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a
da Língua Brasileira de
Sil Sinais – Libras
Capítulo

Língua Brasileira de
Sinais – Libras

Lídia da Silva

Curitiba
2010
Ficha Catalográfica elaborada pela Fael. Bibliotecária – Cleide Cavalcanti Albuquerque CRB9/1424

Silva, Lídia da
S586l Língua Brasileira de Sinais – Libras/ Lídia da Silva. – Curitiba:
Editora Fael, 2010.
164 p.: il.
Nota: conforme Novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa.
1. Educação inclusiva 2. Libras. I. Título.
CDD 371.9

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Edição Thaisa Socher
Projeto Gráfico e Capa Denise Pires Pierin
ilustração da Capa Cristian Crescencio
Diagramação Ana Lúcia Ehler Rodrigues
ilustrações Dilmar Kempner Júnior
Ao Ronaldo Quirino, intérprete de Libras, que me indicou este caminho.
apresentação
A produção de textos para a disciplina de Língua Brasileira de Sinais
– Libras, nos cursos de Pedagogia, é crucial e precisa se concretizar.

Antes do Decreto n. 5.262/2002, as entidades da comunidade


sur- da, como as associações de surdos, a Federação Nacional de
Educação e Integração de Surdos, as igrejas, etc., sempre
divulgavam cursos de Libras, visando promover a comunicação entre
as pessoas, de uma ma- neira informal e nada padronizada.

Hoje muita coisa mudou. A aprendizagem de Libras é lei em


muitos cursos. Os alunos desses cursos precisam aprofundar não
apenas o co- nhecimento da língua de sinais, mas conhecer o porquê
de a língua ser um direito na educação dos surdos, a história e as
lutas do povo surdo pelo reconhecimento de sua língua. A
aprendizagem da língua precisa estar dentro de um contexto
organizado, que permita diminuir o precon- ceito com que, em geral,
são vistos os surdos.

A professora Lídia da Silva conseguiu abordar os mais importan-


tes conteúdos necessários ao entendimento dos desafios colocados
aos professores pela mudança implantada na educação dos surdos,
que exi- ge deles uma atuação esclarecida e interessada. Os
assuntos são apre- sentados de uma forma clara, que reflete muitas
pesquisas recentes na área, sem diminuir os conteúdos
necessários.

Professores esclarecidos quanto à complexa realidade da


criança surda poderão trabalhar dispensando o carinho merecido a
essas crian- ças, e atuar de forma a fazer avançar as condições
de acolhimento na escola e na família.
apresentação
Esses avanços são necessários para que se concretize uma real
in- clusão na sociedade e a diminuição dos preconceitos existentes,
mesmo entre a maioria dos professores.
Marianne Rossi Stumpf*

* Doutora em Informática na Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do


Sul. Atua como coordenadora geral do curso de Letras-Libras e como professora
adjunta da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Orienta pesquisas na pós-
graduação em Linguística e tem experiência na área de educação de surdos, língua
de sinais, informáti- ca e escrita de língua de sinais.
sumário

Prefácio.............................................................................9

1 Status linguístico da Libras..............................................11


2 Estrutura gramatical da Libras.........................................41
3 Implicações sociais da surdez.......................................127

Referências...................................................................161
prefácio
Q uando nos deparamos com uma pessoa surda pela primei-
ra vez, algo acontece que faz deste encontro um momento único e
singular em nossas vidas. Para alguns, esse momento vai
significar o confronto com suas dificuldades e limites, que ficará
apenas na memória. Para outros, esse momento vai significar
uma mudança de vida, devido a uma tomada de decisão quanto
às questões relaciona- das à surdez e à língua de sinais. Uma
tomada de decisão que implica
9
na proximidade com a pessoa surda e sua língua.
No meu caso, o efeito do encontro foi o segundo. Diante de
um primeiro contato com uma pessoa surda, fui tomada pelo
desejo de me desafiar e de tentar uma aproximação com ela,
ainda que isso exigisse muito esforço e dedicação, pois o
processo de aprendizagem de uma segunda língua não é uma
atividade das mais fáceis da nossa vida.
A entrada nessa nova esfera linguística me motivou a buscar
cada vez mais conhecimento sobre a Libras e suas implicações
para os sujeitos surdos, e esta busca foi determinante na minha
formação acadêmica e profissional. Hoje sou pesquisadora,
usuária, tradutora e professora de língua de sinais, e me deparo
todos os dias com os de- safios que uma língua espaço-visual
impõe às pessoas que são falantes nativas de uma língua oral-
auditiva. Porém, além dos desafios, me deparo também com a
beleza, com a completude, com a satisfação de poder estabelecer
comunicação por meio das mãos, dos olhos, do cor- po, dos
sinais. Assim se constituiu minha busca, e assim espero que se
constitua a leitura deste livro aos leitores: descobertas recheadas
de desafios e encantamentos.
prefácio
Julgo que os principais desafios que se encontram neste
texto são de ordem mais gramatical, já que é uma tarefa árdua
esboçar grafi- camente os detalhes de uma língua “espacial-
tridimensional”. Minha expectativa é conseguir, minimamente,
esclarecer a constituição dos aspectos fonológicos, morfológicos,
sintáticos e semânticos da Libras, sem esgotá-los, é claro. Até
porque, espero que esse desafio soe como um convite a uma
leitura mais aprofundada sobre o tema, que o leitor possa – após
receber esta introdução – percorrer caminhos mais lon-
10 gos no conhecimento da estrutura gramatical da Libras.
Além disso, acredito que o leitor será tomado de
encantamento ao se deparar com o status linguístico da Libras,
no sentido de poder empregar a característica de “língua” a esta
forma de comunicação, e de não mais creditar como verdade as
falácias sociais ditas sobre ela até então. Esse encantamento pela
Libras, no seu valor e nas suas possibilidades comunicativas, é
que gera condições de entender as implicações sociais da surdez.
Com esse olhar de diferença linguís- tica, torna-se mais fácil
conceber a ideia de uma pessoa viver apenas com experiências
visuais e assim construir toda sua impressão sobre o mundo. É
preciso que tenhamos esse encantamento para podermos, de
alguma forma, contribuir com as discussões sobre os surdos e sua
língua, mas sempre destacamos que eles – os surdos – também
devem ter voz neste processo.
A autora.*

* Lídia da Silva é mestre em Linguística. Atua como orientadora de


aprendizagem no curso de Letras-Libras e é tradutora de Libras da Universidade
Positivo.
Status
linguístico da
Libras
1
N este primeiro capítulo, apresentaremos uma introdução das
ideias que serão desenvolvidas posteriormente. Vamos abordar
algumas definições preliminares e algumas discussões sobre as
mudanças das ter-
minologias na área da surdez. Nesse ponto, atentaremos para a
forma de nomeação da pessoa surda e da sua língua.
Trataremos, de forma mais pormenorizada, sobre a teoria inatista
de Chomsky, pois ela embasa nossas considerações acerca dos
fenômenos lin-
guísticos explanados, tais como aquisição da linguagem e estrutura grama- 11
tical das línguas naturais, portanto, da Libras. Essa teoria atesta que
princí- pios e parâmetros imperam na constituição de todas as línguas
do mundo. Por princípios, a teoria entende características iguais entre
os idiomas – predominantemente, a estrutura sintática – enquanto que
os parâmetros são as diferenças que existem entre eles – as categorias
gramaticais.
Dessa forma, este texto se insere nessas discussões por acreditar
que a Libras possui os mesmos valores linguísticos que as línguas
orais, por exemplo, o caso de empréstimos de outra língua –
fenômeno recorrente nos sistemas linguísticos. Há, porém,
parâmetros que a distinguem das línguas orais, como a modalidade
linguística espaço-visual, as marcas para formalidade e
informalidade, e outros. Assim, o texto apresenta os universais
“comprobatórios” da natureza linguística da Libras, bem como o
refutamento aos mitos sociais que até então circundavam a
concepção que se tinha sobre ela.
Definições preliminares
Atualmente, tem sido muito comum as pessoas se depararem
com outras conversando de um modo muito diferente do que estão
Língua Brasileira de Sinais – Libras

acostumadas a ver. Quando isso ocorre, num primeiro momento,


surge um sentimento de estranhamento, mas com o passar do
tempo esse sentimento se desfaz e dá lugar a uma impressão de
normalida- de, aquilo vai se tornando comum. À medida que estas
pessoas vão se mostrando à sociedade, mais aceitável a sua forma
de expressão passa a ser. Porém, infelizmente, nem sempre foi
assim.
Houve uma época (século XV) em que as pessoas que não
podiam ouvir eram atiradas do alto dos rochedos, pois elas não
eram conside- radas humanas. Havia uma exclusão escancarada
não só com essas pes- soas, mas com qualquer uma que
apresentasse alguma limitação física ou sensorial, sendo
considerada improdutiva para a sociedade. Depois, a sociedade
decide que as pessoas que não ouvem devem ser oralizadas. Ser uma
pessoa oralizada significa desenvolver sua fala por meio da voca-
lização dos sons, ainda que não pudesse ouvir sua própria voz. Esse
tipo de concepção e, consequentemente, este método de ensino
chamado oralismo, prevaleceu por muito tempo, especialmente depois
da decisão do II Congresso Internacional sobre Instrução de Surdos,
que aconteceu em Milão, em 1880, que entendia que o método de
ensino mais ade-
12 quado aos surdos seria a oralização. Nesse sentido, o trabalho era
de: re- cuperação auditiva, tratamento de reabilitação, exercícios
mecânicos. O professor era mero treinador de fonemas e o aluno
deveria empreender todos os esforços possíveis para realizar uma
boa leitura labial.
Após esse período, a integração foi a concepção adotada. A
integra- ção é a fase que compreende a concepção e a prática da
pessoa com defi- ciência a partir de um esforço adaptativo apenas
de sua parte, no sentido de que ela deve se adequar aos moldes
padrões, para então estar integra- da à sociedade. Porém, no início
do ano 2000, começam os rumores de uma nova filosofia social e
educacional: a inclusão. Nessa perspectiva, não apenas as pessoas
que não ouvem passam a se integrar e emprenhar esforço para
tornarem-se normais, como as pessoas que ouvem, mas há um
duplo envolvimento: por parte deles e por parte da sociedade.
Porém, mesmo havendo um novo paradigma social emergindo,
ainda há contradições manifestadas nas práticas. Prova disso é a
própria dificuldade terminológica. De fato, como devemos nos referir
a tais pes- soas? Certamente, o modo como nos reportamos aos
outros quer dizer alguma coisa, vem impresso de significado. Não
fosse assim, não existi- riam os títulos, os vocativos e os pronomes
de tratamento. Normalmen- te, a forma como nos dirigimos à
pessoa revela o valor que damos a ela.

FAEL
Capítulo 1

No caso das pessoas que não podem ouvir, há algumas


alternativas de tratamento que podem denotar a consideração social
a respeito de sua condição. É o caso do termo “deficiente auditivo”
ou “d.a.”. Quan- do usamos esse termo para nos referir a uma
pessoa, estamos invocando aquilo que ela não tem, aquilo que lhe é
deficiente, estamos destacando o que há de ausente naquela pessoa,
aliás, não estamos vendo-a como pessoa, mas a informação que
mais nos importa é sua patologia e/ou sua condição clínica.
Com o acelerar da recepção de informações, a sociedade
progride e tem sua visão alterada. Foi a partir da década de 90 do
século XX que inauguraram algumas pesquisas no país sobre a língua
de sinais, e isto pro- piciou um olhar antropológico e cultural sobre a
surdez. Esse olhar para o surdo como uma pessoa diferente acaba
com a concepção de deficiente auditivo – anteriormente impregnada
nos meios sociais e educacionais – e, consequentemente, anula a
necessidade de reabilitação para integração. De acordo com essa
concepção de diferença (ao invés de deficiência), não há necessidade
de inserção das pessoas, pois todos já fazem parte da so- ciedade,
somos apenas mais uma figura no cenário da diversidade social
– racial, religiosa, sexual, financeira, política, de gênero, etc. 13

Nesse sentido, também


deixam de ser válidos Saiba mais
termos como “surdo-mudo” Há um slogan propagado pela Federação Na-
ou “mu- dinho”, pois, além cional de Educação e Integração de Surdos
de pejora- tivos, não estão que diz: SURDO-MUDO, apague esta ideia!
em sintonia com o que já é
Verifique em <http://www.feneis.org.br>.
socialmente aceito, a
condição de não ou-
vir. Conceitualmente, falar não significa vocalizar, emitir sons, mas
ex- pressar a sua língua. Então, dizer surdo-mudo é duplamente
incorreto. Primeiro, porque existem muitos surdos que têm
domínio da língua oral e que se comunicam também com sons da
voz, ainda que os fo- nemas sejam desorganizados por falta do
feedback auditivo. Depois, porque quando o surdo está sinalizando,
ele está pronunciando-se na sua língua, está falando.
Então, segundo o Decreto n. 5.626 (BRASIL, 2005), Capítulo I,
Ar- tigo 2º, parágrafo único, os surdos são deficientes auditivos para
aquelas pessoas que os enxergam com uma visão clínico-terapêutica;
surdos-mudos para aqueles que não sabem que eles falam; e, para
aqueles que os olham
Língua Brasileira de Sinais – Libras
Língua Brasileira de Sinais – Libras

respeitando sua diversidade linguística, são apenas: surdos. Portanto,


para nos referirmos a essas pessoas neste texto, a partir de agora,
usaremos o termo “surdo”, porque ele remete a um posicionamento
político de res- peito ao sujeito como um ser social, falante da língua
de sinais, e não com uma visão clínica ou patológica.
Contrariamente, as pessoas que têm a capacidade de ouvir são
chamadas de ouvintes.

Surdo Ouvinte

14

Os surdos conversam com as mãos, por meio do


estabelecimento de uma comunicação visual. De fato, poucas são
as pessoas que reco- nhecem o que significam tantos movimentos e
tantas sinalizações. É o caso, por exemplo, de quando os surdos
chegam a estabelecimentos comerciais, a órgãos públicos ou
privados e fazem este sinal:

Oi
FAEL
Capítulo 1

As pessoas não sabem o que isso significa e, na maioria das vezes,


tentam falar mais lentamente ou buscam um papel para escrever, na es-
perança de conseguir estabelecer uma comunicação. Porém, o desejável seria
que essas pessoas pudessem responder da mesma forma, ou seja, com os
sinais da Libras, conforme exposto a seguir:
Tudo bem? Qual é seu nome?

Qual é o seu sinal?1 Bom dia

15

Boa tarde Boa noite

1 Os surdos dão um sinal para cada pessoa e não as chamam pelo nome.

Língua Brasileira de Sinais – Libras


Língua Brasileira de Sinais – Libras

No entanto, infelizmente, esses e outros tantos sinais


necessários à comunicação com surdos são desconhecidos pela
população ouvinte, e o desconhecimento não é só dos vocabulários,
mas da própria no- meação desta modalidade linguística. E o que
vem a ser modalidade linguística? É a forma como a língua se
manifesta. Há, basicamente, três modalidades das línguas naturais:
língua falada, língua escrita e língua sinalizada.
A língua falada é conhecida por possuir uma característica oral
e au- ditiva, enquanto que a sinalizada tem a característica de ser
espaço-visual. Isso significa que o espaço (lugar a frente do corpo) é
o canal de emissão e a visão é o canal receptor da mensagem.
Portanto, a língua de sinais tem modalidade espaço-visual. Porém,
vemos que o desconhecimento sobre essa modalidade linguística é
tanto, que as pessoas a chamam de “lingua- gem de sinais”. Há
outras que a chamam de “gestos” e há, ainda, quem pense que são
“mímicas”. Posteriormente explicaremos porque esses dois últimos
termos são inadequados, mas, por ora, vamos pensar na oposição
língua X linguagem.
16 A linguística é a área científica que se debruça a conceituar
essas duas categorias, e a faz sob diferentes perspectivas teóricas.
Há, por exemplo, pesquisadores que são adeptos a concepções
sociais e há ou- tros que procuram abordagens mais naturalísticas
para formular suas concepções. Os que entendem que a influência
do social é determi- nante para aquisição da língua, destituem do
ser humano as responsa- bilidades pelo seu desempenho
linguístico. Inscrevem-se nesse tipo de abordagem as vertentes da
linguística estrutural e funcional. Por outro lado, há pesquisadores
que são mais adeptos aos postulados teóricos de Chomsky (1957),
do Massachusetts Institute of Techonology – MIT, nos Estados
Unidos. Para ele, o processo de adquirir a estrutura de uma língua
natural é universal, pois independe da qualidade interativa que se
estabelece com a criança, assim também como independe da
cultura. Essa aquisição é possível devido ao fato de as crianças
possuírem um co- nhecimento linguístico inato que as guia por esse
processo. Tais ideias deram origem à teoria que vigora até o
presente, e que escolhemos para construir nosso aporte conceitual.
Trata-se da teoria gerativa.
Segundo essa teoria, as crianças já nascem equipadas com
vários aspectos relacionados à organização sintática das línguas
humanas que

FAEL
Capítulo 1

são geneticamente determinadas. Por isso dizemos que essa teoria é


de natureza mentalista, pois a mente humana abriga um sistema
“compu- tacional” capaz de gerar representações linguísticas. Isso
se comprova, segundo Chomsky (1957), devido à discrepância
entre input e output do falante. Em outras palavras, a criança é
exposta a estímulos pobres e limitados, porém, devido ao seu inato
conhecimento linguístico, é capaz de se desenvolver ao ponto de gerar
infinitos enunciados bem formados. A criança é vista como aprendiz
eficiente a despeito da pobreza de estí- mulos. Esse argumento é
comumente tratado por problema de Platão2.
Chomsky (1957) denomina esse conhecimento linguístico
prede- terminado de “Dispositivo de Aquisição de Linguagem –
DAL” (em inglês: Language Acquisition Device – LAD). O DAL,
sistema armaze- nado na mente, abriga os princípios que são
comuns a todas as línguas humanas. Esses princípios formam um
conjunto de regras linguísticas uniformes chamado de Gramática
Universal – GU.
Nesse sentido, a aquisição da linguagem vai acontecer
naturalmen- te – sem que haja um aprendizado formal –, apenas
pela maturação da
GU, entendida como um órgão biológico carente de iniciar seu fun- 17
cionamento que, no caso, fica a cargo da interação social. Esse
fator é preponderante no princípio do funcionamento do DAL, mas
não para determinação do seu estágio final. O estágio final são as
propriedades linguísticas alcançadas pelo adulto. A perspectiva
chomskyniana de lin- guagem está resumida no excerto a seguir,
possibilitando um melhor entendimento de que a linguagem reflete
uma capacidade mental do ser humano.
[...] pode-se dizer que o uso criativo da linguagem não se
li- mita ao estabelecimento de analogias, mas reflete a
capacidade do ser humano de fazer uso dela no seu dia a
dia, observando propriedades específicas, livre de estímulos,
com coerência e de forma apropriada a cada contexto, além
da sua capacidade de evocar os pensamentos adequados no
seu interlocutor. [...] Sob esta perspectiva, essa capacidade é
uma consequência direta do fato de sermos humanos. Como
diz Descartes, somos huma- nos ou não somos, pois não
existem graus de humanidade, e

2 O argumento da “pobreza dos estímulos” é tratado por Chomsky (1957) como uma
atitude platonista, por isso o nome problema de Platão é extraído da questão filosófica,
de como é que o ser humano pode saber tanto diante de evidências tão passageiras,
enganosas e fragmentárias?

Língua Brasileira de Sinais – Libras


Língua Brasileira de Sinais – Libras

não há variação essencial entre os humanos, a não ser no


nível da superficialidade, isto é, nos aspectos
epifenomenais3. Um estudo da faculdade da linguagem
deve propor propriedades específicas e descobrir os
mecanismos da mente que as apresen- ta, além de dar conta
destas mesmas propriedades em termos da ciência física
(QUADROS; FINGER, 2008, p. 47).

Assim, poderíamos dizer que a linguagem é um dispositivo


que já está acoplado na mente humana desde o nascimento, e que
este disposi- tivo deve ser acionado pelos estímulos externos para
poder desenvolver a língua. A linguagem é uma função mental
superior4, sendo assim, é de natureza muito mais individual,
enquanto a língua, opostamente, não está instalada no cérebro
humano, mas está no seio da sociedade e por isso precisa ser
adquirida. Dessa forma, a Libras não pode ser chamada de
“linguagem de sinais”, considerando que, se assim fosse, todos seria-
mos sinalizadores, e isso não acontece. Podemos concluir que a
Libras deve ser aprendida e, se será aprendida, significa que ela é
externa a nós, ela é social, portanto, é língua.
Apesar de já termos adiantado o conceito de língua, há ainda que se
18 colocar que, nesse modelo teórico, ela é entendida como um
conjunto de regras que geram uma infinidade de sentenças, sendo
que cada uma é formada por cadeias de elementos. Para o linguista
adepto à corrente gerativa, o objeto de estudo é postulado como o
conhecimento incons- ciente da língua. Segundo Kato (1997), esse
conhecimento tem caráter intencional e o uso é inconsciente devido
ao uso automático da língua, encarado como um sistema
“computacional”. Essa é a concepção de língua que adotamos.
Quer dizer, língua é um conjunto de regras que gera uma infinidade
de sentenças, caracterizadas como individuais, in- ternas
(inconscientes) e intencionais (automáticas).
Posto o entendimento de que há diferença teórica no conceito
de língua e no conceito de linguagem, podemos concluir que a
termino- logia “linguagem de sinais” passa a ser cientificamente
inapropriada.

3 Epifenômenos são fenômenos adicionais que se sobrepõem a outros, mas sem modificá-
los, nem exercer sobre eles qualquer influência, são fatores sociais, econômicos, políticos,
cultu- rais, etc. (QUADROS; FINGER, 2008, p. 47).
4 Função mental superior é sinônima de função psicológica, e elas são: pensamento,
memó- ria, atenção, raciocínio, percepção, inteligência, linguagem e outras.

FAEL
Capítulo 1

A partir dessa concepção, podemos adentrar mais especificamente


nas considerações sobre a “língua” de sinais.

Língua de sinais
Iniciamos pelo signifi-
cado do termo, visto que no Saiba mais
Brasil há duas terminologias Há pesquisas que discutem a melhor grafia
correntes para designar a lín- para a língua brasileira de sinais, se deve ser
gua de sinais utilizada pela LIBRAS (todas as letras maiúsculas), libras
comunidade surda brasileira: (todas as letras minúsculas) ou Libras (apenas
Libras (Língua Brasileira de a primeira letra maiúscula), já que há diferen-
Sinais) e LSB (Língua de Si- ça conceitual nestes diferentes registros. Leia
mais sobre o assunto em: <http://www.fiemg.
nais Brasileira). A primeira
com.br/ead/pne/Terminologias.pdf>.
foi oficializada pela
Federação
Nacional de Educação e Integração de Surdos, e é o termo presente
em documentos legais. A LSB é a sigla utilizada por pesquisadores
que publicam textos internacionais, já que todas as demais línguas
de sinais
do mundo possuem uma sigla com três letras, desta forma, é possível 19
ter uma rápida identificação para LSB. Como Libras é nossa opção
ter- minológica, reproduzimos a seguir o sinal empregado pelos
surdos para nomear sua própria língua:

Libras

Um dos documentos legais que contempla a sigla Libras é a


Lei Federal n. 10.436/2002 (BRASIL, 2002b), que oficializou a
língua no Brasil. A partir dessa aprovação, a Libras passou a ser aceita
como língua
Língua Brasileira de Sinais – Libras
Língua Brasileira de Sinais – Libras

usual na comunidade surda. Ter uma lei que oficialize um idioma


em um país é muito importante, pois demonstra o reconhecimento
social sobre ela, visto que as minorias linguísticas (imigrantes, índios)
relatam experiências de segregação e preconceito, já que sua forma de
expressão não é a mesma da maioria social.
Nesse sentido, deve-se travar uma luta pelo reconhecimento
lin- guístico de tais minorias. Para que isso ocorra, há que se
percorrer um longo caminho, que vai desde agregar as pessoas até
convencer políticos a planejar ações disseminadoras. No caso da
Libras, essa conquista só foi possível mediante a congregação dos
surdos em prol dessa causa, e pelo fato de muitos pesquisadores
terem se empenhado para angariar conhecimentos que
comprovassem o valor linguístico dessa língua.
A Lei n. 10.436 oficializou a Libras, mas, antes disso, já
existiam pesquisadores brasileiros de língua de sinais (BRITO,
1995; FELIPE, 1998; QUADROS, 1997), discutindo e publicando
suas investigações sobre esta língua, com o intuito de combater os
mitos que havia sobre ela. Vejamos cada um destes mitos, bem
como as asseverações postula-
20 das pelos pesquisadores pioneiros no assunto.

Mitos sobre a Libras


A língua de sinais seria uma mistura de pantomima e
gesticulação concreta, incapaz de expressar conceitos abstratos.
As línguas de sinais derivam da comunicação gestual
espontânea dos ouvintes.
Considerando que a pantomima e a mímica são formas
artísticas de expressão, elas não podem ser comparadas com a
Libras, que é uma língua gramaticalmente organizada. Não
devemos, também, colocar a Libras e os gestos na mesma categoria
de análise, pois, apesar de ambos serem produções visuais,
possuem natureza muito diferente. Os gestos são as expressões
espontâneas das pessoas, são nossas expressividades naturais. Por
exemplo, quando colocamos a mão no rosto ou na cin- tura,
cruzamos os braços, apertamos os dedos uns contra os outros ou
passamos as mãos repetidas vezes no cabelo, estamos produzindo
ges- tos. Diferentemente, para produzirmos a Libras, precisamos
passar por um processo formal de aprendizagem, pois este sistema
linguístico é abstrato e não faz parte da nossa expressividade
natural – se assim fosse, todos seríamos falantes natos da Libras.

FAEL
Capítulo 1

É verdade que a Libras é composta por sinais que representam


manualmente as formas e os movimentos dos objetos do mundo,
como os sinais a seguir reproduzidos, porém, eles não são o todo
da língua, há outros que não tem relação alguma com os objetos da
realidade, conforme podemos verificar nas ilustrações.
Essa possibilidade de o referente linguístico ter relação com os obje- tos
reais – a iconicidade – também é presente nas línguas orais, como é o caso do
português. Exemplo disso são as palavras “bem-te-vi” e “bumbo”, nome de um
pássaro e um instrumento musical, respectivamente, que representam o som
que reproduzem. O primeiro grupo de sinais é o dos chamados icônicos, e o
segundo é o dos sinais chamados arbitrários.

SinaiS icônicoS SinaiS arbitrárioS


Passar batom Vencer

21

Passar roupa Especial

Língua Brasileira de Sinais – Libras


Língua Brasileira de Sinais – Libras

SinaiS icônicoS SinaiS arbitrárioS


Pentear o cabelo Perigoso

Escovar os dentes Vingar

22

Dormir Idade

FAEL
Capítulo 1

SinaiS icônicoS SinaiS arbitrárioS


Lavar roupa Organização

Limpar o chão Sofrer

23

Varrer Opinar

Língua Brasileira de Sinais – Libras


Língua Brasileira de Sinais – Libras

É bom ressaltar que os sinais icônicos não são iguais no mundo todo, pois a
representação que cada falante faz da realidade é diferente, por exemplo, o sinal de
árvore no Brasil é icônico assim como o é na China. A diferença é que aqui
representamos o tronco da árvore e o balanço dos galhos, enquanto lá se faz apenas o
tronco, conforme figuras a seguir:

Árvore Árvore

24 Libras Língua de Sinais Chinesa (CSL)

Só essa informação, de que a iconicidade se realiza de acordo


com a perspectiva referencial de determinado grupo, já é um forte
argumen- to para combater o mito que aponta que a língua de
sinais deriva da comunicação gestual espontânea dos ouvintes. Se
assim fosse, quando um surdo sinalizasse o sinal de árvore para um
ouvinte, ele rapidamente identificaria o significado, mas, como
sabemos, não é isso que ocorre. Então, fica refutada a ideia de que
os sinais da Libras são extraídos da expressividade natural dos
ouvintes.
Haveria uma única e universal língua de sinais usada por todas
as pessoas surdas.
Muitas pessoas pensavam que a Libras seria universal, que os
sinais eram iguais em todos os países. Contudo, essa afirmação não
procede, pois se Libras é a sigla da Língua Brasileira de Sinais,
podemos concluir que, se no nome da língua mencionamos sua
nacionalidade, é porque existem outras línguas de sinais espalhadas
por outros países, tais como: Língua Holandesa de Sinais, Língua
Francesa de Sinais, Língua Ameri- cana de Sinais, Língua Alemã de
Sinais, entre outras.
FAEL
Capítulo 1

Assim, em cada país, há


uma língua de sinais especí- Saiba mais
fica, que reflete a cultura da Com a difusão das línguas de sinais pelos
nação e daquela países, pensou-se em sistematizar uma
comunidade surda. E não é língua de sinais universal chamada
só pelo nome que “gestuno”, assim como aconteceu com o
entendemos haver uma esperanto, que era uma forma de
língua de sinais para cada comunicação oral que reunia os termos
país, mas, também, comuns na maioria das línguas orais.
baseando-nos na teoria Porém, como não era usado em momentos
gerativa. Segundo essa naturais, o gestuno – assim como o
teoria, todas as línguas, esperanto – deixou de existir.
inclusive as de sinais,
apresen- tam organização
sintática com
os mesmos princípios comuns à linguagem humana, que são
diferentes apenas em sua natureza e comportamento. Isso significa
que as línguas de sinais se diferenciam, como qualquer língua, na
sua organização se- mântica e discursiva para atender a aspectos
culturais e ideológicos das diferentes comunidades de surdos.
Quando a informação de que a Libras não é universal começou a
percorrer espaços sociais, muitas vezes, havia um questionamento de 25
que seria muito mais fácil para comunicação dos surdos se todos sinali-
zassem da mesma forma. Porém, se estamos entendendo que a
língua de sinais tem o mesmo valor que a língua oral, então um
questionamento como este também perde sua validade, já que as
línguas orais não são iguais e ninguém questiona esses fenômenos.
Isso porque sabem que, devido às colonizações, houve o alastramento
de determinados idiomas em determinados lugares. O mesmo
aconteceu com as línguas de si- nais, cada uma tem sua história
linguística. No caso da Libras, ela tem sua origem na Língua
Francesa de Sinais.
Haveria uma falha na organização gramatical da língua de
sinais, que seria derivada das línguas orais, sendo um pidgin
sem estrutura própria, subordinado e inferior às línguas orais.
Algumas pessoas acham que a Libras é derivada das línguas
orais e é um pidgin sem estrutura própria, subordinada e inferior.
Cada uma dessas proposições pode ser considerada um mito, pois
quando as ana- lisamos, encontramos conceituação diferenciada para
os termos empre- gados. Por exemplo, por pidgin entendemos a
mistura de duas línguas, como nas expressões (1) e (2) a seguir
exemplificadas. O pidgin é utiliza- do por pessoas que estão em
processo de aprendizagem e necessitam de

Língua Brasileira de Sinais – Libras


Língua Brasileira de Sinais – Libras

um recurso emergente de comunicação. Mesmo assim, não


considera- mos o inglês e o português como pidgin.
1. Eu love você.
2. I amo you.
Uma manifestação de pidgin sinalizada é, por exemplo,
quando uma pessoa está conversando com um surdo em Libras e na
ausência de um sinal resolve oralizar pausadamente, a fim de que o
interlocutor o entenda. Essa estrutura se caracterizará por um
pidgin, pois houve a mistura dos sinais com a voz, da oralidade
com a sinalização, da Libras com o português. Porém, não é a
Libras que é um pidgin, é o seu mau uso que pode tornar-se um.
A Libras tem uma estrutura gramatical bastante complexa, por-
tanto, alegar que ela é subordinada à língua oral, além de
demonstrar o desconhecimento da estrutura linguística, também
aponta para uma postura altamente preconceituosa. Assim como
fazer comparativo de superioridade ou inferioridade em relação à
língua oral é linguistica- mente inviável, pois as línguas são apenas
diferentes entre si, tem cons-
26 tituição interna própria.
Na linguística, esse tipo de comparação inexiste, pois nenhum
sis- tema linguístico será mais complexo ou superior a outro, já que
todos se prestam ao mesmo fim: a comunicação. Nesse sentido, a
única compara- ção permitida entre as línguas e em sua realização é
o conhecimento dos parâmetros de cada sistema, e não um
julgamento de valor. Da mesma forma, como há uma conscientização
ao cessar do preconceito linguístico, isto já é assegurado no campo da
linguística e já foi transmitido à socieda- de, o que falta são algumas
tomadas de decisão quanto ao tema. Sabemos que não podemos
criticar uma pessoa porque ela fala porta acentuando o r, como
fazem os caipiras, ou ainda porque ela fala bicicreta. Esse jeito
diferente de falar compõe o idioleto de cada um. Na Libras, isso
também acontece, cada um sinaliza de um jeito. Podemos admirar
uma ou outra forma, mas nunca taxarmos como “certa” uma única
forma.
A língua de sinais seria um sistema de comunicação superficial,
com conteúdo restrito, sendo estética, expressiva e
linguisticamente inferior ao sistema de comunicação oral.
Esse é outro apontamento que não procede às descobertas
científi- cas, mas que muitas vezes é verbalizado por desconhecedores
da Libras.

FAEL
Capítulo 1

Levando em conta que um sistema de comunicação superficial é


aquele criado para atender a comunicação de máquinas, ou seja, é a
linguagem de programação, a Libras não se enquadra nesta
situação.
Toda língua humana – como a língua de sinais falada pelos surdos
– atende aos critérios de criatividade, de flexibilidade e de
versatilidade. Portanto, a Libras não é superficial, é uma língua
natural, que emerge no seio da comunidade e se transforma ao
longo do tempo, é dinâmica e com conteúdo absolutamente
ilimitado. É possível falar qualquer coisa em Libras – desde de que
o sinalizante tenha fluência –, pois mesmo não havendo palavras
comuns entre Libras e português, há possibilidade de transmissão
do conceito da palavra.
As línguas de sinais, por estarem organizadas espacialmente,
esta- riam representadas no hemisfério direito do cérebro, uma
vez que esse hemisfério é responsável pelo processamento de
informação espacial, enquanto que o esquerdo, pela linguagem.
Há pessoas que dizem que as línguas de sinais, por estarem
orga- nizadas espacialmente, estariam representadas no hemisfério
direito do
cérebro, uma vez que este hemisfério é responsável pelo processamento 27
de informações espaciais. Pessoas que conhecem, minimamente, o cére-
bro humano, sabem que ele é dividido em hemisfério direito e
hemisfé- rio esquerdo, e que cada um deles tem uma função
diferenciada.
Ao hemisfério direito cabem as propriedades para o
desenvolvimen- to musical, artístico, emocional, visual, espacial,
matemático e outros. No hemisfério esquerdo estão algumas
funções mentais como atenção, memória e outras, mas,
especialmente, é identificada a propriedade lin- guística. Há, nesse
hemisfério, duas áreas responsáveis pelo desempenho de uma língua:
a área de Broca, que determina a expressividade da fala; e a área de
Wernicke, que determina a compreensão de uma língua.
Diante disso, há que se pensar onde se localiza a Libras, já que
é uma língua e que, por isso, basicamente, estaria no hemisfério
esquerdo. Sua modalidade é espacial e visual, e estas são
características alocadas no hemisfério direito. Nesse sentido, as
considerações que se tinha até então eram de que a Libras instalava-
se no hemisfério direito, para poder dar conta dessa modalidade. O
que ocorre, na verdade, é que a função de visão do hemisfério direito
tem uma característica funcional, serve para ver no sentido estrito do
termo, assim também como a função do espaço deste hemisfério se
relaciona à questão geográfica. A partir daí, o cérebro

Língua Brasileira de Sinais – Libras


Língua Brasileira de Sinais – Libras

detecta que a visão e o espaço serão utilizados pela modalidade


linguís- tica, e então realiza uma transferência hemisferial. Então, no
hemisfério esquerdo, haverá a visão e o espaço, mas com
propriedades distintas, agora com função linguística que servirá
para “ouvir” e “falar” a Libras.
Essas primeiras pesquisas que se prestaram a desmistificar
falsas considerações sobre a Libras deram origem a outras. Todas
elas, entre- tanto, emergiram a partir do primeiro trabalho
conhecido sobre línguas de sinais nos Estados Unidos, de William
Stokoe, em 1960. Ele foi o primeiro pesquisador a sistematizar a
estrutura gramatical de uma língua de sinais, mas não foi o primeiro
a usar esta forma de comunicação, pois antes dele já existiam os
abades franceses, que burlavam a lei do silêncio que imperava nos
mosteiros e conversavam por “códigos visuais”. De- pois disso,
houve um período em que eles – um nome bastante conheci- do
desta época é o Ponce de Leon – se dedicavam à instrução de
pessoas surdas, então começaram a usar uma língua estruturada
para transmitir conteúdos científicos e teológicos.
28 Assim, a comunicação espaço-visual se espalhou pela Europa e,
pos- teriormente, para América, chegando ao Brasil no século XX.
Por isso, al- guns sinais da Libras, da Língua Francesa de Sinais e da
Língua Americana de Sinais são parecidos. São os chamados
cognatos. Assim como existem palavras muito semelhantes no
português e no inglês (baby e bebê, por exemplo), há também
algumas semelhanças de vocabulário nas línguas de sinais do Brasil,
EUA e França. Como exemplo dessa similaridade, cita- mos os sinais
de casa em Libras e na Língua Americana de Sinais:

FAEL
Casa Casa

Libras Língua Americana de Sinais


Capítulo 1

O que Stokoe e os primeiros linguistas brasileiros fizeram –


além de mostrar o falseacionismo dos mitos – foi apontar a
natureza da Li- bras como ela é. Fizeram isso utilizando-se da
“regra geral” para vali- dação de que uma língua é língua, através
dos universais linguísticos. Então, passou-se a mostrar a verdade
sobre esse sistema de comunica- ção espaço-visual.

Verdades sobre a Libras: universais linguísticos


Para uma língua ser considerada língua, ela deve passar por
todos os testes postulados pelos pesquisadores, deve responder
positivamente às questões levantadas, e a Libras preenche estes
requisitos. Vejamos cada um deles.
Onde houver seres humanos, haverá língua(s).
A primeira análise feita para atestar o status linguístico da Libras
pau- tou-se numa simples consideração: a de que onde há seres
humanos há língua. É impossível negar que um grupo de surdos
constitui-se como um
grupo de seres humanos, portanto, isto reitera a existência de uma língua. 29
Não há línguas primitivas – todas as línguas são igualmente
com- plexas e igualmente capazes de expressar qualquer ideia. O
vocabu- lário de qualquer língua pode ser expandido a fim de
incluir novas palavras para expressar novos conceitos.
Ao aproximar-se da língua usada pelo grupo de surdos,
percebe-se que, apesar de se apresentar numa modalidade diferente
das línguas orais, ela não pode ser considerada como uma língua
primitiva, pois todas as línguas são igualmente complexas e
igualmente capazes de ex- pressar qualquer ideia. Assim também
acontece com o vocabulário das línguas orais e sinalizadas que,
como o de qualquer língua, pode ser ex- pandido a fim de incluir
novas palavras para expressar novos conceitos. No português, por
exemplo, as palavras são incorporadas ao sistema linguístico de um
modo geral, com empréstimos linguísticos vindos do sequente
aportuguesamento destes termos ou, ainda, por meio da inclusão de
palavras novas ao repertório individual.
Quanto aos empréstimos linguísticos da Libras, destacamos
inicial- mente o alfabeto manual. Ele é, na verdade, um recurso
paliativo, usado apenas para se referir a nomes próprios e a objetos
que não tenham um
Língua Brasileira de Sinais – Libras
Língua Brasileira de Sinais – Libras

sinal conhecido na Libras. Os surdos representam por meio das


mãos as letras do alfabeto português, no caso do Brasil. Em outros
países, essa representação é feita de acordo com o alfabeto do
idioma local. A letra “T”, às vezes, pode ser sinalizada de um jeito
no Brasil e de outro nos Estados Unidos. Além disso, vale ressaltar
que esse recurso é externo à Libras, ele é considerado como um
empréstimo da língua portuguesa, portanto, quando a pessoa está
usando o alfabeto manual, deixa de usar a Libras e faz uma
transferência de código, passa a fazer uso do portu- guês. Por isso,
devemos ter muita cautela para usá-lo. É preferível fazer um sinal
sinônimo a “escrever” a palavra a que se deseja fazer referência,
pois os surdos não se relacionam com a língua portuguesa como
nós nos relacionamos. Há toda uma dificuldade que se coloca a
eles, pois são usuários de uma língua espacial e visual, enquanto
precisam aprender uma língua oral e auditiva. Posteriormente,
explicaremos com mais de- talhes a questão de o português ser uma
segunda língua para os surdos.
Figura 1 Alfabeto manual.

30
a b c ç d e

f g h i j k

l m n o p q

r s t u v w

x y z

O alfabeto manual pode ser sinalizado com qualquer uma das


mãos, desde que não alternadamente, então, se há preferência pela
mão esquerda, a palavra toda deve ser sinalizada com a esquerda, e
não uma
FAEL
Capítulo 1

letra com cada mão. Normalmente, se escreve com o braço na


vertical, bem próximo ao tronco, e as letras são feitas uma após a
outra, sem necessariamente tirar a mão do lugar.
Para os nomes de pessoas e lugares, é comum os surdos
pedirem que se escreva a palavra com o alfabeto manual, mas, na
sequência, eles criam um sinal que será usado dali para frente.
Então, a digitalização da palavra passará a ser dispensável das
próximas vezes, pois a realização do sinal vai remeter ao sentido e ao
conceito. Caso seja necessário es- crever mais de uma palavra
(nome completo ou palavra composta, por exemplo), deve-se fazer
uma palavra numa sequência rítmica e dar uma pausa na última
letra para, então, iniciar a nova série de letras que serão feitas com
o mesmo ritmo.
Além disso, há também a possibilidade de representação dos
acen- tos das palavras (^, ~, `, ´) por meio de desenho no ar com o
dedo indi- cador. O desenho no ar é feito em um ponto acima de
onde se escreveu inicialmente, e deve ser feito antes da letra que
receberá o acento, por exemplo: JOS´E. O mesmo processo ocorre
com a produção dos nú- meros da Libras, os quais estão
reproduzidos a seguir:
Figura 2

0 1 2 3 4

5 6 7 8 9

Ainda com relação ao alfabeto manual, devemos ressaltar que


dele são extraídos os outros empréstimos linguísticos da Libras. Um
emprés- timo linguístico é uma palavra original de um idioma que
passa a fa- zer parte do repertório de um grupo de falantes de outro
idioma. No português, há muitos exemplos de palavras que não
compunham nosso verbete e que passaram a fazer parte de nossa
fala, por meio da internet, pela globalização, ou outros motivos. Na
língua portuguesa há muitas expressões americanas, francesas,
indígenas, que são usadas pelos falantes
Língua Brasileira de Sinais – Libras
Língua Brasileira de Sinais – Libras

normalmente. Exemplos desses empréstimos são as palavras: stress,


delete, abajur, diet, ligth, shampoo, lingerie, entre outras.
Os empréstimos linguísticos na Libras ocorrem mediante processo
de aceleração da escrita do alfabeto manual e, algumas vezes, pela
supressão de uma das letras.Veja um exemplo de empréstimo
Bar

linguístico da Libras:
32 FAEL
E s, podemos destacar que são criados de acordo com a necessidade. É
m o caso de quando entra- mos na faculdade, há uma “enxurrada” de
palavras novas as quais não uti- lizávamos antes, como os termos
s “paradigma”, “piagetiano”, “demanda de mercado”, “psicanálise”,
e “biomorfologia”, “léxico”, “sintático”, “prag- mática”, etc. Na língua de
sinais, isso ocorre da mesma maneira. Os sur- dos têm a capacidade
t de inserir em sua língua palavras novas conforme a necessidade. Daí
r surgem os novos sinais, como os expostos a seguir:
a
t
a
n
d
o

d
e

t
e
r
m
o
s

t
é
c
n
i
c
o
s

c
i
e
n
t
í
f
i
c
o
Neurose Mídia
Capítulo 1

Ambiente virtual de aprendizagem Condicionamento

Todas as línguas mudam ao longo do tempo.


Podemos verificar que não há permanência vocabular e nem
estru- tural em nenhuma língua, e isto implica dizer que as línguas
mudam ao longo do tempo. Assim como ocorreu com o vocábulo
vossa mercê, que passou para vos mice, depois para você e hoje é
comumente trata-
do por cê ou vc. Na língua de sinais, isso também acontece.
Os sinais que exigem muito “trabalho” para serem realizados sofrem 33
uma economia produtiva e passam a ser realizados de maneira mais
sim- plificada. É o caso, por exemplo, do sinal mulher, que era
realizado com ambas as mãos postas próximas à cabeça, numa
imitação de colocar o chapéu. Então descia do rosto em direção ao
pescoço, onde era encer- rado com um movimento que imitava o
lançar, o amarrar. Atualmente, esse sinal preserva apenas o trajeto
do rosto ao pescoço, é sinalizado conforme imagem a seguir,
passando o polegar na bochecha.
Mulher
Língua Brasileira de Sinais – Libras
Língua Brasileira de Sinais – Libras

As relações entre sons e significados das línguas faladas e entre


ges- tos (sinais) e significados das línguas de sinais são, em sua
maioria, arbitrárias.
As palavras e sinais apresentam uma conexão arbitrária entre
forma e significado, visto que, dada a forma é possível prever o
significado, e dado o significado é possível prever a forma. Os
símbolos utilizados pe- las línguas são arbitrários. Podemos
constatar que não há uma relação intrínseca entre a palavra cão e o
animal que ele simboliza. Quadros e Karnopp (2004) apontam
ainda que, a característica de arbitrariedade das línguas não se
restringe à ligação entre forma e significado, mas aplica-se também
à estrutura gramatical das línguas, pois elas diferem umas das
outras. Isso pode ser constatado na dificuldade em aprender uma
língua estrangeira, pois é um sistema distinto do que estamos ha-
bituados a usar.
Toda língua falada inclui segmentos sonoros discretos, como
“p”, “n”, ou “a”, os quais podem ser definidos por um conjunto
de pro- priedades ou traços. Toda língua falada tem uma classe
de vogais e uma classe de consoantes. Línguas de sinais
apresentam segmentos
34 discretos na composição dos sinais.
Assim como as línguas orais apresentam segmentos sonoros
dis- cretos (p, n, a), as línguas de sinais, igualmente, apresentam
segmentos discretos na composição dos sinais. Ainda com relação a
isso, Quadros e Karnopp (2004) apontam que há, em todas as
línguas, a característica da dupla articulação. Tal característica
significa que existe uma gama de unidades que são semelhantes, em
torno de trinta ou quarenta, mas que cada fonema normalmente não
tem significado quando está isolado, mas ganha um significado
quando é combinado com outras unidades mínimas. Por exemplo,
os sons de f, g, d, o e a não tem um significado expresso, porém,
quando os combinamos de diferentes maneiras, pode- mos encontrar
significados. É o caso, por exemplo, de fogo, dado, gado, fado. Tal
organização de língua em duas camadas, camada de sons que se
combinam e camadas de unidades maiores, expressa a característica de
dualidade ou dupla articulação comum às línguas orais e
sinalizadas.
Universais semânticos, como fêmea ou macho, são encontrados
em todas as línguas.
Há ainda outra característica encontrada em línguas orais que se
manifes- tam também nas línguas sinalizadas, é a característica de
descontinuidade.

FAEL
Capítulo 1

Tal fenômeno está em oposição à variação contínua, isto


significa que as palavras podem diferir de maneira mínima na
forma, mas apre- sentam diferença considerável no significado. É o
caso das palavras faca e fada, que são escritas e faladas de maneiras
diferentes. Esse fenômeno demonstra a característica de
descontinuidade da diferença formal en- tre forma e significado.
Todas as línguas possuem formas para indicar tempo passado,
ne- gação, pergunta, comando, etc. Todas as línguas
apresentam cate- gorias gramaticais (ex: substantivo, verbo).
As línguas não se fixam apenas nos parâmetros fonológicos,
pois tanto línguas orais como sinalizadas apresentam categorias
gramaticais (substantivo, verbo e outros), bem como universais
semânticos tais como a distinção fêmea/macho.
No concernente à sintaxe, sabemos que tanto as línguas orais
quanto as de sinais podem fazer referência ao passado, presente e
fu- turo, a realidades remotas ou, ainda, a coisas que não existem e
que os falantes de todas as línguas são capazes de produzir e
compreender em
um conjunto infinito de sentenças. 35

Quadros e Karnopp (2004) apontam que essa flexibilidade e


ver- satilidade é uma característica comum a todas as línguas, pois
podemos usar a língua para dar vazão às emoções e sentimentos,
para fazer solici- tações, para fazer ameaças, promessas, ordens,
perguntas ou afirmações.
Todas as línguas humanas utilizam um conjunto finito de sons
dis- cretos (ou gestos) que são combinados para formar
elementos sig- nificativos ou palavras, os quais, por sua vez,
formam um conjunto infinito de sentenças possíveis. Todas as
gramáticas contêm regras de um tipo semelhante, para
formação de palavras e sentenças.
A criatividade e a produtividade são apontadas por Quadros e
Karnopp (2004) como propriedades que possibilitam a construção e
a interpre- tação de novos enunciados. Todos os sistemas
linguísticos têm a possi- bilidade de construção e compreensão de
um número infinito de enun- ciados, sendo assim, os falantes têm a
liberdade de agir criativamente.
Falantes de todas as línguas são capazes de produzir e
compreender um conjunto infinito de sentenças. Universais
sintáticos revelam que toda língua possui meios de formar
sentenças.

Língua Brasileira de Sinais – Libras


Língua Brasileira de Sinais – Libras

Assim, revela-se a criatividade que o falante tem para inventar


no- vas palavras e de ter um estilo próprio de fala. Isso ocorre com
a Libras, pois, mesmo cada país adotando uma língua de sinais
própria, não é possível estabelecer uma homogeneidade linguística
por todo seu ter- ritório nacional. Sempre que houver a reunião de
um grupo de sinali- zadores, haverá abertura para criação de novos
falares ou modificação nos falares produzidos, e todos esses novos
modos serão carregados de peculiaridades da região onde o grupo
está localizado.

Esses modos distintos na fala de cada região são os chamados


dia- letos, que existem não só na Libras, mas em todas as línguas
de sinais e orais, como ocorre com o português, por exemplo, nas
palavras ma- caxeira, aipim e mandioca, que se prestam a designar
a mesma coisa. Vejamos um exemplo do regionalismo da Libras
nas imagens a seguir. Trata-se de três sinais diferentes que se
referem à palavra verde, nas cidades de São Paulo, Rio de Janeiro
e Curitiba, respectivamente.

36

Fonte: imagens adaptadas de Strobel e Fernandes (1998).

Podemos, assim, perceber que a Libras é bastante complexa em


sua estrutura gramatical e que, por meio dela, é possível conversar
sobre diver- sos assuntos, inclusive utilizar-se de diferentes estilos de
fala em diferentes ocasiões. Então, o modo de sinalizar é diferente se
o interlocutor for uma autoridade ou se forem colegas na rua, e estes
diferentes registros discursi- vos são manifestados por meio da
velocidade dos movimentos e do espaço
FAEL
Capítulo 1

utilizado para sinalização. Se o surdo quer ser bastante formal em sua


fala, provavelmente usará o espaço a frente do seu corpo com certo
limite. O espaço para sinalização se inicia acima do quadril, vai até a
cabeça e não se estende muito para os lados. Porém, se o contexto de
fala é informal, ele sinalizará com muita expressão facial, com os
braços bastante alargados e, provavelmente, vocalizará alguns sons.
Dessa forma, podemos ver como é possível o falante de Libras
transitar entre diferentes estilos discursivos.
Quando os ouvintes veem os surdos conversando, na grande
maio- ria, elas têm a impressão de que estão brigando, pois
sinalizam mui- to rápido e tem bastante expressividade. O fato é
que os surdos estão tendo uma conversa como outra qualquer. Essa
impressão equivocada ocorre porque as pessoas não sinalizantes
deixam de considerar que, quando estamos conversando, também
falamos muito rápido, e isto ocorre da mesma forma com o surdo.
Ao articular os fonemas da nossa língua portuguesa – um após
o outro –, não nos damos conta de que são produzidos juntos, ou
seja,
todas as palavras se ligam entre si na constituição da frase e do discurso.
Assim também acontece na comunicação em Libras. Os surdos sina- 37
lizam rapidamente um sinal após o outro, sem significar uma briga,
mas uma fala normal. Além disso, quando nós estamos em
contextos informais, também falamos muito alto e somos
extravagantes. Os sur- dos igualmente agem assim. Ampliam os
movimentos dos sinais, tem o espaço de sinalização bastante
elevado e produzem muita expressão facial. No entanto, isso não
denota agressividade ou briga por parte deles, mas o “tom” elevado
da fala.
Esse dado reitera que a Libras é uma língua que, inclusive,
contém marcas de formalidade e de informalidade, pois tem tanta
completude que possibilita ao falante fazer escolhas diferenciadas de
sinais, de acor- do com os tipos de situações experimentadas.

Qualquer criança, nascida em qualquer lugar do mundo, de


qual- quer origem racial, geográfica, social ou econômica, é
capaz de aprender qualquer língua à qual é exposta.
Um fenômeno elucidativo sobre esse assunto é quando as
crian- ças surdas estão aprendendo a Libras. Inicialmente, elas
aprendem

Língua Brasileira de Sinais – Libras


Língua Brasileira de Sinais – Libras

as unidades mínimas de maneira isolada, como fazem as crianças


ouvintes, que começam a balbuciar “aaaaa”, depois “babababa”,
até formar palavras completas. Isso também ocorre com as crianças
sur- das. Tomamos como exemplo uma criança quando estava com
dois anos e, em diálogo com a mãe, começa a aprender o sinal de
sorrir (conforme figura a seguir). A mãe ensina,
inconscientemente, cada um dos três parâmetros – que são a
configuração de mão, a locali- zação e o movimento –, e a criança
imita corretamente a localização e o movimento, porém, não
consegue reproduzir da mesma forma a configuração de mão. A
mãe age com um input favorável, fazendo a intervenção devida.
Toca no filho e ajeita sua mão para que realize o sinal de forma
correta. A criança gosta do sinal, sorri quando a mãe a repreende
pelo mau jeito na realização do sinal, mas tem dificuldade para
fazer a configuração apresentada. Solicita à mãe por várias vezes,
para que a auxilie, até que aprende os três parâmetros e consegue
rea- lizar com precisão o sinal de sorrir.
Esse jogo discursivo, além de mostrar a importância do adulto no
38
contexto de aquisição da linguagem, a qualidade do input e outros,
nos aponta para uma característica das línguas humanas, presente,
igual- mente, na Libras: a regularidade. Conforme já apresentamos,
as línguas humanas – e, portanto, a Libras também – têm
parâmetros de realiza- ção que não podem ser alterados para sua
efetiva comunicação. Assim, há exigência de que os elementos
fonológicos sejam adequadamente produzidos na realização dos
sinais.
FAEL
Capítulo 1

Da teoria para a prática


Para aderir à ideia da diversidade linguística em sala de aula, o
professor pode colar cartazes pela sala com o alfabeto manual e
com os números. Então, pode colocar algumas perguntas no quadro
e pro- mover que dois alunos participem: um pergunta e o outro
responde, utilizando as letras manuais.
Perguntas:
● Qual é o seu nome?
● Qual é o seu sobrenome?
● Quantos anos você tem?
● Qual é o nome da sua rua?
● Qual é o nome do seu bairro?
● Qual é o nome da cidade em que você mora?
● Qual o nome da sua mãe? 39

● Qual a idade da sua mãe?


● Qual o nome do seu pai?
● Qual a idade do seu pai?
● Qual o nome dos seus irmãos?

Síntese
Neste capítulo, tratamos das definições preliminares e
apresenta- mos ao leitor a fase histórica pela qual a sociedade está
passando, a cha- mada inclusão. Explicamos que, nessa fase, os
paradigmas sobre a pes- soa surda e sua língua passaram por
reformas não só no que se refere à terminologia – surdo e Libras –,
mas na forma de relacionamento com esta nova realidade. Muito
mais do que saber a forma de tratamento dessas questões, é preciso
que haja um desprendimento para aprender a se comunicar e se
relacionar com os surdos. Isso pode se dar por meio
Língua Brasileira de Sinais – Libras
Língua Brasileira de Sinais – Libras

do alfabeto manual, dos empréstimos linguísticos, de um jeito mais


informal ou por meio de leituras e pesquisas linguísticas.
Nesses termos, percorremos com o leitor o mesmo percurso
ado- tado no processo de valoração da Libras, pois, para que
houvesse todo o reconhecimento social e acadêmico que hoje
existe quanto ao status desta língua, foi preciso muito esforço para
desmitificar os mitos que havia, assim como foi preciso arrolar
alguns pressupostos universais na análise desta modalidade
expressiva. Atualmente, os surdos foram brin- dados com a
oficialização da sua língua por determinação legal. Dessa forma, as
pesquisas não mais se prestam a “comprovar” que a Libras é uma
língua, mas já podem se focar em conhecer o comportamento de
uma língua espaço-visual e tecer análise gramatical sobre ela, o que
faremos no próximo capítulo.

Glossário
40
Input
É o sinônimo para estímulo linguístico, ou seja, todas as
influências verbais que são dadas às crianças quando estão
aprendendo a falar.

Output
É a forma como a criança expressa o input que recebeu, é o que
ela consegue falar.

Pidgin
É um sistema de comunicação precário. É uma língua
emergencial, porque aparece em situações extremas de barreiras
à comunicação (MCCLEARY, 2008, p. 21).
FAEL
Estrutura
gramatical
da Libras 2
T odo sistema linguístico é organizado em níveis de análise,
sen- do os principais: o fonológico, que se ocupa em estudar as
unidades mínimas da composição das palavras; o morfológico, que
se ocupa com
as escolhas das palavras; o sintático, que se ocupa em organizar as
pala- vras na frase; e o semântico, que busca a relação das palavras
e o sentido que elas têm. Neste capítulo, apresentaremos cada um
destes aspectos linguísticos relacionados à Libras.

Aspectos fonológicos 41
É no nível fonológico que se encontram as considerações
acerca dos fonemas – conceituados como unidade mínima do som.
Nesse sen- tido, não caberiam considerações fonológicas para a
Libras, já que ela é uma língua espaço-visual que não tem som.
Para resolver tal impasse, Stokoe empregou a terminologia
“querema”, ao invés de fonema, para o estudo das unidades
mínimas da língua de sinais. Porém, atualmente, os pesquisadores
de língua de sinais abandonaram o termo, por enten- der o
apontamento de Saussure (1970) quanto a isto. Para o pai da lin-
guística, a forma do significante refere-se a uma imagem acústica
con- vencional, abstraída de realizações fonéticas concretas e
infinitamente variáveis; definição que torna o conceito
suficientemente abstrato para abranger não apenas representações
psíquicas de sons, mas também de gestos (LEITE, 2008). Assim,
quando nos referirmos aos fonemas, es- tamos fazendo menção às
unidades mínimas que compõem a língua.
Além dos fonemas, as línguas naturais também são compostas
por morfemas e palavras, e estas duas articulações – fonemas e
morfemas – é que norteiam a dupla articulação apontada por
Martinet (1978). Esse linguista diz que todas as línguas humanas
possuem a dupla articulação. Por dupla articulação, entendemos um
plano de conteúdos (composto
Língua Brasileira de Sinais – Libras

por morfemas e palavras) e um plano isento de conteúdos


(composto por fonemas). É bom lembrar que ambas as articulações
são restritas nas línguas naturais, mas que sua combinação pode
originar um número irrestrito de possibilidades significativas.
Como a Libras é uma língua natural, também é composta pela
dupla articulação.
Podemos constatar tal fenômeno, conforme Leite (2008), por
meio da junção das articulações dos fonemas. Limitando-nos
inicialmente à segunda articulação – fonemas –, vemos que Stokoe
(1960) propôs três componentes da estrutura interna dos sinais:
configuração de mão (CM), localização (L) e movimento (M).
Isoladamente, esses parâme- tros não têm conteúdo significativo
(capaz de compor significação), porém, quando os unimos,
podemos formar conteúdos irrestritos.

Ônibus

42
Configuração de

mão Movimento

Localização

O mesmo fenômeno ocorre com os sinais: avião e carro.

Carro

Movimento
Configuração de
mão
FAEL
Capítulo 2

Avião

Movimento

Configuração de

mão
Localização

Mesmo percebendo que, isoladamente, os parâmetros não


trans- mitem significado, analisaremos cada um deles em sua
composição, a fim de entendermos melhor a formação dos sinais.

43
Configuração de mão

O primeiro parâmetro – configuração de mão – refere-se à


forma que a mão assume na realização do sinal. Algumas dessas
configurações de mão correspondem às letras do alfabeto manual,
mas não se restrin- gem a elas. Para as configurações de mão da
Libras temos o quadro de Brito (1995), que registra 46
configurações diferentes.

Quadros e Karnopp (2004), por sua vez, apontam que essas


con- figurações de mão são representações do sistema fonético da
língua, considerando a inexistência de identificação quanto às
configurações de mão básicas e às configurações de mão variantes.

Já em Felipe (2001), conforme podemos verificar na figura a


seguir, encontramos 64 configurações de mão. Essas configurações
podem dar origem a sinais da Libras se forem produzidas apenas
com uma mão, com as duas mãos produzindo configurações de
mão di- ferentes ou, ainda, com as duas mãos, mas ambas com
configurações de mão iguais.
Língua Brasileira de Sinais – Libras
Língua Brasileira de Sinais – Libras

Figura As 64 configurações de mão da Libras.

44

Fonte: adaptado de Felipe (2005).

A fim de elucidarmos as possibilidades de formação de sinal a


par- tir da configuração de mão, expomos alguns exemplos a
seguir.
Configuração de mão com apenas uma mão: este é o tipo de
sinal que pode ser produzido com qualquer uma das mãos, pois o
seu sentido não será alterado.
FAEL
Capítulo 2

Aluno Professor

Lápis Caneta

45

Cola Tesoura

Língua Brasileira de Sinais – Libras


Língua Brasileira de Sinais – Libras

Português
Vestibular

ou

Ciências História

46

Uniforme Educação

FAEL
Capítulo 2

Duas configurações de mão diferentes.

Curso Pós-graduação

Mestrado Educação artística

47

Estudos sociais Intervalo

Língua Brasileira de Sinais – Libras


Língua Brasileira de Sinais – Libras

Redação Apontador

Atendo-nos ao primeiro sinal, vemos que nesse tipo de


constru- ção a primeira configuração de mão é a base que se forma
em b, e a mão ativa se forma em c. Em outros casos parecidos com
esse, outras configurações de mão poderão ser realizadas, mas a
ordem de predo-
48 minância será mantida, ou seja, uma mão será a base e a outra ativará
o movimento.
Sobre a realização de um sinal que contém duas configurações
de mão diferentes, e que realiza movimentos apenas com uma das
mãos, encontramos em Battison (1974) duas restrições, que
limitam consi- deravelmente as possibilidades articulatórias dos
sinais. A primeira é a condição de dominância, e a segunda é a
condição de simetria. Por condição de dominância o autor entende
a ocorrência de sinais nos quais uma das mãos assume o papel
ativo e, a outra, um papel passivo. A mão passiva, nesse caso, serve
de base, de apoio para a realização do movimento da mão ativa.
Antes de falarmos sobre a condição de simetria, vejamos a
realização de um sinal com as duas configurações de mão iguais.
Duas configurações de mão iguais: sinais desta natureza são
for- mados por duas configurações de mão iguais. É o caso dos
sinais apre- sentados a seguir, que se realizam com ambas as mãos
moldando-se com a mesma configuração de mão e com a
realização de um movimen- to simultâneo e simétrico.
FAEL
Capítulo 2

Sala Geografia

Caderno Régua

49

Mochila Prova

Língua Brasileira de Sinais – Libras


Língua Brasileira de Sinais – Libras

Matemática Educação física

Química Nota

1 2
50

Dividir Multiplicar

FAEL
Capítulo 2

Retomando as restrições articulatórias de Battison (1974),


temos que, em casos de sinais como os que mostramos, em que as
duas mãos estão ativas e realizam o mesmo movimento, há a
condição de simetria estabelecida.

Locação
O segundo parâmetro – a locação – refere-se ao espaço onde o
sinal será realizado, podendo ser no próprio corpo do sinalizador
ou no espaço neutro (espaço “vazio” a frente do corpo do
sinalizador, precisa- mente entre a cabeça e o quadril), conforme
imagens a seguir.
Sinalização no espaço neutro:

Tartaruga Hipopótamo

51

Foca Mosca
Língua Brasileira de Sinais – Libras
Língua Brasileira de Sinais – Libras

Urso Jacaré

Peixe Borboleta

52

Há, conforme Brito (1995), três pontos principais de locação, a


saber: cabeça, tronco e mão. Dentro desses pontos principais estão
as subdivisões, tais como os exemplos que seguem.
Subdivisões dos principais pontos de locação:

FAEL
Macaco Boi

Sinal com locação na cabeça Sinal com locação na testa


Capítulo 2

Galinha Rato

Sinal com locação no rosto Sinal com locação na bochecha

Papagaio Pato

53

Sinal com locação no queixo Sinal com locação na boca

Cobra Coruja

Sinal com locação no pescoço Sinal com locação nos olhos

Língua Brasileira de Sinais – Libras


Língua Brasileira de Sinais – Libras

Porco Sapo

Sinal com locação no nariz Sinal com locação no braço

Dinossauro Zebra

54

Sinal com locação na mão Sinal com locação no tronco

Movimento
Movimento, o terceiro – e principal – parâmetro, é bastante
com- plexo, considerando sua vastidão de possibilidades. Em
Strobel e Fer- nandes (1998), vemos que os movimentos podem ser
do tipo sinuoso, semicircular, circular, retilíneo, helicoidal e angular,
sendo possível pro- duzi-los de forma unidirecional, bidirecional ou
multidirecional. Além disso, eles podem ser produzidos com
diferentes tensões, velocidades e frequências. Apresentamos a seguir
alguns exemplos de sinais produzi- dos com diferentes tipos de
movimento.
FAEL
Capítulo 2

Espelho Telhado

Movimento sinuoso Movimento sinuoso


Xícara Porta

55
2
1

Movimento semicircular Movimento semicircular


Jardim

Movimento circular

Língua Brasileira de Sinais – Libras


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Cerca

1
2

Movimento retilíneo
Liquidificador

56

Movimento helicoidal
Eletricidade

Movimento angular

FAEL
Capítulo 2

O primeiro, o segundo e o terceiro parâmetro, quando associados,


podem formar muitos sinais da Libras e, às vezes, estes sinais se
distinguem por alteração apenas em um dos parâmetros. Nesses casos,
ocorre um fenô- meno presente também nas línguas orais: os pares
mínimos. No português, os chamados pares mínimos podem ser
exemplificados pelas palavras faca e vaca, em que há apenas uma sutil
diferença na pronúncia dos fonemas f e
v. Na Libras, temos muitos casos como estes. Citemos alguns:

Laranja / sábado Aprender

57

Cantar Comunicar

Além desses parâmetros, destacamos a orientação de mão e as


ex- pressões não manuais. A orientação de mão é a direção que a
palma da mão assume na realização do sinal. A palma da mão pode
estar voltada para cima, para baixo ou para o corpo de quem
sinaliza, para fora, para
Língua Brasileira de Sinais – Libras
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a esquerda e para a direita. Apresentamos a seguir alguns exemplos de sinais


produzidos com diferentes orientações para o sinal de ir.

Ir da direita para a esquerda. Ir da esquerda para a direita.

Ir de trás para frente. Ir de frente para trás.

58

As expressões não manuais, conforme Quadros e Karnopp


(2004), referem-se às expressões faciais e aos movimentos do corpo
produzidos durante a realização do sinal. Esses movimentos também
podem ser reali- zados isoladamente para marcar construções
sintáticas – marcar sentenças interrogativas; relativas; concordância;
tópico e foco; referência específica; referência pronominal; negação;
advérbios; grau ou aspecto, bem como para marcar afetividades,
assim como ocorre nas línguas naturais. As ex- pressões faciais não
são recursos adicionais ou dispensáveis na Libras, mas, sim, obrigatórias
nas construções sintáticas. A seguir, exemplos de sinais isolados com
expressão facial, já que neste momento não abordaremos a
construção das frases.
FAEL
Capítulo 2

Bravo Triste

Feliz Cansado

59

Bondoso
Humilde

ou

Língua Brasileira de Sinais – Libras


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Esquisito Tímido

Calmo
Inocente

60
ou

Doido Esnobe

FAEL
Capítulo 2

Vaidoso Chato

Chorão Tarado

61

Podemos perceber que a realização desses sinais fica


condiciona- da ao uso das expressões faciais, até por uma questão
de coerência, pois não seria muito lógico produzir o sinal de triste
com um sorriso no rosto ou, então, o sinal de feliz com uma
expressão de cansaço e tristeza. Certamente, nosso interlocutor
questionaria nossa produção e precisaríamos definir qual a
mensagem a transmitir: a do rosto ou a das mãos. Isso porque há
sinais produzidos apenas com a expressão facial, com a dispensa de
qualquer realização manual. Na Libras, há dois tipos de expressões
faciais: as que se prestam a marcar argumen- tos gramaticais e as
que são de cunho afetivo. Neste texto, abordare- mos apenas o
primeiro tipo e, como exemplo, vejamos os sinais de roubar e
sexo:
Língua Brasileira de Sinais – Libras
Língua Brasileira de Sinais – Libras

Roubar Sexo

Assim sendo, passemos a algumas considerações teóricas quanto à


morfologia e à sintaxe da Libras.

62
Aspectos morfológicos da Libras
Se estivermos entendendo que o nível morfológico é aquele
que compreende o trabalho de seleção das palavras, se faz
necessário, pri- meiramente, definirmos o que entendemos por
palavra. Segundo San- dalo (2001, p. 183), “palavra é a unidade
mínima que pode ocorrer livremente em várias posições sintáticas”.
Entretanto, dentro das palavras, há elementos que carregam
sig- nificado. Esses elementos, chamados de morfemas, é que são
as unida- des mínimas da morfologia (SANDALO, 2001). Na
Libras, conforme Felipe (1998), os parâmetros fonológicos também
podem ser compa- rados a morfemas, pois, às vezes, eles
apresentam significado isolada- mente. Assim como ocorre com o
português, os fonemas podem ter a natureza de um morfema, por
exemplo, os fonemas /a/ e /o/ podem ser artigos ou desinências de
gênero, assim como o fonema /s/ pode indicar o plural.
Do mesmo modo, na Libras, determinada configuração de
mão, por exemplo, pode constituir um morfema. A seguir
ilustramos alguns sinais que podem ser considerados morfemas.

FAEL
Capítulo 2

Dois meses Três meses

Quatro meses Um dia

63

Dois dias Três dias

Língua Brasileira de Sinais – Libras


Língua Brasileira de Sinais – Libras

Uma semana Duas semanas

Três semanas

64

Vemos que, nesses sinais, as configurações de mão carregam o


significado do numeral. Nesse caso, elas constituem um morfema
pre- so, ou seja, não podem ocorrer isoladamente, mas somente
com os morfemas que indicam os meses, os dias e as semanas
(QUADROS; KARNOPP, 2004).

Em alguns sinais, no entanto, os parâmetros – isoladamente –


não constituem morfemas, mas, quando articulados juntos,
resultam em uma unidade com significado. Os sinais reproduzidos
na sequência são exemplos de que a articulação conjunta de cada
um dos parâmetros é que forma o significado.

FAEL
Capítulo 2

Ontem Hoje

Amanhã Passado

65

Futuro Ano

Língua Brasileira de Sinais – Libras


Língua Brasileira de Sinais – Libras

Percebemos que a configuração de mão, o movimento, a


loca- ção e a orientação constituem um único morfema, nesse
caso, um morfema livre. Ainda, de acordo com Brito (1995), há
na Libras morfemas lexicais (o sinal de sentar, por exemplo) e
morfemas gra- maticais (movimento).
Dadas as primeiras definições, passemos às considerações dos
pro- cessos de formação e classificação de palavra (BRITO, 1995;
FELIPE, 1998; QUADROS; KARONOPP, 2004; LEITE, 2008).
Um dos pro-
cessos de formação de palavras é por meio da incorporação de
numeral e de negação. No caso da incorporação de numeral, a
configuração de mão que representa o numeral se combina com
outro morfema preso para formar um sinal, em que apenas a
configuração de mão se modifica. Como já discutimos acerca desse
ponto quando exploramos a constituição de sinais que representam
morfemas, passemos a discus- são da incorporação da negação.
Nesse processo, um dos parâmetros do sinal é alterado, em
66
espe- cial o parâmetro do movimento. Em alguns casos, altera-se
somente a expressão facial do sinalizador. A seguir vemos o
contraste entre os sinais dos verbos e a formação de palavras de
negação, via alteração de movimento e via alteração da expressão
facial.

FAEL
Ter Não ter

Parâmetro movimento alterado


Capítulo 2

Saber Não saber

Parâmetro movimento alterado


Gostar Não gostar

67

Parâmetro movimento alterado


Querer Não querer

Parâmetro movimento alterado

Língua Brasileira de Sinais – Libras


Língua Brasileira de Sinais – Libras

Poder Não poder

Parâmetro configuração de mão


alterado

Conhecer Não conhecer

68

Parâmetro expressão facial alterado


Entender Não entender

Parâmetro expressão facial alterado

FAEL
Capítulo 2

Precisar Não precisar

Parâmetro expressão facial alterado

Aceitar Não aceitar

69

Parâmetro expressão facial alterado

Além desses processos morfológicos que caracterizam formação


de palavras, a negação também pode ser formada pela adjunção do
sinal não ao respectivo sinal, conforme exemplos:
Não responder

Língua Brasileira de Sinais – Libras


Língua Brasileira de Sinais – Libras

Não sofrer Não terminar

Não resolver

70

Há, ainda, outro processo morfológico que acontece pela com-


binação de dois morfemas lexicais, resultando em uma
composição. Vejamos nos exemplos a seguir que um sinal pode ser
formado por dois sinais independentes que se unem para formar
uma palavra composta.

FAEL
Casa + cruz = igreja Casa + estudar = escola
Capítulo 2

Casa + carne = açougue Casa + pão = padaria

Boi + leite = vaca Cavalo + listras = zebra

1
1

71

2 2

Mulher + cruz = enfermeira Mulher + benção = mãe

Língua Brasileira de Sinais – Libras


Língua Brasileira de Sinais – Libras

Homem + benção = pai Espaço redondo + lavar corpo =


banheira

2 2

O mesmo processo morfológico ocorre em relação à formação


de palavras que denotem gêneros, por meio da combinação de dois
morfe- mas lexicais, um que se refere ao elemento morfológico
neutro e outro que se refere à marcação de gênero. Isso significa
que, na Libras, o gê- nero é dado pelo processo de composição
morfológica.
72

FAEL
Homem + cunhado(a) = cunhado Mulher + cunhado(a) = cunhada

1
2
2

Homem + sogro(a) = sogro Mulher + sogro(a) = sogra

2
1

2
Capítulo 2

Homem + primo(a) = primo Mulher + primo(a) = prima

2
2

Homem + tio(a) = tio

73

Mulher + tio(a) = tia

Língua Brasileira de Sinais – Libras


Língua Brasileira de Sinais – Libras

Homem + irmão(ã) = irmão

Mulher + irmão(ã) = irmã

74

Homem + sobrinho(a) = sobrinho Mulher + sobrinho(a) = sobrinha

FAEL
Capítulo 2

Não obstante, a formação de palavras que denotam “categorias” tam- bém


passa pelo processo de composição, conforme exemplos a seguir.

Maçã + vários = frutas Alface + vários = verduras

1
1

2
2

Arroz + vários = cereais Leão + vários = animais

75

Batata + vários = legumes

Língua Brasileira de Sinais – Libras


Língua Brasileira de Sinais – Libras

Com relação à classificação das palavras, o que sabemos é que


um nome pode derivar de um verbo por meio da repetição e do
encurta- mento do movimento do verbo, como é o caso destes
sinais:

Telefone Telefonar

FAEL

76
O ração de mão em y, na locação perto da orelha e com movimentos
curtos, leves e repetitivos na direção do espaço a frente do corpo do
s sinalizador. O sinal de telefo- nar tem a mesma configuração de
i mão e a mesma locação, mas o mo- vimento é mais alongado,
n firme e único. Se o movimento for alongado, firme e feito mais de
a uma vez, pode dar a ideia de telefonar várias vezes. Da mesma
l forma se configuram estes outros sinais, que diferem sua clas-
sificação nominal ou verbal pela alteração do parâmetro
d movimento:
e

t
e
l
e
f
o
n
e

p
r
o
d
u
z
i
d
o

c
o
m

c
o
n
f
i
g
u
Cadeira Sentar
Capítulo 2

Comida Comer

Pente Pentear

77

Foto Fotografar

Língua Brasileira de Sinais – Libras


Língua Brasileira de Sinais – Libras

Casa Morar

Bebida Beber

78

Ainda com relação aos verbos da Libras, destacamos neste


mo- mento três tipos deles, a saber: os verbos simples, os verbos
manuais e os classificadores. Esses verbos não são produzidos por
processo de flexão, os que se enquadram nesta categoria serão
abordados na próxi- ma seção.
A seguir, ilustramos alguns verbos simples da Libras. Consti-
tuir-se como um verbo simples significa que, independente da
cons- trução da frase, os parâmetros fonológicos que compõe o
sinal serão mantidos, processo distinto do que ocorre com os
verbos vistos na seção flexão.

FAEL
Capítulo 2

Quebrar Rir

Sentir Sujar

79

Trabalhar Viver

Língua Brasileira de Sinais – Libras


Língua Brasileira de Sinais – Libras

Sonhar Gritar

ou

Trair Tentar

80

Ouvir Opinar

FAEL
Capítulo 2

Roubar Salvar / apoiar

Morrer Preocupar

81

A maioria desses verbos é produzida nas partes do corpo do


sina- lizador, pois estas partes são o lugar de localização do sinal.
Ainda que seja para se referir a outra pessoa do discurso, o verbo
será produzido do mesmo modo, na mesma localização, com a
mesma configuração de mão e com a mesma orientação.

Com relação aos verbos manuais, apontamos que são aqueles


que se configuram pela incorporação do objeto a que se referem.
Eles podem ser considerados icônicos pela representação da
realidade. Al- guns exemplos:

Língua Brasileira de Sinais – Libras


Língua Brasileira de Sinais – Libras

Abrir (o pote) Cozinhar

Mendigar Limpar (janela)

82

Costurar Escrever

FAEL
Capítulo 2

Cortar (com tesoura) Dormir Lavar (a roupa)

Os classificadores são aqueles verbos que têm sua


configuração de mão inicial (sinal raiz) alterada por influência da
semântica, do léxico ou da sintaxe. Assim, apresentamos a seguir
o sinal raiz de alguns verbos e o sinal classificador, com o
parâmetro configuração
de mão alterado. 83

Verbo cair Classificador do verbo cair


(papéis)
Originalmente, este sinal remete à
ideia da ação que ocorre com uma Se for preciso referir-se a mesma
pessoa. Isso é perceptível pela ação de cair, porém, não com a
con- figuração em v, que ideia de que o sujeito seja uma
representa “as pernas” de alguém pessoa, mas alguns papéis,
e o movimento de ir ao chão. haverá alteração da C.M. e
preservação do movimen- to.
Então, o sinal foi classificado em
sua semântica.
Língua Brasileira de Sinais – Libras
Língua Brasileira de Sinais – Libras

Verbo andar Classificador do verbo andar (de


carro)
Originalmente, este sinal remete Se for necessário referir-se a
à ideia da ação realizada por uma mesma ação de andar, no entanto,
pessoa. Isso é perceptível pela não com a ideia de que o sujeito
con- figuração em v que seja uma pessoa, mas um carro,
representa “as pernas” de alguém haverá alte- ração da C.M. e
e o movimento de ir à frente. preservação da di- reção. Então, o
sinal foi classificado em sua
semântica.
Classificador do verbo andar (de
uma cobra)
Se é preciso referir-se a mesma
ação de andar, mas não com a
ideia de que o sujeito seja uma
pessoa e sim uma cobra, haverá
alteração da C.M., do movimento e
da localiza- ção. Então, o sinal foi
classificado em sua semântica.
Classificador do verbo andar (de um
84
gato(a))
Se for preciso referir-se a mesma
ação de andar, porém, não com a
ideia de que o sujeito seja uma
pes- soa, mas um gato, haverá
alteração da C.M., do movimento e
da locali- zação. Então o sinal foi
classificado em sua semântica.
Classificador do verbo andar (de
uma galinha)
Se for necessário referir-se a
mesma ação de andar, mas não
com a ideia de que o sujeito seja
uma pessoa e sim uma galinha,
haverá alteração da C.M., do
movimento e da locali- zação.
Então, o sinal foi classificado em
Postas as questões preliminares dos processos morfológicos da Li-
bras, passaremos a conhecer os processos morfológicos mais
complexos, especialmente aqueles formados por flexão.

FAEL
Capítulo 2

Flexão
Segundo Câmara Jr. (1985), o termo “flexão” tem sua origem
na língua alemã, e os primórdios de sua utilização aconteceram na
in- dicação do desdobramento de uma palavra em outros empregos.
No português, o autor assinala que a flexão se apresenta sob o
aspecto de desinências ou sufixos flexionais. Para ele, a flexão é a
formação de uma palavra por meio de um morfema, constituindo
uma ideia acessória em que o significado base não é alterado.
Isso demonstra que a flexão é definida como um processo pelo
qual uma palavra é adaptada a um contexto, com o acréscimo de
uma desinência correspondente à função que exerça na frase, de
acordo com a natureza desta, numa relação fechada, indicando uma
modalidade específica. Câmara Jr. (1985) associa, também, ao
conceito de flexão, a obrigatoriedade e a sistematização coerente,
sendo que estas são im- postas pela própria natureza da frase. É
nesse escopo da morfologia fle- xional que se destacam os
processos de flexão nominal e verbal. Sendo
assim, vamos conhecer cada um deles. 85
O primeiro processo, de flexão nominal, pode ser explicitado
por meio dos pronomes. Na Libras, há pronomes pessoais,
demonstrativos, possessivos, interrogativos e indefinidos, conforme
ilustrados a seguir.
● Pronomes pessoais podem representar primeira, segunda e terceira
pessoa, e podem aparecer no singular ou no plural:

Singular Plural
1ª pessoa – eu Nós dois Nós três Nós quatro Nós grupo
Língua Brasileira de Sinais – Libras
Língua Brasileira de Sinais – Libras

Singular Plural

2ª pessoa – você Vocês dois Vocês três Vocês quatro Vocês grupo

3ª pessoa – Eles(as) dois/duas Eles(as) três Eles(as) quatro Eles(as) grupo


ele(a)

86

● Os pronomes demonstrativos são iguais aos advérbios de


lugar. Sua realização sempre vem acompanhada da direção dos
olhos, que se voltam para o local referenciado.

Este(a) aqui Esse(a) aí Aquele(a) lá

FAEL
Capítulo 2

● Pronomes possessivos:
Meu (minha) Teu (tua) Seu (sua)

● Pronomes interrogativos: em alguns aspectos, incorporam


alguns advérbios de tempo. A realização desses pronomes
sempre vem acompanhada de expressão facial.

Que? / Quem? Porque ou por que?

87

Onde? Quando?

Língua Brasileira de Sinais – Libras


Língua Brasileira de Sinais – Libras

Como? Qual? Quantos(as)?

● Pronomes indefinidos:

Ninguém Nada = sem

88

Nenhum Nada

FAEL
Capítulo 2

Já a flexão para grau, é a modificação paramétrica capaz de apresen- tar


distinções para “tamanhos”. A seguir, alguns exemplos para flexão nominal
de grau, nos quais constam alterações das expressões faciais.

Casa Casinha

Bonito(a) Bonitinho(a)

89

Legal Legalzinho(a)

Língua Brasileira de Sinais – Libras


Língua Brasileira de Sinais – Libras

Alto(a) Altão (altona)

Calor Calorão

90

Inteligente Inteligentão (inteligentona)

FAEL
Capítulo 2

Quanto à flexão verbal, temos a possibilidade de flexão para


pes- soa, número, locativo e aspecto. A seguir, apresentamos
alguns exem- plos de verbos que concordam com a pessoa do
discurso. Os verbos que se flexionam em pessoa são chamados de
verbos com concordância. Como primeiro exemplo, temos o verbo

Falar

falar.

O verbo falar é produzido com a configuração de mão em y 91


(mão fechada, dedos mínimo e polegar abertos). A localização
ini- cia-se com o polegar próximo a boca do sinalizador e
movimenta-se na direção de quem receberá a fala. Isso que dizer
que se a pessoa que será o receptor está à direita do emissor, a
direção do movi- mento será à direita. Se o receptor da fala está à
esquerda, o ponto inicial do movimento permanece sendo na
boca, mas a trajetória do movimento será à esquerda, e assim
sucessivamente, para todas as diversas localizações possíveis
para o receptor. Assim, a concor- dância na Libras está na
sentença: eu falo para você, ou seja, a primeira pessoa do
discurso – eu – falo (verbo com concordância) para a segunda
pessoa do discurso – você. Ocorre que, em alguns casos, a
trajetória do movimento é oposta: inicia-se no objeto indo em
direção ao sujeito. Esses verbos são chamados de verbos reversos
(backward verbs). É o caso do sinal falar, anteriormente
ilustrado, ser concordado para ele(a) me falou. Nesse caso,
haverá inversão do ponto inicial do sinal que, ao invés de ser na
boca, será na lo- calização que está referenciada para o objeto
(segunda pessoa do discurso).Concordância do verbo falar:
Língua Brasileira de Sinais – Libras
Língua Brasileira de Sinais – Libras

1s
Falar2s 5

2s
Falar1s

92

2s
Falar3s

Explicando a concordância para os sinais apresentados anterior-


mente, entendemos que há um processo morfologicamente
complexo

5 Maiores detalhes sobre as transcrições adotadas no texto estão expostos no


capítulo 3. Adiantamos, entretanto, que as pessoas do discurso são transcritas como:
1s = 1 pessoa, e assim sucessivamente.
FAEL
Capítulo 2

envolvido nesta realização, pois, segundo Meir (2002), é possível visua-


lizar três componentes:
● A raiz do verbo falar.
● Um morfema direcional – o movimento da trajetória,
denomina- do DIR (directional), que marca o argumento
semanticamente.
● Um afixo verbal – a orientação da mão.
O mesmo processo pode ocorrer com os seguintes verbos:
Perguntar Ver Mandar

Dar Responder Visitar 93

Mostrar Mudar Obedecer


Língua Brasileira de Sinais – Libras
Língua Brasileira de Sinais – Libras

Mexer Paquerar Pedir

Influenciar Matar Pagar

94

Em relação à flexão para número, apontamos que pode ocorrer


com os mesmos verbos colocados anteriormente (verbos com
concor- dância) e há, neste caso, possibilidade de indicação do
singular, do dual, do trial e do múltiplo. Assim, o sinalizador pode
referir-se a, por exemplo, perguntar para duas pessoas, dar para três
pessoas, mostrar para quatro pessoas ou ver todas as pessoas.
Além disso, na Libras existe a possibilidade de várias formas de
substantivos e verbos apresen- tarem a flexão de número, uma delas
é a diferenciação entre singular e plural, realizada por meio da
repetição do sinal. Vejamos outros verbos de concordância, dando a
indicação de flexão para número e depois a marcação diferenciada
pelas palavras no singular e no plural.
A flexão de número refere-se à distinção feita para um, dois,
três ou mais referentes. A seguir, apresentamos alguns exemplos do
sinal entregar com concordância para número e outros.
FAEL
Capítulo 2

Concordância do verbo entregar:

1s
Entregar 2s

1s
Entregar 2s + 3s

95

1s
Entregar2s + 3s + 4s

Língua Brasileira de Sinais – Libras


Língua Brasileira de Sinais – Libras

1s
Entregar vários

96

1s
Entregar grupo6

6 Uma variação possível desse sinal é a realização do movimento com ambas as


mãos, denotando, desta forma, a ideia de entregar para muitas pessoas ou
entregar para um grupo grande.

FAEL
Capítulo 2

Agradecer uma pessoa

Abandonar duas pessoas

97

Encontrar três pessoas

Língua Brasileira de Sinais – Libras


Língua Brasileira de Sinais – Libras

Aconselhar quatro pessoas

Beijar todas as pessoas

98

A diferença da marcação do singular e do plural é que, para o


plural, se faz a repetição da forma no singular, como no caso da
marca- ção de anos, por exemplo, em que sinalizamos ano + ano +
ano. Para árvores, usamos o sinal de árvore repetidamente, e
assim com todos os outros nomes que recebem flexão de número,
exceto em casos em que houver sinal específico para marcação do
plural, como em pessoas no sentido de multidão.
Quanto à flexão de locação, temos a incorporação de locativo
na sua realização, em que é possível perceber o trajeto percorrido
desde o seu início até o local de chegada, como é o caso do verbo
ir, flexionado para a locação que está à frente do corpo do
sinalizador, conforme a seguir. Os verbos que recebem essa flexão
são chamados de verbos espaciais.

FAEL
Capítulo 2

Ir

Outros exemplos desses verbos:

Verbo andar Ir de carro Ir de avião

99

A flexão para aspecto é marcada de duas formas: lexical e


grama- ticalmente. Tais marcações dão origem ao aspecto lexical e
ao aspecto gramatical, respectivamente. O aspecto lexical é aquele
em que, apenas o verbo, manifesta a duração da ação.

Sua expressividade se manifesta, por exemplo, na oposição se-


mântica verificada entre os verbos procurar e encontrar, reprodu-
zidos na sequência, pois a flexão codifica como a situação por eles
referida se estrutura.

Língua Brasileira de Sinais – Libras


Língua Brasileira de Sinais – Libras

Procurar Encontrar

Procurar é um verbo que codifica a situação como durativa, já


en- contrar codifica a situação como pontual, ou seja, como não
durativa. Por outro lado, aspecto gramatical é aquele que pode ser
codificado em perfectivo ou imperfectivo. O perfectivo é
produzido com movimentos retos e abruptos, e se relaciona a
100 eventos passados, enquanto que o im- perfectivo é produzido com
movimentos lentos e contínuos, e se refere a eventos presentes.
Para ilustrar o que dissemos até aqui, tomemos o exemplo do verbo
cuidar em seu padrão de movimento:

Cuidar

O sinal raiz do verbo cuidar é produzido com a mão passiva


fecha- da (configuração de mão em s), colocada à frente do corpo,
sendo que o braço fica na horizontal do tronco. A mão ativa
configura-se em v e
FAEL
Capítulo 2

leva o pulso a tocar no peito da mão passiva. O movimento que


gera o contato de ambos os pulsos é curto e firme. É claro que, pelo
próprio léxico, esse verbo transmite o significado aspectual durativo,
indicando uma situação que se desenvolve ao longo do tempo.
Todavia, podemos reforçar essa indicação lexical por meio do
aspecto gramatical imper- fectivo, ou seja, podemos indicar uma
situação que perdura de forma ininterrupta, através do movimento
representado a seguir.

Cuidar imperfectivo

101
Nesse caso, mantém-se a configuração de mão e a localização
do sinal raiz e altera-se o movimento para alongado, lento e
contínuo. Isso quer dizer que haverá o contato do pulso da mão
ativa com o pulso da mão passiva mais de uma vez, e que o
afastamento da mão passiva será mais alongado em relação ao
afastamento que há na produção do sinal raiz, a retomada do
contato será feita de modo mais lento.
Já com relação ao verbo passear, temos a seguinte observação:

Passear perfectivo
Língua Brasileira de Sinais – Libras
Língua Brasileira de Sinais – Libras

Pudemos observar as mãos configuradas em b, passando


alterna- damente sobre os ombros, com movimentos retos e curtos.

Passear imperfectivo

Observamos que, para realizar o sinal com marca do


imperfectivo, foi utilizada a mesma configuração de mão do sinal
102
neutro, mas o mo- vimento foi mais alongado e contínuo.

O mesmo ocorre com o verbo esperar:

Esperar

Mãos configuradas como “esperar” na direção de cima para


baixo, com movimentos retos, curtos e abruptos no espaço neutro.

FAEL
Capítulo 2

Esperar imperfectivo

Mesma configuração de mão do sinal neutro, mas com


movimen- to lento, alongado e contínuo no espaço neutro.

Aspectos sintáticos da Libras


Neste tópico, vamos discutir um pouco sobre a sintaxe da
103
Libras. Sintaxe é a organização de um enunciado em torno de um
verbo. Para construir um enunciado na Libras não é preciso
adicionar conjunções e preposições (de, te, para, com, em, na)
como fazemos no português, pois as ideias são formuladas no
espaço e a construção da coerência e da coesão acontece de modo
bem diferente. Assim como não é necessário seguirmos a mesma
ideia do português, até porque existem palavras do português que
não são traduzíveis para Libras, como também existem sinais da
Libras que não são traduzíveis para o português. Porém, todos os
conceitos que são transmitidos em uma língua podem ser transmi-
tidos em outra, é preciso apenas buscar termos equivalentes.
Veremos o passo a passo da construção sintática da Libras, em se
tratando dos tipos de frases, da ordem dos constituintes, da
organização dos campos de referência e da flexibilidade das
categorias gramaticais.

Tipos de frases na Libras


Na Libras é possível construir sete tipos de frases, a saber:
senten- ças negativas, sentenças afirmativas, sentenças interrogativas,
sentenças condicionais, sentenças relativas, sentenças com foco,
sentenças com
Língua Brasileira de Sinais – Libras
Língua Brasileira de Sinais – Libras

tópico. Elas são constituídas de um tipo dado, especialmente pela


ex- pressão facial. Vejamos cada uma delas:
● Sentenças negativas – são aquelas que apresentam uma ideia
sen- do negada. Elas podem ser formadas pelos sinais que
incorporam a negação – anteriormente apresentados –, pela
expressão facial negativa junto ao verbo ou pelos sinais a
seguir, acrescidos ao final da frase.

Não Nada Nunca

104

Em Libras é possível negar a ação de comer de várias formas:


Eu comer não.
Eu comer nada.
Eu comer nunca.
Eu comer (expressão de negação).

● Sentenças interrogativas – são aquelas formuladas com a


inten- ção de obter alguma informação desconhecida. A
formulação do questionamento se dá com os pronomes
interrogativos – anterior- mente dados – inseridos no início ou
no final da frase, como nos exemplos a seguir:

FAEL
O que você comer hoje? Você comer hoje o quê?
Como você trabalha? Você trabalha como?
Capítulo 2

Onde você mora? Você mora onde?


Quem sabe? Sabe quem?
Por que isso aconteceu? Aconteceu por quê?
Para que você fez isso? Você fez para que?
Quando você vai casar? Você vai casar quando?

Além das perguntas chamadas qu, há também as sentenças


inter- rogativas nas quais a intenção não é obter uma resposta
completa, mas simplesmente sim ou não, como:
Você quer leite?
Você gosta dele?
Você conhece a China?
● Sentenças afirmativas – são aquelas que afirmam
determinada ação: Eu vou a festa à noite.
● Sentenças condicionais – são aquelas que estabelecem uma 105
re- lação de condição e consequência para a realização de algo.
Por exemplo: Se você me contar, faço segredo.
● Sentenças relativas – são aquelas que inserem uma
informação adicional à frase, uma informação que seja relativa
à informação principal que está sendo transmitida pela
sentença. Em Libras, isso ocorre com a expressão facial
mantida na oração principal e modi- ficada na relativa. Por
exemplo: Aquele homem, que fala muito, está de férias.
● Sentenças topicalizadas – são aquelas que empregam o
tópico. O tópico anuncia o assunto a ser desenvolvido ao longo
da sentença. Por exemplo: Carro, eu gosto de Uno.
● Sentenças focalizadas – são aquelas que usam o foco. O foco
serve para destacar ou contrastar alguma informação da
sentença como em: Ana chorou, não Paula chorou.
Explicitados os principais tipos de frases na Libras, vamos
apro-
fundar como os elementos se organizam na oração.
Língua Brasileira de Sinais – Libras
Língua Brasileira de Sinais – Libras

Ordem dos constituintes


Em todas as línguas humanas há, pelo menos, três elementos
sintá- ticos principais, que podem se ordenar na frase de diferentes
maneiras. Esses elementos são: sujeito – é o termo que expressa o
agente da ação (que pratica ou sofre); verbo – é o termo que
expressa a ação; objeto – é o termo que qualifica ou detalha o
verbo.
Quadros e Karnopp (2004) apontam que a ordem dos
elementos na sentença da Libras é, geralmente, SVO (sujeito – verbo
– objeto). Elas dizem que, além dessa ordem, são possíveis também
as seguintes: OSV, SOV e VOS, sendo estas derivadas da ordem
canônica e construídas a partir de operações sintáticas, tais como
topicalização ou focalização, conforme pesquisa de Pizzio (2006). A
seguir, exemplificamos algumas sentenças com a ordem básica da
Libras:
SVO
Eu gostar laranja.
106
Você ter dinheiro.
Ele(a) saber Libras.
Essa é a ordem chamada canônica, básica, e dela derivam as
outras ordens – apontadas anteriormente –, exemplificadas a
seguir:

oSV SoV VoS


Laranja ele amar. Você laranja gostar? Gostar laranja ele?
Bolo eu fazer. Eu presente comprar. Passear praia você.
TV você ver. Ele mãe visitar. Comprar casa eu.

Deve-se ressaltar, ainda, que alguns elementos apontados na


frase podem ser apagados, pois na Libras, assim como em outras
línguas, é possível que ocorra o apagamento, não apenas do sujeito,
mas também do objeto. Na frase gostar laranja, o interlocutor
identifica que há o sujeito eu oculto.

Organização espacial
Ao estudar os pronomes, verificamos que eles são utilizados
para marcar as referências pessoais nos verbos com concordância. Em
r elação à

FAEL
Capítulo 2

sintaxe, a que se lembrar que a Libras estabelece a maioria de sua


organi- zação sintática no espaço7, obviamente, por ser esta sua
natureza linguís- tica. Dessa forma, é preciso que o sinalizador
defina pontos específicos no espaço a cada referente que aborda no
discurso.
Isso pode ser feito, conforme Quadros e Karnopp (2004), de
várias maneiras, inclusive por apontação. A apontação se dá em
dois casos: quando o referente não está presente no momento da
enunciação; ou quando ele está fisicamente no mesmo ambiente de
quem fala. No pri- meiro caso, o sinalizador vai estabelecer
aleatoriamente um ponto no espaço de sinalização para se referir ao
sujeito e/ou objeto e fazer as apontações devidas, ou seja, sempre
que precisar retomar o referente. Estando o sujeito e/ou objeto
visíveis, basta que a apontação seja feita diretamente ao referente
presente. Algumas vezes, por questão de eti- queta ou, ainda, se o
sinalizador não quer que o referente saiba que ele está fazendo
menção a ele, é possível usar o dedo indicador na direção do
referido, porém, com a outra mão aberta e com a palma sobre o
dedo que aponta. Assim, será uma fala às escondidas. 107
Conforme Quadros (1997), todo enunciado em Libras é
realizado no espaço de enunciação: um semicírculo virtual, cujo
perímetro é usa- do para a realização de referência a pessoas do
discurso, com referentes presentes ou não. O corpo do sinalizador
deve se situar no centro do raio do semicírculo e, neste espaço, nas
diferentes situações discursivas, pode ocorrer mudanças quanto à
direção e à localização de seu corpo. Por exemplo, a sinalização em
direção a um lócus predeterminado ou a movimentação ocular para
este mesmo local significa uma marca de referência a uma pessoa
e/ou objeto.
É nesse espaço, então, que se desencadeiam todas as relações
entre os sujeitos, seus diálogos e suas ações. A enunciação se
desenvolve com a mudança de posição de referência. As vozes dos
sujeitos, suas enun- ciações, são marcadas segundo o lugar que
cada um ocupa no espaço de sinalização, estando o narrador no
centro do raio do semicírculo e os demais participantes da
interação nas periferias, quer dizer, à esquerda e/ou à direita do
narrador.

7 As exceções dessa construção sintática no espaço são o tópico e o foco, por


exemplo, que são construídos pela expressão facial. Sobre isto, ver: Pizzio (2006).

Língua Brasileira de Sinais – Libras


Língua Brasileira de Sinais – Libras

Assim, o sinalizador estará sempre no centro do espaço e


poderá produzir os sinais na direção do referente ou, ainda, levar os
olhos na- quela direção para marcar o espaço. Porém, de acordo
com Massone (1993), o lócus referencial das pessoas do discurso
não é fixo, ele se alterna continuamente dentro do espaço
sinalizador, dependendo do contexto em que se encontra. Então, se
por ora o sujeito referenciado aparecer à esquerda do narrador –
centro do semicírculo – e por ora aparecer à direita, não haverá
comprometimento da clareza de informa- ção, até porque as
alterações do lócus não ocorrem aleatoriamente, mas, sim, de
acordo com a organização interna do discurso.
Tomemos como exemplo para análise da construção sintática
um texto que trata do fato de que o prefeito Paulo Maluf e o
senador Amin foram visitar a cidade de Joinville. Na ocasião,
estavam em comitiva, em cima de uma caminhonete, e guiaram
durante uma hora uma gran- de carreata pelas ruas. O dia estava
muito quente e, por isso, os polí- ticos suavam bastante, enquanto
acenavam para todos. No comício, as lideranças locais falaram
108 primeiro, seguidos de Maluf e de Amim. Maluf foi sucinto em seu
discurso e quando Amim – o careca – tomou a palavra, disse que
discursaria tão rápido quanto havia feito seu ami- go. Porém, sua
fala perdurou muito tempo, o que fez com que Maluf comentasse
com os políticos que estavam à sua volta: “– Imagine se ele não
fosse careca!”
Considerando que esse texto se caracteriza como uma
narrativa, ao começar a sinalizar, a pessoa assume o papel de
narrador e a produ- ção dos seus sinais será no espaço neutro, bem
ao meio do círculo de sinalização. Quando esse narrador deixa de
contar os episódios gerais e passa a dar voz a algum personagem
em específico, o sinalizador aponta para um lugar a sua direita ou
esquerda para marcação do espaço a ser ocupado pelo referido
sujeito. Esse espaço será fixo enquanto houver ação ou fala dessa
mesma pessoa.
Outra forma de o sinalizador construir a voz do personagem é
por meio do processo chamado anafórico. Esse processo é a
incorporação do personagem e a elaboração do discurso direto.
Nesse sentido, se houver um diálogo entre dois personagens, o
sinalizador toma primei- ramente o lado direito, por exemplo,
sinaliza a fala desta pessoa na di- reção de onde está a outra, ou
seja, com seu corpo voltado à esquerda. Então, quando for a vez do
p ersonagem que está à esquerda falar, o

FAEL
Capítulo 2

sinalizador se coloca deste lado, mas com uma inclinação de tronco


à direta – como se estivesse olhando para quem fala – e sinaliza.
Além de organizar o espaço de sinalização para marcar o lugar
de quem fala, o sinalizador precisa destinar um lugar específico para
outras referências, por exemplo, a carreata e a comitiva. É interessante
observar que, na Libras, os verbos direcionais – como é o caso de
andar – instau- ram uma necessidade eminente de movimento,
marcando a direção de origem e destino da ação expressa pelo
verbo direcional. No caso sob análise, a comitiva vai andar de um
ponto definido pelo sinalizador até o outro no espaço, entretanto,
este espaço não pode invadir o espaço anteriormente definido para
os personagens já apresentados.
No entanto, quando há necessidade de alocação de outros
sujeitos no mesmo espaço que está sendo ocupado por objetos, há
facilmente uma desconstrução desse primeiro espaço. Nesse caso,
o espaço da co- mitiva se desfaz e dá lugar à presença de um grupo
de políticos e asses- sores. É interessante notar que há prevalência
do sujeito em relação ao objeto nas enunciações, ou seja, quando é
109
preciso lançar mão de mais de uma construção espacial, se faz
priorizando as pessoas do discurso e não as coisas e objetos nele
envolvidos.
Durante a tomada de voz de cada um dos personagens discur-
sivos, há necessidade de se fazer uma organização sequencial. Para
tanto, se pontua – com os números não quantitativos – a ordem de
fala. Nesse momento, há construção das enunciações de cada um,
utilizando-se da direção do olhar como um recurso identificador do
sujeito. Assim, enquanto Amin fala ao público, a sinalização é
proje- tada para frente. Quando Amin fala ao prefeito, a sinalização
é feita na direção do espaço marcado para esse personagem e o
último mo- vimento de ombros, bem como a direção do olhar é
para um terceiro espaço – do grupo de políticos.
Dessa feita, destacamos que, na Libras, há a possibilidade de
fazer a diferenciação das vozes ao longo do discurso mediante
movimento de ombros e incorporação do personagem, pelo contato
ideário com o interlocutor colocado no espaço referenciado a ele e,
ainda, por meio de uma marcação sinalizada, expressa pelas duas
mãos passando da direita para esquerda, como se estivesse limpando
a fala dita até então e dando lugar a uma nova enunciação.
Língua Brasileira de Sinais – Libras
Língua Brasileira de Sinais – Libras

Agora que já conhecemos os tipos de frases, a ordem dos


consti- tuintes e a forma de organização dos elementos no espaço,
passemos à exemplificação. Para tanto, relacionamos a seguir
alguns adjetivos da Libras, para depois os colocarmos em frases
comparativas.

110

FAEL
Barulhento Bobo Bondoso

Confuso Chorão Bruto

Corajoso Infantil Engraçado


Capítulo 2

Fofoqueiro Famoso Egoísta

Pensando numa construção frasal temos: João é mais bobo do


que Maria. Em Libras, temos que destinar um espaço de
sinalização, por exemplo, à esquerda, para escrevermos com o
alfabeto manual “João”. Imediatamente, destinamos outro espaço de
sinalização, oposto ao pri- meiro, para escrevermos o nome “Maria”.
Em um segundo momento, há um apontamento para o espaço onde
foi colocado o primeiro perso- nagem, com a intenção de dizer
“ele”. Então, fazemos o sinal de “mais8 bobo” e, na sequência, 111
colocamos o marcador “do que” (conforme a figura a seguir) na
direção do espaço do João para o espaço da Maria. Contrariamente,
se o marcador comparativo for sinalizado da direção do espaço da
Maria para o espaço em que se encontra João, haverá inversão da
informação. A mesma forma de construção frasal ocorrerá na utiliza-
ção de qualquer adjetivo ou para suscitar qualquer tipo de
comparação.

Do que

8 Há muitos sinais que podem significar mais. Na seção destinada à semântica,


explica- remos cada um deles.
Língua Brasileira de Sinais – Libras
Língua Brasileira de Sinais – Libras

Flexibilidade da Libras
A Libras é uma língua flexível, e isso pode ser demonstrado
pela “junção” de categorias gramaticais em sua expressão e
composição. Para ilustrar a flexibilidade da Libras, escolhemos
tratar da temporalidade, pois tal nos permite entender esta
característica. Tanto aspecto quanto tempo são noções que se
referem à temporalidade dos eventos, porém, sob diferentes
perspectivas.
A conceituação mais básica de tempo é que ele é uma
categoria gramatical dêitica, que expressa o momento em que ações
verbais acon- tecem e, por isso, pode definir a existência de três
tempos linguísticos: presente, passado e futuro. Sobre questões como
essas e outras peculiari- dades teóricas da conceituação da categoria
tempo, há uma vasta litera- tura, na qual encontramos diferentes
abordagens e discussões dos auto- res. É o caso, por exemplo, de
Benveniste (1989), que diz que o tempo linguístico é aquele que
realiza o tempo do homem, instaurando-o em um discurso, levando
112 em consideração o momento da fala como ponto de referência para
situar os acontecimentos. Para esse autor, o tempo linguístico é
singular por ser organicamente ligado ao exercício da fala, ao fato
de se definir e de se organizar como função do discurso. Cada vez
que um locutor emprega a forma gramatical do presente, ele situa o
acontecimento como contemporâneo à instância do discurso que o
menciona. Nesse sentido, todo discurso instaura um agora que
equivale ao momento da enunciação, o qual transcorre no tempo
presente lin- guístico, em que existe uma concomitância entre o
evento narrado e o momento da narração; e um agora em que
acontece a não concomitân- cia, a qual se divide em anterioridade e
posterioridade ao agora.
Podemos citar, também, autores mais recentes, como Fiorin,
que postulam três momentos relevantes na constituição do tempo:
momen- to da enunciação (ME), momento de referência (MR) e
momento do acontecimento (MA). Fiorin (2002) afirma que a
temporalidade ins- taurada pela língua refere-se também às relações
de sucessividade entre estados e transformações, representadas no
próprio discurso. Com isso, o autor aponta para a existência de dois
sistemas temporais: o enun- ciativo, relacionado diretamente ao
momento da enunciação (ME) e organizado em função do presente
que já está implícito na enunciação; e o enuncivo, ordenado em
função de momentos de referência (MR) instalados no enunciado.
FAEL
Capítulo 2

Há que se destacar, entretanto, que Reichenbach (1947) tem


sido o grande marco teórico e que suas postulações têm servido de
base a outros estudos acerca do tempo. Esse autor analisa a lógica
da mani- festação temporal e realiza uma interpretação linguística
da categoria tempo com base em três conceitos: momento de fala,
momento do evento, momento de referência. Tal representação
objetiva organizar as manifestações temporais das línguas naturais,
para então localizar os acontecimentos no eixo temporal.
Dessa forma, em relação ao momento da fala, o momento do
acontecimento pode se nortear de modo anterior, simultâneo e pos-
terior, dando a representação de passado, presente e futuro. Por
meio do momento de referência – em relação ao qual o momento
do acon- tecimento também se norteia em termos de anterioridade,
simultanei- dade e posterioridade – podemos obter codificações
mais complexas, uma vez que o próprio momento de referência se
norteia em relação ao momento de fala. Os três conceitos de tempo
dados por Reichenbach (1947) podem ser aplicados a quaisquer
línguas, porém, sua expres- sividade se dará por expedientes
linguísticos distintos. Nesse sentido, passaremos à demonstração de 113
algumas possibilidades de expressão do tempo na Libras.
Na Libras, assim como em outras línguas, o tempo pode ser
ex- presso por operadores temporais específicos na sentença: passado,
pre- sente, futuro. Por exemplo, para o tempo passado, conforme
figura a seguir, existe um marcador temporal específico, que é
formulado com a configuração de mão no espaço próximo ao
ombro e com movimento dos dedos para trás.
Passado

Língua Brasileira de Sinais – Libras


Língua Brasileira de Sinais – Libras

É interessante observar que esse sinal não segue as antigas


relações de que sinais produzidos para trás do ombro estão no
passado, pois para denotar a ideia de posterioridade ao momento da
fala é preciso também que o sinal seja produzido para baixo. Nesse
caso, o operador temporal específico obedece ao critério “para trás
e para baixo9” para, então, re- meter ao referido tempo linguístico:
passado.
O presente é definido pelo marcador temporal agora/hoje, que é
sina- lizado com ambas as mãos abertas, dedos juntos, palmas
voltadas para cima e com um movimento simultâneo de aproximar e
afastar as mãos, de modo que os dedos mínimos quase se tocam e
paralelamente se distanciam.
Agora / hoje / presente

114

O futuro é sinalizado com o marcador temporal de futuro.


Con- forme vemos na figura a seguir, o sinal é produzido com a
configuração de mão em f, sendo que o posicionamento inicial da
mão é no espaço neutro na altura do rosto e o movimento
produzido é de afastar a mão em direção diagonal à frente, de
Futuro

modo que fique longe do rosto:

9 Se não for produzido dessa forma, ou seja, se o sinalizador fizer os movimentos para
cima e/ou para frente, haverá um fenômeno agramatical.
FAEL
Capítulo 2

Esses três sinais são os principais marcadores dos conhecidos


tem- pos linguísticos: passado, presente e futuro. Porém, como a
língua é um sistema dinâmico e flexível, sua temporalidade vai além
dos estabeleci- mentos tradicionais de tempo e se ocupa, também,
da marcação interna aos eventos. Isso significa que, dependendo da
posição em que os sinais de passado e futuro estejam na frase,
eles podem estar demonstrando intervalos que ocorrem no passado.
Nesse sentido, haverá denotações de “posteriormente” ou “antes
disso”, referindo-se a situações já ocorri- das, conforme podemos ver
nos exemplos a seguir.
● “Eu ano 2000 casar futuro nascer filho 2003.”
O sinal destacado demonstra intervalo que ocorreu no
passa- do, sua leitura, portanto, é de posteriormente.
Tradução: “Eu me casei em 2000 e posteriormente nasceu
meu filho”.
● “Eu ano 2000 casar passado 3-anos namorar.”
A palavra em destaque demonstra intervalo que ocorreu no
passado, sua leitura, portanto, é de antes disso.
Tradução: “Eu me casei em 2000, antes disso, namorei três
anos”. Sabemos que a Libras possui uma morfologia flexional que 115
empre-
ga variação no movimento do sinal e que, com isto, é capaz de
expressar
conceitos diferentes do sinal raiz. Assim, se o sinal de passado
sofrer ampliação dos movimentos dos dedos para o braço e houver
um afasta- mento do cotovelo, além do reforço na expressão facial,
será denotado passado distante. Tal variação pode acontecer em
níveis distintos e ca- racterizar uma gradação temporal, ou seja, é
possível que a diminuição do movimento somente para a ponta dos
dedos, com uma aproximação do cotovelo ao tronco do sinalizador
e, também, com uma expressão facial reduzida, gere o sinal de
passado recente.
Passado recente

Língua Brasileira de Sinais – Libras


Língua Brasileira de Sinais – Libras

Passado distante

Quando ocorrem flexões morfológicas via alteração do


movimen- to do sinal presente, temos a variação para
imediatamente/já/neste instante. Sua realização se dá com o
aproximar das mãos e com movi- mentos mais rápidos, curtos e
abruptos. Se o movimento for “neutro” e mais repetido, a leitura é
de agora/hoje/presente/atualmente.
116
Imediatamente

Essa mesma flexão morfológica, por meio de alteração de


movi- mento, se dá para o sinal de futuro, conforme vemos nas
imagens a seguir. O sinal de futuro, sendo ampliado com
alongamento do braço para frente e a expressão facial com reforço
no olhar ao longe, caracteri- za-se por futuro distante. Se ocorrer a
diminuição do alcance do braço e uma expressão facial menos
intensa, obtém-se o futuro próximo.
FAEL
Capítulo 2

Futuro próximo Futuro distante

Além desses três sinais principais – passado, presente e futuro Língua


Brasilei
–, há outros que podem expressar a categoria tempo. São os sinais ra de
adverbiais: ontem, antes, depois, sempre, nunca, anteontem, Sinais
amanhã, semana passada, próxima semana. Quando esses itens –
Libras
lexicais aparecem na frase, normalmente, eles são inseridos no
início da narrativa e servem para “conjugar” o tempo de toda a
sentença. Assim sendo, o pressupos- to da temporalidade marcada
inicialmente é mantida até que apareça outro marcador temporal.
Esses advérbios geralmente vêm no começo da frase, mas também
podem aparecer no final. Com fim elucidativo, seguem as imagens
de ontem e anteontem:

Ontem Anteontem
117
Língua Brasileira de Sinais – Libras

Além de o tempo na Libras ser marcado por operadores


temporais, por flexão e por advérbios, ele também conta com
expressões quantiza- das para sua realização. Numa sentença como
“Ana estudar até quarta série” vemos que o emprego do sinal
quarta série é um quantificador que expressa o tempo de estudo,
ele serve como um limitador. No en- tanto, a expressão da
categoria tempo na Libras não conta apenas com léxicos específicos
para sua realização, pois muitas vezes é preciso recor- rer a aspectos
pragmáticos para a interpretação temporal. Finau (2004) apresenta
a teoria da análise pressuposicional para justificar a leitura
temporal de sentenças que não contenham operadores temporais
espe- cíficos, advérbios ou quantificadores.
Tal teoria postula que, mesmo não havendo marcas temporais
ex- plícitas (operadores ou flexões) no discurso do falante, é possível
perce- ber o tempo, principalmente pelo conhecimento
compartilhado entre os interlocutores. A leitura de tempo durante o
ato conversacional ou discursivo pode ser estabelecida por
pressupostos da pragmática gene- ralizada, o common ground
(conhecimento compartilhado pelos falan-
118 tes). Isso implica em conhecimentos de mundo que os
interlocutores compartilham e que possibilitam uma flexão
semântica para os verbos e as devidas distinções temporais, conforme
observado no exemplo: “Na- morar, conversar, futuro casar”.
Tradução: “Namoraram, conversaram e no futuro casaram”.
A análise subsequente, desse exemplo colocado por Finau
(2004), é de que a referência temporal é dada de modo implícito,
provavelmen- te, pela sequência discursiva para a narrativa. Nas
palavras da autora:
O locutor pode se valer da suposição de que seu
interlocutor tenha como familiar, em um dos seus mundos
possíveis, que é preciso namorar, conversar, para depois se
casar. Esse co- nhecimento compartilhado hipotético
auxilia a interpretação temporal dos eventos (FINAU,
2004, p. 140).

Quer dizer, o falante escolhe significados restritos à sua língua


que podem ser presumíveis pela inferência do outro e, assim,
acontece a res- trição temporal. Finau (2004) coloca que há, nessa
teoria, três princípios norteadores de escolhas de seleção linguísticas
que o falante opera. Esses princípios, chamados também de
heurísticas, compõem uma organiza- ção interpretativa dos
enunciados. Para Levinson apud Finau (2004), as

FAEL
Capítulo 2

determinações temporais dadas a partir de implicaturas conversacionais


generalizadas são:

● O que não é dito não é.


Essa heurística propõe um contraste na restrição da
seleção do que é dito e do que não é dito. Então, se há
ausência de determinado fator temporal, este elemento
ausente não po- derá ser o escolhido para a interpretação
da estrutura frasal. Se não foi dito, não deve estar presente
na interpretação tem- poral. Assim, Finau (2004) aplica
essa heurística para Libras e diz que se a sentença não
apresentar o sinal futuro, a sen- tença não pode ser
interpretada estando no futuro.

● Aquilo que é simplesmente descrito é um exemplo este-


reotipado.
Esse é o princípio que trata das ampliações interpretativas
fei- tas pelo interlocutor, ou seja, se recebe uma descrição
mínima ele traz à tona, na conversação, todo seu 119
conhecimento de mundo e tem, dessa forma, uma
interpretação maximizada. Em Finau (2004) vemos que,
de acordo com os estereótipos dados, no caso da Libras
podem ser os sinais futuro, passado, hoje/agora.

● Aquilo que é dito de uma maneira anormal, não é


normal.
Essa é a heurística que viabiliza a interpretação
aspectualizada para marcadores que sofrem alteração
morfológica. Isso quer dizer que, se um sinal foi
flexionado por meio de alteração no parâmetro
movimento, ele revela “algo a mais” do que sua
lexicalidade permite expressar. É o caso do sinal passado
que, quando flexionado, tem um significado a mais no
enunciado, pois não foi dito de uma forma normal.
São as heurísticas de Levinson (apud FINAU, 2004) que, apli-
cadas ao estudo da temporalidade na Libras, permitem multiplicar
o conteúdo informacional de qualquer sentença, considerando a
concor- dância implícita entre os interlocutores. Para Finau (2004),
esses três princípios norteiam o status da interpretação do tempo
das sentenças.

Língua Brasileira de Sinais – Libras


Língua Brasileira de Sinais – Libras

Aspectos semânticos da Libras


Toda língua tem uma semântica implicada em seus itens
lexicais. No português, por exemplo, temos diferentes palavras que
são capazes de representar, basicamente, a mesma ideia. É o caso,
por exemplo, das palavras casa, moradia, lar, abrigo, residência,
sobrado, apartamento e cabana. Apesar de terem suas
especificidades, todas elas representam a ideia de lugar onde se
mora. Logo, trata-se de uma família de ideias. Por outro lado, há
palavras que não têm esta possibilidade dúbia de expressão, que
têm seu significado restrito a determinado contexto que, se
empregado em outro, pode caracterizar uma comunicação truncada.
Poderíamos citar como exemplo os casos de desentendimentos de
deta- lhes, como no discurso abaixo reproduzido:
Esposa: – Amor, que horas você volta?
Marido: – Ah... daqui a pouquinho eu to aqui.
Quatro horas depois...
120 Esposa: – Ué! Você não falou que voltava
logo? Marido: – Mas eu não vim logo?
Esposa: – Não, você
demorou. Marido: – Não
demorei.
Esposa: – Demorou sim. Você disse que daqui a pouquinho
estava de volta, eu pensei que fosse demorar uns vinte
minutinhos...
O “problema” no discurso acima se deu devido a uma
discordância quanto ao entendimento, quanto ao significado,
quanto à semântica da expressão “daqui a pouquinho”.
Especialmente por estar no diminuti- vo, essa expressão ganha um
sentido de pouco tempo, de brevidade no espaço temporal e, de
fato, para quem está à espera de alguém, qua- tro horas é muito
tempo. Podemos, assim, inferir que pouco tempo se aproxima de
uma quantidade determinada de minutos e nem chega a completar
o ciclo de uma hora do relógio. Claro que, nesse caso, esta- mos
descartando o significado de tempo para cada um dos envolvidos
no processo, estamos apenas brincando com uma situação que é
recor- rente no nosso cotidiano.

FAEL
Capítulo 2

Esse mesmo fenômeno acontece na Libras. Há sinais que, se


pro- duzidos em determinados contextos, tornam-se mais
adequados do que em outros, pois – mesmo sendo entendidos –
podem gerar certo “estranhamento” ao interlocutor. Essa relação
entre significado e sig- nificante (o sinal) da Libras não é análoga à
relação de significado e significante (palavras) da língua
portuguesa.
A palavra “especial” é usada no português para definir algo ou
al- guém como muito peculiar, privativo, singular, exclusivo, fora
do co- mum, excelente, notável. Já na Libras, esse sinal não é
muito usual em contextos relacionados às pessoas. Assim, em uma
frase como “Você é muito especial para mim” ou “Esta criança tem
necessidades especiais”, deve haver a sinalização de outro item
lexical que equivalha a este termo do português, como: importante
no caso da primeira sentença e coisas próprias no caso da
segunda.
O sinal de especial é empregado na Libras em contexto de
defini- ção bela sobre algo ou alguém, de beleza que se destaca tal 121
qual o brilho em meio à escuridão, que se ressalta sobre os olhos.
Quando um surdo usa o sinal de especial para alguém, ele não está
querendo dizer que esta pessoa é importante em sua vida, mas está
querendo destacar qualidades que se deslumbram para ele, quer dar
ênfase a uma vivacidade notória. Isso significa que especial, na
Libras, tem uma conotação mais “concre- ta” do que em português,
está mais relacionada às coisas que se vê.

Especial
Língua Brasileira de Sinais – Libras
Língua Brasileira de Sinais – Libras

Esse tipo de especificidade de uso ocorre também com o sinal


de educação, que não tem correspondência com a palavra na
língua por- tuguesa. Há expressões como “educação especial” ou
“educação de sur- dos” que, se sinalizadas como a seguir, podem
não se adequar seman- ticamente, pois em Libras a melhor forma
de representação desta ideia seria o uso do sinal de ensino, já que
educação tem um cunho mais comportamental para os surdos.

Educação Ensino

122
Algo semelhante se dá com o sinal de famoso. Em Libras, seu
emprego não está relacionado só ao fato de uma pessoa ser muito
co- nhecida, mas também com uma grande habilidade que ela
possua. Há a possibilidade da seguinte construção na Libras: “Ele
Libras famoso”.

Famoso

Essa frase está invocando a informação de que a referida


pessoa é muito fluente, muito proficiente na sinalização, que é
muito habilidoso na área da Libras. Em português, não há o
emprego desse termo para definição do conceito.
FAEL
Capítulo 2

Há inúmeros sinais dessa natureza para serem detalhados,


mas encerramos por aqui nossas exemplificações e passamos ao
estudo da polissemia.

Polissemia
Vamos pensar na polissemia em Libras de duas maneiras: a versão que
o português impõe aos sinais da Libras e a versão que os sinais da Libras
impõe ao português. Começando pela primeira maneira, vamos pegar uma
mesma palavra e ver as várias possibilidades de sinalização, dependendo do
contexto de realização. A palavra mais pode ser sinali- zada das seguintes
formas se os contextos de realização implicarem nas informações
correspondentes:

Sinal para marcar a ação de


somar, numericamente falando, Sinal para marcar a ação de
operações matemáticas. comparação em relação a algo,
no sentido de “maior”.
Exemplo: 2 + 2.

123

Sinal para marcar a ação de jun- Sinal para marcar a ação de “mais
tar, aproximar, acrescentar. uma vez”, de repetição.

Língua Brasileira de Sinais – Libras


Língua Brasileira de Sinais – Libras

Sinal para marcar Sinal para marcar a ação de Sinal para marcar
a necessidade de comparação absoluta, como a necessidade de
continuidade no se houvesse um destaque aumentar o som.
percurso. de maioridade, daquele que
está acima de todos.

Em relação à segunda maneira, faremos o contrário, ou seja,


124 pegaremos um sinal da Libras e averiguaremos as possibilidades de
tradução para o português. Agora temos um único sinal que pode
denotar várias palavras no português: ocupado. Esse sinal também
pode significar sentido de ocupado, sentido de não posso,
sentido de advertido.

Ocupado

FAEL
Capítulo 2

Da teoria para a prática


Para trabalhar, minimamente, com a estrutura gramatical da
Li- bras, o professor pode realizar algumas brincadeiras em sala de
aula, como as seguintes:
1. Entregar as 64 configurações de mão aos alunos e pedir
que, a partir delas, eles pesquisem cinco sinais que se
realizem da mesma forma.
2. Colocar a expressão “Vendo vozes” no quadro e verificar
quem consegue melhor interpretação semântica para ela.
3. Pedir aos alunos para sinalizarem a frase “Fui de São
Paulo a Curitiba”, para ver se entenderam que os verbos
de movimen- to se realizam com concordância com o
local, e que deixam a marca do seu trajeto. Verificar se
sabem separar os espaços para cada elemento, se São
Paulo ficará em um espaço, Curi- tiba em outro espaço, e
se realizam o sinal de avião fazendo o percurso do espaço
de São Paulo a Curitiba. 125

Síntese
Neste capítulo, nos debruçamos sobre a gramática da Libras e
olhamos, detalhadamente, para cada um dos seus níveis de análise
lin- guística, a fim de proporcionar ao leitor um conhecimento das
“partes” da língua.
No nível fonológico, observamos que a Libras apresenta três
pa- râmetros principais: localização, configuração de mão e
movimento. Quanto à localização, observamos sua realização no
espaço neutro e no corpo. Quanto à configuração, vimos as
possibilidade de formação de sinais a partir de apenas uma mão, de
duas mãos com formas diferentes ou, ainda, de duas mãos com
formas iguais. Quanto aos movimentos, conhecemos suas seis
possibilidades principais. Ainda com relação ao nível fonológico,
destacamos a existência de pares mínimos e de pa- râmetros
secundários para realização dos sinais: orientação da mão e
expressão facial.
Língua Brasileira de Sinais – Libras
Língua Brasileira de Sinais – Libras

Na análise morfológica, evidenciamos as possibilidades de forma-


ção de sinais a partir de morfemas presos e livres, e discutimos
questões pertinentes à formação de palavras, classificação de
palavras, tipos de verbos e os dois tipos de flexão: nominal e
verbal.
Na parte sintática, trouxemos a questão dos tipos de frase,
ordem dos constituintes, organização espacial e a flexibilidade da
sentença da Libras. Finalizamos o capítulo com uma pequena
abordagem quanto à semântica implicada nos sinais da Libras.

126
FAEL
Implicações
sociais da
surdez
3
N este capítulo, apresentaremos um panorama geral sobre
que
a
pes
as relações sociais que são estabelecidas a partir da experiência da
surdez. Nesse sentido, abordaremos as configurações dos soa
relacionamentos pes- sur
soais (casamento e filhos), as relações de amizade (associação de da
surdos, Feneis) e cultura (cinema, arte). Disso tudo, destacaremos a pre
subjeti- vidade inerente, ou seja, olharemos para o que é cis
impregnado no sur- do a partir de tais vivências: sua identidade e a
cultura. Com relação à escolaridade da pessoa surda, partimos da ser
premissa de que Libras é sua primeira língua e, portanto, deve vist
fazer parte da instrução recebi- da, em qualquer espaço que se for. a
Partindo disso, entendemos que a necessidade de saber o português na
é urgente e esta pode ser sanada com métodos específicos de sua
segunda língua, sendo que, para tal enfoque, destacam-se os rela
processos de leitura e escrita. ção
co
ma
As relações sociais do surdo soc
Analisando sob a perspectiva de que a surdez está inserida e ied
consti- tuída em ambiente e mundo visual, é possível refletir sobre a-
o modo de como as pessoas surdas conseguem interagir com a de,
sociedade e garantir sua participação ativa. Por meio da Libras, a
podemos pensar que elas se inserem e retêm conteúdos visuais sob sur
a forma de expressão. Diante disso, a vida de uma pessoa surda dez
tem peculiaridades distintas em re- lação à vida de uma pessoa co
ouvinte. Ter peculiaridades diferentes não significa, mo
necessariamente, ser melhor ou pior, mas, sim, ser. É desse modo car
acterística que compõe a própria diversidade e a individualização
do ser humano em sua constituição.

127
Língua Brasileira de Sinais – Libras

Pensando por esse viés, podemos perceber como ocorre, para o


surdo, um ritual que em nossa sociedade é muito comum: a questão
da união conjugal. Para a maioria dos surdos, poder celebrar essa
união tem um significado muito relevante, pois permite ter contato,
diálogo e participação com o outro. Isso porque, muitas vezes, seus
pais não têm participação ativa em suas vidas, devido à barreira da
comunicação, cul- minando em um viver bastante comprometido e
problemático. Frente à convivência em família, acaba sendo natural
que ocorra uma comuni- cação em que haja gestos e falas oriundas
deste contexto, formalizando a relação. E no que tange à
transmissão de conteúdos concernentes a valores, princípios e
comportamentos de vida, acaba por ser deficitária devido à
comunicação que, do mesmo modo, fica assim caracterizada. O
significado da união com o outro representa algo diferente, pois vai
em direção oposta a tudo que aprendeu e viveu. O que antes era
com- prometido e problemático, por não haver clareza na
comunicação, a partir desse momento, torna-se algo natural, porque
o surdo se une a quem conhece a língua de sinais, independente de
128 ser ou não surda.
Como fruto dessa comunhão, acaba por virem os filhos, e
como a surdez não é hereditária, eles poderão ser ouvintes
(havendo exceções em que pais surdos concebem filhos da mesma
natureza). Uma situa- ção que pode acontecer é uma adequação em
relação aos pais surdos e filhos ouvintes em que, o filho, acaba por
não ser estimulado e não desenvolve a audição e a fala. Isso é
compartilhado mundialmente por essas pessoas e, devido à grande
quantidade de filhos que se inclui nessa
Saiba mais categoria, criou-se uma organi-
Os casamentos de surdos (com pessoa surda
zação internacional destinada a
ou ouvinte), normalmente, são discutir questões conflitantes,
acompanhados de tradução, já que o pois interagir simultaneamente
celebrante (pastor, padre, juiz) não consegue em culturas diferentes não é
estabelecer uma comuni- cação com os algo simples, exige empenho e
noivos, tão pouco consegue ex- pressar os refor- mulação daquilo que se
votos na língua oral. O profissional intérprete apreen- deu. Essa organização,
deve se colocar em frente aos noi- vos, ao destinada também às pessoas
lado do celebrante. Caso haja surdos na
que possuem uma realidade
plateia, a presença de mais um intérprete é
semelhante quan- to a ser filho
recomendada. O traje do profissional deve
ser o mais discreto possível para não ofuscar de pais surdos, ca- racteriza-se
o glamour que envolve o casal. pelo nome de Coda (children
of deaf adults).

FAEL
Capítulo 3

A maioria das pessoas que participa dessa organização tem a


au- dição preservada, no sentido biológico, mas frente ao contato
com surdos ou suas comunidades, com a convivência constante e
indireta em viagens, passeios, consultas, compras, acabam por
praticar e, como consequência, aprender a língua de sinais.
Somente quando essas pes- soas vão para a escola é que se inicia o
processo de aprendizagem do português. Com isso, elas desenvolvem
habilidades que são específicas do surdo, criando assim uma
identidade como a deles. Para Perlin (2004), as identidades surdas
são construídas mediante as possíveis representações da cultura
surda, pois esta vai ser moldada de acordo com o grau de
receptividade cultural assumida pelo sujeito. Um exem- plo bem
comum é que, para eles, o normal é ser surdo. Pensar em ser
ouvinte é algo bem estranho, consideram a tranquilidade da comu-
nicação em Libras algo bem acessível, enquanto o português, nada
muito comum. Quando acontece um diálogo de filhos ouvintes de
pais surdos, estes se utilizam de alguns sinais no meio da conversa,
pois entendem que, desta forma, conseguem se expressar com
maior clareza em relação ao português. 129
Os Codas procuram desenvolver o olhar como meio de
referência, assim como os surdos fazem, pois, para ambos, a
profundidade no con- tato visual desenvolve sua subjetividade e
possibilita impressões acerca do olhar. Os filhos entendem que a
possibilidade de ver as coisas, ver tudo que há no mundo é algo
muito bom e, por conta deste sentido es- timulado, mesmo sendo
ouvintes, conseguem não ouvir quando estão em um ambiente com
alta sonorização (volume alto de TV ou rádio). Eles conseguem
ficar insensíveis a tudo isso, o que para os ouvintes “normais” –
ouvintes de pais ouvintes – seria uma tarefa bem difícil. Outro
exemplo disso é quando querem se comunicar e batem o pé no
chão. Por meio da vibração, é possível estabelecer contato com a
outra pessoa que, porventura, está no quarto ao lado e, ambos
surdos e Co- das, conseguem reagir bem ao estímulo recebido.
Os surdos têm uma forte potencialidade para sentirem as
vibrações do ambiente e, por isso, é comum que adolescentes e
jovens surdos frequentem as baladas e dancem por muito tempo.
Eles conseguem acompanhar os ritmos musicais somente pelo que
seu corpo sente. A vibração é tão poderosa no corpo como o som é
no ouvido.
Língua Brasileira de Sinais – Libras
Língua Brasileira de Sinais – Libras

Saiba mais
No Brasil, há uma banda conhecida como
Isso significa que o Coda
Surdodum, que trabalha com Olodum tem um ouvido seletivo,
para surdos, um ritmo musical que acentua capaz de não processar alguns
a vi- bração dos instrumentos. Sobre isso sons em sua mente. Por outro
consultar: lado, seus olhos possuem uma
<http://www.clubedochoro.com.br/index2.
sensi- bilidade muito grande,
php?option=com_content&do_pdf=1&id=75>.
Há, também, outros ritmos que os surdos
dando a eles a possibilidade
dançam, como os que tocam nas raves. Já de se aten- tarem a tudo, pois
existem festas especiais para surdos. Sobre ver significa muito para eles.
esse assunto acesse: <http://super.abril.com.br/Não muito di- ferente dos
superarquivo/2004/conteudo_333010.shtml>. surdos, quando os Codas
utilizam estratégias para não
conversar, fecham os olhos
ou desviam o olhar, fato este que ocorre independente da pessoa ter
ou não surdez.
Pensar no processo de construção da identidade surda da
pessoa que é ouvinte não seria algo tão complexo se somente
houvesse co- munidades que partilham do mesmo sentimento.
130 Porém, a realidade não é bem assim. Essas crianças que falam
Libras desde a infância e que enxergam a surdez como constituição
cultural, social e política irão precisar de um ambiente com
características diferentes destas, no caso, a escola. Para Skliar
(2001), a escola deve ver o sujeito como instrumen- to/meio de
produção de sentidos e aplicar seus diversos mecanismos de
atuação para impor saberes, culturas, valores e identidades.
Nesse ambiente dotado de pessoas que, certamente,
desconhecem essa língua e as questões que envolvem a surdez, as
crianças acabam sendo concebidas como deficientes e, devido a tal
visão, os membros da escola estabelecem relações pouco íntimas
com os alunos e seus pais. Comumente, os pais do Coda não
recebem convites para eventos esco- lares ou quando o filho não
apresenta bom rendimento escolar, devido à dificuldade quanto à
comunicação, pois nessas situações não há nin- guém com
capacidade para estabelecer a interação entre eles.
Diante desse afastamento, a escola estabelece um abismo que a
separa dos pais do aluno Coda. Nesse ambiente, os pais se tornam
seres estranhos, e com isso o prejuízo torna-se presente e
generalizado. A es- cola não consegue atribuir a esses pais a
c ndição de pais, mas, sim, de surdos, cabendo à criança a
o responsabilidade dos pais, porque ela ouve.

FAEL
Capítulo 3

Dessa forma, a criança sente-se ausente de seu mundo, não


conseguin- do estabelecer laços com aquele lugar por causa das
limitações impostas quanto à comunicação, não podendo utilizar a
língua de sinais e rece- bendo cobranças que dizem respeito a
adultos e não a ela.
Outra dificuldade enfrentada pelo Coda que possui identidade
cultural surda é a de que, quando seus pais necessitam de interação
so- cial, o solicitam pela condição auditiva que possui. Frente a
uma gama de informações advindas da televisão, os pais pedem à
criança que in- terprete aquilo que está sendo transmitido. Da
mesma forma acontece com ligações telefônicas, os pais exigem a
tradução daquilo que está sendo falado, ou em consultas médicas,
em que os pais pedem que tudo seja minuciosamente relatado em
sinais, para que possam entender. Tais circunstâncias exigem da
criança esforços psicológicos para mediar uma comunicação que não
condiz com sua idade. Entretanto, sabe-se que as crianças ouvintes
que são filhas de pais surdos (Coda) têm seu processo cognitivo e de
aprendizagem preservados, independentemente do ambiente em que
estejam, em casa ou na escola.
131

Reflita
No meio da comunidade surda, especialmente entre os
intérpretes, é muito comum que o fato de ser Coda seja um
diferencial, um status. Isso porque se julga que se é filho de surdo,
será um excelente sinaliza- dor, e isto procede, considerando que
tais pessoas aprendem a Libras como os surdos – como primeira
língua. Mas daí pensar que estas pes- soas são, automaticamente,
bons intérpretes, não significa depreciar todo um trabalho
estruturado de técnicas tradutórias? Até porque, no Brasil,
existem excelentes intérpretes que não são filhos de surdos e que
conseguiram, por meio de estudos e pesquisa, um bom desen-
volvimento linguístico e técnico. É claro que, se os Codas
desejarem se profissionalizar, eles terão “vantagem” em
detrimento aos demais ouvintes, pois já têm a língua adquirida,
além de serem peritos e mes- tres no quesito identidade e cultura
surda. Porém, a automatização é complicada, pois, conforme
discutimos no texto, a convivência com pais surdos – em alguns
casos – gera algumas consequências sociais

Língua Brasileira de Sinais – Libras


Língua Brasileira de Sinais – Libras

não muito boas para a criança, fato que pode levar ao


desenvolvimento truncado e à falta de domínio do português, e
tais quesitos são muito exigidos do intérprete.

Reflita
Esse é um caso muito específico de pais surdos com filhos
ouvin- tes. Em se tratando de uma situação paralela, em que pais
surdos têm filhos surdos, os problemas que os Codas enfrentam
quanto à família talvez não existissem, pois os estímulos seriam
aceitos de forma natural e o processo de desenvolvimento da
criança seria semelhante ao de uma criança ouvinte com pais
ouvintes.
Skliar (2001) aponta que, dentro da relação pais surdos e filhos
surdos, todas as intervenções ocorrem na língua de sinais. Pais e
filhos se utilizam dela para propor a ação de uma atividade,
compartilhar ou estar em desacordo com propostas e para
132 estabelecer a atividade com objetivo de organizar algum aspecto da
ação. Sendo assim, é possível pensar que a aquisição da linguagem,
em seu processo, ocorre do mes- mo modo em crianças surdas e
ouvintes. Em relação aos Codas, o pro- cesso de aquisição da
língua é idêntico ao de uma criança surda filha de pais surdos,
diferenciando-se apenas se o pai ou a mãe forem ouvintes, pois,
neste caso, o processo se dará de modo bilíngue, em que a criança
aprenderá duas línguas ao mesmo tempo.
De acordo com Grolla (2006), a criança adquire uma língua
natu- ral sem que seja preciso passar por treinamentos intensivos ou
estímulos linguísticos. O simples contato com a língua possibilitará
à criança de- senvolver sua expressividade linguística – os itens
lexicais e a estrutura gramatical que ela já possui de forma inata.
Tal processo irá ocorrer de maneira mais facilitada mesmo na
ausência de uma fala dirigida a ela. A universalidade da aquisição da
linguagem explica que, independente da língua ou do
desenvolvimento das habilidades motoras, como amarrar sapatos
ou desenhar formas geométricas, ocorrerá uma apropriação de
enunciados diversos. Para a autora, no caso das crianças estarem no
mesmo ambiente físico, por mais que os inputs oferecidos sejam
dife- rentes quanto à forma, a língua adquirida será a mesma, além
disso, diz que a aquisição da linguagem ocorre num período curto
d e tempo.

FAEL
Capítulo 3

A criança aprende uma língua, em média, até os quatro anos, que


pois nesta idade dificilmente comete erros sintáticos, já que sabe as não
regras para formação de sentenças e domina as estruturas do ser
idioma. Passada essa fase, no decorrer da vida, o aprendizado com ão
relação à língua se dará mediante a inserção de novas palavras apr
realizadas pelos falantes e, como consequência, a dinâmica da ove
língua. Diante da aquisição da linguagem em que consta a itad
universalidade, a uniformidade e a rapidez, o processo de as
desenvolvimento linguístico e os estágios internos que ocorrem nas
crianças surdas podem ser comparados aos das crianças ouvintes.
Indiferente de sua condição auditiva, toda criança apresenta
com- portamentos semelhantes ao chorar e emitir sons sem
qualquer signi- ficado. Os bebês têm muita sensibilidade, são
capazes de perceber as propriedades fonológicas da sua língua. Com
relação aos ouvintes, estes conseguem perceber aos quatro dias de
idade diferentes tipos de língua, mediante a entonação e o ritmo.
Na sequência, acontece o balbucio oral e, quando chegam próximo
aos seis meses, conseguem produzir um número muito grande de
sílabas e as repetem de forma exaustiva. No caso dos surdos,
começam a balbuciar por volta dos oito meses, com pouca
diferenciação nas sílabas executadas, devido ao retorno au- ditivo
estar ausente. Já com a emissão de sons, tanto a criança surda como
a ouvinte apresentam o balbucio manual.
Meier (2000) aponta que os ouvintes produzem movimentos
com as mãos e conseguem retorno confirmativo de seus pais, assim
como os surdos, que antes de começarem a aprender sinais fazem
balbucios com as mãos. Quadros (1997) reivindica que a
descoberta pela estru- tura fonológica da língua, quer seja
sinalizada ou falada, e as seme- lhanças na sistematização do
balbucio das crianças surdas e ouvintes, indicam que no ser
humano decorre uma capacidade linguística que suporta a
aquisição da linguagem, independente da modalidade da língua:
oral-auditiva ou espaço-visual.
Segundo Emmorey (2002), as crianças surdas, quando chegam
aos oito meses, começam a produzir os primeiros sinais e, neste
processo, alguns deles são descartados, pois são avaliados como
gestos e não como sinais lexicais, portanto, não se encaixam em seu
repertório atualiza- do. É o caso da apontação. Isso ocorre nas
enunciações, de crianças surdas e ouvintes no período de balbucio,
133

Língua Brasileira de Sinais – Libras


Língua Brasileira de Sinais – Libras

pelos surdos para pronominar. De maneira sucessiva, quando a


estru- tura gramatical tiver sofrido maturação, ocorrerá sua
reorganização e aceitação, pois a criança entenderá que a apontação
sofreu modificação e se tornou elemento gramatical. Por certo
tempo, as crianças ouvintes continuam no balbucio e somente
depois partem para a palavra, dife- rentemente das surdas, que têm
essa vivência aos oito meses.
Grolla (2006) acrescenta que, quando as crianças atingem um
ano de idade, a habilidade de identificação de línguas estrangeiras
diminui e concede espaço ao refinamento para sua língua natural.
Então, elas começam a elaborar enunciados com apenas uma pala-
vra – com significado de sentença completa – e conseguem
assimilar pequenas imposições.
Esse início antecipado de elaboração de sinais e o lento
processo do estágio de uma palavra dita, falada, ocorre pelo
desenvolvimento de mecanismos de emissão e recepção linguística,
ou seja, a coordenação motora das mãos evolui de forma mais
acelerada do que a coordenação para o trato vocal e a articulação
para a fala. Da mesma forma, os sons
134 exercem maior dificuldade perceptiva aos ouvidos do que os
movimen- tos espaciais aos olhos.
Emmorey (2002) verificou, em pesquisa com crianças ouvintes
adquirindo, simultaneamente, o inglês falado e a língua de sinais
ame- ricana, que a sinalização foi a primeira a ser adquirida.
Posteriormente, as crianças vivenciam o período das primeiras
combinações, pois, neste momento, conseguem aprender um grande
número de palavras dife- rentes a cada dia, aumentando seu
repertório e elaborando falas pausa- das entre uma e outra palavra.
Conforme Grolla (2006), com um ano e seis meses de idade, as
crianças ouvintes fazem relação semântica – de ordem lexical
como a organização de classes prototípicas – para escolha das
palavras, e a construção das frases se dá na ordem canônica,
apresentando erros naquilo que equivale à conjugação de passado,
pronominalização e outros, que são os indicativos de que ela
entendeu a regra e está se superando. Em Quadros (1997)
percebemos que as crianças surdas, nesse estágio, apresentam
dificuldades para entender os pronomes e, por isso, em diversos
momentos, apontam para o interlocutor se refe- rindo a elas
mesmas, ou vice-versa.
FAEL
Capítulo 3

A pronominalização na língua de sinais é produzida por meio de


apontação, sendo assim, a relação significado e significante não fica
evi- dente para a criança surda que está desenvolvendo a linguagem.
Nesse momento, destacamos que a aquisição possui uma
universalidade, pois, indiferente da modalidade, as crianças ouvintes
utilizam o eu para de- monstrar ou apontar outra pessoa, sendo
verdadeiro, também, o inverso.
Tanto crianças surdas quanto ouvintes, aos três anos de idade,
vi- venciam uma propagação vocabular muito grande, produzindo
frases complexas, como orações relativas e coordenadas, mas pelo
nível ele- vado de dificuldade gramatical, continuam o curso da
aquisição come- tendo pequenos equívocos. Quadros (1997) diz
que a criança surda: não adota pronomes para referentes ausentes
ou o faz incorretamente; não cria correspondência entre a pessoa e
o ponto estabelecido no es- paço; estabelece mais de um referente
num mesmo ponto; comete um excesso de generalização para
concordância de verbos simples seme- lhante à gramática dos
adultos, em que a sequência de concordâncias se dará do mesmo 135
modo.

No Brasil, uma escola de referência no quesito ensino da língua de


sinais a bebês surdos é a Escola Rio Branco, em São Paulo. Nessa
escola entram crianças em tenra idade, que recebem todo um trabalho
de treino visual com adultos surdos, pois as crianças surdas precisam
lançar os olhos para o objeto que está nas mãos de quem fala e
para seu rosto. É um processo diferente da criança ouvinte, pois esta
é capaz de olhar para o brinquedo que está nas mãos do adulto e
ouvi-lo ao mesmo tempo. Então, os olhos da criança surda devem ser
treinados para isso, e somente escolas especia- lizadas são capazes de
suprir o estímulo que não há em casa, no caso dos pais serem
ouvintes. Aos pais, entretanto, é exigida a inscrição em curso de
Libras, pois não convém à instituição ensinar a língua a criança (por
meio de interação e brincadeira) se seus pais não forem capazes de se
comunicar com ela. Sobre esse assunto acessar os links:

<http://g1.globo.com/Noticias/Brasil/0,,MUL732407-5598,00-BEBES+SU
RDOS+DEVEM+APRENDER+LINGUA+DOS+SINAIS+NOS+PRIMEIRO
S+MESES+DE+VIDA.html> e <http://www.ecs.org.br/site/default.aspx>.
Língua Brasileira de Sinais – Libras
Língua Brasileira de Sinais – Libras

Com quatro anos, as crianças surdas dominam a língua de


sinais, sendo que seus pais abordam qualquer assunto com elas,
designando ordens, oferecendo carinho, tratando de assuntos
futuros, etc. Falam sobre tudo, inclusive sobre informes da TV que,
na atual sociedade, é o meio que mais rapidamente comunica,
estando ao alcance de todo e qualquer indivíduo. Essa possibilidade
existe mediante a função closed caption. O termo em inglês possui a
tradução “legenda oculta” e está relacionado a uma função que
muitos televisores possuem, acionada mediante controle remoto.
Esse recurso é recente e, somente em 1980, foi disponibilizado nos
Estados Unidos, vindo para o Brasil um longo período depois.
Atualmente, muitas emissoras não dispõem desse recurso em
toda a programação, mesmo sendo amplamente divulgado que essa
ferra- menta possibilita a acessibilidade de grande parte da
população que tem perda auditiva. Tal ferramenta, além de
promover a interação dos surdos em discussão de grandes temas,
favorece pessoas idosas que apre- sentam alguma diminuição
auditiva. Favorece, ainda, aqueles que são considerados
136 analfabetos, neste caso, ouvintes que, com a utilização do closed
caption, podem relacionar o som das palavras com a legenda,
iniciando, assim, um aprendizado de decodificação, identificando
na palavra escrita o som da fala. Além disso, pessoas que
frequentam aero- portos, shopping centers ou qualquer outro lugar
de acesso público com elevado nível de barulho, em que a televisão
tem seu volume diminuído e não se ouve, a função closed caption
propicia entretenimento, conhe- cimento e informação ao público
em geral.
Apesar de comunicativa, a televisão não é o único meio de
inte- ração e lazer que os surdos gostam de ter. Existem outras
atividades e programações acessíveis. Esse ambiente em que pais
ouvintes e filhos surdos (ou Codas) participam é que denominamos
um espaço de con- vivência da comunidade surda. Essa
comunidade é constituída por um grande número de adeptos, com
perfis diferenciados, como surdos, ou- vintes, intérpretes,
profissionais, familiares, religiosos e outras pessoas com interesses
variados. Porém, aquilo que os evidencia é a utilização da língua de
sinais. Sendo assim, se utilizar a língua de sinais é aquilo que
motiva o ingresso na comunidade, então é provável que existam
surdos que não participem, pois preferem a utilização da língua
falada, por diversos motivos.
FAEL
Capítulo 3

Para que ocorra a constituição da comunidade surda, é as


necessária a utilização da língua de sinais, sendo estabelecida por idei
meio das afini- dades daqueles que a integram. Isso leva a crer que as,
não existe somente uma comunidade surda, mas, sim, diversas as
comunidades, como a da igreja, da escola, do hip-hop, dos líderes e cre
tantas outras que evidenciem sua identidade cultural. Os benefícios nça
advindos da participação do ou- vinte nessa comunidade são s,
vários, como a oportunidade de conhecer o sujeito surdo de perto, os
aprender a língua de sinais e conhecer os cos- tumes e hábitos cos
vivenciados pelo surdo, tanto individualmente quanto em tum
comunidade. es e
os
Aproveitar a oportunidade de conviver com a diversidade
háb
promove um sentido diferente, outra visão, tanto para nós mesmos
itos
como para as outras pessoas. No caso do surdo, isso tem um
do
significado muito grande, pois o coloca em contato com aquilo que
pov
é diferente, já que tem uma vivência isolada em seu mundo, por ser
o
considerado minoria social. O contato com pessoas que se
sur
comunicam em sua língua per- mite que sua diferença não seja
do,
enaltecida, sentindo-se à vontade para expressar seus sentimentos e
car
ideias para aqueles que estão em um nível, uma relação de
act
igualdade.
eriz
Em relação às crianças surdas, a comunidade representa a ado
projeção com o amanhã, a possibilidade de um futuro, pois assi
vislumbra exemplos positivos, surdos adultos interagindo na ma
sociedade. Nesse ambiente, terão a oportunidade de enxergar a si
próprios de forma diferente, não como deficientes, mas assimilando
que existe diferença linguística, sendo neste momento que ocorre a
formação da identidade e cultura surda.
De um modo geral, a cultura representa um conjunto
complexo de conhecimentos, línguas, crenças, arte, moral, leis,
costumes, capaci- dades e hábitos, que faz parte de uma sociedade
e é repassado aos seus membros. Conjunto esse que é evidenciado
pelos elementos da língua e pelos costumes, levando-se em conta
que, quando visto sob a perspecti- va de um grupo diferente, ou
seja, que possui outra cultura, o que mais se percebe são estes
elementos.
Strobel (2008) define que a cultura surda é o jeito de o sujeito
surdo entender o mundo e modificá-lo, para que tenha acesso e possa
interagir mediante as percepções visuais, o que compreende a língua,
137

Língua Brasileira de Sinais – Libras


Língua Brasileira de Sinais – Libras

identidade surda. Devido a essas questões é que, se nos perguntarem


a respeito da cultura norte-americana, poderíamos abordar o assunto
sob a ótica da língua e do costume, e teríamos resultados que se
restringi- riam ao que se fala: inglês, e ao que se come: fast food.
Assim, existem outros componentes nesse conjunto, nessa cultura.
Chamamos a cultura de “conjunto complexo” quanto à composição,
ao acesso, ao desenvolvi- mento e à transmissão dos elementos que
o integram procederem natu- ralmente com as relações sociais. Até o
momento, estamos nos restringin- do ao contexto de cultura popular,
sendo esta transmitida livremente nas relações com o outro, de
geração a geração, por meio da língua.
A cultura se modifica constantemente, é histórica, então, é
passi- va de mudanças quando em contato com outra cultura. Dessa
forma, quando passamos a olhar para as ações de um determinado
grupo de pessoas e tais ações começam a fazer sentido para nós,
passamos a atri- buir valores e, com isso, o compartilhar ocorre
naturalmente. Então, é possível pensar que a cultura surda
compreende aquele conjunto com- plexo, em que a composição dos
138 elementos ocorre de modo visual, seu conhecimento começa com o
contato do que vê, sua língua se manifes- ta no espaço e a leitura se
faz com os olhos. A arte e a poesia do surdo acontecem por
diferentes movimentos com as mãos, como também hábitos e
costumes ocorrem mediante o que viram e se constroem no
envolvimento com os outros surdos. Assim, no seio da comunidade
surda, está inserida a cultura surda.
Nesse ambiente, é de costume falar da representação da surdez
por dois vieses: passado e futuro. Isto é, tratam da história do surdo
abordan- do as represálias que enfrentaram quanto ao oralismo, e
pensam sobre as perspectivas de futuro para esta população. A
cultura surda é muito im- portante, pois é na comunidade surda que
ocorre o processo de apren- dizagem e o sujeito poderá proferir
suas falas. Diferente do que ocorre com os ouvintes, a cultura surda
não é transmitida naturalmente de geração a geração, pois a grande
maioria de surdos são filhos de pais ou- vintes. Então, o sujeito
surdo, para ter sua língua, hábitos e crenças, isto é, sua cultura
visual, precisa obtê-la na comunidade surda. Tal processo de
transmissão cultural de surdos, conforme Strobel (2008), também
pode ocorrer na idade mais avançada, adulta, pois, em sua maioria,
os surdos possuem família ouvinte, ou até mesmo pela imposição
de estu- darem em escolas ouvintes. Dessa forma, sem a
c onvivência na escola

FAEL
Capítulo 3

de surdos, acabam por perder o contato com a comunidade surda.


Pela dificuldade de ter sido conquistada por seus criadores e por ser
tão ofus- cada pela cultura ouvinte é que a cultura surda precisa ser
enaltecida.
No que diz respeito à formação de identidade das crianças que
par- ticipam das comunidades surdas, podemos destacar a
importância de se refletir sobre si mesmas, sobre como sua
constituição atuará em sua percepção do mundo de forma visual.
Desse modo, enquanto acontecia a educação dos surdos – dirigida
pela corrente oralista –, adotavam o critério clínico-patológico para
o surdo e lhe atribuíam uma identida- de, dependendo daquilo que
era respondido com a audição. As especi- ficações eram:
● surdez leve – capacidade de ouvir a voz humana, a pessoa
tende a aumentar a voz progressivamente.
● surdez moderada – não é possível ouvir as palavras com
clareza.
● surdez severa – surdez que só permite perceber os sons
mui- to graves.
139
● surdez profunda – a pessoa não retém som algum, não
ouve nada.
No decorrer da história, quando a sociedade mudou a forma de
olhar para a surdez e novas taxionomias se imprimiram na
educação de surdos, a classificação passou a ser pelo critério
linguístico e o rótulo de identidade era feito mediante o
conhecimento que o surdo apresentava a respeito da língua de
sinais. Segundo Perlin (2004), as definições são as seguintes:
● identidade surda – pessoa consciente quanto à sua
condição de surdez, é politizada e tem a língua de sinais
como nativa.
● identidade surda incompleta – é o surdo que não se
aceita, pelo sentimento de inferioridade em relação aos
ouvintes.
● identidade surda de transição – surdo oralizado que,
mui- to tempo depois, descobre a comunidade surda e
transita do mundo auditivo para o mundo visual.
● identidade surda embaçada – surdo que não consegue
cap- tar o mundo de forma visual e nem auditiva.

Língua Brasileira de Sinais – Libras


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● identidade surda híbrida – pessoa que nasceu ouvinte e,


pos- teriormente, se tornou surda. Tem conhecimento da
estrutura do português falado.
● identidade surda flutuante – surdo que oscila de uma
co- munidade a outra, convivendo tanto com surdos
quanto com ouvintes. Há falta de língua de sinais com
surdos e falta de comunicação com ouvintes.
● identidade surda diáspora – pessoa que tem a
necessidade de trocar experiências com seus colegas surdos,
indiferente de onde eles estejam.
Quando o assunto se refere à identidade, não se pode conceber
uma visão reducionista do homem, tanto que, em relação às visões
comenta- das, apresentam-se ultrapassadas. Para Skliar (2001), a
identidade está ligada a relações sociais, pois é constituída e
manifestada na interação com o outro, podendo ser entendida como
o conjunto de característi- cas específicas de uma pessoa que a
diferencia da outra. É possível que, em uma comparação com o
140 outro, exista algo de semelhante, mas acaba por ser único e
singular tudo aquilo que compreende a identidade da pessoa. Esse
conjunto de características próprias, a identidade, ocorre por meio
da linguagem e é construído por papéis sociais que exercemos em
diferentes locais, pessoas e contextos.
No caso de alguém descrever sua identidade como mulher,
hete- rossexual, professora, evangélica, solteira, pobre, branca,
ouvinte, ocorre que está havendo um condicionamento de tais
características naquele dado momento, pois a constituição não é
perene, mas adaptável, flexível e mutável. A manifestação da
identidade deve acontecer pela subjetiva- ção que ocorre mediante
interiorização de uma língua, seja ela qual for. No entanto, quando
nos referimos à identidade surda, pensamos numa pequena parte do
conjunto de características que ela apresenta.
A criança que participa da comunidade surda, além de
desenvol- ver a cultura e a identidade surda, tem a possibilidade
de participar de movimentos sociais, que entendemos como um
espaço de arti- culação das aspirações, lutas e reivindicações de
determinados gru- po de pessoas. Agregado a essas articulações
está o reconhecimento de sua língua. Esses movimentos sociais e
espaços de luta social são chamados de movimento surdo, sendo
de muita importância, pois
FAEL
Capítulo 3

representam um local onde ocorre resistência à predominância das


pessoas ouvintes dentro dos locais de trabalho, saúde, educação e
lazer, como também as afirmações dos direitos do sujeito surdo em
diferentes instâncias sociais.
O movimento não é contrário diretamente às pessoas, mas em
re- lação a evidentes posições de liderança ao longo da história. É
possível citar como exemplo a reestruturação da Feneida em
Feneis. Em 1970, um grupo de profissionais ouvintes funda uma
organização e dá início aos seus ideais de reabilitação dos
chamados deficientes auditivos, por isso o nome da instituição era
Federação Nacional de Educação e Inte- gração dos Deficientes
Auditivos – Feneida.
Um grupo de surdos, no ano de 1983, se organiza para
reclamar seus direitos junto à direção e pede participação dentro da
Feneida. A princípio, conseguiram participação em pequenas
atividades. Não mui- to satisfeitos, persistiram até conquistarem
uma posição de destaque dentro da instituição a ponto de serem
atendidos em suas aspirações políticas. Em 1983, os surdos dão
início à liderança e alteram o nome para Federação Nacional de 141
Educação e Integração de Surdos – Feneis. Essa alteração não se
deu por simples mudança terminológica, mas em decorrência da
perspectiva de trabalho, ou seja, a missão passa a aten- der aos
ideais das pessoas surdas, que começam a ser vistas não como
deficientes auditivas, mas, sim, pessoas com diferença linguística.
Hoje, existem vários escritórios regionais da Feneis espalhados pelo
país, com o objetivo de difundir a Libras e congregar surdos para
discussões em relação à sua participação ativa na sociedade.
Atualmente, os quatro milhões de surdos brasileiros, além de
se reunirem na Feneis, se organizam em outros espaços como
associações, cooperativas e clubes. Existem duzentas associações,
aproximadamente, espalhadas pelos estados, e órgãos voltados apenas
à questão desportiva dos surdos, como a Confederação Brasileira de
Surdos – CBS.
Todas se caracterizam pela cumplicidade linguística cultural
dos participantes. O movimento surdo atinge espaços acadêmicos e
che-
ga a conquistar um curso de com sede na Universidade
licenciatura a distância. Tra-
ta-se do curso Letras-Libras,
Saib mais
a Para conhecer mais sobre a CBS, acesse o link:
<http://www.cbsurdos.org.br>.

Língua Brasileira de Sinais – Libras


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Federal de Santa Catarina, contendo vários polos distribuídos pelo


Brasil. Nessa graduação, os alunos surdos têm a possibilidade de se
qualificarem para atuarem como professores de Libras.

Saiba mais No entanto, não somente


Para mais detalhes sobre o curso de Letras no Brasil acontece de o movi-
Libras, consulte: <http://www.libras.ufsc.br>.
mento surdo ser
preponderante. Existem, em
outros países, ins- tituições
que se colocam como
representantes do potencial dessas pessoas. A formatação desse
movi- mento tem tomado dimensões cada vez maiores, chegando
ao ponto de ter uma Federação Mundial de Surdos (Word
Federation of the Deaf
– WFD), com sede na Finlândia, desde 1951.
Envolver-se com o movimento surdo é mais do que,
simplesmen- te, participar dos eventos que promovem, é
desenvolver um intercâm- bio linguístico e cultural, como também,
despertar a atenção para esses lugares e perceber que os surdos
possuem capacidade de liderança.
142 A possibilidade de acesso aos filmes que são transmitidos no
cine- ma foi uma das conquistas mais recentes do movimento
surdo, pois, no caso de filmes estrangeiros, é possível fazer a opção
pela legenda

Saiba mais ao invés da dublada, no entanto, no


caso de filmes nacionais, esta
Conheça mais sobre a WFD
acessando: opção é inviável. As dificuldades
<http://www.wfdeaf.org>. de inserção em meios culturais
começaram a ser resolvidas quando
um surdo, Marce-
lo de Carvalho Pedroso, organizou um movimento de reivindicação
a respeito da legenda nacional. Esse movimento circulou em
importantes eventos do cinema e do teatro e, desde 2004, vem
tentando propagar a ideia a produtores, editores e diretores. Porém,
somente em 2008, em Pernambuco, na edição do Festival do
Audiovisual – Cine/PE, o grupo conseguiu provar para os
produtores que a legenda nacional não iria ocultar as diversidades
regionais ou depreciar os dialetos falados na nação, mas que
significaria acesso no que se refere à cultura. Mes- mo porque, a
acessibilidade não pode restringir, mas, sim, promover a
participação no mundo, pois é algo indispensável para a evolução
do homem em todos os seus aspectos, inclusive o artístico.

FAEL
Capítulo 3

A campanha “Legenda para quem não ouve, mas se emociona!”, foi a


grande encabeçadora da conquista dos surdos pela legenda. O
slogan é
LEGENDA
PARA QUEM
NÃO OUVE,
MAS SE EMOCIONA!

A partir de tal convencimento, foi criado o Projeto de Lei n.


1.078 (BRASIL, 2007) que, após análise, foi aprovado por
representantes políticos. Com a aprovação, tanto em filmes como
em teatros nacio- nais as legendas se tornaram obrigatórias. Essas
legendas podem ser em Libras – com o espaço (a janelinha)
destinado para o intérprete – ou com caracteres. A escolha fica a
critério da produtora. O Projeto de Lei
n. 1.078 entrou em vigor no Brasil em 2007 e presume que:
● As empresas responsáveis por distribuir obras cinematográfi- 143
cas ou videofonográficas, para exibição em salas de
cinema, e os promotores de peças teatrais e demais obras
cenográficas, sejam obrigados a incluir a legenda nas
obras exibidas ou a ofertar interpretação do texto
correspondente, em linguagem compreensível a pessoas
com deficiência auditiva.
● A obrigação estende-se a todos os filmes comercializados
para exibição, exceto: os destinados à divulgação de músicas;
os de peças publicitárias; os de curta-metragem, conforme
disposto em regulamento; e os exibidos em caráter não
comercial ou em festivais e mostras competitivas.
Sendo assim, os surdos têm a possibilidade de ir ao cinema e ao
teatro como qualquer outra pessoa, com a oportunidade de diminuir
a distância que ficou estabele- Saiba mais
cida da cultura nacional,
Para mais informações sobre a legenda nacio-
sendo esta muito importante nal, acesse: <http://www.legendanacional.com.
para o conhecimento, a br/campanha.php>.
criatividade e a civilidade.
Língua Brasileira de Sinais – Libras
Língua Brasileira de Sinais – Libras

Inclusão educacional de surdos


Com a liberdade de escolha, a criança surda pode ser inserida
tanto na escola de surdos como na escola de ouvintes. Entende-se
por escola de surdos aqueles espaços que possuem toda uma
estrutura formaliza- da, com professores, currículo, seriação,
projeto político-pedagógico e atendimento específico para
determinada clientela. Em relação à escola de ouvintes, percebe-se a
mesma formação do espaço citado anterior- mente, mas com a
clientela, em sua grande maioria, ouvinte. Essa dis- tinção se
contrapõe à antiga terminologia de escolas especiais. Tais es- colas,
denominadas especiais, possuem profissionais especializados em uma
deficiência específica e atuam como reabilitadores. Em relação aos
surdos, a visão começa a variar, sendo evidente que a implantação
des- se sistema, já existente no Brasil, se mostra favorável.
Certamente que ainda existem centros especializados de apoio ao
surdo, que se prestam a ministrar métodos de letramento e oferecer
reforço pedagógico aos alunos que participam da escola comum.
144 Independente do espaço de escolarização dos surdos – seja na
es- cola de surdo ou escola de ouvintes –, a Libras sempre deverá
estar presente, não como meio de comunicação secular restrito a
crianças em horário de intervalo, mas como língua de instrução,
aprendizagem, pois é possível perceber que a Libras é entendida
como primeira língua e o português como segunda. Se a primeira
língua do surdo é a Libras e se ela é usuária de língua de sinais,
cabe destacar que a escola deve ensiná-la um método de escrita
compatível com sua habilidade visual, chamado de SignWriting
(escrita de sinais). Esse termo se refere ao sis- tema de escrita dos
usuários da língua de sinais. Muitas comunidades surdas de
diferentes países possuem, à sua disposição, um recurso de fixação
de sua língua, uma maneira de registrar ideias que as tornam
atemporais. Esse sistema ainda permanece sob pesquisa, mas
pensar a possibilidade de registrar a língua de sinais de forma
escrita é algo que, em termos de conquista, somente no futuro
poderemos mensurar.
Até o momento, fazer o registro de produções dos surdos só
era possível mediante filmagens, um meio custoso quando pensado
em produção de alta escala, ainda tendo a desvantagem de que,
diferente- mente da escrita, aquilo que se produz e elabora não
pode ser revisado e avaliado, apenas após o término da produção.
O utra forma de registro

FAEL
Capítulo 3

da língua, que até então vem sendo utilizada, é a Glosa. Esse inic
sistema pa- liativo transcreve as línguas de sinais com auxilio dos ial,
códigos da língua oral. Quase sempre, esse recurso é muito bás
limitado, pois não abrange as sutilezas visuais da língua de sinais, ica,
sendo muito utilizado em pesquisas linguísticas, com o objetivo de nu
promover uma tradução em que os pes- quisadores podem propor ma
outras discussões em relação à estrutura da língua de sinais, nos ferr
níveis sintático, fonológico e morfológico. am
ent
Dessa forma, a ferramenta adequada para a fixação da língua
a
de sinais seria o SignWriting, demonstrando ser uma nova be
linguagem que modela o pensamento e o organiza quando escrito. m
Semelhantemente ao que ocorreu com as línguas orais, a ela
implantação de um método de escrita para as línguas visuais bor
possibilita abertura ao desenvolvimento da cultura e produção de ada
conhecimento nas comunidades surdas, uma vez que a escrita de ,
sinais consegue armazenar e propagar, por gerações, informações
entre as pessoas. No entanto, para que isso se torne real, é preciso
que essa ferramenta seja ensinada aos usuários das línguas de
sinais. A maior dificuldade é que não existem profissionais
formados para desempenhar tal tarefa, e as ações relacionadas com
a alfabetiza- ção dos surdos em escritas de sinais são ações isoladas
e específicas de pesquisadores, cujos objetivos são descobrir e
aperfeiçoar métodos de ensino para o SignWriting.
No Brasil, podemos citar o trabalho da Prof.ª Dra. Marianne
Rossi Stumpf (2005), que aponta que as crianças surdas, ao
aprenderem a escri- ta de sinais, passam pelo mesmo processo de
alfabetização que as crianças ouvintes em relação ao português. A
pesquisa também demonstra que o SignWriting é uma ferramenta de
escrita que o surdo assimila com maior facilidade, pois ela se
objetiva a uma representação visual de uma língua que é visual. A
escrita de sinais, por ter como fundamento elementos visuais, é para
o surdo um sistema de grafia muito mais compreensível do que o
alfabético, fundamentado em elementos fônicos. A criação dessa
ferramenta se deu nos anos 70 do século XX, mas somente agora
teve início sua divulgação e implantação. A princípio, essa
ferramenta foi ela- borada como uma forma de registrar as
coreografias a serem realizadas numa apresentação de dança. Uma
vez percebida a oportunidade de apli- car tal ferramenta às línguas de
sinais – representando seus movimentos, configurações, expressões –,
empreenderam-se pesquisas no sentido de tornar aquela ferramenta
145

Língua Brasileira de Sinais – Libras


Língua Brasileira de Sinais – Libras

a ponto de funcionar como meio de representação de uma língua.


Desde então, pesquisas vêm sendo realizadas e aperfeiçoamentos
vêm ocorren- do, assim como acontece com as escritas das línguas
orais – como o por- tuguês que, recentemente, foi reformado
ortograficamente.
O SignWriting, como toda escrita, é dotado de regras quanto à
or- ganização, que procuram – no sentido de que toda escrita é uma
tenta- tiva – representar a língua utilizada pelos surdos. Dentre os
princípios básicos estão: a representação da configuração de mão
levando em conta sua orientação (se a mão é vista de frente, de
perfil, etc.) e sua distância do corpo (perto ou longe); da
localização (se a mão toca alguma parte do corpo); do movimento
presente no sinal (se é circular, se é alternado, se é lento, etc.); do
sentido em que o sinal é realizado (esquerda ou direita).
Muitos elementos presentes nas línguas de sinais são
contempla- dos pelo SignWriting e, assim como na escrita
alfabética do português, os elementos do sistema são finitos e
podem ser organizados e reorga- nizados com o objetivo de
formular os diferentes sinais escritos. Isso significa que pode ser
um sistema reversível e que, como tal, necessita
146 de ensino específico e treino para seu aprendizado. Porém, como
todo e qualquer sistema de escrita, ele também é dotado de
limitações, que não devem, no entanto, significar desmotivação em
relação à escrita. Afinal, a escrita do português não consegue
explicitar as diferentes in- flexões de vozes, que podem conceder
diferentes significados em uma dada frase, e nem por este motivo
há descaso em relação à continuidade de escrita dessa língua.

A seguir, alguns exemplos dos símbolos do SignWriting:


FAEL
Capítulo 3

Finalmente, para os surdos, a possibilidade de empregar um


siste- ma de escrita que empreenda sua primeira língua significa
mais do que um avanço técnico, denota o prazer de poder se
expressar, para além de sua própria geração, em sua própria língua.
Representa o valor de poder possuir uma língua escrita e
preservada ao longo da vida e para além dela, pois, nas línguas
orais, foi a invenção da escrita que possibilitou que as línguas se
estabelecessem e se padronizassem, oportunizando que diferentes
pessoas pudessem interagir de forma clara em lugares diferentes.
A Libras é adquirida pelos surdos brasileiros de forma
natural mediante contato com sinalizadores, sem ser
ensinada, conse- quentemente, deve ser sua primeira
língua. A aquisição dessa língua precisa ser assegurada
para realizar um trabalho siste- mático com a L2,
considerando a realidade do ensino formal. A necessidade
formal do ensino da língua portuguesa eviden- cia que essa
língua é, por excelência, uma segunda língua para a pessoa
surda (QUADROS, 1997, p. 84).

Sendo assim, o sujeito surdo poderá iniciar o processo de


apren- dizagem da segunda língua, no caso, o português. Para ter 147
uma segun- da língua se faz necessária a aproximação, o contato
com aqueles que fazem uso da língua que se quer aprender. Por
exemplo, uma criança, filha de brasileiros que moram em colônias
alemãs. Mesmo fazendo uso do português para se comunicar com
seus pais, irá adquirir o alemão como uma segunda língua, pois
quando está em horário de lazer, brin- cando e se divertindo com
colegas na escola, ouve as pessoas falando em alemão e precisa
interagir nesta língua. O que difere entre segunda língua e língua
estrangeira é que, para o primeiro caso a língua falada está próxima
e no caso de língua estrangeira o aprendizado é de outra língua que
se fala em outro lugar diferente daquele que se está. É o caso de
alunos brasileiros aprendendo francês sem qualquer contato com
pessoas do país de referência. Em relação aos surdos, o português
caracteriza-se para eles como uma segunda língua. Não é o caso de
lín- gua estrangeira porque ele se encontra no Brasil, mas é
segunda língua, já que adquire naturalmente uma língua espaço-
visual até, no máximo, seus sete anos, salvo por exceções.
O método de ensino do português como segunda língua
presume que, em suas aulas, o professor retire do conteúdo a ser
lecionado as au- las com exercícios de leitura em grupo ou coletiva
(em que o professor
Língua Brasileira de Sinais – Libras
Língua Brasileira de Sinais – Libras

aponta com a régua aquilo que deve ser lido), ou aqueles que
tornam evidente a silabação (junção de b + a = ba), pois,
atualmente, o foco de discussão incide sobre práticas de
letramento. O letramento possui sua abordagem mais globalizada
quanto à língua, ou seja, propõe o trabalho em forma de texto e não
com palavras, sílabas ou frases. Para a criança surda, isto é muito
significativo, pois ela não consegue fazer uma leitura linear – os
olhos não percorrem palavra a palavra dentro do texto –, mas
visual, isto é, irá destacar aquilo que mais se eviden- cia (imagens,
letras negritadas, itálicas, cores, etc.). Após isso, concede abertura
para uma aprendizagem mais significativa, ou seja, a partir do texto
pode tratar de questões diversas quanto à realidade.
A leitura consiste no primeiro passo e, para Quadros (1997), o
professor deve passar para o aluno surdo o texto integral, contendo
elementos visuais, diferenciando o tipo de texto a cada aula, como
des- critivo, narrativo, dissertativo e permeado de função social
explícita, como: cartazes, panfletos, anúncios de jornal e outros.
Possuir o texto em mãos, na íntegra, significa que, se o
148 professor for reproduzi-lo, deve garantir sua formatação e cores,
evitando escrevê-lo no quadro. Deve também possuir uma cópia
ampliada, em slide ou transpa- rência, a fim de que haja exploração
na leitura. O aluno surdo não lerá em voz alta. Então, caso o
professor proponha este tipo de atividade para a sala, deve “pular” o
surdo. Tal atitude não significa ser excludente, pois o respeito fica
estabelecido quando a pessoa é tratada com os mesmos di- reitos e com
sua especificidade. Esse aluno deverá rea-
lizar a sinalização quanto ao texto, manifestando
um sinal equivalente. Deve percorrer visualmente
todo o texto e, em seguida, sinalizar a temática do
texto, que informações possui, que palavras já
conhece e se tais palavras podem ser aplicadas
naquele contexto. Após essa realização, cabe ao
professor ajudá-lo no aperfei- çoamento da leitura.
Antecipadamente, o professor precisa ter planejado
algumas perguntas para fazer ao aluno surdo (não
sendo interpretação de texto), uma orientação para
que o aluno seja estimulado a pensar sobre o
conteúdo que está sendo abordado naquele texto.
Dessa forma, a leitura procederá conforme o texto.
A seguir, um exemplo de como realizar esse tra-
Fonte: São Paulo (2007). balho, baseado no cartaz ao lado.
FAEL
Capítulo 3

Inicialmente, é necessário deixar os alunos discutirem sobre os


ele- mentos extralinguísticos (cores e desenhos), e conversarem sobre
o por- quê disto, sobre o objetivo social desse gênero textual. No
cartaz sobre a campanha de vacinação contra a raiva, da Prefeitura
de São Paulo, há variedade de cores, o que possibilita o
desenvolvimento de um trabalho interessante, pois, além de
despertarem muito a atenção, podem ser exploradas. Os sinais das
cores são demonstrados a seguir.

vermelho verde azul

149
alaranjado

amarelo

cor-de-rosa

marrom preto branco


Língua Brasileira de Sinais – Libras
Língua Brasileira de Sinais – Libras

Em seguida, o professor pode fazer a pergunta, em Libras, para


seu aluno surdo: “Por que é importante vacinar o cachorro e o
gato?”
Saiba mais E quando o aluno
Consulte: <http://www.youtube.com/ watch? responder, em Libras: evitar
v=0l3NX oQAk>. Nesse link é possível visualizar bravo morder, o professor
o alfabeto, os números, as cores e os dias da deve apontar no tex- to onde
semana na Libras. isso se encontra escrito, ou
seja, mostrar a palavra raiva
no panfleto.
Após apontar no texto a palavra “falada” pelo aluno, o
professor irá registrá-la no quadro para servir de orientação, para
quando for neces- sária nova leitura ou haver esquecimento da
palavra, ele consiga voltar ao caderno e lembrar-se.
Diferentes tipos de perguntas que o professor poderia formular
e oferecer ao aluno, seriam: a) Quem pode tomar esta vacina?; b)
Precisa pagar?; c) Qual o período de vacinação?; d) Onde podemos
obter maio- res informações sobre a vacinação?; e) O que significa
o termo “contra”, na frase “Vacinação contra a raiva em cães e
150 gatos”?
Frente às respostas em Libras, o professor atuaria de forma
seme- lhante, fazendo a ligação daquilo que o aluno diz com o que
está escrito no cartaz e, simultaneamente, registrando o roteiro no
quadro.
O desafio de trabalho com a leitura é um momento muito im-
portante na aula de alfabetização. Devido a isso, o professor
necessita empreender tempo oportuno em busca desse material, para
que seja algo muito interessante ao aluno surdo. O educador deve
oferecer uma leitura de texto que contenha uma imagem condizente
com o discurso apresen- tado, não muito delongado e que tenha um
objetivo social específico, de real circulação. Após o trabalho de
escolha do texto, encaminha-se para a aula propriamente dita, que é
o momento em que o professor deve oportunizar, várias vezes, o
contato do material com o aluno, bem como a interação discursiva
sobre a temática apresentada (BRASIL, 2002a).
O contato intenso com o material abordado nos textos propor-
ciona a aquisição de conhecimento, apreensão do saber, acréscimo
de informação e, por isso, representa aprendizado a todos os alunos
e ão apenas aos surdos. Quadros (1997) aborda que esse contato,
quanto aos surdos, torna-se muito significativo, considerando que
n se destaca como

FAEL
Capítulo 3

uma das únicas formas de acesso às atualidades, pois são privados esc
das informações que são veiculadas de forma auditiva na rev
sociedade. Com a possibilidade de o aluno interagir com o a end
temática do texto, ele pode ser levado pelo professor a refletir o,
sobre o conteúdo apresentado. No momento da interpretação do col
texto, quando as questões relativas às considerações abordados oca
pelo autor são pontuadas, o professor se colo- ca como um ria
mediador, estabelecendo relações, visando traçar paralelos e “o
sugerindo uma conversa intertextos, ou seja, a intertextualidade. me
nin
Essa função do professor, para Silva (2001), é de suma
a”?
importância para que o aluno obtenha uma referência na leitura e,
E
ao aluno surdo, é como se pudesse confirmar as hipóteses que ele
assi
levanta. Isso porque, como esse aluno ainda está no processo de
m,
aquisição da língua escrita e trabalha com dificuldade frente aos
códigos da língua portuguesa, ele procura descobrir o significado
de algumas palavras e, em situações assim, a intervenção do
professor pode ser decisiva para o aluno.
Depois, algo tão importante quanto o processo de leitura é o da
elaboração escrita, pois é quando o aluno tem a oportunidade de
ma- nifestar o seu entendimento sobre a temática apresentada, ele
sente-se participante no processo de aprendizagem. No trabalho
com a escrita, o professor poderá propor temas a serem discutidos
com todo o grupo. Temas esses que, se forem apropriados à idade
das crianças, poderão promover grandes discussões, produtivas ao
aprendizado. Em seguida, o encaminhamento para a aula de
português e a metodologia utilizada para trabalhar o letramento
com as crianças surdas serão iguais aos dos alunos ouvintes, com o
diferencial de que o canal de comunicação será o espaço e a visão,
quer dizer, a interação se dará por meio da Libras (BRASIL,
2002a). A fim de elucidarmos a proposta apresentada, segue o
exemplo de um trabalho com a temática: materiais escolares.
Em relação a essa proposta, o objetivo principal pode ser o da
apropriação das palavras relacionadas ao tema, bem como a
elaboração de frases curtas a ele pertinentes. Após a leitura do
texto sugerido, o professor irá propor atividades para que reflitam
sobre a língua. Sendo assim, é interessante obter sentenças modelo
que possam servir de fon- te para outras situações semelhantes.
Dessa forma, pode-se exibir uma parte do texto, como: “O menino
escreveu com o lápis.” e indagar a colocação do pronome seguido
do sujeito da sentença na seguinte situa- ção: se você é uma menina
151

Língua Brasileira de Sinais – Libras


Língua Brasileira de Sinais – Libras

ir promovendo a aula, permitindo espaços para que os alunos,


inclusive o surdo, abordem possíveis comutações com outras
palavras:
Insira as palavras a seguir nos seus devidos
lugares. as canetas – a caneta – os meninos –
as meninas O menino escreveu com o lápis.
O menino escreveu com .
O menino escreveu com .
escreveram com o lápis.
escreveram com o lápis.
É necessário que o professor sempre retorne às frases
escolhidas para aprofundar a reflexão em aula. Isso porque esse
momento é de tamanha riqueza para os surdos, pois é diferente da
língua de sinais. No caso anteriormente apresentado, vimos a
questão da flexão verbal apontando as pessoas no discurso, a
152 concordância nominal para evi- denciar o número de pessoas, o uso
do s como identificador de plural para o complemento caneta e sua
inexistência no caso de lápis. Após essa explanação, o professor
poderá desenvolver exercícios de fixação, em que os alunos deverão
revisar aquilo que foi trabalhado no texto, no caso, as palavras
discutidas na reflexão linguística feita coletivamente. Assim,
poderão surgir caça-palavras, atividades de ligar gravuras a pala- vras,
cruzadinhas, frases para serem completadas, etc.
Nota-se que, em relação ao surdo, o processo de escrita é
muito mais difícil do que para os ouvintes, porque para os surdos
que não ouvem e nem falam o português, significa a aquisição de
uma segun- da língua (QUADROS, 1997). Quando esse processo
se estabelece, é natural recorrer a primeira língua ao se deparar
com uma determinada insegurança. No caso dos surdos, a mesma
situação acontece, ou seja, quando estão tentando elaborar
mentalmente uma frase em português, há interferência da Libras e,
muitas vezes, a frase escrita não será nem em uma língua nem em
outra, mas em ambas. A essa mistura chama- mos interlíngua, o
que significa que o aluno não se apropriou do portu- guês
completamente e não se distanciou da Libras, está em processo.
Uma frase típica de interlíngua escrita por surdos é: casa ir.
Essa frase representa seu aprendizado no português, em que o
n ome do lugar

FAEL
Capítulo 3

onde moramos é casa e em que usamos o verbo ir quando tant


anunciamos que haverá deslocamento de um lugar para outro. as
Porém, ele desconhe- ce a necessidade de conjugar o verbo para rep
que haja concordância com a pessoa, com o sujeito da frase que, etiç
nesse caso, seria: eu irei. Além disso, a pessoa surda ainda não ões
aprendeu que, depois do verbo ir, é necessário o uso da preposição daq
para. uil
o
Tanto o uso de preposição quanto a conjugação do verbo são
que
ques- tões gramaticais que não seriam omitidas pelas crianças
é
ouvintes, pois estas já possuem total domínio na hora de escrever,
err
já que estão habi- tuadas a ouvir os adultos se comunicando. As
ado
crianças surdas, diferen- temente, decoram os nomes dos sinais que
o
produzem em Libras, pois, nesta língua, quando o verbo ir é
alu
sinalizado, de imediato se indica a direção do deslocamento
no
(percurso) e aponta-se quem vai (pessoa) a de- terminado lugar. Na
ent
Libras, a preposição e a conjunção são implícitas ao sinal
end
(BRASIL, 2002a).
erá
No entanto, se esse aluno surdo se encontra na segunda etapa do o
Ensino Fundamental, ou então, se está no Ensino Médio, é que
importante que os professores das variadas disciplinas entendam a é
especificidade da forma como o surdo escreve para poder estabelecer cert
critérios diferenciados de avaliação. Sabemos que o ato avaliativo é o.
de suma importância no contexto pedagógico e que não deve ser de
caráter punitivo, mas constru- tivo e reflexivo, que é o que permeia
todas as áreas do conhecimento.
Quando o professor avalia qualitativamente, está contribuindo
para o desenvolvimento e crescimento intelectual e pessoal do seu
aluno e, devido a isso, deve entender que a simples disposição de
valor a uma atividade não será significativa. É necessário ir além. O
professor precisa destacar claramente a atuação incorreta do aluno e
mostrar a ele qual a maneira correta de fazer. Caso contrário, existe
uma grande propensão de que o erro seja internalizado por quem
produz, ou seja, o aluno sem- pre comete o mesmo equívoco e o
professor sempre o evidencia (com caneta vermelha), mas não
explica a razão do erro. Isso pode se tornar algo costumeiro e,
então, ele fará novamente, e mais uma vez o professor fará a
marcação sobre o erro e não dará explicações a respeito, e assim
sucessivamente, até que, enfim, o erro é apreendido, porque após
153

Língua Brasileira de Sinais – Libras


Língua Brasileira de Sinais – Libras

Em casos de correção de textos, o normal é que os alunos,


devido a tantas sinalizações sem qualquer explicação, passem a ter
aversão à língua portuguesa, sempre pensarem que é difícil e que
nada sabem. Quando o professor fizer a correção dos textos
elaborados pelos alu- nos, é preciso que ele tenha em mente o
significado social da escrita. É necessário que o professor se
coloque na posição de interlocutor e faça interação com o texto. O
texto deverá servir como elemento de comunicação entre o
professor e o aluno, pois, assim, a correção será mais uma forma de
interação, tornando a escrita relevante, já que o aprendizado
acontece mediante interações sociais.
Dessa forma, o professor deverá estimular o diálogo com seu
alu- no, tornar importante aquilo que foi produzido por ele
mediante in- centivo e fazer com que ele perceba que sua
comunicação poderia ter acontecido de outra maneira, não melhor,
mas de acordo com as regras gramaticais normativas. O propósito
pelo qual o professor deve corri- gir o texto do aluno é de que, ao
final de um processo pedagógico de ensino da língua portuguesa, o
154 aluno tenha uma expressividade fluente com clareza e objetividade.
Tais pontuações é que devem ser avaliadas com frequência nas
correções textuais.
O mesmo objetivo que se aplica ao aluno ouvinte deve ser
aplicado ao aluno surdo. Porém, para que se obtenha sucesso no
propósito peda- gógico de ensino do português para surdos, o
professor deve participar em língua de sinais e compreender que a
dificuldade destacada em rela- ção a esse aluno ocorre devido a ele
escrever em uma língua que não fala e, desta forma, se relaciona
com o português como uma segunda lín- gua. Ao olhar para a
produção textual de um aluno surdo, o professor deve considerar a
organização do pensamento e, assim, poderá atentar para a
separação das ideias em parágrafos e para a coesão.
O próximo passo requer ensino dos elementos coesivos. É
impor- tante saber que tal trabalho será contínuo e constante, pois,
devido aos conectivos inexistirem na Libras, os alunos surdos os
esquecem com frequência. Frente à tamanha dificuldade de lidar
com artigos, preposi- ções, ligações e conjunções necessárias na
língua portuguesa, os alunos surdos costumam decorar a ortografia
destas palavras e confundir sua ordem sintática. Normalmente, os
surdos alteram a ordem da frase por não se lembrarem do local
exato em que se deve empregar os consti- tuintes da língua. Sendo
a ssim, surgem frases como: “Casa é a bonita”.

FAEL
Capítulo 3

Essa frase demonstra que o seu responsável já tem ciência da apr


necessidade de nomes femininos virem acompanhados da vogal “a” een
e, por desconhe- cer onde deve colocá-la, escolhe aleatoriamente de
um lugar próximo ao adjetivo. Tal regra não existe no português, o mo
que ocasiona uma sentença agramatical. Por isso, o professor precisa seu
intervir a esse respeito e mostrar para o aluno que há uma sen
dependência estrutural (organização obrigató- ria da frase) que rege tido
o local do nome e o local do artigo e, neste caso, a vogal “a” deve ger
ser inserida antes do sujeito (casa). al
e,
Quadros (1997) diz que, por se tratar de uma situação muito
em
específica do português, o aluno adota o hábito de decorar a regra e
seg
utilizá-la de maneira genérica em qualquer caso, podendo, assim,
uid
cons- truir sentenças erradas, tais como: “O moto”. O que será
a,
altamente compreensível, pois, em conformidade com as regras
pro
gramaticais, um vocabulário masculino solicita o acompanhamento
ced
de um artigo do mesmo gênero. Eventuais situações exigirão do
em
professor que esclareça as exceções, o que consiste num trabalho
à
sistemático para ele.
sua
Ainda no contexto dos anos finais do Ensino Fundamental ou trad
de Ensino Médio, há que se destacar que os sistemas de ensino têm uçã
garan- tido a presença de um profissional muito importante para o,
acompanhar o aluno surdo, figura esta que também faz parte da pro
comunidade surda e é responsável pela mediação entre surdos e cur
ouvintes: o intérprete. Esse profissional é aquele que, por dominar and
a Libras e o português, pode vincular a interação entre pessoas que o
as desconheçam. O trabalho do intérprete consiste em transpor
textos ou discursos de uma língua para outra, permitindo que
pessoas que escrevem e falam em línguas dife- rentes possam se
comunicar entre si.
Além do intérprete, há outro sujeito, também envolvido na
comu- nidade surda e com o mesmo domínio linguístico, mas que
desempe- nha um trabalhado diferenciado, o tradutor.
A principal diferença entre a atuação desses profissionais está
no fato de que o tradutor trabalha com textos escritos, o intérprete
com discursos orais. Dessa feita, pessoas surdas podem atuar como
traduto- res quando leem textos em português e os transpõem para
Libras. Ou ainda, podem ser intérpretes quando veem uma língua
sinalizada de um país em específico e a transpõe para a língua de
sinais de outro país.
Para tanto, os tradutores leem e estudam o texto original,
155

Língua Brasileira de Sinais – Libras


Língua Brasileira de Sinais – Libras

respeitar as ideias e os pensamentos nele presentes, aplicando a


termino- logia mais correta.
Já as pessoas ouvintes que atuam profissionalmente como
intér- pretes, transpõem um discurso oral emitido em uma língua
para outra língua, e funcionam como elo entre pessoas que se
comunicam verbal- mente em idiomas diferentes.
Para desempenhar bem esse trabalho, o profissional intérprete
pode escolher entre uma das principais modalidades de interpretação
existentes:
● interpretação de acompanhamento – é o profissional
que, acompanhando determinada pessoa, interpreta em
ambos os sentidos os diálogos que esta estabelece com
interlocutores que se comunicam em outra língua, ou seja,
quando o surdo fala, o intérprete passa a Libras para o
português, a fim de que o interlocutor o entenda e, quando
o ouvinte fala, o intérprete sinaliza para o surdo.
● interpretação judicial – é a interpretação realizada no
âmbi- to de um julgamento.
156
● interpretação de conferência – é realizada em reuniões
mul- tilíngues formais, designadamente, congressos,
seminários, conferências, mesas-redondas, encontros ou
jornadas.
Essa última forma de atuação é bastante comum em relação à
Li- bras, pois em situações formais de palestras e simpósios,
normalmente, é solicitada a presença do profissional intérprete, a
fim de que os parti- cipantes surdos possam acompanhar o evento.
Quando o intérprete está mediando uma relação entre surdos e
ou- vintes de ordem formal, ele pode optar por desempenhar seu
trabalho de forma consecutiva ou simultânea. A interpretação
consecutiva é mais adequada para as conversações que envolvem
um número reduzido de participantes, tais como pequenas reuniões
técnicas entre especialistas. Nesses casos, o intérprete encontra-se
junto ao orador, ouvindo a sua intervenção e tirando apontamentos;
em seguida, interpreta integral- mente em outra língua o discurso
feito, como se este fosse seu (isto é, na primeira pessoa do
singular). Já a interpretação simultânea é mais adequada para
encontros que envolvem muitos participantes, garantin- do a
transposição quase imediata dos discursos orais.
FAEL
Capítulo 3

Ao mediador de relações entre surdos e ouvintes são


outorgadas pelo menos três grandes responsabilidades, a saber: de
conhecimento profundo sobre as línguas envolvidos, neste caso,
Libras e português; de conhecimento sobre as culturas envolvidas –
de surdos e de ouvintes; e de conhecimento sobre atualidade
política, econômica e social.
Além disso, esse profissional precisa ter clareza do que ouve
para interpretar adequadamente o sentido, o estilo e o espírito que o
discur- so apresenta. Para isso, precisa ter grande capacidade de
concentração e de memória, treino auditivo e rápida compreensão
dos discursos orais, de forma a não perder nenhuma informação.
Isso é importante porque os intérpretes nunca têm a possibilidade
de voltar a ouvir o que foi dito. Por isso, é essencial que o
intérprete também tenha excelentes faculda- des de análise e de
síntese, de forma que, preservando a continuidade e o sentido dos
discursos orais, consiga manter o ritmo da intervenção sem perder
informações.
Diante de tantas exigências para atuação, vemos o quão árdua 157
é a profissão de intérprete e o quão importante ela é para que a
interação social entre falantes de línguas diferentes seja bem-
sucedida. Aos in- térpretes de Libras, nosso respeito e consideração
pelo grande trabalho desempenhado junto às pessoas surdas.

Da teoria para a prática


Agora que o profissional da educação já entende, como se dão
as relações sociais da surdez, coloca-se uma questão: a relação do
direito assegurado e do julgamento de valor. Nesse sentido, cabe à
coordenação pedagógica gerir qual o melhor procedimento diante
de uma disciplina de música a ser trabalha em uma sala de aula em
que estejam incluídas pessoas surdas. Nesse caso, a melhor atitude
a ser tomada seria:
● Poupá-lo da aula, afinal, sua constituição intelectual,
pessoal e subjetiva é construída a partir da visão, e deixá-
lo junto às atividades desenvolvidas (coral, sons dos
instrumentos) pelo professor denotará preconceito, já que
ele sentirá que não produz na mesma proporção que os
demais alunos.

Língua Brasileira de Sinais – Libras


Língua Brasileira de Sinais – Libras

● Integrá-lo à aula, salvaguardando suas especificidades e


ten- tando adaptar os sons para os gestos e/ou movimentos
dos sinais, já que a condição auditiva não poderá ser
alterada. Pri- vá-lo dessa participação implica em reserva
de cultura e isso é, humanamente falando, injusto.
Ainda levando em conta a tomada de decisão no contexto
escolar, sugere-se uma questão ao professor regente de sala de
aula: diante da proposta de assistir um filme e fazer um relatório, o
aluno surdo com- parece à aula sem a atividade executada e
argumenta que não deve ficar sem a nota, devido ao fato das
dificuldades inerentes à sua história de vida (não adianta assistir ao
filme, pois não há janela e, por isso, ele não entende e não
consegue escrever no nível exigido, já que o português é sua
segunda língua). Diante disso, a melhor atitude seria:
● Insistir na cobrança da atividade, afinal, como aluno, ele
deve- rá realizar todas as demandas apresentadas em sala,
ainda que existam critérios diferenciados para avaliação. O
aluno deverá procurar uma forma de assistir ao filme e
158 compreendê-lo.
● Adaptar a atividade. Ao invés de assistir ao filme – dada a
ausência de legenda –, o professor passa o relatório de um
dos alunos para que o surdo leia e o dispensa da entrega
do rela- tório. Apenas solicita que, se possível, ele
explique em Libras o que entendeu da leitura, pois o filme
tem um conteúdo extremamente importante para a
disciplina.

Síntese
Neste capítulo, vimos que a vida de uma pessoa surda tem
peculia- ridades que não se encontram na organização de uma
pessoa ouvinte. Além disso, vimos que o surdo prefere se casar
com outro surdo, para ter uma comunicação facilitada, que quando
têm filhos surdos a relação é amena, ao passo que quando os filhos
são ouvintes (Codas) haverá uma dupla constituição psicológica, o
que poderá acarretar em algumas difi- culdades de relacionamento.
Destacamos que a aquisição da linguagem da criança surda
acontece nos mesmos moldes da criança ouvinte.

FAEL
Capítulo 3

Abordamos, também, a questão de que as relações sociais se


mos- tram como espaço constituidor de identidade e de
desenvolvimento cultural e apresentamos as disseminações políticas
consideradas no caso da surdez (closed claption e Lei n.
1.078/2007). Quanto à inclusão dos surdos, trouxemos os tipos
possíveis de escolarização (escola especial, escola inclusiva e centro
de apoio ao surdo) e defendemos que, indife- rente do espaço, a
Libras deve ser assegurada como língua de instrução. Dessa forma,
apresentamos a importância do seu registro por meio do
SignWriting (escrita de sinais) e de metodologia específica para o
ensino do português, pois este se apresenta como segunda língua e
por isto vem carregado de dificuldades para ser aprendido, já que
estas pessoas não ouvem e não falam a língua que devem escrever
e ler.

159
Língua Brasileira de Sinais – Libras
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