativa González Rey (2012b) salienta princípios gerais da produção do
conhecimento que, articulados, dão sustentação à perspectiva
metodológica qualitativa no campo da Psicologia, quais sejam: o estudo e
a legitimação da singularidade, o caráter construtivo-interpretativo do
conhecimento e a compreensão da pesquisa como um processo dialógico,
de comunicação.
Nessa perspectiva, grande valor é conferido ao “cenário”, ao
“espaço social que caracteriza o desenvolvimento da pesquisa e que está
orientado a promover o envolvimento dos participantes na pesquisa”
(GONZÁLEZ REY, 2012b, p. 83). No caso da pesquisa realizada no
CAp Eseba/UFU o cenário já estava, em certa medida, construído, uma
vez que o campo de investigação consistiu no território de minha prática
profissional como professora de Música.
Segundo a concepção expressa por González Rey, a pesquisa
fundamentada na epistemologia qualitativa não se define em momentos
ordenados, seguindo a uma estrutura fixa. São o envolvimento dos
sujeitos da/na pesquisa, as especificidades e interações emergidas no

469
contexto do estudo e as relações tecidas pelo pesquisador entre aquilo que
ele apreende da realidade e as representações teóricas que propiciam o
delineamento do estudo. Não cabe, portanto, a utilização rígida de
instrumentos nem a padronização de etapas da investigação. A
metodologia requer distintos instrumentos de caráter interativo, por vezes,
gerados no contexto da pesquisa, a serem utilizados como indutores de
informação, incitando a manifestação de aspectos da vivência do sujeito.
Atuando como fontes de indicadores, os instrumentos consistem, assim,
em vias de informação e mecanismos de comunicação, sendo definidos
como “toda situação ou recurso que permite ao outro expressar-se no
contexto de relação que caracteriza a pesquisa” (GONZÁLEZ REY,
2012b, p. 42-43). De cunho individual ou coletivo, os instrumentos
podem ter sua utilização acompanhada pelo permanente diálogo,
propiciando o caráter relacional no cenário pesquisado.
No contexto das aulas de Música na Eseba/UFU, a própria
organização da sala específica para esse fim, com cadeiras em círculo, era
definida em favor do diálogo e da participação ativa dos sujeitos. As
expressões verbais dos alunos eram incentivadas, fosse para exporem suas
reflexões acerca do objeto em estudo, fosse para comentarem algo que de
alguma maneira os tivessem tocado e desejassem compartilhar com o
grupo. Dependendo do assunto em questão, muitas vezes colocado
espontaneamente por alguma criança, tantas outras se motivavam,
envolvendo-se na dinâmica conversacional acerca da experiência que, em
certa medida, lhes soava comum. Atividades de criação musical em grupo,
especificamente, tiveram sua base em situações conversacionais
envolvendo os membros da turma em pequenos grupos.
Durante o trabalho pedagógico-musical, ao passo em que eu
elaborava hipóteses sobre os sentidos subjetivos envolvidos na
configuração subjetiva da aprendizagem musical dos alunos, as próprias
estratégias de ensino fomentavam, recursivamente, sua produção de
sentidos subjetivos. Dessa forma, tais estratégias consistiam em indutores
à expressão subjetiva individual e à configuração do espaço social
relacional da sala de aula. Os modos singulares com que cada sujeito
respondia aos indutores; os recursos dos quais lançavam mão durante as
atividades musicais; as facilidades, as dificuldades e as preferências

470
demonstradas, possibilitavam conjecturas sobre as distintas formas com
que cada aluno era impactado pela experiência na sala de aula.
As reflexões iniciais mediante o trabalho com as crianças de 3º
ano no ano de 2016 me levaram a construir hipóteses sobre os sentidos
subjetivos constituintes da subjetividade social, os quais se relacionavam
às motivações dos alunos para a aprendizagem musical, especificamente:
os sentidos associados à necessidade de brincar e à representação sobre
música e seu ensino-aprendizagem como ação, atividade prática. Em
momento posterior, já no ano letivo de 2017, planejei e desenvolvi um
processo de ensino-aprendizagem considerando as hipóteses
anteriormente vislumbradas, porém procurando delineá-lo com base em
princípios de uma Didática Desenvolvimental da Subjetividade. Para isso,
foi selecionada uma turma com 13 estudantes do 4º ano (9 e 10 anos),
sendo 6 meninos e 7 meninas, com a qual trabalhei no decorrer de seis
meses.
As aulas realizadas durante vinte e um encontros contaram com
atividades desenvolvidas de forma interligada em um processo fluido, em
que eram abordados os meios expressivos da linguagem musical e as
habilidades musicais (SÁNCHEZ VALLE, 2013) de forma
contextualizada, prezando pela participação ativa dos alunos e instigando-
os a produzirem sentidos subjetivos na medida em que constituíam o
conhecimento com a atuação em sua área de desenvolvimento potencial.
As estratégias pedagógicas envolveram as brincadeiras musicais; a
exploração de instrumentos e de outras fontes sonoras, incluindo
materiais diversos e os sons produzidos pelo próprio corpo; a criação de
estruturas musicais; a participação na elaboração de arranjos para as
canções interpretadas; a apreciação ativa de repertório – com a escuta
atenta dirigida à reflexão sobre aspectos da materialidade sonora e seus
efeitos estéticos, às referências histórico-culturais relativas aos períodos
históricos, compositores, intérpretes e gêneros musicais; a interpretação
de canções e trechos musicais; a sistematização escrita das estruturas
musicais criadas e vivenciadas e a reflexão sobre a relação entre os
conceitos desvelados e sua aplicação a distintos objetos musicais.
Com a atenção voltada às múltiplas expressões das crianças, no
curso do processo pedagógico avancei na construção das hipóteses acerca
de suas concepções sobre música, sobre o ensino-aprendizagem musical e

471
sobre os modos de se perceberem na escola. A partir de então, considerei
que na aula eram configurados sentidos subjetivos associados à sua
necessidade de brincar, de vivenciar a escola com maior liberdade e de
experienciar música como atividade prática em caráter lúdico. Essas
expressões da subjetividade social da sala constituíram o cenário do
ensino-aprendizagem, configurando as subjetividades individuais e sendo
por elas constituídas. Não raras eram as manifestações de sujeitos em
particular que pareciam implicar o grupo, provocando emoções e
processos da imaginação e fantasia em nível coletivo. As expressões dos
diferentes sujeitos eram incitadas pela abertura do espaço de aula ao
constante diálogo e participação, pela utilização de instrumentos escritos e
pela proposição de atividades em pequenos grupos, seguindo aos
preceitos da epistemologia qualitativa em sustentação ao método
construtivo-interpretativo adotado na pesquisa.

Ensinando e aprendendo música no 4º ano: momentos de um


processo

O primeiro momento do ensino-aprendizagem musical junto às


crianças de 4º ano teve em seu transcurso a apreciação, a análise e a
execução vocal da canção É bom cantar, da compositora Bia Bedran.
Ainda no primeiro dia de aula, com a utilização de um questionário, pude
saber que a maioria dos alunos tinha afeição pelo gênero musical Funk,
informação que foi importante na definição dos modos de abordagem dos
conteúdos. A partir das duas referências – a música de Bia Bedran e as
produções do gênero Funk – tomei a ideia de “base musical”, formada
por distintas vozes, geralmente constituídas na forma de ostinato144, como
mote para a apreciação, análise, execução e criação musicais ao longo do
processo pedagógico.
Para a primeira audição de É bom cantar, os alunos foram
orientados à escuta livre para que me informassem suas impressões. Logo
no início da apreciação percebi olhares cheios de graça e, pouco depois,
risos compulsivos que partiram de um e de outro, até envolverem toda a
turma. Surpreendida pelas gargalhadas, perguntei: “por que vocês estão

144 Voz constituída pela repetição contínua de determinado motivo musical.

472
rindo?”, ouvindo como resposta: “é legal demais!”. A turma prosseguia
como que contagiada pelas risadas, enquanto vários alunos disputavam a
oportunidade de explicar sua reação à escuta. Márcia145 foi a primeira a
explicar: “eu vou falar duas coisas. A primeira é que essa música é muito
engraçada. É boa e... dá pra dançar muito bem. Dá pra requebrar.
Pronto!”. A aluna encerrou a fala sem conseguir controlar os risos. Os
colegas riram junto. Questionei Márcia se havia mais algum aspecto que
lhe chamara a atenção. Sua resposta deu sinais de que, para além da
impressão geral acerca do caráter da música, ela havia notado elementos
mais específicos, talvez como uma expressão do estudo musical na escola
em anos anteriores: “ela tem variações de voz, de instrumentos e de
batidas”. Em sequência surgiram comentários de outras crianças.
A turma prosseguia solicitando, incessantemente, que eu colocasse
É bom cantar para mais uma apreciação. Aquele tinha sido, de fato, o seu
primeiro contato com a canção. Diziam: “professora, põe de novo!”; “nós
podemos dançar?”; “a gente viciou nela!”; “essa música é divertida!”.
Durante a segunda apreciação, os alunos se atentaram melhor à letra e a
determinados elementos musicais. Diogo salientou: “Eu percebi, sabe, no
início, um cara que fica cantando ‘é bom... é bom...’”. Ao mencionar o
trecho em questão o aluno imprimiu qualidade sonora ao texto, entoando-
o. Ao passo em que uma criança expunha suas observações, as outras
complementavam.
Ao mencionar o nome da cantora e compositora Bia Bedran e
aspectos de sua biografia, abordei o papel dos compositores. Ainda na
primeira aula propus que a música fosse cantada uma vez. Ao chamar
atenção para a letra146 que seria entoada, Carlos mencionou que, dentre as
boas ações destacadas pela compositora, faltava dizer algo “importante
para as crianças”: “é bom se divertir!”. A ponderação de Carlos,
juntamente com as manifestações dos alunos quando da apreciação e os
comentários que a seguiram mencionando diversão, não me pareceram
coincidência, mas expressões de sentidos subjetivos associados à
necessidade do lúdico e à compreensão de música como algo divertido –

145Os nomes das crianças são fictícios para garantir seu anonimato.
146“É bom cantar, é bom ouvir, é pensar, é bom sentir; olhar as coisas ao redor, pra
crescer muito melhor; viajar dentro de si, pra poder se descobrir”.

473
fosse pelo efeito das representações sociais acerca do fazer musical como
entretenimento, fosse por buscarem naquele espaço escolar experiências
lúdicas, algo que eu já vinha observando em outras manifestações.
Ao final da aula retomei a colocação inicial de Márcia de que a
música tinha “variações de voz, de instrumentos e de batidas”, dizendo
que, embora parecesse, a gravação apreciada não contava com
instrumentos musicais. Diante as expressões de surpresa e incredulidade
dos alunos com a informação anunciei que na aula seguinte poderíamos
conhecer “segredos interessantes” sobre as escolhas de Bia Bedran para
compor É bom cantar, ouvindo a pergunta de Márcia: “igual a detetive?”.
As atividades programadas para a segunda aula visavam o
desenvolvimento do pensamento reflexivo147 acerca dos meios
expressivos da linguagem musical em contexto, tomando por base a
canção de Bia Bedran. Como os alunos da turma já haviam estudado
Música na Eseba anteriormente, poderiam contar com noções sobre
determinados elementos da estruturação musical, o que se associaria às
informações que eu forneceria, subsidiando a escuta, percepção e
compreensão. Ademais, o desenvolvimento da própria habilidade de
escuta consistia em objetivo das atividades.
Uma das principais características de É bom cantar e que já havia
sido notada por vários alunos nas audições durante a primeira aula, era sua
estruturação a partir de distintas vozes em ostinato. Entoadas sem
acompanhamento instrumental, as vozes humanas e percussão corporal
iam se sobrepondo e formando uma base (imagem abaixo) sobre a qual
era acrescida a melodia principal.

147 Davidov (1988, p. 89) sugere a utilização do termo “pensamento reflexivo” como
alternativa para se referir ao pensamento teórico concernente ao campo artístico e a
outras formas de consciência social, que, assim como o pensamento científico, são
capazes de conduzir o humano a uma distinta compreensão de alguma esfera da
realidade mediante o pensamento organizado.

474
A compreensão dessa estrutura foi, então, tomada como ponto de
partida para o trabalho, se ampliando à percepção dos elementos musicais
e suas inter-relações em cada voz. Em acordo com Davidov (1988, p.
122), a intenção era tomar uma composição para a apreciação e análise de
modo que os alunos “descobrissem” suas peculiaridades, de certa maneira
perpassando etapas de criação artística percorridas por outrem. Se
referindo ao ensino de Artes plásticas, mas podendo transpor seu
pensamento ao ensino musical, o autor explica que nesse processo de
“assimilação do modo geral da atividade artística e representacional pelas
crianças”, vão se estruturando nelas “‘padrões sensoriais’ das relações”
entre os elementos da composição “e os modelos das ações através dos
quais estes padrões são construídos no processo de realização da ideia do
artista”.
Tendo em vista os objetivos das atividades de escuta e análise, me
vali de estratégias baseadas na questão posta por Márcia na aula anterior,
ao me perguntar se agiriam como detetives para conhecerem os
“segredos” da música. Ao chegarem à sala para a segunda aula, os alunos
me encontraram vestindo um casaco do tipo “sobretudo” e usando uma
boina de feltro com aba. Meu intuito era não só de criar um ambiente
fantasioso e divertido, mas de utilizar a imaginação como recurso para
aguçar a escuta e percepção musical. Então falei aos alunos sobre a ideia
de conhecermos “segredos” da música como se fôssemos detetives. Nesse
momento Márcia comentou eufórica: “igual Sherlock Holmes!”,

475
explicando aos colegas: “Ele procura pistas para achar o criminoso, ou ele
procura pistas para saber segredos para achar o criminoso”. Tomando as
considerações da aluna, comentei que detetives precisavam ter um olhar
muito atento para seguirem as pistas, o que em nosso caso faríamos a
partir da audição. Imersos na ideia de “investigação”, Márcia e Lucas
gesticulavam, encarnando o detetive como personagem. Alguém sugeriu
que as “pistas” deveriam ser anotadas em uma caderneta. Aproveitando a
colocação, falei à turma que utilizaríamos um material de apoio que eu
havia preparado para que anotassem suas “descobertas”.
Para introduzir a escuta e análise, expliquei que a música É bom
cantar seria como um “caso” e que, primeiramente, eu precisaria informá-
los sobre alguns aspectos para que procedessem à “investigação”.
Esclareci que ela era formada por várias “camadas”148 e depois, sobre elas,
entrava Bia Bedran cantando a parte principal. Então coloquei a música
para uma primeira apreciação naquela aula, dizendo aos alunos que se
atentassem às entradas das “camadas”. Ao término da escuta, Márcia
comentou: “quando eu ouço essa música eu penso que eles estão num
lugar [...] e os caras que falam ‘é bom...’ [entoa]. Toda hora ficam
aparecendo do lado, aí quando a Bia Bedran vai começar a cantar, ela sai
debaixo da terra”. A imagem mental criada pela criança reforçou aspectos
importantes da estruturação musical: a presença de vozes masculinas
entoando algo contínuo, porém com papel secundário, e que a melodia
principal executada por Bia Bedran, que até certo momento estava
ausente, surgia em destaque.
Vislumbrando uma apreciação mais pormenorizada cada aluno
recebeu, como material de apoio, uma folha com dez questões
orientadoras da escuta. No espaço coletivo, uma criança lia a primeira
questão colocada como um “mistério” a ser desvendado na
“investigação”. Em sequência, um trecho da música era apreciado e cada
criança fazia suas anotações. As três primeiras questões se referiam às
entradas, término e simultaneidade das vozes. Ao passo em que os alunos

148 Para essa atividade utilizei a palavra “camada” ao invés de “voz”, procurando
evitar confusões em um primeiro momento. É que os alunos associavam “voz” à
presença de uma pessoa emitindo sons vocais, sendo que na execução de uma voz,
entendida como parte de uma estrutura musical, pode haver várias pessoas cantando
em uníssono ou mesmo a utilização de outras fontes sonoras que não a vocal.

476
prestavam atenção nessas estruturas, acompanhando o desenvolvimento
de diferentes vozes em concomitância, desenvolviam a habilidade da
escuta ativa. Até a terceira questão foram alternados os momentos de
escuta e de realização dos registros escritos sem compartilhar as
observações. Antes de passar à quarta questão as respostas foram
reveladas e colocadas em debate. Quando alguém apontava algo
interessante que os outros alunos não haviam percebido, ou quando
apareciam dúvidas ou pontos de vista divergentes, a música era
novamente apreciada e, no espaço dialógico, a turma chegava a um
entendimento com a minha interferência organizando o processo
reflexivo.
A terceira e quarta questões incitavam a atenção à qualidade das
estruturas sonoras. A quinta e sexta questões colocavam o desafio de uma
apreciação mais apurada, tendo em vista a compreensão das partes
contidas no todo em processo. Para auxiliar os alunos com recursos
subjetivos que poderiam ser úteis na execução da tarefa proposta, em que
deveriam se atentar às qualidades de apenas uma das vozes em meio à
polifonia, apelei intencionalmente à fantasia, dizendo que, assim como um
detetive ao seguir uma pessoa precisaria superar obstáculos que
porventura encobrissem sua visão, eles deveriam prosseguir no esforço de
acompanhar (auditivamente) apenas uma voz em meio ao tecido sonoro.
A sexta questão, ao indagar “como” era o som da “camada”
seguida, abriu espaço para que os alunos expressassem suas memórias em
relação ao aprendido nas aulas de Música em anos anteriores ou mesmo
em outros espaços de ensino-aprendizagem musical, especificando
qualidades dos sons. Mediante tal questão comecei a abordagem das
propriedades do som Altura, Duração, Intensidade e Timbre, não como
aspectos isolados e sim como meios expressivos da linguagem em
interação no contexto musical. Parti da reflexão conjunta com os alunos,
analisando cada uma das três primeiras vozes com a discriminação de seus
elementos mais característicos.
Para que os alunos de fato percebessem as nuances sonoras, a
repetição de sons em uma mesma altura, bem como os elementos rítmicos
e suas inter-relações, foi, então, desenvolvido um trabalho de escuta e
análise no contexto da execução vocal da canção, indo ao encontro da
proposta de Zankov (1984). Na medida em que cada “camada” da música

477
era executada, suas características eram rememoradas e, recursivamente,
explicados os elementos musicais envolvidos. A própria entonação vocal
viabilizava a compreensão sobre a duração dos sons – se mais curtos ou
mais longos, e sobre a Altura – se repetidos em uma mesma frequência, se
mais agudos ou mais graves. Para instigar a percepção e a apreensão dos
conceitos eu utilizava como estratégia a constante colocação de perguntas
desafiadoras ao invés de oferecer uma explicação pronta.
Ao passo em que as diferentes “camadas” eram entoadas
separadamente, seus elementos característicos iam sendo abordados,
considerando, para isso, tanto as propriedades dos sons em particular,
quanto a relação entre as distintas propriedades envolvidas na execução de
um mesmo som. Aos poucos, as “camadas” foram colocadas à execução
simultânea, inicialmente por dois grupos de alunos, depois por três, quatro
e até cinco, de modo que as estruturas musicais ficaram ainda mais
inteligíveis quando experienciadas e percebidas em sobreposição.
Elementos como pulsação e andamento, que davam unidade às
vozes executadas em conjunto, foram explicitados verbalmente.
Entretanto, o investimento de sentidos pelos alunos se deu com maior
força ao perceberem sua imprescindibilidade à execução em conjunto,
haja vista que cada voz deveria adotar o mesmo parâmetro temporal,
mantendo a regularidade para a harmonização e fluência da música. Da
mesma forma, a Altura era notada em sua horizontalidade, na relação
entre um som e outro da mesma voz, mas também em sua verticalidade,
comparando a entonação empregada nas diferentes vozes. Assim, se a
primeira e a terceira “camadas” eram caracterizadas pela constância das
alturas, ao serem tomadas em comparação, punham em evidência os
parâmetros grave e agudo. Ademais, foi mediante a percepção das notas
repetidas no primeiro e terceiro ostinatos que a ideia de melodia –
característica da voz principal e do quarto ostinato – pôde ser melhor
conjecturada. Como estratégia auxiliar a essa construção, utilizei o recurso
da imaginação, comparando “melodia” a um desenho, como se os sons
fossem contornos esboçados no ar, diferentemente da ideia de linha reta,
para representar sons em uma mesma altura. Outros elementos que
tiveram sua compreensão aflorada no contexto da realização musical de É
bom cantar foram a densidade, com o gradativo acréscimo de vozes; a
métrica (compassos quaternários); o silêncio integrado à composição

478
como elemento expressivo e os ictus iniciais anacruse (primeiro ostinato e
melodia principal) e acéfalo (segundo, terceiro e quarto ostinatos).
Para a execução das vozes eu utilizava o recurso da regência,
marcando a pulsação, os compassos quaternários e sinalizando as entradas
aos executantes. A partir de um esforço que envolvia a percepção e o
raciocínio, os alunos compreendiam a organização dos fenômenos,
conseguindo se beneficiar da regência no momento do canto, que, por sua
vez, favorecia a compreensão da estrutura musical em ação. Esse
entendimento era viabilizado pelas minhas perguntas provocativas e pela
participação efetiva dos alunos. Os gestos da regência davam unidade à
execução e a impulsionavam, o que não seria possível aos alunos
realizarem sozinhos naquele momento de seu desenvolvimento musical.
Ela também punha determinados elementos musicais em evidência. Ao
tratar do silêncio como elemento integrante do segundo e terceiro
ostinatos, por exemplo, Laura comentou que ele significava uma
“paradinha” na música. Porém, ao se atentar a esse elemento na fluidez do
compasso a aluna percebeu que ele não poderia ser definido como
estagnação e sim, como tempo de ausência de som (pausa) contado no
interior de uma estrutura em constante movimento.
A atividade de canto, além de viabilizar o entendimento dos meios
expressivos da linguagem musical dada à natureza sonora do objeto de
estudo, consistia, juntamente com a escuta, em objeto de ensino-
aprendizagem. Para cantar, as crianças eram orientadas quanto à postura
corporal, à respiração diafragmática, à dicção e à projeção da voz. Outro
aspecto muito importante era a afinação. Para garanti-la, os alunos
precisavam se atentar aos sons de referência e à sua própria entonação
vocal, em um exercício constante de escuta de si mesmo e dos outros.
No grupo, o que era desafiador a uns, poderia não ser a outros,
mas todos tinham tarefas que os colocavam em sua área de
desenvolvimento potencial. Se para Ludmila a dificuldade primeira estava
no aspecto motor, ao espalmar as mãos na realização do segundo ostinato,
para Carlos o desafio estava em lidar com a ansiedade gerada pela
responsabilidade assumida como cantor solista. Já Márcia e Luciano, após
perpassarem a realização dos três primeiros ostinatos e dominarem-nos
com facilidade, receberam o desafio de executar o primeiro e o segundo

479
ostinato de forma simultânea, e, ainda, o quarto ostinato, caracterizado
por uma estrutura melódica e rítmica mais rebuscada.
Embora a atividade de canto fosse coletiva, sua personalização
acontecia a todo momento, pois a participação de cada pessoa e grupo era
observada e aprimorada no próprio contexto da execução. Às vezes, a
demonstração de um trecho ao violão auxiliava a criança ou grupo a
perceber e cantar nas alturas/afinação corretas, o que sozinhas não
conseguiriam fazer. Outras vezes, o apoio necessário estava na regência e
em minhas expressões faciais exageradas. Em certas situações, com a
realização coletiva em curso, era preciso que eu agisse rapidamente,
inserindo minha voz em apoio a determinada pessoa ou grupo, até que se
estabilizasse. Depois minha participação era retirada, gradativamente, para
que os alunos se vissem em situação desafiadora.
Além dos desafios de cunho técnico, havia aqueles da ordem da
interpretação musical, estreitamente relacionados à dimensão emocional.
Não bastava, pois, garantir a correção nas entradas, na afinação das vozes,
no ritmo. Era preciso ainda a atenção quanto às nuances na intensidade e
outros aspectos sensíveis que conferiam expressividade aos gestos
sonoros. No espaço coletivo, de permanente diálogo, também se
desenvolviam determinados processos avaliativos.
As estratégias de ensino requeriam o empenho das crianças em
múltiplas direções, mas mantinham abertos os canais para sua expressão
pessoal. Ao se depararem com os desafios individuais e coletivos
colocados pelas atividades relacionadas à música É bom cantar, as crianças
não só desenvolveram habilidades e iniciaram um processo de
compreensão sobre os meios expressivos da linguagem musical –
fomentando a educação auditiva, vocal, a aplicação de conceitos musical-
auditivos e a formação/utilização de hábitos musicais em uma mútua
relação, conforme preconizado por Zankov (1984, p. 190) – como tiveram
suas emoções e processos da fantasia e imaginação entremeados às
aprendizagens.
Tomando a noção de “vozes”, nas aulas que se seguiram foram
realizadas apreciações de Música Antiga, promovendo o contato das
crianças com a produção de notórios compositores da História da Música,
de modo a ampliar suas referências artísticas. Ainda a partir da ideia de
música estruturada por vozes constituintes de uma base ou “tecido”

480
sonoro, abordei o Funk, apontado pela maior parte dos alunos da turma
como gênero musical de sua preferência e, posteriormente, o Rap. Os
aspectos da estruturação musical tomados em estudo mediante a
apreciação, a análise e o canto constituíram premissas para que os alunos,
em pequenos grupos, criassem suas próprias estruturas musicais em
processos carregados de expressões simbólico-emocionais. A
possibilidade de experimentar os instrumentos e articulá-los em
produções musicais próprias, bem como a oportunidade de vivenciar o
gênero Funk no espaço de aulas, fomentou a livre expressão dos alunos,
indo ao encontro de seus anseios pelo lúdico e da vivência da escola com
maior liberdade.

Considerações Finais

A pesquisa aqui apresentada teve a Didática Desenvolvimental da


Subjetividade no ensino de Música como seu objeto. Diferentemente de
uma prática voltada ao entretenimento ou à instrumentalização de
processos de ensino alheios ao objeto musical, Música foi aqui tratada
como um complexo campo da produção humana a ser aprendido na
escola mediante o ensino intencional, haja vista sua potencialidade em
estimular o desenvolvimento dos estudantes. Ocorre que, configurada
como conteúdo obrigatório a ser ministrado no âmbito do componente
curricular Arte por força de Lei 11.769/2008, a linguagem musical
sistematizada ainda carece de implementação nas escolas, e junto dela,
princípios didáticos que fomentem o seu ensino de modo a contribuir
mais substancialmente ao desenvolvimento integral dos sujeitos.
Baseada em prerrogativas de psicólogos soviéticos, a concepção
didática fundada na tradição marxista representou significativa
contribuição à ciência educacional, a começar pela admissão das teses de
Vigotsky acerca do caráter sócio-histórico da psique e da precedência do
ensino ao desenvolvimento, gerando-o e impulsionando-o. A Teoria do
Ensino Desenvolvimental, ou Didática Desenvolvimental, também teve
grande mérito por valorizar a formação do pensamento teórico,
conduzindo os alunos a operarem conceitualmente de modo a
ascenderem do abstrato ao concreto. Contudo, fundamentada na Teoria
da Atividade desenvolvida por A. N. Leontiv, apresentou seus limites ao
compreender a psique como reflexo da realidade, princípio adotado com o
intuito de se garantir o caráter objetivo dos fenômenos psicológicos em
negação ao seu caráter produtivo e gerador. Daí a necessidade de adotar

481
pressupostos da Teoria da Subjetividade cunhada pelo psicólogo
González Rey em combinação aos postulados dos didatas soviéticos.
Na perspectiva da Subjetividade, diferentemente da dimensão
intrapsíquica se constituir de forma direta e linear a partir da atividade
externa, do contato com os outros e com os objetos, há o entendimento
de que ela resulta de uma produção do próprio sujeito na medida em que
compartilha ideias, tradições, discursos, representações, valores, etc., em
seus contextos sociais, subjetivando suas experiências. É, pois, em ação,
que o sujeito concreto produz sentidos subjetivos, atualizando
configurações subjetivas organizadas em suas experiências de vida. Assim,
relaciona vivências que lhe são particulares, mas, ao mesmo tempo,
constituídas em contextos sociais também dotados de subjetividade. De
assimilador de conhecimentos, o aluno passa a produtor de sentidos
subjetivos, qualificando seus novos aprendizados com sua experiência
singular, e, recursivamente, nutrindo-se daquilo que aprende, com o que
desenvolve sua subjetividade. Pensar o humano em suas múltiplas
dimensões, portanto, integralmente, envolve reconhecer que o “subjetivo”
não exclui o “operacional”. A capacidade do sujeito de operar
intelectualmente passa a ser percebida como um fenômeno complexo a
abarcar cognição, afetos, emoções, imaginação e fantasia de forma
indissociável.
Tomados em relevo, princípios da Didática Desenvolvimental e
da Teoria da Subjetividade combinados subsidiaram o desenvolvimento
de processos de ensino-aprendizagem musicais com lugar no Colégio de
Aplicação Escola de Educação Básica da Universidade Federal de
Uberlândia (CAp Eseba/UFU), fomentando espaços de aulas voltadas às
crianças do ensino fundamental em caráter dialógico e de constante
“escuta” de suas expressões subjetivas, o que reverberou na elaboração de
atividades e estratégias didáticas e, de forma recursiva, estimulou a
motivação dos alunos à aprendizagem. As prerrogativas da Didática
Desenvolvimental referidas a um sujeito sensivelmente diferenciado
daquele concebido no âmbito da Teoria da Atividade, demonstraram a
viabilidade de uma Didática Desenvolvimental da Subjetividade no ensino
de Música na escola, sendo necessário prosseguir em sua experimentação
e aprofundamento.

482
Referências

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485
PARTE III
CONTRIBUIÇÕES DO GEPEDI PARA A
FORMAÇÃO DE PROFESSORES NA PERSPECTIVA
DESENVOLVIMENTAL

486
Capítulo 15

Formação didática de professores “em” e “para” uma


abordagem desenvolvimental: um olhar a partir dos
contextos soviético e brasileiro149

Andréa Maturano Longarezi

A doutrina materialista que pretende que os homens sejam produtos


das circunstâncias e da educação, e que, consequentemente, homens
transformados sejam produtos de outras circunstâncias e de uma
educação modificada, esquece que são precisamente os homens que
transformam as circunstâncias e que o educador precisa ser educado.
(III Tese sobre Feuerbach, MARX & ENGELS, 1989, p. 94).

Premissas introdutórias

A premissa marxista de que são os homens que transformam as


circunstâncias, para a qual se interpõe a premissa de que o educador precisa ser
educado, traz desdobramentos sobre a compreensão da formação e
constituição humana no âmbito de uma educação escolar
desenvolvimental e que temos defendido veementemente: a
transformação presume a ação humana e, nesse sentido, a educação do
professor, como processo dessa ação, é condição para a educação do
estudante.
Se somos a sociedade que aprendemos a ser e se, nesse processo,
a criamos; só mudaremos a sociedade se mudarmos, simultaneamente, as
circunstâncias sob as quais a produzimos. No caso dos processos
educativos, tanto de estudantes, quanto de professores, requer-se
respectivamente mudança das circunstâncias nas quais as atividades de

149 O texto traz sínteses produzidas em investigações financiadas pela Capes, CNPq e
Fapemig; cujo trabalho colaborativo de várias pesquisas desenvolvidas enquanto
atividade do GEPEDI, tem possibilitado sistematizar proposições desenvolvimentais
para a formação docente no contexto educacional brasileiro. Elaborações
preliminares foram publicadas em Longarezi (2017) e Longarezi e Silva (2018).

487
educação e/ou formação se constituem. Nesse sentido, não há como um
professor produzir essa mudança junto aos estudantes se ele próprio não
tiver sido educado sob a base da transformação que se espera promover
enquanto atividade educativa desenvolvedora do humano.
Processos educativos, orientados por uma lógica mnemônica de
aquisição do conhecimento reproduzem práticas que seguem o mesmo
processo e conduzem a um pensamento categórico (empírico). O método
é um tipo especial de conteúdo que possibilita muito além do que
aquisição da ciência, possibilita o desenvolvimento de um modo de pensar
mediado por ela. Por isso, formar professores, numa perspectiva de
(trans)formação da sociedade, implica fazer de seu processo de
profissionalização, desenvolvimento do pensamento dialético (teórico)
que lhe coloque na prática educativa alterado por circunstâncias modificadas e,
nesse sentido, em condições de alterar as próprias circunstâncias com a
organização de processos que permitam o mesmo a seus estudantes.
Assim, a formação do professor, organizada por uma lógica dialética
(enquanto educação modificada), terá condições de se constituir
impulsionadora da (trans)formação profissional docente, sob as mesmas
bases teóricas e metodológicas com as quais ele poderá promover uma
atividade docente que se efetive em uma educação escolar desenvolvedora
do pensamento dialético (teórico) de seus estudantes; uma vez que homens
transformados são produtos de outras circunstâncias e de uma educação modificada.
Desse modo, o método é o conteúdo nuclear da formação de
professores, a partir do qual se desenvolvem os demais conteúdos. Nessa
perspectiva, é necessário que a formação de professores seja organizada
na unidade conteúdo-forma (LONGAREZI, 2017; 2019c; 2020b; 2021b), a
partir da qual os fundamentos que sustentam as teorias psicológicas e
pedagógicas, assim como os conteúdos disciplinares que o professor
ensinará, se constituam objeto de sua formação, pela via do método.
Em tais condições temos realizado pesquisas com formação de
professores e gestores pedagógicos (LONGAREZI, 2006; 2012; 2014;
2017; 2019c; 2020b; FRANCO, 2015; DIAS DE SOUSA, 2016;
GERMANOS, 2016; SOUZA, 2016; FEROLA, 2016; MARRA, 2018;
COELHO, 2020; JESUS, 2021; FERREIRA, 2021; entre outras), em
diferentes contextos escolares (Educação Infantil, Ensino Fundamental,
Médio e Superior), que objetivam, fundamentalmente, possibilitar ao

488
docente o desenvolvimento de seu pensamento dialético sobre a docência,
tendo no método sua força propulsora. Este capítulo, tomado como
síntese de uma produção colaborativa em torno dessas várias pesquisas de
campo com formação de professores, realizadas sob tais premissas, analisa
a partir de alguns princípios histórico-culturais de uma educação
desenvolvedora (com base na experiência soviética) e de princípios
didáticos da formação de professores (expressos no contexto brasileiro),
unidades dialéticas, movimentos e ações didáticas específicas, cujos
fundamentos estão assentados no método materialista histórico-dialético
como impulsionador da formação de professores, com base em uma
abordagem desenvolvimental.

Princípios histórico-culturais da formação de professores “em” e


“para” uma perspectiva desenvolvimental: a experiência soviética

Assentada na filosofia marxista, a psicologia histórico-cultural,


reconhecida como Escola Soviética, emerge na primeira metade do século
XX como uma nova psicologia, absolutamente revolucionária para a
época. O corpus teórico que deu sustentação a essa chamada psicologia
marxista foi elaborado a partir do esforço de vários coletivos que
pesquisaram e produziram intensamente princípios e teorias que deram
sustentáculo a ela. Ainda quando reconheçamos a importante contribuição
de L. S. Vigotski (1896-1934) e S. L. Rubinstein (1889-1960), junto a seus
grupos, na produção das bases dessa nova psicologia, na qual, L. S.
Vigotski, pode ser considerado um de seus precursores; não podemos
ignorar que a edificação de toda a teoria, contou com a participação de
vários grupos e levou, inclusive, à edificação de enfoques histórico-
culturais distintos.
Nesse contexto, faz-se mister superar a visão produzida no
ocidente que disseminou uma compreensão personalista, que atribui à
psicologia histórico-cultural uma paternidade conferida,
fundamentalmente, à L. S. Vigotski (1896-1934), A. N. Leontiev (1903-
1979) e A. R. Luria (1902-1977); ignorada, em grande parte, a enorme
contribuição de S. L. Rubinstein (1889-1960), G. D. Lukov (1910-1968),
V. I. Asnin (1904-1956), A. V. Zaporozhets (1905-1981), P. I. Zinchenko
(1903-1969), L. I. Bozhovich (1908-1981), entre outros. Ademais, a

489
entrada dessa perspectiva nos países ocidentais vem acompanhada de uma
perspectiva que propagou uma compreensão homogênea da psicologia
histórico-cultural e da teoria desenvolvimental.
Estudos documentais (LONGAREZI; 2019a; 2019c; 2020a;
2020b; 2021a; LONGAREZI, FRANCO, 2013; 2015; LONGAREZI,
ARAUJO, PIOTTO, MARCO, 2018; 2019; LONGAREZI, PUENTES,
2017; PUENTES, LONGAREZI, 2017a; 2017b; PUENTES, 2018; etc.)
da perspectiva histórica e da produção teórica dessa abordagem têm
possibilitado compreender que não há uma didática desenvolvimental una
ou mesmo uma única teoria histórico-cultural (LONGAREZI; 2020a;
2020b); o que nos remete à compreensão da importante participação dos
diferentes grupos e coletivos que trabalharam fortemente à época.
Fundamentadas nessa psicologia, foram produzidas várias
correntes teóricas, às quais identificamos pelo menos três
(LONGAREZI; 2020a; 2020b): uma Teoria da Atividade, cujo corpus
conceitual tem sua gênese nos psicólogos soviéticos A.N. Leontiev
(1903-1979), S. L. Rubinstein (1889-1960) e seus coletivos; uma Teoria
da Personalidade, representada pelos vários grupos compostos pelos
também soviéticos L.I. Bozhovich (1908-1981), N.G. Morozova
(1906-1989), B.G. Ananiev (1907-1972), B.F. Lomov (1927-1989),
L.S. Slavina (1906-1988) e L.I. Aidarova; e uma Teoria da Subjetividade,
proposta pelos psicólogos cubanos F. Gonzáles Rey [1949-2019] e
A.M. Martínez [1949-]).
O modelo de sociedade no período revolucionário da ex-União
Soviética e a produção de novas compreensões sobre o desenvolvimento
humano e sobre o papel da obutchénie150 como seu impulsionador, geraram

150 Obutchénie é a transliteração da palavra russa oбучение “[...] que encerra tanto a
atividade didática do professor quanto a atividade de autotransformação dos alunos.”
(LONGAREZI; PUENTES, 2017, p. 7, nota 1 da apresentação). Davidov define
obutchénie como a “[...] a interação entre alunos e professores, a inter-relação entre a
utchenia (aprendizagem) e os esforços profissionais do professor (se essa interação for
compreendida com a noção de "atividade", então a obutchénie pode ser caracterizada
como uma correlação entre atividade de estudo e atividade pedagógica).”
(ДАВЫДОВ, 1996, p. 252). “Dessa forma, obutchénie se constitui no processo
pedagógico no qual estão implicados professores e alunos e, enquanto tal, expressa a
unidade da ação de ambos, com foco na aprendizagem do estudante que ocorre em

490
a necessidade de se produzir modos didáticos que colocassem o sujeito
em desenvolvimento psíquico. Essa busca por modos intencionais de
produzir desenvolvimento, no âmbito da educação escolar, resultou na
construção de vários sistemas didáticos151, dentre os quais os mais
difundidos são: 1) o sistema Zankov, 2) o sistema Galperin-Talízina152 e 3) o
sistema Elkonin-Davidov-Repkin153 (LONGAREZI, 2019c; 2020a; 2020b).
O primeiro emerge sob influência mais direta das ideias de L. S. Vigotski,
de quem L. V. Zankov (1901-1977) foi aluno; e os dois últimos são
produzidos, essencialmente, a partir dos fundamentos da Teoria da
Atividade. Das Teorias da Personalidade e da Subjetividade não foram
sistematizados modos didáticos de organizar a atividade de estudo
desenvolvedora do humano; embora existam importantes e distintos
fundamentos ante os quais a produção de didáticas para o
desenvolvimento do estudante sob tais abordagens seja uma necessidade
premente.
Neste universo teórico complexo, heterogêneo e, em muitas
circunstâncias, divergente, nasce uma abordagem de educação
desenvolvimental que, como visto, não é una, nem homogênea, mas

processo de colaboração com o professor e com outros estudantes.” (LONGAREZI,


2020a, p. 4).
151 Um sistema didático consiste em “[...] um conjunto inter-relacionado dos

objetivos educacionais com os princípios de sua organização, os conteúdos da


educação, as “[...] formas organizacionais, bem como os métodos de ensino;
condicionados ao alcance dos objetivos de aprendizagem adotados pela comunidade
educativa” (VALEEV; ZINNATOVA, 2013, p. 17).” (PUENTES; LONGAREZI,
2020, p. 205).
152 Mesmo quando não se tenha, no Brasil, um consenso sobre as produções de P.

Ya. Galperin (1902-1988) e N. F. Talízina (1923-2018) se constituírem em um


sistema didático, estudo recente (PUENTES; LONGAREZI, 2020) apresentou
vários critérios a partir dos quais se faz possível assim considera-lo (Cf. PUENTES;
LONGAREZI, 2020).
153 V. V. Repkin (1927- ), psicólogo ucraniano, desenvolveu parte de sua formação
em Moscou, onde foi aluno de A. N. Leontiev (1903-1979), P. Ya. Galperin (1902-
1988), S. L. Rubinstein (1889-1960), D. B. Elkonin (1904-1984) e V. V. Davidov
(1930-1998). Dada a sua proeminente contribuição para o sistema, o próprio V. V.
Davidov o reconhece e, em um de seus últimos escritos, nomeia o sistema como
Elkonin-Davidov-Repkin. Em estudo recente (PUENTES; LONGAREZI, 2020),
demonstrou-se que não apenas V. V. Davidov fez tal reconhecimento; e se tem
apresentado dados que corroboram a inclusão de V. V. Repkin na nomenclatura do
sistema (Cf. PUENTES; LONGAREZI, 2020).

491
assume “[...] como pressuposto o caráter ativo da aprendizagem e seu
papel determinante no desenvolvimento do indivíduo.” (NÚÑEZ, 2009,
p. 17). Desde essa perspectiva epistemológica, é produzida, portanto, uma
Teoria da Obutchénie Desenvolvimental, com diferentes vieses, a maioria
dos quais sob a forte as bases da psicologia histórico-cultural da atividade
(LONGAREZI, 2019a; 2019b; 2019c; 2020a; 2020b; PUENTES;
LONGAREZI, 2017a; 2017b).
Essa abordagem de educação desenvolvedora se alicerça a partir
dos princípios gerais da psicologia histórico-cultural, expressa
particularmente nas principais teses vigotskianas:

1) da não espontaneidade da constituição humana: “não


concordamos com o fato de deixar o processo educativo nas
mãos das forças espontâneas da vida. Nunca poderemos calcular
antecipadamente que elementos da vida predominarão em nosso
educando.” (VIGOTSKI, 2003, p. 77);
2) do caráter desenvolvimental da obutchénie: “a única boa obutchénie
é a que se adianta ao desenvolvimento.” (VIGOTSKI, 2010a, p.
114, destaques das autoras); e
3) do potencial desenvolvedor que se encontra na Zona de
Desenvolvimento Possível (ZDP): essa obuchénie que está à frente
do desenvolvimento “[...] desperta e provoca o surgimento de
uma série de funções que se encontravam em fase de
amadurecimento e na zona de desenvolvimento possível. É nisso
que consiste o papel principal da obutchénie no desenvolvimento.
(VIGOTSKI <ВЫГОТСКИЙ>, 1999, p.216, tradução nossa).

Dessa maneira, ainda quando tenhamos clareza de que a obutchénie


desenvolvimental não se constitui em uma perspectiva homogênea
e reconheçamos suas diferenças, há algo em comum que as
caracterizam: têm o desenvolvimento como finalidade do processo
educativo.
Com esses fundamentos, os vários sistemas didáticos
desenvolvimentais foram produzidos em escolas laboratórios por
uma grande equipe interdisciplinar composta por psicólogos,
filólogos, filósofos, pedagogos, metodólogos e professores. Os
professores foram fundamentais no processo de produção dos
sistemas.

492
Como o experimento era parte integrante da obutchénie sistemática,
apenas um professor poderia conduzi-lo, o que, por sua vez, foi
transformado de um implementador consciencioso dos planos de
um psicólogo pesquisador em seu verdadeiro coautor. (РЕПКИН;
РЕПКИНА, 2018, p. 3, tradução nossa).

Os professores, trabalharam com os pesquisadores na


implementação das atividades escolares, sob a orientação dos
metodólogos, assim como ajudaram na solução de vários problemas que
emergiram durante as experimentações; dessa maneira, contribuíram
diretamente na elaboração dos sistemas.
Os ucranianos V. V. Repkin (1927- ) e N. V. Repkina (1954 -
), que trabalharam na edificação do sistema didático Elkonin-Davidov-
Repkin, reconheceram a importância da participação dos professores no
processo de elaboração dos sistemas, sem a qual compreendem que “[...] a
experiência de obutchénie teria sido impossível.” (РЕПКИН; РЕПКИНА,
2018, p. 3, tradução nossa).
Essas equipes interdisciplinares desenvolveram vários trabalhos
experimentais, especialmente, na escola primária (o correspondente, no
Brasil, ao ciclo 1 do Ensino Fundamental), na qual foram sendo
produzidos os sistemas didáticos desenvolvimentais soviéticos. A
participação direta dos professores nos processos de produção dos
sistemas nos evidencia que a formação desses profissionais acontecia no
próprio processo de educação experimental.

Pergunto se é necessário, separadamente, formar no professor o


pensamento teórico, de maneira isolada. É impossível. Quando o
professor começa a trabalhar de acordo com o sistema, quando ele
começa a resolver os problemas com os alunos, começa também a
desenvolver seu pensamento teórico. [...] Durante o ensino,
obrigatoriamente eles faziam o projeto de dar aula, o planejamento,
depois alguém analisava com eles. Por exemplo, os professores que
estão sendo formados fazem o planejamento da aula, um deles a
ministra, depois discutem os resultados e a replanejam. Fazem o
plano de outra aula e assim eles analisavam as vantagens e
desvantagens, o que deu certo e o que não deu. Dessa maneira,
aconteceu o processo de formação de professores lá. (REPKINA,
2018, p. 535).

493
A formação continuada dos professores para o trabalho com os
sistemas didáticos não acontecia fora deles e, no mesmo sentido, não
ocorria de forma homogênea. Assim como os sistemas eram distintos,
assim como os coletivos apresentavam particularidades, e até divergências
entre si; os processos de formação docente em serviço também o eram.
Desse modo, a formação profissional dos professores na antiga
União Soviética, realizada no contexto da revolução russa, fortemente
influenciada por uma psicologia histórico-cultural, não ocorria
desvinculada da prática laboral (РУБЦОВ; МАРГОЛИС;
ГУРУЖАПОВ, 2010). A formação em nível de graduação também era
acompanhada de atividades práticas na escola sob a coordenação de
professores da universidade e professores das instituições de ensino. Ao
final, o professor encontrava-se habilitado para a atividade profissional
depois de passar por uma atividade avaliativa aplicada pelo Estado. Ainda
assim, o recém formado, assume a docência com o apoio de um professor
mais experiente que acompanha o jovem professor e o orienta em relação
aos aspectos pedagógicos e psicológicos da atividade profissional.
(MARCO; LOPES; CEDRO, 2019).
Na perspectiva de uma educação desenvolvimental, com o marco
teórico de uma psicologia pedagógica marxista, a preparação profissional
dos professores, naquele contexto, foi assinalada por uma intensa
formação psicológica. Há de se reconhecer, nesse viés, a relevância do
conhecimento das teorias do desenvolvimento para a compreensão e
orientação das teorias pedagógicas enquanto processos interdisciplinares
de estudo e prática pedagógica. Nos institutos de formação dos
professores, criados no início do século XIX e que, nos anos de 1990,
foram fundidos às universidades, lhe ensinavam

[...] Psicologia Geral, do Diagnostico, Psicologia Pedagógica, ou


seja, passávamos por conteúdos relacionados com a disciplina que
eles estavam ensinando e relacionando com a metodologia do
ensino desenvolvimental. Então, eles estudavam assim: a teoria de
sua disciplina, da qual eles eram professores, como ensinar essa
disciplina e metodologia do ensino desenvolvimental daquela
disciplina específica. Sempre foi aplicado para aquela disciplina
onde o professor atuava. (REPKINA, 2018, p. 535).

494
No caso dos professores das escolas primárias, os conteúdos
disciplinares envolviam as várias áreas do conhecimento. Por sua vez, os
cursos ofertados para professores já em exercício e, portanto, formados,
habilitados para a docência e em atividade profissional, também
envolviam uma forte formação no campo da psicologia, com
acompanhamento de metodólogos e pesquisadores.

Esses cursos de capacitação de professores não são tipo uma vez,


eles fazem e voltam a trabalhar, isso acontece de três a quatro
vezes. Quando tínhamos o instituto desenvolvimental era melhor
porque eles gravavam as aulas, voltavam para o instituto com as
gravações, assistiam e discutiam as aulas. [...] Tinham também os
cursos teóricos. Existia o instituto de ensino desenvolvimental. [...]
Então, eles estudavam assim: a teoria de sua disciplina, da qual eles
eram professores, como ensinar essa disciplina e metodologia do
ensino desenvolvimental daquela disciplina específica. (REPKINA,
2018, p. 535-536).

No modo como concebida na ex-União Soviética, a temática da


formação de professores parece, então, não ter sido tratada de forma
isolada dos processos de educação desenvolvimental que surgem na
emergência dessa (nova) perspectiva, demandada para a (nova) sociedade
que se constitui à época.

Princípios didáticos da formação de professores “em” e “para” uma


perspectiva desenvolvimental: o contexto brasileiro

Há um aspecto epistemológico-metodológico essencial que


representa um divisor de águas entre os processos de formação
profissional do professor no contexto soviético, quando comparados aos
que se instituem em modelos mundiais de formação profissional docente.
Historicamente, a formação de professores, em vários países do ocidente
e oriente, tem sido marcada pela cisão entre a formação teórico-acadêmica
e o exercício da profissão; ainda quando o estágio supervisionado e/ou
outros componentes curriculares venham compondo os currículos dos
cursos de formação de professores com o propósito de fazer uma
aproximação desses com a realidade e o contexto profissional da docência.

495
Marcada pelo hiato entre a formação acadêmico-profissional e a
prática pedagógica, a educação brasileira tem demandas específicas para a
formação profissional docente orientada a uma perspectiva de atuação que
seja desenvolvedora do estudante; dentre as quais identificamos a
necessidade de se somar, ao conjunto de conteúdos do processo
formativo, as bases epistêmicas e os fundamentos do método materialista
histórico-dialético; além dos fundamentos psicológicos e didáticos e dos
conteúdos disciplinares que o professor irá ministrar.
Entende-se que a formação filosófica e epistemológica é
fundamental para uma ação consciente e humanizada da docência no
sentido histórico-dialético necessário à produção de uma educação que
promova o desenvolvimento humano tanto do estudante, quanto do
professor; em que ambos sejam sujeitos no processo educativo. Isso
porque, se limitamos a formação operacional do professor aos processos
técnicos de uma ação para a promoção do desenvolvimento; se o
professor estiver alienado da compreensão teórico-metodológica que
orienta os princípios e processos psicológicos, pedagógicos e
epistemológicos envolvidos no modo de organizar, orientar e colaborar
desenvolvedores; se estiver alienado do entendimento do potencial
desenvolvedor que a educação pode assumir, terá uma formação-ação
meramente técnica e sem a autoria e autonomia que são fundamentais
para uma prática pedagógica consciente e também desenvolvedora do
professor em sua atividade de trabalho.
Assim, a formação do professor é uma atividade educativa de
relevância incontestável para sua atuação humanizada e humanizadora.
Enfim, a docência, como atividade humana, é produção humana que se dá
pela aprendizagem-desenvolvimento. Nesse contexto, o processo de
formação desenvolvimental da docência, enquanto objeto intencional do
formador de professores, não emerge de maneira espontânea, é objeto de
processos educativos e, nesse sentido, são histórico-culturais.
Por isso, mesmo que sob alicerces teórico-metodológicos comuns,
temos a necessidade, no Brasil, de produzir modos e condições de
formação de professores desenvolvedores e para o desenvolvimento,
condizentes com as demandas do contexto sócio-histórico a que estamos
imersos. Afinal,

496
Os processos de individuação realçam a diversidade e põem peso
no papel das práticas socioculturais nas aprendizagens, [...]. Desse
modo, junto com a homogeneidade global, acentua-se a
diversidade sociocultural em que emergem múltiplas culturas e
múltiplos sujeitos, [...]. Tais processos são particularmente
importantes nos estudos da teoria histórico-cultural, considerando-
se que esta teoria tem como uma de suas mais fortes premissas a
influência das práticas socioculturais na gênese e desenvolvimento
de processos mentais. (LIBÂNEO, 2014, p.1).

Os processos de individuação e homogeneidade global se


consolidam no contexto educacional brasileiro e se acentuam nas práticas
escolares correntes com fortes impactos na constituição e formação
humana de estudantes e professores.
No Brasil, temos uma educação escolar fortemente influenciada
pelos modelos de educação tradicionais e tecnicistas, que impactam
também em modelos de formação para a docência similares, orientados
pelas mesmas concepções e práticas tradicionais e comportamentais. No
entanto, essa perspectiva vigente nas escolas de educação básica e de
ensino superior brasileiras, assim como em diferentes países, está limitada
a uma dimensão informativa porque ocorre, fundamentalmente, sob a
base da transmissão do conhecimento científico e não da formação de um
tipo especial de pensamento (teórico), distinto daquele que temos
constituído em condições cotidianas de vida (empírico).
Essa prática pedagógica, calcada em processos transmissivos e
mnemônicos, na qual o professor apresenta o conteúdo ao estudante, se
faz infecunda para qualquer educação que se pretenda ir além de
processos reprodutivos. Os trabalhos experimentais de L. S. Vigotski
demonstraram, na primeira metade do século XX, que a atividade
pedagógica do professor que se disponha a formar conceitos, sob a base
do desenvolvimento do pensamento conceitual científico, implica
processos colaborativos junto aos estudantes, cuja finalidade não se
encerra na transmissão da ciência.
A educação científica, enquanto atividade mental, requer um
modo de pensamento conceitual que exige processos de análises e
sínteses, atividades psíquicas que só podem ocorrer como modo de
pensamento do sujeito. Esse não é um processo espontâneo, é processo

497
de aprendizagem, mediado pelo sistema de conceitos no qual se está
inserido o conteúdo em formação.
Assim entendido, o trabalho do professor não é o de transmitir a
experiência histórica da humanidade, pela transferência do conhecimento
escolar. Nas palavras de Vigotski (2007, p. 247, tradução nossa):

Não menos que a investigação teórica, a experiência pedagógica


nos ensina que a obutchénie direta de conceitos sempre se mostra
impossível e pedagogicamente estéril. O professor que envereda
por esse caminho costuma não conseguir senão uma assimilação
vazia de palavras, um verbalismo puro e simples que estimula e
imita a existência dos respectivos conceitos na criança mas, na
prática, esconde o vazio. Em tais casos, a criança não assimila o
conceito mas a palavra, capta mais de memória do que de
pensamento e se sente impotente diante de qualquer tentativa de
emprego consciente do conhecimento assimilado.

No mundo globalizado e em rede, como o que vivemos, é um


empobrecimento da atividade docente colocar o professor a serviço de
apresentar, informar o conhecimento ao estudante. Delegar ao professor
o papel de transmissor do conhecimento não apenas restringe sua tarefa
educativa, como a torna inócua. Se o desenvolvimento do pensamento
teórico154 presume a formação de conceitos e ações mentais, enquanto
atividade psíquica do estudante, sem as quais não se formam e/ou
desenvolvem funções psicológicas superiores, exige-se da escola um
trabalho educativo que transcenda a apresentação e o acesso ao
conhecimento, colocando ao professor um papel fundamental e que
ultrapassa a função meramente informativa: “[...] o mestre é o organizador
do meio social educativo, o regulador e controlador da sua interação com
o educando.” (VIGOTSKI, 2003, p. 76).
Sua função é, portanto, a de organizar as condições objetivas e
subjetivas (o meio social) para colocar o estudante no movimento de
formação conceitual e de constituição de ações mentais, a de orientar e

154Tipo especial de pensamento que se constitui sob a base da reflexão, análise e


generalização; cujo conteúdo é “[...] a existência mediatizada, refletida, essencial. O
pensamento teórico é o processo de idealização de um dos aspectos da atividade
objetal prática, a reprodução, nela, das formas universais das coisas” (DAVIDOV,
1988, p.125). Se forma a partir da constituição em unidade do conceito científico e
das ações mentais.

498
colaborar nesse processo; o que, de longe, não corresponde à função de
agir de forma direta com o conteúdo sobre o estudante.

O meio social é a verdadeira alavanca do processo educacional, e


todo o papel do mestre consiste em direcionar essa alavanca.
Como um jardineiro seria louco se quisesse influenciar o
crescimento das plantas, puxando-as diretamente do solo com as
mãos, o pedagogo entraria em contradição com a natureza da
educação se forçasse sua influência direta sobre a criança. Mas o
jardineiro influencia o crescimento da flor aumentando a
temperatura, regulando a umidade, mudando a disposição das
plantas vizinhas, selecionando e misturando a terra e adubo, ou
seja, mais uma vez agindo indiretamente, através das mudanças
correspondentes do meio (VIGOTSKI, 2003, p. 76).

Numa perspectiva transformadora e humanizadora entende-se


que essa seja uma importante tarefa a ser assumida pela sociedade
brasileira. A escola de educação básica e superior precisa ter como projeto
um processo educativo que supere a dimensão meramente reprodutiva do
saber culturalmente produzido pela humanidade; calcada
fundamentalmente nos modelos tradicionais e tecnicistas de educação.
Essa é a tradição educacional na qual os professores não somente
reproduzem, mas, dentro da qual, são também formados. Como proferir
aos docentes que tenham uma prática desenvolvedora do pensamento
conceitual de seus estudantes, fazendo-a de forma direta (nas palavras de
L. S. Vigotski, “pedagogicamente estéril”), a partir de um modelo
transmissivo e mnemônico?
Em estudo recente (DIAS DE SOUSA; LONGAREZI, 2018)
temos analisado as referências das práticas dos professores; às quais temos
associado a processos formativos em que os modelos metodológicos não
correspondem, na maioria das vezes, aos discursos teóricos que se
apresentam. Assim, entre uma referência formativa da práxis (em que há
unidade entre o que se defende discursivamente e o que se pratica,
unidade teoria-prática) e uma referência empírica (em que se reproduz as
práticas vividas, sem consciência dos fundamentos que as orientam);
reside uma referência memorizada (na qual se expressam domínios
discursivos de práticas alternativas, com o exercício de práticas
reprodutivas). Essa última, parece ser a mais expressiva no contexto

499
escolar brasileiro. Tem-se acesso a perspectivas pedagógicas diferentes e
alternativas ao ensino tradicional e tecnicista e, portanto, se é capaz de
defendê-las; mas ainda sob uma perspectiva prática reprodutiva e
mnemônica.
A tese que temos defendido, quanto à essa situação que
caracteriza os processos formativos de professores na realidade brasileira,
é a de que essa circunstância se justifica pela ausência de uma vivência
(perejivanie)155 real dos métodos e de estratégias didáticas relevantes para o
exercício de uma educação desenvolvedora e humana. Se

[...] a atividade principal do futuro professor é a de promover a


atividade de aprendizagem de seus futuros alunos, nada mais
oportuno que o professor aprenda a sua profissão na perspectiva
em que irá ensinar aos seus alunos.” (LIBÂNEO, 2004, p. 136).

Afinal, como esperar que o professor ultrapasse uma prática


pedagógica reprodutiva e mnemônica, que objetive o desenvolvimento
dos estudantes, quando ele próprio foi formado com base na repetição e
memorização; sem desenvolver seu pensamento científico?
O professor só terá condições de planejar sua atividade
pedagógica de forma desenvolvedora se, ao longo de seu processo
formativo, tanto no sentido educativo geral, quanto no sentido
profissional, tiver vivenciado um processo formativo no qual a atividade
conceitual o tenha possibilitado o domínio do conceito e de ações mentais
desenvolvedoras de seu pensamento científico sobre a docência.

155Perejivanie é a transliteração da palavra russa переживание, cuja grafia tem variado no


ocidente e aparece na literatura como perezhivanie, perejivánie, perejivânie etc. A tradução
para a língua portuguesa tem sido, muitas vezes, como vivência. Assim, sempre que
estivermos nos referindo à vivência estaremos tratando da perejivanie no sentido
conceitual apresentado por Vigotski (2010b, p. 686-687; acréscimo nosso): “A
perejivanie [vivência] é uma unidade na qual, por um lado, de modo indivisível, o meio,
aquilo que se vivencia está representado [...] e, por outro lado, está representado
como eu vivencio isso, ou seja, todas as particularidades da personalidade e todas as
particularidades do meio são apresentadas na perejivanie [vivência], tanto aquilo que é
retirado do meio, todos os elementos que possuem relação com dada personalidade,
como aquilo que é retirado da personalidade, todos os traços de seu caráter. [...] Por
isso, nós temos o direito de estudar a perejivanie [vivência] como uma unidade de
elementos do meio e de elementos da personalidade.”.

500
Por tais razões, não se pode responsabilizar o professor,
tampouco ignorar o papel dos processos didáticos em sua formação
profissional. O docente se constitui na unidade dialética sócio-pessoal156 e,
sua atividade profissional, revela as mediações vivenciadas nos processos
educativos ao longo de sua escolarização ou mesmo nos processos de
profissionalização pelos quais passou.
As pesquisas que temos realizado (LONGAREZI, 2017; 2020b;
2021b; LONGAREZI; DIAS DE SOUSA, 2018; FRANCO; SOUZA;
FEROLA, 2018; FRANCO, 2015; DIAS DE SOUSA, 2016;
GERMANOS, 2016; SOUZA, 2016; FEROLA, 2016; MARRA, 2018;
COELHO, 2020; JESUS, 2021; FERREIRA, 2021; entre outras)
possibilitaram constatar que a formação conceitual e de ações mentais
sobre a docência, com impactos na prática pedagógica do professor,
fundada no método dedutivo (do abstrato ao concreto), se efetiva
fundamentalmente na unidade conteúdo-forma; ou seja, pela vivência do
método (forma) se faz concreta a formação-desenvolvimento do
professor para o exercício de uma educação desenvolvedora dos
estudantes. Assim,

Partindo da compreensão de que a apropriação-objetivação pelo


professor do Ensino Desenvolvimental implica a vivência (no
sentido vigotskiano) em seus processos educativo-formativos da
obutchénie; o método é assumido, nessa proposta, como elemento
central e mediador dos conteúdos da formação, constituindo-se
numa relação dialética, a partir da qual compreende-se a formação
enquanto totalidade; o que garante ao professor a apropriação dos
processos mediacionais necessários para a materialidade de uma
Didática Desenvolvimental. (LONGAREZI, 2017, p. 207).

156Essa unidade tem sua compreensão na unidade sujeito social-sujeito pessoal


porque se faz jus à concepção vigotskiana de perejivanie [vivência] enquanto “...uma
unidade de elementos do meio e de elementos da personalidade.” (VIGOTSKI,
2010b, p. 687). Se, por um lado, reconhece-se a natureza social do homem;
reconhece-se igualmente que o social não é algo imprimido no indivíduo de
forma determinista e unilateral. Admite-se a dimensão da pessoalidade produzida
pelo humano que também é o produtor do social. Nessa unidade sujeito-
sociedade, propõe-se a compreensão de sujeito social-sujeito pessoal ou sujeito
sócio-pessoal. Na primeira encontra-se encarnada a natureza social do homem e
na segunda a pessoalidade que o constitui, assim compreendido, o sujeito é sócio-
pessoal.

501
O método tem sido, nesse sentido, o conteúdo teórico e prático
dos processos formativos que temos produzido, dadas as particularidades
e demandas formativas desenvolvedoras de professores; dadas as
peculiares da realidade da escola pública brasileira, bem como dos modos
próprios de pensamento consolidados em contextos capitalistas como os
que caracterizam o Brasil. Em face dessa conjuntura, as investigações que
temos realizado (LONGAREZI, 2006; 2012; 2014; 2017; FRANCO,
2015; DIAS DE SOUSA, 2016; GERMANOS, 2016; SOUZA, 2016;
FEROLA, 2016; MARRA, 2018; COELHO, 2020; JESUS, 2021;
FERREIRA, 2021; entre outras) com formação de professores têm no
método a fonte didática que oportuniza a vivência (perejivanie) necessária à
formação e ao desenvolvimento de professores e estudantes no contexto
educacional brasileiro.
No bojo dessa condição entendida como fulcral para uma
formação docente desenvolvimental nas condições socioculturais
brasileiras, temos defendido, a partir de várias pesquisas-formação157
realizadas com professores e gestores pedagógicos em escolas públicas de
Educação Infantil, Ensino Fundamental, Médio e Superior, que os
processos estejam pautados por uma perspectiva dialética que se constitua
luta dos contrários, enquanto unidades; para as quais produzimos

157 A pesquisa-formação se constitui em uma perspectiva de investigação científica


que tem em seus propósitos e métodos, além da produção científica sobre
determinado fenômeno, propiciar processos de formação pela via da pesquisa
científica realizada com professores e não sobre professores (LONGAREZI; SILVA,
2012; 2013). Nesse tipo de pesquisa, “[...] a formação é desenvolvida mediante
pesquisa com e pelos participantes. A complexidade desse processo o denominamos
pesquisa-formação.” (ALVARADO PRADA, 2006, p. 109). O modo como temos
realizado pesquisa-formação na perspectiva desenvolvimental (LONGAREZI, 2006;
2012; 2014; 2017; 2020b; 2021b; FRANCO, 2015; DIAS DE SOUSA, 2016;
GERMANOS, 2016; SOUZA, 2016; FEROLA, 2016; MARRA, 2018; COELHO,
2020; JESUS, 2021; FERREIRA, 2021; entre outras), tem se constituído em um tipo
de pesquisa que designamos Intervenção Didático-Formativa (IDF). A IDF consiste
em uma [...] ação investigativo-formativa, a partir da qual se faz, de forma intencional,
uma intervenção no contexto educacional pela via da formação didática do professor;
e, nesse processo, se constitui simultaneamente intervenção didática junto a classes
de estudantes. Dessa maneira, o processo didático da obutchénie é produzido no
processo de formação didática do professor. Por isso, (...) tem como objetivo-fim a
formação-desenvolvimento de professores e estudantes pela atividade pedagógica
(objetivo-meio).” (LONGAREZI, 2017, p.198-199).

502
movimentos e ações didáticas, assumidos a partir de alguns princípios
que sistematizamos como orientadores do desenvolvimento profissional
docente desencadeado pela formação de professores nessa abordagem:

1. Princípio da natureza social do conhecimento e da formação


humana;
2. Princípio do caráter ativo e produtivo do professor no processo
formativo;
3. Princípio da centralidade do método como conteúdo-forma
para a educação didática de professores;
4. Princípio da formação docente pelo desenvolvimento do
pensamento teórico sobre a docência;
5. Princípio da formação docente pela atividade objetiva e
subjetiva do professor;
6. Princípio da unidade dialética na organização de todo o
processo formativo;
7. Princípio da contradição e do confronto como geradores da
ruptura e do desenvolvimento; e
8. Princípio da formação docente tomados os processos de
educação como propulsores do desenvolvimento humano e
profissional do professor. (LONGAREZI, 2017; CHAVES,
2019).

A formação docente, orientada por tais princípios, se efetiva de


modo dialético nos contraditórios processos de formação e
desenvolvimento do pensamento teórico mediado. Daí emergem o que
temos designado enquanto unidades dialéticas (conteúdo-forma, imitação-
criação e ruptura-desenvolvimento), que fundamentam a prática formativa,
tomadas as teses gerais da psicologia histórico-cultural do
desenvolvimento humano, que seguem melhor fundamentas, juntamente
com os movimentos (diagnóstico, problematização e formação do conceito científico
e dos modos generalizados de ações) e ações didáticas (diagnóstico,
problematização, atividade coletiva, consciência expressa no uso intencional dos
significados conceituais e generalização como objetivação do conceito para si)
(LONGAREZI, 2017; 2020b; 2021b; LONGAREZI; DIAS DE SOUSA,
2018; FRANCO; SOUZA; FEROLA, 2018), assumidos como modos

503
didáticos desenvolvimentais para a formação e o desenvolvimento do
pensamento conceitual do professor “sobre” e “para” a docência.

Unidades dialéticas, movimentos e ações didáticas em processos


desenvolvimentais de formação profissional docente

“não podemos deixar que a vida – sem a mediação de qualquer


ciência – promova as exigências pedagógicas; essa é uma questão da
pedagogia teórica.” (VIGOTSKI, 2003, p. 42).

Na tese marxista que abre o presente capítulo (III Tese sobre


Feuerbach, MARX; ENGELS, 1989, p. 94), defende-se que o educador
precisa ser educado; uma vez que, se são os homens que transformam as
circunstâncias, os mesmos precisam ser submetidos a outras circunstâncias, a
uma educação modificada. Enquanto educação modificada, esse processo não
pode estar pautado nem na aquisição direta do conhecimento (se for por
procedimentos de natureza mnemônica e reprodutora), nem em uma
educação praticista e empírica (se for por procedimentos de natureza
técnica e comportamental).
Assim como nos assinala Vigotski (2003) na epígrafe acima, a
mediação precisa ser teórica e, no caso da ciência da educação, essa
mediação precisa ser da pedagogia teórica. Assim, a formação docente
prescinde orientar-se a partir de processos que sejam desenvolvedores do
pensamento teórico sobre a docência; mediado, portanto, por uma
pedagogia teórica; mas que, como destacado, implica sua vivência
enquanto método.
Sob essa premissa básica, as leis gerais da dialética são assumidas
como impulso propulsor da formação e do desenvolvimento do
pensamento teórico do professor; e esses como processos de sínteses das
forças contraditórias que se constituem enquanto campo de tensões. A
dialética, síntese da unidade dos contrários (KOPNIN, 1978), é tomada,
portanto, como orientação metodológica nos processos de constituição
humana, pela via da educação desenvolvimental. A dialética é o método
sob o qual produzimos o que temos designado de unidades constitutivas
dos processos de educação escolar (LONGAREZI, 2021b;
LONGAREZI; DIAS DE SOUSA, 2018; FRANCO; SOUZA;

504
FERLOA, 2018) e de formação desenvolvimental de professores
(LONGAREZI, 2017): unidades conteúdo-forma, imitação-criação e ruptura-
desenvolvimento .
A primeira, unidade conteúdo-forma, se configura como uma
dimensão central da formação didática do professor, sem a qual entende-
se absolutamente inócua qualquer tentativa de formação desenvolvedora.
O ponto de partida para esse entendimento está na identificação dos
conteúdos que se propõem para a formação docente, em uma perspectiva
didática desenvolvimental, dada a realidade brasileira. Alguns estudos
(LONGAREZI, 2006; 2012; 2014; 2017; LONGAREZI; ARAUJO;
FERREIRA, 2007; LONGAREZI, FRANCO, 2017) no campo da
formação de professores, desenvolvidos a partir dessa abordagem,
levaram à compreensão de que os conteúdos da formação didática para a
docência consistem em: 1. princípios teórico-metodológicos orientadores
de uma educação que promova desenvolvimento, 2. fundamentos teórico-
metodológicos para uma Didática Desenvolvimental e 3. conteúdos
disciplinares e sua base epistemológica; mediados pelo 4. método
(LONGAREZI, 2017). O método, nessa perspectiva, se apresenta como o
conteúdo síntese da relação dialética entre todos conteúdos, o que
possibilita uma concepção e prática de unidade no processo de obutchénie-
desenvolvimento.
A proposta do método como síntese e, nesse sentido, unidade
dialética no processo formativo docente fundamenta-se na compreensão
da imprescindibilidade da vivência (perejivanie), pelo professor, do modo de
formação do pensamento teórico como parte de sua constituição
profissional, para que sejam formadas as funções psicológicas necessárias
a uma prática pedagógica desenvolvedora do estudante. Por isso, a
proposta é a de que o método seja o eixo central do processo de
formação, a partir do qual os demais conteúdos se relacionem, se
confrontem, se constituam enquanto unidade.
A vivência (perejivanie) do método como forma de apropriação-
objetivação da profissionalidade docente já se apresenta como um
prenúncio de outra importante condição para a formação didática do
professor numa perspectiva desenvolvimental: a imitação-criação, segunda
unidade. A gênese dessa interpretação encontra-se na concepção

505
vigotskiana dos conceitos de imitação e criação e suas constituições no
processo intencional de desenvolvimento humano pela via da educação.

A imitação, se concebida em sentido amplo, é a forma principal em


que se realiza a influência da aprendizagem sobre o
desenvolvimento. [...] Porque na escola a criança não aprende o
que sabe fazer sozinha mas o que ainda não conhece e lhe vem a
ser acessível em colaboração com o professor e sob sua orientação.
O fundamental na obutchénie é justamente o fato de que a criança
aprende o novo. Por isso a zona de desenvolvimento possível, que
determina esse campo das transições acessíveis à criança, é a que
representa o momento mais determinante na relação da obutchénie
com o desenvolvimento. (VIGOTSKI, 2007, p. 331, tradução
nossa).

Embora Vigotski estivesse se referindo, no contexto de suas


pesquisas, ao lugar que a imitação tem no processo de obutchénie-
desenvolvimento infantil, as pesquisas que temos realizado com adultos
(LONGAREZI, 2006; 2012; 2014; 2017; 2020b; 2021b; FRANCO, 2015;
DIAS DE SOUSA, 2016; GERMANOS, 2016; SOUZA, 2016; FEROLA,
2016; MARRA, 2018; COELHO, 2020; JESUS, 2021; FERREIRA, 2021;
entre outras) revelam notadamente que a imitação tem a mesma relevância
na colaboração com o outro mais experiente (o formador), em relação ao
nível de possibilidades apresentado pelo professor em formação. No
intervalo entre o que é concretude na prática docente e aquilo que, em
potencial, pode realizar; a imitação se apresenta como fundamental, pela
via da colaboração. “A instrução é possível quando existe a possibilidade
de imitar” (VIGOTSKI, 2007, p. 358, tradução nossa); porém essa
imitação não se apresenta como um ato mecânico-reprodutivo do sujeito
professor; porque o ato de imitar sempre implica um processo de criação.
A criação traz traços do “antigo imitado”, mas, a partir do confronto entre
vários e distintos elementos, produz algo novo e singular, próprio do
sujeito.

O cérebro não é apenas o órgão que conserva e reproduz nossa


experiência anterior, mas também o que combina e reelabora, de
forma criadora, elementos da experiência anterior. [...] É
exatamente a atividade criadora que faz do homem um ser que se
volta para o futuro, erigindo-o e modificando o seu presente.
(VIGOTSKI, 2009, p. 13-4).

506
Imitação e criação estão “coladas” de tal modo que, da mesma
maneira que não existe imitação pura, a partir da qual nada se cria; não se
pode criar sem a oportunidade de imitar na zona de possibilidade, com a
colaboração. Enquanto a imitação é a chave para a criação, essa é a síntese
de um movimento psíquico intenso provocado pela unidade imitação-criação,
unidade que dá viabilidade para o que temos defendido enquanto
processo de vivência (perejivanie), pelo professor, do método. Sem a
possibilidade de imitar, o professor não cria um modo desenvolvimental
de educar; constituindo-se, portanto, em uma unidade sistemicamente
articulada às demais, condição para a formação-desenvolvimento
profissional docente.
A terceira unidade, ruptura-desenvolvimento, compõe esse sistema de
unidades (no qual as unidades conteúdo-forma, imitação-criação e ruptura-
desenvolvimento se constituem enquanto relações recíprocas e
incondicionalmente articuladas), e tem sua identidade estabelecida pela lei
central da dialética (a unidade/luta dos contrários): “[...] pode-se definir a
dialética como doutrina da unidade dos contrários. [...] Todas as outras leis
da dialética [...] são uma revelação, concretização ou complementação do
conteúdo desta lei básica.” (KOPNIN, 1978, p.104). Sob esse prisma, a
essência da lógica dialética reside no entendimento do que se quer
defender em torno da unidade ruptura-desenvolvimento.
A consciência se forma-desenvolve na complexa rede de conexões
nas quais o homem se constitui humano e constitui a humanidade. Na
concretude das relações sociais nas quais o sujeito está imerso e nas quais
produz novas relações, os processos mentais humanos se formam-
desenvolvem, na unidade sujeito social-sujeito pessoal. Nesse sentido, a
consciência para a psicologia soviética

[...] não é dada a priori, nem é imutável e passiva, mas sim formada
pela atividade e usada pelos homens para orientá-los no ambiente,
não apenas adaptando-se a certas condições, mas também
reestruturando-se. A ideia de que os processos mentais dependem
das formas ativas de vida num ambiente apropriado tornou-se um
princípio básico da psicologia materialista. (LURIA, 2008, p. 23).

507
O processo de constituição humana, no entendimento que se quer
pôr em evidência, é assumido como sócio-pessoal e se faz na atividade
humana (também sócio-pessoal). Essa relação dialética se estabelece no
jogo de forças da vida, como luta e tem na contradição a força motriz da
transformação, como possibilidade de ruptura. O movimento de
confronto entre essas forças se materializa na atividade humana. Por meio
das contradições inerentes a ela encontram-se as condições objetivas e
subjetivas da atividade para a formação e o desenvolvimento
(LONGAREZI, 2006).
Esse não é um processo no qual o sujeito fica, como alertado por
Luria, passivo diante da atividade, pelo contrário, é a atividade mental
produtiva do sujeito que possibilita colocar em movimento, em
confronto, as contradições, rompendo com velhos modelos mentais,
rupturas necessárias para novas formas de pensamento. Dessa maneira, a
chave para a transformação está na ruptura possível, gerada no embate
entre as forças contraditórias colocadas em confronto. Assim como a
obutchénie é, para Vigotski (1991), “[...] imprescindível no processo de
desenvolvimento das funções psicológicas, impulsionando o
desenvolvimento da consciência ...” (LONGAREZI; ARAUJO;
FERREIRA, 2007, p. 66); também os processos psíquicos do sujeito o são
indispensáveis. O sujeito ativo, assumido em sua totalidade, mobiliza suas
várias funções psicológicas, acionando e sendo acionado por seus diversos
sentidos; não restritos, portanto, à dimensão racional do homem, ao seu
desenvolvimento cognitivo; incluído nesse processo a dimensão dos
afetos e emoções.
A (trans)formação, processo de ruptura-desenvolvimento, não
pode ser identificada, localizada como produto alcançado ou nível
desejável a ser atingido, pois, consiste em processo a partir do qual são
acumuladas mudanças quantitativas que podem, a depender das
mediações e contradições vivenciadas no contexto humano-formativo,
produzirem uma nova qualidade. A qualidade da mudança depende
também da qualidade das mediações vivenciadas, das unidades conteúdo-
forma, imitação-criação, ruptura- desenvolvimento experimentadas.
No sentido vigotskiano, a mudança se dá mediada pelo
conceito científico e as ações mentais, entendida como processo de
tomada de consciência.

508
[...] a tomada de consciência está baseada na generalização dos
próprios processos psíquicos, o que conduz ao seu domínio. Nesse
processo, o papel decisivo é desempenhado principalmente pela
obutchénie. [...] a tomada de consciência ingressa pela porta dos
conceitos científicos. (VIGOTSKI, 2007, p. 315, tradução nossa).

A tomada de consciência como processo de sistematização de


conceitos e generalização é, portanto, um ato mental que inclui operações
mentais, corresponde à generalização abstrata, cuja forma principal de
pensamento se expressa como síntese (NÚÑEZ, 2009).
A unidade ruptura-desenvolvimento, na articulação sistêmica com as
demais unidades (conteúdo-forma e imitação-criação), tem suas bases, portanto,
no movimento possível, fundado nas leis da dialética, de transformação
do pensamento pela obutchénie propulsora de processos psíquicos que
gerem rupturas, mudanças na essência que caracteriza o pensamento
vigente. Isso é desenvolvimento e, nesse sentido, se constitui a tese central
da Didática Desenvolvimental.
Tomadas as unidades conteúdo-forma, imitação-criação e ruptura-
desenvolvimento como pressupostos, a materialidade da formação didática do
professor, implica alguns movimentos didáticos que temos tomado como
fundamentais no processo de educação desenvolvimental: 1. diagnóstico, 2.
problematização e 3. formação do conceito científico e dos modos generalizados de ações
(LONGAREZI, 2017; 2020b; 2021b; FRANCO; SOUZA; FEROLA, 2018;
FEROLA; 2016; FEROLA; LONGAREZI, 2017).
Os movimentos presumem partir do nível real do estudante
(diagnóstico), problematiza-lo com perguntas e problemas científicos que
gerem crises e necessidades do conhecimento científico (problematização);
tendo em vista formar conceitos científicos e ações mentais pela via do abstrato ao
concreto (Cf. LONGAREZI, 2017; FEROLA; 2016; FEROLA;
LONGAREZI, 2017). Tomados em sua totalidade, esses movimentos
compõem um processo que têm como fonte propulsora as contradições e
superações, geradoras de novas crises e residem em um grande sistema,
não se configurando enquanto processo linear e/ou hierárquico. Cada um
desses movimentos contém internamente os três movimentos, variando
apenas as relações que se estabelecem entre eles.

509
Nos movimentos de diagnóstico, problematização e formação do
conceito científico e dos modos generalizados de ações vão se evidenciando
contradições, gerando crises e confrontando formas distintas de
explicações sobre o mundo, o que produz as condições psíquicas para
a superação de formas consolidadas e a emergência de novas formas
de pensamento, gerando as condições para a formação-
desenvolvimento de funções psicológicas superiores.
Desses movimentos, depreendem-se ações didáticas que, longe
de serem compreendidas como um modelo didático, podem expressar a
concretude do movimento possível de ser produzido como atividade
criativa do professor na unidade com a atividade criativa do estudante.
Consistem essas ações: 1. diagnóstico, 2. problematização, 3. atividade coletiva, 4.
consciência expressa no uso intencional dos significados conceituais e 5. generalização
como objetivação do conceito para si (SOUZA, 2016).
As ações de diagnóstico e problematização correspondem aos dois
primeiros movimentos apresentados e são fundamentais porque
demarcam o ponto de partida para o processo educativo que se constitua
sob a base da contradição e da crise para criar novos interesses,
impulsionadores da formação do conceito e das ações mentais docente.
Na medida em que o formador de professores conheça as habilidades que
já se “[...] têm desenvolvidas e aquelas que eles estão potencialmente aptos
a desenvolver, se torna possível o planejamento intencional das ações [...]
que oferecerão [...] condições para [...] que o desenvolvimento seja
possível.” (SOUZA, 2016, p. 150).
A atividade coletiva, terceira ação, se mostra relevante como modo
de organização do trabalho nos movimentos apresentados, especialmente
porque aproveita a proximidade interpessoal existente entre os
professorandos, feito disso motivo preliminar que incite seus interesses à
participação nas atividades propostas e, nesse sentido, se caracterize como
possibilidade inicial para a constituição dos interesses, no sentido tratado
por Vigotski (2012). Na esfera das emoções, a atividade coletiva tem ainda
um importante papel

[...] nos processos de formação de sentimentos, qualidade e


valores nas pessoas dos educandos (ORAMAS; TORUNCHA,
2003). [...] As distintas perspectivas e experiências de vida e a

510
própria diversidade social pode ser representada nas
diferenças presentes nos estudantes que trabalham em
conjunto. (SOUZA, 2016, p. 153).

A quarta ação, consciência expressa no uso intencional dos significados


conceituais, está vinculada às atividades que oportunizam ações mentais,
que, na unidade com a formação de conceitos, se constitui parte
importante no processo de desenvolvimento do pensamento teórico. A
consciência pelo uso intencional dos significados “[...] é o resultado da
relação dialética entre a atividade desenvolvida na realidade concreta, seus
elementos interiorizados e o estabelecimento de sentidos pessoais.”
(SOUZA, 2016, p. 153). O emprego da palavra é um meio fundamental
para a formação do conceito e tem papel central no processo de
constituição no nível do pensamento, na “[...] transferência ‘do plano da
ação para o plano da linguagem, isto é, recriá-la na imaginação para que
seja possível exprimi-la em palavras’ (VIGOTSKI, 2001, p. 275).”
(SOUZA, 2016, p. 153). É nesse sentido que o uso intencional está
vinculado à consciência do conceito e que implica a recriação, no plano
mental, das significações conceituais.
Por fim, a ação de generalização como objetivação do conceito para si, está
indissociavelmente vinculada ao uso consciente do conceito (ação
anterior); pois o professor em formação, pela “... consciência do
significado dos conceitos [...], poderá desenvolver a habilidade de seu uso
intencional no entendimento de sua realidade, ou seja, sua generalização.”
(SOUZA, 2016, p. 155). Isso porque “[...] o conceito se caracteriza
enquanto um fenômeno do pensamento, essencialmente por se constituir
enquanto um significado generalizante.” (SOUZA, 2016, p. 155). Em
sentido mais amplo, se constitui pela ação e uso da significação conceitual
formada no processo de pensamento também conceitual, em situações
variadas e distintas: “a consciência do significado do conceito permite seu
uso intencional, sua aplicação ao entendimento de uma gama de
fenômenos e situações, enfim, sua generalização.” (SOUZA, 2016, p. 155).
Assim, as unidades dialéticas, os movimentos e ações se
constituem em um processo didático pensado para a formação-
desenvolvimento de professores dadas as condições objetivas e subjetivas

511
que caracterizam a docência e a formação de professores no contexto
educacional brasileiro

Palavras finais: os propósitos de educação e desenvolvimento


emergem e encerram-se em unidade

O processo de formação didática por unidades, tomados os


movimentos (1. diagnóstico, 2. problematização e 3. formação do conceito científico
e dos modos generalizados de ações) e ações (1. diagnóstico, 2. problematização, 3.
atividade coletiva, 4. consciência expressa no uso intencional dos significados conceituais
e 5. generalização como objetivação do conceito para si) têm em vista a promoção
da unidade básica assumida como fundante na formação desenvolvimento
profissional docente: conteúdo-forma. Por sua vez, essa unidade só se
materializa pela unidade imitação-criação; cuja expressão se efetiva na
unidade ruptura-desenvolvimento.
Visto enquanto totalidade, as unidades (conteúdo-forma, imitação-
criação e ruptura-desenvolvimento) se apresentam como um sistema, no qual só
se efetivam enquanto um todo indissociável. Da mesma maneira, as
proposições no nível dos movimentos e ações didáticas são o modo real
de materialidade das unidades, colocando-as no processo didático de
efetivação da formação-desenvolvimento do professor.
A Didática Desenvolvimental soviética, a partir dos princípios
gerais e teses centrais da Psicologia Histórico-Cultural, desenvolveu
teorias, princípios e sistemas didáticos próprios que, dados os objetivos e
necessidades expressos naquele contexto, são um importante corpus
teórico-prático para uma educação que se pretenda desenvolvedora e
humanizadora.
No contexto educacional brasileiro, particularmente, temos
necessidades específicas que nos demandam a produção de modos
didáticos particulares, mas que convergem para os mesmos objetivos
desenvolvimentais e humanizadores. A experiência investigativa e a
produção teórica e didática que compartilhamos aqui é a expressão da
síntese de processos contraditórios que podem se constituir
revolucionários no sentido de mudanças reais na essência dos
processos didáticos que promovam mudanças concretas nos
processos psíquicos docentes.

512
Analisamos, portanto, unidades, movimentos e ações didáticas
propostas para uma formação do professor como mudança das circunstâncias
que, gerada e geradora de uma educação modificada, se constitui condição
para que o processo dialético se efetive. Dessa maneira, os homens podem
mudar suas próprias circunstâncias; assim como se constituem a partir
delas. Os propósitos de educação e desenvolvimento emergem e
encerram-se em unidade.

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521
Capítulo 16

Desenvolvimento dos motivos formadores de sentido de


professores e estudantes em conceitos matemáticos no
ensino fundamental 158
Patrícia Lopes Jorge Franco

Elementos Introdutórios

Compor este coletivo e desenvolver pesquisas no âmbito do


GEPEDI- Grupo de Estudos e Pesquisas em Didática Desenvolvimental
e Profissionalização Docente, se revelou muito significativo tanto no
aspecto pessoal quanto social. No aspecto da pessoalidade se constituiu
pelos sentidos e afetos compartilhados em torno de objetivos comuns de
um coletivo. No aspecto social pela grande oportunidade de socialização
dos achados de estudos e de investigações realizadas por mais de uma
década. Nesse grupo se proporcionou a produção de conhecimento
didático em processos de investigação e intervenções pedagógicas em
escolas de Ensino Fundamental, Médio e Superior.
No referido texto, enfatiza-se o contentamento por estar no
GEPEDI, poder apreender e produzir inúmeros estudos, diálogos e
constructos didáticos teórico-práticos com os pares. Bem como, pela
oportunidade de constituir junto aos sujeitos das pesquisas (professores de

158 O presente texto apresenta os resultados obtidos na produção da tese de


Doutorado em Educação, “O desenvolvimento de motivos formadores de sentido
no contexto das atividades de ensino e estudo na escola pública brasileira”, defendida
no âmbito do Programa de Pós-Graduação em Educação, pela Universidade Federal
de Uberlândia, MG/2015, 359f. desenvolvida sob a orientação da Profa. Dra. Andréa
Maturano Longarezi e co- orientação da Profa. Dra. Fabiana Fiorezi de Marco. A
autora agradece o apoio recebido da CAPES pela bolsa de pesquisa de
doutoramento, no âmbito do Projeto Observatório da Educação (OBEDUC),
durante os anos de 2013-2015, ao qual, a pesquisa esteve vinculada. Os dados aqui
apresentados também foram objeto de pesquisas financiadas pelo CNPq. (FRANCO,
2015; FRANCO; LONGAREZI; MARCO, 2015, 2018).

522
Educação Básica e Ensino Superior), coletivos didático-formativos e
desenvolver investigações “com” e não “sobre” professores.
Consciente de tais estudos e pesquisas torna-se fundamental
agradecer de modo especial à professora Andréa Maturano Longarezi, sua
sapiência acadêmica e humana, seu rigor conceitual e crítico, ao realizar a
orientação da pesquisa de doutorado –objeto de discussão neste texto-,
com mediações impulsionadoras para referida construção e
aprofundamento.

Pessoa muito especial, que soube com maestria acolher minhas


fragilidades humanas oferecendo os “suportes” conceituais e
emocionais necessários durante aquele processo de formação
acadêmica e humana. O seu modo de ação docente revelou-me a
forma e o conteúdo do seu pensamento dialético no campo da
didática, construiu nova relação docente/discente e fomentou as
bases objetivas e subjetivas, essenciais para atribuição de sentido
durante a pesquisa, como “motivo” nos fins. Por ela sempre terei
respeito e profunda admiração (FRANCO, 2015, p. vi).

Da mesma forma, faz-se referência à participação da professora


Fabiana Fiorezi de Marco, que afetuosamente aceitou o convite da
coorientação naquele momento. Pessoa competente e sábia que criou as
condições e instrumentos mediadores necessários para que o processo de
produção de novos sentidos pessoais da pesquisadora e demais sujeitos
envolvidos, pudessem corresponder às significações sociais da ciência
matemática.
Outro ponto refere-se à importância da linha de pesquisa do
GEPEDI “Pesquisa e formação de professores: contribuições para a
construção de um campo conceitual-prático da pesquisa-formação”, na
qual, as inquietações decorrentes do mestrado e das necessidades da
prática pedagógica, na fase do doutorado encontram-se diante de novos
horizontes de análises e substratos teóricos.
A incursão nesse novo campo de estudos, o da ciência didática, aquela
que se ocupa dos fundamentos, modos e condições do ensino, mais
especificamente, sob o enfoque da perspectiva histórico-cultural da atividade
(LONGAREZI, 2019a; 2019b; 2020a; 2020b; PUENTES, 2017; PUENTES;

523
LONGAREZI, 2017a, 2017b) e da Obutchénie Desenvolvimental159 de Vasili V.
Davydov, passaram a sustentar e fundamentar os rumos do doutoramento. As
proposições de Davydov (1986, p. 88-90), sobre a lógica dialética do processo
de conhecimento que leva à ascensão do abstrato ao concreto no pensamento,
e vice-versa, para a formação do pensamento teórico160 e, os postulados de
Vigotski (2001), sobre o movimento dos pensamentos cotidianos e
científicos161, mediados por instrumentos e signos, passaram a conduzir o
grupo e a pesquisa ora mencionada, a outras tantas indagações relacionadas à
educação escolar no Brasil.
Em decorrência desse contexto, das vivências e experiências do
exercício de supervisão pedagógica, a pesquisadora (FRANCO, 2015)
159 Transliteração da palavra russa обучение, obutchénie consite na “[...] interação entre
alunos e professores, a inter-relação entre a utchenia (aprendizagem) e os esforços
profissionais do professor (se essa interação for compreendida com a noção de
"atividade", então a obutchénie pode ser caracterizada como uma correlação entre
atividade de estudo e atividade pedagógica.)” (ДАВЫДОВ [DAVIDOV], 1996, p.
252, tradução e destaques nossos). A obutchénie corresponde, portanto, à unidade da
ação de professores e alunos “[...], com foco na aprendizagem do estudante que
ocorre em processo de colaboração com o professor e com outros estudantes.”
(LONGAREZI, 2020a, p. 4). Neste texto, optamos por não traduzirmos o termo
russo, em razão das imprecisões conceituais que as traduções têm gerado
(LONGAREZI, 2020a; 2020b; LONGAREZI; PUENTES, 2017; LONGAREZI;
SILVA, 2018). Assim, quando estivermos usando obutchénie estaremos nos
referindo a esse processo colaborativo que ocorre entre professores e alunos na
atividade pedagógica. Obutchénie Desenvolvimental, por sua vez, é empregada por
Valsili V. Davydov para designar um tipo de “obutchénie capaz de impulsionar o
desenvolvimento” (Davydov, 1986, p. 5).
160 Conforme Davydov (1986, p. 88-90) “O pensamento teórico se constitui em um

tipo de pensamento que tem por finalidade reproduzir a essência do objeto estudado
no decurso da formação das ações mentais que ocorre no processo intencional de um
ensino[obutchénie] para o desenvolvimento” (FRANCO, 2015, p. 23; acréscimo nosso).
161 Para Vigotski (2001, p. 182-3) o pensamento cotidiano ou espontâneo se refere à

forma do pensamento ou dos conceitos cotidianos que se desenvolvem no curso da


atividade prática do sujeito e de sua comunicação direta com os que lhe rodeiam. Já o
pensamento não cotidiano ou científico, se refere à forma do pensamento ou de
conceitos científicos, de caráter social, que se produz nas condições do processo de
instrução, que constitui uma forma singular de cooperação sistemática do pedagogo
com a criança. Porém, para o autor eles não são excludentes, ao contrário se
interdependem no processo de desenvolvimento do conceito cientifico. Davydov
(1986, p. 75-76) usa as terminologias “pensamento empírico e pensamento teórico”.
Para os dois autores apesar do conteúdo desses processos serem distintos, ambas as
formas de pensamento necessitam-se mutuamente, e devem ser compreendidas em
sua unidade dialética (FRANCO, 2015, p. 24).

524
esteve imersa nas situações problemáticas do atual sistema educacional
nacional, como professora de educação básica e como supervisora
pedagógica. Nessa condição surgem diversas inquietações, dentre elas a
falta de correspondência dos objetivos da atividade do professor e o seu
conteúdo, com os objetivos das atividades dos estudantes.
Essa inquietação se insurgiu como uma das várias problemáticas
relacionadas ao processo de obutchénie. Por exemplo: a forma e o conteúdo
da organização didática na escola, os métodos e conteúdos desenvolvidos
na educação básica brasileira e suas implicações para o desenvolvimento
integral162 dos estudantes, nem sempre eram/são tomados como objeto
de análise pelos próprios sujeitos do processo, na maioria das pesquisas
acadêmicas.
Mediante a mencionada aproximação, inicial e parcial163, por
vezes, nas ações entre estudantes e professores viram-se certas distorções
e estranhamentos diante do objetivo-fim da atividade pedagógica na
escola. Algumas atitudes desses sujeitos em tais condições apresentavam
indícios de que esses processos não faziam muito sentido para eles.
Dentre as atitudes dos estudantes, por exemplo, observavam-se apatia
diante dos estudos, faltas recorrentes às aulas, distanciamentos de

162Na perspectiva histórico-cultural, o desenvolvimento integral refere-se à formação


de novas funções psíquicas superiores dos sujeitos: atenção e memória voluntárias,
raciocínio lógico, linguagem, pensamento cientifico/teórico, conceitos, sentimentos,
afetos, emoções, apropriados ao longo de sua ontogênese e filogênese. Durante a
pesquisa, investigamos os motivos dos estudantes para o estudo, na sua relação com
a formação do pensamento teórico/científico e conceitos teórico/científicos
algébricos. No caso da professora, investigamos os seus motivos para a organização
didática voltada à formação de tais conceitos na relação com o trabalho educativo,
portanto, em desenvolvimento tanto pessoal quanto profissional (FRANCO, 2015, p.
22).
163 Esses dados da realidade foram pontuados mediante minha vivência como

supervisora pedagógica na realidade educacional da rede municipal, na qual exercia


minha prática pedagógica e formativa com professores e estudantes do Ensino
Fundamental II, entre 2007-2011. Nesse período, dentre as várias atribuições da
função exercida, constava o acompanhamento pedagógico da atividade do professor,
mediante o desenvolvimento dos conteúdos escolares e aprendizagem dos
estudantes. Os registros dessa ação de acompanhamento pedagógico constam em
atas e cadernos de anotações. Por isso, inicialmente, constituíram-se em dados
superficiais e norteadores para uma aproximação inicial do objeto e temática, para
posteriormente, ser aprofundada e abordada de uma forma mais sistemática e
científica, via pesquisa.

525
apropriações teóricas, descompromissos com as solicitações do professor,
esquecimentos de materiais escolares, desinteresse com o objeto do
conhecimento, dentre outros. Nas atitudes dos professores observavam-se
o descréditos pelas reuniões pedagógicas, poucos diálogos sobre os
modos e as condições de atuação da prática pedagógica, que pudessem
impactar positivamente o interesse dos estudantes para os conceitos e
conhecimento científico, uma vez que, para eles, as reuniões não atingiam
esse objetivo. (FRANCO, 2015).
Diante dessa problemática na pesquisa partiu-se do seguinte
pressuposto: de que essa distorção- cisões entre o objetivo-fim da
obutchénie na escola e o conteúdo-objeto delas - poderiam aumentar o
descrédito de professores e estudantes, pelo que realizavam no âmbito
escolar. Essa problemática se investigou na pesquisa ora relatada, de
forma sistemática e interventiva. Seria possível desencadear nos
estudantes novos interesses de estudar relacionados ao objeto do
conhecimento científico? Melhor dizendo: Que ações didáticas
mobilizariam o desenvolvimento de motivos formadores de sentido na
obutchénie potencializadores da humanização da professora e dos
estudantes na educação escolar?
O escopo da investigação envolveu uma escola pública municipal
mineira, uma professora de matemática e vinte e um estudantes do
segundo ciclo do Ensino Fundamental, oitavo e nono ano, durante três
semestres letivos consecutivos. Tomou como objetivo geral investigar o
movimento dos motivos desta professora de matemática em sua atividade,
bem como os motivos dos estudantes no processo de formação de
determinados conceitos teóricos matemáticos no campo da álgebra, com
vistas a apreender as ações didáticas impulsionadoras do desenvolvimento
integral de estudantes. Assim como o desenvolvimento pessoal e
profissional da professora, ambos em condição de atividade164. Neste
texto tem-se, particularmente, o objetivo de apresentar a síntese do

164Emprega-se esse conceito segundo a Teoria da Atividade de Alexis Nikolaevich


Leontiev (1978). Para o autor estar em condição de atividade significa dizer que o
sujeito está numa relação de correspondência entre objeto-objetivo e motivo de agir
em um determinado contexto e relações sociais, capazes de suprir suas necessidades
de ordem superior (FRANCO, 2015, p. 22).

526
desenvolvimento dos sujeitos da pesquisa e as ações didáticas apreendidas
no movimento formativo proposto.
No primeiro momento abordam-se os fundamentos filosóficos,
epistemológicos, psicológicos e didáticos do movimento didático-
formativo da professora e estudantes durante a pesquisa. Em seguida, faz-
se referência ao percurso metodológico e as categorias analíticas do
estudo. Posteriormente, apresentam-se os principais argumentos
construídos ao longo da tese, os seus nexos, regularidades e em
decorrência as ações didáticas impulsionadoras do movimento didático-
formativo desenvolvido.

Os fundamentos filosóficos, epistemológicos, psicológicos e


pedagógicos de uma educação com pressupostos marxistas e
desenvolvimentais

Importante evidenciar os princípios filosóficos, epistemológicos,


psicológicos e pedagógicos de uma educação com pressupostos marxistas
e desenvolvimentais, orientadoras do estudo investigativo realizado. A
base dessa forma de estudar a realidade se sedimentou na perspectiva
epistemológica materialista histórico-dialética de produção do
conhecimento, com todas as exigências e os limites de uma ciência. Afinal,
não se tratou do estabelecimento de uma verdade sobre a realidade, mas
de seus movimentos (FRANCO, 2015).
Tais movimentos foram analisados no seio das relações sociais
concretas dos envolvidos, professores e estudantes, com vistas a
desenvolver novos sentidos, no qual pudesse ser possível a
correspondência entre objeto-objetivo e motivo de agir na formação de
conceitos científicos/teóricos. Isto significou fomentar esse processo
relacionado com as bases fundantes da perspectiva histórico-cultural e da
atividade, com a unidade indissolúvel entre sujeito/objeto; teoria/prática;
objetivo/subjetivo; individual/social; qualitativo/quantitativo; exter-
no/interno no processo do conhecimento.

O método materialista histórico-dialético caracteriza-se pelo


movimento do pensamento através da materialidade histórica da
vida dos homens em sociedade, isto é, trata-se de descobrir (pelo
movimento do pensamento) as leis fundamentais que definem a

527
forma organizativa dos homens em sociedade através da história.
Este instrumento de reflexão teórico-prática pode estar colocado
para que a realidade educacional aparente seja, pelos educadores,
superada, buscando-se então a realidade educacional concreta,
pensada, compreendida em seus mais diversos e contraditórios
aspectos. (PIRES, 1997, p. 83).

Ademais, na perspectiva do materialismo histórico-dialético, todo


o esforço despendido pelo ser humano para transformar a realidade do
mundo concreto realiza-se de forma interna e externa, ao mesmo tempo.
Leontiev (1978, p.119), afirma na obra “O desenvolvimento do Psiquismo
Humano”, que atividade prática (exterior) e teórica (interior), possuem a
mesma estrutura interna.
Para esse autor, na atividade prática existem ações interiores do
pensamento, assim como na atividade teórica existem ações exteriores,
uma vez que tem os mesmos elementos estruturais internos. Além disso,
as duas mediatizam a relação do homem com o mundo, ao mesmo tempo,
pois possibilitam ao homem refletir e agir sobre este mundo e sobre si
mesmo. Portanto, não são atividades excludentes.
No sentido atribuído por Leontiev (1978), [...] é psicologicamente
essencial, igualmente: que elas religuem, as duas, se bem que de maneira
diferente, o homem ao seu meio circundante” (1978, p. 119). Essa ligação
que se processa na vida concreta de cada humano pressupõe processos
mediatizados e o princípio da unidade das inter-relações entre os
elementos estruturais internos da atividade prática e teórica da vida
humana. Para ele “[...] os seus pontos comuns testemunham a unidade da
vida humana [...] sejam a título igual processos dotados de sentido e
formadores de sentido” (LEONTIEV, 1978, 119). Franco, Longarezi e
Marco (2018) afirmam que tais elementos da perspectiva leontieviana
permitem amplo campo de possibilidades teórico-metodológicas para uma
análise psicológica da atividade, realizada no processo de obutchénie-
desenvolvimento (PUENTES; LONGAREZI, 2013, 2017a).

O estudo dos fenômenos da realidade se baseia no conhecimento


das leis de seu desenvolvimento. Todos os princípios e leis do
materialismo dialético têm importância metodológica. O
aperfeiçoamento da dialética como método guarda relação com seu
desenvolvimento como teoria: à medida que a dialética reflete, em

528
seus princípios e leis, com maior exatidão, profundidade e
plenitude o objeto que estuda, mais perfeita e eficaz será como
método do conhecimento e transformação revolucionária da
realidade (KOPNIN, 1966, p. 102-103).

Segundo o referido autor a lei da unidade e luta dos contrários; lei


da transformação das mudanças quantitativas; lei da negação da negação
foram fundamentais na análise do movimento da realidade concreta. Em
seu conjunto, essas leis revelaram o conteúdo desse desenvolvimento. Por
ser um método filosófico de conhecimento da realidade, pode
proporcionar condições metodológicas para transformação dessa mesma
realidade (FRANCO, 2015).

A lógica dialética, diferentemente da formal, apoia-se no critério de


conteúdo sobre o essencial das coisas [...] a essência da coisa pode
ser revelada só no exame do processo de desenvolvimento de tal
coisa. A essência existe só passando por uns e outros fenômenos
(DAVYDOV, 1986, p. 84).

Mediante a lógica dialética, materialista e histórica do método


buscou-se apreender o desenvolvimento de motivos formadores de
sentido, no processo de sua constituição. Nesse sentido, o materialismo
histórico-dialético possibilitou caminhar em meio às contradições para
apreender do real, o essencial.
Esses princípios e leis do materialismo histórico-dialético
sustentaram a pesquisa, desde a fundamentação teórica, à metodológica,
desde a escolha e organização dos procedimentos e instrumentos, ao
tratamento e análise desse objeto investigado.
Além de tais fundamentos filosóficos, epistemológicos e
metodológicos enfatiza-se os fundamentos didáticos gerais orientadores
do processo de ensinar e de se apropriar do conhecimento, tendo em vista
o desenvolvimento integral do sujeito na perspectiva histórico-cultural da
atividade (LONGAREZI, 2019a; 2019b; 2020a; 2020b; PUENTES, 2017;
PUENTES; LONGAREZI, 2017a, 2017b). Por isso, na pesquisa de
Franco (2015), defendeu-se a tese de uma obutchénie orientada
intencionalmente para o desenvolvimento de novas formações mentais do
sujeito. Isto significou adentrar no campo da discussão da Obutchénie
Desenvolvimental, em Davydov (1986) e da Didática Desenvolvimental,

529
em Zilberstein e Oramas (2002); Puentes e Longarezi (2017a), uma
didática que se ocupa, ao mesmo tempo, do processo e do produto, que
se forma não só um novo conceito, mas também os modos de sua
assimilação.
Os estudos apontam (FRANCO, 2015; FRANCO;
LONGAREZI; MARCO, 2015; 2018; FRANCO; LONGAREZI, 2017),
que, quando o foco do processo de obutchénie se concentra mais nos
conteúdos escolares e não no modo e nas condições dos estudantes se
apropriarem dos conceitos teóricos presentes neles, podem ser
acarretados sérios problemas, como já mencionados na introdução, como
a cisão entre sentido e significado da obutchénie realizada por professores e
estudantes, dentro da escola. Consequentemente, isso pode influir
negativamente no processo de internalização (VIGOSTKI, 2001), e a
escola se configura como espaço específico para organização de tal
processo. Segundo o referido autor nesse campo as mediatizações
intencionais oferecem a possibilidade de se desenvolver uma forma
específica de pensamento: o teórico.
Nesse sentido, a pesquisa tomou como fundante as relações entre
obutchénie e desenvolvimento (VIGOSTKI, 2001; PUENTES;
LONGAREZI, 2017a), zona de desenvolvimento próximo (VIGOSTKI,
2001), métodos de ensino (KLINGBERG, 1978), conhecimentos
invariantes (GALPERIN, 2001; TALÍZINA, 2010). Segundo Franco
(2015), do ponto vista teórico esses conceitos trazem,

[...] para o campo da pedagogia, da didática, enfim, para a educação


escolarizada - importantes decisões sobre o[a] ensino [obutchénie],
tais como: O que ensinar? (Currículo); A quem? Quando? Como?
Para quê? (Formação do pensamento teórico/concei-
tual/científico; generalização da generalização) (FRANCO, 2015,
p. 154; acréscimos nossos).

Claro, que tais decisões quando sustentadas pela perspectiva


histórico-cultural, da teoria da atividade e pela didática desenvolvimental,
implicam incidir em um tipo específico de generalização, a teórica. Uma
vez que, para Vigotski (2001) “a generalização significa ao mesmo tempo
a tomada de consciência e a sistematização dos conceitos” (VYGOTSKI,
2001, p. 253). Neste tipo de sistematização conceitual há que se defender

530
a autonomia e o uso consciente dos conceitos científicos/teóricos, por
parte do estudante para transformação de seu próprio pensamento e do
seu entorno social.
Para Franco (2015), do ponto de vista didático, a obutchénie
organizada a partir do descobrimento da gênese do conceito teórico cria
as condições para que as reelaborações possam ser realizadas ativamente
pelos estudantes, com sistemas de ações do pensamento lógico traçados
para esse objetivo. Da mesma forma, pesquisas organizadas a partir do
descobrimento da gênese desse processo de formação, criam as condições
para que essas reelaborações possam ser realizadas ativamente pela
professora, com sistemas de ações cognoscitivas teórico-práticas
específicas para atingir esse objetivo (FRANCO, 2015).
As ações cognoscitivas teórico-práticas realizadas na pesquisa
foram: leitura de textos sobre o aporte teórico histórico-cultural e dos
resultados de pesquisa interventivas na área da matemática, com o
enfoque da psicologia histórico-cultural; discussões sobre os conteúdos,
métodos pedagógicos, análise do material didático e das orientações
curriculares oficiais; planejamento das Atividades Orientadoras de Ensino,
dos sistemas de ações de aprendizagem dos estudantes com conceitos
teóricos, como: equações fracionárias e com coeficiente fracionário;
equações lineares e quadráticas; funções (FRANCO, 2015).
Do ponto de vista psicológico, uma educação escolar organizada a
partir do confronto entre os dois tipos de pensamento
espontâneo/cotidiano/empírico e o pensamento não espontâneo/não
cotidiano/científico, em um movimento dialético e não antagônico, cria as
condições para as transformações qualitativas e as superações, uma vez
que ambas as formas de pensamento coexistem na vida do estudante, mas
a escola necessita propiciar aos estudantes momentos para que possam ser
confrontados e superados. O mesmo acontece no processo formativo da
professora, entre o que esta já sabe e o que ainda busca conhecer, sob
outras bases didáticas (FRANCO, 2015).
Nos diagnósticos realizados com os estudantes Franco (2015)
constatou que as ações de estudo realizadas, até então, não resultavam em
apropriação e assimilação dos conceitos, pelo movimento inter ao
intrapsicológico, mais provocavam neles o desinteresse pelo objeto do
conhecimento e a perda de sentido dessa atividade para si mesmos.

531
Nessas condições, a necessidade de apropriação teórica não se
concretizava, e com isso, a atribuição de sentido por parte do estudante
deixava de se constituir/formar nas relações concretas produzidas no
contexto da atividade pedagógica. No diagnóstico inicial proposto aos
vinte e um estudantes foram identificados em dezesseis deles um
distanciamento e desinteresse com conceitos matemáticos, como exposto
no quadro 1.

Quadro 1: Diagnóstico inicial dos estudantes quanto ao interesse pela área de


conhecimento da matemática
Est/Pa motivos inicias/set/2012 “Porque há muitas contas com letras e números eu não
consigo entender”.
Est/Ed motivos iniciais/set/20120 “É muito difícil e enjoada de aprender”.
Est/Ali motivos iniciais/set/2012 “Eu sou ruim em cálculo”.
Est/Apa motivos inicias/set/2012 “É muito confusa”.
Est/Ca, motivos inicias/set/2012 “Não tenho facilidade de aprender e a matéria é rápida”.
Est/Ju motivos inicias/set/2012 “Tem muitas contas”. (Est/Ju motivos inicias/set/2012).
Est/Loc motivos inicias/set/2012 “Desde quando misturou alfabeto e números eu não
consigo entender nada”.
Est/Luc motivos iniciais/set/2012 “O conteúdo é difícil”.
Est/Lup motivos iniciais/set/2012 “Tem muitos números”.
Est/Mal motivos inicias/set/2012 “Não disse”.
Est/Mat motivos iniciais/set/2012 “É muita coisa para entrar na cabeça”.
Est/Ra motivos iniciais/set/2012 “A matéria é difícil, a professora explica rápido, e eu não
entendo”.
Est/Ri motivos iniciais/set/2012. “É difícil de aprender”.
Est/Ta motivos iniciais/set/2012 “Porque tem letras e números se misturando e isso me
confunde”.
Est/Alt motivos iniciais/set/2012 “É difícil de entender e não entra na minha cabeça”.
Est/Pa motivos iniciais/set/2012 “Porque há muitas contas com letras e números eu não
consigo entender”.
Est/Su motivos iniciais/set/2012 “Os cálculos são complicados de entender e decorar”.
Fonte: Própria autora (FRANCO, p.2015, p.162).

Mediante tais justificativas depreende-se que i) a dificuldade pode


ser decorrente da falta de domínio dos procedimentos e operações lógicas
do pensamento conceitual, bem como, da superficialidade dos
procedimentos específicos da área, ou seja, da memorização mecânica,
factual e formal dos conteúdos escolares; ii) tais dificuldades os fizeram
acreditar que não eram capazes de aprender, como por exemplo: “não entra
na minha cabeça”, “eu sou ruim de cálculo”, “não tenho facilidade de aprender”,
como se lhes faltassem as funções psíquicas básicas do ser humano
(FRANCO, 2015, p. 162).

532
Com efeito, se didaticamente ocorre intervenção na organização
da atividade pedagógica, com a criação de outras condições (operações),
pertinentes às ações cognoscitivas (teórico-práticas) dos estudantes e
orientadas pela essência do conceito, mais possibilidades haveriam de se
encontrar as correspondências entre objeto-objetivo e motivo,
modificando qualitativamente o tipo de pensamento a se formar,
consequentemente, os interesses/motivos para estudar/ensinar. Na
direção das superações buscou-se desenvolver na pesquisa esse
movimento. Durante a referida investigação os estudantes fizeram
atividades de autoavaliação sobre cada conceito trabalhado e foi possível
identificar tais movimentos, como exposto no quadro 2 seguinte:

Quadro 2: Autoavaliação dos estudantes


Est/Ra/registro final/Nov./2012 “Agora me sinto melhor, porque acho que estou
aprendendo mais, é legal fazer dessa forma e perceber que
ao mesmo tempo dá para compreender mais a matéria”.
Est/Pa/registro final/Nov./2012 “Ainda não me sinto tão legal, mas através dessas atividades
eu percebi que consegui me desenvolver mais”.
Est/Apa/registro final/Nov./2012 “Achei que me ajudou pouco a entender o conceito, ainda
tenho muitas dúvidas”.
Est/Apa/registro final/Jun./2013 “Eu fiz aquilo que consegui realizar sozinha. Meu
entendimento na matemática está melhor que antes, um
passo à frente, mas ainda me sinto confusa em algumas
coisas”.
Est/Pa/registro final/Jun./2013 “Eu me sinto mal. Porque eu não tive compromisso em
realizar essa atividade”.
Est/Ra/registro final/Jun./2013 “Eu dei conta de fazer as atividades da apostila, mas quando
vi as atividades 4, 5, 6 e 7 do livro didático, achei difícil. As
demais foram fáceis, pois me lembrei do que tínhamos feito
em sala nas atividades da apostila”.
Fonte: Franco (2015, p. 132)

Nesses casos, os estudantes expressaram a relação estabelecidas


com o objeto do conhecimento, demonstrando o movimento interno do
pensamento diante das ações realizadas, além de se expressarem como se
sentiram em relação ao próprio percurso de desenvolvimento. Claro, na
medida em que os estudantes conseguiram ou não dominar as
características essenciais do conceito e seus elos internos, naquele
determinado sistema e ações de aprendizagem, presentes nas Atividades
Orientadoras de Ensino165 (MOURA, 1992).

Atividade Orientadora de Ensino é um conceito empregado e desenvolvido por


165

MOURA (1992) e os integrantes do GEPAPe – Grupo de Estudos e Pesquisas sobre

533
Além disso, manifestaram o que lhes faltou para atingir os
objetivos propostos em cada uma das ações e tarefas daquele sistema.
Dito de outra forma, estiveram consciente tanto da sua ação, quanto da
omissão (FRANCO, 2015). Na subseção seguinte se expõem os meandros
desse movimento.

Percurso metodológico e as categorias analíticas do estudo: os


meandros do movimento didático-formativo

O percurso da pesquisa se desenvolveu mediante o procedimento


de intervenção didático-formativo166 que articulou os dois movimentos:
pesquisa e obutchénie, de modo sistêmico e inter-relacionados, uma vez que
ocorreram simultaneamente. A organização da pesquisa se relacionou com

Atividade Pedagógica. Na pesquisa Franco (2015) organizou três Atividades


Orientadoras de Ensino-AOE, com seus respectivos sistemas de ações de
aprendizagem (produtos objetivos e subjetivos). Nessas Atividades Orientadoras de
Ensino, desenvolveram-se conceitos teóricos algébricos: equação; equação fracionária
e com coeficiente fracionário; equação linear e quadrática; função linear e quadrática,
a fim de que o estudante se apropriasse do modo geral de ação com o conceito,
mediante o domínio de sua essência e movimentos internos. Ver maiores
detalhamentos em FRANCO, 2015, p.312-389.
166 A “[...] intervenção didático-formativa emerge como resultado de um esforço

coletivo e como possibilidade para a concretização de pesquisas que se proponham a


intervir em contextos escolares brasileiros, orientando-se pelos fundamentos da
didática desenvolvimental” (LONGAREZI, 2017a). Esse tipo de pesquisa consiste
numa metodologia criada e desenvolvida no Brasil por um grupo de pesquisadores
do GEPEDI – Grupo de Estudos e Pesquisas em Didática Desenvolvimental e
Profissionalização Docente – que tem se dedicado a pesquisas de intervenção, sobre
e com didática desenvolvimental no contexto da escola pública brasileira
(LONGAREZI, 2012, 2014, 2017; LONGAREZI; FERREIRA, 2020;
LONGAREZI; MOURA, 2017; FERREIRA; LONGAREZI, 2017; 2018;
FRANCO, 2015; DIAS DE SOUSA, 2016; GERMANOS, 2016; SOUZA, 2016,
2017; FEROLA, 2016, 2017; COELHO, 2020; MARRA, 2018; FERREIRA, 2021;
JESUS, 2021). “Alicerçada nos fundamentos da didática desenvolvimental tem como
objetivo fim a formação-desenvolvimento de professores e estudantes pela atividade
de ensino [obutchénie] e estudo (objetivo-meio)”. (LONGAREZI, 2017a; acréscimo
nosso). No sentido procedimental, a investigação é “desenvolvida em quatro etapas:
1) diagnóstico dos processos de ensino-aprendizagem-desenvolvimento vigentes nos
contextos escolares; 2) intervenção formativa junto aos docentes [...]; 3) intervenção
educativa junto aos discentes [...]; e 4) sistematização e análise dos princípios
didáticos norteadores de um[a] ensino [obutchénie] que desencadeia desenvolvimento.”
(LONGAREZI, 2012, p 19; acréscimos nossos).

534
a obutchénie no decorrer do processo de investigação (FRANCO, 2015;
FRANCO; LONGAREZI; MARCO, 2015, 2018).
Esse tipo de procedimento criou condições para atuar no
processo de obutchénie (em seus elementos pedagógicos e didáticos) e, ao
mesmo tempo, no processo formativo dos sujeitos, de forma sistemática,
dialética e científica. A coleta de dados ocorreu em momentos inter-
relacionados: diagnóstico e intervenção. No primeiro, mediante entrevista
semiestruturada, formulários e observação das aulas foram analisados os
motivos segundo as categorias de Leontiev, a saber, motivos estímulos e
formadores de sentido.
No segundo, ocorreram os estudos didático-formativos,
Atividades Orientadoras de Ensino, notas reflexivas, ações de
aprendizagem, de registros dos estudantes, gravações em áudio e
anotações de campo, que foram analisados conforme as unidades de
análises: “compartilhamento/interações”; “apropriações/objetivações”;
“atribuição de sentido” (professora). Também, “domínio dos
procedimentos” e “operações lógicas do pensamento”; “atitude
consciente, intencional e orientada à finalidade do estudo” (estudantes).
Os estudos de Franco (2015); Franco, Longarezi, Marco (2015;
2018), evidenciaram que a relação motivo, objetivo-objeto (conteúdo)
para a qual o estudante pode direcionar suas ações, residiram no
desenvolvimento integral de sua personalidade, em especial, as ações
mentais, nas quais tiveram lugar a formação de conceitos e pensamento
teórico. De forma que, a organização didática da obutchénie para a
formação desses processos se constituiu na relação motivo, objetivo-
objeto (conteúdo), na qual, as ações da professora durante a atividade
pedagógica puderam estar direcionadas.
Assim entendeu-se que os produtos subjetivos desses processos
foram as mudanças qualitativas no desenvolvimento da professora, nos
aspectos didático-pedagógicos. Os produtos objetivos desses processos
foram as transformações da realidade, no e pelo trabalho educativo. Isto é,
das relações sociais e concretas entre professor e estudantes, professor e
métodos , entre os próprios estudantes e destes, com o objeto-conteúdo
do conhecimento (FRANCO; LONGAREZI; MARCO, 2015).
Nesse sentido, o procedimento de intervenção didático-formativo
organizou-se a partir dos elementos constitutivos da estrutura interna

535
psicológica da atividade, quais foram: elementos de orientação (objeto,
necessidade e motivo) e os de execução (ações operações e objetivos)
correspondentes.
As ações da professora se relacionaram com a seguinte
‘necessidade’: Promoção da aprendizagem e humanização dos estudantes.
Nesse caso, ela esteva impulsionada pelo seguinte ‘motivo’: fazer com os
estudantes se desenvolvessem de forma conceitual e afetiva. Isto é:
desenvolvimento integral dos estudantes, na sua inter-relação com a
formação das ações mentais, pensamento teórico e conceitos teóricos.
Para tanto, se considerou como ‘objeto’ a organização didática da
obutchénie com vistas a potencializar o desenvolvimento integral do
estudante. Contudo, tais elementos orientadores: ‘necessidade’, ‘motivo’ e
‘objeto’ não se bastaram a si mesmos. Eles necessitaram dos elementos de
execução, para que se objetivassem na realidade da professora. Desta
maneira, os elementos de orientação se relacionaram com os de execução,
e este dinamismo interno permitiu à professora, colocar-se em movimento
e objetivar-se na realidade concreta. Assim, pudemos considerá-los em
condição de atividade, como defendido na perspectiva leontiviana (aquela
que impulsiona o desenvolvimento do sujeito) (FRANCO;
LONGAREZI; MARCO, 2015, p. 2510).
Com efeito, para que as necessidades pudessem ser objetivadas na
atividade da professora, a nível consciente, o procedimento de intervenção
didático-formativo, considerou os seguintes elementos de execução, a
estrutura interna psicológica da atividade de Leontiev (1978):
Ações: i-Leitura de textos sobre a teoria histórico-cultural:
educação, ensino [obutchénie], desenvolvimento, didática, lógica dialética,
formação das ações mentais, pensamento teórico; ii-Planejamento didático
de ações de aprendizagem envolvendo conceitos algébricos, bem como, a
confrontação de conhecimentos da experiência da prática pedagógica e
conhecimentos da didática e ensino [obutchénie] desenvolvimental; iii)
Ações de autoavaliação.
Operações: i) Dinâmicas de estudo participativas e colaborativas,
pesquisadora e professora; ii) Registros dos encontros formativos e das
aulas.
Objetivos: i) Gerais: Analisar os pressupostos teóricos e
metodológicos orientadores da organização do[a] ensino [obutchénie] sob

536
enfoque da teoria histórico-cultural e ensino [obutchénie] desenvolvimental;
ii) Específicos: Identificar os princípios da didática desenvolvimental no
processo de ensino [obutchénie]; comparar as características da lógica
empírica e dialética, tendo em vista organizar o[a] ensino [obutchénie] a
partir da lógica dialética; e desenvolver o processo de formação das ações
mentais ao organizar intencionalmente o processo de ensino [formação]
de conceitos matemáticos teóricos/científicos. (FRANCO;
LONGAREZI; MARCO, 2015, p, 2511; acréscimos nossos).
Conforme as autoras esse movimento se constituiu entre vários
confrontos, conflitos, reelaborações, superações que resultaram nas
elaborações das Atividades Orientadoras de Ensino, (MOURA, 1992),
e seus respectivos sistemas de ações de aprendizagem (produtos objetivos
e subjetivos). Nessas Atividades Orientadoras de Ensino, desenvolveram-
se junto aos estudantes conceitos teóricos algébricos: equação; equação
fracionária e com coeficiente fracionário; equação linear e quadrática;
função linear e quadrática.
Portanto, os dados foram produzidos e coletados mediante a
inter-relação do trabalho educativo e estudos didático-formativos,
totalizando 15 encontros com a professora em que se produziram três
Atividades Orientadoras de Ensino com conceitos algébricos. Os registros
dos encontros de formação, gravados em áudio, no caderno de campo e
em notas reflexivas da professora, possibilitaram apreender produtos
objetivos e subjetivos do seu percurso formativo (FRANCO;
LONGAREZI; MARCO, 2015).
Os dados da totalidade do processo formativo da professora, sob
esse enfoque didático e dialético, foram organizados em unidades de
análise, conforme Vigotski (1991) e representaram o movimento
universal-singular-particular como indivisíveis elementos da essência
investigada. Tais unidades se aproximaram dos isolados de pesquisa,
(CARAÇA, 2002, p.105), pois se constituíram como recorte da realidade,
mas contendo a unidade do todo (FRANCO, 2015; FRANCO;
LONGAREZI; MARCO, 2015, 2018).
Cada um desses isolados foram expressos por episódios, “aqueles
momentos em que fica evidente uma situação de conflito que pode levar à
aprendizagem do novo conceito” (MOURA, 1992, p. 77). Para este autor,
os episódios evidenciam as unidades de análise, por que revelam “a

537
natureza e qualidade das ações” (MOURA, 2000, p.60) da professora.
Esses episódios foram organizados em cenas que, ao longo do processo,
denotaram as manifestações da professora acerca dos motivos formadores
de sentido da obutchénie (FRANCO, 2015; FRANCO; LONGAREZI;
MARCO, 2015, 2018); bem como evidenciaram as manifestações do
pensamento do estudante em relação ao conceito e os sentimentos
gerados neles.
As categorias analíticas da pesquisa observaram o movimento de
organização da obutchénie desenvolvimental, nos seguintes episódios:
Episódios A: As dificuldades de organização da obutchénie para além da lógica
formal; Episódios B: A busca pelo sentido das atividades mediante situação-problemas.
No caso dos estudantes as categorias analíticas foram nos
seguintes episódios: Episódios C: A formação das ações mentais para o
desenvolvimento do pensamento e conceitos teóricos, e os motivos formadores de sentido.
Episódios D: As relações entre o cognoscitivo e as manifestações volitivo-afetivas
positivas no desenvolvimento de motivos formadores de sentido do estudo. Para os
propósitos desse capítulo revelam-se os nexos e regularidades do processo
de desenvolvimento de motivos formadores de sentido no estudo de
conceitos científicos matemáticos, decorrentes de um dos episódios.

Os nexos e regularidades do movimento de intervenção didático-


formativo

As relações constituídas entre os sujeitos e os processos, de


maneira didática e dialética, possibilitaram constituir ações com
correspondência motivo-objetivo-objeto. Por conseguinte,
favoreceram aproximação entre sentido e significado da atividade
que realizaram, em um determinado contexto social, cultural e
afetivo (FRANCO, 2015, p. 266)

A epígrafe evidencia como os elementos de orientação e execução


da estrutura interna psicológica da atividade pedagógica se
correlacionaram no processo didático-formativo, mediante as novas
condições para esses movimentos. Ademais, tais correlações puderam
influir, positivamente, no desenvolvimento de novos motivos com a
função de conferir “sentido pessoal”, às suas atividades.

538
Durante a pesquisa foram planejadas juntamente com a professora
três Atividades -Orientadoras de Ensino-AOE, em uma delas, trabalhou-
se com o conceito de “funções”, e o seu sistema conceitual inerente.
Assim, durante o desenvolvimento das aulas observaram-se as
regularidades de motivos manifestados pelos estudantes com função de
conferir sentido às suas ações de estudo, e que compuseram uma das
cenas discutidas na tese, no Episódio D, “As relações entre o cognitivo e as
manifestações volitivo-afetivas no desenvolvimento de motivos formadores de sentido do
estudo”, nesse caso, refere-se ao terceiro sistema de ações de aprendizagem
na AOE-III.
O objetivo das ações de aprendizagem do terceiro sistema, na
AOE-III consistiu em: Desenvolver as habilidades do pensamento lógico
diante dos nexos conceituais de função linear e quadrática.
Ações de aprendizagem consistiram em: Prática e aplicação de
modos de ação em situações similares envolvendo o conceito de função.
1) Identificar os movimentos entre as grandezas (variáveis) em uma
relação funcional, analisando o papel de cada uma delas (variável
dependente e independente); 2) Reconhecer os nexos conceituais da
função em situações reais similares, em sequências numéricas, ou padrões
geométricos para construção do conceito de função; 3) Usar as diferentes
linguagens verbal, gráfica e analítica para o estudo e movimento das
variações de determinadas grandezas.
Nas seguintes condições: Em duplas realizar as ações propostas.
No grupo-classe verbalizar as ações de identificação, comparação, análise
e sistematização das ideias. A figura 1 apresenta as tarefas solicitadas aos
estudantes.

539
Figura 1: Ações de aprendizagem dos estudantes com conceito de função.

1) Analise a sequência utilizada com palitos na construção dos triângulos


abaixo:

a) Que relação podemos estabelecer entre o número de triângulos e o


número de palitos? Registre no quadro abaixo os fatos constantes em cada
caso.

Nº de triângulos Nº de palitos

1 3
2 5
3 ....
.... ....

b) Na formação de cada novo triângulo, qual foi a quantidade de palitos


necessária?

c) Nesse movimento de formação o que foi possível observar?

d) Analisando as variáveis envolvidas na situação, identifique a variável


dependente e a independente.

e) Represente algebricamente o movimento usando a relação existente


entre palitos e triângulos.

f) Encontre o número de palitos necessários para a construção de:


18 triângulos:
25 triângulos:
Explique como pensou para encontrar o total de palitos utilizados em
cada construção.

Fonte: Franco (2015, p. 248).

540
Para Franco (2015, p. 249), a situação problema pode desafiar os
estudantes a encontrarem a relação principal existente entre triângulos e
palitos, comparando a variação quantitativa e a regularidade entre as duas
grandezas, de modo mediado. Para realizar essa ação de análise e
comparação, os estudantes precisariam abstrair a representação para
descobrirem a relação principal existente na sequência de figuras
geométricas. Na figura 2, encontram-se os diálogos estabelecidos entre os
sujeitos durante as aulas, para formar conceito de função. A cena que se
segue revela apenas o início do processo.

Figura 2: Cena D. 1.2 (AOE-III- Data: 22/10/2013). Um dos sistemas de ação de


aprendizagem. Conceito de Função.

N Sujeitos Diálogos
1 Profa. Quantos palitos nós usamos para formar um triângulo?
2 Grupo- Três
classe
3 Profa. E nessa sequência descrita na folha de atividade quantos palitos
usamos para formar três triângulos?
4 Est.Luc Nove
5 Profa. Será? Observem o que está acontecendo nessa situação representada
na folha. Quantos palitos foram usados na segunda sequencia de
triângulos?
6 Est.Luc Não! Não foram nove, professora. Foram cinco.
7 Profa. E na sequência seguinte quantos palitos foram usados?
8 Est.Ca Sete, porque tem um que depende do outro que está na base.
9 Profa. O que está acontecendo? Vocês precisam observar, dessa sequência, a
relação existente para responder as tarefas da folha. Então, Para um
triângulo precisamos de três palitos, e para fazer dois triângulos?
10 Grupo- Cinco.
classe
11 Profa. E para fazer três triângulos?
12 Grupo- Sete (respondeu a maioria) Nove (responderam alguns)
classe
13 Profa. O que vocês estão vendo acontecer nesse movimento?
14 Est.Mat. O número de palitos está aumentando.
15 Profa. De quantos em quantos?
16 Grupo- De dois em dois.
classe
17 Profa. Então, podemos ver aqui que tem uma grandeza variando e
dependente dessa regularidade quantitativa. De quanto é essa
regularidade para formar um novo triângulo?
18 Est.Vi O triângulo sempre vai precisar de dois novos palitos.
19 Profa. Muito bem. Agora verifiquem os questionamentos de cada tarefa
relacionada com essa situação de sequência dos triângulos e
respondam na folha de vocês.

541
20 Profa. Vamos precisar de quantos palitos a cada novo triângulo?
21 Est.Ca Sei que vamos precisar de dois palitos para cada novo triângulo,
professora. Mas eu não estou entendendo qual variável depende da
outra nessa tarefa seguinte?
22 Profa. Analisando as grandezas que se variam envolvidas na situação,
números de triângulos, que vocês denominaram de (x) e números de
palitos (y), quem depende do outro aqui nessa relação?
23 Est.Vi O novo triângulo depende do outro palito já existente e dos dois
novos.
24 Profa. Então, o triângulo é uma grandeza que depende da variação da outra variável
independente, que são os palitos. Quantos palitos a variável dependente
(triângulos) sempre vai precisar nessa relação?
25 Est.Ca Ué, são dois. Então, o novo triângulo depende desses dois, mais 1 que
já tem lá. Agora entendi!
26 Pesq. A professora escreveu no quadro a seguinte representação:
x= f (p) O número de triângulo em função dos palitos.
27 Profa. A representação algébrica dessa relação de dependência entre as duas
grandezas y = ax + b
y = 2x + 1 Para fazer cada novo triângulo são necessários dois palitos.
A quantidade de um vai depender da variação do outro. Por isso, são 2
dois palitos para formar mais um triângulo. Essa é a lei de formação
dessa função. Agora substituam aí na função para encontrarem o
número de palitos para 18 e para 25 triângulos como está pedindo na
próxima tarefa.
28 Est.Ca Professora, eu vou colocar que meu y é igual 2 palitos, vezes 18
triângulos, mais 1, certo?!
y= 2 (18) +1
y= 36 +1
y= 37
29 Profa. Profa.: Isso mesmo!

Fonte: Terceiro sistema de ações de aprendizagem na AOE-III. (Franco, 2015,


p. 249)

Mediante a situação-problema a professora desencadeou nos


estudantes a necessidade de encontrar a solução. Um dos estudantes,
(trechos, n. 4 e n. 6) respondeu imediatamente: nove, usando apenas sua
compreensão intuitiva e, somente depois, identificou cinco. No diálogo
percebeu-se que a professora interveio e buscou atrair a atenção dos
estudantes para a relação entre as grandezas ali representadas.
Em seguida, ela entregou aos grupos dez palitos para
representarem com a mesma quantidade a sequência dos triângulos e
palitos, a fim de provocar o confronto entre o que pensavam a respeito e
a relação substantiva que a situação procurava demonstrar. Com essa
mediação a professora estabeleceu outra operação (condição), para essa

542
mesma ação, a fim de que os estudantes pudessem reestruturar seu modo
de pensar.
Depois da realização de tal operação, alguns estudantes
conseguiram identificar a sequência e a dependência com um palito
da base. Percebe-se que a professora não quis referir-se à base do
triângulo no sentido geométrico, mas a utilização de um triângulo
para servir de ponto inicial para a generalização da ideia discutida.
Em seguida, a professora (trecho, n. 13) levantou outra questão: “O
que vocês estão vendo acontecer nesse movimento?”. A intenção dessa ação
didática (fazer questionamentos, levantar hipóteses) sobre as
características do movimento presente na função, se constitui parte
da ação de definição e explicação das características do conceito e da
base orientadora da ação, conforme Galperin (2001). Coube à
professora construí-las com os estudantes.
Com base nesse autor Franco (2015), compreendeu que essa
definição conceitual somente iniciou o processo e vinculou-se
dialeticamente à ação de indução ao conceito que os estudantes tiveram
que realizar, para identificar se o objeto em questão se relacionou ou não
com o conceito, “função”.
A definição inicial de um dado conceito ocupa um lugar
importante junto às demais ações que os estudantes realizam no processo
de apropriação conceitual (identificação, comparação, análise, modos de
reprodução, modos de produção, aplicação e elaboração conceitual), mas
dominar a definição de um conceito trata-se apenas o início do processo
de formação do pensamento teórico sobre o mesmo.
As questões postas pela professora na dinâmica da aula
contribuíram para essa finalidade didático-formativa, pois geraram novas
necessidades cognoscitivas nos estudantes, uma vez que precisaram
solucionar a dúvida. Isso os colocaram em condição de atividade, uma das
condições necessárias para o estudante traçar metas capazes de supri-las.
Entretanto, tais necessidades não bastaram a si mesmas, elas precisaram
da atividade intencional da professora para que pudesse se relacionar com
o objeto conceitual, tendo em vista sua concretização na ação de
aprendizagem (FRANCO, 2015).
A intencionalidade dessa ação mediada contribuíram para que
os estudantes pudessem compreender a lógica dialética do

543
movimento e se atentarem para as relações que estavam para além das
aparências ou da percepção sensorial e concreta, como pode-se notar
nas respostas dos estudantes (trechos, n. 14, n. 16, n. 18): “O número
de palitos está aumentando”; “De dois em dois”; “O triângulo sempre vai
precisar de dois novos palitos.” A partir do momento em que os
estudantes identificaram as relações internas do movimento e suas
características gerais, a professora teve condições de fazer as
sistematizações e a formalização do conceito, de modo que os
estudantes pudessem atribuir sentido pessoal à significação.
Nesse caso, a linguagem formal algébrica passa ser mais bem
compreendida pelo movimento que representa e não somente pela sua
resolução técnica. No (trecho, n. 17): a professora questionou: “Então,
podemos ver aqui que tem uma grandeza variando e dependente dessa regularidade
quantitativa. De quanto é essa regularidade para formar um novo triângulo?”
Quando a professora expressou verbalmente o significado do
movimento da relação funcional, buscou, intencionalmente, chamar a
atenção dos estudantes para a essência da relação principal desse conceito.
Assim o estudante poderia dar a ele um sentido, à medida que conseguisse
realizar as ações e tarefas de aprendizagem, elaboradas e traçadas,
previamente pela professora.
Nessas condições os estudantes puderam reproduzir o modo de
ação geral do conceito no processo de formação das ações mentais e
estabelecer sentidos. A relação substantiva e essencial do conceito de
função, em sua representação algébrica (significação social), pode ser
compreendida pelo estudante, quando este, o relacionou com o objeto de
maneira ativa e consciente dos fins de cada ação realizada nas tarefas de
estudo. As relações de correspondência motivo-objeto-objetivo, na
obutchénie, dizem respeito à produção de sentido e significado do próprio
sujeito, todavia constituído e mediado no social. Por isso, que durante a
pesquisa Franco (2015, p. 251), pode identificar nos estudantes
regularidades de uma “atitude mais consciente, intencional e orientada à
finalidade do estudo durante todo o processo”.
Em outro trecho, (n. 21), um estudante disse: “Sei que vamos precisar
de dois palitos para cada novo triângulo, professora. Mas eu não estou entendendo qual
variável depende da outra nessa tarefa seguinte?”. Para ajudar a estudante a
descobrir essa relação de dependência, a professora não respondeu, mas

544
retornou ao questionamento inicial do estudante, em forma de outra
pergunta (trecho, n. 22): “Analisando as grandezas que se variam envolvidas na
situação, números de triângulos, que vocês denominaram de (x) e números de palitos
(y), quem depende do outro aqui nessa relação?”. Tal questão fez com que o
estudante abstraísse o movimento de dependência, de cada novo
triângulo, sendo determinado pela variação do número de palito.
Conforme Caraça (1984), na relação funcional, uma das grandezas
(a função) é perfeita e univocamente determinada pela variação da outra
(variável independente). O entendimento dessas noções básicas, na
função, não é fácil para os estudantes. Para Scarlassari (2007, p. 32) essa
dificuldade se apresenta porque: “Normalmente o que acontece nas
escolas com as funções, é um trabalho restrito à variável letra, sem análise
gráfica que contribuiria muito no entendimento do aluno [...] O conceito
algébrico de “função” é o que mais deixa explícito a ideia de movimento.
(SCARLASSARI, 2007, p. 32)”.
A professora fomentou novos diálogos entre os alunos e deu-lhes
o “tempo” para justificarem os seus pensamentos. Ao perceberem a
reprodução de um modo de ação geral da relação principal do conceito
“função”, com a existência da relação de dependência entre as grandezas e
a regularidade quantitativa, como expresso no trecho, (n. 23): “O novo
triângulo depende do outro palito já existente e dos dois novos”. E nesse mesmo
instante outro estudante responde no trecho (n. 25): “Ué, são dois. Então, o
novo triângulo depende desses dois, mais 1 que já tem lá. Agora entendi!”.
Franco (2015), entendeu que a afirmação deste estudante ajudou
na sistematização de outro colega: “Professora, eu vou colocar que meu y, é igual
a 2 palitos, vezes 18 triângulos, mais 1, certo?! Y = 2 (18) + 1; y = 36 + 1; y =
37 (trecho, n. 28)”. Conforme Talizina (2002), as ações que se realizam com
as características do conceito servem como meio para a sua apropriação.
Nesse terceiro sistema, observou-se que as ações de aprendizagem
(reprodução e aplicação de modos de ação), foram objetivadas por
diversos estudantes de forma satisfatória: Est. Ca; Est. Ed; Est. Ge; Est.
Is; Est. Mal; Est. Mat; Est. Ra; Est. Vi; Est. Ta; Est. Su; Est. Luc e Est Ri.
Estes estudantes demonstram a caracterização das relações funcionais
entre as duas grandezas que se variaram, conseguiram abstrair o conceito
do procedimento, solucionando o desafio e as tarefas (FRANCO, 2015).

545
Cabe ressaltar tais tarefas se inserem em cada AOE e nos
diferentes sistemas de ações de aprendizagem, orientadas princípios
didáticos distintos do que comumente se exige em grande parte de livros
didáticos. Para Oramas (2002);

A tarefa tem que centrar a atenção do aluno nos elementos


fundamentais, que provoque a análise reflexiva do estudante e o
conduza a exigências crescentes em sua atividade intelectual,
independência e criatividade. O processo de desenvolvimento das
tarefas deverá propiciar que o aluno analise o que realizou, como o
fez, o que permitiu o êxito, em que se equivocou, como pode
eliminar seus erros, que defenda seus critérios no coletivo, os
reafirme, aprofunde ou modifique, que se autocontrole e avalie
seus resultados e formas de atuação, assim, como do seu coletivo
(ORAMAS, 2002, p. 55).

Por essa razão, uma das tarefas solicitadas aos estudantes ao final
de cada sistema de ações de aprendizagem das AOE, consistia em
expressar o modo como o pensamento deles estavam em relação ao
conceito trabalhado, bem como, precisavam expressar o sentimento
gerado neles mediante as ações e tarefas desenvolvidas.
Nesse sistema em específico os estudantes, de certo modo,
expressaram a compreensão não somente de determinadas relações
presente no conceito de linguagem algébrica, mas também, novos
interesses cognoscitivos constituídos nesse movimento. Uma vez que em
cada uma das tarefas, desse sistema de ações de aprendizagem envolveu o
estudante numa “[...] busca ativa do conhecimento, adquirindo
consciência de como, porque e para quê fazê-lo” (ZILBERSTEIN;
ORAMAS, 2002, p. 95). No quadro 3, apresentam-se uma dos registros de
estudantes durante esse movimento de atribuir sentido.

Quadro 3: Ações de autoavaliação dos conceitos e sentimentos gerados nos


estudantes ao final do terceiro sistema de ações de aprendizagem.
(Ação de autoavaliação final. Eu compreendi a dependência entre as grandezas (de um com o
AOE-III-2013. Est. Ge.) outro) e pelo raciocínio da regularidade quantitativa eu encontrei
mentalmente o número de palitos dos triângulos. (+) Eu confesso
que a cada aula eu entendo mais sobre o movimento de função. E
acho que sempre quando trabalhamos em grupo se entende mais.
Estou me sentido cada vez melhor.

(Ação de autoavaliação final. O número de triângulos está em função do número de palitos, que
AOE-III-2013. Est.Ca) existe uma variável dependente da outra e uma regularidade
quantitativa. (+) Hoje achei legal, porque compreendi perfeitamente

546
o movimento da função e com as análises junto com o grupo foi
mais fácil compreender do que só com o que professora diz,

(Ação de autoavaliação final. Eu gostei muito de trabalhar desse jeito nessas aulas, elas foram
AOE-III-2013. Est. Ge.) muito importantes para mim. Hoje consigo compreender melhor a
matéria. A matemática é uma matéria muito difícil, mas quando se
aprende não se esquece, e eu sei bem esses conceitos principais
estudados nessas aulas. Ultimamente eu venho tendo a noção da
importância da matemática, digo isso em relação à prova do
concurso do IFTM que quero fazer. Obrigado por essa
oportunidade.

(Ação de autoavaliação final. Eu achei melhor trabalhar assim, porque é mais fácil de entender a
AOE-III-2013. Est. Is). matéria. Foi importante para mim, porque eu comecei a me dar bem
na matemática. Já tive uma melhora na questão de interpretar o que
se está pedindo na situação problema e na resolução. Antes eu tinha
preguiça e desinteresse, mas agora me acho com mais capacidade.
Atualmente me interesso mais nas tarefas e procuro entregar em dia.

(Ação de autoavaliação final. Apesar de ter certa dificuldade eu tento fazer com ajuda e estou me
AOE-III-2013Est. Ja). sentindo com mais compreensão que antes.

(Ação de autoavaliação final. Eu acho que me sinto melhor para compreender, sempre tenho
AOE-III2013. Est. Loc) atitudes de tentar resolver as tarefas.

(Ação de autoavaliação final. Hoje eu me sinto bem melhor, com comportamento mais calmo e
AOE-III-2013Est. Luc). atitude de aprendizagem.

Fonte: Franco (2015, p. 255).

Durante esse sistema de ações de aprendizagem da referida AOE-


III 67% dos estudantes se relacionaram de forma mais positiva com o
estudo de matemática pelo i) domínio dos procedimentos e operações
lógicas do pensamento. De igual modo, apresentam 67% dos estudantes
desenvolveram uma atitude consciente, intencional e orientada à
finalidade do estudo. Os elementos e as regularidades expressos nas essas
unidades de análises/isolados, representaram a história de
desenvolvimento dos motivos com a função de conferir sentido, uma vez
que possibilitaram, aos sujeitos (professora e estudantes), transformarem-
se a si mesmos –seu pensamento- e motivos, no transcurso do processo.
A professora pode contribuir para a humanização dos estudantes
e humanizar-se no processo. Por sua vez, os estudantes constituíram uma
nova forma de se relacionar com o conteúdo do conhecimento, cuja
mediação passou a ser realizada na atividade, pelos conceitos teóricos e
pela interação entre os sujeitos e no coletivo.

547
Nas aulas foi possível verificar que professora e estudantes se
relacionaram entre si e com o objeto do conhecimento, de forma mais
ativa, eles se perceberam mais confiantes em si mesmos diante das ações
de aprendizagem, porque se apropriaram de um modo de ação com o
conceito capaz de ajudá-los a construir o conteúdo do pensamento
teórico. Nesse caso, os estudantes se sentiram e se colocaram como
sujeitos ativos do seu processo de aprendizagem impulsionando seu
próprio desenvolvimento (FRANCO, 2015).
Na pesquisa Franco (2015) demonstrou que o modo de organizar
as ações de aprendizagem - por meio de tarefas específicas analíticas
reflexivas sobre a essência do conceito, a fim de destacar e conhecer os
nexos, dependências e as relações nele existentes - formaram novas
capacidades, habilidades, generalizações. Para Dragunova (1980, p. 166), é
preciso criar e desenvolver nos adolescentes a disposição para resolver
esse tipo de tarefa de estudo.
Como apresentado os registros dos estudantes nas ações de
autoavaliação se verificou que a formação do conceito teórico (Davydov,
1981) ou científico (Vigotski, 2001), desenvolveu-se, desde o início do
processo de organização da obutchénie, por meio da análise das relações de
generalidade em um sistema de conceitos. Na pesquisa Franco (2015)
identificou que quando os estudantes se apropriaram do princípio geral do
conceito, tomando consciência de suas relações internas (essenciais, gerais,
particulares) e, também, das demais relações com os conceitos
precedentes (generalizações inferiores e superiores), conseguiram atribuir
um sentido para aquela linguagem algébrica.
No caso do conceito de “função” discutido na cena do episódio
exposto nesse texto, os estudantes se apropriaram da essência de seu
movimento partindo, primeiro de seus traços gerais (de relações de
interdependência entre duas grandezas que se variavam, e da regularidade
quantitativa), e destes, conseguiram extrair os seus traços particulares
(movimento entre as variáveis dependentes e independentes, o tipo de
grandeza a que se referiam: segmento ou de área) (FRANCO, 2015).
Todavia, considerando o contexto de fragilidades da trajetória
estudantil de alguns estudantes com dificuldades em generalizações
precedentes no campo da geometria e aritmética, faltas consecutivas e
com problemas sócio familiares, esse processo de tomada de consciência

548
das relações entre os conceitos não se efetivou em todos os estudantes.
Vigotski (2001, p. 267) esclarece que:

Cada nova fase de desenvolvimento da generalização se baseia na


generalização de fases precedentes. A nova fase de generalização
surge unicamente a partir da anterior. Surge como uma
generalização de generalizações e não simplesmente como um
novo procedimento de generalização de objetos (conteúdos)
isolados. A tarefa anterior do pensamento, que se manifesta nas
generalizações predominantes na etapa precedente, não se anula, e
não se perde em vão, mas se incorpora e passa a formar parte da
nova tarefa do pensamento na qualidade de premissa necessária
(VIGOTSKI, 2001, p. 267-8-grifos do original).

Fato que pode ser verificado durante a pesquisa. Quanto mais o


estudante se distanciou da escola por problemas reais de sua existência
concreta, mais se distanciou das relações com seus pares e do objeto do
conhecimento. Isso dificultou não somente estabelecer o sentido de
estudar, como também de formar nível mais complexo de pensamento.
Isto é: pensar teoricamente com conceitos teóricos na realidade em que se
vive, para nela atuar e a transformar.
Portanto, reitera-se a importância fundamental da educação
escolar e das mediações didáticas intencionais de um professor nesse
espaço. A totalidade desse processo de intervenção didático-formativo e
todos os seus movimentos internos, fizeram com que os sentidos pessoais
se constituíssem na consecução da obutchénie de álgebra, apropriando-se de
sua significação social. Ainda que, sob as contradições, limitações
curriculares e legislacionais vigentes no país, bem como, sob os
condicionantes sócio culturais dos sujeitos.
Dessa maneira, foi possível identificar alguns nexos fundamentais
compondo a história dessa formação: i) Relação sistêmica entre os
elementos de orientação e execução em ambas as atividades; ii) Inter-
relações culturais, afetivas e cognoscitivas entre os sujeitos; iii) Relação
dialética obutchénie-desenvolvimento; iv) Relação dialética nos movimentos
inter/intrapsíquico/inter; intra/inter/intra; social/individual/social;
individual/social/individual; abstrato/concreto/abstrato;
concreto/abstra-to/concreto; v) Organização didática como conteúdo e
forma do processo formativo; vi) Unidade entre o significado-sentido-

549
motivo da atividade, domínio dos procedimentos, meios lógicos de
apropriação conceitual e a atitude consciente e voluntária.
Os nexos representam a história de desenvolvimento dos motivos
da professora e estudantes no processo de obutchénie-desenvolvimento,
durante a intervenção didático-formativa. Percebeu-se que os resultados
das relações entre professora, estudantes e objeto do conhecimento
matemático, mais especificamente, de alguns conceitos se desenvolveram
em sua unidade didática e dialética (FRANCO, 2015).
A partir desses nexos e regularidades apreenderam-se algumas
ações didáticas impulsionadoras do desenvolvimento dos motivos, com
vistas à resposta a questão nuclear, inicialmente, apresentada na pesquisa:
Que ações didáticas mobilizam o desenvolvimento de motivos
formadores de sentido, na obutchénie, potencializadores da humanização da
professora e estudantes na educação escolar?
Tais ações didáticas foram:
1) Organizar o[a] ensino [obutchénie] propiciando, aos estudantes,
as condições, as ferramentas da cultura e os modos de ações mentais
lógicas e específicas, tendo em vista a apropriação de conceitos teóricos;
2) Analisar o conceito, descobrir a sua essência, a sua lógica
interna para estabelecer finalidades e planejar as ações que possibilitam
tanto a orientação como a regulação do processo, de forma clara e ativa
pelo próprio sujeito em formação;
3) Promover a autonomia e a criação do professor diante dos
processos de análise de sua prática pedagógica, ou seja, diante da
preparação e organização de um[a] ensino [obutchénie] que promova o
desenvolvimento;
4) Considerar o sistema de relações no contexto escolar e os
interesses que decorrem desse campo, os quais incidem sobre os aspectos
cognoscitivos, volitivos e afetivos dos sujeitos;
5) Fomentar no processo didático-formativo os meios e condições
para o professor argumentar sobre as análises de seu trabalho educativo,
além de socializar suas construções com contribuição para seu processo
de humanização e dos seus estudantes;
6) Considerar a dialeticidade entre conteúdo-forma, teoria-método
para a organização da atividade de ensino e estudo [obutchénie], de modo
que suas estruturas psicológicas (necessidades, motivo, conteúdo/objeto;

550
ações, operações e produto/objetivos) se constituam inter-relacionados
no processo didático-formativo;
7) Promover a instrumentalização do processo com base na realidade
sócio cultural do contexto, das especificidades individuais e coletivas das
pessoas, criar novas necessidades formativas a elas relacionadas, estabelecer
metas, ações e objetivos concernentes à sua objetivação;
8) Durante os processos de objetivações mais humanizadoras
estabelecer o movimento da lógica dialética entre a teoria-prática,
objetivo-subjetivo, interno-externo, mediatizado-imediato, teórico-
empírico, conteúdo-forma, nas relações entre os sujeitos, conceito
científico, motivos, significados e sentidos (FRANCO, 2015, p. 272-273;
acréscimos nossos).

Reitera-se nesse texto, aquilo que se afirmou na tese (FRANCO,


2015), as ações didáticas não podem ser consideradas como “aplicáveis”,
elas não são um receituário. De forma alguma! A consideração de cada
especificidade dos distintos contextos é imprescindível quando se
pretende desenvolver processos de intervenção didático-formativos. As
ações didáticas apreendidas são singulares e salientam como ponto de
partida a realidade concreta dos sujeitos, as condições de existência e
trabalho educativo, os conhecimentos prévios, experiências e vivências.
Na tese afirmou-se que nessas ações didáticas foi possível
propiciar a superação da dicotomia entre ser e essência, no espaço
específico de escolarização e humanização, portanto, emergiram dos
movimentos entre sujeitos, nas mais diversas relações e inter-relações
constantes e distintas. Claro, de modo coletivo e único, ancorados pelos
princípios orientadores do aporte teórico-metodológico do materialismo
histórico-dialético, da psicologia histórico-cultural da atividade e da
didática desenvolvimental, emergiram-se os diálogos, a organização do
processo de intervenção didático-formativo.

Considerações Finais

Nesse texto buscou-se, em especial, apresentar a síntese do


desenvolvimento dos sujeitos da pesquisa e as ações didáticas apreendidas

551
de um movimento de intervenção didático-formativo realizado no
contexto escolar.
Em primeiro momento foram abordados os fundamentos
filosóficos, epistemológicos, psicológicos e didáticos desse movimento,
que envolveu professora de matemática e vinte e um estudantes. Em
seguida, foram evidenciados o percurso metodológico e as categorias
analíticas do estudo. Posteriormente, foram apresentados os principais
argumentos construídos ao longo da tese, com os nexos e regularidades
desse movimento, evidenciando as ações didáticas apreendidas desse
movimento didático-formativo impulsionador de novos sentidos, ou seja,
novos motivos formadores de sentido.
Dessa maneira se trouxe à reflexão alguns aspectos
importantíssimos, tanto no processo de desenvolvimento de novos
sentidos da professor quanto dos estudantes, como: a tomada de
consciência da finalidade de uma dada ação no sistema de atividade do
qual fez parte, e no qual, a necessidade pode ser objetivada.
Outro aspecto importante: esse movimento não se configurou
somente como um enfrentamento psicológico (formativo), mas também
como pedagógico e didático, uma vez que ocorreu no contexto da
educação escolar, com todos os seus limites, contradições e
condicionantes subjetivos e objetivos. Principalmente, por identificar o
conceito teórico/científico presente no conteúdo escolar, a professora
pôde selecionar os métodos mais condizentes para sua apropriação. Assim
como, escolher as formas de organização da aula e os instrumentos
mediadores capazes de impulsionar o desenvolvimento de novas
formações mentais nos estudantes, em especial, o pensamento teórico e
novos “motivos” de se apropriar de um dado objeto do conhecimento.
De modo que, refletir sobre os aspectos didáticos presentes na
obutchénie, exigiu da professora pensar no conteúdo interno do conceito
teórico e no modo de sua apropriação: métodos , instrumentos, modos de
organização da aula, objetivos, contexto sociocultural do estudante e de
seus familiares, realidade da escola, condições de trabalho do professor e
as formas de avaliação.
Ademais, a pesquisa oportunizou instrumentos e mediações
necessárias para professora e estudantes estarem em condição de
atividade, na perspectiva de Leontiev (1978); de modo que à professora

552
coube a análise dos elementos didáticos e formativos da obutchénie, para a
orientação desse processo de formação conceitual, com vistas ao
favorecimento de condições mais propícias para o estudante agir no nível
teórico, fazer generalizações teóricas e não simplesmente empíricas.
Por isso, a professora além de preocupar-se em dominar os
conteúdos, demonstrou a necessidade de saber como formar nos
estudantes as ações correspondentes, a fim de que estes, pudessem operar
com o conceito. Reitera-se a importância e autonomia dos professores
nesse processo, de organização dos instrumentos capazes de auxiliar os
estudantes a descobrirem que todo conceito possui um conteúdo e um
modo de ação sobre ele.
Entende-se que para ser um professor que ensine o estudante a pensar
teoricamente, não basta dominar o conhecimento matemático. Precisa saber
orientá-lo na identificação das características internas do conceito, na
descoberta de suas relações e movimentos. Para tanto, torna-se fundamental
organizar ações analíticas e tarefas específicas para o estudante realizar,
ativamente, indo pelo modo geral de operar com cada conceito, que vai da
descoberta de suas relações gerais para as particulares, indo do todo para as
partes e desta para a compreensão do conceito teórico.
O referido estudo/pesquisa possibilitou apreender as ações
didáticas impulsionadoras desse movimento didático-formativo com a
professora e os estudantes no processo de obutchénie. Esse movimento não
excluiu a experiência, os conhecimentos e as vivências dos sujeitos,
conforme salientado ao longo desse texto. Ao contrário, estes se
constituíram em ponto de partida para identificação das necessidades
iniciais dos sujeitos e geração de novas necessidades não materiais
relacionadas ao objeto-conteúdo de suas atividades.
Nesse sentido, cabe ressaltar como os constructos teórico-
metodológicos da Teoria Histórico-Cultural da atividade e daDidática
Desenvolvimental ofereceram possibilidades para que os pensamentos
dos sujeitos pudessem ser confrontados e reelaborados. Motivos
constituídos de sentido se processaram no dinamismo dessas inter-
relações. Com efeito, foi possível defender a tese de que, no campo da
educação escolar, pode-se fomentar desenvolvimento de motivos
formadores de sentido, uma vez que foi possível estabelecer a inter-
relação de objetivo-objeto-conteúdo na atividade pedagógica.

553
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560
Capítulo 17

Colaboração e criatividade na formação para o


desenvolvimento de professores universitários167

Walêska Dayse Dias de Sousa

Introdução

Este capítulo apresenta análises de pesquisa de doutorado


concluída em 2016 junto ao Programa de Pós-Graduação em Educação da
Universidade Federal de Uberlândia – UFU. A pesquisa foi realizada com
professores efetivos da Universidade Federal do Triângulo Mineiro –
UFTM que atuam em cursos de licenciatura. Partiu do problema: que
fundamentos essenciais devem alicerçar a formação continuada com
professores universitários orientada para o desenvolvimento?
A pesquisa foi organizada em duas etapas principais: diagnóstico e
formação. O diagnóstico teve duração de dez meses: seis meses para
construção dos dados e quatro para análises. Na fase de construção dos
dados do diagnóstico, foram entrevistados os cinco professores
participantes, observadas suas aulas e analisados documentos, entre eles,
os planos de ensino das disciplinas ministradas, além de documentos da
instituição lócus da pesquisa.
A fase de análise de dados do diagnóstico teve uma peculiaridade.
Os quatro meses de duração se desenvolveram imersos na realidade de
Havana – Cuba, tempo e espaço de realização do doutorado sanduíche

167 O presente texto apresenta os resultados obtidos na produção da tese de


Doutorado em Educação, “Processos de imitação-criação como constituidores da
práxis pedagógica: uma intervenção didático-formativa com o formador de
professores”, defendida no âmbito do Programa de Pós-Graduação em Educação,
pela Universidade Federal de Uberlândia, MG/2016, 343f.; desenvolvida sob a
orientação da Profa. Dra. Andréa Maturano Longarezi e com financiamento da
Capes - Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior pelo projeto
Observatório de Educação (OBEDUC). A pesquisa contou ainda com o apoio
financeiro da FAPEMIG e do CNPq.

561
financiado pela CAPES – Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal
de Nível Superior. A experiência em Cuba tinha como objetivo principal
conhecer as experiências com a teoria histórico-cultural desenvolvidas
daquele país, referência de estudos nessa perspectiva teórica de psicologia
e educação.
As análises do diagnóstico, fundadas numa perspectiva
materialista histórico-dialética, procuraram indagar a realidade concreta
enquanto totalidade, ou seja, “realidade como um todo estruturado,
dialético, no qual ou do qual um fato qualquer (classes de fatos, conjunto
de fatos) pode vir a ser racionalmente compreendido”. (KOSIK, 1976, p.
35). Assim, a aparência da realidade foi questionada para que fosse
possível chegar à sua essência.
Nessa busca, a ideia de totalidade considerou o contexto histórico,
social, econômico, político, geográfico, pedagógico, didático, representado
pelas condições, fundamentos teórico-metodológicos que os sujeitos de
pesquisa, professores dos cursos de licenciaturas se serviam para
objetivar-se na profissão.
As análises do diagnóstico orientaram o desenho da formação, etapa
posterior da pesquisa. A formação foi desenvolvida durante um ano e meio em
colaboração com uma professora participante da etapa anterior e foi realizada
na própria instituição lócus da pesquisa. Foi uma etapa marcada pelo estudo e
planejamento colaborativo, atuação docente e avaliação dialogadas, partes
convergentes e indissociáveis de um ciclo formativo integrado. A pesquisa foi
do tipo intervenção didático-formativa.
O capítulo foi organizado nas seguintes seções: 1. Os motivos
formadores de sentido da pesquisa; 2. O lócus; 3. Os sujeitos; 4. Os
procedimentos teórico-metodológicos; 5. Os óculos; 6. Os achados e 7.
Os novos pontos de partida, essenciais para que produção científica
continue o caminho do seu desenvolvimento.

Os motivos formadores de sentido da pesquisa

Por que o problema “fundamentos essenciais da formação


continuada com professores universitários orientada para o desenvol-
vimento”, foi assumido no desenvolvimento da pesquisa?

562
As respostas a esta pergunta constituem os motivos formadores
de sentido (FRANCO, 2015) produzidos ao longo de todo o processo
investigativo. Foram sentidos produzidos na medida em que foram
apropriadas significações sociais de estudos anteriores. Esses estudos,
além de serem marcos da área investigativa, indicavam lacunas e
desafiavam a continuidade da produção científica.
O conceito de “sentido” empregado, tem filiação na perspectiva
da Teoria da Atividade, de Leontiev (1978), que compreende a
constituição humana pela gênese do social, por meio da sua atividade,
enquanto ação intencionalmente organizada para alcançar determinado
fim. Nessa constituição ativa de homem, que se apropria dos significados
sociais produzidos pela cultura, ele produz seus próprios sentidos, produz
o social, se transforma, transforma o social, constituindo consciência.
A produção dos sentidos, portanto, está na essência do movimento de
produção humana, que tem na unidade objetivo-subjetivo a sua gênese. O
sentido é produto e processo da relação ativa do homem com a significação
social que também se produz; é síntese provisória produzida na
apreensão/produção de signos enquanto movimento permanente de
constituição de si e do social, ao longo do desenvolvimento.
A apreensão de estudos, indicou motivos e impulsionou a
produção de sentidos para a investigação. Em um desses estudos, (DIAS
DE SOUSA, 2011), é evidenciado como professores universitários
constroem identidade docente no confronto caótico das condições
objetivas de trabalho e representações sociais que lhe são atribuídas.
Conclusão do estudo indica que os professores reconhecem a importância
de uma formação específica para a docência, lacunar em sua formação
inicial, mas têm dificuldades em concretizá-la com o mínimo de aporte
teórico-prático.
Os professores são impulsionados a desenvolver sua trajetória
acadêmica com foco na pesquisa, atividade mais prestigiada no meio
científico, mesmo que a Educação Superior esteja alicerçada no tripé
ensino-pesquisa-extensão. São profissionais super especializados em seus
objetos de pesquisa, mas com quase nenhuma formação para a docência,
atividade menos prestigiada e, por vezes, exercida com a reprodução de
modelos de docência já experimentados enquanto alunos, com precária
intencionalidade teórico-prática.

563
Na maioria das instituições de ensino superior, incluindo as
universidades, embora seus professores possuam experiência
significativa e mesmo anos de estudos em suas áreas específicas,
predomina o despreparo e até um desconhecimento científico do
que seja o processo de ensino e de aprendizagem, pelo qual passam
a ser responsáveis a partir do instante em que ingressam na sala de
aula. (PIMENTA; ANASTASIOU, 2010, p. 37).

A necessidade de uma formação específica para a docência


universitária, orientada para o desenvolvimento humano, considerando a
fragilidade teórico-prática observada na realidade dos professores que já
atuam como tal na universidade pública, produziu sentido para a pesquisa.
Por aí seria significativo desenvolver a formação continuada, ou seja, a
formação que ocorre concomitante ao exercício profissional. Mas que
construtos teóricos-práticos da pedagogia e da didática poderiam
contribuir, considerando a perspectiva assumida na pesquisa, ou seja, a
perspectiva desenvolvimental?
Era necessário recorrer às significações sociais que caracterizam
diferentes correntes pedagógicas. Para Saviani (2011), pesquisador da
pedagogia histórico-crítica, as ideias pedagógicas encarnam, orientam e
constituem, em cada época, a própria substância da prática educativa.
Assim, desvelá-las ajuda a compreender contextos de educação para
delinear formas de superação. De acordo com os estudos desse autor,
ainda é grande a influência religiosa nos modelos educativos.
Ele sinaliza que o modelo de escola ainda é marcado pela
pedagogia tradicional, com uma didática que se assemelha a liturgia de
uma missa ou culto religioso. O conhecimento é apresentado, exposto,
transmitido pelo professor ao estudante sendo essa a essência do processo
educativo. Professor e estudante têm papéis determinados nessa
concepção: aquele que sabe para aquele que não sabe; aquele que discursa
para aquele que ouve e memoriza; aquele que avalia para aquele que só é
bem avaliado se repetir o que foi dito pelo professor.
Essa perspectiva pedagógica não poderia orientar uma formação
continuada para o desenvolvimento de professores universitários, pois
não propõe a transformação de capacidades de pensamento, característica
que está na essência do desenvolvimento humano, conforme construto da
teoria histórico-cultural. A pedagogia tradicional, portanto, não promove

564
rupturas e sim, permanências. Os conhecimentos são apresentados como
verdades absolutas, desconsiderando os contextos de sua produção
permanente, cabendo aos estudantes reproduzi-los, em grande parte,
como discursos oralizados, dificilmente, incorporados às práticas sociais
de forma ativa e consciente.
A pedagogia nova foi outra perspectiva pedagógica analisada.
Conforme o mesmo estudo de Saviani (2011), trata-se de uma corrente da
pedagogia e da didática concretizada, sobretudo, pelas experiências
construtivistas, concepção que buscou confrontar a pedagogia tradicional.
Ela esvaziou o papel do professor no processo educativo e deu ênfase às
metodologias de ensino.
A pedagogia nova sido disseminada desde o início do século XX
como concepção de educação centrada no aluno, com ênfase nas
experiências. Tem sido revisitada no contexto do século XXI, sobretudo
com a popularização das tecnologias digitais de informação e
comunicação, ferramentas que possibilitam a utilização das chamadas
metodologias ativas, propagadas como inovações educacionais.
Essa concepção de pedagogia e de didática também não poderia
orientar uma formação para o desenvolvimento. A experiência pela
experiência, o esvaziamento do papel do professor, o processo que não
conflita conceitos do cotidiano com conceitos científicos (VIGOTSKI,
2007), tarefa primordial da escola numa perspectiva histórico-cultural, não
poderia impulsionar o desenvolvimento do pensamento teórico de
professores universitários, pois não se propõe a isso.
A pedagogia nova ou construtivista se propõe a promover
processos educativos em condições de interação por meio da metodologia
do ensaio-erro, como se os conhecimentos a serem apreendidos já não
tivessem alcançado algum desenvolvimento, considerando a sua produção
sócio-histórica. Essa concepção valoriza a interação, as tentativas de
aprender, mas não esclarece a relevância do professor no processo,
tampouco a importância do conteúdo da aprendizagem, as finalidades a
serem alcançadas e a capacidade de autoavaliação do desenvolvimento dos
participantes da relação educativa.
Quanto às contribuições da pedagogia sócio-cultural (FREIRE,
1996) e histórico-crítica (SAVIANI, 2011), elas foram fundamentais na
crítica das práticas escolares, sobretudo as práticas que têm como

565
referência a pedagogia e a didática tradicionais. No país, sobretudo a partir
dos anos de 1980, se produziram influenciadas por estudos críticos das
Ciências Sociais que questionaram as finalidades dos processos
educativos. Essas pedagogias, portanto, têm o mérito de reconhecer a
educação escolar como uma forma de prática social. Como tal, entendem
que a educação escolar deve contribuir com a formação política e
emancipatória dos sujeitos. Nesse sentido, defendem a necessidade de a
prática escolar contextualizar em seu trabalho, os limites da sociedade
capitalista, marcada por desigualdades econômicas e sociais ao longo da
história.
As contribuições da pedagogia histórico-crítica e sócio-cultural,
mesmo importantes, não se ocuparam em formular arcabouço teórico-
prático que evidenciasse, a partir de seus postulados teóricos críticos,
formas de organização das categorias da didática: objetivos, metodologias,
conteúdo e avaliação. Assim, seus pressupostos não seriam suficientes
para fundamentar uma perspectiva de formação para o desenvolvimento
de professores universitários.
Foi uma provocação de Vigotski (2003) que primeiro chamou
atenção para as possibilidades da teoria histórico-cultural como
pressuposto teórico-prático que potencializaria formação para o
desenvolvimento:

A psicologia não pode fornecer diretamente nenhum tipo de


conclusões pedagógicas. Mas como o processo de educação é um
processo psicológico, o conhecimento dos fundamentos gerais da
psicologia ajuda, naturalmente, a realizar essa tarefa de forma
científica. (VIGOTSKI, 2003, p. 41).

O desenvolvimento humano é uma categoria estudada pela


psicologia. Na perspectiva vigotskiana o desenvolvimento não é algo dado
ao sujeito. É um processo complexo de produção de si e do mundo social
que ocorre de maneira potente por meio de uma interação social
específica: a que é organizada, intencionalmente, no ambiente escolar. Na
perspectiva de Vigotski (1995, p. 141) o desenvolvimento é:

(...) um processo dialético que se distingue por uma complicada


periodicidade, a desproporção no desenvolvimento das diversas

566
funções, as metamorfoses ou transformações qualitativas de umas
formas em outras, o entrelaçamento complexo de processos
evolutivos e involutivos, o complexo cruzamento de fatores
externos e internos, um complexo processo de superação de
dificuldades e de adaptação.

Durante a investigação, a professora que participou da formação


também formulou sua compreensão sobre o desenvolvimento:

Eu sempre penso que o desenvolvimento é via intelectual e existencial. (...) O


desenvolvimento se dá quando eu reformulo, ou acrescento, ou envolvo em
relação aquele objeto de estudo formando uma nova concepção sobre aquilo, um
novo pensamento sobre aquilo... (Sujeito da pesquisa).

A educação escolar pode impulsionar o desenvolvimento humano,


desde que consideradas condições específicas que provoquem o sujeito a
reorganizar, completamente, o que sabe. A investigação, enfim, produziu,
a partir dessa perspectiva de psicologia pedagógica, o sentido necessário
para a sua realização.
Vigotski foi o precursor da teoria histórico-cultural, pressuposto
teórico que produziu na sua esteira, elementos para delinear a chamada
didática desenvolvimental, orientada para analisar possibilidades de uma
educação para o desenvolvimento. A Vigotski se juntou outros estudiosos
russos, de várias gerações. Alguns como Davidov, Elkonin, Repkin, entre
outros, se ocuparam, de fato, em sistematizar construtos teórico-práticos
para a didática desenvolvimental.
No contexto da Revolução Russa de 1917, a emergente teoria
histórico-cultural confrontou modelos tradicionais e conservadores da
psicologia e inaugurou uma perspectiva de psicologia pedagógica, se
dedicando a investigar, por meio de experimentos psicopedagógicos,
como os sujeitos se desenvolvem impulsionados por um meio
educacional, intencionalmente, organizado.
Politicamente, essa perspectiva de psicologia e pedagogia defendia
um modelo de sociedade socialista e uma educação escolar empenhada em
promover esforços para que os sujeitos se apropriassem dos
conhecimentos historicamente produzidos e com eles se desenvolvessem.
Assim, seria possível que os homens agissem na realidade concreta,

567
definindo e transformando, com mais instrumentos criados, o mundo e
suas próprias trajetórias de vida.
A psicologia histórico-cultural e a didática para o
desenvolvimento, portanto, foram as escolhas teórico-práticas da
formação para o desenvolvimento de professores universitários analisada
nesse artigo. Na definição desse tipo de didática é importante considerar:

(...) que se apoie em leis e princípios; a unidade entre a instrução e


a educação; a importância do diagnóstico integral; o papel da
atividade, comunicação e a socialização; a unidade entre o
cognitivo, o afetivo e o volitivo em função de preparar o ser
humano para a vida, para que possa responder a suas condições
sócio-históricas concretas, assegurando o desenvolvimento das
potencialidades humanas. (ORAMAS; ZILBERSTEIN, 2003,
prólogo).

A escolha considerou os limites das demais perspectivas


pedagógicas (sobretudo a perspectiva tradicional, que continua sendo
desenvolvida, massivamente, em todos os níveis da educação formal,
inclusive na Educação Superior) e seus problemas de aprendizagem
decorrentes, frequentemente, notabilizados no país, em que se aprende
pouco, mal, com pouco proveito do potencial humano ilimitado de
inventividade e superação.

É notória a precariedade das aprendizagens de crianças na escola


pública, comprovada por índices oficiais e por levantamentos de
organismos internacionais. Muitas explicações referentes a fatores
externos têm sido reunidas, e elas são importantes, já que o
fenômeno educacional é multideterminado (...), mas não têm
faltado diagnósticos na tentativa de identificar, também, e
especialmente, os fatores intraescolares – organizacionais e
pedagógico-didáticos – que atuam no fracasso escolar das crianças
e afetam a produtividade do sistema de ensino no seu conjunto.
(LIBÂNEO, 2011, p. 14).

Era necessário recorrer também às significações sociais do campo


da investigação em didática, para produzir sentidos relacionados às opções
teórico-metodológicas da investigação. Constatou-se, então, que as
pesquisas desse campo estão dispersas. “(...) a Didática ocupa, em média,
um terço das pesquisas e das publicações realizadas pelos professores

568
vinculados à área” (LONGAREZI; PUENTES, 2011, p. 186). Ou seja,
nem os próprios professores da área estão pesquisando temas diretamente
vinculados à didática, o que denuncia grave problema a ser enfrentado
nesse segmento da comunidade científica. Além disso, destaca-se uma
produção, majoritariamente, teórica.

Notam-se, no interior dos programas de pós-graduação,


abundante pesquisa e abundante publicação no campo teórico
e, ao mesmo tempo, poucas indagações sobre as condições e
os modos de intervenção e de efetivação das práticas
pedagógicas, majoritariamente teóricas. (LONGAREZI;
PUENTES, 2011, p. 186).

Uma perspectiva de formação para o desenvolvimento não


poderia restringir-se à fundamentação teórica. Era necessário avançar,
atuar com os conceitos científicos para produzir novos sentidos e
significações sociais para o campo e para os sujeitos envolvidos.
Infelizmente, constatou-se que iniciativas assim têm sido pouco
desenvolvidas enquanto pesquisa, sobretudo na Educação Superior.

Cabe, portanto, perguntar qual tem sido o impacto das pesquisas e


das produções da área nas práticas da didática, nas práticas do
ensino de didática e, fundamentalmente, nas práticas didáticas; por
que os estudos estão concentrados em formulações teóricas sobre
a formação e a profissionalização; por que os processos de ensino-
aprendizagem não se modificam; por que os modelos de formação
de professores permanecem os mesmos; e onde precisariam se
concentrar tais estudos para que as pesquisas e as produções da
área, realizadas no interior dos programas de pós-graduação,
contribuíssem para transformações reais nos processos de ensino-
aprendizagem. (LONGAREZI; PUENTES, 2011, p. 186).

Os estudos do GEPEDI – Grupo de Estudos e Pesquisas em


Didática Desenvolvimental e Profissionalização Docente -
(LONGAREZI, 2017a; 2017b; 2020a; 2020b; 2021; LONGAREZI; DIAS
DE SOUSA, 2018; FRANCO; SOUZA; FEROLA, 2018; FRANCO,
2015; DIAS DE SOUSA, 2016; GERMANOS, 2016; SOUZA, 2016;
FEROLA, 2016; MARRA, 2018; COELHO, 2020; JESUS, 2021;
FERREIRA, 2021; entre outras)têm se preocupado com as contradições
do campo e desenvolvido importantes iniciativas, seja com a realização de

569
pesquisas de intervenção, publicação de livros, coletâneas, artigos e
dossiês na sua revista eletrônica Obutchénie, seja na realização de eventos
científicos internacionais. Foi no interior do grupo que se consolidou a
necessidade de cunhar um tipo de pesquisa mais adequado a orientar
pesquisas de formação docente para o desenvolvimento. Desse modo,
mais um motivo formador de sentido se produzia para a presente
pesquisa, que levou à escolha teórico-metodológica de realizar pesquisa do
tipo: intervenção didático-formativa com professores universitários.
De acordo com Longarezi (2012), a intervenção didático-
formativa constitui metodologia de pesquisa na qual é feito um amplo
diagnóstico do contexto a ser investigado e com base neste é proposto aos
sujeitos participantes um processo de estudos relacionados ao referencial
histórico-cultural. Além disso, são realizados, em colaboração pesquisador
e sujeito de pesquisa, planejamento, realização, observação e avaliação de
aulas, enquanto momentos interdependentes do processo.
A intervenção didático-formativa (LONGAREZI, 2017a; 2017b;
LONGAREZI; FERREIRA, 2020; LONGAREZI; MOURA, 2017;
FERREIRA; LONGAREZI, 2017; 2018; etc.) é, ao mesmo tempo,
processo investigativo e formativo. Ela propõe o desenvolvimento do
professor e também o desenvolvimento do estudante que participa da
relação educativa. O investigador propõe e colabora com o sujeito da
pesquisa, registrando toda a história em instrumentos criados ao longo da
investigação. O processo é construído tendo como base as necessidades
formativas dos participantes.
Dias de Sousa (2016) também conceitua a pesquisa do tipo
intervenção didático-formativa:

processo de investigação-formação coletiva que intervém no


âmbito do ensino, em diferentes níveis, e no nosso caso específico,
no nível superior, com o desenvolvimento de ações
interdependentes e simultâneas de instrumentalização/formação,
planejamento e implementação de atividades de ensino e estudo,
observação de aulas, análise e avaliação numa perspectiva de
unidade dialética com o objetivo de contribuir com o
desenvolvimento integral de professores e estudantes, tendo em
vista uma práxis revolucionária. (DIAS DE SOUSA, 2016, p. 63).

570
Estes foram os motivos formadores de sentido da pesquisa: as
significações sociais que indicavam como os professores universitários
têm se formado, referendados por quais contribuições da pedagogia e da
didática e, além disso, como tem sido produzida a pesquisa em didática.
As significações indicaram escolhas a serem feitas, produzindo sentidos
para a investigação.

O lócus

A pesquisa foi desenvolvida na UFTM, instituição de Educação


Superior localizada em Uberaba, região do Triângulo Mineiro, área que,
historicamente, já pertenceu aos Estados de São Paulo e Goiás e hoje
pertence ao Estado de Minas Gerais. Tem uma história recente enquanto
universidade, pois foi transformada de faculdade isolada da área de saúde
para universidade só em 2005. Depois dessa data passou a ofertar cursos
de nível superior em mais duas áreas de conhecimento: ciências sociais,
humanas e letras e ciências tecnológicas, além dos cursos que já ofertava
desde 1953 na área de ciências da saúde.
A origem da instituição tem articulação direta com o poder econômico
e político da época, que queria a criação de uma faculdade de medicina, a então
FMTM – Faculdade de Medicina do Triângulo Mineiro, sobretudo, para não
ter que deslocar os filhos das camadas sociais mais privilegiadas
economicamente para centros como São Paulo e Rio de Janeiro (LOPES,
2016). Os primeiros professores eram médicos pecuaristas, “nata da elite
econômica da cidade” (FONSECA, 2020, p. 110).

O prestígio político e econômico dos fundadores, que além de


médicos e docentes na escola de medicina, integravam os partidos
políticos dominantes e eram, ainda, detentores de riquezas
advindas da principal atividade econômica da cidade, a pecuária,
foram figuras que marcaram a história da FMTM/UFTM. Esses
valores se estabeleceram na criação da instituição, sendo
reproduzidos ao longo dos anos, ajudando a criar os “modos de
ser e atuar” dos grupos iniciais, suas maneiras próprias de existir,
ou seja, a cultura organizacional. (DIAS DE SOUSA, 2016, p. 95).

Esse contexto é importante para compreender quais eram as


motivações dos professores que chegavam à instituição com a expansão

571
universitária verificada a partir de 2008 como desdobramento da política
do REUNI – Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão
das Universidades Federais. Entre esses professores estavam os
professores das licenciaturas, sujeitos da pesquisa analisada nesse artigo.
Seus esforços estavam concentrados em conquistar espaço e
representação numa instituição que mantinha (e continua a manter) o
poder decisório na mão dos precursores, com pouca disposição em
modificar essa realidade.
Assim, os professores das licenciaturas foram engendrados num
processo de luta política para que tivessem suas áreas de conhecimento
específicas reconhecidas na instituição. Na prática, isso representou a
desvalorização da educação como área principal de conhecimento comum
dos cursos emergentes a partir de 2009, as licenciaturas em Ciências
Biológicas, Física, Geografia, História, Matemática e Química. “Isso faz
com que esses professores se esforcem para desenvolver seus próprios
projetos de pesquisa e extensão, deixando, muitas vezes, o ensino relegado
a segundo plano, visto que ele não configura como objeto das suas
investigações” (DIAS DE SOUSA, 2016, p. 95).
As condições institucionais vividas pelos professores que
participaram da pesquisa marcaram sua realização. Durante os encontros
formativos era comum o compartilhamento de queixas sobre as
dificuldades dos cursos na instituição, a carência de professores, a carga de
trabalho extenuante e a falta de reconhecimento institucional.

Os sujeitos

Participaram da fase de diagnóstico da pesquisa cinco professores.


Eles representaram as licenciaturas da UFTM, cursos escolhidos para
realização da investigação, em função da sua tarefa social: formar
professores para a Educação Básica. A hipótese era de que a formação
com formadores de professores poderia impactar, além da formação e
atuação dos próprios sujeitos, a formação dos licenciandos e futuros
professores. Os professores tinham o seguinte perfil:

572
QUADRO 1 – Perfil dos sujeitos da pesquisa
ELEMENTOS DO PERFIL CARACTERÍSTICAS
DOCENTE
Gênero 04 feminino
01 masculino
Idade média 35 anos
Vínculo Institucional Professor do Ensino Superior com
dedicação exclusiva
Titulação 04 doutores
01 doutorando
Experiência docente média 05 anos
Área de atuação Ensino da respectiva área específica
Área de formação inicial Licenciatura em:
Física
Geografia
História
Língua Portuguesa
Química

Fonte: Dias de Sousa (2016, p. 96)

A idade adulta, como é o caso dos sujeitos da pesquisa, é marcada


pelas seguintes características:

[...] Nível de autoconsciência que se diferencia dos alcançados em etapas


anteriores porque o sujeito toma as rédeas da sua vida, dirigindo-a em
função dos seus interesses, planos e sentimentos. Com ela se estruturam
e se enlaçam o resto de novas formações da idade adulta, que agora tem
uma qualidade nova, que lhe outorga maior identidade, auto-
conhecimento, um desenvol-vimento afetivo-volitivo, um
desenvolvimento de capacidades e habilidades e outras qualidades
personológicas [...]. (ELEJALDE, 2001, p. 285).

Assim, os sujeitos da pesquisa tinham grande potencial de se


beneficiarem do processo investigativo, em função do seu nível de auto-
conhecimento e autonomia para fazer escolhas do campo pessoal e
profissional. Essa autonomia foi evidenciada na etapa de formação, tanto
entre os professores que tiveram que sair, quanto em relação a professora
que permaneceu, motivada pela necessidade de se reconhecer como
sujeito na profissão docente, o que ela entendia estar se perdendo na sua
rotina profissional.
A intenção era manter os cinco professores da fase diagnóstico,
mas as exigências do campo profissional, a alta carga de trabalho, somadas
às necessidades de comprometimento com o processo investigativo

573
(encontros formativos semanais, disposição para ter aulas planejadas,
observadas e analisadas de maneira colaborativa), fizeram com que quatro
dos professores deixassem a investigação.
A formação, portanto, se concretizou com a participação de uma
das professoras do grupo inicial de sujeitos da pesquisa, doutora na área
de Ensino de Geografia, responsável por disciplinas do núcleo de ensino
da licenciatura em Geografia, entre elas o Estágio Curricular
Supervisionado.

O desenho teórico-metodológico

A pesquisa foi desenvolvida considerando o método materialista


histórico-dialético, entendido como:

(...) movimento de apropriação da realidade demandada pela


pesquisa, em conformidade com princípio epistemológico
materialista histórico-dialético: ver a realidade, me relacionar com
ela assumindo minha tarefa de investigadora, delimitar
instrumentos específicos e intencionais selecionados para
compreendê-la, produzir dados a partir desta compreensão,
analisá-los e chegar a novas sínteses. Olhar novamente para a
realidade concreta com outra qualidade, compreendendo-a sem a
aparência do olhar inicial: com o olhar aprofundado e consciente,
capaz de elaborações de um concreto pensado transformador de
mim e da própria realidade. (DIAS DE SOUSA, 2016, p. 83).

A pesquisa foi organizada em duas etapas principais: diagnóstico e


formação. Ao longo do diagnóstico, em que participaram cinco
professores universitários, foram utilizados os procedimentos:
questionários de identificação, entrevistas, observação de aulas e análise de
documentos.
A etapa de formação se desdobrou no ciclo integrado: estudo e
planejamento colaborativo, atuação docente e avaliação dialogadas. Essa
etapa contou com a participação de uma professora. Foram utilizados
nessa etapa novas entrevistas, observação de aulas da professora e análise
de documentos.
A pesquisa foi do tipo intervenção didático-formativa:

574
tipo de pesquisa em Didática Desenvolvimental que tem sido
produzida pelo esforço coletivo de um grupo de pesquisadores do
Gepedi; e “[...] se constitui numa ação investigativo-formativa, a
partir da qual se faz, de forma intencional, uma intervenção no
contexto educacional pela via da formação didática do professor; e,
nesse processo, se constitui simultaneamente intervenção didática
junto a classes de estudantes.” (LONGAREZI, 2017a, p. 198).

A intervenção didático-formativa:

(...) tem como objetivo-fim a formação-desenvolvimento de


professores e estudantes pela atividade pedagógica (objetivo-meio),
na qual todos os envolvidos na pesquisa estão na condição de
atividade. (LONGAREZI, 2017a, p. 199).

Nos encontros formativos com a professora que participou da


investigação, foram realizados estudos de artigos de autores da teoria
histórico-cultural e planejamento colaborativo das aulas ministradas por
ela no Curso de Licenciatura em Geografia. As aulas eram observadas e
analisadas. Tais análises, eram tomadas como conteúdos dos próximos
encontros formativos. Portanto, os encontros também eram espaços para
avaliação do percurso.
Esse processo de desenvolveu, concomitante, às atividades
profissionais da professora na universidade: disciplina obrigatória
Fundamentos de Geografia Escolar ministrada por ela no 5º período do
curso, trabalho desenvolvido junto ao grupo de alunos participantes do
Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência – Pibid e ao
longo do componente curricular: “Orientação e Estágio Curricular
Supervisionado IV” ministrado pela professora no 8º período do curso.

Os óculos

Alguns conceitos foram essenciais para orientar a pesquisa do tipo


intervenção didático-formativa. Constituem “os óculos” que ajudaram a
enxergar possibilidades de realização da investigação. Esta seção se dedica
a discutir esses conceitos, a começar pela compreensão de homem e de
professor da teoria histórico-cultural: como ele se produz na atividade,
desenvolve sua práxis e aprende em processos de imitação-criação.

575
Na perspectiva histórico-cultural, a característica biológica
conferida ao homem, da fecundação ao nascimento, só se concretiza em
sua máxima potência de humanidade, na interação com outros seres
humanos (VIGOTSKI, 2007). Humanizar-se é uma tarefa que dura toda a
vida, em processos de apropriação-objetivação sócio-histórica que
ocorrem de forma ativa, dialética e em unidades (LONGAREZI; DIAS
DESOUSA, 2018).
Assim, o processo de humanização implica em desenvolver as
unidades objetividade-subjetividade, coletivo-individual, teoria-prática,
conteúdo-forma, nas mais diferentes atividades da vida social, inclusive na
atividade desenvolvida pela escola. Em todas elas o humano se produz ao
mesmo tempo em que se apropria da cultura, transformando a si e a
própria cultura. Para o professor, esse princípio contrapõe perspectiva que
entende a profissão como vocação inata.
Contrapõe também perspectiva que entende a formação docente
como apropriação de uma lista de procedimentos técnicos e objetivos a
serem seguidos. Essa perspectiva tecnicista reduz a formação docente e
desconsidera os sujeitos concretos que dela participam, desconsiderando,
portanto, suas subjetividades. Para a teoria histórico-cultural, a atividade
profissional docente exige produção permanente do sujeito professor,
como sujeito ativo que pensa a sua condição profissional, examina
necessidades e dificuldades, para produzir formas criativas de superá-las,
de modo a impactar o seu desenvolvimento e a própria docência.
Nessa perspectiva teórico-prática, o professor ao se produzir faz
escolhas, atua com o que sabe impulsionado por uma finalidade, ou seja,
se produz na atividade (LEONTIEV, 1978). A didática para o
desenvolvimento é o meio, mediação da mediação cognitiva, ou seja,
trabalho organizado e intencional que considera as categorias didáticas
como mediadoras das relações entre o aluno e os objetos de
conhecimento, razão pela qual o núcleo da didática é a aprendizagem e
por sua vez a razão de ser do processo educativo. (LIBÂNEO, 2010).
A formação docente para o desenvolvimento também considera o
conceito de práxis. Para produzir práxis pedagógica, ou seja, objetivação
da unidade teórico-prática, o professor precisa atuar com consciência de
conceitos teóricos. A teoria potencializa a atividade transformadora,

576
(SÁNCHEZ VÁSQUEZ, 2011), desde que os professores tenham
consciência de si.
Em outras palavras, o professor que produz consciência de si, faz
a crítica do que tem sido a sua experiência de sujeito na atividade docente,
considerando as condições objetivas de que dispõe, os referenciais
utilizados, entre outros, analisa como esses elementos têm satisfeito (ou
não) suas necessidades e a partir daí vive, materializa a sua prática. “A
práxis é, portanto, a revolução, ou crítica radical que, correspondendo às
necessidades radicais, humanas, passa do plano teórico ao prático”.
(SÁNCHEZ VÁSQUEZ, 2011, p. 119). É na perspectiva da práxis que a
formação para o desenvolvimento foi pensada e concretizada.
Além da práxis, mais três conceitos foram nucleares para orientar
a intervenção didático-formativa: imitação, criação e colaboração,
conceitos amplamente analisados na obra de Vigotski e que deram
sustentação ao empreendimento investigativo. Em Vigotski (2007) a
imitação não é um ato mecânico. Imitar significa uma forma particular de
compreender o mundo, apreender significados sociais e transformá-los em
sentidos pessoais.
Assim, imitar é perceber o sujeito fazendo sínteses daquilo que
analisa e observa ao seu redor. É expressão inicial da sua energia pensante,
racional e afetiva do que começa a aprender. Nesse sentido, nenhuma
imitação é igual a outra. Ela é sempre individual, particular, relativa ao
entorno do sujeito, contraditoriamente, produzida a partir do que é
coletivo e social. É o modo humano de aprender.
Para Vigotski (2007), só é possível imitar, ou seja, expressar aquilo
que está em processo de ser apreendido, na sua zona de desenvolvimento
próximo, em colaboração. Assim, um sujeito que não conhece nada de
física quântica, por exemplo, não consegue imitar aquele que sabe esse
tipo de conhecimento. Isso está fora das suas possibilidades atuais, está
além. Ele não foi provocado a pensar nos conceitos da área, não foi
instigado a rever conceitos cotidianos que até o momento atendiam bem
suas necessidades. Entender de física quântica não despertou nele um
motivo formador de sentido para a sua vida e ele não atuou em situações
didáticas intencionais com os conceitos da área.

577
[...] O desenvolvimento decorrente da colaboração via imitação,
que é a fonte do surgimento de todas as propriedades
especificamente humanas da consciência, o desenvolvimento
decorrente da imitação é o fato fundamental. Assim, o momento
central para toda a psicologia da aprendizagem é a possibilidade de
que a colaboração se eleve a um grau superior de possibilidades
intelectuais, a possibilidade de passar daquilo que a criança
consegue fazer para aquilo que ela não consegue por meio da
imitação. Nisso se baseia toda a importância da aprendizagem para
o desenvolvimento, e é isto que constitui o conteúdo do conceito
de zona de desenvolvimento imediato. A imitação, se concebida
em sentido amplo, é a forma principal em que se realiza a
influência da aprendizagem sobre o desenvolvimento. A
aprendizagem da fala, a aprendizagem na escola se organiza
amplamente com base na imitação. Porque na escola a criança não
aprende o que sabe fazer sozinha, mas o que ainda não sabe e lhe
vem a ser acessível em colaboração com o professor e sob sua
orientação. O fundamental na aprendizagem é justamente o fato de
que a criança aprende o novo. Por isso a zona de desenvolvimento
imediato que determina esse campo de transições acessíveis à
criança, é a que representa o momento mais determinante na
relação da aprendizagem e do desenvolvimento. (VIGOTSKI,
2001, p.331).

A vida em sociedade sempre desperta no sujeito novos motivos


para aprender, sendo a escola o único espaço social organizado,
intencionalmente, com esse objetivo: provocar no sujeito motivos de
aprendizagem de um determinado conteúdo, que se objetivam em formas
adequadas e intencionais de alcançar esse intento. Por isso, especialmente
na escola, não é possível aprender sozinho, pois provocar, promover,
problematizar, dialogar são ações típicas que ocorrem nas relações
humanas, sobretudo na relação educativa.
No caso da escola, na relação professor-estudante. Assim, ao
professor, sujeito mais capaz da relação, cabe o papel de organizador de
um ambiente propício, com condições favoráveis para a aprendizagem do
estudante. Nessa perspectiva teórico-prática, o professor não ensina, pois
é impossível colocar algo na cabeça do estudante. O estudante é quem
produz seu próprio pensamento e isso é intransferível. Ao professor cabe
organizar situações de estudo que provoquem o estudante a pensar, atuar
com os objetos de conhecimento e, então, aprender: “A função do

578
professor não é a transmissão do conhecimento, mas a organização da
Atividade de Estudo dos alunos” (PUENTES, 2019, p. 42).
A atividade de Estudo, portanto, é, eminentemente, colaborativa:

(...) caracterizada pela existência de uma meta comum, pela divisão


e cooperação das funções no processo de alcance dessa meta.
Obviamente, o caráter e as formas de colaboração não
permanecem constantes, porém essa está sempre presente na
Atividade de Estudo constituindo sua principal característica.
(REPKIN, 1976, p. 10).

Assim, “a Atividade de Estudo não representa nem a atividade


específica de aprendizagem do aluno e nem a atividade de ensino do
professor, vista cada uma individualmente, mas o compartilhamento das
metas, funções e ações”. (PUENTES, 2019, p. 43). A formação docente
para o desenvolvimento, portanto, também só pode ser produzida de
forma colaborativa: inicialmente de maneira “assistida, orientada ou
regulada e autônoma na etapa final (auto orientada e autorregulada)”.
(PUENTES, 2019, p. 41).
A formação para o desenvolvimento pressupõe investimento nas
capacidades criativas dos sujeitos. O humano mais capaz da relação
professor-estudante precisa organizar situações adequadas para que o
aprendiz se transforme e tenha condições de produzir novos sentidos para
os problemas que tem diante de si. Infelizmente, as demais perspectivas
pedagógicas não têm essa preocupação, visto que se fundamentam em
processos de reprodução e manutenção de conceitos e modelos didáticos.
Vigotski (2009), em obra que analisa processos psicológicos de produção
criadora, chama atenção para a potência de criatividade do ser humano,
considerando suas referências anteriores:

Nosso cérebro mostra-se um órgão que conserva nossa experiência


anterior e facilita a sua reprodução. Entretanto, caso a atividade do
cérebro fosse limitada somente à conservação da experiência anterior, o
homem seria capaz de se adaptar, predominantemente, às condições
habituais e estáveis do meio que o cerca. Todas as modificações novas e
inesperadas no meio, ainda não vivenciadas por ele na sua experiência
anterior, não poderiam, nesse caso, provocar uma reação necessária de
adaptação. Ao lado da conservação da experiência anterior, o cérebro
possui ainda função não menos importante. Além da atividade

579
reprodutiva, é fácil notar no comportamento humano outro gênero de
atividade, mais precisamente a combinatória ou criadora. (VIGOTSKI,
2009, p. 13).

Assim, enquanto imitar refere-se à zona de desenvolvimento


próximo de um sujeito, indicando capacidade humana que está na
eminência de se desenvolver, impulsionado pela colaboração, a criação
revela conquista de autonomia e independência. As combinações
incialmente “imitadas” são re-significadas de uma maneira original,
própria do sujeito, criativa, constituindo a unidade imitação-criação.

(...) a imitação forma unidade dialética com a criação para produzir


a práxis pedagógica do formador de professores, pois imitar não se
restringe a repetir de forma mecânica determinada prática docente
experimentada ou conhecida por intermédio de outros. Para além
dessa perspectiva, imitar pressupõe, simultaneamente, criar,
reelaborar outra prática, consciente de fundamentos teórico-
práticos e intencionalidades. (DIAS DE SOUSA, 2016, p. 212).

A unidade imitação-criação é dialética, pois a criação ou atividade


criadora do homem, leva em conta referências anteriores, já que o homem
não cria no vazio. (VIGOTSKI, 2009). Ele produz novas combinações
para a sua existência sob a base do que já foi produzido.
Em síntese, esses foram os “óculos”, encarnados, sobretudo nos
conceitos de imitação, colaboração e na unidade imitação-criação. Eles
possibilitaram ampliar a visão sobre as possibilidades da investigação.

Os achados

Achar, nem sempre, é ação de quem procura ao a caso. É, na


perspectiva dessa pesquisa, ação intencional orientada por um objetivo,
um propósito, um plano. O plano investigativo era realizar formação com
professores universitários orientada para o desenvolvimento. Quais foram
os “achados”, as análises-sínteses na perspectiva da dialética materialista,
enquanto processos que ocorrem em unidade para produzir o objeto da
investigação?

580
A base objetiva dos processos analítico e sintético no
conhecimento é a existência de uma variedade de formas de
movimento da matéria em sua unidade essencial, interna e
necessária. Dado que o próprio mundo é uno e multiforme, nele
existem identidade e diversidade, sendo que o uno existe no
diverso (o idêntico no diverso) e o diverso no uno (o diverso no
idêntico). O conhecimento deve apreender a natureza do mundo
objetivo, refletir o diverso no uno e o uno no diverso, razão por
que cresce a necessidade da decomposição e unificação em sua
unidade. [...]. É tarefa tanto da análise quando da síntese a
reprodução do objeto no pensamento conforme a natureza e as leis
do próprio mundo objetivo. (KOPNIN, 1978, p. 235-236).

A apreensão do mundo objetivo, que possibilitou construir


algumas análises-sínteses no processo de investigação, foram discutidas
nessa seção.
A fase do diagnóstico indicou impossibilidade de a atuação
pedagógica do professor universitário ocorrer dissociada do contexto
social, histórico, político, econômico mais amplo. Os dados da
investigação demonstraram que se trata de um contexto cada vez mais
precarizado. A estruturação do trabalho docente sob as bases do modo de
produção capitalista, que prega uma pretensa “eficiência” representada
por um produtivismo desmedido, desumaniza o professor, o aliena da sua
essência de sujeito, sobrecarregando-o de ações que não convergem para
o desenvolvimento.
Os professores quase não dedicam tempo ao planejamento de
aulas. Utilizam como principal estratégia didática, nas experiências
observadas, a leitura e discussão de textos, muitas vezes sem
aprofundamento e direcionamento para apreensão de conceitos essenciais
necessários ao estudo. São muitos textos, e em grande parte, os estudantes
não sabem o que apreender deles, nem tampouco autoavaliar a
compreensão dos conceitos discutidos.
Além dessa análise, com o diagnóstico foi possível sistematizar
compreensão relativa às referências da formação-ação dos professores.
Três foram evidenciadas: referências memorizadas, empíricas e da práxis.
A primeira, referência memorizada, foi observada quando o professor
discursa sobre uma docência idealizada nem sempre coerente com as
práticas concretas. Indica que o professor recorre, no dizer docente, à
princípios e conceitos teóricos relativos à área de educação que

581
memorizou e reproduz oralmente, mas que não se objetivaram, ainda, na
prática pedagógica. Ele diz, mas muitas vezes, não faz o que diz.
A segunda referência, empírica, indica que a docência se reproduz
conforme modelos anteriores, sem análise crítica dos professores. A
reprodução ocorre de maneira naturalizada, pois eles não produzem
consciência sobre a fundamentação teórica que as embasam, tampouco
conseguem explicar os motivos teórico-práticos da escolha didática. Os
motivos, quase sempre, são do campo das experiências que já viveram em
outros contextos. Eles as reproduzem, mas não conseguem explicar
porque. Essa referência foi observada de maneira recorrente entre os
professores participantes do diagnóstico da pesquisa. Questionados sobre
as bases didáticas do seu fazer, eles não souberam precisar. O professor
faz, mas não sabe por que faz.
Essas duas referências revelaram a dissociação teoria e prática na
objetivação da relação educativa que é planejada pelo professor. Enquanto
a primeira se sustenta na reprodução de discursos, a segunda se sustenta
na reprodução de práticas naturalizadas. Nos dois casos, ou se fortalecem,
de um lado, as abstrações teóricas ou de outro, as práticas, sem que os
dois polos complementares e contraditórios sejam fortalecidos enquanto
unidade teoria-prática na objetivação da docência, comprometendo a
constituição da práxis pedagógica.
Foi evidenciado no diagnóstico um terceiro tipo de referência da
formação-ação. As referências da práxis, em que a docência se
fundamenta em princípios teóricos-práticos intencionais sendo,
permanentemente, autoavaliada pelos professores. O professor se
apropria de um conceito, pensa sobre ele, se produz de forma ativa com
ele, produzindo também a sua organização didática. Não se trata de uma
objetivação alienada da prática pedagógica, pois o professor avalia
possibilidades do pressuposto teórico, o reinterpreta e o ressignifica no
seu fazer pedagógico.
Na práxis ele desenvolve um processo revolucionário de
empoderamento, pois se humaniza por meio da apropriação sócio-
histórica do conhecimento e se produz ativamente. O professor não toma
a teoria como verdade absoluta. Ele atua com ela: avalia criticamente,
nega-aceita, confronta com os limites da sua realidade, reformula à sua
maneira, a torna parte de si. Ele continua o movimento de produção da

582
própria teoria e de si mesmo como professor. Infelizmente foi uma
referência pouco observada no contexto da investigação. Mesmo assim foi
essencial para orientar a etapa seguinte, a etapa de formação.
Reconhecer as referências da formação-ação do professor
permitiu concluir que os processos formativos não podem ficar limitados
às abstrações teóricas. A docência se materializa no confronto com
problemas e necessidades reais do âmbito do ensino, o que implica
entender que a formação deve oportunizar esses confrontos. Essa seria
uma estratégia didática adequada para orientar formação para o
desenvolvimento.
Considerando que a práxis se constitui na vivência da teoria, na
criação de possibilidades didáticas nela fundadas, esse movimento
também precisa estar presente na formação. Nesse sentido, a vivência da
teoria enquanto procedimento teórico-prático do campo da didática, deve
ser intencional, presente ao longo do processo formativo, não uma ação
solitária do professor, já no exercício da profissão.
O professor sozinho teria dificuldades, do ponto de vista teórico-
prático, de concretizar algo que não conhecesse bem, algo que tivesse apenas
ouvido em palestras que por ventura tenha participado ao longo da sua
formação continuada. Esse modelo formativo, por sinal, das palestras, continua
sendo o modelo hegemônico de formação docente continuada. Trata-se de um
modelo que não está orientado para o desenvolvimento, uma vez que se
fundamenta em princípios da pedagogia e didática tradicionais.
Nesse sentido, é preciso reconhecer que embora o campo da
investigação em educação tenha sido rico no sentido de caracterizar
diferentes concepções pedagógicas, essas formulações teóricas pouco têm
modificado as práticas. A exemplo de outros estudos (CONTRERAS,
2003; NÓVOA, 2005; GATTI, 2007), os dados dessa investigação
também confirmaram que as transformações das práticas e dos
professores, muitas vezes, não ocorrem por motivos multideterminados.
Entre esses motivos estão a falta de condições objetivas de trabalho,
desvalorização da educação e do professor, identidade docente fragilizada
do ponto de vista da profissionalidade, entre outros. Esses motivos foram
destacados pelos sujeitos da pesquisa como motivos que limitam sua
atuação docente: “Uma das coisas que ficaram mais claras para mim não é tanto a

583
limitação da teoria, mais as limitações das minhas condições de trabalho”. (Sujeito da
pesquisa).
Em outra fala:

Desde que eu estou aqui na UFTM, todo semestre eu tenho várias disciplinas
novas. Isso sobrecarrega a gente muito. E nem sempre a gente faz tudo do jeito
que a gente quer e da melhor forma que a gente poderia fazer. Este semestre,
especificamente, eu estou com seis disciplinas diferentes. E aí tem uma
sobrecarga enorme, porque são seis conteúdos diferentes, seis avaliações
diferentes, seis turmas diferentes. Acaba que isso é bastante complicado.
(Sujeito da pesquisa).

Estudo desenvolvido na própria instituição lócus da pesquisa


também analisou a situação:

O aumento de cursos da área de saúde e consequente aumento de


vagas discentes não tem acompanhado, no mesmo ritmo, o
aumento de docentes. Portanto reconhecemos que a queixa (dos
professores) é legítima e tem influenciado a qualidade do trabalho
docente, contribuindo com a massificação do ensino superior. O
professor denuncia que: “está aumentando o número de cursos e
de alunos por curso. Então a demanda é maior e o professor está
dando mais aulas”. (DIAS DE SOUSA, 2011, p. 122).

No que diz respeito às escolhas didáticas dos professores, foco da


pesquisa, foi possível inferir que as transformações da prática não
ocorrem em função de uma forte tendência reprodutivista do modelo
hegemônico de pedagogia e didática tradicionais. Como já alertado em
outros estudos, (VIGOTSKI, 2003; LONGAREZI; SILVA, 2012;
LIBÂNEO, 2014; PUENTES, 2019), a formação não toma os
professores como sujeitos complexos que se produzem na unidade
objetividade-subjetividade. Transformações de si, das teorias e das práticas
dos professores não são encorajadas em processos formativos. Podem até
serem incentivadas oralmente, mas não encarnam experiências formativas
fundadas, de fato, na colaboração e criatividade do professor.
Defende-se, portanto, que a formação docente, na perspectiva
analisada nessa pesquisa e orientada para o desenvolvimento, deve ter
como pressupostos básicos colaboração e criatividade (VIGOTSKI, 2007,
2009). Deve oportunizar espaço compartilhado com outros professores

584
para formulação de críticas, exame cuidadoso de abstrações teóricas,
criação conjunta de novos encaminhamentos didáticos que ainda não
foram experimentados. O planejado e concretizado nas aulas deve ser
examinado depois, como parte do processo formativo: avaliar como foi,
como ainda pode ser, como o pressuposto teórico ainda pode se
desenvolver, ao mesmo tempo em que o próprio professor também se
desenvolve.
Os professores precisam ser fortalecidos no seu desejo de
promover mudanças naquilo que têm sido e acreditado enquanto
professores e que já não atende mais às suas necessidades. Precisam ser
apoiados pela via da colaboração. Serem provocados a experimentar
novos caminhos didáticos com respaldo teórico-prático e afetivo para
prosseguir. Nesse sentido, a avaliação não pode ser sinônimo de
julgamento das ações, como na perspectiva da avaliação tradicional, que
pontua um momento isolado do processo e desconsidera o restante do
percurso. Essa concepção cria “sentenças finais” que inibem a invenção
do novo no exercício da docência. A avaliação deve ser momento de
consciência do processo conduzido até aquele instante, para ser possível
formular novas ações e fazer novas escolhas para prosseguir.
Por isso a necessidade de colaboração, numa formação coerente
com a zona de desenvolvimento próximo dos professores (VIGOTSKI,
2007). Ouvir um discurso de mudança pode até motivar o professor, mas
é insuficiente para alterar a rota das suas práticas, sobretudo quando ele se
percebe sozinho e analisa nessa condição de solitude, os limites do seu
contexto quase sempre precário. Estudos que analisam práticas de
professores, (CONTRERAS, 2003; NÓVOA, 2005; GATTI, 2007; DIAS
DE SOUSA, 2016) indicam que elas permanecem inalteradas, pois o
professor continua a reproduzir o modelo tradicional e não se arrisca a
iniciar um novo caminho de si na docência.
Contraditoriamente, os professores esperam melhores resultados dos
estudantes, reproduzindo os mesmos modelos de aulas. Qualificam o processo
como pouco produtivo, mecânico, repetitivo, no qual o estudante tende a
realizar pouco esforço mental (ORAMAS; ZILBERSTEIN, 2003). A
consequência é que não há aprendizagens duradouras, o que foi memorizado
logo é esquecido e o aluno pouco participa.

585
Não se exige uma reflexão profunda, a determinação do essencial,
o estabelecimento de nexos, a argumentação, o vínculo do que se
aprende com a prática social, a valorização da utilidade, a
autovalorização do que se faz, da sua conduta e de seus
companheiros. Essa pobreza gera um estudante com muito pouco
protagonismo no processo da aula, pouco independente, que se
aborrece e, muitas vezes, deseja que o turno das aulas termine logo.
(ORAMAS; ZILBERSTEIN, 2003, p. 21).

Assim, mesmo consciente das limitações relacionadas a concepção


pedagógica tradicional, evidenciadas pelas referências formativas empíricas
e memorizadas (DIAS DE SOUSA; LOGAREZI; PUENTES, 2015;
DIAS DE SOUSA, 2016; DIAS DE SOUSA; LONGAREZI, 2018) o
professor, muitas vezes, continua reproduzindo modelos de aulas, mesmo
que elas não o satisfaçam mais e limitem o potencial criativo que todos
podem desenvolver. Como possibilidade contra hegemônica de formação
de professores, a pesquisa concretizou processo formativo orientado para
o desenvolvimento, com ênfase na unidade imitação-criação (DIAS DE
SOUSA, 2016; DIAS DE SOUSA; LONGAREZI, 2017b). Para
fortalecer o esforço criador relacionado ao processo educativo, “... a
educação deve ser vista com o propósito de se formar o pensamento
criador, tendo uma visão ativa e participativa do aluno no processo de sua
instrução e desenvolvimento”. (NASCIMENTO, 2014, p. 383).
Nas sínteses da professora que participou da formação-
investigação, foi possível avaliar que as referências teóricas foram
reelaboradas na materialização de novas práticas pedagógicas. A
professora se moveu, caminhou no seu processo de aprendizagem e
desenvolvimento. No início da pesquisa a professora mostrava
preocupação em planejar aulas tendo como base conceitos da teoria
histórico-cultural. Mesmo assim ela se comprometeu com o processo,
pois este coincidia com os seus motivos formadores de sentido para
participar da investigação-formação.

Percebo ter maior consciência do que faço.


Tenho buscado maior clareza do que quero que os alunos aprendam.
O estudo tem sido caminho para fazer os alunos pensarem a necessidade de
fundamentar sua prática. (Sujeito da pesquisa).

Nesse sentido a professora, considerando Dias de Sousa (2016):

586
• Compreendeu que seria importante tomar as categorias da
didática de modo integrado na concretização da relação
educativa;
• Reconheceu a necessidade de ressignificar o planejamento
de ensino, superando a visão burocrática dominante;
• Compreendeu que a sua intervenção junto ao estudante
seria fundamental para ajudá-lo a pensar e fazer suas
próprias escolhas didáticas nas aulas do campo de estágio;
• Elaborou uma estratégia didática de intervenção junto ao
estudante, organizada na forma de questionamentos e
apontamentos teóricos;
• Compreendeu que tais intervenções poderiam colaborar
para que o estudante produzisse sua própria generalização
de conceitos, conectando com os conteúdos das aulas;
• Refletiu sobre a necessidade de rever percursos e opções
didáticas que não se mostraram adequadas à prática
pedagógica;
• Compreendeu que o conteúdo de estudo precisa ser
objeto da atividade mental dos estudantes para
potencializar a aprendizagem e o desenvolvimento;
• Reconheceu a desarticulação entre conteúdo e forma nos
currículos dos cursos de licenciatura e, portanto, procurou
romper com essa contradição;
• Deteve-se na compreensão de que as subjetividades
envolvidas no processo educativo atuam para as
aprendizagens, e, portanto, não podem ser desprezadas,
visto que elas formam unidade com as objetividades.

Todas as sínteses da professora são indicações de aprendizagem,


e, portanto, potencializaram seu desenvolvimento docente. Esse processo
só foi possível pelas vias da colaboração e criatividade, materializadas na
unidade imitação-criação. Nesse sentido a professora, com base em Dias
de Sousa (2016):

587
• Vivenciou formas de organizar didaticamente a formação
de conceitos e a partir delas produziu suas próprias
maneiras de organização;
• Produziu, de forma criativa, a interpretação dos conceitos
estudados, na forma de esquemas, exemplos e perguntas
direcionadas aos estudantes;
• Lidou com o inesperado da relação educativa colocando
em prática sua atividade criadora, considerando para isto,
os pressupostos teóricos estudados;
• Organizou e criou suas aulas com consciência de que elas
seriam modelos a serem imitados pelos estudantes e por
isso problematizou a questão junto a eles, incentivando-os
a produzirem suas próprias referências de aula;
• Entendeu que a leitura de um texto produz uma imagem
que aproxima o estudante de um estudo e que esta
estratégia de ensino é adequada para que se produza
novas compreensões dos conceitos nos encaminhamentos
práticos da ação pedagógica;
• Confrontou conhecimentos espontâneos e científicos a
partir de modelos tradicionais de aulas de geografia, para
construir subsídios para novas criações;
• Forneceu orientações verbais e escritas para potencializar
a construção de situações didáticas a serem concretizadas
pelos estudantes. Elas foram referência para o estudante
desenvolver sua criatividade;
• Criou novos encaminhamentos a partir de dificuldades
surgidas na sua própria atuação docente;
• Utilizou o recurso da avaliação para se (re) criar e (re)
formular sua ação no campo da docência.

A colaboração e a criatividade como fundamentos da formação


docente para o desenvolvimento, possibilitam ao sujeito desenvolver
autonomia, ampliando condições de ele se auto governar e tomar decisões
pautadas nas sínteses teórico-práticas que formula. É processo que dura
toda a existência, em elaborações que podem ser cada vez mais

588
sofisticadas e criativas. Por tudo isso, os sujeitos não podem alienar-se de
si; precisam desenvolver suas potencialidades e se humanizarem,
permanentemente. É a significação genuína da existência.

Novos pontos de partida

A pesquisa realizou formação com professores universitários


orientada para o desenvolvimento, sob as bases da teoria histórico-
cultural. Concluiu-se com a pesquisa, que para se desenvolver na docência
universitária, o professor precisa atuar em processos formativos
colaborativos, em que seja possível estudar, planejar, criar novos
caminhos e avaliar o que foi criado em parceria, como ciclo integrado da
formação. A colaboração atua como elemento formativo essencial,
encorajando a capacidade criativa do professor, mediada pelo estudo ativo
das teorias. Dessa forma objetiva-se a unidade imitação-criação.
Com a investigação foi possível confirmar que não se aprende por
linearidades e sim por conexões; que o professor só se desenvolve quando
atua sob bases teóricas, se produz e contribui, também, com o
desenvolvimento das teorias. Portanto, pesquisas do tipo intervenção
didático-formativa precisam ganhar espaço nas produções da área de
educação, majoritariamente, teóricas.
Assim como os modelos de formação continuada de professores
precisam ser revistos. O modelo de formação por palestras, em que um
estudioso é convidado a dissertar sobre um tema, normalmente do qual
ele pesquisa, não está orientado para o desenvolvimento do professor.
Pode inspirar, provocar a reflexão, mas é insuficiente para orientar o
desenvolvimento. Se o professor não se desenvolve, isso contribui para
que ele continue a reproduzir modelos, se frustre com os resultados dos
estudantes e vá deixando de se reconhecer na profissão docente.
Nas licenciaturas, espaço da formação inicial de professores, essa
problemática é ainda mais preocupante, pois alimenta um ciclo formativo
de reprodução de modelos didáticos que não se rompe, mantendo a
precariedade das aprendizagens dos estudantes da Educação Básica.
Portanto, há que se cuidar da formação do formador de professores.
Quando e como ele tem sido formado continuamente? Que políticas
públicas e universitárias têm se preocupado com a sua valorização e

589
formação permanente? Os poucos projetos de formação do docente
universitário existentes estão orientados para o seu desenvolvimento?
E ainda: pesquisas do tipo intervenção didático-formativa têm
conquistado espaço na área de educação, produzindo construtos teórico-
práticos do campo da formação docente para o desenvolvimento? São
questionamentos provocados por essa investigação. Novos pontos de
partida que as conclusões desse estudo inspiram a desenvolver. É preciso
humanizar o homem. É preciso potencializar a produção de humanidade
de cada professor.

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597
Capítulo 18

Trabalho e docência universitária: a formação contínua


como processo político-pedagógico-psicológico de produção
de conhecimento168

Grasiela Coelho

O começo da conversa

De início cabe registrar que este capítulo resulta de pesquisa que


se situa em um conjunto de investigações (DIAS DE SOUSA, 2016;
FERREIRA, 2021; FRANCO, 2015; MARRA, 2018; JESUS, 2021;
SOUZA, 2016; 2019; FEROLA, 2016; 2019, LONGAREZI; 2017; 2020a;
2020b; LONGAREZI; SILVA; 2018; LONGAREZI; DIAS DE SOUSA;
2018; FRANCO; SOUZA; FEROLA, 2018; entre outras), desenvolvidas
no âmbito do GEPEDI -Grupo de Estudos e Pesquisas em Didática
Desenvolvimental e Profissionalização Docente, formado por
pesquisadoras/es e estudantes de pós-graduação do Programa de Pós-
Graduação em Educação (PPGED/FACED), da Universidade Federal de
Uberlândia (UFU/MG), que discutem “Intervenção Pedagógica” à luz da
Didática Desenvolvimental.
A relação dialética alimenta o trabalho docente, enquanto
permanente e incessante busca pelo conhecimento como necessidade
cotidiana do seu métier. E, nesse entrelaçamento conflituoso, entre buscas,
inércias, avanços, retrocessos vai se constituindo o ser docente que
encontra no anthropos e na sua relação com o conhecimento e com a
aprendizagem, obstinado modo de expansão da consciência,

168 O presente texto apresenta os resultados obtidos na produção da tese de


Doutorado em Educação, “Trabalho docente e Atividade Pedagógica: a prospecção
da liberdade-felicidade na trama da formação contínua do Campus Amílcar Ferreira
Sobral (CAFS)”, defendida no âmbito do Programa de Pós-Graduação em Educação,
pela Universidade Federal de Uberlândia, MG/2020, 256f., desenvolvida sob a
orientação da Profa. Dra. Andréa Maturano Longarezi e com financiamento da
Capes.

598
compreendendo-a a partir da relação com a cultura, com vistas à
humanização. Portanto, podem ser criadas as condições do vir-a-ser e,
consequente, desejo para perseverar na existência humana, por meio da
cultura presente nos objetos e difundida por meio da linguagem. Desse
modo, a humanidade vai se constituindo nas relações sujeito-
conhecimento e sujeito-sujeito, por meio da aprendizagem que provoca o
desenvolvimento cíclico, mas não linear, porque demarcado por crises e
movido pela contradição na/da vida vivida. Cultura é o processo histórico
manifestado como produto da vida humana, em movimento dialético por
meio da transformação da natureza, conjuntamente com o
desenvolvimento das funções psicológicas superiores e da atividade da
conduta humana, considerando a filogênese e ontogênese enquanto
processos essencialmente distintos. Neste processo ocorrem crises que
desencadeiam novas crises, provocando novas aprendizagens e novos
desenvolvimentos.
A humanidade do professor dá-se pari passu à sua formação
oportunizadas pelo trabalho docente e produzindo o seu modo de ser, de
pensar, de sentir e de agir. Nessa constituição, estar e ser com os seus
pares é condição sine qua non para o avanço da aprendizagem na e sobre a
docência, tendo em vista que é na expansão da aprendizagem por meio do
outro, com o outro, favorecendo a tecitura da rede de relações necessária
à compreensão do conhecimento que a docência vai se constituindo. Em
sendo a docência atividade que concebe em seu interior a finalidade de
humanizar o ser, há que se considerar que lida com tarefa que, na
aparência, pode parecer redundante, porém não o é em sua essência essa
necessidade redundante, tendo em vista a estrutura e organização da
sociedade dividida em classes e arrolada de modo fulcral no capitalismo, o
que cria ambiente propício à reificação.
Isto posto, torna-se premente que a docência seja calcada nas
condições objetivas da realidade, considerando os conhecimentos prévios
dos professores e, particularmente, as condições de trabalho e formação,
pois a aprendizagem constitui-se tanto em processo como em produto da
profissão docente, exigindo tanto o domínio dos conhecimentos
generalizados como daqueles específicos, como a capacidade de ter que
lidar com fenômenos sociais de naturezas diversas e amplas, donde surge
a inescapável tarefa de também educar, além de ensinar. Enquanto

599
profissão, tendo a docência um vasto alcance, é inevitável a relação com a
cultura instalada no meio social, relação essa que pode ser de confluência
e/ou confronto. É exatamente nessas confluências e/ou confrontos que o
ser professor vai se constituindo por meio do trabalho docente: frente ao
conhecimento, a seus pares, aos discentes e na amálgama composta por
esses elementos dessa teia de relações sociais, culturais, históricas,
econômicas e políticas.

Perejivaniia docentes e o coletivo profissional: o desenho teórico-


metodológico

Cabe, portanto, explanarmos sobre o quadro político em que


estamos imersos atualmente e a problemática desta pesquisa, sob embargo
no que diz respeito ao desgaste das relações sociais de um modo geral e,
consequentemente, a docência, já bastante desgastada quanto ao
reconhecimento e valorização, sofre esse impacto. Dado o potencial
formativo e humanizador ao qual se propõe esta pesquisa, convém
contextualizar acerca da omissão das políticas públicas no que tange à
formação contínua169 de professores, das dicotomias entre a identidade
profissional do professor e do pesquisador, das concepções de
universidade, de ensino e de aprendizagem que o docente da educação
superior possui, do desamparo dos professores na ausência dos
conhecimentos pedagógicos, da legitimidade de um saber científico que
desconsidera a dimensão pedagógica, realizando cada professor o seu
trabalho de acordo com o que acredita, produzindo saídas diversificadas,
por vezes tomando por base a imitação, ensinando por tentativa e erro, o
que incorre em amadorismo e dificulta o entendimento do que seja o ato
educativo, diminuindo-o à mera condição de transmissão.

169Nessa pesquisa utilizar-se-á a expressão contínua ao invés de continuada por


entender que, linguisticamente falando, continuada é algo que tem previsão de início,
meio e fim, um projeto específico, uma formação específica, com carga horária
específica; já a contínua traz a característica de algo que não tem previsibilidade de
terminar. É também uma formação posterior à inicial, assim como a continuada, só
que não é um projeto específico de carga horária fechada. É uma formação que o
tempo todo está sendo renovada ad infinitum, posto que as necessidades formativas
não cessam e estão em contínuo surgimento e transformação.

600
Salienta-se que, no CAFS/UFPI, funcionam o Ensino Básico,
Técnico e Tecnológico (EBTT) e Nível Superior (ES), em prédios
separados, porém no mesmo Campus. Portanto, concepções diversas de
universidade e de ensino, marcadas inclusive pelo próprio caráter
institucionalizado de cada nível de ensino. A partir da intrincada rede de
relações sociais, culturais, históricas, econômicas e políticas,
particularmente aquela que se estabelece entre trabalho e formação,
questionou-se sobre o que os professores entendem acerca da formação
contínua, o que esperam dela, quais são as suas necessidades formativas,
se a formação contínua impacta na vida pessoal e profissional do
professor, delimitando como problema desta pesquisa: como e o que
movimenta o processo formativo que prospecta a liberdade-felicidade do
docente do CAFS?
No atual governo (2019 – 2022) há ênfase no aspecto ideológico,
na vigilância de professores e em uma pedagogia meramente transmissiva
tem como objetivo escamotear os reais problemas da educação, dentre
eles, a formação docente. A fim de causar distração da sua real
intencionalidade que é agravar o desmonte da educação superior, acelerar
o processo de privatização da universidade pública brasileira, tal governo
circunscreve a crise da educação vinculando a moralidade exclusivamente
à religião e à obediência, enquanto que o desenvolvimento moral, na sua
vastidão, está intrinsicamente relacionado à expansão da intelectualidade
humana, do aprendizado ético, afetivo e social. Para tanto, ligar o
conhecimento a vários contextos é condição sine qua non para se instalar a
dúvida, fomentando a capacidade de interpretação da complexa realidade
social, que é histórica, contraditória e tem como base a materialidade e
diversidade dos fenômenos sociais, como assevera Frigotto (2009, p. 129):

O modo de produção social de existência humana compreende


necessária e primeiramente a produção material, mas envolve ao
mesmo tempo e de forma unitária, também a linguagem, as ideias,
os valores, as ideologias, as emoções, os sentimentos e as
instituições que sedimentam os diferentes modos sociais de
produção. Por isso, em toda a história humana, os diferentes
modos de produção (tribal, antigo, medieval, capitalista, socialista),
sempre envolvem a tríade constituída por uma base material
(econômico-social), por dimensões supra-estruturais vinculadas a

601
valores, ideologias, ideias, teorias, emoções e por instituições que
consolidam, produzem e reproduzem as relações sociais.

Destarte, no capitalismo, “o trabalho assume centralidade, mas


não na sua dimensão ontocriativa e sim como uma mercadoria especial,
força de trabalho a ser negociada no mercado” (FRIGOTTO, 2009, p.
130), que gere uma mercadoria ou serviço. Ocorre que, no campo
educacional, o resultado desse trabalho é em longo prazo, é um processo
social, cultural e histórico que, se compreendido pela lógica dialética,
ocorre de modo a contestar os mecanismos de alienação política, a fim de
produzir o pensamento contra hegemônico que combata a consciência de
subordinação, produzindo o trabalho que prime pelo valor de uso, bem
como expandindo o tempo de liberdade. Entendido dessa maneira, o
trabalho forja possibilidades de apropriação, criação e recriação pela via
do conhecimento, tecnologia e ciência transformando a natureza com a
finalidade de impulsionar a existência humana.
Para além das políticas públicas, precípuas para o avanço da
formação de professores, considerando que a formação não é
responsabilidade única e principal do professor, de acordo com Alvarado-
Prada e Longarezi (2008, p. 113) “[...] os professores precisam aprender
em e no trabalho coletivo a criar situações de aprendizagem coletiva, tanto
para eles como para os alunos e a sociedade em geral.”, tendo em vista ser
este o lugar social primoroso para a construção dos coletivos, alternativa
possível de contra-argumentação ao sistema que paramenta a
individualidade em detrimento de uma sociedade mais igualitária. Caso
contrário,

[...] a partir das mais altas estruturas do poder (neste caso do


conhecimento, da academia) em vez de aprendizagens para a
transformação se continuará reforçando uma educação e uma
aprendizagem confundida com transmissão de conhecimentos,
possivelmente importante desde uma lógica racionalista, porém
descontextualizada da realidade da aprendizagem docente e
conservadora ou dificultadora da situações que, em seus próprios
discursos, anunciam necessidade de mudanças e transformações
(ALVARADO-PRADA; LONGAREZI, 2009, p. 118).

602
Na atual conjuntura política nacional e global, particularmente,
convém ainda mais o ensino e a educação para a insurgência, a subversão,
a ruptura dos silêncios, a quebra de paradigmas, de estruturas cristalizadas
pelo poder como mecanismo de resistência. A travessia exige. O tempo da
travessia certamente extrapolará a cronologia porque será cronometrado
pelo impacto das afecções, afetos, sentimentos, emoções e da
afetividade170 em corpos-mentes. Comporá ética, afetiva, histórica e
humanamente o ser-tornar-se-sentir-se professor: é preciso equilíbrio em
meio ao caos, é preciso coragem. Em tempos de desmonte da pesquisa, da
educação e do próprio sentido ético da vida é preciso reação: talvez por
não ter sido feito adequadamente a travessia no momento histórico em
que isso coube. Quando coube o rompimento, adiando o inadiável,
optou-se pela coalizão no contexto político brasileiro, como se fosse
possível coalizão com o antagônico, que difere brutalmente do
contraditório, mola propulsora da atividade humana social. Outrossim, ao
se considerar a atividade do trabalho docente e da formação de
professores, a tese a ser confirmada ou não nessa pesquisa foi estabelecida
nos seguintes termos: a constituição do ser-tornar-se-sentir-se docente a
partir das unidades que eclodem na Atividade Pedagógica geram, pelo

170 Acerca da compreensão spinozana sobre a constituição da afetividade, Sawaia


(2000, p. 13 a 15), aponta que: “[...] afetos são afecções instantâneas de uma imagem
de coisas em mim nas relações que estabeleço com outros corpos. São modificações,
pois envolvem sempre um aumento ou diminuição da capacidade dos corpos para a
ação e obriga o pensamento a mover-se em uma direção determinada, neste sentido
há afecções boas e más. [...] afecção é instantânea, é o efeito imediato de uma imagem
de coisa sobre mim, o momento presente da percepção e envolve um passo ou uma
transição vivida do estado precedente ao atual. [...] o afeto é algo que a afecção
envolve, é a transição vivida do estado precedente ao atual e do atual ao seguinte. O
afeto aparece sob a forma de duração que varia em tempo e intensidade. [...] A
emoção é o afeto que irrompe na relação imediata e é momentânea, breve, centrada
em objetos ou imagens que interrompem o fluxo normal da conduta de alguém,
provocando modificações corpóreas e comportamentais, facilmente constatáveis. [...]
Sentimento é a emoção sem prazo, com longa duração, que não se refere a coisas
(objetos ou ideias) específicas. É o tom emocional que caracteriza a forma como me
coloco no mundo. Por exemplo, a emoção de medo é o que sinto frente a um perigo
eminente. O sentimento de medo é o que caracteriza minha identidade: sou um
homem medroso. [...] Afetividade é o nome atribuído à capacidade humana de elevar
seus instintos à altura da consciência, por meio dos significados, de mediar a afecção
pelos signos sociais, aumentando ou diminuindo nossa potência de ação.

603
devir histórico e contradição, a constituição da personalidade humana que
evoca, por meio do coletivo, as possibilidades emancipatórias de exercício
da politicidade e da ética, oportunizando a distinção entre essência e
aparência.
Por meio de abstrações e mediações distintas acerca do objeto, do
método, da metodologia e do contexto, principiou-se o novo ponto de
partida que, todavia, mantém-se como representação. À vista disso, entre
o objeto e o concreto, o particular e a totalidade abstrata, existe a catarse
longa, extenuante e potente do processo, que vai se revelando de modo
não linear pela investigação, no movimento de ascensão do abstrato ao
concreto. O método de pesquisa foi calcado na contradição, no
movimento e na unidade, por meio dos isolados, episódios e cenas
decorrentes da produção coletiva dos dados, a fim de se alcançar as
relações internas do lógico-histórico do fenômeno em questão: a empiria -
na relação com as abstrações produzidas pelo grupo de partícipes - foi
decomposta para que fosse possível a sua posterior análise e síntese,
procedendo com o registro da compreensão do fenômeno alcançada,
tendo por categoria analítica a unidade.
Por isolado entende-se os recortes, os destaques da totalidade,
quer seja, “um conjunto de seres e factos, abstraído de todos os outros que
com eles estão relacionados [...] de modo a compreender nele todos os
fatores dominantes [...] todos aqueles cuja acção de interdependência influi
sensivelmente no fenômeno a estudar.” (CARAÇA, 1951, p. 112).
Tomou-se por isolados os conteúdos dos encontros realizados com os
professores partícipes da pesquisa e as assembleias de curso para a
discussão da proposição que ora é defendida, instrumentalizada pela
materialização advinda das produções textuais, bem como dos áudios
transcritos contendo os diálogos travados nas reuniões em que se
efetivaram ações formadoras, instrumentalização esta que se constituíram
em base para designação dos episódios de formação.
Episódios, na voz de Moura (2000, p. 59), “são ações reveladoras
do processo de formação dos sujeitos participantes de um isolado [...] que
revelam mudança (qualidade nova) [...]” naquilo que os sujeitos de
determinado grupo se propõem a realizar e que é definido no coletivo.
Outrossim,

604
Os episódios serão reveladores sobre a natureza e qualidade das ações.
Quanto à natureza, podemos destacar: se se trata de conceito, de modos
de ação, de valores, de conhecimento estratégico (organização do
trabalho coletivo e das relações de trabalho, criação de atividades
desencadeadoras de aprendizagem), ou se é apenas conhecimento
prático. Quanto à qualidade, os episódios poderão revelar se se trata de
ações coordenadas pelos motivos individuais ou coletivos, se visam à
concretização da atividade ou feitos sem vínculo com os motivos destas
ações, se articulam análise e síntese na avaliação das ações. (MOURA,
2000, p. 60).

Dada essa definição, Moura (2000) afirma que é necessário


delimitar com precisão o começo, o fim dos episódios, suas composições
e as interdependências entre as ações dos isolados selecionados,
assinalando que esse processo é resultante de ações não lineares. Assim,
por meio das cenas que constituem unidade nos episódios, “O
pesquisador, tal como o produtor de cinema, é que faz a leitura dessas
várias ações, que parecem isoladas, à procura das interdependências
reveladoras do modo de formar-se. (MOURA, 2000, p. 64). Desse modo,
foi necessário para a efetivação desse trabalho a organização da atividade
formativa no espaço do CAFS, de maneira que se pudesse confrontar as
práticas, as compreensões acerca das concepções de formação contínua, a
fim de que houvesse avanço para o consenso sobre tal temática. No limite
do planejado, dadas as condições da sua efetivação, é que houve
aproximação com a não linearidade, a inspiração, a percepção e a
compreensão do emaranhado de relações que engendraram o fenômeno
em questão, a partir do trabalho coletivo e das necessidades do grupo,
evidenciando que:

O conceito de isolado, se agregado ao de atividade, permite-nos


relativizar as ações e definir um modo de analisá-la, tendo em vista o
isolado tomado como referência. É necessário que tenhamos a clareza
de que as ações práticas podem, de algum modo, ser apenas
circunstanciais. Isto porque as atividades podem ser tomadas em
isolados. Estas atividades podem ter a dimensão de ações em atividades
mais complexas se vistas em novos isolados. [...] O sujeito que está à
espreita do animal executa uma determinada ação que é parte de uma
atividade, a caçada, mas no isolado que caracteriza a espreita ele realiza
uma atividade: tem um motivo, executa uma ação e tem as condições
objetivas [...]. (MOURA, 2000, p. 66).

605
Assim, definir o isolado desse fenômeno histórico – a formação
contínua dos professores do CAFS – foi o início do processo de análise,
após o conflito inicial do contato com os dados, passando pelos corpus
bruto, empírico até alcançar o analítico, em contínuas retomadas: no início
o caos para, em seguida, chegar ao concreto pensado até alcançar à
condição de exposição, estabelecendo a conexão com o método de
pesquisa. Os episódios, os isolados e as cenas têm unidade, com distintas
identidades entre si, expressando a dialeticidade inerente ao Materialismo
Histórico, o que possibilitou evidenciar as múltiplas determinações nas
suas relações essenciais, distinguindo a essência da aparência no fenômeno
histórico em movimento. Com base nessa compreensão e tendo em
mente a definição dos objetivos dessa pesquisa, analisou-se os isolados e
episódios selecionados, nas suas interdependências, considerando a
complexidade na qual a universidade pública brasileira está envolta
universalmente, captando as particularidades do fenômeno e considerando
as singularidades dele no CAFS, a fim de legitimar o que ficou entendido
como proposta de formação contínua, norteada pelas necessidades e
motivos do coletivo171.
Tendo em vista os objetivos dessa pesquisa, a pesquisa coletiva
possibilitou a criação de contextos em que os partícipes elaboraram textos
escritos individuais e coletivos172, baseados em critérios e características
produzidas no coletivo, intencionando, por meio do confronto, da
avaliação e da sistematização, a contínua retomada do que tinha sido
trabalhado em encontros anteriores, objetivando a descrição, a análise e a
síntese, constituindo o processo em pesquisa-formação que é fomentado
por uma trama de relações singulares. A constituição do coletivo suscitou
conhecimentos sobre cada um e sobre a totalidade, ou seja, evidenciando

171 O coletivo, no contexto desta pesquisa, foi composto inicialmente pelo grupo de
partícipes que aderiu de modo volitivo à atividade formativa proposta e,
posteriormente, expandiu-se ao apresentar a discussão sobre formação contínua nas
assembleias de professores (Cursos de Licenciatura em Pedagogia e Biologia; Curso
de Bacharelado em Administração).
172 A partir da produção individual dos textos, cada partícipe teve acesso aos textos

dos demais e, utilizando o revisor do word, foi fazendo os registros que avaliava como
necessário nos textos dos demais. Após os registros, os partícipes se reuniram para
discutir sobre tais registros, de modo que se chegasse a um consenso. Este
movimento possibilitou a transição dos textos individuais em textos coletivos.

606
características das identidades individuais e coletivas, dos objetivos do
coletivo e do movimento para alcançá-los. Evidenciou-se também
conhecimentos sobre as características da dinâmica de constituição do
coletivo, a produção de seus objetivos e o movimento para alcançá-los,
aflorando o caráter formativo da pesquisa coletiva que “permite aos seus
participantes formarem-se e atuarem como pesquisadores de e na
construção de sua própria realidade” (ALVARADO-PRADA, 2006, p.
110), criando o espaço e o tempo em que foram evocados os seus desejos,
interesses, necessidades formativas e o compartilhamento dos desafios e
dificuldades encontrados na docência na universidade.
Conforme Alvarado-Prada (2006), a concepção teórico-
metodológica da pesquisa coletiva afasta-se dos modelos que, em nome da
objetividade, entendem a não-alteração da realidade como neutralidade ou
a fidedignidade à verdade. Desse modo, os dados não foram somente
coletados pela pesquisadora, mas produzidos continuamente nas fases da
pesquisa, por meio das interações do coletivo e dos seguintes
procedimentos: o diálogo, a construção da própria metodologia e a
construção do coletivo. O diálogo possibilitou que, no compartilhamento
de conhecimentos, surgissem elementos tanto das relações interpessoais,
como de cada pessoa com seus próprios conhecimentos. Confrontar-se,
pois, com seus próprios conhecimentos, requer a existência do outro, a
fim de expandir o amplo e real sentido desses conhecimentos. Uma vez
ocorrido o confronto, os conhecimentos se transformaram em uma
amálgama em que não havia mais o pertencimento dos conhecimentos a
cada um, pois houve compartilhamento que gerou novos conhecimentos.
A construção da própria metodologia de pesquisa foi desenvolvida no
coletivo, considerando a formação para e na construção de
conhecimentos, em um caleidoscópio dos fundamentos teórico-
metodológicos de cada participante, aprimorando as capacidades de
negociar, lidar com as diferenças, fazer consensos e elaborar acordos.
A orientação epistemológica da pesquisa coletiva, na voz de
Alvarado-Prada (2006), é focada na relação sujeitos-sujeitos, ou seja,
abrange todos os envolvidos, inclusive quem propõe/coordena a
pesquisa, tendo em vista que os dados, os objetos e conhecimentos são
produzidos coletivamente, não havendo a distinção pesquisado-
res/pesquisados. Esse movimento dialético, posto que se move a partir

607
das argumentações e contra argumentações, visa o consenso, gera o “rigor
da pesquisa em função da aproximação das explicações [...] sobre a
situação objeto [...] derivadas de elementos ideológicos, políticos, sociais e
culturais específicos do coletivo” (ALVARADO-PRADA, 2006, p. 111)
que, não obstante situem-se no campo do conhecimento científico, são
produções resultantes das relações subjetivas. A devolutiva dos dados
produzidos pelo coletivo ocorreu pela via das ações comunicativas,
objetivando uma contínua reconstrução por meio de atualizações,
correções e alterações. Há que se considerar a dimensão política desse
processo, uma vez que os partícipes estavam envoltos nessa atmosfera
permanentemente, pois se formaram e foram formados politicamente
nesse emaranhado de relações, quer seja “concordando ou fazendo
resistência a elas, construindo as políticas locais e institucionais [...],
formando politicamente os alunos” (ALVARADO-PRADA; OLIVEIRA,
2010, p. 113), o que oportunizou a dialogicidade, considerando também as
dimensões pedagógica, técnica e as concepções teórico-metodológicas.
No entendimento de Alvarado-Prada e Oliveira (2010, p. 119),
“[...] as atuais políticas de formação continuada [...] tendem para um
aligeiramento e barateamento dessa formação. O que [...] provoca seu
empobrecimento e desqualificação [...].” Os referidos autores criticam o
destaque aos aspectos mais imediatistas, por exemplo, técnicas de
transmissão de conhecimentos e metodologias de ensino, em detrimento
“[...] das perspectivas ideológicas, históricas, culturais e sociais do trabalho
dos professores, dificultando, ao invés de facilitar, a análise e
compreensão das diferentes concepções que as permeiam [...].”
(ALVARADO-PRADA; OLIVEIRA, 2010, p. 120). Outro aspecto
considerado são os elementos necessários à formação contínua, quais
sejam: tempo, espaço e meios viabilizadores dessa formação, de modo que
seja assegurada a continuidade com base no ser, no fazer e no pensar,
exigindo investimento no coletivo.
A pesquisa coletiva, no entendimento de Longarezi e Silva (2013),
enfatiza a contribuição de cada sujeito na produção do conhecimento, a
partir da experiência social de cada um, a partir dos conhecimentos
científicos, mas também com base na realidade e na subjetividade de
todos/as os componentes do grupo, bem como nas experiências
profissionais, o que provoca o desenvolvimento autônomo e consciente.

608
Esse movimento vai gerando a conscientização por meio da apropriação
crítica do conhecimento, que conduz a aprendizagem ou transformação,
viabilizando a construção de novos conhecimentos. Nesse sentido,
Alvarado-Prada e Longarezi (2008, p. 114), entendem que “exigir dos
professores aprendizagem [...] de conhecimentos desenvolvidos por
outros e que são alheios à vida cotidiana profissional, mostra que quem
faz tais exigências, não aprendeu como se aprende e como é que os
docentes querem e o que estes precisam aprender.”
Considerando o desenho teórico/metodológico apresentado,
escolheu-se como instrumental para a realização da pesquisa o
questionário semi-aberto173, a produção de textos individuais e coletivos,
bem como o estudo de textos com temáticas relativas à efetivação dos
objetivos da pesquisa. O questionário foi enviado por e-mail para todos os
professores efetivos do Campus Amílcar Ferreira Sobral, que, à época
(2016), totalizava cento e cinco (105). A fim de conhecer-se a realidade
aplicou-se, primeiramente, o questionário semi-aberto para traçar o perfil
profissional e acadêmico dos partícipes da pesquisa, como também para
diagnosticar as especificidades relacionadas à questão-problema e aos
objetivos da pesquisa. Dos trinta e seis (36) professores que se dispuseram
a participar da pesquisa, quando consultados por e-mail somente vinte e
um (21) mantiveram o interesse para a efetiva constituição do grupo,
justificando os demais a não continuidade no propósito por conta dos
inúmeros compromissos assumidos com a UFPI, quer sejam relacionados
à tríade ensino/pesquisa/extensão, quer seja com as suas próprias pós-
graduações (mestrados e doutorados). Dos vinte e um (21) docentes
interessados em participar da pesquisa, somente foi possível a participação
de seis (06) em função de incompatibilidade de horários e dias de
permanência no Campus.
Na constituição do grupo considerou-se os seguintes critérios: um
representante de cada curso (houve representação dos Cursos de
Licenciatura em Pedagogia e Biologia; do curso de Bacharelado em
Administração; do Ensino Médio – EBTT) e formações iniciais diversas
entre si (duas formações iniciais em Licenciatura em Pedagogia; duas

173Apenas questões objetivas não dariam conta da discursividade inerente ao


conteúdo dos questionamentos, por este motivo optou-se pelo tipo semi-aberto.

609
formações iniciais em Licenciatura em Biologia; uma formação inicial em
Bacharelado em Administração; uma formação inicial em Licenciatura em
História), bem como a disponibilidade destes para a participação na
atividade formativa. Esta foi a constituição do grupo nuclear que,
posteriormente, expandiu-se em função de as discussões terem ocorridos
também nas assembleias de cursos aos quais foi possível de se realizarem.
Os partícipes foram designados por codinomes: o primeiro nome de cada
um faz referência à prospecção liberdade-felicidade, enquanto devir; o
segundo nome de cada um é alusivo aos sobrenomes da poetisa e dos
poetas autores das epígrafes deste trabalho. Na fase de expansão do
coletivo de partícipes, os presentes nas assembleias de professores dos
cursos de Pedagogia e Biologia, que tiveram seus discursos citados na tese
foram nomeados com os sobrenomes dos poetas e poetisas em primeiro
lugar e, como sobrenome, vêm os temas referentes à prospecção
liberdade-felicidade.
Que nos chegue a bravura, a calma, a intensidade, o compromisso,
a reciprocidade social, a força do afeto e do intelecto materializados pelos
coletivos, impactando na expansão da consciência crítica. Na voz de
Spinoza (1662, p. 3) “[...] toda a felicidade ou infelicidade consiste
somente numa coisa, a saber, na qualidade do objeto ao qual aderimos
pelo amor”, pois que mutatis mutandis “[...] é possível uma felicidade
diferente, real [...] ligada não à realização pessoal, mas ao entusiasmo de
trabalhar em função de um evento, de uma ruptura na ordem estabelecida,
e assim poder dar corpo a uma novidade no mundo.” (BADIOU, 2015, p.
1). Uma novidade que afaste o trabalho docente das tarefas destrutivas e
mecânicas e que o aproxime das tarefas sociais e revolucionárias.
Com apoio nessa discussão essa pesquisa tem como princípios
norteadores: a contradição, o movimento e a unidade (grifos nossos).
Entende-se que a contradição move a trama que tece a própria vida de
maneira não linear, sendo a morte (de tudo e todos) inerente à existência,
dada em um movimento de permanente confronto de pensamentos-
atividades-emoções como o nuclear das forças mobilizadoras do
desenvolvimento. A contradição efetiva-se como unidade e por unidades,
é o motor que carreia a existência humano-cultural, gerando força que
impulsiona a superação-desenvolvimento e revelando a essência enquanto

610
compreensão da síntese da luta entre contrários, da negação da negação,
da mudança do quantitativo para o qualitativo e vice-versa.
A unidade fundamenta a obutchénie174 dialética e desenvolvedora no
contexto da vospitanie, contendo em si mesma a inclusão/exclusão, o
consenso/dissenso, a necessidade/motivo e, sob esta base, constitui-se o
sujeito sócio-pessoal175 ao produzir a si mesmo e a humanidade de modo
concomitante, por meio dos confrontos na insurgência do novo, no
movimento do lógico e do histórico articulado pelos nexos conceituais. Na
dialeticidade, a vida e os conceitos são essencialmente considerados em seus
nexos, cadenciados em devir e perecimento, manifestando a totalidade do
mundo no processo do desenvolvimento, mediatizado pela linguagem que, a
partir do modo particular, provém a conexão entre o universal e o singular e às
transformações progressivas e regressivas da matéria.
Assim, a liberdade-felicidade enquanto produção social humana,
aqui fundamentada no Materialismo Histórico Dialético, na Teoria
Histórico-Cultural, na Teoria da Atividade e na Didática
Desenvolvimental, evocam o mergulho na cultura e convidam ao
pensamento politizado, são chamas que exigem a tomada de consciência,
não se constituindo do solos ipse, tendo em vista que tudo ao nosso redor
impacta na produção desse processo de natureza dialética. Em nada, a
liberdade-felicidade, que é impulsionada pela tomada de consciência,
assemelha-se às ilusões do contemporâneo contexto capitalista, com seus
falsos truísmos aprisionadores da consciência humana, pois, dar-se conta
da realidade compreende ampliar a consciência, reconhecendo nela uma
origem social, pois, como afirma Vygotsky “pode haver graus de
consciência [...]. A consciência das próprias sensações significa apenas que
elas atuam como objeto (excitante) de outras sensações: a consciência é a
sensação das sensações, exatamente da mesma forma que as simples

174 Obutchénie, segundo Longarezi e Dias de Sousa (2018), é a unidade primária que
contempla ensino-aprendizagem, a partir da perspectiva histórico-cultural da
atividade, podendo oportunizar a unidade obutchénie-desenvolvedora, se criadas as
condições adequadas que viabilizem o confronto com as vivências para que ocorram
processos psíquicos internos aos sujeitos, a fim de que a aprendizagem, enquanto
síntese dialética, efetive-se como desenvolvimento.
175 É a “[...] dimensão da pessoalidade produzida pelo humano que também é o

produtor do social [...] unidade sujeito-sociedade.” (LONGAREZI; DIAS DE


SOUSA, 2018, p. 460, nota 9).

611
sensações são a sensação dos objetos.” (VYGOTSKY, 2004a, p. 14).
Desse modo, as sensações constituem-se em umbral para a apropriação
dos significados, porque carreiam à formação dos conceitos por meio dos
nexos conceituais. As denominações dos objetos e a consciência sobre
eles, quando ampliada, potencializa o desenvolvimento das funções
psicológicas superiores em suas conexões, ao buscar as suas relações na
totalidade, o que promove o desenvolvimento integral do humano, sobre
o qual trata-se a seguir, de maneira situada no universo profissional do
docente universitário.
Convém asseverar que priorizar a felicidade e a liberdade
enquanto produções sociais que anteponham a condição humana, fazendo
escolhas teóricas e pedagógicas que impulsionem a educação, significa, ao
mesmo tempo, contemplar a ruptura, a imaginação e a criação, evocando
o aprendizado ético-afetivo, entendendo ética como “[...] a capacidade do
corpo e do pensamento em selecionar, nos encontros, o que permite
ultrapassar as condições de existência na direção à liberdade e felicidade,
como um aprendizado contínuo.” (SAWAIA, 2003, p. 59).
Este é um tema caro aos estudos filosóficos e psicológicos que
envolve a inscrição da afetividade na linguagem: na atividade humana não
há separação entre as abstrações conceituais e a própria vida vivida, um
constitui o outro e coloca em cena o sujeito encarnado, não um mero
corpo biológico, mas um corpo-linguagem-mente-emoção. A linguagem
que expressa e produz emoção sustenta-se nas interações que constituem
os sentidos entre sujeitos localizados em um contexto específico, com
uma gama de pontos de vista, desejos e intenções decorrentes das
perejivaniia partilhadas ou não. De acordo com Leontiev (2004, p. 109 e
111), os sentidos expressos pelas:

[...] significações linguísticas que se criam na atividade coletiva de


trabalho não refletem apenas as relações dos homens com a
natureza, mas também as relações dos homens entre si. Mas as
relações que têm os diferentes participantes do trabalho coletivo
com as condições e os meios de produção permanecem, no
conjunto, idênticos; por este fato, o mundo é refletido da mesma
maneira sob a forma das mesmas significações, tanto na
consciência individual como no sistema da significações linguísticas
que formam a consciência da coletividade. [...] Do ponto de vista
do desenvolvimento da consciência, é o alargamento do domínio

612
do consciente, ao qual conduz necessariamente o desenvolvimento
do trabalho, dos instrumentos, das formas e relações de trabalho
que prepara a separação do sentido e da significação. A primeira
transformação importante, no sentido do alargamento do domínio
do consciente, é realizada pela complexidade das operações de
trabalho e dos instrumentos. A produção exige cada vez mais, de
cada trabalhador, um sistema de ações subordinadas umas às
outras e, por consequência, um sistema de fins conscientes que por
outro lado, entram num processo único, numa ação complexa
única. Psicologicamente, a fusão de diferentes ações parciais numa
ação única constitui a sua transformação em operações. Por este
fato, o conteúdo que outrora ocupava, na estrutura, o lugar de fins
(itálico do original) conscientes de ações parciais, ocupa doravante,
na estrutura da ação complexa, lugar de condições de realização da
ação. Isto significa que doravante as operações e condições de ação
também elas podem entrar no domínio do consciente. Em
contrapartida, não entram aí da mesma maneira que as ações e seus
fins. [...] A ação e o seu fim, quando entram na composição de
outra ação, não se "apresentam" (aspas do original) diretamente na
consciência. Isto não significa que deixem de ser conscientes.
Ocupam apenas outro lugar na consciência; são igualmente, por
assim dizer, controlados, conscientemente, o que significa que, em
certas condições, podem ser conscientes.

A língua, verdadeiramente, não se funda apartada dos eventos


humanos e, portanto, é impossível o ato de fazer a linguagem nas
interlocuções entre as pessoas radicada apenas na razão ou formalização,
o jogo discursivo é também movido pela emoção, dependendo dos
valores, saberes e crenças que os sujeitos carregam consigo em razão,
sobretudo, da sua história. Consequentemente, o movimento das relações
sociais nem sempre se dá pela via da aceitação; ao contrário, inclusão e
exclusão soerguem a produção do sujeito humano: fazendo ascender
tensões entre as diferenças de lugares, desejos, necessidades, interesses,
motivos e objetivos. As emoções e seus modos de expressão ratificam a
impossibilidade de ações unas, atestando que o sujeito percorre trilhas
específicas para produzir suas compreensões, tendo em vista que mobiliza
saberes vindos tanto do plano racional como do sensível.
Por conseguinte, o discurso de emoção não só é imprescritível,
nunca pode ser igual pela repetição, mas também como é um ato
praticado por um sujeito situado e encarnado, tendo em vista que, na
atividade do trabalho docente, as relações são relativamente “[...] refletidas

613
nas significações particulares, e por um lado, este conteúdo é refletido não
nas próprias significações. [...] devemos igualmente ter presentes no
espírito as transformações que as formas da linguagem e as formas da
consciência social sofrem.” (LEONTIEV, 2004, p. 137).
No que tange às transformações da linguagem e da consciência
social, faz-se mister destacar que, na perspectiva de Leontiev (2004, p.
128), “[...] as relações entre os homens transformaram-se cada vez mais
em puras relações entre as coisas176 que se separam (“se alienam”) do
próprio homem. O resultado é que a sua própria atividade deixa de ser
para o homem o que ela é verdadeiramente.” Na investigação psicológica
calcada na Teoria Histórico-Cultural, na Teoria da Atividade e na
perspectiva Desenvolvimental, estas particularidades de estrutura da
consciência humana exigem a sua consideração, sob pena de que seja
suprimido o concreto histórico, focalizando de modo abstrato o homem
em geral, posto que, segundo Leontiev (2004, p. 133), “[...] alienação não
significa muito simplesmente que qualquer coisa deixou de existir para
mim. O trabalho alienado não é de modo algum um trabalho inexistente
para o operário. Existe para ele, por certo, e entra aliás duplamente na sua
vida: de maneira negativa e de maneira positiva.”.
Reafirma-se, assim, a natureza contraditória da atividade por meio
do conteúdo da própria vida humana; relacionando-a à estreiteza da
consciência social e consciência de classe, pois sua consciência individual é
engendrada nas condições de uma consciência social, à medida em que se
apropria da realidade pelo prisma dos conhecimentos, das significações e
das representações urdidas socialmente, qual seja:

[...] a ideologia dominante, na sociedade de classes, é a da classe


dominante que reflete e reforça as relações sociais existentes. [...]
essas relações escravizam o homem, submetem a sua vida e nela
criam contradições internas. Tal como a vida humana não se

176 Acerca disso, convém o registro (mas essas relações não se reduzem apenas a essa
situação) sobre o que se convencionou chamar na contemporaneidade de “Internet
of Things (IoT), modo como os objetos físicos estão conectados e se comunicando
entre si e com o usuário, através de sensores inteligentes e softwares que transmitem
dados para uma rede, como se fosse um grande sistema nervoso que possibilita a
troca de informações entre dois ou mais pontos.” Disponível em:
https://www.proof.com.br/blog/internet-das-coisas/ Acesso em: 28/03/2020.

614
encarna totalmente nestas relações, assim os sentidos engendrados
pela atividade humana não se encarnam totalmente nestas relações
nem de maneira autêntica nas significações que refletem estas
relações estranhas à vida. É esta a causa da imperfeição e da
inadequação da consciência e da conscientização. Devemos
sublinhar que, se bem que se trate de uma inadequação da
consciência interna, ela não pode ser eliminada de outro modo a
não ser pela transformação prática das condições objetivas que a
criaram. Mais precisamente se essas condições se conservam, esta
inadequação só pode ser eliminada à custa de um repúdio pela
consciência da vida real ou num processo de luta ativa contra as
ditas condições. O homem esforça-se por pôr um fim à
desintegração da sua consciência. Mas se busca a adequação e a
autenticidade da sua consciência, não é por amor abstrato à
verdade. Isso apenas traduz a sua aspiração a uma verdadeira vida;
é por tal razão que esta aspiração é tão intensa e os processos da
tomada de consciência – os mais secretos, da “vida interior” do
homem – tomam por vezes um curso realmente dramático
(LEONTIEV, 2004, p. 139).

Desse modo, a apropriação leva o sujeito à reprodução, na sua


atividade objetal externa, do potencial adquirido historicamente por meio
da sua participação no coletivo e subsequente processo de interiorização,
entendendo que:

[...] apropriar-se não tem o sentido de “guardar” um conhecimento


novo por meio do uso da memória para reproduzi-lo depois [...].
Tem o sentido de confrontá-los com conhecimentos anteriores,
caracterizá-los, analisá-los e experimentar suas possibilidades no
momento em que são mais necessários: no momento de
objetivação [...]. A partir daí manter, permanentemente, o fluxo
entre pensar o que foi feito, avaliar, recorrer novamente às
características do conceito, num esforço de reorganização das
generalizações, ou seja, das deduções do sujeito a partir das
propriedades do conceito [...], produzidas para reconstruir as
práticas, de modo contínuo, contribuindo, dessa forma, para o
desenvolvimento [...]. A “apropriação” envolve as dimensões teoria
e prática, que [...] se refere a conhecimentos do campo da teoria
histórico-cultural necessários à docência. Estas duas dimensões
têm naturezas distintas, embora contraditoriamente só se efetivem
em unidade dialética. A instrumentalização/formação só pode se
efetivar neste movimento. Uma proposta de formação que
pretenda colaborar com o desenvolvimento do formador de
professores não pode prescindir das duas dimensões: teoria e
prática, tampouco fragmentá-las em momentos não

615
complementares, como se não formassem o todo contraditório da
docência. Da mesma forma, a tecitura das proposições didáticas
demanda o envolvimento direto dos professores, com indicações
referentes aos nexos conceituais, ou seja, ao que estrutura e
fundamenta um conceito, considerados na produção de tais
propostas (SOUSA, 2016, p. 151).

Essa compreensão sobre apropriação é que mobiliza e concede


movimento à complexa estrutura do trabalho docente enquanto atividade
humana e inclui componentes como: necessidades, motivos, objetivos,
tarefas, ações e operações, em contínuo fluxo de interdependência e
transformação. As perejivaniia docentes na sociedade e/ou no coletivo
profissional, essência do ser humano, permite que o professor na
utilização de instrumentos que representam o ideal, avaliando e discutindo
sua própria atividade a partir das perspectivas de outros membros do
coletivo, faça com que a atividade individual tenha a possibilidade de
tornar-se uma representação ideal, impactando assim no desenvolvimento
da consciência pela ótica da relação de indissociabilidade da unidade entre
o ideal e o real, tendo a atividade relevância preeminente no processo. A
gênese da atividade objetal-prática circunstancia-se à natureza e ao sujeito
coletivo, pois situa-se aí a diversidade de atividades e o ponto de
estruturação consciente da sua atividade individual, tendo em vista que:

A base de todo conhecimento humano é a atividade objetal-prática,


produtiva: o trabalho [...]. A transformação do que dá a natureza é um
ato de superação de sua imediatez. Por si mesmos os objetos naturais
não adquiririam a forma que se lhes dá conforme as necessidades do
homem social. Além disso, as pessoas devem ter em conta, por
antecipação, as propriedades dos objetos que permitem produzir as
metamorfoses correspondentes tanto à finalidade formulada como à
natureza dos objetos mesmos. Em consequência, no processo de
trabalho o homem deve tomar consideração não só as propriedades
externas dos objetos, mas também as conexões internas que permitem
mudar suas propriedades e fazê-los passar de um estado a outro. Não se
pode por em evidência estas relações enquanto não se realize a
transformação prática dos objetos nem sem ela, já que só neste processo
ditas relações se põem em evidência (DAVYDOV, 1988, p. 118).

Consequentemente, após as transformações do que a natureza nos


oferece, uma vez criados os objetos, estes entram em relação com outros
objetos no meio social, através das atividades humanas, concebendo o

616
movimento que provoca a superação da imediatez do objeto em função
da condição de mediatização que coloca em evidência, nesse movimento,
as conexões internas, essenciais do mesmo, posto que o “objeto obtém
esta imediatez em relação consigo mesmo, mas só por meio de
determinados procedimentos da atividade do homem e da forma de
movimento do objeto se reproduz nesta atividade.” (DAVYDOV, 1988,
p. 119). Sendo assim, a atividade está internamente conectada ao
conceito de ideal, ou seja, ao devir do objeto, factível pela atividade
consciente do sujeito em função de necessidades finalidades, imagens que
o influem, conforme os significados linguísticos e simbologias, até
alcançar o resultado objetal correspondente a uma necessidade, o que é
executados por meio de ações e operações.
No âmago desse processo está a ontogênese e a apropriação da
cultura, densamente relacionadas ao campo do ideal e do
desenvolvimento da consciência, que direcionam as capacidades
imprescindíveis para que os sujeitos criem e/ou reproduzam utensílios,
ferramentas e objetos, capacidades essas que são possibilitadas por meio
da historicidade que evidencia os procedimentos necessários a tais
produções, como também as contradições postas por cada realidade
objetiva particular. A ontogênese ao demonstrar o desenvolvimento
histórico e cultural do ser, revela como fundante o papel da imaginação
para o desenvolvimento humano e de suas atividades. A Atividade
relaciona-se a uma estrutura e esquemas universais, na transformação de si
e do mundo natural pelo próprio homem, quer dizer, mostra-se na
Atividade a natureza universal do sujeito humano pela lógica dialética.
Ao se discutir o trabalho docente e o seu processo formativo,
compreendeu-se que a apropriação pela aprendizagem transcorre ao longo
de toda a história social, impactada pelo mundo circundante, por meio da
sua atividade produtiva, em seu significado social. A maneira como os
docentes se organizam no trabalho, como se relacionam entre si, bem
como nas diversas atividades sociais e na vida privada, configurada pelas
diferentes estruturas econômicas e culturais, impacta na constituição do
processo de aprendizagem. A educação se faz presente em todos os
campos do cotidiano, de modo planejada ou não, mas o objetivo aqui foi
discutir mais detidamente a Atividade Pedagógica, enquanto obutchénie

617
desenvolvedora, condição indispensável à humanização e formação
docente.
O exercício da docência, enquanto atividade humana, pauta-se na
coletividade, constituindo-se por meios das perejivaniia, em contínuo
processo de vospitanie e de obutchénie. Desse modo, as necessidades
formativas e a própria formação foram arroladas como nucleares para a
vida cotidiana, portanto, indeléveis para o trabalho docente e o seu
processo formativo, nas suas implicações objetivas e subjetivas, nos seus
modos de ser-pensar-agir. Para compreender a categoria trabalho como
unidade dialética foi necessário captar nas relações de trabalho o nuclear
em movimento histórico que evidenciou o essencial por meio da
totalidade, da consciência e da atividade, qual seja, o processo de
formação docente.
Assim, a partir do Materialismo Histórico Dialético, da Teoria
Histórico-Cultural da Atividade e da Didática Desenvolvimental analisou-
se a organização e o desenvolvimento das ações de formação contínua no
recorte temporal registrado, em mobilização pela prospecção liberdade-
felicidade, instigada pelas unidades afeto-cognição, ruptura-
desenvolvimento, motivo-objeto, imaginação-criação e conteúdo-forma,
enquanto processo de desenvolvimento ontogênico e devir histórico.
Neste recorte de pesquisa, toma-se do Isolado intitulado “A
Aprendizagem Docente”, o Episódio intitulado “Afecções, afetos e
emoções - sentimentos delineadores da Atividade Pedagógica”,
apresentado a seguir.

Afecções, afetos e emoções - sentimentos delineadores do


movimento da atividade pedagógica

Solidão? Solitude? Coragem? Desejo? Medo? Prazer? Imobilidade?


Neste episódio foram reveladas as afecções, os afetos e as emoções sob as
quais se compuseram os sentimentos dos docentes partícipes dessa
Atividade Pedagógica, no que tange à aprendizagem de ser-tornar-se-
sentir-se professor, ao se considerar a capacidade humana de elevar os
instintos à altura da consciência, por meio dos significados e mediação das
afecções pelos signos sociais, aumentando ou diminuindo a potência de
ação.

618
Segue a cena A1.1, ocorrida na reunião com os partícipes, em
06/06/2017.

Cena A1.1: Reunião com Partícipes – 06/06/2017


Nº PARTÍCIPE DIÁLOGO
1 Liberdade Lispector Então assim ainda tem muito isso o pensamento do pedagogo é um
pensamento, o pensamento do enfermeiro é um pensamento, do
administrador é outro pensamento. Às vezes é o conceito de cada um que
não dialoga.
2 Felicidade Suassuna E cada pessoa tem a sua própria história de vida e, consequentemente, tem a
formação que a sua área lhe permite. O acesso a determinado tipo de
conhecimento que é possibilitado por certas áreas.
3 Liberdade Lispector Eu fiz uma pós-graduação em docência pra poder me sentir confortável pra
dar aula.
4 Felicidade Suassuna Aí novamente: onde é que a gente aprende a ser professor? A formação
inicial não é suficiente para isso, pela imitação [...]
5 Liberdade Lispector Às vezes eu me pego fazendo coisas que ele fazia, entendeu? Às vezes eu
falo: “poxa, tá parecido com meu professor.”
6 Felicidade Suassuna Não tem como a gente não aprender no dia-a-dia, por isso que eu entendo
como primordial a formação continuada. No dia a dia, se você estiver com
o outro você não vai ser obrigada a aprender solitariamente. A gente
aprende muito com o outro e pelo outro. [...] um projeto que é criado numa
instância superior vem verticalizado e o que acontece é que às vezes é
antagônico com a necessidade formativa do professor. Aliás, é um dos
motivos que muito fortemente me faz pensar que a validade disso é enorme
e que a gente precisa disso especialmente para conhecer a si próprio
enquanto instituição [...] Mas, na realidade, essa construção do
conhecimento não para porque ela se dá no próprio exercício da profissão e
acompanha a gente pela vida toda. Aí a gente é professor e a gente é
professor de determinada área e tem propriedade dos conhecimentos de
determinada área. Só que não basta o conhecimento relacionado a uma área
específica porque a gente lida com pessoas.

7 Liberdade Lispector Eu acho que é mais pra aquela pessoa que dá aquele curso lá se manifestar
de alguma forma e a gente não tem proveito nenhum.
8 Felicidade Suassuna Porque quando vem a verticalização, ela já vem com uma intencionalidade,
entende?! Que muitas vezes direciona para um mundo contrário do que a gente
entende que seja fator para a expansão da nossa consciência [...] Quantas questões a
gente constrói e tem necessidade das respostas, que não são respostas definitivas,
mas que a gente vai precisando dessas respostas também para ter estabilidade nas
atitudes de pesquisa, compreendendo de forma mais ampla os conhecimentos. A
gente vai formando para agir conscientemente com base neles e não a partir do
vazio, né? Do nada... porque esse é um processo extremamente solitário, tem sido
solitário. Por isso que defendo a importância disso... da necessidade da gente porque
quando isso acontece a gente vai e participa não por imposição, a gente vai porque
aquilo é significativo para a gente...é aquilo que eu preciso aprender a fazer no
cotidiano, que eu não me sinto capaz, geralmente o professor verbaliza muito sobre
imediatismo e quer uma resposta imediata, isso já indica uma concepção de
formação continuada. Tem coisas que a minha formação não me permite ver que
eu posso ver pelo seu sentido...

619
Inicialmente, no “Episódio A1: Afecções, afetos e emoções -
sentimentos delineadores do movimento da Atividade Pedagógica”, na
Cena A1.1, Liberdade Lispector (trecho 1) manifesta a sua contestação
sobre o não-diálogo entre os conceitos das diversas áreas de
conhecimentos, relacionadas às licenciaturas e bacharelados ofertados no
CAFS: na sua compreensão, os conceitos que corroboram com a
constituição da identidade do profissional de cada curso não os aparta
entre si, ao contrário, podem sim dialogar, o que sinaliza a sua capacidade
de compreender a universalidade do conhecimento científico e sua relação
com a obutchénie, evidenciando o seu entendimento sobre os nexos
existentes entre as dimensões universal, particular e singular dos
fenômenos históricos. Felicidade Suassuna (trecho 2), destacou a
historicidade do processo de formação de cada sujeito, pontuando sobre o
acesso a cada conhecimento em sua respectiva singularidade. No trecho 3,
Liberdade Lispector afirma que cursou uma pós-graduação em docência
para se sentir mais “confortável” como professor (sua formação inicial é
bacharelado), ao que Felicidade Suassuna (trecho 4) retruca assinalando
sobre a “insuficiência” da formação inicial e, retoricamente, cita a
“imitação” como recurso de aprendizagem para o professor. Liberdade
Lispector (trecho 5) manifesta anuência ao dizer que às vezes se pega
“fazendo coisas” semelhantes ao que o seu professor fazia.
Compreende-se que, nos trechos supracitados da Cena A1.1, as
unidade conteúdo-forma, imaginação-criação e afeto-cognição,
manifestaram-se na capacidade de entendimento sobre as relações entre o
modo de ensinar-aprender-ensinar, a apropriação do conhecimento e do
seu próprio conteúdo em si, expressos em dialeticidade, pois realçou-se
que é necessária a apreensão das relações internas do fenômeno histórico,
tendo em vista que estas não se revelam na aparência de tais fenômenos,
posto que é exigida acurada análise, a fim de que seja possível captar tais
relações. Desse modo, conforme evidenciou Liberdade Lispector (trecho
1) ao se reportar à relação entre conceitos, interpreta-se que importa tanto
o conteúdo quanto a maneira como se organiza este conteúdo, ou seja, a
forma, a fim de que ocorra a mediação externa por meio dos signos,
provocando as alterações internas por meio dos significados sociais em
interligação com os sentidos pessoais. No trecho 2, Felicidade Suassuna
apontou para a produção de conhecimento oportunizada a partir do

620
conteúdo das diversas áreas de conhecimento, evidenciado novamente a
unidade conteúdo-forma, posto que as diferentes formas de organização
curricular e instrumentalização destas possibilitam diferentes
aprendizagens. Felicidade Suassuna, no trecho 6, referindo-se à formação
contínua destacou que a verticalização do ensino, em função dos
conteúdos e do formato de execução não produzem conhecimentos
pautados nas necessidades formativas dos professores, evidenciando mais
uma vez a unidade conteúdo-forma. Ainda no trecho 6, Felicidade
Suassuna asseverou sobre não bastar os conhecimentos em seus aspectos
conceituais, pois ao se lidar com pessoas também se lida com as emoções,
o que colocou em destaque a compreensão sobre a unidade afeto-
cognição, ou seja, ao se elaborar o pensamento teórico estão postos nesse
processo a afetividade e a volição no campo da consciência. Felicidade
Suassuna, no trecho 8, ao destacar que vislumbra outras perspectivas pelo
sentido do outro, sinalizou para a gênese que dispara a imaginação-
criação, pois a abstração colabora com a efetivação do processo criativo e
expansão da consciência.
Assim, no processo pedagógico-psicológico de produção do
conhecimento, a capacidade de análise decorre da compreensão da
sociedade enquanto sistema que serve a determinados interesses de
produção na relação com a natureza e com o trabalho humano, tendo por
consequência a compartimentalização dos conhecimentos, que é
decorrente de tal modelo de sociedade compreendida equivocadamente
como forma unívoca de organização social. Portanto, a compreensão
manifestada por Liberdade Lispector (trecho 1), evidencia expansão de
consciência que capta tal essência podendo, por analogia, aplicar esse
entendimento na compreensão da mente como um todo, no
funcionamento sistêmico entre suas partes.
A Atividade Pedagógica, enquanto movimento coletivo dialético,
faz abrolhar as condições materiais para que, a partir da história de cada
sujeito sócio-pessoal, sejam produzidos os significados sociais e os
sentidos pessoais que impactam na constituição da afetividade humana,
plasmada pelas afecções, afetos, emoções e sentimentos docentes,
abarcando as ideias, os signos e as essências, evocadas pela interconexão
das funções psicológicas superiores, no movimento de ascensão do
abstrato ao concreto no lógico-histórico dos conceitos. Sendo assim,

621
Quando percebemos, percebemos ao mesmo tempo nossas
afecções corporais e nossas ideias dessas afecções, de modo que as
coisas são experimentadas pela mente e pelo corpo não como
unidades individualizadas, mas como um complexo múltiplo. Do
mesmo modo, as atividades do conhecimento não ocorrem uma de
cada vez ou uma depois da outra de modo sucessivo, mas se dão
simultaneamente. Assim, as mentes são, portanto, mais ou menos
aptas a perceber e compreender essa pluralidade simultânea que é
constituinte da realidade e de sua própria natureza. A
simultaneidade, entretanto, é uma relação temporal, e por isso deve
ser entendida em conjunção com outras relações lógicas e
mereológicas, como, por exemplo, a continuidade (ou
descontinuidade), a diferença e a proporcionalidade. (PUGLIESE,
2017, p. 122).

Ou seja, de tudo o que na humanidade está impresso histórica e


culturalmente, o movimento e a contradição são inexoráveis. A vida
docente traz essa indelével marca: ser-tornar-se professor no ambiente
acadêmico, tendo em vista a produção de consensos, quando assim for
possível, exige posicionar-se na perspectiva da diversidade de
compreensões acerca da sociedade, da humanidade e de suas relações.
Qual a relação entre a solidão e o fato de posicionar-se a partir dessa
perspectiva? Esmagadora e desmobilizadora quando o caminho trilhado
for o da individualidade. Libertadora quando viabilizada pela atividade
coletiva, entendendo liberdade como consciência das necessidades que,
em Atividade Pedagógica, transformam-se em motivos formadores de
sentido, funcionando não apenas como motivos-estímulos. No trecho 6,
Felicidade Suassuna discorre sobre a tal solidão. Não sobre solicitude,
movimento intencional necessário para o processo criativo. Refere-se à
solidão pedagógica que, na sua compreensão, antagoniza-se ao processo
de formação contínua, destacando que tal processo, quando verticalizado,
vai de encontro à necessidade formativa do professor. Ao dimensionar o
sujeito contemporâneo, entende-se que o capitalismo em toda a sua
extensão e em articulação com o seu modo de produção, provoca impacto
na vida docente ao transferir a compartimentalização para o ensino e
individualizar o trabalho docente, acoplando à solidão ao sentimento de
insatisfação humano, em função da sensação de não pertencimento, de
não identificação com o outro, fruto da diferença. Qual o lugar do sujeito

622
sócio-pessoal nesse processo? Os motivos individuais que fazem eclodir
a necessidade de estar em coletivo são diversos e estão sujeitas a
regulações sociais que afetam tais desejos.
Felicidade Suassuna segue afirmando no trecho 6 que, o processo
de formação contínua, desencadeado pelo-outro-com-o-outro gera o
autoconhecimento, o que culmina no conhecimento da própria Instituição
de Ensino Superior (IES), nesse caso, a UFPI-CAFS em seu contexto
histórico, cultural e social, acompanhando o docente pela vida de modo
permanente. Novamente eclode a unidade conteúdo-forma na cena A1.1,
quando Felicidade Suassuna assinala para a universalidade dos
conhecimentos científicos, ao apontar a necessidade de conhecimento que
abarque a formação da personalidade humana como um todo de modo
sistêmico. A insatisfação com a verticalização da formação docente é
explicitada por Liberdade Lispector no trecho 7, ao fazer referência ao
“Curso de Iniciação à Docência do Ensino Superior”, ofertado pela UFPI,
por força de obrigatoriedade estabelecida em cada edital de concurso. Os
editais preveem que tal curso seja oferecido antes dos recém concursados
adentrarem à sala de aula, mas às vezes, transcorre um ano para que
ocorra o curso. A carga horária é de apenas oito horas.
No trecho 8, Felicidade Suassuna reitera sobre a verticalização,
destacando sobre as possíveis intencionalidades que, no seu
entendimento, podem configurar antagonização às concepções de mundo
que os docentes entendem ser adequadas à expansão da consciência
humana. Interpreta-se nesse mesmo trecho que, Felicidade Suassuna, ao
mencionar a provisoriedade da ciência no que se refere à transitoriedade
dos conhecimentos científicos, devido ao movimento histórico de avanço
ou até mesmo de possíveis retroações que lhe são peculiares devido à
natureza da ciência em si, compreende a inerente contradição posta pela
unidade dialética enquanto categoria. Outrossim, questiona o imediatismo,
evidenciando que assim o entende como prejudicial tanto ao processo de
Vospitanie como de Obutchénie, conforme interpretou-se, pois:

A contradição é [...] real, está nas coisas mesmas. Ela não é uma
transposição conceitual do movimento, nem tão somente uma
expressão limitada e provisória das coisas, resultado de uma análise
incompleta e fragmentária. A essência das relações reais é, sendo
relação, ser luta e choque. Termos e relações são tomados não

623
como eternos, mas como móveis. Estas fórmulas não constituem
uma apologia da contradição, do dilaceramento ou do absurdo.
(LÊNIN, 2011, p. 25).

Longe disso, a contradição funciona como o motor da atividade


humana, e assim também o é na Atividade Pedagógica. A colaboração
entre docentes com base nas ações de linguagem, que não excluem os
confrontos, cria os conflitos necessários para se chegar a uma síntese,
necessária na produção do conhecimento. Assim, nas interações do
coletivo docente, criam-se os vínculos intelectuais necessários à
aprendizagem ético-afetiva, por meio da relação tese-antítese-síntese. No
movimento histórico e contraditório das afecções, afetos e emoções,
desenvolver o sentimento de pertença, ser afetado pela sensação de que a
sua compreensão sobre o real não é isolada, provem a conexão entre os
membros do coletivo e destes com a realidade, expandindo a potência de
ação, impactada pelo lastro da alteridade humana. Estar em contato com o
outro, considerando as suas diferenças, valida a sensação identitária
docente.

À espera de outras conversas...

Confuso, arriscado, doloroso: é assim o cenário posto, o tempo de


apologia à ignorância em todos os sentidos, quer seja de depauperação da
potência do intelecto por meio de mecanismos de controle e perseguição
política, quer seja por imposições e cortes que dificultam o funcionamento
da universidade pública brasileira provocando, desse modo, a dominação
estrutural e a subordinação hierárquica por meio da imposição.
Indesejado, porém não surpreendente, porque é um projeto que se planeja
a longo tempo histórico: o projeto Neoliberal. O que aparentemente
ocorreu de maneira abrupta, repentina e de modo incompatível, na sua
essência, é resultado de planejamento político traçado com vistas a
robustecer o Capitalismo. Educar/dormir/deseducar: foi essa a tríade em
forma de afecção que se lançou sobre a educação e o trabalho docente. A
mercantilização do ensino opera de modo a transformar a educação em
mercadoria, gerando e transmitindo valores que corroboram com os
interesses dominantes o que inviabiliza o seu caráter emancipatório.

624
Entretanto, a educação é elemento constitutivo imprescindível à
conjuntura que se proponha a romper com a estrutura consolidada da
ordem capitalista, indo de encontro à conformidade instituída, à alienação
e ao fanatismo que empobrecem a humanidade. Errática ao sistema
vigente, a educação pautada na transformação-emancipação, provoca a
expansão da consciência crítica, conectando-a dialeticamente à realidade
social. Sigamos!

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629
Capítulo 19

A formação do professor de/em línguas em Moçambique


pela estratégia da intervenção didático-formativa:
das abstrações à síntese possível para a didática do
Português177

José Bartolomeu Jocene Marra

Introdução

O estudo partiu de inquietações que estiveram na origem da


formulação de algumas perguntas diretoras, formuladas nos seguintes
termos: (a) Como se forma o professor da língua portuguesa na
Universidade Pedagógica em Moçambique? (b) Com quais significados
esta formação tem sido veiculada pelos professores? (c) E quais seriam as
bases que justificariam os significados da formação e atrelada à qual
concepção de língua as mesmas se ancorariam?
Estas questões despontaram na sequência de minhas experiências
pessoais de lecionação, no contexto do ensino superior em Moçambique,
que afiançavam dificuldades expressivas na concepção e na relação que eu,
enquanto docente universitário, estabelecia com a formação dos

177 O presente texto apresenta os resultados obtidos na produção da tese de


Doutorado em Educação, “Formação de formadores de professores para e por um
ensino de línguas: uma intervenção didático-formativa na educação superior em
Moçambique”, defendida no âmbito do Programa de Pós-Graduação em Educação,
pela Universidade Federal de Uberlândia, MG/2018, 293f., desenvolvida sob a
orientação da Profa. Dra. Andréa Maturano Longarezi e com financiamento do
CNPq. O texto faz parte de um conjunto de pesquisas (LONGAREZI, 2017; 2020a;
2020b; 2021; LONGAREZI; DIAS DE SOUSA, 2018; FRANCO; SOUZA;
FEROLA, 2018; FRANCO, 2015; DIAS DE SOUSA, 2016; GERMANOS, 2016;
SOUZA, 2016; FEROLA, 2016; MARRA, 2018; COELHO, 2020; JESUS, 2021;
FERREIRA, 2021; entre outras) do Grupo de Estudos e Pesquisas em Didática
Desenvolvimental e Profissionalização Docente – GEPEDI, desenvolvido no âmbito
do doutoramento em Educação/Formação de Professores de Línguas, e orientado
referencialmente pela teoria histórico-cultural.

630
professores da língua portuguesa dos futuros professores desse idioma
para o Ensino Secundário Geral.
Dentre as características de fundo das experiências em alusão
importa afirmar que, em razão das práticas docentes rotineiras e
cansativas, estas redundavam no fracasso e no desgaste, e careciam de
uma ação informada sobre a sua relação e justificação com as questões
culturais, económicas e políticas da sociedade moçambicana. Quer dizer, a
língua portuguesa, enquanto objeto de ensino e meio de comunicação,
não se via mostrar como uma esfera de atividade da linguagem relevante e
interessada por quesões constitutivas do ser humano, da realidade e do
cotidiano da sociedade moçambicana.
Contrariamente, ela sobressaía como que assumindo uma postura
legalmente permissiva em relação ao estabelecimento de um arranjo ou
acordo linguístico nacional homogêneo muito mais próximo ao
cumprimento de uma função pragmático-utilitarista (gramaticalização da
língua) do que uma atividade de pensamento, de consciência, de
constituição ou, pelo menos, de transformação da realidade e do sujeito
falante.
Em razão dessas inquietações cuja substância pode ser vista no
evidente afastamento de investimento da autonomia na construção do
conhecimento linguístico, não fazendo o sujeito aprendente nem agir e tão
pouco exigir uma postura dialógica com a realidade sociocultural e
política, desenvolvemos uma pesquisa sob modalidade estratégica de
intervenção didático-formativa178, visando o desenvolvimento do sujeito
apredente no sentido de o permitir pensar a realidade teoricamente.
Para dar cobro a esta necessidade, fixou-se o objetivo geral o qual
buscou compreender as razões e dimensões do ensino da língua
portuguesa, no contexto universitário da formação de professores de
línguas, em Moçambique, tendo o desenvolvimento das habilidades
didáticas formadoras do formador como sua referência, e apreender
princípios de ação didática na aula de línguas.

178A Intervenção Didático-Formativa (IDF) consiste em uma metodologia de


pesquisa desenvolvida no contexto do Grupo de Estudos e Pesquisas em Didática
Desenvolvimental e Profissionalização Docente – GEPEDI (LONGAREZI, 2017;
LONGAREZI; FERREIRA, 2020; LONGAREZI; MOURA, 2017; FERREIRA;
LONGAREZI, 2017; 2018; etc.).

631
Do método às esratégias de atuação

A orientação metodológica desta pesquisa parte da definição da


seguinte questão orientadora: em que fundamentos e dimensões pode-se
formar o professor de línguas na universidade visando a produção das
habilidades didáticas aplicadas ao seu desenvolvimento e, ao mesmo
tempo, possibilitando-o constituir princípios de ação na aula da língua
portuguesa? Esta pergunta de partida resultou do levantamento do
conjunto de experiências, dificuldades ou sucessos inerentes à função
docente que permitiram o estabelecimento das necessidades de formação
dos formadores de professores. Tais necessidades constituíram, por sua
vez e no seu conjunto, indicadores para o processo de formação.
Posto isto, o nosso posicionamento epistemológico em relação ao
método e aos respectivos elementos conceituiais por aquele convocado
para a operacionalização da pesquisa partiu também da nossa convicção
teórica (que não são hipóteses de trabalho na modalidade canônica), que
mais tarde se constituiu em tese, de que qualquer formação profissional
docente deve atestar os requisitos do conhecimento do conteúdo, do
conhecimento didático do conteúdo, do contexto sociocultural, político e
ideológico da formação e do posicionamento epistemológico do formador
(LIBÂNEO, 2010).
Com base nesse quadro epistemológico, entendemos, então, que a
formação do professor da língua portuguesa deve estar atenta à
epistemologia da língua (conteúdo), às formas de sua concepção e
produção e aos contextos e esferas da atividade a que está a serviço.
Assim, o quadro paradigmático geral da pesquisa aponta a
abordagem qualitativa enraizada no método do materialismo histórico-
dialético. Neste, concebe-se o ser humano a partir do seu caráter sócio-
histórico e da sua condição material como premissas fundamentais para a
constituição das formas de significação da realidade. No seguimento dessa
concepção, o materialismo histórico-dialético torna-se conhecimento cuja
construção acontece através da interpretação do que rege as leis de
“transição de um sistema teórico a outro, a descobrir as leis da gênese das
teorias científicas, as vias do seu desenvolvimento” (KOPNIN, 1978, p.
78) através da atividade prática do Homem que se dá nas suas relações
sociais efetivas.

632
Uma outra característica fundante do materialismo histórico-
dialético, enquanto conhecimento neste trabalho, é a concepçao da
inseparabilidade do sujeito do seu objeto do conhecimento. Razão
porque, ao se assumir como condição de método, também não separa o
conteúdo do objeto na formação dos professores de línguas e,
porseguinte, se institui como uma práxis que explica o processo de criação
do conhecimento didático em línguas como que se caracterizando por
uma relação dialética entre o conteúdo e a sua forma.
Por outro lado, a nossa orientação epistemológico-metodologica
subsidiou-se de alguns elementos da teoria histórico-cultural e da teoria do
ensino desenvolvimental. No primeiro caso, tem-se o exame de questões
de fundo sobre os modos pelos quais o ser humano se forma e se
desenvolve e, no segundo, evidencia-se a necessidade de compreender a
formação didática do professor de línguas como um processo de
desenvolvimento que se institui na unidade dos princípios que norteiam a
ação do ensino dos professores e dos princípios que orientam a ação
didático-formadora dos professores, ambos (princípios) condicionados
pela realização da atividade (psíquica) possibilitando a formação do
conceito.
Do ponto de vista processual, a estratégia metodológica que
operacionalizou a pesquisa foi a intervenção didático-formativa por
encontrarmos nesta alguns referenciais para a realização da pesquisa com
vista à formação e ao desenvolvimento dos participantes. Tais referenciais
objetivam (1) transformar a realidade dos sujeitos e objetos da formação,
(2) descobrir as formas pelas quais os participantes se mobilizam para
organizar a dinâmica da experiência do grupo e formas com recursos aos
quais pode-se desevolver ações transformadoras do objeto de investigação
utilizando-se recursos que gerem tais transformações (LONGAREZI;
SILVA, 2013).
A metodologia da intervenção didático-formativa consiste em uma

[...] ação investigativo-formativa, a partir da qual se faz, de forma


intencional, uma intervenção no contexto educacional pela via da
formação didática do professor; e, nesse processo, se constitui
simultaneamente intervenção didática junto a classes de estudantes.
Dessa maneira, o processo didático da obutchénie é produzido no
processo de formação didática do professor. Por isso, (...) tem

633
como objetivo-fim a formação-desenvolvimento de professores e
estudantes pela atividade pedagógica (objetivo-meio).
(LONGAREZI, 2017, p.198-199).

Esse tipo de pesquisa compreende, portanto,

[...] a instrumentalização teórica dos professores para a


apropriação dos fundamentos do método materialista
histórico-dialético e do Ensino Desenvolvimental; e, nesse
processo, compreende também a análise e elaboração de
uma obutchénie que os coloque, junto com os estudantes
em atividade pedagógica desenvolvedora de ambos”
(LONGAREZI, FERREIRA, 2020, p. 66).

A utilização da intervenção didático-formativa, compreendeu


quatro etapas, designadamente: (i) o diagnóstico (levantamento de
informações junto dos professores para a identificação das necessidades
de formação didática no ensino de/em línguas), (ii) o diagnóstico
(instrumentação teórica das necessidades de formação dos professores
com vista à ampliação do conhecimento sobre as línguas em geral e a
Língua Portuguesa em particular e dos modos de seu ensino), (iii) a
intervenção educativa (formação didática do professor para o ensino na
qual acontece a construção coletiva de sentidos sobre a unidade entre as
necessidades de formação e a proposta da base de sua fundamentaçào
teórica) e (iv) a abstração de princípios e de ações didáticas capazes de
orientar o ensino na formação dos professores de línguas (atividade
analítica dos processos de formação e de educação como um todo).
A forma de análise dos dados seguiu um processo analítico
globalmente integrado, um processo que foi possível apoiado pelos
conceitos de Isolado (CARAÇA, 2002) e de Episódio (MOURA, 2004).
No de isolado procuramos identificar nas atividades de instrumentação179,

179Em oposição ao termo “instrumentalização” (que se aproximaria ao uso mecânico


– operacional e lenear dos fundamentos teóricos e metodológicos tanto do ensino
desenvolvimental quanto das teorias e metodologias de ensino e de aprendizagem),
quer-se conceituar instrumentação como uma orquestração ou mobilização e
atualização desses fundamentos atentando suas complexidades teoricas e
metodológicas no ensino e aprendizagem como unidade dialética e buscando
compreendê-los dentro de uma perspectiva da totalidade.

634
niveladas com as necessidades de formação e baseando-nos na análise do
pesquisador, as “sessões da realidade capazes de desvelar manifestações
do movimento de apropriação dos futuros professores sobre a
organização do ensino” (RIBEIRO; MOURA, 2012, p. 2) através do
recorte, separação e afastamento dos conteúdos emergentes da pesquisa
que constituem “factores dominantes, ou seja, todos aqueles cuja acção de
interdependência influi sensivelmente no fenômeno a estudar”
(CARAÇA, 2002, p. 105). Através do conceito de episódio foi possível
descobrir ações dos participantes presentes num dado isolado cujas
características, ao se tornar visível, assumiram diferentes formas:
conceitos, modos de ação, valores, conhecimento estratégico ou prático.
(MOURA, 2004).

O perfil dos participantes

Inicialmente, a pesquisa contou com a participação de quatro (04)


docentes das línguas inglesa, francesa e portuguesa cuja idade etária de
cada um varia entre 30 a 50 anos. Todos foram formados e se encontram
a trabalhar na Universidade Pedagógica – Delegação da Beira, e são
titulares dos graus académicos de Doutor (01), licenciados (02) e mestres
(01) obtidos em Moçambique e na Europa, respectivamente.
Em relação à experiência profissional de ensino na Universidade
Pedagógca, um docente era Assistente Estagiário com três anos de
docência e três docentes eram Assistentes Universitários cujo tempo de
serviço na instituição em alusão variava entre oito (08) a doze (12) anos.
Uma nota interessante em relação às línguas que ensinam é que todos
estavam na condição de falantes não maternos, isto é, para uns a língua
portuguesa era uma língua segunda e, para outros, as línguas inglesa e
francesa eram línguas estrangeiras.
Todavia, caracteriza-os como um aspecto comum o fato de todos
serem falantes de uma língua materna diferente de uns em relação a
outros, e ensinando uma língua fora do seu universo sociocultural.
Ressalta-se que quase no fim, não obstante a aderência ao protocolo
formal apresentado sobre o consentimento livre à participação, três
formadores desistiram tendo a pesquisa ficado com um ao que veio se
juntar mais um voluntário participante.

635
Produção analítica e sentidos gerados

De uma concepção de língua desenvolvedora

Inicialmente, a pesquisa buscou captar a concepção de linguagem


que sustantaria as estratégias de ensino em língua portuguesa. O objetivo
era o de que, a partir dessa concepção, podia abstrair-se a base da
construção de imagens em torno da língua que, sendo artefato histórico e
cultural humano, acreditamos influenciar a qualidade das práticas didático-
pedagógicas do professor em sala de aula.
O que significa que é nas referidas práticas que também podemos
localizar as eventuais estratégias de ensino desenvolvente que justifiquem
os nexos conceituais que os docentes estabeleceriam entre formação
profissional docente em língua portuguesa e a concepção de língua, objeto
de formação profissional docente.
Posto isto, o ponto é que, no ensino superior em Moçambique, a
língua portuguesa tem-se caracterizado por ser meio e objeto de ensino. O
que nos reporta forçosamente para a necessiadade de verificar, enquanto
meio, quais estratégias didáticas estariam a ser propostas para a sua
realização e, enquanto objeto, quais conteúdos os docentes têm
aparesentado (CARVALHO; RODRIGUES, 2003).
Do estudo em grupo realizado, e das discussões conducentes à
conceptualização de língua, foi “isolada” a ideia de que a língua consistiria
nas suas unidades internas, estruturalmente definidas, tendo ficado
evidente a defesa genérica de que as unidades linguísticas das línguas do
mundo estariam já constituídas cabendo aos sujeitos falantes apropriarem-
se delas. Porém, uma apropriação dependente da obervação dos conceitos
já instituídos na própria língua. Esta evidência suportaria o conceito de
língua já unanimizado como um instrumento de comunicação.
Também era necessária analisar como uma certa língua se
comporia. Da análise coletiva, também chegou-se a percepção de que,
sendo instrumento de comunicação, a palavra seria a base por meio da
qual se formariamm as unidades linguísticas, o que permiteria funcionar
como ponto de referência na formação de enunciados, textos ou discursos
desde os mais simples aos mais complexos. Por meio da palavra, sua

636
matéria-prima, a língua compreenderia um sistema estável, acabado e
pronto para ser usado, um uso que estaria condicionado à utilização
correta das suas regras gramaticais, morfossintáticas, fonéticas e
fonológicas.
Cabe salientar que os docentes viriam a concordar que, enquanto
instrumento de comunicação, a língua funcionaria como signo que
estabelece uma relação de mediação entre o objeto e o sujeito da
representação da realidade. Ainda assim, a especificidade do signo foi
compreendida no sentido de que, enquanto língua, o mesmo deveria se
conformar à realidade para ganhar a significação (conteúdo). Longe de ser
um signo ideológico, a sua compreensão nesses termos deu ênfase à
legitimação da língua como um sinal que estaria voltado ao próprio
sistema interno de funcionamento e se caracterizaria por ser neutro na sua
relação com os sujeitos e objetos da realidade.
As colocações acima viabilizaram a necessidade da discussão
sobre as dimensões (da compreensão) da língua, objetivando criar
condições de superação da concepção de língua-instrumento para língua-
enunciado/discurso ou pensamento. Quer dizer, o fim último da
discussão era o de edificar a compreensão de que a língua se institui na
relação dialógica sendo esta responsável, por sua vez, pela formação das
relações de sentido instituídas histórica e culturalmente localizadas.
Para perseguir esta produção conceitual, constituiu o material de
apoio da discussão a linguística de enunciação, tendo sido selecionados os
seus principais elementos, quais sejam a referencialidade, os critérios de
análise do sentido, os traços subjetivos na língua e a constituição do
conceito de enunciação em si. Importante referir que o trabalho sob o
apoio desses elementos foi realizado após uma reflexão coletiva sobre as
formas por meio das quais a significação da palavra produziria relações de
sentido na língua. O resultado desta reflexão apontou duas condições
necessárias à produção das relações de sentido: as dimensões dialógica e
pragmática da língua.
Por um lado, a concepção de diálogo no coletivo consistiu na
fixação da ideia que corresponderia à oralização da língua que, no
processo de ensino-aprendizagem, se materializaria no uso pontual da
língua pelos estudantes em que se obsevaria a interação verbal face-à-face
com recurso às simulações, dramatizações e à incarnação de personagens

637
atribuídas para a representação. Por outro lado, o coletivo dos formadores
recuperou a já conhecida conceptualização da pragmática, como uma das
dimensões da língua, segundo a qual consisteria na língua em uso
caracterizada pelo destaque de questões de sua utilização imediata ou
instantânea.
A análise efetuada mostra que o denominador comum e feliz que
os conceitos acima apresentados é o de que ambos reportam-se à língua
na perspectiva da pessoa que fala e do contexto que dirige ou condiciona a
fala. O que abriu espaço para o estudo das dimensões da significação e
compreensão da língua acima apresentadas.
Os resultados obtidos apontam-nos que a noção de diálogo, ainda
que compreendida inicialmente da forma tradicional, comporta outros
elementos de fundo: além de se caracterizar como uma concretização da
significação da palavra, singulariza-na a ponto de se constituir um
enunciado, uma expressão viva, representando a expressão de uma
posição ideológico-axiológica do sujeito falante.
Nesse sentido aponta-se uma superação concitual importante.
Uma superação expressa na transformação do entendimento da língua-
instrumento para língua-enunciado-pensamento em que se pontua a
superação das relações e lógicas que governavam as unidades
exclusivamente linguísticas para as lógicas de relações histórica e social
dos sentidos. Quer dizer, a língua existe efetivamente se se ligar e entrar
na vida social dos seus falantes através de enunciados (termo mais
bakhtiniano) por serem estes últimos gêneros discursivos típicos e
“relativamente estáveis, caracterizados por um conteúdo temático, uma
construção composicional e um estilo” (FIORIN, 2015, p. 68/9) que nos
permitem dominar determinada esfera de atvidade linguística.
Em relação conceito de pragmática, a análise feita mostrou-nos
que a sua essência convergeria para uma perspectiva estrutural da língua
em que o seu maior propósito, ainda que valorize o uso prático e imediato
da língua, a sua análise integraria elementos de sintaxe e de semântica,
como diria Faraco, “para dar conta a aspectos de significação […] que os
falantes fazem contextualmente com seus enunciados” (FARACO, 2009,
p. 118).
Assim, o estudo coletivo viabilizou a compreensão de que o
campo de conceituação da pragmática vai além do previsto pela

638
linguística. Não se cinge apenas na “língua em uso” mas concebe-na como
atividade no sentido de que

[…] não interessa calcular as significações que decorrem da relação


de um enunciado com o contexto imediato de sua encunciação ou
com a intenção do falante (em outros termos, não lhe interessa o
significado do falante, no sentido que a pragmática deu a esta
expressão), mas as relações dialógicas entre enunciados – relações
de significação que não se reduzem aos contextos imediatos, mas
se constituem no encontro com diferentes vozes/línguas sociais
(FARACO, 2009, p. 119).

Tomando em consideração essas duas análises, abstraímos que os


formadores compreenderam que o domínio de uma língua por parte de
seu falante, mesmo sendo um falante exímio, equivale ao domínio das
relações dialógicas veiculadas em determinada esfera de atividade
linguística; essas relações objetivam-se nas tradições discursivas que
representam modos específicos do fazer e do dizer a língua no reduto
histórico socialmente definido.
Em tese, foi defendida a ideia de que em causa estaria o valor
discursivo que determinado enunciado ocupa na palavra selecionada pelo
sujeito falante para se exprimir. O conteúddo de determinado discursso
seriam, neste caso, os efeitos de sentido produzidos pelo sujeito falante
quando, ao relacionar língua e objetos/sujeitos da realidade, o significado
primeiro da palavra abandona a sua natureza e assumindo novas funções
discursivas para se adequar ao culturalmente aceite pela comunidade. O
que significa que essa colocação remete-nos também à compreensão da
língua a partir da perspectiva psicológica, isto é, como generalização que
se caracteriza como atividade de pensamento e como fenômeno do
discuso (VYGOTSKI, 2001, p. 398) que não depende apenas do léxico
mas também da síntese produzida entre o material lexical e o material
cultural. Trata-se, então, de uma síntese abstraída ou conceituda pelo
própiro falante. As implicações didático-pedagógicas dessas superações
são objeto de análise a seguir.

639
Língua e seus processos de ensino na formação profissional
docente

Do ensino-aprendizagem como transmissão à sua comprensão como


atividade pedagógica mediada

Embora se reconhecendo a importância das dimensões cultural e


social no ensino e na aprendizagem de línguas, esta importância tem como
pano de fundo a perspectiva psicológica que os próprios formadores de
professores avançam para se compreender como a Língua Portuguesa
pode ser didatizada. O grupo pensou ser crucial o estudo dos
fundamentos dessa perspectiva.
Assim, para explorarmos a ideia em pauta partiu-se do
pressuposto genérico de que tanto a atividade de ensino quanto a de
formação docente em línguas, ambas, constituem um processo de
mediação. Daí que, em vez de discutirmos diretamente os processos
didáticos de ensino-aprendizagem, por também se edificarem com base
no mesmo conceito, nós elegémos a noção de mediação como uma
categoria fundante do processo de ensino-aprendizagem a partir da zona
intemédia entre o professor e o signo (produção didática do conteúdo
linguístico), entre o professor e os alunos (ensino da língua) e entre o
aluno e o signo (transformação do conteúdo em conhecimento
linguístico).
Numa primeira fase, a reflexão do coletivo da pesquisa discutiu e
acolheu a mediação como uma prática de ensino autônoma do professor
que funciona como transmissão do conhecimento: ou seja, mediar seria
ensinar e vice-versa. Sob essa condição, notou-se que os seus sentidos se
sobrepunham conservando uma certa sinonímia no campo de sua
utilização didática em língua portuguesa.
Quando comparada à perspectiva psicológica da língua acima
assumida, tal condição certificou a ideia de que a atividade de pensamento,
generalização ou da abstração resultaria e dependeria apenas dos modos
de generalização do professor, uma vez que este é tido como fonte direta
de transmissão do significado (conteúdo) do signo (palavra). O que deixa
à margem a história interna e capacidade consciente do sujeito aprendente

640
em línguas nos processos de construção da significação (ação da
construção do signo/conteúdo).
Tão cedo, o coletivo deu-se conta de que esta síntese primeira
estaria em contradição com a postura conceitual da língua adoptada acima
a qual impõe duas dimensões da mediação, nomeadamente a dimensão
cognitiva e a dimensão didática (a mais tradicional que comporta
elementos objetivos estruturantes da aula que integram a organização do
conteúdo, material de apoio ao ensino e das formas da realização do
ensino, na nossa compreensão, seriam entendidos como consequência da
mediação cognitiva). E, ao mesmo tempo, tal síntese suscitou interesse em
aprofundar em que consisteria e sob qual finalidade a mediação cognitiva
se orientaria para o ensino da língua portuguesa.
Como pesquisadores, tivemos que assumir uma posição política
diante do papel e função do signo. O que significa que esta foi a assunção
para a qual a consistência e a finalidade da mediação cognitiva se
orientaram nos termos que a defendemos aqui. Ou seja: a língua
portuguesa, enquanto signo, além de

[…] possibilitar uma transmissão de informações de um emissor a


um receptor, é vista como um lugar de interação humana: através
dela o sujeito que fala pratica ações que não conseguiria praticar a
não ser falando; com ela o falante age sobre o ouvinte,
constituindo compromissos e vínculos que não pré-existiam antes
da fala. (GERALDI, 1984, p. 43).

O fato de, através dela, atualizar as ações do sujeito falante e fazer


agir o ouvinte pressupõe o entendimento de que a língua portuguesa
comporta também, e principalmente, uma mediação cognitiva, dada a
emergência da sua vocação psicológica e reguladora na articulação das
relações humanas na cultura e no pensamento singular e coletivo através
de sua atividade simbólica nessas relações. O que significa que, do ponto
de vista de abordagem didática, é preciso ter em conta os processos
psíquicos (ou ações) que são responsáveis pelo desencadeamento da
conduta humana.
O estudo coletivo das noções de conceito (empírico e científico),
aprendizagem e desenvolvimento, sob a perspectiva da teoria histórico-
cultural, apontou a necessidade da compreensão da noção de mediação

641
como uma atividade de interação entre o meio externo e o meio interno
do sujeito falante da língua que integra duas dimensões de atuação,
designadamente as dimensões psiquica e material as quais são
reaponsáveis pelo desencademento da consciência, neste caso, do signo
(língua portuguesa). Ou seja, a consciência, enquanto trama sensitiva,
consitui uma forma que o próprio significado assume materializado em
duas modalidades báseicas: o formato daquilo dentro do qual o conteúdo
objetal existe para o sujeito e a trama em si mesmo. (LEONTIEV, 2006)
Com base nesta ideia construída pelas reflexões coletivas no
grupo, aplicada ao ensino-aprendizagem da língua portuguesa, os
formadores de professores conluíram que a consciência em si ela não
constitui significado ou signo, mas transporta-o constituindo-se em
mensageira deste. O que a caracteriza como o conteúdo transformado e
reduzido da forma ideal da realidade.
Esta conclusão permitiu a compreensão de que no processo de
ensino-aprendizagem da língua portuguesa, os professores não são
mediadores mas organizadores deste processo no sentido de que atuam ao
nível da estrutura externa da atividade a qual é mediada pela sua relação
social e ideológica com os signos culturalmente estabelecidos. Sigifica
afirmar que o ensino não é mediação do professor, mas uma atividade
pedagógica mediada.
Desse modo, constitui uma superação importante o fato de terem
apreendido que o mediador da relação do estudante com com o
conhecimento no processo de ensino-aprendizagem são os signos,
cabendo ambos (professores e alunos) estarem na situação da atividade. O
objeto da mediação, a cultura acumulada ao longo do desenvolvimento
social da humanidade, será apresentado no subiten a seguir.

Unidade cultura-conhecimento na formação em língua portuguesa

A mediação cultural (e não diretamente do conhecimento


científico) também corporizou um dos elementos de reelaboração
conceitual para a compreensão da construção do processo do ensino-
aprendizagem em línguas, após a sua análise no coletivo dos formadores.
A referida reelaboração foi possível graças ao estudo e discussão sobre o
conteúdo do ensino e aprendizagem em línguas cujo entedimento básico

642
apontava para o conceito de conhecimento de forma muito geral. O que
não permitia precisar as principais dimensões do referido conhecimento.
Ou seja, a ideia de que o conhecimento seria o conteúdo fundamental do
ensino e da aprendizagem da língua portuguesa.
Com vista a dar substância ao estudo, discutiu-se primeiramente
sobre a finalidade do ensino da língua portuguesa, tendo-se desembocado
no denominador comum que indiciava a emergência de duas linhas de
raciocínio, quais sejam a que diferenciava a educação em científica e
tradicional e a que distinguia o conhecimento científico do conhecimento
tradicional.
As percepções reunidas sobre a educação científica
circunstanciaram posicionamentos segundo os quais o fim último da
perspectiva científica consisteria num ensino levado acabo pela escola e
orientado para a aquisição do conhecimento técnico-científico, e a
educação tradicional consistiria numa prática de ensino voltada para os
valores tradicionais, prática esta que deve ocorrer em um ambiente extra-
escolar.
Das percepções adiantadas pela análise efetuada, aponta-se uma
clara discriminação ou, pelo menos, uma dificuldade de um
posicionamento conceitual rigoroso entre a cultura e a ciência
(conhecimento), termos recorrentemente evidenciados como que se
conflitando e se anulando mutuamente em relação aos atributos
conferidos a cada um deles.
Aplicados ao contexto do ensino de línguas, estes
posicionamentos criaram um terreno fértil para o entendimento de que a
formação dos professores visaria à aquisição do conhecimento científico
por meio do qual os professores se habilitariam a ensinar as línguas, no
caso vertente, a língua portuguesa. Todavia, um conhecimento à margem
dos valores culturais por serem tradicionais180 cuja característica essencial
seria a de se opôr à ciência.
A suposta contradição entre os objetivos e finalidades da
educação “tradicional” e da educação técnico-científica como objetos do
conhecimento, condicionado pelo ensino, levou a pesquisa a refletir sobre

180Aqui o tradicional seria entendido como algo obsoleto e ultrapassado, e não como
o clássico.

643
os conceitos que essencializariam a cultura e o conhecimento. Das
produções conceituais obtidas, a cultura foi consesualizada como que
estando mais próxima à perspectiva antropológica que, além de versar
sobre as identidades e modos de vida e comportamento de determinado
povo, se centraria nos grupos minoritários181 cujas características de
organização social das pessoas situar-se-iam à margem de indivíduos
pertencentes a uma sociedade moderna evoluída.
Por sua vez, a ciência ficou associada às noções de conhecimento,
elite ou de civilização atribuídas a certos indivíduos que se tornariam
cultos através do processo de ensino-aprendizagem de que a instituição
escolar se ocupa.
A análise dessas asserções leva-nos a afirmar que elas se
pressupõem mutuamente no que diz respeito à sua qualidade e validade
conceitual para a didática de línguas aplicada ao ensino do português, na
medida em que tanto a cultura quanto o conhecimento, ambos,
representam para o homem a “capacidade de conferir à matéria uma
forma simbólica e ao símbolo uma forma material que caracteriza a ação
criadora do homem” (GOMES et al., 2016, p. 822), o que os legitima,
desta forma, como produtos e produtores do Homem através da
“comunicação e da criação e utilização de instrumentos e signos” (ibidem,
p. 820/1).
À respeito da questão, o debate dos formadores participantes da
pesquisa cedeu a releitura segundo a qual não se pode falar da cultura sem
o conhecimento que o pressupõe e, igualmente, não se pode falar do
conhecimento sem a cultura que o antevê. A mútua pressuposição explica-
se pelo fato de, um e outro, estarem na origem da descrição, interpretação,
represetanção (mediação) e caracterização de determinado sistema de
ideias ou valores (conhecimento), representações da realidade e visão de
mundo.
Entendida como uma releitura significativa dos formadores de
professores, a colocação acima revela uma transformação conceitual em
relação ao conteúdo da formação em língua portuguesa que o consideram

181 É conceito sociológico que explica, não numa perspectiva númerica, a condição
desigual em que se encontram determinados grupos de pessoas (negros, gays etc.) em
relação a benefícios sociais e poderes quer políticos quer económico-culturais
(GUIDENS, 2010).

644
que deve partir da discussão sobre as culturas ou conhecimentos
socialmente instituídos para que não se possa buscar instituir, por via do
ensino da língua portuguesa, processos de significação do mundo com
uma finalidade niveladora de valores e hábitos culturais ou que estimulam
o entendimento da cultura como propriedade particular de indivíduos ou
comunidades.
É que a consideração da cultura-conhecimento, nessa perspectiva,
permite perceber que ela constituiria um instrumento simbólico e material
fundamental para o funcionamento da consciência humana, uma vez
evidenciado comportar-se como um campo de significados socialmente
produzidos para a formação e desenvolvimento humano. Na prática de
ensino, algumas ilações podem ser abstraídas desse entendimento sob a
forma de princípios didáticos a ter em conta para uma didática da língua
portuguesa de caráter desenvolimental. São, portantos, princípios abaixo
apresentados, fruto da abstração do investigador da relação com os dados
da pesquisa no seu todo:

Ressignificação epistémico-conceitual da língua como uma


atividade com os enunciados

A transição da relação exteriorizante transmissivo-comunicativa


para a interiorizante constitutivo-produtiva constitui uma ruptura-
desenvolvimento dos formadores, na medida em que a língua foi, além de
apenas ser instrumento de comunicação, doravante conceituada como
uma atividade significativa do sujeito falante qua tem implicações nos
modos (processo-ação) de apropriação e produção de sentidos. Ou seja, o
que representa ruptura-desenvolvimento, neste caso, é o fato de que
através da língua como atividade significativa o sujeito falante vive,
experimenta e realiza atos humanos ao se utilizar das suas capacidades ou
operações mentais mediadas pela cultura (conhecimento da realidade
social).
Na utilização das capacidades em referência, o sujeto-falante
depara-se com, no mínimo, duas situções importantes: utilizando-se da
zona estável da língua (significado primeiro), o sentido dessa parte
depende da confrontação-coabitação da língua-discurso com a língua-
ideologia.

645
Na confrontação surge o que designamos aqui por conhecimento
no sentido de que a língua-discurso, sendo uma entidade extralinguística
de significação, tal como língua-ideologia o é, representa o poder que o
sujeito-falante tem sobre a produção e orientação do conteúdo linguístico
para a satisfação das necessidades de comunicação através de enunciados.
Por outro lado, a língua-ideologia, mais do que um poder particular,
constitui um saber igualmante particular na base do qual a ideologia e o
discurso funcionam sob o prisma das representações.
No contexto da didática do português, essa colocação epistémica
materializa-se passa pela sua conversão em princípio da confrontação-
coabiltação do discurso e do dialógico. Quer dizer, ao funcionar como
representação da realidade, o discurso (efeito de sentido) autoria a língua
ao conhecimento e a ideologia (uma forma particular do saber de que é
atravessado o discurso) confere àquela o ato de fazer o significado aderir
ao objeto a que a própria língua se refere. O que tem impacto na atividade
de mediação desse processo.

A reelaboração do conceito de atividade mediadora da língua

Para compreender teórica e epistemológicamente o ensino e a


aprendizagem como atividade de mediação, houve a necessidade de
conceber a atividade como princípio gerador do motivo. Nesse sentido,
uma pergunta básica foi colocada para o debate no sentido de se saber
porquê razão os participantes da pesquisa se tornaram professores,
pretendo-se captar a relação entre a ação docente e os motivos que os
coduziram à formação docente em línguas, isto é, o sentido formativo
atribuído ao sentido da realização do curso de lincenciatura em Ensino de
Português.
Numa primeira fase, a análise das as intervenções dos
participantes revelou que a língua, enquanto objeto e meio de ensino, se
realizava fora dos eventos sociais pelo fato de a mediação de seus signos
ter lugar nas práticas deliberadas de acomodação das necessidades
comunicativas às formas linguísticas; em vez de os eventos sociais estarem
na origem da regularidade das formas linguísticas.
Esta percepção induziu a que também se compreendesse a
atividade de ensino como uma prática de mediação dos signos concetrada

646
no professor em que a construção dos sentidos da língua se limitaria ao
significado do léxico dado ausente das formas culturais de utilização da
lingua(gem). Ou seja, evidencia-se aqui a ideia de qua a atividade
linguística praticada no quadro do ensino-formação dos professores da
língua portuguesa na Universidade Pedagógica tem suas raízes
epistemilógicas deficitárias da noção de linguagem em geral.
Ademais, a ideia que se tinha sobre o conceito de atividade
redundava num exercício muito restrito à instrumentalização das etapas de
aula já constituídas. O que não dava espaço à reflexão crítica conducente
à internalização dos processos daí decorrentes.
Para compreender a atividade mediadora, partiu-se do estudo da
noção de conceito, uma entidade que participa na realização da atividade
mental e, por conseguinte, do conteúdo conceitual da língua. A ideia
fundante da noção de conceito é que ela, enquanto imagem mental,
permitiu a que o seu estudo fosse abordado numa perspectiva dialógica,
isto é, se reportando a “diferentes discursos que configuram uma
comunidade, uma cultura, uma sociedade”(BRAIT, 2005, p. 94) mas
também como “processos discursivos instaurados historicamente pelos
sujeitos, que, por sua vez, se instauram e são instaurados por esses
discursos”. (BRAIT, ibidem)
Ao se reportar e processar o discurso construído em torno da
noção de conceito, foi possível compreender a amplitude do conceito de
atividade de mediação em línguas no sentido de que, verdade, tal conceito
não é propriedade nem do professor nem dos alunos uma vez que ambos
se encontram numa relação específica com os signos (língua), uma relação
de mediação que implica uma forma específica de confrotação do
professor e do aluno para a construção dos sentidos.
O que significa que, na aula de línguas, além de se priorizar a
estratégia dialógica como fator desencadeador da formação e do
desenvolvimento, é preciso confrontar dialeticamente o símbolo e a
realidade que aponta, já que o signo pode, ao mesmo tempo, ser
verdadeiro dependendo do poder que se lhe atribui na constituição e
representação da realidade e dos sujeitos. Ou seja, tal como a constituição,
as representações podem ser “falsas en lo que apuntan y dicen pero
verdaderas com respecto a lo que las suporta”(LEFEBVRE, 2006, p. 58).

647
Algumas apreciações do estudo

O estudo partiu das inquietações do seu proponente relativas ao


estranhamento dos seus modos de conceber e ensinar a língua portuguesa
no contexto universitário, ambos, decorrentes do desconhecimento ou
ingenuidade do que pode-se fazer com uma certa língua.
A lógica da construção do estudo, cingindo-se nas epistemologias
gerais do estudo das línguas, designadamente concepção, função,
didatização e busca pelo caminho próprio, consistiu na fixação de uma
pergunta orientadora responsável pela orientação do trabalho investigativo
estruturado sob os seguintes eixos: definição da pergunta-problema
alinhada com as levantamento das necessidades de formação,
instrumentação teórico-metodológica, abstração das discussões e
produção da síntese sob forma de princípios e ações didáticas para o
ensino da língua portuguesa, uma produção possível com o apoio
conceitual das noções de isolado e episódio. Alguns resultados:
A língua portuguesa transitou de instrumento de comunicação à
atividade constitudora do sujeito falante e da realidade histórica e
socialmente situada pela cultura vigente (como ciência e viência). O que
significa que acompanha essa transição a sua compreensão também a
partir da perspectiva da psicologia (função generalizadora) que se
caracteriza como atividade de pensamento e da formação da consciência
humana.
No contexto didático da formação dos professores de língua
portuguesa na universidade, esse entendimento levantou algumas
implicações no centro das quais está a noção de mediação que deixa de se
concentrar no professor (o professor era visto como mediador do ensino
e da aprendizagem) para uma relação dos sujeitos envolvidos no processo
com os signos (a língua ou, pelo menos com o que ela produz e constitui
simbolicamente).
Impõe-se também nas práticas didático-formativas do professor,
em função da nova concepção de língua, superação do entendimento
separado das noções de cultura e de conhecimento. Tendo reelaborado o
valor didático da noção de mediação, os formadores também
compreenderam que as noções de cultura e conhecimento, no ensino de

648
línguas, constituem uma única unidade em que dialeticamente um
elemento se sobrepõe no outro.
A sobreposição em alusão explica-se pelo fato de tanto a cultura
quanto o conhecimento (ciência) são representações que figuram como
“capacidade [do Home] conferir à matéria uma forma simbólica e ao
símbolo uma forma material que caracteriza a ação criadora do homem”
(GOMES et al., 2016, p. 2016).
Nesse desiderato, a concepção de língua como atividade
constituidora da realidade, diz o estudo, precisa que a referida atividade
seja realizada com os enunciados para se tornar uma atividade significativa
do próprio sujeito falante. É que, por um lado, através dos enunciados o
sujeito vive, experimenta e realiza atos humanos e, por outro lado, a língua
não tem como entrar na vida humana senão pelo enunciados: os
encunciados são dialógicos e discursivos.

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cultural e desenvolvimental: pesquisa e trabalho pedagógico. Curitiba: Appris,
2020. (p. 54-66).

LONGAREZI, Andréa Maturano; MOURA, M. O.. Intervenção


didático-formativa como procedimento de pesquisa com ensino
desenvolvimental. In: VII Simpósio de Pós-Doutorado da FEUSP, 2017,
São Paulo. Anais do VII Simpósio de Pós-Doutorado da FEUSP. São
Paulo: Editora da USP, 2017. v. 1. p. 1-13.

LONGAREZI, A. M.; SILVA, J. L. da. Pesquisa-formação: um olhar para


a sua constituição conceitual e política. Revista Contrapontos – Eletrônica, V.
13, n. 3, p. 214-225, set./dez.2013.

MARRA, José B. J. Formação de formadores de professores para e por


um Ensino Desenvolvimental de línguas: uma intervenção didático-
formativa na educação superior em Moçambique [Tese de Doutorado]. 147f.
Programa de Pós-Graduação em Educação. Universidade Federal de
Uberlândia, MG, 2018.

MOURA, M. O. De. Pesquisa colaborativa: um foco na ação formadora.


In: BARBOSA, R. L. L. (Org.). Trajetórias e perspectivas da formação de
educadores. São Paulo: Editora UNESP, 2004.

RIBEIRO, F. D.; MOURA, M. O. De. A reflexão no processo formativo


em prática de ensino e estágio: contribuição da teoria da atividade. XVI
ENDIPE – Encontro Nacional de Didática e Práticas de Ensino,
Unicamp-Campinas, 2012.

SOUZA, Leandro M. de A. A Sociologia no Ensino Médio:


princípios e ações didáticas orientadoras de um ensino que possibilite o
desenvolvimento de adolescentes em uma perspectiva Histórico-Cultural.
Dissertação (Mestrado em Educação) – Faculdade de Educação,
Universidade Federal de Uberlândia, Uberlândia, 2016.

VIGOTSKI, L. S. estudo do desenvolvimento dos conceitos científicos


na infância: experiência de construção de uma hipótese de trabalho. In:

653
Vigotski, L. S. (Ed.). A construção do pensamento e da linguagem. São Paulo:
Martins Fontes, 2001.

654
SOBRE OS AUTORES

Andréa Maturano Longarezi: Pós-doutora em Educação, pela


Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo, doutora em
Educação Escolar pela Unesp/Araraquara (2001); mestre em Educação –
Metodologia do Ensino – pela Universidade Federal de São Carlos (1996)
e graduada em Ciências Sociais pela Unesp/Araraquara (1992). Professora
associada na Faced/UFU, atuando como membro do corpo permanente
do PPGED; consultora ad hoc do CNPq e da Capes; editora-chefe da
revista Obuchénie. Revista de Didática e Psicologia Pedagógica,
coordenadora do Gepedi – Grupo de Estudos e Pesquisa em Didática
Desenvolvimental e Profissionalização Docente, da UFU, e membro do
Gepape – Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Atividade Pedagógica, da
USP/SP. Dirige a Coleção Biblioteca Psicopedagógica e Didática/Editora
Edufu e coordena a Série Ensino Desenvolvimental/Editora Edufu.
Temas de estudo: processos de ensino-aprendizagem-desenvolvimento;
didática desenvolvimental; formação de professores e desenvolvimento
profissional docente; pesquisa-formação; intervenção didático-formativa;
teoria da atividade; e psicologia histórico-cultural.
E-mail andrea.longarezi@gmail.com

Bianca Carvalho Ferola: Mestre em Educação pela Universidade Federal


de Uberlândia (UFU) e graduada em Ciências Biológicas pela UFU (2016).
Docente na Escola Estadual Amador Naves.
E-mail: bcferola@gmail.com

Cecília Garcia Coelho Cardoso: Mestre em Educação – PPGED –


Universidade Federal de Uberlândia. Autora do livro Teoria da Atividade
de Estudo: Contribuições de D. B. Elkonin, V. V. Davidov e V. V.
Repkin. Graduada em Pedagogia pela Universidade Federal de Uberlândia.
Especialização em Psicopedagogia Clínica e Institucional pela União
Educacional de Minas Gerais. ORCID ID.
https://orcid.org/0000-0001-8457-2337

Cláudia Silva de Souza: Graduada em Psicologia, especialista em


Psicopedagogia e Arte-educação, mestre em Psicologia Aplicada no eixo
Psicologia da Aprendizagem e do Desenvolvimento Humano (2010) e
doutora em Educação (2016). Professora de Psicologia Escolar do Colégio
de Aplicação da Universidade Federal de Uberlândia – Cap
ESEBA/UFU. E-mail: claudia.souza@ufu.br

655
Ewellyne Suely de Lima Lopes: Graduada em Psicologia pela
Universidade Federal de Uberlândia (2002), mestre em Gerontologia pela
Universidade Estadual de Campinas (2016) e doutora em Educação pela
Universidade Federal de Uberlândia (2020).
E-mail: ewellyne.lopes@gmail.com

Flávia Pimenta de Souza Carcanholo: Graduação em pedagogia pela


Universidade Metodista de Piracicaba (1997), Especialização em
Psicopedagogia pela Faculdade Católica de Uberlândia (2007) e Mestrado
em Educação pela Universidade Federal de Uberlândia (2015), Doutorado
em Educação pela Universidade Federal de Uberlândia (2020). É
professora da Educação Básica desde 1994. Professora efetiva D.E. na
Educação Infantil da Escola de Educação Básica – Cap. Eseba/UFU.
flavia.carcanholo@ufu.br

Grasiela Maria de Sousa Coelho: Graduada em Licenciatura Plena em


Pedagogia com Habilitação em Magistério (Universidade Federal do
Piauí), Mestre em Educação (Programa de Pós-Graduação em Educação
da Universidade Federal do Piauí), Doutora em Educação (Universidade
Federal de Uberlândia). Atualmente é professora da Universidade Federal
do Piauí no Campus Amílcar Ferreira Sobral em Floriano - PI. É membro
do GEPEDI (Grupo de Estudos e Pesquisas em Didática
Desenvolvimental e Profissionalização Docente) e do grupo de pesquisa
FORMAR. Tem experiência na área de Educação, com ênfase em Ensino-
Aprendizagem, atuando principalmente nos seguintes temas: formação
docente, autonomia profissional e prática pedagógica. E-mail:
grasi2909@gmail.com

Ione Mendes Silva Ferreira: Doutora em Educação pela Faculdade de


Educação da Universidade Federal de Uberlândia - FACED/UFU (2021).
Mestra em Educação pela Faculdade de Educação da Universidade
Federal de Goiás – FE/UFG (2013). Especialista em Educação pela
Faculdade de Educação da Universidade Federal de Goiás – FE/UFG
(2004). Graduada em Pedagogia pela Faculdade de Filosofia Dom
Aureliano Matos da Universidade Estadual do Ceará –
FAFIDAM/UECE (2002). Professora do Departamento de Educação
Infantil do Centro de Ensino e Pesquisa Aplicada à Educação UFG –
DEI/CEPAE/UFG. Membro do Grupo de Estudos e Pesquisas em
Didática Desenvolvimental e Profissionalização Docente -
GEPEDI/FACED/UFU e do Grupo de Estudos e Pesquisas Trabalho

656
Docente e Educação Escolar - TRABEDUC/FE/UFG. Ione Mendes
Silva Ferreira.
E-mail: ionemsilva@hotmail.com; https://orcid.org/0000-0002-4156-2195.

Leandro Montandon de Araújo Souza: É Licenciado em Ciências


Sociais (2015) e em Pedagogia (2019), é Especialista em Orientação
Educacional (2020), Mestre (2016) e Doutor em Educação (2019).
Docente da Universidade do Estado de Minas Gerais – UEMG, unidade
Ituiutaba. E-mail: leandro.montandon2008@gmail.com

José Bartolomeu Jocene Marra: Licenciado em Ensino de Francês


Língua Estrangeira pela Faculdade de Letras e Ciências Sociais da
Universidade Eduardo Mondlane, em Maputo – Moçambique (2005),
Especialista e Mestre em Ciências de Educação na Área de Concentração
da Supervisão Pedagógica na Educação em Línguas Estrangeiras pelo
Instituto de Educação e Psicologia da Universidade do Minho, em Braga
– Portugal (2011) e Doutor em Educação aplicada à Formação de
Professores de Línguas pelo Programa de Pós-Graduação em Educação
da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Uberlândia, em
Minas Gerais – Brasil (2018). Atualmente, é Professor Auxiliar da
Faculdade de Letras e Humanidades da Universidade Licungo –
Moçambique. Correio eletrônico: marra.jose@yahoo.com

Naima de Paula Salgado Chaves: Graduação em Pedagogia, Mestrado


em Educação pela Universidade de Uberaba com dissertação intitulada
“Ser Pedagogo no Cotidiano do Ensino Superior na Educação
Profissional e Tecnológica”, Doutorado em Educação pela Universidade
Federal de Uberlândia tese defendida “Os princípios didáticos na
perspectiva marxista da educação: limites e avanços a partir do estudo de
seus fundamentos à luz da Teoria da Subjetividade. Membro responsável
pelo Núcleo de Apoio Pedagógico do Instituto Federal de Educação,
Ciência e Tecnologia do Triângulo Mineiro – Campus Avançado Uberaba
Parque Tecnológico. Membro do grupo GEPEDI. Pesquisa os temas
didáticos, formação de professores e, em aprofundamento teórico-prático
da Teoria da Subjetividade. E-mail: naima@iftm.edu.br

Patrícia Lopes Jorge Franco: Doutora em Educação (UFU-FACED);


Mestre em Educação (UNIUBE); Especialista em Gestão de Pessoas
(UFU-FACED); Professora Efetiva do curso de Pedagogia e Ciências
Biológicas da Universidade do Estado de Minas Gerais. Nível: VI; Grau:
A. Disciplinas de Didática e Práticas Pedagógicas I e II, Currículo da

657
educação infantil e Didática na Biologia. Orientadora do Projeto
PIBIC/CNPq: “O impacto afetivo-cognitivo dos meios mediacionais na
formação do pensamento teórico dos licenciandos da UEMG, durante o
ensino remoto emergencial”, vinculado ao Edital PIBIC/UEMG/CNPq
nº03/2020. Orientadora do Projeto PAPq/UEMG nº05/2020: "O
bilinguismo no contexto da educação inclusiva para surdos e o papel da
mediação didática docente: uma revisão sistemática".
E-mail: patricia.franco@uemg.br

Paula Alves Prudente Amorim: Mestre em Educação pelo do PPGED


da UFU e professora do Ensino Fundamental dos anos iniciais, no
Colégio Gabarito, com experiência na área da Educação há mais de quinze
anos. Desde 2015, integra o GEPEDI realizando pesquisas no campo da
Didática com foco na Aprendizagem Desenvolvimental e a Atividade de
Estudo, especialmente sobre as contribuições de V. V. Repkin. E-mail:
paulaped.alves@yahoo.com.br

Walêska Dayse Dias de Sousa: Graduada em Pedagogia (2001),


Mestrado (2011) e Doutorado em Educação (2016). Técnica em Assuntos
Educacionais da Universidade Federal do Triângulo Mineiro – UFTM, no
Instituto de Ciências Exatas, Naturais e Educação – ICENE.
Coordenadora da Especialização lato-sensu em Pedagogia Universitária da
UFTM. E-mail: waleska.sousa@uftm.edu.br

Roberto Valdés Puentes: Graduado em Educação (Cuba, 1991), Mestre


em Ciências Pedagógicas (Cuba, 1998), Doutor em Educação (Brasil,
2003), Pós-Doutor em Ciências da Educação (Espanha, 2013). Professor
Associado da Faculdade de Educação da Universidade Federal de
Uberlândia, Minas Gerais. Ministra as disciplinas de Didática Geral, no
nível de graduação, e de Organização do Trabalho Didático: princípios e
teorias do ensino e da aprendizagem, no Programa de Pós-graduação em
Educação (PPGED/Faced/UFU). É líder do Gepedi e da Coleção
Biblioteca Psicopedagógica e Didática, um dos editores da revista
Obutchénie e membro da Academia Internacional de Estudios Histórico-
culturales. Pesquisa e escreve sobre Didática Desenvolvimental, Didática
Desenvolvimental na perspectiva da Subjetividade, Teoria da
Aprendizagem Desenvolvimental e Teoria da Atividade de Estudo. É
autor de capítulos e livros, e muitos de seus artigos estão publicados em
espanhol, português, inglês e russo.
E-mail: robertovaldespuentes@gmail.com

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Ruben de Oliveira Nascimento: Graduado em Psicologia pela
Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Mestrado em Educação
pela Universidade Federal de Minas Gerais. Doutorado em Educação pela
Faculdade de Educação da Universidade Federal de Uberlândia. Pós-
doutorado em Educação, com área de concentração em Psicologia da
Educação, pela Universidade de Aveiro, Portugal. Docente do Instituto de
Psicologia da Universidade Federal de Uberlândia.
E-mail: rubenufu@gmail.com

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www.phillosacademy.com

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