Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
INTERDISCIPLINARES:
Estudos sobre Língua, Literatura e Ensino
CONSELHO EDITORIAL:
Angela B. Kleiman
(Unicamp – Campinas)
Clarissa Menezes Jordão
(UFPR – Curitiba)
Edleise Mendes
(UFBA – Salvador)
Eliana Merlin Deganutti de Barros
(UENP – Universidade Estadual do Norte do Paraná)
Eni Puccinelli Orlandi
(Unicamp – Campinas)
Glaís Sales Cordeiro
(Université de Genève – Suisse)
José Carlos Paes de Almeida Filho
(UNB – Brasília)
Maria Luisa Ortiz Alvarez
(UNB – Brasília)
Rogério Tilio
(UFRJ – Rio de Janeiro)
Suzete Silva
(UEL – Londrina)
Vera Lúcia Menezes de Oliveira e Paiva
(UFMG – Belo Horizonte)
Inclui biliografia.
ISBN: 978-65-5637-303-4.
Equipe técnica:
PONTES EDITORES
Rua Dr. Miguel Penteado, 1038 – Jd. Chapadão
Campinas – SP – 13070-118
Fone 19 3252.6011
ponteseditores@ponteseditores.com.br
www.ponteseditores.com.br
SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO 10
AUTORES CONVIDADOS
10
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
Grosso do Sul, Minas Gerais, São Paulo, Rio de Janeiro, Pernambuco, Alagoas,
Paraíba, Sergipe, Goiás, Pará, Ceará, Maranhão, Piauí e Rondônia.
11
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
Organizadores
12
AUTORES
CONVIDADOS
ENSINO DE PRONÚNCIA DE LÍNGUAS
NÃO NATIVAS: CONTRIBUIÇÕES DOS
ESTUDOS FORMAIS E APLICADOS1
14
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
Introdução
3 Neste trabalho, não realizaremos distinção entre os termos ‘Língua Não Nativa’ (LNN), ‘Segunda
Língua’ (L2), ‘Língua Estrangeira’ (LE) ou ‘Língua Adicional’ (LA), de modo a tratarmos todos esses
termos como intercambiáveis.
15
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
4 Em seu texto clássico de apresentação dos construtos, Munro e Derwing (1995b, p. 291) defi-
nem o construto de inteligibilidade como “o grau no qual a mensagem é de fato entendida”, en-
quanto o construto de ‘compreensibilidade’ é definido como “as percepções, por parte do ouvin-
te, da dificuldade de entender enunciados em particular” (MUNRO; DERWING, 1995b, p. 291).
Para uma recaracterização desses construtos a partir de uma concepção dinâmica e complexa,
veja-se Albuquerque (2019).
5 Em português “Não mais a Cinderela: deixando a vitimização para trás”.
16
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
17
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
18
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
19
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
6 Para uma discussão sobre o papel da temporalidade dos primitivos dinâmicos no processo de
desenvolvimento de L2, veja-se Alves (2018b).
20
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
dado que o Espanhol não conta com o fonema /z/, o aprendiz deveria “adquiri-lo”
a partir da exposição da nova língua, de modo a, em termos fonéticos, aprender a
vibrar as pregas vocais ao longo da produção da fricativa. A partir de uma visão de
temporalidade como elemento-chave para o desenvolvimento de novos padrões
para a língua-alvo, no referido trabalho investigamos se produções, realizadas
por aprendizes hispânicos e com diferentes padrões manipulados de vozeamento
(0%, 25%, 50%, 75% e 100%), teriam diferentes efeitos na identificação de pa-
res mínimos do PB, por parte de 35 ouvintes brasileiros sem experiência com o
Espanhol. Os resultados evidenciaram que a identificação das categorias funcio-
nais referentes às fricativas surda/sonora não demanda uma vibração plena das
pregas vogais ao longo da fricativa, dado que um vozeamento de 50% de dura-
ção referente à consoante já se mostra suficiente para que os ouvintes brasileiros
identifiquem tais membros dos pares mínimos como ‘casa’ e ‘rosa’, por exemplo.
Tais resultados evidenciam que, frente a um ensino que privilegie a inteligibilida-
de da fala estrangeira, não é necessário um vozeamento pleno da consoante.
Ainda no que diz respeito aos resultados de Alves et al. (2018), é importan-
te considerar que o padrão de 25% de vozeamento mostrou-se dificultoso aos ou-
vintes brasileiros, não havendo um consenso entre eles no que diz respeito aos es-
tímulos escutados. A partir justamente desse padrão, questionamo-nos se outros
aspectos poderiam estar interagindo com o vozeamento ao longo da fricativa, de
modo a ter seus efeitos sentidos sobretudo quando a duração de tal vozeamen-
to se apresentava curta. Considerando-se, com base em Ribeiro (2017), que, na
variedade Porto-Alegrense de Português Brasileiro, vogais que antecedem obs-
truentes sonoras tendem a ser mais longas do que as que antecedem consoantes
surdas, em Alves e Brisolara (2020) verificamos os efeitos da pista referente à
duração vocálica antecedente à fricativa, bem como sua interação com a duração
de vozeamento de tal elemento segmental. Para tal verificação, os mesmos estí-
mulos anteriores foram manipulados, também, em diferentes durações vocálicas
(25%, 50%, 75% e 100%), de modo a formarem parte de um teste de percepção
aplicado a outros 35 participantes brasileiros, também sem experiência com o
Espanhol. Os resultados evidenciaram uma interação entre as pistas de ‘duração
de vozeamento’ na fricativa e ‘duração vocálica’, demonstrando um papel especial
dessa última sobretudo em contextos em que a duração de vozeamento se mos-
trava bastante curta (25% ao longo da fricativa) e, portanto, menos clara.
21
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
22
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
anterior com o inglês falado por brasileiros. Todas elas participaram de tarefas
semanais de transcrição de inteligibilidade, administradas ao longo de cinco se-
manas. Nessas sessões, cada participante britânica ouviu 10 das 35 frases, com
a frase-alvo sendo tocada a todas elas em todas as sessões. Conforme já dito, ao
fornecermos nove frases distratoras diferentes, objetivávamos garantir que os
participantes não percebessem ou se lembrassem da frase em que estavam sendo
testados.
23
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
24
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
25
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
Com base no acima exposto, o objeto do ensino deve ser a língua em uso,
contextualizada, chamando a atenção do aprendiz, implícita e/ou explicitamen-
te, para o papel funcional de determinado aspecto linguístico. Trata-se de um
ensino, portanto, voltado a objetivos e tarefas comunicativas claras. Conforme
diz Larsen-Freeman (2017, p. 28), “a interação significativa é mais eficaz do que
a mera prática de repetição das formas”. Partindo dos pressupostos da autora,
Verspoor (2017) usa a sigla FUMM (do Inglês, ‘form-use-meaning-mappings’, ou
‘mapeamentos forma-função’) para defender, numa perspectiva regida pela com-
plexidade, a necessidade de estabelecermos um mapeamento entre forma, uso e
significado. É importante que a instrução em sala de aula proveja oportunidades
de comunicação, uma vez que a língua é parte de um sistema complexo do qual
fazem parte aspectos culturais, sociológicos e psicológicos. Conforme as palavras
da autora (op. cit., p. 143):
26
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
27
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
pronúncia, vemos que grande parte das práticas de ensino de fonética se voltam,
ainda nos dias de hoje, à tradicional prática do “ouvir e repetir”, ancorada em uma
concepção de língua que tem por base a formação de hábitos, e uma didática de
caráter behaviorista.
Uma tentativa de busca para tal prática, nas décadas de 90 e primeira dé-
cada deste século, pode ser mencionada a partir da proposta de Celce-Murcia,
28
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
29
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
Considerações finais
30
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
Referências
31
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
32
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
33
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
HIVER, P. Attrator States. In: DÖRNYEI, Z.; MacINTYRE, P. D.; HENRY, A. (ed).
Motivational Dynamics in Language Learning. Bristol: Multilingual Matters,
2015, p. 20-28.
HIVER, P.; AL-HOORIE, A. H. Research methods for Complexity Theory and
Applied Linguistics. Bristol: Multilingual Matters, 2020.
HULSTIJN, J. H. Theoretical and empirical issues in the study of implicit and ex-
plicit second-language learning. Studies in Second Language Acquisition, v. 27, n.
2, p. 129-140, 2005.
KELLY, L. G. 25 centuries of language teaching: an inquiry into the science, art,
and development of language teaching methodology. Rowley, Mass: Newbury,
1969.
KUPSKE, F. F.; ALVES, U. K. Orquestrando o caos: o ensino de pronúncia de língua
estrangeira à luz do paradigma da complexidade. Fórum Linguístico, v. 14, n. 4, p.
2771-2784, 2017.
LARSEN-FREEMAN, D. Another step to be taken – Rethinking the end point of
the interlanguage continuum. In: HAN, Z.; TARONE, E. (ed.). Interlanguage: forty
years later. Amsterdam: John Benjamins Publishing Company, 2014, p. 203-220.
LARSEN-FREEMAN, D. Ten ‘Lessons’ from Dynamic Systems Theory: what is on
offer. In: DÖRNYEI, Z.; MacINTYRE, P. D.; HENRY, A. (ed.). Motivational Dynamics
in Language Learning. Bristol: Multilingual Matters, 2015a, p. 11-19.
LARSEN-FREEMAN, D. Saying what we mean: Making a case for ‘language acqui-
sition’ to become ‘language development’. Language Teaching, v. 48, n. 4, p. 491-
505, 2015b.
LARSEN-FREEMAN, D. Complexity Theory: the lessons continue. In: ORTEGA, L.;
HAN, Z. (ed.). Complexity Theory and Language Development: in celebration of
Diane Larsen-Freeman. Amsterdam: John Benjamins Publishing Company, 2017,
p. 11-50.
LARSEN-FREEMAN, D.; CAMERON, L. Complex Systems and Applied Linguistics.
Oxford: Oxford University Press, 2008.
LEVIS, J. M. Changing concepts and shifting paradigms in pronunciation teaching.
TESOL Quarterly, v. 39, n. 3, p. 369-377, 2005.
LEVIS, J. M. Cinderella no more: leaving victimhood behind. Speak Out, v. 60, p.
7-14, 2018a.
34
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
35
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
36
METODOLOGIAS DE APRENDIZAGEM
ATIVA E ENSINO DE LÍNGUAS
37
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
ABSTRACT: This work reflects on the urgency of reinventing the Letras course,
considering the active learning methodologies in language teaching as an integral part
of a curriculum approach by competencies. Through a brief literature review, it estab-
lishes an interface between other authors from areas of linguistics (ORLANDI, 2018;
ROJO, 2012; PILATI, 2017; TRAVAGLIA, 2009), education (SCALLON, 2015; BIGGS;
TANG, 2011), and educational technologies (KENSKI, 2013). This study presents re-
lations between curriculum approach by competencies and active learning methodol-
ogies, evidencing the teacher’s responsibility with planning, guidance, and monitoring
the teaching process to long-term learning. It describes active linguistics learning prin-
ciples, enabling the integration of formalized knowledge and technical methodological
knowledge, that is, the knowledge in use. It also displays the need for consistency be-
tween the choice of active learning methodologies and expected and oriented learning
outcomes towards the competency development necessary for the profile of the course
egress’s students, seeking to integrate disciplines and reframe the Letras course. Finally,
this article features collaborative learning as an active process of co-responsibility be-
tween peers, in which it uses social skills in a possible conflict resolution, which supports
the positive personality traits development.
KEYWORDS: Active Learning Methodologies; Language Teaching; Curriculum
Approach by Competencies.
Introdução
38
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
perpassa para além da tecnologia, pela cultura digital. Para tanto, faz-se necessá-
ria a formação de professores universitários sobre metodologias de aprendiza-
gem ativa adequadas aos recursos midiáticos que efetivamente ampliam o acesso
a outras modalidades discursivas, numa convergência de linguagens, conduzindo
a prática docente para novos rumos.
Nesse contexto, propõe-se refletir sobre a urgência de se reinventar o cur-
so de Letras, considerando as metodologias de aprendizagem ativa no ensino de
línguas como parte integrante de uma abordagem curricular por competências.
Para isso, por meio de breve pesquisa bibliográfica, estabelece-se interface en-
tre autores das áreas de linguística (ORLANDI, 2018; ROJO, 2012; PILATI, 2017;
TRAVAGLIA, 2009), educação (SCALLON, 2015; BIGGS; TANG, 2011) e tecnolo-
gias educacionais, principalmente, Kenski (2013).
Assim, esta reflexão está organizada da seguinte forma: inicialmente, dis-
cute a relevância da reinvenção do curso de Letras a partir de alguns indicativos
fornecidos pelas pesquisas; em seguida, trata das relações entre abordagem por
competências e metodologias de aprendizagem ativa; posteriormente, expõe
princípios da aprendizagem linguística ativa ; e finalmente, apresenta um conti-
nuum de metodologias de aprendizagem ativa para a promoção da autonomia do
estudante, como recurso para a escolha consciente do docente durante seu pla-
nejamento de ensino.
39
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
40
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
Isso implica que, a fim de preparar melhor os estudantes de Letras para seu
campo de atuação, não basta, por exemplo, oferecer-lhes as ferramentas tecnoló-
gicas apropriadas se a metodologia de ensino é tradicional; nessa lógica, o docen-
te repassa seu conhecimento a um aprendiz passivo, cuja aprendizagem é superfi-
cial. É imprescindível, portanto, que docentes e discentes insiram-se nas culturas
digitais, aprendendo as práticas socioculturais como usuários, refletindo sobre as
pautas sociais atuais que associam os discursos e promovendo a efetiva interdis-
ciplinaridade. A partir dessas experiências, é possível refletir sobre como promo-
ver a apropriação da língua para esses ambientes virtuais de aprendizagem.
41
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
Assim, há hoje uma ampla divulgação nas diferentes áreas e níveis de en-
sino sobre essa questão, em geral, denominadas pela expressão metodologias
42
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
43
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
44
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
45
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
E ainda, Moran (2018) aponta certa acomodação por parte dos docentes
na repetição de fórmulas, esperando receitas, num mundo que exige criatividade
e capacidade de enfrentar desafios complexos; além disso, afirma haver resistên-
cia de docentes e gestores, que se sentem desvalorizados com a perda do papel
central de transmissores de informação e que consideram o papel do professor
relegado a plano secundário com a adoção das metodologias ativas, sendo substi-
tuído pelas tecnologias.
46
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
47
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
Os currículos dos cursos de Letras não podem mais ser fundados em racio-
nalidade técnica, especializada e de tradição positivista, que procuram enquadrar
a realidade às teorias, aos métodos e às técnicas, pois compreende-os como uni-
versais e capazes de responder a qualquer realidade (BECKER, 1993). Isso por-
que eles não atendem às tensões do trabalho do professor de língua portuguesa
e/ou adicional em sala de aula. A formação inicial docente destaca-se por uma ar-
ticulação entre a teoria e a prática, entre o saber e o atuar, por meio de reflexão
sobre as situações baseadas em contexto real. Assim, a renovação do Curso de
Letras depende da reestruturação do programa curricular do curso, que integra
os saberes formalizados e técnicos aos metodológicos, isto é, aos saberes em uso.
48
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
49
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
Em outra aula, com outro texto (agora artigo científico), feita a sala de aula
invertida, o docente propõe as atividades primeiramente individuais e depois os
estudantes discutirão suas respostas em seu time (grupo formado pelo professor,
que atua junto durante todo o período da disciplina), decidindo a resposta coleti-
va final. A correção dessa atividade é feita com pontuação específica tanto para a
parte individual como para a coletiva. Levar os estudantes a refletirem sobre os
resultados é fundamental, pois é possível avaliar as causas de terem ótimo desem-
penho individualmente, mas em time, o resultado não evidenciar isso; ou o contrá-
rio. Pode-se fazê-los pensar sobre o valor da capacidade argumentativa oral e de
escuta eficaz dos membros do time.
50
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
51
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
Considerações finais
Referências
52
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
53
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
PAIVA, V.L. M.O. Avaliação dos cursos de Letras e a formação do professor. Revista
do GELNE. João Pessoa. v. 5, n. 1. p. 193-200, 2004.
PAIVA, V.L.M.O. O Novo Perfil dos Cursos de Licenciatura em Letras. In: TOMICH,
et al (Orgs.). A interculturalidade no ensino de inglês. Florianópolis: UFSC, 2005.
p.345-363.
PIAGET, J. A psicologia da inteligência. Petrópolis, RJ: Vozes, 2013.
PILATI, E. Linguística, gramática e aprendizagem ativa. Campinas, SP: Pontes
Editores, 2017.
RIBEIRO. C. Metacognição: um apoio ao processo de aprendizagem. Psicologia:
reflexão e crítica. 2003, n. 16 (1), v.1, p. 109-116.
RISTOFF, D; BIANCHETTI, L. A pós-graduação e suas interlocuções com a educa-
ção básica: (des) encontros históricos e manutenção do apartheid socioeducacio-
nal. Avaliação, Campinas; Sorocaba, SP, v. 17, n.3, p. 787-824, nov. 2012.
ROJO, R. Multiletramento na escola. São Paulo: Parábola, 2012.
SCALLON, G. Avaliação da aprendizagem numa abordagem por competências.
Tradução de Juliana Vermelho Martins. Curitiba: PUCPRess, 2015.
TARDIF, M. Saberes docentes e formação profissional. 16 ed. Petrópolis: Vozes,
2014.
TRAVAGLIA, L. C. Gramática e interação: uma proposta para o ensino de gramá-
tica. 3. ed. São Paulo: Cortez, 2009.
VIGOTSKY, L. S.; COLE, M. A. A formação social da mente: o desenvolvimento
dos processos psicológicos superiores. 6a ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998.
VOSGERAU, D. S. A. R., NICOLA, R. M. S., MANFFRA, E. F., SPRICIGO, C. B., VON
BAHTEN, A. C., MARTINS, V. O desafio da mobilização institucional rumo à ava-
liação por competências. Revista Internacional De Aprendizaje En La Educación
Superior. n.7, v. 2, p. 59-78, 2020.
54
PARTE 1
ENSINO DE LÍNGUA
ESTRANGEIRA E
INTERFACES
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
Alâna Capitanio2
Saionara Greggio3
56
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
ABSTRACT: We seek to present, in this work, an excerpt of a survey carried out in the
Specialization Course in English Language Teaching, of IFSC, campus Chapecó- SC, whi-
ch investigated the perceptions, the challenges and the breakthroughs that pre-school
English Language teachers in the municipal school system from Xaxim- SC, faced/face
in their teaching practice in this educational phase. We had as theoretical support the
guiding documents of Early Childhood Education and English Language teaching in
Basic Education, at national, state and regional level, in order to understand the stage
of Early Childhood Education and the teaching of English as a Lingua Franca, in addi-
tion to studying research data published by the British Council (2015; 2019), which
provided an understanding of the panorama of English language teaching in Brazilian
public education. To achieve the objective, a structured questionnaire, composed of clo-
sed and opened questions, was sent to teachers who work in the year 2020, or worked
in the years 2017, 2018 or 2019, at the preschool in the municipal education sys-
tem of Xaxim, SC. The results of the analysis show that the challenges of the English
Language teaching practice in preschool are related to initial and continuing education
of teachers, to the age of students, to the planning time, to infrastructure conditions,
to devaluation of the profession and the curricular component, where in the lack of di-
dactic material and the insufficient English teaching-hours per week as the two biggest
challenges teachers face.
Introdução
57
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
58
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
59
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
60
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
a Língua Inglesa na educação infantil tem um papel importante “por motivos so-
ciais e educacionais”. (MERLO, 2018, p. 94). O ensino-aprendizagem da Língua
Inglesa busca, conforme Merlo (2018, p. 94), a sensibilização linguística e “a
transformações nas relações sociais das crianças com o mundo, tanto no presente
quanto no futuro”, de maneira que seu papel no percurso formativo do estudante
deve ser contemplado desde os primeiros anos da educação básica.
Metodologia
61
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
2020, a qual repassou para os diretores escolares o link do questionário que, pos-
teriormente, enviaram aos professores de Língua Inglesa de suas escolas.
Resultados e discussões
62
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
Podemos ver nesse Quadro que o desafio “carga horária semanal insu-
ficiente para o planejamento individual das aulas” foi apontado por 85,7% dos
participantes. Conforme artigo 4º da Lei 11.738 de 16 de julho de 2008: “§ 4º Na
composição da jornada de trabalho, observar-se-á o limite máximo de 2/3 (dois
terços) da carga horária para o desempenho das atividades de interação com os
educandos” (BRASIL, 2008, s/p). Nesse sentido, o outro 1/3 da jornada é para o
desenvolvimento das chamadas horas-atividades, situação que foi contestada
por alguns governos estaduais, porém, votada no ano de 2020 como constitucio-
nal pelo Supremo Tribunal Federal4. Mesmo assim, esse tempo ainda não é vis-
to como suficiente para que o professor consiga planejar, estudar, atender pais,
participar de reuniões, desenvolver avaliações, entre tantas outras funções que
consomem o momento das horas-atividades.
63
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
64
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
65
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
que muitos alunos e suas famílias na pré-escola são orientados a buscar um aten-
dimento de fonoaudiologia para o desenvolvimento da comunicação da criança.
Outro fator que chama atenção por ter sido apontado por 57,1% dos pro-
fessores é a “demora de adaptação dos estudantes a uma rotina de aula”. Esse
desafio pode estar vinculado à carga horária ser de 45 minutos semanais, e caso
tenha algum dia sem aula por conta de feriados ou outras situações, o estudante
pode ficar até 15 dias sem ter a aula de Língua Inglesa. Porém, é importante que
o professor busque construir essa rotina com a turma, visto que a criança ainda
não tem a compreensão do conceito de aulas, de tempo, que vai sendo construído
por todos os professores dos diferentes componentes curriculares. Para Pereira
(2016), a rotina colabora para controlar a ansiedade da criança que saberá quais
66
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
Pela segunda vez, 100% dos professores indicaram a “falta de material di-
dático de Língua Inglesa, como livros e apostilas” como um desafio, seguido da
“falta de materiais alternativos, como flashcards, jogos e brinquedos” assinalado
por 85,7% dos participantes. A rede municipal de ensino de Xaxim/SC proporcio-
na material didático de Língua Inglesa apenas a partir do Ensino Fundamental –
anos iniciais.
67
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
68
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
permitam colocá-lo em prática, de maneira que a teoria não fique mais uma vez
nos documentos.
Lains (ibid.) ainda afirma que existem princípios que precisam ser conside-
rados na organização das atividades propostas às crianças, visto que as crianças
na pré-escola “são totalmente dependentes de fatores externos” (LAINS, 2016,
p. 55), de modo que “não são ainda capazes de fazer uso de meios externos para
69
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
autorregularem sua atenção” (LAINS, 2016, p. 55), contudo, isso vai sendo apren-
dido com o tempo para que consigam prestar atenção em determinada situação.
O professor, assim, entra como mediador ao propor interações e brincadeiras com
intencionalidade que possibilitem à criança desenvolver sua atenção. Mas para
isso, o professor precisa entender que o desenvolvimento da atenção também faz
parte da aprendizagem do estudante e que ele e a escola têm um papel essencial
nesse desenvolvimento.
70
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
71
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
modo que, mais uma vez, a Língua Inglesa é importante para o desenvolvimen-
to do percurso formativo do estudante e do desenvolvimento de conceitos mais
complexos e abstratos (OLIVEIRA, 1993).
Considerações finais
72
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
Referências
73
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 2013. Disponível em: http: //
www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2013/Lei/L12796.htm. Acesso
em: 30 mai. 2020.
BRASIL. Base Nacional Comum Curricular. Brasília, DF: MEC, 2017. Disponível
em: http: //basenacionalcomum.mec.gov.br/images/BNCC_EI_EF_110518_ver-
saofinal_site.pdf. Acesso em: 14 abr. 2020.
BRITISH COUNCIL BRASIL. O Ensino de Inglês na Educação Pública Brasileira
- Elaborado com exclusividade para o British Council pelo Instituto de Pesquisas
Plano CDE. 1 ed. São Paulo, SP: 2015. Disponível em: https: //www.britishcouncil.
org.br/sites/default/files/estudo_oensinodoinglesnaeducacaopublicabrasileira.
pdf. Acesso em: 30 abr. 2020.
BRITISH COUNCIL BRASIL. Políticas públicas para o ensino de inglês: um pano-
rama das experiências da rede pública brasileira. São Paulo, SP: 2019. Disponível
em: https: //www.britishcouncil.org.br/sites/default/files/bncc_portuguesbx.pdf .
Acesso em: 06 mai. 2020.
CAPITÂNIO, A. O ensino de Língua Inglesa na Pré-escola/Educação Infantil no
município de Xaxim/SC: percepções, desafios e superações da prática docen-
te. 2020. Monografia de Especialização em Ensino de Língua Inglesa - Instituto
Federal de Santa Catarina, Campus Chapecó, 2020.
GOMES, R. de C. M. A formação dos professores no contexto atual. Revista da
Educação. v.14, n.18. Itatiba. 2011. Disponível em: https: //revista.pgsskroton.
com/index.php/educ/issue/view/176. Acesso em: 01 jul. 2020.
LAINS, L. B. de A. D. O desenvolvimento da atenção mediada na educação infantil
e sua relação com as práticas pedagógicas. Dissertação de Mestrado. Pontifícia
Universidade Católica de Campinas. Campinas, SP, 2016. Disponível em: http: //
tede.bibliotecadigital.puc-campinas.edu.br: 8080/jspui/bitstream/tede/868/2/
Lucimar%20Barros%20de%20Almeida%20Delman%20Lains.pdf. Acesso em: 08
jul. 2020.
MATTOS, CLG. A abordagem etnográfica na investigação científica. In MATTOS,
CLG., and CASTRO, PA., orgs. Etnografia e educação: conceitos e usos [online].
Campina Grande: EDUEPB, 2011. p. 49-83.
NASCIMENTO, K. B.l P.; BRANCO, S. de O. A influência da língua materna em au-
las de língua inglesa de uma escola de idiomas: um estudo de caso. Revista Leia
Escola, v. 13, n. 1, Campina Grande, 2013. Disponível em: http: //revistas.ufcg.edu.
br/ch/index.php/Leia/article/view/251/201. Acesso em: 02 jul. 2020.
74
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
75
DIREITOS HUMANOS, LÍNGUA INGLESA
E #BLACKLIVESMATTER: UM RELATO DE
EXPERIÊNCIA1
RESUMO: O ensino tem por prioridade promover reflexões que subsidiem, em es-
pecial, a formação crítica dos estudantes em seus mais diversos níveis. Em tempos
pandêmicos, nos quais o ensino tornou-se remoto e o contato humano mais dis-
tante, trazer à tona reflexões que possam contribuir significativamente para suas
vidas configura-se essencial, face às possibilidades de compreensão da realidade
que são propiciadas. Assim, caracterizado como um relato de experiência e emba-
sado em pressupostos freirianos, o presente estudo tem como objetivo apresen-
tar resultados de uma atividade integradora sobre direitos humanos, em especial,
o racismo, a qual foi proposta pelas docentes dos componentes de Língua Inglesa
e Noções de Direito a estudantes do segundo ano do curso técnico integrado em
Administração do Instituto Federal do Paraná, na região sul do Brasil. Em razão
da atividade proposta e executada, foi possível notar o quão relevante é trabalhar
com temas que sejam da experiência dos estudantes de modo que estes sejam
envolvidos em discussões que dialogam com a realidade.
PALAVRAS-CHAVE: atividade integradora; direitos humanos; língua inglesa.
76
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
Introdução
77
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
78
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
Imagem 1. Notícia sobre racismo no futebol. Imagem 2. Notícia sobre racismo nos EUA Fonte:
Jornal ABC News. Fonte: BBC News.
Mediante a exposição desse material, foi proposto aos estudantes que ex-
pusessem suas opiniões sobre o filme e os materiais, destacando-as com senten-
ças em língua inglesa, ou seja, houve, nesse momento, um trabalho envolvendo
língua portuguesa e língua inglesa. Em suas participações, os estudantes ressalta-
ram que consideram o racismo algo cultural, que faz parte de nossas vidas até os
dias atuais, mesmo a sociedade tendo lutado contra isso, conforme constatamos:
79
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
Para garantirmos voz aos nossos estudantes, abrimos espaço para deba-
te e perguntamos aos estudantes, por meio de fórum interativo, quais suas con-
cepções de direitos humanos e como estes estariam “feridos” por situações de
80
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
81
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
82
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
outros temas tão ricos para a atual conjuntura, como o ENEM e a situação do en-
sino/educação no Brasil, assim como a questão da abolição da escravatura e os
impactos trazidos por essa. Nesse sentido, o ato de garantir voz e dar ouvidos aos
estudantes promove, sem dúvidas, múltiplos diálogos com suas realidades, suas
vivências, suas experiências e seus conhecimentos, de modo que a educação pode
ser considerada libertária, se não libertadora, e crítica, visto que, com oportunida-
des como essa, inúmeros aspectos problemáticos da sociedade surgem e podem
ser discutidos/refletidos pelos envolvidos no processo.
83
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
Imagem 5. Infográfico produzido por estudante 3. Imagem 6. Infográfico produzido por estudante 4.
Fonte: arquivo pessoal. Fonte: arquivo pessoal.
84
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
de Direito”, mas com propósitos similares, visamos promover reflexões que pos-
sam subsidiar a formação de cidadãos críticos que sejam autônomos e que consi-
gam refletir suas realidades e condições.
Reflexões Finais
Referências
A BUSCA PELA JUSTIÇA. HEAVENS FALL. (filme). Direção: Terry Green. 2006.
Strata Productions.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado
Federal: Centro Gráfico, 1988.
85
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
86
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
Isabella Todeschini1
Katiana Pacianello2
Didiê Ana Ceni Denardi3
87
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
KEYWORDS: English language teaching and learning; Didactic sequence; Textual genre.
88
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
Introdução
A escola pública vem assumindo um papel social diferente nas últimas dé-
cadas, acolhendo estudantes de diversas camadas sociais distintas. Neste contex-
to, o debate sobre o papel do ensino de uma forma geral, tem sido discutido pela
sociedade escolar pontuando o que se deseja para o futuro da nação. A grande
diversidade cultural e social presente nas salas de aula traz uma nova situação
desafiadora para os docentes: como atingir todos os alunos de maneira adequada
e eficiente? Uma provável resposta estaria pautada em uma prática pedagógica
emancipadora, conforme Mèszáros (2007):
89
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
90
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
Com relação à sua organização, o artigo está constituído por outras três
seções: a próxima seção, que discute teoricamente o ensino de língua inglesa ten-
do como objeto e instrumento de ensino o gênero de texto; posteriormente, há a
seção que descreve o procedimento metodológico de sequência didática; poste-
riormente, é apresentada a seção que relata a implementação da sequência didá-
tica (SD) em torno do gênero propaganda institucional; e por fim, a seção que tece
algumas considerações.
91
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
92
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
5 Uma das formas de trabalhar com a capacidade multissemiótica é por meio do estudo da
Gramática Visual de Kress e Van Leeuwen (2006).
93
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
Voltando à estrutura modular de uma SD, essa tem início com a apresenta-
ção de um projeto de trabalho em torno de um gênero de texto aos alunos, com a
finalidade de atingir uma determinada situação de comunicação e provocar ações
emancipadoras transformadoras, conforme argumenta Mèszáros (2007, p. apud
PARANÁ, 2008). A partir dessa apresentação, solicita-se aos alunos uma produ-
ção oral ou escrita do gênero de texto escolhido como objeto de estudo. Na se-
quência, a partir de um ou vários textos pertencentes ao gênero ensinado, ou seja,
texto(s) de referência, o(s) texto(s) é/são estudados em módulos de ensino, que
didaticamente são organizados para trabalhar com as capacidades de linguagem
de forma articulada, atendendo, assim, às características de conteúdo temático e
contextos de produção e recepção, organização composicional e estilo do(s) tex-
to(s) de referência.
94
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
95
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
96
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
97
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
98
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
99
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
Considerações finais
100
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
Referências
101
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
102
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
103
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
ABSTRACT: This paper aims to present the results of a study that investigated the in-
teraction between Brazilian subject-students (BS-Ss) and immigrant subject-students
(IS-Ss) in the English language classes of module II of the Basic English Training Course
(BETC), offered by the Municipal Department of Education free of charge to the popu-
lation of Chapecó-SC. As a theoretical place, we are based on Vygotsky’s sociocultural
theory, which conceives the student subject as an active and interactive participant in
the whole process, and on qualitative research, which consists of an integral, subjective
and reflective apparatus, which pursues to understand the process more than the result.
The file set consists of a questionnaire on Google Forms, composed with four questions
(objective and descriptive) and answered by 27 BS-Ss and IS-Ss. From this set, we se-
lected discursive cutouts (DCs) in which resonate meanings about the role and impact
of the interaction between BS-Ss and IS-Ss in the BETC. The analysis results show that
the interaction presents different roles in the English language classroom, among which
stand out the exchange of knowledge between BS-Ss and IS-Ss and the management
of autonomy in learning, overcoming the fear of exposure and error. As activities that
enhance interaction, the results indicated that interviews (questions and answers with
a script) and dialogues/conversation (use of language in everyday situations) were the
main ones.
Introdução
104
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
Ao tratarmos da língua inglesa por este viés, observamos que, nas duas pri-
meiras décadas do século XXI, o Brasil tem se tornado o destino de uma quantida-
de cada vez maior de imigrantes, que buscam principalmente melhores condições
de vida. Compreendemos que há de se pensar que todos somos constituídos pela
nossa língua, cultura, ideologia, relações e anseios e que na sala de aula, a intera-
ção oral é uma travessia de vozes entre os interlocutores. Além disso, é importan-
te levar em consideração que os sujeitos-alunos se constituem no entre-línguas,
pois, estão (con)vivendo com outras línguas, culturas e atravessando fronteiras.
105
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
para a área, uma vez que olharam para os sujeitos-alunos integralmente, observa-
ram os aspectos biológicos, sociais, culturais, históricos, cognitivos e ecológicos.
Logo, observamos que parte dos linguistas aplicados está preocupada em colocar
o aluno como eixo central nas aulas de língua inglesa e priorizar a interação.
Pressupostos Teóricos
106
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
Sendo assim, é válido lembrar que a língua inglesa do mundo produz efei-
to de totalidade em relação ao tempo e espaço, pois, permeia a relação do que-
rer aprender a língua inglesa com um objetivo e que a língua inglesa da escola é
muitas vezes banalizada (FOLLE, 2004). Nesse sentido, há dois fatores principais
que conferiram o título de língua mundial/global à língua inglesa, primeiramente
a extensão do poder colonial britânico, que teve seu auge no final do século XIX,
e a hegemonia dos Estados Unidos como poder econômico no século XX. A esti-
mativa é de que um quarto da população mundial (mais de 1,5 bilhão de pessoas)
demonstra algum conhecimento da língua e que aproximadamente 500 milhões
sejam altamente proficientes (GRIGOLETTO, 2015).
107
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
Percebemos que, se uma língua de contato for usada entre povos que não
compartilham uma primeira língua, possibilitando a comunicação, temos uma
língua franca. Já Seidlhofer9 (2011, p. 7) define o inglês como língua franca (ILF)
“como qualquer uso do inglês entre falantes de diferentes idiomas10”(ibid., tra-
dução nossa). A partir da autora, interpretamos “inglês como língua franca (ILF)”
como uma língua de natureza híbrida que desconsidera a origem nativa do falante.
Gimenez et al. (2015, p. 596) afirmam: “há que se pensar quais seriam as
implicações desse novo enquadramento da língua inglesa para os processos de
ensino-aprendizagem de inglês em diferentes contextos educacionais”. Isso pos-
to, entendemos que língua e cultura são indissociáveis. A indissociabilidade entre
língua e cultura pode ser observada a partir da relação entre o sujeito e o mundo,
na convivência entre os sujeitos. Sendo assim, reverberamos que o termo cultu-
ra é bastante discutido historicamente, justamente por ser um termo complexo.
Entendemos que o termo cultura apresenta inúmeros conceitos e dentre eles,
apresentamos os que são consonantes ao nosso trabalho.
Com Vygotsky (1991), temos que a cultura pode ser vista como um pro-
duto da vida e da atividade social do homem, bem como, para o autor, a cultura é
o eixo do desenvolvimento do ser humano. Pela afirmação, compreendemos que
cultura é algo que constitui o sujeito de maneira contínua, processual e é construí-
da na interação.
7 Citação original: “Since the early publications, developments have been fast and certainly not
free of controversies and even heated debates.” (COGO, 2015, p. 1).
8 Citação original: “A language which is used habitually by people whose mother tongues are dif-
ferent in order to facilitate communication between them”. (UNESCO, 1953, p. 46).
9 Citação original: Pesquisadora que coordena o projeto de pesquisa nomeado Vienna-Oxford
International Corpus of English (VOICE), o qual é composto por gravações e transcrições de áudio
de interações orais em língua franca.
10 Citação original: ELF as any use of English among speakers of different first languages
(SEIDLHOFER, 2011, p. 7).
108
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
Posto isso, temos em Gimenez (2002) um norte para a relação entre cultu-
ra, língua, ensino de língua inglesa e multiculturalidade, pois, a autora afirma que
“podemos pensar que a aula de língua estrangeira possibilita uma compreensão
da cultura enquanto normas de interpretação de sentidos, que são, inevitavel-
mente, historicamente situadas” (GIMENEZ, 2002, p. 107).
109
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
Concordamos com Coracini (2005, p.207) que “só é possível falar de “ação
entre” sujeitos (inter-ação), entre o sujeito e um texto, entre o sujeito e uma língua
ou um saber, se, nessa ação mútua, considerarmos o inesperado, o surpreendente
- em si mesmo e no outro”. Dessa forma, ao interagir com o outro, o sujeito-aluno
está na posição de entre-línguas-culturas e terá de administrar sua nacionalidade,
língua, cultura, ideologias, seus estranhamentos, medos, pré-conceitos, vislum-
brando sua autonomia e aprendizagem. Para findar nossas reflexões teóricas so-
bre interação, trazemos o pensamento de Paiva (2013, p. 190), que sustenta que
“a interação está no cerne da aprendizagem de línguas, pois aprendemos línguas
para construir relações sociais”. A autora propõe tratar a interação pelo viés da
abordagem ecológica, a qual compreende a interação como “o efeito que um in-
divíduo de uma espécie pode gerar em um indivíduo de outra espécie” (PAIVA,
2013, p. 192).
A autora vai além e compara a sala de aula de língua inglesa com “um bio-
ma natural” (ibid., p. 202), citando que muitas das interações em sala de aula são
desconfortáveis para os sujeitos-alunos, bem como por se tratar de uma perspec-
tiva ecológica, visualiza a sala de aula como um ambiente predatório. Paiva (2013)
110
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
destaca também que todos os tipos de interação devem ser considerados em sala
de aula de línguas, focando em encontrar possíveis soluções para a rivalidade e
para a “ interação predatória, [...] ainda refletir sobre o par mais competente e
verificar se esse tipo de interação se constitui em mutualismo ou comensalismo.
Afinal, todos os alunos devem ter oportunidade de desenvolvimento” (PAIVA,
2013, p. 202).
111
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
Aqui abrimos um espaço para falar sobre a questão imigrante, pois, ainda
hoje há equívocos. De acordo com Bolognini e Payer (2005, p. 42), “na história
brasileira, a representação dos imigrantes, ao lado dos indígenas, dos africanos e
do colonizador português, teve um lugar significativo como parte da constituição
do povo brasileiro”. Temos, ainda conforme essas autoras, que:
Entendemos que esse novo público gerou nova demanda, o que tem oca-
sionado uma situação não vivenciada até então, visto que, na grande maioria das
turmas eram formadas por SA-Bs, ou seja, turmas homogêneas no quesito língua
materna. Com a globalização, inúmeros imigrantes de diferentes países se esta-
beleceram no Brasil, o que fez com que muitas instituições passassem a ofertar
“Português como Língua Estrangeira” (PLE). Até aí ainda se tinha a fronteira, a
marcação de que aquela aula era para o “estrangeiro12”.
112
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
113
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
se comuniquem uns com os outros ou com o professor na língua que estão apren-
dendo”. O RD 2, a seguir, aponta para a autogestão da língua inglesa, como pode-
mos observar a seguir:
RD3: S-A 1: Interagia com palavras que sabia. Íamos nos adap-
tando durante as aulas.
114
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
13 Citação original: “[…] the production and recognition of the formal properties of words and utte-
rances and, in particular, the ability to produce and receive phonological form” (JENKINS, 2000,
p. 78).
14 Citação original “[…] we are still concerned with negotiation, with a two-way process involving
both speaker and listener at every stage of the interaction. The negotiation of intelligibility”(-
JENKINS, 2000, p. 78 -79).
115
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
15 Significa “entre as pessoas”, isto é, uma pessoa interagindo com outra pessoa e passando para
essa outra pessoa o conhecimento.
16 Quando esse conhecimento é internalizado e a pessoa retém o conhecimento.
116
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
dias pós-modernos” e, dessa forma, ensiná-la “não pode mais ser visto como ape-
nas ensinar língua” da maneira tradicional que simplesmente observa o sistema
de regras memorizáveis. Não é de hoje que estudiosos afirmam que a escola pode
obter a eficácia do ambiente familiar bem como o das ruas se “imitar” da forma
mais próxima possível as atividades linguísticas da vida, pois não aprendemos por
exercícios isolados, mas sim por práticas significativas (POSSENTI, 1996).
Considerações finais
117
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
17 Seidlhofer (2004, p. 228) citação original: “[…] the teaching of English is going through a truly
postmodern phase in which old forms and assumptions are being rejected while no new ortho-
doxy can be offered in their place”.
118
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
Referências
119
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
120
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
121
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
APÊNDICES
122
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
X X
X X
X X X X
X X X X X X
27 13 15 8 17 9
Quadro 3. Possibilidades de Interação com os SA-Bs.
Fonte: dados da pesquisa (2020).
X X X X
X X
X X X X X
X X X X
X
X
X X X X X
X X X X
X X X X X
X
X
X X X X X
X X X
X X X
X
X
X X
X
X X X
X X X
123
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
X X X
X
X X
X X
X X X X X X
X X
X
X X X X
X X X X X
23 5 11 6 6 11 3 2
Quadro 4. Possibilidades de Interação com os SA-Is.
Fonte: dados da pesquisa (2020).
Pergunta 4– Quais dessas atividades mais contribuem para o seu aprendizado da língua
inglesa?
Atividade Nº de S-As %
entrevista (perguntas e respostas com roteiro) 16 59,3
diálogo (com roteiro) 15 55,6
descrição de atividades/situações 15 55,6
diálogo (conversação espontânea - sem roteiro) 14 51,9
124
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
125
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
LETRAMENTOS MULTISSEMIÓTICOS
NA FORMAÇÃO DOCENTE:
DESENVOLVENDO ESTRATÉGIAS
PEDAGÓGICAS PARA O AUDIOVISUAL1
126
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
ABSTRACT: In teacher education, the diversity of texts and supports available in the
contemporaneity has highlighted the hybridization of languages modes and it has
challenged the education of - readers who are enable to interpret critically audiovi-
sual texts (SIGNORINI, 2012; COPE, KALANTZIS, 2015; BRASIL, 2017). Among the
contributions of the Multiliteracies Theory, theoretical framework that support our un-
derstanding about audiovisual potential in language teaching, multisemiotic literacies
might contribute to learning languages, as they expand reading skills for audiovisual
texts. Thus, reading practice becomes more complex, since it demands from the rea-
der, in addition to use of traditional reading strategies, the application of alternative
approaches that explore multisemiosis and the support of multimodal texts. The purpo-
se of this paper is to present the results of a teaching education project, carried out in
Midwest region of Brazil, that focused on the pedagogical use of music videos in English
language teaching. Results indicate the emergence of defining the criteria, purposes
and, methodological adjustments in order to create pedagogical strategies for the use of
music video as reading object in the English language class. In addition, the results point
out to the need for development or adaptation of methodologies for the pedagogical use
of audiovisual as resources for language learning, additionally for the critical reading
education.
Introdução
127
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
128
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
129
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
Nossa opção pelo gênero videoclipe musical considerou que embora mer-
cadológico, o gênero representa a cultura popular e sua função – a de divulgar/
publicizar o trabalho fonográfico/álbum do cantor/banda o caracteriza como um
gênero presente em diferentes suportes e mídia, sendo, portanto, de fácil aces-
so. Com a ampliação de espaços virtuais para publicação e compartilhamento de
vídeos, o acesso tem sido facilitado, sobretudo, para jovens que se engajam em
práticas de letramentos digitais motivadas por interesses de entretenimento.
Segundo McClain (2016), os vídeos representam a cultura popular e, como são
produzidos com recursos de produção cada vez mais sofisticados, merecem aten-
ção como objetos de leitura e não apenas como produtos para entretenimento.
130
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
131
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
132
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
133
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
No que diz respeito aos critérios para seleção dos videoclipes de música
em Língua Inglesa, algumas sugestões foram fornecidas aos participantes. O pri-
meiro foi o ritmo da música (não no sentido de estilo), mas de velocidade, já que
uma música cantada em Língua Inglesa em velocidade rápida poderia desmoti-
var os alunos a prestarem atenção, por acreditarem que não estão conseguindo
acompanhar. O segundo foi a estética (design) da narrativa audiovisual, que deve-
ria estar alinhada ao perfil e idade dos alunos, assim, vídeos em que fosse exibido
apenas o cantor/banda em situação de show, não despertaria o interesse pela in-
terpretação, em seu lugar, foi sugerido a preferência por videoclipe em que havia
uma narrativa audiovisual, com cenário, atores e enredo que pudesse favorecer a
leitura de imagens. O terceiro critério foi o teor dos videoclipes no que se refere à
preservação do bem-estar dos alunos, portanto, vídeos que apresentassem cenas
de violência, sexo e uso de drogas deveriam ser evitados. Esses foram os 3 (três)
principais critérios adotados para auxiliar os participantes do projeto a pesquisa-
rem e selecionarem o videoclipe musical.
134
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
Considerações finais
135
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
Referências
BAGULEY, M.; PULLEN, D. L.; SHORT, M. Multiliteracies and the new world order.
In: BAGULEY, M.; PULLEN, D. L.; SHORT, M. Multiliteracies and technology en-
hanced education: social practice and the global classroom. Hershey: IGI Global,
2010, p. 01-17.
BALADELI, A. P.D. Relato de experiência em educação para os multiletramentos:
a formação de leitores na cultura da convergência. Revista Instrumento, Juiz de
Fora, v.18, n.1, 2016, jan./jun. p.141-149. Disponível em: https: //periodicos.ufjf.
br/index.php/revistainstrumento/article/view/18968 . Acesso em: 08 out. 2020.
136
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
BERK, R. A. Multimedia teaching with Video clipes: TV, Movies, YouTube, and
mtvU in the College Classroom. International Journal of Technology in Teaching
and Learning. v. 5, n.1, p.01-21, 2009.
BRASIL. Base Nacional Comum Curricular: Ensino Médio. Brasília: MEC/
Secretaria de Educação Básica, 2017.
BULL, G.; ANSTEY, M. Elaborating multiliteracies through multimodal texts.
London, New York: Routledge, 2019.
COPE, B.; KALANTZIS, M. A pedagogy of multiliteracies, learning by design.
New York: Palgrave Macmillan, 2015.
COPE, B.; KALANTZIS, M. “Multiliteracies”: New literacies, new learning.
Pedagogies: an International Journal, v.4, n.3, 2009, p. 164-195.
HERRERO, C. From new literacies to transmedia literacies: the New Approaches
to Transmedida and languages Pedagogy project. In: Becerra. M. et al. Innovative
language teaching and learning at university: a look at new trends. Research-
publising net, 2019. p.19-26.
KALANTZIS, M.; COPE, B. Language education and multiliteracies. In: MAY, S.;
HORNBERGER, N.H. (eds). Encyclopedia of Language and Education. v.1, 2008,
p. 195-211.
LARSEN-FREEMAN, D.; ANDERSON, M. Techniques and principles in languages
teaching. 3.rd. New York: Oxford University Press, 2011.
LEMKE, J. Towards critical multimedia literacy: technology, research, and politics.
In: McKENNA, M.C. International Handbook of Literacy and Technology. v.II,
New Jersey: Lawrence Erlbawum, 2006.
MCCLAIN, J. M. A framework for using popular music videos to teach media lit-
eracy. Dialogue: The interdisciplinary Journal of Popular Culture and Pedagogy,
v.3, n.1, p.38-46, 2016. Disponível em: http: //journaldialogue.org/issues/a-fra-
mework-for-using-popular-music-videos-to-teach-media-literacy. Acesso em:
03 jul. 2020.
NEW LONDON GROUP.A pedagogy of multiliteracies: Designing social futures.
Harvard Educational Review; v. 66, 1996.
SERAFINI, F. Expanding perspectives for comprehending visual images in multi-
modal texts. Journal Adolescent and Adult Literacy, v. 54, n.5, p. 342-350, 2011.
137
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
138
POLÍTICAS LINGUÍSTICAS E ENSINO DE
LÍNGUAS ADICIONAIS PARA CRIANÇAS
NO BRASIL: REFLEXÕES SOBRE A
LÍNGUA INGLESA
139
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
140
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
practices and by the increasing differences between public and private educatio-
nal contexts.
Introdução
Fundamentação teórica
141
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
ações concretas de interesse público relativo à(s) língua(s) que importam para o
povo de uma nação, de um estado ou ainda, instâncias transnacionais maiores.” As
PLs sempre existiram no campo da filosofia, no que diz respeito ao papel que as
línguas exercem em definir os povos e consolidar suas nações ao redor do mun-
do e, no sentido abstrato não podem ser caracterizadas como certas ou erradas,
apropriadas ou equivocadas por se darem em todos os lugares e em todos os tem-
pos. Ademais, conforme preconizado por Aristóteles, além de ser homo loquens o
ser humano sempre foi também homo politicus e, por causa dessa natureza polí-
tica, todos os cidadãos têm, ou se não têm, devem ter direito de serem ouvidos e
seus votos contados em pé de igualdade com qualquer outro. Por outro lado, no
sentido de ação concreta, as PLs são sempre datadas, contextualizadas e situadas
e podem ser caracterizadas como bem acertadas ou mal pensadas, apropriadas ou
precipitadas (RAJAGOPALAN, 2013).
Além disso, Ricento (2006), destaca que as PLs nasceram como um ramo
da sociopolítica, sistematizada como objeto de pesquisa e mecanismo de regu-
lação social durante as décadas de 1950 e 1960, em um contexto no qual (1) a
linguagem é vista como um instrumento finito, estável, padronizado e governado
por regras de comunicação; (2) o monolinguismo e a homogeneidade cultural são
tidos como requisitos para o progresso social e econômico, modernização e uni-
dade nacional; e, (3) a seleção da língua como uma escolha racional na qual todas
as opções estão disponíveis para todos.
142
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
hierarquicamente grupos - e suas línguas - em uma sociedade regida por PLs, que
favorecem interesses majoritários ou dominantes em detrimento de interesses
minoritários e não dominantes. Diante dessa perspectiva crítica, os estudiosos
passaram a dedicar-se à descoberta de ideologias e políticas associadas, a fim de
provocar uma mudança social que culminou em uma mudança de paradigma – do
monolinguismo para o multilinguismo –, uma vez que os grupos constituintes do
Estado estão mais bem posicionados para participar como iguais em uma demo-
cracia significativa quando suas culturas e idiomas são respeitados, e, conferem
legitimidade através de reconhecimento e apoio institucional (RICENTO, 2006).
Tal qual, para Shohamy (2007) os testes de línguas representam uma PL im-
plícita que, logicamente, difere da PL explícita, por se tratar de um mecanismo en-
coberto utilizado por autoridades centrais para criar, perpetuar e manipular uma
PL explícita que muitas vezes não passa de uma mera declaração de intenção. Os
testes são, portanto, mais poderosos do que qualquer documento político escrito,
pois podem conduzir à eliminação e supressão de certas línguas nas sociedades,
privilegiar certas formas e níveis de conhecimento de línguas, definir a gramática
correta e os sotaques nativos como parte dos critérios de avaliação e ainda, per-
petuar o poder do inglês e dos seus falantes através da utilização do inglês como
língua de instrução e/ou como requisito para aceitação a instituições de ensino
superior.
143
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
Todavia, a autora alerta para o fato de que, o resultado dessa teoria mul-
ticultural são sujeitos descentralizados e fragmentados, incapazes de entender
e intervir na realidade de forma coerente, organizada e objetiva, que acabam
3 Citação original: Language policy (LP) refers to and is concerned with decisions made about
languages and their uses in society; Language education policy (LEP) refers to such decisions
in the specific contexts of schools and universities in relation to home languages, foreign, and
second languages. These may include decisions about which language(s) should be taught, when
(at what age), for how long (number of years and hours of study), by whom (who is qualified to
teach), for whom (who is entitled and/or obligated to learn), and how (which teaching methods,
curriculum, materials, tests to be used).
144
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
por aceitar de forma acrítica a lógica do capital. Portanto, “ao invés de se buscar
a superação da alienação, o grande valor passa a ser a liberdade de expressão e
a valorização da diversidade”, de modo que “ao se enfatizar as lutas fragmenta-
das de movimentos sociais, se rejeita o conhecimento da totalidade, os valores
universais, a racionalidade, a igualdade (na concepção liberal ou na socialista)
e, de forma mais profunda, a concepção do marxismo de emancipação humana”
(MALANCHEN, 2014, p. 92-93).
145
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
146
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
147
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
148
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
149
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
150
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
Considerações finais
Referências
151
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
BORDINI, M.; GIMENEZ, T. Estudos sobre inglês como língua franca no Brasil
(2005-2012): uma metassíntese qualitativa. Signum: Estudos da Linguagem,
[S.l.], v. 17, n. 1, p. 10-43, jun. 2014.
CHAGURI, J.; TONELLI, J. Políticas de ensino e aprendizagem de línguas estran-
geiras para crianças no Brasil: (re)discutindo fundamentos. Revista Linhas. n. 20,
p. 281-302, 2019.
GRADDOL, D. English Next: why global English may mean the end of “English as
a foreign language”. The English Company (UK) Ltd. British Council. 2006.
JOHNSTON, R. et al. An early start: What are the key conditions for general-
ized success?. In: ENEVER, J. et al. Young Learner English Language Policy and
Implementation: International Perspectives. UK: Garnet Publishing Ltd, 2009, p.
31-41.
LAGARES, X. C. Qual política linguística?: desafios glotopolíticos contemporâ-
neos. São Paulo: Parábola, 2018.
MALANCHEN, J. A pedagogia histórico-crítica e o currículo: para além do multi-
culturalismo das políticas curriculares nacionais. Tese (doutorado) - Universidade
Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, Faculdade de Ciências e Letras (Campus
de Araraquara), 2014.
MEGALE, A.; LIBERALI, F. Caminhos da educação bilíngue no Brasil: perspectivas
da linguística aplicada. Raído, Dourados, v. 10, n. 23, p. 9-24, 2017. Disponível em:
<http: //ojs.ufgd.edu.br/index.php/Raido/article/view/6021>. Acesso em:
18 jun. 2020.
MELLO, M. G. B. de. Ensino de inglês nos anos iniciais do ensino fundamental: um
estudo de política pública no município de Rolândia, PR. Dissertação (Mestrado
em Estudos da Linguagem) - Universidade Estadual de Londrina, Centro de Letras
e Ciências Humanas, Londrina, 2013.
MERLO, M.C.R. Inglês para crianças é para inglês ver? Políticas linguísticas, for-
mação docente e educação linguística nas séries iniciais do ensino fundamen-
tal no Espírito Santo. (Dissertação de Mestrado em Linguística) - Universidade
Federal do Espírito Santo, Programa de Pós-Graduação em Linguística, Vitória,
2018.
PINA, L. D.; GAMA, C. N. Base Nacional Comum Curricular: algumas reflexões a
partir da pedagogia Histórico-crítica. Revista Trabalho Necessário, v. 18, n. 36, p.
343-364, 2020.
152
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
Outras referências
1 Este texto é um recorte da tese de doutorado intitulada “Produção escrita de gêneros profis-
sionais em língua inglesa: vozes entrelaçadas no processo de escrita e reescrita textual”, de-
fendida em 2016, no Programa de Pós-Graduação em Estudos da Linguagem, na Universidade
Estadual de Londrina (UEL). Para outras informações, acessar http: //www.bibliotecadigital.uel.
br/document/?code=vtls000206012.
2 Universidade Tecnológica Federal do Paraná – Campus Curitiba. bisetto@utfpr.edu.br
154
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
ABSTRACT: The process of textual construction and reconstruction demands the ful-
fillment of different steps, such as planning, writing and rewriting, connected to each
other. The refinement of linguistic, discursive and textual elements leads the text to its
final version, establishing a communication between the writer and the reader. This
communication, in most cases, occurs through text genres. Thus, this article aims to pre-
sent part of a study carried out on the professional genre résumé, necessary for under-
graduate students to get in the professional world. Our theoretical-methodological fra-
mework is based on the Social Interactionism (VIGOTSKI, 2002), on the Sociodiscursive
Interactionism (BRONCKART, 2012), on the language capacities (CRISTOVÃO; STUTZ,
2011; BRONCKART, 2012), on the study ofgenres (SCHNEUWLY ; DOLZ, 2004), on
the didactic model of genres (SCHNEUWLY; DOLZ, 2004), on the control lists (BAIN;
SCHNEUWLY, 1993; GONÇALVES, 2007), and on the oral and written corrections
(LALANDE, 1982; SERAFINI, 1995; FIGUEIREDO, 2001; (RUIZ, 2013 [2001]). The
study on such genre took place in an extension course on professional writing at the
Federal Technological University of Paraná-Campus Curitiba, named Professional
Writing Development, designed to meet the needs of the students majoring in the
Portuguese/English and English Undergraduate Language Courses. This is a qualitative-
-driven research, situated within the field of Applied Linguistics, based on the action-re-
search methodology. The results show that oral and written interventions are significant
in terms of promoting textual improvement, taking into account the linguistic, cognitive
and contextual aspects of this genre.
155
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
Introdução
156
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
Aportes teórico-metodológicos
157
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
158
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
159
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
refletir sobre sua produção e a função que esta possui. Este tipo de correção se
realiza por meio de comentários mais longos, feitos à margem do texto em forma
de bilhetes, nos quais o professor pode indicar problemas de natureza mais global,
extrapolando os limites da frase, uma vez que chega a trabalhar com questões de
ordem macroestrutural.
160
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
Quanto ao seu MDG, a construção contou com a análise de dez (10) textos
de referência, todos redigidos em língua inglesa. Sobre o contexto de produção
(BRONCKART, 2012), temos os seguintes elementos em sua dimensão contex-
tual: objetivo de elencar informações acadêmicas e profissionais relacionadas à
uma posição específica de emprego; vozes de pessoas interessadas em expor seus
dados pessoais, profissionais e acadêmicos e destinatários, como recrutadores;
suporte de veiculação, como endereço eletrônico, sites de recrutamento online e
páginas virtuais.
161
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
Metodologia
5 Sobre os itens em língua inglesa, temos: personal information, qualifications ou education, profes-
sional experience, publications, participation in events, applicable skills e further information.
6 O curso PWD abordou os gêneros de texto biodata, résumé e cover letter, mas, para o propósito
deste artigo, focalizamos somente no gênero résumé.
162
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
163
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
164
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
165
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
Ainda neste mesmo item, a autora faz uso de dêiticos temporais (06/06 – present)
e espaciais (Brazilian Air Force), com o objetivo de situar o leitor sobre atribuições
finalizadas e outras que se encontram em progresso.
Na sequência, A1 retrata o item educação (do dado mais atual ao menos re-
cente), no qual é possível visualizar parte de seu histórico educacional. Logo após,
A1 focaliza suas habilidades linguísticas e aquelas referentes ao uso do computa-
dor, em que cinco (5) diferentes programas são mencionados. Outro item elenca-
do diz respeito às certificações adicionais, as quais estão diretamente ligadas ao
campo profissional da autora (área da aviação). Por fim, A1 declara fazer parte de
uma associação, cuja sigla não é compreendida pelos participantes do grupo.
Sobre essa e outras questões, vejamos os comentários proferidos pela ETA,
no momento da correção com os pares (FIGUEIREDO, 2001; 2003).
Excerto 01:
38. ETA: I think she had all the main components. Ah: : : Work ex-
perience, education, skills, certificates, memberships, (xxx). The
only thing that I would suggest is just a little bit more detail on
like work experience, to tell exactly what you did. Ah: : but, and
maybe the membership just bright out what ABCTA means. So
just write that out.
39: P: Perfect. <@So she would get a job@>. So this is one part of
the job, of getting the job! @
40. A1: Yeah.
41. ETA: Oh, and one more. On education, ((ETA thinks it is weird
to mention the word Letras only)), about the course you’re in, I
had a hard time trying to translate Letras, apparently Letras,
[…] I think we kind of come up with, I think you should say you
a: : re Majoring in Languages and Literature in English and in
Portuguese. So just kind of describe it a little bit more. […]
42. P. Anything else that you would like to say about yours? ((P
asks A1)) Do you remember what you have written?
43. A1: <@A little bit>@ It was long ago!
A ETA, atuando como par mais competente (VIGOTSKI, 2002), analisa e su-
gere possíveis alterações na PI de A1, trazendo basicamente duas questões à tona.
A primeira diz respeito à dificuldade de encontrar uma explicação para a denomi-
nação do curso de Letras e, por este motivo, solicita que os discentes descrevam o
nome de forma a identificar a área em que poderão atuar quando na finalização de
seu curso. O segundo apontamento é alusivo à sigla mencionada no item afiliação
(em inglês, membership), cujo significado não pode ser aferido.
166
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
Work Experience
06/06 – present Brazilian Air Force,
specialized in Air
Traffic Control
Education
2013 – present Graduate in UTFPR, PR,
majoring in Literature and Languages in
Portuguese and English
High School at
Colégio Militar de
Brasília, Class of 002
Language Skills
Read, write and speak portuguese
Read, write and speak spanish
Software Skills
Windows, Word, Excel, Power
Point, Explorer
Other Certificates
Specialist in Air Traffic Control
English for Aviation
Membership
Figura 2. Texto 1: PF do résumé de A1.
167
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
Como é possível visualizar, há acréscimos que lhe parecem viáveis para tor-
nar seu texto mais rico. No que tange à expansão vocabular (CLD) e ao emprego
das operações linguístico-discursivas (FABRE, 1987; LEITE, 2012; GASPAROTTO;
MENEGASSI, 2013), os acréscimos realizados ocorreram em três diferentes mo-
mentos: primeiramente, temos a adição de um dado com respeito às suas expe-
riências profissionais, em que ao afirmar trabalhar na Força Aérea Brasileira,
A1 aponta sua especialidade dentro desta instituição federal ([...] specialized
in Air Traffic Control); o segundo momento se refere ao curso em progresso na
Universidade que, em resposta aos comentários proferidos pela ETA (frase 41) e
ao uso do bilhete textual-interativo (RUIZ, 2013 [2001]), suscitam de A1 uma mo-
dificação no item educação, para que o leitor tenha a chance de obter informações
adicionais sobre a área de estudo em que a candidata pretende se especializar.
Assim, a graduanda decide trazer dados extras sobre seu curso de gradua-
ção, abrangendo, em seu título, o estudo das Literaturas e das Línguas Portuguesa
e Inglesa (Graduate in UTFPR, PR, majoring in Literature and Languages in Portuguese
and English). O útlimo acréscimo efetuado diz respeito à associação a que perten-
ce, com a explicação da sigla ABCTA (Associação Brasileira de Controle de Tráfego
Aéreo). Temos, assim, três diferentes elementos que são adicionados à sua PI, tor-
nando seu texto mais completo aos olhos do leitor.
Além dos acréscimos descritos, A1 realiza outras alterações além das suge-
ridas, como o uso do dêitico espacial “Curitiba – PR” para situar o leitor sobre a
localidade em que a associação a que pertence tem sua sede de funcionamento.
Suas produções não contemplam elementos que contribuem para a coesão nomi-
nal ou verbal (CLD), justamente pelas informações aparecerem em forma de es-
quematizações (BRONCKART, 2012). Entretanto, fica visível que suas as escolhas
lexicais (Personal Information, Work Experience, Education, Language Skills, Software
Skills, Other Certificates, Membership) estão estritamente relacionadas ao conteú-
do temático (CLD).
168
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
169
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
170
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
171
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
A questão das habilidades também é focalizada, uma vez que esta infor-
mação parece ser compulsória na maioria dos textos de referência analisados.
Isto posto, visualizamos que tanto sua PI quanto sua PF abordam essa questão
essencial para o gênero em estudo. Em decorrência da intervenção realizada por
meio do bilhete interativo (RUIZ, 2013 [2001]), o qual orienta o aluno sobre mo-
dificações necessárias para que o texto apresente as características de um résumé,
o discente decide realocar tais informações em dois grupos distintos. O primeiro é
alusivo às suas habilidades com o computador, em que sinaliza ter conhecimento
sobre alguns dos programas mais utilizados (Windows, Excel, Word, Photoshop). O
segundo se refere à proficiência linguística, em que, além de citar as línguas es-
trangeiras (japonês e inglês) com as quais consegue se comunicar, A3 destaca seu
grau de proficiência (well, not very well) em termos de compreensão oral e produ-
ção oral e escrita. Sobre esta questão, temos a supressão do advérbio de modo
fluently de sua PI, mas o acréscimo de outras informações a sua PF, como a adição
dos verbos ler, falar e escrever (read, speak, write) para ambas as línguas.
172
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
173
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
Considerações finais
174
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
Referências
BAIN, D.; SCHNEUWLY, B. Por une evaluation formative intégrée dans la pé-
dagogie du français : de la nécessité et de l´utilité de modèles de référence. In:
PERRENOUD, P.; BAIN, D.; ALLAL, L. Évaluation formative et didactique du
français. Lausanne: Delauchaux et Niestlé, 1993, p. 51-79. Disponível em: https:
//bit.ly/3jRugdv. Acesso em: 17 mar. 2015.
BORTONI-RICARDO, S. M. O professor pesquisador: introdução à pesquisa qua-
litativa. São Paulo: Parábola, 2008.
BRONCKART, J. P. Atividade de linguagem, discurso e desenvolvimento huma-
no. Campinas, SP: Mercado de Letras, 2006.
BRONCKART, J. P. Atividade de linguagem, textos e discursos: por um intera-
cionismo sociodiscursivo.2ª ed. Trad. Anna Rachel Machado, Péricles Cunha. São
Paulo: EDUC, 2012.
CRISTÓVÃO, V. L. L.; STUTZ, L. Sequências didáticas: semelhanças e especificida-
des no contexto francófono como L1 e no contexto brasileiro como LE. In: SZUNDY,
P. T. C.; ARAÚJO, J. C.; NICOLAIDES, C. S.; SILVA, K. A. (Orgs.). Linguística aplicada
e sociedade: ensino e aprendizagem de línguas no contexto brasileiro. Campinas,
SP: Pontes Editores, 2011, p. 17-39.
CRISTÓVÃO, V. L. L.; TORRES, A. C. da G.. Gênero textual como instrumento para
o engajamento do aprendiz no processo de avaliação escrita. In: MACHADO, L. T.;
CRISTOVÃO, V. L. L.; FURTOSO, V. B. (Orgs.). Aspectos da linguagem: considera-
ções teórico-práticas. Londrina: UEL, 2006, p. 37-57.
DOLZ, J.; GAGNON, R.; DECÂNDIO, F.. Produção escrita e dificuldades de apren-
dizagem. Mercado de Letras, 2010.
175
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
176
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
177
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
178
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
ABSTRACT: Motor skills are inherent to the human being and attached to it since its bir-
th, and they are necessary to the development of many abilities, considering that lear-
ning is the result of the relationship between body and environment. Therefore, body
movements can also be beneficial for teaching and learning the English language, since
they are used as possible resources for learning, having the power of transforming the
classroom atmosphere. Total Physical Response (TPR) is a natural method of teaching
and learning the English language, created by James Asher, which is based on the com-
bination of language learning with body movements. Asher (2012) compares the acqui-
sition of a foreign language to the acquisition of the mother tongue by stating that the
child listens for a long time before developing speech. Through motion, he advocates the
acquisition of the foreign language not only by the left cerebral hemisphere, but also by
the right one. The study presented here was based on reading and analysis of the litera-
ture on TPR, child development, and neurolinguistics. To test its benefits and efficiency,
an interventionist practice was conducted in the city of Assis Chateaubriand, Paraná,
in 2019, for children aged six and seven. The results showed that TPR is a great ally in
the reduction of the affective filter because it can produce an environment that relieves
stress levels, besides acting in the motivational aspects of the students.
Introdução
179
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
180
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
Rocha (2007) acredita que a criança tenha mais facilidade para aprender
uma língua estrangeira, o que, segundo a autora, fez aumentar a procura de cur-
sos de Língua Inglesa para crianças, afinal, os pais estão preocupados em preparar
seus filhos para o mercado de trabalho, cada vez mais concorrido, e por isso inves-
tem em cursos de idiomas e educação bilíngue.
181
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
língua estrangeira, mais facilidade o aluno terá ao falar, garantindo assim maior
fidelidade à pronúncia.
182
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
5 No original, encontra-se: Parents have ‘language-body conversations’ with their children, the parent
instructs and the child physically responds to this. The parent says, “Look at mummy” or “Give me the
ball” and the child does so. These conversations continue for many months before the child actually
starts to speak itself. Even though it can’t speak during this time, the child is taking in all of the language;
the sounds and the patterns. Eventually when it has decoded enough, the child reproduces the language
quite spontaneously. TPR attempts to mirror this effect in the language classroom.
183
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
Tal constatação está de acordo com o que nos certificam Krashen e Terrell
(1983, p.1): “Nós aprendemos a língua quando obtemos input compreensível,
quando nós entendemos o que nós ouvimos ou lemos em outra língua. Isso sig-
nifica que a aquisição é baseada primeiramente no que ouvimos e entendemos,
não no que dizemos”6. Segundo Krashen (1985), é o input compreensível, e não a
produção da fala, a chave para a aquisição da linguagem.
O papel do professor no TPR é ativo e direto, pois é ele quem decide o que
ensinar e dá os comandos. Mais do que ensinar, segundo Asher, o professor provi-
dencia oportunidades para que o aprendizado aconteça. Organização e uma boa
preparação são indispensáveis, uma vez que também é o professor que apronta
os materiais a serem utilizados durante a lição. Fusari (1990) é claro ao discorrer
sobre o planejamento, que é uma prática essencial para a sala de aula. Ele pontua:
6 No original, encontra-se: We acquire language when we obtain comprehensible input, when we un-
derstand what we hear or read in another language. This means that acquisition is based primarily on
what we hear and understand, not what we say.
7 Substantivos concretos são as palavras que usamos para denominar o que tem existência pró-
pria e não depende de outras coisas para existir, como por exemplo as pessoas, os animais, luga-
res, objetos, comida, etc.
184
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
De acordo com Garcia (2001), o TPR utiliza o lado direito do cérebro, fator
que elimina a tradução da palavra para a língua materna. O lado direito é mais
tolerante à compreensão e consequentemente, a aquisição da segunda língua tor-
na-se menos cansativa.
8 No original, encontra-se: When talk appears it will not be perfect. There will be many distortions, but
gradually pronunciation and grammar will shape itself in the direction of the native speaker.
9 No original, encontra-se: […] the learning of the mother-tongue is inevitable, whereas, alas, we all
know that there is no such inevitability about the learning of a second language; that the learning of the
mother-tongue is part of the whole maturational process of the child, whilst learning a second language
normally begins only after the maturational process is largely complete; that the infant starts with no
overt language behaviour, while in the case of the second language learner such behaviour, of course,
exists ; that the motivation (if we can properly use the term in the context) for learning a first language
is quite different from that for learning a second language.
185
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
É justo alegar que, de alguma maneira, todas as regiões cerebrais estão en-
volvidas na linguagem. Há uma concordância ao afirmar que ambos os hemisfé-
rios cerebrais, direito e esquerdo, atuam em conjunto na aquisição de linguagem
(SACKS, 2010). Para entendermos como os hemisférios trabalham, devemos ter
em mente que o hemisfério direito controla o lado esquerdo e o hemisfério es-
querdo controla o lado direito. De acordo com Warpechowski (s/a), o hemisfério
direito recebe e lida com o novo conhecimento e, então, o repassa para o lado
esquerdo, que tem a função de efetivá-lo permanentemente.
10 No original, encontra-se: Acquisition requires meaningful interaction in the target language – natural
communication – in which speakers are concerned not with the form of their utterances but with the
messages they are conveying and understanding.
186
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
do hemisfério direito ocorram primeiro para que, então, o lado esquerdo consiga
processá-las e produzir a linguagem. Asher explica11:
11 No original, encontra-se: The right hemisphere is mute but can express itself by listening to a com-
mand in the target language, and then performing the appropriate action. The left hemisphere can ex-
press itself by talking. The left is verbal while the right is non verbal which means it can communicate
through physical behavior such as pointing, touching, drawing, singing, gesturing, and pantomime.
12 No original, encontra-se: Donna Frick-Horbury in the American Journal of Psychology discovered
that when volunteers held onto a bar to keep their hands still and listened to the definition of the word
“abacus”, they took longer to think up the word than when they could move their hands freely. Often,
when their hands were still, they failed to think of the word.
187
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
Devemos considerar que alguns fatores psicológicos, tais como medo, an-
siedade e frustração, podem influenciar imensamente no processo de aquisição
de uma língua. Segundo Stevick (1980), o sucesso da aprendizagem da língua
estrangeira depende mais dos sentimentos que o aluno tem em relação a aquele
conteúdo, do que dos métodos e técnicas utilizados. A afirmação vai de acordo
com o que diz Perrenoud (2000):
13 No original, encontra-se: To summarize to this point: Lenneberg’s claim that lateralization was com-
plete by puberty and is the neurological basis for the critical period for language acquisition and thus
responsible for child-adult differences in second language acquisition is not entirely ruled out. There
is, however, considerable evidence today that implies that much of the development of cerebral dom-
inance may be complete much earlier and may have little or nothing to do with the critical period.
Moreover, there are other possible “explanations” for the critical period.
188
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
14 No original, encontra-se: Dulay and Burt (1977) have suggested that an “affective filter” may exist, a
filter that “delimits” input before it can be processed by the “cognitive organizer”.
15 No original, encontra-se: An important condition for successful language learning is the absence of
stress. First language acquisition takes place in a stress-free environment, according to Asher, where-
as the adult language learning environment often causes considerable stress and anxiety. The key to
stress-free learning is to tap into the natural bio-program for language development and thus to recap-
ture the relaxed and pleasurable experiences that accompany first language learning. By focusing on
meaning interpreted through movement, rather than on language forms studied in the abstract, the
learner is said to be liberated from self-conscious and stressful situations and is able to devote full ener-
gy to learning.
189
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
Por fim, Asher (2012) recomenda que as respostas críticas aos alunos se-
jam mudadas para reforços positivos. Um exemplo é que ao invés de falar “isto
16 No original, encontra-se: a goal, effortful behavior, a desire to attain the goal and favorable attitudes
toward the activity in question.
17 No original, encontra-se: At first parents correct very little, but as the child grows older, parents are
said to tolerate fewer mistakes in speech. Similarly, teachers should refrain from too much correction in
early stages and should not interrupt to correct errors, since this will inhibit learners .
190
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
está errado!”, podemos dizer “você está no caminho certo, podemos moldar um
pouco mais” (ASHER, 2012, p. 3-5). É necessária uma mudança de atitude por par-
te dos professores, para que o aluno se sinta cada vez mais motivado e não perca
a confiança de que é capaz de adquirir o idioma a ser estudado.
18 No original, encontra-se: The results seem to indicate that it is not important that the individual stu-
dent models along with the instructor so long as the individual student later demonstrates comprehen-
sion through actions.
191
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
COR MOVIMENTO
Amarelo / Yellow Pular / Jump
Azul / Blue Acenar / Wave
Branco / White Bater palmas / Clap hands
Cinza / Grey Bater os pés / Stomp feet
Laranja / Orange Rodar/ Turn
Marrom / Brown Sentar-se / Sit
Preto / Black Fechar os olhos / Close eyes
Rosa / Pink Mandar um beijo / Blow a kiss
Roxo / Purple Dançar / Dance
Verde / Green Levantar-se / Stand up
Vermelho / Red Coração / Heart
Tabela 1. Lista de cor e movimentos.
Repeti o processo da modelagem outras duas vezes, e então pedi para que
os alunos me acompanhassem. Assim que eu dava o modelo, a criança reproduzia
o movimento, numa primeira vez sem o som e então repetindo também as pala-
vras. Os alunos realizaram a demonstração por três vezes no total. Asher explica
que a criança experiencia centenas de horas de movimentos corporais antes de
falar, de fato. Gesell & Thompson apud Asher (2012) “observaram que a criança
desenvolve um entendimento sofisticado do que as pessoas dizem antes de tentar
falar19” (ASHER, 2012, p. 2-18). Depois disso, os alunos seguiram para as ativida-
des em seus livros.
Ao longo das aulas, percebi uma melhora na pronúncia das crianças. O re-
sultado mais evidente foi a questão da motivação dos alunos quanto à participa-
ção nas aulas. A ludicidade das atividades fez com que o ambiente se tornasse
19 No original, encontra-se: [...] observed that infants develop sophisticated understanding of what peo-
ple are saying before the infant attempts to speak.
192
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
Considerações finais
O TPR mostrou seu êxito quanto a motivação dos alunos, dado que torna o
ambiente descontraído e reduz o estresse na sala de aula. Para Pilleti:
Todavia, o TPR também tem algumas limitações. Uma delas é que os alunos
mais tímidos podem se sentir constrangidos ao realizarem as atividades propos-
tas. Outro ponto negativo é a dificuldade de se ensinar alguns conteúdos com o
método. Ele se prova melhor no ensino de vocabulário e elementos mais simples,
porém com a quantidade de comandos torna-se quase impossível transmitir con-
ceitos abstratos por intermédio do TPR.
193
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
à empatia e atenção aos alunos ajudam a driblar os problemas que possam ser
enfrentados. A junção de um ambiente adequado e de um profissional capacitado
tornam a aquisição de língua algo real, e não apenas um sonho distante ou um
conceito abstrato.
Referências
ANTHONY, E. M. Approach, method, technique. ELT Journal. Vol. XVII, [S. l.], 1963.
ASHER, J. J. Learning Another Language Trough Actions. 7th Edition. Sky Oaks
Productions, Inc. California, EUA. 2012.
BROWN, H.D. Teaching by principles – An interactive approach to language
pedagogy. USA: Prentice Hall, 1994.
CAMERON, L. Teaching language to young learners.Cambridge: Cambridge
University Press, 2001.
CHOMSKY, N. Reflexões sobre a linguagem. Lisboa: Edições 70, 1977.
CORDER, S.P. The Significance of Learner’s Errors.1RAL, 5, [ S. l], 1967.
DE ANDRADE, R. A. A influência do filtro afetivo no ensino da língua inglesa em
uma escola pública do sul goiano. Morrinhos: [s. n.], 2010.
FERRARI, M. Teoria da idade crítica no aprendizado de línguas estrangeiras.
Letras de hoje. Porto Alegre. v.37, n.2, 2002.
FIGUEIREDO, F. J. Fatores afetivos e aprendizagem de línguas: foco na escrita e
na correção de erros. In: MASTRELLA-DE-ANDRADE, M. R. (Org.) Afetividade e
emoções no ensino/aprendizagem de línguas: múltiplos olhares. Campinas, São
Paulo: Pontes Editores, 2011.
FROST, R. Total Physical Response - TPR. Londres, 2004. Disponível em: https: //
www.teachingenglish.org.uk/article/total-physical-response-tpr. Acesso em: 8
mar. 2019.
FUSARI, José Cerchi. Planejamento do trabalho pedagógico: algumas indagações
e tentativas de respostas. Idéias, São Paulo, n. 8, p. 44-53, 1990.
GARCIA, R. Instructor’s Notebook – How to apply TPR for best results. Sky Oaks
Productions: Califórnia, USA. 2001.
KRASHEN, S. D. Second Language Acquisition and Second Language Learning.
Pergamon Press: California, USA. 1981.
KRASHEN, S. D. The Input Hypoyhesis: Issues and Implications. Longman. 1985.
194
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
195
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
UM LEVANTAMENTO SOBRE O
DESENVOLVIMENTO DA ORALIDADE
EM LI NAS ESCOLAS DA REDE PÚBLICA
BRASILEIRA
196
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
professores de Inglês no Brasil; assim como Corrêa (2017), que estuda a práti-
ca da oralidade nas aulas de LI, especialmente em escolas públicas do estado de
Minas Gerais. Feito o levantamento proposto, verifica-se que ao longo de todos os
anos em que se ensina LI na escola pública brasileira – pelo menos sete anos – o
desenvolvimento da oralidade é bastante limitado, salvo raras ou eventuais exce-
ções. Por outro lado, há registro de iniciativas promissoras, como os ambientes de
estudo complementares, ainda com abrangência bem reduzida, mas que podem
servir de base para a necessária transformação desta realidade.
ABSTRACT: This work offers a bibliographic review carried out in the scope of the
Postgraduate Program in Linguistics and Literature of the Federal University of
Technology - Paraná State (UTFPR). The focus of this research is to discuss the deve-
lopment of oral skills in English as a Foreign Language (EFL), in order to highlight the re-
levance of these skills in FL teaching and learning process, especially in Brazilian public
schools. Therefore, the proposed goal is to research and select documental sources and
articles that deal with how oral skills have been approached in the English Language
(EL) teaching in the context of public schools in Brazil, with the purpose of conducting
a preliminary survey on this topic. The justification for this research is based on data
collected by the initiative of the British Council and reported in the document entitled
“Public policies for English teaching: an overview of Brazilian public network experience”
(2019), which presents a detailed mapping of the structural and methodological con-
ditions for teaching EL in Brazilian states, highlighting oral skills as the main challenge.
In addition to this survey, this work takes into account the studies by Ialago and Duran
(2008) that discuss the adversities faced by English teachers in Brazil; as well as Corrêa
(2017), who studies the oral skills practice in EL classes, especially in public schools in
Minas Gerais state. As a result of this survey, it appears that throughout the years in
which EL is taught in Brazilian public schools – at least seven years – the development of
oral skills is quite limited, except for rare or occasional cases. On the other hand, promi-
sing initiatives have been documented, including complementary study environments,
which are still very limited in scope, but which can serve as a basis for the necessary
transformation of this reality.
197
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
Introdução
198
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
realizado no período entre 2015 e 2019 (BRASIL, 2019) indicam que a maioria
das crianças e adolescentes brasileiros estão matriculados na rede pública de
ensino.
Por outro lado, os dados referentes ao ensino médio mostram que a rede
estadual concentra a maior porcentagem das matrículas, ou seja, 83,9% das ma-
trículas; ao passo que a rede privada recebe 12,5% das matrículas e a rede federal,
o índice de 3%.
199
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
200
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
201
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
o autor, houve uma redução drástica na carga horária de ensino de LE. Ademais,
o ensino de idiomas passou a ser oferecido “por acréscimo” (ou seja, opcional), e
dentro das condições de cada escola.
Em 1996, 25 anos após a Lei 5.692 (a LDB anterior), foi aprovada a nova
LDB, a Lei nº 9.394. Esta, em tese, considerava necessária a LE no ensino regular,
ficando definida a inclusão de pelo menos uma LE a partir da quinta série, cuja
escolha seria atribuída à comunidade escolar, e dentro das possibilidades de cada
escola. No ensino médio, haveria uma LE obrigatória, e outra opcional, também
segundo as possibilidades da escola. Essa lei propunha um ensino baseado em um
pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas.
202
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
203
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
204
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
Metodologia
205
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
por terem sido publicadas por autores com representatividade na área de estudo
desta pesquisa.
206
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
Esse descaso histórico fica evidente, conforme visto em Leffa (1999), quan-
do se leva em consideração o conteúdo de um documento oficial publicado pelo
próprio MEC, como os PCN de LE. Ali, as autoridades máximas da área de educa-
ção no país admitem a situação precária em que se encontrava, particularmente,
o ensino de LE no país e procuram justificar o abandono da atenção à habilidade
oral. Apenas isso já parece ser suficiente para deixar claro que, dentre as quatro
habilidades comunicativas, a mais negligenciada é, certamente, a da oralidade.
207
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
Quanto aos currículos, mais de 50% das unidades da federação ainda apre-
sentam metodologia (total ou parcialmente) voltada para a estrutura gramatical.
Somente em quatro estados, de acordo com os pesquisadores, encontrou-se uma
metodologia totalmente voltada para o uso da língua como prática social, que in-
clui invariavelmente o desenvolvimento da oralidade.
4 Os níveis de proficiência em Inglês citados estão de acordo com Quadro comum europeu de re-
ferência para línguas (British Council, 2020. Disponível em: https: //www.britishcouncil.org.br/
quadro-comum-europeu-de-referencia-para-linguas-cefr.
208
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
209
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
Experiências promissoras
210
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
Esse programa existe desde 2011 e tem como principal objetivo ampliar a
oferta de ensino de LE no estado – em especial a LI, mas também alemão e espa-
nhol (em menor escala). Os alunos do 1º para o 2º ano do ensino médio da rede
211
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
pública podem participar de cursos intensivos de LE, com 324 horas de duração,
no contraturno escolar, com frequência às aulas de três ou quatro vezes por se-
mana, durante um ano.
212
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
vale a pena, oportunamente, verificar mais a fundo o diferencial que levou os en-
trevistados a citar o ProEMI nas pesquisas a respeito do ensino de LI nos estados.
Considerações finais
213
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
Referências
214
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
215
PARTE 2
ENSINO DE LÍNGUA
PORTUGUESA E
INTERFACES
ANÁLISE DOS ASPECTOS
MULTIMODAIS NO CURTA-METRAGEM
“O OUTRO PAR”
217
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
Introdução
Por muito tempo nos estudos linguísticos a palavra texto esteve associada
à ideia de oralidade e escrita. Com o advento da globalização e utilização cada
vez mais frequente e intensa dos recursos não verbais, essa perspectiva mudou,
ou seja, passou-se a se perceber que o conceito de texto vai além das produções
de fala e escrita, visto que abarca outros aspectos como os movimentos, os sons,
as imagens, as cores. Esse novo olhar para o texto foi impulsionado pelas grandes
mudanças proporcionadas pela nova era tecnológica (VIEIRA; SILVESTRE, 2015),
que colocou em relevo outras composições textuais, sendo estas formadas por
elementos advindos das múltiplas formas da linguagem (escrita, oral e visual).
Assim, estudos que até então priorizavam o uso da linguagem verbal, com os mo-
dernos recursos das tecnologias de comunicação e informação, começaram a ser
reestruturados e, com as inovações, tornaram mais exigentes as práticas de leitu-
ra na escola e na sociedade.
Ressalte-se que o texto multimodal sempre existiu, pois todo texto con-
figura-se na junção de diferentes signos: palavras e imagens, palavras e gestos,
palavras e tipografias, etc. (AZEVEDO; RIBEIRO, 2018). Entretanto, a partir dos
anos 2000, a configuração multimodal passou a ser mais estudada (ROJO, 2009),
principalmente com a transformação e o surgimento de outros gêneros, advin-
dos da expansão das tecnologias que colocam em evidência a existência de outras
218
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
Dessa forma, o foco deste estudo está na análise dos aspectos multimodais
que estão presentes no gênero curta-metragem, a destacar a necessidade de que
o leitor/espectador leve em conta esses aspectos para interagir de forma críti-
ca com os enunciados que pertencem a esse gênero. O gênero curta-metragem
constitui-se de uma narrativa fílmica, no formato de vídeo de curta duração, que
apresenta uma abordagem de enredo curto e transmite uma mensagem, com uso
de vários recursos multimodais tais como: sons, cores, gestos, expressões, movi-
mentos, ações, etc.
219
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
Segundo Kress e Van Leewen (apud VIEIRA; SILVESTRE, 2015), todas essas
mudanças contribuíram para a consolidação dessa nova expressão híbrida, cons-
truída por combinação de palavras, de imagens, de cores, de sons e de movimen-
tos; tudo isso sob a consolidação de uma nova geração de designers gráficos, cuja
mobilidade e facilidade criadora para lidar com essas múltiplas semioses cresce-
ram cada vez mais com o uso da linguagem multimodal.
Vieira e Silvestre (2015) citam diversos recursos presentes nos textos, que
os configuram como multimodais. Um deles são as cores. Para a teoria da multi-
modalidade, as cores são de extrema relevância; tons mais claros, mais escuros,
foscos produzem efeitos que têm relação com as condições de produção, com a
temática, com a posição e o intuito discursivo do enunciador. Para os autores, é
importante discutir a relação das cores com o plano de frente ou de fundo, pois
elas mostram a relevância que tem o objeto mostrado na composição:
220
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
221
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
222
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
223
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
De acordo com Salles (apud ANDRADE; LEITE, 2017, p. 201), as luzes po-
dem ser classificadas de acordo com seu direcionamento: direto ou refletido;
como por seu grau de dispersão: dura, semi-difusa e difusa.
224
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
cena, a composição tem que mostrar isso de alguma maneira, seja através de um
contraste de cor [...]” (ANDRADE; LEITE, 2017, p. 202).
225
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
226
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
O documento leva em conta não apenas o texto escrito ou oral, mas o texto
multimodal. Capistrano Júnior et al. (2017, p. 288), baseando-se em Kress e Van
Leeuwen, afirmam que todo enunciado se apresenta “[...] em virtude de uma sé-
rie de modos de representação e de comunicação. Mesmo quem escreve realiza
uma série de escolhas e decisões quanto à organização do sistema linguístico, tais
como o tipo de letra, espaçamento, distribuição espacial etc.”. Assim, a multimoda-
lidade é encontrada em todos os gêneros discursivos, sendo identificada no tama-
nho da fonte utilizada, na cor, na margem, nos elementos grifados, nas imagens,
etc.
Nesta seção, com base nos estudos da teoria da multimodalidade, será rea-
lizada uma análise do curta-metragem produzido no Egito e intitulado: “O outro
par” (The other Pair), dirigido por Sarah Rozik, com roteiro de Mohammed Maher,
lançado no ano de 2014. O vídeo foi o vencedor do festival de Luxor em 2014. A
obra de Sarah Rozik foi inspirada em um acontecimento, como o destacado no
curta-metragem, com Mahatma Gandhi.
227
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
passar uma mensagem com teor crítico social, problematizando uma situação.
Segundo Moletta (2009, p. 17), o curta-metragem:
Após esse primeiro momento, o menino dos sapatos vai em direção ao trem
que chega à estação, porém com tanta pressa, acaba perdendo um dos pares do
sapato. A criança humilde junta o sapato perdido do chão e vai correndo ao lado
do trem para tentar devolver o sapato ao menino que o perdeu. No trem, o dono
do calçado fica na porta com a mão estendida na esperança de conseguir pegar
seu calçado. Quando o trem toma distância o menino arremessa o sapato achando
que o dono conseguiria pegar, mas sem êxito. Em uma atitude nobre, o menino
rico arremessa o outro par do sapato ao garoto humilde que fica com os dois sa-
patos. Ele, que mesmo em condições difíceis com um chinelo velho, tentou ajudar
o outro a recuperar o sapato, é surpreendido pela boa ação do outro garoto que
reconheceu seu esforço para tentar ajudá-lo e decidiu presenteá-lo com algo que
o menino humilde precisava e estava admirando. Um curta-metragem bastante
emocionante e que mostra que uma boa ação gera outra boa ação.
228
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
229
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
Na cena 1, como imagem central – que segundo Kress e Van Leewen (2006)
compõe-se de elementos centro da atenção – observam-se os pés do menino com
chinelos velhos, sendo um arrebentado, o que dificulta seu andar; no plano de fun-
do, notam-se diversos pés, a mostrar pessoas se movimentando em um espaço
que parece ser público. A relação entre o que se expõe na imagem central e no
plano de fundo sugere um possível descaso da sociedade à situação vivenciada
pelo menino, pois os movimentos no plano de fundo não cessam, a evidenciar que
todos estão ocupados com a sua própria vida.
A iluminação mostra-se ser natural, podendo ser considerada como ilu-
minação direta (ANDRADE; LEITE, 2017), com suas características originais.
Sombras e uma leve penumbra sugerem que a história se passou em uma tarde de
sol. Tais elementos contribuem também para uma ideia de desânimo e desconten-
tamento que perpassa as cenas iniciais do filme. Associam-se a esses elementos
semióticos um fundo musical triste, que leva os participantes interativos a parti-
lhar da tristeza, a se emocionar com a situação do jovem menino.
230
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
Nas cenas 2 e 3, podem-se notar dois opostos. Na cena 2 como plano cen-
tral tem-se o chinelo velho, aparentemente bastante usado, e o menino tentando
consertá-lo. A posição da câmera é a plongée, voltada para baixo, a colocar em evi-
dência a penúria e a fragilidade do participante representado. O fundo musical
permanece triste, a destacar as condições difíceis pelas quais o jovem passa. Na
imagem 3, é possível observar, como centro da imagem, os pés de um outro me-
nino com sapatos novos, pretos, brilhantes; o foco da imagem está nos pés desse
outro garoto para destacar o seu calçado. Nota-se que a penumbra que aparecia
nas cenas anteriores – 1 e 2 – dá lugar a uma claridade, a sugerir condições so-
ciais mais favoráveis. Há uma proximidade da câmera nos calçados, enfatizando
tanto as diferenças entre os calçados, como entre as condições sociais dos que os
vestem.
Pode-se refletir também acerca das cores dos calçados que permeiam as
cenas. A proximidade da câmera na cena 2 evidencia um chinelo na cor marrom, a
qual, de acordo com Oliveira (2015, p.31), é “a cor que menos se aprecia no decor-
rer da vida [...] A cor do antiquado, da falta de refinamento e dos pobres”. Podem-
se associar essas características da cor com a vida humilde do jovem. Na cena 3,
evidenciam-se sapatos pretos que, no contexto apresentado, sugerem luxo e ele-
gância. Desse modo, as cores colocam em evidência as condições sociais diferen-
ciadas enfrentadas pelos meninos.
231
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
Essas duas cenas também mostram dois opostos, dessa vez, quanto ao es-
tado emocional do garoto, expressão que vai da admiração, ao ver os sapatos do
menino que passa por ele, à tristeza, pelo fato de se ver na situação em que está.
Na cena 4, o garoto, com olhos arregalados e boca aberta, contempla o menino
rico limpando seus belos sapatos; não se evidencia um olhar de inveja ou ciúmes,
mas de admiração, talvez uma certa alegria por poder contemplar o objeto, o que
desperta no participante interativo uma simpatia pelo menino. Esses aspectos
estão vinculados ao plano apresentado na cena, neste caso, o plano fechado, em
que a imagem retrata cabeça e ombros, estabelecendo uma relação mais próxima
entre participantes interativos.
Na cena seguinte, o menino olha para o chão, para seus chinelos, certa-
mente comparando-os com os sapatos usados pelo outro menino. A cena propi-
cia aos participantes interativos penalizarem-se com a situação, questionarem
232
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
233
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
234
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
Considerações finais
Referências
235
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
236
ANÁLISES DE ESCRITAS E REESCRITAS
EM ARTIGOS DE OPINIÃO1
RESUMO: Este trabalho, que é parte de uma pesquisa maior, visa apresentar uma
análise da produção escrita de artigos de opinião, mais especificamente da com-
paração entre a primeira e a última versão dos textos produzidos por dois estu-
dantes do primeiro período (2015/01), do curso de Letras Português- Inglês da
Universidade Tecnológica Federal do Paraná, Campus Pato Branco. Eles foram
participantes do curso de extensão “Oficina de leitura, escritura e reescritura de
artigos de opinião” e, portanto, o método de produção de dados foi qualitativo-
-descritivo. O objetivo foi compreender quais foram as dificuldades e verificar
se houve evolução da primeira para a última versão. A fundamentação teórica
utilizada para a análise do material consiste nos seguintes autores: Koch (1997-
2001-2005), Bakhtin (2003[1992] -2010), Vygotsky (1993-2009), Faraco (2009),
Fávero (2005) e Marcuschi (2008), entre outros. Os resultados revelam que a
principal dificuldade em relação à produção do artigo de opinião é referente à ar-
gumentação e, consequentemente, às características composicionais do gênero.
1 O presente artigo deriva do trabalho de conclusão de curso de Iolana Cristina Pereira e Marlei
de Fatima Locatelli, no curso de Licenciatura em Letras Português-Inglês da UTFPR, Campus
Pato Branco, sob orientação da profª Drª Letícia Lemos Gritti.
2 Universidade Tecnológica Federal do Paraná, Campus Pato Branco. iolanapereira@hotmail.com
3 Universidade Tecnológica Federal do Paraná, Campus Pato Branco. marlei100duvidalocatelli@
hotmail.com
4 Universidade Tecnológica Federal do Paraná, Campus Pato Branco. leticiagritti@utfpr.edu.br
237
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
ABSTRACT: This paper, which is part of a larger research, seeks to present an analysis
of the written production of opinion articles, more specifically the comparison between
the first and the last version of the texts produced by two students of the first semester
(2015/01) , from the Portuguese-English Literature undergraduate course at Federal
University of Technology - Paraná, Campus Pato Branco. They participated in the ex-
tension course “Workshop on reading, writing and rewriting of opinion articles” and,
therefore, the data production method was qualitative and descriptive. The objective
was to understand what the difficulties were and to verify if there was an evolution
from the first to the last version. The theoretical basis used for the analysis of the mate-
rial consists of the following authors: Koch (1997-2001-2005), Bakhtin (2003 [1992]
-2010), Vygotsky (1993-2009), Faraco (2009), Fávero (2005) and Marcuschi (2008),
among others. The results reveal that the main difficulty regarding the production of the
opinion article is related to the argumentation and, consequently, to the compositional
characteristics of the genre. However, the study reveals that the methodology used in
the Workshop and the collaboration of the teachers responsible for the project, with
their corrections, are effective, as there has been a significant evolution of the texts.
Introdução
238
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
nisso que este trabalho, que é parte de um trabalho maior de pesquisa de conclu-
são de curso (PEREIRA et al., 2016) surgiu.
Fundamentação teórica
É importante que o enfoque do ensino por meio dos gêneros seja trazido
para o contexto desta pesquisa, uma vez que ele norteou o curso ministrado para
239
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
5 Essa discussão sobre gêneros é bem mais profunda que o espaço deste trabalho, portanto, para
mais profundidade, vide a pesquisa maior da qual esse referencial teórico foi sintetizado. Por
ora, a menção a essa concepção foi trazida para nortear a análise dos dados deste trabalho.
240
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
241
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
Metodologia
242
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
Na primeira aula, foi proposto aos alunos inscritos uma elaboração de texto
sem nenhuma explicação prévia pelos ministrantes. Mas, os alunos poderiam pes-
quisar na internet sobre um tema polêmico que eles escolhessem. Dessa forma,
como os alunos eram do primeiro período da graduação em Letras, eles reprodu-
ziram os conhecimentos adquiridos do ensino básico. Os textos foram produzidos
em laboratório informatizado e, portanto, foram, ao final, impressos.
243
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
244
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
Devolutiva dos textos, reescrita dos textos; entrega dos textos ao final
Aula 7
da aula.
Devolutiva final do texto; Comparação individual e posteriormente em
Aula 8 grupo da produção inicial com a produção final; Socialização. Escrita de
um novo texto, com nova temática.
Quadro 1. Metodologia do curso de extensão ofertado pela Universidade Tecnológica Federal do
Paraná - Campus Pato Branco.
Análise de dados
O primeiro texto a ser analisado está intitulado “Eu também quero viver”,
do articulista nomeado “A”. De início, analisaremos as características composicio-
nais do gênero artigo de opinião. Em relação a isso, notamos um título de certa
forma provocador, no mínimo, instigante para o leitor, “Eu também quero viver”,
uma leve pincelada do que poderia ser o assunto a ser tratado.
Ainda em uma análise superficial, o texto não possui espaçamento de pa-
rágrafos, configurando-se um texto corrido, com começo, meio e fim. Porém, de
acordo com as características composicionais do gênero artigo de opinião, a ideia
seria começar e terminar com uma ideia central, desenvolvê-la e concluí-la. Porém,
no texto do articulista A, percebemos que ele demonstra variadas opiniões, sem
argumentos sólidos que enriqueçam, valorizem o seu texto e, principalmente,
245
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
246
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
247
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
Apesar de o autor utilizar o primeiro parágrafo inteiro para expor sua opi-
nião clara acerca da violência, ele mantém-se com essa opinião até o fim, o que
não acontecia no primeiro texto.
Com relação à temática, ela está bem explícita no texto e apresenta polê-
mica: disciplinar os filhos com violência ou sem violência, batendo ou não neles.
Também o ponto de vista oposto está apresentado no penúltimo parágrafo do
texto: “Por outro lado, há os que defendam a palmada e digam que com a agressão
seus filhos passam a não repetir mais o comportamento adequado”. Em seguida,
vem uma contra-argumentação em cima disso e a conclusão que retoma rapida-
mente todos os argumentos, para tentar comprovar a ideia, também retomada
nessa parte do texto. Todas as características composicionais do gênero apresen-
tadas pelos professores na segunda aula da Oficina estão contempladas nesse
segundo texto.
248
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
Com relação à coesão, nesse novo texto o articulista soube usar a coesão,
o que pode ser visto nos parágrafos conectados entre si e internamente tam-
bém, como, por exemplo, quando usa “Por outro lado”, “Outro estudo” e “Enfim”.
Aspecto observado em todos os parágrafos.
O primeiro texto a ser analisado do articulista B não tem título, ainda nessa
análise superficial, pode-se perceber que há uma certa ordem no texto, que pode
ser considerada como uma exposição, interpretação e uma opinião conclusiva,
mesmo que o texto corrido, sem espaçamento de parágrafos, pareça desconecta-
do em alguns momentos é perceptível essa estrutura.
249
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
250
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
pode ser vista no terceiro parágrafo, última linha, que fala sobre “sério delito” e no
quarto parágrafo, primeira linha, “os principais alvos destes crimes” retoma o que
já tinha sido anunciado. E assim sucessivamente.
251
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
Com relação à temática, ela está bem explícita no texto e apresenta polê-
mica: O fato de um indivíduo ter formação superior não significa que terá um em-
prego garantido mediante sua formação. Em seu quinto parágrafo, o articulista
segue o texto e traz uma contra-argumentação. Após isso, ele apresenta conclu-
são que retoma rapidamente todos os argumentos, para tentar comprovar a ideia:
“O mercado de trabalho é cruel e competitivo, até mesmo para quem tem alto ní-
vel de escolaridade. Afinal de contas, nem sempre o profissional mais qualifica-
do consegue realizar sua atividade da mesma forma que estudou para exercê-la”.
Findando assim, com melhoria considerável em relação ao seu primeiro texto, seu
novo trabalho está de acordo com os ensinamentos transmitidos pelos professo-
res no curso de extensão sobre a construção das características do gênero artigo
de opinião.
252
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
Considerações finais
Para finalizar, pode-se dizer que os objetivos deste estudo foram alcança-
dos: o primeiro era o de analisar o primeiro texto produzido pelos articulistas e o
último texto, com nova temática, produzido por eles; o segundo era verificar se
houve avanço de um texto para o outro, posteriormente às aulas trabalhadas e
correções feitas; e ainda, analisar a necessidade de um curso de produção textual
dentro do meio acadêmico para os alunos ingressantes.
A pesquisa mostrou que muitas foram as inadequações encontradas nos
primeiros textos, porém, o mais evidente está relacionado à argumentação.
Sendo que ela quase inexiste nas primeiras produções. No entanto, com a corre-
ção da primeira versão, das demais cinco versões, e com as aulas, a argumentação
é desenvolvida, no último texto, e aparece na presença, principalmente, de três
argumentos.
Com esse ganho na argumentação, por consequência, os textos dos articu-
listas também ganham mais credibilidade e se aproximam quase 100% das carac-
terísticas do gênero artigo de opinião. O fato é que, em seus primeiros textos, os
articulistas tinham muita dificuldade em encaixar-se dentro das características
composicionais do gênero. Também tinham variados problemas com relação à
coesão e coerência e também com a norma padrão, dificultando o entendimento
do texto, o que praticamente não houve no texto final dos dois articulistas.
A falta de conhecimento a respeito do gênero, ou de algumas característi-
cas composicionais dele, pode ser uma explicação para a dificuldade de conseguir
expor uma única ideia central e utilizar argumentos para defendê-la. Por isso, en-
fatiza-se a importância do curso ministrado na UTFPR, pois foi a partir das aulas
ministradas nesse curso, e também por meio das correções que os professores
253
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
fizeram nos textos, que os alunos desenvolveram um último texto com profi-
ciência nas categorias analisadas. Lembrando que o último texto não teve ajuda
dos professores e também não houve correção. O fato de ser outra temática só
demonstrou o quão capacitados estavam os articulistas ao final do curso.
Este estudo revelou, uma vez mais, como são importantes os trabalhos
realizados com esse viés, já que os alunos chegam totalmente despreparados no
ensino superior. Além disso, evidenciou-se que os métodos usados facilitaram
a construção desse novo texto e têm tudo para ser uma alternativa de ensino-
-aprendizagem do gênero artigo de opinião.
Referências
254
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
ANEXOS
255
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
256
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
257
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
258
AS CLASSES DE PALAVRAS NUMA
ABORDAGEM ENUNCIATIVA: O ESTUDO
DE SUBSTANTIVOS E ADJETIVOS1
259
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
ABSTRACT: The present study aims to expose some problems found in the definition and
explanation of the noun and adjectival word classes. To this end, traditional grammars
and a collection of textbooks distributed in public schools in Paraná, between the years
2017-2019, were analyzed between the 6th and 9th grades, entitled “Portuguese:
Languages” and organized by William Cereja and Thereza Cochar. The theoretical ba-
sis for the discussions made is the Enunciation Semantics, more specifically, with the
studies produced by professor and researcher Luiz Francisco Dias, from the Federal
University of Minas Gerais (UFMG). We intend to show some inconsistencies in the de-
finitions that circulate in the school environment, in order to improve the work with
these classes of words. To do so, initially a brief conceptualization of the Enunciation
Semantics will be made, followed by analyzes of grammar and textbooks, and, finally, a
discussion about the contradictions that can be found within the definitions proposed
by different normative grammars (ROCHA LIMA, 2002; CEGALLA, 2008; BECHARA,
2009; PASQUALE and ULISSES, 2008), reflecting on elements that are erased from
grammatical lessons, but that can be taken up again when analyzing statements as dis-
cursive facts.
Introdução
260
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
Dias (1998), por meio desse exemplo, levanta a oposição entre lição gramati-
cal e fato discursivo. Segundo o autor, a lição gramatical diz respeito a “um exemplo
que serve a uma conduta, a um procedimento” (DIAS, 1998, p. 114). Retomando
o exemplo da professora sobre a perspectiva da lição gramatical, os personagens
do filme “Esqueceram de mim” são ignorados, pois a frase é tomada apenas como
4 Witzel (2020), em “Introdução aos Estudos Linguísticos”, afirma que um cientista não pode julgar
o seu objeto de análise como certo ou errado, ou bonito ou feio, deve se observar o seu objeto
de “modo neutro, objetivo e imparcial” (WITZEL, 2020, p. 11), algo que a gramática não faz ao
prescrever formas “corretas” para a língua.
5 Segundo Pena (2015), a Semântica do Acontecimento considera a relação entre os elementos do
enunciado histórica, porque já fizeram parte de outros enunciados, em outros acontecimentos,
havendo uma memória em cada palavra “que se atualiza em cada nova enunciação, mantendo e,
ao mesmo tempo, modificando seu sentido” (PENA, 2015, p. 28).
261
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
Por outro lado, ao observarmos a resposta do aluno, vemos que a frase pos-
sui uma memória, podendo ser considerada um discurso e, consequentemente,
um fato discursivo. Ao dizer que um enunciado é um fato discursivo, deixamos
de pensar apenas nas condições de produção do enunciado e entendemos que
“há um sujeito do discurso, da memória, que não coincide necessariamente com
o sujeito gramatical” (DIAS, 1998, p. 115). Ou seja, nem sempre a gramática pode
dar conta de sanar a dúvida do aluno, é necessário buscar informações em outros
lugares.
262
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
Como nosso objetivo foi o estudo das classes de palavras substantivo e ad-
jetivo, é pertinente observarmos como algumas gramáticas as definem. Para tan-
to, foram selecionadas quatro gramáticas normativas brasileiras: “Gramática da
Língua Portuguesa”, de Pasquale e Ulisses Infante (2008), “Novíssima Gramática
da Língua Portuguesa”, de Cegalla (2008); “Moderna Gramática da Língua
Portuguesa”, de Bechara (2009) “Gramática Normativa da Língua Portuguesa”,
de Rocha Lima (2011), nas quais pesquisamos as definições das duas classes gra-
maticais aqui apresentadas, bem como alguns exercícios propostos para o estudo
dessas classes.
263
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
264
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
265
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
266
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
267
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
268
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
Após essa descrição sobre o modo como as classes de palavras são encon-
tradas nos livros didáticos, passamos à reflexão sobre possíveis lacunas deixadas
nas definições de substantivos e adjetivos.
269
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
de “casa”, todavia, nesse discurso ela acaba recebendo um novo sentido. Os obje-
tos são designados na relação que é estabelecida entre o sujeito e a língua.
Outro problema apontado por Dias (2001), na hora de classificar os subs-
tantivos, é quando afirmamos que essa classe nomeia os seres, coisas e objetos.
Mas como essa classe vai definir palavras que significam a inexistência? Palavras
como “nada”, “ausência”, “vácuo”,“esses termos são classificados como substanti-
vos, mas não apresentam características semânticas de substantivos, segundo
os parâmetros da gramática tradicional” (AMORIM; DIAS, 2000, p. 241-243). Em
frases como “O nada me assusta” (MEDEIROS; DIAS, 2001, p. 379) ou “Você foi
deixado no vácuo”, como eu posso afirmar que as palavras destacadas são subs-
tantivos? Se o conceito diz que essa classe gramatical nomeia um ser, esse objeto,
logicamente, deve possuir uma existência palpável no mundo. Então como estas
palavras se encaixariam na definição de substantivo?
Vemos também outro conflito de posições de enunciação no caso (3)
“Gravidez falsa” (DIAS, 2002, p. 131), assim como no exemplo 2, a palavra “gra-
videz” já tem seu sentido pré-construído. Ao colocarmos “falsa” ao lado da pala-
vra não é negado o seu efeito pré-construído sobre a gravidez, porém a sentença
é aplicada em um contexto específico, mostrando como há “palavras que não se
conformam com a ideia da predominância do ser sobre o nome.” (DIAS, 2001, p.
69). No âmbito do adjetivo, também temos um conflito de posições enunciativas.
Observemos o exemplo utilizado por Dias (2001) para exemplificar isso: (4) “O
juiz julgou culpado o réu inocente” (DIAS, 2001, p. 76). Nessa frase, vemos uma
dupla adjetivação do substantivo “réu”. Mas como explicar aos alunos sobre essa
caracterização contraditória? É aí que entra em foco a posição enunciativa. Por
um lado, temos o juiz que considera o réu culpado, no entanto, a pessoa (enun-
ciador) considera o réu inocente e discorda do juiz. São duas opiniões contrárias
sobre uma mesma pessoa: uma, é interna ao enunciado (o juiz) e outra, é que pro-
duziu o enunciado.
No contexto das lições gramaticais, o juiz seria considerado sujeito e o
enunciador seria totalmente ignorado das análises. No entanto, se fosse traba-
lhado com o fato discursivo, a dimensão enunciativa da frase seria resgatada e ela
seria tratada, ao mesmo tempo, como um produto e um processo.
Amorim e Dias (2000), em seu estudo intitulado “Verbos no infinitivo na po-
sição de substantivo: uma abordagem enunciativa” propõem uma nova conceitua-
ção para os substantivos. Nessa nova concepção, o substantivo seria considerado
o objeto temático da fala. Para ficar mais claro, observemos os exemplos abaixo:
270
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
271
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
enlace de uma memória com a atualidade” (DIAS, 2012, p. 9), ou seja, é certo que
a língua acontece na relação com o sujeito.
Isso fica claro também em Souza e Dias (1999) com as seguintes senten-
ças (a) “Uma mulher pobre” (b) “Uma pobre mulher” (SOUZA; DIAS, 1999, p. 306-
307), em que, no primeiro, temos a descrição de um referente no mundo, com
baixas condições econômicas; e, no segundo, temos um juízo de valor que o enun-
ciador tem sobre o referente.
Todos esses problemas e conceitos abordados ainda precisam de muito es-
tudo para que possamos ter um maior conhecimento sobre a língua materna, a fim
de entendê-la melhor, evitando preconceitos linguísticos e erros de conceituação.
Pensando na prática
Como o objetivo deste artigo é ir além do campo das ideias, levando algo
para a prática, selecionamos alguns exercícios do livro didático e das gramáticas
analisadas.
Imagem 11. Exercício da Novíssima Gramática da Língua Portuguesa (CEGALLA, 2008, p. 156).
272
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
273
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
274
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
presente pelos referenciais” (DIAS, 2015, apud SILVA, 2019, p. 40), ou seja, temos
em nossa memória a estrutura “jaqueta preta = roqueiro”, que é retomada na frase
de outra pessoa, mas que não nos causa espanto e nos permite entender o que o
personagem diz porque essa relação entre jaqueta preta e roqueiro já foi cons-
truída dentro da sociedade.
Considerando essas informações da análise, propomos um exercício no
qual o aluno fosse questionado sobre a ligação que a jaqueta preta possui com
a imagem que o personagem tem de si mesmo e como isso fica explícito na utili-
zação dos adjetivos para expor aspectos positivos e negativos. Além disso, eles
também podem ser levados a pensar no referencial histórico que nos faz identi-
ficar que para a tirinha ter sentido, o personagem não pode utilizar uma jaqueta
de outra cor, causando assim uma articulação por dependência do substantivo em
relação ao adjetivo.
275
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
Novamente, é importante ressaltar que este artigo não exclui o que as gra-
máticas e livros didáticos apresentam, entretanto, entendemos que nem sempre
esse ponto de vista consegue compreender todas as nuances da língua. Nesse es-
tudo, consideramos importante dizer que a língua possui um efeito pré-construí-
do, guardando uma memória, além de considerarmos importante o papel que o
enunciador representa dentro de um enunciado, trazendo suas opiniões e visões
de mundo em suas formulações. Dito isso, ressaltamos que esses exercícios pro-
postos são uma tentativa de exemplificar como seria a prática ao analisarmos a
língua pelo ponto de vista enunciativo.
Conclusão
276
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
Referências
277
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
278
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
279
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
ABSTRACT: This work is the result of research carried out at the level of Voluntary
Scientific Initiation, in the Institutional Program of Scientific Initiation - PROIC, of the
State University of the Midwest (UNICENTRO), and aimed to study the grammatical
subject from the definitions brought by three normative grammars and a textbook, in
order to understand how the grammatical subject is being taught in the classroom to-
day. Through textbook analysis, we intend to demonstrate that the way in which syn-
tactic studies has been presented is still not the best, as it is, most of the time, it is tied
in the traditional grammar. To support this understanding, we rely on the research of
authors who have dedicated themselves to teaching syntax from an enunciative point
of view, such as Dias (1998, 1999, 2000, 2002), Pena (2015), Pereira (2008), among
others. From the reflections produced, we verified that it is possible to rethink the teach-
ing of syntax, adding the contributions brought by the Semantics of Enunciation to the
classroom space.
Introdução
280
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
Bechara
281
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
Cegalla
282
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
Além dos conceitos trazidos, o autor também faz observações com o intui-
to de apresentar um esclarecimento, por meio de exemplos, sobre conteúdos que
envolvam o estudo do sujeito, como é o caso do pronome se, índice de indetermi-
nação do sujeito, no sujeito indeterminado, e os verbos impessoais, no estudo das
orações sem sujeito (CEGALLA, 2008, p. 326-327).
Cereja e Cochar
283
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
ressaltam que há também orações sem sujeito e que o sujeito pode ter um ou mais
núcleos. Como exemplos e explicações apresentam os seguintes enunciados:
284
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
Vale destacar que GN é a sigla de grupo nominal que Dias (2009, p. 13) uti-
liza para fazer referência ao sintagma nominal.
285
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
Dias (1998, p. 114) traz, no seu texto Gramática na sala de aula: da lição gra-
matical ao fato discursivo, um episódio em sala de aula, em que uma professora de
português colocou no quadro a frase “esqueceram de mim”, e muitos dos alunos
lembraram do filme que tem como título a referida frase, esse era, portanto, um
caso de sujeito oculto (pois, apesar de não estar explícito, podia ser identificado),
concluíram os alunos, embora a resposta esperada pela professora fosse a de su-
jeito indeterminado (conforme a classificação da gramática normativa, quando o
verbo está na 3ª pessoa do plural, o sujeito é indeterminado, não havendo, portan-
to, sua identificação).
4 Conforme Dias (1998, p. 114), “No filme, todo o enredo gira em torno de um esquecimento: os
pais e os irmãos do personagem-herói esquecem-no em casa, quando saem de viagem no dia de
Natal. Tendo em vista o enredo do filme, esse era, portanto, um caso de sujeito oculto, concluí-
ram os alunos”.
286
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
Além da autora, os demais autores que veremos, a seguir, nos darão o su-
porte para o melhor entendimento sobre o sujeito gramatical, inclusive com a dis-
tinção feita por Dias sobre sujeito base, sujeito projeção e sujeito perfil.
Assim sendo, Pena (2015, p. 106) diz que o lugar de sujeito é a base de sus-
tentação do predicado na constituição da sentença. Ao fazer referência ao estudo
de Dias (2002, p. 106), a autora apresenta a classificação dos sujeitos em: sujeito
base, sujeito projeção e sujeito perfil.
Ao definir o sujeito base, Pena (2015, p. 107) esclarece que ele é caracte-
rizado “por ter como núcleo do sintagma nominal o substantivo que, por ser um
287
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
Portanto, de acordo com Pena (2015. p. 110), temos o sujeito base quando
o lugar sintático é ocupado por um grupo nominal ao qual se pode atribuir dife-
rentes graus de definitude.
288
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
Portanto, os textos de Dias (1998, 1999, 2000, 2002) possuem uma gran-
de importância para a realização deste trabalho, pois foram eles que nos deram
suporte para a realização de pesquisas e análises, a fim de entendermos melhor o
sujeito gramatical na perspectiva enunciativa/discursiva.
289
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
Quanto ao tipo de sujeito perfil, Pena (2015) explica que ele advém de uma
conclusão produzida internamente ao texto, dando suporte à sentença. Para a
constituição do sujeito perfil é necessário que pelo menos duas sentenças entrem
em relação. São exemplos dessa relação os provérbios.
No livro didático, as autoras Oliveira e Araújo (2018) vão dizer que sujei-
to simples é aquele que apresenta um núcleo e sujeito composto, dois núcleos.
Quando o sujeito não aparece na oração é possível identificá-lo pela terminação
do verbo (desinência), alguma informação do contexto também contribui para a
sua identificação como em “vamos tentar de novo”, nessa frase dá-se o nome ao
sujeito de sujeito desinencial.
290
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
291
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
tem sujeito, pois não há um ser a quem se possa atribuir a ação de chover, elas
concluem, então, que se trata de uma oração sem sujeito.
Já para Pena (2015), mesmo o sujeito não tendo o lugar ocupado material-
mente, como ocorre no exemplo do livro didático “Chovia torrencialmente naque-
la manhã”, a oração não seria considerada sem sujeito, uma vez que o sujeito é
projetado no seu lugar qualificado de sujeito da sentença, só não é ocupado.
292
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
No caso da análise que Dias (1998) fez para “esqueceram de mim”, mos-
trando a classificação do sujeito como indeterminado, de acordo com a gramática
normativa, e a compreensão dos alunos de que se tratava de um caso de sujeito
oculto, porque relembraram o enredo do filme “Esqueceram de Mim” e identifi-
caram as pessoas que esqueceram o garotinho, compreendemos que é preciso
refletir sobre o funcionamento da língua, indo além do plano da organicidade sin-
tática das orações, trazido pela gramática tradicional, é preciso, pois, chegarmos
ao plano do enunciável também.
Conclusões
A partir das pesquisas feitas por Dias (1998, 1999, 2000, 2002) e pelos de-
mais autores, também filiados à Semântica da Enunciação, compreendemos que
“a língua funciona nas nossas ações sobre o presente, nas lutas que travamos en-
tre a memória que nos liga ao passado e o trabalho em prol de um futuro”, de modo
que a noção de gramática como descrição das formas linguísticas não recobre to-
talmente o funcionamento da língua, uma vez que esta não é como um quadro
(DIAS, 1998, p. 119).
293
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
Referências
294
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
295
PROPOSTA DE ATIVIDADES PARA A
PRÁTICA DE ANÁLISE LINGUÍSTICA A
PARTIR DOS DÊITICOS EM QUESTÕES
DE VESTIBULAR1
296
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
ABSTRACT: This work aims to contribute to the practice of Linguistic Analysis based on
a proposal of activities related to deictics in questions of Fuvest admission exams. For
this, we consider these linguistic elements as necessary mechanisms for interpretation,
analysis and production of texts, since they present significant functions in the discur-
sive events. Due to that, we take, as theoretical input, the perspective on the practice of
Linguistic Analysis, the view of the official documents in relation to how should teaching
grammar in order to relate with admission exams as well as the fundamentals of the
phenomenon of deixis. The research carried out pointed to/concluded for a recurrence
of the theme of the deixis in the exam analyzed. Results show that deictics elements are
requested inside their discursive environment. Besides that, the questions follow what
is suggest both in the literature and in official documents on teaching. Thus, it was pos-
sible to propose activities parallel to the Fuvest admission exam leading us to conclude
that the admission exams questions can be strong allies for the practice of Linguistic
Analysis in the classroom.
Introdução
3 A escolha por este processo seletivo se deu pelo seu alcance nacional e sua configuração a partir
de questões discursivas que exigem reflexão e análise do participante. As questões analisadas
são dos processos seletivos de 2016 e 2017.
297
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
No entanto, apesar do reforço dos PCNs (BRASIL, 2000, p. 17) de que o sa-
ber linguístico próprio dos estudantes deva ser desenvolvido “pela interpretação
e análise dos fenômenos da língua” em situações concretas, o contexto escolar
com relação ao ensino de língua ainda é desenvolvido com base no deciframento
de um código linguístico, a partir de normas e nomenclaturas deslocadas de seu
contexto de uso. Com isso, o que se vê são alunos que não compreendem as regras
gramaticais, justamente por não estudá-las em situações reais de uso.
298
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
299
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
A adoção da AL como eixo de ensino exige também uma mudança das prá-
ticas escolares. Para Antunes (2010, p. 52), “isso desloca, necessariamente, os ob-
jetivos do ensino da língua na direção da reflexão investigadora, da análise dos
usos sociais da língua - escrita e falada, verbal e multimodal - e da aplicabilidade
relevante do que se ensina, do que se aprende”. Logo, a aprendizagem da língua
deve focar-se na leitura, análise e produção de textos em situações reais, já que
é essencial que as condições de produção fiquem claras para o estudante para
resultar na construção progressiva do conhecimento dos fenômenos linguísticos
em análise, e não na memorização de regras e nomenclaturas.
300
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
301
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
Os vestibulares
302
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
Por esse ponto de vista, essas questões não devem ser utilizadas como me-
ros exercícios de fixação ou preparação para os conteúdos que “caem” no vestibu-
lar. Na verdade, elas precisam ser mobilizadas como algo desafiador que provoca
o discente a refletir sobre os conceitos linguísticos e, sobretudo, seus usos em
303
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
variadas situações discursivas. Com isso, os processos seletivos poderão ser vis-
tos como aliados na prática do ensino, por serem meio de compreensão da língua
e não apenas objetivo ao final de um ciclo.
De acordo com os PCNs (BRASIL, 2000, p. 78), “se na sala de aula, o estu-
dante analisa textos com os quais convive fora da escola, as relações que faz entre
os conteúdos disciplinares e sua vivência tornam-se muito mais significativas”.
Por isso, acreditamos que o contexto dos vestibulares e, principalmente, suas
questões precisam fazer parte das aulas de língua portuguesa, a fim de aproximar
o aluno e sua realidade. Portanto, propomos que o professor encaminhe ativida-
des paralelas às questões de vestibulares a fim de, primeiramente, promover a re-
flexão e o entendimento a respeito do funcionamento da língua, e consequente-
mente, preparar o candidato para solucionar questões de português no vestibular
- ainda que este não seja o fim último das atividades de língua.
O fenômeno da dêixis
Em consonância com essa noção geral, Cançado (2008, p. 53) afirma que
“os elementos dêiticos permitem identificar pessoas, coisas, momentos e lugares
a partir da situação de fala, ou seja, a partir do contexto”, sendo expressos por
pronomes demonstrativos, pessoais, tempos verbais, advérbios de lugar e tem-
po, entre outros. Assim, percebe-se que a dêixis está diretamente relacionada aos
contextos enunciativos, por precisarem estabelecer uma relação direta com os
elementos do mundo no processo de sua identificação. Por isso, para Levinson
(2007, p. 65, grifos do autor),
304
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
305
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
4 Os exemplos entre parênteses servem para ilustrar o fenômeno, representando apenas uma
parte daquilo que é possível numa língua natural.
306
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
Nesse sentido, fica evidente que os dêiticos têm como característica princi-
pal o fato de serem totalmente dependentes da situação comunicativa para terem
suas noções básicas de sentido e referência concedidas, o que reforça a relevân-
cia dos aspectos enunciativos para a composição analítica dos dêiticos.
307
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
308
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
Proposta de Atividade 1
309
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
310
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
311
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
A sistematização, nesse caso, pode ser mais efetiva se, em duplas ou trios,
os estudantes compartilharem suas percepções e elaborarem uma tabela com as
regularidades características da dêixis, a partir dos elementos dêiticos e seus re-
ferentes mobilizados nos contextos propostos. Veja abaixo um exemplo de uma
possível tabela sistemática:
FENÔMENO DA DÊIXIS
312
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
313
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
Assim, com vistas a promover uma reflexão sobre a ação do homem e suas
consequências na natureza, o filme dá vida à Amazônia - a maior floresta tropical
do mundo - a qual conversa com o espectador em primeira pessoa, caracterizando
o uso da figura de linguagem personificação ou prosopopeia, e ainda, permitindo o
estabelecimento da relação entre a imagem que faz parte da campanha e o texto
interpretado por Camila Pitanga.
Proposta de Atividade 2
314
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
amplitude que a dêixis pode ter na língua ao ser usada em contextos mais comple-
xos, e não tão situados como visto na proposta da Fuvest do ano de 2016.
Assim, nesse contexto, o veículo Kombi ganha vida ao contar a sua histó-
ria, relembrar momentos e presentear os seus motoristas. Ou seja, assim como
ocorreu com a Floresta Amazônica na questão do vestibular, neste vídeo temos
a personificação da Kombi que fala em 1ª pessoa para se despedir de sua passa-
gem no mundo social. Desse modo, nesta situação enunciativa, elementos dêiti-
cos também constituem a construção desse discurso personificado. Por isso, este
vídeo pode ser visto e analisado pelos alunos a partir da mesma perspectiva que
analisamos a questão referente à Amazônia.
A narração do vídeo
Os alunos podem refletir sobre o porquê de o filme ser narrado por uma
mulher - a atriz Maria Alice Vergueiro - e não por um homem, por exemplo. Seria
viável uma narração interpretada por um ser masculino? Se sim ou não, por quê?
Quais seriam os elementos do discurso que permitiriam ou não essa possibilida-
de? Caso ela fosse positiva, quais os novos sentidos que se estabeleceriam? Esse
6 Volkswagen emociona com vídeo de Despedida da Kombi. 2014. (04m07s). Disponível em: ht-
tps: //www.youtube.com/watch?v=eqX-bIFoPCw. Acesso em: 16 abr. 2019.
315
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
Assim, o professor pode expor aos alunos a imagem principal do filme para
abrir uma discussão conforme orientamos acima. Dessa forma, os elementos ex-
tralinguísticos, também, podem contribuir para o trabalho analítico.
316
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
essa predominância não é vã, já que ela não é aleatória. Assim, propomos que na
atividade esses elementos sejam substituídos por outros, a fim de que se perceba
as mudanças de sentido advindas da presença ou da ausência dos dêiticos de pri-
meira pessoa.
317
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
segundo momento, ele também refere-se à ideia “eu sempre estive indo” que apa-
rece na sequência do enunciado, o que qualifica a catáfora.
Considerações finais
318
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
Ademais, ainda que tenhamos pautado este artigo nos PCNs, alguns as-
pectos sobre o ensino de língua discutidos neste trabalho também compõem o
conteúdo da BNCC, tais como a tomada do “texto como unidade de trabalho” e
a consideração das múltiplas linguagens na interpretação e produção textuais
(BRASIL, 2018, p. 63,67). Ressalta-se, ainda, que a BNCC nomeia a AL como
“Análise Linguística/Semiótica”, confirmando, então, a aplicação deste eixo de en-
sino a partir da perspectiva que leva em conta aspectos verbais e não verbais. A
partir da página 506, o documento aborda sobre habilidades a serem considera-
das na Prática de Análise Linguística/Semiótica, as quais dialogam com os elemen-
tos dêiticos apesar de não se referirem diretamente a estes. Destaca-se a análise
de recursos gramaticais em diferentes gêneros e dos efeitos do verbal e não ver-
bal para a construção de sentidos (vide habilidades ‘EM13LP06/07/14’).
319
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
Referências
320
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
321
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
322
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
ABSTRACT: This work is the result of research carried out at the level of Voluntary
Scientific Initiation with the Institutional Program for Scientific Initiation - PROIC,
between August 2019 and July 2020, at the State University of the Midwest
(UNICENTRO), and sought to present a brief historic path of the formation of gram-
mars, as well as of the different conceptions, reaching the enunciative / discursive per-
spective. Among the authors who bring reflections on the functioning of grammars in
this way, we highlight the works of Eni Orlandi, Sylvain Auroux and Luiz Francisco Dias.
As for the methodology, the research had a bibliographic and qualitative nature and
was developed in order to understand how the statements produced in everyday life can
be analyzed, going beyond the point of view brought by normative grammar, without,
however, disregarding it. The theoretical basis is the Enunciation Semantics and was
based, mainly, on the works and studies of professor Luiz Francisco Dias, who presents
possibilities for teaching syntax as a possibility to remedy possible gaps found in norma-
tive grammars. In this perspective, we present a proposal for the analysis of automobile
advertising, from the enunciative angle, in order to mobilize concepts worked by Dias in
the study of the syntactic facts of our language.
Introdução
323
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
Para tanto, fizemos um percurso pelas obras dos autores que contemplam
as condições de produção das gramáticas, passando por diferentes concepções
teóricas, até chegarmos aos fundamentos trazidos pela Semântica da Enunciação,
fornecidos, principalmente, pelos trabalhos de Dias, dos mais antigos (1998), até
os mais recentes (2020), os quais nos têm permitido conhecer novas possibilida-
des para o ensino da sintaxe em diferentes níveis de escolaridade.
Talvez muitos se perguntem: mas por que precisa existir gramática? O por-
quê de tantas regras? Mas imaginem, se essas regras gramaticais não existissem,
como seriam os textos, já que, sem regras, cada um poderia inventar uma forma de
escrever, não que isso seja impossível de acontecer, inclusive, muitos autores de
textos literários fazem o uso de muitas formas de escrita criadas por eles e muitos
seguem as normas gramaticais vigentes. Enfim, parece haver um consenso de que
o principal papel das gramáticas é o de estabelecer regras de escrita para o uso
do português e facilitar a compreensão das pessoas com uma única regra escrita.
324
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
falantes acabam por usar o sistema de regras constituído pela/na gramática, seja
no modo de pronunciar, seja no modo de ordenar as palavras, etc.
Nas palavras de Orlandi (2002), citadas abaixo, a gramática não fica delimi-
tada apenas à correção, é muito mais do que apenas regras de escrita formal da
linguagem, apesar de muitos pensarem em gramática somente como formalidade.
A gramática tem a função de abrir fronteiras no raciocínio da compreensão da
linguagem e não somente de redigir regras.
325
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
A gramática do século XXI nem sempre foi da maneira como está hoje,
foram muitos estudos até se chegar às gramáticas brasileiras atuais, sendo que
isso se deu devido às atualizações de outras gramáticas já existentes e de outras
línguas. Há muito tempo que estudiosos escrevem sobre a formação da língua,
da gramática brasileira e alguns dos fatos gramaticais. Segundo Tersariol (1970),
o vocabulário do português do Brasil foi se formando lentamente, mediante as
transformações do vocabulário germânico e árabe, sendo que, a partir do século
XXI, começaram a aparecer os primeiros textos em português.
326
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
327
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
compreensão textual, mas também esclarece muitas coisas sobre os atos de fala
da língua e não como uma maneira de repreensão e sim de suporte. Contudo,
a ideia de se pensar em gramática nos dias atuais ainda é muito difundida, pois
muitos autores ainda delimitam fronteiras quanto ao ensino gramatical. Dias e
Bezerra (2006, p. 13) apontam para as características do surgimento gramatical:
328
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
329
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
330
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
331
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
332
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
333
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
334
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
335
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
336
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
3 Propaganda da BMW. Mais informações no site da empresa. Disponível em: https: //www.bmw.
com.br /pt/index.html. Acesso em: 20 mar. 2021.
337
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
Considerações Finais
338
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
Referências
339
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
340
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
1 Este artigo apresenta um recorte da tese intitulada Quando lacunas preenchem espaços...O edu-
car em linguagem jovens e adultos (CHRAIM, 2019), a qual teve como objetivo relacionar, sob um
enfoque explicativo-causal, filiações filosófico-epistemológicas e teóricas em se tratando da pes-
quisa como princípio educativo na Educação de Jovens e Adultos de Florianópolis/SC e conforma-
ções da atuação discente no que concerne à apropriação da modalidade escrita, compreendida
a língua como implicação semiótica fundante para o processo de formação humana. Tal pesquisa
foi financiada, por meio de bolsa de estudos, pela CAPES, e aprovada pelo Comitê de Ética em
Pesquisa com Seres Humanos, da Universidade Federal de Santa Catarina.
2 Universidade Federal de Santa Catarina. amchraim@hotmail.com
341
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
Introdução
342
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
Ainda que o foco deste artigo não seja apresentar de modo aprofundado
tal delineamento pedagógico no que se refere aos contornos da educação em
linguagem, importa, entretanto, que as considerações acerca do modo como se
3 O ano letivo do segundo segmento da EJA de Florianópolis/SC é organizado por meio de ‘ciclos
de pesquisas’, cada uma dessas pesquisas com diferentes temáticas selecionadas a partir dos
interesses mais imediatos dos alunos.
343
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
Posto isso, o propósito deste artigo está em promover uma discussão acer-
ca da consolidação da pesquisa como princípio educativo a partir do que suscitam
os registros historiados quando da imersão no campo de estudo, focalizando-se
o processo de leitura, o qual é empreendido cotidianamente pelos estudantes da
EJA de Florianópolis/SC. Destaca-se, assim, centralidade com que a leitura se co-
loca nesse processo educativo: a coleta de dados, etapa de maior duração ao lon-
go do percurso da pesquisa, convoca os estudantes a buscar dados, a ler, portanto,
diferentes textos escritos que tenham relação com a sua problemática.
344
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
Por meio das análises empreendidas, observa-se que, do modo como a lei-
tura é organizada neste modelo educativo, prevalece um espontaneísmo que inci-
de de modo insuficiente no que se refere à transição entre o saber e o não saber,
o qual é substancial na esfera escolar. Em sendo a leitura tomada como necessá-
ria, sobretudo para cumprir as etapas de pesquisa, vê-se um afastamento de uma
organização pedagógica consequente, que lide com o processo de leitura como
instrumentalizador para a apropriação conceitual e, desse modo, para a formação
humana.
345
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
(1) Solicita-se aos estudantes que atentem à explicação sobre uma fer-
ramenta do Google, denominada ‘pesquisa booleana’. Explica-se
oralmente como devem ser feitas as pesquisas nessa plataforma com
menção ao espaço ali destinado para digitação do foco da pesquisa.
O instrumento utilizado como apoio da exposição é o quadro negro,
no qual aparece escrito “pesquisa booleana”. Há dispersão discente, e
isso se dá, ao que parece, por haver pouca compreensão acerca do que
se lhes está sendo apresentado (Nota de campo, mar. 2018. Evento
87).
A nota de campo (1) suscita uma compreensão de que o campo deste es-
tudo se organiza de modo a pressupor que os estudantes chegam às classes de
EJA com práticas relacionadas ao uso da internet no que se refere à utilização
do Google, plataforma mencionada na referida nota. Prescinde-se, assim, de uma
reflexão em torno do acesso discente a diferentes suportes virtuais, possivel-
mente porque haja uma espécie de conhecimento tácito de que as redes sociais
ocupam grande espaço no cotidiano dos sujeitos; nas palavras de Britto (2014, p.
12): “Estar desconectado ou ignorante do que acontece nas redes sociais é como
estar fora do mundo, não obstante a conexão não implicar nenhum conhecimento
relevante”. Tal configuração se dá, ao que parece, em razão da ampliação de possi-
bilidades que o acesso à internet oferta (BRITTO, 2014). Desse modo, os segmen-
tos que historicamente tiveram limitação de acesso aos bens culturais e materiais
estariam, neste momento, ainda de acordo com Britto (2014, p. 9), “[...] tendo a
chance de mostrar-se [...]”:
346
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
347
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
(2) Laís apenas observa seus colegas, sem que se envolva em alguma ação,
até ser interpelada por um representante da proposta, que conversa
com ela sobre o tema de sua pesquisa. Na sequência, a estudante é
questionada se tem ou não celular para iniciar a busca na internet; ela
responde, então, que vai começar “a dar uma lida”. O representante
da proposta se ausenta, mas retorna alguns momentos depois e per-
cebe que Laís não tem clareza sobre como proceder para a coleta de
dados. À vista disso, é indicado o navegador no celular da estudante e
explica-se a ela que deve inserir nele palavras-chave. (Nota de cam-
po, mar. 2018. Evento n. 88).
348
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
5 Segundo a pesquisa TIC Domicílios 2019, três em cada quatro brasileiros acessam a internet,
o que equivale a 134 milhões de pessoas. Fonte: Agência Brasil. Disponível em: https: //agen-
ciabrasil.ebc.com.br/geral /noticia/2020-05/brasil-tem-134-milhoes-de-usuarios-de-internet-
-aponta-pesquisa. Acesso em: 27 out. 2020.
349
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
350
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
conta própria, o material que será utilizado para leitura e formulação de resumos.
Eles são convocados, pois, de forma genérica, a ‘buscar textos na internet’.
351
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
352
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
6 [...] donde el medio no presenta al adolescente las tareas adecuadas, no le plantea exigencias
nuevas, no despierta ni estimula el desarrollo de su intelecto mediante nuevas metas, el pen-
samiento del adolescente no despliega todas sus posibilidades, no llega a alcanzar las formas
superiores o las alcanza con gran retraso.
353
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
354
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
355
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
356
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
educativo no modo como se desenvolve no campo acaba por esvaziar esse pro-
cesso: lê-se como se tal verbo fosse intransitivo, e isso evoca o enfoque no cum-
primento de etapas de pesquisa tomado como fim em si mesmo. Os estudantes
leem ‘textos’ durante suas pesquisas, sem que, entre outras implicações, sejam
diversificados os gêneros do discurso com os quais lidam nesse cotidiano escolar,
em um quadro em que maior ciência acerca de tais gêneros colocar-se-ia segura-
mente com fecundidade.
357
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
Defendendo, entretanto, tal qual o faz Britto (2012, p. 94), que “[...] o en-
sino e a aprendizagem da leitura e da escrita fazem parte das atividades de to-
das as disciplinas [...]”, parece coerente que todos os docentes acompanhem tais
processos durante a pesquisa. As especificidades da área de Língua Portuguesa
estariam relacionadas ao estudo de questões linguísticas: “[...] teorias linguísticas,
variação linguística, formas e processos de constituição da língua, língua e valores
e a experiência literária. Isso significa tomar a língua como objeto de investigação
e análise [...]” (BRITTO, 2012, p. 94-95). Abordagens tais não têm espaço no cam-
po justamente por conta da sua organização se dar por meio da pesquisa como
princípio educativo, a qual, conforme já exposto, prescinde de conteúdos deter-
minados a priori (OLIVEIRA, 2004).
358
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
Como se narra em (6), Laís recebe dois materiais cujas fontes são sites
que contêm textos que podem ser classificados como de ‘vulgarização científica’,
entendendo que, apesar de serem constituídos de conteúdos vinculados à esfe-
ra científica, são simplificados – no que se refere à sua estrutura e organização
(BRITTO, 2012) –, objetivando uma compreensão mais imediata por parte do
leitor. Diante disso, importa problematizar que, quando os representantes da
proposta disponibilizam os textos para os estudantes, parecem também o fazer
à luz do cotidiano. Uma explicação possível quanto à razão desse delineamento
deriva do formato assumido por meio da pesquisa como princípio educativo: em
havendo um processo no qual os docentes são solicitados a circular no atendi-
mento aos estudantes em suas diferentes pesquisas, sem que tenham um tempo
mais estendido de interlocução com os educandos, talvez optem pela seleção de
textos de cuja compreensão leitora esses estudantes, em tese, possam dar conta
sozinhos, sem intervenção. Em procedendo, porém, essa inferência docente, urge
um novo escrutínio com base em (6): apesar de Laís receber textos de conteúdo
informativo, cuja configuração composicional sugere ‘vulgarização científica’, a
aluna depara-se com conceitos dos quais não se apropriou, de maneira que sua
leitura, contrariando expectativas dos representantes da proposta, não prescin-
de da interlocução com o ‘outro mais experiente’, a cooperação sistemática entre
estudante e professor (VYGOTSKI, 2014 [1934]).
359
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
Outro exemplo do que se tem discutido está na Figura 2 a seguir, que traz o
registro fotográfico do caderno de Natália, no qual a estudante afixou o texto que
lhe foi entregue por um dos representantes da proposta para sua pesquisa sobre
empoderamento:
360
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
361
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
Últimas considerações
Referências
362
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
363
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
A CONTAÇÃO DE HISTÓRIAS
INFANTOJUVENIS NO COMBATE AO
RACISMO1
1 Este estudo está vinculado ao projeto de extensão “Contação de histórias numa abordagem
multidisciplinar: desenvolvimento de capacidades de linguagem”, coordenado pela Prof.ª Drª.
Siderlene Muniz-Oliveira da UTFPR-DV, PPGL-PB.
2 UTFPR - Campus Pato Branco. antoniocarlosvalentini@alunos.utfpr.edu.br
3 UTFPR - Campus Pato Branco. verarodrigues@alunos.utfpr.edu.br
4 UTFPR - Campus Pato Branco. laurar.2000@alunos.utfpr.edu.br
5 UTFPR - Campus Dois Vizinhos. smoliveira@utfpr.edu.br
364
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
365
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
Introdução
Pressupostos teóricos
366
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
Procedimentos metodológicos
367
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
Além disso, visando aliar teoria e prática, trazemos, como metodologia se-
cundária, uma menção a uma experiência com uma gravação de uma contação de
história, que faz parte do projeto de extensão mencionado, com a temática da di-
versidade étnico-racial – sendo o público alvo crianças pequenas –, como exemplo
de ações que podem também ser realizadas sobre essa questão.
368
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
(2018) revelam que, apesar de ter existido uma “abolição”, nenhum suporte foi
dado ao negro para continuar sua caminhada.
369
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
370
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
feitas a partir de retalhos6, assim como as bonecas feitas pelas mães negras com
pedaços das próprias saias no intuito de acalentar os filhos em meio ao caos dos
navios negreiros.
6 Essas bonecas foram feitas em um curso na UTFPR, Pato Branco, em 2019, que teve como parti-
cipante a segunda autora deste trabalho, que fez uma das Abayomi. Curso: “Educação como prá-
tica de transformação: o grito do quilombo”, no evento: “Vozes e olhares da cultura negra”, reali-
zado pelo curso de Licenciatura em Letras Português-Inglês da UTFPR, Campus Pato Branco, em
18/11/2019. O curso foi ministrado pelas professoras Carmem Waldow (IFPR) e Maria Isabel
Cabral da Silva (Unioeste).
371
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
A fim de ilustrar um tipo de ação que pode ser realizada sobre a temáti-
ca em discussão, trazemos uma experiência que tivemos com uma encenação de
uma contação de história envolvendo o tema “racismo”, que foi gravada e editada
para posterior exibição para crianças em alguma ação futura do projeto de ex-
tensão mencionado, do qual esta contação faz parte. Nessa experiência, pudemos
perceber que a contação de história é uma forma de incentivar a leitura e trazer
reflexões sobre o tema proposto, como, por exemplo, a discussão racial, que le-
vanta grandes debates e faz com que o leitor tenha um ponto de vista empático
sobre a temática: sobre a realidade do outro.
372
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
Considerações finais
373
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
Referências
374
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
375
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
Edmilson José de Sá 1
376
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
ABSTRACT: This article aims to present a study of linguistic lexical variation to check the
names that a particular item has in a community. For this, the corpora collected for the
construction of the Linguistic Atlas of the Paraná II, originated of a Doctorate thesis de-
fended by Altino (2007) and the Linguistic Atlas of Pernambuco from a Doctorate thesis
defended by Sá (2013) will be used. They are products of investigations carried out in
points of investigation that allowed document the dialect marks of the two States both
in phonetic nature and in lexicon one. For now, the answers of the map 311 regarding
the question 307 of the questionnaire applied in the first Linguistic Atlas of the Paraná
(AGUILERA, 1994) will be analyzed. The answers of the map 39 belonging to question
156 of the Semantic-Lexical Questionnaire (ALIB, 2001) applied in Pernambuco: ‘What
are the round glass little things that boys like to play with?’2, belonging to the semantic
field children’s games. With the answers, a diatophical study on the most relevant de-
nominations will be presented, allowing comparisons with other works already carried
out on the same lexical item. Inspiring in Cardoso and Ferreira’s (1994) and Cardoso’s
(2010) theoretical assumptions, it is intended to reflect on the lexical studies within
Dialectology and Geolinguistics and based on the variation of the lexical item ‘mar-
ble’ (bola-de-gude) to understand a little better about the Portuguese language in the
Northeast and in the South of Brazil.
Introdução
2 Como se chamam as coisinhas redondas de vidro com que os meninos gostam de brincar?
377
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
Por ora, aspira-se, aqui, cotejar a variação para ‘bola de gude’, distribuída
nos Estados do Paraná e de Pernambuco, selecionado do campo semântico jogos
e brincadeiras infantis. In limine, acredita-se na conveniência de se expor estudos
de variação regional de natureza lexical e alguns estudos já concluídos sobre o
referido item lexical, antecedendo a análise que tecerá a comparação das deno-
minações nos estados de Pernambuco e Paraná, apresentando as semelhanças e
disparidades.
Para organizar o ALPR II, a autora usufruiu das respostas para 54% das
questões aplicadas e não cartografadas no IAtlas Linguístico do Paraná usando, en-
tão, os mesmos procedimentos metodológicos. Além de 3 cartas de apresentação,
esse atlas possui 50 cartas fonéticas, 125 cartas léxicas, além de duas cartas dia-
lectrométricas, pioneiras nos atlas brasileiros. Esse aspecto consistiu na apresen-
tação dos índices relativos de distância (IRD) e dos índices relativos de identidade
(IRI), com base no léxico falado no Paraná.
Entre as cartas léxicas, a carta 311 registrou as denominações para ‘as bo-
linhas de vidro que as crianças usam para brincar’.
378
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
Esse método, no fim dos anos cinquenta, ainda não era tão recorrente no
Brasil como era na Europa na mesma época. Foi, então, a ideia pensada e docu-
mentada por Nascentes (1958), que almejava descrever detalhadamente o portu-
guês brasileiro, que o método começou a ganhar destaque. Mal sabia o linguista
que o sonho em distinguir os falares brasileiros em mapas estava distante de se
tornar realidade. Mesmo assim, ao sugerir em suas Bases para a elaboração do Atlas
Linguístico de Brasil que o trabalho em nível nacional foi adiado e desse lugar a pes-
quisas mais regionais, ele assim argumentou:
379
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
Depois do atlas baiano, outros atlas tiveram seu lugar de destaque: o Esboço
de um Atlas Linguístico de Minas Gerais – 1977, o Atlas Linguístico da Paraíba – 1984,
o Atlas Linguístico de Sergipe – 1987, o Atlas Linguístico de Paraná – 1994, o Atlas
Linguístico e Etnográfico da Região Sul do Brasil – 2002, o Segundo Atlas Linguístico
de Sergipe – 2005, o Atlas Linguístico Sonoro de Pará – 2004, o Atlas Linguístico do
Amazonas – 2004, o Atlas Linguístico de Paraná - II – 2007, o Atlas Linguístico do
Mato Grosso do Sul – 2007, o Atlas Linguístico do Estado do Ceará – 2010, o Atlas
Linguístico de Goiás – 2012, o Atlas Linguístico de Pernambuco – 2013, o Atlas
Linguístico do Amapá – 2017, o Atlas Linguístico do Estado de Alagoas - 2017 .
Há, ainda, projetos de atlas regionais, referentes aos falares dos Estados
do Maranhão, Rio Grande do Norte, Espírito Santo, Rondônia, Pará e Piauí, que se
unem a dissertações e teses projetadas ou já concluídas que tratam da cartografia
microrregional.
380
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
AM GO MG MS PB
Bila X
Bilazinha X
Bilha X
Biloca X X
Bilosca X
Biroca X
Birola X
Bola de fona
Bola de gude X X
Bola de vidro X
Bolica X
Bolinha X
Bolinha de fona X
Bolinha de gude X X
Bolinha de vidro X X X X
Bolinha-crica X
Bolita X X
Botila X
Bule X
Burca X
China X
Crichi X
Fona X
Gude X X
Gurca X
Gurquinha X
Peteca X
Tila-tila X
Quadro 1. Denominações para ‘bola de gude’ no Brasil.0
Fonte: Elaborado pelo autor.
No Atlas Linguístico do Paraná - ALPR II, a pergunta que usou como motiva-
ção o item ‘bolinha de vidro’ obteve um número considerável de denominações,
conforme a figura 1 pode ilustrar:
381
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
Figura 1. Distribuição das denominações de bola de vidro (gude) no ALPR II, conforme Altino (2007).
Fonte: elaborado pelo autor.
382
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
383
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
‘Bolita’, por sua vez, obteve um total de 6% das respostas. Essa denomina-
ção, para Houaiss (2009), se origina de bola + ita, com influência do espanhol pla-
tino ‘bolita’ e sentido semelhante. Com apenas 4% do total, ‘bola de vidro’ foi a
expressão menos contabilizada.
384
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
Conclusão
385
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
Referências
386
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
Vitória Muniz-Oliveira1
Siderlene Muniz-Oliveira2
387
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
lugar de fala como forma de autorização discursiva ao passo que ele possibilita
que as vozes silenciadas historicamente sejam ouvidas.
ABSTRACT: This paper aims to analyze the way that the concept of “Place of Speech”, a
term that is believed to have arisen from the discussion about the “feminist standpoint”,
by Patricia Hill Collins, is able to restore the humanity of black women to treating them
as active subjects who resist the various oppressions that are imposed on them. As a
theoretical reference, the book “Lugar de Fala”, written by the philosopher Djamila
Ribeiro, will be adopted. As a methodology, an exploratory bibliographic, qualitative
approach will be used. It is believed that the discourse should be analyzed as a system
capable of structuring imagery. However, for black women to have their rights realized,
it is necessary to create an epistemology that ensures that these women’s experiences
are recognized and that they are seen as active subjects who “resist and re-exist”. For
this to happen, it is necessary to understand the social location of this group in power re-
lations and understand that this location will determine the restriction of opportunities
for its members. In this sense, it is clear that the social location of black women, within a
social pyramid, is below white men, white women and black men, causing several claims
made by them not to be recognized by other groups, arising there the need to use the
concept of place of speech as a form of discursive authorization while it allows histori-
cally silenced voices to be heard.
Introdução
Este artigo tem como objetivo trazer uma reflexão sobre as relações en-
tre o Lugar de Fala e o Feminismo Negro, a fim de provocar uma discussão de um
tema muito pouco abordado, mas que vem ganhando cada vez mais espaços em
debates acadêmicos. A justificativa para a escolha desse tema se dá pelo fato das
injustiças sociais causadas, em especial, pelo racismo e patriarcalismo de nossa
sociedade. Assim, essa discussão poderá levar à expansão do conhecimento sobre
o assunto nas instituições sociais, em especial, científico-acadêmicas, contribuin-
do com debates sobre o tema em questão.
388
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
Metodologia empregada
Para esse levantamento, foram feitas leituras de quatro livros e dois artigos
científicos que versam sobre o tema lugar de e/ou feminismo negro. Em seguida,
alguns trechos que melhor atendiam ao objetivo deste artigo foram selecionados,
sendo feitas reflexões e discussões sobre a temática. Segue a reflexão e discussão
com base nesse material selecionado.
389
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
discursiva vigente na sociedade que vivemos hoje, uma sociedade, segundo elas,
que é marcada principalmente pelo patriarcalismo, racismo, homofobia, transfo-
bia e xenofobia. Cabe frisar que, mesmo tendo ganhado força em um contexto de
discussão acerca do feminismo negro, o conceito de lugar de fala é utilizado em
demais estudos das ciências humanas e sociais.
390
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
Também cabe frisar que a reação que os demais membros da sociedade te-
rão em relação ao ato de desvio, bem como a reação do próprio “desviante”, irá
determinar a forma como ele sentirá os impactos dessa ação em sua vida.
Tem-se, dessa forma, que todas as vozes que não provêm dos homens
detentores de poder, os chamados sujeitos, são consideradas as outras vozes, e
aqueles que não são os sujeitos, são os Outros (RIBEIRO, 2019, p. 35). Nesse con-
texto, se insere o grupo das mulheres negras. Contudo, diferentemente das mu-
lheres brancas, as negras são consideradas o outro do outro.
391
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
392
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
393
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
394
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
395
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
Considerações Finais
Referências
396
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
MODALIDADES EPISTÊMICA E
DEÔNTICA NO DISCURSO POLÍTICO:
UMA ANÁLISE FUNCIONALISTA DE
PRONUNCIAMENTOS EM CONTEXTO DE
COVID - 19
RESUMO: Estudiosos voltados à análise de textos com viés político têm feito uso
da teoria funcionalista para entender o funcionamento e o encadeamento de cer-
tos recursos textuais. Entre estes recursos destacam-se neste estudo os modali-
zadores, com base na proposta de Neves (2000). A autora propõe que a modali-
dade é o ato de comprometimento ou não do locutor com o enunciado proferido.
Propõe-se, então, uma análise funcionalista de quatro pronunciamentos políticos
feitos pelo atual presidente da República, Jair Messias Bolsonaro, em contexto
de COVID – 19 ou, como comumente chamamos, Novo Coronavírus, com a fina-
lidade de analisar a incidência dos modalizadores deônticos e epistêmicos que
integram o texto. Para isso, faremos uso de Neves (2000, 2006), estudiosa do fun-
cionamento desse recurso em diversos textos.
ABSTRACT: Scholars focused on the analysis of texts with a political bias have made
use of Functionalist theory to understand the functioning and linkage of certain textual
resources. Among these resources, modalizers stand out in this study, based on Neves’
397
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
proposal (2000). The author proposes that a modality is the act of commitment or not
of the speaker with the uttered utterance. A functionalist analysis of four political pro-
nouncements made by the current President of the Republic, Jair Messias Bolsonaro,
is proposed in the context of COVID - 19 or, as we commonly call it, New Coronavirus
with the finality of analizing the incidency of the deontic and epistemic modalizers that
integrate the text. For this, we will use Neves (2000, 2006), who studies the operation
of this resource in different texts.
Introdução
398
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
399
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
considerar três categorias de modalidades, uma vez que essas já são mais estabe-
lecidas nos estudos linguísticos. Deste modo, define-se a modalidade epistêmica,
modalidade deôntica e a modalidade dinâmica.
A Modalidade Deôntica
Neves (2006, p. 161) explica que esses três tipos de modalidades, no que
se trata de categorizar o estudo em aspectos de definição, são definidas em dois
tipos apenas:
A partir disso, a modalidade deôntica diz respeito aos elementos que de-
monstram proibição, obrigação, permissão e constituem-se em um contínuo que
vai do absolutamente obrigatório ao permitido. Essa expressão revela um caráter
obrigacional do falante em relação ao que foi dito, uma vez que consideramos a
situação comunicativa em que ele está inserido.
400
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
Modalidade Epistêmica
3. Tenho certeza de que a grande maioria dos brasileiros quer voltar a traba-
lhar. Esta sempre foi minha orientação a todos os ministros, observadas as
normas do Ministério da Saúde. (P4 – evidencial)
401
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
402
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
Segundo Fiorin (1988, p. 16), “[o] discurso não é, portanto, o lugar de liber-
dade e da criação, mas é o lugar de reprodução dos discursos das classes e das
frações de classes”. O autor considera o discurso como o lugar social. Sendo assim,
discurso é um local em que o sujeito manifesta as diversas influências que sofreu
durante sua constituição enquanto sujeito.
Enquanto sujeito, nós somos interpelados por diversas vozes. Essas mate-
rializam-se por meio do discurso, uma vez que “[...] como diz M. Pêcheux (1975),
não há discurso sem sujeito e não há sujeito sem ideologia: o indivíduo é interpe-
lado em sujeito pela ideologia e é assim que a língua faz sentido” (ORLANDI, 2015,
p. 15).
403
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
o sujeito enunciador julga fazer parte daquilo que seu sujeito ouvinte interessa
saber.
Entendendo que o discurso não está livre e usado de maneira inocente, mas
depende do sujeito, meio em que é proferido e do ouvinte para fazer sentido, o
discurso político também acontece da mesma maneira. De acordo com Fantinati
(1990, p.2), “a linguagem do discurso político não é simplesmente uma linguagem
técnica que se possa caracterizar univocamente. Como a própria política, ela é
plurissignificativa, penetra todas as esferas da vida social e se ajusta às diferentes
tarefas requeridas por ela”.
404
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
Constituição do corpus
405
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
406
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
Análise do corpus
P1 P2 P3 P4 TOTAL
Deôntico
0 5 7 2 14
P1 P2 P3 P4 TOTAL
Epistêmico
0 1 0 2 3
Tabela 1: Índice de aparecimento dos modalizadores deôntico e epistêmico.
Em P2, ao dirigir-se ao povo por meio de uma fonte também oficial, assim
como no primeiro pronunciamento sobre COVID – 19, começa, de forma sutil,
fazer uso dos modalizadores. Mesmo assim, o nível de envolvimento com a verda-
de e com o conhecimento por meio do uso de modalizadores epistêmicos ocorre
apenas uma vez em sua fala. Contudo, observa-se que os modalizadores deônti-
cos, usados para transmitir uma intenção de ordem e obrigação, aparecem cinco
vezes, ou seja, mais que o dobro para o uso de modalizadores epistêmicos.
407
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
8. Essa decisão poderá entrar para a história como tendo salvo milhares de
vidas no Brasil. Nossos parabéns para o doutor Kalil. (epistêmico subjetivo)
9. Tenho certeza de que a grande maioria dos brasileiros quer voltar a traba-
lhar. (epistêmico evidencial)
408
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
obrigatoriedade e a ordem é maior, uma vez que faz mais uso de modalizadores
deônticos, que o nível de envolvimento com a verdade e o conhecimento, próprio
do uso de modalizadores epistêmicos. O presidente insiste que todos devem estar
“sintonizados” com suas decisões e que o tratamento do vírus não pode causar
mais danos à economia nacional. Os enunciados a seguir deixam clara a preocu-
pação do presidente em relação ao cenário econômico.
10. Todos devem estar sintonizados comigo. Sempre afirmei que tínhamos
dois problemas a resolver: o vírus e o desemprego, que deveriam ser trata-
dos simultaneamente. (deôntico)
11. As consequências do tratamento não podem ser mais danosas que a pró-
pria doença. (deôntico)
Considerações Finais
409
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
Sites Consultados
Referências
410
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
411
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
CONCEPÇÕES DE LINGUAGEM E DE
ESCRITA NA FORMAÇÃO DOCENTE
INICIAL
412
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
Introdução
413
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
414
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
415
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
416
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
todos os desvios gramaticais que se constituem como erros dentro de uma pro-
dução textual.
417
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
Curricular (BRASIL, 2018), o que leva a uma reflexão acerca de seu entendimento
e domínio por parte dos professores e de sua presença nos cursos de formação.
Metodologia de pesquisa
418
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
Etapa Procedimento
Levantamento inicial
- Solicitação aos docentes em formação para realizar a revisão
em textos produzidos por alunos do Ensino Fundamental e
Médio;
- aplicação de questionário com abordagem da relação
pessoal dos alunos com as etapas de revisão e reescrita, o
conhecimento acerca desses conceitos e o entendimento a
respeito das concepções de linguagem e de escrita.
Ações de intervenção
- abordagem de textos teórico-metodológicos a respeito da
escrita como trabalho e das etapas de revisão e reescrita: 1º
texto – Portos de passagem (GERALDI, 1997 [1991]); 2º texto
– Revisão textual-interativa: aspectos teórico-metodológicos
(MENEGASSI; GASPAROTTO, 2016); 3º texto – Da revisão
à reescrita: operações linguísticas sugeridas e atendidas na
construção do texto (MENEGASSI, 2001); 4º texto – Base
Nacional Comum Curricular (BRASIL, 2018); 5º texto – Revisão
e reescrita nos documentos oficiais: conceitos e orientações
metodológicas (MENEGASSI; GASPAROTTO, 2014); 6º texto –
Como escrever textos (SERAFINI, 1995);
- realização de atividades de revisão e de reescrita em textos
de alunos do Ensino Básico selecionados pelos pesquisadores
de seu acervo pessoal de trabalho em sala de aula, para
desenvolver juntamente aos docentes em formação a prática
de revisão de textos, dos conceitos às metodologias;
- acompanhamento dos pesquisadores nos estágios realizados
pelos docentes em formação;
- auxílio dos pesquisadores na revisão dos textos produzidos
pelas turmas em que os docentes em formação realizaram seus
estágios, como forma de mobilizar conjuntamente e na prática
alguns conceitos dialógicos abordados no estudo teórico e
verificar sua efetividade na reescrita do texto.
Levantamento final - Aplicação aos docentes em formação de atividades de revisão
em textos escritos por alunos de Ensino Fundamental e de
Ensino Médio;
- aplicação de questionário com abordagem da relação
pessoal dos alunos com as etapas de revisão e reescrita, o
conhecimento acerca desses conceitos e o entendimento a
respeito das concepções de linguagem e de escrita.
Tabela 1. Etapas da pesquisa.
419
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
420
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
421
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
visão dialógica de linguagem, que não se basta pelo sistema ou pelo psicologismo
(VOLÓCHINOV, 2017 [1929]). Isso demonstra que o professor em formação não
só teve contato com o dialogismo, como também tomou essa perspectiva para si.
422
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
423
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
424
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
anteriores, o que demonstra que, se existiu contato com a teoria ou até mesmo
com a metodologia, não houve tempo suficiente para maturação.
425
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
Considerações finais
426
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
Referências
427
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
428
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
RESUMO: Este trabalho, que faz parte de uma pesquisa de mestrado em anda-
mento, analisa as atividades de leitura propostas no livro didático - LD de Língua
Portuguesa “Caminhar e transformar” (FERREIRA, 2013), destinado ao públi-
co da Educação de Jovens e Adultos – EJA, anos finais do ensino fundamental.
Selecionaram-se para este trabalho as atividades de leitura do gênero charge,
presentes na unidade “Trabalho e transformação” do LD. Considerando o paradig-
ma qualitativo de pesquisa, tem-se por objetivo verificar de que modo são abor-
dadas as atividades de leitura da charge, na unidade didática selecionada. Para
tanto, tomam-se como referenciais teóricos os pressupostos do dialogismo, a
partir do Círculo de Bakhtin (VOLÓCHINOV; 2013; BAKHTIN, 2010), como tam-
bém os estudos da área da Linguística Aplicada no Brasil no que se refere à leitura
(MENEGASSI et al., 2020; ROJO, 2009). Os resultados indicam que as propostas
de leitura da charge no LD mostram-se superficiais, a exigir do aluno, na maio-
ria das vezes, uma mera localização de elementos expostos no texto. Entretanto,
com o conhecimento dos conceitos dialógicos, como enunciado, situação extra-
verbal e valoração, é possível que se propiciem para as mesmas atividades do LD
429
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
ABSTRACT: This work, which is part of a master´s research in progress, analyzes the
reading activities proposed in the textbook – LD of Portuguese Language “Walking and
transforming” (FERREIRA. 2013), aimed at the public of Youth and Adult Education
– EJA, final years of elementary school. For this work, the reading activities of the
charge genre, present in the “Work and Tranformation” unit of the LD, were selected.
Considering the qualitative research paradigm, the objective is to verify how the ac-
tivities of reading the cartoon are approached, in the selected didactic unit. Therefore,
the assumptions of dialogism are taken as theoretical references, based on the Circle
of Bakhtin (VOLÒCHINOV, 2013; BAKHTIN, 2010), as well as studies in the area of
Applied Linguistics in Brazil with regard to reading (MENEGASSI ET AL., 2020; ROJO,
2009). The results indicate that the proposals for reading the cartoon in the LD are su-
perficial, requiring the student in most cases a mere location of elements exposed in
the text. However, with the knowledge of the dialogical concepts, as stated, extraverbal
situation and valuation, it is possible that the same activities of the LD can be extended
to favor a critical look at the text and society, with regard to issues such as prejudice,
discrimination and social inequality.
Introdução
430
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
431
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
432
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
O autor diz, ainda, que o valor axiológico que um autor atribui a uma obra
estabelece vínculos com outras vozes/valorações e que “a postura axiológica con-
siste na presença constitutiva do outro em mim” (SANTANA, 2017, p. 240), ou
seja, os enunciados são sempre atravessados por outros enunciados.
433
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
ideológico dos falantes sobre as condutas que devem ter nesse espaço determina-
do; o conhecimento e a compreensão comum da situação comunicativa por parte
dos interlocutores têm a ver com o contexto histórico cultural, bem como com
os conhecimentos que os envolvidos têm em comum tanto quanto ao tema como
quanto às posições sociais de cada interlocutor; e a avaliação comum da situação
refere-se aos valores que permeiam a interação e compõem o horizonte social.
Metodologia
434
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
O livro é composto por quatro unidades, cada uma dividida em quatro capí-
tulos. Os assuntos abordados atendem aos interesses e necessidades do público
alvo, tais como identidade e diversidade, meio ambiente e sustentabilidade, tra-
balho, cidadania, direitos humanos, etc. Todos esses temas promovem percepções
críticas acerca da sociedade.
435
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
projetos para a televisão aberta, a cabo e internet na Rede Globo. Em suas char-
ges, Aranha promove críticas a quem está ou esteve no poder.
Após a apresentação da charge, são indicadas três perguntas para que se-
jam discutidas oralmente com os colegas, sob mediação do professor.
436
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
437
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
ser empregada doméstica, negra e, provavelmente, pelo contexto em que ela está
inserida. Com isso, deixa transparecer suas crenças e ideologias em relação a sua
posição social. Aliás, com a entonação da fala da personagem, pode-se observar
que a patroa não está no mesmo espaço da limpeza, pois a empregada a chama.
438
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
439
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
440
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
441
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
Considerações finais
442
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
Referências
443
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
444
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
445
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
ABSTRACT: This research constitutes an excerpt from the Master’s Dissertation that is
being developed in the Postgraduate Studies in Linguistics Program languages UTFPR.
Aiming to identify and analyze through a theoretical-conceptual overview and throu-
gh interviews with teachers from public and private schools, about the practices with
regard to working with phonological awareness in the Literacy and Literacy processes.
The investigated group is made up of teachers who work in the initial phase of literacy,
which comprises Pre-school classes in the 3rd year of Elementary Education through a
questionnaire, via Google forms, which aim to know more about the subjects : (a) whe-
ther they work with phonological awareness; (b) what they think about how phono-
logical awareness contributes to the teaching and learning process; as the phonemes,
syllables and rhymes are worked in the literacy and literacy classes of the early years of
elementary school I. The research, still in its initial phase, seeks, therefore, to know the
space that occupies the Phonological Awareness in the classes, identifying the methods
used in literacy and literacy processes, by surveying school practice. Some initial results
that we obtained, with the research directed to 16 teachers, is that, around fifty percent
of their students are in the stage of awareness of the segmentation of sounds, a result
that was found through a survey with monitoring, bimonthly via digital evaluations.
Regarding the definition of phonological awareness, one hundred percent of the inter-
viewees chose to say that it is our ability to manipulate the sounds of our language,
with the majority using the synthetic-analytical method, in their school practices, forms
repetition, syllabation method and playful activities. As for the difficulties encountered
in the literacy process, part says that it comes from the students themselves who are not
predisposed to learn.
KEYWORDS: Phonological Awareness; Literacy and Literacy.
Introdução
Este artigo tem por objetivo identificar e analisar por meio de um apanhado
teórico-conceitual, referenciados na pesquisa e por meio de entrevistas, as práticas
446
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
447
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
448
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
Consciência Fonológica
449
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
450
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
451
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
Segundo Capovilla & Capovilla (2000, p.19), diversos países que trabalham
com a Consciência Fonológica na alfabetização, compreenderam rapidamente
que, para evitar dificuldades em leitura e escrita, as crianças deveriam ser ensina-
das, de forma explícita e sistemática, a manipular fonemas por meio da instrução.
Quanto mais desenvolvida essa habilidade, melhor a compreensão da relação fo-
nema–grafema. Crianças com dificuldades em Consciência Fonológica geralmen-
te apresentam atraso na aquisição da leitura e da escrita, e procedimentos para
desenvolver a Consciência Fonológica podem ajudar as crianças com dificuldades
na escrita a superá-las (CAPOVILLA; CAPOVILLA, 2000b).
452
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
Metodologia do trabalho
453
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
a) Método analítico
c) Método sintético
454
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
b) na forma de repetição
c) Método da silabação
455
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
456
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
Diante das pesquisas, conclui-se que grande parte dos professores entre-
vistados realiza um trabalho voltado à Consciência Fonológica, utilizando méto-
dos e metodologias relacionadas ao seu desenvolvimento. Aspecto crucial para o
desenvolvimento infantil, pois assim desenvolve-se a capacidade de refletir sobre
os sons, a leitura e a escrita alfabética. Isto também implica que, essas habilidades
que já vêm se aperfeiçoando desde muito cedo nas crianças, são ampliadas con-
forme vai se desenvolvendo esse trabalho, pois através da manipulação da estru-
tura das palavras, ocorre o desenvolvimento da aprendizagem.
Considerações finais
457
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
A partir dos dados coletados, é importante dizer que o aluno tenha uma
boa noção da habilidade, antes de avançar para a próxima, mas não é necessário
ter atingido a perfeição em cada etapa. Por exemplo, para ler as primeiras pala-
vras, a criança não precisa saber todas letras e seus sons correspondentes, basta
o ensino básico de alguns sons e letras. Ao aprender a ler, o aluno converte letras
em sons, aplicando as regras do código alfabético, portanto, ele está decifrando
esse código. O termo decodificar refere-se à essa capacidade. O fato de que as
relações entre letras e sons são muito previsíveis, facilita a decodificação, promo-
vendo assim a aquisição da leitura e da escrita, e também do letramento.
Referências
458
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
459
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
GRAFIAS NÃO-CONVENCIONAIS DE
LATERAIS ALVEOLARES EM TEXTOS DE
ALUNOS DO ENSINO FUNDAMENTAL DE
PONTA GROSSA
460
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
trocas: (i) entre os grafemas <l> e <r>, como em anuncial (para anunciar) e devorver
(para devolver); e (ii) entre os grafemas <l> e <u>, como em chegol(para chegou) e
augumas (para algumas). Essas trocas, associadas, respectivamente, aos fenôme-
nos fonético-fonológicos denominados rotacismo e vocalização, evidenciam a cir-
culação dialógica dos escreventes pelas práticas sociais do oral/falado e, quando
aplicada hipercorreção (CAGLIARI, 2004), do letrado/escrito (CORRÊA, 2004).
Introdução
461
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
Justifica a realização desta pesquisa o seu ineditismo, posto que não se têm,
para a variedade ponta-grossense, estudos sobre grafias não convencionais que
dialogam com processos fonético-fonológicos ocorridos no Português Brasileiro.
Também justifica a condução desta investigação sua temática, já que, por tratar
de aspectos ortográficos, pode vislumbrar frutos para o ensino/aprendizagem de
línguas. A partir de grafias como prãnta, bardji e pobrema para, respectivamente,
planta, balde e problema, sobre a escrita do grafema <l>, Cagliari (2004, p. 375)
destaca que:
Cabe destacar, no entanto, que o presente trabalho não delimita sua pes-
quisa às trocas gráficas que resultam da tentativa do escrevente de grafar <l>.
Sendo assim, neste estudo, são investigadas tanto as trocas gráficas em que a con-
venção prescreve <l>, mas o escrevente apresenta outro grafema, como em fauta
(para falta) e pírulas (para pílulas), quanto trocas gráficas em que se utiliza <l> em
contexto em que a convenção ortográfica recomenda outro grafema, como em
coelinho (para coelhinho) e refligerante (para refrigerante), além de outras ocorrên-
cias – que não a troca – que envolvem a grafia não convencional da consoante
lateral alveolar.
462
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
Arcabouço teórico
Oral/falado e letrado/escrito
Essa teoria propõe a existência de três eixos (CORRÊA, 2004) que orien-
tam a circulação do escrevente pelo imaginário sobre a escrita, noção esta que,
segundo o autor, aproxima-se do sentido de representação, e não de ficção ou irrea-
lidade. Esses três eixos são:
463
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
Outro tipo de grafia não convencional elencada por Cagliari (2004) corres-
ponde à hipercorreção, que ocorre “quando o aluno exagera na aplicação de uma
regra, usando-a para contextos não permitidos” (CAGLIARI, 2004, p. 278). Menos
recorrente do que a transcrição fonética, pode ser exemplificada pelo momento
em que o aluno quer escrever céu, mas registra cél, em analogia com mel (após,
464
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
por exemplo, o(a) professor(a) ter explicado que a escrita é com <l>, apesar de a
pronúncia ser [w]).4
Miranda (2009), por sua vez, defende que as grafias não convencionais for-
necem indícios de representações construídas pelo escrevente no que concerne
à estrutura fonológica de sua língua materna. Pachalski e Miranda (2019, p. 156)
constatam “um predomínio de erros motivados pela fonologia em relação àqueles
motivados pelas particularidades do sistema ortográfico”, de tal forma que, para
as autoras, as grafias não convencionais são motivadas por aspectos do conheci-
mento linguístico internalizado do escrevente, corroborando estudos anteriores
de Miranda (2017, por exemplo).
4 Cagliari (2004) identifica, ainda, outros tipos de grafias não-convencionais, como: (i) a troca de
letras, resultante do fato de uma letra poder representar muitos sons e de um som poder ser
representado por muitas letras, como em sebola (para cebola); e (ii) a troca de consoantes sonoras
e surdas, como emcorila (para gorila). Esses tipos de grafias não-convencionais não são considera-
dos no presente estudo, por não estarem relacionados a consoantes laterais alveolares.
465
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
Outro processo que pode ocorrer com a consoante lateral alveolar é de-
nominado palatalização, “fenômeno pelo qual uma consoante adquire uma arti-
culação palatal ou próxima à região palatal” (CRISTÓFARO SILVA, 2011, p. 168).
Como exemplo, tem-se a realização de sandá[ʎ]a para sandá[l]ia.
466
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
Material e métodos
O corpus utilizado neste estudo conta com 201 textos escritos em âmbito
escolar por alunos do sexto ano do Ensino Fundamental, com idade entre 11 e 12
anos. Após uma sequência de atividades sobre anúncios publicitários de diferen-
tes marcas, a autora solicitou aos alunos que produzissem textos a partir de duas
propostas: (i) desenvolver um anúncio publicitário para a venda de um produto;
e (ii) escrever um texto de opinião sobre o tema “Tomar refrigerante pode fazer
uma criança feliz?”.
467
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
468
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
TROCA DE <l> PARA <u> TROCA DE <l> PARA <r> TROCA DE <l(i)> PARA <lh>
Au.gu.mas Chi.cre.tes Fa.mi.lha
Au.gu.mas Cra.ro Fa.mi.lhar
Bou.sas De.vor.ver
Bou.so Pí.ru.las
Cau.ça.dos Pí.ru.las
Cau.ças Pro.bre.ma
Co.les.te.rou Sar.ga.di.nhos
Eu.ma
Fau.ta
Mau
Mau
Mau
Rí.meu
Quadro 2. Trocas de <l> para outro grafema
Fonte: Elaboração própria.
469
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
Na segunda coluna, verificam-se as sete trocas de <l> para <r>, que ocor-
rem em ataque silábico, seja ele simples (como em pí.ru.las) ou complexo (como em
chi.cre.tes), ou coda (como em de.vor.ver). Esses casos são relacionados ao proces-
so fonético-fonológico rotacismo, e uma análise mais detalhada especificamente
sobre esses dados é apresentada no estudo de Carmo, Bugai e Dias (no prelo).
Desses dados, as autoras destacam as duas ocorrências presentes em ataque sim-
ples, por se tratar de um contexto silábico menos recorrente no que tange ao ro-
tacismo. As autoras explicam esses casos com base em Brandão e Callou (2019),
que afirmam se tratar de um processo de dissimilação, o qual passa a distinguir as
consoantes líquidas presentes no vocábulo (pí.lu.las ~ pí.ru.las).
470
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
TROCA DE <o> OU <u> PARA <l> TROCA DE <r> PARA <l> TROCA DE <lh> PARA <l>
Al.ti.dor A.nun.ci.al Co.e.li.nho
Al.ti.do.res Com.pral
Al.ti.do.res Re.fli.ge.ran.te
Che.gol Re.fli.ge.ran.te
Ma.cil
Sal.dá.vel
Quadro 3 .Trocas de outro grafema para <l>
Fonte: Elaboração própria.
Por fim, na terceira coluna, tem-se o dado co.e.li.nho, em que há a troca grá-
fica de <lh> para <l>, o que pode ser interpretada como hipercorreção, a partir do
processo de palatalização.5
Al.dum.to Di.si.gaØ.da.ti
Quadro 4 . Grafias não-convencionais que não correspondem a trocas gráficas
Fonte: Elaboração própria.
5 Esse dado também pode ser interpretado como transcrição fonética (CAGLIARI, 2004) e, portan-
to, associado ao primeiro eixo de Corrêa (2004). Nesse caso, é associado ao processo de despala-
talização da lateral palatal, lenição que faz com que essa consoante possa ser realizada como [lj],
por exemplo (CRISTÓFARO SILVA, 2011).
471
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
No caso de al.dum.to (para adulto), verifica-se que o grafema <l> foi es-
crito na sílaba anterior. Nesse âmbito, pode estar associado à metátese, definida
como “fenômeno de troca de posições de um segmento dentro de uma palavra”
(CRISTÓFARO SILVA, 2011, p. 152), mais especificamente metátese regressiva, por
ocorrer da direita para a esquerda (SÁ NOGUEIRA, 1958, apud HORA; TELLES;
MONARETTO, 2007, p. 185). Como exemplo de metátese - também regressiva -
na mudança do latim para o português envolvendo a consoante /l/, Hora, Telles e
Monaretto (2007, p. 185) apresentam si.bi.lar>sil.var.
Considerações finais
A partir das 201 produções textuais (MENDES, 2013) utilizadas como cor-
pus no presente trabalho, foram levantadas 35 ocorrências de grafias não conven-
cionais de consoantes laterais alveolares, das quais 22 trocas gráficas (63%) foram
classificadas como transcrição fonética e 11 (31%) como hipercorreção (CAGLIARI,
2004). Esse resultado, de certa forma, era esperado, pois, de acordo com Cagliari
(2004), o primeiro tipo de grafia não convencional é recorrente em textos espon-
tâneos, enquanto o segundo consiste em um caso menos comum. Outras duas
ocorrências (6%) de grafias não convencionais envolvendo laterais alveolares não
correspondem a trocas entre grafemas.
472
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
Por fim, espera-se que o presente trabalho, por meio da análise de grafias
não convencionais de consoantes laterais alveolares em textos de alunos do sexto
ano do Ensino Fundamental, produzidas em duas escolas do interior paranaense,
contribua de modo a exemplificar a complexidade da aquisição da escrita, proces-
so que, como explicitado, não se finda nos primeiros anos do Ensino Fundamental.
Referências
473
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
474
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
475
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
nossa percepção da realidade pode ser e é alterada de acordo com o uso da lingua-
gem para guiar o pensamento do leitor/ouvinte.
ABSTRACT: This paper makes a verbal-visual analysis of the Carta Capital magazine’s
cover from August 2015. The headline of the magazine has only the word “Chaos”, a
word that will be used as an object of analysis, in order to search for possible deeper in-
terpretations on its report and cover. This will be done through a study based on concep-
ts of meaning and theme and discourse genres studied by Bakhtin/Volochinov (2006)
and William Cereja (2010). The theoretical framework that was chosen will exempli-
fy each of these concepts and bring new perspectives to readers on how to interpret
a statement, addressing the importance of building critical thinking in education, em-
phasizing the importance of teachers to take their students to reflect on the choices of
elements and words for the construction of several statements. The etymological mea-
ning of the word “chaos” will also be analyzed in relation to the extraverbal elements of
the cover, leading to conclusions that interrelate all these factors. The results achieved
through this analysis show the relevance of semiotic studies for life in society and how
our perception of reality can be changed and it is changed according to the language use
to guide the thinking of the reader/listener.
Introdução
O sistema linguístico atual difere muito do seu sistema de origem, mas di-
fere também do sistema de apenas alguns anos atrás. Isso ocorre porque ele passa
por constantes ajustes e reajustes, está sempre sofrendo mudanças não apenas
de ordem gramatical, mas também de sentido e de significação, o que pode causar
desentendimentos, mas também enganar, ludibriar, manipular ou influenciar um
interlocutor propositalmente ou não.
476
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
Metodologia
477
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
(2010) também foram estudados, para gerar uma base maior sobre como proce-
der com a pesquisa.
Fundamentação Teórica
478
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
479
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
Com base em tudo o que vimos até aqui, percebemos que, na repetição
de um mesmo enunciado, temos a mesma significação (são usadas as mesmas pa-
lavras, o mesmo sintagma), porém temas diferentes. Ainda que nos utilizemos das
mesmas sentenças para a construção do nosso enunciado, cada situação empre-
ga sentidos, intenções e interpretações completamente diferentes a eles e essa
é a característica que diferencia os dois termos e define tema como enunciação
historicamente construída e única. Assim, na definição de Bakhtin/Volochinov
(2006, p. 131-132):
Esses conceitos são explicados também por Cereja (2010, p. 202), que elu-
cida que “a significação existe como capacidade potencial de construir sentido,
própria dos signos linguísticos e das formas gramaticais da língua”, ou seja, é um
480
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
Análise
A revista Carta Capital traz na capa da edição de agosto de 2015 (Figura 1),
a manchete “Caos, quem quer e quem não quer”. Este tema estava relacionado à
situação econômica do Brasil e sua presidente na época, Dilma Rousseff. Os ele-
mentos extraverbais analisados são o mar – aparentemente agitado –, a neblina, o
farol ao longe e a boia salva-vidas em uma perspectiva mais próxima:
481
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
482
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
por menor que seja a mudança na utilização cotidiana de um termo, isso influen-
ciará, sua significação e tema dentro dos enunciados.
E é por isso que quando lemos a capa da revista Carta Capital, o significado
que nos vêm à mente é o de desordem, que não está diretamente ligado à concep-
ção de criação do mundo. Mas se em uma análise mais aprofundada dessa capa, de
seus recursos verbais e de seus recursos extraverbais, encontrássemos sim uma
ligação à etimologia da palavra “caos”? Já temos conhecimento de que seu signifi-
cado está ligado ao estado no qual o mundo se encontrava antes de sua geração,
porém, adentraremos mais ainda a este conceito.
Para eles uma ordem eterna era impensável, porque eles em sua
relação empírica com o mundo não tinham a experiência de uma
ordem eterna. No seu olhar do mundo viam que nada é ordena-
do para sempre. As coisas perdem a forma, se desordenam, des-
mancham, bagunçam, deixam de funcionar, envelhecem, voltam
a terra. A matéria podia ser eterna, o tempo era para eles eterno,
o movimento tinha existido sempre. Mas não a ordem. Se existe
ordem é porque em algum momento houve um elemento orde-
nador. (GUTIÉRREZ, 2011, p. 2).
483
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
Como vimos, o conceito de caos como conhecemos hoje, partiu das mito-
logias dos povos gregos, mas não foi ali que encontramos os primeiros indícios
dessa definição. O povo Sumério não conseguiu criar realmente uma filosofia re-
lacionada ao início do mundo, mas segundo Gutiérrez (2011, p. 3) “refletiram e
especularam sobre a natureza do universo em sua origem, e principalmente sobre
sua organização e modo de operação” e, dessa forma, criaram também algumas
teorizações, como lemos em Gutiérrez (2011, p. 3): “as tabuletas sumérias falam
que no princípio do mundo somente havia um ‘oceano primordial’ infinito, no qual
todas as coisas estavam misturadas. Era o caos”. Esse foi, então, o primeiro concei-
to da palavra, ainda que não bem articulado.
Portanto, o conceito dos antigos egípcios une-se aos mitos gregos e sumé-
rios, que edificam a ideia de um mar caótico inicial dando origem ao mundo, dando
origem ao cosmos.
484
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
Mas ainda restam os questionamentos de: por que a escolha do mar re-
volto para representação do caos? De que forma esta escolha se liga ao presente
estudo?
Dessa forma, pode-se vir a concluir que a revista Carta Capital está refe-
rindo-se ao caos existente antes da ordem. Relacionando-se este fato à realida-
de que era vivenciada na época, das diversas opiniões sobre as perspectivas que
despontavam sobre o futuro incerto do país, a revista vinha com a visão de que
Dilma tinha como manter-se no poder e contornar a situação de crise no Brasil, in-
terpretando-se que ela mantinha o poder de tirar o país deste estado de caos, isto
é, ela possuía a capacidade de reconstituir o cosmos, a ordem no Brasil. Portanto,
este caos proposto pela revista, a partir da conclusão que foi atingida, não é ne-
cessariamente um aspecto negativo, um momento ruim pelo qual o país estava
485
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
passando, mas sim que era um período necessário para atingir-se uma próxima
fase em direção à prosperidade brasileira.
Considerações finais
Ao final das pesquisas que orientaram este artigo, pudemos concluir pri-
meiramente que a utilização cotidiana das palavras muda seus significados de
acordo com os contextos nos quais são inseridas, ou seja, gerando novos temas.
Este fator influencia diretamente a comunicação, podendo o locutor se utilizar
dela de forma proposital ou não.
Na edição analisada, a revista Carta Capital transmite em sua capa uma pri-
meira interpretação bastante impactante, aparentemente destacando a desor-
dem em que o país se encontrava e colocando em xeque a permanência da então
presidente no poder. Entretanto, não apenas na leitura da reportagem, mas tam-
bém na análise que aqui apresentamos, um leitor mais atento, perceberia de outra
forma a construção da capa como um todo, levando em conta sua capacidade de
486
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
Dessa forma, a revista poderia estar buscando uma estratégia para induzir
o leitor a uma leitura inicial superficial para que ele compre a revista e, ao ler a
reportagem, seja persuadido a enxergar o contexto político e as competências de
Dilma de outra forma, de acordo com o que a revista apresenta.
487
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
Referências
488
PARTE 3
ESTUDOS EM
LITERATURA E
INTERFACES
A BRUXARIA COMO LIBERDADE
FEMININA EM LOLLY WILLOWES DE
SYLVIA TOWNSEND WARNER1
Sintia Deon2
490
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
Introdução
491
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
3 “[...] Warner was a redoubtable feminist who always regarded women’s rights as inseparable
from other struggles for peace, democracy and freedom” (JOANNOU, 2006, p. IV).
492
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
4 “Her work includes nine volumes of short stories, seven novels, eight volumes of poetry (in-
cluding Selected Poems), a remarkable biography of T. H. White, and a collection of her letters”
(WARNER, 1985, orelha do livro Selected Poems).
5 Todas as traduções diretas são de minha autoria, salvo as que foram citadas nas referências.
493
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
A segunda e a terceira onda feministas têm início por volta dos anos 60 e
para compreender melhor esse período, a escritora Heloisa Buarque de Hollanda
que é organizadora de um livro chamado Explosão Feminista, diz em sua introdução:
Por meio da análise que Hollanda fez, ela nos mostra que o feminismo con-
tinuou e ainda continua se desenvolvendo e trazendo cada vez mais conquistas
para as mulheres, além de diferentes pontos de vista. A partir dos principais tí-
tulos de seu livro (HOLLANDA, 2018) atribuídos aos vários tipos de feminismos
ou em que local atuam, percebe-se que existe uma grande abrangência dentro do
6 “There were signs of women’s emancipation in the 1920s: females wore their hair short, enjoyed
some of the freedoms previously limited to unmarried males, and in England obtained the right
to vote” (SOHN, 1994, p. 92).
494
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
termo feminismo, a autora mostra suas vertentes nas várias características cultu-
rais, o que torna tudo mais interessante, trazendo assim todas as mulheres para
uma luta por igualdade.
Lolly Willowes foi publicado pela primeira vez em 1926, e seu primeiro título
foi The Loving Huntsman. O romance tem sido considerado um dos clássicos femi-
nistas, sendo traduzido para o português, espanhol, italiano e francês. Seu enredo
trata de Laura, uma jovem que perdeu seu pai e teve que morar com seu irmão
casado, ocasião em que acabou se tornando a “titia” da família, uma governanta.
Mas a protagonista cansa dessa vida e decide adentrar a floresta, indo em dire-
ção a uma pequena vila chamada Great Mop, onde começa sua vida sozinha. Após
alguns dias vivendo em solidão, em situações inusitadas, ela faz um pacto com o
diabo e se torna uma bruxa. A imagem da bruxa aqui é emblemática de todo o
mistério que cerca as concepções que todos tinham da mulher da época e também
se revela como uma crítica à condição de excluídas e acorrentadas em que as mu-
lheres estavam vivendo.
Em Lolly Willowes, Laura vive sua vida de forma feliz até que o momento de
se casar, de construir uma família, chega. A partir disso, Laura toma uma bela e
forte decisão, desobedecendo a seu irmão e indo viver sozinha – uma atitude de
esplêndido poder, para a época em que Warner escreveu, pois claramente mostra
uma mulher muito confiante de si e cheia de desejo pelas aventuras da vida. Sem
ter de passar a vida de forma entediante e ter de viver para poder ser chamada de
“boa mulher” perante a sociedade:
7 “From Lolly Willowes, the fantastical version of a feminist manifesto […]” (BINGHAM, 2006, p.
41).
495
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
8 “As a writer with a feminist understanding of the importance of the concrete and the everyday,
Warner also used place to emphasise the importance of frequently marginalised domestic space.
Her understanding of class and gender politics is rooted in the knowledge from place. She is inte-
rested in locations with a history that incorporates the lives of ordinary people and their every-
day things. In fiction and non-fiction she celebrates simple and ordinary places (Dorset villages,
household interiors, simple objects and domestic pleasures). Warner’s account of her develo-
ping understanding of country living and its politics (for a series in The Countryman appropriate-
ly called The Way by Which I Have Come’) is a detailed realisation of the history and materiality
of place in people’s lives, contesting the sentimental, urban middle class idealisation of country
life. She dates her ceasing to be a ‘townee’ to the time when, rather like Lolly Willowes, she found
an isolated place on an ordnance survey map and went to live there” (DAVIES, 2006, p. 2).
496
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
vida com a família do irmão, Laura se torna a tia Lolly, transformando-se na babá
e na governanta da casa – responsável, tacitamente, pela casa e pelas crianças,
cuidando de enfeites para o natal e de jantares com os familiares. Laura vive até
seus quarenta e sete anos com o irmão e passa cerca de vinte anos nessa função.
A bruxaria e o feminino
497
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
um método ou uma filosofia de vida para se ligar e fazer uso das energias que a
natureza e o universo disponibilizam. Muitas pessoas ainda conservam em mente
a ideia de uma mulher má, com verrugas, que faz feitiços para amaldiçoar pessoas,
e que frequentemente voa em uma vassoura, que faz pacto com o diabo e mantém
contato com ele. Segundo Stuart Clark (2006, p. 557), “[a] bruxa era vista, primei-
ro e sobretudo, como alguém com o poder e a vontade maligna de causar danos
reais a suas vítimas”.
As primícias da bruxaria são bem imprecisas, uma vez que não tem um início
determinado. Um relato que se encontra no livro Feitiçaria, a Tradição Renovada,
de Evan John Jones e Doreen Valiente, é que a bruxaria, também chamada de Arte
por alguns seguidores e escritores, teve seu início com os deuses:
Antes de Aradia voltar para casa, ela ensinou os seguidores que na noite de
lua cheia eles deveriam adorar a Deusa Diana, com danças, banquetes e música.
Adorá-la como a uma rainha (JONES; VALIENTE, 1992). Esse tipo de adoração é
chamado Esbat, em que as bruxas participam. As características gerais dos Esbats
são as de serem celebrados na lua cheia e de adorarem à deusa mãe.
A história das mulheres e de como elas têm construído seu gênero é ar-
rebatadora, apesar de perturbadora e hostil. Durante muito tempo, as mulheres
deveriam ser virgens incorruptas, satisfazendo as instituições patriarcais à sua
volta. Ao falar dos vários papéis da mulher no mundo ocidental do século passa-
do, Michelle Perrot analisa o exemplo feminino a ser seguido, dizendo, em Minha
História das Mulheres que “[a] virgindade [seria] um valor supremo para mulheres e
principalmente para as moças. A Virgem Maria, em oposição a Maria Madalena, é
seu modelo e protetora” (2007, p. 64). Em contrapartida, a estudiosa comenta que
havia também as feiticeiras que são o oposto completo das mocinhas angelicais:
498
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
Enfim, elas têm contato com o diabo. O diabo cuja existência foi
estabelecida e cuja teologia foi desenvolvida pelo Concílio de
Latrão. A feiticeira é filha e irmã do diabo. Ela é o diabo, seu olhar
mata: ela tem mau-olhado. Tem pretensão ao saber. Desafia to-
dos os poderes: o dos sacerdotes, dos soberanos, dos homens, da
razão. (PERROT, 2007, p. 90)
Além de ser essa mulher com poder de discurso e atitudes próprias, a bru-
xaria trouxe uma forma diferente de crença, que o cristianismo logicamente não
aceitava e repugnava. Porém, além desses motivos um dos principais causadores
desse conflito foi a separação dos termos religião e magia que a igreja fez:
Durante essa época foi escrito por dois inquisidores alemães Henrich
Kramer e James Sprenger, o livro Malleus Maleficarum – O Martelo das Feiticeiras,
que descreve como caçar e identificar bruxas e demônios para fazer seu julga-
mento e expulsão. O livro dá ênfase à situação da mulher, uma vez que somente
elas poderiam ser bruxas – os homens eram apenas possuídos por demônios pelo
499
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
fato de as mulheres lançarem feitiços sobre eles. A visão da mulher, no livro, seria
a de um ser que tem o poder de persuadir e corromper os homens, demonizando
assim a sua imagem.
500
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
“sempre tivera uma queda pela botânica e também herdara um talento para o pre-
paro de poções” (WARNER, 2013, p. 29). Assim, já é possível perceber a ligação de
Laura com a fitologia.
Os lírios são “símbolo da pureza feminina. [...] Acredita-se que, nos jardins,
são verdadeiras barreiras contra malefícios” (NATURAL, 2009). Parecida com a
samambaia em seu significado mágico, o lírio vai simbolizar a pureza feminina à
qual Laura se encaixa, uma vez que é pura e não tenha se casado ao longo de sua
vida. Além de toda a força feminina que está a despertar no interior de Laura, ao
tomar a decisão de ir viver sozinha, sua feminilidade e desejo será aparente.
Após se mudar para Great Mop e começar a ter convivência com seus vizi-
nhos, Laura continua com seu contato com as plantas, quando eram “chegados os
primeiros dias de verão e os primeiros botões de prímulas em maio” (WARNER,
2013, p. 119). Portanto, depois de passar um tempo com o sr. Saunter cuidando
de galinhas, Laura volta para casa e pensa em colher essas primeiras prímulas do
verão. As prímulas são flores “recomendadas especialmente para fortalecer os la-
ços de amizade” (FLORES, 2016). E é exatamente esse laço que Laura cria com o
sr. Saunter, um laço de amizade, não uma amizade íntima, mas algo mais simples
e breve.
501
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
Considerações finais
Sylvia Townsend Warner foi uma escritora de grande influência para o for-
talecimento do feminismo em sua época. Podemos nitidamente perceber essa ca-
racterística em Lolly Willowes, que veementemente apresenta elementos do fan-
tástico e que, sem dúvida, foi marcado pela escrita feminina do feminino, ou seja,
pela mulher que fala sobre o protagonismo da mulher ao final da década de 1920,
o que não era muito comum nesse período.
502
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
Referências
503
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
504
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
505
A FIGURA DA MORTE EM ADDIE
BUNDREN: ELEMENTOS GÓTICOS EM AS
I LAY DYING DE WILLIAM FAULKNER1
506
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
Introdução
507
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
4 The Gothic is frequently considered to be a genre that re-emerges with particular force during
times of cultural crisis and which serves to negotiate the anxieties of the age by working through
them in a displaced form (PUNTER; BYRON, 2004, p. 39).
508
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
5 Repeatedly, we are offered the spectacle of devolution and decay, of chaos and multiplicity.
Forms and boundaries dissolve as comforting certainties mutate into questions. The Gothic hor-
ror of the Decadence is the horror of dissolution, of the nation, of society and, ultimately, as we
move into the Modernist world, of the human subject itself (PUNTER; BYRON, 2004, p. 43)
6 […] with the possibility that it may be the result of an overactive imagination, a drug-induced
altered state, or some manner of mental illness (MARSHALL, 2013, p. 12).
509
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
Por fim, entendeu-se que há uma diferença muito significativa entre Addie
em vida e em morte: quando em vida, a personagem é impedida de ter controle so-
bre o seu conhecimento; não há espaço para suas manifestações autorreflexivas,
se não por meio da morte. Sua figura morta é significativa, pois por meio dela há
510
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
voz, e por meio dela há revolta contra palavras vazias. O filósofo do existencialis-
mo, Jean Paul Sartre (1970), iluminou os estudos desse paralelo entre Addie e a
vida, implicando em representações filosóficas através do gótico sulista. Assim, o
elemento da morte, por meio da personagem Addie Bundren, se caracteriza como
ponto significativo, cuja interpretação pode despertar questionamentos filosófi-
cos a respeito da existência, principalmente se considerar-se sua conexão com os
filhos. A figura da morte pode, para além da construção do gótico, ser um ponto de
contato entre os personagens e o existencialismo, despertando questionamentos
a respeito da vida humana: escolhas, trajetórias etc.
511
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
512
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
Cash tentou, mas ela caiu e Darl pulou indo para o fundo ele foi
para o fundo e Cash gritando para que a pegasse e eu gritando
e Dewey Dell gritando comigo Vardaman você vardaman você
vardaman e Venon passou na minha frente porque ele a via subir
e ela voltava a afundar e Darl ainda não tinha conseguido pegá-la
ainda. (FAULKNER, 2017, p. 126).
513
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
Em vista disso, pode-se afirmar que a figura da morte não está presente em
Addie por conveniência, ao contrário, há uma conexão física entre Addie e a mor-
te, resultando em alguns questionamentos que despertam a reflexão do gênero
da morte. Consequentemente, pergunta-se: há alguma razão para a evocação da
morte ser feminina (como no caso de Addie)? Culturalmente e/ou linguisticamen-
te, a morte é feminina? Que implicações resultam da personificação da morte no
gênero feminino (em Addie)?
Maternidade e Família
514
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
7 These few cases, chosen from diverse cultures and languages, are enough to suggest that gram-
matical gender is not necessarily the determining factor when death is personified and, inevita-
bly, genderized. […] When literary scholars turn their attention to personification as a stylistic
device, they too, […] postulate a prelinguistic realm as the locus in which such determinations are
made (GUTHKE, 1999, p. 30).
515
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
ordenados, formam a lápide sob a qual a cultura ocidental enterra suas mulheres.
Em outras palavras, as características que definem uma cultura ocidental forte-
mente patriarcal, de poder, também definem uma figura feminina passiva, em seu
próprio detrimento, a qual é frequentemente representada, na arte, pela apatia,
desmaio, doença e morte. Em As I Lay Dying, esses também são os termos que de-
finem Addie em relação a sua família e o ambiente – majoritariamente a natureza
– nos trechos ora estudados.
Dessa maneira, é inegável o fato de que exista uma tensão entre a perso-
nificação feminina da morte em Addie Bundren, enquanto o meio que a cerca é
majoritariamente masculino. E enquanto mãe, existe uma tensão ainda maior en-
tre Addie e seus filhos indesejados. No senso comum, compreende-se que, por
natureza, uma mãe deva aprender a amar seus filhos, relacionando-se bem com
estes. Porém, Addie tem uma relação problemática com crianças, mesmo antes
de seus filhos e, com a chegada deles, a situação não muda. Outro relato de Addie
demonstra tal afirmativa: […] Quando Cora Tull me dizia que eu não era uma mãe
de verdade, eu pensava como as palavras descrevem uma linha reta e fina, rápida
e inofensiva […] (FAULKNER, 2017, p. 146).
516
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
Em suma, Darl e Jewel não são filhos do mesmo pai. Jewel é um filho extra-
conjugal que Addie teve, fruto de um relacionamento secreto com o reverendo
local Whitfield. Darl, em oposição, é filho de Anse, e apenas de Anse, como alega
Addie. Pode-se entender tal interpretação quando a personagem relata que agora
o pai tem três filhos que são apenas dele. Portanto, sugere-se que Addie rejeita os
três filhos que teve após Cash, o primeiro, o qual foi fruto de sua vontade, sendo
os demais, imposição de Anse sobre o corpo da esposa, exigindo que tivesse mais
filhos, enganando-a, como relatado pela própria Addie anteriormente. Assim, a
origem desses filhos já se dá de maneira contrastante, sendo um rejeitado pela
própria mãe, enquanto o outro é amado, valorizado, considerado um bem precio-
so: a análise onomástica do nome Jewel (joia) nos faz compreender que, para a
mãe, ele era valioso.
Além disso, durante a trajetória dos personagens com a mãe através das
terras do Yoknapatawpha, suas ações caracterizam-se de maneiras antagônicas
8 […] tension between men’s desire to have women represent collectivity, and women’s desire
to assume the perceived power of individualism is embodied in the battle for control of bodily
reproduction […] Faulkner’s provocative image of a mother speaking from her coffin five days
after her death demonstrates a physically constrained mother whose relationship to language
silences her (GAULLT, p. 2009, p. 440-441).
517
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
Por um instante mais longo ele corre prateado sob a luz da lua,
depois salta como uma figura plana de lata contra uma brusca e
muda explosão, enquanto o celeiro pega foto de repente, como
se tivesse cheio de pólvora. […] Ele se detém no caixão, inclinan-
do-se, olhando para mim, seu rosto furioso. (FAULKNER, 2017,
p. 182).
518
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
9 Her monologue is the statement that most obviously confronts a modern dilemma, the strug-
gle toward self-expression and self-identification. […] The language of As I Lay Dying is meant to
stand for the language of the socially silent, and whatever is said can be imagined as a triumph
over sociology, linguistic, and economic silencing. […] Addie is uniquely fascinated with knowing,
learning, understanding. What sets her apart for us is her great need to understand, and to un-
derstand her own life (NIELSEN, 1992, p. 33-34).
519
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
as mulheres que tinham tido crianças não se importavam se havia uma palavra
para isso ou não” (FAULKNER, 2017, p. 144). Depois, quando questiona o amor,
relaciona-o às palavras de Anse: “ele tinha uma palavra, também. Amor, ele a cha-
mava. Mas eu estava acostumada com palavras fazia muito tempo. Eu sabia que
aquela palavra era como as outras: só uma forma para preencher uma carência”
(FAULKNER, 2017, p. 144). Nesse trecho, é pertinente destacar que o texto-fonte
de Faulkner traz “just a shape to fill a lack”, podendo ser interpretado como “apenas
uma forma para preencher uma falta” ou ainda “um vazio”. Esses trechos do monó-
logo de Addie Bundren, portanto, evocam questões filosóficas, indo ao encontro
das interpretações existencialistas da filosofia.
Por sua vez, Jean Paul Sartre, o filósofo do existencialismo, ilumina o estu-
do do paralelo entre Addie e os questionamentos sobre a vida, construídos atra-
vés da estética desenvolvida por William Faulkner no gótico sulista. Sobre o amor,
Sartre (1970, p. 11) afirma que, […] para o existencialista, não existe amor senão
aquele que se constrói; não há possibilidade de amor senão a que se manifesta
num amor”. Tal afirmativa é justamente o que Addie desenvolve em suas falas,
justificando que não há necessidade para se descrever maternidade, quando se é
mãe, ao mesmo tempo que destaca uma palavra vazia no amor de Anse.
520
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
“slick”, dando a entender que os cabelos de Jewel estavam bem penteados, orga-
nizados, simbolicamente refletindo sua sanidade e bom relacionamento com o
pensamento.
Para Sartre (1970), é justamente o que fazemos com nossas escolhas que
nos permite continuar. O filósofo ainda afirma que a escolha é a condição primor-
dial que define a existência, sendo impossível ao homem não escolher, e cabendo
ao mesmo assumir qualquer responsabilidade pelo rumo que ela toma. Segundo
o pensador francês:
“Estamos sós, sem desculpas. Eu exprimiria isso dizendo que o homem está
condenado a ser livre. Condenado porque ele não se criou a si mesmo, e, entretanto,
por outro lado, livre, pois, uma vez lançado no mundo, ele é responsável por tudo o
que faz” (SARTRE, 1970, p. 7). As consequências observadas na trajetória de Darl
e de Jewel servem ao diagnóstico existencialista, no qual as escolhas e ações são
fatores determinantes.
Considerações finais
521
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
Referências
522
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
NIELSEN, P. S. What does Addie Bundren mean, and how does she mean it? The
Southern Literaty, v. 25, n. 1, p. 33-39 University of North Caroline Press, 1992.
SARTRE, J. O existencialismo é um humanismo. Tradução: Rita Correia Guedes.
Paris: Les Éditions Nagel, 1970.
PUNTER, D.; BYRON, G. The Gothic. Oxford: Blackwell Publishing, 2004.
TREVISOLI, M. S. Branca como morte: o gótico e o palimpsesto em releituras de
Branca de neve e os Sete Anões. Dissertação (Mestrado em Letras), Universidade
de São Paulo, Araraquara,2019.
523
AS REDOMAS DE SYLVIA PLATH: UMA
ANÁLISE DA FIGURA FEMININA EM A
REDOMA DE VIDRO
524
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
ABSTRACT: Sylvia Plath put an end to the anxieties that plagued her in February 1963
and it is considered one of the great names in American literature not only because of
her poetry, but also because of her early suicide at the age of thirty. Right before her
death, Plath published her only novel - The Bell Jar - a work that tells the story of a you-
ng American woman in the 1950s, who suffers from the rules imposed by the society
and the oppressive patriarchy of the time. Sylvia Plath also deals with the same issues
in her life, which oppressed and made it impossible for the author to live as she wished.
The problems experienced by the author were also marked in her poetry, mainly in the
work Ariel, published posthumously. In The Bell Jar, considered almost Plath’s life story,
are emphasized the anguish experienced by her as a woman and writer in the 1950s
and 1960s, besides doing Plath’s life and death as a liberation from the anguish expe-
rienced. Therefore, will be used as theoretical contributions Beauvoir (1967, 1970, and
2000) to talk about feminine issues, besides others that become pertinent during the
analysis of the text.
Introdução
Sylvia Plath nasceu no dia 27 de outubro de 1932 e pôs fim a sua vida em
11 de fevereiro de 1963. Após colocar os filhos para dormir, arrumar um pequeno
café da manhã, deixá-lo no quarto junto aos filhos, vedar a porta e abrir ligeira-
mente a janela, Plath enrolou uma toalha no rosto, ligou o gás do fogão, enfiou
a cabeça e se suicidou por meio da inalação de gás, aos 30 anos. Apesar de im-
pactante, o suicídio de Plath não causa um estranhamento quando lemos as suas
obras, uma vez que a temática da morte e do suicídio sempre estiveram presentes,
tanto na vida quanto nos poemas e em seu único romance publicado da autora
– The Bell Jar – A Redoma de Vidro, em português. Além desses, Plath também dei-
xou uma série de contos, extratos jornalísticos e cartas que retratam a maestria
com que a autora escrevia. Nestes, assim como na obra em análise, a morte é uma
instância marcante. Além disso, as obras da autora passaram a ser mais conheci-
das após o seu falecimento, o que a tornou um dos cânones quando falando de
literatura feminina, além das marcas de sofrimento deixadas em seus textos em
decorrência dos problemas vividos.
525
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
Podemos considerar The Bell Jar não somente um romance sobre uma
tentativa de suicídio que falha, mas é também a narrativa sobre uma mulher que
aprende a viver consigo mesma e assim consegue chegar a um acordo com o
mundo a sua volta. Na personagem Esther vemos Plath que teve os mesmos pro-
blemas e tentou, quando jovem, suicídio. Entender Esther é entender as angústias
que Plath viveu, por isso a obra A Redoma de Vidropode ser considerada quase
como uma espécie de autobiografia de Sylvia.
526
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
Minha própria mãe me contou que, assim que ela e meu pai saí-
ram do Reno para a lua de mel – meu pai havia sido casado e pre-
cisava oficializar o divórcio –, ele disse, “Ufa, que alívio, será que
agora a gente pode parar de fingir e voltar a ser nós mesmos? ”.
Daquele dia em diante minha mãe nunca mais teve um minuto de
paz. (PLATH, 2019, p. 97).
Esther rememora, assim, fatos que foram vividos por Plath, na ordem como
eles ocorreram, ou não, com o intuito de fazer uma autobiografia memorialística
de Sylvia ainda jovem. É possível ver que da mesma forma que Plath, Greenwood
fora criada pela mãe em decorrência do falecimento prematuro do pai; partici-
pou de um concurso e foi convidada a passar um mês em Nova York como editora
convidada; teve uma intoxicação alimentar séria que, na obra, faz também uma
analogia ao que podemos chamar de “intoxicação psíquica” (BERTACINI, 2018), já
que após o retorno começou a ter dúvidas e indagar sobre a sua capacidade; não
foi aceita no curso em Harvard, entre outros.
527
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
Por de ser uma figura com uma forte influência do patriarcalismo, Willard
foi, de certa forma, o personagem/pessoa responsável pelo desenvolvimento de
Esther/Sylvia enquanto mulher em um ambiente patriarcal: Esther fica indigna-
da quando descobre que Willard não é mais virgem e começa a ver as diferenças
entre a forma como homens e mulheres são vistos. Esther decide, então, iniciar a
ingestão do anticoncepcional para evitar o que amedronta as mulheres a ter rela-
ções antes do casamento naquela época: a gravidez.
528
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
529
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
Desse modo, a figura materna se torna, tanto para Esther quanto para
Sylvia, um impulsionador dos problemas enfrentados por ambas. Plath enfrenta,
durante a sua vida, os julgamentos da mãe que não a perdoa por largar o marido,
anos mais tarde, após a descoberta de anos de traição. Já a mãe de Esther tenta
moldá-la dentro do padrão feminino da década de 1950, obrigando-a a aprender
taquigrafia ao assegurar que esse é o trabalho não só permitido à mulher, mas
também necessário para a sobrevivência.
530
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
Ademais, tanto para Plath quanto Greenwood, morrer não traria menos
prejuízos à família do que permanecer viva. Segundo Bertacini (2018, p. 29) “mor-
rendo, Sylvia pouparia seus entes queridos do desgaste de um encarceramento
caro e por tempo indefinidoem um sanatório do Estado, além de poupar a si mes-
ma da tragédia e da desilusão de viversessenta anos de vácuo mental e sofrimen-
to físico. ” Em carta ao amigo Cohen, Plath relatou que, em sua última tentativa,
deixou uma carta endereçada à mãe, entrou no porão e ingeriu, na tentativa de
morrer, várias pílulas para dormir. O mesmo fizera Esther, ao pegar os medica-
mentos de sua mãe, se esconder no sótão e ser encontrada somente cerca de três
dias depois.
Todas essas questões ficam mais evidentes quando entendemos que as afli-
ções decorrem em virtude de uma sociedade na qual “toda a história das mulhe-
res foi feita pelos homens” (BEAUVOIR, 1970, p. 167). Segundo Beauvoir (1967),
“ninguém nasce mulher: torna-se” (BEAUVOIR, 1967, p. 9), ressaltando que o ho-
mem é evidente na sociedade e que a humanidade é, de fato, masculina, ao mesmo
tempo em que a mulher não é definida em si mesma, “ela não é considerada um
ser autônomo” (BEAUVOIR, 2000, p. 238), ou seja, a mulher é como um “segundo
sexo” dentro de um universo inteiramente masculino.
531
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
Sylvia e Esther sofreram com as pressões impostas por uma sociedade pa-
triarcal que coloca o masculino como primordial na vida da mulher. Enquanto de-
sejava passar os sábados em seu quarto em meio a estudos e escritarias, a jovem se
vê obrigada a sair com garotos para que os colegas não a incomodassem, chegan-
do até a admitir um noivado com Willard, enquanto este estava em tratamento,
para que a deixassem em paz.
Considerações Finais
Desse modo, tanto Sylvia quanto Esther viveram as angústias de uma vida
que não cabia dentro delas, passando a desenvolver seus outros como uma forma
de sobreviver dentro da sociedade da época (BERTACINI, 2018). Em A Redoma de
Vidro, publicado pela primeira vez sob o pseudônimo de Victoria Lucas, Plath não
chegou a relatar as dificuldades enfrentadas no relacionamento com o marido Ted
Hudges. Foi somente em Ariel, em 1965,obra publicada postumamente, e na edi-
ção de The Bell Jar em 1966, já assinada por Plath, que as problemáticas vividas
pela autora tanto em seus relacionamentos amorosos quanto com a mãe ficam
ressaltadas.
532
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
Esther, ao mesmo tempo em que era subjugada por suas escolhas, opiniões e di-
ficuldades não só por causa do período, mas pela dificuldade da época em ver a
mulher enquanto escritora.
Devia ela ter aceitado as traições do marido e fingido, como muitas até
hoje, viver um casamento feliz enquanto as angústias, tormentos, violências e
torturas psicológicas vividas mitigaram cada um dos desejos e sonhos enquanto
mulher. Que continuemos a estudar Sylvia Plath e entender suas dores, mas mais
ainda ajudar muitas outras Sylvias e Esthers espalhadas no mundo a entenderem
que o lugar da mulher é onde ela quiser e com quem ela quiser, livre de amarras
emocionais e familiares criadas pela sociedade.
Referências
533
DONAS DE CASA? PERSPECTIVAS
SOBRE A SUBMISSÃO DA MULHER NO
AMBIENTE PRIVADO NOS CONTOS
“I LOVE MY HUSBAND” E “A MOÇA
TECELÔ
534
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
ABSTRACT: Gender studies, especially in the last few decades, have provided advances
with regard to the struggle for equality for women and the search for a history, thus
helping to deconstruct the myth of a-historical past imputed to women. The research
also brought to light important discussions to debate some values cherished by the pa-
triarchal order still present. In this perspective, literary productions of female author-
ship have proved to be a fertile field for the most diverse dialogues about female roles
in society. Based on the studies of Butler (2017), Federici (2019), Kehl (2016), Lerner
(2019) and Xavier (1998) on how gender problems are intrinsically linked to class pro-
blems, the present work intends to raise reflections about the sexual division of tasks
in traditional marriage, showing how, in spite of contemporaneity and so many female
conquests, women still occupy, in the private environment, a space marked by submis-
sion. For this purpose, the stories “I love my husband” (Nélida Piñon) and “The weaver
girl” (Marina Colasanti), which have different female characters, inserted in different
family nuclei and who, however, suffer with the impositions of marriage. Finally, there
is also the need to think about more changes for more equality in the domestic environ-
ment in relation to women.
Introdução
A história das mulheres está relacionada a lutas e avanços no que diz res-
peito à obtenção de direitos. Ainda que marcadas pela submissão, as mulheres,
muitas vezes apagadas da história escrita e apresentadas pela ótica dos homens,
conquistaram um trajeto fecundo de êxitos que, apesar de muitos, mostram-se
insuficientes quando a sociedade ainda tem a ordem patriarcal vigente.
535
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
O que faz a mulher ser mulher? Esse tem sido um questionamento visita-
do e revisitado por muitos pensadores e pensadoras ao longo dos séculos e hoje,
pode-se entender que a mulher é, assim como o homem, uma construção social.
Judith Butler (2017), uma das intelectuais mais importantes na pesquisa e enten-
dimento sobre gênero e sexo afirma que ambos são culturalmente construídos,
portanto tornar-se mulher é sofrer uma “compulsão cultural ao fazê-lo” (p.29).
É importante entender que esse impulso cultural sofrido tem origens muito
antigas, quase sempre desconhecidas e até imperceptíveis no cotidiano, já que
o regime patriarcal se fixou em nossa sociedade de forma quase natural, como
afirma Bourdieu: “A divisão entre os sexos parece estar ‘na ordem das coisas’,
como se diz por vezes para falar de algo considerado normal, natural, a ponto
536
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
Essa naturalização pode ser vista desde os mais sutis diálogos até as mais
bem elaboradas representações literárias. Esse ato vem sendo examinado espe-
cialmente por intelectuais feministas para que a ordem patriarcal possa ser sub-
vertida. Para sua realização, é necessário entender a gênese da questão e recuar
até as sociedades primitivas como fez Gerda Lerner. Ao apontar a divisão sexual
do trabalho – ponto crucial nas reivindicações por direitos e base da ordem pa-
triarcal –, Lerner destaca que tal divisão iniciou-se devido à necessidade de sobre-
vivência dos grupos. Além disso, ela menciona que:
537
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
A partir da leitura desse excerto, fica evidente que a mulher sempre tra-
balhou, mesmo quando eram delegadas a ela funções consideradas de menor
538
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
importância, como os cuidados com a casa e os filhos. Isso evidencia uma grande
alteração ao se pensar no início da divisão sexual do trabalho. Entretanto, é im-
portante frisar que o trabalho fora do ambiente doméstico tendia a ser realizado,
mais frequentemente, por mulheres de classes sociais baixas, denotando que de-
corria da necessidade de manutenção do conforto mínimo da família.
Por isso, enfrentar a divisão sexual do trabalho dentro das famílias é muito
importante, como salientou Flávia Biroli (2018, p. 199) ao comentar que “Muitas
percepções sobre quem somos no mundo, o que representamos para pessoas
próximas e o nosso papel na sociedade estão relacionadas à divisão sexual do
539
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
540
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
541
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
Somos apresentados, nos contos escritos entre 1980 e 1982, a duas mu-
lheres, ambas sem nome, ambas sob o jugo do patriarcado, contudo vivendo em
situações diferentes no que diz respeito à classe social. Em “I love my husband”,
de Nélida Piñon, a personagem – que é narradora – pertence, provavelmente, à
classe média. Deduz-se isso devido aos diálogos construídos ao longo da narrati-
va e também pelo fato de ela não desempenhar nenhuma função externa à casa,
interdição comum à manutenção do patriarcado nas famílias burguesas. Em “A
moça tecelã”, de Marina Colasanti, deparamo-nos com uma tecelã, como remete
o título, demonstrando que a protagonista – que não narra sua própria história
– provavelmente trabalha em alguma fábrica de tecidos, ofício comum às mulhe-
res, especialmente entre as décadas de 1930 e 1940, somando, respectivamente
7,8% e 5% da força de trabalho contra 2% dos homens em ambas as décadas:
542
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
543
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
544
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
Os abusos cometidos pelos maridos dos dois contos estão sempre muito
atrelados ao verbal e psicológico, incluindo a subtração do tempo íntimo, que tam-
bém ocorre de maneira dessemelhante. Enquanto o marido da Mulher exige total
doação dela a ele e ao lar, o marido da Moça se apropria de sua força de trabalho:
545
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
2 https: //www.geledes.org.br/o-machismo-tambem-mora-nos-detalhes/
546
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
No que diz respeito à sexualidade, podemos afirmar que esse tem sido um
dos maiores tabus da história moderna. Analisado sutilmente pelos mais diversos
especialistas, ainda pode ser considerado um tema problemático:
547
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
548
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
Nesse sentido, é mister pensar que para os preceitos morais exigidos pela
“nova família burguesa”, estar casada era essencial mesmo que essa não fosse para
a mulher a melhor escolha, já que, do contrário, eram recorrentes as degradações
empregadas contra as solteiras, incluindo a acusação de prostituição como afirma
Cláudia de Jesus Maia (2007) em seu estudo sobre a “invenção da solteirona”. É
dentro deste tipo de mentalidade que a Moça de “A moça tecelã” abriu mão de sua
liberdade para estar casada:
549
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
Considerações finais
550
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
Pensando na trajetória das personagens, fica evidente que uma das prin-
cipais ações no combate à dominância patriarcal é a igualdade no trabalho, inde-
pendentemente de setor, mesmo o doméstico. Sobre isso, Federici (2019, p. 68)
comenta:
551
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
percebam os rumos dos estudos acerca das problemáticas que envolvem as mu-
lheres e a importância da literatura feminina para esses fins.
Referências
552
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
553
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
ENTRE O SOBRENATURAL E A
HISTERIA: O FANTÁSTICO E A
PRECEPTORA EM A VOLTA DO
PARAFUSO, DE HENRY JAMES1
Carline Eberhardt2
Mariese Ribas Stankiewicz3
1 Trabalho derivado do Trabalho de Conclusão de Curso “The turn of the screw: as representações
do fantástico e da histeria na adaptação fílmica do conto de Henry James”.
2 Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR). carline2693@gmail.com
3 Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR). m_wicz@yahoo.com.br
554
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
com a análise de uma possível histeria sofrida pela personagem. Neste contexto,
observamos que o papel feminino atribuído à preceptora, enquanto narradora, é
o de dúvida e de incerteza, uma vez que não podemos depositar plena confiança
em seu relato, tanto pela natureza fantástica do texto quanto pela histeria que
geralmente era caracterizada como patologia feminina.
ABSTRACT: In this article we propose a study about the representation of the fantastic,
hysteria, and the strange in Henry James’s short story, ‘The turn of the screw’, originally
published in 1898, which takes shape with the presence of the governess, who appears
to be in contact with the supernatural world of spirits, at the same time that, on the
other hand, this idea is questioned by the construction of the plot, allowing a psycho-
analytical analysis of the facts reported by the character. Therefore, we seek to discuss
this possible duality of analysis of James’s text, taking into account theoreticians such
as Sigmund Freud and Joseph Breuer (2016), in their studies on hysteria; Sigmund
Freud (1996), in his essay “The ‘Uncanny’”; Tzevetan Todorov (2004), in Introdução à
Literatura Fantástica; Fred Botting (1996), in Gothic; ; and Simone de Beauvoir (1970)
and Michelle Perrot (2007), with their elaborations on “being a woman”. Thus, we con-
clude that the story maintains a double possibility of analysis that extends throughout
the text, so corroborating with fantastic, at the same time that it corroborates with the
analysis of a possible hysteria suffered by the character. In this context, we observe that
the female role attributed to the governess, as a narrator, is that of doubt and uncertain-
ty, since we cannot place full confidence in her report, because of the fantastic nature
of the text and because of the hysteria that was generally characterized as a female
pathology.
Introdução
555
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
Conforme aponta essa breve sinopse, percebe-se que o conto permite uma
análise baseada nas incertezas que provoca, ou seja, caracteriza-se como fantás-
tico. Também importante, a figura central, uma mulher, merece atenção e, dada
a época de publicação, associa-se sua figura à de mulher histérica. Assim sen-
do, há pouca credibilidade em sua narrativa. Nesse contexto, busca-se debater
o fantástico na análise do conto de James, levando-se em consideração teóricos
como Sigmund Freud e Joseph Breuer (2016), em seus estudos sobre a histeria;
Sigmund Freud (1996), em seu ensaio “O Estranho”; Tzvetan Todorov (2004), em
sua Introdução à Literatura Fantástica; Fred Botting (1996), em Gothic; e Simone de
556
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
Beauvoir (1970) e Michelle Perrot (2007), com suas elaborações acerca do “ser
mulher”.
557
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
Roger Caillois (apud TODOROV, 2014, p. 32) diz que “[...] todo fantástico é
ruptura da ordem estabelecida, e irrupção do inadmissível no seio da inalterável
legalidade cotidiana.” Tratando-se do conto de James, narrado pela voz da precep-
tora, que se encontra em meio ao “real”, trabalhando em Bly, e entra em contato
com sobrenatural em seu cotidiano. Segundo Ana Camarani (2014, p. 55), fazendo
referência a Roger Caillois, “no fantástico [...] o sobrenatural aparece como uma
ruptura da coerência universal; o prodígio torna-se uma agressão interdita, amea-
çadora, que quebra a estabilidade de um mundo cujas leis eram, até então, tidas
como rigorosas e imutáveis.”
558
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
[...] – Eles sabem [as crianças], é por demais monstruoso! Eles sa-
bem, eles sabem!
[...] – A senhorita quer dizer consciência da presença dele?
[...] – Outra pessoa [srta. Jessel], dessa vez; mas uma figura do
mesmo horror e maldade inequívocos: uma mulher de preto,
pálida e medonha; e com que atitude, que expressão! Na outra
margem do lago.
[...] Ela ficou pálida. – Intenção?
– De se apoderar dela [Flora]. – A sra. Grose, seus olhos ainda
nos meus, teve um arrepio [...]. (JAMES, 2010, p. 77-80, grifos do
autor).
559
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
Quanto ao gótico, segundo Botting (2005, p. 88), no “[...] final do século XIX,
as figuras góticas familiares [...] reapareceram em novas formas, com uma intensi-
dade diferente e investimentos ansiosos como objetos de terror e horror”5, época
próxima à de publicação do conto de James. Esses textos “[...] não são ligados a
uma ordem natural, realista, mas sim, sugerem possibilidades sobrenaturais, en-
volvendo o mistério, a mágica, o maravilhoso e a monstruosidade”6 (BOTTING,
2014, p. 2). Além disso, conforme aponta o autor, o gótico retorna diferente e é
representado por temas como a escuridão, o ambíguo, o irracional, muitas vezes
para retratar distúrbios de sanidade mental ou, até mesmo, “[...] crenças em fan-
tasmas ou demônios, as paixões incontroláveis, as emoções violentas ou, ainda, um
aprofundamento da fantasia para expressar perversões e obsessões”7 (BOTTING,
2014, p. 2). Nesse contexto, surgem também os textos e estudos a respeito da psi-
canálise, o que leva o leitor a depreender que o texto narrado pode representar
uma histeria, conforme visto acima.
5 “At the end of the nineteenth century familiar Gothic figures – the double and the vampire – re-
-emerged in new shapes, with a different intensity and anxious investment as objects of terror
and horror” (BOTTING, 2005, p. 88).
6 “Not tied to a natural order of things as defined by realism, gothic flights of imagination suggest
supernatural possibility, mystery, magic, wonder and monstrosity” (BOTTING, 2014, p. 2).
7 “[…] belief in ghosts and demons, displays of uncontrolled passion, violent emotion or flights of
fancy to portrayals of perversion and obsession” (BOTTING, 2014, p. 2).
560
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
A histeria e o feminino
561
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
Pen aponta que “[...] Quint seria outro nome para o fantasma dos desejos
reprimidos da preceptora [...] [e] a pessoa a quem ela realmente deseja salvar da
influência indecente, demasiado livre, de Quint/patrão é o pequeno Miles, talvez
o verdadeiro objeto do interesse sexual/amoroso [...]” (PEN, 2010, p. 25-26). Dada
a origem do nome e também aos sujeitos de estudo, no caso de Freud e Breuer tra-
tam-se de mulheres, a histeria 9 é encarada como um mal comum as mulheres, “[...]
observamos que as questões que Freud coloca sobre a histeria, confundem-se
com as que ele coloca sobre a mulher. Seja porque a histeria fosse mais freqüente
[sic] entre as mulheres seja porque, [...] a mulher era um enigma para Freud [...]”
(SCOTTI, 2002, p. 333). Desse modo,
8 “She is still the fluttered, anxious girl out of a Hampshire vicar- age who in her first interview
becomes infatuated with her employer, and after confused thinking about him at Bly, discovers
her first apparition, the figure of a man on a tower. […] Suspecting the children as privy to this re-
lationship, she is confirmed in her notion that they have been previously corrupted by these evil
servants who have come back to get them. The game of protection which she plays is, however,
according to Wilson’s further analysis, one in which she transfers her own terror, and more, to
the children, thwarts the boy’s desire to re-enter school or to write tohis uncle, fixes upon him
an unnatural fervid affection, and finally alienates the housekeeper before she literally fright-
ens her young male charge to death. […] Wilson insists that nobody but the governess sees the
ghosts. ‘She believes that the children see them, but there is never any proof that they do. The
housekeeper insists that she does not see them; it is apparently the governess who frightens
her’.” (CARGILL, 1963, p. 241).
9 “[H]isteria [...] 1 HIST.MED doença nervosa que, supostamente, se originava no útero, caracteri-
zada por convulsões [...]” (HOUAISS; VILLAR, 2001, p. 1542, grifos dos autores).
562
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
Considerações finais
563
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
mudaram, e ele é regido por novas regras; ou as leis continuam as mesmas, assim,
trata-se de uma ilusão de seus sentidos, um produto de sua mente.
Referências
564
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
565
TIA NASTÁCIA: REPRESENTAÇÃO
DA PERSONAGEM NAS OBRAS DE
MONTEIRO LOBATO
566
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
Introdução
Uma das personagens que merece destaque é tia Nastácia que, juntamente
com tio Barnabé, são os únicos negros que vivem na propriedade de Dona Benta.
Com esses dois personagens negros, os jovens leitores têm acesso aos conheci-
mentos da natureza, folclore e superstições, principalmente com tia Nastácia, que
é conhecida por seus bolinhos de chuva.
567
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
já que foi ela quem fez a Emília. Esse ato tem cunho artesanal e cultural, são cha-
madas de bonecas abayomi, que são também amuletos de proteção. E, tia Nastácia
criou Emília para Narizinho, sem saber que a boneca ganharia vida.
Nessa linha, o sítio de Dona Benta é um lugar que mistura a realidade com
a fantasia. Monteiro coloca crianças como protagonistas utilizando-se de um vo-
cabulário mais simples, inovando na escrita da época. Ao apresentar tia Nastácia,
é impossível deixar de lado questões como a arte, história, literatura e sociedade,
pois ela consegue fazer laços entre estes aspectos, e, apesar da possibilidade de
discussão acerca das questões raciais, que envolvem essa personagem, este es-
tudo busca mostrar em alguns trechos dos livros de Monteiro Lobato, momentos
dessa personagem expondo seus conhecimentos, para além da culinária, buscan-
do, portanto, trazer novos olhares sobre a personagem tia Nastácia.
Após apresentar Emília, é também mostrado o ribeirão que fica nos fundos
do pomar, um dos encantos de Lúcia: “Suas águas, muito apressadinhas e mexeri-
queiras, correm por entre pedras negras de limo, que Lúcia chama as ‘tias Nastácias
do rio’ ” (LOBATO, 1993, p. 2). Ou seja, Monteiro Lobato parece mostrar que a cor
568
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
da pele de tia Nastácia denota a sua posição, ela é inferior aos outros, como diz no
trecho, tia Nastácia está no fundo do ribeirão, abaixo das outras personagens, e
estas podem vê-la de cima.
Como abordado anteriormente, não há como falar sobre tia Nastácia sem
trazer as questões sociais e históricas que a envolvem, por exemplo o racismo vi-
vido pela personagem, como se lê em Oliveira (2017, p. 32): “percebemos que a
construção da personagem tia Nastácia se dá no âmbito de sujeito passivo criado
em estimação como um animal e, dessa forma, a construção racista em torno da
personagem existe”.
Tamanho susto levou dona Benta, que por um triz não caiu de sua
cadeirinha de pernas serradas. De olhos arregaladíssimos, gritou
para a cozinha:
— Corra, Nastácia! Venha ver este fenômeno...
A negra apareceu na sala, enxugando as mãos no avental.
— Que é, sinhá? — perguntou.
— A boneca de Narizinho está falando!... A boa negra deu uma
risada gostosa, com a beiçaria inteira.
— Impossível, sinhá! Isso é coisa que nunca se viu. Narizinho está
mangando com mecê.
— Mangando o seu nariz! — gritou Emília furiosa. — Falo, sim, e
hei de falar. Eu não falava porque era muda, mas o doutor Cara de
Coruja me deu uma bolinha de barriga de sapo e eu engoli e fiquei
falando e hei de falar a vida inteira, sabe?
A negra abriu a maior boca do mundo.
— E fala mesmo, sinhá!... — exclamou no auge do assombro.
— Fala que nem uma gente! Credo! O mundo está perdido...
E encostou-se à parede para não cair. (LOBATO, 1993, p. 19).
Nesse momento, vê-se que tia Nastácia não estava junto dos demais per-
sonagens, ela é chamada para ver a boneca falando pois, até então, estava na co-
zinha, lugar que pertence a ela na narrativa. O autor novamente fez descrição de
algumas características da personagem, anteriormente foi abordado sobre a cor
da pele, agora, percebe-se o detalhamento da sua vestimenta, “enxugando as mãos
569
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
A pobre negra vivia dizendo: “Credo! Credo!” sem saber que usa-
va essa exclamação por causa dum imperador romano chamado
Constantino que havia reunido os principais chefes cristãos na
cidade de Nicéia no ano 325! (LOBATO, 1957, p. 139).
Tia Nastácia pode até não ter conhecimento científico, mas é ela quem
representa muitos brasileiros com seu conhecimento popular. Ela é boa com as
mãos, não somente para cozinhar, mas também para costurar, como fez com a bo-
neca de pano, Emília.
570
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
Dona Benta olhou para tia Nastácia dum certo modo, como que
achando aquela explicação muito parecida com as da Emília.
(LOBATO, 1993, p. 21).
571
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
Narizinho defende a personagem falando de sua boa habilidade com as mãos, ca-
pazes de rapidamente consertar a boneca com “um bocado de macela e uma agulha
com linha”.
Nesta nova abordagem das leituras, Nastácia não era mais aque-
la velha cozinheira, tampouco era somente um pretexto para os
ataques racistas do autor, como apontam as pesquisas contem-
porâneas. Nastácia agora ocupava a surpreendente função de
criadora/autora dentro da obra de Lobato. Assim como ela fazia
na cozinha, transformando farinhas, peixes, carnes, milho, açúcar
e tantos outros ingredientes em pratos surpreendentes e sabo-
rosos, que chamavam a atenção de todos que tinham o privilégio
de provar, ela também nos serve com narrativas do folclore po-
pular e, a partir de retalhos de sua saia velha e de um sabugo de
milho, ela nos presenteia com os dois grandes personagens que
marcam a fantasia e a imaginação das histórias do Sítio e da lite-
ratura brasileira: Emília e o Visconde de Sabugosa.
572
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
573
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
das crianças após cada narrativa, elas “criticam os pontos fracos da história con-
tada, e exaltam, quando julgam haver, seus pontos fortes. Dizem o que acharam da
estrutura, do arranjo dos acontecimentos, da originalidade da história, de como se
encerra a narrativa”.
Por fim, essa personagem é uma das maiores representantes de uma classe
dentro da literatura infantojuvenil no Brasil. Ela é descendente do povo subme-
tido à escravidão, desse modo, sua sabedoria vem das práticas do cotidiano, seu
arcabouço de histórias foi passado oralmente, e, é o mesmo que ela faz com as
crianças do sítio, como a própria fala da personagem deixa claro: “Mas isto não é
para entender, Emília — respondeu a negra. — É da história. Foi assim que minha
mãe Tiaga me contou o caso da princesa ladrona, que eu passo para diante do jeito
que recebi” (LOBATO, 2002, p. 25).
Considerações finais
Com seus livros infantis, Lobato trouxe novidades para esse meio. Vê-se
duas mulheres diferentes, cada uma com sua especificidade, mas juntas adminis-
trando um sítio e cuidando das crianças, apesar de, claramente, durante as histó-
rias, mostrar as diferenças que há entre tia Nastácia e dona Benta, como também,
com as demais personagens. O autor escreveu as histórias, deixando claro o olhar
dos demais sobre tia Nastácia, ela é colocada como a representante do povo, mas
do povo que não teve acesso à escola, desse modo, sendo “menos culta” que o
restante dos moradores do sítio.
574
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
A partir disso, por fim, o importante é que os leitores percebam que esse
saber popular não deixa de ser uma maneira de conhecimento, pois os saberes de
Tia Nastácia não estão dissociados uns dos outros, fazendo com que ela desem-
penhe um importante papel de representatividade dentro dos livros de Monteiro
Lobato.
Referências
575
A MULHER PRETA E A CULTURA
ELITIZADA NO CONTO “ROSE
DUSREIS”, DE CONCEIÇÃO EVARISTO1
Isabella Dias2
Marcos Hidemi de Lima3
RESUMO: Esta pesquisa tem por objetivo analisar o conto “Rose Dusreis”, per-
tencente à obra Insubmissas lágrimas de mulheres, de Conceição Evaristo(2016).
Nesse conto, acompanhamos a trajetória da protagonista, que durante sua vida
passa por diversos tipos de preconceitos raciais e sociais, além da opressão pa-
triarcal. Devido a sua condição de mulher, preta e periférica, Dusreis é, desde sua
infância, desmotivada pela sociedade e por sua família a seguir o seu sonho de se
tornar uma bailarina. Essa desmotivação deve-se ao fato de que a educação e os
estudos das artes fazem parte do papel da mulher branca e burguesa, como afirma
Affonso Romano de Sant’Anna (1984) em Canibalismo amoroso. Apesar dos obstá-
culos, a personagem não aceita o lugar marginalizado imposto a ela pela socieda-
de e busca sair do que Roberto Reis(1987), em A permanência do círculo, chama de
“nebulosa”, local onde devem permanecer os dominados, os negros, as mulheres e
os pobres, local distante do “núcleo”, que é onde se concentra o senhor, o branco,
o patriarca, e o poder. Em meio a todos os empecilhos que são enfrentados por
uma mulher pobre, há a somatória desses com os preconceitos raciais que todo
1 Projeto com bolsa de pesquisa pelo Programa Institucional de Iniciação Científica, pela
Universidade Tecnológica Federal do Paraná – Campus Pato Branco.
2 Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR). belladias.id@gmail.com
3 Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR). marcoshidemidelima@gmail.com
576
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
negro vivencia, os quais, na maioria das vezes, impedem a concretização dos seus
sonhos e objetivos de vida.
ABSTRACT: This research aims to analyze the short story “Rose Dusreis”, from the book
Insubmissas lágrimas de mulheres wrote by Conceição Evaristo (2016). In this short
story, we can follow the protagonist journey who, during her life, goes through different
types of racial and social prejudices, and also patriarchal oppression. Due to her condi-
tion as black and peripheral woman, Dusreis (the name of the main character) has been
demotivated since her childhood by society and her family in the follow of her dream
which is becoming a ballet dancer. This demotivation comes from the idea that edu-
cation and art studies are part of white and bourgeois women role as Affonso Romano
de Sant’Anna (1984) affirms in Canibalismo amoroso book. Despite the obstacles, the
mentioned character does not accept the marginalized place imposed on her by society
and seeks to get out of what Roberto Reis (1987), in the book A Permanência do Círculo,
calls “nebula”. A place where the oppressed black women in general and poor people
are; a place far from the “nucleus”. This other place is where the lord, the white man, the
patriarch and power are concentrated. Among all these obstacles faced by poor women,
there are also the racial prejudices that black people experience, which most of the time,
stop them from the realization of their dreams and life goals.
Introdução
Este artigo tem por objetivo a análise do conto “Rose Dusreis”, pertencente
à obra Insubmissas lágrimas de mulheres (EVARISTO, 2011). Esse livro compila uma
série de contos de mulheres diferentes, baseados em relatos recolhidos pela au-
tora, que viajou por diversas cidades brasileiras buscando histórias de mulheres,
todas pretas. “Rose Dusreis”, o décimo primeiro dos treze contos da obra, relata a
história de uma mulher negra, nascida na periferia, que tinha o sonho de se tornar
uma dançarina profissional. Durante o conto são expostas diversas opressões so-
fridas pela protagonista, dentre elas o preconceito racial, patriarcal e social.
577
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
578
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
Mesmo sendo negra e periférica, Rose Dusreis teve sua primeira experiên-
cia com a dança na infância, quando tinha oito anos de idade e estudava em uma
escola pública na periferia da cidade. Ao fim das aulas das tardes, a professora de
música da escola, Atília Bessa, lecionava balé para uma turma seleta de meninas,
que pagavam por essas aulas extras. De vez em quando, a professora abria os en-
saios de balé para que as meninas da escola pudessem assistir.
Após assistir dois desses ensaios, Dusreis cria coragem para perguntar à
professora se poderia ingressar na turma, mas explicando que não dispunha de
dinheiro para pagar as aulas particulares, sugerindo que Atília aceitasse a entrada
dela na turma e, em troca, as roupas da professora seriam lavadas pela mãe, que
complementava a renda familiar lavando roupas de famílias abastadas.
Essa foi a primeira porta cultural fechada na vida de Rose Dusreis, que pre-
cisou amargamente vivenciar esse preconceito e que, apesar de ainda não o com-
preender, lhe havia sido tão precocemente exposto.
Ainda durante sua infância, haveria um recital dos alunos de sua escola,
com diversas apresentações culturais, como teatro, canto e dança. Dusreis foi
convidada por uma das professoras organizadoras para assumir o papel de uma
bonequinha preta bailarina em uma das peças de dança. Desde que recebeu o
579
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
convite, Dusreis se sentiu muito representada; não iria apenas assumir um papel,
ela se via na bonequinha, ela era a bonequinha preta que amava balé.
Infelizmente, não foi o que aconteceu. Faltando uma semana para a festa
final, Dusreis foi substituída por uma menina branca. Os professores da escola
preferiram colocar uma menina branca no papel da bonequinha preta, pintar a
sua pele de tinta preta, a deixar que uma menina preta assumisse uma das mais
importantes peças do recital da escola.
580
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
Acordava cedo, junto com outras meninas tão pobres quanto eu,
para ajudarmos no preparo do café das meninas ricas. Aprendi
todos os afazeres de uma casa, cozinhar, passar, lavar, arrumar.
581
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
O objetivo dessa escola era dar uma educação mais formal para as meninas
brancas e ricas, educá-las para o casamento. Sendo assim, além das matérias da
grade curricular normal, elas tinham também aulas de artes, dentre elas, a dança.
A finalidade do aprendizado artístico era o entretenimento musical para o marido
e convidados em festas e confraternizações em casa, validando um dos atributos
que toda esposa deveria ter conforme a lógica patriarcal.
582
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
No caso da personagem do conto, outra é a leitura que se faz sobre sua ca-
pacidade de dançar, permitindo reflexões que ultrapassam a visão estigmatizada
583
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
que a mulher negra e a dança têm. Apesar de sentir muita saudade da família, foi
trabalhando nessa escola que Rose Dusreis pôde estudar música, canto, balé clás-
sico, jazz, entre outros tipos de dança. Em troca do seu trabalho, ela recebeu a
oportunidade de ter a mesma educação que a elite, branca e burguesa, recebia na
época.
O meu regresso à casa materna foi por pouco tempo, pois o mun-
do me chamava para a dança, ou melhor, eu chamava, eu pedia
ao mundo que me dessa dança, e a vida me atendeu. Uma car-
ta de apresentação de uma das professoras de dança do colégio
em que eu tinha vivido, até então, me abriu portas. Cursei vá-
rios estilos de dança fora do meu estado e, depois, fora do país.
(EVARISTO, 2011, p. 113).
Quando Dusreis opta por continuar estudando dança, ela decide renegar
o local e a vida que tentavam lhe impor. Noutras palavras, ela busca subverter
a ideia arraigada na sociedade de que os espaços são definidos conforme a pro-
cedência cultural e socioeconômica de cada pessoa. Tal atitude da personagem
permite um diálogo com o ensaio A permanência do círculo (REIS, 1987), no qual
Roberto Reis apresenta dois termos, núcleo e nebulosa, para exemplificar a manei-
ra como funciona a hierarquia de nossa sociedade desde a época da colonização e
mantendo seu vigor na contemporaneidade:
584
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
De acordo com Reis, o centro desse círculo social, composto pelo núcleo,
é o local onde encontra-se o homem branco, o patriarca, que detém o poder. Sua
extensão marginalizada é a nebulosa, local onde se encontram os dominados pelo
núcleo. Nesse sentido, tendo nascido mulher, preta, e periférica, Dusreis viveu
desde a infância às margens do círculo social, no que Reis denomina ser a nebu-
losa. Porém, ao decidir negar a permanência nessa margem, ao decidir continuar
seus estudos na música e na dança, Dusreis busca uma aproximação do núcleo e,
consequentemente, busca sair da nebulosa.
Por fim, ela concretiza seu sonho, uma vez que seus estudos resultaram
na sua profissionalização e, finalmente, em sua própria academia de dança, onde
Dusreis relata essa história para Conceição Evaristo, autora-narradora deste con-
to. A dançarina viajou o Brasil e o mundo, trabalhando em vários grupos de danças
diferentes, dentro dos quais, na maioria das vezes, ela era a única pessoa preta
dançando.
Considerações finais
Rose Dusreis durante toda sua vida precisou enfrentar uma somatória
de preconceitos e opressões, especialmente as de gênero, raça e classe social.
Essas opressões ainda existentes são resquícios da época da escravatura e, para
algumas pessoas, como a protagonista, esses empecilhos acabam se revelando
maiores, quase impedindo que conseguisse se realizar no mundo da dança.
585
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
Não é gratuito, portanto que, no título desse artigo, haja a expressão “cul-
tura elitizada”, cuja finalidade é demonstrar, nesse conto, não só a dificuldade fi-
nanceira e a incapacidade monetária de Dusreis e sua família de investirem em
seu sonho de se tornar uma dançarina profissional, mas também as opressões e
desmotivações sociais contra a pessoa preta que, sendo mulher, é vítima de forma
duplicada. Em síntese, esse conto, baseado em um relato real, é apenas a história
de uma das diversas pessoas vindas da periferia, que, devido à sua classe social e
à cor de sua pele, são desmotivadas, e muitas vezes, impedidas de lutar por suas
ambições profissionais, fazendo que as atuais gerações continuem a repetir os
mesmos antigos modelos hierarquizantes da ordem patriarcal e a recorrer vicio-
samente o círculo social apresentado por Roberto Reis.
Referências
586
CORPO SEM ÓRGÃOS E GROTESCO:
ACENOS E AFAGOS, DE JOÃO GILBERTO
NOLL
587
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
ABSTRACT: The present article analyzes the novel Acenos e afagos (2008) by João
Gilberto Noll, in the tensional light of two concepts of distinct theorists: the grotesque
body formulated by Mikhail Bakhtin, especially in Popular Culture in the Middle Ages
and in the Renaissance: the context of François Rabelais (1999), and the body without
organs, conceptualized by Gilles Deleuze and Félix Guattari, for example in The anti-
-Oedipus: capitalism and schizophrenia I (2011). When one examines Noll’s romanes-
que whole, one perceives an intense problematization of representations of sexuality,
exemplified in the empty and random destinies of his heroes. A latent nihilism surrounds
the stifling atmosphere in which the protagonists roam. Among these novels, Acenos e
afagos stands out as being the most experimental, which most challenges the order of
the sexes, the physical limits and identities that are linked to the anatomy of beings.
Undoubtedly, among the twelve novels of the Gaucho writer, this is what brings to the
limit an aesthetic that began with Afúria do corpo (1989). An analysis that seeks to ac-
count for such a body representation will bring, we hope, problematizations that greatly
extend the exegesis of Noll’s romanesque work.
KEYWORDS: Acenos e afagos; Grotesque body; Body without organs; João Gilberto
Noll.
Introdução
588
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
589
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
590
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
Não se encontra limitação para este ser que deseja não ser. A análise de
Acenos e afagos demonstrará com múltiplos exemplos a importância evidente do
sexo na temática que ora nos ocupamos neste artigo.
591
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
592
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
593
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
Assim, fica evidente que a busca bakhtiniana por justificar o grotesco como
uma categoria estética acaba por legitimar eticamente esta representação do ho-
mem, além de pressupor que a literatura (e as artes em geral) deve sempre ampliar
os domínios representativos do ser, mesmo que a linguagem também acompanhe
a zona marginal do grotesco: “A linguagem deixa de ser representativa para ten-
der para os extremos ou limites” (DELEUZE; GUATTARI, 2002, p. 49). Em termos
objetivos: se o corpo perfeito (decente, civilizado), para Bakhtin, falseia o homem,
o corpo grotesco está muito mais próximo de uma representação plena do ser hu-
mano, que agora, teratologicamente se inclui no mundo.
Qual seria, então, um possível ponto de contato entre este corpo grotesco
e o corpo sem órgãos? Para que tal aproximação ocorra, é necessário que nos de-
tenhamos sobre o conceito com vagar, para que em seguida seja possível estabe-
lecermos um termo médio dialógico. Eis o périplo.
594
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
2 Adiantamos que Acenos e afagos reproduz precisamente essa tentativa em sua trama.
595
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
Neste amplo território, que é seu corpo em contato com o mundo, a decom-
posição de si é, ipso facto, desterritorialização, é o não-espaço em nome de todo o
espaço, do aprofundamento deslimitado:
596
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
que é quando a memória da “briga às avessas” lhe vem à mente. Este adolescente é
um massagista, tem à sua disposição corpos diferentes a todo o tempo para serem
tocados. É um daqueles corpos que fez com que o narrador se reportasse àquela
luta infantil. Neste “agora” que perambula por descaminhos da memória, o adoles-
cente está no velório de uma prima, que o faz saltar para uma reminiscência, claro,
que liga a finada prima a outro momento erótico infantil do narrador: “Naquele
tempo, já desconfiava de que seria um adulto famélico por sexo” (NOLL, 2008, p.
13). E eis que este périplo pela sexualidade infantil retorna àquela primeira, a bri-
ga no corredor: “sei que desse encontro não me esqueci mais” (NOLL, 2008, p. 13).
É importante observar que a memória existe como momentos definidores desta
instabilidade identitária que presenciamos no narrador. Há um processo dialético
aqui, pois este narrador só lembra daquilo que o faz não se lembrar de mais nada
que não esteja ligado à fruição sexual. Prova disso é que daquela briga passa-se à
prima e, depois, às experiências eróticas no seminário.
597
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
Pela imagem, isto é, pela superação da matéria, é possível encontrar este outro de
que trata o herói: “Não existe amor que não seja um exercício de despersonaliza-
ção sobre um corpo sem órgãos a ser formado” (DELEUZE & GUATTARI, 1995, p.
49). Veremos que este caminho será explorado diversas vezes neste romance. É
um caminho de infinitude, tal qual o é a consciência do sujeito; um prazer infinito
que supera qualquer limite identitário3, é o próprio anelo desta voz que fala nos
romances de Noll: “a fonte inegável desse delírio em forma de volúpia era uma
lacuna da minha própria alma” (NOLL, 2008, p. 33).
Uma disfunção erétil faz com que o herói assuma de vez a condição platô-
nica de possuir muitos corpos deixando a materialidade, símbolo de falha e decre-
pitude, de lado: “Eu me sentia um autêntico imaginador de lavras eróticas” (NOLL,
2008, p. 66). No entanto, no intento de imaginar seu amigo engenheiro no corpo
de seu massagista, Bernardo, o herói só conseguiu encontrar um corpo no breu.
Logo em seguida, sai com um garoto de programa, que o surra, fazendo com que o
herói acorde no hospital.
598
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
Trata-se de uma fronteira, como todas são, dividida. No entanto, esta di-
visão é problemática, tensional, pois, como temos visto, este herói tende para a
“loucura pura e simples”, ele buscou até agora se afogar em suas próprias águas.
O fato é que, após essa reflexão, ele sente que em si brotarem as tão buscadas
formas anatômicas femininas, convertendo-o em mulher. Começa a se imaginar
em público sempre com o rosto coberto, para que seus traços não denunciem seu
passado masculino.
599
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
Considerações finais
Este herói possui um desejo sexual inesgotável, para o qual somente a es-
fera ideal, imaginária, pode dar satisfação, já que os limites impostos pela matéria
são insuficientes para tal. A tônica deste romance é a exploração dos limites da
600
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
A suposta morte do herói pode ser vista como um símbolo daquele desejo
de se borrar o eu, a identidade que o trouxera até ali. Após esta morte, o herói pas-
sa a buscar e a afirmar para si a sua feminilidade, chegando a descrever as formas
femininas, que pouco a pouco despontam em si, e que num primeiro momento
convivem com as formas masculinas já existentes. Com isso, há uma diluição cons-
tante dos limites entre realidade e sonho/imaginação, masculino e feminino, ativo
e passivo, enfim, todas as dicotomias que dão identidade aos sujeitos.
Referências
601
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
602
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
DA LITERATURA AO CINEMA: O
PROCESSO DE TRANSPOSIÇÃO EM
ÓRFÃOS DO ELDORADO1
Edione Gonçalves2
Wellington Ricardo Fioruci3
RESUMO: Esta pesquisa tem por objetivo analisar como se realiza a adaptação da
linguagem literária para a fílmica em Órfãos do Eldorado. A obra foi escrita pelo
autor amazonense Milton Hatoum e adaptada para o cinema, estreando no dia
12 de novembro de 2015 sob a direção de Guilherme Coelho. Milton Hatoum,
nascido em Manaus no ano de 1952, é autor de grandes obras da literatura bra-
sileira, sendo considerado um dos maiores e mais destacados escritores do país.
Além disso, sua obra suscita temas como os conflitos familiares, memória, cultura
e identidade, sendo, inclusive, alvo de diversos estudos acadêmico-científicos, de
modo a contemplar e tornar Hatoum um escritor consagrado da literatura nacio-
nal. Pensando nisso, esta pesquisa fundamentar-se-á nos autores Linda Hutcheon
(2013), Ismail Xavier (2003) e Jean-Claude Carrière (2014), com o intuito de com-
preender como é possível realizar a aproximação entre as linguagens literária e
1 Este estudo foi realizado a partir da proposta do projeto de pesquisa para a produção da dis-
sertação de mestrado no Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade Tecnológica
Federal do Paraná – UTFPR-PB, a qual ainda não foi defendida, nem finalizada. Assim, vale res-
saltar que algumas considerações desta pesquisa poderão se fazer presentes na dissertação
quando finalizada.
2 Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade Tecnológica Federal do
Paraná – UTFPR-PB, campus Pato Branco. edionesgoncalves@gmail.com.
3 Professor no curso de Letras da Universidade Tecnológica Federal do Paraná, campus Pato
Branco. Atua neste campus como docente permanente do Programa de Pós-graduação em
Letras (PPGL). fioruci@utfpr.edu.br.
603
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
ABSTRACT: This research aims to analyze how literary language is adapted to film in
Órfãos do Eldorado. The work was written by Amazonian author Milton Hatoum and
adapted for the cinema, premiering on November 12th, 2015 under Guilherme Coelho’s
direction. Milton Hatoum, born in Manaus in 1952, is the author of great works of
Brazilian literature, being considered one of the greatest and most outstanding writers
in the country. In addition, his work raises themes such as family conflicts, memory, cul-
ture and identity, and is also the target of several academic-scientific studies, in order to
contemplate and make Hatoum a consecrated writer of national literature. With this in
mind, this research will be based on the authors Linda Hutcheon (2013), Ismail Xavier
(2003) and Jean-Claude Carrière (2014), in order to understand how it is possible to
achieve the approximation between literary and cinematographic languages, thus es-
tablishing a dialogue between these different arts. To this end, this study will be divided
into three major moments: 1st) to present the main aspects regarding the theory of ad-
aptation, as well as the relationship between literature and cinema; 2nd) to present the
author Milton Hatoum and filmmaker Guilherme Coelho’s life and work; 3rd) to analyze
the work Órfãos do Eldorado, both in literary and filmic scope.
Introdução
604
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
uma época em que a escrita, como é conhecida atualmente, ainda não existia. E,
a partir disso, surgiram novas formas de representar a vida do sujeito, como, por
exemplo, a pintura, a literatura, a fotografia e, posteriormente, o cinema, o qual
fora um grande marco para a história da humanidade e faz parte do seu cotidiano
até os dias atuais. Isso pode respaldar, inclusive, a aproximação entre as diferen-
tes linguagens: literatura e cinema.
Pensando nisso, esta pesquisa tem por objetivo analisar como se realiza a
adaptação da linguagem literária para a fílmica em Órfãos do Eldorado. Assim, ao
ter em vista que a obra supracitada foi escrita por Milton Hatoum, salienta-se que
o autor é um escritor brasileiro, nascido em Manaus, em 1952 e autor de grandes
obras da Literatura Brasileira como, por exemplo, Relato de Um Certo Oriente, pu-
blicado em 1989, Cinzas do Norte, em 2005, Dois Irmãos, em 2000. E, em 2008, o
autor publicou sua primeira novela, Órfãos do Eldorado, a qual fora uma de suas
obras adaptadas para o cinema, estreando no dia 12 de novembro de 2015 sob a
direção de Guilherme Coelho. Atualmente, Hatoum é considerado um dos maio-
res e mais destacados escritores da literatura brasileira. Além disso, a obra do es-
critor amazonense suscita temas como os conflitos familiares, memória, cultura
e identidade, sendo, inclusive, alvo de diversos estudos acadêmico-científicos, de
modo a contemplar e tornar Hatoum um escritor consagrado da literatura nacio-
nal. Ademais, “a crítica literária tem revelado grande apreço pela produção hatou-
niana. Entre os estudos universitários, ela tem servido de objeto para inúmeras
pesquisas, como ensaios, resenhas, artigos, trabalhos de conclusão de curso, dis-
sertação de mestrado e tese de doutorado.” (SILVA; TRUSEN, 2018, p. 124-125).
605
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
faz com que o leitor perceba uma região amazônica desconhecida, desconstruin-
do, assim, discursos estereotipados sobre o local. “Em Órfãos do Eldorado, esses
‘órfãos’ podem ser pensados como aqueles que muitas vezes são iludidos com
uma ideia de país da abundância, uma promessa de desenvolvimento.” (HATOUM,
2010, s/p). Além disso, Hatoum trabalha “[...] o texto literário como a possibilidade
de restauração da memória, rastro-atrás como a caça que volta em retaguarda
sobre as próprias pegadas para simultaneamente recuperá-las, embora sempre
despistando o leitor.” (CURY, 2002, p. 306-307).
Dessa forma, ao considerar que a obra fílmica também compõe o corpus des-
ta pesquisa, cabe salientar que o diretor do filme Órfãos do Eldorado, Guilherme
Coelho, nasceu no Rio de Janeiro, em 1979. O cineasta produziu e dirigiu o do-
cumentário de média-metragem São João em Caruaru, em 1999. Além disso, diri-
giu o documentário de longa-metragem, lançado no Festival do Rio 2003, Fala Tu
(2003), o qual ganhou os prêmios de melhor direção e melhor documentário pelo
júri popular, além de ser selecionado para festivais internacionais como Berlim,
Roterdã e Miami Internacional. Em 2005, dirigiu o documentário Fernando Lemos,
atrás da imagem. No ano de 2015, Guilherme Coelho dirigiu, então, o filme Órfãos
do Eldorado.
Assim, essa pesquisa foi apresentada da seguinte maneira: “De uma arte
a outra: teorizando os principais aspectos da adaptação e das relações entre
Literatura e Cinema”, neste momento, com base nas teorias dos autores Linda
Hutcheon (2013), Ismail Xavie,r (2003), Jean-Claude Carrière (2014) e Olga
Arantes Pereira (2009), foram apresentados alguns aspectos referentes à teoria
606
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
Esta seção tem por objetivo apresentar os principais aspectos sobre a teo-
ria da adaptação, fundamentando-se nos autores Linda Hutcheon (2013) e Ismail
Xavier (2003). Desse modo, objetiva-se também compreender como é possível
realizar a aproximação entre as linguagens literária e cinematográfica, firman-
do um diálogo entre essas artes distintas, com base nos autores Jean-Claude
Carrière (2014) e Olga Arantes Pereira (2009).
607
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
filme nele baseado são vistos como dois extremos de um processo que comporta
alterações de sentido em função do fator tempo, a par de tudo o mais que, em
princípio, distingue as imagens, as trilhas sonoras e as encenações da palavra es-
crita e do silêncio da leitura.” (XAVIER, 2003, p. 61).
608
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
609
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
acontecimentos que foram ocultos pela divisão das cenas. Desse modo, é possível
sustentar que “[...] o cinema cria, assim, um novo espaço, com um simples desloca-
mento do ponto de vista.” (CARRIÈRE, 2014, p. 17).
De acordo com Xavier (2003), o cinema constrói pontos de vista, pois pro-
cura ir além do que a cena teatral pode oferecer. Assim, “[...] o texto dramático,
ao contrário do romance, estrutura-se como algo a se completar na encenação,
no espetáculo teatral (ou cinematográfico).” (XAVIER, 2003, p. 87). Em vista dis-
so, ressalta-se que o gênero dramático incide na representação dos segmentos
sociais e culturais do ser humano através de diversas linguagens, as quais criam
certo hibridismo linguístico. Nesse sentido, uma produção cinematográfica se en-
caixa, perfeitamente, nesse gênero, uma vez que faz uso de personagens fictícias
(baseado em fatos reais ou não), espaço cênico, adaptação temporal e utiliza-se
de diálogos, sem que haja a necessidade de um narrador, já que esses elementos
podem “substituí-lo”. Por fim, o cinema pode retratar, através da verossimilhança,
as peripécias humanas em sociedade, na tentativa de aproximar o espectador da-
quilo que está sendo representado.
610
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
Arminto perdeu sua mãe ao nascer e foi criado por Florita, uma jovem órfã
trazida à casa por seu pai. É possível perceber, na narrativa, que Amando Cordovil
nunca teve uma relação próxima de seu filho, uma vez que parece culpá-lo pela
morte de sua esposa e, como se pode notar no relato da personagem, Arminto se
sente angustiado e também culpado, de alguma forma, pelo o que aconteceu com
sua mãe: “[...] aqui em Vila Bela diziam a Florita que meu pai era feliz ao lado de
minha mãe. Quando ela morreu, Amando não sabia o que fazer comigo. Até hoje
recordo as palavras que me destruíram: Tua mãe te pariu e morreu”. (HATOUM,
2008, p. 16).
Além disso, Arminto Cordovil perde tudo, até mesmo seu grande amor,
Dinaura, a responsável por diversos delírios acometidos por ele. Dinaura vai em-
bora e desaparece misteriosamente, pois, supostamente, ninguém sabe para onde
ela poderia ter ido. Isso faz com que Arminto passe a vida inteira com a esperança
de reencontrá-la e, por essa razão, os moradores de Vila Bela – cidade (fictícia)
onde moravam os Cordovil – alegavam que a moça era um ser encantado que ha-
via enfeitiçado o rapaz: “[...] no porto de Vila Bela, alguém espalhou que a órfã
611
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
era uma cobra sucuri que ia me devorar e depois me arrastar para uma cidade no
fundo do rio. E que eu devia quebrar o encanto antes de ser transformado numa
criatura diabólica.” (HATOUM, 2008, p. 34).
Arminto recorda, ainda, sua relação com Estrela, filha de Becassis, compra-
dores de suas propriedades, a fazenda Boa Vida e o Castelo Branco: “[...] a visão de
Estrela foi uma pausa no meu transtorno [...] deitei na rede da sala e fiquei pensan-
do em Estrela; pensava nela para não sofrer com mais uma desfeita de Dinaura.”
(HATOUM, 2008, p. 49). O rapaz até cogitou a possibilidade de casamento com a
moça, entretanto, conforme é possível observar, nem mesmo Estrela foi capaz de
fazer com que Arminto se esquecesse de Dinaura: “[...] meu plano era casar com
Estrela só para não perder o palácio branco. Um plano que não ia dar certo porque
eu amava Dinaura.” (HATOUM, 2008, p. 89).
Outro aspecto que merece destaque é a presença dos mitos na obra. Desde
o título fica clara a possível relação entre Órfãos do Eldorado e o mito do El Dorado,
uma lenda indígena antiga que retrata a possibilidade de existir uma cidade sub-
mersa inteira feita de puro ouro. Além disso, ao longo da história, Arminto narra
vários mitos que ouvia dos índios e eram traduzidos por Florita, como, por exem-
plo, a história do homem que tinha a “piroca comprida, tão comprida que atraves-
sava o rio Amazonas [...] e fisgava uma moça lá no Espelho da Lua. Depois a piroca
se enroscava no pescoço do homem, e, enquanto ele se contorcia, estrangulado, a
moça perguntava, rindo: Cadê a piroca esticada?”. (HATOUM, 2008, p. 12).
Além disso, é possível observar no relato de Arminto que a figura mais pa-
terna que ele pôde ter foi Esteliano (também chamado de Stelios), advogado da
família e grande amigo de seu pai. “Estiliano era o único amigo de Amando. ‘Meu
querido Stelios’, assim meu pai o chamava. Essa amizade antiga havia começado
nos lugares que eles evocavam em voz alta como se ambos ainda fossem jovens.”
612
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
(HATOUM, 2008, p. 18). Stelios foi responsável por tentar aconselhar o rapaz du-
rante toda a sua vida, mas nem ele foi capaz de impedir que a fortuna dos Cordovil
ruísse, principalmente, depois do naufrágio do Eldorado, cargueiro construído por
Amando. Inclusive, foi ele quem aconselhou Arminto a vender as propriedades
que herdara do pai.
Assim, Arminto diz que voltara à Vila Bela e finaliza o seu relato ao viajante,
o que permite se pensar na possibilidade de estar morando com Dinaura, alegan-
do que ninguém quis ouvir a sua história: “Por isso as pessoas ainda pensam que
moro sozinho, eu e minha voz de doido. Aí tu entraste para descansar na sombra
613
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
do jatobá, pediste água e tiveste paciência para ouvir um velho. Foi um alívio ex-
pulsar esse fogo da alma.” (HATOUM, 2008, p. 103).
A voz da mulher atraiu tanta gente, que fugi da casa do meu pro-
fessor e fui para a beira do Amazonas. Uma índia, uma das ta-
puias da cidade, falava e apontava o rio. Não lembro o desenho
da pintura no rosto dela; a cor dos traços, sim: vermelha, sumo
de urucum. Na tarde úmida, um arco-íris parecia uma serpente
abraçando o céu e a água. Florita foi atrás de mim e começou a
traduzir o que a mulher falava em língua indígena; traduzia umas
frases e ficava em silêncio, desconfiada. Duvidava das palavras
que traduzia. Ou da voz. Dizia que tinha se afastado do marido
porque ele vivia caçando e andando por aí, deixando-a sozinha
na Aldeia. Até o dia em que foi atraída por um ser encantado.
Agora ia morar com o amante, lá no fundo das águas. [...] De re-
pente a tapuia parou de falar e entrou na água. Os curiosos fica-
ram parados, num encantamento. E todos viram como ela nadava
com calma, na direção da ilha das Ciganas. O corpo foi sumindo
no rio iluminado, aí alguém gritou: A doida vai se afogar. Os bar-
queiros navegaram até a ilha, mas não encontraram a mulher.
Desapareceu. Nunca mais voltou. (HATOUM, 2008, p. 11-12).
614
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
Como se observa, o relato feito, no livro, por Arminto Cordovil, pode fa-
cilmente ser identificado na imagem disposta no filme, através da cena a seguir.
Assim, percebe-se que, no discurso fílmico, não há a necessidade de uma descri-
ção do que está acontecendo, uma vez que é possível compreender com clareza
que a mulher vai até o rio e some enquanto Florita e Arminto presenciam a situa-
ção, não havendo, portanto, a presença de uma narração em voice-over descre-
vendo a cena em detalhes para o espectador.
615
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
Desse modo, é possível perceber que o relato do viajante faz com que
Arminto se lembre de Florita, pois é notável o corte feito na cena para mostrar os
dois, mais jovens, sentados em uma rede, onde Florita contava a mesma história
sobre a anta-macho para Arminto: “[...] mas aí para se vingar, a mulher foi lá e pas-
sou bastante barro no pinto da Anta até ele ficar seco e duro e isso foi enfezando
o marido, enfezando o marido” (COELHO, 2015, 06min21s).
Como se pode observar, nas cenas em que Florita aparece, quando jovem,
não é possível ver o seu rosto com nitidez, o que se vê são imagens desfocadas.
Inclusive, na cena acima, nota-se que somente as pernas da personagem apare-
cem, o que transmite a ideia de que as lembranças de Arminto são vagas quanto
ao rosto jovem de Florita. Após haver um novo corte na cena, Arminto aparece
chegando em Vila Bela, onde é recebido por Estiliano, personagem que ganha me-
nos destaque no filme do que no livro, e, neste momento, nota-se o desaponta-
mento de Arminto por não ter sido recebido por seu pai.
616
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
617
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
do velório: “Tu não tens culpa de nada Arminto. (Meu pai morreu para me matar
de culpa). Um monte de gente perguntando por ti e eu não sabia o que dizer... Foi
bonito!”. (COELHO, 2015, 23min40s). Desse modo, percebe-se que a cena escura
e fúnebre, devido à falta de luz, pode retratar o luto pela morte de Amando e, ain-
da, a dor e culpa sentida por Arminto, visto que, no momento em que Florita entra
em casa, ele está se embriagando e fumando.
618
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
dinheiro que sempre o sustentou dependia dos barcos navegando. O rapaz, en-
tão, sugere a venda da empresa e, com isso, percebe-se a repulsa de Estiliano pela
ideia, alegando: “Arminto, essa empresa é a história da sua família [...] nem se a
gente quiser vender, a gente consegue, tivemos que hipotecar os outros barcos.
Ninguém vai querer comprar nada nosso agora. Bem, eu vou indo.” (COELHO,
2015, 31min10s).
Imagem 5. Cena de Arminto na praia com o livro de Hatoum, juntamente com a capa do livro
Órfãos do Eldorado.
Fonte: Órfãos do Eldorado, 2015
619
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
abertos, lembrando o formato das partes genitais femininas. Assim, é possível as-
sociar isso aos desejos acometidos por ele, conforme se observa:
Com isso, Arminto continua sua incessante busca pela amada e, tal como na
obra literária, só o que lhe resta é uma tapera velha. Pode-se dizer que o final do
filme é muito parecido com o do livro, visto que é Estiliano quem revela ao rapaz
onde Dinaura se encontra. Dessa forma, Arminto vai à procura dela e encontra
uma criança na casa onde Florita morava e, assim, o filme termina com a possibili-
dade do reencontro entre Arminto Cordovil e sua desejada Dinaura.
620
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
Considerações finais
Referências
BRASIL DE FATO. Quando o mito vira história e a história vira mito. São Paulo,
2010. Disponível em: http: //www.miltonhatoum.com.br/sobre-autor/noticias-
-entrevistas/quando-o-mito-vira-historia-e-a-historia-vira-mito-entrevista-ao-
-brasil-defato. Acesso em: 24 out. 2020.
621
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
622
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
RESUMO: O presente artigo tem por objetivo analisar a exclusão social que aco-
mete Macabéa, protagonista de A hora da estrela (1977), de Clarice Lispector. Tal
estudo se dedica a compreender os aspectos da pobreza e, consequentemente,
as condições precárias em que a personagem se encontra no decorrer da narra-
tiva. Nesse sentido, é possível evidenciar que a miséria e a falta de direitos bá-
sicos em muito contribuem para reforçar a invisibilidade social, no ambiente ur-
bano, vivenciada pela nordestina Macabéa. Para a realização desta análise, vão
ser utilizados os trabalhos científicos de Rocha (2007), Dalcastagnè (2000) e
Almeida (2017) que discutem questões pertinentes ao estudo desta personagem
de Clarice Lispector. Além disso, com o intuito de efetuar a abordagem de assun-
tos relacionados à pobreza e ao abandono social, vão ser empregados Sá e Jesus
(2013), Ribeiro (1997) e Castro (2009). Em suma, neste estudo empreendido so-
bre A hora da estrela, constata-se que a protagonista do romance representa, de
uma forma simbólica, inúmeros migrantes nordestinos que saíram de sua região
1 Trabalho desenvolvido ao longo da disciplina de Narrativa brasileira do sé-
culo XX ao XXI, do curso de Letras – Português e Inglês, da Universidade
Tecnológica Federal do Paraná, campus Pato Branco.
2 Universidade Tecnológica Federal do Paraná, campus Pato Branco. marilia-
nedalmolin@hotmail.com.
3 Universidade Tecnológica Federal do Paraná, campus Pato Branco. marcoshi-
demidelima@gmail.com.
623
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
ABSTRACT: The following research aims to analyze the social exclusion that affects
Macabéa, main character from A hora da estrela (1977), by Clarice Lispector. Such stu-
dy is restricted to understand the aspects of poverty and, consequently, that precarious
conditions in which the character is in the course of the narrative. In this sense, it is
possible to show that the misery and the lack of basic rights contribute a lot to rein-
force the social invisibility, in the urban environment, experienced by the northeastern
Macabéa. For this research, the scientific works of Rocha (2007), Dalcastagnè (2000)
and Almeida (2017) will be used to discuss issues pertinent to the study of the character
by Clarice Lispector. Besides that, in order to address issues related to poverty and social
abandonment, Sá and Jesus (2013), Ribeiro (1997) and Castro (2009) were also part
of the theoretical scope. Thus, in this study undertaken on A hora da estrela, it appears
that the main character of the novel represents, in a symbolic way, countless northeas-
tern migrants who left their region in search of better living conditions and had their
basic rights denied, being therefore, relegated to the margins of society.
Introdução
624
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
625
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
626
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
Sob esta mesma ótica, é possível averiguar que a capital carioca, a princípio,
representa no romance um lugar completamente oposto ao Nordeste brasileiro:
“Depois [...] tinham vindo para o Rio, o inacreditável Rio de Janeiro, a tia lhe arran-
jara um emprego, finalmente morrera e ela, agora sozinha, morava numa vaga de
quarto compartilhado [...].” (LISPECTOR, 1998, p. 30). A passagem destaca uma
dualidade entre a realidade do interior do Alagoas, onde a pobreza extrema e a
fome grassam, e o “inacreditável Rio de Janeiro”. Todavia, tal ideia logo se mostra
errônea, uma vez que em ambos os espaços Macabéa acaba por se tornar víti-
ma do abandono social que atinge todos aqueles que, assim como a protagonista,
buscaram nos grandes centros urbanos uma chance de melhorar de vida.
Ao discutir esta obra, Rocha (2007, p. 15) aponta que “há poucas referências
às condições de vida no Nordeste brasileiro, talvez porque o que a autora queira
mostrar é exatamente a condição daqueles que deixaram sua terra em busca de
um sonho que nem sabem qual é.”. Tal observação expressa perfeitamente a pro-
tagonista de A hora da estrela, pois Macabéa não dispunha de nenhuma ambição,
bem como contenta-se com aquilo que tinha, sem questionar nenhuma das misé-
rias que lhe eram impostas ao longo de sua vida: “Não fazia perguntas. Adivinhava
que não há respostas. Era lá tola de perguntar? E de receber um “não” na cara? [...]
Por falta de que lhe respondesse ela mesmo parecia se ter respondido: é assim
porque é assim.” (LISPECTOR, 1998, p. 27). Desse modo, o que se constata é que
a nordestina é alguém completamente conformada com a realidade na qual vive.
Ou seja, o conformismo da personagem a impede de questionar o real motivo de
ela se encontrar em uma situação tão miserável, bem como ambicionar algo me-
lhor para o seu futuro.
627
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
628
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
os problemas sociais e econômicos por ela eram vivenciados, já que ela sequer
tem consciência clara das desigualdades pelas quais passa.
[...] Macabéa não tinha visão de mundo e também não era vis-
ta. Existia simplesmente, sem aspirações ou realizações. A falta
de acesso a uma formação minimamente digna acarretou-lhe a
exclusão do contexto social. Exclusão praticamente garantida à
maioria dos que provinham da mesma região que a protagonista
e como ela não tivera a sorte de um berço na elite minoritária.
629
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
630
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
A citação ilustra mais uma vez a ignorância de Macabéa, visto que a perso-
nagem não conhece outros ritmos musicais, presumindo, em razão disso, que a
631
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
música que escutou seja samba, já que este era o único gênero musical que supos-
tamente a jovem conhecia. Além disso, ela sequer concebe a ideia de que haja ou-
tros idiomas no mundo, evidenciando a visão de mundo limitada de Macabéa. Este
comportamento da personagem endossa as palavras de Robert Sebesta (2018):
Com base nisso, fica evidente o prejuízo que Macabéa sofreu por conta da
falta de acesso à educação. Ou seja, ela não consegue identificar nada além do
que a rodeava. Sendo assim, sua visão de mundo é limitada e condicionada apenas
àquilo que já conhece. Dessa forma, percebe-se que a personagem se encontra
inserida em um meio no qual ela faz parte somente fisicamente, pois em uma me-
trópole como o Rio de Janeiro não havia espaço na sociedade para alguém como
Macabéa, que não sabia se expressar. Tal situação vivida pela alagoana evidencia
que ela se achava deslocada no meio em que vivia.
632
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
633
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
Considerações finais
634
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
Referências
635
O DUPLO NA TRILOGIA ÓPERA DOS
MORTOS, LUCAS PROCÓPIO E UM
CAVALHEIRO DE ANTIGAMENTE, DE
AUTRAN DOURADO
Ivonete Dias1
Marcos Hidemi de Lima2
636
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
ABSTRACT: This study aims to analyze the ‘double’ in Autran Dourado’s trilogy Ópera
dos mortos (1967), Lucas Procópio (1985) and Um cavalheiro de antigamente (1992).
It also aims to analyze the mythical question of some characters and the women situa-
tion in a world where there are still patriarchal features. The following authors help us
with the ‘double’ understanding; The real and its double (1976), by Clément Rosset, As
infantile neurosis and other works (1917-1918) (1976), by Sigmund Freud, The double
(1939), by Otto Rank, O fantástico (1988), by Selma Calasans Rodrigues, and Mulher
ao pé da letra: a personagem feminina na literatura (2006), by Ruth Silviano Brandão.
Concerning the symbologies in the three novels, this study seeks references in Mitologia
grega (1986), by Junito de Souza Brandão, and Autran Dourado: uma leitura mítica
(1976), by Maria Lúcia Lepecki. For analyzing the misogynistic aspects in the trilogy,
two Affonso Romano de Sant’Anna’s definitions from the book Canibalismo Amoroso
(1984) are used. One definition is “marring woman”; it means white women, idealized
and educated for marriage. The other definition is “doable woman”; it means an African
descent woman who is considered just useful for sex and domestic chores. As a result of
a relation among Autran Dourado’s trilogy with the works highlighted above, this study
aims to highlight the ‘double’ and its faces, mythological aspects, and the conflicting
relationships between female and male characters.
Introdução
637
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
divisão de uma das obras. Além disso, será possível analisar algumas simbologias
presentes, principalmente em Ópera dos mortos.
Os mitos
De acordo com o estudioso, Narciso se apaixonou por seu duplo, sua ima-
gem refletida na água:
638
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
Narciso era o mais belo jovem que existiu em Téspias, encantava moças
da Grécia inteira e, segundo a profecia de Tirésias, viveria muitos anos: si non se
uiderit, “se ele não se vir[...]” (BRANDÃO, 1987, p. 176). Essa adoração narcísica
é observada nalgumas personagens de Dourado analisadas neste trabalho, em-
bora muitas vezes ela não esteja presente nos atributos físicos, mas sim na ima-
gem que é transmitida de si e que, na verdade, não existe. São personagens que
possuem um orgulho muito grande e que acabam se sentindo superiores aos que
estão à sua volta, sendo exemplos Pedro Chaves, João Capistrano Honório Cota e
Rosalina, que serão analisadas detalhadamente nas próximas seções.
Para Maria Lúcia Lepecki, em Autran Dourado: uma leitura mítica (1976),
um aspecto que é o centro das obras de Dourado, é a morte: “Desde Teia até O
Risco do Bordado, os conflitos interiores das personagens marcam-se pelo desa-
parecimento de outras personagens. [...] A morte, apesar do conteúdo mítico, não
deixa de ser acontecimento físico irreversível.” (p. 18, grifos do autor).
Lepecki (1976, p. 19) ainda defende que quando não há evidência de morte,
há o impulso/desejo de matar presente nas personagens, fato notório no pai de
Isaltina, o qual, no momento que a filha decide não casar, coloca uma arma na ca-
beça dela: “Quando os olhos dela baixaram, viu na mão do pai um revólver. Isaltina
hesitou, não sabia qual a melhor decisão.” (DOURADO, 2002, p. 123). Este aspec-
to também é observável entre o escravo de Lucas Procópio, Jerônimo, e o feitor
Pedro Chaves no seguinte excerto: “Um dia, só esperava hora, metia um balaço
bem na testa de Pedro Chaves. Melhor no peito, no lugar do coração, da alma.”
(DOURADO, 2002, p. 54).
639
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
Não basta dizer que sou único, como o é qualquer coisa no mun-
do. Refletindo mais atentamente, eu possuo o privilégio, que é
também uma maldição se quiserem, de ser duas vezes único: por-
que sou este caso particular – e “único” – onde o único não pode
se ver. [...] É por isso que a busca do eu, especialmente nas per-
turbações do desdobramento, está sempre ligada a uma espécie
de retorno obstinado ao espelho e a tudo o que pode apresentar
uma analogia com o espelho: assim, a obsessão da simetria sob
todas as suas formas, que repete à sua maneira a impossibilidade
de jamais restituir esta coisa invisível que se tentar ver, e que se-
ria o eu diretamente, ou um outro eu, seu duplo exato. A simetria
é ela própria conforme à imagem do espelho: oferece não a coisa,
mas o seu outro, seu inverso, seu contrário, sua projeção segun-
do tal eixo ou tal plano. (2008, p. 90-91, grifos do autor).
640
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
horas.” (DOURADO, 1972, p. 26) E esse rito ocorreu novamente após a morte de
João Capistrano:
Esse ritual para a morte está presente, em especial na obra Ópera dos mor-
tos, na qual não só as personagens centrais participam, mas até mesmo os figuran-
tes esperam que o ritual continue e também fazem parte dele.
641
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
642
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
outro lugar. Mas no que concerne à aptidão para ver, o iludido vê,
à sua maneira, tão claro quanto qualquer outro. (ROSSET, 2008,
p. 17).
Após a morte dos pais de Lucas Procópio, ele, seu escravo e Pedro Chaves
estão a caminho de Minas Gerais para tomar posse de uma fazenda herdada por
ele, a Fazenda do Capão Florido. Durante a viagem, por onde a comitiva passa,
quem mais chama atenção é Lucas Procópio. As pessoas querem se aproximar e
saber mais a respeito desta figura estranha. Em um dos lugares por onde passa-
ram, o dr. Minervino foi consultado pelos populares e disse que “aquela impres-
sionante aparição vinha de outra era; a gente vivia num século, ele vinha de ou-
tro”. (DOURADO, 2002, p. 16). Com esta observação do dr. Minervino, também
podemos constatar o caráter duplo relacionado ao tempo presente na obra.
Entendemos que a personagem está agindo/vivendo no presente, mas separa
Lucas Procópio com a distância de um século.
No que concerne a Pedro Chaves, em seu silêncio, ele arquiteta uma forma
de ocupar o lugar de Lucas Procópio, e o relacionamento entre eles passa a ser
cada vez mais complicado, fazendo com que Lucas começasse a repensar a pre-
sença do feitor. Embora a ideia não lhe causasse medo, chegam até Lucas notícias
sobre a intenção do feitor: “Uma vez alguém me disse Pedro Chaves está que-
rendo lhe roubar o nome, se apossar do que é.” (DOURADO, 2002, p. 52). Pedro
Chaves desejava possuir e ser o autor daquela história, daquela vida.
643
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
anos para o vigário e: “Pedro acabou por virar homem, sozinho no mundo buscava
o seu caminho. Passou a assinar Pedro Chaves, assim ficou conhecido, por inteiro.”
(DOURADO, 2002, p. 35).
Além disso, quando Pedro Chaves vai a julgamento por matar um portu-
guês que o cobrava de uma dívida, é possível observar o jogo criado pelo narrador
para demonstrar o “vestir e tirar a máscara” da personagem: “No júri foi acusa-
do de violento pelo promotor [...] Pedro Chaves ouviu toda a acusação sem alte-
rar uma só vez as feições. Duro e frio, a cara como uma máscara indevassável.”
(DOURADO, 2002, p. 92).
E foi na primeira oportunidade que teve sozinho com o patrão que Pedro
Chaves iniciou o seu plano de tomar posse da vida de Lucas Procópio:
644
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
o que deveria ter permanecido secreto e oculto, mas veio à luz.” (FREUD, 1976,
p. 142). Neste aspecto, podemos observar o quão Unheimlich foi o “outro” Lucas
Procópio.
João Capistrano e seu pai, Pedro Chaves, vivendo como Lucas Procópio,
não tinham muita coisa em comum, talvez somente o orgulho. Ele tentou apagar
todas as memórias de sua infância, mas lembrava de “um homem grande, forte e
espadaúdo, de sobrancelhas grossas espetadas feito taturana, a barba comprida,
as botas sujas de barro, vibrando um chicote no ar, descendo-o em sua mãe. Esse
homem era seu pai, Lucas Procópio Honório Cota.” (DOURADO, 2001, p. 7).
Quanto a João Capistrano ele: “[...] sempre foi diferente dos demais da cida-
de. De maneiras finas e muito polido, apesar de que de pouca ou nenhuma conver-
sação, sempre falando baixo e medido, educado mais pela mãe [...]” (DOURADO,
2001, p. 8).
Talvez com o objetivo de esquecer as inúmeras agressões que viu a sua mãe
sofrer:
A imagem de Lucas Procópio foi recriada por seu filho, como é possível de-
preender do excerto acima, e também por sua esposa, Isaltina, como é possível
observar nos seguintes excertos: “Ele lhe disse a razão da dúvida sobre o Lucas
Procópio que levei tantos anos para construir?” (DOURADO, 2001, p. 83), e “Por
645
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
outro lado foi terrível, ele me revelou um pai que eu desconhecia, um homem em
tudo diferente da figura que a senhora inventou.” (DOURADO, 2001, p. 66).
João Capistrano, embora seja filho de Pedro Chaves, o homem que roubou
a identidade de Lucas Procópio, também é duplo do verdadeiro Lucas Procópio,
646
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
sujeito que ele não conheceu e tampouco sabe da existência. Lucas Procópio era
descrito como um sujeito que:
Assim como Lucas Procópio, João Capistrano também era descrito como
Dom Quixote:
Se ela fosse que nem Lucas Procópio, quem sabe onde estava
agora? Na Casa da Ponte, disse uma voz dentro dela. Quem sabe
num lugar mais baixo, no Curral-das-Éguas, disse outra voz. Era
lá que devia de estar, José Feliciano. Se divertindo com as mulhe-
res, deitado com elas, imundo, no bem quente. Meu Deus, meu
Deus, por que tenho esses pensamentos? É deixar a rédea solta e
lá vou eu por este mundo sem fim. Sei, não sou Lucas Procópio, de
jeito nenhum. Era mais o pai, homem reto, cidadão. [...] Sou igual
647
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
a papai, sou ele não. Ele morreu tem muito tempo, nem cheguei a
conhecer Lucas Procópio. (DOURADO, 1972, p. 105-106).
Podemos depreender, com base no excerto acima, que Rosalina, luta para
manter em si, as qualidades de seu pai, e assim, torna-se duplo do seu avô e do seu
pai, pois suas emoções conflituosas demonstram que ela esconde a personalida-
de de Lucas Procópio, mantendo uma máscara para fingir ser João Capistrano, ao
mesmo tempo que enterra suas necessidades, seus desejos.
Evidencia, além disso, sua dualidade: “De noite Rosalina, de dia dona
Rosalina. Não buscava mais unir no mesmo ser as duas figuras, juntar as duas me-
tades.” (DOURADO, 1972, p. 165).
648
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
brancas que serão analisadas são: Isaltina, presente nas obras Lucas Procópio e Um
cavalheiro de antigamente e citada em Ópera dos mortos e Rosalina, presente em
Ópera dos mortos.
Outra obra que encantava Isaltina era Chica da Silva, justamente porque
ela “mandava e desmandava nos domínios do contratador de diamantes João
Fernandes de Oliveira, seu amásio.” (DOURADO, 2002, p. 109). Da mesma forma
que se encantava com obras que a mulher tinha voz, ou pelo menos pareciam ter,
Isaltina criticou muito quando percebeu um velho, Lucas Procópio, a cortejando:
649
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
O pai de Isaltina não poderia permitir que o dinheiro fosse devolvido, então
tomou uma atitude extremamente cruel: “Ela voltou para a sala, deu de cara com
o pai. [...]Quando os olhos dela baixaram, viu na mão do pai um revólver. Isaltina
hesitou, não sabia qual a melhor decisão. [...] E lhe passavam pela mente, na veloci-
dade de um raio, as palavras honra, dignidade, morte.” (DOURADO, 2002, p. 123).
Em sua lua de mel, Isaltina pode perceber o quanto ainda sofreria as opres-
sões patriarcais em sua vida, pois nunca havia se relacionado com um homem, e
Lucas Procópio investiu para cima dela sem nenhum cuidado: “No escuro, era um
bicho trevoso, enrolado sobre si mesmo. Na posição fetal, se protegia de braços,
de forças invisíveis e destruidoras.” (DOURADO, 2002, p. 126).
650
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
Ao contrário do que houve quando tiveram uma filha mulher, que Lucas se
afastou e voltou a procurar Adélia, sua escrava alforriada que: “[...] não possuía
nenhuma sutileza ou elaboração amorosa, mas lhe dava tudo o que pedia a sua
natureza bruta de homem. Era uma mulata quente, fogosa e arteira como poucas.”
(DOURADO, 2002, p. 138).
Além disso, é possível depreender, tendo como base nossa formação es-
cravocrata, dentro de uma rígida hierarquia da sociedade, o que Roberto Reis
(1987), em A permanência do círculo, define com os termos núcleo e nebulosa para
definir o espaço social ocupado respectivamente por homens e mulheres. Sendo
o primeiro utilizado para situar o homem branco e o segundo para situar a mulher.
“Efetivamente, os figurantes do núcleo senhorial exercem domínio sobre os da ne-
bulosa.” (REIS, 1987, p. 32, grifos do autor).
651
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
Rosalina, assim como sua avó, Isaltina, também recebeu uma educação
voltada para o casamento, porém não se casou. Em alguns momentos da obra,
é possível observar que ela nutre um desejo pelo matrimônio, como no seguin-
te excerto: “Engraçado eu casar. Por que engraçado? Eu bem que podia casar.
Emanuel bem que quis. Não agora, antes, quando nada ainda tinha acontecido.
Papai fazia planos pra mim. Depois me esqueceu, se entregou àquela maluqueira.”
(DOURADO, 1972, p. 30).
Por não ter se casado, Rosalina passou a ter atitudes consideradas impró-
prias para as mulheres da época. Após ingerir bebidas alcoólicas, ela se entregava
aos desejos sexuais com um serviçal, Juca Passarinho, um: “[...] falador que vem de
fora, que pertence a outro grupo social, que não é da família, oriundo do profano.”
(REIS, 1987, p. 112).
Considerações finais
652
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
com algumas atitudes que muitas vezes eram taxadas como inadmissíveis para a
sociedade da época, e por isso, em muitas obras, essas personagens eram elimina-
das como forma de repreensão para as leitoras da época.
Referências
653
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
654
O ESTILO POÉTICO-EXISTENCIAL DE
AGE DE CARVALHO EM AINDA: EM
VIAGEM
655
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
ABSTRACT: Evidently, the poem is instituted as the place of dialogue between poet and
poetry, so from that, this relationship begins a process of donation to the reader, foun-
ding a contemplative action and enabling an eternal voyage at the moment of dialogue.
In this sense, the present work aims to interpret the poetic-existential instants instituted
and made eternal in the work Ainda: em viagem, by Age de Carvalho (2015). For that,
we will base ourselves on the studies of Micheletti (2014), referring to the style and
the relationship of individualities that is constituted in the literary text, by Heidegger
(2003) and Benedito Nunes (1992), about language as a path, of way that the poet,
when crossing between his words, contemplates the horizons of installed meanings, and
of Paes Loureiro (2000) and Octávio Paz (1982), about how the poem, in its instant
instated by the existential aspect of being, becomes the realization of the eternity of
poetry. In Ainda: em viagem, the way words are generated is what guarantees the ma-
ximum consummation of the moment when the poet constructs his statement, so that
his way of going and being genuine takes effect from the poetic moment, demonstrating
his expressive awareness. The poems “Diante do lago”, “Eu, intimo-me” and “Os que pas-
saram” manifest this consummation of the eternity of poetry in the poetic-existential
instant, whose passage is expressed in the quick, choppy and fragmented form of the
being-poet, always attentive and contained in its verses, in addition to being compres-
sed in neologisms, seeking to reach the unsaid emanating from poetic words as an open
universe.
Introdução
656
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
657
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
dos três poemas selecionados, além da realização de um breve diálogo entre o pri-
meiro poema da obra (“E brilha”) com o poema “Eu intimo-me”, mostrando como
ocorreu (expressivamente), na travessia do poeta, a conversão de si mesmo em
Via Láctea, já manifestada, em uma primeira forma, por “E brilha”. Ademais, cons-
tam-se as considerações finais e as devidas referências.
658
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
Apenas a leitura de um texto é que pode trazer de volta esse instante poé-
tico. Se o objeto da Estilística se encontra no sujeito, na subjetividade que parte
dele com destino a um outro, parece que o enfoque se situa em como as relações
entre o sujeito e o outro ou entre sujeitos e outros é tecida no texto (MICHELETTI,
2014, p. 389). Dessa forma, mais do que simples receptor, o leitor é que, além de
recriar o instante e ressignificá-lo, proverá a consumação do discurso poético.
Entretanto, o texto não estará, de forma alguma, inerte, ou atuará como media-
dor, pois, interpretando-o, inserindo-se nele a fim de nele encontrar um espaço de
de-morada, ele passa a ser o manancial para que nós (leitores e escritores) encon-
tremos um lugar para onde ir à medida em que nos deixamos “tocar propriamente
pela reivindicação da linguagem, a ela nos entregando e com ela nos harmonizan-
do.” (HEIDEGGER, 2003, p. 121).
Diz Heidegger (2002, p. 80) que a instituição do dizer poético ergue-se so-
bre três sentidos: doar, fundar e iniciar. Neste sentido, o poeta doa suas palavras
a um outro que o lerá, fundando uma relação recíproca e genuína com a finalidade
de trazer outra vez o que se deu apresentou a si quando a linguagem – poesia
corporificada por excelência – encontrou no poema um ponto de eterna iniciação.
Paes Loureiro (2000) afirma que o poema é a forma que suporta a eternidade da
poesia, é a materialização de sua passagem, e por isso se torna eterno.
659
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
CAPÍTULO 4
O Caminho é o Vazio
E seu uso jamais o esgota
É imensuravelmente profundo e amplo, como a raiz dos dez mil
seres
[...]
(LAO-TSÉ, s.d, p. 7).
660
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
O horizonte, com efeito, não pode ser alcançado, pois, ao mesmo tempo
que se aproxima dele, está se distanciando desse próprio horizonte. Esse verda-
deiro paradoxo é que mantém o mistério das palavras, tornando suas falas sempre
novas e autênticas, e é o que faz do poeta o artífice de palavras poéticas, de vez
que, recriando o que escutou das palavras, cria a si mesmo e à linguagem que se
inicia no instante de consumação da poesia no poema: “[...] o homem é homem
graças à linguagem, graças à metáfora original que o fez ser outro e o separou do
mundo natural. O homem é um ser que se criou ao criar uma linguagem. Pela pala-
vra, o homem é uma metáfora de si mesmo.” (PAZ, 1982, p. 41-42).
661
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
Neste sentido é que “o existente, com efeito, não pode se reduzir a uma sé-
rie finita de manifestações, porque cada uma delas é uma relação com um sujeito
em perpétua mudança.” (SARTRE, 2002, p. 17), logo, sendo um eterno devir, as
possibilidades, no sentido de negação daquilo que não-é, seja porque ainda não
alcançou a determinado projeto, seja porque se transformou e perdurou sobre
662
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
sua perpétua mudança, o existente, esse ser que se propaga e se extende3 no ins-
tante de sua existência, tem a consciência de que somente sendo nesses instantes,
por eles formado e a eles se remetendo, conseguirá alcançar a visão e a escuta das
palavras da poesia.
3 Quando aqui utilizarmos o termo “extender” e suas demais variações, utilizaremos no sentido
transcendental-extensivo, de vez que, enquanto existente à procura de si, o ser, no momento
presente, apenas pode alcançar a compreensão de si nesse instante que está sendo quando rea-
liza, tomando o passado(-presente) como mola propulsora, a projeção extensiva-transcendental
ao que poderá vir a ser. Evidentemente que esse sentido que indicamos não vem expresso no
verbo dicionarizado “estender”, daí a necessidade de valermo-nos de termo não dicionariza-
do “extender”. Para demarcar a diferença, destacaremos em itálico o léxico “extender” e suas
ramificações.
663
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
Diante do lago
De cascalho,
quatro vezes a pergunta
ricocheteou na água, afundou
antes de levitar
664
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
4 Veja-se que o léxico “sorte” pode indicar, concomitantemente, “destino”, “modo” e “condição de
ser”, de maneira que essas três possíveis leituras não são nunca excludentes entre si, mas sim
complementares à medida em que a nossa sorte está condicionada ao nosso modo de ser para
podermos chegarmos ao nosso destino. É que o vemos com o poema “Andando pelo apartamen-
to”, no qual a conduta do ser o leva a exaurir-se do tempo cronológico ao abster-se de qualquer
expectativa, ou seja, ao atingir o tédio profundo, assim é que chega a conclusão, na quarta (pe-
núltima) estrofe do poema, de que o caminho é o destino, e este é o ponto de chegada e partida,
qual a casa (a linguagem) é a responsável pela circularidade: “esse o-que-somos/ (caminho de
volta,/ caminho de casa sempre),/ esse para-onde-vamos” (CARVALHO, 2015, p. 16).
665
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
o lança. A força que o lança não é a mão do ser, ou o seu corpo, mas sim a sua per-
gunta, a qual se vale do cascalho como meio de ir a ser.
Assim é que diante do lago passa a ser a posição inicial e final do ser justa-
mente porque, conduzido e transcendido à pergunta-cascalho que ricocheteia na
água, o poeta passa a seguir o caminho da pergunta-cascalho, de modo que, à me-
dida em que esta afunda, logo alça-se ao extremo refletido e absorvido na água do
lago a ele se harmonizando, ou seja, no céu, e, por isso mesmo, passa a levitarrumo
aos céus (e o/a imediatismo/impressão que primeiro(a) tivemos se perde, e assim
encontra-se a consumação existencial pelo poético em uma única e precisa circu-
laridade, isto é, do ser diante do lago à nós que o interpretamos).
666
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
e o cardo, na outra margem, a água do lago também abre condições para que a
pergunta/cascalho afunde antes de levitar em direção aos céus5, ao estar entre
este e o fundo do lago, o repositório da pergunta, e o retorno do cascalho à sua
imobilidade.
A imagem de três entes será outra vez utilizada no poema “Eu intimo-me”,
agora, porém, serão aos pronomes pessoais oblíquos que terão a função de meio e
fim, e este retornando e se alçando ao início, isto é, ao pronome pessoal de primei-
ra pessoa, por intermédio do entre:
EU, INTIMO-ME6
a reconhecer-
(em ti, contigo
em viagem – nós,
dois faróis na estrada
farejando a escuridão luxuosa,
abolido tempœspaço
à visão da grande nebulosa:
tu, era eu-todo-estrelado,
o céu, espelho)
-me em
mim-mesmo.
(CARVALHO, 2015, p. 57).
5 O léxico “moeda” reforça a ideia de que a transcendência gera um ciclo e um “fim” comum à medi-
da em que em suas faces representam o ser e a pergunta, aquele que está aparentemente “imó-
vel” diante do lago e aquela que se move, bem como a extensão do ser à outra margem do lago.
Neste sentido, para reforçarmos e esclarecermos, não temos uma contraposição de ideias, mas
sim uma complementaridade pelos opostos “afundar” e “levitar”, pois, afundando no lago, o qual
reflete o céu acima de si, tornando-o uma imagem e uma composição de si, a pergunta-cascalho
passa a levitar no céu.
6 Muitos dos poemas de Ainda: em viagem tem a primeira expressão/palavra como título, destaca-
do em letras maiúsculas. Conservaremos essa formatação.
667
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
O poeta dirige-se a si mesmo, de vez que ele é o “eu” a que o “me”, tantas
vezes reforçados, liga-se como objeto direto, sofrendo a ação realizada (de inti-
mar-se e reconhecer-se), bem como o “mim” atrela-se ao “eu” como uma terceira
pessoa (de quem se fala). Desta forma, porque exige uma força a mais de alcance,
de vez que é um tônico, o pronome “mim” será alterado por um determinante que,
no contexto do poema, assume função adjetival (“mesmo”) e promove a determi-
nação do “mim”, fornecendo a este a força necessária de expressão para poder
reportar-se ao pronome “eu”, ou seja, ao sujeito que está se extendendo em três
formas gramaticais.
Evidentemente que essa força de alcance tem como intuito fazer com que
o “mim-mesmo” retorne ao “Eu”, de forma a fornecer embalo para perdurar o mo-
vimento contínuo de transmutação do ser. Não à toa que o neologismo, formado
por uma composição justaposta que combina o pronome pessoal (o determinado)
a um nome com função adjetival (o determinante), expressa que o fim atingido, o
“mim”, é exatamente igual ao que o gerou, o inicial, e por isso a ele se reporta: Eu in-
timo-me/ a reconhecer-/ -me em/ mim-mesmo. Entretanto, ele é igual em termos de
conduta e condição, de maneira que o “mim” conserva o movimento do “Eu” não
por mera repetição, mas inovando-o e renovando-o, atribuindo suas peculiarida-
des à medida em que se reporta ao começo (e isso se dá por meio da preposição
“em” e do demonstrativo “mesmo”, assumindo a função de reaver e realocar no
discurso aquele que já fora mencionado). Assim é que o fim será o recomeço, e o
“Eu” possui a consciência disso, e esta é que desencadeará, ao estar atrelado a si
mesmo, como a forma dependente “me”, a conexão entre o referido “Eu” e aquele
que se comportará como o outro diferente de si (o “mim”).
668
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
Será na viagem que esse outro será descoberto efetivamente até o ponto
de aglutinar-se ao ser que o olhou. Assim é que, pleno de outras personas, o poeta,
na estrada, não apenas em viagem, mas sendo a viagem e a trilha que é percorrida,
brilha, provocando uma sinestesia que atribui à escuridão um corpo e um cheiro:
farejando a escuridão luxuosa. Entretanto, esse brilho dos faróis (sendo o ser e o
outro – “nós,/ dois faróis na estrada”), que ilumina a estrada, é emanado de si mes-
mo, de maneira a expelir para fora, as luzes, projetadas à semelhança da visão da
grande nebulosa.
E BRILHA: estar
dentro dela
e poder vê-la – a Via Láctea,
a trilha ao sem-fim
de mim, estrela
[...]
(CARVALHO, 2015, p. 15).
669
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
primeiro o sinal de dois pontos, fazendo um corte e uma abertura para o eu-lírico
que está dentro da Via Láctea e sugerindo que ele faz parte dela, e, por conseguin-
te, o travessão retorna para a fonte do brilho. Em “Eu intimo-me” ocorre o inverso
(verdadeiro complemento), de vez que, agora, o ser é a fonte do brilho, e a Via
Láctea é que está imersa nele: tu, era eu-todo-estrelado.
OS QUE PASSARAM
refratados, refletidos
naquela garrafa verde
ao sol,
brilhando agora
atrás da mente
entre ervas e tempo, hipo-
campo em flor:
a cada um,
a cada qual,
multicolor, desigual
o seu fosco
670
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
ou florente, devido
caco de vida.
(CARVALHO, 2015, p. 65).
Assim é que, quanto aos dois primeiros versos da segunda estrofe, temos o
artigo definido retirando a identidade indefinida de “cada um” (pronome e artigo
indefinidos), o(s) qual(is) será(ão) retomados pelo pronome relativo “qual”, para
acrescentar a informação de que qualquer um deles (os que passaram), ora estão
representados na memória de modo fosco e desigual, porque são refratados, ou
seja, têm suas formas manchadas e desviadas (a cada um), ora são representados
7 Ou seja, o que temos é um sujeito não expresso, de vez que não importa ao poeta “quem” passou,
mas o que eles ocasionaram ao passarem pela garrafa verde, qual a sensação (ou percepção sen-
sitiva) que eles causaram. Temos então: “Os Ø que passaram”.
8 Notemos que vírgula entre os adjetivos suspendem um certo ritmo de leitura linear (o que acon-
teceria se enunciação o aditivo “e”), sugerindo o modo que se cedeu a passagem dos sujeitos pela
garrafa verde, isto é, longo e curto, estendido e comprimido.
671
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
nesse agora de maneira multicolor e florentes, porque são refletidos através do sol
de passagem pela “garrafa verde”, esta como imagem clara desse agora (a cada
qual)9.
Dessa maneira é que se forma o “devido caco de vida”, pois, pelos instantes
poéticos, consagrados no agora do poema, refletem com nitidez, e pelos instantes
existenciais, que são instaurados pelo passado, fornecendo ao presente o mate-
rial, ainda que esmaecido, necessário à concretização dos momentos.
Considerações finais
9 Vejamos ainda que o pronome relativo “qual” refere-se ao que vem antes juntamente com o ar-
tigo definido ”a”, e isso sugere a tentativa de esclarecer/refletir quem foram os que passaram de
forma refratada.
672
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
Neste sentido é que “[...] escrever é o modo de quem tem a palavra como
isca: a palavra pescando o que não é palavra. Quando essa não palavra morde a
isca, alguma coisa se escreveu.” (LISPECTOR, 2020, p. 25), de maneira que a pró-
pria escrita é e será atravessada como uma via constituídas de instantes, ou seja,
ter-se-á de viajar por ela a fim de aprender a efetivamente atravessar as palavras
poéticas ali conservadas. Portanto, permanecendo quietos e perdurando o cami-
nho, conseguiremos, pelos poemas e seus instantes poéticos-existenciais que se
firmam como eternos, mantermo-nos ainda: em viagem.
Referências
673
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
674
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
Vanessa de Andrade1
Mateus da Silva Kaefer2
Marcos Hidemi de Lima3
675
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
ABSTRACT: This work deals with the marginalization present in the play O pagador de
promessas, by Dias Gomes (1960). The aim of the study is to highlight the social stig-
matization suffered by Zé-do-Burro - protagonist of the play -, considering social and
religious issues as factors that can determine the social marginalization of the subject in
society. To carry out this work, the studies of Candido (2015) and DaMatta (2004) on
a certain monoreligious ideal in Brazil are used. Magaldi (2004) contributes to address
issues related to the characters in Dias Gomes’ play. In addition, the concept of Rocha’s
dialectic of marginality (2006) and its unfolding is used, which helps identifying the
most excluded character in society, as well as the conceptualizations of marginal sub-
ject and rascal subject of Santos (2009) in order to apprehend the conflictive situation
experienced by the protagonist of O Pagador de Promessas. In light of this theoretical
contribution, it is clear that Zé-do-Burro is characterized as being naive, consequently
victimized by games of interests of those around him, and poorly understood for adop-
ting values of religious syncretism, so characteristic of Brazil.
Introdução
Primeiro, será feito um breve relato sobre o autor Dias Gomes, partindo
para o resumo da obra que será analisada. Por conseguinte, um apanhado geral
sobre o contexto histórico em que o autor e a obra estão inseridos, e por fim, a
análise referente à personagem marginalizada.
676
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
Entre as obras de Dias Gomes está O Pagador de Promessas, que foi escrita
no ano de 1959. O autor esteve em conflito com o regime militar e lutava contra
esse regime de opressão e pensamento. Segundo Elisângela da Silva Nazareth e
Agnaldo Rodrigues da Silva “pode-se perceber que as inúmeras obras produzidas
por Gomes e cada uma em particular expõe as vicissitudes sociais de um período.”
(NAZARETH e SILVA, 2014, p. 70). Além disso, ele já discutia uma outra forma de
pensar o Brasil. Por esse motivo, é mencionado por Anatol Rosenfeld, quando tra-
ta um pouco sobre a vida do autor, “de oferecer uma imagem crítica da realidade
brasileira naquilo que é tipicamente humano.” (ROSENFELD apud GOMES, 2010,
p. 141).
677
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
De acordo com as autoras Nazareth e Silva (2014), com a censura que per-
meava as peças de Gomes, ele decide então migrar do teatro para a televisão,
fazendo algumas adaptações. Dias Gomes faleceu aos 76 anos, vítima de um aci-
dente automobilístico. Autor de uma vasta obra no teatro e na televisão, recebeu
vários prêmios por seus trabalhos.
678
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
É visto, então, como o autor se posiciona perante a sua obra, como percebe
e tem consciência da exploração vivida na época, e como o seu personagem pode
expressar essa exploração.
Em seu livro Sábato Magaldi diz que “O Pagador, além de criar em Zé-do-
Burro uma grande personagem e de fazer dura crítica à intolerância, dramatiza
o sincretismo religioso, uma das nossas verdades populares.” (MAGALDI, 2004,
p. 305). Diante disso, é visto então, o papel fundamental da religião, permeando
nosso personagem à marginalização.
Na peça estudada neste trabalho, é visto que há “um complexo jogo psico-
lógico de sofrimento psíquico diante das desconsiderações de crenças e valores
do personagem principal Zé-do-Burro [...]” (NAZARETH; SILVA, 2014, p. 70). O
enredo apresentado em O Pagador de Promessas divide-se em três atos e inicia-se
com a escuridão da madrugada por volta das 04h30min em que Zé-do-Burro, com
a sua cruz sobre o dorso das suas costas, juntamente com Rosa, sua esposa, estão
chegando ao um vilarejo onde localiza-se uma igreja de Santa Bárbara.
679
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
Sua mulher, Rosa, que o acompanha, reclama das sete léguas que percor-
reram juntos por conta dessa promessa. Como ainda era de madrugada, não ha-
via nada aberto e nem ninguém na vila. Nesse momento, os dois têm uma breve
discussão sobre onde irão dormir até que amanheça. Zé-do-Burro está disposto
a não deixar a sua cruz sozinha por medo de a roubarem. Por conseguinte, chega
Bonitão (que era um cafetão) e Marli (que dá a entender que é uma prostituta, que
mantém um relacionamento com ele), os dois discutem sobre a quantia de dinhei-
ro que Marli havia recebido nesta noite. Após isso, Bonitão manda-a para casa e
volta a sua atenção ao casal.
Bonitão, que era um malandro por natureza, fica curioso ao ver o casal em
frente à igreja tão cedo e com uma cruz e se interessa por Rosa. Acaba oferecendo
um quarto no hotel para ela, que por sua vez, reluta em aceitar pois estava perce-
bendo as intenções do cafetão, mas Zé-do-Burro com a sua inocência faz com que
ela aceite.
Contou-lhe sua história ao Sacristão que, por sua vez, chamou o padre. O
padre era um homem conservador, e após ouvir toda a história, fica horrorizado
e diz que Zé-do-Burro mexeu com feitiçaria e era um herege, pois Iansã é orixá e
não Santa Bárbara. Certo disso, não permite que ele entre na igreja com a cruz e
fecha as portas. Chateado e sem entender o porquê daquela reação, Zé-do-Burro
aguarda outra oportunidade para falar com o padre.
680
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
De acordo com as autoras Nazareth e Silva (2014), com a censura que per-
meava as peças de Gomes, ele decide então migrar do teatro para a televisão,
fazendo algumas adaptações. Dias Gomes faleceu aos 76 anos, vítima de um aci-
dente automobilístico. Autor de uma vasta obra no teatro e na televisão, recebeu
vários prêmios por seus trabalhos.
681
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
682
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
Dessa forma, entende-se que o dilema social brasileiro relatado não se tra-
tava sobre benefícios sociais. O protagonista Zé-do-Burro não era um sertanejo
marginalizado por ser essencialmente pobre, pois ele relata ao padre que, caso
a promessa feita por ele fosse atendida, dividiria a sua terra com quem tivesse
menos condições financeiras que ele: “Prometi também dividir minhas terras com
os lavradores pobres, mais pobres do que eu.” (GOMES, 2002, p. 48), mas sim por
não compreenderem seu pensamento religioso, por intermédio de sua promessa.
Cabe destacar também que no Brasil, até 1890, de acordo com DaMatta
(1986) a religião dominante e oficializada era o Cristianismo mais especificamen-
te com a ramificação do Catolicismo Romano. Os valores que a igreja estabelecia
nesse período eram considerados essenciais no Brasil. Esses valores influenciam
a marginalização da personagem. Conforme verificado na peça em questão, os
representantes da igreja se colocaram em posição rígida, impedindo que o pro-
tagonista levasse a cruz até o altar ao considerarem as atitudes de Zé-do-Burro
como heresia:
683
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
[...] ZÉ: Padre, eu não tenho parte com o Diabo, tenho com Santa
Bárbara.
PADRE: (Agora para toda a praça) Estive o dia todo estudando
este caso. Consultei livros, textos sagrados. Naquele burro está
a explicação de tudo. É Satanás! Só mesmo Satanás podia levar
alguém a ridicularizar o sacrifício de Jesus. [...] (GOMES, 2010,
p. 98).
684
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
685
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
Além disso, ainda diz que “a repressão moral só pode existir, como ficou
dito, fora das consciências [...]” (CANDIDO, 2015, p. 42), pois Zé-do-Burro não
tinha consciência do que estava acontecendo, queria somente pagar sua pro-
messa e de modo ingênuo acabou morrendo. Refletindo a partir deste conceito,
Gomes retrata ao final do livro com o uso de uma rubrica, a explicação da morte
de Zé-do-Burro:
[...] Guarda: Sim, eu sei, não foi o senhor quem inventou a festa de
Santa Bárbara. Mas eu também não tenho culpa de ser guarda.
Minha obrigação é facilitar o trânsito, tanto quanto possível.
Zé: Sinto muito, mas não posso sair daqui.
Guarda: (Sua paciência começa a esgotar-se) Ai, ai, ai, ai, ai... eu es-
tou querendo me entender com o senhor...
686
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
Por fim, convém destacar o quadro feito por Santos (2009), no qual ele com-
para o sujeito marginalizado com o sujeito malandro, conforme exposto a seguir:
Malandro Marginal
• permitido na sociedade. • vive à margem da sociedade (excluído).
• preocupa-se em ser aceito na sociedade. • Ações individualizadas.
• Busca certo status. • não busca conciliação.
• gingado carnavalizante. • busca o conflito.
• Fuga dos conflitos. • não está preocupado em ser aceito. [...]
Fonte: Santos (2009)
Além disso, como é possível verificar na obra analisada, ele tenta explicar-
-se, mas não se redime aos que tentavam fazê-lo mudar de ideia, fato que o faz
entrar cada vez mais em um conflito. Dessa forma, ele não tenta ser aceito, não
se apropria das características pejorativas dadas a ele, nem se promove como al-
guém que chama a mídia para divulgar o cumprimento de uma promessa difícil.
Ele queria agradecer pela vida do burro, mesmo que isso acarretasse o fim da sua.
687
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
Considerações finais
Referências
CANDIDO, A. O mundo sem culpa. In: CANDIDO, A.O discurso e a cidade.4ª edi-
ção.Rio de Janeiro: Ouro sobre azul, 1988. 41-44
CANDIDO, A., et al. A Personagem de Ficção. São Paulo: Perspectiva, 2009.
DAMATTA, R. Caminhos para Deus. In: DAMATTA, R.O que faz do brasil, Brasil?.
2ª ed.Rio de Janeiro: editora Rocco, 1986. 113-118.
GOMES, D. O Pagador de Promessas. 45. ed. Revista atualizada – Rio de Janeiro:
Nova Fronteira, 2010.
MAGALDI, S. Panorama do Teatro Brasileiro. – 6 ed. – São Paulo: Global, 2004.
688
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
689
VIOLÊNCIA E TÉCNICA NARRATIVA
EM “PASSEIO NOTURNO”, DE RUBEM
FONSECA1
690
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
ABSTRACT: This paper has as its theme the representation of violence in a short story
written by Rubem Fonseca. The aim is to verify how the author elaborates a certain
situation of brutality, using improved narrative techniques. Thus, we chose as object
of analysis the short narrative “Passeio noturno”, from 1975, part of the volume Feliz
ano novo. It is the story of a man who, after a tiring day at work, drives his car through
the streets of Rio de Janeiro looking for someone who he can run over, with the aim of
relieving the stress accumulated during his journey. In this way, the methodological path
makes use of the selective appropriation of essays on aspects of the narrative and texts
that deal with characteristics of Rubem Fonseca’s work. It is worth mentioning that it
will also be fundamental to investigate the figure of the narrator (who speaks) and the
focuser (who sees). Therefore, we take as theoretical support critical and analytical texts
from scholars who deal with narrative characteristics in general and from phonsequian
writings, such as Gérard Genette (2017), Ricardo Piglia (2004), Alfredo Bosi (2006)
and Antonio Candido (2011). In the end, it is expected to identify what expressive re-
sources are used by the writer in the construction of a scene where there is a contrast
between the barbarity of the act performed by the protagonist and the coldness with
which the scene is narrated.
Introdução
Edgar Allan Poe não foi somente artista, mas também um crítico atento
às mudanças de sua época. Ciente da mecanização dos meios de transporte e
comunicação, e de um tempo livre que se torna mais escasso em favor de maior
produtividade, Poe percebe que textos em prosa devem ser estruturados de ma-
neira que atendam a tais demandas e sejam reflexo dessa velocidade. Essas pon-
derações aparecem em três resenhas que o autor de O corvo publica sobre a co-
letânea Twice-told tales, de Nathaniel Hawthorne, entre 1842 e 1847 na Graham’s
Magazine. Nelas, ele examina os procedimentos artísticos empregados pelo autor
analisado e indica, em alguns casos, o melhor tratamento dos meios expressivos.
Charles Kiefer (2011) resume bem o modo como Poe pensava as narrativas
que serviriam para tirar o tédio do homem moderno. Elas deveriam ser histórias
curtas, de temática variada e original, com extensão suficiente para que a leitu-
ra fosse realizada numa viagem de trem entre Boston e Nova York. Além disso,
691
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
o espaço reduzido nas páginas de jornais e revistas também obriga que o autor
realize apurado polimento na linguagem. É necessário economizar nos verbetes,
afinal, tempo é dinheiro. A economia verbal também deve se adequar ao tom da
narrativa, e o texto, formado de frases rápidas e parágrafos leves, necessita ser o
espelho da agitação urbana.
Assim como Edgar Allan Poe, Rubem Fonseca também foi um escritor aten-
to à aceleração que ditava o ritmo das grandes cidades brasileiras, em especial do
Rio de Janeiro, e o incorporou a suas narrativas. A maneira peculiar como Fonseca
organiza sua sintaxe leva Alfredo Bosi (2006) a classificá-lo como um escritor bru-
talista, de dicção rápida e compulsiva, composta de obscenidades e dissonâncias.
O mundo significado por esse arranjo vocabular é o da explosão do capitalismo
selvagem e dos “inocentes do Leblon” que atulham praias. A poluição existencial
respirada e cuspida por essa literatura possui aspectos anti-literários e populares
que se aproximam do jornalismo norte-americano e da crônica grotesca. As ma-
nifestações de violência que encharcam sua obra estão ligadas à modernização
urbana. Nesse sentido, Sérgio Rodrigues (2017) observa que o autor foi o primei-
ro a enxergar o Brasil que surgia da urbanização descomedida, em que a flagrante
desigualdade gerava uma aberração social numa terra povoada por sujeitos que
matam com as próprias mãos, como se não houvesse um código penal em vigência.
Rubem Fonseca
692
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
693
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
Na linha do que diz o narrador de Bolaño, Ariovaldo José Vidal (2000) des-
taca que, em contos como “A força humana” e “A coleira do cão”, nota-se forte
influência da literatura policial do escritor estadunidense Raymond Chandler. A
característica dessa relação é a imagem precisa e, devido a tal rigor, acabou por se
estender para toda a obra, tornando-se marca registrada. O crítico também afir-
ma que é justamente essa precisão que aproxima Rubem Fonseca da literatura
norte-americana, representada por escritores de linguagem brutalista (VIDAL,
2000).
694
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
Gérard Genette (2017, p. 85) divide a estrutura das narrativas em três ní-
veis: a história seria o conteúdo ou o significado gerado pelo texto; a narrativa,
o arranjo estrutural e sintático que compõe o significante; a narração, o ato que
produz a mensagem real ou fictícia. Como possíveis organizadores dessa equação,
Genette (2017, p. 324) designa dois tipos de narrador: o heterodiegético, que está
ausente da história, e o homodiegético, que se apresenta como personagem do re-
lato. O estudioso (GENETTE, 2017, p. 325) ainda desmembra a segunda espécie
em duas variedades – uma em que o narrador é o protagonista, outra em que ele
é observador e testemunha dos fatos. Aos que são também heróis, é reservado o
termo autodiegético.
695
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
A fim de aliviar o stress acumulado durante a jornada, ele sai para dar uma
volta com seu carro de última geração depois de jantar com a família. Porém, não
se trata de um simples passeio. Percorrendo ruas escuras do Rio de Janeiro, o mo-
torista procura alguém desprevenido, vítima que não terá chance de reagir quan-
do perceber o automóvel avançando em alta velocidade. Ao encontrar a presa,
executa seu plano:
Peguei a mulher acima dos joelhos, bem no meio das duas pernas,
um pouco mais sobre a esquerda, um golpe perfeito, ouvi o baru-
lho do impacto partindo os dois ossões, dei uma guinada rápida
para a esquerda, passei como um foguete rente a uma das árvo-
res e deslizei com os pneus cantando, de volta para o asfalto. [...]
Ainda deu para ver que o corpo todo desengonçado da mulher
havia ido parar, colorido de sangue, em cima de um muro, desses
baixinhos de casa de subúrbio. (FONSECA, 1994, p. 397).
696
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
Pode-se dizer que Passeio noturno (1994) se encaixa na variante que Piglia
chama de moderna. O narrador-protagonista manipula o relato como se fosse a
história de um passeio de carro realizado por alguém que busca apenas relaxar. As
informações que ele revela ao leitor não deixam transparecer a segunda camada
narrativa, que é a de um assassinato. A mensagem carrega detalhes precisos de
acontecimentos rotineiros, o ambiente onde tudo se desenrola, o modo como o
motorista conduz o carro pelas ruas. Rubem Fonseca escreve seu conto como se o
leitor já soubesse do assassinato.
Ao final, quando o tecnocrata volta para casa aliviado e deseja boa noite à
esposa que segue hipnotizada pelo televisor, pode-se dizer que Rubem Fonseca
atinge o efeito de sentido peculiar às narrativas curtas imaginado por Julio
697
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
Cortázar (2008, p. 151-152), que compara o ato de ler a uma luta de boxe. Para o
autor de O jogo da amarelinha, o romance ganha do leitor por pontos, enquanto o
conto, incisivo e mordente desde o início, vence-o por nocaute.
Considerações finais
Victor Chklóvski (2013, p. 83) escreve que a arte é o pensamento por ima-
gens. Para ele (CHKLÓVSKI, 2013, p. 85), as artes poéticas não passam de ima-
gens tomadas de empréstimo de antigos autores pelos novos e seus trabalhos
são constituídos pela acumulação e revelação de novos procedimentos que têm
como objetivo mais dispor do que criar reproduções. Os objetos revelados por
essas figuras podem ser elaborados de diferentes maneiras e cada uma delas de-
pende do emprego de soluções expressivas. A partir daí, o estudioso formalista
(CHKLÓVSKI, 2013, p. 86) ressalta que o objeto pode ser prosaico e percebido
como poético ou vice-versa, sendo que seu caráter estético depende da maneira
como ele é percebido. Tal percepção depende de procedimentos particulares que
garantam ao item descrito a mencionada estética. Apesar de a descrição ser fun-
damental para que o destinatário da mensagem a perceba artisticamente, cabe
ressaltar que ela não deve ser feita de maneira cotidiana, pois, segundo Chklóvski
(2013, p. 87), a finalidade da arte é dar ao objeto status de visão, singularização
daquilo que é normalmente apenas reconhecido por seu utilitarismo.
Tomando as ideias do ensaísta russo como base, notamos que Fonseca aqui
adota como referências escolas artísticas do passado. Seu modo de narrar carac-
teriza-se por uma objetividade que remonta ao Naturalismo e ao Realismo. Além
disso, tal procedimento atribui caráter singular à violência que é noticiada de ma-
neira neutra ou sensacionalista pelo jornalismo no cotidiano. A variação de ângu-
lo e de ponto de vista servem como válvulas para que leitores e contempladores
tenham outro tipo de experiência. A voz narrativa em primeira pessoa manipula
com destreza não somente o carro que utiliza como arma, mas também o arran-
jo estrutural e sintático que resulta no significante. Com verbos conjugados no
pretérito perfeito, o narrador relata fatos dos quais esteve próximo com grande
698
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
quantidade de nuances, algo que pode ser comprovado, por exemplo, pelos sons
do pneu no asfalto e dos ossos da mulher sendo partidos, bem como pela imagem
do corpo desfigurado, reflexo visto por ele no retrovisor do automóvel.
Pode-se dizer que temos uma representação dos tempos sombrios concei-
tuados por Hannah Arendt (2008, p. 7-8), épocas em que há massacres e carnicei-
ros a olhos vistos. No entanto, de acordo com a filósofa, tais atrocidades não são
visíveis para todos, pois, no momento que chegam a público, são engenhosamente
manipuladas pelos representantes oficiais, que justificam e explicam a ocorrência
dos fatos desagradáveis. A articulação entre as ideias dos pensadores alemães
possibilitaria relacionar o conto de Rubem Fonseca com a violência histórica que
assola o país desde o início de sua colonização.
699
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
Referências
700
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
GENETTE, G. Figuras III. Trad. Ana Alencar. São Paulo: Estação Liberdade, 2017.
GUEDES, L. Um thriller da ficção brasileira. In: FERNANDES, Rinaldo de. (Org.).
Contos cruéis: as narrativas mais violentas da ficção brasileira contemporânea.
São Paulo: Geração Editorial, 2006, p. 15-18.
KIEFER, C. A poética do conto – de Poe a Borges: um passeio pelo gênero. São
Paulo: Leya, 2011.
LAUB, M. Notas sobre o fígado. Revista Piauí, Rio de Janeiro, n. 138, p. 42-46, mar.
2018.
PIGLIA, R. Formas breves. Trad. José Marcos Mariani de Macedo. São Paulo:
Companhia das Letras, 2004.
RODRIGUES, S. Rubem Fonseca parece encher nova obra com esboços tirados do
lixo. Folha de S. Paulo. São Paulo, 08 abr. 2017. Folha Ilustrada, p. 5.
VIDAL, A. J. Roteiro para um narrador: uma leitura dos contos de Rubem Fonseca.
Cotia: Ateliê Cultural, 2000.
701
AUTO DA COMPADECIDA SOB A LUZ
DO MÉTODO RECEPCIONAL
RESUMO: Este artigo tem como objetivo expor uma sequência didática (SD)
elaborada no ano de 2019, na disciplina de Estágio e a Formação do docente de
Língua Portuguesa e Literatura, do curso de Letras da Universidade Estadual
de Ponta Grossa (UEPG). Desse modo, nos propomos a apresentar os objetivos
dessa SD e a metodologia aplicada para atendê-los, seguido de uma explanação
e análise dos resultados obtidos após a sua aplicação em uma turma de terceiro
ano do Ensino Médio de uma escola pública da cidade de Ponta Grossa. A metodo-
logia aplicada trata-se do Método Recepcional, de Maria da Glória Bordini e Vera
Teixeira Aguiar (1993), conforme norteiam/norteavam as Diretrizes Curriculares
do Estado do Paraná. Tal método, alicerçado na teoria da Estética da Recepção
(1981), de Hans Robert Jauss, permite uma maior aproximação entre o leitor e
a obra, uma vez que parte de uma leitura que considera tal leitor como parte do
processo de significação da obra, isto é, seus horizontes de expectativa, pontos de
vista, crenças e experiências pessoais são considerados durante o momento de
recepção do texto. Durante as seis aulas, foram exploradas as relações humanas
e o conceito de hipocrisia dentro da obra literária Auto da Compadecida (1955), de
Ariano Suassuna e a obra fílmica O Auto da Compadecida (2000). Ao final da SD,
os alunos foram convidados a produzir fanzines – como síntese do trabalho – ex-
plorando as relações de hipocrisia observadas na sociedade.
702
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
ABSTRACT: This article aims to expose a didactic sequence (DS) elaborated in the year
of 2019, in the discipline of Internship and the Training of the teacher of Portuguese
Language and Literature, of the course of Letters of the State University of Ponta Grossa
(UEPG). Thus, we propose to present the objectives of this DS and the methodology ap-
plied to achieve them, followed by an explanation and analysis of the results obtained
after its application in a third year high school class at a public school in the city of
Ponta Grossa. The applied methodology is the Reception Method, by Maria da Glória
Bordini and Vera Teixeira Aguiar (1993), as it guided the Curricular Guidelines of the
State of Paraná. This method, based on the theory of Aesthetics of Reception (1981),
by Hans Robert Jauss, allows a greater approximation between the reader and the
work, since it comes from a reading that considers such reader as part of the process
of signifying the work , that is, their horizons of expectation, points of view, beliefs and
personal experiences are considered during the moment of receiving the text. During
the six classes, human relationships and the concept of hypocrisy were explored with-
in the literary work Auto da Compadecida (1955), by Ariano Suassuna and the film
work O Auto da Compadecida (2000). At the end of the SD, the students were invited
to produce fanzines - as a synthesis of their work - exploring the hypocrisy relationships
observed in society.
Introdução
703
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
704
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
A referida SD deveria ser operacionalizada em seis aulas, das quais três se-
riam supervisionadas pelo professor orientador da disciplina, ademais, de manei-
ra a intercambiar experiências e ideias, os estagiários deveriam, também, acom-
panhar duas aulas dos demais colegas que estivessem ministrando suas regências
no colégio.
705
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
Num breve resumo, esta obra dramática trata da vida dos personagens de
Taperoá, uma pequena cidade localizada no interior da região nordeste. Ali, vivem
João Grilo e seu melhor amigo, Chicó. Ambos, além de trabalharem na padaria
da cidade, vivem também de aplicar pequenos golpes no restante da população,
sendo seus principais alvos o padeiro, sua mulher, o bispo e o padre.
706
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
É durante o julgamento dos réus, que uma das falas da Compadecida nos
ajuda a compreender a denúncia social que a obra abarca. Segundo afirma a
personagem:
707
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
708
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
sua obra, mas sim de que maneira o leitor a percebe de acordo com sua formação
e experiências pessoais no decorrer da vida, uma vez que estas em muito influen-
ciam no processo de interpretação e recepção do texto literário. Para Todorov
(2009):
709
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
principal deste primeiro contato era conseguir uma conversa inicial com os edu-
candos para que pudesse haver a introdução na temática a ser trabalhada.
3 A definição trazida pelo professor acerca do que seria hipocrisia foi: “Característica ou compor-
tamento da pessoa hipócrita, de quem apresenta uma opinião que não possui ou finge sentir
o que não sente; falsidade, dissimulação, fingimento. /Capacidade de esconder os sentimentos
mais sinceros. /Característica de algo ou alguém que não é honesto; desonestidade: a hipocrisia
do discurso. / Hábito que se baseia na demonstração de uma virtude ou de um sentimento ine-
xistente” disponível em: https: //www.dicio.com.br/hipocrisia/. Acesso em: 12 jan. 2020.
710
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
Por tratar-se de uma turma de terceiro ano de ensino médio, em que o gos-
to pela leitura pode ser, por vezes, escasso, foi realizado um trabalho final – para
a ampliação de seus horizontes de expectativas – com o gênero textual fanzine.
Sobre tal gênero Costa e Albuquerque esclarecem que:
4 Para o autor “auto designa toda peça breve, de tema religioso ou profano.” (MOISÉS, 2013, p. 47).
711
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
Considerações finais
Considerando o que foi apresentado até então, foi possível perceber, que o
trabalho realizado através do Método Recepcional se mostrou bastante eficiente,
uma vez que a literatura foi trabalhada não pela perspectiva da historiografia lite-
rária, mas sim pelo que orienta os pressupostos da Estética da Recepção, propos-
ta por Jauss. Nos momentos de recepção do texto literário, todos os educandos ti-
veram a oportunidade de ler e discutir. Tendo em conta que a obra escolhida para
o trabalho com a turma era uma peça de teatro, alguns, por sua vez, mostraram
grande engajamento ao realizarem a leitura em voz alta, interpretando as falas de
cada personagem.
Na atividade final realizada pelos alunos foi possível perceber que ainda
que alguns deles não tivessem se dedicado tanto em produzir seu fanzine, a gran-
de maioria dos estudantes se empenharam nas suas produções, abordando temas
em que a hipocrisia atua na contemporaneidade, resultando na ampliação de seus
horizontes de expectativas.
712
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
Referências
713
CLUBE DE LEITURA: UMA PROPOSTA DE
FORMAÇÃO DE LEITORES LITERÁRIOS
NO ENSINO MÉDIO
RESUMO: A literatura vem, cada vez mais, perdendo espaço entre as atividades
mais executadas pelos jovens brasileiros. Longe de ser um país de leitores, as es-
colas do Brasil enfrentam o desafio de ensinar e estimular a prática da leitura li-
terária, entre adolescentes imersos em tecnologia e suas distrações. Diante desta
problemática, baseando-nos principalmente nas proposições de Michèle Petit
(2009) e Antonio Candido (2004) sobre literatura e sua relação com a sociedade,
o objetivo deste texto é apresentar e discutir a proposta do projeto de pesquisa e
extensão “Clube da Leitura: formação de leitores literários no Campus de Coronel
Vivida/IFPR”. O referido projeto foi proposto com o objetivo de promover a lei-
tura literária entre os estudantes do ensino médio do IFPR – Campus Coronel
Vivida. O projeto conta com a participação de sete alunos voluntários dos cursos
integrados de Administração e Cooperativismo do primeiro, segundo e terceiro
ano e está alicerçado metodologicamente no Método Recepcional, proposto por
Bordini e Aguiar (1993). Ainda em sua primeira fase de implementação, o projeto
prevê uma maior e melhor interação entre os alunos e as obras literárias selecio-
nadas, de modo que, a experiência literária vivenciada seja positiva e duradoura,
e que os estudantes adotem a prática da leitura literária como uma atividade co-
mum em seus cotidianos.
714
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
ABSTRACT: Literature is increasingly losing space among the activities most performed
by young Brazilians. Far from being a country of readers, schools in Brazil face the chal-
lenge of teaching and encouraging the practice of literary reading among adolescents
immersed in technology and their distractions. In view of this problem, based mainly on
the propositions of Michèle Petit (2009) and Antonio Candido (1988) on literature and
its relationship with society, the purpose of this text is to present and discuss the propos-
al of the research and extension project “Clube da Leitura: formação de leitores literári-
os no Campus de Coronel Vivida/IFPR ”. This project was proposed with the objective
of promoting literary reading among high school students at IFPR - Campus Coronel
Vivida. The project counts on the participation of seven volunteer students from the in-
tegrated courses of Administration and Cooperatives of the first, second and third years
of high school and is methodologically based on the Receptive Method, proposed by
Bordini and Aguiar (1993). Still in its first phase of implementation, the project provides
for greater and better interaction between students and selected literary works, so that
the literary experience experienced is positive and lasting and that students adopt the
practice of literary reading as a common activity in their daily lives.
Introdução
715
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
Candido (2004) afirma ainda que mesmo sendo um direito de todos, o ho-
mem do povo, ou seja, as classes menos privilegiadas, estão praticamente priva-
das de ter acesso à literatura, de conhecer e desfrutar de leituras clássicas, restan-
do-lhes apenas as literaturas de massa, ditas populares. Nesse aspecto, podemos
refletir sobre a influência que os alunos do Instituto Federal recebem com relação
ao consumo de arte, como mencionado anteriormente, trata-se de uma era ditada
pela velocidade e a facilidade de acesso à informação, aos bens culturais produ-
zidos pela humanidade. Mas, também, à toda cultura de massa mundial vinculada
indiscriminadamente pela internet. É evidente, que nesse contexto, a literatura
perde espaço e o trabalho escolar com ela se torna ainda mais desafiador.
716
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
717
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
718
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
Como primeira ação, foi divulgado aos alunos o “Clube da Leitura” convi-
dando-os a participar, voluntariamente, do que se pretende ser um espaço para
leitura e troca de ideias sobre essas leituras. Serão realizados encontros mensais
nas dependências do Campus Avançado de Coronel Vivida, em sala a ser designa-
da pela direção do campus. Obtive um total de sete alunos interessados, número
que considero razoável para os objetivos do projeto.
719
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
720
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
721
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
seguirá a indicação MA1 – momento um, que diz respeito à resposta ao questio-
nário a ser aplicado antes do início da leitura da primeira obra; MA2 – momento
dois, que diz respeito à resposta ao questionário aplicado ao final da leitura da
primeira obra; MB1 – momento três, ou seja, às respostas do questionário a ser
aplicado antes da leitura da segunda obra e, finalmente; MB2 – que se relaciona às
respostas do questionário a ser aplicado ao final da segunda leitura. A compara-
ção entre as respostas recai, principalmente, na análise da dificuldade de leitura,
adiantamento da temática a partir do título da obra, capacidade de relacionar à
temática principal com outras obras (literárias ou não), capacidade de dissertar
sobre aspectos considerados positivos e negativos da obra e desejo de leituras
literárias semelhantes. Esses aspectos revelam a maturidade dos participantes
com relação à leitura literária, a qual se espera revelar-se maior no momento MB2
em relação aos demais momentos.
Considerações finais
Todo projeto escolar que envolve literatura e ensino representa, por ele
mesmo, um desafio a ser enfrentado por seus envolvidos, no que diz respeito à
aceitação e à execução. Por tratar-se de um campo subjetivo, socialmente subes-
timado e sem uma grande importância evidente, os projetos em literatura pre-
cisam, antes de tudo, justificar sua relevância nos contextos em que se inserem.
O projeto Clube da Leitura: Formação de Leitores Literários no Campus Avançado de
Coronel Vivida apresentado aqui não difere dessa lógica, pois, se nos atentarmos
ao fato de que em uma comunidade escolar que conta com mais de duzentos alu-
nos, apenas sete demonstraram interesse na participação no projeto, percebe-
mos que há alguma inconsciência significativa na relação dos estudantes com a
questão.
722
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
Referências
723
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
724
OFICINAS LITERÁRIAS: ESTRATÉGIAS
E POSSIBILIDADES NA FORMAÇÃO
LEITORA
725
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
ABSTRACT: This article explains how mediation practices with literary readings can be
effectively carried out at events such as the Literary Fair of Campina Grande - PB (FLIC),
in their workshops, in public schools. Contact with literature is essential for this commu-
nication within the classroom, since the school must propose and aim for the student to
understand the reading of the literary text and become an opinion-forming, dynamic
and critical reader. It is environments like these that favor the performance of literary
workshops, which place the student within a real reading context, and present the most
varied literary texts from canonicals to contemporaries. Our methodology starts from a
field research, in which several writers and their receptive works were presented, pro-
viding significant moments of learning, in which we approach various themes, construc-
tion of meanings and inferences. From this point of view, we realized that the students
had hours of delight and actively participated in the process, listing points about the
experience with the readings in this context. For the purpose of describing and reflect-
ing on the lived experience, the work presents as a theoretical contribution the writings
of Cosson (2014) and Jouve (2012), which point out possible ways for a teaching of
literature that achieves its objectives, preparing the student for the appreciation of the
aesthetic object and pleasure in reading.
Introdução
726
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
727
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
Após isso, pedimos para a turma ser dividida em pequenos grupos de, no
máximo, cinco pessoas, propomos uma atividade para escolha de um poema, con-
to ou trecho que mais chamou atenção deles e oferecemos os livros para o ato.
Percebemos que a leitura, no início, silenciosa e tímida, aos poucos foi dando lugar
a risadas contidas, a alguns suspiros e dizeres de como era lindo o que estavam
lendo.
728
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
Dessa forma, ouvirmos esses relatos nos fortaleceu, nos levou a reconhe-
cer o quanto a FLIC proporciona esse momento tão significativo além de refle-
tirmos sobre o quanto é importante e necessária a oportunidade de inserir nas
escolas oficinas literárias como essa, com o propósito de fazer circular a literatura
e o poder humanizador que ela proporciona, constituindo um caminho possível
para formação de sujeitos leitores.
729
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
Outro escritor que chamou a atenção dos estudantes foi Mário Quintana.
Levamos as seguintes poesias: A Rua dos Cata-ventos; O espelho; Olho as mi-
nhas mãos; se o poeta falar num gato; Vida, alguns conheciam o poeta apenaspelo
nome, outros não tinham conhecimento sobre a sua poesia. Após a oficina, pude-
ram conhecer e admirar a obra do escritor gaúcho.
Como, na época, tivemos contato com poesias e livros que estavam sendo
publicados por alguns professores da faculdade, conforme já mencionamos, inse-
rimos na sequência da oficina, esse contato com escritores da terra e o que eles
estavam escrevendo, tendo aceitação por parte da turma, especialmente pela
informalidade presente nos textos, o que aproximou ainda mais o público leitor.
Outra escritora apresentada nas oficinas foi Cristiane Sobral, uma mulher negra
que escreve sobre resiliência, empoderamento, aceitação, preconceito e racismo.
Levamos o livro de poesias “Não vou mais lavar os pratos”. Em relação à apresen-
tação dessa obra, um aspecto nos chamou a atenção: um aluno ter lido apenas o
livro de poesias, em detrimento de outras leituras.
730
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
alunos disse que o livro de Cristiane Sobral era representativo de sua realidade,
pois, por ser negro, passava por aquelas situações e quando leu sentiu algo dife-
rente que não sabia explicar, mas que estava bem e feliz por não se sentir sozinho,
pois sabia que uma escritora também vivenciou isso.
Conversamos com ele sobre o poder que a leitura desperta, o quanto o li-
vro, ao ser aberto, nos remete a essas reflexões e inquietações sobre o eu. É liber-
tador o que a literatura faz no sujeito leitor. Como nos assegura Cosson (2014,
p.41), “Se a leitura é um diálogo, todo diálogo começa essencialmente com uma
pergunta, com uma questão, cuja resposta nos leva a outra pergunta e a outra res-
posta e a outra pergunta.”.
731
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
indagações de quanto seria interessante se, pelo menos, as aulas envolvendo lite-
ratura tivessem esse viés inovador. Como explica o autor:
É importante que eles saibam quem foram nossos escritores do século pas-
sado, mas sem tornar isso um fardo, podemos comparar um autor e uma determi-
nada obra em sala de aula, bem como realizar debates e círculos de leitura para
discussões e questionamentos. De acordo com Cosson (2014, p. 38), “para essa
perspectiva, a leitura é essencialmente um processo de interação entre leitor e
texto. Ler é construir o sentido do texto.”.
Outra questão importante foi o fato de que na oficina literária que realiza-
mos, levamos como convidada uma escritora, Jadna Alana, de uma cidade vizinha,
para os estudantes terem esse contato com quem escreve. A fala dela foi muito
importante e pertinente, pois ela contou sua trajetória para escrever oito livros,
entre eles: A saga dos seis portais (2016), A princesa de Ônix (2017), Retorno do prín-
cipe (2018) e Riacho do Jerimum (2019) e publicá-los. Sua escrita é voltada para
732
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
Essa aproximação inédita para eles, foi uma experiência rica e produtiva
em todos os aspectos. Além disso, a professora da turma, ao término da oficina
nos confessou acerca da timidez deles para falarem e por conhecer o histórico de
vida de cada um, disse-nos que muito do que trouxemos se compara à realidade
atual deles.
Ela estava levando poesias e textos literários para que esse paradoxo fosse
quebrado em sala, e as aulas fossem mais dinâmicas e interessantes, a ponto de
despertar neles, a partir do trabalho dela como mediadora, essa inserção na for-
mação como sujeitos leitores, críticos e reflexivos.
A feira literária teve sua versão digital na edição de 2020, e anunciou com
muita tristeza que não haveria possibilidades de fazermos as oficinas dentro des-
se contexto pandêmico, pois como os alunos estão sem aulas, não haveria como
reuni-los em uma sala virtual. Com data marcada no calendário, para o mês de
novembro de 2021, vamos seguindo e acreditando que dias melhores virão e com
a única certeza de que a literatura nos salva e nos humaniza, para enfrentar as
adversidades da vida e jamais deixar de investir na educação.
733
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
Considerações finais/Conclusão
Referências
734
O TRABALHO COM OS CONTOS
CLÁSSICOS NO 8º ANO DO ENSINO
FUNDAMENTAL: LEITURA, PRODUÇÃO E
ENCENAÇÃO1
1 Este artigo foi produzido com atividades desenvolvidas durante o Programa de Residência
Pedagógica (PRP) /MEC/CAPES. Fez parte do projeto guarda-chuva intitulado “Pesquisa na
escola: o processo de ensino-aprendizagem de leitura, interpretação, letramento e produção
textual no programa residência pedagógica e no estágio supervisionado”, aprovado por essa IES
através da Portaria nº 69/2019/PROSPESQ/UNIR, de 21 de novembro de 2019.
2 Fundação Universidade Federal de Rondônia. elykveronica240784@gmail.com.
3 Secretaria Municipal de Educação (SEMED/Porto Velho/RO) Fundação Universidade Federal de
Rondônia. gleylimasoares@gmail.com.
4 Fundação Universidade Federal de Rondônia (UNIR) / Universidade Estadual de Maringá (UEM).
janine@unir.br.
735
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
embasado nos textos lido e, por fim a dramatização desse texto produzido pelos
alunos.Dessa forma, para o desenvolvimento desta pesquisa utilizamos como
metodologia a pesquisa bibliográfica seguida de pesquisa de campo, de cunho
qualitativo, devidamente caracterizada como pesquisa-ação. Como aporte teó-
rico, tomamos como base os seguintes autores: Koch (2009); Carvalho (2018),
Cademartori (2010), Coelho (2000), Lajolo (2000), Zilberman (2012), entre ou-
tros. Ao final da pesquisa foi possível notar que os conhecimentos adquiridos em
leituras nas séries anteriores contribuíram para produção literária dos alunos,
além de percebermos que o trabalho envolvendo a produção e a encenação do
texto resultou no grande empenho dos alunos envolvidos.
ABSTRACT: Among the most important literary forms that have become Children’s
Literature we can highlight the wonderful narratives, of which fantastic tales and fairy
tales are part and have as their main characteristic to bring the immersive world of
magical narratives to our reality (COELHO, 2000). Understanding the importance of
this type of narrative by tying it to the practices of reading and textual production, we
present the research described here, which aimed to develop with students from the 8th
year of an elementary public school in the state of Rondônia the reading of classic tales
and their current versions, the collective textual production of a modern tale based on
the texts read and, finally, the dramatization of this text produced by the students. Thus,
for the development of this research, we used as methodology the bibliographic research
followed by field research, of qualitative nature, duly characterized as action research.
As a theoretical contribution, we based on the following authors: Koch (2009); Carvalho
(2018), Cademartori (2010), Coelho (2000), Lajolo (2000), Zilberman (2012), among
others. At the end of the research it was possible to notice that the knowledge acquired
in readings in the previous grades contributed to the literary production of the students,
besides realizing that the work involving the production and staging of the text resulted
in the great commitment of the students involved.
Introdução
736
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
Para uma melhor discussão dividimos este artigo em seis partes. Na pri-
meira, denominada A literatura infantil e o leitor, abordaremos a relação entre a
literatura infantil e a formação do leitor; na segunda, denominada a leitura e os
gêneros textuais no ensino, discutiremos a utilização dos gêneros textuais e o tra-
balho com eles em sala de aula; na terceira, cujo título é abordagem metodológica:
737
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
Pensar na literatura para crianças como aquela que apresenta texto sim-
plório, desenhos coloridos é um equívoco, pois esse gênero literário apresenta
grandes dificuldades no momento da produção, como assegura Candido apud
Zilberman e Lajolo (1986, p. 329):
Desse modo, entende-se que o texto literário produzido para crianças deva
ser livre de lições de moral, preconceitos ou ensinamentos como encontramos em
alguns livros ditos literários, mas que na verdade são caracterizados como paradi-
dáticos. Acredita-se, assim como Coelho (2000, p. 27), que:
738
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
que cada momento histórico produziu, a seu modo, a sua forma literária, com as
peculiaridades existentes e preponderantes na sociedade na qual estava inserida.
Ainda, a literatura infantil desperta curiosidade e aguça a imaginação do leitor ao
passo que pode trazer temas fantásticos, como princesas, príncipes, cavaleiros,
dragões, bruxas, entre outros elementos; ou mesmo assuntos corriqueiros do co-
tidiano, como separação dos pais, medo do escuro, morte, perda, ou outros tantos
assuntos.
739
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
Sabemos que esse trabalho de leitura pode ser desenvolvido, dentre outras
formas, com base nos gêneros textuais abordados nos textos, os quais acabam
exercendo uma funcionalidade social, além da literária. Essa relação entre leitura
e os gêneros textuais na perspectiva educacional é o que iremos discutir na se-
guinte seção.
740
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
depende do leitor para fazer sentido e o leitor depende do texto para ressignifi-
car suas experiências, aprender sobre novos assuntos, situações, lugares, entre
outros.
Cada leitor relaciona “[...] o significado pessoal de suas leituras com os vá-
rios significados que, ao longo da história de um texto, este foi acumulado. Cada
leitor tem a história de suas leituras [...]” (LAJOLO, 2000, p.106). Ou seja, cada
leitor traz as leituras realizadas ao longo de sua vida para a sua realidade pessoal.
Parte da interpretação dos textos lidos para a sua leitura de mundo e vice-versa.
Com base nessa ideia, Köch e Marinelo (2015, p. 07) afirmam que:
741
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
Teve seu início no segundo semestre de 2019 em uma escola da rede públi-
ca de ensino, no estado de Rondônia. As atividades desenvolvidas fizeram parte
do subprojeto “Língua Portuguesa em Foco”, do curso de Letras, de uma IES do
Norte do país, participante do Programa de Residência Pedagógica. Fizeram par-
te da pesquisa, inicialmente, 18 alunos do 8º ano do ensino fundamental, quanti-
dade reduzida, posteriormente, para um total de 12 alunos.
742
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
743
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
Mistura de clássicos
Alunos do 8º ano
(Ligação) Trinnnnnnn
- Oi amiga, saudades!
Jasmim: - Partiu...
Ariel: - Oi meninas.
Cinderela: - Oi princesas.
744
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
Ariel: - É verdade!
Então todas as princesas pedem desculpas para a Bela e vão curtir à noite.
745
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
expectativa em relação ao que vai ser lido ou ouvido e prende de imediato a aten-
ção do leitor, orientando-o para o sentido desejado.”.
746
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
Considerações finais
747
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
Referências
748
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
749
ANTERO DE QUENTAL E
CESÁRIO VERDE: DUAS VOZES
REVOLUCIONÁRIAS DA POESIA
PORTUGUESA OITOCENTISTA
750
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
ABSTRACT: Antero de Quental and Cesário Verde are two names representing 19th
century Portuguese poetry. Both sought to change the traditional stylistic code and be-
gan to defend a poetry of utilitarian nature, thus distancing the conception of “art by
art”, which gave them a prominent position in the universe of Portuguese poetic pro-
duction, especially because they produced a poetic discourse in line with the new ideas
of literature, science and history, causing significant reverberations in poets and later
writers. In the present study, what is intended, from the reading and analysis of their po-
ems, in addition to prose and letters to friends – in the case of Antero de Quental – and
also letters, in Cesário Verde’s, it is to demonstrate how important their revolutionary
voices were for the strengthening of Portuguese literature, a time when Realism pre-
sented itself not only with a discourse of renewal of literature itself, in its different forms
of expression: worldview, themes and language, but also representative of an innovative
discourse, with airs of “modernity”. For the accomplishment of this research, the literary
production of Antero de Quental will be used, extracted from the work organized by
Casais Monteiro (1972) entitled “Poesia e Prosa and the book “Antero de Quental”;from
Cesário’s literary work, we used the one organized by Joel Serrão (1999).
Introdução
751
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
Esse acesso, cada vez mais acentuado, dos estudantes de Coimbra e de ou-
tras cidades portuguesas às publicações literárias europeias (Eça de Queirós fala
em pacotes de livros que da Europa chegavam), assim como de outra natureza, só
acenderam o desejo desses estudantes de denunciar a lentidão com que caminha-
vam as instituições responsáveis pela administração pública, já que timidamente
progredia sob as óticas tecnológica e econômica, até mesmo a social.
752
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
2 Muita embora Cesário Verde não tenha participado diretamente da Questão Coimbrã, já que
ainda era um adolescente aquando da efervescência das discussões de renovação literária e
ideológica, mesmo assim não deixou de ser influenciado pelo sulco deixado pela Geração de 70,
a qual deixou profundas marcas na cultura portuguesa.
753
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
acadêmicas, tais como, João de Sousa Avelino, António Azevedo Castelo Branco
e Alberto Sampaio.
754
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
Sua atuação literária e política se solidifica ainda mais, quando passa a par-
ticipar do famoso Cenáculo, um grupo informal com a presença de estudantes e
intelectuais, ou, em outras palavras, uma espécie de tertúlia de amigos, cujas dis-
cussões defendiam, dentre outras ideias, as de uma República Federal Ibérica. O
755
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
Mas Antero de Quental mostrava-se cada vez mais insatisfeito com os ru-
mos que o seu país estava tomando. As discussões, os escritos e suas publicações
em jornais, ou mesmo em folhetos, não o deixavam satisfeito com as posições as-
sumidas, muito menos conseguiam aplacar a fúria de um “eu” inconformado com a
apatia social diante da omissão de seus governantes. Esse estado de coisas culmi-
nou com a inauguração, em 1871, nas Conferências do Cassino Lisbonense, cuja con-
ferência inaugural foi proferida por Antero de Quental, além de ter desenvolvido
o tema Causas da Decadência dos Povos Peninsulares3. Apesar do empenho dos
responsáveis pela organização do evento, este sofreu um duro golpe com o seu
fechamento pelo governo, acusado de ser “subversivo”.
3 Segundo A. J. Saraiva e Óscar Lopes (2010, p. 803), as causas da decadência dos povos peninsu-
lares, de acordo com o pensamento de Antero de Quental, seriam três: “a reação religiosa con-
sumada pelo Concílio de Trento; a centralização política realizada pela monarquia absoluta, com
a consequente perda das liberdades medievais; um sistema económico de rapina guerreira que,
atalhando o desenvolvimento da pequena burguesia, detivera, na Península, a evolução econó-
mica de parte da Europa.”
756
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
de um levita que se coloca passivo, por estar satisfeito com a “sombra” que lhe dá
proteção. Por outro lado, o uso reiterado dos imperativos “Acorda!”, “Escuta!” e
“Ergue-te” representa a voz de um sujeito poético que se vê diante de uma mis-
são, qual seja a de chamar a atenção de seus interlocutores, para a necessidade de
assumir o lugar que lhes cabe na defesa de seus direitos, bem como estarem sin-
tonizados com o vento das mudanças que faz despertar todos aqueles que não se
deixam levar pelo conformismo, apatia e insensibilidade; ao contrário, toma posse
da palavra, do verbo, que se transforma numa eficiente arma de combate:
A UM POETA
Surge et ambula!
Tu, que dormes, espírito sereno,
Posto à sombra dos cedros seculares,
Como um levita à sombra dos altares,
Longe da luta e do fragor terreno.
Acorda! É tempo! O sol, já alto e pleno,
Afugentou as larvas tumulares...
Para surgir do seio desses mares,
Um mundo novo espera só um aceno...
Escuta! É a grande voz das multidões!
São teus irmãos, que se erguem! São canções...
Mas de guerra... e são vozes de rebate!
Ergue-te, pois, soldado do Futuro,
E dos raios de luz do sonho puro,
Sonhador, faze espada de combate.
757
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
“Questão Coimbrã: Bom Senso e Bom Gosto” (1989), a verdadeira ruptura com
os modelos tradicionais nos dá a conhecer por intermédio do Posfácio às Odes
Modernas, que se intitula “Nota (Sobre a Missão Revolucionária da Poesia)”4, cujo
mote norteador alude à poesia moderna como a voz da revolução. Vale a pena
extrair da referida “Nota” alguns excertos que salientam a natureza dessa poesia
moderna, a qual se acha comprometida com os novos caminhos a serem trilhados
pela produção poética portuguesa:
No Templo
O Evangelho novo é a bíblia da igualdade:
Justiça, é esse o tema imenso do sermão:
A missa nova, essa é a missa de Liberdade
E órgão a acompanhar... a voz da revolução
(QUENTAL, 1983, p. 125).
4 A “Nota (Sobre a Missão Revolucionária da Poesia)” que compõe o posfácio da obra Odes
Modernas, de Antero de Quental, foi retirada da coletânea “A Questão Coimbrã: Bom Senso e
Bom Gosto”, já referenciada alhures.
758
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
759
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
Justitia Mater
Nas florestas solenes há o culto
Da eterna, íntima força primitiva:
Na serra, o grito audaz da alma cativa,
Do coração, em seu combate inulto:
No espaço constelado passa o vulto
Do inominado Alguém, que os sóis aviva:
No mar ouve-se a voz grave e aflitiva
D’um deus que luta, poderoso e inculto.
Mas nas negras cidades, onde solta
Se ergue, de sangue medida, a revolta,
Como incêndio que um vento bravo atiça,
Há mais alta missão, mais alta glória:
O combater, à grande luz da história,
Os combates eternos da Justiça!
Por último, merece destaque uma das principais facetas da revolução em-
preendida por Antero de Quental, configurada num “movimento contrário àque-
las forças ou impulsos responsáveis pela decadência moral, consistindo numa
retomada do sentido ascendente da história da humanidade”, de acordo com o
pensamento de Rodrigues (1990, p. 23).
760
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
A revolução em Cesário Verde parece ter tido lugar em seu próprio modo
de pensar a vida e, depois, de como concebeu a arte poética. Ainda muito novo, in-
surge-se contra o pai, por conta de suas exigências para que ele se dedicasse à loja
de ferragens da família. Segundo Eduardo Coelho, o fundador do Diário de Notícias,
761
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
Mas, ao que nos parece, quem realmente conseguiu dar conta de enxergar
em Cesário Verde a figura de um poeta anunciador de novos ares para a poesia
portuguesa foi Fernando Pessoa. Para Pessoa, Cesário Verde foi um dos mais radi-
cais revolucionários que há na literatura, quando, por exemplo, diz que foi através
dos versos cesáricos que se fundou a poesia objetiva de sua época, além de ter
enaltecido a sua originalidade.
Por outro lado, o trato com a temática do cotidiano, principalmente, não foi
bem recebido pela intelectualidade portuguesa, nem mesmo entre os seus con-
temporâneos, haja vista a reação, por exemplo, de Ramalho Ortigão e de Teófilo
Braga. A crítica de Ramalho Ortigão se deu quando da publicação do poema
“Esplêndida”, no jornal Diário de Notícias, no dia 22 de março de 1874. A reação de
seu contemporâneo saiu em forma de um artigo publicado no periódico As Farpas,
o que criticava os versos de Cesário Verde, acusando-o de imitar o gênero poético
de Baudelaire. Nesse artigo, Ramalho Ortigão escreve: “o realismo baudelairiano
está fazendo mais numerosas e lamentáveis vítimas do que o velho romantismo
de Byron, de Lamartine e de Musset.” (FIGUEIREDO, 1981, p. 110). E não para por
aí. Após o ataque desferido a Baudelaire: “[...] um mundano, um dândi, um corrup-
to, imitador do estilo humorístico de Edgar Poe” (FIGUEIREDO, 1981, p. 110), vira
sua arma giratória em direção a Cesário Verde:
762
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
O golpe fatal que Ramalho Ortigão pensou ter dado em Cesário Verde pa-
rece-nos ter sido consubstanciado em seu perverso conselho: que Cesário Verde
poderia tornar-se “menos Verde e mais Cesário.” Pensou ter dado, se levarmos em
consideração o quanto de contributo trouxe a poesia verdiana, para o universo da
literatura portuguesa.
Já Teófilo Braga, por seu turno, também não deixou de desferir suas críti-
cas à publicação do mesmo poema “Esplêndida”, pois não admitia a ideia de que,
“para captar as simpatias de uma mulher, um homem descesse ao lugar dos la-
caios.” Para ele, o poeta moderno deveria ser trabalhador, forte e digno e não se
deixar rebaixar assim. Teófilo Braga, claro, se referia aos versos esplendorosos e
inovadores do poema de Cesário Verde, já referido:
763
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
764
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
Ao que nos parece, Cesário Verde deu conta de tornar-se imortal através
da sua obra literária, bem como construir um projeto de poesia que foi marcado
pelo esmero e pela extraordinária originalidade, nas palavras de Fernando Pessoa.
Aliás, outro aspecto revolucionário de seu projeto poético é a inovação no campo
temático. Temas até então considerados antilíricos passam a ser matéria-prima
por excelência espalhada pela caneta-pincel do poeta-pintor, nos seus mais dife-
rentes quadros sociais. O amor à vida, à arte de uma escrita individual, peculiar,
destinada à capacidade de compreensão de um espírito que se quer revolucioná-
rio, e por isso mesmo voltado para a coletividade, para a assimilação de problemas
comuns, com vistas à busca de soluções também comuns.
765
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
Considerações finais
Referências
766
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
SANTOS, V. V. Campo e cidade na poesia de Cesário Verde. Vila Velha, ES: Opção
Editora, 2010.
SANTOS, V. V. Tragicidade nas poéticas de Cesário Verde e Cruz e Sousa.
Campinas, SP: Pontes Editores, 2017.
SARAIVA, A. J., LOPES, Ó. História da Literatura Portuguesa. Porto: Porto
Editora, 2010.
SERRÃO, J. (org.). Cesário Verde – obra completa. Lisboa: Livros Horizonte, 1999.
767
A FRAGMENTAÇÃO DO INDIVÍDUO
NA MODERNIDADE EM ANGÚSTIA DE
GRACILIANO RAMOS E MEMÓRIAS DO
SUBSOLO DE FIÓDOR DOSTOIÉVSKI1
768
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
ABSTRACT: This research’s purpose is the relation between the novels Anguish (1936)
by Graciliano Ramos and Notes from Underground (1864) by Fyodor Dostoyevsky. The
theorical reference adopted in this comparative research is based on the works of Tania
Franco Carvalhal, Eduardo F. Coutinho and Anselmo P. Alós. Other authors such as
Antônio Candido, Mikhail Bakhtin, Cristiane Arteaga and Otto Maria Carpeaux were
important for the development of the analysis. This research’s methodology consisted
of analyzing the historical context of the novels and in what way they are different or
related. Another point of study was the structure of the novels and their main charac-
ters, in order to investigate the correspondences that they perform between themselves
and how much they represent the modern society. Luís da Silva lives in Alagoas and he
is a lost migrant in the urban world, the Russian Underground Man represents a former-
-public employee outraged by the modern life conditions. Even though they have some
differences, they both reflect the fragmented individuals from a corrupted society due
to bourgeois values in which the money multiplies or diminish as human being loses
their identity.
Introdução
769
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
Para que se possa iniciar a análise das relações, sejam elas de semelhan-
ças ou diferenças entre Angústia e Memórias do Subsolo, é importante que se faça
um apanhado específico do contexto histórico do Brasil e da Rússia nas décadas
em que cada obra foi escrita. Angústia é um romance brasileiro publicado no ano
de 1936, década na qual o país enfrentava a Era Vargas em seu auge totalitário.
A década de 1860, contexto de publicação de Memórias do Subsolo, foi uma épo-
ca decisiva na história russa. Tais acontecimentos serão brevemente explorados
nesta parte para que seja possível localizar e compreender o ser humano e o que
ele enfrentava na época em que as literaturas estudadas neste trabalho foram
produzidas.
770
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
771
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
no bem-estar social. O que levou a uma literatura produto dessa sociedade frag-
mentada de indivíduos ensimesmados, cujos exemplos são os romances aqui es-
tudados. A correspondência relacionada aos personagens das obras em questão é
citada por Antonio Candido:
772
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
773
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
Em vista disso, Dostoiévski cria suas personagens para que elas percebam
sua própria existência, nos limites de uma obra escrita e, em maioria das vezes,
elas refletem tais características, ideologias, aspectos de suas personalidades, an-
gústias e a sua forma de perceber o mundo e como ele as afeta através do diálogo
– importante ferramenta na literatura de Dostoiévski – com outros personagens
romanescos presentes nas obras. Além disso, essas personagens também evo-
luem no enredo a partir das peripécias que as envolvem.
774
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
vida e descrever todos os seus vizinhos, colegas de repartição, dentre outros in-
divíduos e fatos, ele inicia realmente a digressão em que contará os eventos que
desencadearam o acontecimento que o fez “levantar há cerca de trinta dias”. A
digressão começa dessa forma:
É assim que Luís da Silva inicia seu relato sobre o ano em que passou ob-
cecado pela vizinha, Marina Ramalho, que chegou a ser sua noiva, e por Julião
Tavares, seu inimigo. Ainda no início dos enredos há uma aproximação de Luís da
Silva e o Homem do Subsolo, quando eles se referem a si mesmos como animais
ou insetos. Luís da Silva nessa parte estava em casa formando palavras a partir
do nome de Marina, mas quando não consegue produzir novas combinações, ele
divaga entre desenhos e indivíduos:
775
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
5 Termo utilizado pelo narrador de Memórias do Subsolo para classificar homens resignados à vida
burguesa e seus valores e que são por ele considerados estúpidos.
6 Termo utilizado por Gabriela Schwingel Ferreira para designar indivíduos que não vivem no
“subterrâneo”, também chamados pelo narrador de Memórias do Subsolo de “homens diretos e de
ação”.
776
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
Diante desses protagonistas que não são dotados de traquejo social, a aná-
lise parte para o estudo de seus antagonistas. Eles exercem importante papel no
enredo dos dois romances, porque representam o que os protagonistas mais de-
testam e desprezam na sociedade moderna. No caso de Angústia, o inimigo de Luís
da Silva é Julião Tavares, um homem capitalista que herdou os negócios da loja de
secos e molhados de seu pai. Julião Tavares era: “gordo, bem vestido, perfumado,
falador, tão falador que ficávamos enjoados com as lorotas dele. Não podíamos
ser amigos”. (RAMOS, 1975, p. 46-47).
Outro ponto que irá culminar na vingança de Luís da Silva contra Julião
Tavares é a sua postura com as mulheres, principalmente em relação a Marina.
Diante de seu poderio econômico, Julião é visto como uma celebridade pelos mo-
radores de sua cidade. Luís, no entanto, parece ser o único a perceber o verdadei-
ro caráter de Julião:
777
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
Muitas vezes ao longo da narrativa, Luís da Silva vai comparar Julião a figu-
ra de um porco: “a voz precipitada de Marina era ininteligível; a de Julião Tavares
percebia-se distintamente e causava-me arrepios: fazia-me pensar em gordura,
em brancura, em moleza em qualquer coisa semelhante a toicinho cru.” (RAMOS,
1975, p. 90). Julião era um tipo espaçoso e “derramado”, segundo o narrador de
Angústia, sua aparência gorda demonstra a desigualdade social presente no ro-
mance, enquanto ele consegue ter fartura em sua mesa suficiente para engordar,
Luís continua ganhando um salário que mal lhe serve para a sobrevivência.
778
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
779
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
780
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
termina cedo, porque ao perceber que não houve nenhuma mudança em sua vida,
ou na realidade em que vivia após essa “vingança”, ele cai definitivamente ao sub-
solo, desiludido.
Após alguns dias em casa paranoico sobre o assassinato, Luís da Silva adoe-
ce e passa semanas na cama, sem trabalhar. Nessa cama ele visualiza diversas alu-
cinações em relação a seu passado, às suas leituras, aos seus amigos e aos fatos
que haviam acontecido nos últimos anos até a morte de Julião e, dessa forma, aca-
ba o romance. É somente voltando ao início da narrativa onde o personagem men-
ciona haver se levantado há cerca de trinta dias que o leitor entenderá que todos
os seus esforços haviam sido em vão. Salvo suas diferenças, tanto Luís da Silva
quanto o Homem do Subsolo depositaram suas angústias perante uma hierarquia
social em apenas um representante dela e, por motivos evidentes, não obtiveram
sucesso.
Considerações finais
781
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
Referências
782
PARTE 4
ESTUDOS
INTERDISCIPLINARES E
DE TRADUÇÃO
A INCLUSÃO ATRAVÉS DO USO DE
MÍDIAS DIGITAIS: CONSCIÊNCIA
FONOLÓGICA E DIFICULDADES EM
LEITURA1
784
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
ABSTRACT: Thinking about the need for alternatives to contribute to the development
of reading competence (ZORZI, 2008; 2010) in individuals with learning difficulties,
we present part of the Master’s research in Education. Situated in the theoretical-me-
thodological field of learning, the research focuses on reading, in an attempt to unders-
tand the relationship between the use of digital media in improving reading fluency. It
is proposed to stimulate the phonological awareness processes and skills (CAPOVILLA;
CAPOVILLA, 2004) through digital media. The methodology used is the experimental
research (PRODANOV; FREITAS, 2013) to perform psycho-pedagogical intervention
of phonological remediation, with a control and experimental group, the experimental
group being supported by digital media and the other group not. It is expected that the
use of digital media (MARTINO, 2015) as mediator of the reading learning process will
be of great value for the stimulation of cognitive processes (DAHEANE, 2012) inherent
in reading tasks, so that these would be carried out in a more playful and interactive
(MORAN, 2013), enabling citizen training and inclusion.
Introdução
785
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
Neste relato de experiência o intuito foi refletir sobre como podemos co-
laborar com a inclusão, através da utilização de mídias digitais, para estimular os
processos de consciência fonológica em indivíduos com dificuldades de aprendi-
zagem na leitura. Entendemos, numa perspectiva inclusiva, que o trabalho com
mídias digitais pode ter grande aplicabilidade para auxiliar indivíduos com dificul-
dades na aprendizagem.
Base teórica
786
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
787
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
Assim, Dahaene (2012, p. 236) coloca sobre o ensino da leitura, muito bri-
lhantemente após anos de estudo e pesquisa sobre os processos de leitura, que
788
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
789
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
Caminho metodológico
Se propõe uma análise quantitativa dos dados dos escores dos testes de
leitura (KRETZER; VIEIRA, 2019), a partir das intervenções com e sem o uso das
mídias digitais (MD) dos indivíduos do grupo controle (GC) em relação aos indiví-
duos do grupo experimental (GE). Com dados quantitativos do nível de fluência
leitora dos indivíduos dos dois grupos pretende-se complementar a pesquisa a
fim de que esses possam embasar futuras pesquisas, bem como possibilitar a am-
pliação do conhecimento científico na área da leitura.
790
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
Resultados esperados
Espera-se que o uso das mídias digitais (MARTINO, 2015) como mediado-
ras do processo de aprendizagem da leitura seja de grande valia para a estimula-
ção dos processos cognitivos (DAHEANE, 2012) inerentes às tarefas de leitura,
para que sejam realizadas de maneira mais lúdica e interativa (MORAN, 2013),
possibilitando a formação cidadã e a inclusão.
Considerações essenciais
791
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
Com isso, podemos apreender que as mídias digitais são recursos atraen-
tes, instigantes e intuitivos, o que compreendemos poder colaborar com o proces-
so de construção de autonomia dos indivíduos em relação a sua aprendizagem.
Bem como, pensando não só nas barreiras físicas, procedimentais, mas também
atitudinais, nas quais os indivíduos com dificuldades de aprendizagem se deparam
diariamente nas atividades escolares, os recursos tecnológicos podem ajudar a
superar. Acreditamos não apenas na melhora da fluência leitora, mas também nas
questões motivacionais e consequentemente na melhora da autoestima dos indi-
víduos envolvidos nessa pesquisa.
792
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
Referências
793
GOOGLE CLASSROOM – UMA
PLATAFORMA COM POSSIBILIDADES
DE INCLUSÃO DIGITAL1
794
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
percebeu-se alunos que não conheciam como funcionava um e-mail, pois ainda
não o haviam utilizado, outros, porém, dispunham de conhecimento suficiente
para auxiliar professor e alunos. Os discentes que encontraram dificuldades em
realizar o trabalho proposto, foram orientados pelo professor em sala de aula, vis-
to que elas possibilitam acesso à internet.
Introdução
795
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
Para que isso se torne habitual nas instituições de ensino, o uso das fer-
ramentas tecnológicas na educação deve ser visto sob a ótica de uma nova me-
todologia de ensino, a qual possibilita a interação digital dos educandos com
os conteúdos propostos, ou seja, o aluno tem a oportunidade de interagir com
796
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
Ademais, o professor em suas ações educativas deve ser aquele que se dis-
põe a testar possibilidades e equipamentos, aquele que não tem receio de colo-
car a tecnologia na mão do estudante, aquele que estimula o aluno a utilizar os
mais variados recursos tecnológicos em seu processo de aprendizagem, aquele
que permite e instiga o aluno a produzir conhecimento e compartilhá-lo. Podemos
analisar o que afirma Veiga quando manifesta sua opinião diante dessa necessida-
de tão evidente no contexto educacional:
797
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
798
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
Desenvolvimento
Sabe-se que a internet atinge cada vez mais o sistema educacional, e que a
escola, enquanto instituição social, é convocada a atender de modo satisfatório
às exigências da modernidade. Nesse sentido, deve-se propiciar esses conheci-
mentos e habilidades, necessários ao educando, para que ele exerça integralmen-
te a sua cidadania. Entende-se que ao utilizar as redes como ferramenta auxiliar,
rompe-se, gradativamente, as barreiras impostas pelas paredes da escola e partir
disso proporcionando contato com um mundo diferente envolvendo culturas e
799
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
800
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
801
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
nas outras turmas de primeiro ano, poderia fazer assim, um comparativo entre o
rendimento dos alunos que participavam do projeto com as outras turmas que
não estavam participando. A necessidade de o professor estar em constante aper-
feiçoamento e capacitação para acompanhar as mudanças e as ferramentas dis-
poníveis atualmente, a fim de compreender a importância de seu uso pode ser
comprovada quando lemos o que nos dizem Sampaio e Leite (1999, p. 19):
Cada vez mais o professor: (...) deve levar em conta o ritmo ace-
lerado e a grande quantidade de informações que circulam no
mundo de hoje, trabalhando de maneira crítica com a tecnolo-
gia presente em nosso cotidiano. Isso faz com que a formação
do educador deva voltar-se para análise e compreensão dessa
realidade, bem como para a busca de maneiras de agir pedago-
gicamente diante dela. É necessário que professores e alunos co-
nheçam, interpretem, utilizem, reflitam e dominem criticamente
a tecnologia para não serem por ela dominados.
O autor afirma, ainda, que os alunos estão prontos para a multimídia, pois
são de uma geração que nasceu sob o fascínio das novas tecnologias. Todavia, o
professor que é de uma geração diferente terá que adequar sua forma de trabalho
para atrair essa plateia acostumada a cor e movimento. Para isso, será necessá-
rio que o professor se atualize e aprenda a utilizar as tecnologias existentes. Não
basta ter um laboratório e/ou sala de vídeo equipado, é necessário que se saiba
operá-los. Mas, de acordo com o ponto de vista proposto, o maior desafio hoje é a
busca de uma abordagem que possibilite a aproximação de referenciais que supe-
rem a fragmentação e reprodução do conhecimento, uma prática pedagógica que
torne o indivíduo sujeito ativo do processo de ensino e aprendizagem.
802
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
Considerações finais
803
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
Outro benefício é que a plataforma não exige presença física, pois todas as
tarefas são feitas através da rede, mesmo alunos que estejam afastados da sala
de aula por motivos de doença ou viagem podem realizar os exercícios propostos
dentro do prazo. Basta ter um computador com conexão à internet em casa, o que
já é comum atualmente.
Dessa forma, com base nas informações referentes aos resultados obtidos
no início do ano, foi possível perceber, no segundo trimestre, uma significativa
melhora na participação dos alunos nas atividades e assim gradativamente me-
lhoraram seu rendimento. Cabe salientar que o trabalho proposto está em cons-
tante avaliação e passa a ser adaptado de acordo com as necessidades do aluno e
planejamento do professor.
804
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
Referências
805
TRANSTORNO DE ESPECTRO AUTISTA,
INCLUSÃO E LINGUAGEM: UM ESTUDO
A PARTIR DA LEGISLAÇÃO E DAS
PESQUISAS NA ÁREA DA LINGUÍSTICA
APLICADA1
RESUMO: Alunos com transtorno de espectro autista (TEA) têm o direito garan-
tido por lei de frequentarem as escolas comuns, participando dos processos de
escolarização de forma efetiva. Para tanto, é necessário que o professor conheça
esse transtorno e esteja preparado para trabalhar com esse alunado, favorecen-
do a sua inclusão e desenvolvendo suas habilidades. Diante disso, esta pesquisa,
de natureza bibliográfica, tem por objetivos: a) estudar a legislação que ampara
as pessoas com TEA; b) levantar as características de linguagem dos alunos com
esse transtorno, de modo a ampliar a compreensão dessa temática. Os resultados
indicaram que a legislação brasileira tem se aperfeiçoado para favorecer uma me-
lhor compreensão acerca do TEA e garantir-lhe todas as políticas de inclusão, com
direito à educação em escolas regulares. Indicaram também que, as pesquisas têm
desmistificado concepções equivocadas e preconceituosas sobre o transtorno, as
quais acabam provocando a exclusão das crianças com TEA no âmbito escolar.
1 A pesquisa foi desenvolvida junto ao projeto “Leitura e escrita: dificuldades de ensino e aprendi-
zagem no ensino básico” (UNICENTRO/Fundação Araucária).
2 Universidade Estadual do Centro-Oeste (UNICENTRO).gabrieliguedesgt@gmail.com
3 Universidade Estadual do Centro-Oeste (UNICENTRO). cristiane.mpa@gmail.com
806
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
ABSTRACT: Students with autism spectrum disorder (ASD) have the right guaranteed
by law to attend ordinary schools, participating in schooling processes effectively.
Therefore, it is necessary for the teacher to know this disorder and be prepared to work
with this student, favoring their inclusion and developing their skills. Therefore, this bi-
bliographic research aims to: a) study the legislation that supports people with ASD; b)
to raise the language characteristics of students with this disorder, in order to broaden
the understanding of this theme. The results indicated that the Brazilian legislation has
been improved to favor a better understanding about the ASD and to guarantee to the
person with this disorder all the inclusion policies, with the right to education in regular
schools. They also indicated that researches have demystified misconceptions and pre-
judices about the disorder, which end up causing the exclusion of children with ASD at
school. Thus, it is understood that, with targeted and planned work that offers cogniti-
ve challenges to students with special educational needs, it is possible to provide them
with advances in the domain of language, essential for them to respond to the demands
of school and society.
Introdução
807
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
Segundo Biasão (2014), Léo Kanner foi quem fez a primeira investigação
acerca do autismo infantil e foi considerado, nos Estados Unidos, o fundador da
Psiquiatria Infantil, ao levantar pesquisas sobre distúrbios mentais severos em
808
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
809
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
Bianchi (2017) aponta que o sujeito com TEA possui uma comunicação
comprometida, é sensível ao toque, evita olhar e tocar outras pessoas, ou seja, é
de difícil contato; em um segundo momento quando ele começa a ter confiança
no seu professor ele passa a estabelecer uma maneira de comportamento e, por
fim, o aluno ganha autonomia para explorar o ambiente e as pessoas que o cercam.
Cabe salientar que o aprendizado do aluno autista não é algo imediato, po-
dendo levar o docente a frustrações, pois muitas vezes não se tem a expectativa
alcançada através da atividade apresentada a esse aluno; é fundamental o profes-
sor estar ciente de que o aluno com o TEA é resistente à aprendizagem, tornando
um desafio para o professor tomar a atenção mesmo que mínima desse aluno, a
considerar então um sucesso quando isso acontece.
810
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
811
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
trabalha com a criança autista dentro da sala de aula e a acompanha nos demais
ambientes da escola, é chamado de tutor, acompanhante ou professor auxiliar. Ele
é responsável por participar da reintegração do aluno com TEA, auxiliando o pro-
fessor em interações sociais e na adaptação/acesso ao currículo.
A Lei Berenice Piana (BRASIL, 2012) permitiu abrigar pessoas com o TEA
nas leis de pessoas com deficiência, como o Estatuto da Pessoa com Deficiência
– Lei 13.146 (BRASIL, 2015), e nas normas internacionais assinadas pelo Brasil,
como a Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos das Pessoas com defi-
ciência – Lei 6.949 (BRASIL, 2000). A Lei 13.146 (BRASIL, 2015), a Lei de Inclusão
da Pessoa com Deficiência, ou Estatuto da Pessoa com Deficiência, (BRASIL,
2012) estabelecem os direitos das pessoas deficientes. Desde 2012, para efeitos
legais, os autistas são considerados deficientes, eles estão incluídos nessa legisla-
ção. Portanto, direitos previstos nesta lei, como atendimento prioritário, atenção
integral pelo Sistema Único de Saúde (SUS) e acesso às vagas de trabalho compa-
tíveis com sua deficiência, são extensíveis às pessoas com autismo.
812
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
813
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
814
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
questões ligadas ao TEA, como inclusão e apoio familiar, ou que têm foco em ou-
tros espaços, que não sejam a escola. Selecionaram-se, assim, as pesquisas publi-
cadas em revistas de Linguística Aplicada, ou inseridas na Linguística Aplicada e
publicadas em revistas multidisciplinares, de Educação ou de Letras/Linguística.
A partir dessas delimitações, foram encontradas as seguintes pesquisas, as quais
são apresentadas no Quadro 1.
815
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
Discutir resultados de
uma pesquisa – ação
O desenvolvimento
desenvolvida junto as SRM
de habilidades de Artigo Cristiane Malinoski
onde foram desenvolvidas
leitura do gênero Revista Linguagens, Pianaro Angelo
práticas de ensino das
notícia em Sala Educação e Sociedade. Renilson José
habilidades de leitura do
de Recursos 2019. Menegassi
gênero discursivo/textual
Multifuncionais
notícia a um aluno com
necessidades especiais.
As características
sistemáticas Analisar recursos
Artigo
de recursos multimodais (fala, gesto,
Domínios de Lingu@
multimodais Douglas Vidal objetos, movimentos
gem, v. 14, n. 1, p. 37-
mobilizados por Santiago corporais) realizados
64, 11 fev. 2020.
uma criança com por uma aluna com o
TEA em turnos de diagnóstico de TEA.
fala corporificados.
Quadro 1. Pesquisas relacionadas ao TEA
Fonte: Elaborado pela pesquisadora.
816
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
817
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
818
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
819
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
Considerações finais
820
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
Referências
821
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
822
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
823
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
824
FLORENCE WELCH EM TRADUÇÃO:
ANÁLISE DAS TRADUÇÕES DOS
POEMAS “MONSTER” E “BECOME
A BEACON” PARA A LÍNGUA
PORTUGUESA1
RESUMO: A presente pesquisa busca desenvolver uma análise das traduções dos
poemas “Monster” e “Become a Beacon” de Florence Welch, contidos na obra
Useless Magic, para a Língua Portuguesa realizadas por nós como tradutores/
pesquisadores. Analisamos as traduções finais como produto tendo como supor-
te teórico a teoria dos polissistemas de Itamar Even-Zohar (1970), a teoria dos
Estudos Descritivos da Tradução de GideonToury (1995), procedimentos técni-
cos de tradução de Rafael Lanzetti et al (2006), entre outros teóricos. Um dos ob-
jetivos desta pesquisa é inserir a autora Florence Welch dentro do polissistema
literário brasileiro por meio das traduções dos poemas, para que fique conhecida
por sua literatura, visto que não foram encontrados trabalhos acadêmicos sobre
a autora em sites de pesquisas brasileiros. Outro objetivo é visualizar a análise
dos produtos finais é verificar quais elementos foram estrangeirizados e quais
foram domesticados para o polissistema brasileiro, visualizando quais foram as
escolhas dos tradutores em relação à rima, estrutura, etc. A pesquisa apontou
825
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
que as traduções dos poemas apresentam, na maior parte delas, uma tendência
estrangeirizante, deixando as traduções similares ao texto-fonte, exceto alguns
itens específicos que foram domesticados para fazer mais sentido ao público do
polissistema brasileiro.
ABSTRACT: The following research has the aim of developing an analysis from the
translations to Portuguese of the poems Monster and Become a Beacon by Florence
Welch inserted in the book Useless Magic, carried out by us as translators/researchers.
We analyse the final translations as product supported theoretically by polysystem
theory by Itamar Even-Zohar (1970), Descriptive Translation Studies by Gideon Toury
(1995), Technical Procedure of Translation by Lanzetti et. al. (2006), among others
theorists. One of the aims of this research is to introduce Florence Welch into Brazilian
literary polysystem, in order to present her literary work for Brazilian readers, as the-
re are no academic works about the author in Brazilian’s research websites. Another
objective of the present research is to analyze the translated texts and to verify whi-
ch elements were maintained or tamed to Brazilian polysystem, observing which were
the translators’ choices about rhythm, structure, etc. The research has shown that the
poem’s translation had, most of time, a maintance inclination, keeping the translations
similar to the source-language, except for some specific items that were tamed to make
sense to Brazilian polysystem readers.
Introdução
Florence criou vários hits a partir de anotações e poemas que escreveu du-
rante sua vida cotidiana e ao longo das turnês que realizou ao redor do mundo.
826
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
Em 2018, com o apoio da editora Penguin, Florence Welch lançou seu primeiro
livro, o Useless Magic, que reúne todas as letras de seus quatro álbuns juntamen-
te com suas poesias. Essa obra apresenta, além do teor poético e musical, aspec-
tos fotográficos que chamam atenção pela qualidade e profundidade com que se
relacionam com as letras das músicas e com as poesias. O sucesso foi tão grande
que a grife Gucci lançou, juntamente com a artista, uma versão com uma capa per-
sonalizada da obra. Apesar do sucesso de seu livro, os poemas da Florence Welch
ainda não foram traduzidos para o Português, fator que impulsiona esta pesquisa.
Assim, diante desse fato, a proposta principal deste trabalho é refletir so-
bre o processo tradutório dos poemas contemporâneos de Florence Welch para a
Língua Portuguesa, sob à luz dos Estudos Descritivos da Tradução, sobretudo no
que tange à noção de Gideon Toury sobre os Estudos da Tradução orientados para
o produto (product oriented).
827
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
Estudos da Tradução
A tradução tem grande importância no mundo, visto que é ela que possibi-
lita a transição de ideias entre duas línguas com códigos linguísticos distintos. Sua
importância data desde as primeiras traduções da Bíblia até as traduções de gran-
des obras literárias, de discursos e de ideologias. Tendo em vista a importância so-
cial e cultural que a tradução desempenha, pensamos em fazer uma pesquisa que
pudesse demonstrar a beleza e a responsabilidade de uma atividade que muitas
vezes não recebe o devido reconhecimento.
828
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
o modo como o processo tradutório poderia ocorrer, o que deu base para várias
teorias da tradução.
829
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
Ou seja, Even-Zohar utiliza várias línguas e culturas para que eles, de ma-
neira dinâmica, criem um processo contínuo de transformação dentro do polissis-
tema como um todo, aqui entendido tanto como língua fonte como a língua alvo.
O autor teve um olhar que demonstrou que a tradução não pode ser feita apenas
palavra por palavra ou termo pôr termo, mas sim que deve ser adaptada de acordo
com as características da língua alvo, para que os leitores consigam compreender
melhor o que o texto de origem tinha a dizer.
830
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
os poetas como a significância deste poema também estão mortos para a atuali-
dade. Por meio disso conseguimos visualizar a dificuldade que a tradução da poe-
sia possui.
831
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
no texto de chegada, um item lexical da língua fonte”. (LANZETTI et al, 2006, p.6).
Essa permanência de um item do texto-fonte pode ocorrer com ou sem aclima-
tação. Quando a aclimatação ocorre “[...] palavras estrangeiras adquirem nova
forma ortográfica condizente com o sistema fonético-ortográfico da língua de
chegada”. (LANZETTI et al, 2006, p. 6). Por exemplo, a palavra Whisky se trans-
forma em Uísque com a aclimatação para a língua Portuguesa. Quando não há a
aclimatação, o item simplesmente permanece da mesma maneira como é escrito
em língua inglesa.
832
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
833
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
834
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
esperança que também habita o ser humano e, como demostra o poema, é a fun-
ção de cada um deixar essa chama/esperança queimar dentro de si. Ao selecio-
narmos esse poema entendemos que, por mais que haja escuridão e monstros em
nossos corações, é necessário que a luz se propague e que se tornemos um farol,
em especial, para nós mesmos, internamente, para conseguir de algum modo se
encontrar e confrontar seus monstros interiores.
Esta tradução, assim como a outra, possui em sua totalidade mais proces-
sos estrangeirizadores, aproximando o texto-alvo ao texto-fonte. Entretanto,
esta tradução também possui traços domesticadores, nesse caso, mais acentua-
dos do que no outro poema.
835
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
tradicionalmente seria traduzido como “alto”. Foi utilizada a palavra “alturas” para
criar sentido com a palavra “eleve” do verso anterior, mantendo a ideia de subli-
mação desse sentimento. A técnica utilizada nesse verso é a domesticação do es-
tilo através da generalização da palavra “high”. Elevar o amor neste caso significa
se amar em primeiro lugar, deixar o seu amor vivo e brilhante independentemente
das vezes que as pessoas duvidaram ou fizeram mal-uso desta luz/paixão/amor.
Por isso é importante manter ele elevado, nas alturas, para que todos vejam e te-
nham esperança.
No sexto verso do texto-fonte o eu lírico utiliza “Miles and miles” para dar
um sentido de distância de alcance para o brilho do amor que é emitido pelo farol,
visto aqui como a alma e o coração do eu lírico. Na tradução, entretanto, utiliza-
mos “quilômetros a fio”. Nota-se que unidade de medida utilizada no texto-fonte
não é a mesma utilizada no texto-alvo, tendo como consequência a domesticação
extralinguística, mais especificamente a transferência, no qual se substitui um
item cultural do texto-fonte para outro do texto-alvo, visto que fará mais senti-
do para os leitores daquele polissistema. Ao utilizar essa técnica, foi necessário
observar o polissistema de chegada para fazer tal procedimento domesticador.
Considerações finais
Podemos afirmar que o tradutor optou por manter a forma dos poemas
quanto aos itens que foram domesticados. A estrutura dos poemas, em especial
o poema Become a Beacon, fazem parte da estética da autora, visto que grande
parte de seus poemas foram feitos em cadernos de anotações com desenhos para
complementar o sentido do texto.
836
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
Referências
837
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
ANEXOS
ANEXO 1:
Monster Monstro
So you start to take pieces of your own life Então você começa a tirar partes da sua
And somewhat selfishly vida
Other people’s lives E de alguma maneira egoísta
And feed them to the song Da vida de outras pessoas
At what cost E alimenta-as nas canções
This wondrous creature A que custo
That becomes more precious to you Esta criatura incrível
Than the people that you took from Que se torna mais preciosa para você Do
How awful que as pessoas das quais você tirou
To make human sacrifices Que horrível
A late night conversation Fazer sacrifícios humanos
A private thought Uma conversa tarde da noite
All placed upon the altar Um pensamento privado
But you have to satisfy the monster The Tudo oferecido no altar
moster has loved you for longer Than Mas você tem que satisfazer o monstro
anyone else. O mostro que te amou por mais tempo
Que qualquer outro alguém.
ANEXO 2:
838
MARCAS CULTURAIS NO PROCESSO
TRADUTÓRIO: ESTUDO DA TRADUÇÃO
DO SKETCH THE KING OF BOONLAND
RESUMO: Este estudo aborda a análise da versão traduzida (pelas autoras des-
te trabalho) do sketchThe King of Boonland, de Doug Case e Ken Wilson, e as re-
flexões acerca do processo de tradução e revisão do texto em português. Tais
percepções foram construídas tendo como base a aplicação dos procedimentos
técnicos de tradução de Lanzetti et al. (2009) e a teoria dos polissistemas de Even-
Zohar (2013), além das perspectivas teóricas de Venuti (2002) e Bassnet (2005).
O intuito da pesquisa foi abordar um texto cômico da esfera das artes teatrais,
sob o viés de teorias do campo dos estudos descritivos da tradução, a partir da
construção de uma ponte entre os sistemas culturais vinculados ao par linguístico
Inglês-Português, ou seja, texto e língua fonte e alvo. Concluiu-se, após o estudo,
que, apesar de a versão traduzida levar em conta o contexto e a língua-fonte do
texto original, não foi possível transpor de forma completa as marcas culturais
que causam o efeito humorístico no sketch, dificultando a boa aceitação do tex-
to traduzido enquanto gênero cômico no polissistema brasileiro. Não obstante,
a pesquisa foi relevante para a construção de repertório científico no campo dos
839
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
ABSTRACT: This study approaches the analysis of the translation (by the authors of
the article) of the sketch The King of Boonland, by Doug Case and Ken Wilson, and the
reflections around the process of translation and revision of the text in Portuguese. Such
perceptions were built based on the application of the technical procedures of transla-
tion by Lanzetti et al (2009) and Even-Zohar’s polysystem theory (2013), besides the
theoretical perspectives of Venuti (2002) and Bassnet (2005). This research’s aim was
to approach a comical text from the drama/theater context under the light of theories in
the area of translation descriptive studies, through the construction of a connection be-
tween the cultural systems which are connected to language pair (English-Portuguese),
which means, text and language as source and target. It was possible to conclude, after
the study, that even though the translated version takes the context and the source-lan-
guage from the original text into account, it was not possible to completely transpose
the cultural marks causing the comical effect in the sketch, which makes it more difficult
for the translated version to be highly welcomed as a comical gender in the Brazilian
polysystem. Nonetheless, the research was quite relevant by means of amplifying the
scientific repertoire in the field of translation descriptive studies and for the critical self
perception of the authors of this article as translators.
Introdução
Este estudo trata das marcas culturais no processo tradutório do sketch The
King of Boonland e foi realizado por acadêmicas, com a orientação e supervisão da
Profa. Dra. Mirian Ruffini, docente do curso de Licenciatura em Letras Português-
inglês e do curso de Pós-Graduação em Letras da Universidade Tecnológica
Federal do Paraná, Campus Pato Branco.
Inicialmente, este artigo trata do texto que aqui é objeto de análise e sua
respectiva tradução (inédita, realizada para fins desse estudo acadêmico), da me-
todologia e autores utilizados, seguido da análise dessa versão traduzida e con-
clusões a partir do estudo.
840
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
O texto escolhido foi o sketch The King of Boonland, de Doug Case e Ken
Wilson (CASE; WILSON, 2002, p.17-21).
841
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
e consegue entrar no palácio, deixando até uma gorjeta para o guarda ir tomar
uma xícara de chá (CASE; WILSON, 2002, p.17-21).
Metodologia
Resultados e discussão
Segundo o autor,
842
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
PROCEDIMENTO TÉCNICO
VERSÃO ORIGINAL VERSÃO TRADUZIDA
ESTRANGEIRIZADOR
What’s so special about a O que é tão especial em uma Tradução
banana? banana? “palavra-por-palavra”
Além disso, Lanzetti et al. (2009, p.7) também explana a respeito do proce-
dimento técnico chamado de manutenção de itens culturais da cultura fonte, no
qual
Com base nisso, exemplos como Buckingham Palace e pounds foram traduzi-
dos sem maiores explicações de contexto, pois presume-se que o leitor seja fami-
liar com o significado desses termos na cultura de partida.
843
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
PROCEDIMENTO TÉCNICO
VERSÃO ORIGINAL VERSÃO TRADUZIDA
DOMESTICADORES
Boonland Bonlândia Adaptação
Go and buy yourself a cup of tea Vá comprar uma xícara de chá Transposição
para você
And we want to give the queen a E nós queremos dar um Transposição
special Boonese present presente especial da Bonlândia
para a Rainha
Sentry-box Guarita Sinonímia
Tabela 2. Exemplos de Procedimentos Técnicos Domesticadores (LANZETTI et al., 2009, p. 7)
Para Boonland, a escolha foi pelo acréscimo do sufixo “-lândia”, que traz a
ideia de lugar e soa mais familiar à Língua Portuguesa (como em Disneylândia), e
pela retirada de uma letra O, pois o som criado pela repetição dessas vogais é co-
mum ao idioma de partida, mas não ao de chegada. Já as moedas boonos e booni-
tos foram traduzidas como bons e boninhos, que também soam mais familiares à
cultura de chegada, em especial o sufixo -inhos que é um diminutivo comum em
português.
844
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
tradução: “vá comprar uma xícara de chá para você” e no trecho “and we want to
give the queen a special Boonese present” que foi traduzido como “e nós queremos
dar um presente especial da Bonlândia para a Rainha.”
Por fim, o autor define a sinonímia como a tradução de “um elemento lexi-
cal do texto-fonte por um sinônimo na língua-alvo”. (LANZETTI et al., 2009, p. 10).
Esse procedimento foi identificado na tradução do termo sentry-box, que é o local
designado aos guardas do Palácio. A opção de tradução foi guarita, termo mais
genérico e abrangente mas de significado mais habitual na Língua Portuguesa.
A autora Susan Bassnett aborda a relação entre língua e cultura como uma
das questões centrais nos estudos da tradução e, a partir da leitura de sua obra, é
possível identificar três pontos relevantes para que ocorra o adequado exame do
processo tradutório.
845
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
846
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
Por fim, após a análise teórica do processo tradutório aqui objeto de estu-
do, pontue-se que, ao estabelecer a relação entre os polissistemas de origem e de
chegada, deve-se considerar que esses polissistemas ditam certas regras para o
resultado final, mas ao manter os resíduos em pontos significativos (tal qual foi
realizado nesta versão em Português do sketch), é possível mostrar ao leitor ain-
da de forma fluida que aquele é um texto traduzido, proveniente de um contexto
diferente, cujas marcas culturais (mesmo na versão traduzida) são essenciais para
atingir o objetivo do texto (nesse caso, o humor), além de, é claro, ressaltar e valo-
rizar o trabalho do tradutor, que nesse momento atua como elemento-chave para
o acesso livre e igualitário à literatura, à arte e à cultural global como um todo.
Considerações finais
847
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
A opção tradutória das autoras deste estudo foi pela tradução estrangei-
rizante, com apenas algumas adaptações domesticantes, seguindo a perspectiva
dos teóricos trabalhados no que tange à manutenção de elementos tipicamente
culturais e outros vestígios do tradutor que seriam necessariamente relevantes
para a concretização do objetivo do texto em si, qual seja, o humor.
Conclui-se, por fim, que estudos como este possibilitam a contínua tomada
de consciência e desmistificação de que o ato tradutório é uma atividade automá-
tica de transcrição de vocábulos de um idioma para o outro; ele é, na verdade, um
trabalho complexo e amplo que abrange também a análise de sistemas culturais e
tudo o que isso implica.
Referências
848
TOLKIEN E POESIA: UMA APRECIAÇÃO
TRADUTÓRIA DE “THE MAN IN THE
MOON STAYED UP TOO LATE”1
849
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
ABSTRACT: The great work of John Ronald Reuel Tolkien is frequently remembered by
its memorable adventures and fantastic feature. Seeking for translation aspects that
implicate the transposition from the English language to the Portuguese, we conside-
red to explore one of his works written in a series of poems. The Adventures of Tom
Bombadil, especially the poem “The Man In The Moon Stayed Up Too Late”, are verified
in the translations of William Lagos and Ronald Eduard Kyrmse, both present in the
2008 bilingual edition by Martins Fontes publishing house. Therefore, we approach
theorical observations about translation in general, emphasizing the poetic translation
with Mário Laranjeira (2003), André Lefevere (2007), Paulo Henriques Britto (2012)
and Álvaro Faleiros (2015). Through studies about structural and semantic aspects, we
reflect about strategies used in the texts of both translators, their lexical choices and
images used to illustrate the characteristics that make part of the source language of
the text and how the text presents itself in both different translations. Considering that
the source text is a poem, the presence of the verses is a significative element for its
translation organicity. Thus, throughout this study, we estimate elements that highligh-
ts both source text and its translation to Portuguese.
Introdução
850
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
ingleses, retornou à Inglaterra ainda pequeno, órfão de pai aos quatro anos de
idade e de mãe aos doze. Casou-se com sua esposa Edith por volta de 1915; ser-
viu ao Exército Britânico em 1916 e trabalhou para o Oxford English Dictionary,
recebendo uma cadeira na Universidade de Leeds e a Cadeira de Anglo-saxão na
universidade de Oxford4 (SHIPPEY, 2000).
E após isso nada mais aconteceu. Tolkien fez seu trabalho, criou
sua família, escreveu seus livros [...]. Suas publicações considera-
das mais acadêmicas foram uma edição do romance medieval Sir
Gawain and the Green Knight, que ele co-editou com E.V. Gordon
em 1925, e seu curso da Academia Britânica sobre Beowlf em
1936 [...]. (SHIPPEY, 2000, p. 6, tradução nossa)5.
Segundo Shippey (2000), o que fica evidente na vida de Tolkien é sua men-
te, a vida e o mundo criados por ele, que eram, ao mesmo tempo, sua paixão. Além
disso, Tolkien era, primeiramente, um filólogo: seus estudos focavam-se no Inglês
Médio e Antigo, numa amálgama de estudos linguísticos e literários – indubitavel-
mente ligados, como afirmam Shippey e o próprio Tolkien.
Tolkien escreveu uma obra vasta, que inclui contos, romances, poemas e
descrições sobre a história do mundo criado por ele. Suas obras mais conhecidas
são a trilogia de O Senhor dos Anéis e O Hobbit, ambas amplamente difundidas após
o lançamento de outras obras fantásticas, como as histórias sobre o bruxo Harry
Potter, e, principalmente, após o lançamento de filmes baseados nessas duas
4 “the AngloSaxon Chair at Oxford” (SHIPPEY, 2000, p. 6).
5 And after this nothing else really happened. Tolkien did his job, raised his family, wrote his books
[...]. His main purely academic publications were an edition of the medieval romance Sir Gawain
and the Green Knight, which he co-edited with E.V. Gordon in 1925, and his British Academy
lecture on Beowulf in 1936 [...] (SHIPPEY, 2000, p. 6).
851
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
obras. O Silmarillion pode ser considerada sua obra mais grandiosa, editada por
seu filho Christopher Tolkien e publicada postumamente em 1977.
852
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
Uma das figuras míticas que aparece nos poemas 5 e 6 é o Homem da Lua,
The Man in the Moon em Língua Inglesa. Segundo Tolkien, o personagem usava sa-
patos prateados, sua barba era feita de fios de prata, usava pérolas nos cabelos,
possuía um cinto largo, com opalas, e um manto cinzento (tradução nossa)6.
O poema número 5, ‘The Man in the Moon stayed up too late’, do qual trata-
mos mais especificamente neste estudo, foi publicado pela primeira vez em 1923,
intitulado de ‘The Cat and the Fiddle: A Nursery Rhyme Undone and its Scandalous
Secret Unlocked’ – algo como “O gato e o violino: uma canção infantil desfeita e
seu segredo chocante descoberto” (SHIPPEY, 2000). O título, bem como o poema,
remete-se a uma tradicional canção infantil em Língua Inglesa:
Em seu prefácio para a primeira edição, Tolkien relata que “o Livro Vermelho
registra que o poema Número 5 foi composto por Bilbo [...]” (2008, p. 10), como
também o poema Número 3. Além disso, o poema 5 é cantado por Frodo na taber-
na Pônei Saltitante em O Senhor dos Anéis: a Sociedade do Anel.
6 “The Man in the Moon had a silver shoon,/and his beard was of silver thread;/With opals crow-
ned and pearls all bound/about his girldlestead” (TOLKIEN, 2008, p. 157).
7 “Ei diddle, diddle! / O gato e o violino, / a vaca pulou por sobre a lua; / o pequeno cão riu / de ver
tal esporte, / e o prato fugiu com a colher” (BLAND, 2013, p. 164, tradução nossa).
853
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
A tradução do poema
854
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
Devemos recordar que para um poema ser classificado como tal é neces-
sário que os versos estejam presentes. Podemos dizer, de um modo bem simples,
que a poesia se mostra presente como o “conteúdo” de um texto e o poema é a
“forma” em versos. No caso de “The Man In The Moon Stayed Up Too Late”, a pre-
sença dos versos é o que define o texto como um poema. Nesse primeiro aspecto,
as duas traduções preservam o texto em versos.
855
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
Ademais, a nota à edição de 2008 esclarece ainda que “a poesia que por-
ventura se perdeu pode, para o leitor que domina a língua inglesa, ser resgatada
na leitura do original, que forma o último bloco deste livro” (Ibidem, p. XVI).
Vejamos, pois, o título do poema número 5. “The Man In The Moon Stayed
Up Too Late” foi traduzido por Lagos como “O Homem da Lua se demorou demais”,
enquanto por Kyrmse como “O Homem da Lua foi dormir muito tarde”. Uma tradu-
ção literal poderia ser “O Homem na lua ficou acordado até muito tarde”. Sabemos
856
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
The Man In The Moon Stayed O Homem da Lua se demorou O Homem da Lua foi dormir
Up Too Late demais muito tarde
There is an inn, a merry old inn Existe uma estalagem, uma Numa estalagem, velha
beneath an old grey hill, velha [e alegre estalagem, [estalagem
And there they brew a beer so À sombra de uma velha colina ao pé do morro antigo,
[brown [cinzenta; A cerveja que fazem é tão
That the Man in the Moon E lá eles fermentam uma [castanha
[himself came down cerveja [tão acastanhada, Que o Homem da Lua com
one night to drink his fill Que o próprio Homem da Lua sede [tamanha
(TOLKIEN, 2008, p. 154). [desceu uma noite, desceu que nem pôde consigo
para beber até ficar satisfeito (KYRMSE in TOLKIEN, 2008,
(LAGOS in TOLKIEN, 2008, p. 95).
p. 32).
Tabela 1. Poema na língua-fonte e as duas traduções abordadas.
857
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
Um dos aspectos que não é abordado por nenhum dos dois tradutores é a
questão fonética, das aliterações e assonâncias presentes nos versos. O próprio
personagem “The Man in the Moon” já possui a aliteração da letra “m”, enquanto
em Língua Portuguesa a aliteração não é preservada. Ademais, o segundo verso
possui as aliterações da letra “b” – “And there they brew a beer so brown” -, da letra
“r” - “And there they brew a beer so brown” – e a assonância da letra “e” - “And there
they brew a beer so brown”.
858
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
De acordo com Álvaro Faleiros (2015), “os critérios que podem determinar
o que é uma tradução melhor não são [...] fixos; o que não quer dizer que não pos-
sam ser objetivados” (p. 268). A palavra melhor é um tanto intensa para descre-
vermos uma tradução. No entanto, respondendo à pergunta feita anteriormente,
podemos, sim, avaliar a tradução de um poema, considerando o que o tradutor
concebeu para sua tradução.
859
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
Conclusão
860
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
Fontes. Lagos faria uma tradução “mais literal”, enquanto Kyrmse traduziria “li-
terariamente”, questão que influenciou nas características dos textos traduzidos.
Contudo, consideramos as traduções de Lagos e Kyrmse como um retrato da poé-
tica de Tolkien, ambas sendo orgânicas em si mesmas e de acordo com o poema
fonte.
Devemos nos recordar das palavras de Lefevere, quando este diz que, para
muitas pessoas, o texto traduzido é o original. Não consideramos aqui questões
de gosto ou apreciação de uma tradução sobre a outra, mas sim sua presença no
contexto brasileiro e como tais textos ficarão conhecidos por mais indivíduos por
meio dessa edição. “O texto e a tradução-texto sempre trarão em sua multiplicida-
de intrínseca o germe de novas leituras que os protegerão do envelhecimento, da
caducidade e da morte” (LARANJEIRA, 2003, p. 40). Tolkien e seus escritos vive-
rão quase que eternamente, enquanto textos originais e traduzidos em diversas
partes do mundo, assim como diversas outras obras que vêm e vão à procura de
seus lugares em meio aos vários idiomas e culturas.
Referências
BLAND, J.. The Poetry of Children’s Literature and Creative Writing. In: _______.
Children’s Literature and Learner Empowerment: Children and Teenagers in
English Language Education. Londres: Bloomsbury Academic, 2013.
BRITTO, P. H. A tradução de poesia. In: _______. A tradução literária. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 2012.
EVEN-ZOHAR, I. A posição da literatura traduzida dentro do polissistema literá-
rio. Translatio, v. 3, p. 3-10, 2012. [de Ávila Braga, Leandro trans.]
EVEN-ZOHAR, I. Teoria dos polissistemas. Translatio, v. 4, p. 2-21, 2013. [Marozo,
Luis Fernando, Carlos Rizzon & Yanna Karlla Cunha trans.]
FALEIROS, A. Tradução & poesia. In: AMORIM, L.; M.; RODRIGUES, C. C.;
STUPIELLO, E. (orgs). Tradução &: perspectivas teóricas e práticas [online]. São
Paulo: Editora UNESP; São Paulo: Cultura Acadêmica, 2015, pp. 263-275. ISBN
978-85-68334-61-4. Disponível em SciELO Books <http: //books.scielo.org>.
GONÇALVES, D. F.Pseudotradução, Linguagem e Fantasia em O Senhor dos
Anéis, de J. R. R. Tolkien: Princípios criativos da fantasia tolkieniana. Dissertação –
Mestrado. Universidade De São Paulo - Faculdade De Filosofia, Letras E Ciências
Humanas Departamento De Letras Modernas. 2007.
861
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
ANEXOS
O REI DA BONLÂNDIA
(Versão traduzida por Ana Flávia Will e Giovanna Bendia Pereira)
Cenário: Em frente ao Palácio de Buckingham.
Personagens: Um guarda, um sargento, o Rei da Bonlândia.
O guarda e o sargento marcham até a guarita.
Sargento: Marcha rápido! Esquerda, direita, esquerda, direita, esquerda,
direita, esquerda, direita! Alto! ... Direita volver! Bradshaw!
Guarda:Senhor!
Sargento:Você está vigiando o Palácio de Buckingham.
Guarda:Sim, senhor!
Sargento:Não esqueça!
Guarda:Não, senhor!
(O sargento sai. O guarda fica parado em silêncio. O Rei da Bonlândia se aproxima do
guarda.)
Rei: Bom dia... Olá! Dia bonito, não? Você fala Inglês? Sprechen Sie
español? Acho que ele é surdo. Ah, bom...
862
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
863
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
864
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
865
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
866
OS TCCS DA LICENCIATURA EM
LETRAS DA UTFPR – PATO BRANCO:
UMA REVISÃO BIBLIOGRÁFICA
SISTEMATIZADA1
867
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
Literatura de Língua Inglesa e Literatura Italiana. A síntese indica que além das
disciplinas do curso, diferentes projetos ofertados pela Universidade influenciam
os temas. Como principais resultados, identificamos que as pesquisas desenvol-
vidas estão assim distribuídas: a grande área mais explorada pelos TCCs é a das
Literaturas, com um total de 82 trabalhos; as categorias relacionadas ao Ensino
abrangem um total de 51 TCCs; e a Linguística possui 32 estudos. Tais resulta-
dos evidenciam as principais contribuições das pesquisas realizadas no curso de
Letras e apontam temas que ainda precisam ser mais explorados, o que poderá ser
subsídio para TCCs futuros.
Introdução
868
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
Fundamentação Teórica
869
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
Sabe-se que durante a trajetória acadêmica, três eixos centrais devem ser
supridos no ensino superior, são eles: ensino, extensão e pesquisa. Como cita o
documento das Diretrizes Curriculares Nacionais (BRASIL, 2015), a universidade
deve contemplar a teoria e a prática no processo de formação docente, fundada
no domínio dos conhecimentos científicos e didáticos, contemplando a indisso-
ciabilidade entre ensino, pesquisa e extensão. Ou seja, licenciados em diferentes
áreas devem passar pela universidade e ter a oportunidade de se envolverem com
essas três dimensões do ensino superior.
870
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
871
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
Metodologia
Sob esse prisma, o conjunto de TCCs reunidos para esta pesquisa conta
com trabalhos defendidos desde o ano de 2012 - quando da formatura da primei-
ra turma do curso de Letras - até o período de realização da presente pesquisa,
ano de 2019. Segundo a coordenação do curso5, tal período compreende as de-
5 As informações sobre os TCCs do curso de Letras Português-Inglês que não estavam disponíveis
no site da UTFPR foram disponibilizadas por e-mail pela coordenadora Rosangela Aparecida
Marquezi. Aproveitamos a oportunidade para agradecê-la por sua colaboração.
872
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
fesas dos 259 alunos egressos até o primeiro semestre, com a ressalva que estes
têm a opção de realizar suas pesquisas de conclusão em duplas.
873
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
estudo está detalhada no apêndice elaborado pelo estudo completo do qual essa
publicação deriva (CARVALHO; TRE, 2019).
874
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
8 “Projeto de Pesquisa nos Estudos Descritivos da Tradução”, coordenado pela professora doutora
Mirian Ruffini do departamento de Letras do campus Pato Branco.
875
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
876
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
Categoria Quantidade
Literatura brasileira 26
Ensino de língua portuguesa 21
Interartes 21
Análise do discurso 18
Literatura de língua inglesa 18
Ensino de língua inglesa 16
Literatura comparada 15
Literatura infanto-juvenil 15
Análise linguística 14
Estudos da tradução 14
Ensino 8
Literatura afro-brasileira 4
Libras 2
Língua inglesa 2
Literatura portuguesa 2
Literatura alemã 1
Literatura italiana 1
Quadro 1. Quantidade total de TCCs desenvolvidos por categoria
Fonte: Carvalho; Tre (2019).
11 Matriz curricular do curso de Letra Inglês-Português da UTFPR, campus Pata Branco, disponível
em <http: //www.utfpr.edu.br/cursos/coordenacoes/graduacao/pato-branco/pb-licenciatura-
-em-letras-portugues-ingles/matriz-e-docentes Acesso em 25/10/2020>.
12 Descrição presente na ementa da disciplina, disponível em: <https: //sistemas2.utfpr.edu.br/
dpls/sistema/acad00/mpPlanoEnsinoInformativo.pcPrintInfoPlaEns?p_Disccodnr=3260&p_
Plaenscodnr=12234&p_Unidcodnr=5> Acesso em 25/10/2020.
877
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
Considerações finais
Sem perder de vista fatores que talvez possam ser limitantes para realiza-
ção de TCCs que enfoquem questões relativas à docência – de modo especial, o
tempo tomado para trâmites relativos ao registro e à aprovação de projetos de
pesquisa junto aos comitês de ética em pesquisa com seres humanos, os quais
podem inviabilizar o contato do professor-pesquisador em formação inicial com
seu contexto mais imediato de atuação profissional - os achados desta revisão
tendem a sustentar “nossa tradição bacharelesca, que leva a não considerar com
o devido valor os aspectos didático-pedagógicos necessários ao desempenho do
trabalho docente com crianças e jovens”. (GATTI, 2014, p. 35).
878
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
Referências
879
SOBRE OS
ORGANIZADORES
Letícia Lemos Gritti é mestre e doutora pela
Universidade Federal de Santa Catarina.
Atualmente, é professora adjunta da
Universidade Tecnológica Federal do Paraná,
Câmpus Pato Branco-PR, na graduação e pós-
-graduação em Letras. Desenvolve estudos na
área de Semântica e Pragmática de itens, ex-
pressões e processos linguísticos presentes na
fala e na escrita de produções textuais.
881
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES: ESTUDOS SOBRE LÍNGUA, LITERATURA E ENSINO
882