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Ensino de Língua

Portuguesa no Século XXI


R E L AT O S D E E X P E R I Ê N C I A

Monclar Guimarães Lopes


Ivo da Costa do Rosário
(organizadores)
Todos os direitos desta edição reservados a Pontes Editores Ltda.
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sem a autorização escrita da Editora.
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Tuxped Serviços Editoriais (São Paulo - SP)

L864e Lopes, Monclar Guimarães; Rosário, Ivo da Costa do (orgs.).


Ensino de Língua Portuguesa no século XXI: pesquisa, teoria e prática /
Organizadores: Monclar Guimarães Lopes e Ivo da Costa do Rosário
Prefácio de Lucia Teixeira.
1. ed. – Campinas, SP : Pontes Editores, 2023. figs.; fotografias.

Inclui bibliografia.
ISBN: 978-65-5637-689-9.

1. Educação. 2. Ensino de Língua Portuguesa. 3. Formação de Professores.


4. Prática Pedagógica.
I. Título. II. Assunto. III. Organizadores.

Bibliotecário Pedro Anizio Gomes CRB-8/8846

Índices para catálogo sistemático:

1. Educação. 370
2. Formação de professores – Estágios. 370.71
3. Didática - Métodos de ensino instrução e estudo– Pedagogia. 371.3
4. Língua portuguesa. 469
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Capa: Acessa Design
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2023 - Impresso no Brasil


SUMÁRIO

PREFÁCIO........................................................................................................7
Lucia Teixeira

APRESENTAÇÃO............................................................................................12
Monclar Guimarães Lopes
Ivo da Costa do Rosário

POR ONDE COMEÇAMOS E PARA ONDE CAMINHAMOS?...................19


Ivo da Costa do Rosário

COMO E POR QUE MISTURAR ÁGUA E ÓLEO.........................................38


Mariangela Rios de Oliveira
Monclar Guimarães Lopes

DESAFIOS PARA IMPLEMENTAÇÃO DO REFERENCIAL CURRICULAR


DE LÍNGUA PORTUGUESA DA REDE MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO
DE NITERÓI.....................................................................................................68
Letícia Fernandes Franco

CLUBE.ON: UMA PROPOSTA DE CLUBE DE LEITURA NA ESCOLA...99


Gleice Coelho Gomes da Silva

O PAPEL DA REPRESENTATIVIDADE NA FORMAÇÃO DE UM


LEITOR CRÍTICO: CONTOS AFRICANOS NA ESCOLA PÚBLICA.........119
Raquel Marques

A FORMAÇÃO DO SUJEITO LEITOR E ESCRITOR LITERÁRIO NO


ENSINO FUNDAMENTAL II: DESAFIOS E POSSIBILIDADES................144
Bárbara Cazumbá
Ester Goes
REFLEXÕES SOBRE OS IMPACTOS PROMOVIDOS PELO PROJETO
“ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA NO SÉCULO XXI – PESQUISA,
TEORIA E PRÁTICA” NA ESCOLA MUNICIPAL PAULO FREIRE..........170
Angela Bittencourt Machado
Júlia dos Reis Rodrigues Benevides

RELATO DE EXPERIÊNCIA: PRÁTICAS NAS SALAS DE AULA DE


NITERÓI...........................................................................................................179
Júlia dos Reis Rodrigues
Thaís de Araujo Ogeda

DOS DOCUMENTOS PARA A SALA DE AULA: UM RELATO DAS


BOLSISTAS DE GRADUAÇÃO DO PROJETO “ENSINO DE LÍNGUA
PORTUGUESA NO SÉCULO XXI – PESQUISA, TEORIA E PRÁTICA”........200
Layza da Silva Tobias do Nascimento
Mayra Laurindo Rabello
Rafaela Reis Carvalho

SOBRE OS AUTORES.....................................................................................230
ensino de língua portuguesa no século xxi - relatos de experiência

PREFÁCIO

Há mais de 50 anos, durante uma aula de literatura, a jovem profes-


sora de óculos redondos, bata hippie e cabelos encaracolados, de nome
Suely Gualda, comentava que toda escola deveria girar em torno da bi-
blioteca. Dizia ela que desse espaço povoado de livros se irradiariam os
mundos de imaginação e conhecimento capazes de transformar a relação
do aluno com a escola e a vida. “Eu nunca entendi por que a escola não
faz da biblioteca seu espaço principal!”, dizia ela. Se as palavras não
eram exatamente essas, a falha da memória pode ser compensada pela
garantia de que a ideia, que deslumbrou a jovem estudante da antiga
Escola Normal, era exatamente a que aqui se acaba de apresentar.
Relembrar a ideia dessa professora num prefácio de livro que traz
uma série de relatos de experiências transformadoras com as linguagens
na escola é um gesto de amor que obedece a duas razões: a de homena-
gear uma professora que, mesmo ministrando dezenas de aulas semanais,
jamais perdeu a capacidade de encantar seus alunos e alunas, mostrando-
lhes que a sala de aula sempre foi e sempre será lugar de pensamento
crítico, inquietação e rebeldia; e a de reconhecer que essa ideia difusa,
enunciada há mais de 50 anos, encontra acolhida, neste livro que se vai
agora ler, em muitas das experiências relatadas, centradas no livro de
literatura, na biblioteca escolar e em suas expansões digitais.
Assim são as ideias no campo das humanidades. Ao contrário das
ciências exatas e biomédicas, nas áreas humanas o conhecimento não
se configura como ultrapassado ou superado, porque é cumulativo, é

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ensino de língua portuguesa no século xxi - relatos de experiência

patrimônio feito da interlocução de gerações. As ciências humanas não


descobrem nada, não formam empreendedores nem vencedores, são mais
afeitas à reflexão que às soluções, nelas há mais processo que resultado.
Operam com discursos, analisam palavras, linguagens, modos de ser e
de estar no mundo, configurações históricas das relações em sociedade.
Subvertem certezas e inquietam o lugar-comum e o contínuo rotineiro e
estável que representa a ausência de sentido.
A linguística, com seu perfil de largo alcance, que abrange o rigor do
método científico, as relações da língua e das linguagens com a história
e a vida social e a redefinição das categorias gramaticais e dos mecanis-
mos de organização textual, vem oferecendo contribuição fundamental
às teorias, aos métodos e às aplicações que se ocupam do patrimônio
cultural e artístico constituído pelas linguagens e as práticas discursivas
e semióticas. Tal contribuição, formalizada pela ciência linguística em
suas variadas vertentes, expande-se, na prática, em formulações teóricas
e práticas que alcançam diferentes campos de atuação, como a comuni-
cação, as artes, as perfórmances multimodais, as traduções e revisões de
textos, o ensino de línguas.
Este livro, que consolida, com a apresentação de experiências peda-
gógicas inspiradoras, um projeto de extensão desenvolvido pela Univer-
sidade Federal Fluminense, a Fundação Euclides da Cunha e a Prefeitura
Municipal de Niterói, representa a articulação complexa, densa e mais
que necessária entre a teoria linguística e diferentes práticas de ensino
escolar. Mariangela Rios de Oliveira, Ivo da Costa do Rosário e Monclar
Lopes, pesquisadores cuja contribuição é hoje referência nos estudos
da língua portuguesa em uso, convidaram mais alguns pesquisadores,
tanto funcionalistas quanto especialistas em questões de texto, discurso
e multiletramentos, prepararam estagiárias de mestrado e de graduação e
juntaram-se a coordenadores e professores da rede municipal de ensino
para construir um trabalho de fôlego, voltado para uma educação crítica
e libertadora, que possa inquietar espíritos destinados a transformar as
estruturas sociais injustas que ainda enfrentamos no Brasil. É da escola

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ensino de língua portuguesa no século xxi - relatos de experiência

pública que sairá esse pensamento libertador e essa força de mudança. É


do menino pobre da periferia, da menina vítima de violência, das crianças
desnutridas e entristecidas, é desses sujeitos acolhidos pela escola pública
que virá um novo modo de enfrentar a desigualdade, o preconceito e a
falta de oportunidades.
Desfaz-se, com experiências desse tipo, a errônea concepção,
cultivada por aqueles a quem não interessa o desenvolvimento da pes-
quisa nas instituições públicas, de que as universidades estão apartadas
da sociedade. As universidades públicas, na liderança da pesquisa de
qualidade feita no país, sempre estiveram ocupadas em compreender e
explicar a vida social, nela interferindo. Produzindo remédios, robôs,
modelos de condutibilidade elétrica, técnicas cirúrgicas ou novas formas
de multiletramentos, descrições do português em uso, análises de práticas
semióticas digitais ou de discursos políticos, registro e preservação de
línguas indígenas e muito mais, a universidade está sempre na vanguar-
da das necessidades sociais e segue atenta à função de democratizar o
acesso ao conhecimento.
A leitura dos capítulos deste livro permitirá observar que há um
ritmo nessa intervenção, um ritmo que, sob uma linha melódica de re-
gularidade e constância, faz emergirem intensidades pontuais das quais
se irradiam novos percursos rítmicos, em cadência animada e infinita.
De cada experiência bem sucedida surgirá outra, de cada gesto inova-
dor se formalizará um corpo teórico original, a cada movimento afetivo
corresponderá uma razão inquieta.
Dividido em capítulos que apresentam a concepção teórica do
projeto, o relato das experiências de professoras municipais com suas
turmas e as contribuições das mestrandas Julia e Thais e das bolsistas
de graduação Layza, Mayra e Rafaela, envolvidas na articulação entre
a universidade e as salas de aula do ensino fundamental, o livro mostra
que tinha razão o poeta João Cabral de Melo Neto quando dizia: “Um
galo sozinho não tece uma manhã:/ele precisará sempre de outros galos.”

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ensino de língua portuguesa no século xxi - relatos de experiência

Nas muitas vozes de que se tece a manhã de uma escola engajada


e comprometida com a justiça social, os clubes de leitura das turmas da
Gleice expandem a biblioteca para as redes sociais, adaptam as rodas
de leitura às novas mídias e indicam caminhos de redimensionamento
do espaço escolar. Os alunos e as alunas da Raquel leem livros que
discutem o racismo e percebem no próprio corpo afetado pela emoção
da identidade e da solidariedade a urgência das políticas antirracistas.
As janelas mágicas da sala de aula da Bárbara e da Ester abrem-se para
desenhos, palavras e poemas produzidos ao som de canções. A Angela
lê com as meninas e meninos um livro sobre uma criança imigrante, para
que possam transformar a dor do preconceito no caloroso acolhimento
do outro. Cada experiência dessas chama outra, apela para a mudança e
a expectativa de novas formas de convivência e sociabilidade. Cada uma
dessas professoras ecoa a voz de outras e cria com sua fala e seu gesto a
possibilidade de uma educação que toque efetivamente a sensibilidade
dos estudantes acolhidos nas salas de aula da escola pública.
Há ação e há promessa nessas experiências. A ação incorpora uma
formação teórica sólida e sempre inacabada, porque, ao se ressignificar
em cada nova experiência, descobre a falta; descobrindo-a, não encontra
outro caminho senão a busca incessante e interessada. A promessa anuncia
tempos de novas discussões, temas inovadores, bibliotecas digitalizadas,
celulares que conectam o vigor da juventude não somente às redes sociais
mas também ao conhecimento produzido pela humanidade, disponível
num deslizar de dedos.
A universidade age nesse entremeio, para aprender com a experi-
ência concreta do ensino e propor novas formulações, para incorporar o
que observa, reprocessar e oferecer novas bases de atuação. Não há bom
ensino sem boa teoria, não há como fazer avançar a prática pedagógica
sem bases teóricas que a fundamentem.
A sensibilização do poder público para ações de formação de pro-
fessores tem o valor de apontar direções e propor políticas educacionais

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ensino de língua portuguesa no século xxi - relatos de experiência

ancoradas na história e no desenvolvimento científico. Ao mesmo tempo,


parcerias da academia com as instâncias de governo responsáveis pela
educação escolar restituem à universidade os resultados da formação que
ela proporciona e permitem configurar diagnósticos e projetos importan-
tes para a reconcepção de políticas públicas.
Com este livro, o leitor e a leitora têm em mãos um conjunto de
textos que apontam para uma articulação vigorosa entre teoria e prática,
universidade e escola fundamental, pesquisa acadêmica e desenvolvi-
mento de estratégias de ação política. Essa articulação, somente possível
pela regulação entre os afetos e a inteligibilidade, os movimentos do
corpo e os impulsos do pensamento, prova-se, nos capítulos a seguir,
fundamental e promissora.

Niterói, no dia dos 449 anos da cidade


Lucia Teixeira
(UFF/FFP-UERJ/CNPq)

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ensino de língua portuguesa no século xxi - relatos de experiência

APRESENTAÇÃO

Monclar Guimarães Lopes


Ivo da Costa do Rosário

Constituem objetivos fundamentais da República Federativa


do Brasil: III. Erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir
as desigualdades sociais e regionais. (CRFB, 1988, Artigo 3º).
[...] Um projeto educativo comprometido com a democratiza-
ção social e cultural atribui à escola a função e a responsabili-
dade de contribuir para garantir a todos os alunos o acesso aos
saberes linguísticos necessários para o exercício da cidadania.
Essa responsabilidade é tanto maior quanto menor for o grau
de letramento das comunidades em que vivem os alunos
(BRASIL, 1988, p. 19 – grifos nossos).

Este livro é o segundo volume do projeto Ensino de Língua Por-


tuguesa no século XXI – Pesquisa, Teoria e Prática1, desenvolvido
no contexto do Programa de Desenvolvimento de Projetos Aplicados
(PDPA), uma parceria entre a Prefeitura Municipal de Niterói (PMN), a
Universidade Federal Fluminense (UFF) e a Fundação Euclides da Cunha
(FEC). O referido projeto, de caráter extensionista, teve como objetivo
promover a formação continuada dos docentes de língua portuguesa do
3º e 4º ciclos do Ensino Fundamental das escolas municipais de Niterói,
no ano de 2022, por meio de um curso que trabalha com a transposição
de teorias e pesquisas em Linguística, alinhadas às perspectivas dos PCN
e da BNCC, para a prática de sala de aula.
1 Todas as informações relativas ao projeto podem ser obtidas em https://bit.ly/ensinodelingua

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ensino de língua portuguesa no século xxi - relatos de experiência

No primeiro volume, cujo título é homônimo ao projeto, os capítulos


foram redigidos por docentes das universidades públicas que atuaram na
formação. Nesse sentido, trazem as mesmas bases teóricas, reflexões e
estratégias de ensino desenvolvidas durante o curso. Neste volume, por
sua vez, cujo título é Ensino de Língua Portuguesa no século XXI – re-
latos de experiência, buscamos registrar os resultados da implementação
deste projeto, que envolveu uma articulação entre a Universidade Federal
Fluminense e as escolas da Educação Básica do município de Niterói.
Antes de tratarmos da estrutura da obra, gostaríamos de ressaltar a
relevância da educação como um dos pilares – provavelmente, o mais
importante – para a transformação e o desenvolvimento nacionais. Não
estamos nos referindo aqui apenas às possibilidades de crescimento
econômico, mas, em especial, ao aumento da qualidade de vida de
TODOS os cidadãos, pois acreditamos que pouco adianta o aumento do
PIB ou a elevação do país no ranqueamento das nações mais ricas do
mundo, quando isso não resulta no aumento de qualidade de vida dos
cidadãos, isto é, na diminuição das distâncias sociais. Como sabemos,
o bem-estar social só é possível por meio da existência de princípios
legais que regulem as políticas públicas. É por esse motivo que o inciso
III do Artigo 3º da Constituição da República Federativa do Brasil tem
como meta a erradicação da pobreza e a diminuição da desigualdade
social. É a partir de marcos legais como esse que surgem políticas que
imputam maior responsabilidade aos agentes públicos que lidam dire-
tamente com um público mais carente. Sendo assim, não é por acaso
que os PCN de Língua Portuguesa declaram, como é possível observar
na citação acima, que a responsabilidade do professor – na verdade,
dos agentes públicos de modo geral – é “um tanto maior quanto menor
for o grau de letramento das comunidades em que vivem os alunos”
(BRASIL, 1998, p. 19).
A História evidencia que o desenvolvimento e a qualidade de vida,
em absolutamente TODOS os países ditos de primeiro mundo, estão di-
retamente associados ao investimento em educação. Países subdesenvol-

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ensino de língua portuguesa no século xxi - relatos de experiência

vidos no passado, como o Japão, investiram massivamente em educação


e tecnologia para o fortalecimento de sua economia. Países que estão à
frente no ranking educacional, como a Finlândia, tem seu IDH – Índice
de Desenvolvimento Humano – entre os maiores do mundo.
Embora essas declarações que acabamos de fazer soem um tanto
óbvias, elas precisam ser constantemente reafirmadas, sobretudo no Bra-
sil, cuja democracia e cujos direitos básicos mostram-se bastante frágeis.
Por isso, ações educacionais, como as desenvolvidas no Programa de
Desenvolvimento de Projetos Aplicados, são extremamente necessárias.
Educação não é gasto; é investimento. É com educação que se transforma
um país para melhor.
Na composição deste livro – relatos de experiência –, contamos com
múltiplos olhares. Compõem esta obra textos de docentes da Universi-
dade Federal Fluminense, de bolsistas atuantes no projeto, bem como de
docentes de língua portuguesa do 3º e 4º ciclos do Ensino Fundamental.
Nosso objetivo é oferecer um panorama: da concepção do projeto aos
resultados de aplicação. Nesse sentido, este livro atua como um memorial
de nosso projeto, que, felizmente, foi muito bem-sucedido.
No capítulo 1, Ivo da Costa do Rosário, coordenador geral do
projeto, apresenta as motivações para o desenvolvimento de todas as
atividades desenvolvidas, desde a sua concepção como etapa inicial
de trabalho. A partir de um exame sócio-histórico da realidade, o autor
justifica a pertinência do projeto e de sua aplicação. No mesmo capí-
tulo, apresenta ainda os objetivos e escopo do projeto, bem como sua
relevância. Em seguida, trata dos pressupostos teórico-metodológicos
principais, calcados especialmente no Funcionalismo e no Sociointera-
cionismo. Após esse panorama, o autor arrola as ações desenvolvidas
e, por fim, algumas considerações finais, com um balanço geral dos
resultados aferidos.
No capítulo 2, Mariangela Rios de Oliveira e Monclar Guimarães
Lopes, que compuseram com o Prof. Ivo Rosário a coordenação geral

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ensino de língua portuguesa no século xxi - relatos de experiência

do projeto, falam da importância da extensão universitária, cujo obje-


tivo precípuo é o de levar o conhecimento produzido na universidade
para a sociedade. Nesse sentido, consideram que, além da formação de
recursos humanos, a universidade assume o compromisso de difundir
o conhecimento e a cultura, bem como de prestar serviços em bene-
fício da população, em especial à mais carente. Logo, argumentam
que a extensão é uma estratégia necessária para a construção de uma
sociedade mais justa, igualitária e democrática. Além de caracteriza-
rem a extensão universitária no Brasil, os professores discursam sobre
os desafios e avanços das ações extensionistas no Brasil, sobretudo
aquelas ligadas à área da linguagem. Por fim, tratam da articulação
tradição, inovação e pesquisa, presentes no projeto desenvolvido junto
à Prefeitura Municipal de Niterói.
No capítulo 3, Letícia Fernandes Franco, Coordenadora Peda-
gógica de Língua Portuguesa da Rede Municipal de Educação de
Niterói, traça o histórico da implementação do Referencial Curricular
de Língua Portuguesa na rede. Mostra como se deu todo processo de
discussão e elaboração até chegar à última versão, aprovada no ano de
2021. Esclarece que, em decorrência da pandemia, parte das discussões
tiveram de ser realizadas remotamente. Além disso, afirma também ter
havido a necessidade da criação do Currículo Emergencial, também em
decorrência da pandemia. Por fim, frente aos desafios para o ensino de
língua portuguesa no país, a autora propõe que se implemente, nas salas
de aula, a abordagem do letramento crítico, que visa a fundamentar o
ensino de língua portuguesa pelo viés da justiça social. Nessa esteira,
a Profa. Letícia recorre a estudiosos como Canclini (2015), Arroyo
(2014) e Janks (2016).
No capítulo 4, Gleice Coelho Gomes da Silva, professora da Rede
Municipal de Educação de Niterói, nos brinda com a apresentação do
projeto Club.On, uma proposta de clube de leitura na escola. Trata-se de
um projeto de leitura, inicialmente desenvolvido na E. M. Honorina de
Carvalho, que, em virtude dos excelentes resultados, tornou-se recente-

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ensino de língua portuguesa no século xxi - relatos de experiência

mente um projeto da rede municipal. Em seu texto, Gleice apresenta toda


a estrutura, o planejamento e a funcionalidade do projeto. Além disso,
articula-o com os conhecimentos adquiridos em nosso curso de formação,
evidenciando, assim, como o projeto Ensino de Língua Portuguesa no
Século XXI – Pesquisa, Teoria e Prática contribuiu ainda mais para a
sua prática docente.
No capítulo 5, Raquel Marques, professora da Escola Municipal
Altivo César, fala um pouco de sua trajetória como docente de língua
portuguesa e de sua preocupação, desde sempre, com seu aprimoramento
profissional e pessoal: “O papel do professor é ser um sujeito questionador
e transformador de suas práticas e para isso é preciso estar na posição de
aprendiz”. A professora também relata sua experiência com nosso curso
de extensão, ressaltando os conhecimentos que a levaram à reflexão de
sua prática em sala de aula. Além disso, também nos apresenta algumas
atividades de leitura, desenvolvidas junto com a bolsista do projeto em
suas turmas, Layza da Silva Tobias Nascimento, com base em textos
que fomentavam discussões sobre preconceito de gênero e de raça, bem
como violência contra a mulher.
No capítulo 6, Bárbara Cazumbá e Ester Goes, professoras da Escola
Municipal Levi Carneiro, falam da importância da formação do sujeito
leitor e escritor literário no Ensino Fundamental II. As autoras, funda-
mentadas na visão de Paulo Freire (1982), defendem a leitura literária
como um ato político, em suas palavras, “um exercício de posicionamento
crítico, uma tarefa solidária entre educadores e educandos, uma prática
concreta de emancipação do uso da palavra”. Além de fundamentarem
seu trabalho com a formação da leitura literária com base em autores
como Freire (1982), Bakhtin (2010), Kleiman (2016), Candido (2004),
entre outros, as professoras apresentam o projeto “Janela Mágica”, de
viés antirracista, desenvolvido a partir de debates promovidos no curso
de extensão. Segundo as autoras, elas buscaram, por meio das ativida-
des, “estimular o interesse dos alunos pela leitura, incentivando neles a
compreensão e as diversas possibilidades de interpretação, por meio do

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ensino de língua portuguesa no século xxi - relatos de experiência

reconhecimento deles como seres constituídos pela sociedade em que


estão inseridos e como atores políticos constitutivos e transformadores
dela”.
No capítulo 7, Angela Bittencourt Machado, professora da Escola
Municipal Paulo Freire, e Júlia dos Reis Rodrigues Benevides, bolsista
do projeto, trazem suas reflexões sobre os impactos promovidos pelo
projeto Ensino de Língua Portuguesa no Século XXI – Pesquisa, Teoria
e Prática. Inicialmente, declaram suas impressões sobre as discussões
tratadas nas aulas e a pertinência do conteúdo do curso para aqueles
que atuam na Educação Básica. Em seguida, apresentam a sequência
didática desenvolvida nas turmas a partir das discussões do curso de
extensão, centrada no livro paradidático “Todo mundo é misturado”, de
Beth Cardoso. Segundo as autoras, durante a sequência, foi desenvol-
vida uma abordagem interdisciplinar, por meio de uma parceria entre
Angela e uma professora de língua espanhola da mesma instituição.
Angela e Júlia também falam da relação entre a sequência didática e o
projeto “Festa da Cultura”, desenvolvido na mesma escola, e frisam a
importância do projeto Ensino de Língua Portuguesa no século XXI –
Pesquisa, Teoria e Prática para o trabalho desenvolvido. Nas palavras
das autoras, o curso

nos ajudou e inspirou a explorar recursos do texto, como


possibilidades e potencialidades múltiplas de conhecimento,
pertencimento, reflexão e vivências para realização da educa-
ção como potência, como afeto, como integração do indivíduo
na sociedade e construção de sua cidadania.

Por fim, nos capítulos 8 e 9, as bolsistas de mestrado, Júlia dos Reis


Rodrigues Benevides e Thaís de Araújo Ogeda, bem como as bolsistas
de graduação Layza da Silva Tobias do Nascimento, Mayra Laurindo
Rabello e Rafaela Reis Carvalho, todas vinculadas ao nosso projeto,
relatam as ações realizadas entre agosto de 2021 e setembro de 2022.
Inicialmente, tratam do estudo detalhado dos documentos oficiais da

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ensino de língua portuguesa no século xxi - relatos de experiência

educação, como os PCN, a BNCC e o Referencial Curricular Municipal


da cidade de Niterói, no que se refere ao ensino de língua portuguesa
nos anos iniciais e finais da escola. Em sequência, fazem uma descrição
do curso de extensão e dos assuntos desenvolvidos a cada aula e, por
fim, falam de suas atividades desenvolvidas junto às escolas municipais
de Niterói.
Desejamos a todos uma excelente leitura!

REFERÊNCIAS

ARROYO, Miguel G. Outros Sujeitos, Outras Pedagogias. 2. ed. Petrópolis, RJ:


Vozes, 2014.
BAKHTIN, Mikhail Mikhailovich. Estética da criação verbal. Tradução de Paulo
Bezerra. São Paulo: Martins Fontes, 2010.
CANCLINI, Néstor García. Diferentes, desiguais e desconectados: mapas da
interculturalidade. Tradução Luiz Sérgio Henriques. 3. ed. Rio de Janeiro: Editora
UFRJ, 2015.
CANDIDO, Antonio. O direito à literatura. In: CANDIDO, Antonio. Vários escritos.
4. ed., rev. e ampl. São Paulo: Duas Cidades, 2004.
FREIRE, Paulo. A importância do ato de ler: em três artigos que se completam.
21. ed. São Paulo: Cortez, 2009.
JANKS, Hillary. Panorama sobre letramento crítico. In: JESUS, D. M.; CARBONIERI,
D. (orgs.). Práticas de multiletramentos e Letramento Crítico: outros sentidos
para a sala de aula de línguas. São Paulo: Pontes, 2016. pp.57-80.
KLEIMAN, Angela. Oficina de leitura: teoria e prática. 16. ed. Campinas-SP:
Pontes, 2016.

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ensino de língua portuguesa no século xxi - relatos de experiência

POR ONDE COMEÇAMOS E PARA ONDE CAMINHAMOS?

Ivo da Costa do Rosário

Eu carrego comigo uma caixa mágica onde eu guardo meus


tesouros mais bonitos. Tudo aquilo que eu aprendi com a
vida, tudo o que eu ganhei com o tempo e que vento nenhum
leva. Guardo as memórias que me trazem riso, as pessoas que
tocaram minha alma e que, de alguma forma, me mudaram pra
melhor1. (Caio Fernando Abreu).

Considerações iniciais

Como afirma Caio Fernando Abreu, na epígrafe que dá início a este


capítulo, registrar experiências é como guardar tesouros em uma caixa
mágica. Os aprendizados e as vivências que armazenamos na memória
despertam diferentes emoções, ajudam a repensar nossa prática e permi-
tem ressignificações de diversas ordens.
Neste primeiro capítulo do nosso “livro de memórias”, inicialmente
consideramos que seria importante prover o leitor de um enquadre mais
amplo sobre as motivações para o desenvolvimento do projeto “Ensino
de língua portuguesa no século XXI – pesquisa, teoria e prática”. É
preciso saber o que nos levou a propor esse trabalho. Afinal de contas,
por onde começamos? Compreendemos que revisitar o início de tudo e
os caminhos percorridos são oportunidades ímpares para a realização de
uma avaliação adequada do que experimentamos.
1 Fonte: https://www.pensador.com/frase/ODg5MzI5/. Acesso em 26 out. 2022.

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ensino de língua portuguesa no século xxi - relatos de experiência

Inicialmente queremos apresentar, sob nossa ótica, o contexto sócio-


histórico-cultural em que a Educação brasileira está inserida. Esse é o
grande ponto de partida. É a partir do reconhecimento dessa realidade que
será possível apresentar, em seguida, as ações planejadas e os resultados
aferidos ao longo do projeto.
No Brasil, desde o final da década de 1990, tem surgido uma série de
políticas públicas educacionais com o objetivo de melhorar a qualidade
da Educação Básica, haja vista os resultados insatisfatórios do país no
que diz respeito aos níveis de alfabetismo/letramento de seus cidadãos,
ao baixo desempenho estudantil nas avaliações externas (como, por
exemplo, no Programa Internacional de Avaliação de Estudantes – Pisa),
ao elevado índice da evasão escolar, à existência de crianças sem acesso
à educação pública gratuita, entre outros problemas. Como sabemos,
tais políticas geralmente constituem objetos de estudo da universidade
pública brasileira, que busca não somente compreender o problema (isto
é, suas causas), como também propor ações tangíveis e eficazes para a
sua solução.
Os documentos educacionais oficiais, como os Parâmetros Curri-
culares Nacionais (1998) e a Base Nacional Comum Curricular (2018)
receberam contribuições importantes das investigações realizadas na uni-
versidade pública a partir da segunda metade do século XX. Sem dúvida,
eles representam um grande avanço, na medida em que nos orientam a
quem ensinar (a compreender quem é o público-alvo, quais são suas ne-
cessidades, por meio de uma avaliação formativa), o que ensinar (quais
conteúdos são realmente relevantes e que competências e habilidades
devemos desenvolver nos alunos), para que ensinar (quais objetivos
pretendemos atingir com aquilo que ensinamos) e como ensinar (quais
métodos são mais eficazes para a obtenção dos objetivos educacionais).
Não obstante o avanço mensurado nas últimas décadas – os
resultados em exames oficiais, os índices de alfabetismo e o acesso
à educação pública e gratuita que têm melhorado progressivamente

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ensino de língua portuguesa no século xxi - relatos de experiência

–, ainda figuramos entre os países com os piores resultados educa-


cionais, segundo a OCDE. Embora reconheçamos que não podemos
absolutamente atribuir o fracasso escolar diretamente ao corpo docente
– existem diversos outros fatores que colaboram para o insucesso –, en-
tendemos que a apropriação de uma fundamentação teórica consistente
e a implementação de métodos de ensino adequados sejam essenciais
para a obtenção de resultados positivos.
É exatamente nesses dois aspectos (teoria, de um lado; prática,
de outro) que o projeto de extensão “Ensino de língua portuguesa no
século XXI - pesquisa, teoria e prática” se situou. Projetos dessa natu-
reza são ações necessárias e bastante eficazes para a educação pública
brasileira, uma vez que mantêm uma retroalimentação contínua entre
escola e universidade. De um lado, a escola oferta à universidade
informações relevantes quanto às necessidades discentes e docentes,
servindo-lhe como objeto de estudo e pesquisa; de outro lado, a uni-
versidade devolve capacitação à escola por meio de ações de formação
continuada, que atendam às necessidades detectadas em seu processo
de avaliação diagnóstica.
Nessa díade, tanto os saberes acadêmicos quanto os saberes produ-
zidos pela escola são igualmente válidos e relevantes, distinguindo-se
apenas pela sua natureza e pelo seu locus de produção. No que diz respeito
especificamente à língua portuguesa, objeto deste projeto, ressaltamos que
todas as ações foram baseadas em uma perspectiva enunciativo-discursiva
da linguagem, calcada principalmente em contribuições do Funcionalismo
e do Sociointeracionismo. Nessa ótica, o texto é tomado como unidade
básica de ensino, e o principal objetivo no ensino de língua portuguesa é
o desenvolvimento da competência discursiva do educando (ROSÁRIO;
LOPES, 2020, 2022), que se dá por intermédio do desenvolvimento das
quatro habilidades linguísticas (ler, ouvir, falar e escrever), nas diferentes
modalidades (oral e escrita), em diferentes semioses (verbal, imagética,
cinestésica, rítmica etc.), nos diferentes gêneros discursivos e em diversos
suportes (físicos, digitais e multimodais).

21
ensino de língua portuguesa no século xxi - relatos de experiência

Grosso modo, podemos afirmar que tal objetivo se encontra con-


substanciado nas orientações pedagógicas vigentes e demonstra um
compromisso educacional intrinsicamente emancipatório, na medida em
que a proficiência discursiva possibilita ao cidadão o acesso a diferentes
espaços sociais e discursivos e, consequentemente, ajuda a promover
a diminuição das distâncias sociais e a igualdade de oportunidades e
condições. Inclusive, é possível observar essa preocupação com a trans-
formação social em diferentes partes dos documentos oficiais já citados,
como podemos notar no trecho a seguir, extraído dos PCN de Língua
Portuguesa (BRASIL, 1998, p. 19):

Um projeto educativo com a democratização social e cultural


atribui à escola a função e a responsabilidade de contribuir para
garantir a todos os alunos o acesso aos saberes linguísticos
necessários para o exercício da cidadania. Essa responsabili-
dade é tanto maior quanto menor for o grau de letramento das
comunidades em que vivem os alunos.

Nesse contexto macro, destacamos que as populações mais pobres


e carentes estão em relação de desigualdade e de hipossuficiência em
relação às demais parcelas da população; por conseguinte, o investimento
público e pedagógico deve ser um tanto maior nesse público. Afinal,
dificilmente conseguiremos promover igualdade de oportunidades e
condições enquanto crianças carentes e desnutridas, com pouco ou ne-
nhum acesso aos bens culturais extraescolares (como mídia, literatura e
internet, por exemplo), competirem com crianças que vivem em condições
ideais. Daí a importância de investimento maciço na escola pública e,
principalmente, em seus agentes.
O projeto “Ensino de língua portuguesa no século XXI - pesquisa,
teoria e prática”, conduzido em uma parceria entre a Universidade Fe-
deral Fluminense e a rede pública municipal de ensino de Niterói, desde
o início, levou em consideração todo esse quadro aqui traçado. Como
foi necessário eleger um campo prioritário de atuação, focalizamos a

22
ensino de língua portuguesa no século xxi - relatos de experiência

promoção de ações de formação continuada para o magistério municipal


de Niterói, como será delineado adiante.
Nossa principal meta concentrou-se em promover o desenvolvi-
mento da competência discursiva dos estudantes niteroienses por meio
de estratégias eficazes, que levassem em consideração tanto a avaliação
formativa (comprometida com o diagnóstico contínuo, para verificar
se os objetivos traçados estão sendo alcançados) quanto a promoção de
uma interlocução efetiva com esses mesmos estudantes (isto é, tanto a
compreensão e interpretação ativas quanto a produção textual) nas dife-
rentes modalidades, nos diferentes gêneros discursivos e nas diferentes
semioses.
Após estas considerações iniciais, que buscaram oferecer ao leitor
um panorama mais amplo do contexto em que se desenvolveu o proje-
to, vamos apresentar, em seguida, os objetivos e escopo da proposta;
a relevância e seus pressupostos teórico-metodológicos principais; as
ações desenvolvidas e, por fim, algumas considerações finais seguidas
de referências bibliográficas.

Objetivos e escopo do projeto

Assim que a equipe inicial foi formada – Prof. Ivo da Costa do Ro-
sário (coordenador), Prof. Monclar Guimarães Lopes (vice-coordenador)
e Prof.ª Mariangela Rios de Oliveira (integrante da equipe docente)
– iniciamos a construção do projeto cujas bases principais estão aqui
representadas neste capítulo. Em nosso planejamento, o projeto deveria
conjugar robustez teórica com procedimentos de ordem prática.
Como primeiro grande objetivo do projeto, destacamos a necessária
valorização do magistério público municipal da cidade de Niterói, com
base na oferta de iniciativas para a qualificação profissional e forma-
ção continuada do corpo docente. O projeto previu e executou, como
uma de suas ações precípuas, a oferta de um curso de formação para os

23
ensino de língua portuguesa no século xxi - relatos de experiência

educadores, com propostas teóricas e práticas, calcadas principalmente


nas áreas do Funcionalismo e do Sociointeracionismo, mas também em
outras correntes teóricas.
Como produto desse curso e de toda experiência vivida, o projeto
também estabeleceu uma ação voltada para a produção e a divulgação de
dois livros, como registro dos trabalhos, trazendo uma síntese teórica das
discussões travadas e também um relato das experiências efetivamente
aplicadas pelos docentes da rede municipal.
A produção dos livros concretiza a culminância do projeto, mas
também permite que as reflexões produzidas sejam posteriormente di-
vulgadas para gestores, para demais docentes do Ensino Fundamental
de Niterói, como também de outras redes, como material de referência
para sua capacitação continuada.
Outra estratégia contemplada por intermédio do projeto “Ensino de
língua portuguesa no século XXI - pesquisa, teoria e prática” diz respeito
ao aprimoramento da proposta curricular do Ensino Fundamental de
Niterói. Todo movimento empreendido partiu da análise do Referencial
Curricular da Rede Municipal de Niterói (2021), documento produzido
coletivamente pelos técnicos da Fundação Municipal de Educação da
cidade em permanente diálogo com docentes da rede.
Esse documento foi estudado na íntegra pelos bolsistas do projeto.
Esse grupo, composto de duas mestrandas e de três graduandas, realizou
reuniões regulares e produziu relatórios analíticos com base nesse docu-
mento, destacando seus aspectos principais. Todo esse material serviu
como baliza para o desenvolvimento do projeto, considerando que a
atenção à realidade e o respeito aos trabalhos já produzidos precisariam
(como de fato o foram) ser linhas-mestras de todas as ações.
A realização do curso, a produção dos livros e o estudo do Refe-
rencial Curricular foram movimentos importantes que tiveram o obje-
tivo de subsidiar gestores e docentes na tarefa de seleção, adequação e
harmonização das competências, habilidades e métodos de ensino de

24
ensino de língua portuguesa no século xxi - relatos de experiência

língua portuguesa, de modo mais consentâneo com as novas tendências


e resultados de pesquisa desenvolvidos na área. Essa tarefa mais ampla,
envolvendo vários profissionais da Educação Básica da cidade, pautou-
-se em uma perspectiva humanística, científica e inovadora, como se
espera na pós-modernidade. Assim, além de concorrer, em curto e médio
prazo, para o aprimoramento do Ensino Fundamental, acreditamos que
essas iniciativas também certamente serão capazes de subsidiar, com os
resultados obtidos, a implementação de ações a mais longo prazo, no
contexto das políticas públicas educacionais voltadas para a melhoria
da estrutura curricular e do perfil pedagógico municipal.
A terceira estratégia que o projeto contemplou foi a de fortalecer e
consolidar o sistema de avaliação da qualidade de ensino. Partindo-se da
consideração de que avaliar é uma tarefa contínua e progressiva, cujos
resultados permitem a verificação e a consideração do que está ou não
sendo efetivamente assimilado pelo corpo discente, considera-se que as
ações previstas no projeto concorreram - e continuarão concorrendo - para
auxiliar gestores e professores no aprimoramento do sistema avaliativo.
Por fim, porém não menos relevante, esperamos que o projeto, em
um futuro próximo, possa colaborar para integrar de modo mais efetivo
outras ações e iniciativas entre a Prefeitura de Niterói - mais especifica-
mente no contexto da Secretaria de Educação - e a Universidade Federal
Fluminense, no âmbito do Instituto de Letras, em seus diversos cursos de
graduação, e do Programa de Pós-Graduação em Estudos de Linguagem.

Relevância e fundamentos teórico-metodológicos

O projeto “Ensino de língua portuguesa no século XXI - pesquisa,


teoria e prática” apresenta grande relevância ao destacar, de modo mais es-
pecífico, as ideias de qualidade do ensino e inovação. O acesso ao Ensino
Fundamental a crianças e adolescentes, de uma forma geral, encontra-se
universalizado desde a década de 90 do século XX. Data desse período
também o início da aplicação de uma série de instrumentos de avaliação,

25
ensino de língua portuguesa no século xxi - relatos de experiência

em distintos níveis (internacional, nacional, estadual e municipal), para


acompanhamento e monitoramento do processo de ensino-aprendizagem.
Nesse sentido, o desafio atual é o de, com base nos dados e índices
obtidos a partir da aplicação continuada da tarefa avaliativa, oferecer sub-
sídios ao aprimoramento dos processos formativos aí envolvidos. Como
se sabe, avaliação não se resume à aferição do que o alunado aprende
ou não, como tarefa mecânica e encerrada em si mesma; pelo contrário,
a avaliação é fundamentalmente um processo continuado e progressivo,
que permite ao corpo docente e aos gestores educacionais verificar e
compreender as facilidades e as dificuldades de assimilação dos conteúdos
programáticos por parte dos alunos, com vistas ao aperfeiçoamento e à
eficácia do processo de ensino-aprendizagem. Isso naturalmente se dá
em termos do viés teórico adotado, dos procedimentos metodológicos
aplicados, bem como da seleção de conteúdos programáticos para cada
ano de escolaridade.
A relevância do projeto “Ensino de língua portuguesa no século
XXI - pesquisa, teoria e prática” comprovou-se, de modo mais especí-
fico, na questão do método de ensino, considerado fundamental para a
intensidade e a eficácia do aprendizado do aluno. A discussão proposta
pelo projeto permitiu uma prática docente mais voltada para a análise, a
reflexão e a utilização eficiente da língua portuguesa, também mediada
por recursos tecnológicos. Por se tratar de uma proposta fundada nas
práticas sociais dos usos linguísticos, conforme preconiza o Funcio-
nalismo e o Sociointeracionismo, nos termos de Furtado da Cunha,
Oliveira e Martelotta (2015), tomou-se como ponto de partida aquilo
que os alunos efetivamente usam, de modo sistemático e produtivo, em
suas interações cotidianas. Essa proposta envolveu os usos linguísticos
levantados, descritos e analisados no contexto de sua produção, com
olhar atento para as sequências tipológicas (MARCUSCHI, 2002) e
os gêneros discursivos (BONINI, 2005), tomados como instâncias
motivadoras desses usos.

26
ensino de língua portuguesa no século xxi - relatos de experiência

Outra dimensão contemplada mais diretamente no projeto foi a


questão da qualificação profissional de gestores e professores. Con-
sidera-se esse eixo como de grande relevância, dado que, em última
análise, cabe a dirigentes e docentes, cada qual em sua área específica
de atuação, concorrer para que seja garantida e efetivada a qualidade
do Ensino Fundamental. Justamente por isso, o projeto previu, entre
suas atividades, um robusto curso de formação para o magistério mu-
nicipal de Niterói, com propostas teóricas e práticas, calcadas na área
do Funcionalismo e do Sociointeracionismo, nos termos de Rosário e
Oliveira (2016), Oliveira e Cezario (2017), Rosário e Lopes (2022),
mas também de outra correntes teóricas, como a Semiótica, a Semio-
linguística, a Sociolinguística Variacionista, a Linguística Textual e
outras correntes.
Como se detalhará adiante, o curso propiciou condições de sub-
sidiar, em termos teórico-metodológicos, o trabalho docente, tanto no
viés teórico quanto prático. Essas áreas teóricas aqui citadas foram
trabalhadas com base nos mais recentes e relevantes pressupostos e re-
sultados de pesquisa para a descrição e a análise linguística, bem como
na aplicação de procedimentos metodológicos eficientes e adequados.
O ponto mais importante é, sem dúvida, a prática. Entretanto,
não existe prática de qualidade sem estofo teórico consistente. Assim,
o foco, em primeira instância, foi a capacitação profissional daqueles
que militam no magistério público municipal. Essa capacitação, por
sua vez, foi levada a cabo a partir do trabalho de pesquisadores da
UFF, da UFRJ, da UERJ e do Colégio Pedro II. Todos os convidados
que colaboraram com o projeto ministrando encontros formativos são
pesquisadores renomados com alta qualificação teórica e com experi-
ência na Educação Básica.
Na perspectiva teórica geral assumida pelo projeto, destacamos
o viés interacional dos usos linguísticos, os processos cognitivos de
domínio geral que os configuram, a forte vinculação entre aspectos de

27
ensino de língua portuguesa no século xxi - relatos de experiência

conteúdo e de forma dos constituintes da gramática, a interrelação de


fatores estruturais, cognitivos e discursivo-pragmáticos na configuração
da língua, entre outros.
Vale destacar que esses pontos, que fundamentam o projeto “En-
sino de língua portuguesa no século XXI - pesquisa, teoria e prática”,
se encontram em total consonância com as orientações da BNCC, o que
garante, além do viés inovador já mencionado, a adequação do presente
projeto às aspirações nacionais para o ensino de língua materna no Brasil.
Como sabemos, o Ensino Fundamental já está universalizado, tendo
em vista que a quase totalidade das crianças e adolescentes está matriculada
nas escolas brasileiras. Entretanto, apesar desse grande avanço, ainda há
pontos a serem aprimorados, como a qualidade do ensino, a melhora no
desempenho dos discentes, a erradicação da evasão escolar, a redução da
reprovação e tantos outros. Para que parte desses problemas seja sanado,
é fundamental que os docentes tenham formação qualificada, fundamen-
tada em resultados recentes de pesquisa. No tocante ao ensino de língua
portuguesa, há ainda uma tradição fortemente gramaticalista em voga,
calcada quase exclusivamente na gramática tradicional. Sem desmerecer
a sua utilidade, a gramática tradicional precisa ser ressignificada (cf. RO-
SÁRIO, 2016), visto que sua visão prescritivista não contempla os reais
usos linguísticos da variedade brasileira da língua portuguesa. Ao contrário,
centra-se em uma visão reducionista e até equivocada da língua portuguesa.
Sem dúvida, é fundamental que todos os alunos conheçam a norma-
padrão, sem a qual terão dificuldades para acessar determinados bens
culturais, como leitura de jornais de circulação nacional, editais, os
próprios livros didáticos, publicações oficiais etc. Contudo, no século
XXI, em consonância com a BNCC (2018), é importante que o ensino
de língua portuguesa seja alargado:

As atividades humanas realizam-se nas práticas sociais, media-


das por diferentes linguagens: verbal (oral ou visual-motora,
como Libras, e escrita), corporal, visual, sonora e, contem-

28
ensino de língua portuguesa no século xxi - relatos de experiência

poraneamente, digital. Por meio dessas práticas, as pessoas


interagem consigo mesmas e com os outros, constituindo-se
como sujeitos sociais. Nessas interações, estão imbricados
conhecimentos, atitudes e valores culturais, morais e éticos.
(BRASIL, 2018, p. 63).

Assim, o que se propõe para o ensino hoje não é mais uma visão
particularizada da norma gramatical, mas um conjunto de saberes mais
amplos, amparado não só na linguagem verbal, mas também em outras
linguagens, como já explicitado. Com relação ao específico âmbito da
língua portuguesa, é fundamental que o ensino esteja ancorado em práticas
de linguagem reais: oralidade, leitura/escuta de textos, produção (escrita
e multissemiótica) e análise linguística. Nessa perspectiva, a gramática
continua a ser considerada, mas é ressignificada, pois deixa de ocupar a
centralidade do ensino de língua portuguesa para ceder espaço ao texto,
ao discurso e às suas diversas manifestações que, de fato, devem ocupar
o papel mais central nos processos de ensino-aprendizagem (cf. ROSÁ-
RIO; LOPES, 2020, 2022).
Ainda de acordo com a BNCC (BRASIL, 2018, p. 136), no componente
Língua Portuguesa, “amplia-se o contato dos estudantes com gêneros
textuais relacionados a vários campos de atuação e a várias disciplinas,
partindo-se de práticas de linguagem já vivenciadas pelos jovens para
a ampliação dessas práticas, em direção a novas experiências”. Logo,
qualquer proposta pedagógica que tente encaminhar o ensino de língua
materna fora desses eixos seria pouco efetiva ou pouco plausível, pois
são os gêneros textuais que devem estar em primeiro plano.
Diante disso, a equipe responsável pelo projeto “Ensino de língua
portuguesa no século XXI - pesquisa, teoria e prática” procurou con-
templar todos esses aspectos, no sentido de condensar uma proposta
efetivamente eficaz e produtiva para o processo de ensino-aprendizagem
de língua materna.

29
ensino de língua portuguesa no século xxi - relatos de experiência

Ações desenvolvidas

Levando em consideração as premissas e as bases anteriormente


delineadas, o projeto, por meio da permanente interação entre teoria e
prática, desenvolveu três ações principais dentro de um planejamento de
24 meses. Essas ações compreenderam um conjunto coeso de atividades
que, em seu objetivo último, visavam à melhoria da qualidade do ensino
nas classes dos anos finais do Ensino Fundamental da rede pública.
A primeira ação contemplou um amplo diagnóstico e reconheci-
mento da realidade, com sondagem dos interesses dos docentes e estudo
da proposta curricular de língua portuguesa da rede pública municipal
de Niterói. Seria totalmente contraproducente iniciar qualquer proposta
sem levar em consideração a realidade dos professores, dos alunos e das
escolas. Logo, nesse primeiro momento, para o qual foram reservados
quatro meses, houve reuniões com os setores da Secretaria Municipal
de Educação de Niterói mais ligados ao ensino, bem como com alguns
docentes de língua portuguesa.
Concomitantemente, foi realizado um amplo estudo da proposta
curricular da rede, com especial atenção para as competências e habilida-
des exigidas dos alunos em cada ano de escolaridade dos anos finais do
Ensino Fundamental (6º ao 9º ano). Esses passos iniciais foram dados pela
equipe, especialmente pelas bolsistas de graduação e de mestrado, como
já informado anteriormente. Essas etapas permitiram a elaboração de um
curso de formação continuada para o magistério municipal, com propostas
teóricas e práticas, calcadas especialmente nas áreas do Funcionalismo
e do Sociointeracionismo, o que se desenvolveu ao longo de dez meses.
São muitas as teorias linguísticas no cenário contemporâneo, entre-
tanto algumas estão mais afeitas à questão do ensino, como é o caso do
Funcionalismo Linguístico. Em linhas gerais, essa perspectiva teórica
considera a primazia da língua em uso, ou seja, os dados reais de lin-
guagem produzidos pelos falantes e escreventes do vernáculo. Assim, o

30
ensino de língua portuguesa no século xxi - relatos de experiência

Funcionalismo não parte de idealizações ou de normativismos estéreis; ao


contrário, debruça-se sobre a realidade linguística dos falantes e considera
os textos reais, configurados em gêneros diversos, como ponto de parti-
da para qualquer trabalho pedagógico ou investigativo (cf. ROSÁRIO;
OLIVEIRA, 2016; OLIVEIRA; CEZARIO, 2017).
Vale destacar que essa perspectiva é totalmente consentânea com o
que preconiza a BNCC (BRASIL, 2018, p. 136): “No componente Língua
Portuguesa, amplia-se o contato dos estudantes com gêneros textuais re-
lacionados a vários campos de atuação e a várias disciplinas, partindo-se
de práticas de linguagem já vivenciadas pelos jovens para a ampliação
dessas práticas, em direção a novas experiências”. O Sociointeracionis-
mo, por sua vez, é uma concepção de ensino que considera os aspectos
histórico, social, cultural e cognitivo da aprendizagem humana. Baseado
nas ideias de Lev Vygotsky, o Sociointeracionismo valoriza a experiência
prévia dos alunos, os contextos de aprendizagem e a interação social.
Logo, é bastante claro que Funcionalismo e Sociointeracionismo são
perfeitamente conjugáveis e capazes de oferecer uma nova perspectiva de
ensino, bastante promissora. Contudo, o projeto não se restringiu a essas
correntes; ao contrário, abriu-se para outras perspectivas teóricas, o que
pode ser confirmado a partir dos temas do curso de formação oferecido:

• Encontro 01 – Funcionalismo, Sociointeracionismo e Ensino de Língua


Portuguesa no Século XXI - Professor responsável: Ivo da Costa do Rosário
(UFF);

• Encontro 02 – A língua portuguesa nos documentos oficiais (PCN e BNCC)


e a proposta curricular de Niterói - Professor responsável: Tharlles Lopes
Gervásio (Colégio Pedro II);

• Encontro 03 – O lugar do texto nas aulas de língua portuguesa: desenvol-


vimento da competência discursiva, multiletramentos, gênero, tipo e suporte
- Professora responsável: Nadja Pattresi de Souza e Silva (UFF);

31
ensino de língua portuguesa no século xxi - relatos de experiência

• Encontro 04 – Leitura – seleção de textos (diversidade cultural – BNCC),


compreensão e interpretação de textos - Professora responsável: Beatriz dos
Santos Feres (UFF);

• Encontro 05 – Leitura – a multissemiose - Professora responsável: Lúcia


Teixeira (UFF);

• Encontro 06 – Produção de texto e circulação de textos - Professora respon-


sável: Leonor Werneck (UFRJ);

• Encontro 07 – Revisão de textos e reescrita - Professora responsável: Ana


Beatriz Arena (UERJ/FFP);

• Encontro 08 – O lugar da gramática nas aulas de língua portuguesa – tradição,


norma, variedade e descrição - Professora responsável: Sílvia Vieira (UFRJ);

• Encontro 09 – Tópicos em gramática 1: abordagem metalinguística e epilin-


guística - Professor responsável: Monclar Guimarães Lopes (UFF);

• Encontro 10 – Tópicos em gramática 2: sintaxe do texto escrito vs sintaxe


do texto oral - Professora responsável: Mariangela Rios de Oliveira (UFF);

• Encontro 11 – Sequências didáticas para o ensino de Língua Portuguesa -


Professora responsável: Patrícia Ferreira Neves Ribeiro (UFF);

• Encontro 12 – Socialização das experiências - Professores responsáveis: Ivo


da Costa do Rosário (UFF), Monclar Guimarães Lopes (UFF) e Mariangela
Rios de Oliveira (UFF).

Todos os encontros realizados procuraram focalizar aspectos im-


portantes do ensino de língua portuguesa, sempre baseados em pesquisa
recente e em muitas atividades práticas. A propósito, o material resul-
tante desses encontros, aliado a reflexões construídas ao longo do curso,
concretizou-se em capítulos que deram origem a um primeiro livro, com
título homônimo ao projeto, em versão impressa e versão digital on-line2.
2 O livro, na versão digital, está disponível em https://bit.ly/ensinodelingua

32
ensino de língua portuguesa no século xxi - relatos de experiência

Essa primeira obra, de cunho mais teórico, baseada no conteúdo do


curso de formação oferecido aos docentes da rede pública municipal, foi
redigido pelos próprios docentes que ministraram o curso. A ideia é que
esse livro seja uma referência para a própria rede pública do município
(assim como para outros interessados), no sentido de servir como objeto
de estudo e aprofundamento do ensino de língua portuguesa, mesmo após
a conclusão do projeto.
Inicialmente o planejamento apontava para um curso totalmente
presencial, com encontros ministrados no Instituto de Letras da UFF.
Contudo, devido aos efeitos da pandemia de covid-19, decidiu-se que o
curso se daria de modo remoto. Todas as aulas giraram em torno não só de
apresentação, análise e discussão dos pressupostos teóricos funcionalistas
e sociointeracionistas que podem subsidiar o ensino de língua portuguesa,
mas também tiveram como foco o protagonismo dos professores de Nite-
rói, via exposição de suas experiências bem-sucedidas, realizadas na sala
de aula de língua portuguesa, e da elaboração de projetos e sequências
didáticas em torno de conteúdos curriculares do Ensino Fundamental.
Nessas aulas, continuamente conjugaram-se teoria e prática, abrindo-se
espaço de interlocução acadêmico-profissional, de inovação tecnológica
e de aplicabilidade didática.
Além do livro teórico a que já nos referimos, o segundo produto do
projeto é justamente este livro, com relatos de experiências. Trata-se de
uma obra redigida a muitas mãos. Conta com contribuições da equipe do-
cente e de discente do projeto, além da participação de uma representação
da Secretaria Municipal de Educação de Niterói, bem como dos atores
principais, que são os docentes da rede pública municipal. Esta obra,
de cunho mais prático, oportuniza o registro de experiências docentes
após a formação oferecida pelo curso ministrado. Assim, incentivou-se
a importante prática da autoria docente.

33
ensino de língua portuguesa no século xxi - relatos de experiência

Considerações finais

A educação superior pública brasileira defende a indissociabilidade


entre ensino, pesquisa e extensão. Sob esse ponto de vista, a universi-
dade atende às demandas da sociedade, na medida em que investiga os
problemas/necessidades sociais e propõe ações eficazes de intervenção
(eixo pesquisa), gradua profissionais preparados e atualizados para o
mercado de trabalho (eixo ensino) e se compromete com a atualização
contínua desses profissionais em um mercado em constante mudança
(eixo extensão). Foi, sobretudo, neste último eixo que este projeto atuou.
Ao fim do projeto, esperamos ter contribuído de forma eficaz para
a melhoria da educação pública da cidade de Niterói, no que tange aos
processos de ensino-aprendizagem de língua portuguesa, por meio da
formação continuada dos professores do Ensino Fundamental. No in-
tenso debate teoria e prática, esperamos que tenha havido apropriação
de conceitos, teorias e metodologias produtivas para o ensino de língua
portuguesa, na concepção do ensino do vernáculo sob uma perspectiva
enunciativo-discursiva, como defendem os documentos oficiais, como
PCN (1998) e BNCC (2018).
Como saldo final do projeto, destacamos algumas metas alcan-
çadas:

Com relação à UFF:

1) Transposição das descobertas científico-acadêmicas recentes no que tange


aos processos de ensino-aprendizagem de língua portuguesa para a realidade
da sala de aula das escolas municipais de Niterói do Ensino Fundamental.

2) Auxílio para revisão das práticas de ensino-aprendizagem da rede muni-


cipal de Niterói, sobretudo daquelas centradas numa tradição ainda muito
desvinculada do texto e dos diversos usos sociais da linguagem.

34
ensino de língua portuguesa no século xxi - relatos de experiência

3) Diagnóstico e reconhecimento da realidade dos anos finais do Ensino Fun-


damental, com sondagem dos interesses dos docentes de língua portuguesa.

4) Estudo e análise da proposta curricular atual de língua portuguesa do


município de Niterói.

5) Promoção de curso de formação continuada para o magistério municipal


de Niterói com propostas teóricas e práticas, calcadas especialmente nas áreas
do Funcionalismo e do Sociointeracionismo.

Com relação aos docentes de Niterói:

1) Associação entre teoria e prática para que se desenvolvam ações mais


inovadoras e resultados mais promissores.

2) Foco do ensino no desenvolvimento da competência discursiva dos edu-


candos – adequando-se às orientações nacionais contidas nos documentos
oficiais (PCN, DCN, BNCC) –, em diferentes habilidades, gêneros, moda-
lidades e semioses.

3) Melhoria da qualidade do ensino de língua portuguesa por intermédio de


uma prática docente voltada para a reflexão e a utilização eficiente da língua
portuguesa, bem como no desempenho dos discentes em língua portuguesa.

4) Promoção de um modelo de ensino centrado no aluno como sujeito principal


da aprendizagem, com destaque para processos de avaliação formativa, em
que se levam em consideração a realidade e as necessidades discentes: para
quem, o que, como e para que ensinar.

Com relação às metas coordenadas entre UFF e Prefeitura de Niterói:

1) Diminuição das distâncias sociais e promoção da igualdade de oportuni-


dades por meio de um ensino emancipatório e inclusivo.

2) Garantia de uma educação inclusiva e equitativa de qualidade e promoção


de oportunidade de aprendizagem ao longo da vida para todos, inclusive com
ações mediadas pela tecnologia.

35
ensino de língua portuguesa no século xxi - relatos de experiência

3) Investimento em dimensões prioritárias no ensino de língua portuguesa,


em especial na questão dos métodos de ensino e na qualificação profissional
dos professores.

4) Apropriação da fundamentação teórica apresentada no curso e sua imple-


mentação na prática, com o objetivo de aperfeiçoar os métodos de ensino.

5) Produção de duas obras, como culminância e registro dos trabalhos, sendo


a primeira uma síntese teórica das discussões travadas no curso de formação;
a segunda, com os relatos de experiências dos docentes que participaram do
curso.

6) Contribuição na revisão/elaboração de políticas públicas voltadas para a


melhoria do Ensino Fundamental do Município de Niterói.

É preciso que a cidade de Niterói e a UFF estreitem seus vínculos


e parcerias, no intuito de melhor atender ao cidadão em suas distintas
demandas. O serviço público, como o rótulo já preconiza, necessita
devolver à população, sob a forma de atendimento de qualidade e com
eficiência, os impostos pagos, garantindo melhor qualidade de vida. Nesse
sentido, espera-se que esse tipo de atividade suscite outras iniciativas
acadêmico-administrativas entre a Prefeitura de Niterói e a UFF, com
vistas a proporcionar o devido retorno social à pesquisa praticada nos
centros de excelência do Rio de Janeiro. Naturalmente o nosso desejo é
que isso também não fique restrito à cidade de Niterói, mas que atinja
toda região onde possa ser possível a capilarização dessas ideias.
Ao final deste pequeno relato, voltamo-nos para o que foi construído
coletivamente e percebemos quão pujante pode ser a relação universidade
x escola. É necessário que sejam construídas cada vez mais pontes, para
que acadêmicos e docentes da Educação Básica possam realizar mais
encontros e tecer mais diálogos. Nesse sentido, é imprescindível que os
agentes públicos continuem investindo nessas parcerias, incentivando
cada vez mais o intercâmbio de ideias e uma criativa e crescente inter-
locução.

36
ensino de língua portuguesa no século xxi - relatos de experiência

Antes de finalizarmos este capítulo, é importante destacar o quão


prazeroso e gratificante foi desenvolver este projeto, pois foi bastante
perceptível atestar os efeitos positivos das ações desenvolvidas. Como
bem disse Caio Fernando Abreu, na epígrafe deste capítulo, certamente
todos nós saímos desse projeto carregando tesouros bem bonitos, que são
as memórias e os aprendizados decorrentes dessa ação de tanta qualidade.

REFERÊNCIAS

BONINI, Adair. A noção de sequência textual na análise pragmático-textual de Jean-


Michel Adam. In: MEURER, José Luiz; BONINI, Adair; MOTTA-ROTH, Desiree
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37
ensino de língua portuguesa no século xxi - relatos de experiência

COMO E POR QUE MISTURAR ÁGUA E ÓLEO

Mariangela Rios de Oliveira


Monclar Guimarães Lopes

Uma emulsão é formada quando é feita a mistura de dois líqui-


dos imiscíveis, ou seja, líquidos que não se misturam. Nesse
caso, um dos líquidos (a fase interna ou dispersa) encontra-se
no interior do outro líquido (fase externa ou contínua). É tam-
bém chamada de dispersão coloidal, já que pequenas partículas
(gotículas) de um líquido estão dispersas em outro líquido. As
emulsões mais conhecidas consistem na mistura de água e óleo.
Vânia Ribeiro Ferreira1
Doutora em Química pela UFSC

Considerações iniciais

Você já deve ter ouvido que água e óleo não se misturam. Afinal,
tais substâncias formam uma solução instável quando agitadas em um
recipiente. Aos poucos, os elementos se separam: a água fica no fundo
do recipiente; o óleo, em uma camada sobre a água. No entanto, é pos-
sível tornar essa solução estável e homogênea por meio da inclusão de
um componente surfactante, que mantém uma tensão contínua entre as
moléculas desses elementos. É o que ocorre, por exemplo, nos cremes
hidratantes, apesar de terem água e óleo em sua formulação.

1 Disponível em: https://www.infoescola.com/quimica/emulsao/. Acesso em: 14 mai. 2022.

38
ensino de língua portuguesa no século xxi - relatos de experiência

Partimos desse conhecimento da área da química porque queremos,


a partir dele, propor uma analogia que o leve a refletir sobre os papéis
“distintos” da universidade e da escola. Como você deve saber, é relati-
vamente comum que as pessoas encarem a pesquisa como uma atividade
exclusiva da universidade. Nesse sentido, entendem que a elaboração de
teorias com base em métodos científicos (pesquisa) não cabe à escola.
Esta deve preocupar-se apenas com a transmissão do conhecimento
construído fora dela (ensino), em sua dimensão tanto teórica quanto
prática. Sob esse ponto de vista, a universidade seria o óleo; a escola, a
água; uma está em cima; outra, embaixo.
No entanto, discordamos dessa separação rígida de papéis. Susten-
tamos, assim como Paulo Freire, que essas duas faces do conhecimento
– pesquisa e ensino – são sempre interdependentes:

Não há ensino sem pesquisa e pesquisa sem ensino. Esses


quefazeres se encontram um no corpo do outro. Enquanto
ensino continuo buscando, reprocurando. Ensino porque
busco, porque indaguei, porque indago e me indago. Pesquiso
para constatar, constatando, intervenho, intervindo educo e
me educo. Pesquiso para conhecer o que ainda não conheço
e comunicar ou anunciar a novidade (FREIRE, 2011, p. 22)

Quando Freire (2011) propõe a indissociabilidade entre pesquisa e


ensino, ele se opõe ao modelo da educação “bancária” – como ele mesmo
chamava –, centrado exclusivamente na transmissão de conhecimentos,
em que caberia ao aluno reproduzir aquilo que “aprendeu” quase sempre
mecanicamente. No lugar, defende um modelo de educação libertadora
ou problematizadora, a qual envolve uma postura inventiva e criativa
do aluno, que deve ser capaz de questionar e transformar sua própria
realidade.
Parafraseando Paulo Freire, podemos afirmar que a educação liber-
tadora envolve uma postura científica, tanto por parte do professor quanto
do aluno. Afinal, é a partir do conhecimento científico “que é possível

39
ensino de língua portuguesa no século xxi - relatos de experiência

a transformação social e tecnológica. O conhecimento científico gerado


por uma determinada sociedade consolida o saber e desafia as estruturas
cristalizadas, tidas como verdades absolutas” (VALENTIM, 2006, p. 1).
Reconhecemos, assim como Sagan (2006), que a ciência não é um
instrumento perfeito de conhecimento, uma vez que recorrentemente
falha. Como sabemos, o avanço científico se dá, quase sempre, pela ne-
gação de um conhecimento científico que lhe antecede, antes encarado
como verdade. No entanto, a despeito de sua imperfeição, é o melhor
instrumento de que dispomos. Nesse sentido, assemelha-se e aproxima-
se da democracia: falha com certa regularidade, mas continua sendo o
melhor de todos os sistemas. Vejamos as considerações de Sagan (2006,
p. 59) a esse respeito:

Os valores da ciência e da democracia são concordantes, em


muitos casos indistinguíveis. A ciência e a democracia come-
çaram – em suas encarnações civilizadas – no mesmo tempo
e lugar, na Grécia dos séculos VI e VII a.C. A ciência confere
poder a qualquer um que se der ao trabalho de aprendê-la
(embora muitos tenham sido sistematicamente impedidos de
adquirir esse conhecimento). Ela se nutre – na verdade neces-
sita – do livre intercâmbio de ideias; seus valores são opostos
ao sigilo. A Ciência não mantém nenhum ponto de observação
especial, nem posições privilegiadas. Tanto a ciência como a
democracia encorajam opiniões não convencionais e debate
vigoroso. Ambas requerem raciocínio adequado, argumentos
coerentes, padrões rigorosos de evidência e honestidade. A
ciência é um meio de desmascarar aqueles que apenas fingem
conhecer. É um baluarte contra o misticismo, contra a supers-
tição, contra a religião mal aplicada a assuntos que não lhe
dizem respeito. Se somos fiéis a seus valores, ela pode nos
dizer quando estamos sendo enganados. Ela fornece a correção
de nossos erros no meio do caminho.

Assim como a democracia deve permear todos os espaços sociais, a


ciência deve ser acessível a todos os cidadãos. É exatamente esse o papel

40
ensino de língua portuguesa no século xxi - relatos de experiência

da extensão universitária. Retomando nossa analogia com a mistura de óleo


(universidade/pesquisa) e água (escola/ensino), a extensão seria o componente
surfactante, responsável pela fusão dessas duas dimensões do conhecimento.
Neste capítulo, temos o objetivo de discutir o papel da extensão
universitária e suas contribuições potenciais para o avanço, democratiza-
ção e popularização das ciências, sobretudo a Linguística, já que essa é a
nossa área de atuação. Por isso, estruturamos este texto em mais quatro
seções, a saber: 1) A universidade e a indissociabilidade entre pesquisa,
ensino e extensão; 2) Extensão universitária: caracterização e desafios;
3) Linguística, ensino, democratização e popularização da ciência; 4)
Projeto de extensão Ensino de língua portuguesa no século XXI – tradi-
ção, inovação e pesquisa. Fechamos o texto com as considerações finais
e as referências bibliográficas.

A universidade e a indissociabilidade entre pesquisa, ensino e ex-


tensão
Art. 207. As universidades gozam, na forma da lei, de autono-
mia didático-científica, administrativa e de gestão financeira
e patrimonial e obedecerão ao princípio da indissociabilidade
entre ensino, pesquisa e extensão.
Constituição da República Federativa do Brasil (1988)2.

A indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão é um princípio


constitucional que rege as universidades brasileiras, sejam elas públicas
ou privadas. Teve sua origem nas discussões do Fórum da Educação na
Constituinte (1987) – representado pela Associação Nacional dos Do-
centes do Ensino Superior (ANDES) e algumas outras entidades sociais
–, voltadas para um novo projeto de universidade brasileira no período
de redemocratização do país: uma instituição promotora de ascensão
social e política para todos os brasileiros, e não apenas para uma diminuta
parcela da população.
2 Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/topicos/10650167/artigo-207-da-constituicao-
federal-de-1988. Acesso em: 18 mai. 2022.

41
ensino de língua portuguesa no século xxi - relatos de experiência

O referido princípio está associado ao ideal de uma universidade


pública, gratuita, autônoma, democrática, acessível a todos aqueles que
almejarem o Ensino Superior, e relevante para a sociedade. Segundo a
ANDES (2003, p. 30), ele reflete

um conceito de qualidade do trabalho acadêmico que favorece


a aproximação entre universidade e sociedade, a autorreflexão
crítica, a emancipação teórica e prática dos estudantes e o sig-
nificado social do trabalho acadêmico. A concretização deste
princípio supõe a realização de projetos coletivos de trabalho
que se referenciem na avaliação institucional, no planejamento
das ações institucionais e na avaliação que leve em conta o
interesse da maioria da sociedade.

Nesse sentido, o princípio da indissociabilidade pesquisa, ensino


e extensão é contrário a uma organização hegemônica da sociedade, na
qual uma classe burguesa e detentora dos meios de produção exerce do-
minação ideológica, cultural e econômica sobre as demais. Inclusive, nas
palavras de Mazzilli (1996, p. 9), a garantia desse princípio é essencial
na construção de uma sociedade democrática e igualitária:

A tentativa de implantação de um modelo de universidade


baseado no modelo empresarial de qualidade e produtividade
vem se dando a partir de iniciativas de avaliação do ensino
superior fundadas na avaliação do trabalho acadêmico, no
enfoque dos desempenhos individuais, sem circunstanciar as
condições concretas e históricas, do ponto de vista social e
institucional, em que esse trabalho ocorre (...). Contrapondo-se
ao discurso oficial, entidades científicas e sindicais e diversos
teóricos têm apontado outras saídas para a crise. A democra-
tização da universidade, nessa perspectiva, significa atribuir
o poder de decisão a quem faz e ao Estado sua manutenção, o
que implica garantia de acesso e permanência, socialização da
produção e da gestão (...) a indissociabilidade entre pesquisa,
ensino e extensão é apontada, nessa perspectiva, como crité-
rio de qualidade na concretização de um trabalho acadêmico
assim referenciado.

42
ensino de língua portuguesa no século xxi - relatos de experiência

Conforme Gonçalves (2015, p. 1232), inicialmente, a universidade


tinha apenas duas funções: a de lugar de produção de conhecimento
(pesquisa) e de formação de profissionais (ensino). Nesse sentido, a
função da extensão – cujo objetivo precípuo é o de estender o conhe-
cimento nela produzido à sociedade – é bem mais recente. Trata-se de
um compromisso tanto com a difusão do conhecimento, da cultura ou
da prestação de um serviço em benefício à população – em especial,
à mais carente –, quanto com a construção de uma sociedade mais
justa, igualitária e democrática. Nos termos da FORPROEX3 (1987
apud NOGUEIRA, 2000, p. 11), “a extensão universitária é o processo
educativo, cultural e científico que articula o ensino e a pesquisa de
forma indissociável e viabiliza a relação transformadora entre a uni-
versidade e a sociedade.”
Santos (2005) defende que adoção do princípio da indissociabili-
dade entre pesquisa, ensino e extensão exige uma reforma universitária,
em que as atividades de extensão assumam um papel central, e isso traz
consequências tanto para as políticas educacionais do ensino superior
– que devem constar no PDI das universidades e PPCs das graduações4
– quanto para a carreira docente – as atividades de extensão devem
ter peso curricular, tanto na seleção quanto na progressão funcional de
docentes. A centralidade de que trata Santos (2005) articula interesses
sociais com os científicos, buscando, em suas palavras, “uma ecologia
de saberes” (SANTOS, 2005, p. 75), já que promove o diálogo “entre o
saber científico e o humanístico, que a universidade produz, e saberes
leigos [...] que circulam na sociedade” (SANTOS, 2005, p. 76). Esse
pensamento também pode ser inferido no documento Política Nacional
de Extensão Universitária, da FORPROEX (1999 apud NOGUEIRA,
2000, p. 11-12):
3 A FORPROEX – Fórum de Pró-Reitores de Extensão das Instituições Públicas de Educação
Superior Brasileiras – é a entidade responsável pela articulação e definição de políticas aca-
dêmicas de extensão, comprometida com a transformação social para o pleno exercício da
cidadania e fortalecimento da democracia.
4 PDI é uma sigla para Plano de Desenvolvimento Institucional; PPC, Plano Pedagógico do
Curso.

43
ensino de língua portuguesa no século xxi - relatos de experiência

A extensão é uma via de mão-dupla, com trânsito assegurado à


comunidade acadêmica, que encontrará, na sociedade, a oportu-
nidade de elaboração da práxis de um conhecimento acadêmico.
No retorno à universidade, docentes e discentes trarão um apren-
dizado que, submetido à reflexão teórica, será acrescido àquele
conhecimento. Este fluxo, que estabelece a troca de saberes
sistematizados/acadêmico e popular, terá como consequência: a
produção de conhecimento resultante do confronto com a reali-
dade brasileira e regional; e a democratização do conhecimento
acadêmico e a participação efetiva da comunidade na atuação da
universidade. Além de instrumentalizadora deste processo dia-
lético de teoria/prática, a extensão é um trabalho interdisciplinar
que favorece a visão integrada do social. [...] Como um processo
que permeia o ensino e a pesquisa, integrando essas atividades,
a extensão deve ser parte indispensável da rotina universitária,
institucionalizando-se tanto do ponto de vista administrativo
como da prática acadêmica.

Talvez por serem mais recentes, as atividades de extensão univer-


sitária, no Brasil, ainda são relativamente tímidas em comparação às
atividades de pesquisa e ensino, cuja tradição é mais longa. Embora as
universidades invistam em ações extensionistas – por meio de programas,
projetos, cursos, eventos, prestação de serviços etc. –, elas coexistem com
as ações de pesquisa e ensino – isto é, não perpassam todas as ativida-
des universitárias. Sendo assim, não assumiram ainda a centralidade do
processo, como defende Santos (2005).
Por esse motivo, uma das metas do Plano Nacional de Educação
(PNE 2001-2010; PNE 2010-2020) foi a de implantar um Programa de
Desenvolvimento da Extensão Universitária em todas as Instituições
Federais de Ensino Superior e assegurar que, no mínimo, 10% do total
de créditos exigidos para a graduação no país serão destinados às ações
extensionistas. Trata-se de uma política em estágio de implantação, cujo
prazo máximo é o primeiro semestre de 2023. Isso significa que, a partir
do referido ano, todas as matrizes curriculares dos cursos de graduação
no Brasil devem atender a essa diretriz.

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ensino de língua portuguesa no século xxi - relatos de experiência

Extensão universitária: caracterização e desafios

Segundo Gadotti (2017), a extensão universitária começou a ser pla-


nejada tardiamente no Brasil em relação à Europa. Lá, a extensão surgiu
no século XIX, na Inglaterra, sob o rótulo “educação continuada”, com
o objetivo de direcionar novos caminhos para a sociedade e promover
a educação continuada de adultos. Aqui, ela só passou a fazer parte de
um projeto de universidade na década de 1960 – já em uma proposta em
que é vista como indissociável à pesquisa e ao ensino –, com o intuito de
auxiliar as classes populares na conscientização de seus direitos.
Atualmente, no Brasil, as atividades de extensão são reguladas por
um conjunto de Diretrizes para a Extensão na Educação Superior, pre-
sentes na Resolução CNE/CES 608/20185. Abaixo, transcrevemos uma
síntese dessas diretrizes, presente na Resolução CEPEx/UFF 567/20216:

I. Interação Dialógica: a Interação Dialógica orienta o desenvolvimento de


relações entre universidade e setores sociais marcados pelo diálogo e troca de
saberes, superando-se, assim, o discurso da hegemonia acadêmica e substituin-
do-o pela ideia de aliança com movimentos, setores e organizações sociais;

II. Interdisciplinaridade e Interprofissionalidade: a Interdisciplinaridade e


Interprofissionalidade para as ações extensionistas busca superar a dicotomia
entre as visões holísticas, destinadas a apreender a complexidade do todo, mas
condenadas a serem generalistas e visões especializadas, destinadas a tratar
especificidades, mas caracterizadas pelo parcelamento do todo; combinando
a especialização e a complexidade inerente às comunidades, setores e grupos
sociais, com os quais se desenvolvem as ações de Extensão, ou aos próprios
objetivos e objetos dessas ações;

5 Disponível em: < http://novo.semerj.org.br/informativo/arecer-cne-ces-no-608-2018-diretrizes-


para-as-politicas-de-extensao-da-educacao-superior-brasileira-e-parecer-cne-ces-no-635-2018-
diretrizes-curriculares-nacionais-do-curso-de-graduacao-em-dire/> - Acesso em 21 de maio
de 2022.
6 Boletim de Serviço – Universidade Federal Fluminense, Ano LV, n. 220, 2021, p. 83.

45
ensino de língua portuguesa no século xxi - relatos de experiência

III. Indissociabilidade Ensino – Pesquisa – Extensão: A Indissociabilidade


Ensino – Pesquisa – Extensão reafirma a Extensão Universitária como pro-
cesso acadêmico. Nessa perspectiva, para que as ações de extensão adquiram
efetividade é preciso que estejam vinculadas ao processo de formação de
pessoas (Ensino) e de geração de conhecimento (Pesquisa). Assim, no âmbito
da relação entre Pesquisa e Ensino, a diretriz Indissociabilidade Ensino – Pes-
quisa – Extensão inaugura possibilidades importantes na trajetória acadêmica
do estudante e do professor;

IV. Impacto na Formação do estudante: as atividades de Extensão Uni-


versitária constituem aportes decisivos à formação do estudante, seja pela
ampliação do universo de referência que ensejam, seja pelo contato direto
com as grandes questões contemporâneas. Esses resultados permitem o enri-
quecimento da experiência discente em termos teóricos e metodológicos, ao
mesmo tempo em que abrem espaços para reafirmação e materialização dos
compromissos éticos e solidários da Universidade Pública Brasileira. Neste
sentido, a participação do estudante nas ações de Extensão Universitária deve
estar sustentada em iniciativas que viabilizem a flexibilização curricular e a
integralização da carga horária;

V. Impacto e Transformação Social: a diretriz Impacto e Transformação


Social reafirma a Extensão Universitária como o mecanismo por meio do
qual se estabelece a inter-relação da Universidade com os outros setores da
sociedade, com vistas a uma atuação transformadora, voltada para os interesses
e necessidades da maioria da população e propiciadora do desenvolvimento
social e regional, assim como para o aprimoramento das políticas públicas.

A Resolução CNE/CES 608/2018 prevê, em seu artigo 8º, que as


referidas atividades podem ocorrer nas seguintes modalidades: progra-
mas, projetos, cursos e oficinas, eventos e prestação de serviços. Na
Resolução CEPEx/UFF 567/2021, podemos entender, com mais detalhes,
o que caracteriza as cinco primeiras modalidades7:

7 Boletim de Serviço – Universidade Federal Fluminense, Ano LV, n. 220, 2021, p. 84.

46
ensino de língua portuguesa no século xxi - relatos de experiência

I. Programas: conjunto de projetos de extensão ampliado de caráter insti-


tucional, realizados com o mesmo objetivo sob uma coordenação comum;

II. Projetos: conjunto de ações processuais contínuas de caráter educativo,


social, cultural, científico, esportivo ou tecnológico, integrado às atividades
de ensino e pesquisa com o objetivo definido e prazo determinado;

III. Cursos e Oficinas:

a. Cursos: conjunto articulado de atividades pedagógicas, de


caráter teórico e/ou prático, presencial ou a distância, plane-
jado e organizado de maneira sistemática, com carga horária
definida, além de explicitado processo de avaliação;

b. Oficinas: atividades pedagógicas de caráter prático que vi-


sam a troca de saberes numa perspectiva de interação dialógica
centrada na construção coletiva de conhecimento;

IV. Eventos: organização, promoção ou atuação em uma programação que


implique na apresentação pública livre ou com clientela específica, visando à
difusão do conhecimento ou de produtos culturais, científicos ou tecnológicos
desenvolvidos, conservados ou reconhecidos pela Universidade, podendo
ser realizada através de fórum, congresso, seminário, simpósio, espetáculo
musical e/ou teatral e outros.

Segundo Gonçalves (2015), embora as universidades, de um modo


geral, já atendam à referida Resolução, na medida em que apresentam
as modalidades de atividades supracitadas, a implementação dos reais
objetivos extensionistas continuam representando um grande desafio por
uma série de razões. A primeira delas se deve ao fato de as instituições
normalmente encararem as ações extensionistas como uma função adi-
cional, paralela às atividades de pesquisa e ensino. Sobre esse aspecto,
nas palavras da estudiosa (2015, p. 1239), “coexistência não significa
indissociabilidade”. Isso significa que é muito frequente que a univer-
sidade atenda às três funções – pesquisa, ensino e extensão –, mas sem
que a extensão implique, necessariamente, o impacto sobre as atividades

47
ensino de língua portuguesa no século xxi - relatos de experiência

de pesquisa e ensino. Nessa esteira, a extensão, quase sempre, caminha


à parte, em busca pelo próprio espaço.
Sob essa ótica, a despeito de as universidades implementarem ativi-
dades extensionistas (programas, projetos, cursos, oficinas etc.), aquilo
que tem mais “diretamente a ver com a universidade necessária, de a
extensão constituir-se em prática acadêmica, um princípio filosófico,
político e metodológico, permeando o ensino e a pesquisa, relativamente
pouco avançou” (GONÇALVES, 2015, p. 1239).
Apesar de reconhecermos que a implementação de 10% de crédi-
tos obrigatórios de extensão, nas matrizes curriculares, representa um
avanço, na medida em que dá mais visibilidade à extensão, ela, por si só,
não garante o atendimento ao princípio extensionista. Sobre isso, afirma
Nogueira (2000, p. 118):

A conceituação [de Extensão] assumida pelos Pró-Reitores


expressa uma nova postura da universidade diante da socie-
dade em que se insere. A sua função básica de produção e
de socialização do conhecimento, visando a intervenção, na
realidade, possibilita acordos e ação coletiva entre Universi-
dade e população. Por outro lado, retira o caráter de terceira
função da Extensão, de dimensioná-la como filosofia, ação
vinculada, política, estratégica democratizante, metodolo-
gia, sinalizando para a universidade voltada aos problemas
sociais com o objetivo de encontrar soluções através da pes-
quisa básica e aplicada, visando a realimentar o processo de
ensino-aprendizagem com um todo e intervindo na realidade
concreta (grifos nossos).

Ainda a esse respeito, Veiga (2006, p. 87-88) considera que

A docência universitária exige a indissociabilidade entre


ensino, pesquisa e extensão. Faz parte dessa característica
integradora a produção do conhecimento bem como sua socia-
lização. A indissociabilidade aponta para a atividade reflexiva e
problematizadora do futuro profissional. Articula componentes

48
ensino de língua portuguesa no século xxi - relatos de experiência

curriculares e projetos de pesquisa e de intervenção, levando em


conta que a realidade social não é objetivo de uma disciplina
e isso exige o emprego de uma pluralidade metodológica. A
pesquisa e a extensão indissociadas da docência necessitam
interrogar o que se encontra fora do ângulo imediato de visão.
Não se trata de pensar na extensão como diluição de ações
– para uso externo – daquilo que a universidade produzir de
bom. O conhecimento científico produzido pela universidade
não é para mera divulgação, mas é para a melhoria de sua
capacidade de decisão. O FORGRAD (2001) considera que o
ensino como extensão “[...] aponta para a formação contextu-
alizada às agudas questões da sociedade contemporânea” (p.
31), e o ensino como pesquisa “[...] aponta para o verdadeiro
domínio dos instrumentos nos quais cada profissão se expressa,
em seu próprio processo evolutivo” (p. 31). (grifos nossos).

Uma segunda razão que dificulta a implementação das atividades de


extensão é a forma como ela organiza a pesquisa e o currículo (de ensino).
Enquanto, numa visão dissociada (de coexistência) entre pesquisa, ensino
e extensão, a universidade determina a organização de seus currículos e
os docentes têm relativa autonomia quanto ao campo de pesquisa em que
desejam atuar, em uma visão indissociável, a extensão é o fio condutor,
na medida em que orienta a definição das linhas de pesquisa e ensino
em função das necessidades sociais. Ou seja, as decisões envolvem a
participação não só das pró-reitorias, departamentos, cursos, professores
e alunos, como também a população.
Por fim, há razões associadas tanto à falta de planejamento econômi-
co e de marcos legais específicos quanto à arraigada cultura acadêmica,
cujo conservadorismo é difícil de combater. Sobre esses aspectos, assim
se manifesta a FORPROEX (2012, p. 13):

Como ocorre nos âmbitos internacional e nacional, também


no da Universidade Pública Brasileira encontramos limites de
natureza estrutural e conjuntural, e possibilidades que desafiam
a criatividade política, institucional e organizacional. Entre os
limites, destacam-se o financiamento instável, que prejudica

49
ensino de língua portuguesa no século xxi - relatos de experiência

a continuidade dos projetos; o marco jurídico-legal defasado,


que emperra a gestão universitária; a estrutura acadêmica
rígida, conservadora e, muitas vezes, elitista, que dificulta as
mudanças nas direções demandadas pela sociedade brasilei-
ra. Em seu conjunto, essas limitações, caso não enfrentadas,
colocam riscos ao cumprimento da missão da Universidade
Pública de produzir um conhecimento capaz de induzir um
desenvolvimento ético, humano e sustentável.

Conforme podemos observar, são inúmeros os desafios que enfrenta


a extensão universitária no Brasil. De todos eles, talvez o financeiro seja
o mais difícil de superar, já que não envolve apenas o trabalho da univer-
sidade e de seus participantes, mas, sobretudo, repasse orçamentário da
União. Além de, até hoje, não existir um aporte financeiro próprio para
as ações extensionistas nas universidades, as instituições vêm perdendo,
progressivamente, seu orçamento. Cada vez menos, investe-se em pes-
quisa e ensino no país (quem dirá, em extensão, não é mesmo?). Agora
em maio de 2022 – período em que redigimos este texto –, o orçamento
de que dispõem as universidades brasileiras é inferior ao de 2010, se-
gundo o G18, o que torna difícil não somente a promoção de atividades
de extensão, como a própria subsistência da universidade brasileira. A
implementação do projeto de extensão Ensino de língua portuguesa no
século XXI – tradição, inovação e pesquisa, por exemplo, cujas ações
culminaram na produção desta obra, só foi possível em virtude do fo-
mento oferecido pela Prefeitura Municipal de Niterói, que, em parceria
com a Universidade Federal Fluminense, lançou o PDPA (Programa de
Desenvolvimento de Projetos Aplicados), programa do qual esse projeto
faz parte.

8 Disponível em: https://g1.globo.com/ba/bahia/noticia/2021/05/19/ufba-tem-corte-de-r-30-


milhoes-em-relacao-ao-orcamento-de-2020-valor-e-o-menor-em-11-anos.ghtml. Acesso em:
19 mai. 2022.

50
ensino de língua portuguesa no século xxi - relatos de experiência

Linguística, ensino, democratização e popularização da ciência

Na área dos estudos linguísticos, a questão de como os resultados


da pesquisa praticada na universidade pode e deve chegar à sociedade,
como forma de democratização e de retorno social dos investimentos
públicos (federais, estaduais e municipais), é uma pauta atualmente muito
discutida e relevante. Não por outro motivo, a Associação Brasileira de
Linguística9 (Abralin), que congrega milhares de pesquisadores do país
e mesmo do exterior, publica a Revista Roseta10, que visa justamente
à divulgação e à popularização dos resultados da pesquisa linguística
praticada nos centros de investigação do país, a partir da consideração
de que ciência é uma instância de atividade social.
Na página de apresentação da Roseta, destaca-se uma das missões
fundamentais dos linguistas:

a pesquisa científica realizada nos centros acadêmicos deve


alcançar o grande público, cumprindo assim um seu objetivo
social: promover o pensamento crítico e o diálogo entre pesqui-
sadores e a comunidade como um todo. Além disso, a ABRA-
LIN comunga com o posicionamento de que a popularização da
ciência é uma ação de inclusão social: dar acesso a populações
social e economicamente excluídas do conhecimento básico
sobre a ciência e seu funcionamento, de maneira que possam
entender o seu entorno, ampliar suas oportunidades e atuar
politicamente com conhecimento de causa.

A partir dessa declaração, as perguntas que fazemos são, entre


outras: como a Linguística pode, efetivamente, promover a interação
entre a produção de conhecimento praticada nos centros acadêmicos
e o meio social? Que ações permitem viabilizar a popularização da
ciência? De que forma essa divulgação de conhecimento tem efetiva
condição de ampliar oportunidades dos mais excluídos social e econo-
9 Disponível em: https://www.abralin.org/site/
10 Disponível em: https://www.roseta.org.br/sobre/

51
ensino de língua portuguesa no século xxi - relatos de experiência

micamente no país? Trata-se, de fato, de questionamentos desafiadores


de nossos tempos.
O ponto de partida que selecionamos para responder a tais indaga-
ções é a consideração da relação intrínseca e indissociável entre lingua-
gem e sociedade. Nos estudos linguísticos, tal relação ganha destaque e
tratamento científico sistemático a partir da Sociolinguística, com base
nas formulações de William Labov na década de 60 do século XX. De
acordo com essa perspectiva teórica, tanto o uso quanto a mudança ocor-
ridos na língua são motivados pelas características sociais da sociedade
em sua trajetória histórica. Tais características envolvem componentes
culturais, regionais, etários, econômicos, entre outros. Nas palavras de
Labov (2008, p. 21):

não se pode entender o desenvolvimento de uma mudança


linguística sem levar em conta a vida social da comunidade
em que ela ocorre. Ou, dizendo de outro modo, as pressões
sociais estão operando continuamente sobre a língua, não de
algum ponto remoto do passado, mas como uma força social
imanente agindo no presente vivo.

A incorporação do viés social aos estudos linguísticos passou a


impactar uma série de pautas de pesquisa desenvolvidas no meio univer-
sitário brasileiro. Uma dessas agendas de investigação é aquela atinente
à questão da norma, entendida por Lucchesi (2015) como a forma de
um grupo usar a língua dentro de uma comunidade linguística. Nessa
perspectiva, entram em pauta a discussão e a reflexão sobre usos mais
ou menos prestigiados no meio social, bem como a consideração da
variação linguística como traço constitutivo de toda e qualquer língua.
Assim, pesquisas em torno dos usos do português do Brasil, a partir
de levantamento, descrição e análise de dados de fala e escrita, como as
praticadas por Bagno (2007, 2009), Faraco (2008) e Lucchesi (2015),
entre outras, passam a concorrer para que mais e melhor se conheçam as
normas linguísticas que identificam grupos sociais no país. Essa agenda

52
ensino de língua portuguesa no século xxi - relatos de experiência

de pesquisa, no viés da popularização da ciência, incrementa a legitima-


ção da variabilidade dos usos linguísticos, com a abordagem desses usos
na perspectiva de sua adequação aos diversos contextos interacionais,
o que motiva o afastamento da clássica dicotomia veiculada pelo senso
comum na base do certo x errado.
Outra agenda, relacionada à anterior, está voltada para a identifi-
cação, a denúncia e o debate acerca do preconceito linguístico como
forma de exclusão social, tendo como bandeira a defesa do direito à
fala que devem ter os setores tradicionalmente excluídos ou margina-
lizados da sociedade. No âmbito dessa agenda, Bagno (1999) lista o
que considera serem os oito preconceitos basilares da sociedade brasi-
leira acerca da língua portuguesa: 1) a pretensa unidade do português
falado no Brasil; 2) a crença de que o brasileiro “não sabe falar bem a
língua”; 3) o grau de dificuldade do português face a outras línguas;
4) a ideia de que o erro linguístico é praticado por pessoas com menos
letramento; 5) a consideração de que no estado do Maranhão se fala
“melhor” o português no Brasil; 6) a correspondência entre padrões
de escrita e de pronúncia; 7) a necessidade de “saber gramática” para
falar e escrever “bem”; 8) o pré-requisito da norma culta para ascensão
social. O autor vai desconstruindo cada um desses preconceitos, como
demonstra Oliveira (2008), a partir de resultados de estudos científicos
na área da Sociolinguística.
Como podemos observar, as pesquisas em torno das referidas
pautas têm trazido resultados relevantes que interessam não só aos en-
volvidos diretamente com tais investigações, mas que dizem respeito à
sociedade como um todo, uma vez que permitem compreender melhor
como se organiza e opera o meio social. Além dessa compreensão, tais
resultados, ao serem trazidos ao contexto social maior, atuam como
mais uma ferramenta, por exemplo, na defesa dos direitos linguísticos,
na consideração respeitosa da variação linguística e no combate ao
preconceito nessa área.

53
ensino de língua portuguesa no século xxi - relatos de experiência

Vale destacar que a relação entre linguagem e sociedade, assumida


teórica e metodologicamente de modo mais cabal a partir da Sociolin-
guística laboviana, pode ser verificada em outras áreas da Linguística,
envolvendo estudos funcionalistas, analistas do discurso, cognitivistas,
entre outros. Vertentes formalistas, como o Gerativismo e a Psicolin-
guística, também produzem resultados de pesquisa que muito interessam
à sociedade como um todo, uma vez que a linguagem é uma atividade
complexa e multifacetada, envolvendo distintas motivações (estruturais,
cognitivas, pragmáticas, textuais etc.) que devem ser consideradas, des-
critas, analisadas e sistematizadas.
A divulgação e a popularização de boa parte dos resultados de
pesquisa das diversas áreas da Linguística para além do espaço aca-
dêmico, na base da consideração de que ciência é também atividade
social, podem concorrer efetivamente para a popularização da pesquisa
linguística, misturando óleo e água, conforme o título deste capítulo
propõe. Uma via relevante no estabelecimento dessa mistura diz respeito
à extensão, um dos três eixos em torno dos quais se articula a atividade
acadêmica universitária, que se distribui em pesquisa, ensino e extensão.
No âmbito das ações de extensão, os resultados da pesquisa linguística
podem chegar à sala de aula da Educação Básica por intermédio de
uma série de ações voltadas para a capacitação docente, para a análise
ou a elaboração de materiais didáticos, por exemplo. De outra parte, o
efeito da implementação dessas ações, acompanhado da discussão e da
avaliação de seus impactos, realimenta a pesquisa científica, testando-a
e redimensionando-a continuamente.
A fim de que se estabeleça a relação entre Linguística e ensino com
vistas à democratização e à popularização da ciência, é fundamental que
as atividades de extensão ocorram de forma horizontalizada, com base na
consideração de que a ciência é um bem cultural a ser (com)partilhado.
Nessa linha de ação, linguistas e docentes da Educação Básica devem
se situar no mesmo nível, cada qual com sua experiência específica e
em perspectiva distinta, em prol da formação de cidadãos conscientes

54
ensino de língua portuguesa no século xxi - relatos de experiência

e competentes, capazes de usar com eficiência a língua portuguesa,


analisando-a e refletindo sobre sua estrutura, suas categorias gramaticais,
seus efeitos de sentido, entre outros.
Conforme declaram os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN,
1998, p. 20) acerca da Linguística e de seus resultados de pesquisa: “a
produção científica na área tornou possível repensar sobre as questões
envolvidas no ensino e na aprendizagem da língua”. Além de refletir
sobre o conjunto dessa produção, é preciso apresentar tais resultados à
sociedade, levando-os ao conhecimento dos professores, a fim de que
esse conhecimento possa ser reelaborado com vistas à aplicação em sala
de aula, testando, inclusive, o alcance e a aplicabilidade dos resultados
da pesquisa científica.
Imbuídos por esse propósito de articulação entre universidade/pes-
quisa (óleo) e escola/ensino (água), nos dedicamos, na próxima seção, ao
caminho que nos leva à proposição do projeto Ensino de língua portu-
guesa no século XXI – tradição, inovação e pesquisa. Trata-se de nossa
contribuição com vistas não só à popularização da ciência linguística
como também à promoção de inclusão social, na saudável e bem-vinda
parceria entre academia e a sociedade.

O projeto de extensão Ensino de língua portuguesa no século XXI –


tradição, inovação e pesquisa

O projeto que dá nome a esta seção é fruto de uma trajetória de


mudanças na concepção de ensino de língua materna no contexto da
Educação Básica do país, consequente do maior conhecimento e da
divulgação acerca dos resultados da pesquisa linguística desenvolvida
no meio acadêmico universitário. Para tal repercussão, a publicação dos
PCN, em 1998, tem papel relevante e pioneiro, uma vez que destaca
explicitamente os resultados referidos:

55
ensino de língua portuguesa no século xxi - relatos de experiência

A nova crítica do ensino de Língua Portuguesa, no entanto,


só se estabeleceria mais consistentemente no início dos anos
80, quando as pesquisas produzidas por uma linguística in-
dependente da tradição normativa e filológica e os estudos
desenvolvidos em variação linguística e psicolinguística,
entre outras, possibilitaram avanços nas áreas de educação e
psicologia da aprendizagem, principalmente no que se refere à
aquisição da escrita. Este novo quadro permitiu a emersão de
um corpo relativamente coeso de reflexões sobre a finalidade
e os conteúdos do ensino de língua materna. (BRASIL, 1998,
p. 17-18)

Nessa citação, como podemos observar, os PCN, enquanto docu-


mento oficial, chancelado pelo Ministério da Educação do Brasil, assume
uma perspectiva científica e não dogmática do que deve ser o novo en-
quadramento teórico a ser considerado nas salas de aula. A importância
conferida à pesquisa linguística permeia o texto como um todo, mani-
festada em vários pontos, como, por exemplo, ao estabelecer que entre
o aluno e a mediação do professor devem estar “os conhecimentos com
os quais se opera nas práticas de linguagem” (BRASIL, 1998, p. 22).
No lugar de saberes memorizados com base na tradição gramatical,
segundo a vertente mais clássica do ensino até então, os PCN declaram
que:
Toda educação comprometida com o exercício da cidadania
precisa criar condições para que o aluno possa desenvolver
sua competência discursiva. Um dos aspectos da competência
discursiva é o sujeito ser capaz de utilizar a língua de modo
variado, para produzir diferentes efeitos de sentido e adequar
o texto a diferentes situações de interlocução oral e escrita. É
o que aqui se chama de competência linguística e estilística.
(BRASIL, 1998, p. 23)

Por intermédio de tais declarações, os PCN (1998) põem em relevo


a atividade de análise e reflexão sobre a língua, enfatizando que são as
necessidades ou os propósitos comunicativos que devem efetivamente

56
ensino de língua portuguesa no século xxi - relatos de experiência

guiar a tarefa docente nas atividades de produção, leitura e escuta de textos


por parte dos alunos. Em consonância com tal assunção, encontramos nos
PCN (1998) referências explícitas a temas até então mais circunscritos
à pesquisa linguística, como, por exemplo: a legitimação da variação
linguística, a abordagem de questões de prestígio e de preconceito lin-
guísticos, a defesa do trabalho docente a partir de textos que levem em
conta os gêneros discursivos e as sequências textuais, que considerem as
correspondências e distinções entre as modalidades falada e escrita bem
como o viés contingencial dos usos linguísticos (funcional, pragmático-
discursivo), entre outros.
Sob a ótica dos PCN (1998, p. 32), a incorporação de conhecimentos
advindos da pesquisa científica na área da Linguística deve concorrer para
o atingimento do objetivo geral do ensino de língua materna na Educação
Básica do Brasil. Assim, é esperado que, ao final da Educação Básica:

o aluno amplie o domínio ativo do discurso nas diversas si-


tuações comunicativas, sobretudo nas instâncias públicas de
uso da linguagem, de modo a possibilitar sua inserção efetiva
no mundo da escrita, ampliando suas possibilidades de parti-
cipação social no exercício da cidadania.

Tal objetivo, em consonância com as aspirações de um ensino


inclusivo e reflexivo, visa à formação do cidadão participativo e pleno
de capacidades demandadas pelo século XXI. Para tanto, conforme pre-
conizam os PCN (BRASIL, 1998, p. 34):

O ensino de Língua Portuguesa deve se dar num espaço em


que as práticas de uso da linguagem sejam compreendidas em
sua dimensão histórica e em que a necessidade de análise e
sistematização teórica dos conhecimentos linguísticos decorra
dessas mesmas práticas.

Uma das consequências dessa verdadeira guinada nas orientações


para o ensino de português preconizada pelos PCN, como seria de se

57
ensino de língua portuguesa no século xxi - relatos de experiência

esperar, diz respeito à necessidade de capacitação do magistério, no


sentido de se atualizar, de conhecer o referencial teórico mencionado
pelo documento e os resultados ali referidos. Tal condição fomenta
ações de extensão, com vistas a aproximar a pesquisa científica (o óleo)
do ambiente escolar (a água), vinculando pesquisadores e professores
da Educação Básica na tarefa do enfrentamento das novas metas para a
educação brasileira em nível nacional.
Vinte anos depois da publicação dos PCN (1998), a Base Nacional
Comum Curricular (BNCC, 2018), ao detalhar os conteúdos a serem
contemplados no Ensino Fundamental e no Ensino Médio, mantém a
valorização das contribuições dos resultados da pesquisa linguística na
sala de aula da Educação Básica. Assim, em suas primeiras páginas, há
a defesa de que:

A sociedade contemporânea impõe um olhar inovador e inclu-


sivo a questões centrais do processo educativo: o que aprender,
para que aprender, como ensinar, como promover redes de
aprendizagem colaborativa e como avaliar o aprendizado. No
novo cenário mundial, reconhecer-se em seu contexto histó-
rico e cultural, comunicar-se, ser criativo, analítico-crítico,
participativo, aberto ao novo, colaborativo, resiliente, pro-
dutivo e responsável requer muito mais do que o acúmulo de
informações. Requer o desenvolvimento de competências para
aprender a aprender, saber lidar com a informação cada vez
mais disponível, atuar com discernimento e responsabilidade
nos contextos das culturas digitais, aplicar conhecimentos
para resolver problemas, ter autonomia para tomar decisões,
ser proativo para identificar os dados de uma situação e buscar
soluções, conviver e aprender com as diferenças e as diversi-
dades (BNCC, 2018, p. 14).

A menção à abordagem inovadora e inclusiva requerida pela contem-


poraneidade, na primeira linha da nota, já destaca a necessidade de que o
conhecimento científico seja considerado pela escola; no caso específico
de Língua Portuguesa, o conhecimento linguístico. Temos nessa citação

58
ensino de língua portuguesa no século xxi - relatos de experiência

também a alusão à inclusão social e à formação cidadã e participativa dos


alunos. De acordo com a BNCC (2018, p. 14), a Educação Básica deve
proporcionar aos discentes uma “educação integral”, conduzindo-os à:

construção intencional de processos educativos que promovam


aprendizagens sintonizadas com as necessidades, as possibili-
dades e os interesses dos estudantes e, também, com os desafios
da sociedade contemporânea.

Como podemos observar, trata-se de metas alinhadas aos PCN


(1998), as quais, por sua vez, consubstanciam-se por meio das chamadas
“competências”, que devem ser desenvolvidas durante os níveis Fun-
damental e Médio. Conforme a BNCC (2018, p. 8), uma competência
se define “como a mobilização de conhecimentos (conceitos e procedi-
mentos), habilidades (práticas, cognitivas e socioemocionais), atitudes
e valores para resolver demandas complexas da vida cotidiana, do pleno
exercício da cidadania e do mundo do trabalho”. A prática docente a
partir das competências elencadas para cada série e nível educacionais
tem um forte viés de compromisso social, correspondente à formação
de cidadãos conscientes e éticos, capazes de tornar a sociedade mais
humana, solidária e justa. Para que essa meta seja atingida, a parceria
ciência – ensino é fundamental, na aplicabilidade de saberes acadêmicos
no contexto escolar, misturando óleo e água.
Das dez competências gerais apontadas pela BNCC (2018, p. 9),
destacamos as duas primeiras, que dizem respeito mais de perto ao bi-
nômio pesquisa x ensino:

1. Valorizar e utilizar os conhecimentos historicamente construídos sobre o


mundo físico, social, cultural e digital para entender e explicar a realidade,
continuar aprendendo e colaborar para a construção de uma sociedade justa,
democrática e inclusiva.

2. Exercitar a curiosidade intelectual e recorrer à abordagem própria das


ciências, incluindo a investigação, a reflexão, a análise crítica, a imaginação

59
ensino de língua portuguesa no século xxi - relatos de experiência

e a criatividade, para investigar causas, elaborar e testar hipóteses, formular


e resolver problemas e criar soluções (inclusive tecnológicas) com base nos
conhecimentos das diferentes áreas.

Ao estabelecer como meta educacional a valorização e a utilização


de “conhecimentos historicamente construídos” e ao defender o exercício
da curiosidade científica na investigação e na construção desses conheci-
mentos, a BNCC (2018) acaba por evidenciar a importância das atividades
de extensão no atingimento dessas metas. Tal evidência é mais explícita
quando o documento, ao abordar a confecção do currículo escolar, des-
taca que é preciso “manter processos permanentes de formação docente
que possibilitem contínuo aperfeiçoamento dos processos de ensino e
aprendizagem” (BNCC, 2018, p. 17). Uma das vias de implementação
desses processos é justamente a realização de projetos de extensão, nos
quais o conhecimento científico chega à escola via capacitação e aper-
feiçoamento dos professores, que, por seu turno, concorrem para refinar
e redimensionar esse mesmo conhecimento.
No contexto da Secretaria de Educação de Niterói, as propostas
consubstanciadas nos PCN (1998) e na BNCC (2018) se atualizam na
Minuta do Referencial Curricular da Rede Municipal de Niterói11 (RC,
2020). Esse documento é derivado de uma série de atividades empreen-
didas no biênio 2019-2020, decorrentes, entre outras ações, do “diálogo
constante entre a Educação Básica e o Ensino Superior, com a colabo-
ração de diferentes grupos de pesquisa” (RC, 2020, p. 20), a partir dos
chamados ciclos de formações remotas. Nesses ciclos, como atividades de
extensão, uma série de pesquisadores de distintas áreas do conhecimento
foram ouvidos em palestras, nas quais puderam trocar experiências com
gestores e docentes da Rede Municipal de Ensino de Niterói.
Fortemente influenciado pela BNCC (2018), o RC (2020) destaca
tanto as competências já referidas quanto propõe uma política curricular
que vincule tradição e renovação, reforçando conhecimentos convencio-
11 Disponível em: https://ensinodelinguauff.wixsite.com/my-site-2/news-and-events

60
ensino de língua portuguesa no século xxi - relatos de experiência

nalizados e estabilizados ao lado da abertura de espaço para a criação,


a inovação e a testagem de novos conteúdos e métodos. Nesse sentido,
o RC (2020, p. 17) investe “na imprevisibilidade e nas ações criativas”,
abrindo caminho “ao encanto da incerteza, ao vir a ser como possibilidade,
como criação, como pulsação que reivindica as diferentes possibilidades
de educar”. Assim, a tarefa educacional visa à inclusão social e cidadã,
na valorização dos direitos humanos e dos princípios éticos.
No que concerne aos objetivos da área de Linguagens, o documento
propõe

não apenas levar o aluno ao conhecimento da gramática, mas,


sobretudo, ao desenvolvimento da capacidade de refletir, de
maneira crítica, sobre o mundo que o cerca e sobre a utilização
da língua como recurso para a interação social. A reflexão
linguística é feita a partir da compreensão, da análise, da in-
terpretação e da produção de textos verbais, considerando seu
contexto de produção, as diferentes situações de comunicação,
os gêneros e a intenção de quem os produz. Essa posição não
pressupõe abandonar o ensino gramatical, mas abordá-lo de
maneira contextualizada, buscando revelar suas implicações
na produção dos múltiplos sentidos (RC, 2020, p. 104-105).

Para dar conta dos objetivos consubstanciados na citação anterior,


que contemplam tanto o tratamento gramatical quanto o linguístico-
discursivo, o RC (2020) destaca a perspectiva contextual e produtiva que
deve marcar as práticas de análise, reflexão e uso linguístico, destacan-
do as propriedades intra e extralinguísticas envolvidas na interação. A
abordagem contextual referida deve considerar a diversidade de gêneros
discursivos, bem como a variação linguística, no combate ao preconceito
linguístico, tendo o texto como ponto de partida e de chegada das aulas.
O RC (2020), tal como referido nesta seção, está em consonância
com o Plano Estratégico 2013 – 2033 – Niterói que queremos, elabo-
rado pela administração municipal, a partir do eixo “Niterói Escolari-
zada e Inovadora”. Em 2020, em parceria com a Fundação Euclides da

61
ensino de língua portuguesa no século xxi - relatos de experiência

Cunha12, da Universidade Federal Fluminense, a Prefeitura de Niterói


lança o Programa de Desenvolvimento de Projetos Aplicados (PDPA),
como iniciativa voltada para a promoção de ações conjuntas, no âmbito
da extensão universitária, com vistas à melhoria de distintos setores da
cidade, entre os quais o educacional. Assim, aprovado no PDPA, o pro-
jeto Ensino de língua portuguesa no século XXI – tradição, inovação e
pesquisa13 se constitui como mais uma frente voltada para a articulação
entre o conhecimento científico (óleo) e o meio escolar (água) na região
fluminense.
Conforme se declara nas linhas iniciais do projeto referido:

No limiar do século XXI, as pesquisas na área de linguagens


têm acumulado uma grande quantidade de descobertas científi-
cas que podem ser úteis aos processos de ensino-aprendizagem.
A transposição desse conjunto de conhecimentos acadêmicos
para a realidade das salas de aula pode ser uma importante
ferramenta para o desenvolvimento de novas perspectivas pe-
dagógicas para a Educação Municipal de Niterói. (ROSÁRIO;
LOPES; OLIVEIRA, 2021, p. 1)

Tal declaração assume, de partida, o compromisso com a vinculação


entre ciência (grande quantidade de descobertas científicas; conjunto de
conhecimentos acadêmicos) e sociedade (processos de ensino-aprendi-
zagem; realidade das salas de aula; novas perspectivas pedagógicas).
Com vistas à implementação dessa parceria, o projeto se desdobra em
três ações maiores: a) de diagnóstico, com visitas a escolas municipais
de Niterói por parte de pesquisadores (docentes e discentes da equipe
da UFF); b) de capacitação, sob forma de curso ministrado por especia-
listas da UFF e de outras universidades do Rio de Janeiro a docentes da
Educação Básica da cidade; c) de produção bibliográfica, por intermédio
da publicação de duas coletâneas: uma de cunho teórico, redigida por
pesquisadores responsáveis pelas aulas do curso de capacitação, e outra
12 Disponível em: https://somosfec.org.br/projetos-aplicados/
13 Disponível em: https://ensinodelinguauff.wixsite.com/my-site-2/about-us

62
ensino de língua portuguesa no século xxi - relatos de experiência

de cunho aplicado, elaborada por docentes da Educação Básica de Niterói


participantes do curso de capacitação.
Entre as diversas áreas dos estudos linguísticos, o projeto Ensino
de língua portuguesa no século XXI – tradição, inovação e pesquisa
caracteriza-se como uma abordagem enunciativo-discursiva da lin-
guagem, com foco em resultados de pesquisa do Funcionalismo e
do Sociointeracionismo, como se encontram em Furtado da Cunha,
Oliveira e Martelotta (2015), Travaglia (2011), Schneuwly e Dolz
(2004), entre outros. Tais resultados vão ao encontro do que pre-
conizam os PCN (1998), a BNCC (2018) e o RC (2020). Segundo
tal enfoque, “prioriza-se uma abordagem espiral da gramática, em
que os conteúdos gramaticais vão sendo trabalhados à medida que
são instrumentais para os textos e/ou habilidades que devem ser de-
senvolvidos” (ROSÁRIO; LOPES; OLIVEIRA, 2021, p. 3). Nesse
sentido, as atividades de análise e reflexão sobre a língua são mo-
tivadas e selecionadas com vistas ao aprimoramento de habilidades
comunicativas do corpo discente, a partir da produção e da recepção
de textos de gêneros discursivos distintos.
Como proposta de extensão, o projeto Ensino de língua portuguesa
no século XXI – tradição, inovação e pesquisa visa à formação conti-
nuada do magistério da rede pública municipal de Niterói. Seu objetivo
maior é que

os docentes sejam capazes de promover o desenvolvimento


da competência discursiva de seus alunos por meio de estra-
tégias eficazes, que levem em consideração tanto a avaliação
formativa (comprometida com o diagnóstico contínuo, para
verificar se os objetivos traçados estão sendo alcançados)
quanto a promoção de uma interlocução efetiva dos alunos
(isto é, tanto a compreensão e interpretação ativas quanto a
produção textual) nas diferentes modalidades, nos diferentes
gêneros discursivos e nas diferentes semioses.

63
ensino de língua portuguesa no século xxi - relatos de experiência

Espera-se, assim, que os procedimentos diagnósticos iniciais,


acompanhados pelas atividades de capacitação continuada e de produ-
ção bibliográfica, sejam capazes de vincular o conhecimento linguístico
produzido pela universidade ao meio social, no caso, ao corpo docente
e, posteriormente, ao corpo discente das escolas públicas de Niterói.
Além de concorrer para a formação docente, na outra via do projeto,
espera-se que seus resultados possam subsidiar a pesquisa praticada no
meio acadêmico, no estabelecimento da inter-relação pesquisa x ensino,
misturando óleo e água.

Considerações finais

Ao longo deste capítulo, argumentamos a favor de que o conheci-


mento científico (óleo) deve se voltar para as demandas da sociedade
(água), na base do compromisso social que a ciência precisa assumir em
termos do retorno de seus resultados para a comunidade como um todo.
Defendemos que não pode haver rígida separação entre contexto acadê-
mico e contexto social, até porque, em muitos casos, como no Brasil, é
este contexto social que sustenta financeiramente as práticas científicas.
Constatamos que ensino – pesquisa – extensão formam o tripé
sobre o qual se assentam as atividades em nível universitário no país,
cuja indissociabilidade está destacada constitucionalmente. Para além
da prescrição legal, consideramos que cada um desses três eixos é um
componente relevante na complexa rede de atribuições da universidade
brasileira, em que a extensão, de história mais recente nessa rede, tem
papel fundamental em termos da demandas do século XXI no Brasil.
No que concerne aos estudos linguísticos, nossa área de conheci-
mento, destacamos que a relação entre linguagem e sociedade, basilar
nas atividades de extensão, é assumida mais explicitamente a partir dos
resultados da pesquisa sociolinguística, iniciada nos anos 60 do século
XX. Com a ampliação e o avanço dos estudos linguísticos no Brasil, os
resultados dessa agenda de investigação surgem nos PCN (1998), des-

64
ensino de língua portuguesa no século xxi - relatos de experiência

tacando a relação entre ciência e ensino-aprendizagem, trazendo para


esse documento a voz da Linguística. Já no século XXI, a BNCC (2018)
e o RC (2020) ratificam o compromisso social da pesquisa linguística,
na referência a fundamentos e a resultados da ciência da linguagem ao
explicitar objetivos de ensino e ao fundamentar sua argumentação.
Como produto da inter-relação pesquisa – ensino, destacada nos
documentos referidos, chegamos ao projeto Ensino de língua portuguesa
no século XXI – tradição, inovação e pesquisa, que é nossa resposta à
questão que dá título a este capítulo: óleo e água podem sim se mis-
turar! Reunimos num mesmo empreendimento educacional linguistas
(professores universitários e alunos de graduação e de pós-graduação) e
docentes da Educação Básica de Niterói, ambos voltados para a formação
continuada do magistério e, de outra parte, para a testagem de pressupos-
tos e resultados da pesquisa linguística. Assim, homogeneizamos essa
mistura, partilhamos conhecimentos, trocamos experiências em prol de
um objetivo comum e maior, voltado para a inclusão social e a formação
plena e cidadã dos estudantes.

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ensino de língua portuguesa no século xxi - relatos de experiência

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ensino de língua portuguesa no século xxi - relatos de experiência

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67
ensino de língua portuguesa no século xxi - relatos de experiência

DESAFIOS PARA IMPLEMENTAÇÃO DO REFERENCIAL


CURRICULAR DE LÍNGUA PORTUGUESA DA REDE
MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE NITERÓI

Letícia Fernandes Franco

Considerações Iniciais

Permeada por polêmicas em torno de sua concepção e produção, a


Base Nacional Comum Curricular se tornou uma realidade na educação
nacional e, a partir de sua implementação, estados e municípios de norte a
sul do Brasil se viram obrigados a revisitarem e reformularem seus currícu-
los. No município de Niterói, não foi diferente e, por essa razão, julgamos
relevante iniciar este texto com um breve histórico do percurso trilhado
para a revisão e reescrita do Referencial Curricular da Rede Municipal
de Educação de Niterói. Tal relato se justifica, uma vez que o projeto O
ensino de língua portuguesa no século XXI - pesquisa, teoria e prática
vem ao encontro da necessidade de implementação desse novo currículo
nas escolas da rede municipal por meio justamente do espaço dedicado à
formação de professores em torno das pesquisas e teorias que circundam
o ensino de nossa língua materna neste século e que se fazem presentes no
referido documento.
Realizado um panorama de todo o percurso trilhado no processo de
revisão do currículo da Rede Municipal de Niterói, elencamos os principais
desafios à sua implementação – que emergem, recorrentemente, nos diálo-

68
ensino de língua portuguesa no século xxi - relatos de experiência

gos entre os profissionais da educação – e apontamos como estratégias de


enfrentamento dos desafios impostos neste novo século o ensino de língua
portuguesa pelo viés da justiça social, característico do letramento crítico,
a partir da percepção do professor como pesquisador de sua prática.

Breve percurso para a revisão do Referencial Curricular da Rede


Municipal de Educação

No final de 2018, “a Assessoria Especial de Articulação Pedagógica/


FME foi mobilizada a construir junto à Rede Municipal um movimento
coletivo para revisão do documento curricular de 2010” (NITERÓI, 2020,
p. 20). No início do ano letivo de 2019, iniciou-se, então, uma agenda
de encontros formativos com professores e pedagogos que compõem
o quadro efetivo da rede municipal, cujas temáticas perpassaram por
discussões em torno da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) e em
torno da própria concepção de currículo.
A Coordenação de Língua Portuguesa buscou, em um primeiro mo-
mento, destacar as mudanças apontadas no novo documento regulatório
nacional, ressaltando a importância de tal discussão para que pudéssemos
iniciar o processo de revisão do nosso currículo para a Rede Municipal
de Educação de Niterói. Foi realizado, desta forma, em parceria com a
Coordenação de Línguas Estrangeiras, o II Encontro de Professores de
Língua Materna e Línguas Estrangeiras, destinado a professores atuantes
nos anos iniciais e finais do ensino fundamental, intitulado Construção
Curricular: protagonismo docente e os desafios apresentados pela Base
Nacional Comum Curricular. A Profa. Dra. Márcia Lisbôa (FFP/UERJ)
foi convidada a participar do encontro com suas ponderações em torno
da BNCC e proferiu a palestra intitulada Para além da Base: currículo
local e linguagens. A Profa. Dra. Nadja Pattresi (UFF) também aceitou
o convite e ministrou a palestra BNCC: Possibilidades e Desafios.
Após essa fase de discussão em torno da BNCC, iniciamos o segundo
momento do processo de revisão curricular: grupos de trabalho (GT) por

69
ensino de língua portuguesa no século xxi - relatos de experiência

área foram criados e professores dos anos finais do Ensino Fundamental,


juntamente com pedagogos e professores dos anos iniciais do Ensino
Fundamental, elencados por cada unidade de ensino como representantes
de cada componente curricular, participaram de cinco encontros presen-
ciais. Nesse momento, foi possível nos debruçarmos diante da BNCC e
do Referencial Curricular de Niterói: uma construção coletiva/ 2010,
ainda vigente naquele momento, para que pudéssemos (re)pensar, (re)
construir e (re)escrever o currículo almejado para nossa Rede.
Convém ressaltar a participação conjunta de pedagogos e profes-
sores dos anos iniciais e finais do ensino fundamental nos grupos de
trabalho, a fim de discutirmos o ensino de língua materna ao longo dos
quatro ciclos, com o objetivo de diminuir sua fragmentação. Devido aos
constantes relatos e queixas do professorado de Língua Portuguesa – ao
receberem estudantes, no sexto ano de escolaridade, com dificuldades na
leitura e na escrita –, julgamos relevante um espaço de escuta e diálogo
entre esses profissionais.
Com o objetivo de buscarmos estratégias para tentarmos superar
as lacunas existentes e promovermos a consciência de que todos somos
responsáveis pela trajetória escolar dos estudantes da rede municipal,
independentemente da modalidade em que estejam inseridos, essa inte-
ração entre Professores I e II1 foi articulada pelas Diretorias de 1º e 2º e
de 3º e 4º ciclos. Ressaltamos que tal iniciativa foi uma ação inovadora
na rede municipal, um processo dialógico avaliado positivamente pela
comunidade escolar.
No primeiro encontro do grupo de trabalho de Língua Portuguesa,
realizado em agosto de 2019, uma proposta de matriz curricular – con-
cebida pelas Diretorias de 1º e 2º e de 3º e 4º ciclos – foi apresentada aos
professores e pedagogos presentes, com sugestões referentes aos núcleos
1 Na Rede Municipal de Niterói, Professor I é a nomenclatura empregada para se referir aos
professores que atuam na Educação Infantil e nos anos iniciais do Ensino Fundamental – que
compreendem os 1º e 2º ciclos, ou seja, do 1º ao 5º ano de escolaridade. Professor II, por sua
vez, refere-se aos professores que atuam nos anos finais do Ensino Fundamental – compreen-
dendo os 3º e 4º ciclos, ou seja, do 6º ao 9º ano de escolaridade.

70
ensino de língua portuguesa no século xxi - relatos de experiência

temáticos e demais categorias que compõem a matriz, além de um texto


introdutório com concepções de língua, linguagem, discurso, oralidade
e escrita, gêneros discursivos, multimodalidade, o lugar da literatura no
currículo, alfabetização. A partir de tal proposta, o debate foi iniciado e,
consequentemente, o processo de reescrita do Referencial. Um arquivo
on-line foi criado e compartilhado com os professores participantes
do GT, para que suas contribuições fossem devidamente inseridas e
registradas nas matrizes de cada componente curricular ao longo dos
encontros realizados.
Convém enfatizar que a matriz curricular e o texto introdutório de
Língua Portuguesa apresentados foram uma sugestão das Diretorias de 1º
e 2º e de 3º e 4º ciclos para que o debate fosse iniciado. Dessa maneira,
poderiam sofrer modificações caso os professores e pedagogos presentes
no GT assim o quisessem. O eixo temático Oralidade, a título de exem-
plificação, tornou-se Oralidade/ Sinalidade, a partir de ponderações
realizadas por profissionais que atuam, em sua prática docente, com
estudantes surdos, assim como as considerações acerca da educação de
surdos foram inseridas no texto introdutório. Esse momento de discus-
sões/ reflexões/ diálogos em torno do GT perdurou por todo o segundo
semestre de 2019.
No final do mesmo ano, chegamos à versão preliminar que, no
início de 2020, foi encaminhada para todas as unidades de educação da
rede municipal. Na ocasião de envio do documento, a participação das
unidades foi solicitada por meio de pareceres que envolvessem toda a
comunidade escolar.
No primeiro trimestre de 2020, entretanto, fomos surpreendidos
com a pandemia de Covid-19 e os encontros para debate acerca da versão
preliminar do Referencial Curricular tiveram que ocorrer remotamente2
em Rodas de Conversas. Professores universitários – referenciados em
suas áreas de atuação – foram convidados a apreciar o documento da
2 A plataforma Zoom foi utilizada para realização das Rodas de Conversa de todos os compo-
nentes curriculares.

71
ensino de língua portuguesa no século xxi - relatos de experiência

Rede Municipal de Niterói e apontar, em formato remoto, suas con-


siderações/indagações junto aos professores da Rede. Em relação ao
componente curricular Língua Portuguesa, o Professor Doutor Ivo do
Rosário (coordenador do projeto da qual esta obra se inscreve como um
dos produtos das ações realizadas) foi o nosso convidado, contribuindo
demasiadamente com suas proposições e indagações.
Em paralelo às Rodas de Conversa, as escolas produziram seus
pareceres que, entre os meses de julho a outubro de 2020, foram encami-
nhados às Diretorias de 1º e 2º e de 3º e 4º ciclos para análise. Sugestões
foram acolhidas e ajustes (como acréscimos e/ou supressões nos textos
introdutórios e nas matrizes curriculares de cada componente curricular)
foram realizados, configurando o processo de reescrita do texto final,
nomeado como Minuta do Referencial Curricular de Niterói/ 2020 e
submetido ao Conselho Municipal de Educação de Niterói em dezembro
de 2020. Após audiências públicas3 realizadas pelos representantes do
Conselho, o documento foi aprovado no final de 2021 e, em dezembro
de 2022, no Fórum de Diretores, após o processo de revisão ortográfica
e diagramação final, foi compartilhado com a comunidade escolar.
Julgamos relevante resgatar todos esses fatos, uma vez que o pro-
jeto O ensino de língua portuguesa no século XXI – pesquisa, teoria e
prática foi apresentado à Coordenação de Língua Portuguesa logo após
o momento em que havíamos encerrado o grupo de trabalho com os
professores e a etapa inicial do projeto previa justamente a análise do
currículo adotado na Rede Municipal de Niterói. Sendo assim, encami-
nhamos ao Prof. Dr. Ivo do Rosário o Referencial Curricular de 2010,
vigente até aquele momento e a versão preliminar produzida após as
discussões realizadas no GT.

3 Ocorreram duas audiências públicas sobre o referencial. Na primeira, formou-se uma comis-
são com representação da Secretaria do Conselho e, posteriormente, com representação das
escolas (professores e pedagogos), em que foi lido e discutido todo o documento. Na última
audiência, realizada no final de 2021, a comissão leu seu parecer para o Conselho Municipal
de Educação de Niterói, aprovando o novo referencial.

72
ensino de língua portuguesa no século xxi - relatos de experiência

Após esse contato inicial com o projeto, a Diretoria de 3º e 4º ciclos,


por intermédio da Coordenação de Língua Portuguesa, entendeu ser
altamente pertinente a participação do Prof. Dr. Ivo do Rosário na Roda
de Conversa Diálogos sobre o Referencial Curricular de Língua Portu-
guesa da Rede Municipal de Educação de Niterói. Como o seu nome foi
muitíssimo bem aceito pela Superintendência de Ensino/ FME, o convite
foi realizado e, em setembro de 2020, aconteceu o primeiro de inúmeros
diálogos enriquecedores acerca do nosso currículo4; intensificando-se,
assim, a integração escola-universidade proposta pelo projeto O ensino
de língua portuguesa no século XXI - pesquisa, teoria e prática.
Em novembro de 2021, realizamos o Encontro com Professores de
Língua Materna da Rede Municipal de Niterói, voltado para professores
de Língua Portuguesa em atuação nos anos finais do ensino fundamental,
para que toda a equipe integrante do projeto pudesse apresentar cada eta-
pa e os objetivos do projeto. Logo após o Encontro, encaminhamos um
formulário aos professores de Língua Portuguesa para que sinalizassem
seu interesse e disponibilidade em participar do curso de formação – uma
das ações do projeto – previsto para o ano letivo seguinte.
Em março de 2022, iniciou-se o curso formativo e doze encontros
foram acontecendo, remotamente, via GoogleMeet, com abordagens
temáticas amplamente pertinentes e relevantes ao ensino de língua portu-
guesa neste novo século e em consonância com as proposições presentes
no Referencial Curricular da Rede.
Com esse breve histórico, apresentamos a metodologia de trabalho
empregada no processo de revisão do Referencial Curricular de Língua
Portuguesa da Rede Municipal de Niterói. Destacamos o processo dia-
lógico que permeou toda a construção desse documento produzido por
muitíssimas mãos e contextualizamos a importância do presente projeto
exatamente no período em que a educação nacional enfrenta tantos desa-
4 A gravação da Roda de Conversa sobre o Referencial Curricular de Língua Portuguesa se
encontra disponível no Portal Educacional da Rede Municipal de Educação de Niterói, através
do acesso ao seguinte link: https://www.youtube.com/watch?v=TdNfCWlE4V0 .

73
ensino de língua portuguesa no século xxi - relatos de experiência

fios e no momento em que a implementação do novo currículo da Rede


Municipal de Niterói se faz tão necessária.

Os desafios para implementação do currículo de Língua Portuguesa


nas unidades de ensino da Rede Municipal de Niterói

Com a pandemia de Covid-19, a educação foi afetada abruptamente


no mundo inteiro, principalmente no Brasil, visto que inúmeras unidades
de ensino permaneceram fechadas por incontáveis semanas e as aulas
on-line não ocorreram de modo significativo para a grande maioria da
população, sobretudo pela falta de equipamentos tecnológicos e de co-
nectividade tanto para estudantes quanto professores. Além desse cenário
pandêmico que, por si só, já requer um olhar atento aos currículos de
todos os componentes curriculares, em decorrência de toda essa lacuna
que precisará ser preenchida ao longo dos próximos anos, temos ainda a
necessidade de iniciar a implementação do novo Referencial Curricular
da Rede Municipal de Educação.
Um grande desafio a ser enfrentado, não apenas nesta rede, mas em
todas as demais, é a defasagem dos estudantes em virtude dos últimos dois
anos de pandemia. Desenvolver as competências e habilidades de leitura
e escrita dentre crianças e jovens recém-alfabetizados (dentre muitos que
ainda não finalizaram o processo de alfabetização) se apresenta como
um entrave que perdurará por alguns anos à frente. Alguns professores,
a partir de conversas realizadas em visitas às escolas municipais, ver-
balizaram a dificuldade de implementação do novo currículo em face
dessas questões de alfabetização somadas à readaptação dos jovens ao
ambiente escolar, no momento de retorno às atividades presenciais ainda
em período pandêmico.
Convém mencionar que, no período de pandemia de Covid-19,
iniciado a partir de 16 de março de 2020, instaurou-se o Currículo Emer-
gencial, também discutido e produzido por professores pelo processo
de representação por escola. Por haver, na ocasião, doze escolas de 3º e

74
ensino de língua portuguesa no século xxi - relatos de experiência

4º ciclos na Rede Municipal de Niterói, foram reunidos 12 professores


dos anos finais do ensino fundamental que, juntos à Coordenação de
Língua Portuguesa, elencaram os objetos de conhecimento considerados
essenciais de serem trabalhados naquele momento e que iriam compor os
volumes impressos do material pedagógico a ser produzido e entregue
aos estudantes mensalmente. Como não foi possível contemplar, nos
cadernos pedagógicos Caminhos de Aprendizagens – produzidos a partir
do envio de atividades elaboradas pelos professores da Rede Municipal
–, todos os pontos elencados no Currículo Emergencial, a atualização
desse currículo para o biênio 2020-2021 foi elaborada.
Em decorrência de ações cujo foco, a princípio, foi a manutenção
do vínculo com os estudantes, seguidas as questões necessárias à reaber-
tura paulatina das escolas e, no momento, o enfrentamento dos efeitos
agravados pela pandemia, como a defasagem, a evasão e o abandono es-
colar, o processo de implementação do Referencial Curricular de Língua
Portuguesa/ 2020 pode parecer inviável na atual conjuntura. Entretanto,
percebemos que inúmeros professores já vêm ministrando suas aulas
conforme as concepções apresentadas no documento e desenvolvendo
os objetivos de aprendizagens elencados na matriz curricular, sem se
darem conta disso.
O curso de formação do presente projeto, ao elencar as princi-
pais teorias que permeiam o ensino de língua portuguesa neste século
XXI, vem nos mostrando que muito do nosso fazer pedagógico vai ao
encontro de ações consideradas produtivas e comprovadas mediante
pesquisas realizadas, como o destaque à centralidade do texto nas aulas,
por exemplo, o texto autêntico, em suas múltiplas semioses, que deve
ser o objeto de estudo nas aulas de língua portuguesa. Sendo assim, a
gramática deve ser apresentada aos estudantes como um elemento adi-
cional e necessário à leitura, compreensão e interpretação desse texto, e
não o contrário. Inúmeros colegas de trabalho já atuam dessa forma, ou
seja, já estão implementando o Referencial em suas aulas e talvez não
tenham essa percepção.

75
ensino de língua portuguesa no século xxi - relatos de experiência

Uma crítica feita por alguns professores ao Referencial de Língua


Portuguesa da Rede Municipal diz respeito à quantidade excessiva de
gêneros discursivos elencados nas matrizes dos anos finais do ensino
fundamental. Com as Tecnologias Digitais da Informação e Comunicação
(TDIC’s), no entanto, destacamos que novas formas de nos comunicar-
mos surgiram e, consequentemente, novos gêneros passaram a integrar a
nossa vida pessoal e profissional. E, por estarem circulando socialmente,
sobretudo entre as crianças e jovens – e muitos devido à era digital em
que estamos inseridos –, o grupo de trabalho concluiu que não poderiam
ser ignorados pela escola, que deveriam ser contemplados no plano de
aula dos professores e que, portanto, deveriam integrar o currículo.
Os gêneros discursivos detonado e gameplay, a título de exempli-
ficação, foram inseridos na matriz de Língua Portuguesa, mesmo desco-
nhecidos para um número considerável de professores. Por ser a língua
dinâmica e estar em constante atualização, inúmeros textos foram/ são – e
outros muitos tendem a ser – criados ao longo do tempo. Dessa forma, o
grupo de trabalho considerou importante elencar toda essa variedade de
gêneros discursivos, uma vez que o documento é uma proposição, uma
referência e não uma imposição.

O que se apresenta nos textos introdutórios e nas matrizes não


tem a intenção de servir como determinações para o trabalho
pedagógico das escolas, e sim como uma orientação do que se
defende na rede como direito de aprendizagem e se reconhece
como uma educação de qualidade socialmente referenciada,
objetivando, como colocado anteriormente, uma formação
integral do ser humano. A prática pedagógica nas unidades
de educação qualificará as orientações aqui apresentadas
(NITERÓI, 2020, p. 89).

Cientes, entretanto, de que o tempo para contemplar todos os gêneros


elencados na matriz curricular é curto, entendemos que cabe ao professor
selecionar aqueles que julgar pertinentes conforme a realidade vivenciada
em sua sala de aula. Essa curadoria de qual ou quais textos e de quais

76
ensino de língua portuguesa no século xxi - relatos de experiência

gêneros devem ser abordados, com os grupos de referência de cada ano


de escolaridade que compõem os quatro ciclos do Ensino Fundamental,
fica a critério do professor, uma vez que a autonomia docente é prevista
no documento.
Outra crítica demasiado recorrente dentre os professores se deve
ao fato de que alguns textos, para serem produzidos, necessitam de re-
cursos tecnológicos e acesso à internet. Recursos esses que grande parte
de nossos estudantes não possuem, assim como nossas escolas. Desta
forma, não podemos ignorar

o destaque dado pelas unidades de educação à infraestrutura


e equipamentos necessários para o oferecimento de uma
educação de qualidade, como a atualização e manutenção de
equipamentos de tecnologia da informação, ambientes virtuais,
laboratórios de ciências, salas de arte, salas ambientes, auditó-
rios, quadras poliesportivas cobertas e refeitórios (NITERÓI,
2020, p. 91).

As condições físicas e estruturais necessárias às unidades de ensino


para o desenvolvimento das atividades se configuram, portanto, como
mais um desafio à implementação do Referencial Curricular, não somente
de Língua Portuguesa, mas de todos os demais componentes curriculares
que compõem o documento da Rede Municipal de Educação de Niterói.
Esse tópico é constantemente mencionado pelos professores, assim como
a necessidade de uma formação continuada, conforme se observa a seguir:

O investimento em equipamentos de qualidade, ambientes


adequados, recursos didáticos diversos e acesso à internet
mostra-se extremamente necessário e urgente, assim como a
formação continuada para os professores da Rede. Oportunizar
momentos de formação para que os docentes possam conhecer
essas novas ferramentas que se apresentam mediante o uso
das novas tecnologias, e delas se apropriar, é fundamental
(NITERÓI, 2020, p. 109).

77
ensino de língua portuguesa no século xxi - relatos de experiência

Promover encontros formativos dentre os profissionais da educação


é outro ponto demasiadamente destacado, a fim de que debates/ discus-
sões em torno de todas as inovações propostas no documento - teóricas,
metodológicas e tecnológicas - possam ocorrer e fomentar a construção
dos currículos em cada escola.
E, nesse sentido, o curso de formação promovido pelo presente
projeto configurou-se como a primeira ação da Coordenação de Língua
Portuguesa, por meio da Diretoria de 3º e 4º ciclos, diretamente reali-
zada em torno desse propósito. Ao longo dos doze encontros realizados
entre os meses de março e setembro do ano de 2022, os professores de
Língua Portuguesa da Rede Municipal de Niterói tiveram a oportunida-
de de dialogar/discutir/refletir com renomados pesquisadores, em suas
respectivas áreas de atuação, sobre as teorias que permeiam o ensino de
língua portuguesa no século XXI
Em decorrência da exaustiva carga horária de aulas que o pro-
fessorado tupiniquim precisa ministrar semanalmente para obter uma
remuneração mensal minimamente razoável, nem todos os professores
de Língua Portuguesa lotados nas unidades de ensino de 3º e 4º ciclos
apresentaram disponibilidade para participar dos encontros realizados,
quinzenalmente, por meio do ambiente virtual de aprendizagem Google
Meet. Temos ciência de que essa questão é muitíssimo delicada e deve
ser considerada, uma vez que se trata de uma realidade que perpassa a
educação em âmbito nacional. Por essa razão, entendemos que esta co-
letânea de relatos de experiência dos professores de Língua Portuguesa
da Rede Municipal de Educação que participaram do curso de formação,
juntamente aos capítulos teóricos presentes em outra obra que se apre-
senta como produto do presente projeto, configura como uma ferramenta
altamente necessária para a formação dos professores.
A partir das reuniões e encontros por área realizados pela Diretoria
de 3º e 4º ciclos, ao longo do primeiro semestre de 2022, constatamos que,
além dos desafios mencionados, somam-se o abandono e a evasão escolar,

78
ensino de língua portuguesa no século xxi - relatos de experiência

além das questões comportamentais inerentes ao retorno do convívio


social dos estudantes no ambiente escolar. Como sabemos, o isolamento
social, decorrente da pandemia de Covid-19, interrompeu abruptamente
a interação entre crianças e jovens, ocasionando embates emocionais,
como discussões constantes, aumento da agressividade entre aluno/aluno
e aluno/professor e, consequentemente, relatos de violência, inclusive
física, dentre os atores sociais que integram a comunidade escolar.
Acrescenta-se, ainda, o desinteresse dos estudantes que, anterior-
mente à pandemia, já se configurava como uma questão desafiadora e se
agravou ainda mais, consoante depoimentos de professores em inúmeras
conversas realizadas. Os estudantes se desacostumaram com a rotina
escolar e estão dispersos, encontrando dificuldades para concentração
nas atividades propostas.
Diante de tamanhos entraves, não apenas à implementação do novo
currículo de Língua Portuguesa, mas à educação neste novo século –
decorrentes, sobretudo, do dinamismo dos meios digitais que comporta
o real e o virtual – torna-se relevante refletirmos a respeito de quais
caminhos podemos/devemos seguir para modificarmos esse cenário.
Soluções eficazes, comprovadamente testadas, que funcionem para todos,
infelizmente, não há. Todavia, acreditamos que a busca por estratégias
que minimizem essas questões, por intermédio de um professor que se
entenda, e se reconheça, e se coloque como um pesquisador de sua prática
pedagógica, encarando o seu fazer pelo viés da justiça social, seja um
caminho promissor.

O ensino de língua portuguesa no século XXI pelo viés da justiça social

É notório que o ensino formal em sala de aula carece de transfor-


mações e que a escola precisa se atualizar, modernizar-se, acompanhar
as inovações tecnológicas, uma vez que as tarefas escolares concorrem
com as mídias digitais propagadas por essa era virtual. E a pandemia de
Covid-19 veio ratificar a urgência dessas mudanças.

79
ensino de língua portuguesa no século xxi - relatos de experiência

Inúmeras são as reflexões e anseios que nos mostram a necessidade


de buscarmos estratégias que possam tornar a escola um espaço atrativo
para os estudantes, estratégias que possam despertar o interesse deles
pela elaboração das atividades propostas em sala de aula, seja por meio
da tecnologia e/ ou por meio das temáticas dos textos apresentados.
Trata-se de estratégias que possam afetá-los no sentido de fazê-los querer
experienciar o novo, o saber.
Tendo em vista essa nova realidade em que estamos todos inseridos,
faz-se urgente a necessidade de incorporar novas formas de construção
de sentidos, disponíveis com a emergência das novas tecnologias da in-
formação e comunicação (TDIC’s), que possam aproximar o estudante
da escola, a fim de que, motivados, possam:

Ler, escutar e produzir textos orais, escritos e multissemióticos


que circulam em diferentes campos de atuação e mídias, com
compreensão, autonomia, fluência e criticidade, de modo a
se expressar e partilhar informações, experiências, ideias e
sentimentos, e continuar aprendendo (BRASIL, 2018, p. 85).

Entretanto, devido às inúmeras aulas ministradas ao longo do dia,


quase inexistente costuma ser o tempo do professorado dedicado à análise
e à reflexão acerca do currículo que será posto em prática durante suas
aulas. Muitas vezes, o livro didático acaba sendo fielmente seguido, de-
vido à carga horária exaustiva dos professores que precisam se deslocar
de uma escola a outra, em três turnos ao dia. E o tão necessário planeja-
mento de aulas e atividades que atendam às reais necessidades de seus
estudantes, com a seleção prévia de textos, objetos de conhecimento e
objetivos de aprendizagem a serem desenvolvidos em sala, torna-se uma
prática cada vez mais esporádica e/ou até mesmo inexistente.
Tendo em vista que aulas expositivas em demasia, monótonas e repe-
titivas, com temáticas descontextualizadas da realidade socioeconômica
que cerca os estudantes, desmotivam-nos a participar das atividades e os
impedem de encontrar sentido nas práticas educativas desenvolvidas no

80
ensino de língua portuguesa no século xxi - relatos de experiência

ambiente escolar, convém destacar a seguinte reflexão: que escola é essa


que tem sido apresentada aos nossos estudantes? Que tipo de conteúdo
tem sido abordado nas aulas? Que temáticas têm sido discutidas? Tem
sido considerada a palavramundo do alunado? Tem sido considerada a
bagagem cultural que esses estudantes trazem para a escola?
Tais indagações nos levam a uma outra: Não deveriam ser repensa-
das as estratégias de ensino empregadas nas aulas de Língua Portuguesa?
É relevante nos afastarmos da posição de meros técnicos/executores para
nos assumirmos como analistas/estrategistas e nos reconhecermos como
professores-pesquisadores (BORTONI-RICARDO, 2008). Devemos
investigar o porquê do desinteresse dos estudantes nas aulas, o porquê de
tal objetivo de aprendizagem não ter sido alcançado por grande parte de
determinado grupo de referência, o porquê de tal estratégia ter funcionado
com um grupo e não com o outro. Esses questionamentos são inerentes ao
professor que se coloca nessa perspectiva de pesquisador de sua prática.
Bourdieu (1998) afirma que o ensino de outrora, voltado para a elite
dominante, perdura até os dias atuais e que, devido à democratização do
ensino, o proletariado chegou às escolas com a promessa de melhorias de
vida e ascensão social. As pessoas, ainda hoje, acreditam que, por meio
do estudo, por meio da aquisição da leitura e da escrita, serão alguém na
vida, conforme o mito do letramento (STREET, 2014).
Sabendo que tal mito está arraigado na população brasileira,
colocamo-nos a refletir: de que forma a escola poderia realmente atuar
como fator preponderante à melhoria das condições de vida desses nos-
sos educandos? Será que o ensino formal, voltado para a classificação e
nomenclatura gramatical, especificamente no que tange à área linguística,
que se concentra na memorização de regras prescritivas e assimilação
do que é correto ou incorreto dizer/ escrever – como muitas unidades de
ensino propõem e muitos professores ainda fazem –, viabilizará essa tão
almejada ascensão social?

81
ensino de língua portuguesa no século xxi - relatos de experiência

Fundamentadas nesse modelo, em muitas aulas ainda predo-


mina a transmissão da metalinguagem gramatical, que provoca
o distanciamento entre língua e sujeitos; a supremacia do dis-
curso escrito sobre oral, a partir de prescrições e convenções
linguísticas; além da concepção da escrita como aquisição de
habilidades universais, neutras, técnicas, descontextualizadas
(SILVA, 2018, p. 35).

Os altos índices de reprovação nas escolas públicas do país – antes


da pandemia de Covid-19, cabe ressaltar, uma vez que a aprovação auto-
mática para os estudantes que mantiveram algum tipo de vínculo com a
escola foi instaurada em várias redes de ensino – mostram o que se tem
chamado de fracasso escolar da educação brasileira. O Índice de Desen-
volvimento da Educação Básica (IDEB) ratifica, com dados estatísticos
apresentados, essa realidade de insucesso na educação nacional, uma vez
que inúmeras são as unidades de ensino cuja média alcançada fica abaixo
do índice considerado satisfatório. Convém, então, questionarmos se tal
fracasso deve ser atribuído às dificuldades cognitivas dos estudantes ou
à má formação dos professores.
É sempre recorrente essa máxima recair nos principais atores sociais
envolvidos no processo de ensino-aprendizagem: discentes e docentes.
É intrigante que dificilmente se questiona como o processo de ensino-
aprendizagem vem sendo realizado nas escolas, que currículo está sendo
considerado/posto em prática. Necessária se faz essa reflexão para pen-
sarmos que tipo de estratégias traçarmos, a fim de tentarmos iniciar um
trabalho que possa se configurar como pontapé inicial para a mudança de
paradigmas. Cabe destacar que entendemos como currículo “tudo aquilo
que se passa nas escolas, envolvendo os conteúdos formais de ensino,
relações sociais, manifestações culturais e conjuntos de conhecimentos
não escolares, a discussão proposta” (OLIVEIRA, 2012, p. 6).
Por essa razão, é importante a instauração de redes de produção de
saberes entre professores como alternativa para encontrar possibilidades
de integrar os estudantes da rede pública, muitas vezes tão estigmati-

82
ensino de língua portuguesa no século xxi - relatos de experiência

zados em seu meio social, a fim de fazê-los se apropriar da escola, dos


conteúdos trabalhados, das atividades desenvolvidas. Fazê-los, de fato,
sentirem-se pertencentes ao espaço escolar, que, ao invés de integrá-los,
muitas vezes os exclui e os segrega.
Canclini ressalta que a unificação dos mercados econômicos por
meio da globalização mantém a desigualdade social e transforma os
diferentes e desiguais, aqueles que se encontram em situações de vulne-
rabilidade social, em excluídos e desconectados. Afirma que

a sociedade, antes concebida em termos de estratos e níveis,


ou distinguindo-se segundo identidades étnicas ou nacionais,
agora é pensada com a metáfora da rede. Os incluídos são os
que estão conectados; os outros são os excluídos, os que veem
rompidos seus vínculos ao ficar sem trabalho, sem casa, sem
conexão. Estar marginalizado é estar desconectado (CAN-
CLINI, 2015, p. 92).

Essa mudança de nomenclatura na qual se substitui diferença/desi-


gualdade por inclusão/exclusão vem se tornando cada vez mais evidente
na educação brasileira, sobretudo nos últimos dois anos em decorrência
da pandemia de Covid-19. Acreditamos que, por intermédio da escola, é
possível reinserir os excluídos e que o nosso papel enquanto professores
conscientes de nossa função social é criar estratégias para promover essa
inclusão efetiva dos estudantes na sociedade que tantas vezes os exclui.
Dar ouvidos aos anseios desses estudantes, por exemplo, dar voz
às suas palavras, às suas verdades, buscando um espaço diferenciado,
um momento em que essas crianças e jovens possam expressar seus
pensamentos e opiniões sobre a escola e o que esperam desse espaço de
ensino pode ser uma forma de ouvi-los e de lhes permitir o protagonismo
da ação pedagógica.
Será que, de fato, sabemos quem são esses sujeitos presentes em
nossa sala de aula? É importante termos ciência de que os grupos sociais
que compreendem os estudantes matriculados nas escolas públicas em

83
ensino de língua portuguesa no século xxi - relatos de experiência

que atuamos são os filhos e filhas de trabalhadores que, em sua maioria,


sequer concluíram o ensino fundamental. São residentes de áreas urbanas
problemáticas e estigmatizadas. São os Outros Sujeitos que requerem
Outras Pedagogias, consoante denominação empregada por Arroyo
(2014), ao se referir aos novos educandos que chegaram às salas de aula
mediante a democratização da escola no final do século XX e início do
século XXI. São aqueles sujeitos que precisam se adaptar a uma escola
pensada e voltada para os filhos da elite, para aqueles que cresceram
em um ambiente letrado, rodeados de eventos de letramento dos mais
variados possíveis. Será essa uma das causas para o fracasso escolar?
Na verdade, a escola nunca foi para todos, apenas para uma elite ou
pseudoelite que se esforçava mais e mais para prosseguir com os estudos
e se formar em um curso superior, enquanto os filhos do trabalhador
sequer tinham direito a brincar, tendo, muitas vezes, que trabalhar para
contribuir com as despesas em sua residência. A escola, desta forma, não
constituía um ambiente destinado àqueles que precisavam trabalhar para
se sustentar, pagar suas contas, ajudar a seus pais e a pares próximos. Por
essa razão, ocorre dificuldade em se concentrar nas tarefas e enxergar
um futuro promissor mediante o estudo – que eles julgavam como algo
distante de alcançar.
Com a ampliação da rede de ensino e a entrada das classes populares
na escola, os estudantes menos favorecidos economicamente passaram
a integrar o espaço escolar e se mostraram conscientes de seu direito ao
estudo, ao conhecimento, à cultura:

Na medida em que outros educandos chegam com outras expe-


riências sociais, outras culturas, outros valores, mostrando-se
Outros Sujeitos nas relações políticas, econômicas, culturais,
Outras Pedagogias são inventadas, outras formas de pensá-
los e de pensar a educação, o conhecimento, a docência, são
reinventadas (ARROYO, 2014, p. 11).

84
ensino de língua portuguesa no século xxi - relatos de experiência

Entretanto, não foi o que aconteceu. Esses sujeitos foram alvos


de uma pedagogia desumanizante que os considerava como inferiores,
subalternos, e os faziam acreditar nesse absurdo. Mas como desconstruir
essas perversas pedagogias de subalternização? Sem desconstruí-las será
possível avançar nos processos de aprendizagem? Indagações realiza-
das por Arroyo (2014, p.13) são totalmente relevantes e extremamente
necessárias, ainda hoje, para que se reflita a respeito das pedagogias
adotadas nas escolas.
Ainda consoante Arroyo, “a consciência política dessas populações
exige radicalizar as políticas, e as teorias e práticas educativas terão de
ser outras” (2014, p. 10). Todavia, não é o que se observa ainda hoje,
em pleno século XXI. Podemos perceber claramente que as dificulda-
des enfrentadas nas escolas públicas costumam ser relegadas à falta
de participação das famílias no processo de ensino-aprendizagem, ao
desinteresse dos estudantes em relação aos estudos, ao despreparo e à
baixa qualificação do professorado, assim como à precarização das es-
truturas físicas das unidades de ensino. Esses são os motivos utilizados
para justificar o fracasso escolar.
Percebemos, no entanto, que tais justificativas, embora verídicas,
são superficiais e que é necessário pensarmos em outras pedagogias para
enfrentarmos tal questão. São necessárias pedagogias que se afastem
da opressão e da desumanização nas relações, pedagogias que visem
à resistência, à libertação e à emancipação desses sujeitos; pedagogias
que promovam uma educação emancipatória. Enquanto não houver essa
mudança de postura por parte dos sistemas educacionais e por parte dos
professores em suas salas de aula, continuaremos reproduzindo o seguinte
modo de pensar:

Do lado de cá os cultos, civilizados, racionais, éticos, pro-


dutores de verdades; do lado de lá os incultos, ignorantes,
irracionais, primitivos, inconscientes. No lado de cá existem
saberes, ciências, verdades; do lado de lá inexistem ou é o reino
do falso, das crendices. O pensamento pedagógico assume essa

85
ensino de língua portuguesa no século xxi - relatos de experiência

dicotomia abissal e se propõe à função de trazer os Outros da


inexistência, da ignorância, da falsa consciência e dos falsos
modos de pensar para as verdades, o modo de pensar racional,
científico. As teorias pedagógicas, as didáticas se pensavam
para tirá-los desse abismo, para acompanhá-los em percursos
exitosos, para o conhecimento, a verdade, a ciência e a mora-
lidade (ARROYO, 2014, p. 17).

É notório que essa pedagogia de dominação que permanece repro-


duzindo modelos culturais de classes sociais diversas das dos estudantes
vem reprovando jovens Brasil afora, ocasionando a evasão daqueles que
não enxergam sentido no espaço escolar e ampliando o número de turmas
que visem a corrigir o fluxo escolar daqueles que apresentam maiores
dificuldades em assimilar os objetos de conhecimento difundidos nas
unidades de ensino (FRANCO, 2020).
E é justamente nesse ponto em que nos questionamos: como atribuir
sentido e significado ao objeto de estudo a ser aprendido pelos estudan-
tes? Como despertar seu interesse pelo estudo? Como contribuir para a
ressignificação do ambiente escolar por parte das crianças e jovens que
integram a nossa sala de aula?
É mister que os educandos necessitam de um ambiente que os
motive e os seduza para que o interesse em aprender seja despertado.
Identificar estratégias que os aproximem da escola e, consequentemen-
te, motivem-nos a se dedicar aos estudos não é tarefa fácil; mas, como
professores pesquisadores, podemos buscá-las por meio de indagações,
como: que estudantes são esses presentes nas escolas dos dias de hoje?
São os mesmos dos séculos anteriores? Se não são os mesmos, será
que a pedagogia deve ser a mesma? Se não são os mesmos, será que a
metodologia a ser empregada nas aulas deve ser a mesma? Será que os
objetivos de aprendizagens desenvolvidos devem ser os mesmos? Será
que os objetos de conhecimento a serem abordados também devem ser
os mesmos? E, se porventura forem os mesmos, será que devem ser
trabalhados exatamente da mesma forma que antes?

86
ensino de língua portuguesa no século xxi - relatos de experiência

Se há outros sujeitos, outras práticas pedagógicas devem ser pen-


sadas, reformuladas, reinventadas, de modo que, sobretudo, dialoguem
com esse novo público e façam sentido para eles, garantindo-lhes, de
fato, o acesso à educação. Por essa razão, acreditamos que cabe a nós,
professores, (re)pensarmos práticas curriculares, a fim de buscarmos
formas de nos aproximarmos desses estudantes, de estimulá-los, de
despertar neles o interesse pela aprendizagem e, de fato, promovê-la.
Para tanto:

Não podemos, principalmente, ignorar as trajetórias de vida


desses sujeitos. Na medida em que a Educação é considera-
da como um importante momento de formação humana, de
construção de identidade e de produção de conhecimento, a
experiência social de cada um precisa ser levada em conta
pelos educadores no que diz respeito à construção coletiva
de propostas ou de projetos pedagógicos nesta modalidade.
Experiências sociais, no campo do trabalho, da arte, da cultura,
das observações do seu cotidiano e das informações sobre o
mundo contemporâneo, constituem fontes e estímulos para a
produção e a troca de conhecimentos, que podem se somar e
gerar mudanças no mundo trazido pelo educando. Os projetos
pedagógicos nascem da compreensão de que, coletivamente, os
conhecimentos podem ser construídos no processo de interação
humana, o que implica assumir a visão de que o saber é uma
construção coletiva que envolve os sujeitos e suas práticas
sociais (PAIVA, 2015, p. 11).

Nessa perspectiva de o professor da escola pública ter que lidar com


esse público segregado que chega às salas de aula, Arroyo afirma que
“somos levados a entrar nessa disputa histórica por negação ou reconhe-
cimento de outros saberes, outras histórias e outros modos de pensar e de
ler o mundo. De entender-se” (2013, p. 15). E questiona quanto à possi-
bilidade de existir espaço para esses direitos no território dos currículos,
afirmando que o nosso ofício enquanto professores reside justamente em
inventar resistências nesse território e no espaço da sala de aula.

87
ensino de língua portuguesa no século xxi - relatos de experiência

Desta forma, consideramos importante o desenvolvimento, em sala


de aula, de atividades cuja abordagem perpasse pelo Letramento Crítico
(LC), a fim de tentar ressignificar as aulas de língua portuguesa para esses
jovens. Atividades que, segundo Janks (2016, p. 23), evidenciem que
“os textos são situados e trabalham para posicionar seu público-leitor.
O ponto inicial para a aprendizagem, com vistas à leitura e produção de
textos de modo crítico, é reconhecer que os textos são representações
parciais do mundo”.
Ao falarmos em letramento crítico, é impossível não nos remetermos
a Paulo Freire (1987), que criticou veementemente a visão bancária da
educação pela qual se caracterizou a escola tradicional. O autor ressal-
tava que a alfabetização deveria possibilitar ao alfabetizando a leitura
de mundo, leitura que visasse ao engajamento do alfabetizando na vida
social, que o permitisse refletir criticamente sobre a realidade na qual
está inserido. Propunha, por meio de seus escritos e de sua prática, uma
educação libertadora que permitisse aos estudantes ler a palavramundo.

Embora o vocábulo letramento ainda não estivesse vigente na-


quela época, final da década de 60, a leitura e a escrita já eram
consideradas ferramentas libertadoras para Freire, que afirmava
não ser possível pensar a educação sem associá-la ao poder. E
mais, que não era possível considerar a educação como uma
prática autônoma e neutrNa medida em que compreendemos
a educação, de um lado, reproduzindo a ideologia dominante,
mas, de outro, proporcionando, independentemente da inten-
ção de quem tem o poder, a negação daquela ideologia (ou o
seu desvelamento) pela confrontação entre ela e a realidade
(como de fato está sendo e não como o discurso oficial diz que
ela é), realidade vivida pelos educandos e pelos educadores,
percebemos a inviabilidade de uma educação neutra (FREIRE,
2009, p. 16).

Tal concepção freireana vai ao encontro do ideário apontado por


Hilary Janks em torno do LC, em que chama a atenção para as relações
de poder, acesso, identidade e diferenças existentes nos textos por nós

88
ensino de língua portuguesa no século xxi - relatos de experiência

produzidos (FRANCO, 2020). São textos que têm efeitos sociais e


constituem uma versão da verdade. Em seu ensaio Panorama sobre o
Letramento Crítico, afirma que:

saber que textos não são neutros nos conclama a desenvolver


caminhos para ver de onde eles vêm e reconhecer como são
designados por nós, os leitores. [...] Nosso trabalho como
ouvintes ou leitores é entender a posição de quem fala ou es-
creve e decidir se eles se mantêm ou não na mesma postura. É
relevante fazer algumas perguntas críticas: quem se beneficia
e para quem a posição ofertada é desvantajosa? Quem inclui?
Quem exclui? Como essa situação, pessoa ou ação são cons-
truídas? Há outras possibilidades de caminhos de interpretar o
que acontece? Essas questões não são mais do que variações
da pergunta-chave para o letramento crítico: quais interesses
estão sendo atendidos (JANKS, 2016, p. 21)?

O reconhecimento dessas escolhas linguísticas e a busca por


entendê-las pode permitir aos estudantes a reflexão sobre os efeitos de
cada uma delas. Esse olhar atento para as possibilidades de um texto,
buscando entender o que está ou não expresso e seus porquês, é uma
forma de incentivarmos a leitura, não pelo viés gramatical apenas, como
muito se tem feito, mas pelo viés crítico. Sistematizando algumas con-
cepções a respeito do letramento crítico, Edugains (2009, p. 1) destaca
que este constitui

uma posição, uma postura mental, ou uma atitude intelectual


e emocional que os leitores, ouvintes e espectadores exercem
quando interagem com textos. Gee (2004) a chama de ‘letra-
mento socialmente perceptível’. Luke (2004) afirma que o
letramento crítico envolve procurar segundas intenções, ler
contra a corrente, fazer perguntas mais duras e mais difíceis,
ver por baixo, por trás, e além de textos, tentando enxergar e
identificar como esses textos estabelecem e ‘denunciar’ como
esses textos usam o poder sobre nós, sobre os outros, a serviço
de que interesses.

89
ensino de língua portuguesa no século xxi - relatos de experiência

Mas como fazê-lo? Como adotar essa postura em nossas aulas? Ins-
pirados na proposta de Menezes de Souza e Monte Mór (2006), Duboc e
Gattolin (2015, p. 257) apontam alguns questionamentos que podem ser
contemplados mediante o trabalho com o letramento crítico, tais como:

O que estou fazendo aqui, lendo este texto? De onde o texto


fala? Da perspectiva de quem é construída? Como EU leio
este texto? Por que EU leio assim? O que o texto deixa de
dizer? O que o texto desconsidera ou considera irrelevante?
O que coloca no centro? O que deixa às margens? Essa versão
responde aos interesses de quem? De que formas (elementos
linguístico-textuais) o texto constrói essa realidade?

Questionamentos como esses podem auxiliar os professores no pla-


nejamento das atividades a serem empregadas em suas aulas, buscando
sempre atentar para os princípios que norteiam o desenvolvimento do
letramento crítico. Dentre eles:

desafiar os conceitos e valores usuais; empreender múltiplas


perspectivas, percebendo aquelas que estão ausentes ou si-
lenciadas; questionar relações, especificamente aquelas que
envolvem diferenças de poder e refletir sobre e utilizar as
práticas de letramento para uma ação que promova justiça
social (EDUGAINS, 2009, p. 1).

Nessa perspectiva, defendemos o quão relevante é pensar em ativi-


dades que levem os estudantes a refletir sobre o fato de que os textos não
são neutros, mas são produzidos mediante intenções e escolhas realizadas
por seus produtores a fim de convencer o outro em torno de suas ideias.
Destacamos a importância de pensar em atividades que, pautadas no
letramento crítico, configurem como estratégias para se desenvolver o
ensino de língua portuguesa de uma forma mais interativa e mais con-
textualizada com a realidade, que venha a estimular a curiosidade dos
estudantes e a sua vontade de aprender.

90
ensino de língua portuguesa no século xxi - relatos de experiência

Por estarmos imersos em uma sociedade globalizada e com for-


te apelo à informação, sobretudo por meio das mídias sociais, somos
massivamente submetidos a uma gama de textos, inclusive aqueles
discriminatórios e preconceituosos. O letramento crítico emerge, desta
forma, como possibilidade de desenvolver uma postura crítica diante
dos inúmeros textos aos quais os estudantes são expostos dentro e fora
da escola. Instrumentalizá-los a perceber e a reagir a esses textos é uma
faceta dificílima e completamente necessária, mas que pode ser possível
através da abordagem do LC.
Acreditamos que trabalhar na perspectiva do letramento crítico é refletir
com os estudantes que a leitura de textos é muito mais do que meramente
decodificar códigos e que a produção de textos é muito mais do que a simples
combinação de regras ortográficas e gramaticais de cada vocábulo empre-
gado. É preciso instigá-los a ler os mais variados tipos de textos que nos são
disponibilizados diariamente na mídia e que estão ao nosso alcance por todos
os lados, buscando compreender os modos diversos com que são produzidos
e o propósito com que chegam até nós. É necessário trabalhar a linguagem
verbal, a linguagem não verbal, a leitura, a escrita, a análise linguística e a
multimodalidade, por exemplo, a partir de textos autênticos – literários e/ou
não literários – que promovam o uso social da língua. É preciso compreen-
der que o estudante não é um receptor passivo, mas um interlocutor que traz
consigo seus próprios conhecimentos, sua visão de mundo. Devemos alinhar
o material empregado em nossas aulas a necessidades/anseios/interesses
de nosso público-alvo, enxergando os estudantes como coenunciadores do
processo discursivo, e não uma tábula rasa.
Considerar o repertório dos aprendizes, valorizá-lo, propor ativi-
dades que partam dessa cultura local trazida por eles, assim como partir
dos textos com os quais eles têm contato através da TV, do rádio e das
redes sociais, não significa que a escola deva abandonar seu patrimô-
nio cultural, os cânones. Em entrevista concedida ao GRIM (Grupo de
Pesquisa da Relação Infância, Adolescência e Mídia, da Universidade
Federal do Ceará), Rojo (2013) afirma que essas mídias

91
ensino de língua portuguesa no século xxi - relatos de experiência

têm que ser incorporadas efetivamente, todas elas, tvs, rádios,


essas mídias de massas, mas sobretudo as digitais incorporadas
na prática escolar diária. [...] A ideia é que a sociedade hoje
funciona a partir de uma diversidade de linguagens e de mídias
e de uma diversidade de culturas e que essas coisas têm que ser
tematizadas na escola, daí multiletramentos, multilinguagens,
multiculturas.

Trata-se de uma forma de agir que implica uma pedagogia de


projeto, em vez de uma pedagogia de conteúdos (ROJO, 2013). Uma
pedagogia em que o professorado do século XX, atuante em escolas do
século XIX – fundamentadas na transmissão de conteúdos –, dialogue
com os aprendizes do século XXI, abordando as temáticas da sociedade
contemporânea de modo colaborativo.
Distanciarmo-nos, portanto, de um ensino de língua mecanizado,
pautado em nomenclaturas gramaticais e descontextualizado das práti-
cas de leitura e escrita situadas em contextos sociais de uso da língua
(MARCUSCHI, 2008), faz-se necessário, assim como o diálogo com
nossos pares. Devemos pensar em um currículo que busque desenvol-
ver habilidades de leitura, escrita/escuta, oralidade/sinalidade e análise
linguística/multimodal, cuja abordagem seja ancorada pelo viés crítico.
Tendo em vista que, conforme a concepção de linguagem enquanto
processo de interação, o texto se torna o elemento norteador das aulas
de língua portuguesa e que, por ser atravessado por dialogismos e jogos
discursivos, é preciso pensar no modo como as perguntas são feitas aos
estudantes e pensar nos gêneros discursivos que são selecionados para as
atividades propostas nas aulas, assim como suas temáticas, enfatizamos
que todo esse instrumental deve considerar o repertório dos estudantes e
deve ser ancorado na tarefa política de luta e de resistência.
A fim de contribuir com a formação e transformação social de nossos
estudantes, acreditamos que seja papel do professor propor a abordagem
de temas tidos como fraturantes, os quais problematizam a visão colonia-

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ensino de língua portuguesa no século xxi - relatos de experiência

lista, sexista e patriarcal que perdura até hoje em nosso país. Temas que
possam auxiliar nossos estudantes a superar o imaginário de opressão
que lhes circunda e que foram elencados (em negrito, juntos aos demais)
na seleção proposta no texto introdutório da matriz curricular de Língua
Portuguesa para serem contemplados nas aulas, a saber:

discriminação racial, discriminação social, discriminação


aos idosos, inteligência emocional, criatividade, comunica-
ção não violenta, mobilidade urbana, preservação ambiental,
saúde física e mental, saúde e cuidado, intolerância religiosa,
desigualdade de gênero, pluralidade/ diversidade cultural,
valores (solidariedade, empatia), Niterói, cidadania, bullying,
consumo consciente, trabalho infantil, desenvolvimento
sustentável, consciência ecológica, educação para riscos
ambientais, educação para o trânsito, (re)educação alimentar,
identidade, infâncias/adolescências, famílias, combate às fake
news, enfrentamento aos discursos de ódio, os riscos da
negação da ciência, dentre outros (NITERÓI, 2020, p. 106,
grifo nosso).

Convém destacarmos que, segundo a Base Nacional Comum Cur-


ricular, cabe à escola promover junto a seus estudantes a valorização e
utilização dos “conhecimentos historicamente construídos sobre o mun-
do físico, social, cultural e digital para entender e explicar a realidade,
continuar aprendendo e colaborar para a construção de uma sociedade
justa, democrática e inclusiva” (BRASIL, 2018, p. 09).
Entendemos que buscar compreender as desigualdades perpassadas
pelo contexto social em que vivem esses estudantes é tarefa de professores
e professoras conscientes de seu papel na sociedade e comprometidos
com a justiça social (ZEICHNER, 2008). Pensar em ações, atividades que
deem conta dessas questões, assim como de objetivos de aprendizagens
específicos de cada componente curricular que se articulem com esse
propósito, também é tarefa do nosso fazer pedagógico.

93
ensino de língua portuguesa no século xxi - relatos de experiência

É imprescindível, portanto, o diálogo e a interação dos atores so-


ciais envolvidos no processo de ensino-aprendizagem, assim como a
integração dos estudantes ao ambiente escolar e a busca por estratégias
que humanizem a prática pedagógica, tornando-a amorosa. Consoante
Freire (1996, p.20):

[...] É preciso que saibamos que, sem certas qualidades ou


virtudes como amorosidade, respeito aos outros, tolerância,
humildade, gosto pela alegria, gosto pela vida, abertura ao
novo, disponibilidade à mudança, persistência na luta, recusa
aos fatalismos, identificação com a esperança, abertura à
justiça, não é possível a prática pedagógico-progressista, que
não se faz apenas com ciência e técnica.

Se almejamos formar cidadãos críticos e conscientes da realidade


em que estão inseridos, para que possam agir socialmente e depreender
as diversas possibilidades de uso que a língua portuguesa lhes pode per-
mitir, precisamos considerar as experiências dos estudantes e o uso que
fazem da língua. Buscar estratégias de ensino – como a escuta sensível e
o diálogo entre todos os envolvidos no processo de ensino-aprendizagem,
a título de exemplificação – que tentem promover sua participação no
processo educacional de forma espontânea e efetiva, constitui um passo
essencial no caminho daqueles que se propõem à formação de cidadãos
críticos e à promoção de uma educação para a justiça social.

Considerações finais

Os desafios para implementação do novo Referencial Curricular de


Língua Portuguesa da Rede Municipal de Educação de Niterói, assim
como os desafios que se apresentam de modo geral para toda a educação
nacional, são inúmeros, como foi possível observar, sobretudo em virtude
deste cenário pandêmico que estamos vivenciando.

94
ensino de língua portuguesa no século xxi - relatos de experiência

Devido às pesquisas realizadas e às informações que surgem dia-


riamente a partir dos fatos que nos circundam no Brasil e no mundo,
devido às formas diversas de comunicação que emergem na sociedade
contemporânea e devido às inovações tecnológicas, intensificadas cada
vez mais nesta era digital, estamos constantemente imersos em um fazer
que requer estudo, planejamento.
Por tal razão, essa fase inicial de implementação – não apenas do
currículo da Rede Municipal de Niterói, mas dos demais currículos Bra-
sil à fora – requer um olhar atento à nossa prática, requer (re)ajustes e
reflexões diante do nosso fazer docente, podendo gerar estranhamentos
no que tange às inovações, às novas propostas teóricas, metodológicas
e tecnológicas.
Com o passar do tempo, no entanto, acreditamos que nos fami-
liarizaremos com as alterações/inovações e delas nos apropriaremos.
Seremos surpreendidos com novas mudanças, provavelmente, no
momento em que estivermos consolidando nossa identificação com a
atual proposta, assim como ocorreu com os Parâmetros Curriculares
Nacionais (PCNs).
Por outro lado, por entendermos que o currículo se faz no cotidiano
escolar, dentro e fora da sala de aula, acreditamos que implementar o
Referencial Curricular será um desafio permanente para quem ensina
com dedicação e comprometimento social. Além da apropriação das
concepções teóricas que perpassam o ensino de língua portuguesa neste
novo século e das mudanças observadas na matriz curricular de cada
ano de escolaridade, no que tange aos objetos de conhecimento e obje-
tivos de aprendizagem elencados, é extremamente necessário promover
não apenas o envolvimento dos atores sociais essenciais no processo
de ensino-aprendizagem, estudantes e professores, mas também o en-
volvimento de pais e/ou responsáveis e da instituição escolar como um
todo nesse processo de (re)descobrir o sentido da escola, das aulas, das
aprendizagens.

95
ensino de língua portuguesa no século xxi - relatos de experiência

Buscar desenvolver a criticidade dos estudantes, por meio de ati-


vidades que os instiguem a pensar e buscar soluções para as situações-
problemas levantadas, assim como distanciar-se das relações autoritárias
e verticalizadas em sala de aula também são ações necessárias que, se
adotadas, podem surtir um efeito enriquecedor. Desenvolver estratégias
de ensino que contribuam “para uma diminuição das desigualdades exis-
tentes entre as crianças das classes baixa, média e alta nos sistemas de
escola pública de todo o mundo e das injustiças que existem na sociedade,
fora dos sistemas de ensino” (ZEICHNER, 2008, p. 11) é promover a
educação para a justiça social.
Pensar a educação sob essa perspectiva, ainda consoante Zeichner
(2008), é promover a consciência sociocultural; observar as especificida-
des dos estudantes e seus familiares; conhecer a vida deles; reconhecer a
diversidade como fonte de aprendizagem; fazer uso de mídias da cultura
popular para servir como insumo para reflexão de estereótipos; fazer uma
leitura crítica de si mesmo, buscando entender seu papel no processo
de ensino-aprendizagem. É, portanto, considerar que a educação não
é neutra e que deve ser repensada em termos de poder e é, sobretudo,
refletir e agir sobre o mundo a fim de transformá-lo, visando à redução
das desigualdades e injustiças, conforme Freire (1987).
Enfatizamos, desta forma, que desenvolver planos de aula, ativi-
dades e/ ou sequências didáticas que considerem as concepções teóricas
abordadas ao longo dos encontros formativos promovidos pelo projeto
PDPA, registradas em livro de título homônimo, e que perpassem pelo
viés político característico do letramento crítico – a fim de ressignificar
o ambiente escolar de nossos estudantes e incluí-los nesta sociedade que
tanto os oprime – deve ser o objetivo do fazer pedagógico daqueles e
daquelas que se propõem ao ensino significativo de língua portuguesa
neste século XXI.
Se almejamos um mundo melhor para vivermos, sem violências,
sem guerras, sem ódio, sem fome, sem pessoas em condições de vulne-

96
ensino de língua portuguesa no século xxi - relatos de experiência

rabilidade social, devemos ter consciência da função política atrelada à


nossa prática pedagógica. Por intermédio do nosso fazer docente, voltado
para a justiça social, podemos contribuir para tornar o mundo “um lugar
em que seja menos difícil amar”, segundo e seguindo o ideário do mestre
Paulo Freire (1987, p. 107).

REFERÊNCIAS

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ARROYO, Miguel G. Outros Sujeitos, Outras Pedagogias. 2. ed. Petrópolis, RJ:
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98
ensino de língua portuguesa no século xxi - relatos de experiência

CLUBE.ON: UMA PROPOSTA DE CLUBE


DE LEITURA NA ESCOLA

Gleice Coelho Gomes da Silva1

Considerações iniciais
“Importa que o aluno adquira o gosto de ler pelo prazer de ler,
não em função de cobranças escolares”
(GERALDI, 1987)

É inegável a importância da literatura para crianças e adolescentes.


Os benefícios, sabemos, são inúmeros e vão desde o aumento do voca-
bulário, o estímulo à imaginação e à criatividade, até a assimilação de
estruturas linguísticas mais elaboradas, necessárias, por exemplo, para o
melhor entendimento de linguagem figurada, de referências simbólicas
e da intertextualidade, bem como para a identificação de informações
implícitas no texto, habilidades essas fundamentais aos leitores profi-
cientes. Entretanto, no espaço escolar, a construção do hábito e do gosto
pela leitura literária tem sido um imenso desafio enfrentado por gestores
e, principalmente, por professores. Como promover a leitura de textos
literários na escola de forma prazerosa e, ao mesmo tempo, significa-
tiva? Como viabilizar um contato real dos estudantes com os livros de
literatura, oportunizando uma postura mais ativa e protagonista desses
1 Professora II da Rede Municipal de Educação de Niterói. Mestre em Letras pelo Profletras –
FFP/UERJ.

99
ensino de língua portuguesa no século xxi - relatos de experiência

leitores? Como, enfim, driblar o desinteresse da maioria dos alunos


quando o assunto é leitura?
Sem dúvida, o tema é bastante difícil e complexo, sendo alvo de
debates há anos no meio acadêmico. Sobre ele, inúmeros pesquisadores
já se debruçaram, buscando entender, principalmente, quais modos de
trabalho com a literatura na escola mostram-se mais fecundos do ponto
de vista da formação das competências leitoras do estudante. João Wan-
derley Geraldi, por exemplo, no livro “O texto na sala de aula” (1983),
aponta para questões que julgo basilares nesse campo de estudo – como
a questão da leitura literária por prazer e a aquisição do hábito da leitura
como processo - e que ajudam a pensar em caminhos possíveis para o
trabalho com a literatura na escola. Aqui proponho um desses caminhos:
a criação de clube de leitura não obrigatório, isto é, formado por adesão
voluntária, e funcionando no contraturno. Longe de ser uma “solução
mágica” para as complexas questões que envolvem o tema da leitura
literária na escola, a proposta, todavia, reúne características essenciais
que acredito serem hoje peças importantes dessa difícil engrenagem que
é a formação do estudante-leitor.
A seguir, apresentarei, portanto, os objetivos principais e a descrição
do projeto Clube.On, um clube de leitura iniciado em 2020 na Escola
Municipal Honorina de Carvalho, estabelecendo depois alguns pontos
de contato entre suas atividades e as perspectivas teóricas do campo de
estudo da leitura literária na escola e do ensino de língua portuguesa
abordadas nas aulas do curso Ensino de Língua Portuguesa no século
XXI: pesquisa, teoria e prática, oferecido pela Universidade Federal
Fluminense (UFF), em parceria com a Prefeitura Municipal de Niterói
(PMN) e Fundação Euclides da Cunha (FEC), entre os meses de março
a setembro de 2022. Antes, porém, farei uma retrospectiva do projeto,
relembrando seu desenvolvimento nos últimos dois anos (2020-2022),
desde o seu surgimento até o presente momento2.

2 Este texto foi escrito em setembro de 2022.

100
ensino de língua portuguesa no século xxi - relatos de experiência

Breve histórico do projeto Clube.On

Durante a pandemia de Covid-19 (2020-2022), as escolas de todo


país estiveram fechadas por mais de um ano e as atividades passaram
a ser remotas, exigindo grande esforço de adaptação à nova e inédita
dinâmica de trabalho instaurada. Nesse cenário, professores buscaram
aprender como ensinar usando as tecnologias digitais, não apenas para
transmitir seus conteúdos curriculares, mas também para manter contato
com seus alunos, interagindo, ainda que à distância, num momento de
muitas dúvidas, incertezas e, até mesmo, de perdas familiares para alguns.
Como professora de Língua Portuguesa e ciente da importância
da literatura, busquei meios para que a leitura e, em especial, a leitura
literária, se tornasse alvo do interesse dos alunos. Assim, em 2020, nos
encontros remotos3 com alunos do 6º ano da E.M. Honorina de Carvalho,
surge a ideia de criar um clube de leitura para empréstimo de livros
físicos, que seriam enviados por correio, e troca de experiências de lei-
tura. Era o início do Clube.On, cujas interações, ainda exclusivamente
remotas, começaram em 2021, através de grupo de Whatsapp e perfil
no Instagram.
Com o retorno gradual das aulas presenciais em 2021, mesmo com
horário das aulas reduzido e com rodízio de alunos na escola, o projeto
ganha novos contornos, estabelecendo o que hoje são alguns de seus
principais pilares: os encontros passaram a ser semanais na biblioteca, um
livro foi escolhido para leitura coletiva e cada integrante do clube recebeu
um exemplar emprestado para levar para casa, o que tornava possível a
leitura individualizada para aqueles que quisessem. O livro escolhido
foi “Extraordinário”, de J.R Palacio, tendo sido emprestados em torno
de 30 livros. Como muitos alunos, porém, não retornaram à escola nesse
período, pois a pandemia ainda não havia acabado, os encontros remotos
continuaram em paralelo aos encontros presenciais:
3 Nesse momento (final de 2020), os encontros síncronos eram realizados informalmente, a
partir do contato que estabeleci com alunos via Whatsapp.

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ensino de língua portuguesa no século xxi - relatos de experiência

Figura 1 – Registro de encontro síncrono (outubro/2021)

Fonte: print de tela de Gleice Coelho (2021).

Figura 2 – Alunos com exemplares do livro “Extraordinário”,


para leitura coletiva na biblioteca (outubro/2021)

Fonte: foto de Gleice Coelho (2021).

Em 2022, outra mudança importante: o horário dos encontros foi


alterado, passando a acontecer no contraturno, e os alunos do 6º ao 9º
ano da escola foram convidados a participar do clube de leitura. O grupo
se expandiu, ganhando novos integrantes e outro livro foi escolhido para

102
ensino de língua portuguesa no século xxi - relatos de experiência

leitura, desta vez o “A bicicleta que tinha bigodes”, de Ondjaki. Nova-


mente os empréstimos foram de aproximadamente 30 livros.
Já no segundo semestre de 2022, foi iniciada a leitura de “A vida
no céu”, de Agualusa, com aproximadamente 25 empréstimos. Logo, em
menos de um ano, aproximadamente 85 livros circularam pelos integran-
tes do projeto. É importante ressaltar também que, a cada título proposto,
em média 15 alunos realizaram a leitura integral, seja acompanhando
os encontros presenciais, seja lendo em casa individualmente. Ou seja,
dos 85 empréstimos, pelo menos a metade afirmou ter lido o livro todo,
sendo que alguns dos alunos chegaram a ler os três títulos propostos no
projeto, de 2021 a 2022.
O Clube.On ganha, desse modo, cada vez mais consistência, prin-
cipalmente com o fortalecimento do grupo de leitores, os “clubistas”,
que passam a divulgar o clube e trazer novos interessados. A respeito
dessa rede de indicações literárias criada pelos próprios alunos, Geraldi
(1987, p. 53) escreve:

Uma coisa a experiência tem demonstrado: alunos que inicial-


mente não queriam ler, começaram a ler assim que notaram
que seus colegas estavam lendo. Os comentários feitos infor-
malmente pelas crianças entre si também são provocadores
(muito mais do que uma longa exposição do professor em sala
de aula, sobre a importância da leitura...).

De fato, muitos integrantes buscaram conhecer o clube por influência


de amigos que comentaram sobre os encontros de leitura, ou por verem
alunos lendo na sala de aula e, ao perguntarem sobre o livro, os colegas
respondiam que era do Clube.On.
Gradativamente, como desdobramentos das rodas de leitura realizadas
ao longo do primeiro semestre de 2022, as atividades do clube começaram
a se diversificar. Realizamos passeio à Sala de Cultura Leila Diniz, para
ver uma exposição de arte, e ao programa Mais Leitura, ambos no espaço

103
ensino de língua portuguesa no século xxi - relatos de experiência

da Imprensa Oficial do RJ; recebemos a visita do escritor Rodrigo Santos,


professor da Rede Municipal de Niterói e ex-aluno de escola pública, que
falou sobre como a literatura mudou sua vida; fomos à E.M. Sítio do Ipê,
de Ensino Fundamental I, vizinha da E.M Honorina de Carvalho, para
conversar com a bibliotecária sobre a possibilidade dos adolescentes do
Clube.On contarem histórias para as crianças do 1º ao 5º ano (projeto
“Presenteadores de Histórias”); recebemos ainda o coordenador de Arte da
Rede, Eires Silveira, que deu uma oficina sobre criação de jornal escolar.
Além dessas ações, ao final da leitura do livro “A bicicleta que tinha
bigodes”, em maio de 2022, propus que os alunos criassem um jornal
sobre assuntos relacionados aos livros já lidos até então e sobre informes
gerais a respeito do clube de leitura, para que outros alunos da escola
conhecessem melhor o projeto. A ideia foi prontamente aceita pelos
integrantes. No mesmo mês, numa feliz sintonia, como parte do projeto
Ensino de língua portuguesa no século XXI: pesquisa, teoria e prática,
a bolsista Rafaela Reis Carvalho (UFF) iniciou o acompanhamento de
turmas do 6º ano e, num segundo momento, as atividades do Clube.On,
auxiliando ativamente na elaboração do jornal, com previsão de ficar
pronto até o fim do ano de 2022.
Assim, a partir das leituras literárias, diferentes atividades aconte-
ceram, estabelecendo relação direta com os temas debatidos nas rodas
de leitura, o que gerou maior envolvimento dos alunos e a aquisição de
conhecimentos por meio de experiências significativas.

Objetivos do projeto Clube.On e descrição das atividades

Apresentarei, a seguir, os objetivos principais do clube de leitura


Clube.On e a descrição das atividades do projeto, para, posteriormente,
indicar alguns conceitos abordados nas aulas do curso Ensino de língua
portuguesa no século XXI: pesquisa, teoria e prática que contribuíram
para o aprimoramento teórico e metodológico do projeto.

104
ensino de língua portuguesa no século xxi - relatos de experiência

I. Objetivos do Clube.On:

• Estimular o prazer de ler e a descoberta do gosto/preferências literárias


através de leitura coletiva (rodas de leitura) em um espaço seguro de com-
partilhamento e troca de experiências e opiniões.

• Criar uma rede interna de indicações de leitura e trocas de livros físicos


entre os integrantes do clube.

• Vivenciar momentos de escrita e oralidade criativa, por meio de atividades


variadas e multimodais, advindas da leitura do texto literário.

Vale aqui ressaltar que, para atingir tais objetivos, é importante


a criação de uma ideia de pertencimento entre os participantes. Essa
percepção de que se pertence a um grupo – no caso, a um clube de
leitura – e não apenas de que se participa de uma “atividade” da escola
é fundamental para o projeto e exige atenção especial, pois um grupo
coeso e saudável para leitura não obrigatória não se forma de repente. É
preciso ter paciência e perseverança, ir cativando os alunos aos poucos,
nas mais diferentes situações de vivência da escola. Assim, o cuidado
começa pelo convite e divulgação4; passando pelo primeiro encontro,
até chegar às interações remotas. O grupo saudável pode tornar-se, in-
clusive, terapêutico, um benefício que atravessa as atividades e sobre o
qual falarei mais adiante.

4 Esse momento de convite e divulgação do clube de leitura é muito importante para que os
alunos se sintam à vontade para conhecer a proposta do Clube.On, ainda que depois não quei-
ram participar. Por isso, vou a todas as salas, explicando em linhas gerais o funcionamento
do projeto, principalmente seu formato não obrigatório. Foi produzido também um mural na
escola, com as principais informações do clube e contato, que é um perfil no Instagram (@
clube.on). Como muitos possuem essa rede social, acredito que é uma outra forma bastante
eficiente de comunicar sobre as atividades do clube.

105
ensino de língua portuguesa no século xxi - relatos de experiência

II. Descrição das atividades do Clube.On

Encontros presenciais no contraturno


Os encontros acontecem no contraturno, ou seja, fora do período
de aulas. Na E.M. Honorina de Carvalho, por oferecer dois turnos
(manhã e tarde) para Ensino Fundamental II, os encontros acontecem
às quartas-feiras, de 10h30 a 12h5. Desse modo, os alunos do turno
da manhã permanecem na escola após o término das aulas e os alunos
do turno da manhã chegam mais cedo neste dia e depois aguardam as
aulas à tarde6.

Local dos encontros


Os encontros do Clube.On acontecem na biblioteca da escola - fa-
vorecendo o desenvolvimento da familiaridade dos alunos com o espaço.

Participação por adesão / Não há exigência por produções orais e


escritas
Os alunos são convidados a participarem do projeto de forma vo-
luntária, sem nenhum tipo de exigência quanto à entrega de trabalho ou
avaliação. Assim como a adesão é espontânea, a saída do clube também
é livre. Nada no clube tem caráter obrigatório. A obrigatoriedade, aliás,
é uma característica das tarefas escolares, e a proposta do Clube.On é
justamente não “escolarizar” a leitura, de modo que o aluno tenha contato
com vários livros para que, pouco a pouco, ele comece a definir suas
escolhas individuais de leitura.
Inclusive, desde o início, quando o aluno manifesta interesse pelo
clube de leitura, informo que ele pode até mesmo não gostar do livro e
5 Às quartas-feiras, os alunos são liberados às 10h, pois os professores têm horário de planejamento
na escola de 10h a 12h. Como trabalho no turno da tarde na escola, meu compromisso é na reunião
de planejamento à tarde, portanto tenho possibilidade de desenvolver o trabalho do clube de leitura
no horário proposto fora da minha carga horária de trabalho como professora regente.
6 Foi previamente combinado com a direção da escola que os alunos integrantes do clube de leitura
podem almoçar na escola, se assim desejarem, mesmo estando fora de seu período de aula.

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ensino de língua portuguesa no século xxi - relatos de experiência

devolvê-lo, mas não precisa deixar o clube por esse motivo, uma vez que
outros livros virão. Assim, o vínculo de integrante do clube permanece,
independentemente se o aluno está realizando a leitura do livro escolhido
no momento, até porque um dos objetivos do projeto é a criação de uma
rede de trocas de experiências de leitura e de livros.
A participação por adesão é, desse modo, um ponto crucial do
projeto, pois, de um lado, garante um engajamento mais comprometido
com os encontros de leitura e, de outro, permite uma verdadeira divulga-
ção das atividades do Clube para outros alunos, que podem se interessar
a partir da indicação de amigos “clubistas”.

Exemplares são emprestados para os alunos levarem para casa


Cada integrante do clube recebe um livro emprestado para levar
para casa e o aluno pode dar continuidade à leitura iniciada em grupo se
quiser. A leitura seguinte recomeça do ponto parado no encontro anterior.

Uso do Instagram e grupo de Whatsapp


Como os encontros acontecem uma vez por semana, é impor-
tante ter outros canais para contato remoto com o grupo nos demais
dias. As vantagens dessa interação à distância são várias. Através
do Whatsapp, há o estreitamento de laços entre os alunos que não se
conhecem muito bem, fortalecendo ideia de pertencimento e por lá
acontecem interações espontâneas sobre atividades do clube e dicas
de leitura, além de ser um meio de comunicação rápido para avisos
diversos. Já através do Instagram, é possível promover visibilidade
do projeto e de produções e ideias dos alunos, como desenhos, co-
mentários, sugestões de leitura:

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ensino de língua portuguesa no século xxi - relatos de experiência

Figura 3 – Empréstimo de livro pelo Whatsapp

Figura 4 – Compartilhando leitura pelo Whatsapp

Fonte: print de tela de Gleice Coelho (2021).

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ensino de língua portuguesa no século xxi - relatos de experiência

Figura 5 – Postagem no Instagram com o desenho da aluna Maria Clara Duarte inspirado
no personagem do Clube.On

Figura 6 – Postagem no Instagram com o desenho da aluna Sophia Carvalho sobre a roda
de leitura “A bicicleta que tinha bigodes”

Fonte: print de tela de Gleice Coelho (2021).

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ensino de língua portuguesa no século xxi - relatos de experiência

Uso de outros textos/recursos tecnológicos nos encontros


Para dinamizar e enriquecer os encontros, alguns temas7 que atra-
vessam o livro em questão podem ser levantados, porém sem tirar o foco
principal do encontro, que é a leitura. Vídeos curtos são ótimos recursos
em alguns momentos:
Figura 7 – Alunos do Clube.On assistindo a um vídeo sobre autoria negra, antes de
iniciarmos a leitura de “A bicicleta que tinha bigodes”, Ondjaki

Fonte: foto de Gleice Coelho (2022).

Professor como mediador de leitura

A mediação de leitura é um fator extremamente importante no


desenvolvimento do Clube.On e, nos encontros, o professor assume o
papel de mediador, responsável por criar um ambiente atrativo para a
leitura coletiva e partilha do texto literário. Desse modo, ao longo da
leitura, o professor-mediador deve procurar destacar os aspectos textuais
e literários que constroem os efeitos de sentidos e auxiliar os alunos na
percepção de informações implícitas, permitindo que, gradativamente,
7 Temas abordados internamente no próprio enredo ou temas “externos” que apontem, por
exemplos, para contextos de produção (ex.: autoria negra).

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ensino de língua portuguesa no século xxi - relatos de experiência

o estudante ganhe maior maturidade de leitura, sem, no entanto, dar


aula, “palestrar” sobre os assuntos. Vale lembrar que os encontros são de
livre discussão, em que o objetivo principal é trocar informações entre
todos os participantes do grupo para que cada estudante possa tornar sua
experiência da leitura mais prazerosa e mais consciente dos aspectos da
escrita literária e, assim, ganhar maior sensibilidade literária, porém
não apenas por obter o conhecimento sobre o texto, mas, principalmente,
por viver uma experiência de leitura animadora e envolvente.
Figura 8 – Roda de leitura do 3º livro do clube, “A vida no céu”, Agualusa.

Fonte: foto de Gleice Coelho (2022).

O viés terapêutico do Clube.On


(por Márcia Valéria de Almeida Cavalcanti8 )
“Que pedagogos éramos quando não tínhamos
a preocupação da pedagogia” (PENNAC, 1933)

O Clube.On, embora não tenha pretensão de sê-lo, acaba por se


transformar numa atividade terapêutica. O formato circular da roda, ao
contrário do formato convencional da sala de aula, possibilita que todos
8 Professora de Língua Portuguesa da Rede Municipal de Educação de Niterói (E.M. Honorina
de Carvalho) e contadora de história. Texto não publicado.

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ensino de língua portuguesa no século xxi - relatos de experiência

os integrantes do grupo se olhem nos olhos, valorizando igualmente cada


indivíduo. Não há, portanto, uma hierarquia, pois o professor fisicamente
está no mesmo nível dos alunos. Ali ele é mais um mediador das múl-
tiplas leituras que surgirão, mais um orientador de trilhas, um guia, do
que propriamente alguém que detém o conhecimento a ser transmitido.
É um facilitador do processo, e não um controlador dele. “E se, em vez
de exigir, o professor decidisse de repente partilhar sua própria felicidade
de ler?”, diz Pennac (1993).
É nesse ambiente livre, relaxado que o aluno se sente à vontade
para expressar não somente a sua leitura, mas também, e principalmente,
suas emoções, seus sentimentos, suas angústias, seus medos. O grupo
se torna um espaço de acolhimento, ao mesmo tempo que de interação
social. Pertencer a um grupo fortalece o indivíduo, como bem expressa
Ailton Krenak em seu livro “Ideias para adiar o fim do mundo” (2019):

Se as pessoas não tiverem vínculos profundos com sua me-


mória ancestral, com as referências que dão sustentação a
uma identidade, vão ficar loucas neste mundo maluco que
compartilhamos.

Além disso, a roda de leitura tira o adolescente do excesso de


exposição às imagens do mundo tecnológico. A leitura é um intervalo,
um espaço de criação, de imaginação. Ela faz com que o aluno produza
suas próprias imagens. Ele se torna, então, um criador, e não um mero
receptor de imagens prontas, massificadas:

Tudo nos é dado num filme, nada é conquistado, tudo é mas-


tigado, a imagem, o som, os cenários, a música ambiente, no
caso de alguém não ter entendido a intenção do diretor (...).
A porta, que range para indicar que é o momento de ter medo
(...). Na leitura, é preciso imaginar tudo isso. A leitura é um
ato de criação permanente (Idem).

112
ensino de língua portuguesa no século xxi - relatos de experiência

E, de leitura em leitura, de criação em criação, o aluno vai am-


pliando seu repertório de leitor e de recursos internos para enfrentar as
adversidades da vida. A leitura bem selecionada e as atividades lúdicas
desenvolvidas a partir dela estimulam o adolescente a lidar melhor com
suas emoções e a encontrar soluções mais criativas para seus problemas.
Cabe aqui uma consideração sobre a escolha dos títulos a serem tra-
balhados. Levando em conta que as histórias, como bem salienta Clarissa
Pinkola Estés em sua obra “O dom da história”, por si sós, podem se
tornar uma farmacopeia à nossa disposição, seria interessante selecionar
livros que abordem tanto os assuntos de interesse dos adolescentes quanto
as temáticas universais do ser humano.
Embora não tenha a pretensão de ser terapêutico, o projeto acaba
proporcionando um recurso com o qual o aluno pode contar nos momen-
tos de dificuldade, de sofrimento, de dor. Indiretamente, portanto, ele se
transforma num instrumento de cura. Parafraseando Daniel Pennac, quão
terapêutico pode ser quem não tem a intenção de curar.

Diálogo entre escola e universidade: contribuições do curso Ensino


de língua portuguesa no século XXI: pesquisa, teoria e prática ao
projeto Clube.On

Como foi apresentado, no Clube.On, o livro é lido sequencialmente,


de forma coletiva, em encontros presenciais e semanais. Os alunos levam
o livro para casa e, se quiserem, podem continuar a leitura individual-
mente. O professor, por sua vez, exerce o papel de mediador de leitura:
sua intenção é criar um ambiente propício à troca de conhecimentos e
experiências de forma espontânea, não de dar aula sobre determinado
tema, o que muitas vezes mantém o aluno-leitor num lugar de passividade
já muitas vezes repetido na escola.
A professora Lúcia Teixeira, em sua aula “Leitura – a multisse-
miose”, abordou justamente a importância da leitura literária na escola

113
ensino de língua portuguesa no século xxi - relatos de experiência

a partir de uma experiência de sensibilização, afirmando que é preciso


tocar, comover o aluno, despertar sensações e deixar que ele mesmo faça
os links, ou seja, criar relações entre a análise/percepção literária feita de
um texto e o repertório do aluno, seu mundo conhecido. Assim, o aluno-
-leitor constrói seu próprio entendimento sobre o texto, evidenciando,
como diz a professora, que “o ato de ler não é banal, pois todo texto tem
uma expansão” (valores, elementos sócio-históricos, contexto) e que,
enquanto professores e mediadores de leitura, devemos “cultivar o gosto
sensível do aluno, pois isso também se ensina”.
Já a professora Beatriz dos Santos Feres, em sua aula “Leitura
– seleção de textos (diversidade cultural – BNCC), compreensão e
interpretação de textos”, ressaltou que “é preciso haver investimento
do leitor na interpretação do texto” e que, portanto, devemos “ensinar o
aluno a observar a construção do sentido na materialidade do texto”,
estimulando-o a realizar inferências, uma vez que “a Literatura evidencia
estruturas da língua que não são encontradas em outras situações comu-
nicativas”. Esses movimentos de promoção da “maturidade leitora” do
aluno é algo que vemos acontecer na prática do clube de leitura, em que a
cada encontro dedicado exclusivamente à leitura literária é um momento
de estímulo ao entendimento da especificidade linguística que caracteriza
um texto literário.
A partir da leitura dos livros “Extraordinário” e “A bicicleta que
tinha bigodes”, como já foi dito, foi proposto que os alunos escrevessem
textos para um jornal do Clube.On. Os alunos que quiseram participar
redigiram textos a partir de suas experiências de leitura, ora discorrendo
sobre assuntos variados, ora relatando experiências individuais. Alguns
temas abordados foram “a importância da imaginação (inspirado na
personagem Isaura, de “A bicicleta que tinha bigodes”); “O preconceito
com pessoas com deficiência9 (inspirado no personagem principal de
“Extraordinário”) e “preconceito racial (relato inspirado no livro “A
bicicleta que tinha bigodes”).
9 Foi realizada uma entrevista com uma integrante do Clube que é portadora de deficiência.

114
ensino de língua portuguesa no século xxi - relatos de experiência

Aqui, verificamos claramente o que apontou a professora Ana


Beatriz Arena, em sua aula sobre “Revisão de textos e reescrita”: para o
jovem, a escrita tem íntima relação com sua motivação. Nesse sentido,
é importante que a produção textual na escola aconteça de modo a fazer
sentido quanto a sua função comunicativa, circulando para além da sala
de aula e permitindo que a escrita do estudante encontre uma diversidade
de usos socialmente relevantes.
Outros dois pontos abordados pela professora Ana Beatriz Arena
também foram vivenciados nas atividades de escrita dos textos para o
jornal do clube, a saber: 1) as etapas da escrita (planejamento, escrita
e reescrita) e 2) as tendências de correção do texto escrito (indicativa,
resolutiva, classificatória e textual interativa). Tive a oportunidade de
colocar em prática os conceitos apresentados durante a aula, o que trouxe
maior qualidade ao processo de escrita em que eu e os alunos estávamos
envolvidos.
Todavia, após os textos serem escritos, corrigidos e reescritos,
aplicando, portando, as orientações teóricas apresentadas pela pro-
fessora Ana Beatriz, havia um problema: como passar para o formato
digital, se o laboratório de informática da escola estava em reforma?
A direção da escola disponibilizou um notebook, mas não era ainda
suficiente, devido à quantidade de alunos. Então, nesse momento,
tivemos a importante colaboração da estagiária Rafaela Reis (UFF),
que levou computadores do Projeto de Ensino de Língua Portuguesa
no Século XXI – pesquisa, teoria e prática para digitação dos textos já
produzidos e auxiliou os alunos na edição dos textos no Canva, uma
ferramenta gratuita de design gráfico on-line. Ficamos todos muito
felizes com a parceria entre os alunos da E.M. Honorina de Carvalho
e a aluna da UFF, parceria essa viabilizada pelo referido projeto. Esse
potente encontro das esferas da educação pública de nossa cidade de
Niterói pode ser visto nas cenas a seguir:

115
ensino de língua portuguesa no século xxi - relatos de experiência

Figura 9 - Alunos da E.M Honorina de Carvalho e a estagiária Rafaela Reis (UFF)

Fonte: foto de Gleice Coelho (2021).

Expandindo horizontes: Clube.On na Rede

Em maio deste ano (2022), houve o convite da Fundação Mu-


nicipal de Educação - FME, através da Coordenação de Programas
Artístico-literários, para implementação do Clube.On para outras
escolas de 3º e 4º ciclos da Rede. Surgiu então o Clube.On na Rede
e, ao mesmo tempo, a necessidade de escrever o projeto para divul-
gação formal. Nesse momento, a contribuição do curso de formação
oferecido pelo Projeto Ensino de Língua Portuguesa no século XXI
– pesquisa, teoria e prática foi fundamental, pois alguns conceitos
aprendidos e debatidos nas aulas foram utilizados, dando-lhe maior
sustentação teórica. Um ofício (081/2022) foi então enviado às escolas
de 3º e 4º ciclos, convidando professores, pedagogos e bibliotecários
para conhecerem a proposta e, em 10 de agosto, o projeto Clube.On
na Rede foi apresentado para os interessados, em reunião presencial
no auditório da FME.

116
ensino de língua portuguesa no século xxi - relatos de experiência

Considerações finais

Ao olhar para o nome do clube de leitura Clube.On, a primeira ideia


que vem à mente com a extensão “on” é a referência à palavra on-line.
De fato, existe essa relação, uma vez que o surgimento do clube aconte-
ceu nos encontros remotos com alunos da E.M Honorina de Carvalho,
no contexto de pandemia em 2020. Porém, o “on” está igualmente na
palavra “onda” - também pensada quando o nome do projeto foi criado
-, pois nos lembra a imagem de que um simples movimento gera outros
numa conexão direta. Essa é justamente a dinâmica que percebo no clube
de leitura: encontros para leitura literária geram conhecimentos, que por
sua vez impactam outras pessoas e assim por diante.
A proposta do Clube.On nasceu, assim, com a intenção de iniciar um
movimento de leitura dentro da escola e que essa ação pudesse influenciar
outros alunos no próprio ambiente escolar, através de suas atividades não
obrigatórias, sem cobrança de tarefas escolares e nas quais a experiência
com texto literário assumisse protagonismo. Nesse sentido, cito Geraldi
(1984), que diz sobre a importância do “fazer agora” na sala de aula,
mas que estendo também para ações fora dela, como o clube de leitura:

[...] acreditamos que é no interior das contradições que se


presentificam na prática efetiva de sala de aula que se poderá
buscar um espaço de atuação profissional em que se delineie
um “fazer agora”, na escola em temos, alguma coisa que nos
aproxime da escola que queremos, mas que depende de deter-
minantes externas aos limites da ação da e na própria escola.

Assim, o clube de leitura Clube.On foi idealizado e concretizado


buscando um “fazer agora” no campo da leitura literária na escola. A
experiência demonstrou que houve procura e interesse, confirmando a
relevância desse tipo de projeto que oferta um momento de leitura coletiva
na escola. Já os desdobramentos internos (dentro do próprio clube, em
diversas ações relacionadas às leituras) e externos (ampliação do projeto

117
ensino de língua portuguesa no século xxi - relatos de experiência

para outras escolas da rede) que vieram a partir das atividades do Clube.
On evidenciaram como o estímulo à leitura literária fora dos moldes
escolares já conhecidos pode gerar impactos reais nos estudantes, efeti-
vando, na prática, o processo gradual de aquisição do hábito da leitura.

REFERÊNCIAS

GERALDI, João Wanderley. Unidades básicas do ensino de português. In: GERALDI,


João Wanderley (org.). O texto na sala de aula. 3. ed. Cascavel: Assoeste, 1987.
p. 42-53.
KRENAK, Ailton. Ideias para adiar o fim do mundo. São Paulo: Companhia das
Letras, 2019.
PENNAC, Daniel. Como um romance. Rio de Janeiro: Rocco, 1993.

118
ensino de língua portuguesa no século xxi - relatos de experiência

O PAPEL DA REPRESENTATIVIDADE NA FORMAÇÃO


DE UM LEITOR CRÍTICO: CONTOS AFRICANOS NA
ESCOLA PÚBLICA

Raquel Marques

Introdução

“Um professor terá condições de analisar e entender seja lá


o que for somente se dispuser de uma competência técnica
bem adquirida”.
(CAGLIARI, 1998, p. 249)

É com essa premissa que inicio meu modesto relato. Tenho atuado
como professora regente de Língua Portuguesa da Rede Municipal
de Niterói desde 2016, e sempre me inquietou o fato de os alunos
assumirem declaradamente que não sabem nem ao menos falar a sua
língua nativa. Falo aqui em língua nativa porque entrei na Rede como
professora de Língua Inglesa em 1999 e esse comentário sempre fez
parte das minhas aulas de inglês. À medida que o tempo foi passando,
fui começando a entender o que eles realmente queriam dizer com
essa afirmação e a prestar mais atenção ao Ensino de Língua Portu-
guesa nas turmas de Ensino Fundamental. No entanto, mesmo tendo a
formação acadêmica na área de Língua Portuguesa, não me via com a
competência técnica necessária para intervir nessa crença dos alunos.
Confesso que isso me causava uma grande frustração e por que não
dizer inquietação?

119
ensino de língua portuguesa no século xxi - relatos de experiência

Em 2011, comecei a trabalhar em um projeto de reforço escolar da


Fundação Municipal de Educação na Escola Municipal Altivo César,
onde atuo, e essa foi minha oportunidade de conhecer mais de perto as
dificuldades dos alunos na aprendizagem de sua língua materna. Muitos
sabiam até se expressar bem, redigiam com certo grau de coesão e co-
erência, interpretavam até mesmo textos mais complexos, mas, quando
eles tinham que fazer atividades que envolviam classificar, nomear e
utilizar regras gramaticais eles tinham muita dificuldade em avançar.
Percebi que esse “não saber” a Língua Portuguesa envolvia uma
complexidade maior do que eu estava preparada para lidar. Paulo Freire,
em seu livro Pedagogia do Oprimido (1987), havia dito que a educação
precisava passar por um processo de ressignificação, de transformação
e foi aí que eu comecei a sentir no chão da sala de aula que eu precisava
ressignificar o que eu sabia sobre o ensino e aprendizagem de Língua
Portuguesa.
Sem dúvida, o professor precisa ter um olhar atento aos problemas
de sala de aula, não somente para estar ciente, mas para intervir e se apri-
morar como profissional e pessoa. O papel do professor é ser um sujeito
questionador e transformador de suas práticas e para isso é preciso estar
na posição de aprendiz. Foi o que eu decidi fazer ao me inscrever no
Curso Ensino de Língua Portuguesa no século XIX - Pesquisa, Teoria e
Prática. Eu precisava de embasamento teórico para intervir nas situações-
problema que eu já havia diagnosticado e tinha a necessidade de saber
como os colegas estavam lidando com as dificuldades do dia a dia de sala
de aula. Esse processo tem em suas bases o entendimento de que apenas

[u]m professor que conhece profundamente como a escrita,


a leitura e a fala funcionam e o que acontece durante um
processo de alfabetização, é capaz de analisar qualquer coisa
que aconteça ou deixe de acontecer com os alunos, quando
eles vão ler ou escrever. Por outro lado, um professor que não
for capaz disso, não tem condições de lidar com certos fatos
que encontra, principalmente quando os alunos fazem coisas

120
ensino de língua portuguesa no século xxi - relatos de experiência

estranhas ou têm comportamentos inesperados. (CAGLIARI,


1998, p. 249)

Já não bastava me adequar ao contexto do que as provas e os livros


traziam. Eu já tinha visto que os resultados não me satisfaziam. Eu preci-
sava me despir do “meu saber” e me permitir sair da área de conforto. A
partir do momento em que se observa o seu objeto de estudo e se constata
uma situação-problema, não há como retornar. Seguir em frente é a única
opção propositiva. Eu já tinha iniciado a minha pesquisa científica, mas
ainda não tinha me dado conta disso.
Compreendi que pensar cientificamente é ter uma visão imparcial
e crítica sobre as situações e os problemas que se apresentam a fim de
obter respostas, a fim de produzir meios de preveni-los e revertê-los.”
(AZEVEDO, 2009; KAUARK; MANHÃES; MEDEIROS, 2010).
Era exatamente o que eu estava procurando: respostas que pudessem
melhorar minha prática pedagógica e tornar as aulas de Língua Portuguesa
uma oportunidade de aumentar a autoestima do aluno com relação a sua
língua nativa e de criar um espaço de reflexão e de compartilhamento
de pensamentos críticos.
O meu papel seria o de construir um ambiente que propiciasse a fala
dos alunos. Garrido (2001) defende que o papel do professor é articular
a construção e a formação do pensamento crítico no processo de ensino
e aprendizagem. Esse papel mediador do professor pode contribuir sig-
nificativamente para essa aprendizagem. Para atingir esse objetivo, eu
precisaria ressignificar a minha abordagem quanto ao conteúdo progra-
mático proposto e criar mais oportunidades para a expressão dos alunos.
Tinha chegado a hora de experimentar e avaliar minha prática docente.
Nesse sentido, o curso Ensino de Língua Portuguesa no século
XXI – Pesquisa, Teoria e Prática, oferecido pela Universidade Federal
Fluminense (UFF) em parceria com a Fundação Municipal de Educação
de Niterói (FME), tem contribuído de forma singular ao me ajudar não

121
ensino de língua portuguesa no século xxi - relatos de experiência

só a ver onde eu posso melhorar na minha prática docente, mas também


a entender que muito do que eu trabalhava intuitivamente tem sido dis-
cutido e feito na universidade. Isso aumentou muito a minha vontade de
continuar pesquisando, aprendendo e aplicando as sugestões dadas nos
encontros em minhas turmas.
Quando o curso começou, no dia 10 de março, eu já estava com
um projeto em andamento. A escola tinha recebido uma boa quantidade
de livros sobre a temática feminina, e, como eu havia começado o ano
trabalhando com a tipologia narrativa, eu decidi usar esses contos para
trabalhar temas como: violência contra a mulher, desigualdade de gênero
no mercado de trabalho e o papel da mulher na sociedade.
Um dos livros recebidos foi Princesas, bruxas e uma sardinha na
brasa (2017), de Helena Gomes e Geni Souza. Trata-se de uma coletâ-
nea de textos com a estrutura dos contos de fadas em que as mulheres
exercem o papel de protagonistas e lutam contra a violência patrimonial,
psicológica e até mesmo física. São contos que destacam a luta feminista.
Os alunos se sentiram atraídos pelas histórias, pois através da ficção eles
conseguiram fazer uma relação com o que, infelizmente, acontece em
muitas famílias.
A seguir apresento uma pequena descrição dos passos dos dois
projetos realizados com alunos do 9° ano da Escola Municipal Altivo
César, intitulados: Mulher na literatura e Os nove pentes d’ África.

Mulher na literatura e Os nove pentes d’África: práticas pedagógicas

Logo no início deste ano letivo, 2022, os alunos mostraram a neces-


sidade de ler mais. Reclamaram que durante os dois anos de pandemia
tinham deixado os livros de lado e que precisavam ler. Assim, comecei
trabalhando o gênero crônica e em seguida passei para os contos, confor-
me previa o planejamento. Com essa demanda inicial levantada por eles,
aproveitei para levá-los à sala de leitura e apresentei o livro de contos

122
ensino de língua portuguesa no século xxi - relatos de experiência

Princesas, bruxas e uma sardinha na brasa. A seguir apresenta-se uma


reprodução da capa (Figura 1) e a sinopse do livro:
Figura 1 – Capa do livro Princesas, bruxas e uma sardinha na brasa

Fonte: Site da Amazon Brasil, 2022.

Vilã ou heroína? Bruxa, princesa, camponesa, conselheira ou


madrasta? Ou todas elas? Nos contos de fadas, as personagens
femininas costumam ser entregues em casamento a quem
mal conhecem, sofrem muito, não têm direito a dar opinião
nem a escolher o seu futuro. E tudo isso só porque nasceram
mulheres. “Princesas, bruxas e uma sardinha na brasa” nos
faz refletir sobre essas questões e também nos mostra como
os homens podem ser aliados no processo de mudanças. São
histórias que divertem, emocionam e ainda nos fazem ver que
há muito a ser feito para que as mulheres também sejam donas
dos próprios finais felizes.
(AMAZON BRASIL, 2022)1

1 Disponível em: https://www.amazon.com.br/Princesas-Bruxas-Sardinha-Brasa-Contos/


dp/8578481828. Acesso em: 31 jul. 2022.

123
ensino de língua portuguesa no século xxi - relatos de experiência

Do primeiro conto do livro, fizemos a leitura em voz alta. Durante


a leitura, eu pedi que os alunos destacassem pontos da narrativa em que
eles observassem elementos indicadores de preconceito de gênero, vio-
lência contra a mulher, características específicas dos contos de fadas e
que, também, destacassem os elementos da narrativa. As figuras 2 e 3
mostram essa etapa do trabalho:
Figura 2 – Apresentação do livro

Fonte: Professora Raquel Marques, 2022. (Acervo pessoal).

Figura 2 – Primeiro conto: “A esposa do Corvo”

Fonte: Professora Raquel Marques, 2022. (Acervo pessoal).

124
ensino de língua portuguesa no século xxi - relatos de experiência

Os alunos ficaram tão motivados em procurar essas características


que trabalhamos com mais três contos do livro: “A irmã do conde”, “O
poço das fadas” e “A sardinha”. O trabalho com os outros contos foi feito
através de leitura silenciosa e eu pedi que os alunos fizessem, em seus
cadernos, anotações das partes que eles gostariam de compartilhar com
a turma em uma futura roda de leitura.
Após a roda de leitura, trabalhamos com o conto da Marina Cola-
santi “Para que ninguém a quisesse”, em que a mulher é “transformada”
em um objeto do marido e perde a sua identidade. Nesse momento, foi
pedido aos alunos que fizessem a comparação entre os contos do livro e
o conto de Colasanti. Essa atividade foi registrada na Figura 4:
Figura 3 – Leitura do conto: “Para que ninguém a quisesse”

Fonte: Professora Raquel Marques, 2022. (Acervo pessoal).

Uma vez que já tínhamos comentado sobre diferentes tipos de


violência contra a mulher, achei interessante incluir a leitura de outros
gêneros textuais, como infográficos e cartazes, que descreviam não só
os tipos de violência contra a mulher, mas também a desigualdade de
gênero no mercado de trabalho e o direito das mulheres na legislação
brasileira. Observei, nessa etapa, a oportunidade de trabalhar com textos
multimodais e explorar os recursos visuais, algo que eu fazia pouco em
minhas aulas. As figuras 5, 6 e 7 mostram os textos trabalhados:

125
ensino de língua portuguesa no século xxi - relatos de experiência

Figura 4 – Infográfico sobre tipos de violência contra a mulher

Fonte: Instituto Federal Norte de Minas Gerais, 2019.2

Figura 5 – Infográfico sobre questão de gênero no mercado de trabalho

Fonte: Agência Estadual de notícias IBGE, 2022.

2 Disponível em: http://www.fnmg.edu.br/mais-noticias-ead/491-cead-noticias-2019/22007-


agosto-lilas. Acesso em: 31 jul. 2022.

126
ensino de língua portuguesa no século xxi - relatos de experiência

Figura 6 – Direito das mulheres na legislação brasileira

Fonte: sindicomerciários, 2022.3

Esse trabalho foi fundamental para que os alunos se sentissem mais


confiantes com o seu processo de leitura, contribuindo para estreitar meu
relacionamento com a turma. Eles contaram muitas histórias e trouxeram
vivências que estreitaram nossos laços.
Como Freire (1967, p. 97) disse em seu livro Educação como
Prática da Liberdade “[a] educação é um ato de amor, por isso, um ato
de coragem”. Foi preciso coragem para lidar com uma realidade que eu
imaginava, mas que estava muito distante de mim. A frase do livro Peda-
gogia da autonomia, que muitas vezes considerei como clichê, estava se
avolumando na minha sala de aula: “Quem ensina aprende ao ensinar e
quem aprende ensina ao aprender.” (FREIRE, 1997, p. 12).
3 Disponível em: http://sindcomerciariosvarginha.com.br/blog/direitos-das-mulheres/. Acesso
em: 31 jul. 2022.

127
ensino de língua portuguesa no século xxi - relatos de experiência

Encerrando o projeto, os alunos fizeram um mural e apresentaram


finais diferentes para o conto de Marina Colasanti. As figuras 8 e 9
apresentam as etapas finais do trabalho:
Figura 7 – Confecção dos textos e figuras para o mural

Fonte: Professora Raquel Marques, 2022. (Acervo pessoal).

Figura 8 – Organização do mural

Fonte: Professora Raquel Marques, 2022. (Acervo pessoal).

128
ensino de língua portuguesa no século xxi - relatos de experiência

Durante o projeto e com as aulas do curso, fui verificando que seria


possível, além do trabalho de leitura, escrita e interpretação, trabalhar
tópicos de gramática para a construção de sentido do texto. De fato, apren-
der o conceito de “gramática contextualizada” contribuiu para que eu
planejasse aulas de gramática não apenas para classificação e nomeação
de estruturas, mas também para ajudar o aluno a se apropriar do texto.
Dessa forma, quanto aos elementos da narrativa, tais como: enredo,
tempo, espaço, personagem e narrador, usei a sugestão dada nas aulas
iniciais do curso de relacionar: a) enredo, aos conceitos de predicação e
transitividade verbal; b) personagens, à função do sujeito; c) no que se
refere aos conceitos de tempo e espaço nos contos, introduzi a definição
de adjunto adverbial. Dentro dessa perspectiva, o trabalho com o uso da
vírgula fluiu como nunca antes. A resistência dos alunos a um tema que
eles já estão conformados a não aprender foi posto por terra, na medida
em que eles entenderam as relações entre as estruturas sintáticas. O co-
nhecimento realmente é libertador.
Fiquei impressionada em como a relação entre esses elementos fez
com que os alunos prestassem mais atenção nas narrativas e dessem mais
sentido e importância ao trabalho das aulas de estruturas gramaticais.
Realmente, o texto é o centro de tudo. Ele deve ser o foco do ensino de
língua. A partir dele os outros elementos da língua funcionam como fer-
ramentas que contribuem na formação de um leitor proficiente e crítico,
capaz de interagir com o texto e dele se apropriar.
Como parte integrante do curso oferecido pela UFF, uma das etapas
do projeto previa visitas de bolsistas, professoras em formação, às escolas
durante o mês de maio. Após uma conversa sobre o tema que poderíamos
abordar através de um projeto com os alunos, resolvemos trabalhar com
contos que remetessem à cultura e à história dos povos africanos. Vimos
nesse momento a oportunidade de trabalhar em prol, não apenas de um
conteúdo programático estático, mas também, e principalmente, de ofe-
recer espaço para discussão sobre o racismo no Brasil e sua construção,

129
ensino de língua portuguesa no século xxi - relatos de experiência

que se fortalecem na falta de representatividade da maioria do povo bem


como na desvalorização da cultura afro-brasileira.
Silvio Almeida (2021), em seu livro Racismo estrutural, defende
que “a mudança da sociedade não se faz apenas com denúncias ou com
repúdio moral do racismo: depende, antes de tudo, da tomada de posturas
e da adoção de práticas antirracistas” (ALMEIDA, 2021, p. 52). Angela
Davis, filósofa americana, em sua famosa frase nas redes sociais, foi
enfática ao dizer que “numa sociedade racista, não basta não ser racista,
é preciso ser antirracista” e isso envolve ação e tomada de decisão. É
preciso um posicionamento, como Djamila Ribeiro (2019), em seu livro
Pequeno manual antirracista nos traz à reflexão: “O que está em questão
não é um posicionamento moral, individual, mas um problema estrutu-
ral. A questão é: o que você está fazendo ativamente para combater o
racismo? [...] a inação contribui para perpetuar a opressão.” (RIBEIRO,
2019, p. 14).
Tendo esse conceito em mente e com o amparo da Lei nº10639 de
2003, que alterou a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional,
“para incluir no currículo oficial da Rede de Ensino a obrigatoriedade da
temática ‘História e Cultura Afro-Brasileira’” (BRASIL, 2003), inicia-
mos o projeto com a leitura dos contos do livro Os nove pentes d’África.
Mais uma vez, a participação dos alunos foi surpreendente. A figura 10
destaca a capa do livro, cuja sinopse também apresento:

130
ensino de língua portuguesa no século xxi - relatos de experiência

Figura 9 – Capa do livro Os nove pentes d’África

Fonte: Site da Amazon Brasil, 2022.

Em Os nove pentes d’África, estreia de Cidinha da Silva na


cena literária juvenil, tradição e contemporaneidade tecem
um bordado de poesia e surpresa na tela de uma família negra
brasileira. Os pentes herdados pelos nove netos de Francisco
Ayrá são a pedra de toque para abordar a pulsão de vida pre-
sente nas experiências das personagens e dos rituais cotidianos
da narrativa (AMAZON BRASIL, 2022).4

O ponto de partida foi uma nova visita à sala de leitura, e depois foi
feito um levantamento no que se referia ao conhecimento das informações
que os alunos tinham do continente africano. Nessa etapa os alunos se
conscientizaram do quanto se fala de forma negativa sobre a África e da
necessidade de entendermos as razões pelas quais isso é feito. À medida
que os alunos iam falando, iam sendo anotadas as respostas no quadro,
como pode ser visto na figura 11:

4 Disponível em: https://www.amazon.com.br/nove-pentes-d%C3%A1frica-Cidinha-Silva/


dp/8571604851. Acesso em: 31 jul. 2022.

131
ensino de língua portuguesa no século xxi - relatos de experiência

Figura 11 – L. checando o conhecimento dos alunos sobre a cultura africana

Fonte: Professora Raquel Marques, 2022. (Acervo pessoal).

Em seguida, foi feito um breve relato sobre a importância de se


trabalhar a cultura de povos africanos, a necessidade de sabermos his-
tórias que não são contadas oficialmente. Destacou-se também que o
tema não foi escolhido por acaso, mas que faz parte de um conteúdo
que deveria ser trabalhado nas aulas de Língua Portuguesa por ter sido
sancionada a Lei 10639/03, que alterou a Lei de Diretrizes e Bases da
Educação (BRASIL, 1996) e que passou a incluir no currículo oficial
da Rede de Ensino a obrigatoriedade da presença da temática História
e Cultura Afro-Brasileira e Africana. A figura 12 registra o trabalho de
apresentação da lei 10639/2003:

132
ensino de língua portuguesa no século xxi - relatos de experiência

Figura 12 – Explicando que o tema da aula é o cumprimento da Lei 10639/2003

Fonte: Professora Raquel Marques, 2022. (Acervo pessoal).

Em um segundo momento, o livro foi distribuído e conduzida


a leitura do conto, que foi feita com a participação dos alunos que se
ofereciam para ler os parágrafos. A figura 13 mostra essa etapa:

Figura 13 – Leitura e análise do conto

Fonte: Professora Raquel Marques, 2022. (Acervo pessoal).

É interessante destacar que a curiosidade sobre o assunto fez com


que alguns alunos usassem seus pacotes de dados de internet para pes-

133
ensino de língua portuguesa no século xxi - relatos de experiência

quisar palavras de origem africana e aspectos da cultura. A figura 14


mostra esse momento:
Figura 14 – Usando a Internet para pesquisa de palavras de origem africana

Fonte: Professora Raquel Marques, 2022. (Acervo pessoal).

O projeto ainda está em andamento, mas não podia faltar a foto da


última aula, antes do recesso escolar do meio de ano, cujo título poderia
ser: Por uma educação antirracista (Figura 15). Nela vemos os nossos
mais novos apaixonados pela cultura africana e observadores atentos
das relações de poder que contribuem para perpetuar as desigualdades e
aprofundar os preconceitos:

134
ensino de língua portuguesa no século xxi - relatos de experiência

Figura 15 – Por uma educação antirracista

Fonte: Professora Raquel Marques, 2022. (Acervo pessoal).

Reflexões...

O projeto continua e o curso também. As reflexões e questionamen-


tos provocados seguem formando uma teia que torna o trabalho em sala
de aula mais complexo, e ao mesmo tempo mais desafiador e gratificante.
Não tem preço ver o olhar de um aluno ao perceber as relações de poder
que existem para reproduzir uma sociedade desigual e injusta.
Por isso, o professor precisa sempre ser lembrado de que ele executa
uma política pública educacional, e que, por isso, ele não pode trabalhar
para perpetuar o que existe e sim para contribuir na construção de uma
sociedade mais justa e igualitária. Freire (1997, p. 70) já reafirmava que
não existe neutralidade na educação: “Que é mesmo a minha neutralidade
senão a maneira cômoda, talvez, mas hipócrita, de esconder minha opção
ou meu medo de acusar a injustiça? ‘Lavar as mãos’ em face da opressão
é reforçar o poder do opressor, é optar por ele”.
Nesse sentido, as narrativas pedagógicas são instrumentos fortes
de reflexão do papel do professor, pois, segundo Prado (2013, p. 150),
trata-se de escritos, dizeres e estórias de docentes, “produzidos com o

135
ensino de língua portuguesa no século xxi - relatos de experiência

propósito de compartilhar saberes e conhecimentos a partir da reflexão


sobre a própria experiência, da observação da prática dos pares, da dis-
cussão coletiva, da leitura, do estudo e também da pesquisa”. Por esta
razão, considero de suma importância pontuar o quanto cada aula do
PDPA mexeu comigo e foi me ajudando na reflexão e reformulação da
minha prática pedagógica.
Logo na primeira aula, intitulada “Funcionalismo, Sociointeracio-
nismo e Ensino de Língua Portuguesa no Século XXI”, ministrada pelo
professor Ivo da Costa do Rosário (UFF), entendi que a língua não é
meramente um instrumento de comunicação que precisa ser ensinado
para que esta seja possível. Na realidade, ela é um sistema que torna pos-
sível a interação e por isso devemos levar para a sala de aula diferentes
situações e contextos sociais.
Os alunos precisam ver que o conhecimento que trazem da língua
é importante e que esta se ocupa de vários usos em diferentes contextos.
Como Vygotsky (GOMES, 2009, p. 27) apontou na sua teoria sociointe-
racionista, a língua tem uma função social que se dá na interação, e é essa
interação que despertará no aluno processos de aprendizagem que o tor-
narão sujeito e construtor do seu conhecimento e não um mero reprodutor
de conteúdos. Essa abordagem, sem dúvida, vai contribuir na formação
de um aluno mais participativo, crítico e confiante no seu conhecimento
linguísticA segunda aula, “A língua portuguesa nos documentos oficiais
(PCN e BNCC) e a proposta curricular de Niterói”, tendo como professor
responsável Tharlles Lopes Gervásio (Colégio Pedro II), além de confir-
mar a centralidade do texto no ensino de Língua Portuguesa, me ajudou
a entender como os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) e a Base
Nacional Curricular Comum (BNCC) se complementam, contribuindo
muito na minha seleção e abordagem de conteúdos.
O conteúdo precisa ser pensado não como algo a ser passado, e
sim, como algo a ser produzido e organizado para que o nosso aluno seja
ensinado a pensar, inferir, interagir e produzir sentido. A língua precisa

136
ensino de língua portuguesa no século xxi - relatos de experiência

ter sentido para o aluno, e, quando isso acontece, o resultado é um aluno


que se apropria dos textos que lê por contribuir com seu conhecimento
de mundo, tornando-se um ser ativo no seu processo de aprendizagem.
Acredito ser este o papel da escola.

A principal tarefa da escola é ajudar o aluno a desenvolver a


capacidade de construir relações e concepções entre os vários
nós da imensa rede de conhecimento que nos enreda a todos.
Somente quando elaboramos relações significativas entre,
objetos, fatos e conceitos podemos dizer que aprendemos
(KLEIMAN, 1999, p. 91).

Nesse sentido, a seleção de textos multimodais se torna impres-


cindível nas aulas, visto que impõe a necessidade de uma análise mais
detalhada dos elementos extratextuais e, portanto, do conhecimento do
aluno para a sala de aula. A BNCC dá ao professor a possibilidade de
adequar o conteúdo à realidade e à necessidade de sala de aula. Esse
conhecimento, que, sinceramente, eu não tinha, me deu uma liberdade
maior no que diz respeito à escolha e à confecção de materiais didáticos.
Trabalhar com habilidades e competências torna o trabalho mais palpável
e significativo.
Ao passo que as aulas anteriores me mostraram que eu precisava ter
um conhecimento teórico maior, a aula da professora Nadja Pattresi de
Souza e Silva (UFF), “O lugar do texto nas aulas de língua portuguesa:
desenvolvimento da competência discursiva, multiletramentos, gênero,
tipo e suporte”, me fez ter a certeza de que entre tentativas e erros eu
era aquela professora-pesquisadora. Meu esforço em promover espaços
de discussão e reflexão na leitura de textos de diferentes gêneros, tipo e
suporte e até na abordagem de questões gramaticais, tornava minhas aulas
mais significativas e incentivava os alunos a trazerem suas experiências,
chegando até a formar hipóteses sobre o funcionamento da língua.
A professora Beatriz dos Santos Feres (UFF) em sua aula,
“Leitura – seleção de textos (diversidade cultural – BNCC), com-

137
ensino de língua portuguesa no século xxi - relatos de experiência

preensão e interpretação de textos”, destacou a importância da


representatividade na escolha de textos. Assim como eu gosto de
me ver representada, vi a importância de trazer para a sala de aula
textos de diferentes gêneros e tipologias textuais que estivessem
mais próximos da realidade dos alunos, tais como interpretação de
ditados populares, memes e músicas.
A participação e o interesse nas aulas aumentaram muito e houve
até mesmo uma melhora na questão da disciplina. Quando o aluno se
sente parte da aula por produzir conhecimento ele não tem tempo de se
dispersar e ser indisciplinado. Amei aprender sobre a importância de,
ao lermos um meme, entender que é necessário reconhecer o circuito
triangular: o produtor, o leitor e o alvo da crítica. Sem isso, não será
possível entender o sentido do texto. Trabalhar esse gênero textual exige
que nós, professores, exercitemos essa habilidade.
Nesse meu relato de experiência, faz-se necessário admitir que
pouco sabia sobre o conceito de “multissemiose”. Embora tentasse tra-
balhar textos multimodais, nunca tinha prestado atenção à importância
desse saber. A professora Lúcia Teixeira (UFF), em sua aula “Leitura
– a multissemiose”, abriu portas para um mundo que até então era des-
conhecido para mim. Desde então, tento relacionar as diferentes formas
de expressão, a intenção do autor na produção de um texto e a interação
do leitor. A comparação entre capas de livros de mesmo títulos e jornais
me fez ver que a leitura realmente é algo incrível. Ela é mais do que ler
palavras. É, sobretudo, ler intenções.
Essa aula me mostrou a necessidade de trabalhar as diferentes lingua-
gens, principalmente após a cultura digital. Como professora, preciso estar
atenta aos diferentes tipos de textos e, consequentemente, aos diferentes
tipos de leitura. O aluno precisa saber identificar a intenção por trás de
um texto. É preciso estar atento ao uso de fontes tipográficas, imagens,
a quem é dirigido o texto, o que se propõe. A forma de expressão cor-
responde a um conteúdo que precisa ser discutido. Assim, a língua tem

138
ensino de língua portuguesa no século xxi - relatos de experiência

sua função de promover a interação verbal. Na prática, seguramente, um


leitor proficiente é um leitor de mundo mais do que de palavras.
O conceito de “intergenerecidade”, trazido pela professora Leonor
Werneck, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), em sua
aula intitulada “Produção de texto e circulação de textos”, me fez refletir
sobre como a língua não é estática e sobre a influência do ensino tradi-
cional de Língua Portuguesa que eu tive enquanto aluna. O exemplo da
receita de feijoada em forma de poesia deixou claro que a língua está em
movimento, ela varia e por isso ela é libertadora. É na interação que se
faz o sentido e é nele que devemos manter o foco. O aluno precisa ter a
liberdade para falar e escrever, mas para isso precisa ser orientado para
que possa ter suas habilidades e competências trabalhadas.
O trabalho com gêneros textuais tem sido de grande ajuda na medi-
da em que o aluno passa a saber o que se espera dele nos textos. Como
dito pela professora Leonor “para que haja um padrão de correção, tem
que haver um critério de produção.” Esse critério de organização textual
(gênero textual), uma vez apresentado e analisado, contribui no desen-
volvimento da competência de leitura e produção textual.
Se em uma aula eu percebo que a estrada está tortuosa, em outras,
eu sinto que ela parece mais tranquila. E foi na aula da professora da
Faculdade de Formação de Professores da Universidade do Estado do
Rio de Janeiro (UERJ/FFP) Ana Beatriz Arena, com o tema “Revisão
de textos e reescrita”, que vi a importância de continuar estabelecendo
critérios de correção com meus alunos e de continuar tentando fazer
uma correção individualizada com eles através de códigos, previamente,
combinados. Os princípios de correção de Serafini (1989), descritos pela
professora Ana Beatriz, me ajudaram a ter um embasamento teórico, no
que, até então, era algo intuitivo. Não posso negar que trabalhar norteada
pela teoria dá uma sensação de empoderamento sem igual. Trabalhar
intuitivamente é como se você estivesse andando sem um mapa por uma
estrada desconhecida e sem saber se vai chegar ao destino, ao passo que

139
ensino de língua portuguesa no século xxi - relatos de experiência

o embasamento teórico nos dá, ao menos, a expectativa de que podemos


até demorar a chegar, mas que uma hora chegaremos.
Durante minha caminhada como professora de Língua Portuguesa,
me vi sempre presa em um grande dilema: o papel do ensino de gramá-
tica descontextualizado e o enveredar pelo caminho não planejado da
contextualização. Sempre fui uma aluna exímia na aplicação de regras
gramaticais, mas tinha consciência de que isso nunca me ajudou, por
exemplo, a interpretar um texto com mais facilidade. No entanto, sempre
fiquei muito preocupada em dar ao aluno todo o conteúdo programático,
o que incluía os tópicos de gramática que, na maioria das vezes, eram
dados de forma descontextualizada, usando o texto como pretexto para
aplicação do conteúdo. A ênfase estava no saber nomes e classificar
estruturas.
Com o tempo, o gosto pelo trabalho com gêneros textuais foi me
fazendo questionar o verdadeiro papel das aulas de gramática na minha
prática pedagógica. Nesse sentido, a professora Sílvia Vieira (UFRJ),
em sua aula intitulada “O lugar da gramática nas aulas de língua por-
tuguesa – tradição, norma, variedade e descrição”, me ajudou a com-
preender primeiramente o conceito da palavra “gramática”, para que
ensinar gramática e como utilizar o seu ensino na compreensão, leitura
e elaboração de textos.
É preciso sim, ensinar a gramática para o desenvolvimento das
habilidades de leitura e escrita, mas o ensino de uma gramática (leia-se
aqui aplicação da norma culta) contextualizada. Por exemplo, é preciso
demonstrar que o conhecimento de regras de pontuação é fundamental
para a compreensão de um texto. Esse conhecimento promove a consci-
ência linguística do aluno, além de ajudá-lo a criar estruturas sintáticas
e enunciados que o ajudarão a ler, entender e até mesmo intervir em um
texto. Não podemos ver as aulas de gramática como uma parte isolada
das aulas de Língua Portuguesa. Esse é um dos grandes desafios que eu
preciso encarar.

140
ensino de língua portuguesa no século xxi - relatos de experiência

Sem dúvida, é preciso valorizar todas as variantes linguísticas, mas


se faz necessário oferecer ao aluno o conhecimento requerido para que
ele circule nas esferas que ele decidir. O ensino da norma culta padrão
através das aulas de gramática vai instrumentalizar o aluno a interagir,
além de torná-lo mais seguro de sua capacidade de ler, interpretar e
produzir textos.
Na aula sobre “Tópicos em gramática: abordagem metalinguística
e epilinguística”, ministrada pelo professor Monclar Guimarães Lopes
(UFF), mais uma vez me vi em uma estrada tortuosa: mais uma série
de conceitos novos, mas que fazem todo o sentido. A partir da teoria da
enunciação refleti mais uma vez quanto à questão da intencionalidade e
que não existe nada neutro. Todo o texto tem uma intencionalidade e a
narrativa do Lobo Mal sobre a história dos três porquinhos me ajudou a
perceber mais profundamente as diversas vozes de um texto. Destacar
essas questões em sala de aula é trabalhar na formação de um aluno mais
observador e atento ao que está nas entrelinhas. É contribuir na construção
de um ser crítico e capaz de intervir na sociedade.
De fato, trabalhar com linguagem é um trabalho hercúleo, mas que
traz um prazer sem igual. Ver os alunos participando ativamente em seu
processo de aprendizagem é, sem dúvida, revigorante. Sim, o papel do
professor é contribuir para a formação de um sujeito crítico. E é nesse
processo formativo de sujeitos, que inclui acertos e erros, que vamos nos
criando e recriando. Como Paulo Freire (2001, p. 40) concluiu: “ninguém
nasce feito, é experimentando-nos no mundo que nós nos fazemos.”
O Projeto Ensino de Língua Portuguesa no século XXI Pesquisa, Te-
oria e Prática despertou em mim o desejo de prosseguir na minha formação
como professora de Língua Portuguesa e deixou claro que, embora a estrada
seja longa, não estou sozinha. Muitas vezes o espaço solitário da sala de
aula nos leva a acreditar que somos apenas um grão de areia no deserto. A
participação nas aulas e a interação com os colegas me ajudou a ver que
faço parte de um exército de pessoas que se preocupam com a oferta de

141
ensino de língua portuguesa no século xxi - relatos de experiência

uma educação pública de qualidade. Fica aqui o registro de agradecimento


por aulas tão importantes e incentivadoras, bem como a garantia de que
continuarei trabalhando em prol da minha formação acadêmica.

REFERÊNCIAS

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jul. 2022.
AMAZON BRASIL. Princesas, bruxas e uma sardinha na brasa. 2022. Disponível
em: https://www.amazon.com.br/Princesas-bruxas-uma-sardinha-brasa-ebook/dp/
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Barueri: Manole, 2009.
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FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários a prática educativa.
9. ed. São Paulo: Paz e Terra, 1997.
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FREIRE, Paulo. Educação como prática da liberdade. Rio de Janeiro: Paz e Terra,
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GARRIDO, Elsa. Por uma nova cultura escolar: o papel mediador do professor entre
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FAZENDA, Ivani Catarina Arantes (org.). Conhecimento, pesquisa e educação.
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contos de fadas para pensar sobre o papel da mulher. Ilustrado por Alexandre
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ensino de língua portuguesa no século xxi - relatos de experiência

GOMES, Maria Lúcia de Castro. Metodologia do ensino de língua portuguesa.


São Paulo: Saraiva, 2009.
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Disponível em: https://www.ifnmg.edu.br/mais-noticias-ead/491-cead-noticias-
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KLEIMAN, Ângela B. Leitura e interdisciplinaridade: tecendo redes nos projetos
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PRADO, G. V. T. Narrativas pedagógicas: indícios de conhecimentos docentes e
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RIBEIRO, Djamila. Pequeno manual antirracista. São Paulo: Companhia das
Letras, 2019.

143
ensino de língua portuguesa no século xxi - relatos de experiência

A FORMAÇÃO DO SUJEITO LEITOR E ESCRITOR


LITERÁRIO NO ENSINO FUNDAMENTAL II: DESAFIOS E
POSSIBILIDADES

Bárbara Cazumbá1
Ester Goes2

A leitura do mundo precede a leitura da palavra, daí que a


posterior leitura desta não possa prescindir da continuidade
da leitura daquele.
Paulo Freire, 1982, p. 5 (e-book)

O lócus onde foram realizadas as práticas literárias e, juntamente


com elas, foram desenvolvidos os eixos correspondentes às práticas de
linguagem foi a Escola Municipal Levi Carneiro - localizada no bairro
do Sapê -, onde nós, Bárbara e Ester, atuamos como professoras regentes
de Língua Portuguesa dos anos finais do Ensino Fundamental da Rede
Pública de Ensino de Niterói-RJ, e onde a maior parte do corpo discente
é composta por alunos negros, oriundos dos bairros periféricos da cidade.
A epígrafe que selecionamos para introduzir este capítulo reflete
a práxis educativa na qual acreditamos, uma vez que o pensamento
filosófico e político-pedagógico freiriano considera que “linguagem
1 Doutora em Língua Portuguesa pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), Rio
de Janeiro, Brasil. Atualmente, é professora de Língua Portuguesa das redes municipais de
ensino de Duque de Caxias e de Niterói. Contato: barbricaz@yahoo.com.br
2 Mestranda em Letras pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (FFP-UERJ), Rio de
Janeiro, Brasil. Atualmente, é professora de Língua Portuguesa das redes municipais de ensino
de Araruama e de Niterói. Contato: goes_ester@hotmail.com

144
ensino de língua portuguesa no século xxi - relatos de experiência

e realidade se prendem dinamicamente. A compreensão do texto a ser


alcançada por sua leitura crítica implica a percepção das relações entre
o texto e o contexto” (FREIRE,1982, p. 5). Com base, ainda, no educa-
dor, a aprendizagem da leitura literária é um ato político, é um exercício
de posicionamento crítico, é uma tarefa solidária entre educadores e
educandos, é uma prática concreta de emancipação do uso da palavra.
Desse modo, as contribuições pedagógicas de Freire (1982), sobre a
importância do ato de ler o mundo, foram valiosas para a direção dos
trabalhos realizados na unidade escolar.
De igual modo, o mote de abertura dialoga com a nossa concep-
ção de língua, adotada em nossa prática de ensino. A linguagem, sob a
perspectiva de Bakhtin (2010), é entendida como processo de interação
verbal de comunicação humana mediada pelo diálogo entre interlocutores
e materializada por gêneros discursivos, usada em diferentes situações e
esferas sociais, de acordo com as variadas intenções sociocomunicativas.
Procuramos, portanto, seguir as recentes teorias linguísticas, que apontam
o texto e o discurso como unidades centrais do ensino da língua mater-
na e a língua como uma atividade histórica, social, interativa, mental e
heterogênea a serviço da compreensão, da produção e da expressão de
sentidos à disposição de seus usuários nos diversos contextos.
No que tange ao ensino de língua e literatura, entendemos a leitura
como processo social e histórico, e, portanto, ideológico, isto é, enquanto
processo dialógico, sociodiscursivo e interacionista entre autor-texto-
leitor. Ao considerar o contexto socio-histórico da enunciação, o leitor
é visto como sujeito coprodutor de sentidos.
Em nossa prática docente, buscamos, sempre que possível,
contextualizar os conteúdos trabalhados a fim de tornar a aprendiza-
gem significativa para os discentes, aliando a ela os pensamentos de
Vygotsky (2009). Costumamos conduzir os alunos a trabalharem em
duplas ou em grupos, pois, juntamente com seus pares, eles se desen-
volvem social, emocional e cognitivamente, mitigando, assim, possíveis

145
ensino de língua portuguesa no século xxi - relatos de experiência

fracassos e evasão escolares. De acordo com esse teórico, a linguagem


é a ferramenta psicológica e pedagógica mais importante, inclusive
para mediar conflitos e tomar decisões coletivas. Dessa maneira,
muito consideramos a dialogicidade freiriana e o sociointeracionismo
vygotskyano para a construção de um trabalho plural, crítico, inclusivo
e emancipador na escola.
Apesar dos recursos financeiros destinados à área da Educação
terem aumentado, sabemos que o índice de analfabetismo e, sobretudo,
o baixo nível de letramento (ou baixo nível de alfabetismo, de acordo
com o Indicador de Alfabetismo Funcional - Inaf), no Brasil, ainda é alto
e é um dos grandes problemas atuais a serem enfrentados pelo Estado.
Pesquisa realizada pelo Inaf Brasil demonstrou que em 2018 cerca de
29% da população tinha letramento deficitário, ou seja, muitos cidadãos
entre 15 e 64 anos apenas decodificavam as palavras, sem serem capazes
de refletir sobre o que leram e sem serem capazes de produzir textos
coesos e coerentes.
Segundo os dados do último Programa Internacional de Avaliação
de Estudantes – PISA (2018), os estudantes brasileiros com 15 anos de
idade revelaram baixo desempenho escolar no domínio da leitura e da
escrita. Consequentemente, muitos jovens e adultos saem do espaço
escolar sem conseguirem exercer plenamente a sua cidadania.
Quando trazemos o marcador identitário raça para compreendermos
um pouco mais sobre o analfabetismo funcional no país, vemos que a
população preta e parda é o grupo de maior vulnerabilidade. Dados da
Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) 2019 revelam
que, dentre os jovens que abandonam as escolas, 71,7% são pretos ou
pardos. Como esperar, então, que essa parcela de discentes desenvolva
competências de leitura e escrita se eles são os que mais se evadem do
espaço escolar?
A escola, enquanto instituição socializadora, precisa, portanto,
repensar a relação com esses alunos, tornando-se um espaço seguro,

146
ensino de língua portuguesa no século xxi - relatos de experiência

confortável e atrativo para que jovens permaneçam nesse ambiente e


ampliem seu senso crítico e interpretativo do mundo que os cerca.
Ao pensarmos sobre a rede municipal de Niterói, em especial a
Escola Municipal Levi Carneiro, encontramos um alunado que faz parte
desse grupo vulnerável e de uma comunidade invisibilizada, marcada
pela desigualdade racial e de classe. A Levi é uma escola formada
majoritariamente por crianças e adolescentes não brancos e de classe
socioeconômica baixa, cuja mobilidade urbana sofre entraves devido ao
escasso serviço de transporte público no território. Partir de uma peda-
gogia anti-hegemônica e decolonial, de uma educação multicultural, ou
seja, de uma educação em que os estudantes se sintam representados nos
materiais didáticos, de uma pedagogia que contemple e dialogue com a
realidade desse alunado, que entenda o negro como produtor de saberes
válidos, é uma maneira de reforçar a estadia desses alunos no ambiente
educacional, já que eles podem se ver como agentes formadores e par-
ticipantes ativos do conhecimento, como protagonistas e coconstrutores
do currículo escolar pós-crítico.
A linguista Angela Kleiman (2016) afirma que “o ensino de leitu-
ra é fundamental para dar solução a problemas relacionados ao pouco
aproveitamento escolar: ao fracasso na formação de leitores”. A autora
assevera que

o conhecimento sobre um assunto torna-o mais simples, e o


conhecimento sobre um evento torna-o mais familiar. Isto pode
ser estendido ao gênero do texto: quanto mais diversificada a
experiência de leitura dos alunos, quanto mais familiaridade
eles tiverem (...), mais conhecida será a estrutura desse texto, e
mais fácil a percepção das relações entre a informação veicula-
da no texto e a estrutura do mesmo (KLEIMAN, 2016, p. 132).

Ainda nessa premissa, procuramos, apesar de todas as dificuldades


e da falta de insumos e recursos, desenvolver um trabalho consciente na
escola com vistas a uma educação linguística e literária de qualidade.

147
ensino de língua portuguesa no século xxi - relatos de experiência

Nossa prática tem como suporte teórico os documentos oficiais que


orientam ou normatizam o Estado Democrático de Direitos e o sistema
educacional brasileiro, como a Constituição Federal de 1988; a Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB - Lei nº 9.394/1996); os
Parâmetros Curriculares Nacionais (1997); a Lei 10. 639/2003, incluindo
os artigos 26-A e 79-B da LDB e tornando obrigatório o ensino da his-
tória e cultura afro-brasileira e africana nas escolas públicas e privadas
dos ensinos Fundamental e Médio, regulamentada pelo Parecer CNE/
CP 03/04 e pela Resolução CNE/CP 01/04; as Diretrizes Curriculares
Nacionais da Educação das Relações Étnico-raciais e para o Ensino de
História e Cultura Afro-brasileira e Africana (2009); a Lei Federal 12.
288, que institui o Estatuto da Igualdade Racial; as Diretrizes Curricu-
lares Nacionais para a Educação Escolar Quilombola – Parecer CNE/
CEB 16/12 e Resolução CNE/CEB 08/12 pelo Conselho Nacional de
Educação (CNE); as Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação
Básica (2013); a Base Nacional Comum Curricular (BNCC - 2017) e o
Referencial Curricular Municipal de Niterói (2020).
A fim de oportunizar aos alunos o acesso democrático aos livros,
nosso fazer docente está pautado nos princípios da estética literária, nas
exímias críticas sociopolíticas a respeito do direito à arte literária e na
relação entre literatura e sociedade, à luz de Antonio Candido (1995).
Quanto ao direito à fruição da arte e ao direito inalienável à literatura, o
crítico literário afirma que esta

corresponde a uma necessidade universal que deve ser satisfeita


sob pena de mutilar a personalidade, porque pelo fato de dar
forma aos sentimentos e à visão do mundo ela nos organiza,
nos liberta do caos e, portanto, nos humaniza. Negar a fruição
da literatura é mutilar a nossa humanidade (CANDIDO, 2004,
p. 186).

A ponderação do crítico serve como reflexão sobre a importância da


prática de leitura em uma sociedade cuja responsabilidade é a formação

148
ensino de língua portuguesa no século xxi - relatos de experiência

cidadã. Essa promoção à liberdade na escola é exequível por meio de


ações pedagógicas consistentes e da literatura, pois esta tem a função
humanizadora na formação dos sujeitos. O referido literato reforça esse
pensamento ao declarar que

a literatura tem sido um instrumento poderoso de instrução


e educação, entrando nos currículos, sendo proposta a cada
um como equipamento intelectual e afetivo. Os valores que
a sociedade preconiza, ou os que considera prejudicais, estão
presentes nas diversas manifestações da ficção, da poesia e da
ação dramática. A literatura confirma e nega, propõe e denun-
cia, apoia e combate, fornecendo a possibilidade de vivermos
dialeticamente os problemas (CANDIDO, 1995).

Com um olhar humanizador para conduzir nosso quefazer pedagógi-


co em conformidade com a real necessidade de nosso alunado, apresen-
taremos neste capítulo o projeto “Janela Mágica”, desenvolvido a partir
de debates promovidos no supracitado Curso de extensão de Ensino de
Língua Portuguesa. Buscamos, com as atividades do projeto, estimular o
interesse dos alunos pela leitura, incentivando neles a compreensão e as
diversas possibilidades de interpretação, por meio do seu reconhecimento
como seres constituídos pela sociedade em que estão inseridos e como
atores políticos constitutivos e transformadores dela.
Sob a perspectiva da pedagogia de projetos, decidimos executá-lo
pelo viés antirracista, em agosto de 2022, em nossas aulas na supradita
unidade escolar. Em consonância com a Lei 10.639/2003, optamos por
dar visibilidade a autores negros, combatendo o apagamento desses es-
critores da historiografia e do cânone literário do Brasil, ao unir práticas
de letramento literário a práticas de letramento racial, de reexistência,
e a questões étnico-raciais. Sendo assim, os objetos de estudo foram
relacionados com a realidade cultural de nosso alunado.
As atividades foram realizadas com todas as turmas de 8º ano do
ensino regular e com as turmas de aceleração. Os alunos do 8º ano foram

149
ensino de língua portuguesa no século xxi - relatos de experiência

afastados do espaço escolar no 6º ano devido à pandemia causada pela


Covid-19. Já as turmas de aceleração são compostas por alunos com
distorção idade-série: repetiram diversas vezes o mesmo ano escolar, seja
pelo elevado número de faltas, seja por dificuldades de aprendizagem.
Por intervenção da professora regente Bárbara, em companhia da
bolsista Mayra Rabello, a atividade foi iniciada em sala de aula com os
grupos de referência 8C (oitavo ano) e 3A e 4A (Aceleração – 3º e 4º
ciclos, respectivamente) com a leitura do livro “Da minha janela”, de
Otávio Júnior, vencedor do prêmio Jabuti de Melhor Livro Infantil de
2020. O livro traz uma outra perspectiva sobre a favela, diferente da
que estamos habituados a ver nas reportagens ou nos noticiários de TV.
Com o foco narrativo em primeira pessoa, acompanhamos o narrador
ou a narradora-personagem contando o que vê de sua janela. Já no pri-
meiro momento, a Igreja da Penha do Rio de Janeiro é retratada como
um castelo. Não há referências a drogas ou a tráfico (a que comumente
a favela é associada nas mídias). A favela aparece como um espaço de
criatividade, trabalho e sonhos. Com ilustrações de Vanina Starkoff, o
livro torna-se um material bonito de se ver e desperta o interesse dos
alunos pelas suas cores chamativas.
Mostramos o livro e pedimos para que os alunos observassem a
capa. Sem abrirmos as páginas ainda, perguntamos se a história seria
alegre ou triste. Somente observando as cores, os alunos disseram que
era uma história feliz, pois os tons de cores azul, amarelo, rosa e verde
eram fortes e “traziam a sensação de um dia ensolarado” – palavras do
aluno Gustavo da turma 8C. Eles viram que, no centro da capa, há a
figura de um menino ou menina escrevendo à janela. Com essas pistas
iconográficas, os alunos perceberam que a história seria contada a partir
da ótica desse/a protagonista, o/a qual escreve o que vê de sua janela.
Os alunos dos grupos de referência GRA3A e GRA4A são vistos,
no espaço escolar, como aqueles que não têm interesse nas aulas, que
não leem, que têm dificuldades extremas. A leitura de um livro tão vivo,

150
ensino de língua portuguesa no século xxi - relatos de experiência

cheio de cores e composto por uma linguagem poética, fez com que
eles se interessassem e refletissem sobre o próprio espaço onde vivem.
Durante a contação da história, esses alunos se levantaram para tocar no
livro, para ver os desenhos mais de perto e identificar os trabalhadores,
os estudantes, os jovens que jogam futebol e sonham “em fazer golaço
no Maracanã lotado”. Ao fim da leitura conjunta, todos os alunos das
turmas de aceleração pediram para ler o livro individualmente, folhear
as páginas coloridas e tocar nessa caixa mágica de sonhos.
Momento de leitura do livro e do contato dos alunos com o livro
(Grupos de Aceleração)

Já com os grupos de referência GR8A e GR8B (compostos de 25 a


30 alunos), por meio da mediação da professora regente Ester, em com-
panhia da bolsista Mayra, a prática literária ocorreu na sala de leitura
com tatames EVA, espalhados pelo meio da sala para transmitir que o
momento e o ambiente de leitura, por mais simples que este se apresente,
podem ser acolhedores e prazerosos.
Levando em conta a cultura imagética e a necessidade de estabele-
cer uma relação interartística da música com o livro, na primeira etapa,
colocamos vídeos com as músicas “Louco e sonhador”, cantada por MC
Neguinho do Kaxerta, e “A favela venceu”, de MC Kevin. Foi a prepa-
ração para a leitura do livro e a contextualização do conteúdo temático,

151
ensino de língua portuguesa no século xxi - relatos de experiência

como estratégia para motivar os alunos a apreciarem o conteúdo musical


e a linguagem multimodal apresentados por meio dos vídeos.
Logo em seguida, foi aberta a discussão para tratar da temática das
letras das músicas e foi dada a oportunidade de compartilharem vivências
do cotidiano envolvendo sonhos, metas, frustrações, maneiras de lidar
com palavras negativas alheias e com diversos sentimentos quando um
objetivo não é alcançado, como resiliência e superação. Na GR8A, esse
momento rendeu voz ativa dos alunos e escuta atenta e sensível de seus
pares. A escritora Petit (2010) advoga a experiência estético-literária
compartilhada (relatos de experiências de vida ou de leitor, de oficinas
de leitura e de congêneres, por meio de círculos de leitura, para discutir
uma obra), por meio da qual se preza pela escuta e pelo processo de
intersubjetividades enquanto troca de sentidos e de visões de mundo,
gerando vivências significativas entre leitor-autor-obra e leitor-leitores.
Para a segunda etapa, inspiramo-nos na proposta do círculo de lei-
tura de Cosson (2010). Segundo esse autor, o letramento literário é uma
prática educativa processual de inserção no mundo da escrita, a qual se
concretiza no espaço escolar com a presença de um mediador. Desse
modo, os alunos se sentaram em círculo, e alguns da GR8A logo se sen-
tiram à vontade para se deitarem nos tapetes emborrachados enquanto
ouviam a história.
Com a professora no meio da roda, foi realizada, nessa sequência de
modalidades didáticas de leitura, a subparte dessa etapa, que envolveu:
estimulação da previsão e formulação de hipóteses do assunto do livro a
partir do título e da leitura semiótica e interpretativa dos signos visuais
da capa e seus efeitos, uma vez que as imagens também são discursos
constituídos de sentidos.
A fim de depreenderem todos os sentidos a partir dos elementos
multissemióticos que contêm a obra e, consequentemente, de efetuarem
uma compreensão global da história, foi explorada a leitura da represen-
tação gráfica da capa: o tipo, o formato e as cores das letras que formam

152
ensino de língua portuguesa no século xxi - relatos de experiência

o título, a centralização do personagem principal e sua postura (dois


alunos da GR8B associaram, inicialmente, o protagonista a um indivíduo
“fofoqueiro” da comunidade, que fica vigiando tudo o que acontece por
lá; logo em seguida, o aluno Kauã Miranda, da mesma turma, percebeu
se tratar de um menino que escreve uma história a partir do que vê de
sua janela), o jogo de cores vibrantes utilizado na capa e contracapa, que
acolhem e atraem o público infanto-juvenil, assim como a predominân-
cia de cores ora claras ora escuras em páginas específicas que retratam
partes do enredo.
Apoiadas em uma pedagogia das visualidades, abrimos o livro e
iniciamos uma leitura dramatizada no centro do círculo com o auxílio de
noções teatrais. Os alunos ouviram atentamente, e, nas partes de maior
entonação expressiva, de modulação de voz, de musicalidade vocal e de
ritmo, foi perceptível o interesse deles ser despertado ascendentemente.
De imediato, os alunos se expressaram coletivamente a respeito de suas
impressões sobre a narrativa poética – e como ela foi conduzida – e
sobre as ilustrações. Iniciou-se, a partir dessa recepção ficcional, um
compartilhamento da experiência subjetiva estético-literário por meio
de nossa mediação.
Momento de leitura do livro e apreciação estético-literária
(inter)subjetiva (GR8A)

153
ensino de língua portuguesa no século xxi - relatos de experiência

Incentivamos, inclusive, a reflexão das escolhas semântico-


estilísticas, linguísticas e discursivas usadas pelo autor, como a palavra
polissêmica “tesouro”, em “Gente indo em busca do seu tesouro”, a qual
o aluno Bernardo, da GR8A, atribuiu ao fato de um cidadão da favela ir
em busca de um emprego formal, com carteira assinada. Afinal, qual a
intencionalidade do autor e da ilustradora para interagir com os leitores/
público-alvo?
Os discentes tiveram dificuldade de reconhecer a Igreja da Penha,
que, de imediato, foi associada a um castelo, por estar, semioticamente,
pintada de branco e no alto do morro, e de identificar o nome da favela
carioca (Complexo/Morro do Alemão) retratada no livro. Realizamos,
então, durante a narração expressiva, a leitura dirigida e interrompida
como estratégia de acionar conhecimentos prévios e saberes enciclopé-
dicos dos alunos, dar pistas a eles, retomar cenários já vistos e suscitar
neles questionamentos para atribuição de sentidos. Por conseguinte, a
última página do livro foi apresentada aos discentes de maneira pano-
râmica, de sorte que conseguiram reconhecer elementos da favela que
apareceram por recortes em páginas anteriores, e eles muito apreciaram
o cenário multidimensional revelado no desfecho do material literário.
Os alunos foram capazes de inferir, com o passar das páginas, que o
morador da favela é honesto e que é possível uma desconstrução da visão
negativa sobre ela arraigada historicamente no imaginário social. Muitos
deles reconheceram nas páginas do livro experiências próximas as suas.
Antes, durante e após a contação, foi trabalhado, em relação ao eixo
oralidade, de acordo com a BNCC, o respeito aos turnos de fala um dos
outros durante a interação comunicativa coletiva e a organização das se-
quências conversacionais no evento de fala real, como orienta Marcuschi
(1996). Destacamos que, dentro da perspectiva enunciativo-discursiva
de Bakhtin, é possível trabalhar produtivamente, nas aulas, a literatura
e a compreensão dos usos funcionais e efetivos da língua e do discurso
de forma dialética. Ou seja, executar as diferentes práticas de linguagem

154
ensino de língua portuguesa no século xxi - relatos de experiência

conjuntamente com o intuito de ampliar a competência comunicativa dos


alunos para o exercício fluente e relevante da fala e da escrita.
Com tamanha sensibilidade e criatividade, o autor Otávio Júnior
trata de diferença cultural, sobrevivência, resistência, continuidade de luta
por uma vida mais digna e sonhos, por meio de uma linguagem simples
e poética que nos proporciona olhar para a favela com uma outra lente.
Os alunos demonstraram ter gostado do livro e facilmente se iden-
tificaram com a realidade apresentada nele. Ao final, a aluna Lavínia, da
GR8A, propôs um clube de leitura, e alguns concordaram com a proposta
dela. Consideramos importante a iniciativa desses interessados alunos e
pretendemos colocar em ação a sugestão com encontros periódicos na
biblioteca escolar, articulando os conhecimentos teóricos apresentados
por meio do Curso ao campo prático docente. O intuito é ampliar o reper-
tório cultural dos educandos, oferecendo a eles acesso ao conhecimento
de diferentes livros, de diversos gêneros textuais, de variadas visões de
mundo expressas por diferentes linguagens e incentivar o gosto pela
leitura e o hábito de ler, principalmente naqueles que ainda mantêm
resistência à leitura por não terem sido estimulados desde a infância à
construção dessa prática.
No final do livro de Otávio Júnior, encontramos perguntas refle-
xivas. O narrador pergunta ao leitor o que ele gostaria de ver através
de sua janela se ela fosse mágica. Esse questionamento foi o mote para
a produção da atividade escrita e artística por parte dos discentes. Em
relação às turmas da professora Bárbara, entregamos a eles papel ofício
branco e pedimos para que eles desenhassem o que eles gostariam de
ver de suas janelas. Vimos alunos desenharem a praia de Copacabana,
chocolates, animais, ilhas. O desenho do aluno Kaiky Gonçalves, da
turma GRA4A, chamou a atenção: ele fez a própria favela onde morava,
mas sem tráfico e violência que ele via com frequência da sua janela.
Não houve censura em nenhuma dessas práticas artísticas. O objetivo
foi fazer com que os alunos fossem estimulados a sonhar e refletir sobre

155
ensino de língua portuguesa no século xxi - relatos de experiência

como a realidade onde estão inseridos poderia ser diferente. Houve alu-
no do grupo de referência GR3A que representou a liberação do uso de
maconha. Já outro aluno da GR4A desenhou si próprio em uma relação
íntima com sua namorada.
Após desenharem, foi solicitado aos alunos que escrevessem três
palavras que sintetizassem a ideia da imagem criada por eles. Agora era
o momento de eles passarem a linguagem não verbal para a linguagem
verbal. O aluno que se desenhou em uma relação sexual, por exemplo,
escreveu as palavras “amor”, “felicidade” e “liberdade”. Com essa ati-
vidade, eles mesmos perceberam que imagens também são textos, pois
comunicam uma mensagem, uma ideia.
Etapa de produção dos desenhos e das poesias (GR8C)

A seleção de palavras que expressassem a centralidade dos desenhos


facilitou a produção do gênero textual pedido posteriormente: aos alunos
da 8C anos e da aceleração 4 solicitamos a criação de poesias relacionadas
às imagens; aos alunos da aceleração 3 pedimos que escrevessem acrós-
ticos. Ambos os gêneros textuais já haviam sido abordados nas turmas,
eles já conheciam suas estruturas e suas funções sociais.
Em razão das paralisações, com a obra na escola e a greve na Rede
Municipal de Niterói no final de agosto e início de setembro, eu, Bárbara,

156
ensino de língua portuguesa no século xxi - relatos de experiência

não consegui iniciar a etapa de correção e reescrita dos textos com os


alunos da GR8C, da GRA3A e da GRA4A. Pretendemos, com o retorno
das aulas, realizar esse processo.
Proporemos que os alunos se sentem em grupos e leiam os seus
textos uns para os outros. Os próprios colegas farão apontamentos sobre
o que entenderam dos textos de seus pares e em quais pontos os textos
poderão ser melhorados para atingir maior expressividade. Ao final da
reescrita, sugeriremos que os aprendizes leiam seus textos para a turma
e falem sobre sua produção.
Já nas turmas da professora Ester, GR8A e GR8B, foi proposto que
os alunos desenhassem o que vissem de sua janela ou que gostariam de
ver caso ela fosse mágica e pudessem criar coisas novas. Após o rascunho
dos desenhos, foi solicitado que eles planejassem e escrevessem um texto
a partir do que desenharam.
Durante o planejamento, foram colocados os vídeos com as músicas
“Moleque de vila”, do Projota, e “Esquadros”, interpretada por Adriana
Calcanhoto. O objetivo foi enriquecer o conhecimento sobre a diversidade
presente no Brasil enquanto desenvolviam o próprio potencial expressivo
por meio de gêneros textuais e desenhos a partir da apreciação da histó-
ria do livro e das multissemioses dos vídeos com as músicas. Surgiram
ideias criativas e escritas potentes materializadas em diferentes gêneros:
muitos alunos optaram pela produção de acrósticos, outros produziram
poemas, outros citaram músicas, outros produziram paródia, uma dupla
produziu história em quadrinhos, um trio produziu uma prosa poética e
uma aluna produziu um relato argumentativo.

157
ensino de língua portuguesa no século xxi - relatos de experiência

Etapa de produção dos desenhos e dos textos (GR8B)

Posteriormente, foi pedido aos alunos que relessem o que es-


creveram, e, com o auxílio da professora, foi realizado o processo de
revisão e reescrita de acordo com os princípios da textualidade e com
os fatores envolvidos em sua produção, recepção e circulação à luz da
linguística textual. Foram distribuídas folhas de ofícios coloridas a eles
para que pudessem “passar a limpo” a primeira versão do desenho e do
texto e cumprissem com as etapas intercomplementares da atividade
da escrita, pois, segundo Antunes (2003, p. 54), “a escrita compreende
etapas distintas e integradas de realização (planejamento, operação e
revisão), as quais, por sua vez, implicam da parte de quem escreve
uma série de decisões”.
Etapa de revisão e reescrita dos textos (GR8A)

158
ensino de língua portuguesa no século xxi - relatos de experiência

No desfecho das etapas, foi sugerido que cada aluno, dupla ou trio
apresentasse seu texto à turma e comentasse sobre suas escolhas. A aluna
Ana Isabel (GR8B) declamou seu poema com tamanha expressividade
e desenvoltura, que a turma inteira aplaudiu enfaticamente e a avaliou
satisfatoriamente. Todas as produções serão expostas no mural do pátio
da escola para que os alunos de outras turmas, os funcionários e os res-
ponsáveis possam apreciá-las.
A seguir, estão algumas transposições dos textos produzidos pelos
alunos:

1) O aluno Caio desenhou um festival de pipa e uma das palavras que


sintetizava seu desenho era “vitória”.

Vitória
Era uma vez no festival...
cortei geral!
(Caio Barbosa – GR8C)

2) A aluna Raissa desenhou um dia ensolarado, praia e um parque. Uma


das palavras que sintetizava seu desenho era “felicidade”.

Felicidade

Quero ser feliz


Nas ondas do mar
Quero esquecer tudo
Quero descansar

(Raissa Pereira – GRA4A)

159
ensino de língua portuguesa no século xxi - relatos de experiência

3) O aluno Luiz desenhou uma ilha com a água muito azul e escreveu a
palavra “liberdade”.

Libertação
Incentiva
a Viver
Reviver
E renova as pessoas

(Luiz Henryk Lino – GRA3A)

4) O aluno Thiago representou seu quintal e seus animais de estimação.


Escreveu as palavras “paz”, “felicidade”, “amor”.

Da minha janela

Vejo uma calopisita amarela


Meu pitbull
que tem olhos azul

Vejo uma pitangueira


Vejo um pe de abacate
Com o puleiro da minha calopsita
Vejo o chão de barro
Com a minha bicicleta

Vejo um muro
Vejo meu tio e meu primo
Vejo passarinhos cantando
Vejo um ninho de passarinho
Vejo a mesa
Vejo o canil
Vejo o varal

160
ensino de língua portuguesa no século xxi - relatos de experiência

Vejo pé de pimenta
Vejo meu portão
Vejo meu muro
Vejo casas baixas

e fim

(Thiago Cavalcanti – GR8C)

5) O aluno Bernardo ilustrou a IFRJ vista de sua janela.

Da minha janela

Da minha janela,
eu vejo uma escola
Também vejo
um campo ao fundo
E, também, ao horizonte
vejo árvores borradas
E, à noite, nada vejo
Como “ce” toda luz
tivesse desaparecido.

(Bernardo Vasconcelos - GR8A)

6) A aluna Beatrys desenhou uma lua crescente, um par de olhos e a torre


Eifell vista de sua janela.

Paris

Meu sonho é ver


Paris da minha janela
Ver suas íris de mel
Me olhando apaixonadas

161
ensino de língua portuguesa no século xxi - relatos de experiência

A noite estrelada cai


e as luzes se acendem
Não só a luz do seu olhar
Mas também a luz da minha janela

Não sei por quem sou mais louca:


por você ou pela Torre Eiffel
E assim como Gustave Eiffel
foi fiel à sua obra, eu serei a você.
Mas se eu me entregar,
você se entregaria a mim?

(Beatrys Dias - GR8A)

7) A aluna Lavínnia se representou deitada na cama próxima à janela


de seu quarto.

Da minha janela

O que eu vejo da minha janela?


Becos e vielas ou micos e panteras
Da minha janela, eu vejo a natureza
em abundância.
Vejo animais de montão
como micos, papagaios pelo sol do dia.
Pela noite, eu vejo morcegos e lindas luzes
flutuantes na escuridão.
Nas minhas noites em claro, eu via como
a noite é linda e frugal.
Eu com minha pequena memória tênue...
Mas essa memória foi perene.
Nessa pequena noite, passei encolhida no meu
quarto compartilhado, mas ele estava tão vazio,
tão frio, não tinha nem um toque meu; todos adormecidos

162
ensino de língua portuguesa no século xxi - relatos de experiência

em sonhos profundos, mais fundo que um oceano


alagando meu quarto com minhas lágrimas.
Com os ouvidos afundados na pura ignorância,
ignoraram meus sinais.
Só queria voltar a ser criança para
voltar a ser eu novamente.
Mesmo se existisse uma máquina magnífica dessas,
não poderia deixá-las solos assim
Mesmo que custe a minha felicidade.
Mas espero encontrar um dia a felicidade
em meu lar.
Mesmo que esses momentos sejam difíceis,
temos que encontrar esperança.

Viva com um sorriso bem grande, doce voz.

(Lavínnia Cabral – GR8A)

8) A aluna Ana Isabel desenhou uma janela com cortina e uma lua e um
prédio vistos de dentro dela.

Janela mágica

Já no tédio
Sem nada pra fazer
Através da minha janela,
Coisas posso ver.
Nela, observo
Uma paisagem bela
Pois moro em uma rua,
Ao lado de uma favela.
Logo vejo prédios, casas
E uma loja em construção
Às vezes, o tanto de ônibus

163
ensino de língua portuguesa no século xxi - relatos de experiência

É o que chama atenção.


Moro em uma casa
Com uma janela mágica
Ao observar, por meio dela,
Verá o quão é fantástica.
Gosto muito da paisagem da janela
Incríveis são as coisas
Que vejo nela
Cada janela é única de se ver
Através da minha janela,
Magia eu quero ver.

(Ana Isabel Neves – GR8B)

Nesse projeto, nós, professoras, atuamos como mediadoras de leitura


e do processo de (re)construção do texto autoral dos alunos, de maneira
que os sujeitos-alunos-autores refletissem sobre a língua e suas escolhas
linguísticas, sobre sua subjetividade, suas vivências e sua forma pessoal
de sistematizar seu texto. Ressaltamos a unidade temática CAMPO
ARTÍSTICO-LITERÁRIO da BNCC, pois trabalhamos com diversas
manifestações artísticas (música, desenho, pintura, imagem, poesia),
ao contemplar as seguintes habilidades: (EF69LP44); (EF69LP46);
(EF69LP48); (EF69LP49); (EF69LP51); (EF69LP53).
O curso possibilitou um maior entendimento sobre a importância do
suporte dos textos. Assim, ao levarmos o livro para a sala, ao deixarmos
os alunos tocá-lo e ao permitirmos a eles a visualização das imagens,
percebemos como a compreensão do texto foi além do que estava verba-
lizado. As cores e a disposição das imagens, na capa e na contracapa, por
exemplo, já deram indício de se tratar de uma história alegre, ou seja, o
sentido do texto se deu pela sua totalidade, inclusive pelo repertório de
saber prévio dos alunos, que transcendeu a materialidade do texto e que
proporcionou a eles fazer inferências dos elementos verbais, semióticos
e dos não explicitados no texto. De acordo com Antunes (2003, p. 66), “a

164
ensino de língua portuguesa no século xxi - relatos de experiência

leitura é parte da interação verbal escrita, enquanto implica a participação


cooperativa do leitor na interpretação e na reconstrução do sentido e das
intenções pretendidas pelo autor”.
Além disso, o curso mostrou que o processo de planejamento,
escrita, revisão e reescrita não precisa ser um jogo de acertos e erros;
pode ser uma prática leve e divertida, que proporciona aos educandos
assumirem uma significativa autoria de textos socialmente relevantes e
a socialização de suas produções.
Ao assumir a dimensão (socio)interacional da linguagem, ao explo-
rar a leitura, a escrita, a oralidade e a gramática, a escola terá cumprido seu
papel social de intervir mais positivamente na formação dos estudantes
para o preparo para o exercício pleno da cidadania.

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169
ensino de língua portuguesa no século xxi - relatos de experiência

REFLEXÕES SOBRE OS IMPACTOS PROMOVIDOS PELO


PROJETO “ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA NO SÉCULO
XXI – PESQUISA, TEORIA E PRÁTICA” NA ESCOLA
MUNICIPAL PAULO FREIRE

Angela Bittencourt Machado


Júlia dos Reis Rodrigues Benevides

Considerações iniciais

Foi com entusiasmo que recebemos a notícia do curso “Ensino de


Língua Portuguesa no século XXI – pesquisa, teoria e prática”, pois
percebemos como uma oportunidade de combinar o conhecimento atu-
alizado e produzido em nossa Universidade Federal Fluminense (UFF)
e as práticas nas escolas municipais de Niterói. Esse diálogo nos pareceu
sempre necessário, justo e de absoluta pertinência. Esse conhecimento
não poderia estar distante do chão das escolas, de nossa luta para fazer
valer o ensino-aprendizagem como compromisso de crescimento e de
desenvolvimento de nossos alunos.
O acolhimento dos mestres palestrantes foi além das expectativas,
pois abordaram e compararam tópicos dos documentos oficiais (PCN e
BNCC) e as propostas curriculares da Secretaria de Educação de Niterói,
bem como apresentaram e discutiram estratégias viáveis para as ativi-
dades de ensino nos segmentos da educação fundamental nos diferentes
eixos temáticos: Oralidade, Leitura/Escuta, Produção de textos e Análise
Linguística/Semiótica.

170
ensino de língua portuguesa no século xxi - relatos de experiência

Em cada aula-palestra, tivemos a oportunidade de adquirir novos


aprendizados práticos e significativos a partir da dedicação, disponibi-
lidade e empatia dos mestres e doutores, sobretudo dos organizadores
Ivo da Costa do Rosário e Monclar Guimarães Lopes, que conduziram
o curso com excelência. Também destacamos a contribuição da pro-
fessora bolsista Júlia Rodrigues, que, com atenção, simpatia e enga-
jamento, colaborou e incentivou o desenvolvimento e a realização do
projeto nas turmas do oitavo ano do ensino fundamental II da Escola
Municipal Paulo Freire.
Logo no início do curso, o texto foi pontuado como o princípio
basilar das aulas de Língua Portuguesa, o centro do processo pedagó-
gico, destacada a multimodalidade textual, os contextos de produção,
os diversos gêneros que compõem a comunicação nos mais diferentes
suportes, sejam eles físicos ou virtuais, em diversas variantes linguísticas
e em linguagem verbal, não verbal ou mista.
Também fomos incitados a levar o aluno para o centro do ensino-
aprendizagem e a valorizar seus conhecimentos prévios, considerando
aspectos da oralidade e da expressividade, a fim de ampliar, posterior-
mente, seu inventário e repertório, construindo novos sentidos. Fomos
incentivados a aguçar a percepção e a sensibilidade dos estudantes,
por meio das orientações dos documentos oficiais (PCN e BNCC) e da
Proposta Curricular de Niterói, que regulamentam o ensino de Língua
Portuguesa, e de teorias linguísticas no campo do funcionalismo e do
sociointeracionismo, os quais tornam o aluno protagonista da constru-
ção de seu conhecimento, por meio do trabalho com os mais diversos
gêneros textuais, operando sobre as dimensões pragmáticas, semânticas
e gramaticais.
Aprendemos sobre diversas etapas práticas nos encontros com su-
gestões de trabalhos de produção textual, a fim de colocar a escrita como
atividade interativa com finalidades reais de uso, sendo estimuladas a
reescrita, a correção coletiva e adequada à capacidade do aluno. Dessa

171
ensino de língua portuguesa no século xxi - relatos de experiência

forma, um novo enfoque sobre o ensino de gramática nos foi apresentado,


pautado na leitura e na produção textual, apontando-nos caminhos que
vão além da análise linguística. Foi, ainda, estimulado o trabalho com
as práticas epilinguísticas, as quais provocam reflexões sobre as regras
gramaticais por meio da construção desse saber pelos próprios alunos a
partir dos usos efetivos da linguagem.
Tantos ensinamentos e provocações requerem tempo para serem
consolidados na prática educacional, porém foram e serão de grande
valia para nosso crescimento como educadores em busca do aprendizado
contínuo. Confirmamos que o indivíduo se faz na linguagem, empodera-se
através dela, dos modos de se descobrir, de se entender, de se comunicar,
de interagir e de ver o mundo. Para além das dificuldades econômicas e
políticas, o cidadão que se apropria do código linguístico é um facilitador
para a conscientização e novas interações.
Nessa perspectiva, a fim de pormos em prática parte do conheci-
mento que construímos ao longo do curso ofertado pelo projeto “Ensino
de Língua Portuguesa no Século XXI – Teoria, pesquisa e prática”, que
se deu entre março e setembro de 2022, elaboramos a sequência didática
a qual iremos expor a seguir.

Relato do projeto com o livro paradidático “Todo mundo é mistu-


rado”

O livro paradidático “Todo mundo é misturado”, de Beth Cardoso,


já havia sido adotado pelo colégio para que fosse trabalhado com as
turmas de oitavo ano do ensino fundamental. Esse livro possibilitou
vários enfoques, inclusive possibilidades interdisciplinares, uma vez que
a sequência didática se torna mais proveitosa quando surge a viabilidade
de um projeto coletivo. Dessa forma, o trabalho foi realizado a partir da
leitura compartilhada nas aulas de Língua Portuguesa e Espanhola, em
duas turmas de oitavo ano do ensino fundamental II, através da mediação
das respectivas professoras de cada disciplina. Também tivemos a par-

172
ensino de língua portuguesa no século xxi - relatos de experiência

ticipação de alunos surdos com a mediação dos professores intérpretes


Marlon Rodrigues Soares e Verônica Ribeiro.
O livro conta a história de um menino boliviano que muda para São
Paulo com sua família e precisa se adaptar ao novo país, ao novo idioma
e ao novo ambiente cultural. A identificação e a curiosidade dos alunos
são imediatas, pois o espaço da narrativa é, principalmente, a escola,
onde esse menino vai encarar desafios e, também, conquistar amigos.

O início da dinâmica da leitura

Para darmos início à leitura, as carteiras foram dispostas em roda


e era solicitado silêncio e concentração aos participantes, permitindo,
inclusive, o trabalho acerca da competência leitora, que foi observada
através do revezamento dos leitores. Assim, apresentamos a ilustração da
capa, ressaltando as cores usadas e as formas empregadas, e sua relação
com o título do livro, indagando os alunos sobre as expectativas que a
multimodalidade poderia sugerir sobre o enredo. A seguir, fizemos a
leitura da autobiografia da autora, o que nos permitiu retomar concei-
tos estudados anteriormente, porque já tínhamos trabalhado com esse
gênero, quando foi solicitado que cada aluno produzisse uma pequena
autobiografia. Inclusive, começamos o ano letivo com a leitura do livro
“Extraordinárias – Mulheres que revolucionaram o Brasil”, das autoras
Duda Porto de Souza e Aryane Cararo. Nesse livro são apresentadas
várias biografias de personalidades femininas de destaque em diferentes
áreas de atuação no país.
Na leitura de cada capítulo, chamamos a atenção para os aspectos de
coesão e progressão da narrativa, dos elementos que compõem o enredo,
das expressões que indicam a passagem do tempo, da importância da
compreensão do vocabulário. Foram também ressaltadas palavras que
não estão incorporadas ao léxico gramatical dos alunos. Além disso, des-
tacamos a pontuação como guia de uma leitura expressiva das diferentes
vozes do texto expressas através do discurso direto e indireto.

173
ensino de língua portuguesa no século xxi - relatos de experiência

Dois ou três capítulos eram lidos em cada tempo de aula e, antes


de retomar a leitura, escolhíamos um aluno para resumir oralmente os
capítulos já lidos. Dessa forma tentamos garantir não só a leitura, que
pode ter uma finalidade em si mesma, mas também a compreensão do
que é lido através da oralidade, o envolvimento dos alunos com o que foi
lido e a ideia de que são capazes de transpor alguns capítulos em algumas
poucas palavras de seu uso cotidiano.

As atividades práticas

Utilizamos mapas para a localização da Bolívia e as características


históricas e geográficas desse país foram pesquisadas e apresentadas pelos
alunos. Conversamos sobre os países da América do Sul, principalmente
em relação aos fatos que deram origem à predominância dos idiomas
português e espanhol em cada país.
A professora de espanhol, Iara Madeira, pôde aproveitar o estudo
de vocabulário, principalmente os termos relativos à comunicação bá-
sica da língua, os cumprimentos. Também explorou os falsos cognatos,
sugeridos pelo enredo na dificuldade de entendimento entre os bolivia-
nos e brasileiros. Ampliou o conhecimento dos alunos sobre a cultura
boliviana, sua alimentação, suas vestimentas, suas crenças, seu estilo de
vida. Discutiu sobre os impasses sofridos pelos imigrantes em diferen-
tes situações e a necessidade de adaptação aos costumes do país onde
pretendem recomeçar suas vidas.
Conversamos então sobre os movimentos migratórios, os
motivos que levam as pessoas a se deslocarem de seus países de
origem (imposição, como o período escravocrata; guerras; questões
climáticas; busca de oportunidades etc.) e as consequências desses
movimentos de emigração e imigração. Outra possibilidade do en-
redo é o diálogo acerca das composições familiares, a importância
da amizade, da empatia, o preconceito, a xenofobia e o bullying nas
escolas. Tudo isso foi debatido informalmente em sala de aula, ob-

174
ensino de língua portuguesa no século xxi - relatos de experiência

servando a importância da escuta nos debates e do debate racional,


crítico e reflexivo.
A leitura do texto oportunizou, também, a observação e a reflexão
sobre o ambiente escolar propriamente dito, pois pressupõe uma relação
hierárquica, disciplina e respeito às atribuições de cada sujeito dentro
do ambiente escolar. Todos esses assuntos foram abordados de forma
relevante ao longo da narrativa, proporcionando aos alunos a visuali-
zação do papel de cada membro dentro dessa instituição, incluindo a
valorização da família, não só para resolver conflitos, como também
para obter sucesso no projeto educacional. Observamos, portanto, através
do enredo, a importância da parceria e do entrosamento no processo de
ensino-aprendizagem como um compromisso de todos.
No enredo do livro, a fim de integrar o grupo e desfazer o ambiente
de hostilidade entre brasileiros e estrangeiros, a professora propôs um
trabalho sobre a ancestralidade dos alunos, que consistia na confecção
de um mapa de origem geográfica. Esse é um dos momentos clímax
do enredo, pois encaminha para uma solução que resolve a equação da
diferença e faz com que os personagens percebam que “todo mundo é
misturado”. O texto encaminha-se para a finalização, mobilizando os
personagens alunos para uma pesquisa sobre seus ancestrais e ao enten-
dimento de sua genealogia.
Esse momento do texto é bastante rico, pois os alunos, tanto os
personagens do livro como os leitores, passam a se observar, enxergan-
do em si os valores étnicos e culturais dos seus antepassados, nas mais
variadas pluralidades, e reconhecendo a importância da diversidade, a
descoberta de si mesmos e a valorização da projeção de seus objetivos e
da empatia como questão básica para a convivência com as diferenças.
A partir disso, apresentamos a maneira de pesquisar e confeccionar
a árvore genealógica, estimulamos a investigação sobre a origem dos so-
brenomes e sugerimos a conversa com membros da família que pudessem
contar sobre os seus ancestrais, sua origem e movimentos.

175
ensino de língua portuguesa no século xxi - relatos de experiência

O trabalho com os gêneros textuais e suas características

Fizemos, também, a exploração de vários gêneros textuais pro-


postos e/ou sugeridos ao longo da leitura do livro. O próprio texto
explora diferentes modos de narrar, como, por exemplo, o fato de
haver um narrador onisciente que conta a história, mas, em alguns
momentos, a personagem protagonista, Julia, assume a narrativa e
escreve um diário expressando suas reflexões sobre as experiências
vividas na escola e fora dela. Também há um momento em que a
personagem Julia escreve uma carta a sua amiga, outro gênero que
também foi estudado com a apresentação de outros textos que foram
analisados pelos alunos.
Esses recursos da autora possibilitam várias abordagens com rela-
ção aos gêneros textuais. Inclusive trabalhamos com o gênero notícia,
solicitando aos alunos que transformassem um capítulo que relata uma
briga entre bolivianos e brasileiros nesse gênero. Também exploramos
o gênero manifesto, solicitando que os alunos elaborassem um texto
nesse gênero em defesa do aluno boliviano, justificando a necessidade
de integrar o diferente.

A finalização do trabalho e as contribuições

Como trabalho final, fizemos uma avaliação teórica, por meio


da qual os alunos puderam testar a compreensão do enredo do texto,
seus componentes e reflexões sobre determinados aspectos. Além
disso, os alunos também realizaram uma produção textual do gênero
resenha, em que deveriam destacar impressões sobre os impactos
promovidos pela leitura do livro em questão. Para tanto, ancoramo-
nos na exploração de um gênero que estava sendo trabalhado na
disciplina de Língua Portuguesa.

176
ensino de língua portuguesa no século xxi - relatos de experiência

Diálogo entre projetos

A leitura do livro “Todo mundo é misturado” também dialogou com


o projeto da “Festa da Cultura” em nossa escola, pois, neste ano de 2022,
a diretora Edna Souto sugeriu o tema “A língua portuguesa mundo afora”.
Os professores de todas as disciplinas de cada um dos anos escolares,
entre o 1º. e 9º. ano, ficaram responsáveis por investigar com os alunos
aspectos culturais dos países cuja língua oficial fosse a portuguesa.
Em capítulos do livro “Todo mundo é misturado”, a protagonista,
ao pesquisar sobre sua origem geográfica, descobre sua ancestralidade
africana e apresenta aos colegas de turma elementos culturais do país
onde viveu sua tataravó (Congo). Essa passagem do enredo facilitou
a compreensão dos alunos sobre a importância de pesquisar sobre sua
origem e valorizar as diferenças.
Na elaboração dos trabalhos para a culminância do projeto da “Fes-
ta da Cultura”, os alunos do oitavo ano também investigaram sobre as
contribuições culturais do continente africano para a cultura brasileira,
especialmente no tocante a Moçambique. Os alunos realizaram pesqui-
sas acerca das aquisições vocabulares, estudaram sobre os costumes,
os batuques que deram origem ao samba, sobre os aspectos religiosos e
sobre a filosofia ubuntu, que tanto tem a nos ensinar sobre solidariedade
e empatia.
Nas aulas de Artes e de Língua Portuguesa, confeccionaram másca-
ras, assistiram a vídeos sobre as capulanas, que são tecidos característicos
das vestimentas moçambicanas, aprenderam sobre as bonecas abayomi,
símbolos de resistência e de afeto, e leram poemas e contos de escritores
moçambicanos ao longo das aulas. Em suma, a confluência dos projetos
permitiu melhor entendimento e maior valorização da miscigenação do
povo brasileiro, característica que enriquece e imprime originalidade à
nossa cultura.

177
ensino de língua portuguesa no século xxi - relatos de experiência

Nessa perspectiva, consideramos que o trabalho com o livro ex-


traclasse “Todo mundo é misturado” foi bem-sucedido, assim como
o projeto da “Festa da Cultura”, o qual está sendo posto em prática. O
curso ofertado pelo projeto “Ensino de Língua Portuguesa no Século XXI
– pesquisa, teoria e prática” nos ajudou e inspirou a explorar recursos
textuais, como possibilidades e potencialidades múltiplas de conheci-
mento, pertencimento, reflexão e vivências para realização da educação
como potência, como afeto, como integração do indivíduo na sociedade
e construção de sua cidadania.
Por fim, fechamos este texto com uma imagem que reflete um desses
momentos inspiradores na sala de aula:
Foto 1 – alunos em roda realizando a leitura do livro paradidático

Fonte: arquivo pessoal das autoras.

REFERÊNCIAS

CARDOSO, Beth. Todo mundo é misturado. 1. ed. São Paulo: Brinque-Book, 2018.
ROSÁRIO, Ivo da Costa do; LOPES, Monclar Guimarães (orgs.). Ensino de Língua
Portuguesa no século XXI: pesquisa, teoria e prática. 1. ed. Campinas, SP: Pontes
Editores, 2022.

178
ensino de língua portuguesa no século xxi - relatos de experiência

RELATO DE EXPERIÊNCIA:
PRÁTICAS NAS SALAS DE AULA DE NITERÓI

Júlia dos Reis Rodrigues


Thaís de Araujo Ogeda

Considerações iniciais

O presente relato se propõe a compartilhar nossas experiências


enquanto bolsistas mestrandas do projeto “Ensino de língua portuguesa
no século XXI – pesquisa, teoria e prática”, vinculado à Universidade
Federal Fluminense (UFF), à Secretaria Municipal de Educação de Niterói
e à Fundação Euclides da Cunha (FEC). O projeto foi composto pelo
Professor Dr. Ivo da Costa do Rosário, coordenador geral, Professor Dr.
Monclar Guimarães Lopes, vice-coordenador, e pela Professora Drª Ma-
riangela Rios de Oliveira, todos docentes da UFF. Além deles, fazem parte
do projeto duas bolsistas mestrandas em Teoria e Análise Linguística
do Programa de Pós Graduação da UFF, Júlia Rodrigues e Thaís Ogeda
(autoras do presente capítulo), e três bolsistas da graduação do curso de
Letras da UFF, Layza do Nascimento, Rafaela Reis e Mayra Rabello.
O objetivo do projeto foi, por meio da promoção de um curso
de formação continuada para docentes atuantes como professores de
língua portuguesa do sexto ao nono anos do Ensino Fundamental do
município de Niterói, melhorar a qualidade dos processos de ensino-
aprendizagem, através da apresentação/atualização dos profissionais

179
ensino de língua portuguesa no século xxi - relatos de experiência

cursistas acerca das diversas teorias existentes e correntes no ensino


superior, as quais pudessem ser postas em prática nas aulas da rede
básica de ensino e, consequentemente, elevar os níveis de multiletra-
mento dos alunos. Para isso, as propostas das aulas para o magistério se
deram nas áreas do Funcionalismo e do Sociointeracionismo, com foco
no desenvolvimento da competência discursiva do alunado, rompendo
com a lógica de transmissão de conteúdo e de conhecimento e, assim,
contribuindo com o protagonismo dos estudantes em seu processo de
educação e desenvolvimento de competências e habilidades. Segundo
Rosário (2022, p. 39): “A ampliação dos letramentos, as atividades
pautadas em gêneros textuais, o ensino reflexivo da Análise Linguística
são linhas-mestras para o ensino de Língua Portuguesa no século XXI”.
Dessa forma, o projeto teve início em maio de 2021 e sua finalização
está prevista para maio de 2023. Ele foi dividido em etapas, conforme
discutiremos mais adiante.
Sabemos que não há uma solução prática capaz de resolver todos
os problemas que envolvem o ensino de língua materna na rede básica de
ensino. Além disso, determinadas estratégias que funcionam em algumas
situações não se aplicam a todos os colégios, haja vista as mais variadas
realidades marcadas por diferentes complexidades que envolvem os
ambientes nos quais os alunos estão inseridos.
Nessa perspectiva, ao longo do curso oferecido aos professores da
rede municipal de Niterói, organizado pelo projeto “Ensino de língua
portuguesa no século XXI – pesquisa, teoria e prática”, são trabalha-
das e apresentadas ideias e encaminhamentos que, de alguma maneira,
possam iluminar, orientar e ajudar os professores a trilharem o difícil
trajeto da prática docente. As atividades se distribuem em debates, trocas
de experiências e reflexões acerca de dinâmicas e sequências didáticas,
pautando-se sempre nas teorias linguísticas provenientes, sobretudo, do
Funcionalismo e do Sociointeracionismo. Essas teorias tornam o aluno
protagonista da construção de seu conhecimento, por meio do trabalho
com os mais diversos gêneros textuais, operando sobre as dimensões

180
ensino de língua portuguesa no século xxi - relatos de experiência

pragmáticas, semânticas e gramaticais, conforme orientação dos Do-


cumentos Oficiais (PCN e BNCC) e da Proposta Curricular de Niterói.
Nos termos de Rosário (2022, p. 21), “a Linguística Funcional é
uma corrente teórica que surgiu no final da década de 70 do século pas-
sado, em oposição à visão formalista da linguagem, que tendia a uma
supervalorização de aspectos sintáticos em detrimento das propriedades
semântico-pragmáticas”. Nessa perspectiva, o Funcionalismo se baseia
no uso da língua e considera a situação real em que se dá o discurso, o
que envolve aspectos linguísticos e extralinguísticos.
Além de haver um compromisso com a empiria e com a análise
de questões teóricas da linguagem, os postulados da linguística baseada
no uso contribuem grandemente com a Educação, uma vez que, por
considerarem elementos discursivos que extrapolam o texto, conseguem
analisar situações reais de uso que não são contempladas pela gramática
normativa. Dessa forma, tal vertente de análise linguística é capaz de res-
ponder de maneira adequada a questionamentos que surgem a partir dos
usos do discurso e geram inquietações, dúvidas e até mesmo frustrações
ao aluno, que por vezes percebe que o registro que utiliza na maioria das
situações sociocomunicativas não é contemplado pela gramática que lhe
é apresentada em sala de aula, pelos mais diversos motivos, ao longo de
sua vida escolar.
Ademais, há, ainda, o fato de que a linguística baseada no uso realiza
suas análises e constatações sempre partindo de dados reais da língua,
ou seja, textos produzidos em situações de uso. “A ênfase na análise de
dados reais da língua em uso pode ser apontada como um dos grandes
atrativos na teoria funcionalista na resolução de problemas envolvendo
o processo de ensino-aprendizagem de gramática (CUNHA, 2022, p. 8)
O projeto também tem como uma de suas bases centrais o Socioin-
teracionismo, que, além do aspecto cognitivo da aprendizagem humana,
considera os aspectos histórico, social e cultural, sendo por meio da
interação com o outro que o conhecimento é internalizado. Diante disso,

181
ensino de língua portuguesa no século xxi - relatos de experiência

Rosário (2022, p. 23) aponta alguns eixos centrais que são importantes
nessa abordagem, como:

a) a educação deve ser mediada por indivíduos experientes; b)


o aluno deve ser desafiado para que ocorra aprendizagem; c) a
fala desempenha importante papel social no desenvolvimento
da linguagem; d) o aprendizado ocorre a partir da interação do
sujeito com os demais.

Assim, podemos compreender que o aluno, ao chegar no ambiente


escolar, traz consigo suas experiências e vivências relativas ao meio social
onde vive e suas relações interpessoais. Em outras palavras, a ideia de
que o aluno nada sabe e é na escola que ele vai adquirir conhecimento
é ultrapassada.
Nosso papel, enquanto bolsistas de mestrado, foi atuar no apoio às
atividades propostas pelos coordenadores e estabelecer uma parceria com
as escolas da rede municipal de Niterói cujos professores participavam
do curso de formação oferecido pelo projeto. Durante todo esse percurso,
nos reunimos para discutirmos os principais documentos que orientam os
docentes da rede, produzimos relatórios, visitamos as escolas, elaboramos
projetos juntamente com os professores que fizeram o curso, colocando
em prática, junto ao professor regente das turmas, as teorias e práticas
abordadas no acompanhamento do curso. Com isso, buscamos, como
profissionais em formação, não só a compreensão da teoria, mas também
a observação de sua aplicabilidade, em contato com a realidade do traba-
lho docente no espaço escolar. Sendo assim, dividimos este relato em três
etapas, para conseguirmos apresentar de maneira mais didática o trabalho
que desenvolvemos.

Etapas do projeto

O projeto, depois de estruturado, foi divido em três grandes partes:


(i) estudo dos documentos oficiais no tocante à proposta curricular de

182
ensino de língua portuguesa no século xxi - relatos de experiência

língua portuguesa, em etapa que consistiu no estudo e na análise, com


discussões entre as bolsistas, dos documentos oficiais que regem o ensino
de Língua Portuguesa em nível nacional e municipal; (ii) curso de for-
mação continuada para o magistério municipal com propostas teóricas
e práticas, com foco entre o 6º e 9º anos do ensino fundamental; (iii)
visita às escolas dos professores participantes do curso e desenvolvi-
mento dos projetos.

i) Estudo dos documentos oficiais no tocante à proposta curricular de


língua portuguesa

A primeira etapa do projeto consistia num estudo dos Parâmetros


Curriculares Nacionais (PCN), da Base Nacional Comum Curricular
(BNCC) e da Minuta do Referencial Curricular Municipal de Niterói.
Para isso, foram realizadas reuniões das bolsistas do projeto, com a
finalidade de discutir trechos dos documentos oficiais relacionados ao
ensino da língua portuguesa. Sendo assim, dividimos os documentos
em partes para que pudéssemos nos dedicar à leitura. De acordo com
Silva (2009), acreditamos que o currículo é o resultado de uma seleção
de conhecimentos e saberes que são considerados importantes e que en-
volvem identidade e subjetividade. Por isso, a Minuta, como referencial
curricular de Niterói, representa um espaço político que nos diz sobre
as práticas recomendadas para a educação municipal, visto que orienta
o trabalho pedagógico regional, com foco na realidade do município, a
partir das orientações dos documento basilares nacionais.
A Minuta do Referencial Curricular de Niterói, primeiro documento
por nós analisado, foi formulada nos anos de 2019 e 2020 por profissionais
da educação, a partir de discussões entre o corpo técnico-pedagógico da
Secretaria Municipal de Educação, Ciência e Tecnologia de Niterói e de
encontros com professores atuantes nas unidades de educação da rede.
Vale destacar que a proposta para o ensino básico da língua portuguesa
é pautada pelo documento como uma prática pedagógica que deve ser

183
ensino de língua portuguesa no século xxi - relatos de experiência

antirracista e contra todas as formas de discriminações e violências,


defendendo uma educação inclusiva e diversa, acreditando na educação
como um ato político (FREIRE, 1996). Por isso, a proposta curricular
entende que as manifestações artísticas e culturais devam ser valorizadas
no espaço escolar, priorizando o respeito aos direitos humanos, o respeito
às diversas etnias, religiões e culturas e inserindo as culturas indígenas e
africanas como basilares na formação cultural brasileira.
Na Parte I da Minuta, aparecem temas como: currículo, direitos
humanos e cidadania, cultura e diferença, educação ambiental, leitura
literária e tecnologia relacionada à aprendizagem. Tais assuntos são fun-
damentais para orientar o trabalho dos docentes e fornece uma temática
bastante diversificada com temas de grande relevância, os quais devem
ser refletidos pelos alunos e discutidos em sala de aula.
A discussão que envolve a Parte I aborda o protagonismo dos educa-
dores como peça fundamental da instituição escolar, esta que, de acordo
com Coracini (2011), prepara o cidadão para viver em sociedade. Além
disso, conduz a produção de diferentes saberes, num espaço coletivo e
criador, pois é na escola que os alunos estabelecem relações, interagem
e se desenvolvem socioafetivamente. Dessa forma, busca trazer as ex-
periências daqueles que compõem as unidades escolares para pensar o
projeto de educação que desejam para o município a partir do diálogo.
A Minuta Curricular de Niterói também defende a valorização das
aprendizagens dos alunos que são vivenciadas antes do processo de es-
colarização, considerando seu contexto sociocultural e o conhecimento
prévio que cada discente já traz consigo. Isso é fundamental para que
possamos reconhecê-los como sujeitos ativos e que já se constituem com
valores sociais, principalmente os que adquirem em seu núcleo familiar.
Dessa maneira, o ensino de língua materna desempenha um papel de
extrema importância, visto que é por meio da linguagem que significa-
mos o mundo que nos cerca, produzindo conhecimento e interagindo,
portanto, é importante entendermos também que a língua não é neutra.

184
ensino de língua portuguesa no século xxi - relatos de experiência

Freire (1989, p. 11) pontua que: “A leitura do mundo precede a leitu-


ra da palavra [...]”, destacando em seu trabalho que a nossa percepção do
mundo está intimamente vinculada ao modo como vamos significar tudo
o que nos rodeia. Nosso contato com as palavras e com os diversos textos
que nos circundam se dão por meio das experiências e vivências com
as situações nas quais estamos inseridos, com as pessoas que ouvimos e
com as quais conversamos, com a natureza e com a relação travada com
o local em que vivemos. Por isso, a leitura que fazemos sobre o que está
a nossa volta é anterior ao que aprendemos na escola.
A Parte II da Minuta se direciona para a área de língua portuguesa,
relacionando a linguagem, a língua e o ensino com temáticas voltadas
para gêneros discursivos, contextos de produção, linguagem oral e es-
crita, variedades linguísticas, multimodalidades, relevância da literatura
no currículo e conceitos sobre alfabetização. Nessa parte, encontramos
núcleos temáticos, como leitura, escrita, oralidade/sinalidade, análise
linguística/multimodal, análise linguística/semiótica, produção de textos
e leitura/escrita/sinalização (compartilhada e autônoma). Todos esses
vieses devem ser trabalhados em sala de aula de acordo com cada ciclo
e ano do Ensino Fundamental, defendendo-se que o ensino da língua
portuguesa está atrelado às competências do falar, ouvir, ler e escrever.
A concepção de linguagem adotada pela Minuta assume a linguagem
como um processo de interação, considerando seu contexto histórico-
social, as construções ideológicas que estão presentes nos textos, a relação
com elementos extralinguísticos e as condições de produção (BAKHTIN,
2011; VOLÓCHINOV, 2017, 2019).
Além disso, a Minuta destaca a prática pedagógica no ensino da
língua portuguesa, que deve partir do trabalho com gêneros discursivos
que circulam socialmente, fazendo parte de um processo de interação
e que tem relação com o cotidiano dos alunos. O trabalho escolar deve
desenvolver a capacidade de reflexão do alunado sobre a língua por meio
da compreensão, da interpretação, da análise e da produção de textos. Por

185
ensino de língua portuguesa no século xxi - relatos de experiência

isso, o ensino de língua deve ser crítico e não descolado das vivências dos
estudantes, pois os textos trabalhados na escola não podem ser utilizados
somente para fins didáticos, mas possibilitando ao discente participar e
desenvolver práticas de leitura que se aproximem dos usos sociais da
linguagem, valorizando o papel ativo dos alunos.
Em nossas discussões, também refletimos sobre trechos da Base
Nacional Comum Curricular (BNCC), que tem um caráter normativo
sobre o que é essencial na aprendizagem, focando no desenvolvimento de
competências que envolvem as habilidades de ler, ouvir, falar e escrever
tanto na modalidade oral quanto escrita, porém, sem deixar de considerar
as singularidades e necessidades dos discentes. Inspirada na BNCC, a
Minuta do Referencial Curricular Municipal de Niterói é um documento
complementar que atende às características sociais, regionais, culturais
e econômicas do município como observamos a seguir:

[...] o projeto político pedagógico da escola precisa estar em


consonância com a realidade local, bem como dialogar com
a realidade de vida dos alunos, apropriando-se de suas vivên-
cias e estabelecendo uma aproximação dialógica entre suas
expectativas e os objetivos propostos pela escola (NITERÓI,
2020, p. 36).

O professor Tharlles Gervasio, o qual apresentou o 2º encontro


do curso, cujo tema foi “A língua portuguesa nos documentos oficiais
(PCN e BNCC) e a proposta curricular de Niterói”, em relação a esses
documentos, defende que:

[...] ao serem elaborados a partir de projetos coletivos, o pro-


pósito desses documentos é que todos os envolvidos no espaço
escolar sejam capazes de reinterpretá-los de acordo com cada
vivência. (...) Nesses materiais, ficam evidenciados, então, os
conhecimentos essenciais a serem adquiridos pelos educandos
em todo o seu processo formativo durante a Educação Básica
(GERVASIO, 2022, p. 44).

186
ensino de língua portuguesa no século xxi - relatos de experiência

Dessa forma, em conjunto, fomos estabelecendo conexões entre a


Minuta do Referencial Curricular de Niterói e a BNCC, como a defesa
de uma educação que valoriza diversos tipos de conhecimentos que são
construídos social e culturalmente, sobretudo a partir da relação com o
outro. Sobre isso, podemos apontar o conhecimento de mundo, já que,
por meio dele, o estudante se constrói como cidadão, podendo exercer
sua autonomia e criatividade. De acordo com Freire (2012), a educação
não pode estar voltada à memorização, à mecanização, sem incentivos e
sem despertar a curiosidade das alunas e dos alunos. Logo, é importante
que a instituição escolar seja um espaço no qual se promova o interesse
do alunado, facilitando a pesquisa, a reflexão, a análise, entre outros.
Assim, a escola também deve ser um local que possibilite a expressão
de conhecimentos artísticos, científicos, matemáticos, físicos, químicos
e afetivos, para que os estudantes possam se expressar por meio de di-
ferentes linguagens.
A BNCC e a Minuta Referencial acreditam que a educação esco-
lar não deve estar pautada somente nos conteúdos das disciplinas, mas
também, no desenvolvimento integral do discente nas diferentes áreas,
como a intelectual, social, emocional, física e cultural, fomentando o
autoconhecimento e o autocuidado para lidar com as questões emocionais
e cooperar com responsabilidade para o bom convívio social.

ii) Curso de formação continuada para o magistério municipal com


propostas teóricas e práticas

A segunda parte prática do projeto consistiu na oferta do curso de


formação continuada, que teve início no mês de março do ano de 2022,
com aulas quinzenais, e terminou em setembro do mesmo ano. Uma ques-
tão importante para nós, bolsistas, foi compreender de que forma os temas
das aulas propostas estabeleciam relações com a Minuta do Referencial
Curricular de Niterói e com a BNCC. Ambos os documentos foram tema
da aula 2, intitulada como: “A língua portuguesa nos documentos oficiais

187
ensino de língua portuguesa no século xxi - relatos de experiência

(PCN e BNCC) e a proposta curricular de Niterói”, ministrada pelo Prof.


Dr. Tharlles Lopes Gervásio. Com isso, observamos que os documentos
citados trazem uma nova perspectiva de ensino da língua, colocando o
texto como elemento central na prática docente, num ensino voltado
para o trabalho com gêneros textuais, sem desconsiderar as experiências
linguísticas dos alunos (GERVASIO, 2022, p. 45).
As aulas, além de abordarem a teoria, forneceram, de forma prática,
procedimentos acerca da maneira como os professores poderiam trabalhar
os diversos textos no ambiente escolar, considerando a realidade das
escolas municipais da rede de Niterói, e atendendo, nessa perspectiva,
o intuito do projeto de incentivar a discussão sobre o ensino da língua
portuguesa no contexto atual. As sugestões foram apresentadas não de
forma normativa e verticalizada, mas como uma proposta de diálogo,
permitindo a troca de experiências e refletindo sobre as dificuldades e
acertos a respeito da prática docente entre professores convidados que
ministraram o curso, professores da rede municipal, docentes respon-
sáveis pela organização do projeto e bolsistas, docentes em formação.
Assim, cada um dos encontros foi organizado de maneira a atender
às orientações dos documentos oficiais, a partir das teorias linguísticas
pautadas no Funcionalismo e no Sociointeracionismo, uma vez que, nos
termos de Rosário e Lopes (2022, p. 8) “é importante frisar que boas
práticas sempre supõem um referencial teórico robusto, consistente. Sem
a teoria, a prática é vazia, estéril”. Por isso, para que houvesse propostas
consistentes e relevantes como direcionamento e reflexão para os docentes
da rede básica do município de Niterói, foi necessária a apresentação de
pesquisas na área de linguagens, as quais são de extrema importância
no processo de ensino-aprendizagem, haja vista a grande quantidade de
descobertas científicas no campo da teoria e análise linguística.
Sob esse viés, Rosário e Lopes (2022, p. 7) atestam que a associação
entre pesquisa, teoria e prática são uma importante tríade fornecedora
de subsídios necessários para o desenvolvimento de ações inovadoras

188
ensino de língua portuguesa no século xxi - relatos de experiência

no campo do ensino: “a transposição desse conjunto de conhecimentos


acadêmicos para a realidade das salas de aula pode ser uma ferramenta
relevante para o desenvolvimento de novas perspectivas pedagógicas
para a Educação pública municipal de Niterói.
Como consequência e impacto do projeto, temos subprojetos ela-
borados a partir de parcerias entre os profissionais da rede municipal de
Niterói participantes do curso e as bolsistas, as quais estavam acompa-
nhando e, portanto, inseridas na realidade local por meio da visita às es-
colas, o que nos leva à terceira etapa do projeto. Assim, esses subprojetos
constituem sequências didáticas formuladas a partir das teorias e práticas
trabalhadas no curso e aplicadas nas turmas cujos professores estavam
participando do projeto. A seguir, trataremos de dois desses subprojetos,
em que cada um foi desenvolvido e aplicado entre uma das bolsistas de
mestrado e a professora da rede básica que acompanhavam.

iii) Visita às escolas das professoras participantes do curso e desen-


volvimento dos projetos

A terceira parte ocorreu concomitantemente à segunda, visto que, ao


longo do ano de 2022, cada bolsista ficou responsável por acompanhar
uma professora participante do curso fornecido pelo projeto “Ensino
de Língua Portuguesa no século XXI - pesquisa, teoria e prática”. Para
tanto, realizamos visitas regulares às escolas, participando das aulas que
as professoras cursistas ministravam em suas turmas. A ideia era que,
juntamente com a docente regente da turma, e a partir das ideias traba-
lhadas no curso, elaborássemos e aplicássemos um projeto, atendendo à
realidade do grupo que estávamos acompanhando.
É importante considerar que, nos anos de 2020 e 2021, os estu-
dantes sofreram impactos negativos em sua vida devido à pandemia
de COVID-19, principalmente nas escolas públicas, já que nem todas
conseguiram se adaptar para oferecer as aulas aos discentes. Nas Esco-

189
ensino de língua portuguesa no século xxi - relatos de experiência

las Municipais Paulo Freire e João Brazil, não foi diferente. O alunado
ficou sem frequentar a escola por quase dois anos, não teve aula durante
esse período e poucos alunos conseguiram acesso ao conteúdo on-line e
acompanharam a apostila que foi ofertada pelo município. Dessa forma,
os estudantes concluíram as séries com ensino/aprendizado precário.
Além disso, não só o conteúdo ficou defasado, como também o desen-
volvimento de habilidades intelectuais, emocionais e o convívio com o
círculo social e o ambiente escolar, repercutindo intensamente no ano
de 2022 e, provavelmente, nos anos que se sucederão.

Escola Municipal Paulo Freire - Bolsista Júlia Rodrigues

Em conjunto com a professora Ângela Machado, realizamos um


trabalho em duas turmas de 8º ano do Ensino Fundamental da Escola
Municipal Paulo Freire, acerca do livro paradidático que já havia sido
adotado pelo colégio “Todo mundo é misturado”, de Beth Cardoso. A
escola localiza-se no bairro do Fonseca, no município de Niterói. É im-
portante salientar que o projeto e outras atividades desenvolvidas com
a turma foram explanados mais detalhadamente em outro capítulo desta
coletânea, destinado às experiências e práticas vivenciadas na Escola
Municipal Paulo Freire.
O trabalho foi interdisciplinar, haja vista ter sido desenvolvido
nas disciplinas de Língua Portuguesa e Espanhola, além de também ter
contado com a participação de alunos surdos e, para tanto, com a me-
diação dos professores intérpretes Marlon Rodrigues Soares e Verônica
Ribeiro. Iniciamos o projeto apresentando a ilustração da capa do livro,
refletindo sobre sua relação com o título da obra e as expectativas que a
multimodalidade poderia sugerir sobre o enredo.
Realizamos a leitura da autobiografia da autora fornecida no próprio
livro e demos início à leitura do enredo da narrativa. Vale a ressalva de
que, para os momentos de leitura, as carteiras eram dispostas em roda e
a leitura era realizada em voz alta pelos alunos por meio do revezamento

190
ensino de língua portuguesa no século xxi - relatos de experiência

dos ledores. Durante a leitura, eram destacados aspectos já trabalhados


em sala de aula de Língua Portuguesa, tais como elementos gramaticais
concernentes à morfologia, à sintaxe e ao discurso, além da pontuação e
a repercussão desses elementos na entonação da leitura, permitindo ao
alunado que refletisse sobre a utilização real dos elementos gramaticais
trabalhados anteriormente.
O protagonista da história era um menino boliviano que migrou
para o Brasil e, para tanto, foram utilizados mapas para que os alunos
localizassem a Bolívia, além de terem sido trabalhadas as características
históricas e geográficas do país em questão, propiciando aos alunos um
pouco de conhecimento sobre aspectos culturais de um país estrangeiro
próximo ao nosso. Além disso, a mudança do Pablo (protagonista),
propiciou-nos o diálogo acerca dos movimentos migratórios, refletindo
sobre os motivos que levam as pessoas a se deslocarem de seus países
de origem (imposição, como o período escravocrata, guerras, questões
climáticas, busca de oportunidades etc.) e as consequências desses mo-
vimentos de emigração e imigração.
Outrossim, no enredo do livro, com o objetivo de unificar o grupo de
alunos e desfazer o ambiente de hostilidade entre brasileiros e estrangei-
ros, a professora da turma propôs um trabalho sobre a ancestralidade dos
alunos, que consistia na elaboração de um mapa de origem geográfica.
Esse é um dos momentos clímax do enredo, pois encaminha a leitura para
um viés que permite aos alunos entenderem que, apesar das aparentes
diferenças, “todo mundo é misturado”. Assim, a narrativa encaminha-
se para a sua finalização, mobilizando os personagens alunos para uma
pesquisa sobre seus ancestrais, configurando sua genealogia.
A partir disso, apresentamos a maneira de pesquisar e confeccionar a
árvore genealógica, enquanto gênero textual, estimulamos a investigação
sobre a origem dos sobrenomes e sugerimos a conversa com membros
da família que pudessem contar sobre os seus ancestrais, sua origem e
movimentos.

191
ensino de língua portuguesa no século xxi - relatos de experiência

A leitura do livro propiciou, ainda, a exploração de diversos gêneros


textuais utilizados ao longo da narrativa, tais como o diário, a carta e a
notícia. Esse último não foi usado diretamente na narrativa da obra, mas
solicitamos, como uma das sequências didáticas, que os alunos trans-
formassem um capítulo que contava sobre uma briga entre bolivianos e
estrangeiros num texto desse gênero.
Como trabalho final culminante do projeto, os alunos realizaram
uma avaliação, a qual lhes proporcionou testar a compreensão do en-
redo do texto, bem como seus componentes e reflexões sobre aspectos
específicos da narrativa. Além disso, nas aulas de Língua Portuguesa,
estava sendo trabalhado o gênero resenha e, para tanto, foi solicitado
que os alunos produzissem uma resenha acerca da obra lida, permi-
tindo que os alunos produzissem um texto que contivesse um pequeno
resumo da narrativa, seus apontamentos e posicionamentos acerca do
livro e da leitura.

Escola Municipal João Brazil - Bolsista Thaís Ogeda

Meu primeiro contato com a Escola Municipal João Brazil aconteceu


em maio/2022 por meio da professora Maria das Dores Portela, que inte-
grava nosso projeto de formação continuada e é servidora do município
de Niterói. Ela atua nessa escola, que fica localizada no Morro do Castro,
em Niterói. A escola sofre muita influência do tráfico de drogas local
e, algumas vezes, os alunos não conseguem ir à instituição quando há
operação policial, deixando de frequentar as aulas e perdendo atividades
acadêmicas importantes.
Quando cheguei ao local, fui apresentada a outros docentes e fun-
cionários que já estavam acostumados a receber estagiários/bolsistas e
conheci as dependências da escola. É um lugar amplo, com pátio coberto
e descoberto, salas de aula, biblioteca, refeitório, quadra de esportes,
banheiros, sala de professores, entre outros.

192
ensino de língua portuguesa no século xxi - relatos de experiência

Em junho do ano de 2022, comecei a assistir às aulas de língua


portuguesa da professora participante do projeto. Ela ministra aulas para
turmas do oitavo ano, no período matutino, que possuem em média 30
alunos. Com a minha presença em sala, alguns alunos se mostraram
curiosos e queriam me conhecer. A docente me apresentou em todas as
turmas e sinalizou que seria desenvolvido um projeto com elas. A partir
disso, acompanhei algumas dessas aulas nos meses de maio, junho e
agosto, já que no mês de julho a escola estava em recesso. Dessa forma,
pude orientar e ajudar os alunos com dúvidas em questões e na escrita
de respostas para registrá-las no caderno.
Durante esse tempo na escola, fui convidada por uma das coorde-
nadoras pedagógicas para participar do conselho de classe das turmas as
quais acompanhava, o que ajudou a compreender melhor o funcionamento
escolar, o que os docentes tinham a dizer a respeito das turmas, os alunos
que frequentavam as aulas, as atividades que os professores pensavam
em trabalhar com o alunado e as principais dificuldades em relação ao
ensino-aprendizagem.
Considerando todas essas questões, buscando o desenvolvimento
da compreensão leitora e da expressão escrita, eu e a professora Maria
Portela nos reunimos para discutir sobre o planejamento e a realização
do nosso projeto e optamos por textos narrativos, como: notícia, crônica,
piada, entre outros. E, assim, nomeamos o projeto como: “Descobrindo
os textos”. A iniciativa desse projeto surgiu com o objetivo de trabalhar
com os estudantes a leitura e a produção de textos que estão presentes no
cotidiano das crianças. Para isso, tomamos como referência Feres (2022),
tendo em conta o texto como ponto de partida e ponto de chegada, pois
as propostas de atividades sobre a língua devem estar relacionadas ao
seu uso. Além disso, a autora defende que é papel da escola o desen-
volvimento da competência leitora do alunado, a partir de um processo
de construção de sentidos. Com isso, buscamos estratégias, propondo
atividades que pudessem estar próximas da rotina dos estudantes ou que
pudessem ser algo novo e criativo.

193
ensino de língua portuguesa no século xxi - relatos de experiência

A escola é colocada diante do desafio de pensar em uma peda-


gogia da leitura cujas atividades captem o leitor em formação,
provocando-o a pensar, refletir, criar expectativas, interpretar,
compreender e questionar aquilo que se impõe como direcio-
namento, estimulando o estudante a investir seu conhecimento
prévio e suas vivências na construção de sentido dos textos,
a partir de “seu” mundo - e a “desconfiar” do que lê (FERES,
2022, p. 92).

Dessa forma, assumindo o papel da escola no desenvolvimento e


na formação de leitores críticos e em consonância com Ribeiro (2022),
o docente deve estar consciente de seu papel ao levar os discentes a
resistirem, sugerindo reflexões e críticas sobre temáticas socialmente
relevantes. Para isso, a escolha dos textos a serem trabalhados é fun-
damental, já que buscamos resistir por meio de um ensino anticolonial,
antipatriarcal e anticapitalista.
Para o desenvolvimento do projeto com gêneros discursivos, to-
mamos como base Ribeiro (2022, p. 244-247), ao descrever sequências
didáticas para o ensino de Língua Portuguesa na educação básica, com
adaptações de acordo com nossa necessidade e realidade escolar. As se-
quências didáticas descritas por Ribeiro (2022) são propostas com base
em Dolz, Noverraz e Schneuwly, da Universidade de Genebra:

Baseando-se em uma proposta de que é possível e desejável


ensinar a lidar com textos filiados a gêneros discursivos
diversos, da oralidade e da escrita, de maneira ordenada, em
situações reais de comunicação, esses teóricos desenvolveram
uma metodologia de ensino de língua (leitura, produção e
análise linguística/semiótica) com base no procedimento da
sequência didática (RIBEIRO, 2022).

Em um primeiro momento, desenvolvemos a apresentação da


situação, selecionamos o gênero discursivo a ser trabalhado, expondo o

194
ensino de língua portuguesa no século xxi - relatos de experiência

gênero ao alunado e discutindo sobre onde o texto circula, sua finalida-


de, composição, tipologia textual, debate da temática. Nesse momento,
é importante reconhecer, identificar, interpretar, compreender, avaliar
e criticar o texto (Feres, 2022). De acordo com Ribeiro (2022, p. 245):
“Trata-se de etapa em que o aluno é exposto, por meio de um trabalho
de mediação, ao gênero que produzirá”.
Na produção inicial, que pode ser coletiva ou individual, é confec-
cionada a primeira versão do texto, que funciona como diagnóstico. A
essa etapa se segue avaliação e revisão, para compreender os recursos
linguístico-discursivos utilizados pelos estudantes e o que precisará ser
desenvolvido.
A etapa seguinte são as atividades de reescritura, que consistem em
apontar para o alunado, por meio do diálogo, os problemas encontrados
na produção inicial, de forma que sejam superados. Nesse momento,
são avaliados a estrutura composicional, o estilo, o conteúdo temático,
entre outros. Pode ser indicada a reescritura de trechos, substituições de
expressões e palavras, reorganização, escolha de imagens/fotografias,
por exemplo.
A última etapa é a produção final e espera-se que os alunos, após
as atividades de revisão e reescritura, confiram se os objetivos comuni-
cativos propostos foram alcançados ou não. Segundo Ribeiro (2022, p.
252): “O aluno utiliza todo o conhecimento apreendido, entre memórias/
referências que mobiliza - relacionadas à situação, aos sentidos e às
formas-, para elaborar a sua produção textual, revisá-la e reescrevê-la”.
É importante sinalizar que os textos produzidos pelos alunos devem
circular nos espaços, seja dentro ou fora da escola, por meio de recursos
impressos ou digitais, de acordo com Santos e Arena (2022).
Para abertura do projeto, decidimos propor uma atividade para as
turmas do 8º ano, que se chama “Detetive através dos tempos”. Nessa
atividade, os estudantes são convidados a (re)conhecerem a cidade do
Rio de Janeiro na década de 1920. Para isso, eles deveriam assistir a

195
ensino de língua portuguesa no século xxi - relatos de experiência

dois vídeos que mostravam locais e curiosidades sobre a cidade nessa


época. Em seguida, o texto trabalhado foi um poema: “Poema tirado de
uma notícia de jornal”, de Manuel Bandeira. Após a leitura, discutimos
sobre a história relatada no poema, sobre o desfecho inesperado e sobre as
características do poema, os elementos textuais, os versos e as diferenças
entre os gêneros notícia e poema.
No poema apresentado, é relatada a morte do personagem João
Gostoso e como ele morreu. Depois disso, a atividade propunha que
os alunos fizessem a leitura de duas notícias que abordavam o mesmo
acontecimento que aparece no poema, porém são relatados de maneiras
distintas. Na primeira notícia, a história é contada como se João Gostoso
tivesse se suicidado e, na segunda notícia, como se tivesse sofrido um
acidente, possibilitando diferentes interpretações e o levantamento de
hipóteses, de acordo com as escolhas linguísticas presentes nos textos.
Ademais, foi possível dialogar sobre temáticas sociais como alcoolismo,
suicídio e criminalidade.
Por último, realizamos uma proposta lúdica em que a turma deveria
ser dividida em três grupos. O primeiro grupo defendeu que o personagem
João Gostoso faleceu porque se suicidou, o segundo defendeu que foi
um acidente e o terceiro grupo foi o júri que, depois da apresentação e
argumentação de cada um dos outros grupos, tomou a decisão.
O projeto estava em fase de desenvolvimento durante a escrita
deste capítulo. Ficou acordado que o primeiro gênero discursivo a ser
trabalhado nas turmas, após essa fase inicial de abertura, seria a notícia,
pois os alunos já estavam em contato com ela devido à atividade descrita
acima. O tema das notícias selecionadas para serem discutidas foi sobre
a violência contra a mulher, que desde 2021, segundo a Lei Federal nº
14.164, deve ser conteúdo presente nos currículos escolares de instituições
públicas e particulares do ensino básico, visando reflexão, prevenção e
combate da violência.

196
ensino de língua portuguesa no século xxi - relatos de experiência

Comentário final

Durante o curso ofertado aos professores da rede pública municipal


de Niterói, acompanhamos as aulas das professoras cursistas, os quais
lecionaram, ao longo do período letivo de 2022, sobre diversos conteú-
dos que integram o currículo de língua portuguesa, entre o sexto e nono
anos. Dessa maneira, tivemos uma experiência de grande relevância e
contribuição para a nossa formação, por conta do contato com a realidade
do ensino fundamental. Além disso, pudemos aprender com teorias e
métodos de ensino e de avaliação para executarmos nosso trabalho como
bolsistas mestrandas, juntamente com as professoras responsáveis pelas
turmas. Essa oportunidade abriu caminhos para que assumíssemos nosso
compromisso com a educação, por meio do conhecimento profissional
e da experiência, produzindo estratégias para nossa prática educativa.
Acreditamos, como docentes e mestrandas, que nossa atuação em
sala de aula impacta os alunos de forma individual, mas, principalmente,
no âmbito social, provocando transformações. Por isso, desenvolver os
projetos mencionados não foi apenas uma forma de transmitir conheci-
mento, mas possibilitou a criação de um espaço de compartilhamento de
saberes entre professores e alunos. Mais do que promover a formação
escolar voltada para o desenvolvimento acadêmico, podemos ajudá-los
na sua constituição como cidadãos a partir das temáticas discutidas que
se aproximam do cotidiano e da vida social dos estudantes. Dessa forma,
buscamos estimular a reflexão dos alunos e sua formação autônoma e
crítica.

REFERÊNCIAS

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BRASIL. Lei 14.164, de 10 de junho de 2021. Altera a Lei nº 9.394, de 20 de
dezembro de 1996 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional), para incluir
conteúdo sobre a prevenção da violência contra a mulher nos currículos da educação
básica, e institui a Semana Escolar de Combate à Violência contra a Mulher.

197
ensino de língua portuguesa no século xxi - relatos de experiência

Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2021/lei/


l14164.htm. Acesso em: 20 dez. 2022
BRASIL. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Nº 9.394, de 20 de
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198
ensino de língua portuguesa no século xxi - relatos de experiência

SANTOS, L. W.; ARENA, A. B. Produção textual na escola: planejamento, avaliação,


(re)escrita e circulação dos textos. In: ROSÁRIO, I. da C. do; LOPES, M. G. (orgs.).
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Pontes Editores, 2022.
VOLÓCHINOV, V. Marxismo e filosofia da linguagem. São Paulo: Editora 34,
2017.
VOLÓCHINOV, V. A palavra na vida e a palavra na poesia. Trad. Sheila Grillo
e Ekaterina Vólkova Américo. São Paulo: Editora 34, 2019.

199
ensino de língua portuguesa no século xxi - relatos de experiência

DOS DOCUMENTOS PARA A SALA DE AULA: UM RELATO


DAS BOLSISTAS DE GRADUAÇÃO DO PROJETO “ENSINO
DE LÍNGUA PORTUGUESA NO SÉCULO XXI – PESQUISA,
TEORIA E PRÁTICA”

Layza da Silva Tobias do Nascimento


Mayra Laurindo Rabello
Rafaela Reis Carvalho

Introdução

O Programa de Desenvolvimento de Projetos Aplicados (PDPA)


propõe, em seu projeto “Ensino de língua portuguesa no século XXI –
pesquisa, teoria e prática”, em consonância com o “Plano Estratégico
2013-2033 – Niterói que queremos”, com foco no eixo “Niterói Esco-
larizada e Inovadora”, realizar pesquisas com descobertas úteis quanto
ao processo de ensino-aprendizagem de maneira a propor um ensino
de Língua Portuguesa inclusivo e de qualidade para todos. Para que tal
tarefa seja concretizada, o programa selecionou bolsistas da graduação e
pós-graduação para realizar estudos sobre os documentos oficiais da área
de educação relevante ao município, como a “Base Nacional Comum
Curricular” (BNCC) e a “Minuta do Referencial Curricular Municipal”
de 2020 da cidade de Niterói, no que se refere ao ensino de língua por-
tuguesa nos anos finais e iniciais da escola.

200
ensino de língua portuguesa no século xxi - relatos de experiência

Ademais, o PDPA desenvolveu um curso de formação, pautado


nas áreas do Sociointeracionismo e Funcionalismo, para os docentes da
rede municipal de Niterói no intuito de unir teoria e prática. Além do
curso, também houve visitas, realizadas pelas bolsistas, às instituições
de ensino de alguns dos participantes do curso, visando entender a si-
tuação das escolas municipais da rede e auxiliar no alinhamento entre a
parte teórica e a realidade prática. Como parte da última etapa do pro-
jeto, lançaram-se dois livros. Abaixo descrevemos nossas experiências
enquanto bolsistas de graduação do presente projeto, relatando nossas
impressões e vivências.

Primeiro momento: os documentos oficiais

Em agosto de 2021, após aprovação no processo seletivo do projeto


“Ensino de língua portuguesa no século XXI – pesquisa, teoria e práti-
ca”, as bolsistas tiveram a oportunidade de conhecer os coordenadores e
demais membros do projeto. Depois disso, a primeira atividade proposta
foi a realização de uma leitura crítica da “Minuta do Referencial Curri-
cular Municipal” de Niterói e da “Base Nacional Comum Curricular”. O
objetivo dessa atividade, além de proporcionar maior familiaridade das
bolsistas com os documentos oficiais relevantes para o município, foi
estabelecer relações com os futuros temas das aulas do curso de formação
dos professores da rede municipal.
Durante essa etapa, foram amplamente discutidas as propostas para
o ensino básico de Língua Portuguesa, Literatura e Produção Textual
apresentadas por esses documentos. Dentre os temas abordados podemos
mencionar: o ingresso no universo escolar e as diferentes experiências de
escolarização; as práticas pedagógicas presentes nos componentes curri-
culares; os núcleos temáticos de oralidade/sinalidade, leitura, produção
de textos e análise linguísticas/multimodal; as variadas concepções de
linguagem; o trabalho com gêneros discursivos e textos multissemióticos;
as possibilidades de multiletramentos, entre outros.

201
ensino de língua portuguesa no século xxi - relatos de experiência

Esse primeiro momento também permitiu o estreitamento das rela-


ções entre as bolsistas, com trocas de conselhos, experiências acadêmicas
e auxílio, especialmente, na compreensão de conceitos que ainda não
eram comuns a todas. Assim, julgamos importante registrar também essa
parte do projeto, que se mostrou, e se mostra, extremamente pertinente
em nossa formação e trajetória profissional.
Em síntese, não há dúvidas de que esse primeiro momento do projeto
foi essencial para ampliar nossa concepção sobre o ensino de Língua
Portuguesa. Anteriormente ao início das pesquisas, já possuíamos as
convicções comuns aos novos graduandos de Letras: de que a Língua
Portuguesa deve ser ensinada em todas as suas formas e variedades,
abarcando o seu uso pelos falantes, a perspectiva da tradição, a orali-
dade, a escrita e suas interações com o mundo contemporâneo e com a
tecnologia. Com a leitura dos documentos oficiais, foi possível entender
como essas convicções, enquanto futuras professoras, serão organizadas
e aplicadas na prática da sala de aula, a partir dos projetos de conteúdos
selecionados para cada ano letivo do ensino fundamental.
No que tange ao ensino de questões socioculturais, a Minuta de
Niterói e a BNCC se demonstraram engajadas em envolver os alunos
nas problemáticas que existem na sociedade, principalmente aquelas
relacionadas a determinados grupos sociais e étnicos que compõem a
nação brasileira. Nesse sentido, destacamos que o processo de introduzir
certos temas desde os primeiros anos do ensino básico se apresentou,
em nossa visão, de extrema relevância pelos documentos oficiais no
que se refere à construção de um conhecimento básico sólido, o que,
futuramente, será a base necessária para que os alunos alcancem todas
as suas potencialidades educacionais nos anos finais.
Portanto, o primeiro momento proporcionou uma análise conjunta
das relações entre a Base Nacional Comum Curricular e o referencial
teórico de Niterói. A análise, no entanto, não ignorou as ausências que
os documentos possuem, bem como também observamos pontos de

202
ensino de língua portuguesa no século xxi - relatos de experiência

melhoria necessários aos documentos, como, por exemplo, a problemá-


tica de desenvolver as inúmeras habilidades e competências previstas e
propostas para o ensino da língua sem se voltar a um caráter conteudista
e tradicional.

Segundo momento: o curso

Seguindo seu desenvolvimento, o projeto previa a realização de um


curso de formação para o magistério municipal, com propostas teóricas
e práticas desenvolvidas a partir do Funcionalismo e do Sociointera-
cionismo. Desse modo, em março de 2022, foram iniciadas as aulas
do curso de formação. Em uma perspectiva geral, as aulas permitiram
ampliar nosso conhecimento sobre os documentos oficiais inicialmente
estudados. Com a finalização do curso, em setembro de 2022, tivemos
a oportunidade de entrar em contato com caros temas e profissionais
nas doze aulas propostas pelo curso, a saber: aula 1 “Funcionalismo,
Sociointeracionismo e Ensino de Língua Portuguesa no Século XXI”,
ministrada pelo coordenador do projeto, o Prof. Dr. Ivo da Costa do
Rosário (UFF); a aula 2 “A língua portuguesa nos documentos oficiais
(PCN e BNCC) e a proposta curricular de Niterói”, guiada pelo Prof. Dr.
Tharlles Lopes Gervásio (Colégio Pedro II); a aula 3 “O lugar do texto
nas aulas de língua portuguesa: desenvolvimento da competência dis-
cursiva, multiletramentos, gênero, tipo e suporte”, ministrada pela Prof.ª
Dr.ª Nadja Pattresi de Souza e Silva (UFF); a aula 4 “Leitura – seleção
de textos (diversidade cultural – BNCC), compreensão e interpretação
de textos”, apresentada pela Prof.ª Dr.ª Beatriz dos Santos Feres (UFF); a
aula 5 “Leitura – a multissemiose”, ministrada pela Prof.ª Dr.ª Lúcia Tei-
xeira (UFF); a aula 6 “Produção de texto e circulação de textos”, guiada
pela Prof.ª Dr.ª Leonor Werneck (UFRJ); a aula 7 “Revisão de textos e
reescrita”, apresentada pela Prof.ª Dr.ª Ana Beatriz Arena (UERJ/FFP);
a aula 8 “O lugar da gramática nas aulas de língua portuguesa – tradição,
norma, variedade”, ministrada pela Prof.ª Dr.ª Sílvia Vieira (UFRJ); a aula

203
ensino de língua portuguesa no século xxi - relatos de experiência

9 “Tópicos em gramática: abordagem metalinguística e epilinguística,


ministrada pelo Prof. Dr. Monclar Guimarães Lopes (UFF); a aula 10
“Tópicos em gramática: sintaxe do texto escrito vs sintaxe do texto oral”,
ministrada pela Prof.ª Dr.ª Mariangela Rios (UFF); a aula 11 “Sequências
didáticas para o ensino de Língua Portuguesa”, ministrada pela Prof.ª
Dr.ª Patrícia Ferreira Neves Ribeiro (UFF); e a aula 12 “Socialização
das experiências”, ministradas pelos Professores Doutores Ivo da Costa
do Rosário e Monclar Guimarães Lopes.
A profusão de conhecimentos difundidos em cada aula foi enrique-
cedora. Na primeira aula, percebemos a potencialidade que as palavras e
a língua materna possuem. Compreendemos como ocorreu o ensino de
língua portuguesa na perspectiva histórica brasileira. Além disso, enten-
demos o cenário de luta que possibilitou as revoluções metodológicas no
ensino de língua portuguesa, permitindo ir do estrito ensino dos manuais
de gramática à utilização do livro didático. E conversamos, ainda, sobre
os problemas de organização presentes nos documentos oficiais e como
podemos ampliar suas deliberações para garantir um processo de ensino-
aprendizado coerente e contextualizado a partir do aluno. A segunda aula
foi essencial para reforçar a necessidade de contextualizar o processo
de ensino. A aula possibilitou repensar práticas docentes, instruindo a
acolher os conhecimentos e vivências preexistentes dos alunos na prática
docente. A aula também atentou para o lugar sociocomunicativo que o
texto deve possuir na sala de aula.
Da terceira e da quarta aulas, levamos também importantes reflexões
sobre o texto. Iniciando com a diversificação das concepções sobre o
que é o texto, como é construído a partir do processo de interação, como
devem ser selecionados etc. Enquanto futuras professoras, precisamos
entender que o trabalho com gêneros textuais, sequências tipológicas ou
com qualquer outro elemento da língua portuguesa não deve se distanciar
da realidade do aluno, pois é o que permite a construção de sentidos e
a efetiva absorção e aproveitamento do conteúdo. Com a quinta aula,
adentramos o papel da semiótica na escola, discutindo como as multis-

204
ensino de língua portuguesa no século xxi - relatos de experiência

semioses devem ser utilizadas para que o aluno compreenda diferentes


meios de expressão e formas de construção de significado. A aula tam-
bém teve a importante função de demonstrar como podemos utilizar as
multissemioses para guiar sobre o uso favorável e crítico dos meios de
comunicação, desenvolvendo o senso crítico dos alunos.
A sexta e sétima aulas incentivaram importantes reflexões sobre
produção e correção de textos. Vimos como é relevante que tanto a pro-
dução quanto a correção de textos sejam embasadas em um contexto,
com critérios bem estabelecidos e um propósito claro para o aluno. Pre-
cisamos flexibilizar o que entendemos por certo e errado no processo de
correção, porque é necessário verificar o que fundamentou a construção
do texto. Foi significante a apreensão de tal perspectiva, uma vez que,
dessa maneira, podemos auxiliar o aluno a desenvolver sua capacidade de
produção escrita sem que ele a realize de forma mecanizada e de forma
a evitar a perda de sua autoridade e sua visão crítica, criativa e pessoal
sobre seu próprio texto. As aulas também foram fundamentais para de-
monstrar como a correção não precisa, e na verdade não deve, ser voltada
apenas para o caráter normativo do uso da língua portuguesa. As etapas
devem ser pensadas como parte fundamental da construção de um texto.
Na oitava e nona aulas, vimos que o ensino de gramática deve ser
contextualizado e estudado sobre seus efeitos de sentido, tanto a gramática
interna quanto a externa se complementam no ensino de língua, sendo a
primeira natural e implícita, pois constitui o saber linguístico do falante
que o aluno já possui, enquanto a segunda fundamenta a construção da
teoria acerca do funcionamento da linguagem. Cabe a nós, professores,
mostrar aos alunos uma nova perspectiva por meio da análise de textos
que transmitem a variedade da língua, observando suas possibilidades de
mudança, por meio de usos reais e contextualizados da língua.
Entende-se que o caminho pedagógico deve ser permeado por
diálogo de ruptura com a tradição de forma coerente e coesa, que não
desconsidere o ensino de gramática tradicional, mas também não ignore

205
ensino de língua portuguesa no século xxi - relatos de experiência

outras realidades linguísticas. As aulas 8 e 9 demonstraram que preci-


samos levar aos alunos o que é considerado o bom uso da língua, mas
demonstrar que há possibilidades além das postulações prescritivas da
gramática tradicional, uma vez que, na condição de falantes da língua, os
alunos realizarão escolhas lexicais e comunicativas que podem provocar
variação e mudança. O ensino da gramática deve ser contextualizado e
reflexivo, pois esta, em sua significação, é essencialmente polissêmica.
Entendemos que, dessa maneira, o bom uso da língua seria também o uso
criativo, o que visa a desenvolver o conhecimento linguístico dos alunos
e habilitá-lo a compreender e interpretar criticamente o que lê, escreve e
fala nos diversos contextos de produção oral e verbal.
A partir da décima e décima primeira aulas, compreendemos o
quanto é relevante trabalhar em sala de aula os usos linguísticos, seja da
modalidade oral, seja da modalidade escrita. Uma das possibilidades de
estruturação desse trabalho é o uso das sequências didáticas, em que o
discente é convidado a participar da aula, visto que são um conjunto de
atividades pensado para ensinar seguindo um encadeamento de etapas,
que possibilitam maior eficiência em atividades de leitura, produção
textual e análise linguística/semiótica, todas orientadas pelo docente. É
importante que os alunos conheçam a organização de cada variedade,
pois cada uma tem suas particularidades e correspondências. Compre-
endemos que o aluno deve se apropriar progressivamente das diversas
formas de uso da língua, uma vez que, ao aprendê-las dessa forma, temos
um ensino de língua efetivo e produtivo. Nessa perspectiva, o uso e a
reflexão dos textos são as bases para a eficiência da prática discursiva
da expressão da linguagem verbal. A partir da concepção interacional da
língua apresentada nas aulas, entendemos que o aluno é um sujeito social
que cria e renova os contextos de uso dos textos e nós, como profissionais
da educação, devemos reconhecê-los e abordá-los de maneira a dialogar
com as realidades dos estudantes.
A décima segunda aula foi um encontro entre cursistas, professores
do curso e bolsistas. Nela, cada uma das bolsistas, acompanhadas das

206
ensino de língua portuguesa no século xxi - relatos de experiência

professoras participantes com as quais realizam os projetos, apresentaram


o trabalho feito com os alunos nas escolas municipais de Niterói.
A primeira bolsista a apresentar foi a Thaís Ogeda com a professora
Maria Portela, cujo projeto, ainda em andamento na Escola Municipal
João Brasil, centra-se na análise do gênero notícia, bem como busca
habilitar a compreensão sobre a linguagem utilizada, cronologia, tipos
textuais e interpretações, transformando os alunos em verdadeiros dete-
tives do tempo. Em seguida, a bolsista Júlia Rodrigues demonstrou como
trabalhou a leitura, interpretação e análise de gêneros e tipologias textuais,
elementos narrativos e tipos de discurso com base no livro Todo mundo
é misturado, de Beth Cardoso, com a professora Angela Machado, na
Escola Municipal Paulo Freire. Além disso, Júlia e Angela ressaltaram
a relação interdisciplinar com a língua espanhola, com exploração dos
termos comunicativos e dos cumprimentos, que o projeto permitiu de-
senvolver. Já a bolsista Layza da Silva apresentou seu projeto, realizado
na Escola Municipal Altivo César, com a professora Raquel Marques, o
qual se deu no conhecimento e análise de contos africanos contidos no
livro Os nove pentes d’África, de Cidinha da Silva, trabalhando o eixo da
leitura e da produção escrita em diálogo com a realidade dos alunos e a
questão da importância de se abordar a cultura e as raízes afro-brasileiras
no ambiente escolar.
Mais adiante, a bolsista Mayra, em conjunto com as professoras
Ester Goes e Bárbara Cazumba, na Escola Municipal Levi Carneiro, de-
monstrou, assim como Layza e Raquel, um diálogo entre texto e realidade
de seus alunos ao colocar em análise o livro Da minha janela, do autor
Otávio Júnior, com foco na leitura e produção de textos no gênero poe-
ma. Por fim, a bolsista Rafaela Reis, acompanhada da professora Gleice
Coelho, apresentou seu projeto, aplicado na Escola Municipal Honorina
de Carvalho, o qual focou na produção de um jornal formado por textos já
produzidos pelos alunos com as experiências vividas no clube de leitura
criado pela professora Gleice. Cabe destacar que os três últimos projetos
são mais bem detalhados na seção seguinte deste capítulo.

207
ensino de língua portuguesa no século xxi - relatos de experiência

Em síntese, cada aula, com suas particularidades e preciosas


informações, foi essencial para a nossa formação e será lembrada
no nosso futuro cotidiano profissional. Todos os temas abordados
ao longo do curso já nos permitem pensar os caminhos profissionais
que queremos seguir, assim como criar predileção por alguns tópicos,
como o trabalho de gêneros discursivos e projetos de textos, pois,
segundo algumas de nossas experiências em sala de aula, são dificul-
dades constantes dos estudantes. As aulas nos ajudaram a entender
como podemos despertar o sentimento de autoria nos alunos, como
fazê-los aprimorar seus textos sem o peso que o termo “correção”
carrega, e, sobretudo, como fazê-los compreender a estrutura e o
conteúdo de língua portuguesa sem limitar sua criatividade. Ou-
trossim, nos interessamos pelas aulas que envolviam os conceitos
de multiletramento e multissemiose, no que se refere ao ensino de
textos presentes nos mais diversos suportes e gêneros, pois focam
na pluralidade tão presente e necessária nas escolas.

Terceiro momento: a visitação

Acerca das visitações realizadas nas escolas, esse terceiro mo-


mento só pôde ser iniciado recentemente devido às condições de
biossegurança impostas pela pandemia do COVID-19. Logo, ainda
nos encontramos nesta etapa de vivenciar as experiências em sala de
aula, por isso as observações aqui relatadas são referentes às visitas
realizadas entre os meses de maio e setembro de 2022 na Escola Mu-
nicipal Honorina de Carvalho, na Escola Municipal Levi Carneiro e
na Escola Municipal Altivo Cesar.
Na Escola Municipal Honorina de Carvalho, as visitas foram re-
alizadas nas turmas de 6° ano e no Clube do Livro, sob supervisão da
professora Gleice Coelho. O primeiro encontro foi realizado no dia 23 de
maio de 2022, com uma ótima recepção. Em sala de aula, era trabalhado
o ensino de substantivos e adjetivos, tanto sua classificação quanto a

208
ensino de língua portuguesa no século xxi - relatos de experiência

análise da construção de sentido realizada pelo uso desses termos no que


se refere à leitura e à produção de textos. Mesmo com dificuldades, os
alunos participavam e realizavam os exercícios propostos.
Sobre o ambiente físico, o espaço da escola se demonstrou muito
bem equipado e cuidado, possuía dependências como quadras de edu-
cação física ao ar livre e fechadas, refeitório, laboratório, biblioteca
e auditório. A escola também oferece refeições e material didático.
Percebeu-se que há inclusão de alunos com deficiência, eles são bem
recebidos e podem ficar tanto dentro de sala com outros colegas quanto
em uma sala separada. Alguns possuem auxiliares e outros não, como
percebido durante a observação. No entanto, e infelizmente, não foram
identificados meios de acesso aos outros andares para alunos com defi-
ciências físicas que afetam a locomoção.
Nesse mesmo dia, durante o acompanhamento das aulas da turma
de 6° ano na parte da tarde, foi possível perceber como a pandemia de
COVID-19 afetou a finalização do processo de alfabetização dos alu-
nos, sua capacidade de concentração nas atividades e suas habilidades
socioemocionais. Os alunos, apesar desses fatores, eram animados e
participativos. As turmas apresentavam muitos estudantes, o que, mui-
tas vezes, pode ser complicado para a realização da aula, pois apenas
um professor não consegue dar, nem receber, a atenção necessária na
realização e correção das atividades. Além disso, é importante também
ressaltar que o livro didático utilizado em sala era atualizado com um
manual do professor baseado na BNCC, dando liberdade ao professor na
escolha da ordem de utilização dos capítulos e dos conteúdos.
No segundo encontro, feito no dia 20 de junho de 2022, as mesmas
turmas de 6º ano foram visitadas durante a parte da tarde. Elas haviam
avançado no conteúdo e viam, naquele momento, a estrutura, temas e
exemplos dos gêneros autobiografia e notícia. Apesar da matéria ter sido
trabalhada ao longo das aulas realizadas durante o período entre as duas
visitas, foi observado, tanto pela bolsista que realizava a visita quanto

209
ensino de língua portuguesa no século xxi - relatos de experiência

pela professora, o desafio que é para os estudantes aplicar as informações


recebidas em análises feitas individualmente de textos complementares,
bem como a dificuldade para relembrar conteúdos mais densos a longo
prazo. Os alunos, porém, se mostraram interessados em superar esses
obstáculos ao falar em voz alta suas respostas dos exercícios, tirar dúvidas
com a professora e com a bolsista, sempre buscando corrigir qualquer
erro e anotar no caderno as explicações escritas no quadro.
No terceiro encontro, feito no dia 29 de junho de 2022, foi realizada
a visita ao Clube do Livro, o qual é organizado pela professora Gleice
Coelho e que acontece toda quarta-feira na parte da manhã. Nesse dia,
a escola teve a honra de receber o escritor e professor Rodrigo Santos,
autor de livros como Macumba e Carcará. Rodrigo debateu e conver-
sou com os alunos os temas e enredos de seus livros, bem como contou
como é sua relação com a escrita e com a leitura desde a infância até a
atualidade. O autor relatou que nem sempre teve incentivo a escrever e a
ler, além de ter um difícil acesso a livros. No entanto, isso não o impediu
de seguir sua carreira e se sente realizado em poder contar histórias que
se passam em sua cidade natal, São Gonçalo.
Os alunos ficaram encantados com suas histórias e inspirados a lê-
las para saber seus desfechos, assim como compartilharam o que mais
gostavam de ler e pediram indicações para o autor. No final do encon-
tro, foi discutida a possibilidade de se continuar com um projeto já em
andamento pelo clube e incluir nele estratégias e conceitos trabalhados
em algumas aulas do curso de formação dos professores.
No quarto encontro, realizado no dia 17 de agosto de 2022, foi dado
início ao projeto de produção de um jornal com os textos produzidos pelos
alunos no clube de leitura. Para que fosse concretizado, foram levados os
computadores fornecidos pelo PDPA para a instituição, a fim de que os
alunos os utilizassem para digitalizar seus textos previamente escritos e
corrigidos, bem como formatá-los. Durante a realização das atividades,
os alunos tiveram a oportunidade de revisar de forma autônoma os textos,

210
ensino de língua portuguesa no século xxi - relatos de experiência

corrigindo erros ou passagens que não gostaram. A professora Gleice


auxiliou nessa etapa, utilizando-se de concepções e critérios que adqui-
riu durante o curso de formação continuada, assim como deixou que a
bolsista participasse nesses momentos, guiando os alunos na elaboração
da versão final de seus textos e dos jornais.
Ficou a critério da turma quais cores, elementos e fontes seriam
escolhidos e qual disposição fariam. Além disso, escolheram um nome
para o jornal, títulos e subtítulos. Apesar do clube ser formado por alunos
de idades e turmas diferentes, conseguiram dialogar e se ajudar durante
todo processo de construção do jornal.
Essa visita foi muito importante, pois não apenas possibilitou a
realização do projeto com a escola, mas também colocou em prática
planos que a professora tinha e não conseguia realizar por falta de tem-
po, auxílio e recursos. Os alunos gostaram muito de criar esse tipo de
conteúdo e ficaram animados para uma próxima visita, ansiando para dar
continuidade ao jornal. A realização desse projeto foi importante para
além da leitura, compreensão e produção de textos, uma vez que abriu
espaço para os alunos experimentarem o uso da tecnologia em sala de
aula de maneira independente e educativa.
Na Escola Municipal Levi Carneiro, as visitas foram realizadas, sob
a supervisão das professoras Bárbara Cazumbá e Ester Goes, em duas
turmas de 8° ano e em uma turma de aceleração, que abrigava alunos
do 6° e 7° anos.
Os primeiros encontros ocorreram em 13 de maio e 03 de junho,
com uma excelente recepção pelas professoras e pela equipe da es-
cola. A escola possui um amplo ambiente, com quadra de esportes,
refeitório, pátio e salas de aula. No entanto, a escola não possui uma
biblioteca, apenas uma sala de leitura que, segundo relato dos próprios
alunos, encontra-se indisponível para frequentar ou para o empréstimo
de livros. Em termos de acessibilidade, a escola possui alunos com
deficiência e, por algumas situações presenciadas, parece que eles

211
ensino de língua portuguesa no século xxi - relatos de experiência

recebem o acompanhamento necessário para garantir sua inclusão no


ambiente escolar.
Como mencionado, duas turmas de 8° ano foram acompanhadas e,
nesse primeiro encontro, já foi possível perceber algumas disparidades en-
tre as turmas. Os alunos das duas turmas demonstraram grande diferença
no nível educacional nesse ano, enquanto a primeira turma demonstrou
mais autonomia, a segunda turma apresentou algumas dificuldades para
acompanhar as aulas.
A primeira turma do 8° ano é de responsabilidade da Prof.ª Ester e
estava trabalhando textos poéticos na primeira visita. Os alunos foram
participativos durante a aula, conseguindo não apenas acompanhar as
explicações, como também relacionar os temas com assuntos vistos em
aulas anteriores. Em termos de conteúdo, foram trabalhadas temáticas
como interpretação de texto, conjunções, tese e argumentos, entre outros
tópicos. No segundo encontro, a professora propôs uma atividade com
música, videoclipes e poesia, realizada na sala de leitura da escola.
Antes de adentrar os comentários sobre essa atividade, cabe destacar
que a sala de leitura está longe do ideal para a realização de qualquer
atividade de ensino. O ambiente é dividido com a sala de vídeo, há apenas
cinco estantes de livros desorganizados e que não ficam disponíveis para
empréstimo dos alunos, não há um bibliotecário ou qualquer profissional
responsável pela organização da sala. Os alunos, inclusive, demonstra-
ram grande interesse no espaço, questionando sobre quando voltaria a
funcionar e se poderiam ajudar a organizar.
Sobre a atividade propriamente dita, houve certa dificuldade técni-
ca para expor os clipes e tocar as músicas selecionadas. Desse modo, a
professora adaptou a aula para estimular a percepção dos alunos acerca
dos papéis de autor, eu lírico, e para que compreendessem questões
como linguagem poética, metáforas, e outros tópicos. Nessa aula, os
alunos se mostraram menos participativos, pois muitos relataram não
gostar de ler, assim houve certa dificuldade em mantê-los concentrados

212
ensino de língua portuguesa no século xxi - relatos de experiência

e interessados na aula. Apesar desse aspecto, alguns alunos se mostraram


muito interessados na atividade, ficaram ávidos pelos livros de poesia
selecionados pela professora e, até mesmo, pedindo que ela declamasse
alguns poemas de que eles mais gostaram.
A segunda turma de 8° ano é de responsabilidade da Prof.ª Bárbara,
que, no primeiro encontro, propôs uma atividade interdisciplinar, devido
ao fato do dia 13 de maio de 2022 marcar os 134 anos da proclamação da
Lei Áurea. A atividade permitiu que os alunos trabalhassem interpretação
de texto e classes de palavras. De modo geral, notou-se maior defasa-
gem em conteúdos básicos dos anos anteriores, os alunos são bem mais
inquietos e possuem certa dificuldade para se concentrar na realização
das atividades. Posteriormente, a professora confirmou a defasagem no
ensino, explicando que os dois anos da pandemia foram prejudiciais
para essa turma, relatando que precisa retomar esses conceitos básicos
frequentemente, pois eles não retêm os conteúdos tão facilmente. Apesar
dessas questões, a turma foi bastante participativa. Os alunos solicitaram
ajuda em diversos momentos, compartilharam dúvidas e foram receptivos
à presença da bolsista.
O segundo encontro focou nos termos essenciais da oração: sujeito
e predicado. Os alunos foram mais participativos, acompanhando a expli-
cação e interagindo com a professora. Neste dia, foi possível acompanhar
a inclusão de um aluno com transtorno do espectro autista nas aulas. O
aluno em questão possuía uma cuidadora para auxiliá-lo com o conte-
údo, o que possibilitou que ele acompanhasse o tema trabalhado. Além
disso, a professora demonstrou a sensibilidade necessária para entender
que o processo de aprendizado dele é diferente, buscando incentivar sua
participação nas aulas.
A turma de aceleração, também sob responsabilidade da Prof.ª
Bárbara, foi a que demonstrou maior disparidade de ensino. A proposta
de uma turma de aceleração consiste em ajustar os alunos que, de acordo
com a idade, não estão no ano escolar adequado, possibilitando que o

213
ensino de língua portuguesa no século xxi - relatos de experiência

aluno curse dois anos em um. No caso da turma acompanhada, os alunos


deveriam estar no nível do 6° e 7° anos, mas, na realidade da sala de aula,
percebeu-se que as dificuldades no processo de ensino-aprendizagem são
ainda maiores do que as imaginadas para esse tipo de turma. Os alunos
possuem níveis educacionais muito diferentes, por exemplo: há alunos
analfabetos, alunos com enormes dificuldades de compreensão, alunos
que poderiam estar em turmas regulares, pois acompanham plenamente o
conteúdo, mas que foram alocados em turmas aceleradas por reprovação
causada por questões sociais. Nesse último exemplo, a professora citou
casos de alunos que reprovaram por excesso de faltas, essas causadas
porque os pais se mudavam muito e eles precisavam ser constantemente
matriculados em novas escolas. Apesar dos problemas naturais de uma
turma não regular, os alunos respondem bem às atividades propostas,
sempre buscando participar e entender o conteúdo.
Durante o segundo encontro, a turma de aceleração trabalhou a
temática da produção de textos. A professora propôs uma atividade
que solicitava a criação de uma pequena história sobre como os alunos
achavam que seria o fim do mundo, incentivando-os a pensar em que
local e com quem estariam, qual seria a causa, entre outros pontos
que possibilitavam desenvolver estratégias de escrita e incentivavam
a imaginação.
Em conversa com a professora, durante esse segundo encontro,
foram percebidas algumas dificuldades em realizar atividades além da
sala de aula que julgamos importante mencionar. Como dito, a escola
possui apenas uma pequena sala de leitura e a professora explicou que é
praticamente impossível realizar alguma atividade com a turma no espaço,
devido à dificuldade de reservar a sala. Por ser um espaço pequeno, é
muito concorrido entre os professores, assim há extrema complexidade
em realizar qualquer atividade externa à sala de aula. A mesma situação
é válida para os passeios culturais, sua realização é quase impossível
devido às dificuldades de conseguir transporte para os alunos.

214
ensino de língua portuguesa no século xxi - relatos de experiência

No mês seguinte, foram realizadas visitas em 08 e 13 de julho. Man-


teve-se o acompanhamento das turmas para conhecer os alunos, entender
o ritmo das aulas e os conteúdos ensinados. Entretanto, por questões de
saúde de uma das professoras, apenas a turma de 8° ano da Prof.ª Ester
pôde ser acompanhada no terceiro encontro. O encontro procedeu com
a verificação dos cadernos dos alunos, o que foi feito com o objetivo
de garantir que eles possuíssem o material adequado para acompanhar
as aulas. Além disso, enquanto a professora verificava os cadernos, os
alunos respondiam a uma atividade no quadro, promovendo cooperação
para correção conjunta.
Durante o encontro seguinte, houve a oportunidade de participar
de uma reunião entre os pais e professores da escola. A reunião foi um
momento extremamente fundamental para compreender a dinâmica da
relação entre escola, professores e os pais dos alunos. Nesse sentido, é
essencial descrever os momentos felizes em que alunos e pais chegaram
animados para conversar com as professoras de língua portuguesa. Os
alunos faziam questão de que os pais soubessem que eles prestavam
atenção ou que as notas haviam melhorado.
No entanto, essa visita também permitiu identificar algumas situa-
ções desfavoráveis ao processo de ensino e aprendizagem que não podem
ser ignoradas. Como exemplo, as turmas de aceleração da Prof.ª Bárbara
foram as que menos tiveram pais comparecendo na reunião. A própria
professora relatou que essa é uma situação comum, os pais dos alunos
das turmas de aceleração não costumam comparecer nessas reuniões.
Esse tipo de situação é prejudicial para o trabalho em sala de aula, pois
os alunos não recebem suporte familiar adequado para frequentar as aulas
e, muito menos, para continuar na escola.
Com o retorno do recesso escolar, em agosto, as visitas foram
retomadas para iniciar o projeto pensado a partir do curso “Ensino de
língua portuguesa no século XXI – pesquisa, teoria e prática”. Antes de
relatar o andamento do projeto, cabe uma breve explicação sobre como

215
ensino de língua portuguesa no século xxi - relatos de experiência

foi pensado. Considerando todos os ensinamentos do curso e a realidade


dos alunos da E. M. Levi Carneiro, o livro Da minha janela, escrito por
Otávio Júnior e ilustrado por Vanina Starkoff, foi selecionado para guiar
o projeto “Janela Mágica”. O livro é narrado a partir da perspectiva de
uma criança moradora do Complexo do Alemão que, a partir do que vê
da sua janela, conta sobre as coisas, pessoas e situações que observa. Ao
fim do livro, o narrador questiona o leitor com a seguinte pergunta: “E se
a sua janela fosse mágica e você tivesse o poder de criar coisas novas?
O que gostaria de ver através dela?”
Com base nessa pergunta, o projeto “Janela Mágica” foi elaborado
para instigar a imaginação dos alunos ao mesmo tempo em que incen-
tivamos a reflexão sobre a própria realidade, o que permitiu trabalhar
oralidade, escuta, análise linguístico-semiótica, produção de gêneros,
revisão e reescrita textuais. De modo geral, o projeto compreende as
seguintes etapas: contação da história; diálogo com os alunos; realização
de desenhos; produção textual; correção e reescrita textual; e exibição
dos textos produzidos. No momento atual, estamos na produção textu-
al, assim, as etapas de correção, reescrita textual e exibição não serão
descritas aqui.
Na turma de 8° da Prof.ª Ester, o projeto teve início com uma roda
de conversa entre a professora, a bolsista e os alunos para apreciação de
músicas e videoclipes e debates sobre sonhos. O momento foi impor-
tante para deixar os alunos confortáveis e incentivá-los a pensar sobre
os próprios sonhos. Os alunos se abriram para o tema, como a aluna que
contou como está treinando para realizar seu sonho de ser uma atleta pro-
fissional de remo e a aluna que contou sobre seu sonho de ser confeiteira.
Seguindo esse momento, a professora realizou a contação da história,
sempre instigando os alunos a pensar sobre os elementos ou espaços
que surgiam na narração, incentivando a descreverem suas emoções e
impressões sobre o que era contado. Com isso, os alunos se engajaram
com a história, levantando para se aproximar do livro, contando situações
similares que vivenciavam, tentando adivinhar em qual favela do Rio

216
ensino de língua portuguesa no século xxi - relatos de experiência

de Janeiro a história se passava e relacionando os acontecimentos com


suas próprias vidas.
Antes de adentrar a etapa de produção textual, a professora ministrou
uma aula sobre o gênero textual acróstico, momento que foi importante
para familiarizar os alunos com o novo gênero que julgamos ser o mais
adequado ao projeto. Apesar de definirmos isso, cabe ressaltar que os
alunos não estavam limitados a produzir textos desse gênero, eles pode-
riam escolher esse ou qualquer outro gênero textual que os interessasse.
Durante a aula, a professora ressaltou o caráter pessoal e poético do gê-
nero, demonstrando os diferentes tipos de acrósticos, como eles poderiam
ser usados para falar sobre si mesmo ou sobre a vida.
Com a etapa de produção textual, iniciada em setembro de 2022, os
alunos dessa turma finalmente começaram a se colocar como autores da
própria história. Como era esperado, devido à temática do livro, a história
incentivou que os alunos contassem sobre suas próprias vidas. Na tenta-
tiva de responder à pergunta final do livro, eles produziram acrósticos,
poemas, histórias em quadrinhos e pequenos contos sobre suas famílias
e amigos, sobre suas casas e bairros, sobre os sonhos que almejam e as
situações reais que observam de suas janelas. A etapa de produção textual
ainda está em andamento no momento de escrita deste relato, mas segui-
remos com sua realização nas próximas semanas e, posteriormente, com
as etapas de correção e reescrita textual, visando garantir que os alunos
desenvolvam o sentimento de autoria sobre seus textos.
Na outra turma de 8° e na turma de aceleração, ambas sob res-
ponsabilidade da Prof.ª Bárbara, o desenvolvimento do projeto ocor-
reu de modo similar. A contação de histórias aconteceu na primeira
semana de volta às aulas, foi um momento muito interessante e com
desenvolvimento similar nas duas turmas. Antes de contar a história,
a professora incentivou os alunos a falarem suas primeiras impressões
sobre o livro: o que achavam das cores; qual seria o tema; quem era o
narrador. Inicialmente, os alunos presumiram que era um livro sobre

217
ensino de língua portuguesa no século xxi - relatos de experiência

fofoca, especificamente sobre algum vizinho fofoqueira que ficava na


janela “vigiando a rua”, mas durante a contação da história ficou nítido
como o pensamento deles se ampliou.
Os alunos interagiram fisicamente com o livro, levantando para
encostar e ver as ilustrações com mais atenção, relacionavam os per-
sonagens das histórias com pessoas de suas vidas e reconheciam as
brincadeiras descritas. A turma de aceleração, inclusive, improvisou
uma batida de funk com a professora no momento em que o narrador
menciona o gênero musical na história. Após a contação, a professora
solicitou que os alunos realizassem desenhos para responder à pergunta
final do livro. Com isso, eles liberaram a imaginação, criando festivais
de cafifas, dias na praia ou no campo, jogos de futebol e diversas outras
brincadeiras e momentos que gostariam de experienciar através de suas
janelas mágicas. A professora também solicitou que eles escrevessem
substantivos que representavam os sentimentos ou coisas ilustrados nos
desenhos. Com essa orientação, os alunos descreveram tanto sentimentos
abstratos, como amor, liberdade, paz ou felicidade, quanto coisas reais,
como chocolate, cafifa, praia, entre outros.
Como as turmas já tinham estudado poemas e acrósticos, a produção
textual focou nesses gêneros textuais. Assim, a partir dos substantivos
usados para descrever os desenhos, os alunos criaram textos que de-
monstram como eles absorveram a essência do livro. Entre as produções,
tivemos, na turma de 8º ano, muitos poemas sobre brincadeiras com pi-
pas, jogos de futebol e outras atividades que os alunos gostam de fazer.
Na turma de aceleração, eles também se apropriaram da ideia da janela
mágica e, a partir disso, criaram acrósticos que descreviam a liberdade
e tranquilidade com as quais sonhavam.
Atualmente, no momento de finalização deste capítulo, a etapa de
correção e reescrita textual precisou ser adiada nessas duas turmas devido
à greve dos professores da rede municipal de Niterói. No entanto, quando
a retomada das atividades for possível, a proposta é dar continuidade ao

218
ensino de língua portuguesa no século xxi - relatos de experiência

projeto, garantindo que os alunos entendam e trabalhem os pontos que


precisam ser melhorados nos textos.
Na Escola Municipal Altivo César, as visitas foram realizadas, sob
supervisão da Prof.ª Raquel Marques, nas turmas de 9° ano. O estágio
proporcionou uma vivência agradável e motivadora em sala de aula.
Não foi menos desafiador do que os estágios obrigatórios devido às
disciplinas obrigatórias, no entanto, o tema do projeto discutido com as
turmas de 9º ano gerou a esperança de que, mesmo diante do retrocesso
social que vivenciamos, o mal será combatido, pois, lamentavelmente,
nunca é vencido.
Antes de atentar à abordagem do projeto em si, faz-se relevante
comentar sobre o ambiente escolar. A sociabilidade dos funcionários
é afável, o que é bom e importante para quem mais necessita dela: os
discentes. O estudante precisa de acolhimento, uma vez que possui o
direito de ser ouvido e compreendido. Foi possível notar o modo como
a professora Raquel Marques, regente da turma acompanhada, se mostra
solícita e condescendente com os alunos.
Apesar de possuir um espaço conveniente, visto que possui uma
quadra de esportes logo na entrada e um pátio espaçoso, a E. M. Altivo
César não tem a estrutura necessária para a inclusão de alunos com de-
ficiências físicas. A sala de leitura é um espaço aconchegante e, ao que
parece, é acessível aos alunos. As estantes são divididas por áreas de
conhecimento e costumam receber livros novos com frequência. Sobre as
salas de aula, são arejadas e com boa acústica, com exceção as salas que
possuem as janelas na direção do refeitório, pois o barulho é incômodo.
Os primeiros encontros ocorreram nos dias 05 e 19 de maio de 2022,
fomos para a sala de aula e tive uma boa recepção, apesar de não termos
tido um contato mais direto com os alunos. Era uma situação compre-
ensível, visto que foi a chegada de uma “forasteira” e eles precisaram
se acostumar com a nova presença. Mas, compreende-se que esse é um
momento que demanda paciência, sendo necessário esperar o momento

219
ensino de língua portuguesa no século xxi - relatos de experiência

adequado para uma aproximação. Quanto ao conteúdo, nessa primeira


data, a professora corrigiu com os alunos uma tarefa que haviam feito
na aula anterior. Já na segunda data, levou para eles o texto Recado de
Fantasma, da autora Flávia Muniz, abordando o gênero suspense e, em
conjunto, trabalhou leitura e interpretação de texto, além de temas como
sujeito, predicado, locução verbal, entre outros. Durante a aula, a maioria
da turma foi muito participativa, respondendo às questões avidamente,
além de realizar as atividades no caderno.
Já as visitas do mês de junho foram realizadas nos dias 02 e 30. Na
primeira data, durante a aula, a professora fez a correção dos exercícios
do livro didático, que os alunos fizeram em seus respectivos cadernos
porque não podiam riscar os livros. Eles fizeram leitura dos textos e
exercícios e, como nas outras visitas, presenciou-se uma participação
bastante ativa. O conteúdo era transitividade verbal e interpretação de
texto. Vez ou outra, os alunos conversavam mais exaltadamente, mas nada
que a professora não conseguisse administrar. Nessa data, houve ainda
um momento de apresentação formal. Os alunos se mostraram curiosos
para conhecer a “forasteira”. Muitas perguntas foram feitas: idade, signo
e diversas outras que incentivaram a motivação para ensinar. A apresenta-
ção foi um momento divertido, no qual foi possível perceber que ficaram
mais relaxados com a nova presença em sala. Os alunos são educados e
carinhosos, mas, vez ou outra, precisam de avisos para manter o foco.
É interessante relatar uma estratégia utilizada pela professora para
garantir que eles mantenham esse foco, a qual, inclusive, será levada
para a futura prática profissional. A professora dá pontos aos alunos ao
participarem ativamente das tarefas em sala, o que os torna ainda mais
proativos.
Na segunda data, foi o momento em que iniciamos o projeto de
leitura e levamos os alunos para a biblioteca da escola. O projeto foi
uma ideia concebida sobre o ensino de cultura afro-brasileira - visto que,
na época, houve interlocução do estágio com uma disciplina chamada

220
ensino de língua portuguesa no século xxi - relatos de experiência

Literatura Infantojuvenil Africana, da graduação. Com o decorrer das


semanas, a Prof.ª Raquel também gostou da ideia e apoiou sua execução,
cedendo um dos livros, que estava disponível na biblioteca da escola,
sobre o assunto pensado. Desse modo, o exemplar oferecido pela profes-
sora tornou o projeto mais leve e fascinante, visto que se tratava de uma
releitura da tradição africana inserida na sociedade brasileira.
Tal temática é indispensável, visto que o povo brasileiro é formado
por uma cultura mista, envolvendo europeus, índios e africanos, sendo
estes dois últimos os menos comentados. Como é possível notar em
nossa sociedade, tudo o que é referente a cultura dos negros, quando
se é dito, é algo demasiadamente raso ou preconceituoso, uma vez que
a religiosidade de matriz africana não é vista com bons olhos por uma
sociedade apegada aos costumes cristãos - reflexo da colonização. Assim,
nós, futuros educadores, não podemos permitir que a intolerância resista
e, por isso, devemos usar a literatura para desconstruir estereótipos e
discriminações racistas que ainda habitam nos pensamentos de muitos.
O livro selecionado foi Os Nove Pentes d’África, da autora brasileira
Cidinha da Silva. A obra compõe uma narrativa identitária, contextuali-
zada no ambiente familiar e descrita de forma ressignificada e reedificada
para que o povo negro seja respeitado. É um gracioso vínculo entre a
realidade e a ficção, apreciando africanidades e questões sociais vigentes.
Como um resumo simples da obra, podemos dizer que se trata da história
do avô Francisco e da avó Berna. A trama volta-se para o presente que o
avô dá a seus netos: nove pentes que representam a individualidade de
cada um, além do valor sentimental que carregam.
No entanto, antes de iniciar a leitura da obra, provocamos ques-
tionamentos nos alunos, perguntando o que sabiam acerca da África.
Inúmeras respostas foram recebidas, como “é o começo do mundo”, “é
um continente rico em minérios”, mas que “só tem gente doente, princi-
palmente as crianças”, “o ensino é precário” e “não há pessoas brancas”.
Um cenário preocupante, porém, infelizmente, é o que também mostram

221
ensino de língua portuguesa no século xxi - relatos de experiência

os meios de comunicação, principalmente a televisão. A visão de uma


África exaurida, carente e selvagem foi, aos poucos, sendo desconstruída
para os alunos, ressaltando, sobretudo, que era uma visão estereotipada de
todo um continente, que se forma com diversos países, idiomas e traços
culturais ricos e diversos.
Logo, houve a explicação de que, sim, havia cidadãos brancos em
todo o continente africano, assim como havia crianças saudáveis. Foi
fundamental ressaltar que, como em muitos países do mundo, há sempre
um lugar que precisa mais do que o outro, e um exemplo claro disso é o
próprio Brasil. Analisamos cada ponto escalado pelos alunos, mostrando
que alguns estavam certos e outros errados e exagerados. Em seguida,
comentamos a motivação para falar da África no projeto, também apre-
sentamos a Lei n° 10.639, de 9 de janeiro de 2003, a qual determina
como obrigatório o ensino de cultura afro-brasileira nas escolas, mas que
poucos professores realmente cumprem. Ademais, conversamos sobre o
quão necessário é refletir sobre este tema, porque ainda há muitas pessoas
negras combatendo o racismo. Estudar a cultura afro-brasileira significa
aprender sobre o respeito à diversidade.
Os alunos sentaram-se em duplas, pois não havia um exemplar para
todos - o que não atrapalhou a aplicação do projeto -, e se mostraram
interessados em realizar a leitura do primeiro capítulo do livro, que
abordava como o casal de protagonistas havia se conhecido. Poucos
demonstraram ter dificuldade com a interpretação das palavras ou com
pausas em determinadas pontuações gráficas, os que demonstraram di-
ficuldade eram auxiliados pelos próprios colegas, pela bolsista ou pela
professora. Junto com os alunos, contextualizamos cada parágrafo, man-
tendo a atenção para o local, a paisagem criada no imaginário coletivo,
aos tempos verbais e, também, para quem era o narrador, pois este não se
apresentou no começo, apenas no final do capítulo através de um artigo
definido feminino. O texto narrativo já era de conhecimento deles, dado
que a Prof.ª Raquel já havia feito um projeto de leitura com contos sobre
a figura da mulher na literatura.

222
ensino de língua portuguesa no século xxi - relatos de experiência

Ainda sobre a leitura do primeiro capítulo, foi possível realizar uma


saudável e prazerosa discussão sobre as antigas tradições africanas, que
permanecem atuais, pois estão inseridas no cotidiano brasileiro. Tendo a
família como base de sua organização social, foi possível que os alunos
compreendessem a maneira como a história era apresentada. Os netos
ouvindo as histórias que lhes davam um ensinamento, o que não é tão
diferente da realidade brasileira, pois também somos ensinados a ouvir
e aprender com as histórias de nossos antepassados. Outro ponto con-
versado foi sobre os períodos tristes que envolviam a história da África.
Ao falar de Angola, se fez necessário falar sobre a escravidão e sobre as
guerras de libertação. Quanto à primeira, comentou-se que, durante este
período histórico do Brasil, muitos escravos foram forçosamente migra-
dos para o nosso país, ressaltando a violência que marca o período. As
famílias foram separadas e seus costumes precisaram ser reerguidos em
um lugar que precisariam chamar de “lar”. Quanto à segunda, explicamos
que foram lutas armadas contra o colonialismo português, que perdurou
por anos e, após a libertação, ocorreu uma guerra civil. Desta forma,
ainda que vista de forma sutil - pois não havia tempo para analisar com
o cuidado necessário que um período tão doloroso pede -, foi possível
entender o quanto o homem negro sofreu para ser respeitado e, ainda
assim, a sociedade não os inclui.
No âmbito do projeto de leitura, também conversamos sobre arte.
O protagonista, avô Francisco, era um mestre marceneiro e, depois de
aposentado, tornou-se escultor. Seu trabalho era reconhecido não apenas
por sua família, mas por toda a comunidade em que morava e a que per-
tencia. Quando fala de arte, especificamente de pintura e contemplação,
a história fala sobre algo próximo e, ao mesmo tempo, distante. Explica
que, na tradição, a arte não era estática. As máscaras, tapeçarias, cadeiras
e outros objetos eram utilizados, pois, de acordo com a tradição, o uso
dava vida ao que havia pertencido a alguém.
Todos estes quesitos que apareceram na leitura do primeiro capítulo
foram muito comentados pelos alunos. Afinal, ainda que fosse aula de

223
ensino de língua portuguesa no século xxi - relatos de experiência

língua portuguesa, eles reconheceram que era uma riqueza histórica e,


durante o andamento, faziam perguntas e comparavam com a realidade
que vivenciavam. Logo, o primeiro dia foi muito satisfatório, pois per-
mitiu ver os alunos ansiosos e esperando pela leitura, interagindo com o
texto. Vemos, assim, um diálogo com a BNCC, que define o texto como
o lugar de interação para que haja o processo de construção de sentidos.
A visita seguinte aconteceu no dia 11 de agosto, também na sala
de leitura, acontecendo quase da mesma forma que a visita anterior.
Digo quase, porque as coisas nunca acontecem outra vez da mesma
maneira, Heráclito já nos deu essa lição. No entanto, fizemos uma breve
recapitulação sobre o que havíamos conversado, relembrando o que eles
recordavam sobre a África e o motivo pelo qual o projeto foi iniciado,
ao que recebemos respostas satisfatórias, visto que ainda se lembravam
da lei sancionada em 2003. Com este ponto de partida, seguimos com a
leitura do livro de Cidinha da Silva. Por ter capítulos curtos, foi possível
realizar a leitura dos capítulos 2, 3 e 4.
No segundo capítulo, tivemos a apresentação de mais personagens,
descobrindo os nomes de outros netos e filhos do casal protagonista, assim
como os sinais de cansaço apresentados pelo personagem principal, por
conta da idade. Após a contextualização, relembramos a importância da
reunião que o avô fazia com os netos, das lições de vida que eram tiradas
dali e dos pontos fortes, característicos de determinados personagens. Ao
final do capítulo, tivemos uma mudança sutil acerca dos acontecimentos,
visto que estávamos entrando em outro campo imaginário. O vô Francis-
co começa a ter um sonho em meio a sua conversa com os netos, o que
nos faz refletir sobre como o narrador, que estava em primeira pessoa,
possuía sua visão distinta do que ocorria, como um ser onisciente. Logo,
a professora indagou a turma sobre as particularidades do texto narrativo,
somada aos tipos de narradores que podem existir em tal tipologia textual.
O título do terceiro capítulo se chamava “da passagem” e, ao fazer a
leitura, foi possível ver o sonho do vô Francisco, do quanto o imagético

224
ensino de língua portuguesa no século xxi - relatos de experiência

inserido ali estava relacionado a seres - humanos e animais, do mundo


real e o do mundo fictício, pois foram mencionados personagens de
filmes dos anos 50, final dos anos 70 e dos anos 90 - que não estavam
mais no mundo dos vivos. Os alunos não demoraram a compreender o
que sucederia e logo explicamos o quanto os sonhos eram significativos
para a cultura africana, visto que, de acordo com a tradição, era através
dos sonhos que as pessoas recebiam mensagens dos deuses e de seus
antepassados. Com isso, os alunos levantaram conclusões e compreen-
deram que se tratava de um presságio, pois o título ajudava a entender
o que viria posteriormente.
O quarto capítulo se chamava “da despedida” e, de forma muito
poética, demonstrou-se como o vô Francisco seguiu seu caminho. Para
auxiliá-los na compreensão, comentamos que, na tradição africana, o
tempo não era interpretado como o nosso, acompanhando os ponteiros
do relógio. Apesar de cronológico, era relacionado ao espaço e tempo
de uma determinada data. Era a forma como acompanhavam colheitas,
nascimentos, entre outros acontecimentos. Sobre a morte, na tradição,
era vista de outra forma, posto que o familiar estava mudando do plano
visível para o invisível. Então, era comum que comemorassem a partida
de seus familiares. Não significava que não havia tristeza, mas que, com
o passar do tempo, reconheceriam sua trajetória enquanto vivo com
muita comida e bebida. Conversando com os alunos, vimos que, apesar
da cultura brasileira não ter esse rito de passagem, pois o luto está arrai-
gado aos costumes pós-colonização, ocidentalização e principalmente,
cristianização, não significava que não reconhecíamos os feitos daqueles
que se foram. Além disso, pontuamos que a forma como a tradição reagia
ao luto era, e é, algo cultural.
A terceira visita ocorreu no dia 25 de agosto, e desta vez, não fomos
para a biblioteca devido a uma paralisação que acontecia na escola. Dessa
forma, fomos para a sala de aula. Por ser o encerramento, provemos uma
folha contendo o capítulo 9, chamado “da admiração”, um resumo de
todos os pentes e seus significados e um conto da literatura oral e tra-

225
ensino de língua portuguesa no século xxi - relatos de experiência

dicional de Angola, a fim de realizar a leitura e discutir as informações


contidas nesses materiais. Apesar de darmos um salto com a leitura do
livro, isso não interferiu na interpretação dos fatos.
Cada parágrafo foi lido com atenção e, durante as pausas, dialo-
gamos sobre o que acontecia. A narradora finalmente foi revelada e,
realizando uma homenagem ao seu avô na roda de capoeira, contou
sobre uma vivência de quando era criança, enquanto ainda frequentava
a escola. Bárbara era o nome da neta, ela confessou ter sofrido uma
agressão verbal e racista de um colega de turma, o que a fez reagir e
agredi-lo fisicamente. Além disso, apenas os responsáveis da Bárbara
foram chamados à escola para conversar com a diretora, mas não sobre
o desrespeito padecido, e sim porque, por ser menina, aquela não foi
uma atitude correta. Na sequência, a própria diretora demonstrou uma
atitude preconceituosa com a personagem, pois, após acariciar o cabelo
da menina, limpou os dedos na própria vestimenta.
A leitura deste trecho nos levou a uma intensa reflexão sobre o pre-
conceito racial, pois muitos alunos se identificaram e relataram sobre algo
que vivenciaram ou viram alguém sofrer. Tão logo alguém contou sobre
a forma que havia sido julgado por usar um uniforme de escola pública,
passamos a conversar sobre outros tipos de discriminações, incluindo a
xenofobia e o racismo estrutural. A concordância foi unânime ao dizer
que a sociedade precisa reconhecer e corrigir esse erro tão intrínseco nas
pessoas, do quanto o racismo gera inúmeras formas de agressões e que
atitudes como essas não podem ser normalizadas.
Ademais, outra observação foi a visão machista pontuada pela per-
sonagem funcionária da escola, assim como a reação do avô Francisco.
Conversando com os alunos, eles comentaram que, se o avô tivesse
chegado de forma agressiva, teríamos outra moral da história, mas o avô
chegou sendo educado, apesar de transtornado por só ele ter sido cha-
mado para aquela reunião. A atitude do personagem foi primordial para
que não fosse entendido como o ensinador de agressividade para a neta

226
ensino de língua portuguesa no século xxi - relatos de experiência

e, além disso, mesmo justificando a reação da menina como um instinto


de defesa, alegou que conversaria com ela para que não se repetisse. A
Prof.ª Raquel também argumentou a respeito deste ponto, valorizando
a questão do “como chegar” e “como falar” numa situação como essa,
demonstrando que é necessária uma postura, ao que os alunos concor-
daram e disseram que se tivesse agido de outra forma, o avô Francisco
teria perdido a razão e outra cena de racismo teria acontecido.
Também dialogamos sobre o significado do título, pois a admiração
foi um dos sentimentos ensinados pelo vô Francisco, ou seja, sobre a ne-
cessidade de “respeitar e louvar o que é do outro sem invejar, sem querer
tomar para si [...] admirar o que está fora da gente e é bonito, sempre
com respeito e uma distância reverente”, bem como o quão importante
é considerar os bons ensinamentos dos mais velhos e, principalmente,
não invejar o que não é nosso, por ser um sentimento que não faz bem.
Com isso, conversamos sobre os termos “inveja branca” e “inveja preta”,
que, até alguns anos atrás, eram utilizados no vocabulário brasileiro com
mais frequência e que, atualmente, não são tão utilizados. Inveja é um
sentimento ruim, independentemente da cor, mas a “inveja branca” era
considerada mais leve, porque tudo o que fazia referência à cor preta
era ruim. Essa conversa fez com que muitos outros termos que possuem
significado racista fossem comentados e repudiados.
Em seguida, comentamos sobre os demais pentes mencionados no
livro e seus respectivos donos. Cada pente possuía um valor importante
e fazia referência a memórias e a cultura africana. Sem demora, lemos
o conto popular angolano chamado “Os dois construtores” e comentei
como era diferente das histórias que o avô Francisco contava aos seus
netos, visto que era diferente do texto oral. No que tange a sua estrutura,
o angolano é mais curto, não possui muita descrição sobre o espaço e o
tempo, mas a característica em comum era que possuíam uma moral, ou
seja, um ensinamento para a vida. Para concluir o trabalho, fizemos uma
breve dinâmica, perguntando “Qual pente desejava receber?” e “Com
qual pente desejava presentear um colega e por quê?”. As perguntas

227
ensino de língua portuguesa no século xxi - relatos de experiência

geraram um diálogo construtivo e divertido, muitos alunos receberam o


pente da sabedoria, da alegria, do amor e da perseverança, incluindo a
professora e a bolsista.
Por fim, ainda que as duas turmas tivessem ritmos diferentes, a apli-
cação do trabalho foi muito significativa. Em ambas, houve entusiasmo,
mesmo que desafiador, em observar e ouvir os pontos de vista dos alunos.
Com o livro Os nove pentes d’África, tivemos a possibilidade de novas
descobertas e oferecemos a possibilidade, para os alunos, de darem seu
ponto de vista diante da turma, seja individual ou coletivo, ouvir e ser
ouvido, coisas que acontecem pouco nos dias de hoje, porque muitos
costumam se impor sem esperar o próximo e, na sala de aula, o respeito
precisa prevalecer. Fundamental ressaltar que a obra é extremamente
rica para resgatar a memória e a ancestralidade, reforçando o quanto é
repudiável todo e qualquer comportamento racista e que os direitos e
deveres devem ser igualitários, independentemente da cor de sua pele e
ou gênero ao qual se identifica.

Considerações finais

Colocar em palavras todas as experiências vivenciadas aos longos


desses meses de trabalho no projeto “Ensino de língua portuguesa no
século XXI – pesquisa, teoria e prática” é uma tarefa árdua. Assim, es-
peramos que com este breve relato tenhamos conseguido demonstrar a
relevância de iniciativas como as desenvolvidas neste projeto. A univer-
sidade, muitas vezes, pode cometer o equívoco de negligenciar um dos
pilares do tripé acadêmico, voltando-se apenas para o ensino e pesquisa
e ignorando a necessidade da extensão. Projetos como esse permitem um
diálogo equilibrado entre os pilares, beneficiando quem mais necessita
da universidade: a comunidade.
A realidade para os futuros profissionais da educação é complexa e
cheia de desafios, mas os projetos desenvolvidos nas escolas municipais
de Niterói nos demonstraram como a sala de aula é um lugar de expe-

228
ensino de língua portuguesa no século xxi - relatos de experiência

riências. Durante esses meses, presenciamos alunos que não gostavam


de ler se interessando pelas histórias, alunos refletindo sobre as próprias
vidas e representando isso em textos, alunos discutindo importantes te-
máticas sociais, alunos descobrindo e desenvolvendo habilidades, ideias,
sonhos e vontades que não sabiam possuir. Iniciativas como essa são
fundamentais para relembrarmos o motivo de escolha por essa profissão
e inspirar pessoas que, assim como nós, são futuros professores, ao
reforçar que, longe de ser o único detentor do conhecimento e muito
mais do que guiar o ensino, os professores são verdadeiros mediadores
de potencialidades.

229
ensino de língua portuguesa no século xxi - relatos de experiência

SOBRE OS AUTORES

ANGELA BITTENCOURT MACHADO


Professora da rede pública municipal de Niterói, com atuação na Escola Municipal
Paulo Freire. Formada em Letras (Português e Literaturas) pela Universidade Federal
Fluminense, onde também concluiu o curso de Pós-graduação lato sensu - Especia-
lização em Literatura.

BÁRBARA DE BRITO CAZUMBÁ


Doutora em Língua Portuguesa pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro
(UERJ), onde também concluiu o mestrado em Língua Portuguesa (2017) e cursou
a graduação em Letras Português-Literaturas (2014). Obteve título de especialista
em Políticas Públicas de Enfrentamento à Violência contra a Mulher pela Pontifícia
Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio) em 2018. Professora da rede
pública municipal de Niterói há três anos e professora da rede pública municipal de
Duque de Caxias há sete anos. Tem interesse na área de Análise do Discurso, com
ênfase na Semiolinguística.

ESTER DE BARROS GOES


Professora das Redes Públicas Municipais de Ensino de Araruama e Niterói. Mestran-
da em Letras (PROFLETRAS) pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (FFP-
-UERJ), e bolsista da CAPES. Especialista em Língua Portuguesa, pela Universidade
do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e pelo Liceu Literário Português. Graduada em
Letras (Português e Literaturas de Língua Portuguesa), pela Universidade Estácio
de Sá (UNESA).

GLEICE COELHO GOMES DA SILVA


Mestre em Letras pelo Programa de Mestrado Profissional em Letras - Profletras - da
Universidade do Estado do Rio de Janeiro (2019) e formada em Letras (Português-
-Literaturas) pela mesma instituição. Professora II de Língua Portuguesa da Fun-

230
ensino de língua portuguesa no século xxi - relatos de experiência

dação Pública Municipal de Educação de Niterói, desde 2005. Atualmente, integra,


também, a equipe da Coordenação de Programas Artístico-literários da Secretaria
Municipal de Educação de Niterói - SME, atuando em projetos de promoção da
leitura literária e formação do leitor-autor para alunos do Ensino Fundamental da
rede pública de Niterói.

IVO DA COSTA DO ROSÁRIO


Graduado em Letras (Português, Inglês e respectivas literaturas) pela UERJ e gra-
duado em Pedagogia pela UNIRIO. É mestre e doutor em Letras Vernáculas pela
UFRJ e é mestre e doutor em Letras pela UFF. Tem pós-doutorado em Estudos de
Linguagem pela UFRN. Atualmente é professor associado de Língua Portuguesa e
coordenador do Programa de Pós-graduação em Estudos de Linguagem da UFF. É
líder do CCO (Grupo de Pesquisa Conectivos e Conexão de Orações - cco.sites.uff.
br) e membro do grupo D & G (Grupo de Estudos Discurso e Gramática - deg.uff.br),
ambos sediados na UFF. É membro do GT Descrição do Português da ANPOLL. É
Jovem Cientista do Nosso Estado, pela FAPERJ. É membro da comissão científica da
área de Sintaxe da ABRALIN. É bolsista de produtividade em pesquisa pelo CNPq.
É perito judicial do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro e do Estado de
São Paulo. Atua principalmente nas seguintes áreas: funcionalismo, construciona-
lização, mudanças construcionais, morfossintaxe, conexão de orações e conectivos.

JÚLIA DOS REIS RODRIGUES BENEVIDES


Mestranda em Teoria e Análise Linguística no Programa de Pós-Graduação de Estu-
dos de Linguagem da Universidade Federal Fluminense (UFF). Formada em Letras
(Português-Literaturas) pela UFF, onde foi bolsista de Iniciação Científica pelo CNPq,
na área de Linguística, e bolsista pela CAPES no Programa Institucional de Bolsas de
Iniciação à Docência (Pibid). É professora da rede particular e corretora de redações.

LAYZA DA SILVA TOBIAS DO NASCIMENTO


Formada em Letras (Português-Grego) pela Universidade Federal Fluminense (UFF),
onde foi bolsista do PIBID, na mesma área de formação. Tem interesse em língua
portuguesa e literatura.

LETÍCIA FERNANDES FRANCO


Coordenadora pedagógica de Língua Portuguesa, da Diretoria de 3º e 4º ciclos, na
rede pública municipal de Niterói, e professora de Língua Portuguesa na rede pú-
blica estadual do Rio de Janeiro. Mestre em Letras pela Faculdade de Formação de

231
ensino de língua portuguesa no século xxi - relatos de experiência

Professores da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (FFP/UERJ). É especialista


em Leitura e Produção de Textos e graduada em Letras (Português-Literaturas) pela
Universidade Federal Fluminense (UFF). É membro pesquisadora do Grupo de Pes-
quisa PROFJUS - Formação de Professores, Linguagens e Justiça Social, sediado
na FFP/UERJ. Atuou como professora de Língua Portuguesa na rede municipal de
ensino das cidades de Cabo Frio, Araruama e Nova Iguaçu.

LUCIA TEIXEIRA
Professora titular de Linguística da Universidade Federal Fluminense (aposentada),
professora de Semiótica no Programa de Pós-graduação em Estudos de Linguagem
da UFF, pesquisadora visitante no Programa de Pós-graduação em Letras da FFP-
-UERJ, pesquisadora do CNPq e líder do Grupo de Pesquisa em Semiótica e Discurso
– SeDi-UFF. É mestre em Letras pela UFF e doutora em Linguística e Semiótica
pela Universidade de São Paulo. Realizou estágio de pós-doutorado na Universidade
de Limoges, na França. Foi Cientista do Nosso Estado da FAPERJ e presidente da
Associação Brasileira de Estudos Semióticos (ABES). É autora e organizadora de
livros, capítulos de livros e ensaios em periódicos nacionais e estrangeiros, na área
de semiótica, e de obras didáticas de Português, em coautoria com Silvia Maria de
Sousa, Karla Faria e Nadja Pattresi.

MARIANGELA RIOS DE OLIVEIRA


Professora Titular do Departamento de Letras Clássicas e Vernáculas da Universidade
Federal Fluminense (UFF) e docente permanente do Programa de Pós-Graduação em
Estudos de Linguagem/UFF. Pesquisadora nível 1B do CNPq e Cientista do Nosso
Estado da Faperj. Líder do Grupo de Estudos Discurso & Gramática – UFF e sócia
honorária da ABRALIN, que presidiu no biênio 2015-2017 e da qual foi conselheira de
2018 a 2021. Membro do Grupo de Trabalho “Descrição do português” da ANPOLL.
É autora e coautora de uma série de publicações, entre artigos científicos, capítulos
de livros e organização de coletâneas, voltadas para a análise da morfossintaxe do
português em perspectiva funcional, algumas na interface com o ensino de língua
na Educação Básica do Brasil.

232
ensino de língua portuguesa no século xxi - relatos de experiência

MAYRA LAURINDO RABELLO


Graduanda em Letras (Português-Espanhol) pela Universidade Federal Fluminense
(UFF), bacharel em Biblioteconomia e Documentação pela mesma instituição.

MONCLAR GUIMARÃES LOPES


Professor adjunto do Departamento de Letras Clássicas e Vernáculas e do Programa
de Pós-Graduação em Estudos da Linguagem da Universidade Federal Fluminense.
Doutor em Estudos Linguísticos e mestre em Língua Portuguesa pela Universidade
Federal Fluminense. É especialista em Língua Portuguesa e Literatura Brasileira e
graduado em Letras-Inglês pela Ferlagos. É vice-líder do Grupo de Estudos Discur-
so & Gramática – UFF e membro pesquisador do Grupo de Pesquisa Conectivos e
Conexão de Orações (CCO) – ambos sediados na UFF, além de membro do Grupo
de Trabalho Descrição do Português da ANPOLL. É autor de artigos publicados
em revistas especializadas e em anais de congressos e de materiais para EAD. Tem
experiência na área de Letras, atuando nos seguintes temas: Linguística Funcional
Centrada no Uso, referenciação e ensino de Língua Portuguesa.

RAFAELA REIS CARVALHO


Graduanda em Letras (Português-Literatura) pela Universidade Federal Fluminense
(UFF) com ingresso no ano de 2020. Possui experiência com Educação Infantil e
Ensino Fundamental, e interesse pela área de Língua Portuguesa e Literatura nos
anos iniciais.

RAQUEL MARQUES DA SILVA LAGOA


Professora da rede municipal de Niterói, com atuação na E.M. Altivo César há 24
anos. Mestranda no Programa de Pós-Graduação em Letras na área de Estudos de
Língua da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Licenciada em Letras
(Português-Inglês) pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Tem Especialização
nas áreas de Literatura de Língua Inglesa e Linguística Aplicada ao Ensino de Língua
Inglesa, ambas pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Tem interesse na área
de ensino de Línguas, leitura e produção de textos.

THAÍS DE ARAUJO OGEDA


Mestranda no Programa de Pós-Graduação de Estudos de Linguagem da Universi-
dade Federal Fluminense (UFF). Formada em Psicologia e em Letras (Português-
-Espanhol) pela UFF.

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