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EDUCAÇÃO E

FORMAÇÃO HUMANA:
práticas de enfrentamento
em tempos de crise
Maria Vilani Cosme de Carvalho
Eliana de Sousa Alencar Marques
Francisco Antonio Machado Araujo
Organização

EDUCAÇÃO E
FORMAÇÃO HUMANA:
práticas de enfrentamento
em tempos de crise

2020
Reitor
Prof. Dr. José Arimatéia Dantas Lopes

Vice-Reitora
Profª. Drª. Nadir do Nascimento Nogueira

Superintendente de Comunicação
Profª. Drª. Jacqueline Lima Dourado

EDUCAÇÃO E FORMAÇÃO HUMANA:


práticas de enfrentamento em tempos de crise

© Maria Vilani Cosme de Carvalho • Eliana de Sousa Alencar Marques


Francisco Antonio Machado Araujo

1ª edição: 2020

Revisão
Francisco Antonio Machado Araujo

Editoração
Francisco Antonio Machado Araujo

Diagramação
Wellington Silva

Capa
Mediação Acadêmica

Editor
Ricardo Alaggio Ribeiro

EDUFPI – Conselho Editorial


Ricardo Alaggio Ribeiro (presidente)
Acácio Salvador Veras e Silva
Antonio Fonseca dos Santos Neto
Wilson Seraine da Silva Filho
Gustavo Fortes Said
Teresinha de Jesus Mesquita Queiroz
Viriato Campelo

Ficha Catalográfica elaborada de acordo com os padrões estabelecidos no

19 módulos
Código de Catalogação Anglo-Americano (AACR2)

E21 Educação e formação humana: práticas de enfrentamento em tempos de crise /


Maria Vilani Cosme de Carvalho, Eliana de Sousa Alencar Marques, Francisco 53 módulos
Antonio Machado Araujo, organizadores. – Teresina: EDUFPI, 2020.

E-book.

ISBN: 978-65-86171-10-5

1. Educação.  2. Pesquisa Científica.  3. Práticas Educativas.  I. Carvalho,


Maria Vilani Cosme de (Org.).  II. Marques, Eliana de Sousa Alencar (Org.).  III.
Araujo, Francisco Antonio Machado (Org.).  IV. Título.

CDD: 370.7

Bibliotecária Responsável:
Nayla Kedma de Carvalho Santos CRB 3ª Região/1188
DOI: 10.29327/521046
Link de acesso: https://doi.org/10.29327/521046
SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO 7
Maria Vilani Cosme de Carvalho

EDUCAÇÃO, FORMAÇÃO HUMANA E


PROCESSOS EDUCATIVOS: CAMINHOS 23
DA PESQUISA EM EDUCAÇÃO
Maria Vilani Cosme de Carvalho
Eliana de Sousa Alencar Marques
Cristiane de Sousa Moura Teixeira

UMA NECESSIDADE HISTÓRICA:


COMPREENDER A POLÍTICA EDUCACIONAL
COMO EXPRESSÃO DAS CONTRADIÇÕES DA
53
SOCIEDADE DE CLASSES
Maria de Fátima Felix Rosar

AS IMPOSIÇÕES DO CAPITAL NAS ATUAIS


REFORMAS EDUCACIONAIS: ALINHAMENTO
ENTRE A EC 95/2016, A REFORMA DO ENSINO
73
MÉDIO E OS INTERESSES ECONÔMICOS
Maria Escolástica dos Santos
Gorete Rodrigues de Amorim

TEORIAS FEMINISTAS PÓS-COLONIAS


E DESCOLONIAIS E A TEORIA DAS
REPRESENTAÇÕES SOCIAIS: O ENCONTRO
101
POSSÍVEL NA PESQUISA EM EDUCAÇÃO
Ana Célia de Sousa Santos
Licia de Souza Leão Maia
PRÁTICAS DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO:
DISCUTINDO MÉTODO E METODOLOGIA 139
Ivana Maria Lopes de Melo

A AVALIAÇÃO DA APRENDIZAGEM NO
CONTEXTO DO ENSINO SUPERIOR: 163
IMPLICAÇÕES NA PRÁTICA DOCENTE
Joelson de Sousa Morais
Maria Noraneide Rodrigues do Nascimento
Francisca Eudeilane da Silva Pereira

ENSINO E PESQUISA NA GRADUAÇÃO E NA


PÓS-GRADUAÇÃO: EXPERIÊNCIAS NO CAMPO
DA PSICOLOGIA SÓCIO-HISTÓRICA
179
Silvia Maria Costa Barbosa
Elza Helena da Costa Barbosa
Antônia Batista Marques
Júlio Ribeiro Soares

DAS RELAÇÕES PSICOLOGIA SÓCIO-HISTÓRICA


E PSICOLOGIA ESCOLAR E EDUCACIONAL: 197
RELATOS DE EXPERIÊNCIA E PESQUISA
Carla Andréa Silva
Ana Gabriela Nunes Fernandes
Algeless Milka Pereira Meireles da Silva

FORMAÇÃO DOCENTE E OS DESAFIOS POSTOS


PELA PRÁTICA DO PROFESSOR 215
Ana Gabriela Nunes Fernandes
Lucélia Costa Araújo
Maria de Nazareth Fernandes Martins
Maria Vilani Cosme de Carvalho

EXPERIÊNCIAS E PERCEPÇÕES DE PROFESSORES,


EGRESSOS E ACADÊMICOS SOBRE OS SABERES 231
DA PRÁTICA DE ENSINO NO FAZER DOCENTE
Maria Lourdene Paula
Franc-Lane Sousa Carvalho do Nascimento
Cleia Maria Lima Azevedo

SOBRE OS ORGANIZADORES E AUTORES 257


APRESENTAÇÃO

Maria Vilani Cosme de Carvalho

Mais uma vez os homens, desafiados pela


dramaticidade da hora atual, se propõem a
si mesmos como problema. Descobrem que
pouco sabem de si, de seu “posto no cosmos”,
e se inquietam por saber mais. Estará, aliás, no
reconhecimento do seu pouco saber de si uma
das razões desta procura. Ao se instalarem na
quase, senão trágica descoberta do seu pouco
saber de si, se fazem problema a eles mesmos.
Indagam. Respondem, e suas respostas os levam
a novas perguntas. (FREIRE, 2005, p. 31)

R
ecorremos ao pensamento de Paulo Freire para
justificar a relevância da discussão sobre o
tema “Educação e formação humana: práticas
de enfrentamento em tempos de crise” e reafirmar, com esse
autor, nosso compromisso ético e político com a vida humana,
conforme produzimos conhecimento sobre a humanidade
que se constitui nas práticas educativas que são desenvolvidas
nos diferentes contextos educativos. Assim, colocar o tema

APRESENTAÇÃO 7
educação e formação humana no centro da discussão, nos dias
atuais, é reconhecer que precisamos continuar a busca sobre
quem somos, mas, sobretudo, reconhecer que somos sujeitos
da nossa própria história, a história dos homens como seres
no e com o mundo; é colocar no centro do debate não apenas
o problema da humanização, mas também da desumanização
como realidade histórica; é pensar, sentir e agir considerando
“[...] humanização e desumanização, dentro da história, num
contexto real, concreto, objetivo, são possibilidades dos homens
como seres inconclusos e conscientes de sua inconclusão.”
(FREIRE, 2005, p. 32).
Os textos que compõem os capítulos desta coletânea
avivam o debate humanização versus desumanização produzida
na sociedade capitalista, tendo como recorte o contexto das
práticas educativas, porque são produtos das discussões
realizadas nas Mesas Temáticas do I Encontro de Pesquisa
em Educação e Formação Humana (EDUFOH). Vale ressaltar
que esse evento científico, ao adotar como objetivo geral “[...]
aprofundar a discussão científica sobre as determinações que o
contexto histórico, cultural e econômico imprimem à formação
de educadores e educandos, e, por conseguinte, às atividades
desses sujeitos na realidade objetiva, em especial, no contexto
educacional [...]”, elege como foco da discussão as pesquisas
realizadas na interlocução da tríade educação, formação
humana e processos educativos, concentradas no tema
“Educação e formação humana: práticas de enfrentamento em
tempos de crise”. Para nós, pesquisadores da área da educação,
discutir essa temática significa promover condições para que
educadores e educandos se apropriem de conhecimentos que
possam orientar a compreensão de que o desenvolvimento
de uma sociedade justa e igualitária só poderá se realizar por
meio de práticas de formação humana que contribuam para a

8  Maria Vilani Cosme de Carvalho


qualificação de profissionais capazes de dirigir suas ações para
este objetivo.
Assim, os autores dos textos que compõem os capítulos
deste livro, considerando as especificidades de seus objetos
de estudo e dos fundamentos teórico-metodológicos que os
orientam, contemplam a tríade educação, formação humana
e processos educativos ao discutirem as seguintes temáticas:
o processo de humanização na sociedade capitalista; o
impacto das políticas educacionais da sociedade capitalista
e as possibilidades da educação crítica; as reformas
educacionais sob a lógica do sistema capitalista e a luta pela
educação emancipadora; as questões de gênero nos contextos
educacionais; as questões teórico-metodológicas das práticas
de pesquisa educacional; experiências de ensino e de pesquisa
na graduação e na pós-graduação; formação de professores;
a aprendizagem mediada pelas tecnologias e a atuação do
psicólogo escolar e educacional; docência universitária;
educação infantil; educação básica; ensino superior; didática;
estágio supervisionado; práticas de ensino; avaliação da
aprendizagem; dentre outros.
De modo geral, a discussão é sobre temáticas ligadas à
educação, em especial ao sistema de ensino, à qualidade da
educação escolar, à formação de educadores e educandos e,
ainda, aos processos educativos como resultado da relação
educação, formação humana e realidade social.
A despeito de considerarmos a relação dialética teoria e
prática na discussão da relação educação e formação humana,
as especificidades de cada um dos 10 capítulos apresentados,
sobretudo o gênero textual acadêmico, foi o critério para
agrupá-los em quatro eixos. O primeiro, introdutório da
temática educação e formação humana; o segundo aglutina
as discussões sobre as políticas educacionais; o terceiro,
as questões relativas às teorias e às práticas de pesquisa em

APRESENTAÇÃO 9
educação; e o quarto traz relatos de pesquisa empírica, de
revisão de literatura e de experiência na docência.
Para introduzir a discussão sobre a temática do primeiro
eixo, as autoras do capítulo “Educação, formação humana e
processos educativos: caminhos da pesquisa em educação”,
tendo como mediação a atividade de pesquisa em educação,
especialmente a escolar, objetivam demarcar que esse é o
processo de produção histórica e coletiva da humanidade, e
colocam em evidência o compromisso ético-político que o
educador deve ter na defesa e na garantia de que todos os homens
e todas as mulheres desenvolvam suas singularidades, tendo
como norte a apropriação e a objetivação de toda a produção
histórica, social e cultural da humanidade. Para tanto, recorrem
aos fundamentos teórico-metodológicos do Materialismo
Histórico Dialético, da Psicologia Histórico-Cultural e da
Pedagogia Histórico-Crítica, visto que esses dão condições ao
pesquisador de apreender a essência dos processos educativos,
em especial, do ser professor, o que significa apreender ao
máximo os nexos e as relações que constituem seu pensar, sentir
e agir. Os leitores irão acompanhar, ao longo do texto, que a
ideia central defendida pelas autoras, neste capítulo, faz coro
à proposição de Paulo Freire de que “Ninguém educa ninguém,
ninguém educa a si mesmo, os homens se educam entre si,
mediatizados pelo mundo”. (FREIRE, 2005, p. 78).
O segundo eixo temático é composto por dois capítulos
que tratam da extemporaneidade das políticas públicas
brasileiras voltadas para a educação. Neles, as autoras recorrem
aos fundamentos teórico-metodológicos do Materialismo
Histórico Dialético para defender a necessidade de compreender
e até mesmo de transformar radicalmente a sociedade em que
vivemos, para que a educação possa, de fato, cumprir a sua
tarefa de mediar o processo de humanização.

10  Maria Vilani Cosme de Carvalho


Desse modo, o segundo capítulo, “Uma necessidade
histórica: compreender a política educacional como expressão
das contradições da sociedade de classes”, contribui na
discussão sobre educação e formação humana na medida em
que a autora sistematiza argumentos teórico-práticos para
defender que, na sociedade capitalista, são necessárias práticas
de enfrentamento em tempos de crise. Dentre essas práticas,
está a própria necessidade de se compreender a estrutura
e a dinâmica sociais, lutar contra a execução de políticas
educacionais que não garantem educação de qualidade para
todos os brasileiros e mantêm em funcionamento um sistema
educacional responsável por desqualificar o desenvolvimento
humano. Ao longo do texto, a autora desenvolve vários
argumentos que fazem o leitor compreender que, no processo
de transformação dessa sociedade, a prioridade é a formação
humana omnilateral, mediada pela educação crítica e, para
isso, “[...] vislumbra-se como estratégico potencializar a ação
teórico-prática fundamentada no materialismo histórico-
dialético, como arma teórica/política/ideológica fundamental
e necessária, [...]”. (vide este capítulo).
Ampliando a discussão sobre o impacto das políticas
educacionais no desenvolvimento da sociedade brasileira, em
especial na formação humana, as autoras do terceiro capítulo
desenvolvem argumentos para explicar “As imposições do
capital nas atuais reformas educacionais: alinhamento entre
a ec 95/2016, a reforma do ensino médio e os interesses
econômicos”, mas sem perder de vista o pressuposto
fundamental da relação intrínseca existente entre Estado,
Capital e trabalho. Os leitores poderão observar que as autoras
são convincentes ao esclarecem que a lógica orientadora
das reformas educacionais é a lógica do sistema capitalista,
sobretudo no atual contexto de crise. Segundo elas, como a
educação é aliada fundamental no processo de implantação

APRESENTAÇÃO 11
e disseminação dessa lógica perversa, o sistema educacional
passa a preparar o aluno com base nas competências e nas
habilidades exigidas pelo mercado de trabalho em crise. A
discussão sobre a relação educação e formação humana
perpassa todo o texto, mas vai ficando mais evidente quando
elas explicam que, se na proposta de educação neoliberal
não há espaço para desenvolvimento do pensamento crítico,
então, não há possibilidade de desenvolvimento humano, isto
é, do indivíduo elevar sua relação com o gênero humano. Ao
contrário, com o caráter perverso dessas políticas educacionais,
o que temos é um processo de desumanização, o qual está
expresso de diferentes formas pelas autoras quando destacam,
por exemplo, a precarização do trabalho, o aprofundamento
da pobreza material e espiritual de gerações, a expropriação da
condição de acesso ao conhecimento científico e o adoecimento
físico e psíquico de professores. A defesa das autoras é de que,
no modelo de sociedade que vivemos, “[...] a educação e demais
necessidades da humanidade somente serão superadas com a
superação do trabalho explorado pelo trabalho emancipado,
o que não é possível em nenhum tipo de sociedade de classes”.
(vide este capítulo). Isto implica na necessidade de transformar
radicalmente a sociedade em que vivemos para garantir a
educação humana.
Estudar profundamente a estrutura e a organização
da sociedade capitalista e lutar pela sua transformação são
caminhos apontados pelas autoras dos capítulos 2 e 3 para o
desenvolvimento de práticas de enfrentamento ao processo de
desumanização que estamos vivendo nesse tempo de crise. Em
defesa dessas práticas, isto é, das práticas que rompem com
a lógica do capital e façam avançar em direção a educação
que vá além do capital, concordamos com as autoras quando
recorrem a Mészáros (2008, p. 76) para explicar que a tarefa

12  Maria Vilani Cosme de Carvalho


histórica da educação é a de “transformação social, ampla e
emancipadora”.
O terceiro eixo temático agrega os capítulos que discutem
não apenas alternativas teórico-metodológicas para produzir
conhecimento sobre a realidade educacional, mas também
as possibilidades de transformação das práticas de pesquisa
historicamente instituídas sob os preceitos da ciência moderna,
ampliando as possibilidades de se produzir conhecimentos na
área de educação com potencial transformador das práticas
sociais.
Com esse propósito, as autoras do quarto capítulo,
“Teorias feministas pós-colonias e descoloniais e a teoria das
representações sociais: o encontro possível na pesquisa em
educação”, seguem a lógica destas teorias como alternativas
teórico-metodológicas para as pesquisas na área da educação,
destacando os possíveis encontros entre elas. Tomando por
base um estudo bibliográfico, foi possível constatar que as
contribuições das Teorias Feministas pós-colonias e descoloniais
são necessárias na medida em que fazem a crítica aos pontos
centrais da ciência moderna, como a universalização do
discurso em torno de um sujeito único, que é heteronormativo
e masculino, questionando modelos generalizantes, como os
de família nuclear, mulher, homem, pois esses modos de ser
dependem do modo como é organizada cada sociedade em
diferentes contextos históricos, culturais e geográficos. No
texto, as autoras explicam que a possibilidade de encontro
entre essas duas teorias ocorre na medida em que permite o
reconhecimento do que pensam mulheres e homens sobre si
mesmos e sobre suas relações, possibilitando o questionamento
dos papéis atuais exercidos por mulheres e homens, assim
como permite a construção de novas relações de gênero
baseadas no respeito e na equidade. Para nós, a discussão
sobre as Epistemologias Feministas contribui na compreensão

APRESENTAÇÃO 13
da relação educação e formação humana na medida em que
“[...] proporciona momentos de problematização sobre a
desconstrução de estereótipos que estão fixos nos corpos,
mentes e afetos de ‘mulheres’ e ‘homens’ (heterossexuais,
homossexuais, bissexuais, transexuais, dentre outros)”. (vide o
capítulo deste livro).
Ao tecer consideraçoes sobre as “Práticas de pesquisa
em educação: discutindo método e metodologia”, a autora do
quinto capítulo desenvolve vários argumentos para evidenciar
ao leitor que a produção de conhecimentos científicos na
área de educação está em constante movimento e revela-
se interligada às cadeias e aos processos sociais e, por isso,
tem mobilizado pesquisadores para a produção de métodos
especiais que possibilitem produzir conhecimentos na área
da educação com potencial transformador das práticas
sociais. Em defesa das possibilidades que temos de negar as
tradições dominantes de fazer pesquisa em educação, que são
fundamentadas na lógica formal e no método positivo, e de
realizar pesquisas críticas, a autora discute o valor heurístico
daquelas fundamentadas no Materialismo Histórico Dialético
para argumentar que a história da produção do conhecimento
é devir e, por isso, defende: “A mobilização de pesquisadores na
área de educação para a produção de métodos especiais que
partem da vida que se vive e propõem condições de reflexão,
compreensão, interpretação e transformação dos problemas
do homem e do mundo contemporâneo é a possibilidade de
reelaboração desta história” (vide este capítulo), a história da
produção do conhecimento da humanidade.
Com a argumentação desenvolvida nestes dois capítulos,
o leitor compreende que a produção de novas possibilidades
nas pesquisas em educação passa necessariamente pelas
proposições teórico-metodológicas que articulem método
e metodologia, o que exige, do pesquisador, romper com a

14  Maria Vilani Cosme de Carvalho


lógica formal e adotar a lógica dialética. Compartilhamos
dessa ideia, porque entendemos, assim como Ferreira (2017,
p. 60), que a dialética, no caso a materialista, “[...] expressa
as leis da natureza e da vida social, à base de princípios e de
categorias que orientam o movimento do pensamento no
sentido da produção do conhecimento e da prática social como
processos de desenvolvimento”. Defendemos, assim, que, sob
os fundamentos dos princípios, das leis e das categorias do
Materialismo Histórico Dialético, é possível a produção de
conhecimentos que possam orientar o desenvolvimento de
práticas educativas de enfrentamento à educação deformadora
do homem.
O quarto eixo temático é o que comporta o maior numero
de capítulos e reúne os relatos de pesquisa e de experiência
docente que apresentam o conhecimento produzido sobre
as práticas educativas, em especial as ações desenvolvidas no
campo do ensino, da pesquisa, da orientação de trabalhos
acadêmicos e da atuação do psicólogo escolar.
Abrindo esse eixo temático temos o sexto capítulo,
intitulado “Avaliação da aprendizagem no contexto do ensino
superior: implicações na prática docente”. Essa produção,
embora seja um relato de pesquisa, apresenta discussão
teórico-metodológica que ilustra outra possibilidade real
de se fazer pesquisa em educação, recorrendo a dispositivos
metodológicos que rompem com as tradições modernas de
fazer pesquisa, e intervém na realidade investigada, porque cria
possibilidades de transformação das práticas educativas por
meio do que denominam de pesquisa-formação. O texto é de
autoria de pesquisadores de três instituições de ensino e trata-
se de um estudo que focaliza os Memoriais de Formação como
recurso metodológico de pesquisa, de avaliação e de formação,
tendo como fundamento teórico-metodológico autores que
discutem as narrativas (auto)biográficas em educação. Ao

APRESENTAÇÃO 15
se apropriarem dessas ideias, os leitores vão entendendo as
relações educação e formação humana, porque os Memoriais
de Formação, ao se constituírem em dispositivo metodológico
de pesquisa e de avaliação da aprendizagem de alunos do
ensino superior, são também dispositivos de formação e (auto)
formação. Esse potencial formativo dos memoriais se revela na
medida em que, no processo narrativo da história de vida, vai
criando possibilidades de reflexão das experiências e vivências
de formação e de prática docente. Para os autores, de modo
geral, “[...] não se trata apenas de um dispositivo de avaliação,
porque o Memorial de Formação ultrapassa essa perspectiva, se
tornando mesmo um dispositivo de reflexão, compreensão
e entendimentos outros, fundamentais na formação e
articulações com os vários níveis de subjetividade, e por meio
dos processos que os façam refletir num futuro bem próximo,
ao se encaminharem para o desenvolvimento profissional,
gerando possibilidades transformadoras e emancipatórias”.
(vide este capítulo).
O sétimo capítulo, Ensino e pesquisa na graduação
e na pós-graduação: experiências no campo da Psicologia
Sócio-Histórica, contempla discussão sobre três experiências
de ensino e de pesquisa em nível de graduação e de pós-
graduação. Tendo por fundamento teórico a Psicologia Sócio-
Histórica, os autores explicam que compreendem a realidade
– no caso, a atividade de ensino e de pesquisa – como um
fenômeno multideterminado por uma dimensão que é social e
histórica. Como as três experiências são formativas, pois tratam
de atividade de ensino-aprendizagem, a relação educação e
formação humana vai sendo discutida quando é evidenciado
que a atividade de pesquisa gera desenvolvimento humano.
Essa situação é ilustrada pela experiência de fazer mestrado,
viver a iniciação científica e elaborar o trabalho de conclusão de
curso, visto que oportuniza discussões teóricas e metodológicas

16  Maria Vilani Cosme de Carvalho


nos encontros do grupo de pesquisa, nas aulas das disciplinas
ministradas, nas orientações e nos estudos individuais que
proporcionaram a produção de novas significações sobre ser
professor que irão orientar a formação e a prática dos futuros
profissionais. São as possibilidades de desenvolvimento humano
vivendo essas experiencias que justificam “[...] a postulação da
tese de que a educação é um meio fundamental da formação
humana, sobretudo no que diz respeito ao campo da atividade
de ensino e pesquisa que a constitui”. (Vide este capítulo).
No oitavo capítulo, “Das relações entre Psicologia
Sócio-Histórica e Psicologia Escolar e Educacional: relatos de
experiência e pesquisa”, as três autoras compartilham suas
experiências de pesquisa e de atuação na área da Psicologia
Educacional e Psicologia Escolar, tendo como eixo teórico
comum a Psicologia Sócio-Histórica. Assim, considerando
o potencial dessa abordagem teórica na explicação do
desenvolvimento humano, os três relatos contemplam discussão
sobre a relação educação e formação humana na medida
em que abordam os processos que envolvem a formação de
professores, a aprendizagem mediada pelas tecnologias e a
atuação do psicólogo escolar. O primeiro relato, “Encontros
e desencontros entre a Psicologia da Educação e a prática
pedagógica”, tem como foco a análise das significações de
professores sobre a relação entre formação docente e prática
pedagógica, como mediação constituinte do ser professor. O
segundo, “Contexto, atividade e interação: reflexões a partir
de experiências subjetivas de aprendizagem de universitários”,
discute alguns conceitos centrais acerca das experiências
de aprendizagem mediada pelas tecnologias. O terceiro
relato, “Contribuições da Psicologia Sócio-Histórica para
a compreensão do processo de desenvolvimento no fazer do
Psicólogo Escolar e Educacional que atua na Educação Infantil:
relato de experiência”, refere-se basicamente às contribuições

APRESENTAÇÃO 17
da teoria de Vygotsky para compreendermos a atuação do
psicólogo no contexto educativo. Em síntese, nesses três relatos,
os leitores irão encontrar evidências empíricas que destacam
o potencial da Psicologia Sócio-Histórica na explicação da
formação humana, sobretudo em relação à constituição de
profissionais capazes de compreender criticamente a escola,
os alunos e os processos educativos em curso como atividades
humanas mediadas por múltiplas determinações.
As autoras do nono capítulo, “Formação docente e
os desafios postos pela prática do professor”, ao abordar
questões determinantes e determinadas pelos processos de
formação de professores para atuar na Educação Infantil e
na Educação Superior, discutem, em três relatos de pesquisa,
a formação dos professores dos referidos níveis de ensino
diante das demandas emergentes na prática que desenvolvem,
contribuindo, assim, com a discussão da relação educação e
formação humana. O primeiro relato, “Formação docente:
necessidades formativas dos professores da educação infantil”,
é produto de uma revisão de literatura que, ao objetivar analisar
os processos formativos de professoras da Educação Infantil,
evidencia o caráter mediador desses processos na produção
de condições favoráveis ao desenvolvimento de uma prática
pedagógica humanizadora. O segundo relato, “Diálogos entre
formação docente e prática pedagógica: reflexões sobre a
disciplina Psicologia da Educação”, contempla os resultados
de uma pesquisa empírica que objetivou analisar o processo de
apropriação dos conceitos ensinados na disciplina Psicologia
da Educação e a objetivação desses na prática pedagógica de
professoras da Educação Infantil. Os resultados dessa pesquisa
evidenciam que as significações produzidas sobre os conceitos
dessa disciplina na prática pedagógica orientaram as ações das
professoras, de modo totalizante, considerando, sobretudo,
as possibilidades para realização da práxis. O terceiro relato,

18  Maria Vilani Cosme de Carvalho


“A formação do professor universitário: uma revisão de
literatura”, discute as especificidades da formação do professor
universitário e revela a necessidade de espaços formativos que
considerem, para além do aprofundamento em determinada
área do conhecimento, a apropriação de saberes didático-
pedagógicos necessários à docência. Na leitura dos três relatos,
os leitores irão entender a relação educação e formação humana
nos argumentos desenvolvidos para evidenciar que a formação
docente consiste em processo complexo e multideterminado,
visto que é mediado por particularidades inerentes ao que se
espera da prática a ser realizada por esses profissionais nas
diferentes etapas e nos diversos níveis da educação.
O décimo e último capítulo, “Experiências e percepções
de professores, egressos e acadêmicos sobre os saberes da
prática de ensino no fazer docente”, apresenta o relato de três
pesquisas que discutem as práticas de ensino, considerando
as dimensões pedagógicas, didáticas e científicas, tendo como
perspectiva a atuação de professores da educação básica, suas
necessidades formativas e a visão comparativa e específica
da experiência de formação da Universidade do Brasil e de
Portugal. Com a leitura dos três relatos, o leitor vai certificar-
se de que a condição para que o trabalho docente não caia
no espontaneísmo é com formação que garanta apropriação
dos conhecimentos necessários, tanto os científicos quanto os
específicos da área e os didáticos. A discussão empreendida
pelas autoras contempla a relação educação e formação
humana quando, ao discutirem o potencial da Didática,
do Estágio Supervisionado e dos fundamentos teóricos e
metodológicos na orientação das práticas de ensino, colocam
em evidência a formação do professor em uma perspectiva
alicerçada na reflexão, na autonomia e na possibilidade
mediadora do professor na formação dos alunos.

APRESENTAÇÃO 19
Assim, os relatos de pesquisa e de experiência docente
desse quarto eixo são apresentados como possibilidades
de conhecimentos que podem fundamentar práticas de
enfrentamento à desumanização gestada pelo sistema
capitalista. Dentre essas práticas, são destacadas as relativas
às ações de ensino, de pesquisa, de orientação de trabalhos
acadêmicos, da atuação do psicólogo.
De modo genérico, com a leitura dos 10 capítulos desta
coletânea, os leitores poderão se apropriar de conhecimentos
que lhes possibilitarão refletir diferentes questões relativas
à educação, à escola, ao sistema de ensino, à formação e à
prática docente, bem como às condições objetivas e subjetivas
a partir das quais os profissionais da educação desenvolvem
suas práticas educativas no sistema escolar que temos. A ideia
é de que, com o conhecimento apresentado neste livro, o leitor
se inquiete por saber mais e desperte para novas possibilidades
de fazer o conhecimento avançar.
Para finalizar, cabe esclarecermos que, ao trazermos
à tona a discussão sobre a temática educação e formação
humana, temos consciência de que esses dois conceitos
podem ser compreendidos como sinônimos de humanização,
o que se configura, evidentemente, como pleonasmo, mas um
pleonasmo intencional. Isso porque nossa intenção foi, na
verdade, de reforçar o debate sobre as condições concretas nas
quais a educação escolar está se processando, conforme explica
Saviani (2012, p. 126): “[...] não como formação do homem,
mas como sua deformação”. Mas como a desumanização não
é vocação histórica dos homens, há possibilidades concretas
de desenvolvermos práticas de enfrentamento e estas vão
em direção ao que Freire (2005, p. 32) denomina de luta
pela desumanização, esclarecendo, com ele, que a luta pela
emancipação das pessoas como seres para si “[...] é possível
porque a desumanização, mesmo que seja um fato concreto

20  Maria Vilani Cosme de Carvalho


na história, não é, porém, destino dado, mas resultado de
uma ‘ordem’ injusta que gera a violência dos opressores e
esta, o ser menos”. Nesse sentido, a educação pode vir a ser
uma possibilidade concreta somente se for desenvolvida na
perspectiva da formação humana; da educação que medeia a
formação da humanidade em todos os homens e mulheres.
Retomando a ideia de Paulo Freire na epígrafe que abre essa
apresentação, cabe ressaltar que sistematizar o conhecimento
apresentado nas Mesas Temáticas do I Encontro de Pesquisa
em Educação e Formação Humana (EDUFOH) é, sem dúvidas,
suscitar o debate sobre as possibilidades de desenvolvermos
práticas de enfrentamento à desumanização produzida na
sociedade que temos vivido atualmente. É, também, despertar a
curiosidade do leitor para conhecer mais, se inquietar por saber
mais sobre a tríade educação, formação humana e processos
educativos. Isso porque é o conhecimento produzido sobre o
processo de humanização e de desumanização que pode nos
ajudar não apenas responder à pergunta “Quem somos?, mas
também elaborar novas perguntas.
Como este livro é uma coletânea de textos de vários
autores, cabe lembrar ao leitor que a compreensão expressa em
cada um dos textos sobre as temáticas discutidas, bem como a
estrutura e a escrita, são de responsabilidades dos respectivos
autores.

Referências

FERREIRA, Maria Salonildes. Para não dizer que não falei de


método. IBIAPINA, Ivana Maria L. de M; BANDEIRA, Hilda
Maria M. Formação de professores na perspectiva histórico-
cultural: vivências no Formar. Teresina: EDUFPI, 2017. p. 57-
96.

APRESENTAÇÃO 21
FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro: Paz e
Terra, 2005.

MÉSZÁROS, István. Para além do capital: rumo a uma teoria


da transição. 1. ed. revista. São Paulo: Boitempo, 2011.

SAVIANI, Demerval. Debate sobre educação, formação


humana e ontologia a partir da questão do método dialético.
In: SAVIANI, Demerval; DUARTE, Newton. (Org.). Pedagogia
histórico-crítica e luta de classes na educação escolar.
Campinas, SP: Autores Associados, 2012. p. 121-147.

22  Maria Vilani Cosme de Carvalho


EDUCAÇÃO, FORMAÇÃO HUMANA E
PROCESSOS EDUCATIVOS: CAMINHOS
DA PESQUISA EM EDUCAÇÃO

Maria Vilani Cosme de Carvalho


Eliana de Sousa Alencar Marques
Cristiane de Sousa Moura Teixeira

“Mas a essência do homem não é uma abstração


inerente ao indivíduo singular. Na sua realidade,
ela é o conjunto das relações sociais” (MARX;
ENGELS, 1998, p. 101).

Introdução

I
niciar a discussão sobre a relação educação, formação
humana e processos educativos como mediação da
atividade de pesquisa em educação, especialmente a
escolar, com essa assertiva que Marx e Engels produziram em
suas reflexões acerca da VI tese sobre Feuerbach, tem a intenção
de, não apenas demarcar que esse é o processo de produção
histórica e coletiva da humanidade, mas também que temos
um compromisso ético-político: a defesa e a garantia de que

EDUCAÇÃO, FORMAÇÃO HUMANA E PROCESSOS EDUCATIVOS: 23


CAMINHOS DA PESQUISA EM EDUCAÇÃO
todos os homens e as mulheres desenvolvam sua singularidade,
tendo como norte a apropriação e a objetivação de toda a
produção histórico-social e cultural da humanidade.
De outro modo, essa assertiva suscita questionamentos,
do tipo: o que entendemos por essência humana? O que
significa, para nós, a essência humana ser o conjunto das
relações sociais? Bem, a discussão desses questionamentos
norteia a produção de argumentos, não apenas teóricos, mas
também práticos.
A despeito da indissociabilidade teoria e prática, o
primeiro argumento é uma tentativa de descrevermos, em termos
práticos, a essência humana, isto é a humanidade. Assim sendo,
notamos a essência humana nos modos de manifestação do
pensar, sentir e agir de cada ser humano ao longo da vida. Para
nós, isso significa que a humanidade está expressa nos órgãos
da individualidade, que vão dos sentidos – visão, audição,
tato, olfato – até pensamento, gosto, vontade, atitude, etc
(MARX, 2001), em atividades como brincar, estudar, trabalhar
(LEONTIEV, 1978), mas, sobretudo, nas funções psicológicas
superiores, como pensamento lógico, pensamento abstrato,
atenção dirigida, memória lógica, imaginação, etc (VIGOTSKI,
1996, 2000), dentre outros aspectos como crenças, valores,
interesses, expectativas. Todas essas qualidades exclusivamente
humanas são formas apropriadas e objetivadas de relações
sociais. É o desenvolvimento ininterrupto de todas elas, ao
longo da ontogênese humana, que garante a humanidade em
cada homem e mulher de todas as raças, etnias, culturas e
classes sociais.
Outro argumento, agora no campo eminentemente
teórico, é a discussão das relações sociais numa acepção
mais ampla, pois assim é possível compreendermos, também,
porque Vigotski (2000), parafraseando Marx, afirma,
categoricamente, que o homem é um agregado de relações

24  Maria Vilani Cosme de Carvalho • Eliana de Sousa Alencar Marques


Cristiane de Sousa Moura Teixeira
sociais encarnadas num indivíduo. Esse postulado de Vigotski
está discutido nos Manuscritos de 1929 e tem a força teórica de
nos fazer compreender que: “A natureza psicológica da pessoa
é o conjunto das relações sociais, transferidas para dentro e
que se tornaram funções da personalidade e formas da sua
estrutura.” (VIGOTSKI, 2000, p. 27).
Não obstante, o que devemos compreender pelo
conjunto das relações sociais? Primeiramente, convém ressaltar
que as relações sociais que produzem a humanidade não são
meramente as interpessoais e nem as circunstanciais com o
meio ambiente. Elas estão para além das relações imediatas
com a sociedade, porque se referem, notadamente, às relações
de produção da vida material dos homens (MARX; ENGELS,
1998), ao conjunto da produção humana (LEONTIEV, 1978),
isto é, ao meio social e cultural (VIGOTSKI, 2000). Nesses
termos, relações sociais englobam o social e o cultural e se
expressam nas múltiplas formas de interação social, nos modos
de organização social e política, nos objetos, nos sistemas de
signos, nos fatos, nas situações, nos grupos, nas instituições e
nas práticas sociais, dentre outros aspectos. Pino (2000), ao
discutir “O social e o cultural na obra de Vigotski”, sistematiza
argumentos para apreendermos a complexidade dos dois
planos que envolvem as relações sociais, o da organização
social e os das relações pessoais. Por isso, o autor é enfático ao
afirmar:

[...] podemos pensar que as relações sociais constituem


um complexo sistema de posições sociais e de papéis
associados a essas posições que define como os atores
sociais se situam uns em relação aos outros dentro de
uma determinada sociedade e quais são as expectativas de
conduta ligadas a essas posições. (PINO, 2000, p. 64)

EDUCAÇÃO, FORMAÇÃO HUMANA E PROCESSOS EDUCATIVOS: 25


CAMINHOS DA PESQUISA EM EDUCAÇÃO
“Nesse sentido, podemos dizer que cada pessoa é em
maior ou menor grau o modelo da sociedade, ou melhor, da
classe [social] a que pertence, já que nela se reflete a totalidade
das relações sociais”. (VIGOTSKI, 1996, p. 368). Em síntese,
as relações sociais referem-se à própria história do homem,
notadamente à história da produção pelos homens das suas
condições sociais de existência. Condições estas que são
produzidas em um dado contexto social, histórico e cultural e
produzirão as múltiplas determinações que irão dar existência
à humanidade que se constituirá em cada homem como ser
singular. Por isso, buscamos Vigotski (2018, p. 90), mais uma
vez, para reiterar que “[...] o homem é um ser social e, fora da
relação com a sociedade, jamais desenvolveria as qualidades, as
características que são resultado do desenvolvimento metódico
de toda a humanidade”. Enfim, compreender por que a essência
humana é o conjunto das relações sociais, significa que “[...]
a humanização do ser biológico específico só se dá dentro da
sociedade e pela sociedade.” (MARX; ENGELS, 1998, p. XXIV).
Constatar a essência humana expressa nos diversos modos
de pensar, sentir e agir humano nos remete a outra questão
fundamental: como ela se constitui? Conforme já ressaltamos,
é nas relações sociais. Mas como ocorre esse processo de
tornar-se humano? Responder a essa questão requer produzir
conhecimento que sistematize argumentos que possam explicar
a dialética indivíduo e relações sociais. Do que foi discutido
acima, já podemos afirmar que a humanidade não é dada
naturalmente ao homem; ao contrário, é processo, e, como tal,
é social e historicamente constituída, especialmente por meio
do trabalho, que é, conforme Marx e Engels (1998), o ato que
produz a essência humana. Antunes (2018, p. 32), ao discutir
a teoria da formação humana em Marx, nos ensina o valor do
trabalho no processo de humanização, quando explica:

26  Maria Vilani Cosme de Carvalho • Eliana de Sousa Alencar Marques


Cristiane de Sousa Moura Teixeira
Na ”escola do trabalho” os seres humanos criam a si
próprios e se humanizam, isto é, se fazem humanos ao
produzir e reproduzir as condições de sua vida material
e simbólica. Sem a “‘escola do trabalho”, portanto,
não constituem nem imediata, nem mediadamente,
nem objetiva, nem subjetivamente, nem universal, nem
particular, nem singularmente as características que lhes
definem como seres humanos. Tampouco engendram, sem
por ela passar, as condições materiais e espirituais de sua
alienação, bem como de sua emancipação.

É, portanto, pelo trabalho que o homem se forma e se


transforma continuamente. Como o trabalho, assim como as
demais atividades humanas, é decorrência das relações sociais
que são produzidas em um determinado contexto histórico, a
humanidade também é histórica, é determinada pelas múltiplas
e mútuas relações que o homem mantém com a realidade
histórico-social. É essa dialética, homem e mundo, mediada
pelo trabalho, que será aprofundada na segunda parte deste
artigo. Nela, vamos discutir o processo de humanização do
homem ressaltando que a formação humana que temos hoje
está sendo produzida nas relações sociais típicas do século
XXI, visto que os modos de ser dos homens, a humanização ou
a desumanização, forma e se transforma na dialética com as
transformações históricas, isto é, com os modos de produção
da existência humana. Em outras palavras, a discussão irá
esclarecer que a forma e o conteúdo da formação humana são
determinados pela forma e pelo conteúdo das relações sociais
em determinada sociedade.
Para atingir a plena humanização, vivenciar processos
educativos, sobretudo aqueles que acontecem na escola,
é imperativo. Ao ter como função social possibilitar
apropriação do saber escolar, a instituição escola colabora
no desenvolvimento sociocultural dos alunos na medida em
que promove situações de interação social, isto é, de ensino

EDUCAÇÃO, FORMAÇÃO HUMANA E PROCESSOS EDUCATIVOS: 27


CAMINHOS DA PESQUISA EM EDUCAÇÃO
e aprendizagem, não apenas com pessoas mais desenvolvidas,
mas também com os produtos socioculturais, notadamente
com os tipos de saber objetivo mais desenvolvido, aqueles da
cultura intelectual, como ressalta Duarte (2000)1. É a relevância
da educação escolar como prática social de potência máxima no
processo de humanização que será examinada na terceira parte
deste artigo, dando visibilidade à máxima de Saviani (1995, p.
17): “[...] o trabalho educativo é o ato de produzir, direta e
intencionalmente, em cada indivíduo singular, a humanidade
que é produzida histórica e coletivamente pelo conjunto dos
homens”.
Em concordância com as ideias discutidas, os
fundamentos teórico-metodológicos das nossas reflexões sobre
a tríade educação, formação humana e processos educativos
estão no Materialismo Histórico Dialético, na Psicologia
Histórico-Cultural e na Pedagogia Histórico-Crítica. Desses
fundamentos, temos destacado princípios, leis, categorias
e conceitos que têm orientado nossas práticas docentes, em
especial a orientação das pesquisas que originam dissertações
e teses no Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGEd)
da Universidade Federal do Piauí (UFPI). Essa opção indica que
esses fundamentos dirigem e orientam nosso pensamento e
ações no planejamento e desenvolvimento das pesquisas, isto é,
na elaboração da problemática, nas escolhas metodológicas e
em todo processo de produção do conhecimento. A relevância
desses dispositivos para as pesquisas que temos desenvolvido
está basicamente no fato de dar condições ao pesquisador de
apreender a essência dos processos educativos, em especial, ao

1 Para ampliar a compreensão do que estamos entendendo por pessoa


mais desenvolvida e saber objetivo mais desenvolvido recomendamos a
leitura da obra de Newton Duarte ‘‘A anatomia do homem é a chave da
anatomia do macaco: a dialética em Vigotski e em Marx e a questão do
saber objetivo na educação escolar’’.

28  Maria Vilani Cosme de Carvalho • Eliana de Sousa Alencar Marques


Cristiane de Sousa Moura Teixeira
ser professor, o que significa apreender ao máximo os nexos e
as relações que constituem seu pensar, sentir e agir. Esse é o
foco da discussão que realizamos na última parte deste artigo.

O processo de humanização do ser humano

Iniciamos esta parte do artigo ressaltando que a


compreensão do processo de humanização do ser humano na
perspectiva do Materialismo Histórico Dialético e da Psicologia
Histórico-Cultural passa, necessariamente, pela reflexão acerca
de três questões: o que é o homem? Como o homem torna-se
humano? Como o homem produz a realidade humana?
Nessa direção, nossas reflexões têm o objetivo de
desenvolver argumentos que respondam a essas questões a
fim de esclarecer a seguinte tese: a humanidade não é dada
naturalmente ao ser humano, ela é, antes de tudo, produzida
nas relações sociais que este trava ao longo do seu processo de
desenvolvimento, mediante possibilidades reais e abstratas de
produzir essa realidade.
Comecemos nossa reflexão esclarecendo a primeira
questão levantada: o que é o homem? Para respondê-la,
recorremos a Saviani (2018, p. 245), quando afirma:

O homem, é com efeito, aquele animal que, sem deixar de ser


natural, entra em contradição com a natureza necessitando
negá-la para afirmar sua humanidade, o que ele faz
transformando a natureza e ajustando-a a suas necessidades.
Portanto, enquanto os demais animais têm sua existência
garantida pela natureza bastando-lhes adaptar-se a ela, o
homem precisa produzir sua própria existência. Portanto, ele
não nasce homem, ele se forma homem.

O homem não nasce homem, forma-se homem. Significa,


nas palavras do autor, que o homem nasce como qualquer

EDUCAÇÃO, FORMAÇÃO HUMANA E PROCESSOS EDUCATIVOS: 29


CAMINHOS DA PESQUISA EM EDUCAÇÃO
outro animal, mas na relação com o mundo natural e social,
precisa garantir sua existência. Sua existência como ser
humano, no mundo humano, exige desse ser qualidades que
estão para além da sua condição natural, biológica, herdadas
com o nascimento. As qualidades que dispomos ao nascer
não nos é suficiente para viver no mundo humano de forma
plena. A possibilidade de viver plenamente no mundo dos
homens passa, necessariamente, pelo desenvolvimento de
formações complexas, como assegura Vigotski (2018), e que
só têm possibilidades de serem desenvolvidas pela mediação
das relações sociais. Estamos nos referindo a qualidades
estritamente humanas como: ler, escrever, desenvolver
raciocínio lógico matemático, produzir instrumentos, realizar
trabalho, criar obras de arte, ouvir uma bela música e se
emocionar, ter uma religião, estudar, aprender novas línguas,
usar redes sociais, criar canais de comunicação, criar meios de
transporte, tecnologias, ir à lua, viajar pelo espaço, constituir
laços familiares, enfim, qualidades que só pertencem aos seres
humanos e que só existem como resposta ao atendimento de
necessidades humanas.
Essas qualidades essenciais para a vida em sociedade, em
especial a do século XXI, não são dadas naturalmente ao homem.
Elas resultam de processos sociais desenvolvidos para esse fim,
isto é, o de garantir que homens e mulheres as desenvolvam e,
com isso, possam exercer sua humanidade. É nisso que consiste
afirmar que os homens produzem sua própria existência, ou
seja, que eles precisam produzir qualidades essenciais para
existir no mundo dos seres humanos. Portanto, o homem é
um ser de relações, constitui-se humano em relação com a sua
realidade.
E como ocorre esse processo de humanização?
Perguntando de outro modo: como o homem torna-se
humano? Como o homem desenvolve as qualidades humanas?

30  Maria Vilani Cosme de Carvalho • Eliana de Sousa Alencar Marques


Cristiane de Sousa Moura Teixeira
Já entendemos que homens e mulheres não nascem
dotados das aquisições históricas da humanidade. Não nascem
sabendo ler e escrever, por exemplo. Não nascem conhecendo
as propriedades e os significados dos objetos que os rodeiam.
Essas aquisições – aprender a ler e escrever, conhecer os
objetos e o seu significado social –, por exemplo, resultam do
desenvolvimento das gerações humanas, que, historicamente,
dedicam-se à produção de instrumentos técnicos e simbólicos
necessários para que esse processo de aquisição aconteça.
Essa apropriação só pode acontecer pela mediação de outros
seres humanos que já possuem o domínio sobre esses objetos.
Portanto, apenas se apropriando dessas obras, no decurso
da sua vida, o homem desenvolve propriedades e faculdades
verdadeiramente humanas (LEONTIEV, 1978).
Esse é o processo pelo qual o homem, na relação dialética
que estabelece com o mundo (natural e social), produz a
realidade humana e se autoproduz, num movimento em que,
quanto mais ele se apropria dessa realidade, mais se afasta da
sua condição de ser biológico. Explicando:

É exatamente na atuação sobre o mundo objetivo que o


homem se manifesta como verdadeiro ser genérico. Esta
produção é a sua vida genérica ativa. Por meio dela, a
natureza nasce como a sua obra e a sua realidade. Em
consequência, o elemento do trabalho é a objetivação da
vida genérica do homem: ao não se reproduzir somente
intelectualmente, como na consciência, mas ativamente,
ele se duplica de modo real e percebe a sua própria imagem
num mundo por ele criado. (MARX, 2001, p. 117).

Esse processo de produção e reprodução da humanidade


acontece porque o ser humano realiza trabalho, que é, por
excelência, a atividade social na qual o homem transforma a
realidade e transforma a si mesmo. O trabalho é a atividade

EDUCAÇÃO, FORMAÇÃO HUMANA E PROCESSOS EDUCATIVOS: 31


CAMINHOS DA PESQUISA EM EDUCAÇÃO
humana que garante a produção e a reprodução do gênero
humano, portanto, que funda o mundo dos homens. Para
viver nesse mundo e continuar nesse processo de produção
e reprodução, homens e mulheres precisam desenvolver
qualidades tipicamente humanas. Por conseguinte, amar,
trabalhar, estudar, criar, imaginar, produzir obras de arte,
escrever um livro, formar conceitos, produzir cultura, etc., são
qualidades que pertencem ao gênero humano e que, ao serem
apropriadas por homens e mulheres, ampliam as possibilidades
de viver nesse mundo. Por isso, Marx (2001, p. 141) afirma:

Todas as suas relações humanas com o mundo, a visão,


a audição, o olfato, o gosto, o tato, o pensamento, a
contemplação, o sentimento, a vontade, a atividade, o
amor, em resumo, todos os órgãos da sua individualidade
que, na sua forma, são imediatamente órgãos sociais, são
no seu comportamento objetivo ou na sua relação com
o objeto a apropriação deste, a apropriação da realidade
humana.

A apropriação do gênero humano é, portanto, condição


que eleva as chances de melhorar a qualidade de vida no mundo
dos homens, sobretudo na sociedade que estamos vivendo em
pleno século XXI. Entretanto, esse processo de apropriação da
riqueza humana também não é natural, é eminentemente social
e histórico. Marx (2007) nos alerta que o homem constrói sua
natureza humana e social, porém, não a faz exclusivamente pelo
comando da sua vontade, mas mediado pelas circunstâncias.
Essas circunstâncias são as possibilidades reais que homens
e mulheres encontram e produzem para se apropriar das
objetivações do mundo humano, garantindo, assim, o acesso
aos objetos que lhe conferem ao máximo o atendimento de suas
necessidades, bem como a produção de novas necessidades,

32  Maria Vilani Cosme de Carvalho • Eliana de Sousa Alencar Marques


Cristiane de Sousa Moura Teixeira
elevando, assim, plenamente, o desenvolvimento da sua
humanidade.
São as possibilidades de apropriação desses objetos que
determinam a qualidade do processo de humanização dos seres
humanos. Podemos concluir, assim, que a desigualdade de
possibilidades compromete o desenvolvimento da humanidade
no homem. Essa reflexão enseja imediatamente outra: que
possibilidades de desenvolvimento humano existem numa
sociedade tão desigual como a nossa?
Diferentemente do que se idealiza em nossa sociedade, os
homens não são naturalmente desiguais. A desigualdade surge
e se mantém com a divisão social do trabalho, com as formas
de propriedade privada e com a luta de classes. Ela é, então,
engendrada pela ação das leis objetivas do desenvolvimento da
sociedade que não dependem da consciência ou da vontade de
todos os homens que nela vivem, mas da estrutura das relações
que se constituem no plano social (MARX; ENGELS, 2002).
Para entender como se processam essas relações, basta
observar que, em países como o Brasil, a maioria absoluta
dos homens e das mulheres que trabalha e produz a riqueza
não desfruta dela e nem se relaciona com ela na iminência
de produzir novas qualidades humanas. Por acaso, todos os
homens e as mulheres do Brasil dispõem das mesmas condições
de desenvolvimento humano? Todos(as) os(as) brasileiros(as)
podem escolher viajar para outros países, ou mesmo pelo Brasil,
desfrutando de toda espécie de benesses? Todos(as) os(as)
brasileiros(as) podem ou têm possibilidades de apreciar uma
bela obra de arte? Aprender outras línguas? Conhecer novas
culturas? Receber assistência médica adequada? Ter acesso
a medicamentos que possam salvar sua vida? Estudar em
escolas com excelentes condições de funcionamento? De que
condições de desenvolvimento da sua humanidade os homens
e as mulheres da classe trabalhadora no Brasil dispõem?

EDUCAÇÃO, FORMAÇÃO HUMANA E PROCESSOS EDUCATIVOS: 33


CAMINHOS DA PESQUISA EM EDUCAÇÃO
Enfim, numa sociedade capitalista, em que nem todos têm
condições objetivas e subjetivas de produzir essas qualidades,
porque o acesso a elas não é, em nenhum grau, igualitário
para todas as pessoas, podemos supor que o desenvolvimento
dessas qualidades nem sempre é possível. Ao contrário, na
sociedade capitalista, em especial no Brasil, dependendo da
classe social dos indivíduos, a vida social, as relações com o
trabalho e as relações que são produzidas tendem muito mais
ao processo de desumanização. Basta observar que a grande
maioria de homens e mulheres no nosso país trabalha com a
única finalidade possível: sobreviver. Sobreviver não é qualidade
exclusivamente humana, não requer dos seres humanos nada
além de comer, dormir, se proteger e procriar. Qualidades
comuns a todos os animais.
Diversamente disso, no mundo humano, somente se
apropriando dos objetos historicamente produzidos pela
humanidade e das propriedades que são acumuladas nesses
objetos, podemos desenvolver nossa humanidade. Sobre esse
processo, Leontiev (1978) defende que a apropriação das
objetivações humanas é mediada por um processo também
eminentemente humano, inexistente em qualquer outra
instância que não seja a social. Esse processo é a educação. A
educação, portanto, é a mediação essencial na formação da
humanidade no homem.
Entretanto, não podemos ignorar um fato muito
importante: a educação pode vir a confirmar essa possibilidade,
se, e somente se, ela for desenvolvida na perspectiva da
formação humana, tendo em vista que “[...] educar não é a mera
transferência de conhecimentos, mas sim a conscientização
e testemunho da vida. É construir, libertar o ser humano das
cadeias do determinismo neoliberal, reconhecendo que a
história é um campo aberto de possibilidades.” (MESZÁROS,
2005, p. 13).

34  Maria Vilani Cosme de Carvalho • Eliana de Sousa Alencar Marques


Cristiane de Sousa Moura Teixeira
Finalizamos nossas reflexões nesta parte, reafirmando que
qualidades humanas não são herdadas biologicamente, elas são
produzidas e reproduzidas no plano do social, pela mediação
das ações humanas e de acordo com as possiblidades postas
pela realidade. Diante disso, não podemos ficar indiferentes à
realidade social que nos cerca e nem ao debate que precisa ser
fomentado acerca de como, na sociedade atual, esse acesso
vem sendo garantindo a todos os homens e a todas as mulheres
que precisam constituir sua humanidade.
Em se tratando de educação, o que nos cabe como
educadores é entender que a constituição de seres humanos mais
desenvolvidos do ponto de vista humano passa pelo investimento
em processos educativos capazes de superar a alienação que
a lógica capitalista nos impõe. Disso resulta questionar: Que
educação está sendo realizada nas escolas brasileiras? De quais
possibilidades reais e abstratas os educadores dispõem para
desenvolver a educação para formação humana? Embora essas
questões sejam para fomentar o debate sobre o processo de
humanização em outros espaços tempos, na sequência, iremos
aprofundar a discussão sobre a relação formação humana e
educação escolar na sociedade capitalista.

Formação Humana e Educação Escolar na Sociedade


Capitalista

Sendo a prática educativa a atividade humana que visa


garantir o desenvolvimento histórico de gênero humano no
indivíduo, podemos compreender, com base em Saviani (1984),
que o homem possui uma segunda natureza e que se produz
sobre a base da natureza biofísica. Assim, o trabalho de educar
é o ato de produzir intencional e sistematicamente em cada
indivíduo a humanidade, resultado das conquistas históricas
e da atividade coletiva. O que significa que: cada nova geração

EDUCAÇÃO, FORMAÇÃO HUMANA E PROCESSOS EDUCATIVOS: 35


CAMINHOS DA PESQUISA EM EDUCAÇÃO
não precisa produzir o mundo do zero; a educação escolar é
atividade humana central, primordial da formação humana em
sua especificidade histórica; a educação escolar é o principal
motor de transmissão e apropriação da história social humana.
Assim, entendemos a educação como a via que nos conduz
para o desenvolvimento humano.
É com base nesses argumentos que fundamentamos a
tese que orienta nossa reflexão da formação humana numa
sociedade capitalista: o desenvolvimento livre e universal de
todos os seres humanos é o princípio fundamental que deve
orientar a educação escolar. Isso significa, nas palavras de Duarte
(2016, p. 102), que a educação precisa oferecer as condições
para que o “[...] gênero humano possa tornar efetivas todas
suas potencialidades de desenvolvimento livre e universal e, ao
mesmo tempo, a vida de todos os indivíduos situe-se no mesmo
plano de universalidade e liberdade”. Reconhecemos que este é
um objetivo que se coaduna a outro modelo de sociedade que
ainda não atingimos, mas que, para ser alcançado, precisa haver
a transformação revolucionária que provoque a superação do
atual modelo de sociedade. Este argumento se fundamenta
na teoria da Psicologia Histórico-Cultural, segundo a qual a
educação é uma atividade especificamente humana que visa
à máxima humanização dos indivíduos. É nesse sentido que
afirmamos que a educação se orienta para a criação de uma
vida “acima da natural” e “supranatural”.
Ressaltamos que toda análise da educação escolar e do
processo de formação humana que não considere a realidade
em que esta atividade se desenvolve é uma análise que abstrai
a complexidade do real, que desconsidera a relação entre
educação e sociedade capitalista, portanto, é uma análise
que nega a subordinação da educação ao capital. E, ainda,
é comprometida com a conservação do atual modelo de
sociedade. Logo, podemos afirmar que a educação tem

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Cristiane de Sousa Moura Teixeira
diferentes formas, conforme são os interesses que movem a
sociedade, no intuito de integrar os membros a um determinado
modo de organização da vida social historicamente datada. A
educação é, ao mesmo tempo, conservação e transformação
social, ou seja, uma unidade de contrários que constitui a sua
essência numa sociedade capitalista. Quando é conservação,
a educação é o meio pelo qual a sociedade se reproduz a si
mesma ao longo de seu movimento histórico, pois, conforme
aponta Mészáros (2005), é por meio dela que interiorizamos
o modelo de vida social e, portanto, o legitimamos. Quando
é transformação, é o meio pelo qual desvelamos as relações
entre ela e capital. Nossa posição aqui é pelo desvelamento de
tais relações; é pela revolução e superação desse modelo de
sociedade.
A revolução e a superação desse sistema de relações, do
qual fazemos parte, não ocorre repentinamente, mas se situa
no plano da atividade humana, ou seja, as atividades pelas
quais produzimos e reproduzimos a vida social precisam de
sucessivas mudanças que germinem a mudança radical e, ao
mesmo tempo, essa revolução é condição necessária para que
se efetive a mudança radical nas atividades humanas. Entre
essas atividades, destacamos a educação, e é nessa mesma
direção que afirmamos que ela é um meio para a transformação
social, assim como a transformação social é o meio para que
a educação que vise o desenvolvimento humano, naquela
perspectiva destacada acima, se efetive plenamente.
A educação escolar implica necessariamente definição
de intencionalidade quanto à socialização do conhecimento
em suas formas mais desenvolvidas. Essa intencionalidade
independe de os professores comungarem ou não da concepção
de educação que se coaduna à sociedade socialista, uma vez
que um novo modelo de sociedade resulta das contradições
geradas pelo atual modelo de sociedade, no qual tanto os

EDUCAÇÃO, FORMAÇÃO HUMANA E PROCESSOS EDUCATIVOS: 37


CAMINHOS DA PESQUISA EM EDUCAÇÃO
homens quanto a educação se inserem. Desse modo, muitos
professores, ao se dedicarem e ao assumirem o compromisso
com a socialização do conhecimento científico produzido
pela humanidade, estão colaborando para as possibilidades
de uma educação revolucionária. O ideal de uma educação
revolucionária é que todos os indivíduos se apropriem de
conhecimentos científicos, artísticos e filosóficos. No entanto,
considerando que a intencionalidade orienta a atividade
humana, é importante destacar a necessidade de uma mudança
radical na atividade educativa, a qual deve envolver a consciência
da educação revolucionária. Nessa educação, os professores
estão conscientemente envolvidos com o projeto de revolução
e a atividade de educar segue o movimento do em si na direção
do para si. Entendendo o em si meramente por reprodução
do homem como ser universal, com tendência à alienação e
o para si como reprodução da sociedade, isto é, dos homens
como seres singulares, capazes de desenvolver a humanidade
(DUARTE, 1999 apud HELLER, 1978). Acrescente-se, ainda,
que a intencionalidade requerida pressupõe o posicionamento
político-pedagógico do professor.
A educação escolar, que consiste numa alavanca, o
motor para a transformação do humano e do social, torna-se
também instrumento que visa “[...] fornecer os conhecimentos
e o pessoal necessário à maquinaria produtiva em expansão do
sistema capitalista, mas também gerar e transmitir um quadro
de valores que legitima os interesses dominantes” (SADER,
2008, p. 15). Em outras palavras, para este autor, a educação,
na sociedade capitalista, tornou-se uma peça, um instrumento
que está a serviço da acumulação do Capital e da manutenção
de um determinado conjunto de valores que visa ao consenso
e, por conseguinte, torna real a reprodução do injusto sistema
de divisão em classes sociais. E, ainda, a educação torna-se, ela
mesma, uma mercadoria, algo que tem preço, que se compra,

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Cristiane de Sousa Moura Teixeira
que se vende, do qual se tem lucro. E, nessa lógica capitalista,
o sistema educacional aliena: a formação é do ser em si e não
do ser para si.
Segundo a lógica do desenvolvimento humano, numa
sociedade capitalista, o progressivo desenvolvimento da
humanidade e, por conseguinte, a riqueza material e intelectual
gerada produz, ao mesmo tempo, práticas humanas cada vez
mais ricas e diversificadas, o que aumenta a complexidade
acerca da especificidade da educação, mas também produz
concentração e estratificação dessa riqueza. Essa contradição
pode ser entendida pelo processo de alienação.
Essa alienação é produto da desigualdade social entre
homens, engendrada pelas leis objetivas do desenvolvimento
da sociedade, que, por sua vez, gera formas diversificadas de se
relacionar com as aquisições da humanidade, sejam materiais,
intelectuais ou afetivas. A sociedade capitalista sustenta-se,
entre outras razões, porque há concentração das riquezas
materiais nas mãos de uma classe social que também é a
detentora da cultura intelectual. É a classe dominante que, ao
se apoderar de tais riquezas, também coloca estas à serviço de
seus interesses, produzindo, assim, a estratificação da cultura.
A concentração e a estratificação da cultura, e, por
sua vez, do conhecimento científico, não são as únicas
consequências do processo de alienação. Destacamos como
consequência, também, a luta ideológica, pois os indivíduos
estão agrupados em classes sociais distintas e antagônicas e,
portanto, com interesses divergentes e conflitantes. É para
explicar as consequências dessa luta ideológica entre classes
sociais antagônicas, que recorremos a Leontiev (1978, p. 295),
quando esclarece:

O processo de alienação econômica, produto do


desenvolvimento da divisão social do trabalho e das
relações de propriedade privada, não tem, portanto,

EDUCAÇÃO, FORMAÇÃO HUMANA E PROCESSOS EDUCATIVOS: 39


CAMINHOS DA PESQUISA EM EDUCAÇÃO
por única consequência afastar as massas da cultura
intelectual, mas também dividir esta em elementos de duas
categorias, umas progressistas, democráticas, servindo ao
desenvolvimento da humanidade, e as outras que levantam
obstáculos a este progresso, se penetram nas massas, e
que formam o conteúdo da cultura declinante das classes
reacionárias da sociedade.

Mas há de se considerar que, sendo a realidade social


constituída por uma unidade de contrários, a produção da
alienação também se realiza sob a contradição. Assim, a
educação escolar, a qual, num primeiro momento afirmamos
que aliena, também gera forças de superação da alienação. Não
obstante, para que essas forças atuem contraditoriamente,
é necessário a crítica aos modelos de educação hegemônico,
assim como a crítica a todas as formas de justificar o acesso
desigual ao conhecimento científico, artístico e filosófico.
Sobre isso, Duarte (2016, p. 105) alerta: “[...] todo tipo de
justificativa é empregada para legitimar essa desigualdade de
acesso ao conhecimento: liberdade de mercado, democracia,
respeito às diferenças culturais, pedagogias adequadas aos
novos tempos”. Vale a pena continuar explorando as ideias
desse autor para compreendermos o modo de lidar com essa
contradição. Segundo ele, a superação dessa contradição
se dá pela socialização do saber sistematizado. Mas o que
significa socializar? “Significa ensinar a todos e garantir
que todos atinjam níveis elevados de aprendizagem; ‘do
saber sistematizado’ significa não ceder aos argumentos do
‘relativismo epistemológico e cultural’.” (DUARTE, 2010 apud
2016, p. 35-37).
Dessas ideias, compreendemos também que a educação
para a máxima humanização também desumaniza e, então,
questionamos: para que vale a educação escolar? E respondemos:
para lutar contra a alienação e a desumanização. Mas, para

40  Maria Vilani Cosme de Carvalho • Eliana de Sousa Alencar Marques


Cristiane de Sousa Moura Teixeira
tanto, a luta precisa ser engendrada no cotidiano, buscando
resgatar o sentido estruturante da educação e de sua relação
com a sociedade, bem como destacando as suas possibilidades
criativas e emancipatórias. A educação para transformação
e revolução tem como função transformar o educando em
um agente político que pensa, sente e age usando a palavra
como instrumento para transformar o mundo, o que requer
sair do cotidiano e se apropriar ao máximo das objetivações
do gênero humano. Sendo assim, a educação escolar que
visa ao desenvolvimento humano livre e universal, precisa
assumir o compromisso com a verdade, com o conhecimento
mais desenvolvido de modo a aproximar cada vez mais as
classes menos favorecidas ao conhecimento produzido pela
humanidade. E as pesquisas em educação, em especial aquelas
que são desenvolvidas tendo por base esses fundamentos
teórico-metodológicos, como têm colaborado na produção de
conhecimento sobre e para a formação humana? Sistematizar
argumentos para discutir essa questão é o que faremos a seguir,
para finalizar a discussão sobre a relação educação, formação
humana e processos educativos como mediação da atividade
de pesquisa em educação.

Panorama das pesquisas do NEPSH

Tendo como espaço tempo a UFPI, notadamente o


PPGEd e o Núcleo de Estudos e Pesquisas Histórico Críticas
em Educação e Formação Humana (NEPSH), as pesquisas que
temos desenvolvido, bem como aquelas em desenvolvimento,
têm objetivado

[...] investigar as múltiplas e mútuas particularidades que


constituem e explicam o tornar-se educador e educando
numa perspectiva crítica e emancipadora, bem como,
as múltiplas e mútuas particularidades que medeiam o

EDUCAÇÃO, FORMAÇÃO HUMANA E PROCESSOS EDUCATIVOS: 41


CAMINHOS DA PESQUISA EM EDUCAÇÃO
desenvolvimento de processos educativos que favoreçam
a transformação da realidade social. Assim, a proposta
é colaborar na produção de conhecimentos sobre as
condições objetivas e subjetivas de existência humana que
favoreçam a formação e transformação de profissionais
da educação e de educandos pela mediação dos processos
educativos.2

De modo geral, as pesquisas têm comtemplado


temas relativos aos processos constitutivos da formação
e transformação humana pela mediação da educação,
especialmente aqueles processos relativos ao ser educador,
como docência, formação docente (professores e gestores),
prática educativa, prática docente, prática pedagógica,
identidade docente, desenvolvimento profissional docente,
dentre outros.
No período de 2016 a 2018, as pesquisas vinculadas ao
NEPSH foram desenvolvidas tanto em nível de graduação, na
forma de Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) e de Iniciação
Científica, quanto em nível de mestrado (dissertações) e de
doutorado (teses), as quais relacionamos nos quadros 1 e 2,
logo abaixo.

2 Descrição da linha de pesquisa do PPGEd/UFPI da qual fazemos parte


– “Formação Humana e Processos Educativos”.

42  Maria Vilani Cosme de Carvalho • Eliana de Sousa Alencar Marques


Cristiane de Sousa Moura Teixeira
Quadro 1 – Pesquisas concluídas no período de 2016
a 2018
GRADUAÇÃO PÓS – GRADUAÇÃO
TCC Iniciação Científica Mestrado Doutorado
A dimensão Práticas Significados “Meu mundo
afetiva no pedagógicas e sentidos caiu”! As
processo ensino transformadoras em constituídos significações de
aprendizagem escolas de ensino por professores uma professora
na Educação fundamental de sobre o aprender de ensino médio
Infantil. Teresina: Quais a ensinar e acerca da
são e como se que medeiam atividade de ensino
Aline A. A. constituem essas sua prática aprendizagem de
Macedo. práticas? pedagógica alunos com NEEs

Rosa Mª de O. Sueli Mª de S. Marcia Raika e S.


Soares. Pires Lima

O O processo “A escola A prática


desenvolvimento de formação sacudida em pedagógica
da consciência profissional suas bases”: na educação
cidadã no ciclo mediado pela significações infantil mediada
de alfabetização: atividade de estudo. produzidas pelos conceitos
como as pelo professor da disciplina
educadoras Iacidara L. dos do ensino psicologia da
estão Santos. superior acerca educação:
significando da inclusão de realidade e
esse processo na alunos com possibilidade
escola? NEEs na dialética
apropriação e
Elayna Mª S. Denise M. da C. objetivação
Sousa. Silva
Ana G. N.
Fernandes

EDUCAÇÃO, FORMAÇÃO HUMANA E PROCESSOS EDUCATIVOS: 43


CAMINHOS DA PESQUISA EM EDUCAÇÃO
Pedagogia social: As significações “Será que eu O idealizado e
um novo espaço dos professores do quero mesmo o realizado: as
de atuação ou primeiro ano do ser professora?”: significações sobre
um novo sentido Ensino Fundamental Significações gestão escolar
á pratica do acerca da infância sobre a prática produzidas pelo
pedagogo? e suas implicações docente e sua pedagogo gestor
no processo relação com a
Soraia D. O. pedagógico. constituição da Elizangela F.
Carvalho identidade do Martins
Larucey Mª de professor
Moura.
Luana L. F.
Couto
Concepções
discentes sobre
a realidade e as
possibilidades
dos estágios
supervisionados
para o
desenvolvimento
formativo
no curso de
pedagogia.

Bruna de S.
Cruz.
Fonte: Dados do Currículo Lattes das professoras que orientaram os
trabalhos.

No quadro 1, observamos que as temáticas são relativas


ao pensar, sentir e agir dos participantes envolvidos nas
pesquisas, porque se relacionam à produção de conhecimentos
que podem explicar a dimensão subjetiva do processo de
ensino e aprendizagem, da formação de professores, da prática
do pedagogo, da prática pedagógica, da prática docente, do
estágio supervisionado, da identidade do professor, da gestão
escolar e da inclusão escolar de alunos com Necessidades
Educacionais Especiais (NEEs).

44  Maria Vilani Cosme de Carvalho • Eliana de Sousa Alencar Marques


Cristiane de Sousa Moura Teixeira
Quadro 2 – Pesquisas em andamento no ano de 2018
GRADUAÇÃO PÓS – GRADUAÇÃO
Iniciação Científica Mestrado Doutorado
A relação afeto- Significados Desenvolvimento
intelecto na e sentidos de profissional do professor
produção da educadores que do ensino superior: a
prática pedagógica vivenciam práticas atividade de estudos na
transformadora: educativas afirmativas pós-graduação stricto
o que pensam os em comunidades sensu em educação como
professores? quilombolas realidade e possibilidade
Ananda C. de C. Josélia Saraiva de situações sociais de
Santos desenvolvimento
Francisco A. M. Araújo
Significações de Apropriação e Prática pedagógica
professores sobre objetivação dos da educação infantil
mediação pedagógica conteúdos escolares mediada pela atividade
e qualidade no por alunos do ensino do brincar: Entre
processo ensino e médio as determinações
aprendizagem em Elayna Mª S. Sousa institucionais e as
escolas de ensino necessidades das
médio crianças
Mª de Nazareth F.
Bárbara A. A. Soares Martins
Vamos brincar Das necessidades Docência universitária:
de imaginar? As formativas às A práxis mediada pela
significações dos significações articulação ensino-
professores sobre produzidas por pesquisa-extensão
a imaginação na professores de Lucélia C. Araújo
educação de crianças matemática em
nas séries inicias do atividade de
ensino fundamental. formação orientada
Emerson F. de V. Sena para o ensino que
objetiva apropriação
conceitual
Geane da S. Medeiros

EDUCAÇÃO, FORMAÇÃO HUMANA E PROCESSOS EDUCATIVOS: 45


CAMINHOS DA PESQUISA EM EDUCAÇÃO
Significações O processo formativo
produzidas pelos de professores de
professores do IFPI matemática dos anos
acerca da educação iniciais mediado por
profissional e formação conceitual
tecnológica Isolina C. Damasceno
Dirno V da Costa
Fonte: Dados do Currículo Lattes das professoras que estão orientando os
trabalhos.

No quadro 2, observamos que as temáticas também são


relativas ao pensar, sentir e agir dos participantes envolvidos
nas pesquisas, porque estão relacionadas à produção de
conhecimentos que podem explicar a dimensão subjetiva do
processo de ensino e aprendizagem, da formação de professores,
da prática pedagógica, da prática educacional afirmativa,
da educação profissional tecnológica, do desenvolvimento
profissional e da docência universitária.
A análise dos quadros 1 e 2 evidencia que as pesquisas
desenvolvidas estão voltadas para a leitura histórico-crítica
da realidade educacional, visto que contemplam temáticas
relacionadas à formação humana na medida em que privilegiam
processos educativos que acontecem na escola e, como tais,
medeiam o desenvolvimento e a aprendizagem do ser humano,
conforme concentram a investigação em processos relativos ao
pensar, sentir e agir de professores, gestores e estudantes dos
diferentes níveis e modalidades de ensino.
Em ambos os quadros, os títulos dos trabalhos
indicam que as temáticas estudadas estão fundamentadas
no Materialismo Histórico Dialético, na Psicologia Histórico-
Cultural e na Pedagogia Histórico-Crítica, porque neles
há conceitos e categorias, como mediação, realidade e
possibilidade, apropriação e objetivação, práxis, bem como
afetividade, consciência, atuação, atividade, significado e
sentido, atividade de estudo, atividade de brincar, imaginação,

46  Maria Vilani Cosme de Carvalho • Eliana de Sousa Alencar Marques


Cristiane de Sousa Moura Teixeira
situação social de desenvolvimento, formação conceitual. Em
relação às categorias da dialética materialista, elas são valorosas
no planejamento e desenvolvimento dessas pesquisas, porque
“[...] constituem o dispositivo lógico do pensamento científico
teórico, que é um meio de síntese, criação de novas teorias e
movimento de um conceito a outro que interpreta com mais
profundidade o objeto.” (KOPNIN, 1978, p. 108).
Por sua vez, a Psicologia Histórico-Cultural e a Pedagogia
Histórico-Crítica fornecem apoio às pesquisas que valorizam,
conforme Duarte (2000), o estudo da essência de dado
fenômeno pela análise da sua forma mais desenvolvida.
Metodologicamente, esses fundamentos orientam o
pesquisador a iniciar “[...] pela fase mais desenvolvida do objeto
investigado para então analisar sua gênese e, depois da análise
dessa gênese, retornar ao ponto de partida, isto é, a fase mais
evoluída, agora compreendida de forma ainda mais concreta,
iluminada pela análise histórica” (DUARTE, 2000, p. 102).
Isso implica criar condições metodológicas que possibilitem ao
pesquisador investigar a gênese e o desenvolvimento de dado
processo educativo.
Desse modo, essa base teórico-metodológica, como
fundamento lógico de explicação da realidade social, colabora
na compreensão de que a formação humana que ocorre
sob mediação dos processos educativos, por exemplo, da
formação e da prática docente, é síntese das relações sociais
que educador e educando mantêm com os outros, consigo
mesmo, com a natureza, a sociedade, a cultura e, em especial,
com os conteúdos escolares. Disso depreendemos também a
relevância de o pesquisador e de o pesquisado compreenderem
as particularidades do contexto sócio-histórico no qual
desenvolvemos nossas práticas educativas, pois somente assim
podemos avançar na investigação dos nexos e das relações que
constituem a realidade educacional que vivenciamos. Logo, as

EDUCAÇÃO, FORMAÇÃO HUMANA E PROCESSOS EDUCATIVOS: 47


CAMINHOS DA PESQUISA EM EDUCAÇÃO
pesquisas primam pela análise de processos educacionais ao
invés de objetos, pela explicação dos nexos ao invés da descrição
e pelo movimento das mudanças que culminam na forma atual
e retornam à gênese, o que orienta o pesquisador a considerar
os processos educativos em seu movimento, em sua história e
em sua complexidade (VIGOTSKI, 1994).
Nós, pesquisadoras do NEPSH, realizamos nossos estudos
tendo por norte esses aportes teórico-metodológicos, porque
eles oferecem construtos fundamentais na explicação do ser
humano como sujeito concreto que constitui sua singularidade
na relação com a humanidade, sendo a educação prática social
eminentemente humana que colabora com o processo de
tornar-se humano.

À guisa de síntese

No desenvolvimento de nossa prática docente, seja no


ensino, na pesquisa ou na extensão, ao tomarmos como norte
esses fundamentos teórico-metodológicos, o que almejamos é
colaborar no rompimento de práticas educativas pautadas em
concepções naturalizantes e biologizantes do desenvolvimento
humano. Desse modo, é possível assegurar a realização do ser
genérico do homem, isto é, o desenvolvimento das funções
psicológicas superiores mediado pelas práticas educativas que
são realizadas nas escolas, sobretudo a dos professores.
O compromisso é com a produção de conhecimentos sobre
os processos educativos na mediação da formação humana,
na medida em que investiga as múltiplas determinações que os
constituem. O compromisso é também com o desenvolvimento
de propostas de formação humana voltadas para o pleno
desenvolvimento das funções psicológicas superiores. Por
exemplo, propostas de formação de professores numa
perspectiva crítica e emancipadora e que possam fundamentar
práticas docentes que valorizem o ensino e a aprendizagem

48  Maria Vilani Cosme de Carvalho • Eliana de Sousa Alencar Marques


Cristiane de Sousa Moura Teixeira
do conhecimento científico, da filosofia, da arte, valores,
técnicas, dentre outras produções humanas, pois, somente
pela apropriação e objetivação da produção humana, isto é,
por meio dos conhecimentos produzidos historicamente pelos
homens. é possível o desenvolvimento da humanidade.
Reiteramos que os argumentos aqui desenvolvidos
– para aprofundar a discussão sobre a tríade Educação,
Formação Humana e Processos Educativos, explicitando
os caminhos teórico-metodológicos que temos percorrido
no desenvolvimento das nossas práticas educativas, em
especial a realização de pesquisas –, são para evidenciar o
nosso compromisso ético e político com a formação que
cria possibilidades de ocorrer o desenvolvimento pleno
de pesquisadores e pesquisados. Isso significa, para nós,
compromisso com a formação de educadores comprometidos
com educação, escola e ensino que possam assegurar a todos o
desenvolvimento do ser genérico do homem e o reconhecimento
da própria humanidade e da condição de cidadão inserido
numa dada coletividade.

Referências

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Marx. Campinas, SP: Papel Social, 2018.

DUARTE, N. A individualidade para-si: Contribuições a uma


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SP: Autores Associados. 1999.

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do macaco; a dialética em Vigotski e em Marx e a questão do
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2000, p. 79-115.

EDUCAÇÃO, FORMAÇÃO HUMANA E PROCESSOS EDUCATIVOS: 49


CAMINHOS DA PESQUISA EM EDUCAÇÃO
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DUARTE, N. educação escolar e formação humana


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In: LOMBARDI, J. C. Crise capitalista e educação brasileira.
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Feuerbach. São Paulo: Centauro, 2002.

MARX, K. Manuscritos econômicos e filosóficos. São Paulo:


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50  Maria Vilani Cosme de Carvalho • Eliana de Sousa Alencar Marques


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fundamentos da pedologia. Organização e tradução: Zoia
Prestes, Elizabeth Tunes. 1. ed. Rio de Janeiro: E-papers, 2018.

EDUCAÇÃO, FORMAÇÃO HUMANA E PROCESSOS EDUCATIVOS: 51


CAMINHOS DA PESQUISA EM EDUCAÇÃO
UMA NECESSIDADE HISTÓRICA:
COMPREENDER A POLÍTICA
EDUCACIONAL COMO EXPRESSÃO
DAS CONTRADIÇÕES DA SOCIEDADE
DE CLASSES

Maria de Fatima Felix Rosar

A
dmitindo o pressuposto de que são necessárias
práticas de enfrentamento em tempos de crise,
estamos assumindo a compreensão de que
existe uma crise na sociedade capitalista, e que no seio dessa
sociedade há efeitos diferenciados sobre as classes que a
constituem, como ocorre no Brasil, e em nível mundial. Essa
afirmação está referenciada na concepção de Marx, acerca da
necessidade de se superar a universalidade abstrata e tratar
de apreender a realidade concreta constituída de múltiplas
determinações, como ele indica ao tratar do conceito de
população, na Contribuição à Crítica da Economia Política
(Marx, 1977, p.228-229). Nesse excerto, Marx ressalta:

UMA NECESSIDADE HISTÓRICA: COMPREENDER A POLÍTICA EDUCACIONAL 53


COMO EXPRESSÃO DAS CONTRADIÇÕES DA SOCIEDADE DE CLASSES
A população é uma abstração se desprezarmos, por
exemplo, as classes de que se compõe. Por seu lado, essas
classes são uma palavra oca, se ignorarmos os elementos
em que repousam, por exemplo, o trabalho assalariado, o
capital, etc. Estes supõem a troca, a divisão do trabalho,
os preços, etc. O capital, por exemplo, sem o trabalho
assalariado, sem o valor, sem o dinheiro, sem o preço, etc.,
não é nada.

De fato, enfrentamos as consequências da forma de


funcionamento de uma sociedade que, sob a gestão do Estado
capitalista, cria as condições necessárias para que ocorra
a reprodução da desigualdade entre as classes e da injustiça
social. Entretanto, esse Estado apresenta-se como instância
de ordenação global da sociedade, definindo mecanismos
e políticas que supostamente deveriam instituir mudanças e
melhores condições de vida para todos os indivíduos, como
concebia Hegel em sua obra a Filosofia do Direito, como um
Estado-nação, ou seja, um Estado que realizasse, como ele
supôs, em nível ideal, a conjugação de todos os fatores da
realidade e estabelecesse uma ordem legal e justa, acima de
todos os antagonismos.
Essa concepção de Estado-nação deu sustentação
ideológica ao liberalismo que não se constrangeu com a sua
constituição histórica, no final da idade média, com o próprio
processo de instituição do modo de produção capitalista. Por
isso, buscando desconstruir essa dimensão, Mészaros afirma:

O liberalismo nunca poderia defender uma sociedade


equitativa, apenas uma “mais equitativa”, o que sempre
significou muito menos do que equitativa. Mesmo
em sua fase mais progressiva de desenvolvimento, o
liberalismo restringiu seus pontos de vista reformatórios
e correspondentes esforços práticos estritamente à esfera
da distribuição dos bens produzidos; naturalmente com

54  Maria de Fátima Felix Rosar


sucesso de duração insignificante. Pois o liberalismo
sempre fechou os olhos para o fato embaraçoso de que uma
melhoria significativa visando uma sociedade equitativa só
pode resultar de uma mudança fundamental na estrutura
da própria produção. Isso não poderia ser de outra
forma, porque a esfera da distribuição foi estruturalmente
predeterminada pelo deslocamento inalterável da classe do
trabalho até uma posição necessariamente subordinada
na sociedade, dada a alocação legitimada pelo Estado e
protegida pela força dos meios de produção para a classe
constituída pelas personificações do capital (Mészaros,
2013, p.25).

A partir da concordância com esses pressupostos


fundamentais, estamos admitindo que não se pode
compreender a dinâmica da sociedade em que vivemos, sem
considerarmos a sua estrutura. E a configuração de sua
estrutura está materializada na história concreta dos países,
nos quais atua o Estado que é, em última instância, a expressão
política do capital, de tal modo que, no desenvolvimento das
crises cíclicas do capitalismo, ele vai adquirindo novas formas,
sob a materialização do neoliberalismo, com a finalidade
de garantir a rentabilidade do sistema em benefício de uma
classe minoritária, enquanto se executam as políticas de
austeridade impostas às classes trabalhadoras, até mesmo
nos países mais ricos do sistema capitalista mundial. Pelo lado
da classe minoritária, detentora do capital, se exige cada vez
mais o envolvimento do Estado na lógica de sua reprodução.
E, complementando essa atuação, também se exige cada vez
mais a desregulamentação/extinção de garantias mínimas
de contenção do processo desumanizante de exploração da
força de trabalho. No Brasil, a recente reforma trabalhista
deixa evidente essa lógica, assim como a alteração das formas
de controle sobre o trabalho análogo a escravidão, permite

UMA NECESSIDADE HISTÓRICA: COMPREENDER A POLÍTICA EDUCACIONAL 55


COMO EXPRESSÃO DAS CONTRADIÇÕES DA SOCIEDADE DE CLASSES
dimensionar o impacto das políticas do Estado capitalista
sobre numerosos contingentes da população brasileira.
Mészaros nos alerta:

Mas é claro que nada poderia ser mais estranho para


o funcionamento do sistema do capital em sua crise
estrutural do que a instituição da igualdade real. Pois
ele é constituído como um sistema de hierarquias
estruturalmente entrincheiradas que deve ser protegido
de todas as maneiras por suas formações de Estado (
Mészaros, 2013, p.27).

Há mais de 500 anos, após o início da implantação de


relações sociais capitalistas no território brasileiro, em bases
agrárias e mercantis, a história do país tem seu itinerário
articulado ao movimento de expansão do capitalismo, sob
as formas industrial e financeira, tendo associado ao poder
econômico, o poder político das classes que se mantém
hegemônicas, porque permanecem sendo detentoras dos meios
de produção e do capital. Tivemos, portanto, a transição do
Império para a República, a instalação de um Estado liberal,
sob controle da oligarquia agrária e depois sob o controle dos
donos das indústrias emergentes, que, em nenhum momento,
hesitaram em estabelecer formas autoritárias de atuação
desse Estado, sempre que foi considerada como uma ameaça
a manifestação dos trabalhadores do campo e da cidade, em
diferentes setores de produção. Com efeito, o funcionamento
dos órgãos do Estado sob controle das classes hegemônicas
manteve regimes considerados liberais e democráticos,
alternados com governos autoritários e regimes ditatoriais,
em períodos de intervalo de tempo, que variaram no início
do século XX, considerando o governo de exceção de Arthur
Bernardes (anos 1922-26), Getúlio Vargas, (anos 1937-1945),

56  Maria de Fátima Felix Rosar


Governos Militares (anos 1964-1985) e o atual Governo de
Exceção (2016-2018).
Nesses momentos da história nacional, a educação
destinada às classes populares foi sendo garantida, à custa das
lutas dos educadores e dos movimentos sindicais e estudantis,
sendo protagonizada por entidades, mais tradicionais e
conservadoras e outras mais progressistas de professores,
como em 1920, a Associação Brasileira de Educação, depois
nos anos 1930, pelos Pioneiros da Educação; nos anos 1950,
novamente pela iniciativa de educadores organizados em torno
de um novo manifesto em defesa da educação pública, nos
anos da ditadura empresarial-militar pelos movimentos de
resistência de educadores e estudantes à ofensiva sofrida pelas
universidades públicas; nos anos 1980, 1990 e 2000 em Fóruns
em Defesa da Educação Pública, mediante os debates realizados
por entidades que organizaram as Conferências Brasileiras de
Educação, I CBE (1980), com o tema: A política educacional;
II CBE (1982) - Educação: perspectiva na democratização da
sociedade; III CBE (1984) - Da crítica às propostas de ação; IV
CBE (1986) - A educação e a Constituinte; V CBE (1988) - A lei de
diretrizes e bases da educação nacional; VI CBE (1991) - Política
Nacional de Educação; nos anos 1990 e 2000, em debates que
ocorreram nos Congressos Nacionais de Educação, em torno
da LDB, do I Plano Nacional de Educação (2001-2011) e do II
Plano Nacional de Educação (2014-2024).
Resultaram das lutas empreendidas, ao longo de décadas,
ganhos relativos, sempre predominando a visão hegemônica,
contrária às posições defendidas pelas organizações e pelos
movimentos de educadores. Exemplos desses resultados
podem ser constatados na execução das políticas educacionais
durante os períodos de implantação da primeira LDB,
promulgada somente em 1961, para garantir a oferta de
educação fundamental para todos os brasileiros, sem assegurar

UMA NECESSIDADE HISTÓRICA: COMPREENDER A POLÍTICA EDUCACIONAL 57


COMO EXPRESSÃO DAS CONTRADIÇÕES DA SOCIEDADE DE CLASSES
os recursos necessários, e priorizando os interesses das escolas
particulares; no período da ditadura empresarial-militar,
quando se realizaram as reformas da educação, introduzindo
a municipalização da educação para o ensino fundamental,
o ensino médio profissionalizante numa concepção restrita
e tecnicista e o ensino superior sob controle ideológico do
Estado.
Durante a tramitação da LDB de 1996, reproduziu-se a
mesma lógica, quando foram retirados princípios fundamentais
no texto aprovado pelo Congresso Nacional, como a concepção
de uma educação omnilateral inscrita no texto elaborado pelos
movimentos de educadores, a destinação exclusiva de recursos
públicos para a educação pública e a laicidade da escola.
Foi mantida no substitutivo Darcy Ribeiro a obrigatoriedade
do ensino religioso, além de estabelecer formas de avaliação
alinhadas aos pressupostos definidos pelos organismos
internacionais.
Por meio das reformas dos anos 1990, implementadas
pelo Governo de Cardoso, foram materializadas as bases de
um programa de mudanças estruturais de caráter amplo e
profundo, implicando a produção de um vasto conjunto de leis
e normas, de reformas administrativas e políticas no âmbito da
estrutura do Estado nacional e dos sistemas de ensino, além de
um rigoroso contingenciamento de recursos operacionalizado
a partir da priorização de políticas e programas focados, de
acordo com as diretrizes dos organismos internacionais.
O INEP assumiu o gerenciamento do Sistema Nacional de
Nacional de Avaliação (SAEB), que passou a ser utilizado
como referência para os estudos comparativos realizados
pelos organismos internacionais (UNESCO/OCDE – World
Educational Indicators – WEI) e o PISA 2000 da Organização
de Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), acerca
do desempenho do Brasil em relação aos demais países. Outros

58  Maria de Fátima Felix Rosar


instrumentos de avaliação sob a coordenação do INEP são o
Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM), o Exame Nacional
de Cursos (Provão). Também são da competência do INEP o
Censo Escolar, o Censo do Professor e o Perfil Municipal da
Educação Básica (PMEB).
Embora nos Congressos Nacionais de Educação,
realizados no final dos anos 1990 e início dos anos 2000, tenha
se expressado a resistência a essa política, mediante debates
ocorridos em nível local, regional e nacional, e tenha se mantido
o trabalho sistemático de militantes em suas organizações
sindicais (ANDES, SINASEFE e FASUBRA) e nas entidades
acadêmicas (ANPED, ANPAE, ANFOPE, FORUMDIR), com
o trabalho sistemático dos pesquisadores, produzindo
análises críticas e relatórios avaliativos sobre os impactos
das reformas educativas no Brasil e na América Latina, ficou
nítido o arrefecimento de alguns segmentos combativos que
se envolveram no funcionamento da burocracia estatal, nos
governos Cardoso, Lula da Silva e Roussef.
Destaca-se ainda o enorme retrocesso da educação,
por meio das contrarreformas recentes do governo ilegítimo
de Temer, redefinindo as bases curriculares para a educação
do país, e, principalmente, definindo o desmonte do ensino
médio, por meio da imposição da Lei nº 13415/2017 de forma
antidemocrática, sem debate nem mesmo com os governantes
dos estados, a quem compete garantir a oferta do ensino
médio.
No que se refere a esse nível de ensino, a política concebida
mostra um movimento expandido, horizontal e verticalmente,
no sentido de aprofundar as relações estabelecidas entre o setor
privado, o trabalho e a educação na perspectiva do mercado,
conforme o conteúdo da Lei nº 13.415, de 16 de fevereiro de
2017, alterando a LDB nº 9.394/1996.

UMA NECESSIDADE HISTÓRICA: COMPREENDER A POLÍTICA EDUCACIONAL 59


COMO EXPRESSÃO DAS CONTRADIÇÕES DA SOCIEDADE DE CLASSES
O processo de tramitação da reforma, como detalhou
Ferreti e Silva (2017), deixou evidente a disputa dos
representantes do setor empresarial para manter o controle
sobre a concepção e formação dos jovens, de modo ainda mais
flexível, superficial e fragmentado, o que forçosamente produzirá
sua maior vulnerabilidade e desqualificação, produzindo mais
justificativas para o processo de desregulamentação das bases
contratuais da relação capital-trabalho, além de criar maiores
dificuldades de acesso ao ensino superior.
Esses confrontos definidores do percurso histórico das
classes trabalhadoras, dos estudantes e intelectuais críticos
foram se expressando também nas dimensões político-
ideológico e pedagógicas que estão registradas na história da
educação brasileira, construída entre processos contraditórios
de atuação mais liberal ou menos liberal da burguesia,
incrustrada no Estado e no sistema de gestão da economia
nacional subordinada aos organismos multilaterais, que
compõem a estrutura do poder político imperialista.
A vertente hegemônica do pensamento educacional
brasileiro, nos anos 30, sofreu influência marcante da Igreja.
Também nas décadas de 40, 50, 60 e, de forma ainda mais
vigorosa, nos anos 2000. Sua influência foi predominante
nos Cursos de Filosofia e depois de Pedagogia, nos quais se
formavam adeptos da visão aristotélico-tomista. Protagonizou
também a defesa do ensino religioso durante o episódio da luta
contra a definição de um sistema de ensino, exclusivamente,
laico e gratuito no Brasil em diferentes momentos, como
durante a Constituinte de 1988 e na luta encetada durante a
tramitação da LDB aprovada em 1996.
No campo do pensamento laico e liberal, predominou
a influência dos pioneiros da educação na divulgação e
implantação das concepções e práticas escolanovistas e, talvez,
essa tenha sido uma das mais fortes fontes de inspiração na

60  Maria de Fátima Felix Rosar


trajetória da maioria dos educadores brasileiros, que tiveram
revigoradas essas bases conceituais, através da onda da
pedagogia do “aprender a aprender”, amplamente difundida
como conteúdo das reformas educativas dos anos 90 (DUARTE,
2001). Evidencia-se que, ao lado da concepção escolanovista
que influenciou a composição de um pensamento pedagógico,
em certa medida ambivalente, dada a forte influência do
pensamento religioso, também se evidenciava um resquício de
concepção socialista da educação, que foi sendo diluído, na
medida em que os intelectuais escolanovistas dedicaram-se a
difundir a Pedagogia de Dewey.
Por sua vez, a pedagogia histórico-crítica inspirou os
debates no âmbito das lutas pela formulação da LDB e dos
Planos Nacionais de Educação e tem também ampliado sua
disseminação em programas de formação de educadores e de
pesquisadores, visando contribuir para o fortalecimento dos
setores progressistas no campo da educação escolar, no ensino
fundamental, no ensino médio e superior, e nos processos
inovadores de implantação de escolas nos assentamentos do
MST.
Mesmo sendo predominante o esforço para ampliar-se a
perspectiva de uma educação científica, histórica e crítica, em
diversos momentos da história nacional e da própria história da
educação, refletem-se posturas ambivalentes e contraditórias
de pensadores, educadores, políticos, partidos, produzindo-se
um processo de interpenetração entre tendências opostas, entre
campos ideológicos distintos que diluem suas identidades,
facilitando os movimentos de conciliação entre tendências
supostamente contrárias. Nos anos 1980, a transição entre a
ditadura e um regime de normalidade democrática permitiu
a introdução de novas perspectivas teóricas e metodológicas
que balizaram o debate sobre a educação pública, gratuita,
democrática e de qualidade.

UMA NECESSIDADE HISTÓRICA: COMPREENDER A POLÍTICA EDUCACIONAL 61


COMO EXPRESSÃO DAS CONTRADIÇÕES DA SOCIEDADE DE CLASSES
As concepções de educação tradicional, escolanovista e
tecnicista foram reinterpretadas, de forma crítica, a partir da
perspectiva da pedagogia histórico-crítica. Os trabalhos de um
conjunto de intelectuais, articulados aos movimentos sociais e
aos programas de pós-graduação das principais universidades
brasileiras, durante os anos 1980, produziram um divisor de
águas, permitindo compreender a diferença de conteúdo entre
as pedagogias críticas e as pedagogias não-críticas, entre o
pensamento educacional crítico e o pensamento educacional
integrado à ordem liberal conservadora (ROSAR, 2004, p. 5).
Entretanto, muito rapidamente, nos anos 1990 e 2000,
sob a influência de “novas” vertentes teóricas no campo da
educação, houve uma retomada das trincheiras ideológicas
pelos conservadores, “travestidos de inovadores”, influenciando
a formação de professores em todo o país, inclusive também
com a implantação dos “moderníssimos” sistemas de educação
à distância, que se constituem em eficaz meio de disseminação
das “novas-velhas” ideologias da burguesia em suas vertentes
adequadas às parcerias público-privadas.
Depreende-se desse contexto, a necessidade de
se manter e aprofundar o debate sobre o “sincretismo
pedagógico” no Brasil, para se superar o atraso imposto às
gerações herdeiras da pior herança dos anos da ditadura e
de governos autoproclamados como democrático-populares,
que têm mantido em funcionamento um sistema educacional
responsável por desqualificar o desenvolvimento humano de
um grande contingente de crianças e jovens, apesar da aparente
modernização das escolas.
Embora sejam questionáveis os sistemas de avaliação
que adotam padrões avaliativos uniformizados para realidades
completamente distintas, é estratégico enfrentar a luta pela
superação do modo de funcionamento da escola pública
brasileira, desde a educação infantil até a universidade,

62  Maria de Fátima Felix Rosar


eliminando o argumento, baseado em “fatos”, de que existe
uma incapacidade de gestão instalada no sistema público
de ensino, que está a requerer a intervenção dos setores
privados, nos quais se desenvolveram os paradigmas da gestão
de resultados fundamentada na “expertise” derivada das
teorias do gerenciamento empresarial. Esse argumento tem
fundamentado as ações de expansão da educação infantil, do
ensino médio e do ensino superior, com a efetiva participação
do setor privado.
Nos anos 2011 a 2013, foram revigorados os movimentos
sociais e os movimentos em defesa da educação pública, que
têm enfrentado os governos federal, estaduais e municipais,
ressurgindo em meio à cortina de fumaça construída pelos
órgãos oficiais, a partir das análises comparativas, que tentam
demonstrar o avanço das políticas sociais efetivadas no Brasil,
em meio à crise econômica mundial.
Essa crise projetou-se com mais visibilidade na Europa
e nos Estados Unidos e foi provocando intensas mobilizações
e manifestações de protesto dos trabalhadores nos vários
continentes. O aparente avanço da economia nacional e de
seus efeitos “milagrosos”, no sentido da eliminação da miséria
e da emergência de uma “nova classe média” tem se desfeito,
na medida em que se evidenciaram na realidade concreta,
as contradições de um processo ampliado e profundo
de endividamento do Estado, bem como dos segmentos
assalariados da população e dos setores empobrecidos,
desempregados e “acudidos” pelos programas de transferência
de renda, ainda mantidos pelo governo federal, visto que as
mudanças estruturais necessárias à superação das causas
originárias da miséria, sequer foram “arranhadas” pelas
medidas governamentais anunciadas durante o governo
Roussef, tendo se agravado drasticamente com as medidas
implantadas, de modo autoritário, pelo governo ilegítimo de

UMA NECESSIDADE HISTÓRICA: COMPREENDER A POLÍTICA EDUCACIONAL 63


COMO EXPRESSÃO DAS CONTRADIÇÕES DA SOCIEDADE DE CLASSES
Temer, como a reforma trabalhista, a EC 95/2016, o desmonte
das universidades públicas, a intervenção desastrosa do MEC
sobre o ensino fundamental e o ensino médio.
Nessa conjuntura, vislumbra-se como estratégico
potencializar a ação teórico-prática fundamentada no
materialismo histórico-dialético, como arma teórica/política/
ideológica fundamental e necessária, no sentido de superar
as dicotomias nos processos pedagógicos encetados nas
organizações políticas dos educadores, em suas atividades
político-pedagógicas nas escolas públicas e nas frentes de lutas
em defesa do exercício do magistério, em condições adequadas,
como também na luta pela construção do socialismo, mediante
ação política dos sindicatos, de partidos comunistas, socialistas
e progressistas e de movimento sociais que se ampliam, a partir
da organização de forças de resistência anticapitalista, em nível
mundial.
As classes trabalhadoras são detentoras do poder de
produzir as condições objetivas para a sobrevivência de todas as
classes sociais e são também detentoras do poder de fazer eleger
seus legítimos representantes, para que assumam o controle
dos governos dos entes federados, em todos os níveis. Aos
educadores críticos compete ampliar o processo de socialização
da história, da filosofia, das ciências, da literatura e das artes,
para que se difundam mais rapidamente esse patrimônio social
e coletivo e se intensifiquem práticas políticas, visando superar
o modo de produção e de organização da sociedade capitalista.
Para isto, é necessário identificar, mediante um processo
de análise, sob a ótica histórica e crítica, as nuances das
concepções e pensamentos circulantes na sociedade, de
caráter científico, empírico, religioso e místico em suas diversas
vertentes. Fazendo imersões nas práticas de observação,
pesquisa teórica, experiências de trabalho e organização de
lutas sociais, pode-se apreender os elementos fundamentais

64  Maria de Fátima Felix Rosar


que compõem a dinâmica da sociedade de classes, para
reconhecer de que modo a ideologia dominante é assimilada
pelos diversos segmentos das classes sociais que interagem,
estabelecendo relações de subordinação e subalternização dos
indivíduos destinados ao trabalho manual e intelectual, em
diversos setores de produção material e imaterial, no circuito
do modo de produção capitalista.
É preciso desvendar os mecanismos intrínsecos à lógica
de funcionamento da economia e do Estado capitalista numa
sociedade em que os setores produtivos na agricultura, na
indústria, na ciência e na cultura encontram-se sob a hegemonia
do setor financeiro, que não produz diretamente mercadorias
e nem realiza a sua circulação, mas controla o processo de
valorização do capital, no circuito da circulação de dinheiro
que gera dinheiro e, de forma crescente, controla também o
capital produtor de mercadorias e o capital responsável pela
sua circulação.
Contamos com o legado de um método potente para
conhecimento e transformação da realidade, que permitiu o
desvelamento teórico-metodológico do processo de produção
do valor e de produção do fetiche da mercadoria. Talvez uma
tarefa dos educadores críticos, na segunda década do século
XXI, seja usar toda a sua capacidade coletiva, para construir a
perspectiva de superação do fetiche da política, internalizada
nos indivíduos, reféns da classe dominante, que incorporam
os interesses da burguesia como se fossem próprios de sua
condição de classe trabalhadora.
Na busca de elementos teórico-práticos para a construção
de perspectivas de uma educação crítica constata-se a urgência
de se adicionar aos cursos acadêmicos o conteúdo da pedagogia
utilizada amplamente pelo MST, a pedagogia de organização
das greves dos estudantes e docentes do Paraná e muitos estados
das diversas regiões do Brasil, para compreender por que e

UMA NECESSIDADE HISTÓRICA: COMPREENDER A POLÍTICA EDUCACIONAL 65


COMO EXPRESSÃO DAS CONTRADIÇÕES DA SOCIEDADE DE CLASSES
como, em momentos e situações cruciais como essas, ocorre
um processo de produção social e coletiva de conhecimentos
aplicados que contém uma forte potência de transformação de
práticas e de teorias, materializando processos pedagógicos e
políticos inovadores para a pedagogia dos movimentos sociais
em defesa da democracia real.
Nem de longe, ao se apontar essas articulações com as
experiências das lutas sociais, se pretende minimizar o papel
da teoria, mas inverter o modo de aproximação ao universo
do conhecimento sistematizado, a partir dos problemas que
se apresentam de forma muito intensa na realidade concreta.
Reiteram-se os pressupostos teóricos fundantes do Método da
Economia Política: o conhecimento não se instala na cabeça
do pesquisador, se não realizar o movimento de apreensão do
empírico para chegar à abstração que eleva o conhecimento ao
nível do concreto pensado. Parece inadiável que nesse contexto
os educadores militantes compreendam como parte do
trabalho docente, efetivar uma disputa teórico-metodológica
com as pedagogias oficiais e as pedagogias de resultados, em
todos os espaços de educação formal e não-formal, de modo
historicizado e não mecanicista.
Como afirma Ciavatta, (2015, p.13):

Os saberes acumulados pela experiência têm um valor


intrínseco à vida, mas são diferentes do conhecimento
obtido por processos complexos de domínio das ciências
e das técnicas avançadas, das quais usufruímos como
leigos. Ambos são produtos de processos formativos, mas
são diversos. Não podemos abrir mão deles pois todos
são importantes para a sobrevivência humana, mas têm
histórias, conteúdos e processos diferentes de aquisição.

Existem fortes evidências de que os vieses das concepções


metafísicas, idealistas e positivistas ainda prevalecem na

66  Maria de Fátima Felix Rosar


formação de educadores, de um modo geral, pois são
ainda predominantes as práticas de reproduzir, de forma
desistoricizada, as concepções de pensadores liberais e
neoliberais, nos cursos de formação de professores, em
grande parte das instituições de ensino superior. Além dessas
práticas, é ainda muito recorrente a adesão a algumas
vertentes do pensamento mais conservador, introduzido
durante as reformas da educação, nos anos 1990 e 2000, nos
governos FHC, Lula da Silva e Dilma Rouseff, provocando
intensa reverberação em todos os níveis de ensino, a partir da
concepção de currículo e de avaliação, com o respaldo de parte
dos quadros da “academia”, na qual se produziram muitas
pesquisas e publicações, com o objetivo de reiterar a adequação
desse paradigma ao pensamento ocidental mais atualizado e
compatível com a perspectiva de uma sociedade pós-industrial,
fortalecendo a concepção de mundo hegemônica.
No momento presente, a reforma aplicada ao ensino
médio, pelo atual governo Michel Temer, pode desencadear um
retorno ao ideário tecnicista disseminado durante a implantação
das políticas educacionais dos governos militares. Eliminadas
as disciplinas que “excedem” no currículo do ensino médio, de
acordo com a perspectiva tecnicista dos reformistas de plantão,
os jovens estarão sendo conduzidos a uma formação unilateral,
restrita e calcada numa concepção meramente positivista. Com
a formação “encolhida”, em termos quantitativos e qualitativos,
esses jovens estarão rapidamente disponíveis no mercado de
trabalho, com qualificação avaliada a partir das competências
adquiridas, para contratos temporários e salários rebaixados,
conforme a “tabela de precificação do mercado”.
O conteúdo histórico e crítico sobre o modo de produção e
circulação das ideias dos educadores liberais, neoliberais e pós-
modernos precisa ser priorizado, como também a análise da
política educacional articulada à análise da política econômica,

UMA NECESSIDADE HISTÓRICA: COMPREENDER A POLÍTICA EDUCACIONAL 67


COMO EXPRESSÃO DAS CONTRADIÇÕES DA SOCIEDADE DE CLASSES
de tal forma que partindo dos contextos de produção das
concepções e das práticas concretas, os educadores, do ensino
fundamental, ensino médio e ensino superior possam contribuir
para que novos conhecimentos resultem desse exercício
teórico-prático, sem o qual nenhum conteúdo especifico de
geografia, ciências, língua portuguesa ou matemática poderá
ser apreendido, a partir do seu significado histórico e social e
com possibilidades de se constituírem em elementos capazes
de impulsionar experiências de trabalho coletivo na perspectiva
transformadora. Por exemplo, de que modo um professor de
geografia tratará o conteúdo acerca dos territórios indígenas e
quilombolas, se não tiver uma visão crítica sobre a questão da
terra e do latifúndio nas diversas regiões do Brasil?
Partindo-se dessa realidade, com a perspectiva de adoção
de uma pedagogia crítica, há que se ampliar os coletivos
que pesquisam e atuam, no sentido de transformarem os
processos formativos destinados à constituição de educadores-
pesquisadores e militantes, dedicados à difusão de teorias da
educação científicas e críticas, como a pedagogia histórico-
crítica e a pedagogia emancipadora do MST. Porém, esse tipo
de construção teórica, ainda não foi priorizada nos cursos
regulares de formação de professores, nas universidades
públicas e, menos ainda, na maioria das universidades privadas,
em que o conteúdo é reproduzido pelos professores aos quais
são atribuídas tarefas relativas à função de “repetidores” do
material didático fornecido pela empresa.
Claro está que a luta de classes que perpassa a sociedade
capitalista, o Estado capitalista e a escola capitalista não poderia
ter concretizado outras características no âmbito da educação.
O capitalismo não prometeu inclusão, democratização e
socialização de bens materiais e imateriais. Ele não se envolveu
com um processo de emancipação humana, desde a sua
gênese. Pelo contrário, construiu um modo de produção que

68  Maria de Fátima Felix Rosar


requer força de trabalho sob seu controle, de forma imediata e
mediata, para produção de mercadorias a serem ofertadas aos
consumidores no mercado global, favorecendo alta lucratividade
para os donos dos meios de produção e do capital. Não há
porque esperar pela humanização do capitalismo. Há que se
concentrar a inteligência e a sensibilidade dos educadores-
coletivos, para compreenderem que a prática de trabalho
docente requer um compromisso com outros processos
educativos inspirados na concepção de uma nova sociedade. É
necessário ter consciência de que o novo modo de sociabilidade
humana passa necessariamente pela transformação do modo
de produção da vida física, material e da existência cultural dos
homens e mulheres.

O que precisa ser confrontado e alterado fundamentalmente


é todo o sistema de internalização, com todas as suas
dimensões, visíveis e ocultas. Romper com a lógica do
capital na área da educação equivale, portanto, a substituir
as formas onipresentes e profundamente enraizadas de
internalização mistificadora por uma alternativa concreta
abrangente (Mészáros, 2005, p. 47).

Isso implica refletir sobre o fato de que a contradição


estabelecida entre as forças produtivas e as relações sociais de
produção não poderá desencadear um processo de superação
do modo de produção capitalista, caso não se alcance a
maturidade subjetiva de compreensão crítica e, portanto
consciente, de sujeitos sociais que precisam assumir tarefas
objetivas prioritárias. O alerta de Marx para as condições
históricas necessárias à transformação da sociedade, coloca
em plano de prioridade, no século XXI, compreender e priorizar
a formação humana, de modo que, mesmo se atingindo cada
vez mais rapidamente, a substituição do trabalho vivo pelo
trabalho morto, possam estar qualificados os seres humanos,

UMA NECESSIDADE HISTÓRICA: COMPREENDER A POLÍTICA EDUCACIONAL 69


COMO EXPRESSÃO DAS CONTRADIÇÕES DA SOCIEDADE DE CLASSES
para a construção de outra sociedade, na qual se realize o
seu desenvolvimento mais pleno, não mais subordinado aos
imperativos do capital para a permanente maximização da sua
taxa se lucro.
Não se pode abrir mão da nossa condição de sujeitos
da história, do contrário outros “protagonistas” assumirão a
dianteira no processo histórico, impondo retrocessos e perdas
imensuráveis à maioria das classes trabalhadoras. Por essa
razão, compreender a política educacional como expressão das
contradições de uma sociedade de classes requer de todos nós
o esforço de desconstruir o mito da democracia formal e de
construir novos fundamentos para o trabalho teórico-prático
em defesa da educação pública gratuita, laica e de qualidade
socialmente referenciada em perspectiva de transformação da
sociedade de classes.
Essa afirmação não é apenas um recurso retórico. É
preciso entender essa tarefa como um imperativo de luta pela
nossa própria sobrevivência, considerando as condições da
crise estrutural do sistema do capital como um todo, como nos
alerta Mészaros. Para ele, é preciso entender que o sistema do
capital

(...) é um sistema orgânico de reprodução sociometabólica,


dotado de lógica própria e de um conjunto de imperativos,
que subordina a si – para o melhor e para pior, conforme
as alterações das circunstâncias históricas – todas as áreas
da atividade humana, desde os processos econômicos
mais básicos até os domínios intelectuais e culturais mais
mediados e sofisticados. ( 2014, p.16).

Referências

CIAVATTA, M. O trabalho docente e os caminhos do


conhecimento. A historicidade da educação profissional. Rio
de Janeiro, Lamparina, 2015.

70  Maria de Fátima Felix Rosar


DUARTE, N. Vigotski e o “aprender a aprender”: crítica
às apropriações neoliberais e pós-modernas da teoria
vigotskiana. 2 ed., Campinas: Autores Associados, 2001.

FERRETI, C.; SILVA, M. Reforma do ensino médio no contexto


da medida provisória no 746/2016: estado, currículo e
disputas por hegemonia. Educ. Soc., Campinas, v. 38, n. 139,
p. 385-404, abr./jun. 2017.

MARX, Karl. Grundisse. Siglo XXI. 1997.

___________. Contribuição à crítica da economía política. São


Paulo: Martins Fontes, 1983.

MÉSZÁROS, I. A educação para além do capital. São Paulo:


Boitempo, 2005.

____________. A montanha que devemos conquistar. São


Paulo: Boitempo, 2013.

____________. O poder da ideologia. São Paulo: Boitempo,


2014.

ROSAR, M.F. Felix. O significado epistemológico e político


da metáfora da navegação para uma leitura de história
da educação brasileira a partir dos anos 80. Texto de
videoconferência publicado no site do Histedbr, Campinas,
Unicamp, 2004.

UMA NECESSIDADE HISTÓRICA: COMPREENDER A POLÍTICA EDUCACIONAL 71


COMO EXPRESSÃO DAS CONTRADIÇÕES DA SOCIEDADE DE CLASSES
AS IMPOSIÇÕES DO CAPITAL NAS
ATUAIS REFORMAS EDUCACIONAIS:
ALINHAMENTO ENTRE A EC 95/2016,
A REFORMA DO ENSINO MÉDIO E OS
INTERESSES ECONÔMICOS

Maria Escolástica Moura dos Santos


Maria Gorete Rodrigues de Amorim

Introdução

A
nosso ver, não é difícil perceber o alinhamento
existente entre as reformas nas áreas sociais,
operadas pelo Estado brasileiro e os interesses
do capital nacional e internacional. No campo educacional
esse alinhamento pode ser constatado na relação existente
entre a Lei nº 13. 415/2017, o documento denominado Base
Nacional Curricular Comum para o Ensino Médio e a Emenda
Constitucional (EC) nº 95/2016, conforme apresentado no
decorrer do texto.
Em uma breve análise relativa ao que preceitua a LDB
nº 9.394/1996 sobre o Ensino Médio, antes e após a Lei nº

AS IMPOSIÇÕES DO CAPITAL NAS ATUAIS REFORMAS EDUCACIONAIS:


ALINHAMENTO ENTRE A EC 95/2016, A REFORMA DO ENSINO MÉDIO 73
E OS INTERESSES ECONÔMICOS
13.415/2017, já é possível constatar o retrocesso no âmbito da
política educacional para essa etapa da Educação Básica. O
que o Estado determina é um currículo visivelmente esvaziado
de conteúdos científicos, ainda que mascarado pela ideia de
educação integral.
O projeto de educação pobre para pobres se autodenuncia,
seja pela proposta de redução do tempo curricular destinado
à formação geral que passa de, no mínimo, 2.400 horas
para, no máximo, 1.800 horas em três anos letivos; seja pela
invisibilidade de componentes curriculares e centralidade do
ensino nas disciplinas Língua Portuguesa e Matemática ou
por privilegiar itinerários formativos, supostamente escolhidos
pelos estudantes, em detrimento de uma base sólida do
conhecimento específico dos componentes curriculares de
cada área.
No entanto, não é suficiente constatar o fenômeno
sem ir em busca da essencial causa se quisermos vislumbrar
possibilidades objetivas de contraposição ao projeto
reducionista do Estado burguês para a educação da juventude
pobre. Nessa perspectiva, definimos como objetivo desvelar as
determinações do capital nas atuais reformas educacionais no
Brasil, especialmente a Reforma do Ensino Médio, sem perder
de vista o pressuposto fundamental da relação intrínseca
existente entre Estado, Capital e trabalho.
Compreender essa relação implica conhecer a inerente
natureza do Estado e o caráter mutante da função que exerce
– determinado pelo capital, para sua própria reprodução.
Nessa perspectiva, buscamos responder no decorrer do texto
as seguintes questões: Que função é demandada pelo Capital
ao Estado burguês em relação à educação pública, frente ao
crescente descarte da força de trabalho da juventude pelo
mercado formal? E ainda, de que forma as determinações do

74  Maria Escolástica dos Santos • Gorete Rodrigues de Amorim


capital aparecem nas atuais reformas educacionais, em especial
na reforma do Ensino Médio?
Buscando responder a essas perguntas dividimos nosso
trabalho em três seções, além das considerações finais. A
primeira refere-se a esta breve introdução. A segunda aponta as
determinações do capital nas atuais políticas educacionais que
vêm se configurando pelo crescimento e fortalecimentos dos
movimentos de direita. A terceira seção trata do alinhamento
entre a EC 95/2016, a Lei 13.415/2017 que reforma o Ensino
Médio, a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) para o
Ensino Médio e os interesses do capital.

A personificação das determinações do capital nas atuais


reformas educacionais

Para compreendermos a lógica que orienta as atuais


reformas educacionais é preciso entender a própria lógica do
sistema capitalista, sobretudo no atual contexto de crise. Pois,
como afirma Mészáros (2000), vivemos uma crise histórica sem
precedentes. Sua gravidade se impõe à medida que não se trata
de uma crise cíclica, como em outros momentos históricos,
mas por se tratar de uma crise estrutural do próprio sistema
do capital.
Essa crise, de proporção incalculável, atinge os indivíduos
em todos os âmbitos, desde setores sociais até o espaço mais
particular, passando pela própria subjetividade do indivíduo,
que agora precisa estar preparado para inconstância e fluidez
do mercado; precisa se submeter a trabalhos temporários cada
vez mais precarizados; é lhe exigido um processo contínuo de
autoformação que o prepare para a competitividade; precisa
responder prontamente ao mercado em crise e se colocar
em condição de disputa pelas escassas vagas disponíveis;
assume, ao mesmo tempo, as responsabilidades pela sua

AS IMPOSIÇÕES DO CAPITAL NAS ATUAIS REFORMAS EDUCACIONAIS:


ALINHAMENTO ENTRE A EC 95/2016, A REFORMA DO ENSINO MÉDIO 75
E OS INTERESSES ECONÔMICOS
não empregabilidade, uma vez que internaliza a concepção
meritocrática que o coloca, muitas vezes, na condição de
incapaz.
Essa crise iniciada nos anos 1970 vem, desde então,
impondo formas de ajustes e medidas corretivas no sentido
de garantir o processo de reprodução do capital que precisa
expandir-se sempre mais para sobreviver, mantendo sua
hegemonia. Dentre as medidas adotadas, estão as políticas de
reajuste neoliberal que ganharam força no governo de Margaret
Thatcher na Inglaterra e no governo de Ronald Reagan nos
Estados Unidos, a partir dos anos 1980. Aos países da periferia
do capital coube o submetimento às imposições dos países do
capitalismo central, de modo que, no Brasil, tais propostas
implataram-se efetivamente a partir dos anos 1990, no governo
Collor de Melo e, posteriormente, de forma ainda mais intensa,
no governo Fernando Henrique Cardoso.
No cerne dessas políticas está a lógica privatista, a
desregulamentação do mercado na abertura comercial e
financeira, a defesa do Estado mínimo no que se refere às
políticas de abrangência social, pois, para atender às exigências
do mercado, o Estado é forte e age prontamente. O Estado
passa a agir como o grande gestor da crise. Ele fiscaliza,
monitora e protege o capital para que os grandes capitalistas
possam competir sem quaisquer tropeços. As reformas do
Estado buscam dar respostas às necessidades do mercado,
de modo que, conforme Couri (2017), o fundo público passa
a ser utilizado mais precisamente para socorrer os grandes
capitalistas do que para atender às demandas de cunho social.
É levada à máxima potência a primazia do Mercado sobre
o Estado, do individual sobre o coletivo. Suas determinações
conseguem se impor desde os espaços privados até os cenários
públicos que passam a se organizar seguindo a mesma lógica,
pautada na competividade, no produtivismo e na precarização.

76  Maria Escolástica dos Santos • Gorete Rodrigues de Amorim


Essa política adentra a sociedade e se espraia em todos
os segmentos, impondo-se de forma incisiva no campo
educacional, pois, além de dar as diretrizes contratuais dos
profissionais da educação, ao lançá-los na precarização dos
contratos temporários e fragilizar as lutas sindicais, é, em
última instância, quem orienta as reformas educacionais. Isso
porque a educação é uma importante aliada no processo de
implantação e disseminação dessa lógica perversa.
Do ponto de vista histórico concreto não é difícil
constatar as determinações dos interesses do mercado nas
reformas educacionais do Brasil. Na década de 1970, quando
o capital global iniciava uma crise sem precedente, o Brasil
apostava mais uma vez no desenvolvimentismo, resultante,
primordialmente, do aprimoramento da produção industrial.
Nesse contexto, a educação é chamada pelo Estado a formar
tecnicamente um contingente da força de trabalho adaptada
ao trabalho agrícola.
A denominada Educação Tecnicista é, de forma
emblemática, o que melhor revela as demandas de educação
para a juventude que formaria, nas palavras de Marx (2013, p.
704), o “exército industrial de reserva” no Brasil. Uma reforma
que transforma a então educação conteudista, tradicional, em
uma educação esvaziada de conteúdos científicos, fundada no
ideário do “aprender a fazer” (SAVIANI, 2012, p. 14).
O predomínio da política neoliberal a partir da década
de 1990, apesar dos disfarces, não esconde a determinação
do capital sobre a política educacional, com investimentos
limitados por recomendações de organismos internacionais, a
exemplo do Banco Mundial, que concede empréstimos a países
de capitalismo periférico na condição de que atendam suas
recomendações no campo educacional.
Foi atendendo à recomendação do Banco Mundial,
por exemplo, que o Brasil implementou em 1997 o Fundo

AS IMPOSIÇÕES DO CAPITAL NAS ATUAIS REFORMAS EDUCACIONAIS:


ALINHAMENTO ENTRE A EC 95/2016, A REFORMA DO ENSINO MÉDIO 77
E OS INTERESSES ECONÔMICOS
de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental
e de Valorização do Magistério (FUNDEF), privilegiando
apenas uma etapa da Educação Básica, e ainda, excluindo o
ensino fundamental destinado a pessoas jovens e adultas de
investimentos advindos da referida política de financiamento.
Esse fundo somente foi ampliado às demais etapas e
modalidades da Educação Básica após dez anos de existência,
ou seja, a partir de 2007, sendo substituído pelo Fundo de
Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de
Valorização do Magistério (FUNDEB) com validade até 2020,
ou seja, não é uma política de financiamento estável.
Atualmente assistimos ao movimento de intensificação
do processo de implantação dos preceitos mercadológicos
no campo da educacional. A educação tem sido instância de
disputas do empresariado nacional, orientado pelo nascimento
de uma “nova direita” que busca combinar elementos do
liberalismo econômico clássico, com o ranço do autoritarismo
social. Segundo Freitas (2018), a investida em âmbito mundial
e a origem desse processo também se relacionam à crise
econômica desencadeada a partir dos anos 1970.
No entanto, segundo o referido autor, na América Latina,
após os anos 1990, há uma sucessão de governos progressistas,
o que levou à falsa impressão de que as políticas neoliberais
tinham sido superadas. Isso obscureceu nossa análise,
impedindo-nos de perceber os bastidores das reformas, os
acordos empreendidos, a aproximação com a ala conservadora,
sua ideologia, seus métodos de propagação e resistência.
Apenas ficará claro o processo pelo qual o neoliberalismo
vai se metamorfoseando se compreendermos que seu único
grande compromisso é com o livre comércio. Nessa conjuntura,
para o capital a democracia pode ser um meio, jamais um
fim. A democracia é apenas tolerada, não uma condição para
sua existência. Em muitos momentos históricos os governos

78  Maria Escolástica dos Santos • Gorete Rodrigues de Amorim


despóticos foram bastante convenientes para garantia de lucro
e reprodução do capital. O impeachment presidencial de 2016
no Brasil, que garantiu a ascensão das forças conservadoras
e ultraconservadoras, foi gestado e implementado
democraticamente. Pelas vias democráticas o empresariado
vem dominando cada vez mais espaços e instituindo perversas
políticas de privatização, acelerado o processo de devastação
ambiental com esgotamento de recursos naturais, além do
perverso movimento de sucateamento e precarização do
trabalhador de modo geral, e do trabalho docente de modo
específico.
Na busca por ampliar seus instrumentos de controle social
e conseguirem se manter como força hegemônica, a “nova
direita” neoliberal vem disputando intensamente as rédeas da
educação brasileira. À frente desse movimento estão partidos
políticos, fundações, institutos, e outras organizações sociais
que representam uma coalizão de forças de grupos econômicos
(FREITAS, 2018).
É essa busca por impor a lógica empresarial, de viés
neoliberal, que tem levado muitos grupos empresariais a
disputar espaço tanto na educação, quanto nos demais espaços
sociais, na política, na religião etc. Uma forma estratégica tem
sido custear o ativismo de direita, viabilizado no Brasil por meio
de ramificações de importantes instituições estadunidenses,
responsáveis por disseminar a lógica neoliberal, com viés
aparentemente científico e não político. Essas instituições são
denominadas think tanks, reconhecidas como laboratório de
ideias e se proliferaram a partir do governo Thatcher. Dentre
as que mais se destacam estão a Atlas Network e o Studenty
for Liberty, mantidas com recursos de fundações parceiras e
doações de grupos empresariais. A Atlas Network assume a
responsabilidade de estimular a criação de outros institutos
liberalistas em várias partes do mundo. Só em 2013, sua receita

AS IMPOSIÇÕES DO CAPITAL NAS ATUAIS REFORMAS EDUCACIONAIS:


ALINHAMENTO ENTRE A EC 95/2016, A REFORMA DO ENSINO MÉDIO 79
E OS INTERESSES ECONÔMICOS
chegou a 11,459 milhões de dólares, dos quais aproximadamente
6 milhões foram destinados a atividades fora dos USA. Para
América do Sul foram destinados 595 mil dólares (AMARAL,
2015).
A malha de instituições liberalistas, no Brasil, assume a
seguinte configuração: a primeira a ser fundada foi o Instituto
Liberal, em 1983, que passou a se denominar Instituto
Liberdade em 2004. Temos também o Instituto Ordem
Livre, dedicado a realizar seminários para o público jovem; o
Centro Interdisciplinar de Ética e Economia Personalista, do
Rio de Janeiro; e o movimento estudantil “Estudantes pela
Liberdade”. Este último existe desde 2010 e foi responsável
pela criação do Movimento Brasil Livre (MBL), que em 2014
assumiu protagonismo no cenário político brasileiro. Todas as
organizações citadas formam a rede da Atlas Network no Brasil
(Idem, Ibidem).
A maioria dessas organizações foram criadas recentemente.
Em 2008, apenas 7 (sete) instituições brasileiras constavam na
lista. Na edição de 2016 chegava a 23 (vinte e três) o número de
instituições brasileiras com essa vertente e seus integrantes se
intitulam Libertaristas, espécie de empreendedores intelectuais
(Idem, Ibidem).
É importante mencionar ainda outro importante
instrumento de difusão da concepção liberal, que é o “Fórum
da Liberdade”, realizado no Brasil anualmente desde 1998.
Em 2006 foi lançada oficialmente nesse Fórum a principal
instituição de direita no Brasil, o Instituto Millenium. Em 2015
aconteceu no auditório da PUC-RS, com 2000 lugares lotados,
sobretudo de jovens. Seus financiadores são a Gerdau, a
Editora Abril, a Pottencial Seguradora, Uma das empresas de
Salim Mattar, a Localiza, a Suzano, o Bank of American Merrill
Lynch e o grupo Évora (Idem, Ibidem).

80  Maria Escolástica dos Santos • Gorete Rodrigues de Amorim


Os rebatimentos desse ativismo de direita no que se
refere ao campo educacional têm sido o avanço desenfreado
da lógica do mercado, desde a implementação de políticas
até o desenvolvimento das cotidianas atividades escolares.
O uso da linguagem empresarial nos documentos e diretrizes
educacionais são cada vez mais evidentes, o aluno que agora
é clientela, o empresário é o parceiro e os livros didáticos
são espaços de publicidade legitimados pelo MEC. O
sistema educacional passa a preparar o aluno com base nas
competências e habilidades exigidas pelo mercado de trabalho
em crise. Conceitos como produtividade, eficiência, eficácia e
excelência são emprestados das teorias administrativas para o
campo educacional sem quaisquer constrangimentos.
A educação se apresenta como campo fértil de captação
de lucro para o mercado capitalista, que avança com o processo
de privatização não apenas do Ensino Superior, amplamente
impulsionado pelos programas Fies e ProUni, mas, também,
da educação básica. Nesse processo, os grandes grupos
empresariais do setor educacional, além de avançarem com a
expansão do sistema de ensino privado, lucram com dinheiro
público por meio de serviços de assessoria pedagógica, bem
como pelo sistema de apostilamento. A título de ilustração,
vale ressaltar que a Kroton Educacional, que se fundiu ao
grupo Somos Educação (dona da Ática, Anglo, Saraiva e
Scipione, além de escolas próprias, cursos pré-vestibulares e
de idiomas), tornou-se a maior empresa do ramo da educação
no mundo e representa agora 20% do mercado de apostilas
amplamente consumidas pela escola pública. O prognóstico
é de 1,7 milhões de professores do sistema público de ensino
utilizando seus produtos e serviços. Isso elevará o lucro desse
grupo empresarial proveniente da educação básica de 3% para
28% (AVANCINI, 2018).

AS IMPOSIÇÕES DO CAPITAL NAS ATUAIS REFORMAS EDUCACIONAIS:


ALINHAMENTO ENTRE A EC 95/2016, A REFORMA DO ENSINO MÉDIO 81
E OS INTERESSES ECONÔMICOS
Amplia-se em larga medida o processo de terceirização
dos serviços e as reformas educacionais orientadas pela lógica
liberal. A redução do público à lógica do privado teve como
resultado evidente a crescente elevação das exigências pautadas
nos índices de avaliações em larga escala determinadas pelo
Banco Mundial. O ensino está sendo privatizado sob diversas
formas, inclusive pelo uso de vouchers em níveis bastante
elevados na educação infantil. Os vouchers são uma espécie
de títulos entregues pelo Estado aos pais das crianças que
necessitam de atendimentos na educação infantil para
receberem atendimento no setor privado. Trata-se de dinheiro
público injetado nas instituições privadas ao invés de ser
utilizado na construção de instituições públicas. Em 2015, havia
em são Paulo 1.766 instituições de educação infantil. Destas,
somente 361 eram diretamente públicas.
Há um processo acelerado de intensificação e ao mesmo
tempo desqualificação do trabalho docente. A subcontratação
de profissionais no interior do Estado, por meio da terceirização
ou de contratos temporários, são processos que resultam na
precarização das relações de trabalho, desmobilização dos
trabalhadores e enfraquecimentos dos sindicatos. A ideia do
comunitarismo e do voluntariado reforçam o processo de
desqualificação e desprofissionalização dos docentes.
Há um evidente aumento da sobrecarga de trabalho
dos professores. É comum estenderem a jornada de trabalho
para os fins de semana, estabelecendo uma simbiose entre
o espaço de trabalho e sua vida privada. O que temos são
docentes mal remunerados, com dupla e até tripla jornada de
trabalho, muitas vezes com mais de uma disciplina, em disputa
com outras escolas e/ou outros docentes devido ao sistema
de ranques estimulado pelas políticas do Banco Mundial, bem
como o tempo extra gasto com outras atividades escolares,

82  Maria Escolástica dos Santos • Gorete Rodrigues de Amorim


como reuniões, planejamentos, projetos etc. Muitos ainda
tendo que complementar a renda com outras atividades.
No âmbito da escola a atuação dos professores aponta
para além da sua função. Em algumas escolas ou redes de
ensino o ritmo e a condução do trabalho docente passaram a ser
impostos pelas apostilas. Não há espaço para desenvolvimento
do pensamento crítico, para inovações. Os professores estão
submetidos a uma intensa vigilância e assédio pelo discurso de
culpabilização e demonização impulsionadas pelos movimentos
de direita que acusam-no de doutrinadores de esquerda. Nesse
aspecto, destaca-se o Movimento Escola sem Partido.
Isso desagua numa delicada relação dos professores
com estudantes e pais. Nesse contexto, as ciências e a filosofia
passam a ser não apenas questionadas, mas atacadas. Teorias
como darwinismo, marxismo são largamente combatidas.
Fatos históricos como a Ditadura Militar brasileira e fenômenos
ambientais como aquecimento global são simplesmente
negados. Discussões sobre gênero, minorias, cotas raciais e
preconceitos são amplamente desqualificadas.
Como resultado, temos o avanço do obscurantismo, o
crescimento da ignorância e o adoecimento de professores
em níveis cada vez mais alarmantes. O saldo final é 66% dos
professores afastados de suas atividades por problemas de
saúde, conforme pesquisa realizada pela Revista Nova Escola,
em 2018. Os dados apontam que entre os problemas que
aparecem com maior frequência então a ansiedade, que afeta
68% dos educadores; estresse e dores de cabeça (63%); insônia
(39%); dores nos membros (38%) e alergias (38%). Além disso,
28% deles afirmaram que sofrem ou já sofreram de depressão.
Esse cenário anteriormente descrito revela a aproximação
entre educação e economia, com nítido submetimento da
escola às necessidades do mercado produtivo e os impactos
na subjetividade dos indivíduos. Freitas (2018, p. 31) explica

AS IMPOSIÇÕES DO CAPITAL NAS ATUAIS REFORMAS EDUCACIONAIS:


ALINHAMENTO ENTRE A EC 95/2016, A REFORMA DO ENSINO MÉDIO 83
E OS INTERESSES ECONÔMICOS
que o parâmetro que fundamenta as relações humanas nesta
sociedade regida pela lógica neoliberal “é o ‘empreendimento’
que expressa o ‘empreendedorismo’ dos seres humanos,
constituindo a fonte de liberdade pessoal e social e cuja
organização mais desenvolvida é a ‘empresa’”. Nesse sentido,
os parâmetros de eficiências do sistema educativo somente
serão atingidos mediante a adoção dos mecanismos de controle
empresariais aos quais os indivíduos devem ser subjugados.
O que acontece com as escolas que não conseguem
atingir os parâmetros postos pelo mercado? Freitas (2018, p.
34) explica que

Criada a dinâmica, as escolas que não conseguem


atingir a meta de qualidade são acompanhadas – para
novamente introduzir mais formas de operação típicas das
empresas, por exemplo, reestruturação com demissão dos
profissionais, bônus por mérito ou pagamento por valor
agregado, uso de consultorias privadas – e, no caso de
não reagirem positivamente aumentando sua qualidade,
devem ser 1) fechadas e seus alunos transferidos para
outras escolas públicas mais eficazes; 2) terceirizadas para
empresas privadas que operam escolas públicas; ou 3)
uma combinação entre terceirização e vouchers.

As medidas apontadas como solução para empresas


fracassadas são as mesmas aplicadas na escola. Esse
procedimento tem por finalidade criar um mercado por
meio da terceirização das escolas públicas, atacando-as
frontalmente, uma vez que desvia para iniciativa privada verbas
públicas que seriam injetadas no seu funcionamento. Os
problemas educacionais passam a ser analisados apenas como
um problema de gestão, sem levar em consideração os demais
condicionantes do processo.
Para compreendermos a dimensão da reforma
empresarial que vem sendo implementada na educação, faz-se

84  Maria Escolástica dos Santos • Gorete Rodrigues de Amorim


necessário compreender a busca constante pelo alinhamento
entre investimentos na educação e os interesses do capital
como algo inerente ao papel do Estado burguês. Portanto,
supomos que não existe nenhuma desconexão entre a Emenda
Constitucional nº 95/2016 que corta investimentos em áreas
sociais por 20 anos, e a Lei 13.415/2017, que reforma o Ensino
Médio e os interesses imediatos do capital.

O alinhamento entre a EC 95/2016, a lei 13.415/2017 e a BNCC


com os interesses do capital

É importante rememorar que a história do acesso da


classe trabalhadora à educação escolar demonstra a necessária
relação entre capital, trabalho e Estado. A predominância
desse tipo de educação na sociedade capitalista surge da
necessidade de preparar a força de trabalho adaptada às
atividades simples realizadas no campo, para a produção
industrial que se expande, principalmente a partir da grande
indústria, onde “todo trabalho na máquina exige instrução
prévia do trabalhador para que ele aprenda a adequar seu
próprio movimento ao movimento uniforme e contínuo de um
autômato” (MARX, 2013, p. 492).
É verdade que a preparação de força de trabalho para
atender às demandas da produção não ocorreu e nem ocorre
somente de modo formal pela via da educação escolar, mas
esta já ganha espaço na legislação fabril logo nos primórdios
do capitalismo na Inglaterra. Conforme afirma Marx (2013, p.
553), “por mais mesquinhas que pareçam quando tomadas em
conjunto, as cláusulas educacionais da lei fabril proclamam o
ensino primário como condição obrigatória para o trabalho”.
De modo não linear, a educação escolar burguesa
destinada à classe trabalhadora, mediada e controlada pelo
Estado, carrega uma marca comum em todas as circunstâncias

AS IMPOSIÇÕES DO CAPITAL NAS ATUAIS REFORMAS EDUCACIONAIS:


ALINHAMENTO ENTRE A EC 95/2016, A REFORMA DO ENSINO MÉDIO 85
E OS INTERESSES ECONÔMICOS
históricas: adaptar a força de trabalho às demandas da
produção e, consequentemente, aos interesses do capital. Não
poderia ser diferente na atual conjuntura social e econômica.
Dessa forma, ainda que o Estado se utilize de artimanhas
para camuflar a função mediadora de interesses econômicos,
nem sempre consegue esconder o caráter perverso da política
educacional, que visa adequar a força de trabalho às necessidades
do modo de produção. Um exemplo dessa intencionalidade é
a Reforma do Ensino Médio, decretada por Medida Provisória
746/2016, expedida com força de lei, ou seja, com poder
de alterar em caráter imediato a Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Brasileira – LDB nº 9.394/96. Posteriormente, a
referida MP é transformada na Lei 13.415/20171.
O contexto da crise estrutural do capital, uma “crise
nunca antes sequer imaginada” (MÉSZÁROS, 2011, p. 59) que
atinge todas as dimensões da vida em todas as localidades do
planeta, tem agravado “problemas sociais e institucionais cada
vez mais difíceis de serem controlados pelo Estado” (AMORIM,
2017, p. 122). Este tem sido impulsionado ainda mais a agir
em função do poder do capital, tendo em vista que “embora
longe de ter se esgotado, não mais consegue se expandir. [...]”
(MÉSZÁROS, 2011, p. 57).
Em consequência e simultaneamente à referida crise do
capital, todas as dimensões da vida social são impactadas.
Esse é o pressuposto que explica porque “a crise estrutural
da educação tem estado em evidência já há um número de

1 Altera as Leis n. 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes


e bases da educação nacional, e 11.494, de 20 de junho 2007, que regulamenta o
Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos
Profissionais da Educação, a Consolidação das Leis do Trabalho - CLT, aprovada
pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, e o Decreto-Lei nº 236, de 28
de fevereiro de 1967; revoga a Lei nº 11.161, de 5 de agosto de 2005; e institui
a Política de Fomento à Implementação de Escolas de Ensino Médio em Tempo
Integral (grifo no original).

86  Maria Escolástica dos Santos • Gorete Rodrigues de Amorim


anos nada desprezível. E aprofunda-se a cada dia, ainda que
essa intensificação não assuma a forma de confrontações
espetaculares” (Idem, ibidem, p. 59).
É nesse contexto sócio histórico que, consequentemente,
as determinações do capital assumem, de forma cada vez mais
evidente, “confrontações” de interesses de classes. Portanto,
reformar a educação significa readaptar a força de trabalho,
primordialmente da juventude pobre, à atual condição de
reprodução do capital. Não por mero acaso os pontos de
irradiação dessas reformas estão centrados na Organização
para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e em
agências de fomento internacionais, como o Banco Mundial e
o Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento
(BIRD).
Nesse caso, cabe ao Estado reduzir investimentos na
formação de grande contingente de jovens que, possivelmente,
não serão absorvidos pelo mercado formal. Nesse caso, torna-
se mais fácil ao capitalista comprar força de trabalho para
atividades simples, uma vez que tem à disposição imenso
exército de trabalhadores desempregados, disputando a venda
de sua única mercadoria.
Nessa lógica, não é necessário muito esforço para
identificar a função mediadora do Estado frente às
determinações do capital no campo das reformas sociais. Na
educação, o reducionismo da formação básica pela flexibilização
de áreas do conhecimento no currículo (Sociologia, Filosofia,
Educação Física, Arte etc.) é um exemplo.
O currículo que anteriormente se apresentava como
obrigatório no decorrer de todo curso passa a ter um formato
de oferta flexível. Componentes curriculares anteriormente
de oferta obrigatória por parte do Estado em toda etapa do
Ensino Médio, agora são ofertados em um ano ou período do
curso, a depender da organização curricular de cada sistema

AS IMPOSIÇÕES DO CAPITAL NAS ATUAIS REFORMAS EDUCACIONAIS:


ALINHAMENTO ENTRE A EC 95/2016, A REFORMA DO ENSINO MÉDIO 87
E OS INTERESSES ECONÔMICOS
de ensino, ou seja, a União transfere responsabilidades para
os Sistemas Estaduais de Ensino e estes, por sua vez, fazem as
adequações demandadas pelo capital.
E ainda, a flexibilidade nas formas de organização do
Ensino Médio permitida pela Lei nº 13.415 de 2017 é estendida
a dois outros aspectos comprometedores da formação dos
indivíduos. O primeiro é que os sistemas de ensino estarão
livres para organizar “a oferta de formações experimentais”
(BRASIL/LDB, 1996, Art. 36, §7º). Significa a livre oferta
de cursos profissionalizantes não constantes no Catálogo
Nacional dos Cursos Técnicos, ainda que necessite inseri-los no
referido catálogo no prazo de cinco anos.
Se por um lado aparenta a elevação do grau de autonomia
outorgada aos sistemas de ensino, por outro, permite a
ampliação da margem de adequação do processo formativo
às formas mais diversas de exploração da força de trabalho
e/ou descarte da mesma pelo capital. A crise do capital é
acompanhada da crise do emprego, ou seja, se torna cada vez
mais difícil ao trabalhador vender sua força de trabalho ao
capitalista. Que interesse tem o Estado em elevar investimentos
na formação profissional da maior parte da juventude pobre,
concentrada em regiões de baixíssimo índice de produção
industrial?
Nesse sentido ampliam-se as finalidades dos cursos
técnicos no denominado Ensino Médio Integral, podendo ser
direcionado ao preparo para o emprego, prestação de serviço
e desemprego, este último fantasiado de empreendedorismo
individual.
Outro aspecto observado é a flexibilização do percurso,
ou seja, “o ensino médio poderá ser organizado em módulos
e adotar o sistema de créditos com terminalidade específica”
(BRASIL/LDB, 1996, Art. 36, § 10). Outro exemplo que
demonstra o quanto o Estado submete os sistemas de ensino ao

88  Maria Escolástica dos Santos • Gorete Rodrigues de Amorim


capital diz respeito à adaptação dos currículos às necessidades
do mercado. Não basta esvaziar ainda mais o currículo de
conhecimentos científicos, é preciso também fragmentar,
descomprometer-se com a formação mínima necessária para
que o indivíduo eleve sua relação com o gênero humano.
Essa flexibilização resultará, supomos, em
desdobramentos diversos na oferta e nos currículos dos cursos
de licenciaturas e abertura de vagas em universidades públicas.
Que necessidade haverá em manter cursos de licenciaturas
que habilitem professores por disciplinas, se estas estão
submetidas a todo tipo de arranjo curricular, com tendência a
estarem fundidas em áreas do conhecimento, conforme prevê o
documento da Base Nacional Comum Curricular para o Ensino
Médio (BNCC – Ensino Médio)?
Também é permitida a atuação de profissionais com
notório saber reconhecidos pelos respectivos sistemas de ensino
(BRASIL/LDB, 1996, Art. 61, IV), o que aponta para o aumento
de contratos temporários em detrimento da realização de
concursos. Isso consequentemente submeterá ainda mais
as condições de trabalho e salários precarizados, além de
fragmentar substancialmente a categoria docente, abrir novo
campo para a terceirização e alicerçar o terreno para o edifício
da privatização.
Os elementos apresentados são, a nosso ver, suficientes
para constatarmos o efetivo alinhamento entre as políticas
econômicas e educacionais. A Emenda Constitucional nº
95/2016 que corta investimentos em áreas sociais, a Reforma
do Ensino Médio (Lei 13.415/2017) e a nova Base Nacional
Curricular Comum para o Ensino Médio estão devidamente
ajustadas aos interesses do capital.
Isso atinge, inclusive, o Ensino Superior. O Brasil não
tardará, supomos, em cumprir a recomendação do Banco

AS IMPOSIÇÕES DO CAPITAL NAS ATUAIS REFORMAS EDUCACIONAIS:


ALINHAMENTO ENTRE A EC 95/2016, A REFORMA DO ENSINO MÉDIO 89
E OS INTERESSES ECONÔMICOS
Mundial no Relatório intitulado “Um Ajuste Justo: Análise da
eficiência e equidade do gasto público no Brasil”:

As despesas com ensino superior são, ao mesmo tempo,


ineficientes e regressivas. Uma reforma do sistema
poderia economizar 0,5% do PIB do orçamento federal.
O Governo Federal gasta aproximadamente 0,7% do
PIB com universidades federais. A análise de eficiência
indica que aproximadamente um quarto desse dinheiro
é desperdiçado. Isso também se reflete no fato que os
níveis de gastos por aluno nas universidades públicas
são de duas a cinco vezes maior que o gasto por aluno
em universidades privadas. A limitação do financiamento
a cada universidade com base no número de estudantes geraria
uma economia de aproximadamente 0,3% do PIB. Além disso,
embora os estudantes de universidades federais não
paguem por sua educação, mais de 65% deles pertencem
aos 40% mais ricos da população. Portanto, as despesas
com universidades federais equivalem a um subsídio
regressivo à parcela mais rica da população brasileira.
Uma vez que diplomas universitários geram altos retornos pessoais
(em termos de salários mais altos), a maioria dos países cobra pelo
ensino fornecido em universidades públicas e oferece empréstimos
públicos que podem ser pagos com os salários futuros dos estudantes.
O Brasil já fornece esse tipo de financiamento para que
estudantes possam frequentar universidades particulares
no âmbito do programa FIES. Não existe um motivo
claro que impeça a adoção do mesmo modelo para as
universidades públicas. A extensão do FIES às universidades
federais poderia ser combinada ao fornecimento de bolsas de
estudo gratuitas a estudantes dos 40% mais pobres da população
(atualmente, 20% de todos os estudantes das universidades
federais e 16% de todos os estudantes universitários no país), por
meio da expansão do programa PROUNI. Todas essas reformas
juntamente melhorariam a equidade e economizariam
pelo menos 0,5% do PIB do orçamento federal (BRASIL/
GRUPO BANCO MUNDIAL, 2017, p. 12 grifo nosso).

90  Maria Escolástica dos Santos • Gorete Rodrigues de Amorim


Vale ressaltar que o Relatório é resultado de solicitação do
governo brasileiro ao Banco Mundial. Essa citação apresenta
recomendações direcionadas à privatização do Ensino Superior
no Brasil, pois este, de acordo com o BM, onera os cofres
públicos. Entretanto, quando retornamos à observação da Lei
13.415/2017, é possível constatar o devido alinhamento entre
as políticas implementas para a Educação Básica e a intenção
político econômica do Banco Mundial.
Quando o Estado realiza reformas que perversamente
intencionam tornar menos oneroso o gasto público com a
oferta do Ensino Médio, permitindo a ampliação das formas
de reconhecimento de competências (Art. 36, § 11, VI)
adquiridas, inclusive em cursos à distância, consegue aligeirar
a conclusão de curso. Consequentemente, precisa garantir
menor investimento de recursos públicos na formação de
jovens pobres, preparados, em larga medida, para exploração
no mercado informal e/ou empreendedorismo individual.
Quem determina a atual função do Estado? A resposta é
encontrada em documentos do próprio Estado, que declaram
abertamente os acordos com Organismos Internacionais para
ajustamento de políticas sociais às demandas do capitalismo
global. Isso pode ser verificado no trecho conclusivo do Parecer
da Câmara de Educação, Congresso Nacional, sobre a Medida
Provisória nº 746/2016:

Assim, em consonância com as recomendações do Banco


Mundial e do Fundo das Nações Unidas para a Infância
(UNICEF), um novo modelo de ensino médio oferecerá,
além das opções de aprofundamento nas áreas do
conhecimento, cursos de qualificação, estágio e ensino
técnico profissional” (PARECER Nº 95/2016-CN, p. 7 – 8,
grifo nosso).

AS IMPOSIÇÕES DO CAPITAL NAS ATUAIS REFORMAS EDUCACIONAIS:


ALINHAMENTO ENTRE A EC 95/2016, A REFORMA DO ENSINO MÉDIO 91
E OS INTERESSES ECONÔMICOS
A alegação, por parte do Estado, é que a reforma do
Ensino Médio atende aos anseios da juventude. Entretanto,
ao instituir a reforma pela via de uma Medida Provisória
(746/2016) transformada na Lei 13.415/2017, antes mesmo da
definição de uma Base Nacional Comum Curricular para essa
etapa da Educação Básica, não consegue esconder a pressa em
atender, antes de tudo, o que previa a chamada PEC da morte
(241 ou 55/2016), ou seja, o congelamento orçamentário nas
áreas de saúde e educação.
Todas as manifestações da sociedade, paralisações
nacionais, ocupação das escolas pelos estudantes da Educação
Básica e Ensino Superior foram ignoradas. A Proposta da
Emenda Constitucional 241/2016 foi apressadamente aprovada
pelo Congresso Nacional e Senado brasileiro, constituindo-se
em 15 de dezembro de 2016, na Emenda Constitucional 95,
cujo objetivo é limitar despesas, especialmente com saúde,
educação, assistência social e Previdência pelos próximos 20
anos.
Nesse cenário, o Estado apresenta o documento da
Base Nacional Comum Curricular (BNCC) para o Ensino
Médio, intrinsecamente ajustado à Lei 13.415/2017. O
processo de elaboração e articulação da BNCC para todos os
níveis da educação básica foi iniciado em 2013 e se deu sob
intensa negociação com o empresariado brasileiro. À frente
dessa negociação esteve o Movimento Pela Base (MPB), uma
organização da sociedade civil que coaduna organizações
do terceiro setor, instituições privadas, representantes de
banqueiros e empresários, bastante articulados com partidos
políticos e influências no meio acadêmico. Ao todo, há mais
de 70 participantes empenhados nessa reformulação curricular
(ANDRADE; NEVES; PICCININI, 2017).
Dentre eles, representados de forma direta ou indireta,
grupos empresariais como Natura, Grupo Globo, Souza Cruz,

92  Maria Escolástica dos Santos • Gorete Rodrigues de Amorim


Braskem13, Itaú, Ab Inbev, Odebrecht, Avon, Credicard,
Procter & Gamble, Shell, Consórcio LIDE, Suzano Celulose,
Samsung, Playstation, Dudalina, Englishtown, Citibank, Nestlé,
Odontoprev, Oracle, Droga Raia, Boeing, Telefônica. Além
desses, marcaram presença organizações não governamentais
que atuam amplamente na educação e levantam a bandeira
dos interesses do mercado, tais como Fundação Cesgranrio,
Instituto Ayrton Senna, Fundação Lemann, Fundação Roberto
Marinho, Instituto Natura, Instituto Unibanco, Itaú Social.
Com especial destaque ao movimento “Todos pela Educação”,
importante representante do empresariado, com forte atuação
nas reformas educacionais brasileiras e precursor do Movimento
Pela Base (Idem, Ibidem).
Nada difícil afirmar que a BNCC também está alinhada às
medidas reducionistas do Estado, atendendo às demandas do
capital. No que se refere à BNCC do Ensino Médio, em termos
fundamentais, não existe nada de novo, já que a mesma está
pautada nos objetivos determinados pela Lei nº 9.394/1996
para o Ensino Médio. Logo no segundo objetivo (Art. 35, inciso
II), o Estado declara a função dessa etapa de formação da
juventude: “a preparação básica para o trabalho e a cidadania
do educando, para continuar aprendendo, de modo a ser capaz
de se adaptar com flexibilidade a novas condições de ocupação
ou aperfeiçoamento posteriores.”.
Vale destacar outra parte da Lei, o Art 35-A, § 3º, o qual
afirma que “o ensino da língua portuguesa e da matemática
será obrigatório nos três anos do ensino médio, assegurada às
comunidades indígenas, também, a utilização das respectivas
línguas maternas”. Ou seja, a Lei da Reforma antecede a BNCC,
altera a LDB e determina o delineamento da Base Nacional. Não
resta dúvida, os citados documentos revelam forte alinhamento
às demandas do capital, reforçando a função intermediária do

AS IMPOSIÇÕES DO CAPITAL NAS ATUAIS REFORMAS EDUCACIONAIS:


ALINHAMENTO ENTRE A EC 95/2016, A REFORMA DO ENSINO MÉDIO 93
E OS INTERESSES ECONÔMICOS
Estado, que opera o famigerado “ajuste justo” das despesas
primárias2.
Ao determinar a redução de disciplinas obrigatórias
no Ensino Médio sob o enganoso discurso da organização
curricular por área do conhecimento, o Estado, sem dúvida,
encontra uma saída para reduzir investimentos na educação
da classe trabalhadora e atender aos interesses financeiros da
classe dominante.

A lógica que orienta as políticas de cortes de gastos


que empurram para baixo o padrão de vida da classe
trabalhadora, sem contrariar os anseios das classes
dominantes, está amparada nas determinações mercantis,
embora o discurso burguês seja o da igualdade de
direitos e de acesso, escamoteando a própria essência da
sociedade capitalista, que é a exploração, a exclusão e a
desigualdade. Se a sociedade capitalista garantir igualdade
de direito, perde sua razão de ser, uma vez que se sustenta
da lógica do mercado cujo cerne está na exploração da
força de trabalho e na produção de lucro, em detrimento
da vida humana (AMORIM; SANTOS, 2016, p. 130).

Nesse campo minado por interesses antagônicos de


classes, o Estado, conforme vimos anteriormente, cumpre a
função que lhe é inerente em todas as áreas e dimensões da
sociedade burguesa. A educação não está isenta, no atual
contexto histórico, à intervenção negativa do Estado sobre
interesses da classe trabalhadora. Tal fato é tão evidente que

2 A Emenda Constitucional nº 95/2016 que congela orçamentos em áreas


sociais por décadas, deixa intocável o campo das despesas financeiras
que beneficiam diretamente a classe detentora do poder econômico
e político no país, exemplo: juros da dívida pública não auditada
consomem quase metade do orçamento federal todo ano (Cf: <https://
auditoriacidada.org.br/conteudo/o-rombo-das-contas-publicas-esta-
no-sistema-da-divida-e-nao-na-previdencia-social/>).

94  Maria Escolástica dos Santos • Gorete Rodrigues de Amorim


parecemos estar afirmando o óbvio, embora o Estado sempre
esteja disposto ao metamorfoseamento para camuflar sua
função natural.

Considerações finais

Os elementos apresentados demonstram que a função


demandada pelo Capital ao Estado burguês em relação à
educação pública, frente ao crescente descarte da força de
trabalho da juventude pelo mercado formal, é inegavelmente
de ajuste às necessidades do mercado. As determinações do
capital aparecem nas atuais reformas educacionais, em especial
na reforma do Ensino Médio que, dentre outros prejuízos, reduz
significativamente a possibilidade de acesso ao conhecimento
científico, quando estabelece que o tempo curricular destinado
às disciplinas que compõem a base comum deve passar de, no
mínimo, 2.400 horas em três anos de escolaridade para, no
máximo, 1.800 horas.
A formação profissional é flexibilizada tanto em relação
ao tempo cursado pelo estudante, quanto em relação à oferta
de cursos por parte dos sistemas de ensino. Ao estudante
é possibilitado, inclusive, o aproveitamento da carga
horária de cursos realizados à distância, o reconhecimento
de competências por demonstração prática, bem como
trancamento de curso com certificação de etapas concluídas.
Aos sistemas de ensino é permitida a oferta de cursos não
constantes no Catálogo Nacional dos Cursos Técnicos, as
denominadas “formações experimentais”, ou seja, formações
que adaptam a juventude à realidade do mercado local, muitas
vezes com possibilidade de vislumbrar apenas a perspectiva do
propalado empreendedorismo individual.
Esse recorte do campo da política educacional do
Estado burguês no Brasil revela o constatável alinhamento

AS IMPOSIÇÕES DO CAPITAL NAS ATUAIS REFORMAS EDUCACIONAIS:


ALINHAMENTO ENTRE A EC 95/2016, A REFORMA DO ENSINO MÉDIO 95
E OS INTERESSES ECONÔMICOS
das reformas às demandas do capital. As atuais reformas
educacionais validam o reducionismo da formação básica;
apontam para desdobramentos na oferta e nos currículos
de cursos de licenciaturas; a diminuição de concursos e
aumento de contratos temporários; a flexibilidade para
oferta de formações profissionais experimentais e submetem
estritamente os sistemas de ensino à adaptação dos currículos
e às demandas do mercado.
O que poderia ser a superação do ensino disciplinar
fragmentado passa a ser o aprofundamento da pobreza material
e espiritual de gerações, expropriadas da condição de acesso
ao conhecimento, cada vez mais restrito quando destinado à
juventude pobre.
Reduzir drasticamente direitos sociais em função de
interesses econômicos é a tarefa do Estado burguês em contexto
de crise estrutural do capital. Portanto, a ideia de que a saída
para a resolução dos problemas sociais, incluindo a educação,
se encontram no Estado, por meio de políticas públicas, ou
seja, colocar a centralidade na política é, no mínimo, ilusório.
Pois, é da própria natureza do Estado controlar o acesso da
classe trabalhadora à riqueza material e espiritual produzida
pela humanidade, condição imprescindível para reprodução do
capital pelo trabalho explorado.
Nesse sentido é fundamental compreendermos, ainda que
em circunstâncias não favoráveis à superação da sociedade de
classes e, consequentemente do Estado, que a centralidade se
encontra no trabalho. As determinações do capital sobre a vida,
a educação e demais necessidades da humanidade somente
serão superadas com a superação do trabalho explorado pelo
trabalho emancipado, o que não é possível em nenhum tipo de
sociedade de classes. Desse modo, para garantir uma educação
verdadeiramente emancipadora, necessitamos transformar
radicalmente esta sociedade.

96  Maria Escolástica dos Santos • Gorete Rodrigues de Amorim


Por outro lado, esta compreensão não implica dizer
que devamos aceitar passivamente os desmandos impostos
pelo Estado sob orientação do capital. A organização da
classe trabalhadora para lutar por educação pública, gratuita
e de qualidade está na ordem do dia. A resistência contra o
estrangulamento dos escassos direitos conquistados deve ser
cotidiana, pois é condição de sobrevivência do trabalhador no
bojo da luta de classes.

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ALINHAMENTO ENTRE A EC 95/2016, A REFORMA DO ENSINO MÉDIO 99
E OS INTERESSES ECONÔMICOS
TEORIAS FEMINISTAS PÓS-COLONIAS
E DESCOLONIAIS E A TEORIA DAS
REPRESENTAÇÕES SOCIAIS:
O ENCONTRO POSSÍVEL NA
PESQUISA EM EDUCAÇÃO

Ana Célia de Sousa Santos


Lícia de Souza Leão Maia

E
ste texto apresenta a Teoria Feminista Pós-
colonial e descolonial como uma alternativa
teórico-metodológica para as pesquisas na área
da educação. Apresenta, ainda, os possíveis encontros dessa
Teoria com a Teoria das Representações Sociais, cuja objetivo
principal é compreender os principais fundamentos das RS que
temos na atualidade sobre as relações de gênero.

A Teoria Feminista Pós-colonial e descolonial e a crítica à


produção moderna-ocidental do conhecimento

Pensar na construção de Epistemologias Feministas


é contribuir para descontruir estereótipos que estão fixos

TEORIAS FEMINISTAS PÓS-COLONAIS E DESCOLONIAS


E A TEORIA DAS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS: O ENCONTRO 101
POSSÍVEL NA PESQUISA EM EDUCAÇÃO
nos corpos, mentes e afetos de “mulheres” e “homens”
(heterossexuais, homossexuais, bissexuais, transexuais,
dentre outros). Desse modo, a educação como ato político
e científico (FREIRE, 2005) deve proporcionar momentos de
problematização da Ciência e dos conhecimentos produzidos,
já que, ao serem universalizados, disseminam a ideia de um “ser
único” – branco, heteronormativo, cristão e de classe média.
Cabe-nos, então, pensar que caminho/os seguir: para umas/
uns, deve-se pensar na produção do conhecimento como
intervenção no modo masculino de fazer ciência; para outras/
os, como construção de uma epistemologia alternativa.
Para Rago (1998, p. 3), a epistemologia define “um
campo e uma forma de produção do conhecimento, o
campo conceitual a partir do qual operamos ao produzir o
conhecimento científico. É a maneira pela qual estabelecemos
a relação com os sujeitos do conhecimento e a própria
representação de conhecimento como verdade”. Na perspectiva
de Santos (2009, p. 9), epistemologia

[...] “é toda noção ou ideia, refletida ou não, sobre as


condições do que conta como conhecimento válido.
É, pois, por via do conhecimento válido que uma dada
experiência social se torna intencional ou inteligível, pois
essa ocorre através das práticas e dos/as atores/as sociais,
dando origem a diferentes tipos de relações e diferentes
epistemologias”.

Nesse sentido, as mulheres incorporam diferentes modos


de ver e fazer a ciência e suas práticas cotidianas, trazendo ao
centro das discussões questões que sempre ficaram restritas ao
campo do privado1, como o aborto, o assédio, a divisão das

1 Espaço destinado às mulheres, nos quais desenvolviam somente


trabalhos domésticos, cuidado dos filhos/as e que ninguém devia
“meter a colher” quando se tratava de violência e agressões.

102  Ana Célia de Sousa Santos • Licia de Souza Leão Maia


tarefas, o cuidado dos/as filhos/as etc. Assim sendo, questionam
o poder e o saber colonial que sempre esteve centralizado em
algumas partes do mundo e que, de certo modo, predominou
na produção e reprodução do conhecimento e das relações,
provocando o epistemicídio2, não somente de conhecimentos
e saberes, mas sobretudo de indígenas, negros e mulheres
(SANTOS, 1989).
A ideia central deste argumento, de acordo com Santos
(2009, p. 13), é que “o colonialismo, para além de todas as
dominações como já é conhecido, foi também uma dominação
epistemológica, uma relação extremamente desigual de saber-
poder que conduziu à supressão de muitas formas de saber
próprias dos povos e/ou nações”. As Epistemologias do Sul
são, como propõe Santos (2009), o conjunto de intervenções
epistemológicas que denunciam essa supressão, valorizam os
saberes que resistiram com êxito e investigam as condições de
um diálogo horizontal entre conhecimentos, proporcionando a
construção das “ecologias de saberes”3.
Nesse caso, a partir de uma visão colonial4, patriarcal e
capitalista que impôs um modelo de credo, cultura, de produção
e reprodução da vida conforme a perspectiva do colonizador
eurocentrado (HUZIOKA, 2010), pensar a definição do que é

2 Ação que provoca/provocou a supressão de todas as práticas sociais


do conhecimento que contrariassem os interesses eurocentrados,
ou seja, a supressão dos conhecimentos locais perpetrados por um
conhecimento alienígena (SANTOS, 1998).
3 Fundamenta-se no reconhecimento da pluralidade de conhecimentos
e em interações sustentáveis e dinâmicas entre eles, sem comprometer
sua autonomia. Baseia-se na ideia de que o conhecimento é
interconhecimento (SANTOS, 2009).
4 O colonialismo foi concebido como missão civilizadora dentro do
marco historicista ocidental, no qual o desenvolvimento europeu
apontava o caminho para o resto do mundo a partir da teoria política
liberal e do marxismo (SANTOS, 2008).

TEORIAS FEMINISTAS PÓS-COLONAIS E DESCOLONIAS


E A TEORIA DAS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS: O ENCONTRO 103
POSSÍVEL NA PESQUISA EM EDUCAÇÃO
ser “mulher” e “homem” está intimamente ligado ao conceito
do que é ser “humano” e “não humano”, pois, em consequência
a esses modelos, mulheres e homens vivem em condições de
desigualdades (LUGONES, 2014). O pensamento ocidental
dominante construiu-se sobre a base das necessidades de
dominação colonial e patriarcal, que são duas formas de
degradação ontológica sem as quais o capitalismo não
funciona e, por sua vez, incide sobre a ideia de um ser colonial
(negro, indígena, latino americano, asiático) consagrado
no século XIX e que se sustenta na ideia de um pensamento
abissal5 (SANTOS, 2009, 2017). A diferenciação colonial entre
humanos e não humanos, gerada por esse modo de pensar,
traz consigo outras distinções como superior/inferior, público/
privado, dominado/dominador, dentre outras, que delimitam
o modo de como agimos e que de alguma forma subestimou
e invisibilizou as mulheres e as tornou um ser dependente do
homem. Para Lugones (2014), essas distinções dicotômicas
incluem as diferenças entre “homens e mulheres”, tornando-
se, para ela, “a marca do humano e a marca da civilização”.
Só os civilizados humanos são homens ou mulheres. Os povos
indígenas das Américas e os/as negros/as da África escravizados/
as eram classificados/as como espécies não humanas – como
animais, incontrolavelmente sexuais e selvagens” (p. 936). Esse
modelo impôs um jeito moralista de ser que produziu seres que
exercem papéis também diferenciados:

[...] O homem europeu, burguês, colonial moderno


tornou-se um sujeito/agente, apto a decidir, para a vida
pública e o governo, um ser de civilização, heterossexual,

5 Este pensamento opera mediante a definição unilateral de linhas que


dividem as experiências, os saberes e os atores sociais entre os que
são úteis, inteligíveis e visíveis (os que estão do lado de cá da linha)
e os que são inúteis, perigosos, ininteligíveis, objetos de supressão ou
esquecimento (os que ficam do lado de lá linha) (SANTOS, 2009).

104  Ana Célia de Sousa Santos • Licia de Souza Leão Maia


cristão, um ser de mente e razão. A mulher europeia
burguesa era entendida como alguém que reproduzia raça
e capital por meio de sua pureza sexual, sua passividade, e
por estar atada ao lar a serviço do homem branco europeu
burguês” (p.936).

Ao afirmar que a hierarquia dicotômica entre o humano


e o não humano era a dicotomia central da modernidade
colonial, Lugones (2014, p. 936) destaca que:

[...] os/as colonizados/as tornaram-se sujeitos em


situações coloniais na primeira modernidade, nas
tensões criadas pela imposição brutal do sistema
moderno colonial de gênero. Sob o quadro conceitual
de gênero imposto, os europeus brancos burgueses eram
civilizados; eles eram plenamente humanos. A dicotomia
hierárquica como uma marca do humano também
tornou-se uma ferramenta normativa para condenar os/
as colonizados/as. As condutas dos/as colonizados/as e
suas personalidades/almas eram julgadas como bestiais
e, portanto não gendradas, promíscuas, grotescamente
sexuais e pecaminosas.

Na perspectiva de Huzioka (2010, p. 7), “no desenrolar


do processo de colonização e seu continuum, a colonialidade,
manifesta-se produzindo hierarquias que se espreitam por
entre as relações desenvolvidas no interior das sociedades
[...]. A população que restou do genocídio praticado pelos
europeus foi vítima de uma matança no seu modo de viver”.
Estas definições foram reforçadas pelos conceitos e práticas
morais e religiosas impostas pela igreja romana na relação com
o Estado, influenciando e definindo a estrutura organizativa
das instituições (famílias, escolas, universidades, etc.).
Assim, o processo de colonização deixou gravado na
memória, nos pensamentos, nas identidades, afetos e corpos
das pessoas os modos como deviam agir, sentir e viver a relação

TEORIAS FEMINISTAS PÓS-COLONAIS E DESCOLONIAS


E A TEORIA DAS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS: O ENCONTRO 105
POSSÍVEL NA PESQUISA EM EDUCAÇÃO
consigo, com os outros e com a natureza, apagando de vez
os modos de vida existentes antes do processo “civilizatório”,
denominação empregada pelos colonizadores, como destaca
Lugones (2014, p. 937).

A transformação civilizatória justificava a colonização


da memória e, consequentemente, das noções de si das
pessoas, da relação intersubjetiva, da sua relação com o
mundo espiritual, com a terra, com o próprio tecido de
sua concepção de realidade, identidade e organização
social, ecológica e cosmológica. Assim, à medida que o
cristianismo se tornou o instrumento mais poderoso da
missão de transformação, a normatividade que conectava
gênero e civilização concentrou-se no apagamento das
práticas comunitárias ecológicas, saberes de cultivo, de
tecelagem, do cosmos, e não somente na mudança e no
controle de práticas reprodutivas e sexuais.

A ciência moderna nortecêntrica, nascida nos alvores


do Iluminismo europeu, é um modo de organização do
conhecimento que tem permitido, ao longo dos últimos
séculos explicar, justificar e universalizar a natureza
patriarcal, capitalista e colonial das sociedades. Sua origem
estava vinculada à revolução burguesa, sendo útil para sua
produção e reprodução (SANTOS, 2017). A ciência moderna,
caracterizada pela racionalidade, constituiu-se a partir do
século XVI e desenvolveu-se, principalmente, do campo das
ciências naturais. Isto fez com que as outras ciências fossem
consideradas como as de não valor científico, como afirma
Santos (2010, p. 10-16):

[...] a nova racionalidade científica é também um modelo


totalitário, na medida em que nega o caráter racional a
todas as formas de conhecimento que não se pautarem
pelos seus princípios epistemológicos e pelas suas regras
metodológicas. É esta a sua característica fundamental

106  Ana Célia de Sousa Santos • Licia de Souza Leão Maia


e a que melhor simboliza a ruptura do novo paradigma
científico com os que o precedem. [...] A natureza teórica
do conhecimento científico decorre dos pressupostos
epistemológicos e das regras metodológicas. É um
conhecimento causal que aspira à formulação de leis,
à luz de regularidades observadas, com vistas a prever o
comportamento futuro dos fenómenos. A descoberta das
leis da natureza assenta [...] no isolamento das condições
iniciais relevantes [...] no pressuposto de que o resultado
se produzirá independente do lugar e do tempo em que se
realizarem as condições iniciais.

A revolução científica, do século XVI, vai se sobrepor


aos séculos seguintes e estabelece a distinção entre natureza/
cultura, ser humano/animal, abstrato/concreto, espírito/corpo,
sujeito/objeto, ideal/real. Estes dualismos contribuíram para
definir uma ciência sexista que privilegia os homens, mantém
a sociedade patriarcal e reforça as desigualdades nas relações
entre “mulheres e homens” (heterossexuais, homossexuais,
bissexuais, transexuais, dentre outros). Nesse caminho, a
ciência moderna transforma experiências dominantes (de uma
classe, sexo, raça/etnia dominantes) em experiências universais
(verdades objetivas) (SANTOS, 2010).
No entanto, Santos (2008) afirma que a Ciência em geral
se pautava por um paradigma epistemológico e um modelo
de racionalidade que dão sinais de exaustão, gerando uma
crise de paradigma. Nesse caso, para esse autor, a crítica do
universalismo e do historicismo põe em causa o Ocidente como
centro do mundo, possibilitando a construção de modernidades
alternativas que reconheçam a diferença histórica ao tempo
em que revela o caráter invasivo e destrutivo da sua imposição
no mundo moderno (SANTOS, 2008). As críticas à Ciência
Moderna permitiram, também, que se pensasse em alternativas
epistemológicas, não ainda em um modo que reconhecesse as
diversidades de conhecimentos e saberes existentes nas diversas

TEORIAS FEMINISTAS PÓS-COLONAIS E DESCOLONIAS


E A TEORIA DAS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS: O ENCONTRO 107
POSSÍVEL NA PESQUISA EM EDUCAÇÃO
partes do mundo global. Assim, a Ciência designada de Pós-
Moderna assenta-se numa racionalidade mais ampla, na
superação da dicotomia natureza/sociedade, na complexidade
da relação sujeito/objeto, na concepção construtivista da
verdade, na aproximação das ciências naturais às ciências sociais
e destas aos estudos humanísticos e, finalmente, numa nova
articulação, mais equilibrada, entre conhecimento científico e
outras formas de conhecimento com o objetivo de transformar a
ciência num novo senso comum. Esta proposta epistemológica,
ainda eurocentrada, desenvolveu-se e consolidou-se com a
contribuição das epistemologias feministas e dos estudos
culturais e sociais da ciência (SANTOS, 2008).
Os processos de construção do conhecimento, baseados
na modernidade e na pós-modernidade que teve a Europa como
seu centro de produção, apresenta-se com fissuras e demonstra
que, por si só, não respondem mais às demandas da atualidade.
A “ultra-modernidade europeia, como se refere Cunha (2011,
2014, p. 22), ressignificada pelas dinâmicas sociopolíticas
do século XXI, continua a emergir e a conceber-se a si mesma
no centro e fim da história, apesar das lutas de libertação e
independências que há décadas foram acontecendo”. Nessa
mesma perspectiva histórica, Grosfoguel (2017) afirma que
a modernidade se constituiu com a colonização e em alguns
casos não foi emancipatória, pois vislumbrava um povo, uma
nação civilizada, desconsiderando conhecimentos e saberes
existentes em cada contexto. Sendo assim, utilizou-se de
narrativa e de discursos racista-teológico, biologizante e cristão
para justificar tais práticas.
Os modos de pensar eurocêntricos descritos aqui
desprezam a diversidade que compõem o tecido social e, ao
adequar-se ao capitalismo e ao patriarcado, colonizaram
o mundo, tornando suas ideias conhecimento únicos. Ao
refletir sobre as possibilidades da existência de outros saberes

108  Ana Célia de Sousa Santos • Licia de Souza Leão Maia


e conhecimentos, reconhecemos que podemos pensar, sentir e
agir de outros modos. Assim, podemos destituir corpos, mentes
e afetos cristalizados e constituir novos seres que expressem
possibilidades de poder ser diferentes, diversos, tanto individual
quanto coletivo. Corroborando essa ideia, Santos (2009, p. 83)
afirma ser “preciso um novo pensamento, um pensamento pós-
abissal. Para que esse pensamento nasça é necessário realizar
aquilo que ele chama de “sociologia das emergências”6, tanto no
que se refere à valorização das diversidades de conhecimentos,
quanto no reconhecimento das diferentes práticas populares
espalhadas pelo mundo.
Nesse cenário, destacam-se os conhecimentos de
oposição elaborados por diferentes pensadores/as. De um
lado, no sul da Europa Boaventura de Sousa Santos e Catarina
Martins; de outro, os latinos americanos Aníbal Quijano,
Ramón Grosfoguel e Catarina Walsh, as africanas Oyèrónké
Oyěwùmí e Teresa Cunha e, ainda, a indiana Gayatri Spivak
e o indiano Homi Bhabha e o palestino Edward Said, dentre
outros/as. Todos esses autores/as discutem o pós-colonialismo
que, na perspectiva de Cunha (2017, p. 109) [...] é a busca
cognitiva, social, cultural e econômica de sociabilidades e
relações epistêmicas esvaziadas das relações de poder coloniais.
[...] é um horizonte epistemológico e, por outro lado, são
os conhecimentos e as relações sociais que, por diferentes
razões, se apresentem livres ou em processo de libertação da
opressão colonial”. Esses autores/as dão ênfase a conceitos
como colonialidade, decolonialidade e descolonização do
conhecimento, do saber, do poder, dos corpos, mentes e afetos

6 [...] Pensamento que consiste numa amplificação simbólica de


sinais, pistas e tendências latentes que, dispersas, embrionárias e
fragmentadas, apontam para novas constelações de sentido referentes
tanto à compreensão como à transformação do mundo (SANTOS,
2009, p. 83).

TEORIAS FEMINISTAS PÓS-COLONAIS E DESCOLONIAS


E A TEORIA DAS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS: O ENCONTRO 109
POSSÍVEL NA PESQUISA EM EDUCAÇÃO
a partir da valorização do saber prático dos/as sujeitos/atores/
as/autores/as e das ações que mobilizam com força e emoção,
criando ideias e práticas desestabilizadoras (SANTOS, 2017).
Ao sistematizar esses conhecimentos, estes autores/as fazem
críticas internas a seus modos de teorização que dizem respeito
aos aspectos teóricos, políticos e epistêmicos sobre como
cada um vê a modernidade, a pós-modernidade, o processo
colonial e sobre qual projeto deve-se seguir. Se não as fizessem,
não seriam fieis aos princípios do respeito aos diferentes jeitos
de pensar e fazer ciência, como reforça Grosfoguel (2017)
ao ressaltar que existem diferentes críticas e tensões pós-
colonial e descoloniais porque há, também, diferentes projetos
descoloniais, do contrário seria uma nova reinvenção do
projeto colonial. O autor reverbera que é impossível falar de
um único local porque há diferentes epistemologias, diferentes
geografias da razão, diferentes visões de mundo. No entanto,
uma coisa é comum: todos/as concordam que o conhecimento
e as práticas devem ser descolonizadas.
As autoras Catarina Wash, Oyèrónké Oyěwùmí, Teresa
Cunha e Catarina Martins, dentre tantas outras, fazem a crítica
ao feminismo eurocêntrico, deslocando categorias como
gênero, mulher, raça/etnia, família, classe social, e destacando a
importância dos processos formativos. As autoras questionam
o caráter universalista com que a cultura sexista foi criando e
disseminando categorias que não se adequam de forma unânime
ao resto do mundo. Dessa forma, a expansão da Europa e a
hegemonia cultural euro-americana universalizada em todo
o mundo traz como efeitos a racialização do conhecimento,
o privilégio do gênero masculino como uma parte essencial
do ethos europeu (MARTINS, 2016). Essas pesquisadoras
denunciam a existência de um conhecimento universal que
define como devem relacionar-se “mulheres e homens”, já
que cada contexto possui suas próprias realidades históricas

110  Ana Célia de Sousa Santos • Licia de Souza Leão Maia


e culturais. Assim, a crítica recai sobre o modelo de família
nuclear que, além de reduzir as funções da mulher ao espaço
privado, faz com que a definição do que é ser mulher esteja
restrita ao papel de ser esposa, sendo a casa a extensão de seu
universo feminino. Isto se deve ao fato de que o feminismo
euro-americano, não reconhecendo que há variáveis de raça e
de classe, pensou o mundo como se fosse branco, de núcleo
familiar e de classe média. Tão pouco reconhece que quando
estamos nos referindo ao gênero estamos falando de “mulheres
e homens” (OYĚWÙMÍ, 2000).
Desse modo, podemos assinalar que outras formas
de organização social precisam ser consideradas para que a
diversidade de conhecimentos esteja presente e represente
uma visão ampla dos feminismos. Por exemplo, de acordo
com Oyěwùmí (2000), no esquema conceitual africano é
difícil confundir mulher e esposa e articulá-las como uma
categoria, pois a Mãe é nomeada pelas mulheres africanas
como autoidentificação, quer dizer “em todos os arranjos
familiares africanos, o laço mais importante está dentro do
fluxo da família da mãe, quaisquer que sejam as normas de
residência no casamento. Estes laços ligam a mãe aos/as filho/
as e conectam todos os filhos da mesma mãe em vínculos que
são concebidos como naturais e inquebráveis” (p. 5). Nesse
caso, o princípio predominante organizador das famílias tem
sido os laços consanguíneos e não conjugal e é organizada com
base nas relações de nascimento, não em laços matrimoniais.
Segundo a autora, a família africana não existe como uma
entidade espacialmente delimitada coincidente com a casa. A
família Iorubá tradicional, como descreve Oyěwùmí (2004),
pode ser descrita como uma família não-generificada porque
papéis de parentesco e categorias não são diferenciados por
gênero. Nesse caso, os centros de poder dentro da família são
difusos e não são especificados pelo gênero, sendo o princípio

TEORIAS FEMINISTAS PÓS-COLONAIS E DESCOLONIAS


E A TEORIA DAS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS: O ENCONTRO 111
POSSÍVEL NA PESQUISA EM EDUCAÇÃO
organizador fundamental no seio da família a antiguidade
baseada na idade relativa e não de gênero. As categorias de
parentesco codificam antiguidade e não gênero. Assim, o
princípio da antiguidade é dinâmico e fluido; ao contrário do
gênero, não é rígido ou estático.
A partir dessa leitura, é perceptível a urgência de novas
epistemologias. Desse modo, construir Epistemologia/s
Feminista/s é importantíssimo não só para ter “mulheres”
no cenário da produção científica, mas principalmente como
critério do reconhecimento de nossas capacidades cognitivas,
assim como para contribuir com a construção de novas
racionalidades e subjetividades que integrem o ser, o sentir e o
agir.
Desse modo, discutir a relação entre ciência e os
estudos sobre a mulher, feminismos e gênero, enfatizando
as contribuições das Epistemologias Feministas para a
transformação das relações nas instituições e entre as pessoas
é apontar, dentre outras questões, quais os pontos centrais
da crítica feminista à ciência moderna. Para Arriscado
(2009), a crítica feminista e a busca pelo reconhecimento das
Epistemologias Feministas são essenciais para o conhecimento
científico, pois estas epistemologias apontam as distorções
masculinas, a ênfase dada à generalização da masculinidade
e do poder produzido por diferentes disciplinas, tais como
Biologia, Filosofia, História, Medicina e a Ciências Sociais.
Do mesmo modo, como pode produzir uma Ciência Popular7
(BORDA, 1981), como destaca Azevedo (2010, p. 142): “uma
ciência emergente, rebelde, que subverte o paradigma clássico;

7 Entiende el conocimiento empírico, práctico, de sentido común, que


ha sido posesión cultural e ideológico ancestral de las gentes de las
bases sociales, aquel que les ha permitido crear, trabajar e interpretar
predominantemente con los recursos directos que la naturaleza ofrece
al hombre (BORDA, 1981, p. 182).

112  Ana Célia de Sousa Santos • Licia de Souza Leão Maia


o que podemos denominar de ciência popular como substância,
teoria e método para uma Educação Popular”.
Na perspectiva de valorização das Epistemologias
Feministas, Sardenberg (2016, p. 5-6) destaca dois importantes
pontos. O primeiro diz respeito aos avanços teórico-
metodológicos no interior do próprio pensamento feminista
com a construção e teorização em torno das relações de gênero,
considerados como um avanço paradigmático; o segundo é que
com o gênero construiu-se, por fim, um objeto teórico para as
investigações e reflexões feministas – que tem permitido não
apenas a abertura de novas fronteiras para reflexão e análise,
como também a solidificação das bases para a construção de
Epistemologias feministas.
Na compreensão de Santos (2010, p. 23), “a prioridade
cognitiva das ciências naturais, que a modernidade conservou,
se por um lado recusam os condicionantes biológicos do
comportamento humano, por outro, usam-se argumentos
biológicos para fixar a especificidade do ser humano”. É,
pois, sobre a utilização de argumentos biológicos para fixar
a “especificidade do ser humano”, especialmente da mulher,
que as Epistemologias Feministas se contrapõem e constroem
um pensamento que transgrede as fronteiras entre a teoria e
a prática, principalmente quando nos referimos aos processos
educativos. Na perspectiva de Haraway (1995, p. 31-33)

[...] O feminismo tem a ver com as ciências dos sujeitos


múltiplos com (pelos menos) visão dupla. O feminismo
tem a ver com uma visão crítica, consequente com um
posicionamento crítico [...] marcado pelo gênero. [...] O
único modo de encontrar uma visão mais ampla é estando
em algum lugar em particular. A questão da ciência para o
feminismo diz respeito à objetividade como racionalidade
posicionada.

TEORIAS FEMINISTAS PÓS-COLONAIS E DESCOLONIAS


E A TEORIA DAS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS: O ENCONTRO 113
POSSÍVEL NA PESQUISA EM EDUCAÇÃO
Nessa mesma linha, o feminismo pós-colonial procura,
de acordo com Cunha (2017, p. 110), “radicalizar [...]
realçando a interseccionalidade dos poderes do monstro das
três cabeças (colonialismo, capitalismo, patriarcado) e, como
isso, tem vindo a perpetuar as desigualdades de poder entre
mulheres e homens quer em tempos de dependência colonial
ou da independência política”. Para as feministas do Norte,
de acordo com Martins (2016, p. 275), um dos imperativos
destes feminismos pós-coloniais é que ele pretende abrir-se à
aprendizagem e ao diálogo com o Sul, estabelecendo redes,
plataformas e outras formas de trabalho colaborativo que
possibilitem um conhecimento recíproco, bem como a criação
de espaços para que as vozes do Sul sejam ouvidas. Para esta
feminista, isto implicaria uma autorreflexão profunda, que
permite eliminar dos pensamentos eurocentrados os resquícios
de uma atitude colonial. Esta autorreflexão, em sua perspectiva,
não é sinônimo de rejeição de toda teoria feminista produzida
no Norte, mas a revisão crítica no sentido de a torná-la produtiva
para as lutas de mulheres no Norte como no Sul.
Assim, a Teoria das Representações Sociais - TRS, a partir
do estudo do senso comum nos ajuda a compreender em que
se fundamenta as atuais representações que temos sobre as
relações de gênero.

A Teoria das Representações Sociais

A Teoria das Representações Sociais – TRS se expande


como uma teoria que tem muito a contribuir com as discussões
sobre a educação e as relações de gênero porque a partir dela
podemos identificar como se estruturam, se mantêm e se
reproduzem as concepções, as práticas e comportamentos
que definem o que é “ser” mulher e o que é “ser” homem em
nossa sociedade. Certamente, a análise a partir dessa Teoria,

114  Ana Célia de Sousa Santos • Licia de Souza Leão Maia


considerando seu caráter interdisciplinar, nos ajudará a
entender em que se constituem as mudanças atuais no que se
refere às discussões das relações de gênero.

Origem, conceitos e funções da TRS

A TRS nasce a partir dos anos 1960, com o aumento


do interesse pelos fenômenos do domínio do simbólico,
recorre às noções de consciência e de imaginário. A obra de
Moscovici, La Psychanalyse, son image, son public, que contém a
matriz da Teoria das Representações Sociais, surge em 1961,
na França. Apresenta um conceito que contribui para o estudo
do pensamento social em sua dinâmica e em sua diversidade
(ARRUDA, 2002; WERNECK, 2018), valoriza o movimento
e a transformação do conhecimento, pois, tenta superar a
dicotomia entre sujeito/objeto, permitindo a construção dos
objetos de pesquisa a partir da integração entre sujeitos, os
processos e a realidade (CARMO et. all, 2014).
O diálogo de Moscovici com a abordagem antropológica
de Lévy-Bhrul permitiu unir não só as expressões psicológica
e sociológica do acontecimento social, mas utilizar de vários
conceitos como, consenso social, grupos sociais, relações
intergrupais e interpessoais, dentre outros. O diálogo com Piaget
permitiu que Moscovici adotasse a perspectiva construtivista,
entendendo o compartilhamento das representações sociais
como processo (ALMEIDA et. all. 2014, p. 11). Em Vygotsky,
a preocupação com os aspectos históricos e culturais das
representações sociais (MOSCOVICI, 2013).
Em seu caráter interdisciplinar, a TRS busca superar a
fragmentação do conhecimento relacionando as pessoas e suas
realidades com os problemas atuais. Faz isto transitando pelas
diversas áreas das Ciências humanas, sociais, psicológicas
e, mais, recente, com a área da educação para entender a

TEORIAS FEMINISTAS PÓS-COLONAIS E DESCOLONIAS


E A TEORIA DAS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS: O ENCONTRO 115
POSSÍVEL NA PESQUISA EM EDUCAÇÃO
complexidade dos fenômenos. Assim, tenta explicar não só os
fenômenos, mas também, os pensamentos, as práticas e as
relações sociais e educacionais (JODELET, 2001, CARMO et.
all, 2014). Compreendemos que é na interdisciplinaridade que
reside a possibilidade do diálogo com as Teorias Feministas
Pós-coloniais e descoloniais, pois, as mesmas consideram os
sujeitos em relações e com capacidades cognitivas que lhes
garantem a possiblidade de construção do conhecimento e de
representações da realidade a partir de seu contexto.
A Teoria das Representações Sociais tem como ponto de
partida “a diversidade dos indivíduos, atitudes e fenômenos,
em toda sua estranheza e imprevisibilidade. Seu objetivo é
descobrir como indivíduos e grupos podem construir um mundo
estável, previsível, a partir de tal diversidade”, afirma Moscovici
(2013, p. 79), buscando entender, nesse processo, o elo entre o
indivíduo e a sociedade em transformação constante.
Na visão de Moscovi (2013) o estudo das RS nos
direcionam a pensar a partir de dois momentos: primeiro
considerar as RS como um fenômeno que necessitam ser
descritos e explicados. Fenômenos, estes específicos, que estão
relacionados com um modo particular de compreender e de
se comunicar – um modo que cria tanto a realidade como o
senso comum (MOSCOVICI, 2013); segundo, teorizar sobre tal
representação social para identificá-la, verificar sua estrutura
e a forma como ela se cristaliza, através do senso comum,
criando e recriando mundo e pessoas.
No entendimento de Werneck (2018, p. 9), “identificar
as representações sociais de uma sociedade permite mapear e
visualizar o modo como o pensamento é disseminado e está
organizado socialmente, mesmo que essa organização seja
efêmera, devido ao próprio dinamismos das trocas simbólicas
de uma sociedade de massa”. Assim, o modo como “mulheres”
e “homens” são representados influência o modo como

116  Ana Célia de Sousa Santos • Licia de Souza Leão Maia


construímos nossas realidades concretas sobre os papéis,
comportamentos e atitudes para ambos. Essas práticas são
definidas a partir de condicionantes impostos pela própria
representação, pelas linguagens e pela cultura (WERNECK,
2018).
Desse modo, as representações sociais hegemônicas sobre
o que são as relações de gênero, e, consequentemente, sobre o
que é ser “mulher” e o que é ser “homem tende a criar uma
visão de mundo supostamente mais coerente e sistemática,
que não só influencia, mas serve de princípio de organização
das instituições sociais (WERNWCK, 2018). Sendo que, essas
representações estão ancoradas em valores e princípios morais,
religiosos e educacionais nos quais a sociedade, os grupos e as
pessoas se guiam para construírem os sentidos de suas ações,
refletindo diretamente na escola e nas demais instituições
através da incorporação dos conhecimentos científicos
(MOSCOVICI, 2013; MORIGI, 2004).
Na compreensão de Sá (1996, p. 21) os fenômenos que
se referem às representações sociais de algum objeto estão
presentes “na cultura, nas instituições, nas práticas sociais,
nas comunicações interpessoais e de massa e nos pensamentos
individuais e são marcados pela subjetividade. [...] São difusos,
fugidios, multifacetados, em constante movimento e presentes
em inúmeras instâncias da interação social e que Moscovici
(2013) chama de “universos consensuais de pensamento”.
Nesse caso, se as representações sociais servem para
familiarizar o não familiar, “a primeira tarefa dum estudo
científico das representações deve ser tornar o familiar não
familiar para que essas RS possam ser compreendidas como
fenômenos e descritas através das técnicas metodológicas
que são mais apropriadas para cada situação específicas. A
descrição dependente da teorização dos fenômenos e, nesse
sentido, a teoria das representações sociais fornece o referencial

TEORIAS FEMINISTAS PÓS-COLONAIS E DESCOLONIAS


E A TEORIA DAS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS: O ENCONTRO 117
POSSÍVEL NA PESQUISA EM EDUCAÇÃO
interpretativo tanto para tornar visíveis as representações
como para torná-las inteligíveis como forma de prática social
(MOSCOVICI, 2013).
Quando se trata do campo da pesquisa Jodelet (2001)
destaca que a pesquisa sobre as representações sociais implica
três grandes dimensões: a) relacionar a RS com as condições
socioculturais que favoreça sua emergência; b) descrever o
conteúdo cognitivo da RS; c) discutir a natureza epistêmica da
RS fazendo um confronto com os conhecimentos já elaborados.
A representação, nesse caso, é uma representação de
alguém (sujeito) e de alguma coisa (objeto) porque representa
“conjuntos sociais, cujos membros não se encontram em uma
relação face a face ou contratual e podem apresentar algumas
propriedades dos grupos reais como: interesse comuns
e um mesmo senso de identidade, tendo representações
razoavelmente compartilhadas” (SÁ, 1998, p. 53-56). Nesse
caso, Jodelet (2001) aponta que é a prática social dos sujeitos
(professoras/es) que deve ser levado em consideração, pois,
esses sujeitos produzem uma representação que reflete as
normas institucionais nas quais suas posições ou ideologias
estão vinculadas, que consequentemente, estão ligadas ao
lugar que ocupam.
Por outro lado, as representações que ancoram esses
modos de ser são históricas e culturalmente consolidadas como
acentua Moscovici (2013, p. 108):

As representações sociais são históricas na sua essência


e influenciam o desenvolvimento do indivíduo desde a
infância, desde o dia em que a mãe, com todas as suas
imagens e conceitos, começa a ficar preocupada com o
bebê. Estas imagens e conceitos são derivadas dos seus
próprios dias de escolas, de programas de rádio, de
conversas com outras mães e com o pai e de experiências
pessoais e elas determinam seu relacionamento com a

118  Ana Célia de Sousa Santos • Licia de Souza Leão Maia


criança, o significado que ela dará para seus choros, seus
comportamentos e como ela organizará a atmosfera na
qual crescerá. A compreensão que o pai e a mãe têm da
criança modela sua personalidade e pavimenta o caminho
para sua socialização. [...] Nossas representações de
nossos corpos, de nossas relações com outras pessoas,
da justiça, do mundo, etc. se desenvolve da infância à
maturidade.

Em sua abordagem psicossociológica, A Teoria das


Representações Sociais, interessa-se pelo processo de
construção do pensamento social. Tem sido utilizada para
estudar a concepção de mundo que os sujeitos ou grupos
utilizam no seu cotidiano, integrando e relacionando a
representação ao contexto sócio histórico que os rodeia. Nesse
processo estão envolvidos conteúdos informativos, cognitivos,
ideológicos, normativos, crenças, valores, opiniões, que, ao
formar uma totalidade, criam-se um significado e passam a
nortear e organizar condutas e comunicações (JODELET, 2001).
Na relação com as Ciências Humanas e Sociais, a TRS
busca entender o contexto, o cotidiano, o modo como as pessoas
se relacionam consigo mesmas e com o mundo, procurando
compreender a diversidade de conhecimentos a partir do senso
comum. Na educação, a Teoria das Representações Sociais, de
acordo com Machado (2018, p. 3):

[...] vem oferecendo à pesquisa educacional novas


possibilidades para lidar com a diversidade e complexidade
da educação e do contexto escola [...], constituindo-se
como valioso suporte teórico para estudos nesse campo.
Sua contribuição reside, principalmente, na compreensão
da formação e consolidação de conceitos construídos e
veiculados pelos sujeitos.

TEORIAS FEMINISTAS PÓS-COLONAIS E DESCOLONIAS


E A TEORIA DAS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS: O ENCONTRO 119
POSSÍVEL NA PESQUISA EM EDUCAÇÃO
Assim, o estudo sobre as representações sociais pressupõe
investigar o que pensam os sujeitos acerca de um objeto,
porque pensam desse modo o objeto, a forma como pensam
determinado objeto (ALMEIDA, 2001) e, ainda, que efeitos
tem o que pensam sobre si e sobre a realidade.
Assim, na compreensão de Moscovici (2013), as
representações sociais podem ser entendidas como um
conjunto de conceitos, proposições e explicações originadas
na vida cotidiana no curso de comunicações interpessoais.
São fenômenos que necessitam ser descritos e explicados e que
estão relacionados com um modo particular de compreender e
de se comunicar – um modo que cria tanto a realidade como
o senso comum. As representações sociais, por outro lado,
restauram a consciência coletiva dando-lhe forma, explicando
os objetos e acontecimentos. Desse modo, tornam-se acessíveis
e ajustam-se aos nossos interesses imediatos (Moscovici, 2013).
Do ponto de vista de Moscovici (2013, p. 49):

[...] se uma representação social é uma “preparação para


a ação”, ela não o é somente na medida em que guia o
comportamento, mas sobretudo na medida em que
remodela e reconstitui os elementos do meio ambiente em
que o comportamento deve ter lugar. Ela consegue incutir
um sentido ao comportamento, integrá-lo uma rede de
relações em que está vinculado ao seu objeto, fornecendo
ao mesmo tempo as noções, as teorias e os fundos de
observação que tornam essas relações estáveis e eficazes.

Do ponto de vista de Jodelet (2001, p. 22), a representação


social “é uma forma de conhecimento, socialmente elaborada
e partilhada, com um objetivo prático”, como é o caso dos
conhecimentos que fundamentam as concepções sobre
as relações de gênero que estão presentes na sociedade
contemporânea. Em sua perspectiva prática, de acordo com

120  Ana Célia de Sousa Santos • Licia de Souza Leão Maia


essa autora, contribui para a construção de uma realidade
comum a um conjunto social, intervindo em processos variados,
tais como a difusão e a assimilação dos conhecimentos,
o desenvolvimento individual e coletivo, a definição das
identidades pessoais e sociais, a expressão dos grupos e as
transformações sociais. Concordando com Jodelet, Oliveira e
Werba (1998, p.105) afirmam que as representações sociais
“são “teorias” sobre saberes populares e do senso comum,
elaborados e partilhadas coletivamente, com a finalidade
de construir e interpretar o real”. Já para Abric (1998) as
representações sociais são os produtos e os processos de uma
atividade mental, através da qual um indivíduo ou um grupo
se confronta, reconstitui a realidade e atribui um significado
específico.
Para Almeida (2001) quando nos referimos à definição
das representações sociais, como uma forma de conhecimento
social, nos aportamos a três aspectos: a comunicação, a (re)
construção do real e o domínio do mundo. Segundo essa
autora, a comunicação, porque as representações oferecem às
pessoas um código para suas trocas e um código para nomear
e classificar seu mundo, sua história individual e coletiva,
modelando e regulando o pensamento; (re)construção do real
porque é na sua dinâmica comunicação-representação que os
sujeitos reconstroem a realidade cotidiana, atuando como guias
de interpretação e organização da realidade para que o sujeito
atue sobre ela; domínio do mundo, porque as representações são
estendidas como um conjunto de conhecimentos sociais, que
orienta a prática e que permite ao sujeito situar-se no mundo,
dominando-o.
As representações sociais, portanto, são incorporadas a
partir dos ensinamentos que são impostos através da família,
da escola, dos grupos sociais, nas conversações cotidianas,

TEORIAS FEMINISTAS PÓS-COLONAIS E DESCOLONIAS


E A TEORIA DAS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS: O ENCONTRO 121
POSSÍVEL NA PESQUISA EM EDUCAÇÃO
no curso das comunicações interpessoais. Moscovici (2013),
analisa que:

[...] a representação que temos de algo não está


diretamente relacionada à nossa maneira de pensar e,
contrariamente, por que nossa maneira de pensar e o que
pensamos depende de tais representações, isto é, no fato
de que nós temos, ou não temos dada representação. [...]
elas são impostas sobre nós, transmitidas e são produto
de uma sequência completa de elaborações e mudanças
que ocorrem no decurso do tempo e são o resultado de
sucessivas gerações (p.37).

Como um modo de conhecimento partilhado, as


representações sofrem influências do conhecimento cientifico
e tornam-se senso comum. Assim, o estudo das representações
sociais parte do senso comum que no entendimento de
Moscovici (2013) é o equivalente, em nossa sociedade, aos mitos
e sistemas de crença das sociedades tradicionais, podendo ser
também uma versão contemporânea do senso comum. Nesse
caso, compreende-se o senso comum como uma forma de
conhecimento que se inscreve na ordem do conhecimento da
realidade, diferenciando-se tanto na sua elaboração, quanto
na sua função. Santos (2005), ao citar Moscovici destaca que:

[...] o conhecimento do senso comum é elaborado a partir


dos processos de objetivação e ancoragem, segue uma
lógica natural, e tem como função orientar condutas,
possibilitar a comunicação, compreender e explicar
a realidade social, justificar a posteriori as tomadas de
posição e as condutas do sujeito e uma função identitária
que permite definir e salvaguardar as especificidades dos
grupos.

Para compreender a produção do conhecimento a partir


do senso comum Moscovici (2013) utiliza dois mecanismos:

122  Ana Célia de Sousa Santos • Licia de Souza Leão Maia


a ancoragem e a objetivação: o primeiro tenta ancorar ideias
estranhas, reduzi-las a categorias e imagens comuns, colocá-las
em um contexto familiar. Na ancoragem, ocorre a inclusão do
objeto numa hierarquia de valores, consolidando uma rede de
significações em torno dele. Ancorar é, pois, classificar e dar
nomes a alguma coisa. Coisas que não são classificadas e que
não possuem nome são estranhas, não existentes e ao mesmo
tempo ameaçadoras. O segundo, permite transformar algo
abstrato em algo quase concreto, transferir o que está na mente
em algo que existe no mundo. Esses mecanismos transformam
o não familiar em familiar, primeiramente transferindo-o a
nossa própria esfera particular, onde nós somos capazes de
compará-lo e interpretá-lo; e depois, reproduzindo-o entre
as coisas que nós podemos ver e tocar e, consequentemente,
controlar, ou seja, permite transformar elementos da teoria
científica em um modelo figurativo que sustentará a seleção
de alguns elementos concretos. Estes elementos são retidos,
categorizados e interpretados a partir da natureza do modelo
figurativo que tem como funções: indicar o ponto comum entre
a teoria e a RS; verificar que, o que na teoria é expressão geral e
abstrata de uma série de fenômenos torna-se, na representação,
tradução imediata do real; e, que o modelo associa os elementos
indicados numa sequência autônoma com dinâmica própria.
Depois de selecionados e classificados estes elementos são
descontextualizados e dissociados dos contextos em que são
produzidos adquirindo uma autonomia maior.
A objetivação une a ideia de não familiaridade com a
de realidade, torna-se a verdadeira essência da realidade. É
uma operação imaginante e estruturante que dá corpo aos
esquemas conceituais reabsorvendo o excesso de significações,
transformando o conceito em imagem. Nesse caso, objetivar é

TEORIAS FEMINISTAS PÓS-COLONAIS E DESCOLONIAS


E A TEORIA DAS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS: O ENCONTRO 123
POSSÍVEL NA PESQUISA EM EDUCAÇÃO
descobrir a qualidade icônica8 de uma ideia, ou ser impreciso;
é reproduzir um conceito em uma imagem. Assim, a imagem
é totalmente assimilada e o que é percebido substitui o que é
concebido, é o resultado lógico deste estado de coisas.
O processo de ancoragem relaciona-se dialéticamente
com a objetivação e articula três funções básicas: a cognitiva
da integração da novidade, a interpretativa desta realidade, e
a orientação de condutas e relações sociais. As representações
sempre se constroem sobre o já pensado utilizando a
classificação, a categorização e a rotulação
Assim, ao tentarmos ancorar ideias desconhecidas,
reduzindo-as a categorias e imagens comuns estamos trazendo-
as a um contexto familiar para, ao apropriá-las, justificar
nossos posturas e atos do cotidiano de nossas práticas. Desse
modo, ao transformar algo abstrato em algo concreto, através
da objetivação, transformamos o que está na mente em algo
que existe no mundo real (MOSCOVICI, 2013). Reforçando
essa ideia Moscovici (2013, p. 78) destaca que:

Ancoragem e objetivação são, pois, maneiras de lidar com


a memória. A primeira mantém a memória em movimento
e a memória é dirigida para dentro, está sempre colocando
e tirando objetos, pessoas e acontecimentos, que ela
classifica de acordo com um tipo e os rotula com um
nome. A segunda, sendo mais ou menos direcionada para
fora (para outros), tira daí conceitos e imagens para juntá-
los e reproduzi-los no mundo exterior, para fazer as coisas
conhecidas a partir do que já é conhecido.

8 Relacionado com algo ou com alguém que se distingue ou simboliza


uma época, uma cultura, uma área do conhecimento: discurso icônico.
Que se refere a ícone, ao tipo de representação religiosa, artística ou
com assuntos religiosos. Icástico; cuja representação ou reprodução é
exata e fidedigna. Disponível em https://www.dicio.com.br/iconico/.
Acesso em 30/01/2017.

124  Ana Célia de Sousa Santos • Licia de Souza Leão Maia


Esses dois mecanismos colaboram para criar um
universo consensual que, através das convenções linguísticas
vai institucionalizando, a partir da família, da escola, dentre
outros, representações que moldam os comportamentos e
atitudes nas interações grupais e interpessoais.
Ademais, quando estudamos representações sociais
estudamos o ser humano enquanto sujeito envolvidos em
práticas sociais. Sujeito esse que pensa, faz perguntas e procura
respostas.
Para Moscovici (2003; 2013) o estudo das RS ocorre
quando estudamos o sujeito no momento em que estes
procuram compreender e não quando processa informações
ou se comporta. As representações sociais são resultantes,
nesse caso,

[...] de um esforço constante de tornar comum e real


algo que é incomum (não familiar), ou que nos dá
um sentimento de não familiaridade. E através delas
nós superamos o problema e o integramos em nosso
mundo mental e físico, que é com isso, enriquecido e
transformado. [...] Ao criá-lo, porém, não estamos sempre
mais ou menos conscientes de nossas intenções, pois, as
imagens e ideias com as quais nós compreendemos o não
usual (incomum) apenas trazem-nos de volta ao que nós já
conhecíamos e com o qual nós já estávamos familiarizados
há tempo e que, por isso, nos dá uma impressão segura
de algo “já visto” (dèjà vu) e já conhecido (dèjà connu)
(Moscovici, 2013, p 58).

Assim, compreendidas como fenômenos, as


representações sociais podem ser interpretadas e descritas.
Nesse caso, abstraindo delas a compreensão que temos do
mundo e das pessoas. Isto nos permite produzir sentidos e
significados para os nossos atos tanto individuais quando
coletivos.

TEORIAS FEMINISTAS PÓS-COLONAIS E DESCOLONIAS


E A TEORIA DAS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS: O ENCONTRO 125
POSSÍVEL NA PESQUISA EM EDUCAÇÃO
No que se refere às funções, Abric (1998) cita que as
representações sociais possuem quatro funções essenciais:
função de saber que permite aos atores/atrizes sociais adquirirem
conhecimentos integrando-os em um quadro assimilado
e compreensível para eles próprios, em coerência com seu
funcionamento cognitivo e os valores aos quais eles aderem;
função identitária que define a identidade e permite a proteção
da especificidade dos grupos, assegurando, com isso, um
lugar primordial nos processos de comparação social; função
de orientação que visa guiar os comportamentos e as práticas
definindo o que é lícito, tolerável ou inaceitável em um dado
contexto social; função justificadora que permite a justificativa das
tomadas de posição e dos comportamentos. De acordo com
essa função a representação preserva e justifica a diferenciação
social, podendo estereotipar as relações entre os grupos,
contribuindo para a discriminação ou para a manutenção da
distância social entre eles/elas.

Abordagens das Representações Sociais

A matriz conceitual da teoria das representações sociais,


apresentada por Moscovici em 1961, proporcionou diferentes
desdobramentos, que longe de ser contrários, contribuem
para o desenvolvimento de pesquisas tanto no campo das
representações sociais quanto na relação com a educação.
Nesse sentido, para melhor compreender e identificar as
representações sociais foram organizadas diferentes abordagem
para o estudo dos fenômenos em RS, como demonstrado na
figura abaixo:

126  Ana Célia de Sousa Santos • Licia de Souza Leão Maia


enos em RS, como demonstrado na figura abaixo:

Teoria Matriz
Moscovici -1961

Teoria das
Representações
Sociais

Abordagem Estrutural
Abordagem Processual
Jean-Claude Abric
Denise Jodelet
Universidade Aix de
EHESS - Paris Provence - Paris

Abordagem Societal Abordagem Dialógica


Willem Doise Ivana Marková
Escola do Midi - Genebra Escola Anglo-Saxã e London
School of Economics

Fonte: Criação da doutoranda com base nas leituras.


Fonte: Criação da doutoranda com base nas leituras.

A Abordagem Societal,AdeAbordagem Societal,


Willem Doise de Willemprocura
(Genebra), Doise (Genebra), procuraentre as
fazer a articulação
fazer a articulação entre as explicações de ordem individual
ções de ordemcomindividual
as de com
ordemas de ordem destacando
societal, societal, destacando que os processos
que os processos que que
os sujeitos
eitos utilizam para utilizam
estar em para são
sociedade estarorientados
em sociedade
pelas são orientados
dinâmicas sociais. De
pelas dinâmicas sociais. De acordo com Almeida (2001),
o com Almeida pressupõe
(2001), pressupõe a interação
a interação de quatrodeníveis:
quatroa)níveis: a) focaliza
focaliza os processos
os processos
intraindividuais,
dividuais, analisando o modo como analisando o modo
os indivíduos comosuas
organizam os experiências
indivíduos com o
organizam suas experiências com o meio ambiente; b) centra-
ambiente; b) centra-se nos processos
se nos processos interindividuais
interindividuais e situacionais,
e situacionais, buscando buscando
nos nos
as de interaçãosistemas de interação
os princípios explicativosostípicos
princípios explicativos
das dinâmicas típicos
sociais; das
c) refere-se aos
dinâmicas sociais; c) refere-se aos processos intergrupais, leva
em conta as diferentes posições que os indivíduos ocupam nas
relações sociais e analisa como essas posições modulam os
processos do primeiro e do segundo níveis. d) o societal, enfoca
os sistemas de crenças, representações, avaliações e normas
sociais, adotando o pressuposto de que as produções culturais
e ideológicas, características de uma sociedade ou de certos

TEORIAS FEMINISTAS PÓS-COLONAIS E DESCOLONIAS


E A TEORIA DAS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS: O ENCONTRO 127
POSSÍVEL NA PESQUISA EM EDUCAÇÃO
grupos, dão significação aos comportamentos dos indivíduos
e criam as diferenciações sociais, a partir de princípios gerais.
A Abordagem Dialógica, de Ivana Marková, da Escola Anglo-
Saxã e da Escola London School of Economics, a perspectiva
mais recente, volta-se para a análise do discurso, propõe a
dialogicidade e enfatiza a relevância no processo da comunicação
na elaboração de uma representação social (ERNS et all, 2015).
De acordo com Marková (2006, p. 15), [...] a dialogicidade
baseada na teoria das representações sociais pressupõe que o
pensamento social e a linguagem são fenômenos em ritmo de
mudança, e que os tipos de conhecimentos sociais coexistem
na comunicação.
A Abordagem Estrutural, proposta por Abric em 1998,
começa a ter influência no campo das representações sociais
somente a partir do início dos anos 1990 quando começam
a aparecer as condições necessárias para reconhecimento dos
esforços de elaboração teórica e metodológica complementares
à grande teoria (SÁ, 1996). Tal abordagem origina-se, segundo
Sá (1996) de proposições de F. Heider e de S. Asch, no âmbito
da Psicologia Social Norte-americana, entretanto, sua fonte
inspiradora é a Teoria das Representações Sociais de Moscovici,
que atribui à representação social a constituição de um núcleo
central, ou seja, “uma organização imagética de elementos
cognitivos privilegiados”. Esses elementos, de acordo com esse
autor, “descontextualizados em relação à estrutura original do
objeto representado e as suas condições conjunturais, gozariam
de considerável autonomia na moldagem do conhecimento
sobre tal objeto e tudo o que com ele possa ser relacionado”
(2013, p. 21).
Na perspectiva de Abric (1998, p. 30), as representações
sociais, se organizadas, estruturam e constituem um sistema
sóciocognitivo de tipo específico, denominado de núcleo
central. Na sua visão o núcleo central é determinado, de um

128  Ana Célia de Sousa Santos • Licia de Souza Leão Maia


lado, pela natureza do objeto representado, e do outro, pelo
tipo de relações que o grupo mantém com o objeto e, enfim,
pelo sistema de valores e normas sociais que constituem o meio
ambiente ideológico do momento e do grupo. Como descrito
por Machado (2010, p. 352):

O núcleo central está relacionado à memória coletiva


dando significância, consistência e permanência à
representação sendo, portanto, estável e resistente às
mudanças. Sendo estes de caráter normativo e funcional.
Os normativos dizem respeito a valores e normas sociais
pertencentes ao meio social do grupo e os funcionais estão
ligados à natureza do objeto representado.

Abric (1998), acrescenta que em torno do núcleo central


organizam–se os elementos periféricos que constituem o
essencial do conteúdo da representação: seus componentes
mais acessíveis, mais vivos e mais concretos. Por outro lado,
o sistema periférico é composto por todos os elementos da
representação que que permitem mobilidade, flexibilidade e
diferenças interindividuais. Suas funções são de adaptação às
práticas sociais concretas, reais e de diferenciar os conteúdos
das representações, protegendo o sistema central ou núcleo de
transformações (SÁ, 2017).
Para este estudo será considerada a Abordagem Processual,
conhecida também como culturalista, de Denise Jodelet (Paris).
As representações sociais nesta perspectiva, são compreendidas
como o estudo dos processos e produtos relativos às construções
mentais coletivas, pelos quais os sujeitos e os grupos constroem
e interpretam o mundo e a si mesmos, permitindo a integração
das dimensões sócio-cultural e histórica (JODELET, 2001).
Nesse caso, a representação social é produzida para
abrigar um elemento novo que, baseado em valores e em
saberes anteriores, expressa tanto um sistema de pensamento

TEORIAS FEMINISTAS PÓS-COLONAIS E DESCOLONIAS


E A TEORIA DAS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS: O ENCONTRO 129
POSSÍVEL NA PESQUISA EM EDUCAÇÃO
mais amplo, ideológicos ou culturais, quanto a condição social
e a experiência individual e afetiva dos sujeitos. Assim, a partir
das diferentes significações apropriadas pelos sujeitos, as
representações sociais vão expressar uma definição especifica
do objeto representado que, ao ser partilhada pelos membros
do mesmo grupo, constrói uma visão consensual da realidade.
A visão consensualizada ao entrar em conflito com a visão
de outros grupos serve de guia para as ações cotidianas,
demonstrando uma dinamicidade no processo de construção
das representações sociais (JODELET, 2001).
Nesse sentido, ressalta Jodelet (2001, p. 22), “ao
orientar e organizar as condutas e as comunicações sociais,
as representações sociais também intervém em processos
variados, tais como a difusão e assimilação do conhecimento,
o desenvolvimento individual e coletivo, a definição das
identidades pessoais e sociais, a expressão dos grupos e as
transformações sociais”. Por conseguinte, o lugar, a posição
social e função que o sujeito assume determinam os conteúdos
e a organização da representação. Isto ocorre por meio da
relação ideológica que o sujeito mantém com o mundo social.
As representações sociais, nessa perspectiva, são
consideradas como um aporte teórico capaz de dotar os
sujeitos de uma visão global do que é “ser homem” e “ser
mulher” em seu mundo de objetos. Circulam nos discursos e são
trazidas pelas palavras e veiculadas em mensagens e imagens
midiáticas consolidadas em condutas e em organizações
materiais espaciais. Ao serem analisadas, as representações
sociais, devem ser articuladas com elementos afetivos, mentais
e sociais (cognição, linguagem e comunicação), integrando
esses aspectos às relações sociais que afetam as representações
e a realidade material, social e ideativa na qual vai ocorrer a
intervenção (JODELET, 2001).

130  Ana Célia de Sousa Santos • Licia de Souza Leão Maia


De certo, os conhecimentos científicos produzidos por
Jodelet valorizam a articulação entre as dimensões sociais
e culturais que regem as construções mentais, fazendo das
representações sociais um instrumento criador que enfoca a
cultura e suas especificidades históricas, regionais, institucionais
e organizacionais (JODELET, 2000; 2001).
No que se trata da pesquisa em RS, a preocupação de
Jodelet tem sido com os processos teórico-metodológicos
e, como uma forma de indicar caminhos, a autora ressalta
que devemos: apreender os discursos dos indivíduos e dos
grupos que mantêm a representação de um dado objeto;
apreender os comportamento e as práticas sociais através das quais
essas representações se manifestam; examinar os documentos e
registros, onde estes discursos, práticas e comportamentos são
institucionalizados; examinar as interpretações que eles recebem
nos meios de comunicação de massa, os quais contribuem
tanto para manutenção como para a transformação das
representações (ALMEIDA, 2001).
No caso da educação, o interesse pela noção de RS serve
para compreensão de fatos, orientando “a atenção sobre o
papel de conjuntos organizados de significações sociais no
processo educativo” (Gilly, 2001, p. 232). Essa noção é útil,
também, para compreender aquilo que se passa na sala de aula,
na interação educativa, tanto do ponto de vista de objetos do
saber ensinados, quanto dos mecanismos psicossociais, muitas
vezes trabalhado de forma sutil nos processos de aprendizagem
(GILLY, 2001).
Nesse sentido, podemos considerar que a Teoria das
Representações Sociais nos ajuda a interpretar o mundo
da profissão docente, a reconhecer o que pensam os/as
professores/as sobre as relações de gênero, a identidade desse
grupo, entendendo as justificativas de determinadas práticas
cotidianas estereotipadas ou não de gênero. Esse exercício nos

TEORIAS FEMINISTAS PÓS-COLONAIS E DESCOLONIAS


E A TEORIA DAS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS: O ENCONTRO 131
POSSÍVEL NA PESQUISA EM EDUCAÇÃO
permite compreender como as pessoas se mantêm enquanto
grupo e conservam suas formas de ver o mundo e a si mesmas.
Para Gilly (2001) ao fazer a articulação com a psicossociologia
com a sociologia da educação podemos compreender os
fenômenos “macroscópicos”, nesse caso,

[...] as relações entre o pertencimento à um grupo social


dado e as atitudes e comportamentos face à escola, a
maneira como o professor concebe o seu papel etc. Ela
diz respeito, também, aos níveis de análise mais sutis
relativos à comunicação pedagógica no seio da classe e à
construção de saberes (p. 232).

A partir das análises das RS podemos verificar as


contradições dos sistemas de representações que articuladas à
totalidades coerentes conferem às representações sociais níveis
funcionais de adaptação de acordo com os níveis de realidade
aos quais estão inseridas/os as/os professoras/es, garantindo
a elas/eles a possibilidade de preservação do seu equilíbrio
e da necessidade de coerência no exercício de suais práticas
docentes e em suas relações (GILLY, 2001).

Algumas considerações

Desse modo, as contribuições das Teorias Feministas


Pós-coloniais e descoloniais são necessárias na medida em
que fazem a crítica aos pontos centrais da ciência moderna,
como a universalização do discurso em torno de um sujeito
único que é heteronormativo e masculino. Questiona modelos
generalizantes como o de família nuclear, mulher, homem, pois
esses modos de ser dependem do modo como é organizado
cada sociedade em diferentes contextos históricos, culturais
e geográficos. Nessa perspectiva, a possibilidade do encontro
entre a Teoria Feminista e a Teoria das Representações Sociais

132  Ana Célia de Sousa Santos • Licia de Souza Leão Maia


se dá na medida em que permite o reconhecimento do que
pensam mulheres e homens sobre si mesmo e sobre suas
relações, possibilitando a construção de novas relações de
gênero baseadas no respeito e na equidade. Assim como
permite repensar as fronteiras entre razão e senso comum,
razão e emoção, sujeito e objeto, pois, a realidade é social e
culturalmente construída, e sendo assim, esses aspectos são
essenciais, pois, constituem a identidade dos grupos sociais.
E, ainda, na medida que reconhece e valoriza os diferentes
conhecimentos, dentre eles o conhecimento do senso comum.

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138  Ana Célia de Sousa Santos • Licia de Souza Leão Maia


PRÁTICAS DE PESQUISA EM
EDUCAÇÃO: DISCUTINDO MÉTODO
E METODOLOGIA

Ivana Maria Lopes de Melo Ibiapina

O método, com efeito, representa o universal


concreto. Fornece leis que são supremamente
objetivas, sendo ao mesmo tempo leis do
real e leis do pensamento, isto é, leis de
todo o movimento, tanto no real quanto no
pensamento.
Lefebvre (1975)

Introdução

A
produção de conhecimentos científicos na área
de educação está em constante movimento e
revela-se interligada às cadeias e aos processos
sociais, movimento que não é linear, tampouco circular, é
espiralar e contraditório. Esse processo, portanto, não é estável,
está constantemente se manifestando e se transformando,
deixando registros históricos e teóricos. Os registros (o lógico)

PRÁTICAS DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO: 139


DISCUTINDO MÉTODO E METODOLOGIA
são as explicações que dispomos sobre o desenvolvimento das
práticas de pesquisa (o histórico). O lógico, isto é, o registro
teórico, reflete e refrata o histórico, da mesma forma que o
histórico sofre influência dos registros teóricos (KOPNIN,
1978).
Dessa maneira, o estudo sobre as pesquisas em educação
permite retomar definições e interpretações responsáveis pela
criação de sentidos e significados, de narrativas, de registros e
de fazer renovar a teoria. Para compreender como as práticas de
pesquisa chegaram a ser como são, na atualidade, Século XXI,
ano de 2019, é necessário resgatar a história que as constituíram,
relacionando as principais compreensões registradas no
passado com aquelas produzidas no presente, para projetar o
devir, pois, apenas dessa maneira, conseguiremos fazer escolhas
coerentes e produzir conhecimentos na área de educação com
potencial transformador das práticas sociais.
Desde o período primitivo, os humanos já elaboravam
conhecimentos a partir das suas próprias experiências e de
observações pessoais. O ponto de partida para a produção
dos primeiros conhecimentos foi a observação da realidade
concreta e das formas de expressão das experiências pessoais.
No período mencionado, a observação se constituiu em
ferramenta significativa de produção dos primeiros significados
sociais, os primeiros conhecimentos compartilhados. O
‘apetite de conhecer’, ‘o desejo de observar’ e a ‘vontade de
compartilhar’ foram as primeiras manifestações denotadas do
espírito científico dos humanos.
Os conhecimentos produzidos pelo homem primitivo
resultaram da observação do concreto e as explicações
formuladas para os fenômenos vividos eram decorrentes da
necessidade de conhecer e compartilhar com os outros homens
conhecimentos que seriam úteis às gerações futuras. Para
elaborar os primeiros conhecimentos e as primeiras técnicas

140  Ivana Maria Lopes de Melo Ibiapina


laborais, o homem primitivo recorreu a longas e complexas
experimentações. Segundo Lévi-Strauss (1976): foi na era
neolítica que o homem dominou as artes da civilização moderna
como a cerâmica, a tecelagem, a agricultura e a domesticação
de animais.
Os conhecimentos necessários para as produções citadas
não foram produzidos ao acaso, ao contrário, o homem precisou
de séculos de observação ativa e metódica e de experimentações
incansáveis. Essa atitude seria, então, a primeira manifestação
da tradição científica, o que nos provoca a pensar: o homem
primitivo teria sido o pioneiro da produção de conhecimentos
que leva ao domínio da natureza e de outros homens?
Caso a resposta à pergunta formulada seja sim,
concordaremos com Lévi-Strauss (1976), admitindo que
existem duas maneiras diferentes de produção do conhecimento
científico. A primeira é realizada partindo do nível perceptivo,
imaginativo e intuitivo, isto é, o pesquisador produz
generalizações baseadas na percepção e na sensibilidade e não
na razão. A segunda maneira propõe o afastamento do mundo
sensitivo e a produção de conhecimentos por outro viés, o da
racionalização pura e positiva.
Os dois caminhos mencionados conduzem a
compreensões diferentes do significado de pesquisa. A primeira
perspectiva produz pesquisa via exploração especulativa do
mundo sensível, a partir do que a própria natureza permite
e autoriza. Os conhecimentos resultantes da observação
perceptível, da história singular vivida no campo cultural que
lhe deu origem, são processos e produtos da interrogação do
substrato cultural que o homem tem acesso.
A segunda perspectiva defende que não se faz ciência
recorrendo ao conhecimento do senso comum e à observação
da realidade sensível, ao contrário, o conhecimento é produzido
por meio de experimentações e formulações de hipóteses que

PRÁTICAS DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO: 141


DISCUTINDO MÉTODO E METODOLOGIA
reorganizam o mundo das ideias. O duelo entre as citadas
perspectivas instigou a criação de modos distintos de realizar
pesquisa em educação. A disjunção entre o conhecimento
que parte do concreto e aquele que parte da razão, segundo
Bachelard (1977), promove a ruptura entre o conhecimento
do real e o científico e gera a proposição de produção
do conhecimento racional e experimental via explicação
matematizada. Nesse caso, quando se coloca a explicação à
prova (experimentação), chega-se a determinado resultado e,
este, é denominado de conhecimento científico. A realidade é
matematizada1 e a construção de conhecimentos é regulada
pela ordem (experimentação) e medida (quantificação).
O conhecimento passa a ser presumível, vez que conhecer
é sinônimo de prever. Prever, nesta perspectiva, é controlar a
natureza para supostamente melhorar as condições de vida do
homem. No caso, o método considerado como ideal é aquele
que leva a construção de conhecimentos verdadeiros e resulta
do processo sistemático e controlado de experimentação.
Dessa maneira, a produção do conhecimento científico
perpassa por quatro pretensões fundamentais: a medida do
observável; o fracionamento da realidade em variáveis isoladas
e definidas operativamente, para serem medidas e controladas
estatisticamente. Esse movimento permite que os pesquisadores
deduzam certezas mais precisas e façam previsões mais seguras
sobre os fenômenos da natureza. Essa dinâmica aponta
conclusões eternas e pontuais sobre o futuro do mundo, uma
ordem incontestável, conforme afirma Prigogine (2001): o
acaso dos turbilhões precários e espontâneos foi vencido pela
lei matemática imutável. O mundo regido por essa lei não é
mais o mundo atomista, em que as coisas nascem, vivem e

1 Matemática, no sentido grego, significa mathesis universalis,


conhecimento perfeito, completo e dominado pela razão.

142  Ivana Maria Lopes de Melo Ibiapina


morrem nos acasos de uma proliferação sem objetivo, é um
mundo em ordem.
Segundo Foucault (1990), a pesquisa positiva não
valoriza as características singulares do mundo objetivo e da
humanidade, por exemplo, a singularidade dos humanos, o
caráter de inacabamento do humano, as dimensões criativa,
polissêmica e polifônica do ser. Portanto, o modo positivo de
produção do conhecimento científico, para o autor em tela,
esquece a visão analítica poliocular, isto é, tudo que é humano,
requer análise psíquica, sociológica, econômica, histórica,
demográfica, é o que também frisa Morin (1986).
Considerando o exposto, perguntamos: é possível
afirmar que o método positivo de produção de conhecimentos
é vencedor e nós os pesquisadores da área de educação somos
vencidos? A história da produção do conhecimento chegou ao
fim? Ou é possível cogitar que existem possibilidades de outros
finais para essa história? Na nossa concepção, a perspectiva de
que a história tem um único fim é metáfora morta.
A mobilização de pesquisadores na área de educação
para a produção de métodos especiais que partem da vida
que se vive e propõem condições de reflexão, compreensão,
interpretação e transformação dos problemas do homem e
do mundo contemporâneo é a possibilidade de reelaboração
desta história, ao qual passamos a discorrer em seguida.

Produzindo novas possibilidades: reflexões e proposições

Na visão de Morin (1986; 2000a): para resistir à possessão


das ideias impostas pelo paradigma positivista é necessário nos
libertarmos do fascínio da racionalidade positiva e da estreita
concepção que nega os princípios da diversidade, da dialogia,
da imprevisibilidade, da desordem, do conflito, da contradição.
Assim, o autor propõe romper com o veredicto autoritário do

PRÁTICAS DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO: 143


DISCUTINDO MÉTODO E METODOLOGIA
paradigma dominante para produzir conhecimentos com mais
poder de reflexão, crítica e ética. O que, na visão de Atlan (1989),
implica criar condições para desenvolver projeto de sociedade
mais humana e menos individualista, em que o indivíduo é
metamorfoseado pela noção de comunidade, de andar junto, o
que também implica desenvolver performance2 transformativa
e a epistemologia do fazer junto (ATLAN, 2002).
Os estudos de Morin (1996; 2002), Prigogine (2001),
Atlan (2002), Marx (1982), entre outros, demonstram que o
mundo não é estável, a verdade não é permanente, a realidade
é complexa, o que implica em acreditar que, para produzir
conhecimentos, considerando as relações, é necessário reunir o
separado, afrontar o incerto e superar as insuficiências lógicas,
construir estratégias que ultrapassem a disjunção entre espírito/
matéria, dependência/autonomia, determinismo/liberdade,
homem/natureza/cosmos e relacione aquilo que concorda
e aquilo que discorda, aquilo que é desordem com a ordem.
É preciso compreender que o elixir da sabedoria única supõe
poder passageiro e limitado. É preciso reaprender a aprender, a
conhecer, a compreender o mundo, bem como a transformá-lo.
Compreendemos, com base no exposto, que esse é o poder que
a pesquisa em educação precisa constituir ao ser produzida.
Na avaliação de Gamboa (2008, p. 28): “os estudos
sobre a pesquisa em educação têm identificado, por exemplo,
que durante essa década predominou a influência das
tendências baseadas nas concepções positivistas de ciência”,
porém, identificamos nas nossas leituras e estudos que os
pesquisadores da área de educação têm estabelecido um
marco de ruptura com essas concepções, quando, nas várias
e múltiplas escolhas por tradições de pesquisas, optam por

2 Agir revolucionário que cria uma nova história e promove desenvolvimento


para todos aqueles que participam da pesquisa organizada enquanto
espaço-tempo formativo (NEWMAN; HOLZMAN, 2002).

144  Ivana Maria Lopes de Melo Ibiapina


organizar suas investigações por meio de ações que visam ao
desenvolvimento de comunidades críticas e interventivas que
deslocam os princípios da exclusão e da disjunção para o da
participação, cooperação e colaboração. Essas tradições estão
revestidas por distinções particulares e singulares que fazem
com que as práticas de pesquisa propostas alcancem ações
transgressoras dos modelos clássicos de fazer pesquisa em
educação, isto é, modelos positivos e atrelados apenas a lógica
formal.
Como marco dessa ruptura, por exemplo, pesquisas
realizadas nas décadas de quarenta e cinquenta, do século
passado, nos EUA, em que os pesquisadores da área de
educação começaram a questionar os princípios orientadores
das práticas de pesquisa clássicas, manifestando preocupações
em romper com os modelos predominantes de investigação
sobre a formação docente, as variantes da prática pedagógica e
do trabalho docente. Embora essas investigações representem
um marco histórico para as pesquisas na área da educação,
as críticas que recebem são relativas às problemáticas que
focalizam apenas preocupações com o desempenho docente e
a qualidade da ação professoral, conforme trabalhos de Chein,
Cood e Harding (1948), Corey (1953) e Shumsky (1956, 1958).
Nesse caso, denotamos movimentos transformativos
nas pesquisas em educação nas décadas seguintes aos anos
de 1950. A ação dos pesquisadores, portanto, passa a se
orientar pela dinâmica formativa e desenvolvimental da ação-
reflexão-ação nas pesquisas em educação e, embora ainda não
totalmente dissociadas das relações abstratas e gerais, estas
pesquisas já contém qualidades particulares e singulares que
produziriam as condições necessárias para o desenvolvimento
de outras possibilidades de fazer pesquisas em educação, vez
que, conforme Kemmis (1999), estas investigações:

PRÁTICAS DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO: 145


DISCUTINDO MÉTODO E METODOLOGIA
1.  Rejeitaram as noções positivistas de racionalidade, de
objetividade e de verdade;
2.  Empregaram categorias interpretativas das práticas
reais dos docentes e dos demais participantes no decorrer
do processo investigativo;
3.  Produziram meios de distinguir as ideias e as
interpretações deformadas pela ideologia, avaliando o
desvio em relação àquelas que não são, e perguntavam
aos participantes como essas distorções poderiam ser
superadas;
4.  Questionaram a ordem social existente e faziam
interpretações teóricas para que os participantes se
tornassem problematizadores das questões sociais e
educacionais, bem como das possibilidades de mudar as
contingências;
5.  Produziram interpretações teóricas que não eram
separadas da sua relação com a prática, desvelando,
desmitificando o agir rotineiro por meio de processos de
reflexividade desenvolvidos na pesquisa.

A negação das tradições dominantes de fazer pesquisa


em educação, portanto, originou, segundo o autor, a produção
de uma metodologia da práxis docente, pois os objetos de
pesquisa passam a ser a ação professoral e os resultados
focalizam análises e proposições de ações sobre as imposições,
os hábitos, os costumes, a sistematização burocrática do
trabalho docente, isto é, os autores denotam o surgimento
da perspectiva crítica na pesquisa educacional com ênfase na
participação dos autores e na organização de procedimentos
que possibilitaram compreender hábitos e ações burocráticas
e de coerção com a intenção de intervir e mudar situações de
opressão desses agentes educativos.

146  Ivana Maria Lopes de Melo Ibiapina


Na mencionada perspectiva, segundo Kemmis (1999),
a organização de contextos de pesquisa crítica criou as
condições iniciais para que os pesquisadores questionassem e
desenvolvessem situações de pesquisa que visavam a melhorar e/
ou a transformar a educação. Compreendemos, portanto, que
os pesquisadores, nas décadas seguintes a de 1960, tornam-se
cada vez mais conscientes a respeito da necessidade de crítica e
de intervenção nas situações vividas pelos agentes educativos,
consolidando, portanto, as metodologias qualitativas,
participativas, cooperativas e/ou colaborativas.
Dessa maneira, sucessivamente, na área educacional, as
metodologias de pesquisas passam a colocar os professores no
centro das investigações, não simplesmente como objetos de
análises, mas como sujeitos cognoscentes, ativos, não somente
como produtos da história educativa, mas também como
seus agentes. Mesmo com o avanço mencionado, críticas e
fragilidades pontuadas às metodologias citadas são de que elas
privilegiam as descrições em vez de valorizarem as explicações
que levem a operacionalização de transformações nas vidas
professorais, outras críticas para algumas destas pesquisas são
de que estas reduzem o método à mera técnica de pesquisa
e imprimem nos relatórios da investigação a falta de clareza
metodológica dos procedimentos investigativos. Sousa (2014,
p. 313) esclarece que: “A clareza metodológica e sua coerência
com o objeto a ser investigado evitam o equívoco, muitas vezes
comum, de resumir a escolha do método à mera definição de
técnicas e procedimentos a serem empregados na pesquisa.”
Dessa forma, detectamos que, geralmente, os
pesquisadores da área de educação fazem o emprego do
termo metodologia ao se referirem as explicações genéricas da
investigação, por exemplo, a arte de dispor uma sequência de
procedimentos utilizados na pesquisa; e o termo método, para
designar as escolhas técnicas e instrumentais. Observamos que

PRÁTICAS DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO: 147


DISCUTINDO MÉTODO E METODOLOGIA
a referida opção reduz a compreensão de método e impele a
não valorização dos aspectos filosóficos e epistemológicos
a ele relacionados, isto é, identificamos que quando o
pesquisador não valoriza o método como instrumento do
pensamento e da ação, ele tem dificuldade de penetrar no real
caótico e desvelar a gênese e o desenvolvimento do objeto,
explicitando as suas múltiplas determinações e as possibilidade
de transformação. Assim, rompendo com essa concepção,
significamos método como a atividade criativa do pesquisador,
que faz uso de princípios, leis e categorias, para orientar as suas
escolhas teóricas, procedimentais e atitudinais. Nessa ótica,
a metodologia não se resume a um receituário de técnicas,
recursos e instrumentos, é, pois, a teoria em ação.
A partir da década de 1990, identificamos, nas investigações
cujo objeto de estudo é a educação e o professorado, exemplos
de escolhas relacionadas a intencionalidade de intervir e
colaborar, rompendo com a tendência de os pesquisadores
falarem sobre a educação e os professores, passando, assim, a
investigar com os que fazem a educação. Esta ruptura representa,
na nossa visão, o salto transformativo das pesquisas em
educação, por exemplo, com a produção de categorias como:
diálogo, como propôs Freire (2004), ética solidária, conforme
Morin (2000b); responsividade e dialogismo, como defende
Bakhtin (2002); vida sustentável, proposta de Capra (2002);
empoderamento, proposição de Kemmis (1987); autopoiese,
conceito de Maturama e Varela (2007) e colaboração na
pesquisa-formação, proposições de Ibiapina e Ferreira (2011).
As pesquisas fundamentadas nas referidas categorias
rompem, portanto, com a lógica formal e o método positivo,
defendendo que é necessário não apenas ‘espelhar a realidade’,
mas, sobretudo, ‘transformá-la’. No Brasil, Grupos de
pesquisadores, por exemplo, o liderado por Liberali (2011),

148  Ivana Maria Lopes de Melo Ibiapina


passam a defender, com base em Marx (1983), que pesquisar
requer:

• “Orientação para um fim”: o que distingue o pior


arquiteto da melhor abelha é que ele projetou a casa,
antes de construí-la efetivamente.
• “Meios de trabalho”: a mesma importância que a
estrutura de ossos fósseis tem para o conhecimento da
organização das espécies de animais desaparecidas, os
meios de trabalho têm para a apreciação de formações
socioeconômicas desaparecidas.
• “Objeto do trabalho”: no processo de trabalho a
atividade do homem efetua uma transformação do objeto
de trabalho, mediante o meio de trabalho pretendido
desde o princípio.

Nesse caso, os trabalhos investigativos consideram


as necessidades dos docentes e da escola, bem como da
comunidade em geral, transformando os docentes e as escolas
em contextos mais críticos e colaborativos. O empreendimento
dos pesquisadores é de aliar a pesquisa científica a formação
de professores com foco na análise das contradições inerentes
às práticas educativas, produzindo condições para que haja
a transformação de pensamentos e ações, uma vez que esses
movimentos críticos nas pesquisas educacionais visam à
compreensão das condições de formação, de vida e de trabalho
dos envolvidos na investigação.
Nesse sentido, os trabalhos de pesquisa deixam clara qual
a base de sustentação de suas escolhas, no caso, os princípios,
leis e categorias do Materialismo Histórico Dialético, enquanto
método e teoria que focaliza os problemas educacionais, tendo
como ponto de partida ‘a vida que se vive’, estabelecendo a
clara recusa de distinguir ‘o que é’ do ‘como se faz’ pesquisa

PRÁTICAS DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO: 149


DISCUTINDO MÉTODO E METODOLOGIA
em educação, isto é, método e metodologia representam uma
unidade e embora possuam identidades também possuem
especificidades (IBIAPINA, 2010).
No ano de 2000, no nosso primeiro trabalho de pesquisa
desenvolvido no âmbito da dissertação de mestrado, orientada
por Paulo Rômulo de Oliveira Frota (UNESC-SC), no ano de
2004, no desenvolvimento da Tese de doutorado, orientada
por Maria Salonilde Ferreira (UFRN) e no ano de 2008, no
estágio pós-doutoral realizado na PUC/SP supervisionado
por Maria Cecilia Camargo Magalhaes, identificamos que as
pesquisas realizadas na área educacional, ainda manifestavam
dificuldades de os pesquisadores investigarem com os docentes
e de compreenderem a educação como processo e produto
das condições sócio-históricas. Esta identificação nos levou
gradativamente a observar necessidades de pesquisar com os
docentes, utilizando a compreensão materialista, histórica e
dialética. Nesse sentido, optamos por desenvolver e orientar
a atividade de pesquisa e formação em colaboração com
professores. Esta perspectiva transformativa se conectou com
a possibilidade de mobilizar os partícipes para o entendimento
das atividades educativas a partir da responsabilização em rede,
em que todos os envolvidos têm que assumir parte da tarefa de
produzir melhoria de vida para todos. Assim, assumimos como
foco:

• Formar e pesquisar para descrever, compreender,


explicar e transformar práticas educativas;
• Criar espaço-tempo de desenvolvimento do pensamento
conceitual e da reflexão crítico-colaborativa, para que
todos se sintam necessariamente responsáveis pelo
desenvolvimento de todos.

150  Ivana Maria Lopes de Melo Ibiapina


• Negociar necessidades formativas compartilhadas por
meio da atividade de pesquisar-formar, que perspectiva
relacionar teoria e prática;
• Explicar as práticas educativas, perspectivando
possibilidades de transformação efetiva nos modos de
agir, pensar e sentir dos partícipes.

Nesse sentido, agregamos nossa atividade de pesquisar-


formar a perspectiva transformativas defendida pelo grupo
de pesquisadores da UFPI, UFRN e Puc/SP, entre outros, que
compreendem a pesquisa como espaço-tempo de criação
e produção de condições de se compreender a história do
processo de constituição do objeto investigado, a história do
evento partilhado pelos partícipes (o processo de pesquisar-
formar) e a história dos próprios partícipes, que criam as
relações que se estabelecem na atividade de pesquisar-formar
e almejam transformações na e das práticas educativas.
Consideramos que esta possibilidade se concretizou a partir da
utilização do Materialismo Histórico Dialético como método
de pesquisa, pois, seus princípios, leis e categorias orientam
tanto a constituição da problemática e do problema, da
análise-síntese dos conhecimentos produzidos na pesquisa,
quanto da colaboração na formação docente. Distinguir o que
é método do que é metodologia (método particular) representa
a condição para acessar o singular e produzir pesquisa que se
orienta por essa perspectiva. Distinguir método e metodologia
é o que passamos a detalhar em seguida.

Explicitações complementares: relação entre método e


metodologia

A explicação do método utilizado em qualquer processo


investigativo, segundo Bachelard (1997), é um dos requisitos

PRÁTICAS DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO: 151


DISCUTINDO MÉTODO E METODOLOGIA
indispensáveis para o exercício da vigilância epistemológica,
que deve ser praticada pelo pesquisador, pois lhe permite
optar pelo uso mais consciente do método e da metodologia,
auxiliando-o na fundamentação e legitimação das escolhas
feitas no decorrer da pesquisa.
Vigotski (1996) afirma que a busca do método se torna um
dos problemas mais importantes de todo o empreendimento
de compreensão das formas exclusivamente humanas de
atividades psicológicas, constituindo-se, simultaneamente, em
pré-requisito e produto, instrumento e resultado do estudo. Por
essa razão, consideramos que o método tanto reflete o olhar,
a perspectiva do pesquisador com relação às questões por ele
estudadas, quanto o mundo objetivo e o conhecimento das leis
do objeto em estudo. Na perspectiva de Kopnin (1972, p. 92),
no método “[...] a lei objetiva se converte em regra de ação do
sujeito. Por isso todo método atua como sistema de regras ou
procedimentos elaborados para o conhecimento e a prática.”.
No Materialismo Histórico Dialético, a precisão é a
categoria que permite a apreciação das ações do pesquisador
no decorrer da investigação. Nesse sentido, representa a
relação entre as pretensões do pesquisador (seu objeto de
estudo, problema de pesquisa) e os processos reais (a prática
educacional), isto é, expressa a relação entre as exigências
do método e a condição das ações reais do pesquisador na
investigação, isto é, o objeto é apreciado mediante a veracidade
do sistema de conhecimento e na base desse sistema formula-se
a regra de comportamento do pesquisador. Na pesquisa essas
relações se revelam por meio da comparação da ação (teórica
ou prática) com a situação (regra, procedimento) escolhidos
pelo pesquisador. Na visão de Kopnin (1972, p. 93):

Não se pode separar a precisão da veracidade. Identificá-


las seria, contudo, igualmente inadmissível. A precisão,
como já dissemos, não é a apreciação do conteúdo do

152  Ivana Maria Lopes de Melo Ibiapina


pensamento, mas das ações do homem (sigam estas certas
regras ou não); a veracidade é a apreciação do conteúdo
do pensamento, o estabelecimento da identidade deste
com o objeto.

Na perspectiva em foco, a veracidade está relacionada


ao conteúdo do objeto, o que independe do comportamento
do pesquisador, pois é determinada apenas pelo objeto. No
processo de pesquisa, o pesquisador efetua uma transição da
veracidade à precisão, transformando pensamento em ação,
isto é, o abstrato em concreto.
O problema de pesquisa, definido pelo pesquisador, pode
ser examinado do ponto de vista da veracidade, porque ele se
baseia no conhecimento já adquirido, de caráter objetivo, é por
essa razão que se faz necessária a revisão de literatura e/ou o
estado da arte do objeto em estudo. Porém, este conhecimento
por si só não define o problema, é necessário observar o que
ainda não foi suficientemente explicado com vistas a ultrapassar
os limites do conhecimento teórico existente e também as
ações que devem conduzir a resultados diferentes, o que requer
análise de reciprocidades, complementaridade, recorrência,
simetria, repetição, diferenças e identidades, requer ir além do
imediato, dos ossos de um esqueleto sem vida, explicitando-se
as relações entre as qualidades universais e singulares, mediadas
pelas particularidades.
Nesse caso, pontuamos que apenas a veracidade é
insuficiente, é necessário definir ações que podem conduzir a
teses teóricas. Para além da veracidade, o problema precisa
também ser analisado sob a ótica da precisão, isto é, necessita
de regras cujo caráter objetivo perspectivem as necessidades, os
objetivos e os anseios do pesquisador e da comunidade.
Nesse sentido, explicitamos que o método é produto e
processo da atividade pensante e consciente do pesquisador.
Morin (1986) alerta para a necessidade de os pesquisadores

PRÁTICAS DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO: 153


DISCUTINDO MÉTODO E METODOLOGIA
estarem atentos ao fato de que em toda investigação, corre-
se o perigo da simplificação, do nivelamento, da rigidez,
da moleza, do enclausuramento e da esclerose, o que leva a
necessidade de investir em pesquisas que relacionem reflexão
e criatividade, função que do método. Nesse caso, como todo
sistema tende naturalmente a degradar-se, a sofrer o princípio
de entropia crescente, a teoria precisa regenerar-se, sendo o
método responsável por revitalizá-la. Nessa perspectiva, a teoria
não é nada sem o método e, este, é atividade reorganizadora e
necessária para a dinamicidade da teoria.
Na linguagem popular, muitas vezes, as palavras método
e metodologia se confundem, entretanto compreendemos
que elas mesmo formando uma unidade tem especificidades,
conforme demonstramos a seguir:
Método, no sentido clássico, significa modelo, isto
é, método é aquilo que serve de imitação, é o simulacro da
pesquisa construído para permitir representar determinado
conjunto de fenômenos. Essa visão reduz o conceito de método,
pois não leva em consideração que este é a representação
produzida pelo pesquisador que depende da teoria que ele
utiliza para compreender o objeto investigado e para o qual são
direcionadas as análises e síntese do trabalho de investigação.
Para Morin (1986), a palavra método deve ser concebida
fielmente em seu sentido original, e não em seu sentido
derivado, degradado na ciência clássica. Com efeito, na
perspectiva clássica, o método não é mais do que receita de
aplicações quase mecânicas, que visa a excluir o sujeito de seu
exercício criativo. Nessa perspectiva, o método degrada-se em
técnicas, porque a teoria se torna um programa a ser seguido
mecanicamente pelo pesquisador.
Com base no exposto, compreendemos que o método
requer iniciativa, criatividade e arte por parte do pesquisador e
também necessita de regras de ação, de lógica. Evidentemente

154  Ivana Maria Lopes de Melo Ibiapina


que as regras podem mudar, nenhuma delas é única e
absoluta, mas uma vez que é regra de ação do pesquisador,
deve considerar os dois aspectos o objetivo e o subjetivo, o que
significa, a conversão da veracidade em precisão. Assim, método
é a produção que envolve opções, seleções e combinações
realizadas com a finalidade de descrever, analisar e explicar/
compreender as práticas sociais, ultrapassando os limites do
já existente, do já explicado, desenvolve-se, leva à mudança do
velho conhecimento e à criação de um novo saber e/ou de uma
nova prática.
Nesse caso, a metodologia, também denominada de
método particular, medeia a relação entre o método (universal)
com o problema (singular), especificando como a pesquisa
pode tornar-se mais hábil, mais segura, mais delimitada. Esta
indica o como fazer, é, portanto, a teoria em ação e implica a
reflexão sobre os processos e os procedimentos desenvolvidos
na investigação.
A metodologia da pesquisa, portanto, requer o domínio
por parte dos pesquisadores dos campos epistemológico,
teórico, metódico, técnico e a metodologia na pesquisa requer
o cuidado com a definição do objeto de estudo, com o campo
da pesquisa, descrição e interpretação dos conhecimentos
produzidos no processo de pesquisar, bem como dos
instrumentos e das técnicas utilizadas.
A unidade método e metodologia permite fazer escolhas
conectadas e sem rupturas epistemológicas, seguindo-se, com
base em Lefebvre (1975, p. 240-241), as seguintes regras, para
a constituição de objetos de estudos:

1.  Realizar uma análise objetiva sem digressões e


exemplos exteriores;
2.  Levar em considerar as conexões, o desenvolvimento e
o movimento;

PRÁTICAS DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO: 155


DISCUTINDO MÉTODO E METODOLOGIA
3.  Apreender a contradição com totalidade e unidade
dos contrários;
4.  Analisar a luta, o conflito interno das contradições, a
tendência, o devir;
5.  Não esquecer as relações: tudo está ligado a tudo;
6.  Não esquecer de captar as transições dos aspectos da
contradição;
7.  Não deixar de considerar que a compreensão do
conhecimento vai da essência menos profunda a essência
mais profunda;
8.  Penetrar mais fundo do que a simples aparência - do
que a coexistência observada;
9.  Nas fases da pesquisa, o pensamento deverá se
transformar, se superar, modificar formas e remanejar
conteúdos;

Nesse caso, levando-se em conta a realidade investigada,


o método indica as regras de ações do pesquisador, que devem
estar explícitas tanto para o leitor e intérprete, que após
ter acesso à obra acabada necessita saber qual o caminho
percorrido pela investigação, quanto para o pesquisador, que
visa à apreensão da estrutura da obra (sua forma) e da produção
do seu conhecimento (seu conteúdo). Essas explicitações
definem a metodologia, que representa a própria arquitetura
da pesquisa.

Conclusão

A distinção entre método e metodologia tornou-se


necessária, vez que reconhecemos a necessidade de fazer opção
por um método e uma metodologia, que permitisse conhecer o
objeto estudado de forma mais real, relacionando o universal,
o particular e o singular das práticas educacionais.

156  Ivana Maria Lopes de Melo Ibiapina


Nesse sentido, as nossas escolhas metodológicas
enquanto pesquisadora são coerentes com os princípios, leis
e categorias do Materialismo Histórico Dialético, mas não
necessariamente nos levam a realizar uma discussão teórica
sobre esta possibilidade, a cada vez que divulgamos nossas
pesquisas. O que consideramos fundamental e necessário
é deixar clara a conexão entre as nossas escolhas e como
propomos a realização das pesquisas colaborativas. Esperamos
que o conhecimento partilhado deixe explícito os porquês das
escolhas, as conexões entre método e metodologia, bem com
as implicações nos resultados que almejamos e alcançamos.
Conforme expressa Kopnin (1972, p. 96): “[...] todo
método tem um lado racional, atua em certos limites [...]” e é,
portanto, “[...] o meio de atividade do homem em que se unem
num todo as leis objetivas interpretadas com o fim voltado
para a apreensão do objeto e a sua transformação.”.
Com base no exposto, esclarecemos que utilizamos o
Materialismo Histórico Dialético como método de produção de
conhecimentos, justamente pela oportunidade que ele oferece
de colocar em prática a unidade pensamento e ação, auxiliando
a relacionar lógico e histórico, possibilitando o estudo do estado
atual e do desenvolvimento do objeto investigado e as possíveis
formas de mudar/transformar a ação social investigada.
Compreendemos também que a opção de pesquisar
com base no Materialismo Histórico Dialético rompe com
os limites impostos pela dicotomia entre externo/interno,
social/individual, objetividade/subjetividade, teoria/prática,
veracidade e precisão, o que implica em escolhas metodológica
de pesquisar processos e produtos sem dicotomizá-los. Nesse
movimento interativo, os partícipes negociam significados,
questionam ideias fossilizadas, concordam ou discordam dos
pontos de vistas expostos pelos companheiros, fazendo uso
de descrições, informações e confrontos justificados, estes

PRÁTICAS DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO: 157


DISCUTINDO MÉTODO E METODOLOGIA
desencadeiam a reelaboração das práticas e a compreensão da
unidade teoria-prática no processo educativo, o que põem em
movimento a unidade pesquisar-formar.
Com base nas críticas e proposições expostas ao longo
deste texto, para não finalizar, desafiamos os pesquisadores
que pretendem produzir uma nova história para a produção de
conhecimentos: é necessário aprender a transgredir as formas
de produzir conhecimentos, que utilizam apenas a lógica
formal e o modelo positivo de fazer ciência, estes anulam as
subjetividades das pessoas, é necessário trabalhar a atividade de
pesquisar aliada a atividade de formar, para criar as condições
necessárias à produção de conhecimentos educacionais e
consolidar e validar este gênero acadêmico de investigação,
que rompe com os sistemas dominantes de fazer pesquisa
em educação, vez que oferece muito mais condições para que
os pesquisadores e os agentes educativos se transformem no
movimento da pesquisa e possam também transformar as
escolas e a sociedade.
Este também é o nosso desafio: transgredir modos
instituídos de fazer pesquisa e divulgar possibilidades de
produção de conhecimentos no âmbito da educação que crie
outras condições éticas e afetivas de convivência na pesquisa
e na formação docente. Para não finalizar, recorremos as
palavras de Chasin (2009, p. 31), para afirmar que ao fazer
pesquisa em educação “não há um caminho pré-configurado,
uma chave de ouro ou uma determinada metodologia de acesso
ao verdadeiro”. Somos nós, os pesquisadores, que produzimos
esse caminho, ao pesquisar.

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162  Ivana Maria Lopes de Melo Ibiapina


AVALIAÇÃO DA APRENDIZAGEM
NO CONTEXTO DO ENSINO SUPERIOR:
IMPLICAÇÕES NA PRÁTICA DOCENTE

Joelson de Sousa Morais


Maria Noraneide Rodrigues do Nascimento
Francisca Eudeilane da Silva Pereira

Introdução

O
presente texto, é fruto de uma pesquisa
qualitativa que foi realizada com três acadêmicos
do curso de Licenciatura em Pedagogia, em uma
instituição da rede privada de ensino de Caxias-MA, entre os
anos de 2017 e 2018.
Trata-se de um estudo que focaliza os Memoriais de Formação
como recurso metodológico avaliativo e formativo no ensino
superior, os quais foram produzidos por acadêmicos do curso
de Pedagogia, e tomado como uma das notas no processo de
avaliação da aprendizagem dos mesmos.
Os dispositivos metodológicos utilizados, foi observação
e Memorial de Formação, dos pesquisados, durante as disciplinas

A AVALIAÇÃO DA APRENDIZAGEM NO CONTEXTO DO ENSINO SUPERIOR: 163


IMPLICAÇÕES NA PRÁTICA DOCENTE
que ministramos no curso de Licenciatura em Pedagogia, os
quais foram produzidos, por intermédio de proposições que
fizemos aos alunos no início do período letivo, com diferentes
turmas e em diferentes momentos temporais, tendo como uma
das premissas básicas, o fato de que o memorial, seria um dos
dispositivos metodológicos de avaliação, entre os outros que
utilizamos, no sentido da obtenção da nota nas disciplinas, e,
consequentemente, como recurso de formação, aprendizagem
e construção de saberes e conhecimentos em sua trajetória
formativa inicial.
A ideia de propormos a construção de um Memorial
de Formação, aos alunos, surgiu do fato de percebermos o
potencial desse gênero acadêmico que traz um crucial aspecto
no processo de formação profissional do sujeito, além de se
configurar como uma outra lógica de avaliação que se somava,
naquele momento, a outros dispositivos metodológicos
instituídos oficialmente pela instituição educacional, no caso
da prova, por exemplo, e que através do Memorial, acreditamos
que trazia um contraponto a uma forma de avaliação apenas
para cumprimento de uma lógica verticalizante e que, talvez,
não daria possibilidades de compreendermos os processos de
construção do saber, aprendizagem e conhecimento tecidos
pelos próprios sujeitos em sua trajetória formativa.
Assim, o Memorial de Formação, acabou trazendo o olhar de
si, tecido em narrativas pelo próprio acadêmico, que imprimia
suas características, subjetividade e sua singularidade, nos fios e
tramas do si perceber e revelar-se por meio da escrita narrativa,
ajudando-os a si perceberem nesse processo, e, possivelmente,
através deste gênero acadêmico, permitir transformações
plausíveis no contexto de sua formação pessoal, acadêmica
e profissional. E para nós, como formadores de professores,
sinalizou outras pistas de compreendermos, entendermos e
refletirmos acerca das implicações que os próprios sujeitos

164  Joelson de Sousa Morais • Maria Noraneide Rodrigues do Nascimento


Francisca Eudeilane da Silva Pereira
tinham em sua formação, e revelavam isso nos seus memoriais,
nos trazendo outras percepções e entendimentos, a partir do
que o sujeito narrava.
Entendemos que o Memorial de Formação, traz as
reminiscências das memórias narrativas das pessoas, fazendo-
as pensarem sobre si, ao ter que falar de si, em um processo
formativo que acompanharam-nos desde o processo de
escolarização, mediados por vivências e múltiplas outras
experiências que tiveram ao longo de suas vidas, e que permitiram
a tessitura de suas escolhas do curso que estão realizando,
bem como delimitação de sua área profissional da docência
como vida e profissão, repercutindo, substancialmente, no
aprender e ensinar, sobretudo, quando estiverem atuando
profissionalmente.
Nesse sentido, refletimos que “[...] através da memória
o indivíduo capta e compreende continuamente o mundo,
manifesta suas intenções a esse respeito, estrutura-o em ordem
(tanto no tempo como no espaço), conferindo-lhe sentido
(CANDAU, 2012, p. 61).
Esta produção escrita tem como problema de pesquisa:
Quais as implicações dos memoriais de formação como
dispositivo metodológico avaliativo no desenvolvimento da
aprendizagem de alunos do ensino superior?
Os objetivos do artigo são: compreender as implicações
dos Memoriais de Formação na aprendizagem de alunos do ensino
superior; bem como analisar as contribuições dos memoriais
formativos no desenvolvimento da reflexão, aprendizagem e
compreensão do estudante do ensino superior.
No que se refere à avaliação da aprendizagem, o Memorial
de Formação se configura como um dispositivo metodológico
avaliativo, que capta no sujeito sua história de vida, suas
experiências e vivências realizadas ao longo do tempo, por
onde transitou e com diferentes sujeitos, além de ser tornar

A AVALIAÇÃO DA APRENDIZAGEM NO CONTEXTO DO ENSINO SUPERIOR: 165


IMPLICAÇÕES NA PRÁTICA DOCENTE
um dispositivo de (auto)formação mediando a reflexividade
do sujeito por meio de suas representações, aprendizagens,
entendimentos, dúvidas e incompreensões acerca de um
assunto, tema, ideia ou discussão realizada, ou vivenciada pelo
indivíduo em algum momento em sua formação, e que, por
inúmeras razões, não consegue expressar seu pensamento, a
não ser que seja de forma escrita.
A (auto)formação, portanto, corresponde “a uma dupla
apropriação do poder de formação; é tomar em mãos esse
poder – tornar-se sujeito –, mas é também aplicá-lo a si mesmo:
tornar-se objeto de formação para si mesmo (PINEAU, 2010,
p. 103).
As discussões neste texto se ancoram teórico-
metodológica e epistemologicamente com autores no campo
das narrativas (auto)biográficas em educação com Josso
(2010), Pineau (2010), Bragança (2012), Câmara; Passeggi
(2013), Zabalza (2004), entre outros.

Da natureza dos dispositivos metodológicos da pesquisa-


formação

Este artigo trata-se de uma investigação qualitativa, que


foi desenvolvida com três turmas do curso de Pedagogia de
uma instituição superior da rede privada de ensino na cidade
de Caxias-MA, nos anos de 2017 e 2018 e que foram utilizados
como dispositivos metodológicos de pesquisa: o Memorial de
Formação e as observações.
O Memorial de Formação, foi produzido durante as
disciplinas que ministramos aos alunos do curso de Licenciatura
em Pedagogia, numa instituição da rede privada de Caxias-MA.
Neste trabalho, são apresentados e analisados apenas
algumas narrativas dos memorias de formação, de três acadêmicos
do curso de Pedagogia, que envolveram as turmas do 1º, 6º e 8º

166  Joelson de Sousa Morais • Maria Noraneide Rodrigues do Nascimento


Francisca Eudeilane da Silva Pereira
períodos do respectivo curso. No entanto, primamos por três
acadêmicos, sendo uma do 1º período e dois do 6º período do
curso.
Quanto ao perfil dos participantes da pesquisa, estão
num recorte de idades entre 19 a 24 anos, em que duas são do
sexo feminino, e um do sexo masculino.
Por respeito às questões éticas na pesquisa científica
com seres humanos, utilizamos pseudônimos dos sujeitos
pesquisados, sendo nominados com as duas primeiras letras
de seu nome de origem. Fazemos assim, por respeito às duas
identidades e com a ideia de zelarmos com o compromisso
ético na produção do conhecimento e da ciência.
A escolha de somente os três participantes aqui trazidos
neste estudo, se deu pelo nível de maior implicação que
apresentaram suas narrativas nos seus respectivos Memoriais de
Formação, e com o qual estamos compreendendo esse gênero
acadêmico na formação profissional do sujeito no ensino
superior.
Dentre as leituras que fizemos dos Memoriais dos
acadêmicos das três turmas que tivemos contato como
formadores de professores, do 1º, 6º e 8º períodos, esses três
sujeitos participantes da pesquisa, que são apresentados neste
trabalho, por meio de seus registros narrativos escritos, foram
os que trouxeram inúmeras outras tantas possibilidades de
reflexão, pois abordaram, mais veementemente de si, do que
entendiam, compreendiam ou não, das suas histórias de vida
e formativas, e das críticas e reflexões que teceram ao longo
da escrita narrativa em seu memorial. O que tem mais a ver
com a proposta deste trabalho, uma vez que se inscreve numa
pesquisa-formação narrativa (auto)biográfica.
Os princípios teóricos-políticos-metodológicos e
epistemológicos deste estudo, estão pautados numa pesquisa-
formação no âmbito das histórias de vida e no campo da

A AVALIAÇÃO DA APRENDIZAGEM NO CONTEXTO DO ENSINO SUPERIOR: 167


IMPLICAÇÕES NA PRÁTICA DOCENTE
narrativa (auto)biográfica em educação com base em Josso
(2010), Erbs; Abrahão (2012) e Zabalza (2004) e outros
autores.

A potência do Memorial de Formação como dispositivo de


pesquisa-formação-avaliação

Ao fazer um estudo histórico acerca da constituição


do Memorial de Formação como gênero acadêmico no cenário
brasileiro, de 1930 aos anos de 2000, o qual, na primeira
data corresponde ao período inicial que marca a sua
institucionalização nas universidades pesquisadas – que foi
na Universidade de São Paulo (USP) e a Universidade Federal
da Bahia (UFBA), Câmara e Passeggi (2013), assinalam que
este passou por vários movimentos, trazendo num primeiro
momento um teor mais institucional para atender às
normativas preconizadas pelas instituições de ensino superior1,
seja como dispositivo para ascender a cargo de professor titular
ou concursos públicos no magistério superior, como também,
como dispositivo de avaliação nos cursos universitários,
que trouxe um outro movimento de alagar os campos da
subjetividade do sujeito, ou mais precisamente, nas palavras da
autora como um “dispositivo produtor de subjetividade”.
Segundo Câmara e Passeggi (2013, p.39), dentre as
transformações desse gênero acadêmico na universidade, “é
a partir dos anos de 1980 que o memorial surge no seio da
universidade como escrita autobiográfica”, mais precisamente,

1 Esse tipo de escrita do Memorial de Formação tinha uma característica


narrativa mais burocrática, institucional e situando demasiadamente
numa perspectiva acadêmica, fruto das experiências trilhadas pelo
sujeito no campo formativo e profissional, não apresentando aspectos
da vida pessoal, familiar e de outras dimensões que implicavam no seu
processo de formação acadêmica.

168  Joelson de Sousa Morais • Maria Noraneide Rodrigues do Nascimento


Francisca Eudeilane da Silva Pereira
com a escrita do memorial da professora Magda Soares,
apresentado como requisito para cargo de professora titular
da Universidade Federal de Minas Gerais, na área da educação,
produzido em 1981, configurando-se como um marco do
ressurgimento do memorial acadêmico, constituído de uma
profunda singularidade e marcas de subjetividade tecido pela
docente, no contexto das universidades federais no Brasil.
Cabe elucidar, nessa reflexão a ideia de compreensão
que temos em se tratando da tessitura narrativa na escrita do
Memorial de Formação, o qual subjaz a ideia de que:

[...] a escrita do memorial de formação ocorre num processo


em andamento, a escrita se dá, portanto, num espaço-
tempo quase simultâneo à vivência dos fatos que devem
descrever, por essa razão, os autores, que se percebem
na condição de alunos, revelam suas dificuldades para
dar sentido a experiências ainda em curso (CÂMARA;
PASSEGGI, 2013, p.36).

Assim, o próprio sujeito vai registrando o que lhe parece


importante em seu percurso formativo e experiencial, trazendo
os acontecimentos que lhe trouxe um maior nível de implicação,
lembranças e marcas, constituindo dimensões reflexivas de si,
do que faz e do mundo à sua volta.
Vale salientar que estamos compreendendo como
memorial de formação “para designar os que são escritos durante
o processo de formação inicial ou continuada, e concebido
como trabalho de conclusão de curso no ensino superior,
realizado, geralmente, em grupo e acompanhado por um
professor orientador” (CÂMARA; PASSEGGI, 2013, p. 35).
A escrita narrativa em um Memorial de Formação no contexto
das transformações que são impulsionadas na sociedade
atual, traz uma possibilidade outra de formação e (auto)
formação profissional do sujeito, evidenciando o potencial de

A AVALIAÇÃO DA APRENDIZAGEM NO CONTEXTO DO ENSINO SUPERIOR: 169


IMPLICAÇÕES NA PRÁTICA DOCENTE
aprendizagem e construção do conhecimento, como dimensões
de reflexão, e, consequentemente, emancipação do sujeito.
Trazer o gênero acadêmico do Memorial de Formação na
academia, é, pois, uma forma de dá sentido às experiências
formativas e vivências que cada indivíduo tece em seu cotidiano,
a partir de suas respectivas singularidades e do que lhe apresenta
como significativo em sua vida-experiência-formação. Trata-
se, assim, de dá legitimidade ao saber produzido pelo sujeito,
se transformando numa mola propulsora de mudanças em
seu percurso formativo, por apresentar uma grande carga de
subjetividade, e do que o mesmo pode trazer como contribuição
no percurso trilhado pelo sujeito, em diferentes espaços/tempos
do vivido, praticado e refletido e com os diferentes sujeitos com
quem estabelece relações.
Desse modo:

A trajetória, como construção humana, pessoal-


coletiva, vai sendo tecida em um desenrolar de vivências
e experiências, de “acontecimentos da biografia” – como
processo cotidianamente tecido entre planejamentos,
desejos e possibilidades de realização, marcando uma
sequência e de “acontecimentos biográficos” que vêm
como acidentes, como marcos, o não esperado que muda
o rumo, instaurando novas etapas (BRAGANÇA, 2012, p.
192).

Em se tratando mais especificamente da proposta


de um dispositivo metodológico com caráter avaliativo,
acreditamos que o Memorial de Formação consegue nos fornecer
elementos fundamentais e concretos para compreendermos os
processos de apropriação, construção e desenvolvimento do
conhecimento que o sujeito se defronta e tece em sua narrativa
(auto)biográfica na escrita do memorial em primeira pessoa.

170  Joelson de Sousa Morais • Maria Noraneide Rodrigues do Nascimento


Francisca Eudeilane da Silva Pereira
Assim, não se trata apenas de um dispositivo de avaliação,
por que o Memorial de Formação ultrapassa essa perspectiva, se
tornando mesmo um dispositivo de reflexão, compreensão
e entendimentos outros, fundamentais na formação e
articulações com os vários níveis de subjetividade, e por meio
dos processos que os façam refletir num futuro bem próximo,
ao se encaminharem para o desenvolvimento profissional,
gerando possibilidades transformadoras e emancipatórias.

O que revelam as narrativas de acadêmicos de pedagogia no


Memorial de Formação

Os Memoriais de Formação elaborados pelos estudantes


do curso de Pedagogia, trouxeram inúmeras características e
modos de percebermos suas representações, conhecimentos,
saberes e dúvidas, entre outras dimensões identificadas em suas
escritas. Alguns aspectos que ressaltamos são que, os memorias
de formação:

a) foram nominados por: diário narrativo, memorial


de formação, diário de bordo, diário de aulas; e,
caracterizados com inúmeras imagens, desenhos,
pinturas, textos, frases, colagens, de formas criativas,
coloridas e animadas;
b) Quanto à escrita, foi possível perceber as dificuldades de
alguns estudantes ao narrarem sobre seus entendimentos
acerca das aulas e demais atividades propostas ao longo
do semestre, enquanto, outros tiveram facilidades para
narrarem o que vivenciaram;
c) as escritas dos participantes expressavam lembranças,
memórias, concepções, críticas e elogios sobre o que
fizeram ou estavam vivenciando, bem como falava do/a
professor/a, dos colegas de turma, de outros contextos

A AVALIAÇÃO DA APRENDIZAGEM NO CONTEXTO DO ENSINO SUPERIOR: 171


IMPLICAÇÕES NA PRÁTICA DOCENTE
de aprendizagem para além da instituição de formação
inicial, etc., e evocavam sobre a influência da família nas
suas escolhas profissionais.
d) ao narrar os acontecimentos que vivenciaram ou
experienciaram ao longo de suas vidas, apresentaram
suas memórias e teciam uma dimensão de reflexão,
crítica e análise da conjuntura política, social, econômica
e cultural com a qual enfrentaram no tempo em que
tiveram se defrontado com o acontecimento. Entre outras
inúmeras características.

Uma das acadêmicas, chegou a enfatizar a importância


de sua família no que se refere a continuidade de seus estudos
no curso superior. Assim se posicionou:

[...] muitas vezes pensei em não prosseguir com os estudos,


porque pensava que não conseguia mais me adaptar após
4 anos parada. Mas como não pensei só em mim, pensei
na pessoa mais importante na minha vida que é minha
filha... (Acadêmica An – 6º Período – 2017).

A ideia de uma responsabilidade subjaz na discussão


elucidada acima da acadêmica “An”, uma vez que entendemos
como uma questão de prioridade concluir um curso superior,
para, inclusive, contribuir no processo de educação e formação
da filha, e no sentido de ter outras compreensões, entendimentos
e conhecimentos da educação e do que dela é proveniente na
formação humana do sujeito.
Nesse sentido, os diários ou memorial de formação,
conforme elucida Zabalza (2004, p. 24), “aparece como recurso
privilegiado para refletir como cada aluno vai construindo seu
conhecimento disciplinar, tanto em sua dimensão conceitual
como no que se refere à dimensão atitudinal”.

172  Joelson de Sousa Morais • Maria Noraneide Rodrigues do Nascimento


Francisca Eudeilane da Silva Pereira
Assim, as pessoas narram o que entendem ou não, mas,
sobretudo, dão relevância às suas práticas, saberes, vivências e
experiências que tiveram em algum momento de sua vida, e que
se tornou significativo ou lhe flertou, trazendo um potencial de
implicação em sua formação ao longo da sua existencialidade e
convivialidade estabelecida em diferentes lugares e com variados
sujeitos. Assim, “a narrativa escrita dá testemunho, implícita ou
explicitamente, de um impacto formador dessa pluralidade de
contextos culturais como traços de nossas pertenças de fato ou
eletivas, que nos permitem identificar-nos tanto na aceitação
como na recusa (JOSSO, 2010, p. 220).
A aprendizagem do curso foi narrada por uma estudante
do 1º período de Pedagogia, como uma dimensão relevante e
que tem contribuído em sua formação profissional:

A pedagogia ela não é neutra e sim voltada a valores


importantes, onde é um grande conjunto de saberes em
nosso meio de aprendizagem (Acadêmica Ca – 1º Período
– 2018).

É possível perceber que a narrativa do Memorial de


Formação expressada pela acadêmica “Ca”, tem uma dimensão
de reflexão pelo tempo presente que está vivenciando e
experienciando atualmente, pelo fato também de que se vê
implicada num contexto de início de um curso superior, e que
tem se configurado como um “divisor” de águas em sua vida,
conforme em outras conversas e registros de seu memorial que
também evidenciou essas características, e que é corroborada
com sua fala, trazida nesse fragmento acima. Aspecto esse que
pode ser reforçado, quando em outro momento de seu memorial
de formação consegue ter outras percepções e aprendizagens,
conforme pontua abaixo:

A AVALIAÇÃO DA APRENDIZAGEM NO CONTEXTO DO ENSINO SUPERIOR: 173


IMPLICAÇÕES NA PRÁTICA DOCENTE
Professor...não sei se posso relatar aqui no diário narrativo
o que aprendi durante todo o primeiro período. Mas
preciso falar o que mais aprendi com todos vocês: não foi
só pegar um livro na biblioteca, ler, falar e esquecer não.
Aprendi a fazer,
Aprendi a ser,
Aprendi a conviver (Acadêmica Ca – 1º Período – 2018).

Dessa forma, os memorias nos permitem sempre


novas aprendizagens como leitura e prática avaliativa, ou
melhor corroborando com Erbs; Abrahão (2012, p. 213)
“com a produção dos memoriais temos a possibilidade de
conhecer, compreender, analisar, mas principalmente, temos
a oportunidade de sensibilizar, emocionar e crescer em cada
depoimento”.
Quem narra sua experiência ou vivência, traz muito de
si, de tudo aquilo que se tornou marcas importantes em seu
percurso formativo, e que é acessado pelo sujeito, quando
passa a pensar no seu passado, materializando por meio de
sua escrita o que viveu, sentiu ou está se lembrando no tempo
presente, ao escrever seu memorial durante o curso de Pedagogia.
Outro aspecto importante, refere-se à percepção das
contribuições do memorial na formação do estudante que
consegue perceber e refletir o que o mesmo pode lhe trazer de
aprendizagens e outras tantas possibilidades formadoras no seu
percurso formativo e que o acompanhará profissionalmente.
Segundo o acadêmico:

Um dos benefícios do diário é trazer o retorno registrado


daquilo que o acadêmico está verdadeiramente
aprendendo em sala de aula transformando o registro
dessas informações em maiores motivos para aprender
mais ainda (Acadêmico Ma – 6º Período – 2017).

174  Joelson de Sousa Morais • Maria Noraneide Rodrigues do Nascimento


Francisca Eudeilane da Silva Pereira
Essa narrativa tem uma riqueza de implicação, quando
conseguimos perceber que o acadêmico conseguiu avançar
na própria compreensão e entendimento do que é um diário
ou memorial de formação, e que se vê nesse processo como
constituído de aprendizagens e conhecimentos que estão sendo
mediados e dialogados no curso superior, e na disciplina que
está cursando, que foi proposto esse dispositivo metodológico.
Consideramos ainda, potencialmente transformador,
a reflexão que o sujeito tem durante seu processo formativo,
quando se percebe diante do que está vivendo e tendo suas
experiências, passando a narrar o que está aprendendo ou
conseguindo captar de saberes, aprendizagens e conhecimentos
com quem estabelece relações, ou dos múltiplos locais onde
transita, seja na academia ou em outros múltiplos contextos
formativos.
Diante desse cenário, é possível perceber, que na narrativa
há uma tomada de consciência configurando-se como
um processo autorreflexivo os quais balizam um percurso-
formação através de uma atividade retrospectiva e prospectiva
no decurso da história do sujeito (JOSSO, 2010).
É notório ainda pensarmos que “escrever sobre si, é um
recurso privilegiado de tomada de consciência de si mesmo,
pois permite “atingir um grau de elaboração lógica e de
reflexividade”, de forma mais acabada do que na expressão
oral” (CATANI, et al, 2003, p. 42).
Nesse sentido, a escrita narrativa no Memorial de Formação
representa um modelo tangível de compreender e apreender
significados atribuídos pelos sujeitos que são os narradores e
autores de suas próprias histórias formativas.

A AVALIAÇÃO DA APRENDIZAGEM NO CONTEXTO DO ENSINO SUPERIOR: 175


IMPLICAÇÕES NA PRÁTICA DOCENTE
Considerações Finais

Portanto, os Memoriais de Formação representam processos


de formação e (auto)formação para os estudantes dos cursos
de licenciaturas e para os formadores de professores, servindo
ainda como dispositivos metodológicos de ensino, de pesquisa,
e de desenvolvimento profissional, potencializando as práticas
avaliativas no ensino superior.
Vale ressaltar que os Memorias de Formação dos sujeitos no
processo de formação profissional, dá legitimidade ao saber
produzido, a partir das experiências narradas pelos acadêmicos
do ensino superior, e avaliada, compreendida e refletida pelo
professor formador no que diz respeito, mais especificamente,
as implicações formativas como potencial de (auto)formação
para o próprio sujeito que narra as suas histórias e percursos
de experiências e vivências, se tornando uma via de mão dupla
entre nós como formadores de professores e para os que estão
dialogando conosco no desenvolvimento da aprendizagem
dos sujeitos, no caso, os acadêmicos de Pedagogia, por meio
nas disciplinas ministradas através dos conteúdos e das várias
vivências/experiências tecidas nesse processo.
Os memoriais de formação, em suma, nos permitiram,
entre tantas outras questões: a) compreender como se davam
os processos de construção do conhecimento do acadêmico
no processo formativo; b) identificarmos por meio de quais
lógicas os mesmos conseguiram aprender; c) saber quais os
contextos formativos foram sendo trilhados pelos sujeitos
em suas vivências e experiências tecidas com diferentes
pessoas em diferentes espaços/tempos; e, d) conhecer suas
histórias de vida, e o que permitiram a escolha do curso de
Pedagogia como vida e profissão; entre outras inúmeras
características, potencialmente significativas, para avaliarmos,
e não somente isso, mas, também para refletirmos como

176  Joelson de Sousa Morais • Maria Noraneide Rodrigues do Nascimento


Francisca Eudeilane da Silva Pereira
formadores de professores, o que tinha maior relevância, e
marcas na aprendizagem e construção do conhecimentos pelos
acadêmicos em sua caminhada formativa, e nos percebermos
como pessoas e profissionais durante a nossa trajetória tecida
naquele espaço/tempo de formação, e diante das lógicas
institucionais que deveriam seguir, bem como outras tantas
reflexões que nos faziam percebermos o nosso desenvolvimento
pessoal e profissional.

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178  Joelson de Sousa Morais • Maria Noraneide Rodrigues do Nascimento


Francisca Eudeilane da Silva Pereira
ENSINO E PESQUISA NA
GRADUAÇÃO E NA PÓS-GRADUAÇÃO:
EXPERIÊNCIAS NO CAMPO DA
PSICOLOGIA SÓCIO-HISTÓRICA

Sílvia Maria Costa Barbosa


Elza Helena da Costa Barbosa
Antônia Batista Marques
Júlio Ribeiro Soares

E
ste artigo se propõe a discutir sobre três experiências
de ensino e de pesquisa em nível de graduação e
de pós-graduação que vêm sendo desenvolvidas
por professores integrantes do Grupo de Estudos e Pesquisas
em Educação e Subjetividade da Faculdade de Educação da
Universidade do Estado do Rio do Norte UERN, especificamente
no Curso de Pedagogia e no Curso de Mestrado em Educação,
tendo a Psicologia Sócio-Histórica como base epistemológica.
A relevância deste trabalho pauta-se na perspectiva
de articular ensino e pesquisa em nível de graduação e
pós-graduação tendo como eixo um referencial teórico-
metodológico que compreende a realidade – no caso, a atividade

ENSINO E PESQUISA NA GRADUAÇÃO E NA PÓS-GRADUAÇÃO: 179


EXPERIÊNCIAS NO CAMPO DA PSICOLOGIA SÓCIO-HISTÓRICA
de ensino e pesquisa na graduação e na pós-graduação – como
um fenômeno multideterminado por uma dimensão que é
social e histórica.
Desenvolveremos esse artigo em três sessões
correspondentes as experiências de pesquisas realizadas no
âmbito da graduação e pós-graduação no âmbito das pesquisas
no Grupo de Estudos e Pesquisas Educação e Subjetividade –
GEPES vinculado a Pós-Graduação da Faculdade de Educação
da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte – UERN,
bem como ao Programa Nacional de Cooperação Acadêmica
– PROCAD: a primeira sessão denominada “a pesquisa à luz
da Psicologia Sócio-Histórica: na pós-graduação – UERN”,
tem como objetivo discutir sobre apreensão das significações
dos educadores no âmbito das pesquisas no Grupo de Estudos
e Pesquisas Educação e Subjetividade. A segunda sessão,
intitulada “a pesquisa PIBIC no curso de Pedagogia”, se propõe
a refletir sobre o programa institucional de bolsa de iniciação
científica na perspectiva da psicologia Sócio-Histórica no
curso de Pedagogia da UERN. Na terceira sessão desse artigo,
discutiremos alguns resultados de TCC com o título “O Trabalho
de Conclusão de Curso na Perspectiva da Psicologia Sócio-
Histórica”, tendo como objetivo discutir sobre o processo de
elaboração do trabalho de conclusão de curso, na graduação
em Pedagogia da UERN na perspectiva da Psicologia Sócio-
Histórica.
Essas pesquisas convergem na base teórico-metodológica
e na postulação da tese de que a educação é um meio
fundamental da formação humana, sobretudo no que diz
respeito ao campo da atividade de ensino e pesquisa que a
constitui.

180  Silvia Maria Costa Barbosa • Elza Helena da Costa Barbosa


Antônia Batista Marques • Júlio Ribeiro Soares
A PESQUISA A LUZ DA PSICOLOGIA SÓCIO-HISTÓRICA:
NA PÓS-GRADUAÇÃO – UERN

A presente pesquisa teve como objetivo refletir sobre


estudos realizados a partir das dissertações que discutem a
apreensão das significações dos educadores a luz da Psicologia
Sócio-Histórica, no âmbito do Grupo de Estudos e Pesquisas
Educação e Subjetividade – GEPES vinculado a Pós-Graduação
da Faculdade de Educação da Universidade do Estado do Rio
Grande do Norte – UERN, bem como ao Programa Nacional
de Cooperação Acadêmica – PROCAD1. Trabalhamos com a
seguinte questão problematizadora: Como vem sendo estudado
e trabalhado a Psicologia Sócio-Histórica nas dissertações
voltadas para formação de educadores Para responder a tal
questão realizamos leituras das dissertações orientadas com o
referencial teórico-metodológico da Psicologia Sócio-Histórica,
e obtivemos resultados de análise a partir da articulação com
os núcleos de significação que revelaram a historicidade,
significações, singularidades e as mediações sociais e históricas
que constituem os sujeitos das pesquisas.
Nossas pesquisas estão balizadas na Psicologia Sócio-
Histórica de Lev S. Vigotski (2001; 2004) como seu principal
teórico e colaboradores como Leontiev (1978; 1987; 1988),
dentre outros. E âmbito nacional alguns pesquisadores tem se
destacado nessa discussão como: Aguiar (2000; 2001; 2006),
Aguiar e Ozella (2006), Aguiar e Davis (2008; 2010) Aguiar,
Soares e Machado (2015), Aguiar e Davis (2008; 2010), Barbosa

1 Projeto vincula-se a uma rede de cooperação científico-acadêmica entre


pesquisadores dos Programas de Pós-Graduação: Programa de Pós-
Graduação em Educação da Universidade do Estado do Rio Grande
do Norte UERN; Programa de Pós-Graduação em Educação Brasileira
Universidade Federal de Alagoas – UFAL; Programa de Pós-Graduação
em Educação da Universidade Federal do Piauí – UFPI.

ENSINO E PESQUISA NA GRADUAÇÃO E NA PÓS-GRADUAÇÃO: 181


EXPERIÊNCIAS NO CAMPO DA PSICOLOGIA SÓCIO-HISTÓRICA
(2015), Barbosa, Góis e Marques (2017), Bock e Gonçalves
(2009), Teixeira e Carvalho 2015). Tais discussões nos ajudam
na compreensão dessa Psicologia, como também do trabalho
docente, formação profissional, complexidade do ato de
ensinar que exige reflexão diária e necessária que se materializa
em ações pedagógicas. Mediante a importância da Psicologia
Sócio-Histórica para a compreensão do desenvolvimento do
homem, elegemos, para subsidiar as análises da nossa pesquisa,
algumas categorias fundamentais, como: Subjetividade,
Sentidos e Significados, Atividade, Mediação e a Zona de
Desenvolvimento Próximo – ZDP.
É relevante entendermos que as categorias são construtos
teóricos norteadores das reflexões teórico-metodológicas que
fundamentam as pesquisas. As categorias “são abstrações que
se constituem a partir da realidade e que orientam a investigação
de processos, procurando apreender as múltiplas determinações
dos fenômenos e seus nexos, relações contraditórias, que não
se manifestam diretamente” (KAHHALE e ROSA, 2009, p. 20).
Segundo Aguiar (2001, p. 95)

As categorias se apresentam então como aspectos do


fenômeno, constituído a partir do estudo do processo,
do movimento, da gênese desde último. As categorias de
análises devem dar conta de explicitar, descrever e explicar
o fenômeno estudado em sua totalidade. São construções
ideais (no plano das ideias) que representam a realidade
concreta e, como tias, carregam o movimento do fenômeno
estudado, suas contribuições e sua historicidade.

Para análise da realidade investigada, as dissertações


examinadas fizeram uso dos três princípios teórico-
metodológicos que constituem a fundamentação da abordagem
de análise das funções psicológicas superiores, apresentadas
por Vigotski (2007):

182  Silvia Maria Costa Barbosa • Elza Helena da Costa Barbosa


Antônia Batista Marques • Júlio Ribeiro Soares
1.  O primeiro princípio consiste em analisar processos,
e não objetos, para tanto é necessário analisar como o
ser humano se constitui e não, analisar o homem em si
mesmo. Nessa perspectiva, o pesquisador deverá focalizar
sua atenção no processo em observação e não, no
produto. Assim, as mediações fazem parte do processo
constitutivo do objeto estudado tendo em vista que a
proposta em estudo requer um olhar para a constituição
histórica, focando no desenvolvimento e a dinâmica das
relações dos sujeitos pesquisados, com a realidade em
movimento.
2. Explicação versus descrição: No segundo princípio,
Vigotski (2007, p. 66), ressalta que devemos compreender
“as ligações reais entre os estímulos externos e as
respostas internas que são a base das formas superiores
de comportamento”. Ou seja, não devemos ignorar a
manifestação externa das coisas, mas é necessário ir além
da aparência, da evidência do objeto em estudo. Conhecer
a essência dos fenômenos psicológicos, em vez de analisar
suas características perceptíveis, pois a aparência poderá
ser enganosa, daí a necessidade de desnaturalização.
Assim, o pesquisador deverá buscar a gênese da questão, a
sua origem e o seu desenvolvimento, procurando analisar
a relação entre as diferenças internas escondidas pelas
similaridades externas aparentes, possibilitando que os
sujeitos sejam revelados na relação dinâmico-causais
reais. Nesse momento, a explicação causal passa a ser o
ponto de referência da análise dos objetos investigados.
3. O terceiro princípio, consiste no problema do
“comportamento fossilizado”: Segundo Vigotski (2007,
p. 68), “estudar alguma coisa historicamente significa
estudá-la no processo de mudança”, considerando o
processo de desenvolvimento em todas as suas fases e

ENSINO E PESQUISA NA GRADUAÇÃO E NA PÓS-GRADUAÇÃO: 183


EXPERIÊNCIAS NO CAMPO DA PSICOLOGIA SÓCIO-HISTÓRICA
mudanças. Complementa ainda que, “significa descobrir
sua natureza, sua essência, uma vez que é somente em
movimento que um corpo mostra o que é”. Assim, torna-
se difícil entrar na essência quando o comportamento é
fossilizado.

Assim, intensificando a proposta de Vigotski (2001), ao


dizer que “é importante ver o outro lado da lua, pois somente
a aparência não condiz com a realidade”, na investigação,
o pesquisador deverá ir além do perceptível do objeto em
estudo, a fim de desvelar na sua essência, a sua emancipação
histórica e significações que constituem o sujeito pesquisado
em movimento.
A produção de informações de nossas pesquisas foram
obtidas por meio de entrevista recorrente Leite e Colombo
(2006) e outros. Para análise das significações optamos pela
construção dos núcleos de significação de Aguiar, Ozella (2013).
Esse procedimento se constituí através de três momentos: os
pré-indicadores, os indicadores e os núcleos de significação.
Os pré-indicadores são destacados as falas dos sujeitos
através de várias leituras flutuantes a partir das transcrições
das entrevistas recorrentes e outros. A realização de tais
leituras possibilita o destaque de palavras, frases carregadas
de conteúdos, temas relevante para o objetivo da pesquisa.
Podemos chamar esse trabalho de garimpagem, haja vista
possibilitar a apreensão, por parte do pesquisador, de palavras,
frases com significados para compreensão da professora. Por
isso, é importante ir além da aparência, perceber aquilo que
não está exposto claramente e que muitas vezes o sujeito não
se dá conta.
Segundo Aguiar e Ozella (2006), os pré-indicadores são
em grande número, em geral, compondo um quadro amplo
de possibilidades para a organização dos indicadores. Os

184  Silvia Maria Costa Barbosa • Elza Helena da Costa Barbosa


Antônia Batista Marques • Júlio Ribeiro Soares
autores afirmam que “um critério básico para filtrar estes pré-
indicadores é verificar sua importância para a compreensão
do objetivo da investigação” (2006, p. 11). Observam, ainda
que a organização dos pré-indicadores, para que resultem
nos indicadores, deve ter como critérios a “semelhança”,
“complementaridade” e “contraposição”.
Quanto à organização dos indicadores segundo Aguiar e
Ozella (2008) é um processo de aglutinação de pré-indicadores,
no qual há uma junção de conteúdos temáticos, sendo que
os temas, quando organizados, possibilitam uma melhor
percepção dos fatos e suas contradições.
A terceira etapa constitui-se na organização dos núcleos
de significação.

Nesse processo de organização dos núcleos de significação


– que tem como critério a articulação de conteúdos
semelhantes, complementares ou contraditórios – é possível
verificar as transformações e contradições que ocorrem no
processo de construção dos sentidos e dos significados, o
que possibilita ir além do aparente e considerar tanto as
contradições subjetivas quanto as contextuais e históricas
(AGUIAR E OZELLA, 2006 p. 12-13).

Nessa perspectiva, cada núcleo de significação busca


revelar o sujeito na sua totalidade, no seu movimento, de forma
não fragmentada.
O resultado deste trabalho ficou explícito quando
da apresentação das dissertações nos anos de 2016 a 2018
destacando a relevância do trabalho no GEPES, como
também a contribuição das disciplinas ofertadas: Educação
e Subjetividade, segundo a mestranda I “Evidenciamos o
caráter de importância dos estudos e discussões GEPES para
a concretização desta pesquisa de mestrado, como também
das disciplinas cursadas durante esses dois anos, disciplinas

ENSINO E PESQUISA NA GRADUAÇÃO E NA PÓS-GRADUAÇÃO: 185


EXPERIÊNCIAS NO CAMPO DA PSICOLOGIA SÓCIO-HISTÓRICA
essas ministradas por professores (as) efetivos do POSEDUC
vinculados ao GEPES”. A mestranda II enfatiza “é importante
frisar a relevância dos encontros semanais do GEPES que,
em todas as disciplinas, nos conduziu à compreensões sobre
a abordagem Sócio-Histórica, as principais fontes teóricas e
metodológicas e a compreensão do processo de produção,
análise e interpretação das informações com base nos Núcleos
de Significação.
Destacamos o seguinte núcleo, no qual foram revelados
“os desafios que a professora tinha para compreender o papel
da Educação Infantil nos aspectos do brincar, cuidar e educar,
bem como, o desafio para construção dos relatórios avaliativos
sobre o desenvolvimento e a aprendizagem das crianças; os
conteúdos a serem trabalhos de acordo com o nível escolar e
as potencialidades de cada criança.” A professora apresentava
um conflito sobre os eixos da Educação Infantil. Contradições
sobre o brincar, cuidar, educar e alfabetizar como se fossem
separados e realizados dissociadamente.
Outro depoimento importante foi o da mestranda IV
que enfatiza “Na análise das significações produzidas pelo
docente sobre sua constituição é evidente a importância que o
professor atribui à presença do outro neste processo, durante a
articulação do núcleo, percebemos o sentimento do professor
no que se refere a presença dos outros sujeitos nas suas
relações”.
Fecharemos esse momento com o depoimento da
mestranda V quando das considerações finais na sua
dissertação : Tornou-se momento de grande relevância para a
pesquisadora, a perspectiva da professora Esperança quanto a
pertinência da Universidade na escola e o convite à pesquisa sair
do papel, de modo a colaborar no chão da escola. Momento de
ressignificação à pesquisadora, pois era propósito do projeto
inicial do mestrado, a intervenção na prática pedagógica dos

186  Silvia Maria Costa Barbosa • Elza Helena da Costa Barbosa


Antônia Batista Marques • Júlio Ribeiro Soares
professores no campo de pesquisa. Evidencia-se desta forma,
que a pesquisa também proporciona ressignificações ao
pesquisador e não somente ao sujeito investigado. É uma via de
mão dupla, onde existe a afetação de ambas as partes.
Todas essas análises interpretativas advêm dos núcleos
de significação que vem contribuindo para a compreensão
da formação do educador. Na próxima sessão discutiremos a
importância do PIBIC no Curso de Pedagogia da UERN.

A PESQUISA PIBIC NO CURSO DE PEDAGOGIA-UERN NA


PERPECTIVA SÓCIO-HISTÓRICA

As instituições de ensino superior tem como função


contribuir para o desenvolvimento da sociedade, seja pela
via da formação de profissionais e/ou pela produção de
conhecimento, a partir de pesquisa cientifica. Atualmente, no
âmbito da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte-
UERN, o Programa Institucional de Incentivo à Iniciação
Cientifica-PIBIC tem um considerável número de pesquisas
realizadas Este trabalho tem como objetivo refletir sobre a
pesquisa PIBIC no curso de pedagogia da UERN com base na
psicologia Sócio Histórica.
O PIBIC é um programa institucional de incentivo à
iniciação cientifica financiado pelo CNPq que dispõe de um
sistema de bolsas distribuídas aos estudantes de graduação.
Cujo objetivo é apoiar a criação e consolidação de grupos de
pesquisa e ao mesmo tempo melhor qualificarem os cursos de
graduação. No curso pedagogia da UERN a maioria dos alunos
que tem participado no programa são voluntários. Mesmo
assim, é crescente a participação dos alunos. Nesse sentido,
consideramos importante estudarmos sobre as pesquisas
realizadas por alunas membros do Grupo de Estudos e Pesquisa
em Educação e Subjetividade-GEPES que participaram desse

ENSINO E PESQUISA NA GRADUAÇÃO E NA PÓS-GRADUAÇÃO: 187


EXPERIÊNCIAS NO CAMPO DA PSICOLOGIA SÓCIO-HISTÓRICA
programa. Partimos do seguinte questionamento: Como vem
se constituindo as pesquisas PIBIC no curso de pedagogia na
perspectivada Psicologia Sócio-Histórica?
A pesquisa teve referencial teórico metodológico
pautado nos estudos de Vygotsky (1998; 2007; 2009) e
colaboradores Leontiev (1989), Luria (1991), Bock; (2007),
Aguiar (2006), González (1999; 2005). Para a realização dessa
pesquisa, selecionamos aleatoriamente duas pesquisas PIBIC
realizadas sob a orientação de duas pesquisadoras do GEPES.
A produção e análise das informações foi a partir da leitura dos
relatórios e resumos expandidos das pesquisas selecionadas.
Inicialmente refletimos sobre as pesquisas intituladas:
“Apreender as significações do aluno de pedagogia sobre
o ensino e aprendizagem dos conteúdos matemáticos na
Educação Básica e sua influência na formação docente”; e “As
significações dos professores sobre a formação de habilidades
cognitivo-linguísticas na área de história”. As duas alunas
que participaram do programa PIBIC como voluntárias
frequentaram assiduamente os estudos do GEPES.
As categorias Historicidade, Sentidos e Significados,
Mediação e Atividade foram fundamentais para obtenção dos
resultados e o nível de apreensão da dimensão da subjetiva da
realidade constituída pelas alunas. Os resultados obtidos a
partir da reflexão sobre as pesquisas mostram a importância
da pesquisa da Psicologia Sócio Histórica para a vida
acadêmica e possibilitando expandir os conhecimentos, bem
como desenvolver a escrita. Além contribuir com a constituir
profissional e pessoal.
A reflexão acerca das pesquisas PIBIC na perspectiva
da psicologia Sócio- Histórica no curso de pedagogia da
UERN demonstrou a relevância dos estudos e discussões do
GEPES sobre a psicologia Sócio-Histórica na constituição das
alunas da iniciação científica e na sua formação profissional.

188  Silvia Maria Costa Barbosa • Elza Helena da Costa Barbosa


Antônia Batista Marques • Júlio Ribeiro Soares
Destacamos os estudos sobre da Psicologia Sócio-Histórica
que se constituíram em um suporte para os enfrentamentos
das dificuldades de ordem estrutural e financeira, vividas pelas
alunas por não terem sido contempladas com a bolsa PIBIC.

O TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO NA


PERSPECTIVA DA PSICOLOGIA SÓCIO-HISTÓRICA

Este trabalho teve como objetivo discutir sobre a


elaboração do trabalho de conclusão de curso-TCC na
perspectiva da Psicologia Sócio-Histórica-PSH no curso de
Pedagogia da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte-
UERN. É importante destacar que o Projeto Pedagógico do
curso de pedagogia - PPC contempla o viés da pesquisa, em
diversos momentos: nos objetivos, no perfil do aluno, e nos
componentes curriculares.
Durante orientação do Trabalho de Conclusão de
Curso, vivenciamos várias situações que explicitam medos,
ansiedades, incertezas, inseguranças, entre outras. Diante
disso, questionamos: como vem ocorrendo o processo de
elaboração do TCC a partir da PSH?
A investigação ancorou-se na Psicologia Sócio-Histórica,
de Vigotski (1995; 1998; 2001) e seus colaboradores Luria
(1991) e Leontiev (2004). Para a produção das informações,
fizemos análise documental do PPC do curso de Pedagogia e de
quatro monografias orientadas por pesquisadoras do Grupo
de Estudos e Pesquisas em Educação e Subjetividade-GEPES
nos dois últimos semestres.
Os títulos das monografias são: Os sentidos e os
significados de uma professora sobre o trabalho com leitura na
sala de aula; Olhar do professor nos anos inicias sobre o ensino
de história; Uma análise reflexiva sobre a aprendizagem dos
conteúdos matemáticos e a formação docente e Os desafios do

ENSINO E PESQUISA NA GRADUAÇÃO E NA PÓS-GRADUAÇÃO: 189


EXPERIÊNCIAS NO CAMPO DA PSICOLOGIA SÓCIO-HISTÓRICA
auxiliar de classe para trabalhar com alunos com necessidade
educacional especial ensino fundamental.
Nos trabalhos de conclusão de curso analisados,
foi utilizados dois procedimentos para a produção das
informações: a entrevista reflexiva (SZYVMANSKI, 2011), e o
memorial reflexivo (TELES 2011). A análise e interpretação das
informações se deram baseada na proposta dos núcleos de
significação Aguiar; Ozella (2013) e Aguiar; Soares; Machado
(2015). As categorias da sócio-histórica foram: pensamento e
linguagem; sentido e significado; mediação; atividade; ZDP;
vivência; e historicidade. Apenas uma aluna chegou aos núcleos
de significação. Uma possibilidade de trabalhar com a PSH na
graduação é a participação dos alunos no GEPES. A referida
aluna participou por um ano. Vejamos o que diz um sujeito da
pesquisa:

O memorial e a análise dos pré-indicadores e indicadores me


possibilitaram ressignificar a minha vivência como auxiliar de classe,
pois eu passei a compreender o porquê dos desafios e acima de tudo
pude perceber a minha busca para poder superar os obstáculos.
[...] eu enxergava apenas desafios hoje eu vejo como possibilidades,
[...], percebo que amadureci [...], tanto profissionalmente como
pessoalmente, ao relembrar as minhas vivências me considero uma
pessoa persistente, determinada, que trocou os medos e inseguranças
pela vontade de aprender e poder contribuir de alguma forma na
vida dos meus alunos.

Essa fala sintetiza o que foi o trabalho com a Psicologia


Sócio-Histórica para essa aluna. Demonstra também que a
realização de uma pesquisa ancorada na PSH na graduação
se constitui um desafio. Enfrentamos dificuldades e também
formas de enfrentamento. Isto não quer dizer que este processo
não tenha contribuído para a constituição pessoal e profissional
de todos os sujeitos envolvidos no processo, mas o contrário, a
fala da aluna deixa indícios disso.

190  Silvia Maria Costa Barbosa • Elza Helena da Costa Barbosa


Antônia Batista Marques • Júlio Ribeiro Soares
A partir das falas expostas pelas alunas, percebemos a
relevância do GEPES para a constituição do processo formativo
das mesmas, pois o programa não tem apenas oportunizado
aos mestrandos, mas principalmente alunos do Curso de
Pedagogia que vem se apropriando da Psicologia Sócio-
Histórica com discussões que envolvem as categorias que
atravessa a objetividade e subjetividade.
Outro ponto perceptível na constituição das alunas, a
partir das suas falas nos trabalhos de conclusão de curso, está
relacionado à experiência enriquecedora de estarem inseridas
no ambiente acadêmico, como também nas atividades de
ensino nas escolas de educação básica, isto tem contribuído
para o processo formativo no curso de licenciatura.
Deste modo, compreendemos que o GEPES-UERN de
fato tem cumprido com o objetivo, visto que tem introduzido
discussões acadêmicas dos cursos de licenciatura nas escolas de
educação básica, oportunizando experiências aos mestrandos e
aos futuros professores, através da articulação entre os aspectos
teóricos estudados na universidade e as atividades de ensino em
sala de aula. Assim, as falas destacadas revelam as significações
produzidas na dialética objetividade e subjetividade presentes
no processo formativa como também em suas constituições.

Considerações Finais

Esta pesquisa traz como objetivo apreender as significações


da formação constituídas por professores em formação inicial
e continuada da Educação Básica. Apresentar as significações
apreendidas, nos leva a compreender os sujeitos investigados
em sua natureza, sua essência, no dinamismo das suas relações,
os avanços e recuos de toda a realidade em movimento, pois
alinhando ao requisito básico do método dialético e às teorias

ENSINO E PESQUISA NA GRADUAÇÃO E NA PÓS-GRADUAÇÃO: 191


EXPERIÊNCIAS NO CAMPO DA PSICOLOGIA SÓCIO-HISTÓRICA
de Vigotski (1998, p.86) “é somente em movimento que o
corpo mostra o que é”.
As três experiências aqui apresentadas tem em comum o
arcabouço teórico da Psicologia Sócio- Histórica, como também
o método que converge para a base teórico-metodológica e na
postulação da tese de que a educação é um meio fundamental
da formação humana, sobretudo no que diz respeito ao campo
da atividade de ensino e pesquisa que a constitui. Para análise
da realidade investigada, as pesquisas examinadas fizeram
uso dos três princípios teórico-metodológicos que constituem
a fundamentação da abordagem de análise das funções
psicológicas superiores, apresentadas por Vigotski (2007),
conforme apresentamos acima. As análises interpretativas
também convergem para os núcleos de significação que vem
contribuindo para a compreensão da formação do educador.
Todas as pesquisas evidenciam através das falas as significações
e intencionalidades dos sujeitos, considerando a ideia de
totalidade a partir da articulação das partes, na constituição
do todo.
Explicar o que está revelado, nem sempre condiz com
o real, haja vista, nem sempre ser perceptível a essência dos
fenômenos. É, portanto na dialética dos contrários, na palavra
não tida, nas contradições e contraposições, que os sujeitos se
revelam e o implícito posto em evidência.
No transcurso das análises e interpretações das
informações, pudemos identificar vários movimentos de
ressignificação da atividade dos sujeitos pesquisados. Tais
movimentos tornaram-se reveladores para compreendermos
enquanto os encontros dos GEPES, as aulas das disciplinas
ministradas, as orientações e os estudos geraram reflexões e
ressignificações a respeito das atividades.
Procuramos considerar nos sujeitos investigados a
realidade objetiva-subjetiva, advinda de sua historicidade, suas

192  Silvia Maria Costa Barbosa • Elza Helena da Costa Barbosa


Antônia Batista Marques • Júlio Ribeiro Soares
relações sociais e culturais, sem perder de vista o ser concreto
e humano.

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ENSINO E PESQUISA NA GRADUAÇÃO E NA PÓS-GRADUAÇÃO: 195


EXPERIÊNCIAS NO CAMPO DA PSICOLOGIA SÓCIO-HISTÓRICA
DAS RELAÇÕES ENTRE PSICOLOGIA
SÓCIO-HISTÓRICA E PSICOLOGIA
ESCOLAR E EDUCACIONAL: RELATOS DE
EXPERIÊNCIA E PESQUISA

Carla Andréa Silva


Ana Gabriela Nunes Fernandes
Algeless Milka Pereira Meireles da Silva

Introdução

O
presente trabalho parte do interesse em
compartilhar experiências de pesquisa e atuação
na área da Psicologia Escolar e Educacional
desenvolvidas com base nos pressupostos da Psicologia
Sócio-Histórica. Nesse aspecto, reunimos reflexões advindas
das experiências profissionais das autoras que possuem
como foco a pesquisa qualitativa no âmbito da formação de
professores, dos processos de aprendizagem mediados pelas
tecnologias digitais da informação e comunicação (TDIC) que
têm lugar no ensino superior e na atuação do psicólogo no
contexto educativo, especialmente a Educação Infantil. Dessa

DAS RELAÇÕES PSICOLOGIA SÓCIO-HISTÓRICA E PSICOLOGIA ESCOLAR 197


E EDUCACIONAL: RELATOS DE EXPERIÊNCIA E PESQUISA
maneira, o trabalho tem por objetivo discutir as contribuições
da psicologia Sócio-Histórica enquanto matriz teórica para
a compreensão dos processos que envolvem a formação de
professores, a aprendizagem mediada pelas tecnologias e a
atuação do psicólogo escolar e educacional.
As reflexões apresentadas emergem das discussões
levadas a cabo no âmbito de uma mesa temática durante o I
Encontro de Pesquisa em Educação e Formação Humana em
que foi compartilhado com os presentes nossa experiência
de pesquisa e atuação na área da Psicologia Educacional e
Escolar fundamentada nos pressupostos da Psicologia Sócio-
Histórica. Dentro dessa perspectiva, consideramos que o
trabalho contribui com o debate acerca da potencialidade da
matriz sócio-histórica para compreender, explicar e, sobretudo,
intervir sobre as demandas educacionais, contribuindo de
algum modo, com a melhoria dos processos educativos e
reafirmando o lugar da psicologia na educação.
Para levar a cabo a discussão acerca das temáticas
abordadas e alcançar o objetivo proposto, inicialmente,
foram discutidos diversos aspectos que envolvem as práticas
pedagógicas e a formação de professores, enfocando-se em
seguida sobre as TDIC como artefatos culturais mediadores da
aprendizagem e, por último, as contribuições de Vygotsky para
o fazer do psicólogo escolar e educacional.

Encontros e desencontros entre a psicologia da educação e a


prática pedagógica

Apresentamos como objeto desta proposta apresentar


o produto da investigação sobre a análise acerca da prática
pedagógica de duas professoras da Educação Infantil,
destacando a mediação dos conceitos da disciplina Psicologia
da Educação na constituição das referidas práticas. Propomos

198  Ana Gabriela Nunes Fernandes • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
a seguinte questão de pesquisa: como vêm acontecendo o
processo de objetivação dos conceitos apropriados na disciplina
Psicologia da Educação na prática pedagógica de professores
da Educação Infantil? Neste estudo, defendemos a tese de
a prática pedagógica de professoras da Educação Infantil
quando mediadas pelo processo de apropriação e objetivação
de conceitos da disciplina de Psicologia da Educação, com
potencial crítico-reflexivo sobre a realidade histórico-social,
tem possibilidade de se transformar em práxis. O objetivo
geral proposto é: Investigar o processo de apropriação e
objetivação de conceitos da disciplina Psicologia da Educação
que medeiam a prática pedagógica de professores da Educação
Infantil e as possibilidades de transformação em práxis. Para
isto, apresentamos como aporte teórico a Psicologia Sócio-
Histórica, destacando categorias como consciência e atividade,
sentidos e significados, pois o sujeito se constitui nas relações
com o meio, sendo ele síntese dessas múltiplas determinações.
Nosso intento nessa pesquisa foi o de eleger a disciplina
Psicologia da Educação como campo de compreensão do
processo de apropriação de conceitos na formação docente
e de objetivação dos mesmos na prática pedagógica, por
considerá-los aspectos imprescindíveis a serem investigados
para entender as possibilidades de realização da práxis. Esta
pesquisa contribui, portanto, para a ampliação do debate sobre
a formação docente e pode ser relevante como contribuição
a elaboração de novos processos de formação docente, que
possibilitem mudança nas significações sobre a prática, a
fim de não naturalizar as relações, e, com isso, considerar
as mediações existentes nos processos de apropriação de
conceitos e objetivação nas práticas educativas.

DAS RELAÇÕES PSICOLOGIA SÓCIO-HISTÓRICA E PSICOLOGIA ESCOLAR 199


E EDUCACIONAL: RELATOS DE EXPERIÊNCIA E PESQUISA
Contexto, atividade e interação: reflexões a partir de
experiências subjetivas de aprendizagem de universitários
mediadas pelas TDIC

No presente trabalho, a discussão acerca das noções


de contexto, atividade e interação parte de uma convicção
teórica essencial que reafirma a potencialidade da psicologia
Sócio-Histórica como matriz teórica para compreender os
processos educativos na sociedade da informação (CASTELLS,
2001): os processos de aprendizagem são socioculturalmente
construídos, envolvendo fatores biológicos, ambientais e,
sobretudo, socioculturais e históricos (VYGOTSKY, 2009).
No atual contexto sócio-histórico demarcado pelo
desenvolvimento tecnológico, o amplo uso das TDIC nos
vários setores da sociedade, assim como a disponibilidade de
ferramentas e o acesso a conteúdos diversos, têm ajudado a
configurar uma nova ecologia da aprendizagem (COLL, 2013).
As mudanças trazidas pela sociedade da informação têm
fomentado o questionamento acerca do que se aprende, onde,
como, com quem e com o que se aprende, questionando-se
a eficiência de profissionais e dos contextos oficialmente
responsáveis pela transmissão do saber formal como agentes
educativos e cenários privilegiados em que ocorrem a
aprendizagem.
Diante dessa perspectiva, é interessante observar que, se
por um lado, os aspectos do contexto sociocultural delimitam
o acesso às tecnologias, por outro, a simples presencia destas
ferramentas não garantem o aproveitamento de seu potencial
para o êxito educacional (GÓMEZ; SILVA, 2016). Nesse
aspecto, é fundamental ressaltar o lugar da atividade mediada
como unidade de análise dos processos educativos no marco
da sociedade da informação.

200  Ana Gabriela Nunes Fernandes • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
A partir da análise da atividade mediada se pode observar
que o êxito dos processos de ensino e aprendizagem dependem
de una série de fatores que vão mais além da simples presença de
dispositivos eletrônicos (AKKERMAN; VAN EIJCK, 2013; COLL;
MAURI; ONRUBIA, 2008; ERSTAD ET AL., 2016; LUCKIN,
2010; RAJALA ET AL., 2016).
Em relação aos processos educativos levados a cabo em
contextos formais, a potencialidade das TDIC para transformar
os processos de ensino e aprendizagem dependem do desenho
tecnopedagógico, ou seja, das características das ferramentas
utilizadas e da maneira como estão integradas às práticas
pedagógicas, tendo em vista o alcance dos objetivos educacionais
(COLL; MAURI; ONRUBIA, 2008). Assim, acrescentamos que
a relação entre os diversos elementos da atividade não se dá de
maneira linear, não estabelecendo entre si relação de causa e
efeito, mas constitui uma relação dialética, sendo demarcada
pela ideia de coconstrução e complementariedade.
No âmbito da discussão sobre o contexto sociocultural
e da atividade mediada como importantes construtos teóricos
da Psicologia Sócio-Histórica, mencionamos a interação social
como aspecto chave para os processos de aprendizagem e
desenvolvimento, a qual é mediada por artefatos culturais,
especialmente a linguagem. Nesse momento, destacamos
o papel das TDIC como artefatos culturais que não apenas
ampliam os processos comunicativos através de ferramentas
para comunicação instantânea, mas que, sobretudo integram
diversos sistemas semióticos melhorando a capacidade de
expressão de ideias e estados internos, potencializando,
portanto, a função da linguagem como mediadora das
interações sociais.
A importância destes e outros construtos teóricos da
Psicologia Sócio-Histórica é reafirmada por meio da discussão a

DAS RELAÇÕES PSICOLOGIA SÓCIO-HISTÓRICA E PSICOLOGIA ESCOLAR 201


E EDUCACIONAL: RELATOS DE EXPERIÊNCIA E PESQUISA
seguir em que se abordam de maneira especial as contribuições
de Vygotsky para a atuação do psicólogo escolar e educacional.

Contribuições da Psicologia sócio-histórica para a compreensão


do processo de desenvolvimento no fazer do Psicólogo Escolar
e Educacional que atua na Educação Infantil

Com as mudanças sociais verificadas nas últimas décadas


a entrada da criança na escola vem acontecendo cada vez mais
cedo. Dessa maneira, acompanham-se novas expectativas em
relação as possibilidades de desenvolvimento que o espaço
escolar possa oferecer aos educandos que se materializam
em práticas educativas que tendem a se pautar em um
planejamento mais atendo as especificidades das crianças e
ao seu processo de escolarização. Essa realidade encontra-se
cada vez mais evidente quando identificamos a presença de
marcos legais que garantem um atendimento educacional à
primeira infância, conforme o registrado na Lei de Diretrizes e
Bases da Educação Nacional-LDBN de nº 9.394. Na referida lei
e em outros dispositivos, postula-se sobre a necessidade de um
currículo voltado para as especificidades afetivas, emocionais,
sociais e cognitivas das crianças, que estão em um momento
de desenvolvimento específico e complexo com a infância
(BRASIL, 1996; BRASIL, 1998; BRASIL, 2006).
Aliado a isso, verificamos que a Associação Brasileira de
Psicologia Escolar e Educacional-ABRAPEE concebe a profissão
de psicólogo escolar e educacional, como um meio de promover
o bem-estar e o desenvolvimento humano, enfocando para isto
o processo educacional no seu sentido mais amplo. Diante
deste cenário, o que podemos apontar que é a presença de
Psicólogos em um dos espaços promotores de desenvolvimento
humano, como creches e pré-escolas, tem trazido por benefício
a contribuição de profissionais fundamentados cientificamente

202  Ana Gabriela Nunes Fernandes • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
por estudos da Psicologia do Desenvolvimento e da
Aprendizagem, além de mediar às relações que se engendram
entre crianças, educadores, familiares e demais componentes
da instituição.
Nessa direção, nosso relato se refere a experiência
de uma das autoras da mesa, desenvolvida em 12 anos de
atuação na Educação Infantil de uma escola da rede privada
de Teresina como Psicóloga Escolar e Educacional, em que foi
possível elencar diferentes vivências em que o fazer profissional
foi potencializado pela aproximação com a Psicologia sócio-
histórica e especialmente as produções de Vygotsky.
Na oportunidade, recordamos que a prática do Psicólogo
Escolar Educacional (PEE) perpassa por uma variedade de
saberes e de intervenções cujo cerne é o desenvolvimento global
e saudável de toda a comunidade escolar. Dessa maneira, a
atuação do PEE não é dirigida exclusivamente ao contexto de
ensino-aprendizagem, mas também se volta ao contexto de
inserção social, cultural e política de todos os sujeitos deste
espaço.
Consideramos relevante apontar que a perspectiva
vigotskiana para a Educação, e mais especificamente, para a
Psicologia Escolar e Educacional refere-se na sua apreciação
sobre a relação entre desenvolvimento e aprendizagem, em
que defende o posicionamento de que o desenvolvimento é
tracionado pela aprendizagem. Dessa maneira, a pedagogia
criaria processos de aprendizagem capazes de conduzir o
desenvolvimento, até mesmo em aspectos em que ainda
não estão plenamente formados, mas que se encontram na
emergência de se instaurar; a esta condição Vigotski delimitaria
o que define como zona de desenvolvimento proximal ou
iminente (PRESTES,2010; VIGOTSKI, 2009/1998).
Outro ponto seria o que Vigotski postula sobre o ensino de
crianças normais e também de crianças com desenvolvimento

DAS RELAÇÕES PSICOLOGIA SÓCIO-HISTÓRICA E PSICOLOGIA ESCOLAR 203


E EDUCACIONAL: RELATOS DE EXPERIÊNCIA E PESQUISA
atípico e particularmente sobre a pedagogia da escola especial.
De acordo com esse teórico, as crianças com desenvolvimento
diferenciado não devem ser deixadas para trás e por si mesmas,
ao contrário, devem ser apoiadas pela escola para seguirem
em frente, e assim desenvolver nelas o que intrinsecamente
está faltando ao seu próprio desenvolvimento. Essa posição
marca seu entendimento de que o melhor ensino é aquele que
se adianta ao desenvolvimento daquele aprendiz, submetendo
a desafios e descobertas (VIGOTSKI, 1994).
E por fim, não poderíamos deixar de mencionar o
entendimento de Vigoski sobre o papel do professor como
mediador por excelência da aprendizagem, ao atuar junto
aos aprendizes em sua zona de desenvolvimento proximal ou
iminente, assim como promover uma interação social entre as
crianças em sala, que como pares são essenciais na promoção
de aprendizagem nesta zona de desenvolvimento potencializada
pela colaboração de um outro, mais experiente (COUTINHO e
MOREIRA, 1997).

Metodologia

Os dados empíricos que correspondem às práticas


pedagógicas e a formação de professores são provenientes de
uma pesquisa que seguiu as orientações do método Materialismo
Histórico e Dialético, buscando investigar o objeto em sua
totalidade, com base nas categorias apropriação e objetivação,
historicidade, mediação, possibilidade e realidade e práxis. A
pesquisa foi realizada com duas professoras que atuam em
escolas da rede pública municipal de Teresina na Educação
Infantil, em que se utilizou como instrumentos entrevistas
formativas mediadas pela reflexão sobre as vivências, que nos
possibilitaram realizar a síntese dos processos vivenciados pelas
professoras em seus movimentos constitutivos, articulados à

204  Ana Gabriela Nunes Fernandes • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
compreensão da atividade desenvolvidas por elas. A análise das
entrevistas foi realizada com base nos Núcleos de Significação.
Os núcleos constituídos possibilitaram análise dos motivos para
escolha e permanência na docência; as relações entre formação
docente e prática pedagógica constituídas pelas professoras e
o movimento de apropriação e objetivação dos conteúdos da
Psicologia da Educação.
No que confere aos dados sobre a aprendizagem de
estudantes mediadas pelas TDIC, as reflexões apresentadas
no presente trabalho partem de dados coletados junto a
24 estudantes universitários por meio de entrevistas em
profundidade sobre suas experiências subjetivas de aprendizagem
mediadas pelas TDIC. As entrevistas foram conduzidas por
meio de videoconferência, utilizando o software Skype, com
áudio gravado através do software Apowersoft. Os dados foram
analisados e categorizados com o apoio do software Atlas.Ti.
as reflexões que constam no presente trabalho não abordam
os dados da pesquisa em sua totalidade (SILVA, 2017), tendo
em vista que nos interessa, nesse momento, apenas parte dos
resultados gerais em que se reúnem elementos das construções
narrativas das experiências que evidenciam os papéis exercidos
pelo contexto sociocultural, a atividade mediada por artefatos
e a interação social.
Em relação às contribuições de Vygotsky no fazer do
psicólogo educacional e escolar, as reflexões estão pautados
em relatos da experiência da autora, em que foi possível alinhar
os dados produzidos com a abordagem qualitativa. A escolha
pela abordagem qualitativa, ocorreu em razão de, assim como
Esteban (2010), compreendermos esta abordagem em sua
potencialidade para a compreensão em profundidade dos
fenômenos educativos e sociais bem como das transformações
inerentes às práticas e cenários socioeducativos.

DAS RELAÇÕES PSICOLOGIA SÓCIO-HISTÓRICA E PSICOLOGIA ESCOLAR 205


E EDUCACIONAL: RELATOS DE EXPERIÊNCIA E PESQUISA
Resultados e Discussão

A apresentação e discussão dos resultados seguem a


mesma lógica anterior, em que partimos de reflexões oriundas
do estudo conduzido sobre as práticas pedagógicas e a
formação
de professores, seguido dos dados da pesquisa que
aborda a aprendizagem mediada pelas TDIC, finalizando
com as contribuições de Vygotsky para o fazer do psicólogo
educacional e escolar.
No que confere às práticas pedagógicas e a formação de
professores, a análise revelou indicativos de apropriação de
conteúdos da disciplina, embora, algumas vezes, as professoras
não nomeiem esses conceitos de forma direta, revelando, com
isso, as contradições presentes na dialética entre objetivação
dos conteúdos presentes na prática e o processo formativo. As
significações das professoras sobre suas práticas pedagógicas
revelam encantamento pela docência, em contradição com
a reflexão acerca das condições objetivas de atuação na
rede pública e com as situações sociais de desenvolvimento
vivenciadas, que possibilitam uma análise mais crítica diante
de aspectos políticos e sociais que interferem diretamente no
processo ensino aprendizagem e vão constituindo singularmente
seus desenvolvimentos profissionais. A discussão acerca das
zonas de sentido produzidas pelas professoras possibilitou
a confirmação da tese e contribui para a constituição de
possibilidades de discussão crítica sobre a unidade formação
docente e prática pedagógica, ao revelarem a apropriação das
teorias psicológicas como caminho orientador de ações que
visem a transformação dos sujeitos em formação e da realidade
em que estão inseridos.
As relações que as professoras estabeleceram entre a
formação docente e a prática pedagógica as possibilitou, de

206  Ana Gabriela Nunes Fernandes • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
modo particular, sair do imediato, ao constatarem inicialmente
a distância entre formação e prática e, gradualmente,
produzirem as relações entre essas e, com isso, negam os
sentidos produzidos em um primeiro momento sobre essa
relação e produzem novos modos de entender esse processo,
que, por sua vez, orientam a relação estabelecida entre conceitos
apropriados e as objetivações na prática. Elas avançam da
aparência em relação às significações sobre a relação teoria e
prática e chegam à essência na elaboração de sentidos sobre
como o processo formativo pode contribuir com a prática. É
importante ressaltarmos na análise das práticas das professoras
que estas começam a ter essa consciência acerca da relação
teoria e prática ainda no início da carreira, o que pode sugerir
um desenvolvimento da prática de modo mais consciente e
comprometido com o potencial de transformação dos sujeitos,
mediado pelas ações da docência na Educação infantil.
No que diz respeito ao estudo conduzido acerca da
aprendizagem mediada pelas TDIC, as construções narrativas
das experiências de estudantes universitários evidenciam
os papéis exercidos pelo contexto sociocultural, a atividade
mediada por artefatos e a interação social.
Em relação ao contexto sociocultural, podemos observar
uma diversidade de contextos em que se dão as experiências
subjetivas de aprendizagem e, nesse âmbito, dois aspectos
chamam particularmente a atenção. O primeiro diz respeito ao
fato de que nos contextos formais de educação mencionados
pelos estudantes (em geral, a escola ou a universidade)
ocorrem aprendizagens relevantes das mais diversas ordens,
não necessariamente sobre conteúdos acadêmicos. O segundo
refere-se ao fato de que os estudantes também relatam outros
contextos de atividade, especialmente os mediados pelas TDIC,
para aprender conteúdos acadêmicos, como grupos de estudo
com amigos, entornos virtuais de aprendizagem, entre outros.

DAS RELAÇÕES PSICOLOGIA SÓCIO-HISTÓRICA E PSICOLOGIA ESCOLAR 207


E EDUCACIONAL: RELATOS DE EXPERIÊNCIA E PESQUISA
Essa constatação leva a ampliar a discussão acerca
da noção de contexto no âmbito dos processos de ensino
e aprendizagem levados a cabo no marco da sociedade da
informação, sendo necessário extrapolar sua interpretação
como um cenário eminentemente físico, mas concebê-lo a
partir do conceito de atividade (LEONTIEV, 1979).
Por conseguinte, a discussão acerca da importância do
contexto remete à ideia de atividade, especialmente à atividade
de aprendizagem, que são as que possuem a aprendizagem como
meta ou resultado. No caso do presente trabalho, interessam
particularmente as experiências subjetivas de aprendizagem
dos estudantes que se derivam da participação nas atividades
de aprendizagem levadas a cabo dentro e fora da universidade.
Os resultados mostram que as construções narrativas dos
estudantes entrevistados evidenciam relevantes experiências
subjetivas de aprendizagem derivadas mesmo de atividades nas
quais, inicialmente, não havia intenção deliberada de aprender.
Nesse sentido, destacamos o papel exercido pelas TDIC como
artefatos culturais mediadores amplamente utilizados nas
atividades de aprendizagem, tendo em vista que as construções
narrativas indicam que as mesmas, em geral, ampliam a
capacidade dos estudantes para aprender.
Por último, mencionamos a interação social como matriz
na qual e através da qual se dão as experiências subjetivas de
aprendizagem narradas, tendo em vista a presença do outro
social. Sobre a participação do outro social na atividade, é
fundamental ressaltar que essa presença não é necessariamente
física, podendo ser virtual, no caso das experiências subjetivas
de aprendizagem mediadas pelas TDIC, ou mesmo pode se dar
de maneira simbólica (SILVA, 2017).
Consideramos que o estudo em questão contribui com a
compreensão acerca da relevância de construtos da psicologia
sócio-histórica a partir do olhar do próprio aprendiz ao

208  Ana Gabriela Nunes Fernandes • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
narrar suas experiências, que historicamente, têm sido pouco
abordadas nos estudos conduzidos no âmbito da psicologia da
educação.
Do ponto de vista da atuação profissional do psicólogo
no contexto educacional, nossa apreciação pauta-se no
entendimento de Vygotsky acerca do desenvolvimento,
enquanto processo dialético, que conta sim com a passagem
de um estágio a outro, em que ocorrem transformações
revolucionárias. Para ele, períodos estáveis se alternam,
a outros períodos, entendidos como de crise, apontados
como pontos críticos e de viragem no desenvolvimento. O
compartilhar desta visão de desenvolvimento proposta por
Vygotsky, ocorre pelo notório diferencial do pensamento deste
em relação a outras perspectivas teóricas em Psicologia que
postulam sobre a ocorrência de mudanças de um estágio para
outro, mas compreendem o desenvolvimento de modo rígido
e fragmentado. Nesse sentido, a utilização deste referencial
possibilita ao PEE intervenções que respeitam o desenvolvimento
integral dos educandos.
A literatura especializada aponta a importância da
inserção do Psicólogo Escolar e Educacional na Educação
Infantil, sublinhando que trabalho deste, encontra-se permeado
por questões relacionadas ao desenvolvimento integral da
criança, abrangendo as distintas dimensões em que este ocorre
como por exemplo, a cognitiva, a afetiva e motora e social
(VOKOY; PEDROZA, 2005; CFP,2013). Certamente, pelo que
vivenciamos, este referencial teórico dá suporte satisfatório a
atuação deste psicólogo em um espaço tão complexo como a
Educação Infantil assim como em outros níveis da Educação
Básica.

DAS RELAÇÕES PSICOLOGIA SÓCIO-HISTÓRICA E PSICOLOGIA ESCOLAR 209


E EDUCACIONAL: RELATOS DE EXPERIÊNCIA E PESQUISA
Conclusões

O presente trabalho discutiu acerca das contribuições


da Psicologia Sócio-Histórica no que diz respeito à prática de
pesquisa no âmbito da formação de professores e das práticas
pedagógicas, assim como no que se refere à aprendizagem
mediada pelas tecnologias e à atuação do psicólogo no
contexto da educação.
Consideramos que os construtos teóricos apresentados
e discutidos ocupam lugar de destaque no que diz respeito à
relação entre a psicologia e a educação, entre outros aspectos,
por abranger três segmentos que constituem importantes
atores da comunidade escolar: os docentes, os estudantes e o
profissional de psicologia no exercício de sua função na escola.
A partir da discussão levada a cabo articulando as
três temáticas abrangidas pelo trabalho, reafirmamos a
potencialidade dos construtos teóricos da Psicologia Sócio-
Histórica e, sobretudo, a produção de teóricos como Leontiev
e Vygotsky, como importantes subsídios para investigar,
compreender e explicar processos educativos, bem como
fundamentar práticas pedagógicas e psicológicas que tenham
como foco a melhoria dos resultados da aprendizagem e a
eficiência do sistema educativo.

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214  Ana Gabriela Nunes Fernandes • Algeless Milka Pereira Meireles da Silva
FORMAÇÃO DOCENTE E OS
DESAFIOS POSTOS PELA PRÁTICA
DO PROFESSOR

Ana Gabriela Nunes Fernandes


Lucélia Costa Araújo
Maria de Nazareth Fernandes Martins
Maria Vilani Cosme de Carvalho

Diálogos iniciais sobre a formação docente

A
educação é ação intencional, consciente e com
função social, visando que os indivíduos se
apropriem do conjunto da produção humana que
medeia sua relação com o meio. As diferenças residem no nível de
exigência da educação escolarizada para os diferentes membros
de dada sociedade quando sua constituição é alicerçada na
desigualdade social, implicando numa educação para ricos e
noutra educação para pobres. E, como a função é social, isso
gera contradição que cria conflitos e engendra movimentos de
luta em prol de que todos os indivíduos, independente de classe
social, tenham uma educação humanizadora e emancipatória.

FORMAÇÃO DOCENTE E OS DESAFIOS POSTOS 215


PELA PRÁTICA DO PROFESSOR
É a educação que ocorre de forma planejada e intencional
que caracteriza a atividade docente, seja na Educação Infantil ou
na Educação Superior. No desenvolvimento dessa atividade um
fator determinante é a formação docente, objeto de discussão
deste texto que tem por objetivo discutir as relações entre a
formação dos professores diante das demandas emergentes na
prática que desenvolvem. A produção está organizada a partir
de pesquisas desenvolvidas em nível de doutorado, tendo como
eixo articulador a formação docente e a Psicologia de Vigotski.
Os dados apresentados são resultados de três pesquisas, uma
concluída e duas em andamento que tratam sobre a prática
pedagógica da Educação Infantil e a prática docente do
professor universitário.
A discussão está organizada em três momentos. O
primeiro se refere a uma discussão inicial sobre prática docente
e prática pedagógica a partir da análise de teses sobre a prática
pedagógica mediada pelo brincar. Definimos a mediação do
brincar fundamentada na produção da Psicologia de Vigotski,
de Leontiev e de Elkonin sobre o desenvolvimento infantil. Nosso
objetivo foi analisar os processos formativos de professores da
Educação Infantil a partir de uma revisão de literatura.
No segundo momento da discussão são analisados
resultados da pesquisa desenvolvida em nível de doutorado
sobre prática pedagógica mediada pelos conceitos da Psicologia
da Educação, objetivando analisar a apropriação dos conceitos
trabalhados na disciplina de Psicologia da Educação e a
objetivação dos mesmos na prática pedagógica de professoras
da Educação Infantil, discutindo sobre o processo formativo
e sua relação com o fazer das duas participantes, professoras
atuantes em turmas de segundo período (correspondente à
crianças com faixa etária por volta de cinco anos, que vivenciam
os desafios do processo de alfabetização) em duas escolas da
rede pública municipal na cidade de Teresina.

216  Ana Gabriela Nunes Fernandes • Lucélia Costa Araújo


Maria de Nazareth Fernandes Martins • Maria Vilani Cosme de Carvalho
No terceiro momento da discussão, entra em pauta a
formação do professor universitário tomando como referência
pesquisa bibliográfica realizada em três bases de dados: o
banco de teses do Programa de Pós-Graduação em Educação
(PPGEd) da Universidade Federal do Piauí (UFPI); a Biblioteca
Digital Brasileira de Teses e Dissertações (BDTD), do Instituto
Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia (IBICT);
e a Revista Brasileira de Educação (RBE). Neste caso, são
destacados os trabalhos de Rocha (2014), Moura (2014), Maia
(2015), Silva (2017), Pinto (2017) e Grassi et al (2016) que
abordam, sob diferentes perspectivas, os processos por meio
dos quais os docentes da educação superior se apropriam dos
saberes necessários ao exercício da docência, evidenciando as
especificidades do processo formativo vivenciado por esses
professores.

Prática pedagógica mediada pelo brincar: significações das


pesquisas

Prática pedagógica da Educação Infantil é uma atividade


planejada para mediar o desenvolvimento do indivíduo
na apreensão da realidade social, estando atrelada a fins
pedagógicos. Essa atividade pedagógica é materializada na
Educação Infantil com intencionalidade de humanizar,
socializar e singularizar, necessitando que na relação adulto/
criança seja considerada a atividade de brincar por se constituir
em fonte de desenvolvimento infantil.
Nesse contexto, um aspecto que a singulariza é considerar
o estágio de desenvolvimento infantil em que se encontra
a criança nesta etapa de ensino, da atividade de brincar, do
processo de constituição das funções psíquicas superiores. Esta
prática ocorre considerando como cada professora significa
o brincar no desenvolvimento da criança e este processo é

FORMAÇÃO DOCENTE E OS DESAFIOS POSTOS 217


PELA PRÁTICA DO PROFESSOR
mediado pelo adulto na escola. É assim que apoiamo-nos nas
ideias de Franco (2012) ao considerar que a prática pedagógica
é constituída por um conjunto complexo e multifatorial.
Corroborando com as relações entre prática educativa, prática
docente e prática pedagógica, Bandeira e Ibiapina (2014, p.
113) esclarecem:

Prática docente remete à ação do professor e ao contexto


escolar, mas isso não é suficiente e necessário para qualificá-
la de pedagógica. É pedagógica quando a intencionalidade
é ação planejada e concretamente realizada com estado
ativo de consciência, tanto no ato idealizado quanto na
sua operacionalização.

Nesta relação estabelecida entre prática docente e


prática pedagógica é necessário pontuarmos como temos
compreendido a atividade de brincar, o particular do objeto em
estudo, o brincar não é a única ação da criança no mundo, mas
é considerada atividade guia porque se constitui em fonte de
desenvolvimento. Para Leontiev (2010), a atividade guia é aquela
em que os processos psíquicos tomam forma, se reorganizam.
Por isso, mesmo quando a prática pedagógica da professora se
objetiva desconsiderando o brincar como atividade da criança,
fonte de seu desenvolvimento, essa atividade determina sua
forma de se relacionar com o mundo e, a própria criança cria
as condições, imagina relações com objetos e fenômenos que
serão objetivadas nas suas ações, ou seja, ela brinca.
Na pesquisa realizada utilizamos três bases de dados, no
momento apresentamos um recorte dos resultados da revisão
de literatura a partir da base de dados da Biblioteca Digital
de Teses e Dissertações. O banco de dados da BDTD é uma
fonte de busca que aproxima melhor do objeto de estudo pelos
seus filtros de busca, por possuir várias abas para especificar
a pesquisa que deseja realizar. Nas duas buscas realizadas na

218  Ana Gabriela Nunes Fernandes • Lucélia Costa Araújo


Maria de Nazareth Fernandes Martins • Maria Vilani Cosme de Carvalho
BDTD inserimos Educação Infantil como critério. O objetivo
foi mapear trabalhos nesta área que tratassem de prática
pedagógica e do brincar.
Os trabalhos analisados da BDTD, numa primeira
identificação que fizemos foram se estes discutiam o ensino, a
formação ou o ensino relacionando com a formação. Dos 32
trabalhos, 13 discutiam especificamente o ensino, 11 discutiam
somente a formação de professores e apenas 04 faziam
explicitamente a relação ensino/formação, 02 dos trabalhos
faziam um estado da arte e 01 trabalho discutia a formação da
criança nas brinquedotecas.
Destes trabalhos que analisamos, destacamos a
tese de Singulani (2016) que estudou a situação social de
desenvolvimento. A hipótese que a autora buscou validar
foi: o desenvolvimento da criança pode ser potencializado
quando se identifica a situação social de desenvolvimento, o
que implica reconhecer as condições objetivas e subjetivas em
que acontecem a atividade e como essa atividade impacta as
funções psíquicas em formação. A atividade que é mencionada
trata-se do brincar, pois o objetivo geral do trabalho era
identificar e analisar a situação social de desenvolvimento da
criança de dois a três anos por meio das situações vivenciadas
na escola da infância.
Singulani (2016) também expressa uma realidade da
Educação Infantil, uma vez que as professoras que participaram
do estudo expressaram nas suas práticas pedagógicas uma
visão biologizante quanto ao desenvolvimento infantil. A
autora defende que as professoras podem organizar situações
que medeiem o máximo desenvolvimento do psiquismo, o
que passa pela identificação e análise das situações sociais de
desenvolvimento.
Nas pesquisas que discutiam formação, como a de
Oliveira (2018) que trata da formação contínua são apontados

FORMAÇÃO DOCENTE E OS DESAFIOS POSTOS 219


PELA PRÁTICA DO PROFESSOR
ranços referentes à prioridade que é dada aos professores que
atuam na pré-escola em detrimento dos que atuam na creche.
Notamos uma desvalorização da formação para quem irá
atuar na Educação Infantil. Compreendemos então, que nas
pesquisas sobre a educação infantil, a prática pedagógica é
conteúdo, mas estando atrelada a formação e ao ensino. O
que significa uma necessidade de se discutir e pesquisar sobre a
prática pedagógica da Educação Infantil em sua constituição,
e que a formação docente perpassa pela discussão, produção
e análise de informações sobre os eixos orientadores desta
prática, implicando em analisar as necessidades formativas
como aspecto intrínseco ao planejamento e realização de uma
formação para o desenvolvimento profissional.

Diálogos entre formação docente e prática pedagógica:


reflexões sobre a disciplina psicologia da educação

A Psicologia da Educação, como área de conhecimento,


tem sido discutida em diversas perspectivas que nos levam
a questionar suas relações com o contexto educacional.
Essas relações foram se constituindo de modo a possibilitar
que os conhecimentos psicológicos contribuíssem para a
compreensão de fenômenos da área educacional com o
aporte teórico que pode fundamentar a análise de aspectos
psicológicos das demandas educacionais. Antunes (2008)
afirma que a Psicologia Educacional pode ser considerada
como sub-área da psicologia, entendendo-a, portanto, como
área de conhecimento e, nesta perspectiva, a mesma apresenta
saberes variados acerca da realidade, fundamentados teórico-
metodologicamente relativos ao fenômeno psicológico
constituinte do processo educativo.
Considerando a Psicologia da Educação como disciplina
que compõe os Fundamentos da Educação, sua contribuição

220  Ana Gabriela Nunes Fernandes • Lucélia Costa Araújo


Maria de Nazareth Fernandes Martins • Maria Vilani Cosme de Carvalho
está relacionada à possibilidade de os conhecimentos
produzidos orientarem à compreensão dos fenômenos
psicológicos relacionados às pessoas do meio educacional,
sobretudo, ao estudar conceitos como desenvolvimento e
aprendizagem humana, bem como os demais fenômenos e
condições que constituem o processo ensino e aprendizagem.
Corroboramos com Antunes (2008, p. 474), ao afirmar que
a Psicologia da Educação “deve fornecer categorias teóricas
e conceitos que permitam a compreensão dos processos
psicológicos que constituem o sujeito do processo educativo e
são necessários para a efetivação da ação pedagógica’.
Discutimos, nessa proposta, as relações entre formação
docente e prática pedagógica, a fim de compreender a
possibilidade da realização de uma práxis, como defende
Vázquez (2011), visando à transformação do sujeito e da
realidade, em que a teoria guia a atividade desenvolvida.
Isso por que a práxis é composta de ações que reúnem em si
características essenciais, tais como: ser voluntária, reflexiva,
adequada a fins, transformadora e com “nível” de consciência
elevado.
A pesquisa foi realizada com duas professoras que atuam
em escolas da rede pública municipal de Teresina na Educação
Infantil, em que se utilizou como instrumentos entrevistas
formativas mediadas pela reflexão sobre as vivências, que nos
possibilitaram realizar a síntese dos processos vivenciados pelas
professoras em seus movimentos constitutivos, articulados
à compreensão da atividade desenvolvidas por elas. A
análise das entrevistas foi realizada com base nos Núcleos de
Significação, com base em Aguiar et all (2015). Nossa opção
pelo método Materialismo Histórico e Dialético deriva do fato
de concordarmos com a visão de que o objeto/fenômeno deve
ser investigado em sua totalidade, considerando as relações

FORMAÇÃO DOCENTE E OS DESAFIOS POSTOS 221


PELA PRÁTICA DO PROFESSOR
que o constituem e a sociedade em que foi produzido e nestas
as produções sociais, históricas e culturais.
Segundo Duarte (2013), a formação do indivíduo é
resultado da permanente e essencial dialética entre objetivação
da atividade humana e da apropriação da atividade objetivada
nos produtos materiais e ideativos. É assim que vamos nos
constituindo e nos apropriando dos bens culturais que a
sociedade produz e nesse movimento nos constituindo enquanto
humanos. A dialética apropriação e objetivação é, portanto,
um processo formativo e esse movimento estará presente na
elaboração de ações que constituem a prática pedagógica das
professoras subsidiadas nos conhecimentos apropriados em
seus processos formativos, nas experiências que tiveram na
realidade escolar, nas vivências que as constituem e nas demais
mediações relacionadas à prática.
Observamos em nossa pesquisa que as professoras
entrevistadas, Mulan e Anna, demonstram, nas ações que
realizam em sala de aula, conhecimento sobre o nível de
desenvolvimento dos seus alunos, suas necessidades e o
significado que as tarefas têm para eles, considerando o
nível de desafio que esta oportuniza para seu processo
de escrita. As ações das professoras objetivam, em nossa
análise, uma perspectiva que considera a ideia de processo
no desenvolvimento, de heterogeneidade na sala de aula e no
processo ensino e aprendizagem, o que avaliamos como uma
análise mais crítica acerca do processo de desenvolvimento
do aluno, na medida em que não tenta apenas encaixar o
aluno numa das fases ou habilidades propostas pelas teorias
psicológicas, mas questionar a realidade, investigar a rede de
apoio para promoção de condições de avanço desse aluno
e considerar as singularidades do mesmo no seu processo
educativo.

222  Ana Gabriela Nunes Fernandes • Lucélia Costa Araújo


Maria de Nazareth Fernandes Martins • Maria Vilani Cosme de Carvalho
Nesse caminho, compreendemos que a possibilidade de
práxis está presente nas ações realizadas por Anna e Mulan,,
pois a produção de significações propiciou o olhar para suas
práticas e para cada ação que desenvolveram objetivando ajudar
o aluno, contribuir com uma perspectiva mais ampla do que o
letramento por si, e articulando-as rumo ao desenvolvimento
integral dos alunos e buscando, para isto, os demais sujeitos
envolvidos nesse processo, demonstrando atender à realidade
concreta, para o aluno real e não para os conteúdos e
modos de compreensão dos processos de desenvolvimento
e aprendizagem, por exemplo, de modo fixo e natural. Os
significados e, sobretudo, os sentidos produzidos sobre os
conceitos da Psicologia na prática pedagógica de Mulan e Anna
orientaram suas ações, de modo totalizante, considerando
os fatores que influenciam o desenvolvimento das crianças,
evidenciando um percurso constituído de possibilidades para
realização da práxis.

Formação do professor universitário: uma revisão de literatura

Ao contrário do que se costuma esperar, a formação


do docente universitário não consiste em objeto de estudo
que predomina nas pesquisas sobre educação superior, ainda
assim algumas delas abordam essa problemática. Por meio
de levantamento bibliográfico realizado no banco de teses
do PPGEd/UFPI, na BDTD/IBICT e na Revista Brasileira de
Educação, foram identificados 18 teses e 2 artigos que, no
período de 2014 a 2018, abordam temas relativos à docência
universitária. Nessa amostra, Rocha (2014), Moura (2014),
Maia (2015), Silva (2017), Pinto (2017) e Grassi et al (2016)
evidenciam preocupação com a formação docente universitária
em cursos de pós-graduação stricto sensu e com suas implicações
para a prática dos professores na educação superior.

FORMAÇÃO DOCENTE E OS DESAFIOS POSTOS 223


PELA PRÁTICA DO PROFESSOR
De acordo com o Artigo 66 da Lei de Diretrizes e Bases
da Educação Nacional (LDB) nº 9.394/96, “a preparação para
o exercício do magistério superior far-se-á em nível de pós-
graduação, prioritariamente em programas de mestrado e
doutorado”. Desta informação advém muitas das considerações
e dos resultados verificados nos trabalhos em análise.
Rocha (2014), por exemplo, destaca que para a atuação
docente nas instituições de ensino superior em geral não há
exigências relacionadas à formação didático-pedagógica
dos candidatos, o que se verifica no caso de muitas IES é a
necessidade de formação mínima em cursos de pós-graduação
lato sensu e a formação em mestrado e doutorado no caso das
instituições públicas, sobretudo nas universidades.
A autora realizou pesquisa que objetivou compreender a
influência que docentes considerados referência exercem nos
processos de formação, construção da identidade profissional
e profissionalidade dos futuros professores. A mesma verificou
que as lacunas na formação desses docentes apontam para
a ausência de conhecimentos sólidos acerca de questões
inerentes ao processo ensino-aprendizagem. Rocha (2014)
esclarece que contribui para isso o fato de os cursos de pós-
graduação stricto sensu se caracterizarem como oportunidades
formativas voltadas para especialização e aprofundamento
em determinada área do conhecimento, desconsiderando os
conhecimentos didático-pedagógicos necessários ao exercício
da docência.
Em pesquisa que objetivou compreender como os bacharéis
produzem e reconhecem o conhecimento da experiência na
sua prática educativa na universidade, Moura (2014, p. 175)
verifica nas narrativas de professoras a constatação de que
no mestrado e no doutorado a formação não está para a
docência, mas para a pesquisa. Nesse cenário, os docentes “se

224  Ana Gabriela Nunes Fernandes • Lucélia Costa Araújo


Maria de Nazareth Fernandes Martins • Maria Vilani Cosme de Carvalho
viram como podem” e nos anos iniciais de atuação constroem
sua prática, muitas vezes, por meio do improviso.
Silva (2017, p. 55), ao analisar a constituição da
professoralidade de bacharéis em Administração que atuam
no ensino superior no contexto da UFPI, corrobora essa
constatação ao enfatizar: “há de considerarmos que a formação
do professor em nível stricto sensu, em cursos de mestrado
e doutorado, não é suficiente e nem garante que o professor
exercerá suas atividades com qualidade”, exatamente porque
priorizam a pesquisa em detrimento da atividade de ensino a
ser realizada futuramente pelos egressos do curso.
Isso significa dizer que os cursos que habilitam os sujeitos
para exercerem a docência na universidade, na maioria dos
casos, valorizam uma das dimensões dessa atividade, que é a
pesquisa. O ensino propriamente dito não constitui foco desses
cursos e a extensão, na maioria dos casos, sequer é cogitada.
Existem iniciativas nessa direção, como o desenvolvimento de
pesquisas que envolvem a participação de discentes e docentes
da pós em atividades formativas nas escolas públicas de
Educação Básica, bem como na promoção de cursos e outras
atividades voltadas para a comunidade de modo geral no
interior da universidade1. No entanto, tais iniciativas ainda são
exceção nesse cenário.
Em discussão acerca da docência em mestrado
profissional, Grassi et al (2016) acrescenta que geralmente
os egressos de mestrado acadêmico, tendo sido iniciados na
atividade de pesquisa, continuam seus estudos em cursos
de doutorado aprofundando sua especialização numa área
específica e se distanciando das atividades e discussões que
contemplam os desafios emergentes nas salas de aula.

1 Conferir, por exemplo, Moita e Andrade (2009).

FORMAÇÃO DOCENTE E OS DESAFIOS POSTOS 225


PELA PRÁTICA DO PROFESSOR
No entanto, o que temos colocado até aqui por meio dos
achados desses estudos não significa que os sujeitos integrantes
do processo educativo concretizado nesses espaços ignorem
tal realidade. Almeida (2012) ressalta que tem sido crescente
a discussão e a produção científica em torno da importância,
das condições e das políticas de formação pedagógica do
docente universitário. De acordo com a autora, isso se deve
às demandas que emergem do mundo contemporâneo em
duas ordens: das transformações sociais decorrentes da
globalização (relacionadas às formas de produção, divulgação
e acesso ao conhecimento) e das transformações vividas pela
própria universidade (o que inclui sua massificação por meio
da expansão e a diversificação do perfil discente). Pensar a
formação dos formadores é, portanto, questão que já não
passa despercebida nos debates educacionais.
Autores como Nóvoa (1992), García (1999) e Tardif
(2002) são os que aparecem com mais evidência na base
teórica que sustenta a discussão acerca de formação docente
nas teses analisadas. Os pesquisadores se referem à formação
do professor como um processo complexo e contínuo de
construção de saberes necessários ao exercício da docência,
compreendendo que este processo mobiliza as dimensões
pessoal e profissional do docente, tendo a reflexão como eixo
norteador que conduz ao desenvolvimento profissional.
Portanto, é uma concepção que extrapola a visão de
formação como mera preparação, bem como não se limita
ao domínio de saberes instrumentais e técnicos, pois esses
pesquisadores se contrapõem a ideia de formação docente
pautada na racionalidade técnica e valorizam o professor como
sujeito crítico corresponsável por esse processo.

226  Ana Gabriela Nunes Fernandes • Lucélia Costa Araújo


Maria de Nazareth Fernandes Martins • Maria Vilani Cosme de Carvalho
Considerações conclusivas

Discutir a formação dos professores diante das demandas


emergentes da prática que desenvolvem significa tomar como
referência as especificidades que determinam essa prática.
Tais especificidades não se limitam ao nível de ensino em que
o professor realiza seu trabalho, mas contemplam também as
demandas do público com o qual trabalha, os conhecimentos
que fundamentam e orientam o processo ensino-aprendizagem,
as condições institucionais de formação e de desenvolvimento
desse profissional, entre outros.
O professor é sujeito social e historicamente determinado
que realiza uma atividade concreta em realidade também situada
historicamente. Portanto, o ponto de partida dos processos
formativos precisa ser o conjunto de necessidades que emergem
dessa realidade. Os dados revelam a necessidade de espaços
formativos que considerem além do aprofundamento em
determinada área do conhecimento, a apropriação de saberes
didático-pedagógicos necessários à docência. Estas pesquisas
evidenciam que a formação docente consiste em processo
complexo e multideterminado, mediado por particularidades
inerentes ao que se espera da prática a ser realizada por esses
profissionais nas diferentes etapas e níveis da educação.

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230  Ana Gabriela Nunes Fernandes • Lucélia Costa Araújo


Maria de Nazareth Fernandes Martins • Maria Vilani Cosme de Carvalho
EXPERIÊNCIAS E PERCEPÇÕES
DE PROFESSORES, EGRESSOS E
ACADÊMICOS SOBRE OS SABERES
DA PRÁTICA DE ENSINO NO FAZER
DOCENTE

Maria Lourdene Paula Costa


Franc-Lane Sousa Carvalho do Nascimento
Cleia Maria Lima Azevedo

Para início de conversa

E
ste artigo discute as práticas de ensino considerando
as dimensões pedagógicas, didáticas e científicas,
tendo como perspectiva sua atuação na educação
básica e suas necessidades formativas. Os estudos trazem
para a discussão a Didática, o Estágio Supervisionado e os
fundamentos teóricos e metodológicos fundamentais na
interpretação das práticas de ensino tendo como princípio
a criticidade. A relevância do trabalho é por permitir uma
visão comparativa e específica da experiência de formação da
Universidade do Brasil e de Portugal.

EXPERIÊNCIAS E PERCEPÇÕES DE PROFESSORES, EGRESSOS E ACADÊMICOS 231


SOBRE OS SABERES DA PRÁTICA DE ENSINO NO FAZER DOCENTE
A primeira discussão dá voz às impressões dos acadêmicos
em relação às dificuldades encontradas e aos achados do
estágio registrados nos diários de Estágio da Educação
Infantil no primeiro semestre do ano letivo de 2017, no que diz
respeito ao conhecimento da Didática e sua relação com os
fundamentos e referenciais teóricos discutidos no transcurso
do curso de Pedagogia.
A segunda trata acerca da análise comparativa entre dois
modelos das percepções dos professores e estudantes sobre a
função da Didática e do Estágio Supervisionado na construção
da identidade do professor de educação básica.
A discussão seguinte é resultado do recorte de uma
pesquisa de mestrado que analisou as concepções sobre práticas
alfabetizadoras das egressas do curso de Pedagogia tendo em
vista as suas concepções de leitura e escrita e suas vivências
como produtoras e usuárias da língua materna considerando o
processo de formação docente ao estabelecer uma reflexão da
interpelação entre os conhecimentos de natureza metodológica,
pedagógica e dos conhecimentos específicos.
Nas considerações finais ressaltamos que os três estudos
dialogam na medida em que discutem a formação do professor
em uma perspectiva alicerçada na reflexão, na autonomia e na
possibilidade mediadora do docente.

Fazer docente: expressões e reflexões a partir dos relatos dos


acadêmicos do Curso de Pedagogia

Tendo como premissa uma experiência realizada no


primeiro semestre de 2017, faremos uma análise dos achados
dos alunos a partir dos registros, chamado aqui de diário de
estágio, documento em que os acadêmicos registraram todos
os acontecimentos. Estamos chamando de achados todas as

232  Maria Lourdene Paula • Franc-Lane Sousa Carvalho do Nascimento


Cleia Maria Lima Azevedo
impressões dos acadêmicos no que diz respeito a contribuição
da Didática na sua prática pedagógica.
O Estágio Supervisionado como campo de conhecimento
tem que ser reconhecido como um espaço de reflexão a partir
da realidade, propiciando a apropriação do acadêmico com
a realidade da escola. Essa compreensão se contrapõe a uma
ideia de que o estágio é uma parte prática dos cursos de
formação. Segundo Pimenta e Lima (2012) o estágio se produz
na interação com o campo social em que vai se desenvolver as
práticas pedagógicas, constituindo uma atividade de pesquisa.
Essa compreensão conversa com todas as disciplinas que
formam o currículo do Curso de Pedagogia, o que reafirma
Pimenta e Lima (2012, p.38) quando destaca que no “[...]
curso de formação de professores, todas as disciplinas de
fundamentos e as didáticas, devem contribuir para sua
finalidade que é de formar professores, a partir da análise, da
crítica e da proposição de novas maneiras de fazer educação.”
A conversa aqui delimitada coloca a Didática como uma
disciplina no curso de formação de professor que congrega
conhecimentos que permite a organização do trabalho docente,
oferecendo suporte para o ensinar conhecimento sistematizado,
que a luz da abordagem histórico crítico, caracteriza a função
social da escola. O trabalho dá voz aos acadêmicos do Estágio
Supervisionado em Educação Infantil, considerado como
sujeito do processo de torna-se professor.
O registro dos diários é um instrumento que permitiu
analisar as informações, as experiências e reflexões realizadas
durante o estágio, que de acordo com Zabalza (2004, p. 27)
“[...] os diários de aula, as biografias, os documentos pessoais
em geral [...] constituem recursos valiosos de “pesquisa-ação”
capazes de instaurar o círculo de melhoria de nossa atividade
como professores”

EXPERIÊNCIAS E PERCEPÇÕES DE PROFESSORES, EGRESSOS E ACADÊMICOS 233


SOBRE OS SABERES DA PRÁTICA DE ENSINO NO FAZER DOCENTE
Para este trabalho teremos o recorte aleatório de 05
estagiários de uma das turmas, de 16 alunos dando ênfase
as narrativas reflexivas da experiência dos acadêmicos,
denominados neste trabalho de A1, A2, A3, A4 e A5. Atuação
dos estagiários aconteceu num Centro de Educação Infantil
municipal, localizado na periferia do município de Caxias,
estado do Maranhão.
O Estágio Supervisionado em Educação Infantil para esta
turma de Pedagogia foi o primeiro contato com as vivências
da escola, isso significa que a cada momento tem a presença
das surpresas, dos desafios, dos medos, angustias e todas as
facetas que constituem o ser professor. Buscamos nos diários
enunciados em que os acadêmicos expressam as “pedras” que
precisam ser removidas ou superadas dos seus caminhos. Essas
ideias estão presentes nos seguintes enunciados abaixo:

A1 – Minha primeira aula foi muito complicada, terminei


meu plano muito rápido o que mim fez ficar perdido o
resto da aula. [...] a pior aula da minha vida, pedi para
sair do estágio, percebi que não estava mim encaixando no
estágio como deveria estar.

A2 – É um desafio muito grande trabalhar com essas


crianças. São inquietas e é preciso saber usar a autoridade
sem exageros para não ser mal interpretada. [...] Eu
esperava mais da aula [...] os alunos são desinteressados,
logo faltam muito e não existe incentivo por parte dos pais
e responsáveis, mas procurei dar mais de mim.

A3 – Em algum momento não alcançamos os objetivos pelo


fato de ter que impor ordem sem brigar com os alunos.

Os acadêmicos envolvidos neste trabalho estão na


organização curricular do curso no sexto período, portanto já
cursaram os fundamentos teóricos, as metodologias específicas

234  Maria Lourdene Paula • Franc-Lane Sousa Carvalho do Nascimento


Cleia Maria Lima Azevedo
e a didática. Parece que nas falas dos acadêmicos A1, A2 e
A3 existe uma fragilidade em articular os conhecimentos
específicos com a tarefa de ser docente, que na concepção
de Libânio (2015) e considerando a intenção de formar
professores a didática deveria ser assumida como uma
disciplina pedagógica que oferece referência, marco teórico e
conceituais para as práticas reais do ensino aprendizagem, daí
a necessidade de uma articulação teórica aprofundada, mas
que responda a necessidade de [...] uma formação que ajude
o aluno a transformar-se num sujeito pensante, de modo que
aprenda a utilizar seu potencial de pensamento por meio de
meios cognitivos de construção e reconstrução de conceitos,
habilidades, atitudes, valores. (LIBÂNEO, 1998, p. 30).
Observa-se nos escritos dos acadêmicos que na hora de
sua aproximação com realidade escolar eles tem um olhar de
alguém que não faz parte do contexto e esse fato poderia ser
usado como elemento de reflexão, no entanto, é visto pelos
acadêmicos como algo que não permite avançar [...] a pior aula
da minha vida, pedi para sair do estágio [...]. Girotto e Castro
(2013, p. 179) tem um olhar diferente quando ressalta que

A inserção na realidade deve proporcionar a possibilidade


de um olhar mais centrado e profundo sobre a
complexidade que se instaura em torno do processo
ensino e de aprendizagem que se desenvolva na realidade
educacional impelindo os alunos a estabelecerem em torno
dessa prática um exercício de reflexão que contribua, por
uma lado pra a compreensão de tal realidade e por outro
lado para a apropriação de novos conhecimentos a partir
da realidade da escola.

Neste caso o que é uma “pedra”, considerando todo o


trabalho de formação, teria que ser uma ressignificação trazendo
aprofundamentos a sua própria forma de ser professor. É

EXPERIÊNCIAS E PERCEPÇÕES DE PROFESSORES, EGRESSOS E ACADÊMICOS 235


SOBRE OS SABERES DA PRÁTICA DE ENSINO NO FAZER DOCENTE
importante destacar que no transcurso do curso de Pedagogia
as disciplinas de fundamentos, didática e metodologias,
tem que está imbricado para uma melhor compreensão dos
contextos de atuação dos futuros professores.
Uma característica importante na construção do diálogo
foi a oportunidade dos acadêmicos refletirem o percurso
transcorrido durante o estágio. Nessas reflexões selecionamos
pontos que aqui denominados achados. Vejamos a seguir:

A1 – Pude refletir o quanto é importante se planejar para


as aulas, pois no planejamento que podemos refletir sobre
quais estratégias metodológicas serão significativas para
os alunos, nas quais poderão instigar a curiosidade destes
e despertar a atenção durante toda a aula.

A2 – O Estágio possibilitou que eu colocasse em prática


tudo que aprendi na teoria, teve momentos de falhas,
insegurança e medo, mas também acertos e alegrias.

A3 – Vivi ótimas experiências ali que irá não só para a


vida profissional, mas pessoal. Pude perceber o quanto a
educação está necessitando de atenção pública.

A4 – Interessante perceber a reação das crianças diante


de um personagem [...] a história da menina bonita do
laço de fita foi feita assim. Em cada momento os alunos
identificaram a importância de suas características e sua
semelhança com a mãe [...] o mais legal [...] Quando
do se olharam no espelho e descobriram que eles são os
tesouros [...].

A5 - No final da aula o que mais me encantou foi que todas


as crianças estavam entusiasmadas para apender a colocar
seu nome [...] no término da aula algumas crianças já
diziam com firmeza a primeira letra do seu nome.

236  Maria Lourdene Paula • Franc-Lane Sousa Carvalho do Nascimento


Cleia Maria Lima Azevedo
Um dos pontos encontrados na fala de A1 é a referência
que o acadêmico destaca ao ato de planejar. A natureza do
trabalho com planejamento está relacionado ao estudo da
didática e das metodologias. A conclusão do acadêmico “Pude
refletir o quanto é importante se planejar para as aulas[...]”
denota um passo significativo da importância de tornar
científico o trabalho com os educando, significando portanto
que a didática não se limita apenas a instrumentalização e a
técnica e sim uma reflexão a partir de uma análise crítica das
experiências concretas, percebemos esta particularidade se
trouxermos para esta análise que este acadêmico ao descrever
as dificuldades destaca: “[...] terminei meu plano muito
rápido o que mim fez ficar perdido o resto da aula. [...] e ao
relatar os achados dá ênfase a necessidade de planejar, parece
contradição, no entanto significa crescimento no ato de se
fazer professor.
Outro ponto que chama atenção nos achados é o
reconhecimento de que há uma separação entre teoria e prática,
demonstrado pela acadêmica A2 “O Estágio possibilitou
que eu colocasse em prática tudo que aprendi na teoria [...].
Aqui confirma que no transcurso do curso a acadêmica não
conseguiu fazer a relação entre o discutido nas disciplinas
e o contexto das práticas escolares. A mesma reconhece a
importância da disciplina para o desenvolvimento de suas
práticas pedagógicas.
A experiência de estágio pelo depoimento da acadêmica
A3 [...] Pude perceber o quanto a educação está necessitando
de atenção pública. Esse fragmento mostra que o estágio
ultrapassou o limite da escola, permitindo assim uma análise
da educação na esfera política, saindo assim do espaço da sala
de aula.
Na própria organização teórica do curso os acadêmicos
discutem a concepção de infância, criança e educação infantil.

EXPERIÊNCIAS E PERCEPÇÕES DE PROFESSORES, EGRESSOS E ACADÊMICOS 237


SOBRE OS SABERES DA PRÁTICA DE ENSINO NO FAZER DOCENTE
Os fragmentos A4 e A5 tratam das percepções dos estagiários
em relação as características das crianças presentes na educação
infantil, um ponto significativo e importante que denota a
influência do referencial trabalhado no curso de Pedagogia.

Percepções dos professores do Brasil e Portugal1 sobre a


contribuição da Didática e do Estágio Supervisionado para a
formação e o desenvolvimento profissional

A Didática e o Estágio Supervisionado devem estar


pautados numa concepção como componente mediatizado
pelas metodologias que relacionam teoria-prática, fundamentais
para o desenvolvimento profissional, entendendo o processo
de ensino e aprendizagem em suas múltiplas dimensões.
O conhecimento da Didática constrói-se: “[...] a partir do
conhecimento do conteúdo que o professor possui, assim
como do conhecimento pedagógico geral, e do conhecimento
dos alunos, e também da [...] biografia pessoal e profissional
do professor. [...] Conhecimento Didático do Conteúdo.”
(MARCELO GARCÍA, 1999, p. 04).
O aluno na formação inicial deve vivenciar teoria e
prática, resinificando o fazer educativo, ao fazer uso das
experiências inovadoras, hábitos e dos saberes que adquiriu.
Visto que, é na interação com os professores, na valoração
da docência e nas relações estabelecidas com seus pares
professores que a identidade profissional vai se construindo.
O Estágio Supervisionado pode ser considerado como uma
“[...] oportunidade de aprendizagem da profissão docente e

1 Recorte da pesquisa do doutorado em educação pela Universidade


Federal do Rio Grande do Norte – UFRN e do estágio em Portugal, tese
intitulada, “As dimensões pedagógica, didática, tecnológica e científica
na formação e no desenvolvimento profissional dos professores no
Brasil e em Portugal” (NASCIMENTO, 2015).

238  Maria Lourdene Paula • Franc-Lane Sousa Carvalho do Nascimento


Cleia Maria Lima Azevedo
da construção da identidade profissional” (PIMENTA, 2004,
p.99).
A Didática deve estar a serviço da formação crítica,
reforçando as estratégias pelas quais o estudante desenvolve
as habilidades e competências para lidar com a realidade
educacional e a construção de conhecimentos. Assim, a:
“[...] didática tem o compromisso com a busca da qualidade
cognitiva das aprendizagens, [...], associada à aprendizagem
do pensar. Cabe-lhe investigar como ajudar os alunos a se
constituírem como sujeitos pensantes e críticos, capazes de
pensar e lidar com conceitos, [...].” (LIBÂNEO, 2003, p. 05).
Seguimos os princípios da pesquisa de análise comparativa,
baseada nas concepções qualitativa e quantitativa. O estudo
foi realizado no Brasil, na Universidade Estadual do Maranhão
– UEMA, e em Portugal na Escola Superior de Educação de
Lisboa - ESELx. Utilizamos os métodos indutivo-dedutivo. A
abordagem quantitativa enfatiza não só a descrição dos dados,
mas a importância das informações que podem ser geradas
a partir da observação crítica das fontes documentais e da
realidade pesquisada. As abordagens qualitativa e quantitativa
favoreceram as análises das percepções dos professores
formadores sobre formação inicial e o desenvolvimento
profissional docente no Brasil e em Portugal.
Entrevistamos 06 professores do Brasil, neste recorte
socializamos os fragmentos de 02 de cada país por conta do
formato do artigo. Quanto a idade, 01 professor têm de 40
a 50 anos e o outro professor possui mais de 50 anos. Assim,
01 professor do sexo feminino e 01 masculino. Para preservar
a identidade dos colaboradores, utilizamos um codinome em
formato de sigla, representado por Professor Formador Brasil
PFB1, PFB2... Em Portugal entrevistamos 05 professores, neste
artigo apresentamos os resultados da percepção de 02, desta
forma 01 professor na faixa etária de 40 a 50 anos e 01 com

EXPERIÊNCIAS E PERCEPÇÕES DE PROFESSORES, EGRESSOS E ACADÊMICOS 239


SOBRE OS SABERES DA PRÁTICA DE ENSINO NO FAZER DOCENTE
mais de 50 anos, 01 feminino e 01 masculino. Para assegurar
o anonimato dos colaboradores da pesquisa, utilizamos o
codinome de Professor Formador Portugal, sigla PFP1, PFP2...
Questionamos aos professores do Brasil se a Didática
contribui na efetivação do processo de ensino e aprendizagem
e a adequação dos objetivos e conteúdo trabalhados,

PFB1 - [...], entramos numa disciplina especifica, a


Didática tem grandes problemas, [...] vejo isto na
organização do planejamento, a gente sabe que suas raízes
têm origem no tecnicismo, entretanto o planejamento que
o objetivo é organizar seu trabalho o estudante não sabe
a relação dos objetivos e conteúdo, ele não sabe para que
ensinar, que vai gerar o que ensinar e o que mais difícil que
este para que é respondido no como avaliar, esta relação
aqui ele não sabe fazer, [...].

PFB2 – [...]. A Didática é muito importante, mas o


ideal seria que tivesse uma participação maior dos
professores nas reuniões, planejamentos e tivéssemos
em mãos o programa da disciplina para podermos fazer
uma avaliação e saber o que o professor está propondo,
alguns não querem entregar, [...]. A Didática assim como
a metodologia científica é uma disciplina fundamental,
neste processo de formação do professor, precisa ter
clareza do que ele quer desenvolver em sala de aula, [...].

Professores de Portugal: percepção sobre a contribuição da


Didática para o ensino.

PFP1 – A Didática é essencial para o domínio dos


conhecimentos pedagógicos [...], porque as várias
vertentes dos componentes do ensino que tem que ser
exploradas deste a pré-escolar, 1º Ciclos em algumas
questões ficam até como didáticas especificas. [...], os
nossos alunos têm conhecimento didático para trabalhar
o domínio da língua escrita, a leitura em um terceiro num

240  Maria Lourdene Paula • Franc-Lane Sousa Carvalho do Nascimento


Cleia Maria Lima Azevedo
quarto ano, coisas que eles não sabem se não tiverem
trabalhado especificamente, da mesma maneira que tem
muitas dificuldades de trabalhar com o domínio da língua
[...].

PFP2 - Claro que as várias didáticas que temos, a


matemática, português, estudo do meio, expressões
artísticas e educação física, trabalham uma dimensão
didática e muitas vezes trabalhamos em articulação entre
nós, cada didática por si, fornece as suas metodologias e
técnicas especificas, mas, depois fica um trabalho muito
construído com os professores que estão envolvidos
nas práticas e mesmo nas didáticas de articulação e
integração. Tem sido fundamental para a formação dos
alunos, de perceberem que o trabalho que tem que fazer é
um trabalho que deve ser necessariamente integrado com
os contributos destas várias didáticas e para os contextos
de sala, seja nos jardins de infância seja no 1º ciclo e 2º
ciclo. [...].

A Didática é fundamental para que o professor incite o


estudante a ensinar e entender o ofício. A Didática também
é uma disciplina importante na formação pedagógica do
professor. Todavia, está sendo trabalhada de forma mecânica,
ao invés de ser pautada na reflexão que contribua para a
prática. O professor deve ter clareza do que quer desenvolver e
avaliar, relacionando os objetivos e conteúdos.
Para os professores de Portugal, as Didáticas possibilitam
refletir os princípios, valores e as teorias científicas relacionadas
ao ensino. A Didática é discutida através da análise crítica
de textos e da prática, pois, ocorre um distanciamento entre
teoria e prática na formação. As Didáticas aparecem na matriz
curricular no terceiro ano de curso, por fazer parte da área
da docência e, para que o estudante perceba porque está a
desenvolver determinadas competências e orientações política,
ética e pedagógica.

EXPERIÊNCIAS E PERCEPÇÕES DE PROFESSORES, EGRESSOS E ACADÊMICOS 241


SOBRE OS SABERES DA PRÁTICA DE ENSINO NO FAZER DOCENTE
O Estágio Supervisionado permite o contato entre duas
realidades, a escola e a instituição de formação, como ocorre
na sua percepção esta relação,

PFB01- Esta relação ainda é distante, a universidade


deveria fazer uma parceria de forma mais organizada
com a escola, mas isto ainda não está acontecendo. Pois,
favoreceria nos processos de estágios de forma que estes
alunos tivessem mais proveito no desenvolvimento das
atividades. A universidade poderia organizar reuniões
com a escola orientando o estágio, objetivos e seu
funcionamento e efetivar formação continuada para os
professores cooperantes da escola. [...].

PFB02 – Penso que esta integração é muito frágil, é uma


linha muito tênue beirando em ficar no distanciamento,
vejo a universidade muito distante da escola, apesar do
aluno ir para escola como campo de estágio e algumas
escolas estarem abertas porque ainda tem as escolas que
estão abertas entre aspas, você ver que a contrapartida da
universidade para estas escolas ainda é muito pequena, é
insignificante no sentido de que o retorno é muito pouco,
o aluno vai lá faz o estágio dele mais não há retorno, não
há retorno da universidade para ministrar um curso de
formação continuada, não há esta ponte, esta mão dupla
eu vejo uma mão única, não volta não há retorno. [...].

Como ocorre a experiência do Estágio Supervisionado


em Portugal,

PFP01– [...] não há uma posição nem da direção da ESE,


nem da escola cooperante, nós no contrário temos feito
reuniões que consideramos importante fazer ao longo do
ano, com as nossos orientadoras cooperantes temos feito
formação contínua as orientadoras cooperantes fizemos
um questionário estamos a fazer o levantamento do que
elas querem parra a formação contínua, neste sentido da

242  Maria Lourdene Paula • Franc-Lane Sousa Carvalho do Nascimento


Cleia Maria Lima Azevedo
continuidade, mas elas ainda não são muito achadas e
agora tivemos que reformular novo plano de estudos teria
sido interessante perguntar as orientadoras cooperantes:
o que que elas acham o que deve ser a área da docência na
educação de infância, uma coisa que tem trazido dores de
cabeça e tem à ver com a legislação portuguesa, nos outros
cursos da Matemática, Língua Portuguesa é tendência
valorização do Ministério da Educação nós não quisemos
meter a Matemática e o Português porque para nós não é
interessante, e tem sido esta discussão. [...].

PFP02 – [...] na instituição, temos alunos que são diretores


e subdiretores de escolas mestrados acadêmicos e que
facilita o processo, mas as coisas não são bem entendida
muitas vezes, [...], antigamente tinham os estagiários da
realidade ensino secundário era diferentes do primeiro
ciclo, os estagiário do ensino secundário tinha a seu
cargo uma turma com outro professor qualquer eram
supervisionado, os estágios são integrados numa turma
com um professor, são coisas diferentes, nossas escolas
há inquietações ao olhar o estágio como era antigamente,
isto gera equívocos, nós fazemos assim, os alunos no
segundo ano vão fazer duas semanas de observação, não
tem que intervir, então os cooperantes ficam encarregados
de orientar como as coisas funcionam, nada impedem que
possam fazer determinadas atividades, mas não estão em
estágios, estão na intervenção no terceiro ano um projeto
que tem um princípio e um fim, mas se contextualiza num
trabalho que o professor está realizando, [...].

Segundo os interlocutores do Brasil o colegiado de curso


estava discutindo a possibilidade de realizar um Estágio que
melhor integre a escola com a universidade, mas, sentem algumas
dificuldades nesta articulação, querem designar um professor
para ser coordenador de todos os estágios da instituição.
Entendem que o Estágio é fundamental para a formação do
professor, deve ser melhor organizado, mas percebem uma

EXPERIÊNCIAS E PERCEPÇÕES DE PROFESSORES, EGRESSOS E ACADÊMICOS 243


SOBRE OS SABERES DA PRÁTICA DE ENSINO NO FAZER DOCENTE
desarticulação sobretudo da teoria com a prática. O estudante
vai para a escola e vivencia as dificuldades, lhe falta maturidade
para desenvolver uma atividade independente.
Em Portugal o Estágio ocorre por intermédio das
supervisoras em dois momentos: na disciplina de projetos
curriculares integrados e nas disciplinas de Didáticas, Expressões
e Educação Física, os professores fazem projetos e praticam
nas Escolas, contato importante para se perceber a prática e a
relação entre escola e ESELx, o papel da professora cooperante,
a supervisora institucional e o estudante são fundamentais entre
as duas instituições, pois são organizados seminários quatro
vezes por ano e reuniões gerais dos Estágios, são apresentados
programas, objetivos e relatórios dos Estágios. As orientadoras
cooperantes de estágio fazem a leitura e dão parecer sobre os
relatórios dos estudantes em formação.

Impressões e relevância do conhecimento didático e especifico


para a formação do alfabetizador

O trabalho com aquisição e apropriação do conhecimento


sistematizado é constituído na instituição escolar a partir de
uma atividade de mediação exercida pelo professor, tornando
assim “[...] peça-chave nessa organização e sistematização do
conhecimento” (MARSÍGLIA, 2011, p. 10). Nesta compreensão,
o trabalho do professor encontra-se vinculado à forma como
acontece o processo de formação desse docente, e como
ressignificam as suas práticas, produzir aprendizagem e
provocar mudança que permita que o profissional compreenda
o seu cotidiano e entenda a escola em constante movimento de
produção, o que envolve todos os partícipes da escola. Neste
ponto, Garcia (2008, p. 21) ao conceber um professor com
condições de teorizar a sua prática, destaca “[...] a escola como

244  Maria Lourdene Paula • Franc-Lane Sousa Carvalho do Nascimento


Cleia Maria Lima Azevedo
um espaço de teoria em movimento permanente de construção,
desconstrução e reconstrução”.
Movimento que tem em vista a formação do professor que
passa pela Didática, como disciplina pedagógica, constituindo
um referencial para o docente que permite mobilizar o seu fazer
a partir da prática social que, nesse caso, mobiliza as práticas
de ensino aprendizagem no decorrer da realização da docência,
assume-se a particularidade da didática de ser uma disciplina
no curso de formação de professores, como argumento
indispensável ao exercício profissional, com condições de ser
um espaço em que o articula e organiza o processo de ensino.
A natureza da Didática, no trabalho docente, deve
transitar na forma específica do conhecimento disciplinar que,
na ação docente, esses conteúdos devem estar contextualizados
em todas as áreas do conhecimento produzido. O que implica
entender que: “[...] os conteúdos são sempre uma produção
histórica de como os homens conduzem sua vida nas relações
sociais de trabalho em cada modo de produção” (GASPARIN,
2005, p.2).
Com o movimento dialético da natureza do conhecimento
que fundamenta as práticas pedagógicas dos docentes, o relato
desse item, tem como princípio uma pesquisa de mestrado2 e
possui como interlocutores professores egressos do curso de
Pedagogia de uma Universidade pública do Maranhão. São
cinco professoras alfabetizadoras em exercício de sua docência
no ciclo de alfabetização, e duas professoras com atuação nas
primeiras séries, no ano letivo de 2012, mas que, durante a

2 Dissertação de mestrado apresentada ao Programa de Pós- Graduação de


Linguística Aplicada da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS.
Intitulada “A língua é ao mesmo tempo objeto de conhecimento e ainda é o
meio de você aprender o conhecimento”: língua materna e alfabetização na
visão de professoras egressas do curso de pedagogia”, de autoria de Cleia
Maria Lima Azevedo, e orientada pela professora Dra. Cátia de Azevedo Fronza
– 2015.

EXPERIÊNCIAS E PERCEPÇÕES DE PROFESSORES, EGRESSOS E ACADÊMICOS 245


SOBRE OS SABERES DA PRÁTICA DE ENSINO NO FAZER DOCENTE
pesquisa, pertenciam ao grupo de coordenadores do PNAIC3,
na Secretaria de Educação do município, totalizando sete
interlocutoras. A pesquisa é de cunho qualitativo, por entender
que o significado que os professores têm da sua prática resulta
da inter-relação com a seu contínuo processo de formação,
e sua forma particular de estar no mundo, constituindo um
grupo dialogal (DOMINGUES, 2006).
Para esse recorte, recorremos aos dados de como as
interlocutoras percebem a sua formação, principalmente a
sua atuação enquanto docentes, formadas m Pedagogia, na
relação entre o conhecimento e o fazer pedagógico, dando
ênfase ao seu processo de formação docente. As professoras
foram denominadas a partir de características extraídas de suas
experiências docentes. Para este recorte, utilizamos os dados
das interlocutoras: Criativa e a Comprometida.
As interlocutoras são professoras que em média atuam no
magistério nas escolas públicas municipais há mais de dez anos.
Uma das características marcantes no processo de constituição
da docência é que seis, desde o processo de formação acadêmica,
estavam nas escolas municipais como docentes. Esse destaque
foi dado pela Comprometida, ao estabelecer a relação teoria
e prática no contexto da sua docência durante esse momento
de formação acadêmica, considerando todo percurso de
formação no Ensino Médio: “[...] o que aprendia teoricamente
tinha oportunidade de refletir no contexto pedagógico [...]”.
A perspectiva de confrontar a sua prática com a teoria
é o reconhecimento de que é fundamental está reflexão,
principalmente nas práticas de alfabetização, possuem
destaque na perspectiva de Soares (2005, 2013), que indica

3 Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa – PNAIC, compromisso


formal assumido pelos governos federal, do Distrito Federal, dos estados
e municípios, com o objetivo de assegurar que todas as crianças estejam
alfabetizadas até os oito anos de idade. (BRASIL, 2012).

246  Maria Lourdene Paula • Franc-Lane Sousa Carvalho do Nascimento


Cleia Maria Lima Azevedo
como o trabalho do alfabetizador transita pelo aspecto teórico
de compreender diversas facetas da natureza da aquisição
da língua e de saber relacionar com o seu contexto, com sua
atuação enquanto professoras.
Nessa experiência de formação acadêmica, é
fundamental compreender a natureza do ensino, como destaca
a Comprometida, na sua forma de conceituar o seu trabalho:
“[...] você não dá aula para você, você ministra aula para o
outro, tentar compreender como o outro aprende para adequar
o ensino à linguagem da criança”. Compreensão que passa
por toda uma experiência e amadurecimento da profissão.
As considerações da professora vêm das suas vivências, da
forma como produz a sua docência. O enunciado transita pela
compreensão da natureza do conhecimento, como aponta
Garcia (2010, p.14): “O conhecimento didático do conteúdo se
vincula à forma como os professores consideram que é preciso
ajudar os alunos a compreender um determinado conteúdo”.
A direção dada a essa interação da sua vivencia transita pela
compreensão que a docente deve se apropriar da condição de
ver a escola como locus da formação.
Para tanto, o professor tem que dominar um amplo
campo de conhecimento que envolve teoria, conceitos,
métodos e técnica, com condição de apropriação do
saber fazer, Comprometida, ao analisar sua atuação como
alfabetizadora, faz a seguinte declaração: “[...] é assim,
começa a ser alfabetizador sem ter exatamente aquele olhar
como alfabetizador, sem ter conhecimento de alfabetização e
no início sem esse olhar o que a gente faz? E neste ponto acaba
reproduzindo a forma como foi alfabetizada”.
No fragmento destacado percebemos que a interlocutora
se compreende dentro do processo e estão implícitas as
necessidades para serem alfabetizadoras. No enunciado da
Comprometida, caracteriza-se o processo inicial das práticas

EXPERIÊNCIAS E PERCEPÇÕES DE PROFESSORES, EGRESSOS E ACADÊMICOS 247


SOBRE OS SABERES DA PRÁTICA DE ENSINO NO FAZER DOCENTE
pedagógicas e os conflitos presentes no início da carreira. As
interlocutoras, na maioria, já possuem um histórico de mais de
dez anos de alfabetizadoras, o que significa que enfrentaram
momentos de acertos e desacertos nas práticas pedagógicas.
Essas práticas oferecem recursos para avaliar o que foi
importante na sua formação acadêmica e os conhecimentos
básicos que faltaram na referida formação.
Criativa, ao analisar o que é necessário de conhecimento
para o alfabetizador que ofereça condições para trabalhar
a língua, destaca: “[...] deveria ter alguma coisa da área
de linguística no curso de pedagogia, até porque é muito
importante já que você está ensinando a língua para as
crianças, o funcionamento da língua [...]”. Neste caso, ao
destacarem ausência deste conhecimento, a interlocutora
parece ressaltar a necessidade de obterem esses fundamentos
desde a sua formação, fato mencionado por Faraco (2012), em
uma experiência de formação, quando destaca: “[...] saberes
básicos sobre a linguagem verbal, sua expressão escrita, a lógica
da escrita alfabética, as características do sistema ortográfico
do português e suas implicações pedagógicas”. (FARACO,
2012, p. 10).
Outro detalhe na fala da Comprometida “[...] e neste
ponto acaba reproduzindo a forma de como foi alfabetizada”
esse fragmento permite compreender que ausência de
referências para orientar a sua prática direciona a busca
por um modelo na sua história de alfabetização e nas suas
memórias de como o processo de aquisição de leitura e escrita
aconteceu. Os enunciados das interlocutoras apresentam sua
compreensão sobre as particularidades teóricas do trabalho,
não só em relação à aquisição da língua, mas à especificidade
em correspondência ao educando na idade escolar, como
acontece o processo de aprendizagem, Comprometida diz: “[...]
era necessário compreender como o aluno aprende, porque não

248  Maria Lourdene Paula • Franc-Lane Sousa Carvalho do Nascimento


Cleia Maria Lima Azevedo
basta só saber quais capacidades, direitos ou os objetivos que
o aluno tem que dominar [...] é preciso saber como esse aluno
aprende, para quê?”. O enunciado da interlocutora remete à
teoria histórico-cultural em que apropriação faz referência à
internalização do conhecimento mediado pelo outro.
Tal concepção também está explícita no discurso de
Comprometida, quando destaca: “Para que ele consiga a partir
daí fazer essa ponte entre o que o aluno precisa saber e o que
o aluno sabe [...]”. Dentro dessa abordagem, a apropriação
do conhecimento necessita que aconteçam mudanças no
desenvolvimento intelectual e essa concepção exige o que Libâneo
(2015) destaca da condição de apropriação dos conhecimentos
tanto de natureza pedagógica quanto disciplinar, que deve
interliga-se para que o professor tenha propriedade de mediar
a aprendizagem. Dentro dessa concepção, o alfabetizador tem
que se apropriar do conhecimento da língua para promover
uma metodologia conforme a natureza da dificuldade que está
trabalhando, para tanto, tem que responder às necessidades
do educando e do próprio contexto social e cultural. Durante
a análise percebemos marcas positivas dessa formação inicial,
bem como a importância para o desenvolvimento profissional
atual.
É importante destacar que o desafio dessa formação
se refere a todo o conhecimento da linguagem e a toda a
dimensão científica e técnica da docência, que envolve por
inteiro o processo de aprendizagem. Um ponto fundamental é
que esta formação tem um lócus que é a luta constante de se
fazer docente, entre a natureza do conhecimento da língua e o
processo de ensinar a língua.

EXPERIÊNCIAS E PERCEPÇÕES DE PROFESSORES, EGRESSOS E ACADÊMICOS 249


SOBRE OS SABERES DA PRÁTICA DE ENSINO NO FAZER DOCENTE
Considerações Finais

Estas pesquisas tem sua importância no que diz respeito


à contribuição para a formação acadêmica do pedagogo.
Primeiro pela ampliação dos conhecimentos em torno das
disciplinas Didática e Estagio Supervisionado e segundo por se
constituir em contextos formativos que se complementam para
os professores e futuros professores refletirem sobre sua prática,
na busca de novas possibilidades para o desenvolvimento de
seu trabalho, tendo em vista o contexto brasileiro e português.
Discutir a função e colaboração do Estágio Supervisionado
e da Didática na formação do professor e o fazer docente
na visão dos acadêmicos nos fez reafirmar o transcurso da
formação inicial dentro de uma concepção em que a torna um
espaço de reflexão dialética da práxis docente. Essa ação de
ressignificação pode se tornar um caminho para superar os
problemas enfrentados dentro do curso em que ainda prevalece
a dicotomia entre o conhecimento teórico e o prático. Aspectos
que contrapõe as características do ser humano como ser
histórico, cultural e inacabado. Esse movimento de nos produzir
a cada dia nos possibilita, enquanto professores, ser sujeito da
nossa própria história.
Os achados de uma experiência de Estágio Supervisionado
no curso de Pedagogia permite entender o processo de formação
do ponto de vista do acadêmico, bem como a relação que
ele faz dos tipos de conhecimentos que foram discutidos no
interior do processo de formação, delimitando na categoria
teórica, didática e metodológica.
Os professores do Brasil demonstram afinidade com
a profissão, apesar das dificuldades enfrentadas durante
a formação e no desenvolvimento profissional. Analisam
a Didática como um componente importante do processo
de ensino e aprendizagem baseando-se nos fundamentos

250  Maria Lourdene Paula • Franc-Lane Sousa Carvalho do Nascimento


Cleia Maria Lima Azevedo
teóricos/práticos. Realizam descrições científicas de processos
com o intuito de transformar o conhecimento científico em
saber escolar. Entendem que ensinar é uma prática social, uma
ação cultural e concretiza-se na interação entre professores e
estudantes, refletindo os contextos sociais e políticos a que
pertencem.
Para os professores de Portugal o estudante deve ir além dos
conteúdos escolares, contemplando conhecimentos científicos,
pedagógicos e didáticos, visualizando a complexidade que
permeia as relações sociais, lidando de forma crítica com os
fatos educacionais e sociais, valorizando a pesquisa e os saberes,
contribuídos em parceria com a profisssionalidade docente, de
modo a aperfeiçoar a formação generalista e a integração da
Didática e do Estágio Supervisionado.
Durante a análise percebemos marcas positivas
dessa formação inicial, bem como a importância para
o desenvolvimento profissional atual. O sentimento de
pertencerem a esse contexto e serem formadas pelo curso de
Pedagogia CESC/UEMA deu ênfase na discussão e permitiram
que as interlocutoras estabelecessem mais fragilidades do
curso. Para elas, esta formação teria que oportunizar o
desenvolvimento do professor como usuário e produtor
da língua, além de possibilitar acesso a saberes básicos da
natureza da língua e suas especificidades, inter-relacionado
com conhecimentos que permitem apropriação da docência.
É importante destacar que o desafio dessa formação se refere
a todo o conhecimento da linguagem e a toda a dimensão
científica e técnica da docência, que envolve por inteiro o
processo de aprendizagem.
Toda a conversa entre a natureza do conhecimento recebe
influência da vivência, e da história particular de escolarização
que interferiram ou interferem na atuação enquanto professora.
O que implica ressaltar que a relação que se estabelece no
trabalho de professor não está só no campo da metodologia do

EXPERIÊNCIAS E PERCEPÇÕES DE PROFESSORES, EGRESSOS E ACADÊMICOS 251


SOBRE OS SABERES DA PRÁTICA DE ENSINO NO FAZER DOCENTE
trabalho docente, mas em toda a complexidade do processo,
que envolve se compreenderem na sua história de formação,
enquanto profissional que tem o papel fundamental de ensinar
e mediar a aquisição do conhecimento sistematizado.
A docência é produzida a todo momento: os erros,
os equívocos, os acertos são fundamentais para o trabalho
do professor. O recorte destas pesquisas permitiu elucidar
a importância de todas as experiências formativas, suas
inquietações, e seu jeito particular de ser docente. Perspectiva
que transita na relação dialética entre o conhecimento, matéria
de trabalho docente, e o conhecimento de fazer a docência.
Está evidente que o exercício da profissão de professor exige
apropriação dos conhecimentos científicos, específicos da
área e do didático, condição para que o trabalho do docente
não caia no espontaneismo. Argumento fundamental que nos
permite, enquanto docentes, atravessar fronteiras, ampliar
conhecimentos, respondendo assim, a característica de um ser
inacabado.

Referências

AZEVEDO, Cleia Maria Lima. “A língua é ao mesmo tempo


objeto de conhecimento e ainda é o meio de você aprender
o conhecimento”: língua materna e alfabetização na visão
de professoras egressas do curso de Pedagogia. Dissertação
(Mestrado em Linguística Aplicada) - Programa de Pós-
Graduação em Linguística Aplicada, Universidade do Vale do
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EXPERIÊNCIAS E PERCEPÇÕES DE PROFESSORES, EGRESSOS E ACADÊMICOS 255


SOBRE OS SABERES DA PRÁTICA DE ENSINO NO FAZER DOCENTE
SOBRE OS ORGANIZADORES
E AUTORES

ORGANIZAÇÃO

Maria Vilani Cosme de Carvalho


Tem pós-doutorado (2011), doutorado (2004) e mestrado
(1997) em Educação, com área de concentração em Psicologia
da Educação, pela Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo. É professora-pesquisadora da Universidade Federal do
Piauí, na categoria associado, lotada no Departamento de
Fundamentos da Educação e no Programa de Pós-Graduação
em Educação no Centro de Ciências da Educação, atuando
na área e campo da Educação, em especial com a Psicologia
da Educação, ministrando disciplinas e orientando Trabalhos
de Conclusão de Curso, Iniciação Científica, Dissertações e
Teses.Tem estudado e publicado sobre temáticas relativas à
linha de pesquisa Formação Humana e Processos Educativos,
como: os processos constitutivos da (trans)formação humana,
os processos de constituição da identidade do educador, os
processos de produção de significados e sentidos da profissão
docente, notadamente da formação e atividade docente, tendo
como fundamentação teórico-metodológica o Materialismo
Histórico Dialético e a Psicologia Sócio-Histórica.

SOBRE OS ORGANIZADORES E AUTORES 257


Eliana de Sousa Alencar Marques
Doutora em Educação pela Universidade Federal do Piauí.
Professora do Programa de Pós-graduação em Educação da
Universidade Federal do Piauí. Professora adjunta do Curso de
Pedagogia no Departamento de Métodos e Técnicas de Ensino
na Universidade Federal do Piauí. É vice-coordenadora do
Núcleo de Estudos e Pesquisa Histórico-críticas em Educação
e Formação Humana (NEPSH) vinculado ao Programa de
Pós-Graduação em Educação da UFPI. Desenvolve estudos
e pesquisas em educação a partir do Materialismo Histórico
Dialético e da Psicologia Sócio-Histórica envolvendo as
seguintes temáticas: prática educativa e transformação social,
formação de professores, trabalho docente e subjetividade;
atividade de ensino e aprendizagem.

Francisco Antonio Machado Araujo


Doutor em Educação (UFPI), Mestre em Educação (UFPI),
Licenciado em História (UESPI). Graduado em Pedagogia
(ISEPRO), Especialista em História das Culturas Afro-Brasileiras
(FTC). Professor Adjunto do Departamento de Ciências Sociais
e Educação - UFDPar. Pesquisador do Núcleo de Estudos e
Pesquisas Histórico-críticas em Educação e Formação Humana
- NEPSH. Desenvolve pesquisas com os seguintes temas:
Processos constitutivos da (trans) formação humana pela
mediação da educação. Processos constitutivos da identidade
do educador. Processos de produção de significados e sentidos
da profissão docente, notadamente da formação e da atividade
docente. Desenvolvimento profissional do educador, tendo
como fundamentação teórico-metodológica o Materialismo
Histórico Dialético, Pedagogia Histórico Crítica e a Psicologia
Histórico-Cultural.
Lattes: http://lattes.cnpq.br/7901115696539402.
E-mail: chiquinhophb@gmail.com.

258 
AUTORE(A)S

Algeless Milka Pereira Meireles da Silva


Psicóloga, licenciada em Psicologia, com Especialização em
Psicologia Educacional, Mestrado em Psicologia Social pela
UFPB (Universidade Federal da Paraíba). Possui mestrado e
doutorado em Psicologia da Educação pela Universidade de
Barcelona, colaborando com projetos de pesquisa realizados
no marco do GRINTIE (Grupo de Investigación en Interacción
e Influencia Educativa), coordenado pelo Prof. Dr. Cesar Coll.
Atualmente, é professora adjunta do Curso de Psicologia da
Universidade Federal do Piauí, coordenadora do Laboratório
de Psicologia e Inovação Educativa (LAPSIN), desenvolvendo
projetos de pesquisa de cooperação internacional sobre
aprendizagem mediada pelas tecnologias da informação e
comunicação. Associada à ABRAPEE (Associação Brasileira de
Psicologia Escolar e Educacional - Secção Regional Piauí) e à
ABED (Associação Brasileira de Educação Distância).

Ana Célia de Sousa Santos


Educadora Popular. Pedagoga. Doutora em Educação/
UFPE, Mestra em Educação/UFPI, Especialista em Educação,
Políticas Públicas e Desenvolvimento Sustentável/UFPI, Estágio
Doutoral/CES-Universidade de Coimbra/PT. Atualmente
é professora Assistente da Universidade Estadual do Piauí.
Desenvolve estudos, pesquisas e extensão nas áreas de Educação
e Educação Popular, com ênfase em Diversidades, Movimentos
Sociais, Relações de Gênero, Feminismos, Práticas Educativas
e Formação de Professoras/es. Membra do NEEPE/UESPI,
NEPEGECI/UFPI e do GPEDIS/UFPE.

SOBRE OS ORGANIZADORES E AUTORES 259


Ana Gabriela Nunes Fernandes
Possui graduação em Bacharelado e Licenciatura em Psicologia
pela Universidade Estadual do Piauí (2008), graduação em
Licenciatura Plena em Letras Português pela Universidade
Federal do Piauí (2007), Mestrado e Doutorado em Educação
pela Universidade Federal do Piauí . Atuou como Psicóloga
Escolar Educacional na rede privada de ensino e como
professora de Língua Portuguesa da Secretaria Municipal de
Educação. Atualmente, é professora adjunta da Universidade
Estadual do Piauí, Campus Heróis do Jenipapo, em Campo
Maior.

Antônia Batista Marques


Doutora em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande
do Norte - UFRN com a tese: A FORMAÇÃO DA HABILIDADE
DE EXPLICAR NO CONTEXTO DO ENSINO MÉDIO: O QUE
DIZEM OS LIVROS? O QUE PENSAM OS PROFESSORES? É
mestre em Educação, também pela UFRN, com a pesquisa: Há
Possibilidade do Ensino da História Desenvolver o Pensamento
Teórico? Graduada em Pedagogia, habilitação em supervisão
escolar pela Universidade do Estado do Rio Grande do Norte
- UERN. Atualmente é professora Adjunta IV na Faculdade
de Educação da UERN, credenciada no Programa de Pós-
Graduação em Educação; co-líder do Grupo de Estudos em
Educação e Subjetividade; e coordenadora do Programa de
Residência Pedagógica/Subprojeto Pedagogia. Atua nas Ciências
Humanas, desenvolvendo atividades de ensino, pesquisa,
extensão e orientações na graduação e pós-graduação, sendo
seu campo específico a área da Educação, com destaque nos
anos iniciais do ensino fundamental, tendo como referencial
teórico-metodológico o Enfoque Histórico-Cultural a partir
das contribuições de Vygotsky, Galperin, Talizina e Leontiev
nos grupos temáticos: formação de professores; formação

260 
de habilidades; ensino de História; dimensão subjetiva da
realidade; aprendizagem e desenvolvimento humano. Correio
Eletrônico: tonhabm@yahoo.com.br

Carla Andréa Silva


Possui graduação em Psicologia pela Universidade Estadual do
Piauí (2004). Especialização em Psicologia da Educação (2007),
Mestrado em Educação pela Universidade Federal do Piauí
(2009) e Doutorado em Educação: Psicologia da Educação
pela PUC-SP (2014). A mesma é professora Adjunta A, nível
002, da Universidade Federal do Piauí, Campus Amílcar Ferreira
Sobral em Floriano, curso de Pedagogia. Atualmente atua na
coordenação do curso de Pedagogia de Floriano. Atualmente é
coordenadora da Representação Piauí da Associação Brasileira
de Psicologia Escolar e Educacional- ABRAPEE

Cleia Maria Lima Azevedo


Mestre em Educação pelo Instituto Pedagogico Latinoamericano
Y Caribeno, Mestrado e em Linguística Aplicada pela
Universidade do Vale do Rio dos Sinos. Atualmente é professora
de ensino médio - Secretaria de Estado da Educação e professor
titular da Universidade Estadual do Maranhão. Tem experiência
na área de Educação, com ênfase em Sociologia da Educação,
atuando principalmente nos seguintes temas: educação infantil,
brincar, lúdico, formação de professores, escola. Endereço: CV:
http://lattes.cnpq.br/0280207783770678.

Cristiane de Sousa Moura Teixeira


Possui graduação em Licenciatura Plena em Pedagogia pela
Universidade Federal do Piauí (1999), mestrado em Educação
pela Universidade Federal do Piauí (2009) e doutorado
em Educação pela Universidade Federal do Piauí (2014).
Atualmente é professora Adjunta I da Universidade Federal do

SOBRE OS ORGANIZADORES E AUTORES 261


Piauí, ministrando disciplinas de Psicologia da Educação no
curso de pedagogia e professora do programa de pós-graduação
educação da Universidade Federal do Piauí. Tem experiência na
área de Educação, com ênfase em Educação, desenvolvendo
pesquisas relacionadas aos temas: Concepção Psicossocial
de identidade, Coordenação pedagógica, Formação humana,
Trabalho docente e outros temas na perspectiva da Psicologia
Histórico Cultural.

Elza Helena da Costa Barbosa


Formação acadêmica: Graduação em Psicologia pela
Universidade Federal da Paraíba (1984), Licenciatura em
Psicologia pela Universidade Federal da Paraíba (1983)
Especialização em Psicologia Educacional pela Universidade
Pontifícia Católica de Minas Gerais (1989), Especialização em
Psicologia e Saúde pela Universidade Federal do Rio Grande
do Norte (1991) e Doutora em Psicologia pela Universidade de
Oviedo-Espanha (2005), e com Revalidação pela Universidade
Estadual Campinas-SP (2011). Atuação profissional: Professora
Ajunta IV da Faculdade de Educação da Universidade do Estado
do Rio Grande do Norte-UERN, atualmente aposentada, mas
continua atuando como pesquisadora no Grupo de Pesquisa
em Educação e Formação docente e Subjetividade com
fundamentação na Psicologia Sócio-Histórica.na (UERN).
Tem lecionando e realizando estudos e pesquisas na área da
Aprendizagem, desenvolvimento, diversidade e subjetividade.
Com larga experiência na área de Psicologia Clínica e
Psicoterapia de Orientação Psicanalítica.

Francisca Eudeilane da Silva Pereira


Mestre em Gestão e Avaliação da Educação Pública pela
Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). Professora do
Curso de Pedagogia e Coordenadora da Comissão Própria

262 
de Avaliação (CPA) do Centro Universitário de Ciências e
Tecnologia do Maranhão (UNIFACEMA). E-mail: eudeilane@
gmail.com

Franc-Lane Sousa Carvalho do Nascimento


Doutora em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande
do Norte – UFRN e Mestrado em Educação pela Universidade
Federal do Piauí – UFPI. Professora da Universidade Estadual do
Maranhão - UEMA, Coordenadora Pedagógica na Secretaria
Municipal de Educação Ciências e Tecnologia de Caxias - MA –
SEMECT. Experiência e pesquisas nas áreas de formação inicial/
continuada, desenvolvimento profissional, profissionalização
docente e educação inclusiva. Endereço CV: http://lattes.cnpq.
br/0959562416041369.

Ivana Maria Lopes de Melo Ibiapina


Graduada em Pedagogia pela Universidade Federal do Piauí
(1994), graduada em Ciências Econômicas pela Universidade
Federal do Piauí (1989), Mestrado em Educação pela Universidade
Federal do Piauí (2002) e Doutorado em Educação pela
Universidade Federal do Rio Grande do Norte (2004). Estágio
pós-doutoral (2009) realizado na PUC-SP, supervisionado pela
Professora Doutora Maria Cecilia Camargo Magalhães, na área
de Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem. Atualmente
(2017), é professora aposentada da Universidade Federal do
Piauí, Centro de Ciências da Educação, Departamento de
Métodos e Técnicas de Ensino e colaboradora do Programa de
Pós-Graduação em Educação da UFPI. Coordenadora da base
de pesquisa FORMAR. Presidente da Associação Francofone de
Pesquisa Científica em Educação - AFIRSE. Possui experiência
na área na educação básica e superior. Estuda e pesquisa
os seguintes temas: Prática educativa e formação docente,
docência universitária. Desenvolve estudos e pesquisas com

SOBRE OS ORGANIZADORES E AUTORES 263


base nos princípios do Materialismo Histórico Dialético e da
Pesquisa Colaborativa.

Joelson de Sousa Morais


Doutorando em Educação pela Universidade Estadual de
Campinas (UNICAMP) na linha de pesquisa: Formação de
Professores e Trabalho Docente, sob orientação da profa. Dra.
Inês Bragança. Integrante do Grupo de Estudos e Pesquisas
em Educação Continuada (GEPEC/UNICAMP) e do Grupo
de Pesquisas Interdisciplinares: Educação, Saúde e Sociedade
(UEMA/CNPq). E-mail: joelsonmorais@hotmail.com

Júlio Ribeiro Soares


Graduação em Pedagogia pela Universidade Federal do Rio
Grande do Norte (1994), especialização em Pesquisa Educacional
pela Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (1997) e
mestrado (2006) e doutorado (2011) em Educação (Psicologia
da Educação) pela Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo. ATUAÇÃO PROFISSIONAL: Professor da Universidade
Federal do Rio Grande do Norte, lotado no Departamento de
Fundamentos e Políticas da Educação do Centro de Educação,
com atuação no campo da Psicologia Educacional. Além disso,
membro dos Grupos de Pesquisa: 1) Educação e Subjetividade
e 2) Atividade Docente e Subjetividade, e do projeto de pesquisa
“Tecendo redes de colaboração no ensino e na pesquisa em
educação: um estudo sobre a dimensão subjetiva da realidade
escolar”, realizado pela PUC/SP, UFPI, UERN e UFAL com apoio
do PROCAD/CAPES.

Lícia de Souza Leão Maia


Professora Titular da Universidade Federal de Pernambuco, é
bacharel em Matemática pela UFPE (1975), possui graduação
em Psicologia - Université Paul Valéry (1979), mestrado em

264 
Psicologia (Psicologia Social) pela Universidade Federal da
Paraíba (1986) e doutorado em Sciences de Leducation -
Université de Paris V (Sorbonne) (1997). Pós-doutorado em
Psicologia da Educação na Université Paul Valéry - Montpellier
3 (2016-2017). Atua nos Programas de Pós-graduação em
Educação e no de Educação Matemática e Tecnológica. Foi
diretora do Centro de Educação de 2000 a 2003. No período
de novembro de 2003 a novembro de 2007 assumiu o cargo de
Pró-reitora para Assuntos Acadêmicos da UFPE e de fevereiro
de 2008 a janeiro de 2011 foi Presidente da COVEST/COPSET,
Comissão de Vestibular e Processos Seletivos da UFPE-UFRPE.
Tem experiência nas áreas de Psicologia e de Educação com
ênfase em Educação Matemática, atuando principalmente nos
seguintes temas: formação de professor, representações sociais
e processos de ensino-aprendizagem, de maneira particular na
área de matemática.

Lucélia Costa Araújo


Pedagoga pela Faculdade Piauiense (FAP), mestre e doutora em
Educação pela Universidade Federal do Piauí (UFPI). Docente
do Curso de Pedagogia da UFPI, Campus Senador Helvídio
Nunes de Barros, em Picos-PI. É pesquisadora integrante do
NEPSH. E-mail: lu.celiacosta@hotmail.com

Maria de Fatima Felix Rosar


Professora aposentada da UFMA, Doutorado em Filosofia
e História da Educação pela Unicamp. Pós-Doutorado pela
USP. Pesquisadora do Grupo História Sociedade e Educação
no Brasil (HISTEDBR), membro da coordenação colegiada do
HISTEDBR-MA.

SOBRE OS ORGANIZADORES E AUTORES 265


Maria de Nazareth Fernandes Martins
Possui Doutorado em Educação pela Universidade Federal
do Piauí (2019), Mestrado em Educação pela Universidade
Federal do Piauí (2015), Especialização em Docência do
Ensino Superior pela Universidade Estadual do Maranhão
(2002) e graduação em Pedagogia pela Universidade Estadual
do Maranhão (2000). Atualmente é professora Adjunto I da
Universidade Federal do Piauí, sendo lotada no Departamento
de Métodos e Técnicas de Ensino (DMTE) do Centro de
Ciências da Educação (CCE), campus Teresina. É professora
pesquisadora do Núcleo de Estudos e Pesquisas Histórico-
críticas em Educação e Formação Humana (NEPSH). Tem
experiência na área de Educação, com ênfase em Educação
Infantil e formação de professores.

Maria Escolástica Moura dos Santos


Professora da Universidade Federal do PIAUI - UFPI; área de
Fundamentos Históricos e Culturais da Educação; Doutora
em Educação pela Universidade Federal do Ceará; líder do
Núcleo de Estudos e Pesquisas em Educação e Emancipação –
NESPEM. E-mail: escolástica.ufpi@yahoo.com.br

Maria Gorete Rodrigues de Amorim


Professora da Universidade Federal de Alagoas - UFAL Campus
Arapiraca. Doutora em Educação Brasileira pela Universidade
Federal do Ceará – UFC. E-mail: goreteamorim@arapiraca.ufal.
br

Maria Lourdene Paula Costa


Mestre em Educação pela Universidade Federal do Maranhão
– UFMA. Possui graduação em Pedagogia pela Universidade
Estadual do Maranhão, Psicopedagogia pela UFRJ e mestrado
em Educação pela Universidade Federal do Maranhão. É

266 
professora assistente da Universidade Estadual do Maranhão.
Tem experiência na área de Educação, com ênfase em
Educação Infantil, atuando principalmente nos seguintes
temas: infância, criança, educação infantil, aprendizagem,
educação e prática pedagógica.  Endereço: CV: http://lattes.
cnpq.br/0599843301988368.

Maria Noraneide Rodrigues do Nascimento


Doutoranda em Educação Brasileira pela Universidade Federal
do Ceará (UFC). Professora Efetiva da Universidade Federal
do Piauí (UFPI), no Departamento de Métodos e Técnicas de
Ensino (DMTE), Campus Teresina. E-mail: marianoraneider.
donascimento618@yahoo.com.br

Sílvia Maria Costa Barbosa


Possui graduação em Pedagogia pela Universidade do Estado
do Rio Grande do Norte (1982), mestrado em Educação pela
Universidade Metodista de São Paulo (2006) e doutorado em
Educação (Psicologia da Educação) pela Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo (2011). Atualmente é professora adjunto
iv da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte,
professor titular da Universidade do Estado do Rio Grande
do Norte, professor titular da Universidade do Estado do Rio
Grande do Norte, professor titular da Universidade do Estado
do Rio Grande do Norte e professor titular da Universidade do
Estado do Rio Grande do Norte. Tem experiência na área de
Educação, com ênfase em Formação de Professores, atuando
principalmente nos seguintes temas: formação de professor,
psicologia sócio-histórica, atividade docente, sócio-histórica e
sentido e significado. https://orcid.org/0000-0002-9197-1472

SOBRE OS ORGANIZADORES E AUTORES 267

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