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Conselho Editorial Internacional

Presidente: Professor Doutor Rodrigo Horochovski (UFPR – Brasil)


Professora Doutora Anita Leocadia Prestes (ILCP – Brasil)
Professora Doutora Claudia Maria Elisa Romero Vivas (UN – Colômbia)
Professora Doutora Fabiana Queiroz (Ufla – Brasil)
Professora Doutora Hsin-Ying Li (NTU – China)
Professor Doutor Ingo Wolfgang Sarlet (PUC/RS – Brasil)
Professor Doutor José Antonio González Lavaut (UH – Cuba)
Professor Doutor José Eduardo Souza de Miranda (UniMB – Brasil)
Professora Doutora Marilia Murata (UFPR – Brasil)
Professor Doutor Milton Luiz Horn Vieira (Ufsc – Brasil)
Professor Doutor Ruben Sílvio Varela Santos Martins (UÉ – Portugal)

Comitê Científico da área Ciências Humanas


Presidente: Professor Doutor Fabrício R. L. Tomio (UFPR – Sociologia)
Professor Doutor Nilo Ribeiro Júnior (Faje – Filosofia)
Professor Doutor Renee Volpato Viaro (PUC/PR – Psicologia)
Professor Doutor Daniel Delgado Queissada (Ages – Serviço Social)
Professor Doutor Jorge Luiz Bezerra Nóvoa (Ufba – Sociologia)
Professora Doutora Marlene Tamanini (UFPR – Sociologia)
Professora Doutora Luciana Ferreira (UFPR – Geografia)
Professora Doutora Marlucy Alves Paraíso (UFMG – Educação)
Professor Doutor Cezar Honorato (UFF – História)
Professor Doutor Clóvis Ecco (PUC/GO – Ciências da Religião)
Professor Doutor Fauston Negreiros (UFPI – Psicologia)
Professor Doutor Luiz Antônio Bogo Chies (UCPel – Sociologia)
Professor Doutor Mario Jorge da Motta Bastos (UFF – História)
Professor Doutor Israel Kujawa (Imed – Psicologia)
Professor Doutor Luiz Fernando Saraiva (UFF – História)
Professora Doutora Maristela Walker (UTFPR – Educação)
Professora Doutora Maria Paula Prates Machado (Ufcspa – Antropologia Social)
Professor Doutor Francisco José Figueiredo Coelho (UFRJ – Ensino de Biociências e Saúde)
Professora Doutora Maria de Lourdes Silva (UERJ – História)
Professora Ivonete Barreto de Amorim (Uneb – Educação, Formação de Professor e Família)
Professor César Costa Vitorino (Uneb – Educação/Linguística)
Professor Marcelo Máximo Purificação (Uneb – Educação, Religião, Matemática e Tecnologia)
Professora Elisângela Maura Catarino (Unifimes – Educação/Religião)
Professora Sandra Célia Coelho G. da Silva (Uneb – Sociologia, Gênero, Religião, Saúde,
Família e Internacionalização)
Ivoni Freitas-Reis
Karine Gabrielle Fernandes
Ingrid Nunes Derossi
(Orgs.)

Discutindo o Ensino de Ciências da


Natureza a partir da Formação de
Professores, Inclusão e História da Ciência
© Brazil Publishing Autores e Editores Associados Associação Brasileira de Editores Científicos
Rua Padre Germano Mayer, 407 Rua Azaleia, 399 - Edifício 3 Office, 7º Andar, Sala 75
Cristo Rei - Curitiba, PR - 80050-270 Botucatu, SP - 18603-550
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Comitê Editorial
Editora-Chefe: Sandra Heck
Editor Superintendente: Valdemir Paiva
Editor Coordenador: Everson Ciriaco
Diagramação e Projeto Gráfico: Rafael Chiarelli
Arte da Capa: Paula Zettel
Revisão de Texto: Os autores

DOI: 10.31012/978-65-5861-128-8

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


Bibliotecária: Maria Isabel Schiavon Kinasz, CRB9 / 626
Discutindo o ensino de ciências da natureza a partir
D611 da formação de professores, inclusão e história da ciência / organização
de Ivoni Freitas-Reis, Karine Gabrielle Fernandes, Ingrid Nunes Derossi
1.ed. - Curitiba: Brazil Publishing, 2020.
[recurso eletrônico]

Vários colaboradores
ISBN 978-65-5861-128-8

1. Ciência – História. 2. Ciências – Estudo e ensino. 3. Professores


Formação. I. Freitas-Reis, Ivoni (org.). II. Fernandes, Karine Gabrielle (org.).
III. Derossi, Ingrid Nunes (org.).

CDD 574.507 (22.ed)
CDU 5:37.02

[1ª edição – Ano 2020]


www.aeditora.com.br
Agradecimentos

À professora Ivoni Freitas-Reis, em nome dos demais autores


que são ou foram seus orientandos, nosso agradecimento especial por
todo o amparo profissional e pessoal dedicado, contribuindo grande-
mente em nossas formações;
As escolas parceiras, alunos participantes e Instituições de En-
sino Superior por acolherem nossas pesquisas e colaborarem na diver-
sificação de tantos temas;
A Capes pelos fomentos que tornaram menos árduas cada uma
das pesquisas apresentadas aqui;
A todos os que contribuíram em suas singularidades e de uma
forma ou de outra para a materialização desta obra.
Apresentação
O livro Discutindo o Ensino de Ciências da Natureza a partir da
Formação de Professores, da Inclusão e da História da Ciência foi construído
alicerçado nas diferentes temáticas de trabalhos de pesquisadores no
Ensino de Química e de Física contemplando os eixos de Formação de
Professores, Inclusão de Surdos e História da Ciência. Esses eixos são
relevantes para o desenvolvimento do ensino de Ciências da Nature-
za e esta obra oferece referenciais de qualidade para serem utilizados
como base teórica e geradores de ideias para novas pesquisas.
Para a montagem da obra tivemos a grata satisfação de contarmos
com a participação de pesquisadores de diferentes Instituições de Ensino
Superior, os quais nos auxiliaram na difícil tarefa de uma composição har-
mônica, porém variada em sua proposta. Estiveram conosco nessa tarefa
professores da UFV, UFSC, UFF, UNEC, UFBA, UFTM e UFJF comparti-
lhando suas experiências e empenho com a Educação Brasileira.
Buscando uma leitura fluida, a qual mescla três grandes temáti-
cas entretecidas na diagramatura do Ensino de Ciências da Natureza e
ofertando tanto sugestões de aplicação quanto um embasamento teóri-
co e responsável, optamos pela seguinte arquitetura contextual:
Do primeiro ao sétimo capítulo ousamos sugerir formas de abor-
dar a Educação Inclusiva a Surdos, a História da Ciência e Abordagens
Educacionais Diversificadas apresentando algumas das inúmeras estra-
tégias e reflexões que esse grupo de pesquisadores tem lançado mão
durante a sua jornada, tanto na Educação Básica quanto em Licenciatu-
ras Químicas. Do oitavo ao décimo terceiro capítulo buscamos fornecer
embasamento teórico em uma linguagem direta, sem nos distanciarmos
do aprofundamento e comprometimento dos trabalhos acadêmicos para
que os futuros e já atuantes professores possam se envolver com os te-
mas e aplicá-los da forma que mais lhes aprouver e melhor condizer
com o seu público.
Em todos os capítulos trazemos a Ciência como um fazer cole-
tivo, dinâmico e contextualizado. Construímos essa obra com o desejo
que ela possa ser útil e que desperte ideias e debates.

Ivoni Freitas-Reis
Ingrid Nunes Derossi
Karine Gabrielle Fernandes
Abstract
The book Discussing the Teaching of Natural Sciences from the
Perspective of Teacher Training, Inclusion and the History of Science was
shaped based on the different themes of work from researchers in the
area of Chemistry and Physics Teaching, covering the categories of
Teacher Training, Inclusive Education for Deaf Students and History
of Science. These categories are relevant to the development of Natural
Sciences Teaching and this work offers high-quality references to be
used as a theoretical basis and inspiration for new research ideas.
For the assembly of the work we had the grateful satisfaction
of the contribution of researchers from different Higher Education
Institutions, who helped us in the difficult task of a harmonious
composition, although varied in its proposal. Professors from UFV,
UFSC, UFF, UNEC, UFBA, UFTM e UFJF were with us in this task,
sharing their experiences and commitment to Brazilian Education.
Seeking a fluid reading, which mixes three great themes
interwoven in the diagram of the Teaching of Natural Sciences and
offering both application suggestions and a theoretical and responsible
basis, we chose the following contextual architecture:
From the first to the seventh chapter, we dare to suggest ways
to approach Inclusive Education for Deaf Students, the History of
Science and Diversified Educational Approaches presenting some of
the numerous strategies and reflections that this group of researchers
have used during their journey, both in Basic Education and in
Chemistry degrees. From the eighth to the thirteenth chapter, we seek
to provide theoretical support in a direct language, without distancing
ourselves from the depth and commitment of the academic work so
that future as well as already active professors can get involved with
the themes and apply them in the way they prefer so as to better match
their audience.
In all chapters we bring Science as a collective, dynamic and
contextualized effort. We built this work with the desire that it can be
useful and that it will spark ideas and debates.

Ivoni Freitas-Reis
Ingrid Nunes Derossi
Karine Gabrielle Fernandes
Palavras-chave

“Anomalias de polaridade”, novas linguagens, a “físico-química”,


luz e o “efeito coloidal” em Michael Faraday
Palavras-chave: Diamagnetismo; Comportamento Magnético; Filmes
Magnéticos; História da Ciência e Ensino; Propriedades da Matéria.

O estudo da conservação das massas e balanceamento de reações


químicas: relato de uma experiência de elaboração de estratégias de
ensino com surdos
Palavras-chave: Surdez; Pedagogia Visual; Educação Inclusiva;
Estratégias de Ensino; Química.

Educação de surdos, semiótica peirciana e língua de sinais: tecendo


possíveis aproximações
Palavras-chave: Libras; Semiótica; Surdez; Química; Educação.

Visões de alunos de uma escola Montessori sobre a química e suas


relações com as ciências e a sociedade
Palavras-chave: Escola Montessori; Pedagogia Diferenciada; Ensino
de Química; Ensino Fundamental; Visões de Estudantes.

Os cartões de divulgação dos extratos de carne do químico alemão


Justus Von Liebig
Palavras-chave: Liebig; Século XIX; Divulgação Científica; Química;
Cartões.

O jogo da vida de Marie Curie sob o olhar da história da ciência


Palavras-chave: Marie Curie; Mulheres na Ciência; Ensino de
Química; Jogos Didáticos; História da Ciência.

Química dos super-heróis: a utilização de uma unidade de ensino


potencialmente significativa com séries de TV no ensino de
radioatividade
Palavras-chave: UEPS; Aprendizagem Significativa; Séries de TV;
Ensino de Química; Radioatividade.
A construção de uma teoria - reflexões nas cartas de Michael
Faraday em 1812 e suas leis eletroquímicas
Palavras-chave: História da Ciência; Michael Faraday; Leis
Eletroquímicas; Royal Institution; Decomposição Eletroquímica.

A mulher na história da ciência


Palavras-chave: História da Ciência; Gênero e Carreira Científica;
Mudança Social; Ensino.

A questão animal na educação básica: alguns apontamentos


Palavras-chave: Veganismo; Ideologia; Educação Básica; Ensino de
Ciências; Escola.

Questionários e experiência piloto: uma investigação em ensino de


ciências
Palavras-chave: Ensino de Ciências; Questionários; Experiência
Piloto; Metodologia; Veganismo.

Rosalind Franklin e seus estudos determinantes para a estruturação


do DNA: a pesquisadora para além do sexismo
Palavras-chave: História da Ciência; História da Química; DNA;
Mulher na Ciência; Rosalind Franklin.

Reflexões sobre o “novo educador” frente a uma educação


intercultural: em foco o professor de química e os desafios postos
pela inclusão educacional dos surdos
Palavras-chave: Educação Intercultural; Inclusão de Surdos; Ensino
de Ciências/Química; Cultura Surda; Formação Docente.
SUMÁRIO

Reflexões sobre o “novo educador” frente a uma educação


intercultural: em foco o professor de química e os desafios postos
pela inclusão educacional dos surdos . . . . . . . . . . . . . . . . . 12
Kevin Pereira; Vinícius Catão

A questão animal na educação básica: alguns apontamentos . . . 26


Karine Gabrielle Fernandes

Questionários e experiência piloto: uma investigação em ensino


de ciências . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 37
Karine Gabrielle Fernandes

Visões de alunos de uma escola Montessori sobre a química e suas


relações com as ciências e a sociedade . . . . . . . . . . . . . . . . . . 50
Fernanda Luiza de Faria

Química dos super-heróis: a utilização de uma unidade de ensino


potencialmente significativa com séries de TV no ensino de
radioatividade. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 59
Beatriz Gatti de Castro; Lúcia Maria de Assis; Raiane Dandara Pereira Pimentel

O jogo da vida de Marie Curie


sob o olhar da história da ciência. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 73
Fernanda Luiza de Faria; Ingrid Nunes Derossi; Gabriele Smanhotto Malves-
si; Ana Caroline Ferrari

O estudo da conservação das massas e balanceamento de reações


químicas: relato de uma experiência de elaboração de estratégias de
ensino com surdos. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 86
Jomara Mendes Fernandes; Ivoni Freitas-Reis
Educação de surdos, semiótica peirciana e língua de sinais: tecendo
possíveis aproximações. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 98
Jomara Mendes Fernandes

Os cartões de divulgação dos extratos de carne do químico Alemão


Justus Von Liebig (1803-1873). . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 111
Ingrid Nunes Derossi

A mulher na história da ciência. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 125


Giovana Mendonça de Medeiros; Ivoni de Freitas Reis

Rosalind Franklin e seus estudos determinantes para a estruturação


do DNA: a pesquisadora para além do sexismo. . . . . . . . . . . . 136
Leonardo Lessa Pacheco

“Anomalias de polaridade”, novas linguagens, a “físico-química”,


luz e o “efeito coloidal” em Michael Faraday. . . . . . . . . . . . . 149
João B. Alves dos Reis; Marcelo Fonseca Pinto

A construção de uma teoria:.reflexões nas cartas de Michael


Faraday em 1812 e suas leis eletroquímicas . . . . . . . . . . . . 162
Marcelo Fonseca Pinto; João B. Alves dos Reis

Índice remissivo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 177


Sobre os organizadores . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 179
Reflexões sobre o “novo educador” frente
a uma educação intercultural: em foco o
professor de química e os desafios postos pela
inclusão educacional dos surdos

Kevin Pereira1
Vinícius Catão2

Quando se analisa a Educação Básica e Superior é preciso re-


conhecer a necessidade de formarmos indivíduos com base na cultura
própria de certos grupos sociais. Isso se realiza por meio da articulação
de saberes historicamente acumulados que dialogam com as especi-
ficidades dos diferentes sujeitos que povoam os espaços educativos.
Assim, é possível inferir que todo processo formativo tem a finalidade
de compartilhar saberes, princípios e valores que deveriam contem-
plar os aspectos sócio, históricos e culturais dos diferentes grupos,
destacando-se os conhecimentos científicos que permeiam a sociedade.
Acreditamos, com base em Krasilchik e Marandino (2007) e Santos e
Schnetzler (2010), que todo o processo educativo precisa favorecer a
formação de cidadãos críticos e reflexivos em espaços que deveriam
primar pelo acolhimento e respeito à diversidade. Isso perpassa a
formação educacional dos diferentes sujeitos, contemplando também
os aspectos avaliativos como forma de respeitar as especificidades de
cada um. Nesse sentido, Hoffmann (2018) nos adverte que a:

Inclusão pode representar exclusão sempre que a avalia-


ção for para classificar e não para promover, sempre que
as decisões levarem em conta parâmetros comparativos e
não as condições próprias de cada aluno, o princípio de
favorecer-lhe oportunidade máxima de aprendizagem,
de inserção na sociedade, em igualdade de condições

1  Instituto de Ciências Exatas, Departamento de Química, Universidade Federal de Juiz de Fora.


E-mail: pereira.kl@outlook.com
2  Instituto de Ciências Exatas e Tecnológicas, Departamento de Química, Universidade Federal
de Viçosa. E-mail: vcasouza@ufv.br

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DISCUTINDO O ENSINO DE CIÊNCIAS DA NATUREZA A
PARTIR DA FORMAÇÃO DE PROFESSORES, INCLUSÃO E HISTÓRIA DA CIÊNCIA

educativas. Essa igualdade nada tem a ver com a visão


padronizada da avaliação, como uma exigência de
igualar-se aos colegas, de corresponder às exigências de
um currículo fixo ou às expectativas de um professor.
(HOFFMANN, 2018, p. 39-40).

Na forma dessa discussão, cabe lembrar que o movimento pela


ampliação do acesso à Educação pode ser considerado algo relativamen-
te recente, tendo o seu principal marco na Constituição Federal de 1988,
onde no Art. 205 a Educação é definida como um direito de todos, e no
Art. 206, inciso I, é apresentado o princípio da “igualdade de condições para
o acesso e permanência na escola” (BRASIL, 1988). Considerando o disposto
na Constituição de 1988 até os dias atuais (o ano “pandêmico” de 2020)
ainda há muito para avançarmos no sentido da tão almejada igualdade
de condições para acesso e permanência nas Escolas e Universidades.
Vivemos em uma sociedade ainda estruturada para os iguais e, conse-
quentemente, reproduzimos essa igualdade hegemônica nas instituições
de ensino.
Para que os referidos dispostos constitucionais se efetivem,
se faz necessária uma reorganização dos processos educativos e dos
espaços de modo a não aceitarmos, enquanto educadores, a hipocrisia
do “eu finjo que incluo e você finge que é incluído”. Não se faz inclu-
são sem pensar no outro, nas suas necessidades e na importância de
acolher, respeitar e manejar as diferenças inerentes a qualquer espaço
educativo. Com base nisso, presenciamos uma realidade em que mui-
tas instituições recebem estudantes com necessidades diferenciadas,
como os Surdos1, grupo ao qual focaremos nossa discussão neste
capítulo. Eles apresentam necessidades educacionais diferenciadas,
considerando a sua condição linguístico-cultural, o que exige uma
formação de professores que dialogue efetivamente com as demandas
postas pela Escola Inclusiva (VILELA-RIBEIRO; BENITE, 2010). Nesse
sentido, Retondo e Silva (2008) apontam para a necessidade urgente

1  Concordamos com Moura (2000) e Bizol (2010) quando elas discutem que o termo “Surdo (a)”,
usado com inicial maiúscula, refere-se ao indivíduo que, tendo perda auditiva, não é caracterizado
pela sua deficiência, mas pela sua condição de pertencer a um grupo minoritário e possuir a
Língua de Sinais como língua materna (L1). Assim, optamos por usar a notação com o “S” em
maiúscula neste texto, afirmando esta marca de reconhecimento a um grupo com expressiva luta
histórica por seus direitos e reconhecimento linguístico-cultural.

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DISCUTINDO O ENSINO DE CIÊNCIAS DA NATUREZA A
PARTIR DA FORMAÇÃO DE PROFESSORES, INCLUSÃO E HISTÓRIA DA CIÊNCIA

de buscarmos formar um “novo educador” que assuma os desafios


postos pela inclusão educacional. Em especial aqui, a dos Surdos.
Entender alguns aspectos desse profissional que dialoga com
a Educação Intercultural é o que nos motivou a escrever este texto.
Avaliamos que é importante a formação docente buscar estabelecer
um efetivo diálogo com questões sobre as diferenças, destacando-se
a pluralidade linguístico-cultural dos Surdos. Isso teria o objetivo de
fomentar práticas pedagógicas e metodologias que são culturalmente
sensíveis a diversidade, acolhendo e respeitando o outro e suas es-
pecificidades por meio de uma Educação Intercultural que pode ser
compreendida, segundo Candau (2011), como:

[...] uma educação para negociação cultural, que enfrenta


os conflitos provocados pela assimetria de poder entre os
diferentes grupos socioculturais nas nossas sociedades e
é capaz de favorecer a construção de um projeto comum,
pelo qual as diferenças sejam dialeticamente integradas.
A perspectiva intercultural está orientada à construção
de uma sociedade democrática, plural, humana, que ar-
ticule políticas de igualdade com políticas de identidade.
(CANDAU, 2011, p. 27).

Segundo esta autora é necessário desnaturalizar estereótipos


e preconceitos culturalmente impregnados em nossas ações, com re-
flexos nos currículos praticados. Como o ser humano é marcado por
contradições e incompletudes, isso muitas vezes repercute nas ações
educativas que nos faz indiferentes às diferenças, o que nos leva a
invisibilizar o outro e sua condição identitária (FLEURI, 2003). Assim,
diante da complexidade que perpassa o ser humano e toda a sua
incompletude, conscientizar-se seria o passo inicial para um questio-
namento crítico e reflexivo sobre a condição do outro.
Nessa continuidade, concordamos que o professor seria o agente
principal na formação dos educandos, independentemente do nível de
ensino em que estes se encontram. Dessa forma, considerando a nossa
formação (Licenciatura em Química) e as experiências em pesquisas
relacionadas à Educação dos Surdos e formação de professores traremos
uma discussão que dialogará com essas duas áreas de conhecimento. Os
professores, por muito tempo, foram formados para assumirem alguns

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DISCUTINDO O ENSINO DE CIÊNCIAS DA NATUREZA A
PARTIR DA FORMAÇÃO DE PROFESSORES, INCLUSÃO E HISTÓRIA DA CIÊNCIA

padrões2 em sala, sendo o processo de ensino estruturado no modelo 3+1


que reproduzia de forma determinante a relação de transmissão-recepção
de informações em que os alunos seriam sujeitos passivos nesse processo.
Porém, estes alunos padronizados existem? Podemos levantar tal questio-
namento ao refletir sobre as diferenças socioculturais3 presentes em uma
sala de aula, sendo esta um lócus de diálogo e negociação, por natureza.
Posto isto, ainda que em um espaço educacional não haja a presença de
estudantes Surdos, o mesmo poderia possuir um viés inclusivo?
Em uma sala de aula regular, onde há professor e estudantes
ouvintes apenas, existem grupos provenientes de realidades sociais e
culturas diferentes e isto, por si só, já é o suficiente para se ter neste
espaço cosmovisões4 muito distintas. Deste modo, seria importante o
educador buscar acolher e respeitar a pluralidade, ainda mais em um
espaço educacional com a presença de estudantes surdos. Em salas
de aula regulares, quando nos limitamos a pensar apenas no aspecto
linguístico, constatamos que a interação do professor com os estu-
dantes ouvintes ocorre por meio da língua oral-auditiva5. Por ser algo
compartilhado entre as partes, elas ordinariamente não se questionam
acerca do quão fundamentais são tais aspectos para o ensino e como
a língua e sua modalidade configuram como parte essencial de uma
cultura (PEREIRA; BENITE; BENITE, 2011). O Surdo, por sua vez, ao
entrar em contato com esse universo ouvinte, não se reconhece nele,
pois não é nesta modalidade que o mesmo se comunica e interage
(ANGELUCCI; LUZ, 2010). A diferença pode ser notada facilmente e
a língua visuoespacial, Língua Brasileira de Sinais (Libras), torna-se
necessária em sua vivência escolar.

2  Nos referimos aos padrões comportamentais e cognitivos, onde espera-se do estudante um


certo tipo de atitude e resposta mediante uma forma específica de ensinar do professor.
3  Geerz (1989) caracteriza a cultura como um conjunto de hábitos e significados que compõem o
homem em uma comunidade e que foram tecidos por ele mesmo.
4  A cosmovisão de um indivíduo pode ser considerada como um conjunto de valores, crenças,
impressões, sentimentos e concepções a respeito do mundo em que se vive, ou seja, é a orientação
cognitiva fundamental de um indivíduo que, inserido em uma cultura, possui uma percepção
acerca de tudo o que existe. (FERREIRA, 1986).
5  A modalidade de uma língua é caracterizada pelas suas estruturas de produção e recepção.
O Português falado é uma língua produzida por uma via oral e recebida por uma estrutura
auditiva, o que a caracteriza como oral-auditiva. A Língua Brasileira de Sinais, por sua vez, é
considerada como uma produção gestual recebida pela estrutura visual de outro indivíduo, ou
seja, sua modalidade é denominada como gestual-visual. (RODRIGUES, 2018).

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DISCUTINDO O ENSINO DE CIÊNCIAS DA NATUREZA A
PARTIR DA FORMAÇÃO DE PROFESSORES, INCLUSÃO E HISTÓRIA DA CIÊNCIA

Assim, a presença do Tradutor e Intérprete de Língua de Sinais


(TILS) faz-se indispensável em sala de aula, sendo este o profissional
que converte a modalidade oral-auditiva para a gestual-visual. Po-
rém, entendemos que o professor pode cooperar para que os aspectos
da cultura Surda sejam explorados em sala de aula, fazendo com que
o mesmo se sinta instigado a aprender e respeitado (FERNANDES;
FREITAS-REIS, 2017). Tal profissional é o que consideraremos nesse
capítulo como o “novo educador”, pois é aquele que assume uma
nova percepção sobre a Educação Inclusiva e se posiciona frente a
essa necessidade de diálogo com a “Educação Intercultural”, que
pressupõe acolher e respeitar as diferenças.
Em algumas pesquisas realizadas por nós (ainda no prelo) lida-
mos com professores do Ensino Superior Federal e da Educação Básica
que enfrentavam esse grande desafio. Sendo assim, nos propomos
aqui a discutir acerca das demandas existentes para o um professor
que atua em uma sala com Surdos. Não tencionamos produzir ne-
nhum tipo determinante de ações a serem seguidas como diretrizes.
Pelo contrário, entendemos ser necessário discutirmos sobre alguns
dos aspectos recorrentes no discurso de professores que vivenciaram
experiências com Surdos. Assim, teremos como base da nossa discus-
são a entrevista realizada com uma professora de Química6 do Ensino
Superior atuante em uma Universidade Federal no estado de Minas
Gerais. Esta docente foi entrevistada no período em que trabalhou
pela primeira vez com um estudante Surdo na disciplina de Química
Geral. A professora compartilhou conosco alguns de seus desafios e
inquietudes ao vivenciar tal experiência. Ela é graduada em Química
e concluiu sua formação em um período anterior ao que a Libras foi
reconhecida como língua oficial do surdo pela Lei nº 10.436 (BRASIL,
2002), tornando-se, em seguida, uma das disciplinas obrigatórias para
os cursos de Licenciatura e o curso de Fonoaudiologia por meio do
Decreto nº 5.626 (BRASIL, 2005).

6  Usaremos majoritariamente o discurso desta docente, pois entendemos ser uma possível
representante da opinião expressa pelos demais professores com os quais tivemos contato na
pesquisa desenvolvida durante o mestrado de um dos autores.

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DISCUTINDO O ENSINO DE CIÊNCIAS DA NATUREZA A
PARTIR DA FORMAÇÃO DE PROFESSORES, INCLUSÃO E HISTÓRIA DA CIÊNCIA

O Professor e a sua formação

Visto que o professor possui um papel importante na inclusão


dos estudantes Surdos, concordamos que sua formação pode ou não
contribuir para a sua prática em contextos de diversidade. Segundo
Pletsch (2009), para haver um ensino de qualidade que atenda às reais
necessidades dos discentes, investir na formação inicial dos profis-
sionais da educação é imprescindível. Sendo assim, a professora foi
questionada se na sua formação inicial (graduação) algum tema rela-
cionado à Educação Inclusiva havia sido abordado. A resposta segue
transcrita a seguir:

Uhm. ((risos)) nunca! Nada, nada. E olha que eu sou Li-


cenciada, eu não fiz o Bacharelado [em Química]. Estudei
para ser professora, para vir para sala de aula, e não, não
tive aula de Libras e nem sequer conheci esse termo na
época da minha graduação. Frequentei praticamente du-
rante toda minha graduação a Faculdade de Educação sem
nunca ter uma formação direcionada com o tema inclusão.

O que foi vivenciado por esta docente é compartilhado por


diversos outros professores que não tiveram discussões acerca desta
temática na sua formação inicial. Assim, acreditamos que esse “novo
educador” terá o desafio de lidar com esta lacuna em sua formação e
assumir os desafios postos pela inclusão educacional dos Surdos. É
necessário, assim, assumir a responsabilidade de educar em meio a di-
versidade e buscar uma formação que caminhará junto com a prática.
Isso muitas vezes não tem acontecido como apontado por Almeida e
Teixeira Junior (2011).
Há não somente a necessidade de se formar um novo perfil
de educador, assim como advoga Rentondo e Silva (2011), mas de
entendemos a premência de que os professores em serviço tenham
oportunidades de uma formação continuada que vislumbre a questão
da inclusão. Atualmente, alguns espaços físicos e virtuais7 se configu-
ram como locais de formação8 e são potenciais para promoverem uma

7  Existem Projetos de Extensão em Universidades Federais, cursos de Libras oferecidos por


pastorais de Surdos, instituições religiosas ou por comunidades surdas em algumas cidades.
Além disso, existem sites que oferecem cursos gratuitos relacionados à aprendizagem da Libras
e sobre bases que compõem a Educação Inclusiva.
8  A formação continuada é aquela que, segundo Alvarado-Prada, Freitas e Freitas (2010, p. 370),
“contribua com a manutenção, criação e alteração das relações estruturantes e estruturadoras do

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DISCUTINDO O ENSINO DE CIÊNCIAS DA NATUREZA A
PARTIR DA FORMAÇÃO DE PROFESSORES, INCLUSÃO E HISTÓRIA DA CIÊNCIA

mudança na visão de professores acerca da Educação Inclusiva com


foco na Surdez.

O Professor e a Cultura Surda

Em um segundo momento a professora foi questionada se de


alguma maneira sentia-se capacitada para lidar com os desafios postos
pela Educação Inclusiva voltada aos Surdos. A mesma respondeu
negativamente, porém avaliou que naquele momento se considerava
mais madura e com a “cabeça aberta” para lidar com as demandas
postas pela diversidade e a inclusão. A docente apontou que o seu
objetivo profissional era “passar de professora a educadora”, pois a
mesma ainda não se considerava como tal. Para que isso acontecesse,
segundo ela, seria necessário se preparar para a realidade que estava
vivendo: o primeiro contato com um estudante Surdo. Conforme afir-
mou, a inclusão estava “batendo à sua porta” e, mesmo não tendo uma
formação, era necessário buscar qualificações para articular um ensino
que contemplasse a todos.
Como citado pela professora, a presença do estudante Surdo
em sala de aula configurou como sendo a sua primeira experiência
com o ensino de Química voltado à inclusão. Quando questionada
acerca dessa experiência, das possíveis dificuldades enfrentadas e
suas pretensões de crescimento a professora pontuou que considerava
suas aulas “tradicionais”9, sobretudo ao fazer uso de quadro, giz e de
muitas explicações orais. Segundo ela, seria necessária uma renovação
didática para atender as demandas postas por uma nova geração,
incluindo os estudantes Surdos. A professora ainda expressou que
pretendia investir nos aspectos visuais com destaque para slides, de-
senhos no quadro, modelos, dentre outros. Isso demonstra um certo
entendimento sobre a relevância dos modos de representações e dos
aspectos visuais no Ensino de Química, sobretudo para os Surdos
terem maior acesso ao conhecimento científico discutido em sala de

desenvolvimento profissional do coletivo docente na instituição escolar”.


9  A docente trata em seu discurso uma “aula tradicional” como sendo aquela que replica
algumas ações instituídas no ensino desde muito tempo como, por exemplo, o uso do quadro
e giz como recursos educacionais. Não identificamos um tratamento relacionado à pedagogia
tradicional, que toca na forma de perceber o processo de ensino e aprendizagem, bem como o
seu estudante.

18
DISCUTINDO O ENSINO DE CIÊNCIAS DA NATUREZA A
PARTIR DA FORMAÇÃO DE PROFESSORES, INCLUSÃO E HISTÓRIA DA CIÊNCIA

aula. A reposta da professora dialoga com os aspectos fundantes da


Pedagogia Visual votada aos Surdos.
Seguindo esta discussão, concordamos com Pereira, Benite e
Benite (2011) sobre a ideia de que para favorecer a inclusão dos Surdos
é necessário entender um pouco a cultura deles. Devido os caminhos
trilhados pela Comunidade Surda ao longo da história, marcados por
lutas pelos direitos sociais, linguísticos e políticos, os aspectos que
compõem essa Cultura10 precisam repercutir na Educação. Além disto,
existem marcas culturais e linguísticas que devem ser consideradas e
respeitadas no processo formativo. Dentre elas, a mais importante e
também citada pela professora, seria o uso de uma língua gestual-vi-
sual, a Libras, com ações imagéticas.
Assim, concordamos que o uso de uma língua baseada em
modalidade diferente implica em uma organização cognitiva distinta
para estruturar o pensamento e a linguagem (SAKS, 2010). Dessa
forma, ao compreendermos que a linguagem utilizada abarca o modo
como o pensamento se processa, é necessário usar recursos visuais e
ações representacionais que busquem favorecer um adequado acesso
ao conhecimento de modo a se ter uma equiparação de oportunidades
em sala de aula. Pereira, Benite e Benite (2011) conectam isto com a
possibilidade de utilizar artifícios, além da fala, que estimulam outros
sentidos, assim como os aspectos visuais.
Existem hoje diversos meios para se conhecer a Cultura Surda
e suas práticas. Podemos mencionar as redes sociais, como o YouTube e
o Instagram, além dos diversos documentos11 e pesquisas que discutem
questões estruturantes dessa Comunidade. Também há plataformas
midiáticas, como a TVInes12 que disponibiliza diversos Programas
com acessibilidade total (em Libras e Português vocalizado, por
meio de legendas e áudio-descrição), apresentando relevantes temá-
ticas relacionadas à Cultura Surda. Por fim, o contato direto com os
próprios Surdos nas Associações, Sociedades, espaços educativos e
eclesiásticos. Hoje esse grupo já assume protagonismo e tem o devido
reconhecimento em diferentes espaços da sociedade.
10  Segundo Thoma (2012, p. 173), a Cultura Surda “[...] é constituída de códigos, hábitos,
humor e histórias que são compartilhados entre seus integrantes em espaços como as escolas, as
associações e em famílias surdas.”
11  Podemos citar os trabalhos de Strobel (2008), Karnop (2010), Lopes e Neto (2006) e Santana
e Bérgamo (2005).
12  < http://tvines.org.br/ >. Acesso em maio de 2020.

19
DISCUTINDO O ENSINO DE CIÊNCIAS DA NATUREZA A
PARTIR DA FORMAÇÃO DE PROFESSORES, INCLUSÃO E HISTÓRIA DA CIÊNCIA

O Professor e a Libras

Seguindo em diálogo com outras pesquisas, como a de Sousa e


Silveira (2011), a professora de Química reconhece a barreira linguística
existente entre ela e o estudante Surdo, considerando que ela não tem
o domínio da Libras. Isso, como citado anteriormente, caracteriza-se
como uma dificuldade para a educação desses indivíduos. Assim, exis-
te certa preocupação em explorar outras formas de comunicação que
são comuns entre eles, principalmente se tratando dos aspectos visuais.
A professora ainda comentou que a fluência em Libras transformaria
suas aulas, pois poderia auxiliar no processo de significação dos con-
ceitos para a sua tradução e interpretação pelo Intérprete Educacional.
Nesse sentido, Oliveira e Benite (2015) defendem que:

É preciso que o professor de ciências tenha a mínima


noção de Libras, para que possa estabelecer contato
com o aluno surdo e possa, pelo menos, compreender
suas dúvidas. Isso não pressupõe que o professor deve
ser intérprete, ou que o intérprete deva ser substituído.
Sabemos que o trabalho simultâneo Libras/português é
inviável, e que o professor é responsável pelo ensino e
aprendizado, e o intérprete pela interpretação/tradução.
(OLIVEIRA; BENITE, 2015, p. 470).

Entendemos que a maioria dos docentes no Brasil possuem


uma elevada sobrecarga de trabalho, somada as suas demais atribui-
ções cotidianas. Assim, muitos não conseguem se dedicar ao estudo
da Libras de modo a se ter fluência para compreender a dúvida do
estudante Surdo. Porém, entendemos ser necessário um conhecimento
primário que permitirá ao docente uma socialização inicial com o
estudante, tal como os cumprimentos como forma de reconhecimento
e respeito, além das interações básicas que podem ocorrer na sala de
aula, dando feedbacks sobre o conteúdo ensinado.
Ademais, o conhecimento básico da Libras permite que o
professor tenha maior liberdade ao interagir com o surdo sem se sen-
tir desconfortável, assim como discutido por Souza e Silveira (2011)
quando relataram que um dos professores pesquisados, por não saber
a Libras, afirmou evitar olhar para o estudante Surdo por medo de

20
DISCUTINDO O ENSINO DE CIÊNCIAS DA NATUREZA A
PARTIR DA FORMAÇÃO DE PROFESSORES, INCLUSÃO E HISTÓRIA DA CIÊNCIA

uma possível interação inócua. Já outro professor pesquisado, por con-


seguir se comunicar minimamente em sinais, se revelou menos tenso
ao atuar em uma sala de aula com Surdo.
Considerando o entendimento de que a Libras figura como uma
das características centrais e identitárias da Cultura Surda, sobre a qual
o professor pode se inteirar para favorecer a mediação pedagógica em
sala de aula, é possível entendermos essa ação como um tipo de for-
mação para o ato de ensinar, ou seja, uma formação continuada. Isto
corrobora com Vilela-Ribeiro e Benite (2010, p. 591) quando afirmam
que “a formação profissional docente é um processo contínuo com data
marcada para o início, mas nunca para o final”. Visualizamos isso como
um motivador para que o professor se envolva com o aprendizado da
Libras e consiga interagir, dentro dos seus limites e potencialidades,
com o estudante Surdo.

O Professor e o Intérprete Educacional

Além das questões culturais e linguísticas aqui abordadas de


forma geral, as relações estabelecidas na sala de aula também são im-
portantes. Relações entre o professor e o estudante Surdo, o professor
e o TILS, além do TILS com o estudante Surdo. Nos três casos preza-se
por uma interação respeitosa e construtiva. Quando se refere ao docen-
te e o TILS, Catão e Pereira (2018) apontam para a necessidade de uma
parceria e intencionalidade no trabalho desses dois profissionais em
sala de aula. Nesse sentido, a professora de Química, ao tratar sobre
sua relação com os TILS, considerou que a interação foi pequena. Seria
necessário um contato maior para a discussão das aulas e orientações
sobre os conteúdos e metodologias possíveis de serem usadas para
favorecer o Surdo. Em suas palavras:

[..] a gente tem só aquele contato ali: finzinho de aula e


inicinho de aula. Eu acho esse contato pequeno. Eu acho
que ele podia ser um pouquinho maior, não é?! Então...
Para planejar; as dúvidas, por exemplo. A gente podia
manter um contato, mesmo que fosse por e-mail, dar uma
passadinha aqui de vez em quando, sei lá, uma vez por
mês, né, na sala e trocar uma ideia [...]

21
DISCUTINDO O ENSINO DE CIÊNCIAS DA NATUREZA A
PARTIR DA FORMAÇÃO DE PROFESSORES, INCLUSÃO E HISTÓRIA DA CIÊNCIA

Neste sentido, Pereira, Benite e Benite (2011, p. 53) afirmam que


“o intérprete, na maioria das vezes, não tem o domínio do conheci-
mento químico e a não existência de sinais específicos dificulta ainda
mais a intermediação do conhecimento feita por este sujeito”. Dito isto,
estabelecer uma relação entre o professor e o TILS se mostra essencial
para minimizar dificuldades relacionadas a essa (inter)mediação do
conhecimento em sala de aula. Assim, concordamos com Oliveira e
Benite (2015) quando afirmam que:

O ensino de ciências só será possível por meio da atuação


conjunta entre professor e intérprete de Libras, no plane-
jamento das atividades a serem desenvolvidas em sala de
aula, e não somente no desenvolvimento de métodos e
técnicas. (OLIVEIRA; BENITE, 2015, p. 470).

A fala da professora também vai ao encontro dessa ideia. A


mesma concorda que uma maior interação entre as duas partes con-
figura um aspecto positivo e pode auxiliar no processo de ensino e
aprendizagem do estudante surdo. O trabalho conjunto também
implica que ambas as partes teriam o entendimento das suas funções
naquele espaço. Assim, é importante que o professor compreenda
o papel do TILS em uma sala de aula inclusiva. Muitos docentes se
incomodam com a presença desses profissionais, como verificado em
Souza e Silveira (2011), tratando-os como “intrusos” naquele espaço.
Entendemos que isto não favorece o movimento necessário para se
criar um ambiente inclusivo e favorável à aprendizagem.

Caminhos para favorecer o “Novo Educador” articular uma


nova “Educação Intercultural” voltada aos Surdos

Como discutimos aqui, a formação seria algo de demanda


contínua e os professores precisam estar a todo o momento atentos ao
ambiente social e cultural que os cercam dentro e fora da sala de aula.
Ao pensarmos acerca da Educação dos Surdos existem atitudes que
podem ser tomadas, com base no que foi abordado anteriormente, e
que cooperam para a formação desses alunos e a sua efetiva inclusão
no processo educativo. Dentre elas, temos a necessidade de lidar com

22
DISCUTINDO O ENSINO DE CIÊNCIAS DA NATUREZA A
PARTIR DA FORMAÇÃO DE PROFESSORES, INCLUSÃO E HISTÓRIA DA CIÊNCIA

as lacunas deixadas pela formação pedagógica e buscar pelo aprimo-


ramento constante, além de se inteirar da Cultura Surda (conhecer seu
aluno e compreender a importância dos recursos visuais para favorecer
o acesso ao conhecimento científico), ter conhecimentos básicos sobre a
Língua Brasileira de Sinais (relações cordiais para que o Surdo se sinta
respeitado e acolhido em sala de aula) e compreender o trabalho e a
função dos TILS em sala de aula (buscar estabelecer parcerias e favo-
recer o trabalho desse profissional, que muitas vezes e caracterizado
como coformador).
De modo geral, é importante que o professor busque ser aberto
e flexível para desenvolver novas posturas e formas de ensinar, visto
que lidará com estudantes que não são como algoritmos decifráveis,
mas sim estruturas complexas com as quais se aprende ensinando. Na
Educação Inclusiva voltada aos Surdos há uma demanda por ambientes
educativos e professores que valorizem a figura desses indivíduos e os
faça sentir parte deste ambiente. Para isso, não cabe mais um ensino
focado em práticas que deram certo em um período da história, mas que
não atendem aos estudantes no presente. Precisamos de “novos edu-
cadores” para articularem uma nova Educação Intercultural. Avante,
rumo a este objetivo!

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BRASIL. Lei nº 10.436, de 24 de abril de 2002. Dispõe sobre a Língua Brasileira de Sinais – Libras
e dá outras providências.

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DISCUTINDO O ENSINO DE CIÊNCIAS DA NATUREZA A
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25
A questão animal na educação básica:
alguns apontamentos

Karine Gabrielle Fernandes13

A questão animal tem se tornado tema cada vez mais presente


na vida do brasileiro, seja através da mídia, da preocupação nutricional
e ambiental, de relações sociais e mesmo de ambientes de aprendiza-
gem. Mais recentemente o debate toma lugar em meio à pandemia
causada pelo novo integrante da família Coronavírus, perpassando
sua origem até os impactos ambientais e emocionais advindos da
reclusão humana.14
Neste capítulo realizarei uma discussão acerca do que chamo
de questão animal, ou seja, o reconhecimento dos animais não-hu-
manos como seres de uma vida e as compreensões advindas de sua
inserção nas escolas, culturas e ideologias ocidentais. Para tanto, me
embaso em uma pesquisa de mestrado escrita por mim, cuja proposta
foi analisar documentos oficiais para a Educação Infantil em busca
de compreender as possibilidades de diálogo com a temática animal
(FERNANDES, 2019).
O princípio que revela os animais como semoventes de direitos
próprios tem como base a senciência, fator este que os distingue do
restante dos reinos eucariontes15. Por definição, seres sencientes são
aqueles capazes de sentir e, de acordo com a complementação feita
por Coelho (2016, p. 9), “têm sentimentos como raiva, afeição, medo,
alegria, felicidade, prazer, vergonha, ciúmes, irritação, desconcerto,
desespero e compaixão.” É dessa forma que Naconecy afirma que “de
um modo geral, os animais são capazes de demonstrar compaixão, pa-

13  Universidade Federal de Juiz de Fora. Departamento de Química. karinegfe@gmail.com


14  A título de exemplo, um relatório da Organização das Nações Unidas acerca da relação entre
novas doenças e o consumo de animais tem ganhado maior visibilidade. Para mais informações:
<https://nacoesunidas.org/cerca-de-70-de-novas-doencas-que-infectam-seres-humanos-tem-
origem-animal-alerta-onu/>. Acesso em: 18/05/2020.
15  Segundo o dicionário Michaellis, eucariontes são os organismos compostos de uma ou mais
células, possuindo uma membrana que envolve o material genético. Os reinos Protista, Fungi,
Animalia e Plantae são formados por seres vivos eucariontes.

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DISCUTINDO O ENSINO DE CIÊNCIAS DA NATUREZA A
PARTIR DA FORMAÇÃO DE PROFESSORES, INCLUSÃO E HISTÓRIA DA CIÊNCIA

ciência, responsabilidade, lealdade, simpatia, devoção, autossacrifício


e cuidado com seus pares, seus filhotes e conosco” (2006, p. 195).
Segundo pesquisa conduzida em abril de 2018 pelo IBOPE
Inteligência (Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística), 14%
da população brasileira, ou seja, 30 milhões de brasileiros declaravam-
-se vegetarianos, representando um crescimento de 75% em relação a
2012.1 Relacionado a isso, diversas campanhas têm gerado impactos
sem precedentes, como é o caso da implementação de um cardápio,
nas segundas-feiras, livre de produtos cárneos pelas escolas da rede
municipal de São Paulo. Dessa forma, noto que a problematização
acerca da visão que os seres humanos lançam para a questão animal se
torna cada vez mais frequente em nossa sociedade atual, o que inclui,
ou deveria incluir, a sala de aula.
Atendo-me predominante à cultura ocidental, as instituições
escolar e familiar como primeiros ambientes de socialização da criança,
constituem fator crucial no desenvolvimento da trajetória das pessoas,
uma vez que influenciam e promovem a construção do conhecimento
cultural. Dessen e Polonia (2007) partem primeiramente da ideia de
que a família, ao transmitir valores, significados, regras, sonhos, pers-
pectivas e padrões presentes na sociedade, impacta no comportamento
das crianças e influencia sua forma de existir e ver o mundo.
Parto da premissa de que, como um microssistema da sociedade,
a escola tende a desenvolver aspectos sociais, intelectuais, culturais e

[...] é neste sentido que se pode falar, globalmente, de uma


cultura, que se cria e preserva através da comunicação e
cooperação entre indivíduos em sociedade e, especifi-
camente, numa cultura escolar, isto é, num conjunto de
aspectos, transversais, que caracterizam a escola como
instituição. (CARVALHO, 2006, p. 1)

Pela perspectiva marxista, a escola é tida como organização


idiossincrática devido a seu caráter reinterpretativo e adaptativo
frente aos elementos da cultura macro. Sua importância ao marcar
todo o desenvolvimento dos sujeitos se traduz em sua magnitude

1  Pesquisa disponível em: <https://www.svb.org.br/2469-pesquisa-do-ibope-aponta-cresci-


mento-historico-no-numero-de-vegetarianos-no-brasil>. Acesso em: 18/05/2020.

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DISCUTINDO O ENSINO DE CIÊNCIAS DA NATUREZA A
PARTIR DA FORMAÇÃO DE PROFESSORES, INCLUSÃO E HISTÓRIA DA CIÊNCIA

como veículo aliado ao fato de que não há educação que não esteja
imersa na cultura e no momento histórico em que se situa. As expe-
riências pedagógicas, então, estão repletas de elementos que refletem
a sociedade e o contexto socioeconômico, cultural e histórico em que
se inserem (CARVALHO, 2006).
O social está carregado de informações e costumes antropocên-
tricos aliados ao especismo, ou seja, à subjugação do outro baseada em
sua espécie. Essa realidade reforça o viés em que animais são vistos
unicamente como seres não-humanos, porém benéficos ou maléficos
ao homem, o que consente sua total exploração baseada em argumen-
tos controversos.

Ora, o que se aprende na Escola? Vai-se mais ou menos


longe nos estudos, mas de qualquer maneira, aprende-se
a ler, a escrever, a contar, - portanto algumas técnicas, e
ainda muito mais coisas, inclusive elementos (que podem
ser rudimentares ou pelo contrário aprofundados) de
«cultura científica» ou «literária» directamente utilizáveis
nos diferentes lugares da produção [...]

Mas, por outro lado, e ao mesmo tempo que ensina estas


técnicas e estes conhecimentos, a Escola ensina também
as «regras» dos bons costumes, isto é, o comportamento
que todo o agente da divisão do trabalho deve observar,
segundo o lugar que está destinado a ocupar: regras da
moral, da consciência cívica e profissional, o que significa
exactamente regras de respeito pela divisão social-técnica
do trabalho, pelas regras da ordem estabelecida pela
dominação de classe. Ensina também a «bem falar»,
a «redigir bem», o que significa exactamente (para os
futuros capitalistas e para os seus servidores) a «mandar
bem», isto é, (solução ideal) a «falar bem» aos operários,
etc. (ALTHUSSER, 1970, p. 10-11, grifos do autor)

Conjecturo que para além de qualificar, a escola é capaz de


reproduzir submissão e aceitação da ordem estabelecida pela ideo-
logia dominante2. Para Gramsci3, de acordo com Gallo (2010, p. 232),

2  Para o prosseguimento do texto, considero aqui a ideologia como os interesses e ideias de


determinada classe dominante, os quais se traduzem como ideais da sociedade.
3  GRAMSCI, Antonio. Concepção dialética da história. 6. ed. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 1986.

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DISCUTINDO O ENSINO DE CIÊNCIAS DA NATUREZA A
PARTIR DA FORMAÇÃO DE PROFESSORES, INCLUSÃO E HISTÓRIA DA CIÊNCIA

a “ideologia aparece sempre como [...] ‘visão de mundo’, que tanto


pode ser um processo dinâmico e articulado, que reflita a realidade,
como pode ser um conjunto de ideias fossilizadas, anacrônicas, sem
nenhuma vinculação com o real.” Nessa observação, a representação
que o homem adota é aquela que se forma a partir de sua relação com
o mundo e não sua representação direta.

A criança, em sua formação, recebe toda uma carga cul-


tural já pronta, estruturada, na qual ela deve se inserir. A
criança não é levada a construir o mundo, a perceber-se
como sujeito do processo, mas sim a se adaptar a um
mundo já construído, a se aprofundar em um ideário
estruturado que a tudo explica, não deixando margem à
dúvida e à curiosidade. Para uma criança que não tem
contato com outras ideias, tal ideário aparece como a
ideia, como a verdade sobre o mundo e sobre a sociedade,
não dando margem a críticas nem a recusas. (GALLO,
2010, p. 233)

As relações de poder entre as estruturas sociais são tais que


contribuem, inclusive, para a formação de hábitos alimentares das
crianças, por exemplo, durante a merenda oferecida nas escolas e as
conversas entre os docentes e os discentes. Professores e merendeiras
estimulam o desenvolvimento de hábitos, seja a partir do seu exemplo,
da proximidade entre as partes e de exposições repetidas do alimento
inicialmente indesejado pelo aluno (CERVATO-MANCUSO et al,
2013). Como em um trabalho em conjunto, a alimentação escolar tem
grande papel na formação desses hábitos.
Por meio de outro viés, Joan Swann (SWANN, 19924 apud SOU-
ZA, 2006), cujo livro trata de questões relacionadas a gêneros, afirma
que estereótipos são essencialmente mantidos pela escola a partir da
sua organização institucional, dos conteúdos ensinados e lições; das
conversas informais entre alunos e professores; das estratégias de
motivação dos docentes; de atividades estereotipadas, dentre outros.
A autora, no entanto, pondera que, ainda que atribua grande participa-
ção dessa instituição na interiorização de ideias e valores pelas crian-
ças, ao chegar na escola, elas já têm noções sobre a temática através

4  SWANN, Joan. Girls, boys and language. Oxford: Backwell, 1992.

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DISCUTINDO O ENSINO DE CIÊNCIAS DA NATUREZA A
PARTIR DA FORMAÇÃO DE PROFESSORES, INCLUSÃO E HISTÓRIA DA CIÊNCIA

dos aprendizados advindos de relações externas como a familiar, das


mídias e propagandas.
A defesa pela inclusão do veganismo no contexto escolar pos-
sui raízes comuns e se põe próxima aos movimentos que buscam lutar
contra injustiças “invisíveis”, como é o caso do racismo, do bullying e
outros. Abundantes discussões sobre como a escola pode abarcar essas
temáticas já estão ocorrendo. Vimos conquistando seus espaços cientes
de que trazer tantos assuntos para o debate, cada um tão necessário em
suas singularidades, não é tarefa simples. Desse modo, a instituição se
torna reprodutora do estabelecido e plural ao mesmo tempo.
Embora seja importante não ignorar tais questões, não me
proponho explorar e aprofundar esses assuntos. É necessário, também,
esclarecer que este texto não menospreza a educação pautada em prin-
cípios culturais hegemônicos, mas problematiza as concepções através
das quais reconhece e reforça o modus operandi do carnismo, ciente de
que a cultura em si é conflitiva, mobilizada por processos históricos,
relações de poder e demais fatores.
Uma vez que a escola também é responsável por propagar a
ideologia dominante, posso então relacionar esse tema à questão animal.
Para Joy (2014) a razão de, dentre milhares de espécies animais, sentir-
mos repugnância ante a ideia de nos alimentarmos da maioria, deve-se
em grande parte ao que apreendemos a partir dos ideais dominantes
compartilhados e presentes na cultura em que estamos inseridos.
Denominados de carnismo, os sistemas de crenças altamente
estruturados aos quais estamos expostos ditam que animais são co-
mestíveis e nos capacitam a consumi-los sem que haja desconforto
emocional ou psicológico. De fato, grande parte do nosso gosto é
construído, ou seja, gostamos dos alimentos que aprendemos a gostar:
“a comida, particularmente a de origem animal, é extremamente sim-
bólica e é esse simbolismo, unido à tradição e reforçado por ela, que
é em grande parte responsável por nossas preferências alimentares”
(JOY, 2014, p. 20).

Ao que tudo indica, o padrão pelo qual você tem se re-


lacionado com a carne começou antes de você ter idade
suficiente para falar e continuou ininterruptamente du-

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DISCUTINDO O ENSINO DE CIÊNCIAS DA NATUREZA A
PARTIR DA FORMAÇÃO DE PROFESSORES, INCLUSÃO E HISTÓRIA DA CIÊNCIA

rante toda a sua vida. E é nesse fluxo de comportamento


ininterrupto que podemos ver como o carnismo elimina o
livre-arbítrio. Padrões de pensamento e comportamento,
estabelecidos muito antes de sermos capazes de agir como
agentes livres, se entrelaçaram à textura de nossa psique,
guiando nossas escolhas como uma mão invisível. (JOY,
2014, p. 110)

A utilização dos animais se tornou um tabu criado por conven-


ções sociais em busca de preservar os ditos bons costumes. A sociedade
delimita determinados atos, relacionando o costume de comer carne,
assim como de outros sistemas exploradores, à normalidade, natura-
lidade e necessidade, sendo inclusive atribuído caráter patológico ou
distorcido aos que não o seguem e apoiam.
Observo que os produtos consumidos aparentam aparecer
de forma mágica nas prateleiras dos supermercados, nas vitrines das
lojas, nos expositores de açougues e no nosso prato de comida. Eles
passam a existir desconexos de um passado no qual animais e seres
humanos foram explorados para a obtenção de um produto barato e
de qualidade inferior, o que me remete ao que Marx chamou de feti-
chismo da mercadoria. O trabalhador explorado acaba por tornar-se
alienado pelo fruto do seu trabalho.
Em acordo com essas falas, Schmitz et al (2008) discursam sobre
o papel do professor como facilitador, o qual deve utilizar de diversas
ferramentas de ensino a favor da contestação. Para tanto, é necessário
incorporá-la ao seu fazer pedagógico e construir transversalmente as
ações dos alunos tanto dentro quanto fora da sala de aula.
Para Trindade (2014), certo número de docentes busca, de
alguma forma, enfrentar o tabu que representa a ideologia carnista,
como é o exemplo de Leon Denis, pioneiro no ensino e educação
para o veganismo em escolas públicas, que considera ser o trabalho
político-pedagógico crítico-ideológico formal em torno do veganis-
mo a única forma de combate ao especismo na escola. Para tanto,
é possível a utilização de obras cinematográficas, como sugestão os
filmes Matrix (1999) e A Ilha (2005) que desestabilizam o paradigma
antropocêntrico vigente através de reformulações como da Alegoria
da Caverna de Platão.

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DISCUTINDO O ENSINO DE CIÊNCIAS DA NATUREZA A
PARTIR DA FORMAÇÃO DE PROFESSORES, INCLUSÃO E HISTÓRIA DA CIÊNCIA

Em contrapartida, a maior parte dos professores esquiva-se


de tratar da questão animal, em parte porque se encontra no amplo
grupo que promove a exploração, o que abarcaria uma autocrítica no
ambiente público escolar. Uma problematização recorrente, ao expor
os alunos a esse viés, é dada por discentes e docentes a respeito da
educação vegana ser uma questão ética ou de gosto pessoal. Para Leon
Denis, a decisão do professor em examinar questões éticas na relação
entre espécies é nada mais que o pleno exercício e cumprimento de
seus deveres cívicos e profissionais, não o inserindo no contexto de
neutralidade pedagógica, já que reconhece o paradigma especista
(TRINDADE, 2014).
Alguns estudos, tanto teóricos quanto empíricos, já se ocupam
de entender como pode se dar ou tem se dado a articulação entre a
questão animal e processos educacionais. Para Castellano e Sorrentino
(2014), por exemplo, esse tema pode ser relacionado transversalmente
com a ética e o meio ambiente, dependentes do exercício criativo dos
educadores para que se rompa em parte com a discriminação e o ideal de
justiça restrito e excludente, construídos e legitimados pelas ciências e
filosofia hegemônicas. Esse processo depende da reflexão da sociedade
como um todo, o que envolve processos educativos nas escolas e para
além de seus muros, logo em associação a demais movimentos sociais
e nas agendas políticas em todos os níveis, questionando o status quo e
reivindicando o direito à vida digna para todos os seres.
Por sua vez, Rodrigues e Laburu (2014) falam da importância
de tratar as relações entre humanos e animais pela Educação Ambien-
tal, em aulas de Biologia e por meio da interdisciplinaridade. Dessa
forma, é possível romper com o pensamento utilitarista e instrumen-
tal na busca de ampliar as noções de democracia, cidadania, justiça
social e ambiental através de relações de respeito a todas as formas
de vida: “a provocação para um novo pensar, antes não considerado,
desestabiliza e favorece a mudança já que interfere nas subjetividades
humanas.” (RODRIGUES; LABURU, 2014, p. 172).
Ainda pelo o viés da Educação Ambiental, prossigo com a po-
sição de Correia (2013) que sugere que a desinformação da população
resulta em ganhos que se concentram apenas na indústria. Isso porque
se trata de um duplo massacre, uma vez que envolve aqueles que

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DISCUTINDO O ENSINO DE CIÊNCIAS DA NATUREZA A
PARTIR DA FORMAÇÃO DE PROFESSORES, INCLUSÃO E HISTÓRIA DA CIÊNCIA

sofrem e morrem para alimentar os que adoecem pelo seu consumo.


A premissa considerada pela autora é a de inserir o conceito de dig-
nidade não como um bem definido pelo preço-custo-lucro do animal
não-humano em relação ao animal humano, mas como um direito
inerente a ele. Sua manifestação se materializa nas seguintes palavras:

Este ensinamento se caracteriza como uma reeducação am-


biental, que se faz necessária em face das características do
animal humano, entre as quais a da grande capacidade em
ter, em dominar, em manipular, em construir e destruir ou
até mesmo em extinguir a si próprio, a sua espécie, outras
espécies ou todo o planeta, motivado pelo consumismo,
individualismo e egoísmo redundando até em uma falta
de sentido existencial ao animal humano. (CORREIA,
2013, p. 3)

Em uma tentativa de reforçar valores universais, o ser humano


precisa rever conceitos que reforçam a indiscriminação ao relacionar
tudo e todos. Falhando em seu encargo de transformar valores, a Edu-
cação Ambiental, calcada em temas clássicos, não vem construindo um
ideário contra-hegemônico. Essa cultura não-ambiental e, consequen-
temente tradicional é marcadamente caracterizada pelo antropocen-
trismo (BRÜGGER, 2009).
Um exemplo prático é o estudo realizado por Menezes et al
(2017) que articularam as ciências naturais às humanidades. Em sua
pesquisa empírica os autores utilizaram em aulas na educação básica
diferentes temáticas relacionadas à cultura e à ciência em geral, sendo
seu objetivo associá-las à sociedade, à arte e aos contextos históri-
co-culturais, como é o caso do uso de recursos naturais, exploração
da natureza, vegetarianismo e veganismo. Para isso, privilegiando o
lúdico e as interações sociais, utilizaram canções e videoclipes de rock
ricos em discussões e contestações sobre assuntos diversos.
Em minhas experiências como professora licenciada em Quí-
mica também foi vivenciada a possibilidade de incluir o veganismo
interdisciplinarmente em sala de aula, por exemplo, através do viés
da indústria de laticínios que se constitui um tema farto e amplo nesse
sentido. Algumas possibilidades são o estudo de substâncias químicas
adicionadas ilicitamente ao produto final como forma de adulteração

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DISCUTINDO O ENSINO DE CIÊNCIAS DA NATUREZA A
PARTIR DA FORMAÇÃO DE PROFESSORES, INCLUSÃO E HISTÓRIA DA CIÊNCIA

e sua detecção; o pH de alimentos de origem animal, vegetal e as mo-


dificações que a ingestão resulta no pH do organismo humano, como a
absorção prejudicada de cálcio no caso de acidez elevada; os processos
de Ultra High Temperature (UHT), pasteurização e as modificações quí-
micas do produto; impactos ambientais diretamente envolvidos com a
indústria leiteira, dentre outros.
Por meio de uma ótica semelhante foi analisada a apresentação
dos animais não-humanos em 16 cadernos de professores e alunos da
educação básica da rede estadual paulista referentes à disciplina de
Ciências da Natureza e suas Tecnologias no período 2014-2017. Nessa
pesquisa, Oliveira (2015) encontrou conteúdos influenciados pela cultu-
ra antropocêntrica tanto de forma explícita quanto implícita, reforçando
as visões utilitaristas, estereotipadas e depreciativas dos animais. No
material escolar, nos contextos em que são apresentados alimentos cár-
neos, não há espaço para que o aluno faça a associação produto-animal
ou para que se discuta acerca do utilitarismo e seus desdobramentos.
Além disso, fora a temática alimentar, o material analisado se
absteve de discutir proposições relevantes aos animais, como seria o
caso da menção ao bem-estar animal ou bioética passíveis de contextu-
alização em meio à disciplina. O material ainda os rotula como “bené-
ficos” ou “maléficos” ao ser humano, silenciando seu valor intrínseco
em detrimento à sua utilidade para a humanidade. O homem se torna
um ser à parte da natureza, um não-animal (OLIVEIRA, 2015).
A partir das reflexões e estudos apresentados, considero que o
papel da escola no contexto das articulações entre processos educacio-
nais deve ser reconhecer, valorizar, respeitar e complementar as diver-
sas culturas familiares e comunitárias, garantindo às crianças o direito
de conhecer-se e reconhecer-se nos debates escolares. É interessante
notar que neste tópico complementam-se o reforço às práticas culturais
dos grupos e a descentralização da cultura dominante, incentivando-a
ao exercício de sua liberdade.
Por último, cabe dizer que existem linhas tênues entre os ideais
veganos, os bem-estaristas e os relacionados ao status quo carnista.
Considerando que a informação, na era em que vivemos, encontra-se
disponível para grande parte da população brasileira, deveria, então,
ser improrrogável a atitude de facilitar a interação da sociedade com

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DISCUTINDO O ENSINO DE CIÊNCIAS DA NATUREZA A
PARTIR DA FORMAÇÃO DE PROFESSORES, INCLUSÃO E HISTÓRIA DA CIÊNCIA

esse conhecimento para que, uma vez ciente, tenha plena condição de
decidir quais serão suas atitudes futuras.

Referências Bibliográficas

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Lisboa: Presença/Martins Fontes, 1970.
BRÜGGER, P. Nós e os outros animais: especismo, veganismo e educação ambiental. Linhas
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CARVALHO, R. G. G. Cultura global e contextos locais: a escola como instituição possuidora de
cultura própria. Revista Iberoamericana de Educação, Madeira, v. 29, n. 2, p. 1-9, 2006.
CASTELLANO, M.; SORRENTINO, M. Como ampliar o diálogo sobre abolicionismo animal?
contribuições pelos caminhos da educação e das políticas públicas. Revista Brasileira de Direito
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article/view/9143/6590>. Acesso em: 18 maio 2020.
CERVATO-MANCUSO, A. M. et al. O papel da alimentação escolar na formação dos hábitos
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COELHO, M. O adoecer animal e as emoções humanas. Anais do Simpósio multidisciplinar
sobre relações harmônicas entre seres humanos e animais, Uberlândia, 2016. Disponível em:
<http://www.eventos.ufu.br/sites/eventos.ufu.br/files/documentos/anais_i_simhhani-
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DESSEN, M. A.; POLONIA, A. C. A Família e a escola como contextos de desenvolvimento
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JOY, M. Por que amamos cachorros, comemos porcos e vestimos vacas:  uma introdução ao
carnismo: o sistema de crenças que nos faz comer alguns animais e outros não. Tradução: Mário
Molina. São Paulo: Cultrix, 2014.
MENEZES, V. M. et al. Rise Against, Rock verde e projeto de divulgação científica na escola: abor-
dando a temática ambiental e o veganismo através do videoclipe e da “Tragédia dos Comuns”.
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NACONECY, C. M. Ética & animais: um guia de argumentação filosófica. Porto Alegre: Edi-
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RODRIGUES, A. R. F.; LABURU, C. E. A Educação Ambiental no ensino de Biologia e um olhar
sobre as formas de relação entre seres humanos e animais. Revista Brasileira de Pesquisa em
Educação em Ciências, v. 14, n. 2, p. 171-184, 2014.

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DISCUTINDO O ENSINO DE CIÊNCIAS DA NATUREZA A
PARTIR DA FORMAÇÃO DE PROFESSORES, INCLUSÃO E HISTÓRIA DA CIÊNCIA

SCHMITZ, B. A. S. et al. A escola promovendo hábitos alimentares saudáveis: uma proposta


metodológica de capacitação para educadores e donos de cantina escolar. Caderno de Saúde
Pública, Rio de Janeiro, v. 24, p. 312-322, 2008.
SOUZA, É. R. Marcadores sociais da diferença e infância: relações de poder no contexto escolar.
Cadernos Pagu, v. 26, p. 169-199, 2006.
TRINDADE, G. G. Educação vegana: tópicos de direitos animais no ensino médio (Resenha).
Revista Sul-americana de Filosofia e Educação, v. 21, p. 185-192, 2014.

36
Questionários e experiência piloto:
uma investigação em ensino de ciências

Karine Gabrielle Fernandes5

O presente capítulo trata de trazer alguns dos procedimentos


adotados durante a criação, aperfeiçoamento e distribuição de um
questionário como ferramenta para a coleta de dados. Para tanto, me
baseio em parte dos caminhos metodológicos de uma pesquisa de
doutorado em andamento na área de Educação Química pela Univer-
sidade Federal de Juiz de Fora, cujo objetivo específico foi realizar um
levantamento em busca de compreender como professores enxergam
a contextualização e a interdisciplinaridade, o que inclui vertentes da
questão animal6 em suas disciplinas. Em suma, este texto apresentará
os caminhos percorridos durante esse momento de pesquisa.
A natureza desta investigação se caracteriza, majoritariamente,
como qualitativa. Segundo Oliveira (2016), tal vertente envolve um
processo de análise e reflexão de dada realidade através da utilização
de métodos e técnicas para a compreensão detalhada do que é estudado
segundo sua estruturação. Nesse sentido, é necessário realizar o estu-
do a partir da literatura do tema, podendo incorrer em observações,
utilização de questionários e entrevistas, cujas análises dos dados são
apresentadas de forma descritiva.
Já Leite (2008, p. 94) afirma que

Para muitos autores a divisão entre pesquisa qualitativa


e quantitativa é apenas teórica, porque na prática toda a
pesquisa usa os dois tipos de métodos sempre, em toda e
qualquer pesquisa. Os métodos qualitativos são auxilia-
res dos quantitativos e vice-versa.

5  Universidade Federal de Juiz de Fora. Departamento de Química. karinegfe@gmail.com


6  Considerar questão animal como a discussão e reconhecimento de animais não-humanos
como seres de uma vida e semoventes de direitos, princípio seguido por filosofias de vida como
o veganismo (FERNANDES, 2019).

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DISCUTINDO O ENSINO DE CIÊNCIAS DA NATUREZA A
PARTIR DA FORMAÇÃO DE PROFESSORES, INCLUSÃO E HISTÓRIA DA CIÊNCIA

O autor se refere ao que chama de fenômeno da alternância


dos processos, sendo a tendência a utilizar os dois estilos de proce-
dimentos cíclica. A forma de definir sua característica predominante,
então, se baseia na análise de “se a pesquisa volta-se mais para o uso
de métodos quantitativos, ela é quantitativa, e se ela volta-se para os
qualitativos, é qualitativa.” (LEITE, 2008, p. 95).
O nível de estudo feito aqui é definido como exploratório.
Segundo Gil (2019), a principal finalidade das pesquisas exploratórias
é desenvolver, esclarecer e modificar conceitos e ideias. Costumeira-
mente, é um tipo de pesquisa que envolve técnicas qualitativas, cujo
desenvolvimento objetiva proporcionar uma visão ampla de determi-
nado fato, provavelmente pouco explorado.

Caminhos Percorridos

Com o tema central da pesquisa - aspectos alimentares e am-


bientais em cursos superiores de Química pelo viés da questão animal
- delimitado e após a definição do objetivo específico deste momento
foi necessário estabelecer as etapas a percorrer e o público-alvo. Para
tanto, os critérios de inclusão abarcaram professores dos cursos de Li-
cenciatura em Química presenciais em Instituições de Ensino Superior
públicas de Minas Gerais.
Realizada a busca, o número de Instituições encontrado foi
de 16, sendo 23 cursos divididos entre os campi e os turnos integral
e noturno. Estas foram: Instituto Federal do Norte de Minas Gerais
(IFNMG) campus Salinas; Instituto Federal do Sudeste de Minas Gerais
(IFSudesteMG) campus Barbacena; Instituto Federal do Sul de Minas
Gerais (IFSULDEMINAS) campus Pouso Alegre; Instituto Federal do
Triângulo Mineiro (IFTM) campus Uberaba; Universidade Estadual
de Minas Gerais (UEMG) campi Divinópolis, Ituiutaba e Ubá; Univer-
sidade Federal de Alfenas (UNIFAL) campus Alfenas; Universidade
Federal de Itajubá (UNIFEI) campus Itajubá; Universidade Federal
de Juiz de Fora (UFJF) campus Juiz de Fora; Universidade Federal de
Lavras (UFLA) campus Lavras; Universidade Federal de Minas Gerais
(UFMG) campus Belo Horizonte; Universidade Federal de Ouro Preto
(UFOP) campus Ouro Preto; Universidade Federal de São João del-Rei

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DISCUTINDO O ENSINO DE CIÊNCIAS DA NATUREZA A
PARTIR DA FORMAÇÃO DE PROFESSORES, INCLUSÃO E HISTÓRIA DA CIÊNCIA

(UFSJ) campus São João del-Rei; Universidade Federal de Uberlândia


(UFU) campi Uberlândia e Ituiutaba; Universidade Federal de Viçosa
(UFV) campi Viçosa e Florestal; Universidade Federal do Triângulo
Mineiro (UFTM) campi Iturama e Uberaba; e Universidade Federal
dos Vales de Jequitinhona e Mucuri (UFVJM) campus Diamantina.
A partir dessa informação reuni as matrizes curriculares de
cada curso, buscando disciplinas de caráter obrigatório que, em seus
nomes, tivessem palavras que remetessem à saúde, alimentos, meio
ambiente e bioquímica. Os termos escolhidos se deveram, principal-
mente, à relação com as questões ligadas aos animais e contempladas
na presente pesquisa. Os resultados variaram pouco entre si, sendo
as disciplinas mais comuns entre os cursos Bioquímica (12) e Química
Ambiental (12), podendo haver variações como Educação Ambiental e
Introdução à Bioquímica.
Após esta seleção realizei uma breve análise da ementa de cada
disciplina sucintamente composta pelos tópicos que, obrigatoriamen-
te, compõem a carga horária daquela cadeira. A partir de suas leituras,
todas as 54 disciplinas inicialmente encontradas foram selecionadas
para a realização da próxima etapa.

Questionário Piloto

Com as características do público delimitadas, pude também


definir e criar os instrumentos de coleta de dados. Resultado da minha
escolha por ser mais compatível com as características desta fase da
pesquisa, a investigação por meio de questionários é composta por

[...] um conjunto de questões que são submetidas a


pessoas com o propósito de obter informações sobre
conhecimentos, crenças, sentimentos, valores, interesses,
expectativas, aspirações, temores, comportamento pre-
sente ou passado etc. (GIL, 2019, p. 121)

São, majoritariamente, propostos por escrito, sendo designados


como autoaplicados. Comparado à entrevista, o questionário possibi-
lita alcançar um número maior de pessoas e de localidades diferentes,
estando menos expostas à influência das opiniões pessoais do entre-

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DISCUTINDO O ENSINO DE CIÊNCIAS DA NATUREZA A
PARTIR DA FORMAÇÃO DE PROFESSORES, INCLUSÃO E HISTÓRIA DA CIÊNCIA

vistador. Ademais, os participantes podem respondê-lo no momento


que julgarem conveniente. Dentre suas limitações, impede o auxílio do
informante no caso de não compreender as instruções, não garante o
devido preenchimento e proporciona resultados subjetivos, uma vez
que os itens podem ter significados diferentes para cada leitor (GIL,
2019). Sua elaboração, assim, requer uma série de cuidados, como será
visto adiante.
É importante lembrar que todos os métodos, questionários
e Termos de Compromisso Livres e Esclarecidos foram aprovados,
previamente à ocorrência de todo o trabalho de campo pelo Comitê
de Ética em Pesquisa com Seres Humanos. Além disso, visando o
anonimato dos participantes em todas as fases, foi-lhes dada a opção
de escolher um pseudônimo pelo qual foram e serão dirigidos em
publicações referentes à pesquisa. Dessa forma, nos momentos em que
foi necessário transcrever trechos das respostas, fiz o uso desta via.
Durante a formulação dos questionários, utilizei como base as
sugestões de Gil (2019) e Bell (2008), cujo processo de criação ocorreu
à luz do objetivo proposto, fazendo emergir possíveis perguntas que
possibilitassem atingir essa meta. Segundo Bell (2008, p. 119), “Você
precisará de várias tentativas para chegar a uma redação sem ambi-
guidades, que alcance o grau de precisão necessário para garantir que
os informantes entendam exatamente o que você está perguntando”.
Demandas de forma envolveram me certificar de que a lin-
guagem estava isenta de jargão, a decisão de quais tipos de pergunta
seriam utilizados, ficar atenta à suposições, buscar apenas informações
essenciais ao estudo ao evitar perguntas desnecessárias e procurar an-
tecipar o que esses questionamentos podem significar para diferentes
informantes. Por exemplo, por diversas vezes me deparei com questio-
nários acerca do consumo de derivados animais que não previram a
possibilidade da participação de um vegano.
Questionamentos que mencionassem o veganismo de forma
direta, por se tratar de uma questão delicada, mereceram cuidado
extra no que trata da formulação e posicionamento. Isso, porque os
participantes podem nunca ter refletido sobre esse aspecto, bem como
é um assunto que frequentemente divide opiniões (GIL, 2019). A esse

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DISCUTINDO O ENSINO DE CIÊNCIAS DA NATUREZA A
PARTIR DA FORMAÇÃO DE PROFESSORES, INCLUSÃO E HISTÓRIA DA CIÊNCIA

respeito, preferi deixar as perguntas que envolvessem a temática mais


ao final do questionário, começando com aquelas diretas e fáceis de
se responder, pouco a pouco passando para tópicos mais complexos
(BELL, 2008, p. 126).
Nesse mesmo sentido, foi preciso cuidado ao solicitar informa-
ções possivelmente desconhecidas pelos participantes, pois por mais
que me pareça razoável, se acabar sendo necessário ao sujeito realizar
uma pesquisa para obter uma resposta, o questionário pode ser colo-
cado de lado e até esquecido. Outro fator comum e que merece cautela
é a presença de perguntas em duplicidade, ou seja, duas perguntas
em apenas uma questão podem acarretar perguntas incompletas e
incertas, devendo ser divididas.
Dada a minha proximidade com a temática estudada precisei
dar maior atenção a esses fatores, já que a presunção do pesquisador,
além de levar à indução, pode não ser verdadeira para o participante da
pesquisa, invalidando a pergunta. Um exemplo trazido por Bell (2008)
e adaptado por mim para melhor ilustrar uma pergunta presuntiva
poderia ser A universidade oferece um serviço adequado de aconselhamento?
Primeiramente, seria necessário especificar quais sujeitos compreendem
o universo dessa pergunta, ou seja, adequado para quem? Alunos? Pro-
fessores? Técnicos? Em seguida, se o tipo de serviço não for especificado,
o adjetivo não fará sentido, uma vez que seu significado é demasiado
abrangente. Como terceiro e último aspecto, a autora ainda traz que há
presunção de que o serviço é necessário, o que acaba por invalidá-la.
Após formulação levando em consideração os aspectos citados
acima, o questionário destinado aos professores foi submetido como
piloto, proporcionando investigar a presença de fidedignidade, va-
lidade, operabilidade e precisão dos dados a fim de evitar questões
descontextualizadas, ambíguas e que pudessem levar à fuga do tema.
Segundo Bell (2008) é necessário que todos os instrumentos de coleta
de dados sejam pilotos para que seja possível estimar previamente
quanto tempo é necessário para completá-lo, para verificar a clareza
das perguntas e se sua apresentação oferecerá dificuldades. Em outras
palavras, aparam-se as arestas dos instrumentos para que os informan-
tes do estudo principal tenham uma experiência livre de entraves.

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DISCUTINDO O ENSINO DE CIÊNCIAS DA NATUREZA A
PARTIR DA FORMAÇÃO DE PROFESSORES, INCLUSÃO E HISTÓRIA DA CIÊNCIA

Em condições ideais, esse tipo de experiência deve ser sub-


metido a um grupo similar àquele que irá constituir a população de
estudo. Pensando nisso, contei com a participação de 3 professores do
Departamento de Química da UFJF, sendo um responsável pela disci-
plina optativa de Química e Tecnologia de Alimentos, outro responsável
pela disciplina de Química do Meio Ambiente ofertada na modalidade à
distância e o terceiro, professor substituto, responsável pela disciplina
Química e Saúde no período destinado a esta fase da pesquisa.
Dessa forma, tomei o cuidado de selecionar docentes que esti-
vessem ativamente relacionados às disciplinas naquele momento, bem
como para que nenhum dos sujeitos do piloto chegasse a participar
também de uma etapa posterior. É interessante informar que, embora
não seja de interesse deste texto, outro questionário que compõe a tese
não foi submetido à experiência piloto, uma vez que o quesito da simi-
laridade dos sujeitos não seria cumprido devido às perguntas estarem
ligadas a intervenções.
O questionário piloto foi disponibilizado online através da
ferramenta Google Forms e enviado por e-mail, sendo incluídas 7 per-
guntas destinadas a compreender a experiência dos participantes ao
responder as questões formuladas (APÊNDICE A). Para sua elabora-
ção também tomei como base as sugestões feitas por Bell (2008) para
esse tipo de ocasião e que após alterações pontuais foram capazes de
permitir um novo exame antes da distribuição principal.
Após tratamento das respostas, observando primeiramente as
perguntas destinadas a compreender a experiência piloto, os períodos
de tempo dedicados por cada um dos participantes variaram signifi-
cativamente. Assim, não foi possível fornecer uma estimativa para os
candidatos do próximo questionário. Para investigações futuras e caso
seja interessante aos objetivos, vejo como uma possível solução a esse
impasse o aumento da amostra, ou seja, realizar o convite para mais
sujeitos para que o número de respostas seja grande o suficiente para
extrair uma média mais representativa.
O Participante, pseudônimo pelo qual um dos professores
indicou preferência, sugeriu ampliar as discussões sobre os direitos
animais, a nutrição e o manejo envolvendo tanto animais quanto hu-
manos. Já o Professor 1 informou ter tido dificuldades no entendimento

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DISCUTINDO O ENSINO DE CIÊNCIAS DA NATUREZA A
PARTIR DA FORMAÇÃO DE PROFESSORES, INCLUSÃO E HISTÓRIA DA CIÊNCIA

de um dos enunciados. Ademais, afirmou crer que, pela complexidade


do tema, o número de questões apresentadas não foi contemplativo.
Dentre as observações dos participantes se destacou também a
do professor Rodrigo. Segundo ele, a opinião dos professores quanto à
possibilidade ou não da inserção dos direitos animais contextualmente
a suas disciplinas pode estar atrelada tanto ao lado pessoal quanto
profissional. Por exemplo, uma pessoa vegana seria mais propensa a
trazer o conteúdo para a sala de aula devido à sua filosofia, não unica-
mente ao possível benefício no quesito da aprendizagem. Assim, uma
forma de buscar compreender essa relação, caso exista, seria incluir
uma pergunta a respeito do estilo de vida e da alimentação do docente.
A respeito das respostas comuns a ambos os questionários foi
possível notar detalhes que resultaram em pequenas alterações. Ainda
assim, de forma geral, as respostas foram satisfatórias no sentido de
sugerir o entendimento, por parte dos professores, da minha intenção
por trás do que foi perguntado. Como resultado e após novo aceite
pelo Comitê de Ética em Pesquisa Humana, para fins de conhecimento
e como uma forma de agradecer pelas contribuições, enviei a eles as
modificações feitas.
O questionário final contou com 14 questões estruturadas, 2 a
mais que o inicial, relacionadas à 4 blocos temáticos: (i) dados pessoais,
(ii) formação, (iii) exercício profissional e (iv) prática docente. Os três
primeiros blocos formados por 8 questões discursivas e de múltipla-
-escolha intencionaram definir brevemente o perfil dos profissionais.
Já as demais questões buscaram se aprofundar nas concepções dos
professores a respeito de suas efetivas posturas quanto à interdisci-
plinaridade aplicada a suas práticas, bem como suas opiniões quanto
a inserção da temática animal como forma de tornar a abordagem de
conteúdos químicos mais abrangente e contextualizada.

Coleta de Dados

A próxima etapa consistiu na busca dos endereços de e-mail


de cada professor a fim de realizar o envio de uma breve apresentação
da pesquisa e o convite de participação. Para tanto, entrei em contato
também via e-mail com as coordenações ou secretarias dos cursos de

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DISCUTINDO O ENSINO DE CIÊNCIAS DA NATUREZA A
PARTIR DA FORMAÇÃO DE PROFESSORES, INCLUSÃO E HISTÓRIA DA CIÊNCIA

Licenciatura em Química e, em certos casos, Ciências Biológicas. Uma


vez que pode haver rotatividade de docentes nas disciplinas, precisei
verificar quem iria ministrar a disciplina selecionada naquele semestre
- ou foi o responsável pelo semestre anterior, visto que tais cadeiras
podem ser ofertadas anualmente, bem como se é o mesmo professor
para cursos integrais e noturnos.
A falta de respostas, entretanto, foi alta, sendo preciso utilizar
de outros meios, como por ligações telefônicas e através das redes
sociais de alunos, ex-alunos e professores que pudessem me auxiliar.
Ao final obtive o contato de 39 docentes, estes responsáveis por 34 dis-
ciplinas - uma vez que uma única cadeira poderia ter até 3 professores
responsáveis - e atuantes em 16 dos 21 campi procurados. A mensagem
enviada também fornecia o link do Google Forms para o questionário
final (APÊNDICE B) e o Termo de Compromisso Livre e Esclarecido.
É conveniente colocar que considerei importante trazer no
corpo do e-mail a data de devolução das respostas. As experiências de
Bell (2008) demonstram que a ausência ou um prazo demasiadamente
longo facilitam que não se dê prioridade à pesquisa, muitas vezes
significando que ela não será respondida. Portanto, minha opção cor-
respondeu a 2 semanas. Outro fator relacionado ao envio diz respeito à
devolução. Em geral, a quantidade de respostas diminui com o passar
dos dias, sendo que nem todas serão enviadas. Portanto, elaborei outro
e-mail enviado uma semana após a data original como um esforço para
encorajar mais retornos.
À medida que os participantes foram enviando suas respostas,
retornei a cada um deles com uma mensagem de agradecimento pelo
tempo e ajuda. No que diz respeito aos e-mails, o mesmo procedimento
foi tomado com os professores da experiência-piloto, sendo apenas o
primeiro contato parcialmente diferente. Ao total, o questionário es-
teve disponível para receber respostas por cerca de dois meses, sendo
que apenas um professor respondeu com um dia de atraso.
Ainda que o locus da pesquisa como um todo seja a Uni-
versidade Federal de Juiz de Fora, a realização deste levantamento
é interessante para a construção de um panorama, mesmo que não
haja maiores aprofundamentos, em busca de verificar como esses

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PARTIR DA FORMAÇÃO DE PROFESSORES, INCLUSÃO E HISTÓRIA DA CIÊNCIA

professores enxergam o ensino de Química de acordo com os en-


tendimentos propostos na tese. Dos 39 questionários enviados, 23
foram respondidos, sendo os dados colhidos submetidos à Análise
de Conteúdo descrita por Bardin (2016), procedimento cuja discussão
cabe a um momento futuro.

Algumas Considerações

Este capítulo trouxe, de maneira sucinta, os caminhos percor-


ridos durante a criação, aperfeiçoamento e distribuição de um ques-
tionário que se encontra como parte de uma dentre as metodologias
utilizadas em uma tese de doutorado. Assim e de forma prática, foco
no que considero os aspectos mais importantes trazidos pela literatura
para perfazer esta pesquisa, o que deve auxiliar, em especial, o pesqui-
sador iniciante.
Como apontado por Bell (2008), utilizar o instrumento de
coleta de dados como piloto foi imprescindível para seu aperfeiçoa-
mento, uma vez que apontou para a incompreensão de determinados
enunciados e para a necessidade de melhor explorar a questão ani-
mal. Todas as sugestões, bem como detalhes sutis observados foram
levados em consideração.
Aspectos como questionamentos que trouxessem suposições,
perguntas desnecessárias e presuntivas não foram apontados pelos
professores participantes da experiência piloto, o que traz bons indí-
cios quanto aos cuidados tomados durante a criação do instrumento.
Ademais, em uma experiência futura, caso seja viável, acredito ser
interessante convidar mais informantes para este momento.
Uma vez que esta é uma pesquisa majoritariamente qualitativa,
bem como a análise propriamente dita se baseia nestes tipos de dados,
o número de respostas foi satisfatório, trazendo consigo informações
significativas e que atendessem aos objetivos propostos.

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Referências Bibliográficas

BARDIN, L. Análise de conteúdo. Tradução: Luís Antero Reto e Augusto Pinheiro. São Paulo:
Edições 70, 2016. 279 p.
BELL, J. Projeto de pesquisa: guia para pesquisadores iniciantes em educação, saúde e ciências
sociais. Tradução: Magda França Lopes. 4. ed. Porto Alegre: Artmed, 2008. 224 p.
FERNANDES, K. G. Diálogos a partir do Veganismo: a questão animal e sua abordagem em
documentos oficiais para a educação infantil. Dissertação, Universidade Federal de Juiz de Fora,
Juiz de Fora, 2019.
GIL, A. C. Métodos e técnicas de pesquisa social. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2019.
LEITE, F. T. Metodologia científica: métodos e técnicas de pesquisa: monografias, dissertações,
teses e livros. Aparecida: Ideias & Letras, 2008.
OLIVEIRA, M. M. de. Como Fazer Pesquisa Qualitativa. 7. ed. Petrópolis: Vozes, 2016.

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Apêndice A – questionário piloto

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Apêndice B – modificações feitas ao questionário

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Visões de alunos de uma escola
Montessori sobre a química e suas relações
com as ciências e a sociedade

Fernanda Luiza de Faria1

A Pedagogia Montessori foi criada por Maria Montessori


(1870-1952) em 1907 quando essa educadora começou a dar aulas para
crianças em uma moradia instituída em um bairro pobre no centro da
cidade de Roma. No Brasil, segundo o site da Organização Montessori
do Brasil (OMB), estão registradas 40 escolas Montessori: 2 na região
Norte, 11 no Nordeste, 15 no Sudeste, 3 no Centro-oeste e 9 na região
Sul. O movimento Montessori tem cada vez mais se difundido ao
longo de todo o Brasil e se tornado mais sólido, sendo conhecido e
admirado por um grande público em geral e nas mídias sociais.
A Pedagogia Montessori busca um equilíbrio entre corpo,
inteligência e vontade, tendo como um de seus preceitos, a educação
da vontade e da atenção, proporcionando aos alunos liberdade para
escolher seus materiais e o local onde desejam estudar com eles no
espaço escolar (FERRARI, 2008).
Montessori (1996) ressalta para a importância de os conheci-
mentos estarem relacionadas entre si e pondera que “ensinar detalhes
é trazer confusão, estabelecer relações entre as coisas é trazer conheci-
mento” (p. 58, tradução nossa). Mais especificamente sobre a aborda-
gem dos saberes químicos, Montessori discorre sobre a importância
de discutir a química com as crianças. Como pondera a autora, não se
trata de apresentar grandes teorias nem a ciência exata da Química,
isso virá posteriormente. Montessori ressalva para a importância de
a criança ter uma impressão, uma ideia que desperte o interesse de
forma que quando continuar os estudos e se deparar com essa ciência
ela seja capaz de estudá-la e compreendê-la mais rapidamente, pois, se
esse interesse não for despertado, pode se tornar uma ciência obscura

1  Universidade Federal de Santa Catarina.

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para o aluno. Montessori (1996) sugere que, ao discutir a Química


com a criança, seja abordada essa ciência como a que estuda novas
substâncias que se criam.
Ao longo da obra From Childhood to adolescence (MONTES-
SORI, 1996) é possível notar a importância que Montessori dá em
relacionar os conhecimentos químicos com a natureza e a sociedade.
Para ela, um ensino de química que favoreça o visual, o sensorial e a
imaginação, motiva o aluno e desperta o seu interesse para essa ciência.
No contexto brasileiro, normalmente a Química é lecionada
no ensino fundamental apenas no nono ano juntamente com a Física,
sendo que um semestre é destinado para cada uma dessas áreas de
conhecimento e estas trabalhadas de forma separada sem estabelecer
relações entre si. Temos uma antecipação dos conteúdos do ensino
médio sendo lecionados no nono ano (LIMA; SILVA, 2007).
Assim como outros pesquisadores (MARTINS et al., 2003;
LIMA; SILVA, 2007) defendemos que a Química deveria ser abordada
no ensino fundamental a partir de uma visão integradora das ciências
da natureza, sendo a disciplina de Ciências trabalhada ao longo de
todo o ensino fundamental, trazendo em anos anteriores e não só no
último ano o viés da química para sua abordagem. Nesta perspecti-
va, a Química poderia ter mais sentido para quem a estuda, além da
aprendizagem de seus conhecimentos possibilitarem uma visão mais
crítica e ampla das ciências da natureza.
A escola Montessori é uma instituição que propaga uma peda-
gogia de ensino diferenciada e que tem em seus preceitos a busca por
um ensino mais contextualizado e integrador defendido pela precursora
Maria Montessori. Diante disso, o objetivo desta pesquisa foi investigar
como os alunos do ensino fundamental de uma escola Montessori perce-
bem a Química e suas relações com as Ciências e a sociedade.

Caminho metodológico

O ambiente da pesquisa foi a Escola Meimei, uma instituição


privada que atende do Ensino Infantil ao Ensino Médio e está loca-
lizada em Vila Isabel na cidade do Rio de Janeiro. Esta instituição se
baseia na Pedagogia Montessori. A escola está filiada à Organização
Montessori do Brasil (OMB).

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DISCUTINDO O ENSINO DE CIÊNCIAS DA NATUREZA A
PARTIR DA FORMAÇÃO DE PROFESSORES, INCLUSÃO E HISTÓRIA DA CIÊNCIA

Para atender aos objetivos da pesquisa optou-se por entrevistar


alunos do nono ano do Ensino Fundamental, período em que os con-
teúdos da Química são lecionados no Ensino Fundamental na Escola
Meimei. Porém, devido a necessidade de autorização dos responsáveis
para a participação dos alunos na pesquisa, apenas sete se envolveram.
Assim, optou-se por entrevistar também alunos do primeiro ano do
Ensino Médio, visto que esses ainda estavam no começo do ano letivo
e a maior parte das suas percepções de Química se referia ao contexto
vivenciado no nono ano do Ensino Fundamental.
A seleção dos alunos foi feita de forma voluntaria. Os alunos
participantes possuem entre 13 e 15 anos e são em sua maioria de classe
média alta. Dos oito alunos entrevistados, seis são do nono ano e esta-
vam iniciando os saberes da Química há cerca de dois meses, visto que a
investigação na Escola Meimei ocorreu em março. Dando continuidade
aos sujeitos, dois alunos eram do primeiro ano na Escola Meimei.
Dos alunos entrevistados, apenas um vivenciou todo o Ensino
Fundamental na Escola Meimei. Ele está há 11 anos na instituição e
cursa o nono ano. O restante dos alunos entrevistados estão aproxima-
damente há três anos na escola Meimei.
Como instrumento de pesquisa foi utilizado a entrevista semies-
truturada. As entrevistas foram gravadas em áudio e depois transcritas
e analisadas. A análise dos dados foi realizada através da Análise de
Conteúdo (BARDIN, 2011). Para discussão dos dados foram construídas
categorias a posteriori a partir das respostas dos alunos. Nas análises dos
resultados, em diferentes momentos, identificamos os alunos utilizando
nomes fictícios: Miguel, que está há 11 anos na instituição, Samuel, Caio,
Paula, Joana, Mariana, todos cursavam o nono ano, e Flávia e Poliana,
que estavam cursando o primeiro ano do Ensino Médio.

Achados da Pesquisa

A discussão dos resultados está organizada a partir das ca-


tegorias formadas. São elas: (1) Visão sobre ciências; (2) Visão sobre
química; (3) Relação da química com outras ciências; (4) Relação da
química com a vivência do aluno e a sociedade. Em algumas delas
foram construídas subcategorias para melhor discussão.

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DISCUTINDO O ENSINO DE CIÊNCIAS DA NATUREZA A
PARTIR DA FORMAÇÃO DE PROFESSORES, INCLUSÃO E HISTÓRIA DA CIÊNCIA

(1) Visão sobre ciências


No roteiro da entrevista apresentamos duas questões que per-
mitiram compreender um pouco sobre a visão que os alunos possuem
acerca das ciências. Cabe ressaltar que não tivemos a intenção de apro-
fundar essa visão em termos dos estudos sobre natureza da ciência,
mas, sim, uma percepção mais geral sobre as concepções prévias dos
alunos acerca desses conhecimentos. Diante disso, questionamos ao
aluno: “Você gosta de Ciências? Quando você pensa em Ciências o que
lhe vem à cabeça?”.
Dos oito alunos que participaram da entrevista, apenas dois
não deram respostas semelhantes para as duas questões sobre a visão
de ciências. Um deles não soube responder à segunda questão. Das
respostas emergiram as categorias mostradas na Tabela 1. Como
conhecimentos citados na categoria ‘Ciências associada a conteúdo e
disciplinas’ temos: estudo do corpo humano, dos seres vivos, dos sis-
temas solares, referentes à disciplina foi citado, a Química, a Biologia,
a Física e a Matemática. Dentro desta categoria ainda chama a atenção
a fala de Miguel, que destaca que:

Desde a agrupada IV, terceiro e quarto ano, a gente sem-


pre viu conceitos de química, de biologia, de física, só que
lá, naquele momento, a gente não sabe disso. Eu lembro
de uma coisa que aconteceu na minha aula, quando fala-
ram disso para a gente, só depois que eu me toquei que
tudo que eu tinha visto era conceitos disso.

Tabela 1 - Categorias emergentes nas falas dos alunos Montessori a respeito da sua
visão sobre química
Categoria Frequência

Ciências associada à prática experimental 1

Ciências associada ao conteúdo e disciplinas 5

Ciências associada à natureza 4


Fonte: Dados do autor

Miguel destaca que os saberes da Química, Física e Biologia


são trabalhados numa perspectiva mais integrada em anos anteriores,
só que sem saberem disso. Quando questionamos uma funcionária

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DISCUTINDO O ENSINO DE CIÊNCIAS DA NATUREZA A
PARTIR DA FORMAÇÃO DE PROFESSORES, INCLUSÃO E HISTÓRIA DA CIÊNCIA

da escola, responsável pela organização da mesma, ela nos informou


que a Química eles viam no nono ano e que alguns aspectos muito
pontuais eram trabalhados nas agrupadas, o que não caracterizava um
ensino de Química propriamente dito.

(2) Visão sobre química


Na questão três do roteiro questionamos aos alunos sobre o
que vinha à cabeça quando pensavam em Química. As respostas se
assemelharam às subcategorias estabelecidas na categoria anterior
Visão sobre Ciências, essas subcategorias estão detalhadas na tabela 2.

Tabela 2 - Categorias emergentes nas falas dos alunos Montessori a respeito da sua
visão sobre química
Categoria Frequência

Química associada à prática experimental 1

Química associada ao conteúdo 5

Química associada à mídia 2


Fonte: Dados do autor.

Como conteúdo químico foram citados: moléculas, substân-


cias químicas, estados físicos da matéria, tabela periódica, misturas
homogêneas e heterogêneas e métodos de separação de misturas. A
respeito da última categoria da tabela, os dois alunos deram respostas
semelhantes se referindo à substância química metanfetamina utiliza-
da numa série de televisão.
Ao longo da entrevista foi possível notar nas falas dos alunos
visões errôneas das ciências e, mais especificamente ainda, da química,
próximas ao senso comum. Esse é um aspecto evidenciado entre os
alunos do Ensino Fundamental e Médio de forma geral nas escolas.
Muitas dessas percepções vêm de situações que ocorrem em desenhos
animados, séries de televisão ou da própria forma em que o conheci-
mento científico é abordado em sala de aula (KOSMINSKY; GIORDAN,
2002). Sabendo que esse processo de mudança da visão sobre ciência e
cientista é algo complexo que não se pode constituir em algumas aulas
é preciso que desde a abordagem inicial do conhecimento científico

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DISCUTINDO O ENSINO DE CIÊNCIAS DA NATUREZA A
PARTIR DA FORMAÇÃO DE PROFESSORES, INCLUSÃO E HISTÓRIA DA CIÊNCIA

seja feito, junto aos alunos, discussões que auxiliem na compreensão


da Ciência como uma construção humana. Assim, torna-se necessário
que discussões acerca das relações entre Ciência, Tecnologia e Socieda-
de (CTS) com envolvimento de questões éticas, culturais, econômicas,
políticas e a abordagem da Filosofia e História da Ciência se façam
presentes no espaço escolar.

(3) Relação da Química com outros saberes


No roteiro de entrevista questionamos os alunos: “Os conhe-
cimentos de química estão relacionados com outros saberes que você
aprendeu?” E ainda pedimos que o aluno desse pelo menos um exem-
plo dessa relação. Dos oito alunos, apenas um disse não ver relação da
química com outras disciplinas. As respostas dos alunos tiveram mais
de uma disciplina citada e pode ser conferida na tabela a seguir.

Tabela 3 - Lista de disciplinas que possuem relação com os conhecimentos químicos


na percepção dos alunos Montessori.
Disciplina Ciências Física Matemática Biologia Português

N° de alunos 5 3 2 2 1
Fonte: Dados do autor.

Dos sete alunos que veem relação da Química com outras


disciplinas, quatro conseguiram exemplificar. Paula vê relação entre
Ciências e Química e dá como exemplo a água:

Então eu acho que está tudo ligado sabe. Química princi-


palmente com ciências. Porque a substância, por exemplo
a água, está presente no ecossistema.

Caio vê relação entre Física e Química e dá como exemplo


a centrifugação. Já Mariana aponta como exemplo da relação entre
Ciências e Química, os estados físicos da matéria. Por último, temos
a fala de Flávia que citou mais de uma disciplina, trazendo exemplos
oportunos para essa relação:

A parte de matemática, que tem que usar para fazer


algumas contas, até um pouco de ciências, porque tipo a
base das ciências é o átomo e tal, a gente até aprende isso

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DISCUTINDO O ENSINO DE CIÊNCIAS DA NATUREZA A
PARTIR DA FORMAÇÃO DE PROFESSORES, INCLUSÃO E HISTÓRIA DA CIÊNCIA

quando vai ver o corpo humano, quando vai ver do que


nós somos formados e acho que só. E português, claro,
para tudo né, para entender. Ah tipo respirar. Quando a
gente respira é tipo uma coisa da ciência, relacionado a
biologia, e também os gases né, da química. Ai a gente vê
essas duas coisas. Também na água né que a gente bebe
né, a fórmula da água, bastante coisa.

A fala de Flávia é bem interessante e mostra que esta aluna con-


segue estabelecer relações da Química com outras disciplinas. De uma
maneira geral, a maioria dos alunos da Escola Meimei não conseguiu
ver relação da química com outras Ciências ao ponto de dar exemplos
mais completos. Somente a Flávia e a Paula demonstraram ver a quí-
mica numa abordagem mais ampla, relacionada a diferentes saberes.

(4) Relação da química com a vivência do aluno e a sociedade


Nesta categoria duas questões do roteiro de entrevista foram
consideradas para a análise dos resultados: No nosso mundo (socie-
dade) onde você percebe a presença da química?; Em sua opinião, em
que aspectos os conhecimentos químicos são úteis para a sua vida?
Dos oito alunos entrevistados, todos afirmaram que veem a
presença da Química na sociedade. Como contextos em que pode se
perceber a presença dessa ciência, os alunos destacaram: na culinária,
no petróleo, na fabricação de materiais para produzir matérias-primas,
no aquário, nas árvores, na fotossíntese, no laboratório, nos alimentos,
nos produtos de limpeza. Houve ainda algumas falas que remetiam à
presença da Química em tudo e que merecem destaque. Segue o trecho
das alunas:

Em tudo. Se você for parar para pensar, tem a água, tem o


ferro, tem todos os materiais que a gente vê no nosso dia a
dia, pode sim, tem tudo a ver com química, a maioria. En-
tão, é isso. Se você for parar para pensar, o vidro também
vai ter uma reação química, que vai ter as substâncias
químicas. Então tudo tem a ver com química. Pode ter até
alguma coisa que não tenha a ver com a química, mas vai
ser muito pouco. (Paula)

Ah na água, todo mundo bebe água, todo mundo respira.


Para limpar a sua casa você usa a química como produtos

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DISCUTINDO O ENSINO DE CIÊNCIAS DA NATUREZA A
PARTIR DA FORMAÇÃO DE PROFESSORES, INCLUSÃO E HISTÓRIA DA CIÊNCIA

de limpeza, cloro e tal. Em muitos lugares. Tipo tudo tem


química, química é a vida, a origem da vida. Tipo célula,
molécula, tem em qualquer lugar. É tudo entendeu? (Flávia)

Estas duas alunas foram as mesmas que conseguiram estabe-


lecer relações da química com outras disciplinas trazendo exemplos
ricos dessa relação. Paula e Flávia conseguem mostrar em sua fala que
de fato reconhecem a química em tudo ao seu redor. Essas são respos-
tas muito significativas e bem detalhadas, principalmente pelo fato de
Paula estar no início do nono ano e Flávia ter terminado recentemente
o Ensino Fundamental, iniciando o primeiro ano.
Ainda dentro desta categoria questionamos os alunos sobre a
utilidade da Química para a vida deles. Todos os entrevistados reco-
nhecem que a Química é útil, e dos oito entrevistados, sete se justifica-
ram. Todavia, três dos alunos veem essa utilidade associada apenas às
carreiras acadêmicas relacionadas diretamente com essa ciência. Outro
aluno tem uma visão semelhante atribuindo a utilidade da Química
para a formação escolar desse sujeito. Tivemos, ainda, três alunos que
reconhecem que a Química se torna útil para entendermos situações
do nosso cotidiano.

Algumas considerações

A partir dos resultados notamos que os alunos da escola Mon-


tessori investigada apresentam uma percepção de Química e de Ciência
ainda próxima do senso comum, atrelando essa visão, principalmente,
ao conteúdo científico. O ensino da Química, quando abordado de
forma mais contextualizada, estabelecendo relações CTS e trabalhando
a natureza do conhecimento científico a partir da História e Filosofia
da Ciência poderia contribuir mais significativamente para a visão dos
alunos acerca das ciências.
Os alunos da escola Montessori reconhecem a presença da
Química na sociedade e sua utilidade, bem como apontaram que
essa ciência estabelece relações com outras áreas do conhecimento,
todavia a maioria dos alunos não conseguiram apontar exemplos que
justificassem suas respostas. As respostas de duas alunas, entretanto,
chamaram a atenção por estarem bem fundamentadas.

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DISCUTINDO O ENSINO DE CIÊNCIAS DA NATUREZA A
PARTIR DA FORMAÇÃO DE PROFESSORES, INCLUSÃO E HISTÓRIA DA CIÊNCIA

Este trabalho é uma parte de uma tese que buscou investigar o


ensino de química estabelecido no ensino fundamental de diferentes
pedagogias de ensino, sendo a Montessori uma delas. Assim, em outros
trabalhos retratamos de maneira mais sistemática e criteriosa o funcio-
namento e organização dessa escola e, principalmente, o contexto da
sala de aula. Destacamos, por fim, a importância de mais trabalhos que
busquem investigar propostas de escolas que trazem uma pedagogia
de ensino diferente das escolas tradicionais.

Referências Bibliográficas

BARDIN, L. Análise de conteúdo. São Paulo: Edições 70, 2011.


FERRARI, M. Maria Montessori: a médica que valorizou o aluno. In: Revista Nova Escola. 2008.
Disponível em: <http://revistaescola.abril.com.br/historia/pratica-pedagogica/ medica-valori-
zou-aluno-423141.shtml>. Acessado em: junho de 2020.
KOSMINSKY, L.; GIORDAN, M. Visões de Ciências e sobre o Cientista entre estudantes do
Ensino Médio. Química Nova na Escola, v. 15, 2002.
LIMA, M.C.; SILVA, N.S. A Química no Ensino Fundamental: uma proposta em ação. In: ZA-
NON, L.B.; MALDANER, O.A. (Org.). Fundamentos e Propostas de Química para a Educação
Básica no Brasil. Ijuí: UNIJUÍ, 2007, p. 89-107.
MARTINS, C. C. et al. Por um currículo de Ciências para as necessidades de nosso tempo. Pre-
sença Pedagógica, n. 51, v.9, 2003. 
MONTESSORI, M. From childhood to adolescence. New York: Schoken Books, 1996.
MONTESSORI, M. Para educar o potencial humano. Tradução: Miriam Santini. São Paulo:
Editora Papirus, 2003.

58
Química dos super-heróis:
a utilização de uma unidade de ensino
potencialmente significativa com séries de
TV no ensino de radioatividade

Beatriz Gatti de Castro1


Lúcia Maria de Assis2
Raiane Dandara Pereira Pimentel3

A Química, mesmo sendo considerada uma disciplina impor-


tante para a formação profissional e pessoal do aluno, demorou a ser
devidamente reconhecida nos currículos brasileiros e, ainda hoje, é
tratada como uma disciplina difícil e desinteressante. Isso, porque o
ensino ainda é feito de maneira tradicional, descontextualizada e não
interdisciplinar, favorecendo a memorização de conteúdos (ROCHA;
VASCONCELOS, 2016). Para modificar essa ideia entende-se que a
motivação para a disciplina de Química pode ser estimulada por uma
metodologia ativa e um material didático que sejam potencialmente
significativos, possibilitando a interação entre o conhecimento prévio
do aluno e a nova informação dada pelo professor.
Com base nessa ideia defende-se, aqui, uma metodologia que
leve ao alcance da aprendizagem significativa, (AUSUBEL, 1978) a
qual ocorre quando um novo conhecimento se fixa de forma substan-
tiva (não literal) e não arbitrária à estrutura cognitiva do aluno que lhe
atribui um novo significado. A substantividade diz que o que é incor-
porado à estrutura cognitiva não são as palavras usadas para definição
do conteúdo, mostrando que não há exclusividade de determinados
signos para a definição dos assuntos (MOREIRA, 2011a). Já a não
arbitrariedade diz que o conhecimento novo não irá se relacionar com
qualquer aspecto na estrutura cognitiva, mas com um conhecimento

1  Universidade Federal de Juiz de Fora, departamento de Química, gatti_beatriz@id.uff.br.


2  Universidade Federal Fluminense, departamento Multidisciplinar, luciaassis@id.uff.br.
3  Mestre em Química, Universidade Federal do Rio de Janeiro, raiane.dpp@gmail.com.

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DISCUTINDO O ENSINO DE CIÊNCIAS DA NATUREZA A
PARTIR DA FORMAÇÃO DE PROFESSORES, INCLUSÃO E HISTÓRIA DA CIÊNCIA

específico - o subsunçor - que servirá como âncora entre os conheci-


mentos prévios e os novos. Caso não existam subsunçores, devem ser
utilizados organizadores prévios, ou seja, materiais introdutórios que
servirão como ponte entre o que o aluno já sabe e o conteúdo que irá
aprender (AUSUBEL,1968 apud MOREIRA, 2016).
Para que este tipo de aprendizagem ocorra são necessárias duas
condições: a utilização de um material potencialmente significativo e a
predisposição do aluno para aprender. A condição para que o material
seja potencialmente significativo envolve a natureza do material em si,
o qual deve ser logicamente significativo, não arbitrário e não aleató-
rio, e a natureza da estrutura cognitiva do aluno, na qual devem estar
contidos os subsunçores que irão se relacionar com o novo material
(MOREIRA, 2016). Já a segunda condição é um pouco mais complexa,
uma vez que envolve a vontade do aluno: não basta ter um material
potencialmente significativo se não houver a vontade de aprender do
aluno – e vice-versa. Para que a aprendizagem significativa ocorra,
ambas as condições devem caminhar juntas.
Ao reconhecer a importância do ensino de Ciências na for-
mação pessoal e profissional do aluno, evidencia-se a necessidade de
melhorar e adaptar as sequências didáticas utilizadas em sala de aula.
Seguindo essa ideia, propõem-se as Unidades de Ensino Potencialmen-
te Significativas (UEPS) como sequências didáticas baseadas na teoria
da aprendizagem significativa de Ausubel (MOREIRA, 2011b). Para
sua aplicação, utilizam-se 08 passos, cabendo ao professor segui-los
e/ou adaptá-los, de acordo com o contexto escolar. Esses passos são:

1. Definir o tópico a ser estudado;


2. Criar situações para que os alunos possam “acessar” os
conhecimentos prévios;
3. Propor situações problemas como organizadores prévios;
4. Apresentar o conhecimento, partindo de conceitos gerais
até os específicos;
5. Retomar os aspectos gerais de forma mais complexa;
6. Retomar os conteúdos relevantes propondo novas situações
problemas;
7. Realizar uma avaliação somativa individual;
8. Procurar evidências de aprendizagem significativa.

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DISCUTINDO O ENSINO DE CIÊNCIAS DA NATUREZA A
PARTIR DA FORMAÇÃO DE PROFESSORES, INCLUSÃO E HISTÓRIA DA CIÊNCIA

É importante também pensar sobre a avaliação, parte funda-


mental da aprendizagem e voltada para a captação de significados,
predominantemente, de maneira formativa e/ou recursiva (MOREI-
RA; TOIGO, 2012). Um método de verificação que siga essas ideias
foi proposto por Gowin e denominado de diagrama Vê Gowin. Esse
instrumento de avaliação tem como objetivo auxiliar no entendimento
do processo de ensino-aprendizagem, reconhecendo a relação entre
os conhecimentos prévios dos alunos e os novos (MOREIRA; TOIGO,
2012). Como o próprio nome sugere, sua construção é feita no formato
da letra vê.
No lado esquerdo do diagrama, está o lado de pensar (ou o
domínio teórico-conceitual) onde se encontram conceitos, princípios e
leis que englobam o processo de construção do conhecimento. Em seu
vértice, localizam-se os eventos que aconteceram (espontaneamente ou
não) com o intuito de registrar e, posteriormente, estudar os fenômenos
envolvidos. No lado direito do Vê, encontra-se o lado do fazer, no qual
são registrados os eventos e como a questão-foco foi desenvolvida e
resolvida (MOREIRA, 2007). No centro, encontram-se as questões-foco
que identificam o fenômeno de interesse e organizam o pensamento,
mostrando o que foi estudado (MOREIRA, 2007).
Ao analisar o cenário educacional, percebe-se que nas escolas
as aulas são centradas no professor - quem controla todo processo de
ensino-aprendizagem - que, na maioria das vezes, não se preocupa
em saber se o aluno está aprendendo de forma efetiva ou não. Sendo
assim, a utilização de ferramentas didáticas que possam auxiliar no
alcance da aprendizagem significativa torna-se de suma importância.
Diante disso, este trabalho investiga como o uso de séries de
televisão como recursos audiovisuais em UEPS contribui para uma
aprendizagem significativa no ensino de Química. Para isso, foram
utilizadas as séries DC’s Legends of Tomorrow e Flash como recursos
didáticos, contando com avaliações formativas e somativas, de forma
individual, utilizando perguntas como exercícios em sala de aula e a
elaboração de um diagrama Vê Gowin.

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DISCUTINDO O ENSINO DE CIÊNCIAS DA NATUREZA A
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Percursos Metodológicos

A unidade de ensino descrita é pertinente ao conteúdo de Radioa-


tividade e foi aplicada em uma turma de primeiro ano do Ensino Médio,
composta por 22 alunos. Sua duração foi de dois encontros de 2h/aula
cada, totalizando 4h/aula (cada hora/aula equivalente a 50 minutos).

Primeiro encontro

A primeira etapa da aula teve início com a reprodução do trailer


da primeira temporada da série DC’s Legends of Tomorrow, sendo os
alunos questionados em seguida a respeito do que viram e como pode-
riam relacionar com o conteúdo de Química. O foco era o personagem
Nuclear e, para apresentar sua história, foi reproduzido um pequeno
recorte do quarto episódio da segunda temporada da série Flash (A
fúria da tempestade de fogo). Ao fazer uma breve relação do persona-
gem com o tema Radioatividade algumas questões foram levantadas:

1. O que é Radioatividade?;
2. Por que somente o professor Stein não era suficiente para a
formação do Nuclear?;
3. O que poderia ter ocorrido se não houvesse a nova forma-
ção do personagem?;
4. Como você pode relacionar o conteúdo de Química com o
que acabou de assistir?.

Em seguida o conteúdo foi abordado em slides trazendo a histó-


ria da Radioatividade, todas as modificações que os modelos atômicos
sofreram até chegar ao modelo mais atual, as experiências de Wilhen
Conrad Roentgen (1845-1923), a descoberta do raio x, a emissão de
radiação pelo sal de minério de urânio descoberta por Antoine Henri
Becquerel (1852-1908) e a história de Marie Skłodowska Curie (1867-
1934) e Pierre Curie (1859-1906). Logo após apresentar a linha histórica
do tema, o fenômeno Radioatividade foi definido, sendo também ex-
plicados os tipos de emissão (alfa, beta e gama) e suas principais ca-
racterísticas, dando atenção especial para a variação de massa, número

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atômico e nêutrons de cada tipo, abordando por último os elementos


radioativos e séries (ou famílias) radioativas.
Para finalizar este encontro, um novo recorte do episódio 4 da
2ª temporada da série Flash (A fúria da tempestade de fogo) foi repro-
duzido e, a partir disso, as questões abordadas no início da primeira
aula foram retomadas.

Segundo encontro

Para dar início à aula foi realizada uma breve revisão do conte-
údo seguida de uma discussão a respeito da radioatividade, onde ela
está presente no dia a dia e se o fenômeno pode ser considerado bom
ou ruim. A partir de então, outros dois temas foram abordados com um
nível maior de complexidade: fissão e fusão nuclear; seguido do tempo
de meia vida (ou período de semidesintegração) e dois exercícios para
aplicação do tema.
Posteriormente, as características mais importantes do conte-
údo foram retomadas através da reprodução de quatro recortes da
série DC’s Legends of Tomorrow. Dois recortes retirados do episódio
4 da primeira temporada (Do Pentágono à URSS) e os outros dois
do episódio 5 da mesma temporada (Era para ser infalível). Como
forma de avaliar a presença de aprendizagem significativa, os alunos
responderam, de forma escrita, algumas questões sobre os recortes
dos episódios que assistiram:

1. Por que o professor Stein precisava encontrar o núcleo e


desligá-lo?;
2. Quando encontrou o núcleo, o que o professor fez?;
3. Quais processos nucleares são representados nos últimos
vídeos?;
4. O que houve com Valentina quando se separou de Stein?;
5. Agora quando se fala em Radioatividade o que vem em sua
mente?.

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Em seguida, para finalizar a atividade, cada aluno construiu


um diagrama em Vê Gowin com ajuda da pesquisadora adaptando-o
de acordo com a necessidade da turma, como mostrado abaixo. O
oitavo e último passo da UEPS procura evidências de aprendizagem
significativa para considerar a UEPS exitosa e, para isso, as questões
respondidas pelos alunos e o diagrama foram corrigidos e avaliados.

Resultados

Primeiro encontro

No dia referente ao primeiro encontro compareceram, ao todo,


20 alunos (90,90% da turma). No gráfico 1 abaixo encontram-se as
definições mais utilizadas pelos alunos como resposta para a primeira
questão da atividade. É possível observar que a maioria dos alunos
definiu a radioatividade como um fenômeno envolvendo emissão de
energia e/ou partículas.

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Gráfico 1. Análise das respostas dos alunos referentes à primeira questão.


Fonte: Das autoras.

Ao analisar as respostas para a questão 1, 45% dos alunos defi-


niram radioatividade como emissão de partículas e/ou energia, sendo
justamente essa explicação abordada em sala de aula. Outros termos
que também apareceram foram “espalhamento e divisão de partícu-
las” (15%), podendo essa ideia ter sido formada devido às emissões
alfa, beta e gama, o que leva a crer que tal assunto foi relacionado de
maneira não literal e não arbitrária à estrutura cognitiva. Outros alunos
(15%) relacionaram a radioatividade com a instabilidade de partículas,
núcleo ou energia, sendo esses três termos citados durante a exibição
dos recortes da série de televisão, podendo afirmar que o material
utilizado é potencialmente significativo. Alguns discentes (10%) de-
finiram o fenômeno de acordo com o último conteúdo abordado em
aula - série/família radioativa. Por fim, outros (15%) utilizaram o ter-
mo “núcleo negativo” para definir o fenômeno e, por isso, acredita-se
que atribuíram o personagem a um núcleo e sua instabilidade a algo
negativo, como os elétrons.
No gráfico 2 abaixo encontram-se as palavras mais utilizadas
pelos alunos como resposta para a segunda questão da atividade. É

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possível observar que a justificativa mais utilizada pelos participantes


da pesquisa dizia que o professor Stein não aguentaria toda energia
sozinho para compor o Nuclear.

Gráfico 2. Análise das respostas dos alunos referentes à segunda questão.


Fonte: Das autoras.

Percebe-se que as respostas dadas foram complementares, uma


vez que os alunos conseguiram associar a instabilidade do professor
Stein com o fato de não aguentar toda sua energia e não ser radioativo
o bastante para isso. Este resultado demonstra que os alunos conse-
guiram associar o conteúdo de maneira não literal, utilizando suas
próprias concepções e ideias.
A questão 3 abordava o que poderia ter acontecido com o pro-
fessor Martin Stein caso não houvesse a nova formação do Nuclear e,
como esperado, todos os alunos utilizaram na resposta termos como:
explosão, morte, liberação de radiação e instabilidade. Vale ressaltar
que um aluno específico respondeu que o professor não aguentaria
toda radiação e morreria gerando uma emissão gama. Durante a expli-
cação desse tipo de emissão foi citado que ela poderia ser exemplificada
pelo Stein, uma vez que, caso não conseguisse outro parceiro, teria que
emitir radiação gama para se tornar estável - assim como um núcleo.

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A figura 1 mostra uma nuvem de palavras contendo os termos


que mais se repetiram na questão 4, a qual se referia aos conteúdos de
Química que os alunos conseguiram relacionar com os dois recortes
dos episódios apresentados.

Figura 1 - Palavras referentes aos conteúdos de Química citadas pelos alunos


Fonte: Elaborado pelas autoras a partir da plataforma WordClounds1.

Como se pode observar, o termo ‘radioatividade’ foi o que


apareceu com mais frequência. Acredita-se que os termos ‘transfor-
mações’ e ‘ligação’ foram relacionados com a cena em que Jackson e
Stein se fundem ocasionando a formação do Nuclear. O termo ‘fusão’
foi citado durante o episódio, mas como não era de conhecimento dos
alunos, os mesmos voltaram a associar o termo compartilhamento de
elétrons ao processo.
Com isso, pode-se concluir que as duas condições para ocorrên-
cia da aprendizagem significativa foram alcançadas e esta, se associou
de forma não literal e não arbitrária à estrutura cognitiva dos alunos,
uma vez que não ficaram presos somente a um termo e a uma ideia
para definir a radioatividade. Através da utilização da série de TV
como organizador prévio foi possível entender os conceitos subsunço-
1  Disponível em: <https://www.wordclouds.com/>. Acesso em 01/11/2019.

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res trazidos pelos alunos. Posteriormente, o uso desse mesmo recurso


como um material potencialmente significativo possibilitou a relação
entre os conhecimentos prévios e os novos. Sendo assim, pode-se dizer
que houve indícios de aprendizagem significativa, uma vez que os dis-
centes conseguiram relacionar o conteúdo químico com o que haviam
acabado de assistir nos recortes da série de televisão, utilizando suas
próprias concepções e ideias.

Segundo encontro

No dia referente ao segundo encontro compareceram, ao todo,


10 alunos, sendo que dentre esses, todos estiveram presentes no pri-
meiro encontro. Ao analisar as respostas para a pergunta de número
1 que questionava por que o professor Stein precisava encontrar o
núcleo e desligá-lo, 100% dos alunos afirmaram que o personagem
queria impedir que outros nucleares fossem criados pela cientista.
Já na segunda questão - que abordava o que o Stein fez quando
encontrou o núcleo - a resposta também foi unânime: o professor
absorveu toda a energia quando o encontrou. Quando questionados
sobre os processos nucleares que foram representados nos vídeos,
todos os alunos afirmaram se tratarem dos processos de fusão e fissão
nuclear. Na questão número quatro 60% dos alunos disseram que
ocorreu uma explosão. No entanto, 40% dos alunos disseram que
a cientista Valentina explodiu quando se separou de Stein porque
ficou altamente instável - termo este abordado no encontro anterior.
Com isso, enxergam-se indícios de aprendizagem significativa, uma
vez que “o novo conceito se agregou ao conhecimento já existente,
ampliando-o e modificando-o tanto em termos qualitativos quanto
em quantitativos” (BRAATHEN, 2012, p. 66).
Na última questão os alunos tiveram que escrever conceitos,
ideias e/ou teorias que conseguiram relacionar ao conteúdo de Radio-
atividade após os dois encontros. A figura 2 apresenta uma nuvem de
palavras com os termos mais citados pelos alunos.

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PARTIR DA FORMAÇÃO DE PROFESSORES, INCLUSÃO E HISTÓRIA DA CIÊNCIA

Figura 2 - Palavras referentes ao conteúdo de Radioatividade mais citadas pelos alunos


Fonte: Elaborado pelas autoras a partir da plataforma WordClounds2.

Como se pode observar, as palavras ‘partículas’, ‘energia’ e


‘emissão’ foram as que apareceram com maior frequência. Isso eviden-
cia mudanças nas concepções dos alunos quanto ao tema, visto que
remetem agora o assunto radioatividade não somente a coisas boas e/
ou ruins, mas a conteúdos científicos. O tema, ao ser tratado de forma
crítica, social e contextualizada, possibilitou que a turma se posicionas-
se também sobre a aplicação da radioatividade no dia a dia, mas sem
deixar de relacioná-la a conteúdos científicos da disciplina de Química.
(VIANA, 2008).
Por fim, a última atividade envolveu a elaboração de um dia-
grama Vê Gowin adaptado, como já mostrado anteriormente. Quando
foram questionados a respeito do problema abordado ao longo das
aulas, os discentes afirmaram se tratar da radioatividade. A respeito
das hipóteses, disseram envolver o estudo do personagem Nuclear.
Acerca dos conceitos, os discentes foram instruídos a definir todos
os conceitos abordados durante a aula, então disseram: história da
radioatividade, tempo de meia vida, tipos de radiação (alfa, beta e
gama), fissão e fusão nuclear. Com isso, o domínio teórico-conceitual
foi preenchido.

2  Disponível em: <https://www.wordclouds.com/>. Acesso em novembro de 2019.

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Nos materiais e procedimentos utilizados a turma citou séries


de televisão Flash e Lendas do Amanhã (título traduzido), vídeos, ex-
plicação da professora e slides. No tópico dos resultados alguns alunos
foram sucintos na resposta dizendo somente “entendimento sobre o
tema”. No entanto, outra parcela dos estudantes conseguiu relacionar
o problema com as hipóteses, os conceitos, os materiais e procedimen-
tos, o que evidencia a eficácia da atividade, uma vez que “mostra os
elementos epistemológicos envolvidos na construção e descrição de
novos conhecimentos” (MOREIRA, 2006, p.88). No último tópico os
discentes deveriam apresentar conclusões sobre o problema e suas
opiniões a respeito das aulas e da aplicação da UEPS. Através da aná-
lise das respostas apresentadas pode-se dizer que os alunos formaram
suas próprias concepções a respeito do tema, afirmando que a radio-
atividade possui pontos negativos e positivos. Além disso, todos os
participantes da pesquisa citaram o personagem Nuclear como parte
fundamental para compreensão do tema.
Os alunos conseguiram não somente assimilar o conteúdo
científico com o que foi exibido nos episódios, mas desenvolveram
uma visão crítica a respeito do tema, formando opiniões e concepções
pessoais. Pode-se dizer também que houve indícios de aprendizagem
significativa, visto que os alunos conseguiram criar uma rede de
conhecimentos na qual os conceitos encontram-se interligados, carac-
terizando esse tipo de aprendizagem (BRAATHEN, 2012). Além disso,
através do material potencialmente significativo (séries de TV), foi
possível motivar os estudantes, alcançando assim as duas condições
para a aprendizagem significativa.

Conclusão

Para que a aprendizagem significativa ocorra duas condições


são necessárias: utilização de um material potencialmente significativo
e a vontade de aprender do aluno. A última condição requer que os
alunos sejam ativos no processo de aprendizagem, mas por não esta-
rem familiarizados com metodologias que possibilitem isso, acabam
resistindo à nova proposta. Sendo assim, a motivação é fator crucial
para adequação da abordagem pedagógica. Essa motivação não deve

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PARTIR DA FORMAÇÃO DE PROFESSORES, INCLUSÃO E HISTÓRIA DA CIÊNCIA

estar relacionada somente aos alunos, mas também aos professores


para que pesquisem e repensem suas práticas pedagógicas. Logo, o
professor deve motivar os alunos a avançarem, pensarem, aprenderem
e participarem da própria aprendizagem. Para isso, metodologias com
tendência ao ensino baseado na memorização devem ser evitadas.
Ao empregar uma metodologia ativa neste trabalho foi possível
reconhecer conhecimentos prévios específicos trazidos pelos alunos,
o que intensificou os resultados positivos do projeto, uma vez que
conseguiram atribuir novo significado ao conteúdo, estabelecendo
também uma visão crítica. Além disso, os estudantes mostraram-se
contentes com a experiência de aprender por meio de uma atividade
antes considerada apenas entretenimento. A utilização de séries de
TV como recursos didáticos audiovisuais teve o intuito de despertar o
interesse dos alunos para o tema, mas acima de tudo sua vontade de
aprender. Sendo assim, além de servir como um material potencial-
mente significativo, este recurso audiovisual contribuiu também para
a predisposição do aluno em aprender alcançando as duas condições
para a ocorrência da aprendizagem significativa.
Em suma, a utilização de séries de TV como recursos didáti-
cos em unidades de ensino potencialmente significativas possui um
potencial muito grande em relação à ocorrência da aprendizagem
significativa. Embora esses recursos sejam materiais poucos abordados
no ensino são de extrema relevância, principalmente porque podem
ajudar o professor a elaborar materiais potencialmente significativos
e organizadores prévios para que os alunos alcancem os subsunçores
necessários para a aplicação da UEPS. Sendo assim, estes dois recursos
contribuem de forma eficiente para a aprendizagem significativa.

Referências Bibliográficas

AUSUBEL, D. P. Educational psychology: a cognitive view. 1 ed. New York: Holt Mc Dougal, 1978.
BRAATHEN, P. C. Aprendizagem mecânica e aprendizagem significativa no processo de en-
sino-aprendizagem de Química. Separata de: Revista Eixo. Brasília, Brasil, v. 1, n. 1, pg 63-69,
jan./jun., 2012.
MOREIRA, M. A. Aprendizagem Significativa - da visão clássica à visão crítica. In: I ENCON-
TRO NACIONAL DE APRENDIZAGEM SIGNIFICATIVA, I, 2005, Campo Grande. Anais,
Campo Grande, 2005.

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DISCUTINDO O ENSINO DE CIÊNCIAS DA NATUREZA A
PARTIR DA FORMAÇÃO DE PROFESSORES, INCLUSÃO E HISTÓRIA DA CIÊNCIA

__________. Mapas conceituais e diagramas V. 1 ed, Porto Alegre: Instituto de Física da UFRGS, 2006.
__________. Diagramas V e Aprendizagem Significativa. Revista Chilena de Educación Cientí-
fica, v. 6, n. 2, p. 03-12, s.d., 2007.
__________. Aprendizagem significativa: um conceito subjacente. Aprendizagem Significativa
em Revista, Porto Alegre: Instituto de Física da UFRGS, v. 1, n. 3, p. 25-46, dezembro, 2011a.
__________. Unidades de ensino potencialmente significativas. 1 ed, Porto Alegre: Instituto de
Física da UFRGS, Porto Alegre, 2011b. 
__________. Subsídios Teóricos para o professor pesquisador em Ensino de Ciências: A Teoria
da Aprendizagem Significativa. 2. ed. Porto Alegre: Universidade Federal do Rio Grande do Sul,
2016. 
MOREIRA, M. A.; TOIGO, A. M. Diferenças na construção de Diagramas V em pequenos grupos
e individualmente por alunos de graduação das faculdades de Educação Física e Fisioterapia
na disciplina de Biomecânica. Aprendizagem Significativa em Revista, v. 2, p. 90-98, s.d., 2012.
ROCHA, J. S.; VASCONCELOS, T. C. Dificuldades de aprendizagem no ensino de Química:
algumas reflexões. In: XVIII Encontro Nacional de Ensino de Química, Florianópolis, Anais, 2016.
VIANA, E. S. Breve estudo sobre o ensino da Radioatividade nas escolas públicas estaduais
na cidade de Campos dos Goytacazes/RJ. Trabalho de Conclusão de Curso (Licenciatura em
Química) - Curso de Licenciatura em Química, Instituto Federal Fluminense, Campos dos Goy-
tacazes, 2008.

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O jogo da vida de Marie Curie
sob o olhar da história da ciência

Fernanda Luiza de Faria3


Ingrid Nunes Derossi4
Gabriele Smanhotto Malvessi1
Ana Caroline Ferrari1

Contextualizando as Mulheres na Ciência

As questões que envolvem a mulher têm sido tema de debates


em diferentes áreas, assuntos como a legalização do aborto, estupros,
feminicídio, salários desiguais e principalmente a discriminação da
mulher na sociedade de um modo geral. Neste capítulo iremos abordar
a relação que envolve a mulher e a ciência com foco na química.
Nas poucas vezes que os nomes de cientistas do sexo feminino
são mencionados estão acompanhados apenas das suas realizações na
ciência. Não são abordadas as dificuldades ultrapassadas, isso quando
não estão acompanhados de especulações e maledicências sobre a vida
pessoal da mesma sem apresentar as verdadeiras causas e consequên-
cias de tais fatos.
Em uma pesquisa realizada por Teixeira e Costa (2008), na qual
os autores investigam as impressões de estudantes universitários sobre
a presença de mulheres na ciência, foi solicitado que citassem o nome de
duas mulheres cientistas. Os nomes mais citados foram de Marie Curie
e sua filha Irène Curie. Os nomes Lise Meitner, Leona Woods e Mileva
Einstein foram citados uma vez. De acordo com o site oficial do prêmio
Nobel, desde 1901 até 2019 são 53 mulheres detentoras de tal prêmio
(distribuídos em Física, Química, Medicina ou Psicologia, Literatura,
Paz, Ciências Econômicas), porém, destas, apenas 8 na área de Física e
Química (se contarmos que Marie Curie recebeu duas vezes). A maior

3  Universidade Federal de Santa Catarina.


4  Universidade Federal do Triângulo Mineiro.

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PARTIR DA FORMAÇÃO DE PROFESSORES, INCLUSÃO E HISTÓRIA DA CIÊNCIA

concentração está no prêmio Nobel da Paz com 17 mulheres, seguido


da área de Literatura com 14 e Psicologia ou Medicina com 12 e nas
Ciências Econômicas temos apenas uma mulher laureada em 20095.
A questão da ausência da mulher na história da ciência é abor-
dada por Lopes (2005) que atribui ao fator da “existência de poucas
mulheres - e menos ainda feministas - com treinamento necessário para
escrever com autoridade sobre ciência e com disposição para escrever
sobre gênero e ciência”. Quantos professores e/ou professoras univer-
sitários discutem em suas aulas a discrepância entre os ganhadores de
um prêmio Nobel em ciências? (COSTA, 2006)
Outro aspecto que destacamos é que a apresentação da história
de mulheres cientistas contribui para a aproximação dos estudantes da
pessoa por trás da descoberta, além de desmistificar o caráter mascu-
lino predominante do campo científico que em inúmeros casos é algo
construído socialmente. (FERREIRA, 2003; GILBERT; CALVERT, 2003;
TINDALL; HAMIL, 2004; OSTERMANN; SANTOS, 2007).

Breve biografia de Marie Curie

Marya Salomee Sklodowska (1867-1934) nasceu na Polônia,


mas passou a maior parte de sua vida na França onde se tornou uma
importante cientista e, embora menos divulgada, uma proeminente
educadora. Sua família era tradicionalmente envolvida com a educa-
ção, sua mãe estudou em uma das escolas particulares para mulheres
e seu pai, o Sr. Wladyslaw Sklodowski, foi uma das pessoas mais
influentes em sua trajetória acadêmica contribuindo para a construção
de alguns de seus ideais. (CURIE, 1957)
O senhor Skolodowski se apropriou dos ideais do realismo
político e acreditava que a melhor forma de libertar a Polônia do do-
mínio russo seria através da educação do povo. Nessa época havia
uma aclamação para convencer os poloneses a não trabalharem para o
governo, entretanto, como professor, Wladyslaw tinha consciência de
seu compromisso com a educação e se sujeitou às regras impostas a fim
de não ter que abandonar os jovens e de alguma forma influenciá-los

5  https://www.nobelprize.org/prizes/lists/nobel-prize-awarded-women

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DISCUTINDO O ENSINO DE CIÊNCIAS DA NATUREZA A
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para que futuramente pudessem contribuir para a construção de uma


nova Polônia. (QUINN, 1997)
Diante desse panorama familiar, Marya concluiu o ginásio
em 1883 e em seguida começou a frequentar uma escola de ensino
superior local clandestina, já que a Universidade de Varsóvia ainda
não aceitava mulheres. Nesse ambiente teve contato com as ideias de
Auguste Comte (1798-1857) e o positivismo que, segundo as biografias
de Robert Reid e Susan Quinn em sua versão polonesa, trazia implícito
a igualdade entre os sexos perante a educação e a importância da ra-
zão e da ciência para a sociedade, sem envolver questões religiosas. A
jovem identificou-se com alguns ideais positivistas, como a maneira de
pensar e apropriou-se deles. (REID, 1974; QUINN, 1997)
A caçula dos Sklodowski que já vinha trabalhando com aulas
de reforço para auxiliar o pai com o sustento da família assume agora
o trabalho de governanta em Varsóvia, mas principalmente devido
a uma oferta de melhor remuneração transfere-se para a cidade de
Szczuki, no interior da Polônia, onde trabalha como preceptora6. En-
quanto vivia na casa de seus patrões o Sr. Sklodowski, que era conhe-
cedor de sua enorme capacidade e visava manter viva a “chama” do
incomum interesse da filha em ciências exatas, enviava-lhe problemas
de matemática avançada por correspondência com receio, talvez, de
que a filha por estar muito ocupada, não tivesse tempo para estudar.
(REID, 1974)
Nesta época, além de trabalhar, Marya tinha que continuar
sozinha os seus estudos preparatórios para a Universidade Sorbonne
e em uma carta ao seu irmão Joseph ela lamenta: “Estou aprendendo
química em um livro. Você pode imaginar quão pouco tiro disso, mas que
posso fazer se não tenho lugar para fazer experiências nem trabalho prático?”
Para aprofundar os conhecimentos utilizava alguns livros como: Física
de Daniel – primeiro volume, a Sociologia de Herbert Spencer (1820-
1903) - livro lido em francês -, Lições de anatomia e fisiologia de Paul
Bers - lido em russo. (QUINN, 1997, p. 72 e p. 78)

6  Termo que corresponderia, nos dias atuais, a professora particular, ou mais


apropriadamente educadora, visto que à preceptora caberia ensinar ciências, artes, literatura,
línguas estrangeiras, tanto quanto boas maneiras, valores morais, comportamentos diante
das visitas, entre outras habilidades.

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DISCUTINDO O ENSINO DE CIÊNCIAS DA NATUREZA A
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Durante o seu período como preceptora, no interior de uma


Polônia ainda sob o domínio russo, além de ensinar aos filhos da famí-
lia que a contratou, a jovem Sklodowska, assumia, conscientemente,
o risco de ser presa ou deportada por ensinar a língua e a cultura de
seu país aos filhos de camponeses da região que eram, na maioria,
analfabetos, pois as escolas só tinham permissão para ensinar a língua
e a cultura russa; e os camponeses, logicamente, resistiam em aprender
a língua de um povo que estava lhes fazendo passar por tanto sofri-
mento7. (QUINN, 1997)
Passado esse período e com Bronia, sua irmã, já formada em
medicina8, Marya chega a Paris em 1891. A partir deste momento o seu
nome passa a ser Marie, como convinha em solo francês e, finalmente,
a jovem polaca pôde tornar-se parte de um seleto grupo de vinte e três
mulheres, dentre quase dois mil estudantes matriculados na Escola de
Ciências. Mesmo assim, Marie não se sente diferenciada por ser mu-
lher, debate normalmente com seus colegas e considera-se integrada
àquele meio extremamente masculino9. Em julho de 1893 regozija-se
com o anúncio de que ela havia alcançado o primeiro lugar em ciências
físicas. (CURIE, 1957)

A importância da abordagem da História da Ciência no ensino

É comum entre alunos da educação básica uma visão errônea


da ciência e do ser cientista. Neste sentido, torna-se importante a abor-
dagem da História da Ciência (HC) no ensino, uma vez que o estudan-
te pode compreender que a ciência não está distanciada da influência
da sociedade, bem como pode também influenciá-la, contribuindo de
forma significativa para a compreensão da natureza do conhecimento
científico (BELTRAN; SAITO; TRINDADE, 2014).
Como destaca Matthews (1995), a HC não possui todas as
soluções para a crise que se estabelece em torno do Ensino de Ciências,

7  “Após a derrota de Napoleão em Waterloo, em 1815, e o Congresso de Viena, o Czar


Alexandre II da Rússia, foi nomeado “rei da Polônia” e esse país passou para o controle conjunto
de Rússia, Prússia e Áustria. A língua polonesa foi proibida bem como a literatura e a historia.”
(GOLDSMITH, 2006, p.16).
8  Bronia era uma entre somente três mulheres que concluíram o curso. (QUINN, 1997, p.89)
9  Muito provavelmente influenciada pelos ardentes debates ocorridos à luz dos ensinamentos
de Comte, na Universidade Volante de Varsóvia.

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DISCUTINDO O ENSINO DE CIÊNCIAS DA NATUREZA A
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contudo, pode contribuir para uma mudança significativa nesse qua-


dro, já que pode humanizar a ciência e aproximá-la dos interesses pes-
soais, éticos, culturais e políticos da comunidade; pode tornar as aulas
de ciências mais desafiadoras e reflexivas, permitindo, deste modo, o
desenvolvimento do pensamento crítico; pode contribuir para a supe-
ração do “mar” de falta de significação que se diz ter inundado as salas
de aula de ciências, onde fórmulas e equações são recitadas sem que
muitos cheguem a saber o que significam; pode melhorar a formação
do professor auxiliando no desenvolvimento de uma epistemologia da
ciência mais rica e mais autêntica, ou seja, de uma maior compreensão
da estrutura das ciências, bem como do espaço que ocupa no sistema
intelectual das coisas.
Nota-se que as discussões que valorizam a necessidade de
inserir a HC no Ensino de Ciências para a formação cidadã almejada
pela educação tem crescido (BRASIL, 2002; SANTOS; SCHNETZLER,
2010; SAITO, 2010; BELTRAN; SAITO; TRINDADE, 2014). Porém,
mesmo com o avanço dessas discussões, no Brasil ainda são escassos
os trabalhos que investigam a realização e o efetivo papel da HC
no Ensino das Ciências. O que está associado ao fato de muitas das
abordagens historiográficas da ciência feitas em sala de aula serem
discorridas de forma a privilegiar os resultados ao invés do processo
como um todo em que o conhecimento científico foi produzido, o que
propicia uma visão de ciência pronta, acabada e como uma verdade
absoluta. Ademais, muitas abordagens da HC se reduzem a escrever
biografias de cientistas ou conhecimentos científicos estabelecidos de
forma linear, enfatizando o caráter heurístico dos objetos da ciência
(BELTRAN; SAITO; TRINDADE, 2010; CACHAPUZ; PRAIA; JORGE,
2004, KOSMINSKY; GIORDAN, 2002).
Apesar de ser uma área que está crescendo é preciso ainda
muitas discussões em torno da interface entre a História da Ciência e o
Ensino de Ciências. Para trazer esse debate para a realidade das escolas
e universidades é preciso muitas mudanças, como novas orientações
para a prática e a avaliação, novos materiais didáticos e a inclusão
de cursos adequados sobre HC na formação inicial e continuada de
professores (MATTHEWS, 1995; REIS, 2015).
O presente capítulo traz uma proposta de ensino que visa
abordar a vida de uma cientista que trouxe importantes contribui-

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PARTIR DA FORMAÇÃO DE PROFESSORES, INCLUSÃO E HISTÓRIA DA CIÊNCIA

ções para a ciência vinculando esse recurso didático à abordagem da


História da Ciência.

Os Jogos no âmbito educacional: algumas definições

O jogo é um tipo de material didático com grande potencial para


o Ensino de Ciências e de Química. Para isso, todavia, é necessário um
equilíbrio entre a função lúdica e a função educativa presente nesse
recurso didático. A função lúdica refere-se à diversão, prazer que este
jogo pode proporcionar ao aluno. Já a função educativa, refere-se à ca-
pacidade desse recurso didático contribuir para o aprendizado de um
conhecimento e sua apreensão de mundo (SOARES, 2016; CUNHA,
2012; KISHIMOTO, 2017).
Deve haver ainda em um jogo, como recurso didático, uma li-
berdade do aluno frente ao jogo, de forma que ele queira jogar e não ser
uma ação obrigatória. Atualmente há uma variedade de tipos de jogos
propostos para o ensino de Química, como jogo de cartas, de tabuleiro
online, dentre outras opções e, ainda, abarcando diferentes temáticas e
saberes da Química. O professor tem o papel de escolher a melhor opção
para a abordagem do conhecimento em estudo e ainda a que pode agra-
dar mais os seus alunos, pois um jogo pode ser mais atraente para uma
certa idade, por exemplo. Ademais, mais de um jogo pode ser adotado
na sala de aula, isso tudo deve ser pensado e refletido pelo professor,
visto que o jogo deve ser um recurso para o ensino e não o objeto de
ensino em si.
Concorda-se com Soares (2016) quando afirma que é importan-
te que o professor, ao optar por um jogo, domine os conhecimentos
que serão abordados durante a atividade, domine os conceitos que
caracterizam o jogo em si, e ainda que se preocupe com referenciais
teórico-metodológico acerca de como aquele jogo contribuiu para o
ensino e a aprendizagem do conhecimento químico almejado.
Há diferentes definições na literatura para o jogo como um recur-
so educacional, como, por exemplo, jogo educativo, jogo didático, jogo
pedagógico, sendo muitas vezes, adotados como sinônimos. Porém,
Cleophas, Cavalcanti e Soares (2018) manifestam que essas definições
possuem suas distinções, ainda que pequenas. O jogo educativo é um
jogo que não tem necessariamente um objetivo educacional, mas que

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DISCUTINDO O ENSINO DE CIÊNCIAS DA NATUREZA A
PARTIR DA FORMAÇÃO DE PROFESSORES, INCLUSÃO E HISTÓRIA DA CIÊNCIA

pode proporcionar um aprendizado. Esse jogo educativo normalmente


é informal, mas pode ser formal e direcionado ao ambiente escolar.
Nesse caminho, trazemos duas outras definições: o jogo pedagógico e
o jogo didático.
Amparados no referencial Cleophas, Cavalcanti e Soares (2018),
trazemos a definição de jogo didático e pedagógico. O jogo didático é
um jogo educativo formalizado e que foi adaptado a partir de um outro
jogo já existente na literatura, introduzindo agora a abordagem de ou-
tros conhecimentos específicos com a finalidade de alinhar o objetivo
lúdico com os objetivos educacionais já pensados na elaboração do
jogo. O jogo pedagógico, por sua vez, é um jogo educativo formalizado
e que não foi adaptado de nenhum outro jogo, tendo, portanto, uma
parcela significativa de ineditismo. O jogo pedagógico visa desenvolver
habilidades cognitivas sobre conteúdos específicos, atuando como uma
estratégia de ensino.
No contexto dos jogos, o presente capítulo retrata um recorte
de um projeto de pesquisa que almejou construir jogos que abarcas-
se a vida de cientistas que foram importantes para a construção do
conhecimento científico ao longo dos séculos, destacando os aspectos
sociais, econômicos, políticos, culturais, dentre outros que marcaram
sua vivência a fim de descaracterizar a visão errônea em que é atribuí-
da aos cientistas: gênios, loucos, solitários, sem vida social. Além disso,
almejava-se, nestes jogos, trazer discussões acerca dos conhecimentos
que foram estudados por esses cientistas e sua contribuição para o
desenvolvimento dos mesmos.
Diante disso, apresentamos o jogo desenvolvido neste projeto
que retrata a vida da cientista Marie Curie. O jogo pode ser definido
como um jogo didático, visto que se trata de um jogo educativo forma-
lizado com objetivos educacionais bem definidos e se baseia em um
jogo já existente chamado de Jogo da Vida.

Apresentando o “Jogo da Vida de Marie”

Diante da potencialidade do jogo como recurso didático, da


relevância de se discorrer sobre a presença das mulheres na ciência e
da necessária abordagem da História da Ciência no ensino, o presente
trabalho apresenta o Jogo da Vida de Marie, que retrata a vida da notá-

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DISCUTINDO O ENSINO DE CIÊNCIAS DA NATUREZA A
PARTIR DA FORMAÇÃO DE PROFESSORES, INCLUSÃO E HISTÓRIA DA CIÊNCIA

vel cientista Marie Curie através de um jogo de tabuleiro, inspirado no


Jogo da Vida® (da companhia de brinquedos Estrela).
O jogo desenvolvido conta com 44 casas por meio das quais
os jogadores, no papel de Marie Curie, são convidados a percorrer os
principais aspectos de sua vida, desde seu nascimento até sua morte,
perpassando pela sua fuga para Paris, casamento, entrada na Universi-
dade de Sorbonne, o nascimento das filhas e os prêmios Nobel. No en-
tanto, não se trata de apenas um percurso linear abordando a biografia
da cientista. Durante o caminho é possível ao professor mediar debates
sobre assuntos importantes para a formação de sujeitos críticos através
das cartas do “Para saber mais”, “Mulheres na Ciência” e Radioatividade.
Na Figura 1 é possível ver o tabuleiro do jogo.

Figura 1 - Tabuleiro do “Jogo da Vida de Marie Curie”.


Fonte: Dados dos autores.

Os jogadores iniciam com 1000 francos (moeda do jogo - vide


Figura 2), um livro e uma vidraria. Ao longo do jogo se deparam com
ordens de receber ou pagar ao banco e/ou aos demais jogadores. Além
disso, há casas representadas por cartas de Biografia que contém peque-
nos textos acerca da vida de Madame Curie; cartas de Para Saber Mais
em que são apresentadas mais informações sobre temas relevantes,

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DISCUTINDO O ENSINO DE CIÊNCIAS DA NATUREZA A
PARTIR DA FORMAÇÃO DE PROFESSORES, INCLUSÃO E HISTÓRIA DA CIÊNCIA

a carta Radioatividade que traz discussões sobre esse tema; as cartas


Mulheres na Ciência que propõe um debate acerca da presença da
mulher na ciência; e a casa Pare acrescentada para evidenciar o caráter
lúdico do jogo. Na Figura 3 é possível ver algumas das cartas do jogo.

Figura 2 - Moedas em franco do “Jogo da Vida de Marie Curie”.


Fonte: Dados dos autores.

Figura 3- Cartas do “Jogo da Vida de Marie Curie”


Fonte: Dados dos autores.

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DISCUTINDO O ENSINO DE CIÊNCIAS DA NATUREZA A
PARTIR DA FORMAÇÃO DE PROFESSORES, INCLUSÃO E HISTÓRIA DA CIÊNCIA

Os jogadores ainda podem adquirir livros, conhecimento e


vidrarias, este último com seus nomes e finalidades. As fichas que
representam as vidrarias, conhecimentos e livros podem ser vistos na
figura 4.

Figura 4 - Fichas de conhecimento, dinheiro, livro e vidrarias.


Fonte: Dados dos autores.

Além disso, algumas ações são estabelecidas aos jogadores


como a discussão acerca da radioatividade e de mulheres na ciência
através das cartas mencionadas anteriormente, o que implica que este
recurso não prima apenas pela divulgação de conhecimentos sobre HC,
mas também estimula a formulação de argumentos e sua explanação
sobre conhecimentos específicos da química e questões sobre gênero,
bem como estimula a interação entre os envolvidos no jogo.
O jogo oferece ainda os peões que apresentam a imagem da
Marie Curie representada em formato de desenho em diferentes
cores e ainda um Manual de Instruções que auxilia os jogadores a
compreenderem o funcionamento desse recurso didático, trazendo
principalmente as regras do jogo. Como pode ser visto na Figura 5 e
6, respectivamente.

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DISCUTINDO O ENSINO DE CIÊNCIAS DA NATUREZA A
PARTIR DA FORMAÇÃO DE PROFESSORES, INCLUSÃO E HISTÓRIA DA CIÊNCIA

Figura 5 - Peões do “Jogo da Vida de Marie Curie”.


Fonte: Dados dos autores.

Figura 6 - Manual de Instruções.


Fonte: Dados dos autores.

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PARTIR DA FORMAÇÃO DE PROFESSORES, INCLUSÃO E HISTÓRIA DA CIÊNCIA

O jogo chega ao fim quando o primeiro jogador cruza a linha


de chegada, sendo então realizada a conversão de dinheiro, livros,
vidrarias e fichas de conhecimento em pontuação. Vale destacar que
as fichas de conhecimento possuem a maior pontuação possível e as
únicas que não são passíveis de perda durante o jogo, objetivando
destacar seu valor frente aos outros elementos.

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DISCUTINDO O ENSINO DE CIÊNCIAS DA NATUREZA A
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85
O estudo da conservação das massas e
balanceamento de reações químicas:
relato de uma experiência de elaboração de
estratégias de ensino com surdos

Jomara Mendes Fernandes1


Ivoni Freitas-Reis2

Introdução

Não somente no que tange à educação do aluno com deficiência,


mas também na área de Ensino de Ciências em geral é constante a bus-
ca por soluções que viabilizem uma aprendizagem eficaz e duradoura.
Na química é muito comum a necessidade de uma maior abstração
para a compreensão de conceitos. Por isso mesmo, frequentemente
sugere-se a utilização de recursos de ensino que explorem de maneiras
variadas determinado fenômeno a fim de auxiliar na aprendizagem
e no desenvolvimento cognitivo do aluno. Defendemos que toda
prática pedagógica voltada para o trabalho com alunos surdos precisa
basear-se no uso de variados recursos visuais e de materiais concretos
e acessíveis. Neste capítulo retratamos a experiência do uso de bo-
linhas de isopor na representação das combinações entre os átomos
em reações químicas que se mostraram uma eficiente alternativa para
trabalhar a concepção da conservação da massa. Assim, fomentamos a
viabilidade e a potencialidade do uso de modelos de bolinhas de iso-
por e a produção de desenhos como estratégias auxiliadoras no estudo
de reações químicas por discentes surdos. Os resultados provenientes
da elaboração de desenhos por surdos se revelaram um instrumento
avaliativo adequado e acessível a esses. Os surdos que participaram da
validação das aulas desenvolveram um raciocínio correto e satisfatório

1 Instituto de Química, Campus Ondina, Universidade Federal da Bahia. jomarafernandes@


yahoo.com.br
2  Departamento de Química, Universidade Federal de Juiz de Fora. ivoni.reis@ufjf.edu.br

86
DISCUTINDO O ENSINO DE CIÊNCIAS DA NATUREZA A
PARTIR DA FORMAÇÃO DE PROFESSORES, INCLUSÃO E HISTÓRIA DA CIÊNCIA

na elaboração de desenhos sobre o balanceamento de reações químicas,


atuando como agentes diretos na construção do próprio saber.

Ensino e aprendizagem de Química para surdos

Poucas pesquisas em inclusão são encontradas diretamente re-


lacionadas ao Ensino de Química. Dentro do ensino desta ciência que
faz uso de símbolos, modelos, fórmulas e equações para explicar fenô-
menos a partir de conceitos abstratos existe uma urgente necessidade
de propostas diferenciadas com foco na aprendizagem de alunos com
deficiência. Em especial, do aluno surdo (SOUZA; SILVEIRA, 2011).
Tomando como base trabalhos sobre o Estado da Arte que apon-
tam para a lacuna existente em estudos voltados para a educação de
alunos surdos, sobretudo no que tange ao ensino de química (FERREI-
RA; NASCIMENTO; PITANGA, 2014), neste capítulo nos debruçamos
em tecer relações e fomentar discussões sobre essas duas vertentes: a
educação de alunos surdos e o ensino de química. Afinal, existe uma
maneira eficiente para trabalhar química com o aluno surdo?
No Brasil, a partir da Constituição Federal de 1988, a educação
passa a ser um direito de todos e dever do Estado. Em 1989, por meio
da Lei nº 7.853/89, ficou garantido o apoio às pessoas com deficiência,
bem como sua integração social. Além disso, os pesquisadores Gomes,
Souza e Soares (2015) apontam que a Constituição também institui a
igualdade de condições de acesso e permanência na Escola (art. 206,
inciso I), acrescentando que é dever do Estado a garantia de acesso
aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística,
segundo a capacidade de cada um (art. 208, inciso V).
Várias são as políticas públicas que desempenham uma im-
portante função para a ampliação das práticas inclusivas na educação
brasileira. Percebemos que, desde a Declaração de Salamanca3, há um
crescente comprometimento das nações para que a educação das pes-
soas com necessidades especiais se desenvolva, o que já constitui uma
mudança de paradigma (FERNANDES, 2016). Entretanto, apesar da

3  Documento elaborado na Conferência Mundial sobre Educação Especial, em Salamanca, na


Espanha, em 1994, com o objetivo de fornecer diretrizes básicas para a formulação e reforma de
políticas e sistemas educacionais de acordo com o movimento de inclusão social.

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DISCUTINDO O ENSINO DE CIÊNCIAS DA NATUREZA A
PARTIR DA FORMAÇÃO DE PROFESSORES, INCLUSÃO E HISTÓRIA DA CIÊNCIA

Declaração ter desencadeado várias preocupações diante de questões


pertinentes à inclusão, esse desenvolvimento tem ocorrido a passos
lentos e muito ainda precisa ser feito para que as determinações sejam
efetivamente cumpridas.
Analisando a realidade que qualquer pessoa com deficiência
ainda precisa enfrentar hoje, podemos concluir que a acessibilidade
é uma condição necessária, mas não suficiente para que a inclusão se
concretize. Fica evidente, dentro da área de educação para surdos, a
necessidade da formação de um novo educador que saiba trabalhar
conceitos e habilidades por meio da língua natural da comunidade
surda – a língua de sinais. Concordamos com Skliar (1998) que incluir
não significa apenas ocupar o mesmo espaço físico. É importante a
presença de professores que conheçam a cultura e as particularidades
de seus alunos que atuem com o deficiente de maneira responsável e
coerente com as potencialidades e necessidades desses.
Sabemos que a educação consiste em propiciar ao indivíduo,
pela diversidade de oportunidades e conhecimento de si e do mundo,
a chance de se tornar um cidadão em todos os níveis que se possa
atribuir ao termo. Concomitante, a educação deve buscar suas fontes
de apoio nos recursos da pessoa, por mais escassos que eles sejam
mediante a consideração de suas necessidades. Para Candau (2012) a
escolha do recurso educacional mais apropriado a cada aluno constitui
um dos aspectos mais relevantes da educação especial.
Para a pesquisadora supracitada é conveniente esclarecer que
uma educação é definida como especial em decorrência da utilização
de recursos físicos e materiais especiais de profissionais com um pre-
paro específico e de alguns aspectos propriamente curriculares que
geralmente não são encontrados em situações comuns. Muitas vezes
o aluno que necessita de auxílio especial é prejudicado por barreiras
estruturais e conjunturais do próprio sistema escolar.
Concordamos com Góes (1996) que a surdez não torna o in-
divíduo um ser que tem possibilidades a menos e sim possibilidades
diferentes, uma vez que “a linguagem não depende da natureza do
meio material que utiliza, mas o que é importante é o uso efetivo de
signos, seja qual for a forma de realização, desde que possa assumir o
papel correspondente ao da fala” (p.35).

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DISCUTINDO O ENSINO DE CIÊNCIAS DA NATUREZA A
PARTIR DA FORMAÇÃO DE PROFESSORES, INCLUSÃO E HISTÓRIA DA CIÊNCIA

Sendo assim, precisamos enxergar no aluno surdo um alguém


não menos desenvolvido, mas, sim, que se desenvolve de maneira
diferente dos demais. Para Perlin e Strobel (2006) a educação para
surdos deve basear-se na pedagogia surda onde precisa ser destacada
a diferença linguística, cultural e política em que esses sujeitos estão
imersos. Nessa pedagogia o surdo é reconhecido como um sujeito
completo e não como um alguém a quem falta algo. Mesmo que seja
considerada a ausência do sentido da audição, a pedagogia surda
valoriza a cultura visual dos surdos em suas práticas em detrimento
daquilo que lhes falta.
É, sobretudo, por meio da experiência visual que ocorre a intera-
ção entre o indivíduo surdo e o meio que o cerca. Por isso, é fundamental
que os processos de ensino e aprendizagem de alunos surdos envolvam
atividades visuais e materiais concretos. Essa linguagem visual vai ao
encontro das necessidades educacionais dos alunos surdos e, embora
estudos nesse campo de pesquisa ainda sejam escassos, já é fato ser essa
pedagogia um eficiente caminho para um bom trabalho com esses alunos.
Buzar (2009) evidencia essa questão quando identifica a singu-
laridade visuoespacial do sujeito surdo. A autora destaca que aqueles
que não ouvem percorrem outro caminho para se expressar, se comu-
nicar e entender o mundo. Desse modo, as práticas que privilegiam a
visualidade se mostram elementos importantes.
Os autores Ferreira, Nascimento e Pitanga (2014) e os autores
Schwahn e Andrade Neto (2011) desenvolveram revisões indepen-
dentes de literatura da última década por meio da consulta a artigos
publicados em periódicos e em anais de eventos como das Reuniões
Anuais da Sociedade Brasileira de Química (RASBQ) e dos Encontros
Nacionais de Pesquisadores em Ensino de Ciências (ENPEC). Quanto
ao conteúdo dos trabalhos publicados nos periódicos e eventos os
autores das duas obras chegam a conclusões que se assemelham entre
si: os resultados denunciam a precariedade do ensino oferecido aos
surdos e a dicotomia existente entre o modelo de ensino idealizado e o
praticado nas escolas.
Dada a complexidade do tema não é trivial apontar uma solução,
mas, apesar disso, é importante que ações sejam propostas de forma a
contribuir para a construção de uma escola efetivamente inclusiva.

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DISCUTINDO O ENSINO DE CIÊNCIAS DA NATUREZA A
PARTIR DA FORMAÇÃO DE PROFESSORES, INCLUSÃO E HISTÓRIA DA CIÊNCIA

Ferreira, Nascimento e Pitanga (2014) aludem que as dificuldades de en-


sinar e aprender química na educação do surdo se deve a vários fatores:

A inexistência de sinais específicos, em Libras, para os


termos químicos; o conhecimento limitado da Libras por
muitos professores de química; a carência de intérpretes
com formação ou conhecimentos de química; e a frágil
interação entre professores e intérpretes no planejamento
pedagógico da disciplina (p. 192).

É preciso considerar que as limitações não estão nos estudan-


tes, mas nos recursos precários, nos profissionais pouco preparados,
no sistema escolar, dentre outros. Por isso mesmo, mostra-se vital
construir estratégias didáticas adequadas e dedicar ao aluno surdo
uma metodologia de ensino onde o conhecimento esteja visualmente
acessível a fim de possibilitar uma verdadeira aprendizagem.

Aspectos da elaboração das estratégias de ensino

A escolha do tema sobre balanceamento de equações quí-


micas emergiu de questionários que foram aplicados em diferentes
turmas de Ensino Médio de sete escolas públicas da rede estadual da
cidade de Juiz de Fora (MG), no final de 2014. Neste levantamento,
aproximadamente 48% dos 222 alunos entrevistados, entre ouvintes
e surdos, elegeram os conteúdos de balanceamento de reações quí-
micas e estequiometria como conceitos difíceis e que apresentam alto
grau de abstração.
Após a definição do tema um conjunto de aulas foi previamente
validado com três estudantes surdos do curso de magistério oferecido por
uma escola estadual da mesma cidade (os quais nos referenciaremos por
meio dos nomes fictícios Maria, Ana e João) e contou também com a par-
ticipação de uma professora também surda do curso de Letras - Libras da
Universidade Federal de Juiz de Fora. As imagens que adiante serão apre-
sentadas são produções que tinham por finalidade a tentativa, por parte
dos participantes surdos, de transmitir o que ficou na memória de cada um
com respeito a temática balanceamento de reações químicas e como estes
procedem/pensam ao realizar um determinado balanceamento.

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DISCUTINDO O ENSINO DE CIÊNCIAS DA NATUREZA A
PARTIR DA FORMAÇÃO DE PROFESSORES, INCLUSÃO E HISTÓRIA DA CIÊNCIA

Anterior à produção dos desenhos foram realizadas quatro au-


las/encontros de aproximadamente duas horas cada, alicerçadas em
recursos visuais, experimentação e, principalmente, usando diferentes
representações de diversas reações empregando modelos de bolinhas
de isopor. O uso desses materiais permitiu trabalhar adequadamente
a ideia dos rearranjos dos átomos dos reagentes para formar os produ-
tos, concepção fundamental que rege a conservação da massa durante
uma reação.
Essas aulas pedagógicas de validação prévia foram gravadas
em áudio e vídeo para posterior transcrição e análise. Vale salientar
que esse procedimento - ter o surdo presente na construção de uma
estratégia de ensino - é essencial, visto que é desejável que toda produ-
ção destinada para surdos seja realizada com a presença e participação
intensa dos próprios surdos que sejam pertencentes e conhecedores
dos mais variados aspectos culturais relacionados à comunidade surda.

As estratégias de ensino: a validação e as produções dos


participantes surdos

No primeiro encontro discutimos o fato de as equações quími-


cas serem representações simbólicas dos fenômenos que observamos
na natureza e no dia a dia. Com uma foto de pregos enferrujados e
da combustão de uma folha de papel (Figura 01) desenvolvemos a
equação química desses fenômenos enfatizando os rearranjos entre os
compostos envolvidos.

Figura 01. Ilustrações da queima do papel e da oxidação do ferro utilizadas na aula.


Fonte: acervo da pesquisa.

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DISCUTINDO O ENSINO DE CIÊNCIAS DA NATUREZA A
PARTIR DA FORMAÇÃO DE PROFESSORES, INCLUSÃO E HISTÓRIA DA CIÊNCIA

No segundo encontro o tema foi a Lei da Conservação das


Massas. Trabalhamos o fundamento da sentença, muito repetida pelo
senso comum e atribuída a Lavoisier (1743-1794) “na natureza nada
se perde, nada se cria, tudo se transforma”. Falamos um pouco sobre
esse estudioso e exemplificamos com a reação que ocorre entre nitrato
de prata e cloreto de sódio. Para tanto, levamos os reagentes nitrato de
prata e cloreto de sódio e, em tubos de ensaio, realizamos o experimen-
to observando qualitativamente a formação do sólido cloreto de prata.
Por meio da reação reproduzida no experimento trabalhamos com
bolinhas de isopor para representar os átomos e resgatamos a concepção
de que ocorre um rearranjo entre os reagentes para formar os produtos.
Foi enfatizado que o motivo de haver um rearranjo entre os átomos dos
reagentes para formar os produtos é que regia a ideia de ter a mesma
quantidade de átomos nos dois lados da reação. Cada cor da bolinha
representava um átomo diferente das moléculas. Trabalhamos também
outras reações químicas, como a de sulfato de cobre e ferro que, mais uma
vez, foi representada utilizando bolinhas de isopor (Figura 02).

Figura 02. Representação da reação entre sulfato de cobre e ferro utilizando os mo-
delos de bolina de isopor.
Fonte: acervo da pesquisa

No terceiro encontro resgatamos as ideias que envolvem o


balanceamento de equações químicas, enfatizando que é preciso
verificar sempre se a quantidade de átomos é a mesmo em ambos os
lados da equação. Desenhamos (conforme Figura 03) em uma folha de
papel a reação de combustão do metano onde a principal problemática
trabalhada nessa ocasião foi a necessidade de colocarmos mais uma
molécula de O2 nos reagentes e mais uma molécula de H2O nos produ-
tos para obter um balanceamento correto.

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DISCUTINDO O ENSINO DE CIÊNCIAS DA NATUREZA A
PARTIR DA FORMAÇÃO DE PROFESSORES, INCLUSÃO E HISTÓRIA DA CIÊNCIA

Figura 03. Dinâmica do balanceamento da reação de combustão do metano.


Fonte: acervo da pesquisa.

No quarto e último encontro o objetivo principal foi avaliar o


que os participantes surdos interiorizaram de tudo o que foi trabalha-
do até então e, principalmente, qual a memória/impressão imagética
(BENITE; BENITE, 2013) que o conceito de balanceamento de reações
produziu em cada um. Distribuímos papéis e lápis de cor para e
solicitamos que escolhessem e desenhassem/representassem como
quisessem o balanceamento das seguintes reações:

I) CuSO4(aq) + Fe(s) –> FeSO4(aq) + Cu(s)


II) N2(g) + H2(g) –> NH3(g)
III) CH4(g) + O2(g) –> CO2(g) + H2O(l)

A produção dos desenhos no contexto dessa etapa atuou como


um mecanismo que permitiu que fossem representadas situações que
foram recentemente estudadas. Nesse sentido, o desenho assumiu a
função de uma ponte que possibilitou ao surdo demonstrar como cons-
truiu aquele conhecimento. Como podemos observar nas figuras 04, 05
e 06, os integrantes conseguiram desenvolver um raciocínio satisfatório
na tentativa de balancear algumas das reações químicas propostas.
Destaca-se nesses desenhos o uso das distintas cores que repre-
sentam os diferentes átomos e o rearranjo entre eles também represen-
tado nos produtos. Outro aspecto que é possível notar é a associação

93
DISCUTINDO O ENSINO DE CIÊNCIAS DA NATUREZA A
PARTIR DA FORMAÇÃO DE PROFESSORES, INCLUSÃO E HISTÓRIA DA CIÊNCIA

do balanceamento das equações com números e quantidades, demons-


trando uma correta relação em quantidades de reagentes e produtos.

Figura 04. Desenho feito pela integrante Maria para executar o balanceamento da
reação de produção de água.
Fonte: acervo da pesquisa.

Figura 05. Desenho produzido pela integrante Ana para simular o balanceamento da
reação de obtenção do gás amônia.
Fonte: acervo da pesquisa.

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DISCUTINDO O ENSINO DE CIÊNCIAS DA NATUREZA A
PARTIR DA FORMAÇÃO DE PROFESSORES, INCLUSÃO E HISTÓRIA DA CIÊNCIA

Figura 06. Desenho elaborado pelo integrante João para balancear a reação de ob-
tenção do gás amônia.
Fonte: acervo da pesquisa.

O trabalho anteriormente realizado com os modelos de bolinha


de isopor auxiliou na construção de um raciocínio submicroscópico
do que ocorre durante uma reação química, colocando em evidência
as espécies químicas que não são observáveis e, por isso, auxiliando
no processo de compreensão do fenômeno da conservação da massa
durante uma reação química. Pode ser claramente observado ainda
que todos os três surdos levaram em conta em suas representações o
rearranjo/interação que ocorre entre os reagentes.
Os desenhos elaborados permitiram nos aproximarmos do
quanto Ana, Maria e João interiorizaram de tudo o que foi ensinado
sobre a conservação da massa e balanceamento de equações químicas e
quais as impressões visuais por eles adquiridas depois de todo o estudo.
Sem forçá-los a mostrar suas aprendizagens de maneira inapro-
priada à sua condição de ser surdo, o desenho tornou possível que eles
expressassem o que aprenderam e como executam um balanceamento
de uma reação. Além disso, o desenho se mostrou também um meca-
nismo interessante na medida em que pode denunciar dificuldades e
erros conceituais, atuando como uma ferramenta avaliativa.
Percebemos, assim, que esses surdos construíram uma memória
a partir dos recursos de ensino anteriormente utilizados. Johnson-Laird
(1983) já considera que na psicologia as imagens são visualizações in-
ternas de um modelo, ou seja, são visualizações mentais de um sistema
que o sujeito utiliza para compreender o mundo.

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DISCUTINDO O ENSINO DE CIÊNCIAS DA NATUREZA A
PARTIR DA FORMAÇÃO DE PROFESSORES, INCLUSÃO E HISTÓRIA DA CIÊNCIA

Explorar o visual, além de ser fundamental na educação de


surdos, se mostra muito eficaz na retenção da aprendizagem também
do ouvinte. Em um estudo que é referência no assunto sobre retenção
de aprendizagem, Ferreira e Silva Júnior (1975) apontam que quanto
maior o número de sentidos explorados nos alunos, melhor será a
retenção da aprendizagem por parte do discente. Nesse mesmo estu-
do, os autores ainda afirmam ser a visão a maior responsável de tudo
aquilo que aprendemos.
Também na mesma direção apontam os estudos de Lucena,
Benite e Benite (2008), no qual os autores apresentam um quadro sobre
os cinco sentidos mais importantes que influenciam no processo de en-
sino e aprendizagem e destaca-se a visão como o de maior percentual
na influência da aprendizagem.
Ao compreendermos e considerarmos que o indivíduo surdo
utiliza uma forma diferente de se comunicar e aprender acreditamos
que devemos respeitar sua identidade cultural e seu direito de ser dife-
rente. Assim, a aprendizagem e a avaliação de conceitos são facilitadas
pelo uso de imagens e materiais concretos. Contudo, cabe ressaltar que
as imagens e os recursos utilizados não são autoexplicativos, sendo vi-
tal a mediação do professor na construção dos sentidos e dos saberes,
explicitando seus aspectos mais relevantes.

Considerações acerca desta experiência com surdos

Os desenhos produzidos pelos surdos possuem muitas simi-


laridades. Em todos os modelos são observadas cores distintas nas
representações submicroscópicas como uma forma de demonstrar e
evidenciar a ocorrência do rearranjo dos átomos durante uma reação.
Além disso, todos os desenhos também apresentaram relações corretas
entre quantidades de reagentes e produtos.
As bolinhas de isopor, atuando como recurso imagético, se
destacaram como estratégia eficiente na mediação do processo de en-
sino e aprendizagem, destacadamente no caso de estudantes surdos.
Os surdos participantes desenvolveram um raciocínio correto e satis-
fatório na elaboração de desenhos sobre o balanceamento de reações
químicas e concepções acerca da conservação das massas.
Sabemos que o professor precisa aproveitar o que de melhor
cada aluno pode oferecer, respeitando as necessidades destes. Existe

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DISCUTINDO O ENSINO DE CIÊNCIAS DA NATUREZA A
PARTIR DA FORMAÇÃO DE PROFESSORES, INCLUSÃO E HISTÓRIA DA CIÊNCIA

muito ainda a ser desenvolvido em prol do ensino de química para


surdos. Ressaltamos que os surdos, por se comunicarem por meio do
canal visuoespacial, têm o acesso ao conhecimento, sobretudo pela vi-
são (CAMPELLO, 2008). Levando em conta sua marcante visualidade,
o surdo requer especial atenção na elaboração e no emprego de uma
pedagogia que se pauta no visual.

Referências
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de Brasileira de Química. Química Nova na Escola, v. 36, n. 3, 2014.
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GOMES, E. A.; SOUZA, V. C. A; SOARES, C. P. Articulação do conhecimento em museus de Ci-
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v. 10, 2015.
JOHNSON-LAIRD, P. N. Mental models: towards a cognitive science of language, inference, and
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ensino de química em nível médio, em foco: a surdez. Anais da XXXI Reunião Anual da Socie-
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PERLIN, G.; STROBEL, K. Fundamentos da Educação de Surdos. Universidade Federal de Santa
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na Aprendizagem de Alunos Surdos. Química Nova na Escola, p.37-46, 2011.

97
Educação de surdos, semiótica
peirciana e língua de sinais:
tecendo possíveis aproximações

Jomara Mendes Fernandes1

Introdução

São poucos os estudos que relacionam o processo de educação


de surdos com as contribuições da semiótica de Peirce. Pelo que se
tem registrado historicamente é, sobretudo, a partir do século XVI que
surgem os primeiros educadores de surdos. A atual educação Bilíngue,
muito defendida atualmente pela comunidade surda, emerge embasada
por muitos pesquisadores que demonstram ser a língua de sinais uma
língua com todos os níveis gramaticais linguísticos. Assim, utilizando
da análise textual discursiva de artigos, dissertações, teses e sites, neste
presente capítulo será exposta uma análise histórica de como surgiram
os primeiros métodos educacionais de alfabetização das pessoas surdas,
as principais abordagens teóricas que nortearam as ações pedagógicas
ao longo dos últimos séculos e quais são algumas das possíveis relações
que podem ser estabelecidas entre os estudos da semiótica e da Língua
de Sinais.

Breve olhar para a história da educação de surdos

O conhecimento da história do povo surdo é importante, visto


que pode contribuir com educadores e especialistas que trabalham ou
trabalharão com surdos, bem como para a sociedade no sentido de
melhor compreender suas identidades, cultura e direitos.
A questão da educação de pessoas surdas passou por diversas
etapas historicamente construídas e para melhor compreender e co-

1  Universidade Federal da Bahia, Instituto de Química, Campus Ondina. jomarafernandes@


yahoo.com.br

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DISCUTINDO O ENSINO DE CIÊNCIAS DA NATUREZA A
PARTIR DA FORMAÇÃO DE PROFESSORES, INCLUSÃO E HISTÓRIA DA CIÊNCIA

nhecer o processo linguístico do surdo se faz necessário conhecer sua


história. Infelizmente muito do que ainda presenciamos em determi-
nadas situações atuais, no cenário escolar, é reflexo de uma época em
que as pessoas consideradas fora dos padrões de normalidade tinham
poucas oportunidades de instrução educacional ou profissional.
Temos que a história da educação de surdos, segundo Skliar
(1998), foi construída com poucas exceções por meio de grandes “ver-
dades” ancoradas em projetos como o oralismo, a comunicação total
e o próprio bilinguismo2 que propagam modelos de ensino que, pelas
relações de poder estabelecidas, disputaram a hegemonia na educação
dessas pessoas ao longo da história.
Strobel (2008) aponta que a história do povo surdo foi, por
muitos séculos, caracterizada por uma forte influência das determina-
ções dos ouvintes em detrimento dos próprios surdos. Os surdos eram
ignorados e desvalorizados enquanto indivíduos.
A Igreja Católica representou um marco considerável na
produção histórica da surdez. É importante ressaltar que a influência
da igreja alcançou para além do âmbito da surdez. Historicamente a
igreja esteve voltada ao cuidado, educação e catequese de leprosos, pa-
ralíticos, cegos, entre outros. Por isso, muitos dos primeiros registros
históricos que existem sobre a educação de pessoas com deficiência
surgiu no contexto das igrejas (REILY, 2007).
A partir do século XVI começaram a surgir os primeiros edu-
cadores de surdos. Reily (2007) destaca que um dos mais importantes
pioneiros foi um monge espanhol, Pedro Ponce de Leon (1520-1584),
que ensinava alguns filhos surdos da aristocracia. Emerge também Juan
Pablo Bonet (1579-1633) como um grande colaborador na educação
dos surdos por publicar uma obra em 1620 referente às metodologias
educacionais para os Surdos, “Reducción de las Letras y Arte de Enseñar
a Hablar los Mudos” que continha o primeiro registro desenhado do
alfabeto datilológico (Figura 01).

2  Veremos brevemente essas diferentes vertentes, cada uma a seu tempo, no decorrer do
presente texto.

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DISCUTINDO O ENSINO DE CIÊNCIAS DA NATUREZA A
PARTIR DA FORMAÇÃO DE PROFESSORES, INCLUSÃO E HISTÓRIA DA CIÊNCIA

Figura 01. Imagem da capa do livro de Juan Pablo Bonet.


Fonte: http://bdh-rd.bne.es/viewer.vm?pid=d-180918

Também outro religioso e educador, mas agora francês, o abade


Charles Michel De L’Epée (1712-1789) se destacou por usar e defender
a língua de sinais como meio de comunicação e que, por meio dela,
os surdos poderiam aprender os ensinamentos cristãos. Por defender
e trabalhar tanto pela causa, L’Epée ficou conhecido na comunidade
surda como o “Pai dos surdos” e disso decorreu a forte influência da
língua de sinais francesa por todo o mundo.
Conforme Câmara (2012), L’Épée tentou não apenas criar um
método de ensino para surdos, mas encontrar meios de promover
publicamente suas técnicas, buscando o estabelecimento de um projeto
pedagógico capaz de garantir a institucionalização da educação dos
surdos. Devido aos resultados relevantes obtidos com sua metodologia,
em 1755 L‘Epée transformou sua própria residência na primeira escola
para surdos o “Instituto de Surdos e Mudos de Paris”, recebendo auxílio
do poder público e utilizando no trabalho pedagógico uma abordagem
gestualista (LIMA, 2004). A partir de L’Epée adveio um momento de
grande desenvolvimento na história da educação das pessoas surdas
que mais tarde sofreria uma significativa ruptura com o advento das
práticas oralistas.
Contudo, se por um lado na França, devido à forte influência de
L’Epée, difundia-se o método gesto-espacial para a educação de surdos,
por outro, em alguns países da Europa ganhava força o método oral

100
DISCUTINDO O ENSINO DE CIÊNCIAS DA NATUREZA A
PARTIR DA FORMAÇÃO DE PROFESSORES, INCLUSÃO E HISTÓRIA DA CIÊNCIA

(sobretudo na Alemanha e Inglaterra). Para Marchesi (1987) os debates


realizados entre L’Epée (defensor do uso de sinais) e Samuel Heinicke
(1727-1790) (alemão defensor do método Oralista) no final do século
XVIII iniciaram a polêmica sobre os métodos educacionais para ensinar
o surdo.
O uso da comunicação gestual e a presença de professores sur-
dos na educação ainda eram permitidos, até que o Oralismo ganhou
definitiva força modificando esse cenário. Para tanto, temos que o VII
Congresso da Sociedade Pedagógica Italiana (1872, em Veneza) e o I
Congresso de Professores Italianos de Surdos (1873, em Siena) atuaram
como marco importante para o início da força que o Oralismo começou
a ganhar (FERREIRA, 2006).
Como aponta Lima (2004), nos anos que se seguiram aos
congressos realizados em Veneza e em Siena a abordagem Oralista
ganhou mais adeptos. Assim, os ideais que culminaram no Congresso
de Milão, que aconteceria em 1880, estavam plantados e já em estágio
de desenvolvimento avançado.
Tratando agora especificamente do ocorrido em 1880, o II
Congresso Internacional de Educação de Surdos em Milão teve como
objetivo reunir profissionais ligados à educação de surdos e é impor-
tante destacar que dentre os participantes apenas um era surdo (LIMA,
2004). Esperava-se estabelecer critérios internacionais e científicos para
a educação dos surdos ficando decidido o método Oralista sobre a
“inferioridade” da língua de sinais.
Com o tempo surgiram insatisfações e, apesar das proibições
dos adeptos ao Oralismo, os surdos em momentos informais continua-
ram usando sinais para se comunicarem (SKLIAR, 1998). Esse quadro
de desconforto durou até que em 1960 o pesquisador Dr. William C.
Stokoe Jr. (1919-2000) publicaria a obra Linguage Structure: an Outline
of the Visual Communication System of the American Deaf, onde retrata e
sistematiza um profundo estudo comprovando que a Língua de Sinais
Americana é uma língua com características gramaticais semelhantes
à língua oral.
As insatisfações, insucessos com a abordagem Oralista e os
argumentos que surgiram dos estudos sobre a língua de sinais a partir
dos anos de 1960 resultaram em desordem e opacidade nos métodos

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DISCUTINDO O ENSINO DE CIÊNCIAS DA NATUREZA A
PARTIR DA FORMAÇÃO DE PROFESSORES, INCLUSÃO E HISTÓRIA DA CIÊNCIA

educacionais referentes ao sujeito surdo (CICCONE, 1996). Como


consequência, diferentes propostas pedagógicas surgiram e a que se
destacou a partir dos anos de 1970 foi a denominada Comunicação
Total, a qual:

Não exclui técnicas e recursos [...]. Dessa maneira, seja


pela linguagem oral, seja pela língua de sinais, seja pela
datilologia, seja pela combinação desses modos, ou
mesmo por outros que possam permitir a comunicação
total, seus programas de ação estarão interessados em
aproximar pessoas. (CICCONE, 1996, p.7).

A Comunicação Total começou a ser desenvolvida nos Estados


Unidos e utilizava todas as estratégias possíveis para o ensino e comu-
nicação de surdos. Essa filosofia tinha como princípio norteador a via-
bilização da interação entre surdos e surdos e entre surdos e ouvintes.
Os pressupostos dessa abordagem foram divulgados por todo
o mundo e assim, já na década de 1980, estavam disseminadas as
ideias dessa filosofia, inclusive no Brasil. Nesse contexto histórico e
social toda a educação dos surdos começou a ser repensada ao mesmo
tempo em que começavam as reivindicações para o reconhecimento da
língua de sinais (PIMENTA, 2008).
Na mesma direção, conforme Quadros (1997) aponta, o nível
de alfabetização das crianças surdas não melhorava com o Oralismo,
que no fundo significava a imposição social de uma maioria linguística
(os falantes das línguas orais) sobre os surdos. Esse nível também não
melhorava nem com a Comunicação Total, porque não era um método
sistematizado e unânime entre todos os grupos de surdos, ficando
confinado a cada grupo de surdo o seu tipo de comunicação e suas
regras. Isso impossibilitava o desenvolvimento do surdo para além do
grupo social ao qual pertencia.
Neste contexto, entra em cena a terceira e atual fase constituída
pela chamada Educação Bilíngue. Segundo Stumpf (2005), em 1979
Suzanne Boral-Maisong (1900-1995) promoveu a primeira experiência
pedagógica baseada no Bilinguismo na França, numa classe com duas
professoras, uma ouvinte e uma surda, retomando o ensino para sur-
dos a partir da língua de sinais.

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DISCUTINDO O ENSINO DE CIÊNCIAS DA NATUREZA A
PARTIR DA FORMAÇÃO DE PROFESSORES, INCLUSÃO E HISTÓRIA DA CIÊNCIA

A Suécia também apresenta grande importância nesse cenário


educacional. As pesquisas ali desenvolvidas objetivavam a imersão
do enfoque bilíngue na educação do indivíduo surdo e colaboraram
para o primeiro currículo bilíngue das escolas de surdos introduzido
na Suécia em 1983 (KOZLOWSKI, 1995).
Em 1980 o Bilinguismo no Brasil começa a despontar princi-
palmente por meio das pesquisas de Brito (1986; 1989; 1993) tendo
como norteador básico o fato de que o surdo precisa ser bilíngue e é
desejável que esse adquira como língua materna a língua de sinais,
sendo considerada a língua natural dos surdos.
No final dos anos de 1980 no Brasil os surdos começaram a mi-
litar a garantia de oficialização da Língua Brasileira de Sinais (Libras).
Nos anos de 1990 um projeto de Lei da então senadora, Benedita da
Silva, deu início a uma longa batalha de legalização e regulamentação
da Libras que culminou na oficialização da língua como meio legal de
comunicação e expressão das pessoas surdas por meio da lei nº. 10.436
em 2002, a Lei-Libras (STROBEL, 2008).
Entende-se que a Educação Bilíngue valoriza a língua de
sinais como primeira língua do surdo, sendo utilizada como sua lín-
gua natural de ensino e língua majoritária, usualmente representada
como L1. A língua oficial do país (a falada) se encaixa como uma
segunda língua (L2), com ênfase na modalidade escrita. Assim, tor-
na-se necessário no Bilinguismo duas línguas bem fundamentadas a
serem ofertadas na educação da criança surda, sendo primordial que
a criança tenha contato primeiro com pessoas fluentes na língua de
sinais e posteriormente conheça a escrita da língua majoritária de seu
país (LACERDA, 1998).
Contudo, sabemos que implantação de projetos educacionais
bilíngues requer modificações internas das escolas, pois não significa
apenas colocar a Libras em circulação, nem somente utilizá-la nas salas
e espaços da escola, mas sim demanda novos processos didáticos e
pedagógicos, além de fomentar uma mudança na perspectiva social de
compreensão da surdez.

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DISCUTINDO O ENSINO DE CIÊNCIAS DA NATUREZA A
PARTIR DA FORMAÇÃO DE PROFESSORES, INCLUSÃO E HISTÓRIA DA CIÊNCIA

Uma relação da educação de surdos com os estudos da


semiótica de Peirce

Mediante o que fora observado por L’Epée por meio dos estu-
dos com gêmeas surdas, chamamos a atenção para o fato de que faz
parte da natureza humana a habilidade de criar diversos modos para
se comunicar e, assim, a linguagem passa a ser estabelecida por meio
da associação entre as coisas que são percebidas e as ideias despertadas
por essa percepção.
A pesquisadora surda, Campello (2008, p.7), afirma que “o ato
de ‘ver’ ou de ‘olhar’ o mundo exige uma mediação semiótica, uma
interação entre a propriedade suprida pelo signo e a natureza do su-
jeito que olha ou observa”. Ou seja, tanto a língua portuguesa como a
língua de sinais é compreendida por meio de signos apresentados em
forma de sons, grafemas, imagens, gestos, expressões faciais e corpo-
rais. Assim, os signos (que possuem a propriedade de representar algo
a alguém) são objetos de estudo do campo da semiótica.
Considerada a ciência que estuda todas as formas de lingua-
gens, a semiótica traz contribuições extremamente importantes para
que se possa compreender como tais linguagens são desempenhadas
nas ações humanas (SANTAELLA, 1983) e traz consigo a construção
de um longo histórico envolvendo grande quantidade de pensadores
e, por isso, essa ciência possui um caráter fortemente interdisciplinar,
atuando conjuntamente em diversos campos do saber.
Entre os precursores da semiótica no início do século XX emer-
gem significativamente Charles Sanders Peirce (1839-1914) e Ferdinand
de Saussure (1857-1913). Ambos os estudiosos desenvolveram paralela-
mente suas pesquisas e tornaram-se célebres influentes no campo.
Para Marques (2006), Peirce, ao desenvolver sua teoria levando
em conta os estudos de Locke, objetivava reunir conceitos que dessem
conta de explicar a multiplicidade de eventos da natureza e da cultura,
construindo uma teoria de caráter geral. Procurou explicar que o signo
não é o objeto, sua função é de apenas representar o objeto, produzindo
alguma coisa na mente de quem interpreta e o que foi produzido na
mente também seria outro signo, que também se relaciona com o objeto,
mas com a diferença de ser mediada pelo signo (SANTAELLA, 1983).

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DISCUTINDO O ENSINO DE CIÊNCIAS DA NATUREZA A
PARTIR DA FORMAÇÃO DE PROFESSORES, INCLUSÃO E HISTÓRIA DA CIÊNCIA

Em Marques (2006) também podemos encontrar que a con-


cepção de signo desenvolvida por Peirce envolve três elementos
articulados: signo ou representamen, objeto e interpretante. O signo1
ou representamen é aquilo que está no lugar do objeto o representando
(para a mente que o está interpretando). Quanto ao que se denomina
objeto, este não se restringe apenas à noção de um objeto existente ma-
terialmente. Ou seja, uma ideia, um conjunto de coisas, um evento ou
ocorrência pode ser o objeto de uma dada relação sígnica. Em relação
ao interpretante, considera-se que é o efeito que o signo produz numa
mente interpretativa. Peirce não se refere ao intérprete do signo, mas a
um processo relacional que se cria na mente do intérprete. Essa relação
triádica ficou conhecida como tríade signo, objeto e interpretante.
Peirce (1893) aponta que a multiplicidade de fenômenos da
experiência e conhecimento humano poderia ser reduzida a três cate-
gorias fundamentais: a Primeiridade, a Secundidade e a Terceiridade.
Procurando fazer uma síntese das três categorias usando expressões
menos complexas, baseando-se nas obras de Peirce, Machado (2015, p.
28) explica que a “Primeiridade remete ao que é imediato, original, ini-
cial, espontâneo, livre, evanescente; aquilo anterior a qualquer síntese,
sem unidade e sem partes”. Pode-se dizer ser a primeira impressão,
precedido ainda de julgamentos e qualquer pensamento articulado.
A Secundidade seria a relação que é decorrente do primeiro.
Nöht (2008) explica que a Secundidade começa quando um fenômeno
primeiro é relacionado a um segundo fenômeno qualquer. Aparece em
fatos tais como a relação, a compulsão, o efeito, o resultado, a realidade.
Nöth (2008), ao tratar sobre a Terceiridade, explica ser essa a
categoria que relaciona um fenômeno segundo a um terceiro. Corres-
ponde à consciência que é resultado da mediação que caracteriza o
entendimento da relação por meio do pensamento, da cognição.
Do ponto de vista das três categorias fundamentais, quando
relacionadas com os próprios elementos da tríade peirceana (signo-obje-
to-interpretante) os signos podem ser classificados em três grupos distin-
tos: (a) signo em si mesmo ou Primeiridade: em que qualquer coisa pode

1  Ressalta-se, contudo, que o signo não se limita a representar somente entidades existentes:
entidades ficcionais, imaginárias, e até mesmo as sonhadas são capazes de serem signos
(SANTAELLA, 1983).

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DISCUTINDO O ENSINO DE CIÊNCIAS DA NATUREZA A
PARTIR DA FORMAÇÃO DE PROFESSORES, INCLUSÃO E HISTÓRIA DA CIÊNCIA

ser um signo desde que tenha a qualidade de estar no lugar do objeto


representando-o; (b) a relação do signo com seu objeto corresponde à
Secundidade: descreve de que forma o signo promove seu significado, a
relação que estabelecem entre si é como de um algo apontado; (c) relação
entre signo e interpretante remete à Terceiridade: a cognição, reflexão e
apontamentos que o signo gera na mente do interpretador.
Ainda sobre as partes triádicas que interagem na constituição
do signo, Peirce (2005) estabelece as seguintes tricotomias: na relação
do signo consigo mesmo tem-se o quali-signo, o sin-signo e o legi-
-signo; na relação do signo com seu objeto existe o ícone, o índice e o
símbolo; por fim, na relação do signo com seu interpretante consistem
as classificações de rema, dicente e argumento.
Tendo por base tais conceitos, uma das possibilidades é clas-
sificar os sinais da Libras quanto à ícone, índice ou símbolo. O ícone,
enquanto signo que representa o objeto por similarida­de possui as
mesmas características que o objeto e mantém o signi­ficado mesmo
que esse desapareça (iconicidade). Assim, muitos sinais em Libras são
icônicos por sua ca­pacidade de reproduzir visualmente os objetos no
ar, como por exem­plo, os sinais de “ovo” (movimento de quebrar o
ovo), “leite” (movi­mento de tirar leite da vaca), “casa” (que remete ao
telhado de uma casa) dentre muitos outros, conforme pode ser visto
na Figura 02:

Figura 02. Ovo – exemplo de sinal icônico.


Fonte: https://trabalhandocomsurdos.blogspot.com

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DISCUTINDO O ENSINO DE CIÊNCIAS DA NATUREZA A
PARTIR DA FORMAÇÃO DE PROFESSORES, INCLUSÃO E HISTÓRIA DA CIÊNCIA

Gesser (2011) ressalta que a iconicidade é utilizada na língua


de sinais de forma convencional e sistemática. A iconicidade dos sinais
pode ser também verificada ao se executar o sinal, isoladamente, e
um indivíduo leigo em Libras entender com facilidade ao conseguir
associar o sinal ao objeto. A partir de uma visão mais ampla observa-
-se que em relação às línguas orais-auditivas, as línguas gestovisuais
apresentam um número infinitamente maior de signos icônicos, por
sua capacidade em reproduzir visualmente o objeto representado.
Os sinais classificados como símbolos, por sua vez, não são facil-
mente entendidos por pessoas que desconhecem a Libras, porque não
guardam relação alguma de similaridade com o objeto referenciado.
Assim sendo, os sinais convencionados como símbolos são compreen-
didos apenas pelos usuários da língua gestovisual. São exemplos de
sinais arbitrários os signos que remetem a “professor”, a cor “verde”,
a “estudar”, dentre outros.
Quanto ao que se entende por índice, de acordo com Peirce
(2005), pode ser considerado índice tudo o que estabeleça uma conexão
entre os signos ou partes da experiência, assim como pegadas no chão
supõem que alguém passou por ali. De acordo com Meira et al. (2017)
o método utilizado por muitos estudantes na aprendizagem formal
ou informal de Libras para memorizar os sinais pode ser qualificado
como índices, uma vez que, ao apreenderem determinado si­nal con-
vencionado, realizam o movimento de associar o sinal ao conceito
representado por guardar alguma semelhança com algum outro signo,
fato ou objeto relacio­nado.
Como exemplo de sinal indicial temos o signo “rosa”, cujo sinal
em Libras é descrito com a configuração de mão em R realizando curtos
movimentos circulatórios sobre a bochecha o que, por associação, in-
dica ser a região que fica rosada quando algumas pessoas apresentam
fortes emoções como vergonha, raiva etc.
Assim, a existência de inúmeros signos que estão associados
a um objeto ou fenômeno – e seus conceitos – nos remete a especial
importância do campo de estudos semióticos nos processos de ensino
e aprendizagem para surdos. A cognição ocorre por intermédio dos
signos e pode ser considerada como um processo de interpretação, de
compreensão por meio da construção de modelos mentais.

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DISCUTINDO O ENSINO DE CIÊNCIAS DA NATUREZA A
PARTIR DA FORMAÇÃO DE PROFESSORES, INCLUSÃO E HISTÓRIA DA CIÊNCIA

Assim, defendemos que a semiótica é muito útil no estudo de


qualquer fenômeno relacionado à aprendizagem, visto que estabelece
ligações entre uma linguagem e outra linguagem, construindo signifi-
cados e concepções acerca de qualquer conhecimento.
O semioticista e historiador cultural Yuri Lótman (1922-1993)
escreve que a totalidade da cultura está imersa em um espaço semiótico
(LOTMAN, 1996). Especialmente quanto à comunidade surda, trata-se
de indivíduos que pertencem a uma cultura característica, princi-
palmente porque o surdo utiliza uma língua constituída de códigos
visuais, culturalmente constituídos com capacidade de desenvolver
significantes e significados que lhe propicie acesso ao conhecimento.
É possível, de fato, conhecer as características de uma determinada
cultura por meio da interação com o espaço semiótico dessa cultura.
Segundo a pesquisadora Perlin (1998), a identidade surda se cons-
trói dentro de uma cultura visual e essa precisa ser entendida não como
uma construção isolada, mas como construção multicultural. Conforme os
surdos ganham espaço e têm sua língua legitimada, decorre a emergência
dos diferentes traços de uma cultura própria, como a arte, o humor, o
teatro, as figuras públicas, os famosos, os políticos e tantos outros.
Perlin (1998) destaca a língua de sinais para os surdos como
ponto de referência forte para a categorização de uma identidade sur-
da. A língua e as experiências visuais do mundo em que vivem são
marcas importantes do ser surdo.

Para Finalizar

A história dos primeiros registros sistemáticos da língua de


sinais como mecanismo eficiente usado para comunicação e aprendi-
zagem do surdo tem início, sobretudo, a partir de L’Epée. A existência
de inúmeros signos que estão associados aos conteúdos científicos
nos remete a especial importância do campo de estudos semióticos
nos processos de ensino e aprendizagem das ciências. E se tratando
especialmente do aluno surdo, verifica-se que a visualização ocupa
um papel de destaque nesse processo, uma vez que é por meio da
experiência visual que ocorre a interação entre o indivíduo surdo e o
meio que o cerca.

108
DISCUTINDO O ENSINO DE CIÊNCIAS DA NATUREZA A
PARTIR DA FORMAÇÃO DE PROFESSORES, INCLUSÃO E HISTÓRIA DA CIÊNCIA

Como aponta Meira et al. (2017), o estudo da semiótica a partir


de Peirce objetiva, em síntese, compreender a produção de significados
por meio do processo de semiose que se dá pela di­nâmica entre os três
componentes de um signo: o representamen, o objeto e o interpretante. No
caso da Libras, esses signos são os sinais que a compõem. Ao classificar
os signos quanto ao seu caráter icônico, indicial ou simbólico, consta-
ta-se que embora a ocorrência de iconicidade seja maior se comparada
às línguas orais, predomina ainda seu caráter arbitrário e, por isso, a
Libras apenas é efetiva­mente compreendida pelos fluentes.
A relação dos estudos semióticos e a aprendizagem do surdo
é um campo pouco explorado, apesar de mostrar-se fundamental. A
mediação semiótica permite ao surdo ir além de sua limitação sensorial
para desenvolver os processos superiores, baseados nas suas experi-
ências visuais, e assim, tornar-se capaz de veicular seu pensamento
interior por meio de estratégias sígnicas visuais.

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109
DISCUTINDO O ENSINO DE CIÊNCIAS DA NATUREZA A
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110
Os cartões de divulgação dos extratos de carne do
químico Alemão Justus Von Liebig (1803-1873)

Ingrid Nunes Derossi2

Breve Biografia

No início do século XIX a Alemanha enquanto país ainda não


estava consolidada, constituía-se de um conjunto de pequenos estados
no qual o que mais se destacava era a Áustria (atualmente um país).
A sua reforma e reorganização aconteceu após a invasão napoleônica,
sendo um marco para a sua história. É neste cenário histórico que
nasceu Justus von Liebig (figura 1) na cidade de Darmstadt.

Figura 1: Justus von Liebig


Fonte: Liebig em Janeiro de 1872 - Fotografia Retirada Pela Autora no Liebig Museum
- Chemiemuseum in Gießen, 2016

2  Universidade Federal do Triângulo Mineiro.

111
DISCUTINDO O ENSINO DE CIÊNCIAS DA NATUREZA A
PARTIR DA FORMAÇÃO DE PROFESSORES, INCLUSÃO E HISTÓRIA DA CIÊNCIA

O reconhecimento de sua importância para a química inicia-se


com os seus conterrâneos que o consideram um dos três maiores quí-
micos do século XIX, acompanhado de Friedrich Wöhler (1800-1882)
e Robert Wilhelm Bunsen (1811-1899), e de acordo com o depoimento
de seu ex-aluno e assistente, August Wilhelm von Hofmann (1818-
1892), em um tributo a Michael Faraday (1791-1867), em 1875, “uma
das mentes cientificas contemporâneas mais brilhantes desse período”
(HOFMANN, 1876). No trecho abaixo é possível perceber o destaque
que era garantido a Liebig pela comunidade científica, aqui nas pala-
vras de Hofmann:

Deixe-me, no entanto, começar, por declarar francamente


a vós, a minha profunda convicção de que Liebig é o
nome e personagem a ficar ao lado de Faraday na re-
presentação do nosso século para as gerações futuras da
humanidade. Na verdade, mesmo enquanto eu digo isso,
eu estou ciente de que é difícil para nós, seus contemporâ-
neos, compreender, em toda a sua plenitude, a majestade
imponente destes dois grandes homens. (HOFMANN,
1876, p. 6)

Em suas biografias grande destaque é atribuído a seu pai,


Johann Georg Liebig (1775-1850), que era filho de um sapateiro que
lhe ensinou química suficiente para a fabricação de produtos químicos
em pequena escala e adquiriu fama local durante os anos de 1820 com
a iluminação da sua loja utilizando gás acetileno preparado a partir
da queima de ossos. Tornou-se comerciante de diversos produtos
químicos como cola, vernizes, corantes e também vendia ferramentas
na cidade de Darmstadt (MUNDAY, 1990). Por causa de sua profissão
montou um laboratório-oficina perto da sua casa, local onde Justus
von Liebig teve o seu primeiro contato com a química (STRUBE, 2005).
Johann matriculou Liebig na Ludwig-Georgs-Gymnasium, con-
siderada uma boa escola primária, baseada em estritas linhas clássicas
e coordenada pelo estudioso Johann Zimmermann (1754-1829). Ele e
seu irmão mais velho3 ingressaram na escola em 1811, quando Justus

3  Ele foi o segundo filho homem de Johann, tinha nove irmãos sendo que um foi embora de
casa antes de Justus nascer, um veio a falecer antes dos 5 anos de idade e quatro irmãs faleceram
na infância. Justus ficou apenas com seus irmãos Johann Ludwig Louis (1801-1830), Johann

112
DISCUTINDO O ENSINO DE CIÊNCIAS DA NATUREZA A
PARTIR DA FORMAÇÃO DE PROFESSORES, INCLUSÃO E HISTÓRIA DA CIÊNCIA

estava com oito anos de idade. A idade média de seus colegas de tur-
ma era de dez anos. Já neste período, o estudioso não se adequava as
metodologias tradicionais e por isso, possuía péssimo desempenho em
sala de aula, chegou a ser chamado de cabeça de ovelha pelo assistente
do diretor do ginásio e caçoado pelo reitor ao dizer que gostaria de tor-
nar-se químico, como pode ser verificado pela sua nota autobiográfica:

Com essa inclinação da mente [observacional e experi-


mental] é fácil entender que a minha posição na escola
era muito deplorável. Eu não tinha memória auditiva e
retinha pouco ou quase nada do que era ensinado através
desse sentido. Eu me encontrei na mais desconfortável
posição que um menino poderia estar; linguagens e tudo
que é adquirido por esses meios, que ganha louvor e
honra na escola estavam fora do meu alcance; e quando
o venerável reitor do ginásio, em uma ocasião de ave-
riguação da minha sala, veio até mim e fez um incisivo
protesto pela minha falta de diligência, como eu estava
sendo a praga dos meus professores e a tristeza dos meus
pais e [questionou] o que eu pensava que iria me tornar,
quando eu respondi que eu gostaria de ser químico,
toda a turma e o bom e velho homem começaram a rir
incontrolavelmente, ninguém naquele tempo tinha ideia
de que química poderia ser estudada. (LIEBIG, 1892, p.
658, tradução da autora)

De acordo com suas notas autobiográficas, Liebig abandonou o


ginásio em 1817, porque a grade curricular e a abordagem pedagógica
adotada pela escola não combinavam com ele, o foco de ensino recaía
sobre a linguística, embora o cientista se interessasse mais pelo campo
das ciências e da experimentação que ele compreendia melhor. Um
outro possível motivo apresentado por alguns de seus biógrafos seria
a baixa renda familiar. Sem a obtenção do Abitur4, Liebig teria poucas
chances de ingressar em uma universidade. Esse fato, contudo, será
mais tarde contornado com o auxílio do professor Wilhelm G. Kastner
(1783-1857), da Universidade de Bonn (BROCK, 1997).

Georg (1811-1843), Karl (1818-1870) e uma irmã, Elizabeth (1820-1890). (LIEBIG MUSEUM -
CHEMIEMUSEUM IN GIEßEN, 2016)
4  Exame de conclusão do ensino médio na Alemanha, que equivaleria ao vestibular brasileiro.
(www.brasil.diplo.de) Acessado em junho de 2015.

113
DISCUTINDO O ENSINO DE CIÊNCIAS DA NATUREZA A
PARTIR DA FORMAÇÃO DE PROFESSORES, INCLUSÃO E HISTÓRIA DA CIÊNCIA

Exemplificando suas predileções, certa vez, Liebig testemu-


nhou um vendedor ambulante em um mercado de Darmstadt preparar
fulminato de mercúrio para ser usado como torpedos de “brinquedo”
ou “bombinhas” que ele, o próprio ambulante, estava vendendo.
Reconhecendo o ingrediente como mercúrio, ácido nítrico e álcool,
tornou-se simples para o jovem - que tinha grande afinidade com as
experimentações - preparar o seu próprio foguete para vender na loja
de seus pais (SHENSTONE, 1901).
Diante desse cenário e do interesse de Liebig na preparação dos
produtos químicos de seu pai, em 30 de julho de 1817 Johann decide
enviar uma carta ao jovem boticário Gottfried Pirsch (1792-1870),
perguntando se seu filho poderia aprender a “arte dos farmacêuticos”
com ele. Em 10 de novembro Liebig chegava na cidade de Heppenheim
para seus estudos. Entretanto, não queria ser um boticário, e sim um
químico e enquanto estava com Pirsch começou a fazer experimentos
considerados de caráter não farmacêuticos (SHENSTONE, 1901).
Após dez meses com o boticário na cidade de Heppenheim,
Liebig acabou retornando para a casa dos pais. De acordo com as suas
notas autobiográficas, ele foi enviado de volta para casa devido aos
seus experimentos com os fulminatos que estavam causando prejuízos
ao boticário, porém de acordo com a biografia escrita por William H.
Brock e pelas cartas enviadas pelo boticário, o seu pai não possuía uma
condição financeira boa o suficiente para mantê-lo e, devido ao seu
orgulho, Liebig inventou a história de que era indisciplinado e por isso
fora devolvido. Sendo assim, não há fontes que concordem em relação
ao real motivo do seu retorno nem registros na cidade sobre o período
que permaneceu lá. (BROCK, 1997; MUNDAY, 1990; SCHWEDT, 2002)
No período de 1818 a 1819 Liebig permaneceu em casa, ajudan-
do seu pai e lendo livros de química que ele pegava emprestado na
biblioteca da corte do duque Ludwig. Essa biblioteca, de acordo com o
historiador William H. Brock, parece ter funcionado como uma bibliote-
ca pública, havendo relatos de empréstimo de obras para a população.
Ele leu os trabalhos de Henry Cavendish (1731-1810), Pierre-Joseph
Macquer (1718-1784), a teoria do flogistico de Georg Ernst Stahl (1660-
1734), entre outros.
No semestre de inverno de 1820 Liebig é levado pelo professor
Wilhelm Gottlob Kastner (1783-1857) para a Universidade de Bonn. As

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DISCUTINDO O ENSINO DE CIÊNCIAS DA NATUREZA A
PARTIR DA FORMAÇÃO DE PROFESSORES, INCLUSÃO E HISTÓRIA DA CIÊNCIA

duas biografias mais utilizadas não deixam claro como Liebig conheceu
o professor. Na biografia escrita por Brock diz que o professor ficou
encantado com a inteligência do jovem ao passar pelo estabelecimento
de seu pai, e na obra de Shenstone, Liebig teria insistido em ir para
a nova universidade, onde conhecera o professor que lhe ofereceu o
cargo de seu assistente pessoal para treina-lo na química, e de acordo
com as informações do museu o professor era um conhecido de seu
pai para quem fornecia os insumos de sua loja. Tendo em vista que os
dados da biografia de Brock e as informações do museu se aproximam,
consideramos que Liebig conheceu o professor na loja de seu pai.
O professor tentou matriculá-lo na Universidade de Gießen,
onde a química, do seu ponto de vista, estava “incoerentemente”
sendo ensinada por estudantes de medicina. Porém, a instituição não
o aceitou por não ter o Abitur, no entanto, a situação na recente Uni-
versidade de Bonn era mais tranquila ou Kastner, como o seu primeiro
professor de química, tinha status suficiente para conseguir a matrícula
de Liebig. O maior problema era financeiro, mas seu pai superou isso
através de sua amizade com o grã-duque chanceler, Ernst Schleierma-
cher (1755-1844) que conseguiu uma bolsa para Liebig. (BROCK, 1997;
SHENSTONE, 1901)
O químico segue para Paris em 1822, que era considerada um
dos centros do conhecimento científico da época com o destaque dos
trabalhos de Claude Louis Berthollet (1748-1822), Joseph Louis Gay-
-Lussac (1778-1850), Michel Eugéne Chevreul (1786-1889), de fato, na
Alemanha predominava as ideias de Georg Stahl, o que não permitia
grandes destaques para as ideias de Antoine Laurent Lavoisier (1743-
1794) (ALFONSO-GOLDFARB; FERRAZ, 1993), porém as ideias de
Liebig sobre como fazer química possuía muitas semelhanças com
as ideias apresentadas por Lavoisier, como por exemplo a repetição
dos experimentos de modo a obter uma conclusão convincente para
si mesmo, como já foi apresentado anteriormente, uma hipótese que
podemos presumir, que essa concepção também estava presente nos
escritos de Berthollet e de Gay-Lussac que possuíam textos traduzidos
para o alemão e cujos trabalhos circulavam por toda a Europa através
dos novos periódicos, como Annales de Chimie (1789), Annali di qimica
(1790, Anales de química (1791), Annalen de Crell (1798) e o periódico

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DISCUTINDO O ENSINO DE CIÊNCIAS DA NATUREZA A
PARTIR DA FORMAÇÃO DE PROFESSORES, INCLUSÃO E HISTÓRIA DA CIÊNCIA

criado pelo próprio Liebig, Annalen der Pharmacie (1832). (BENSAUDE-


-VINCENT; STENDERS, 1996)
Em 23 de junho de 1823 Liebig consegue o título de doutor em
filosofia5 em Erlangen com a contribuição de seu professor Kastner “in
absentia”6 não há cópias de sua tese. (SCHWEDT, 2002)
Liebig desejava criar uma instituição com um curso de química
experimental em Darmstadt, porém a disciplina de química permane-
cia marginal e subordinada ou pelo menos acoplada a outras preocu-
pações acadêmicas e práticas concernentes a medicina, a mineração e
a economia. De acordo com o que foi descrito na biografia de Brock
pelo pesquisador Bernard Gustin, a necessidade da química como uma
disciplina autônoma no final do século XVIII, mesmo que inserida na
faculdade de filosofia, veio através da demanda de treinamento espe-
cífico nessa ciência. (BROCK, 1997)
Em maio de 1824 Liebig foi apresentado como professor
extraordinário7 de química na universidade de Gießen. Diante desta
trajetória o seu reconhecimento na comunidade química deve-se,
principalmente, ao número de colaborações para o desenvolvimento
da química, sobretudo na química orgânica e na agroquímica.

Os cartões de Liebig nos extratos de carne

Justus von Liebig ganhou reconhecimento na comunidade quí-


mica, principalmente pelo número de colaborações para o desenvolvi-
mento dessa ciência, sobretudo na química orgânica e na agroquímica.
Suas publicações somam em torno de 100 livros, mais de 200 artigos
e aproximadamente 1.000 estudantes tiveram contato com os seus
ensinamentos. Pretendemos aqui abordar alguns de seus trabalhos
científicos, mas não iremos nos aprofundar debatendo-os, visto que
não é o foco deste capítulo. (BOLTON, 1893; MUNDAY, 1990)
Suas produções englobam diferentes temáticas, como o aper-
feiçoamento do método para análise de compostos orgânicos e o esta-

5  Neste período, o título de doutor em filosofia, englobava o que hoje conhecemos por Ciências
(FRUTON, 1988)
6  Liebig estava em Paris e recebeu o título a distância
7  O que corresponderia a um professor sem cadeira. (https://www.academics.de/wissenschaft/
ordinarius_36033.html). Dois anos depois, Liebig passou a ser professor Ordinário, ou seja,
passou a ter uma cadeira no corpo docente da Universidade. (SHENSTONE, 1901)

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DISCUTINDO O ENSINO DE CIÊNCIAS DA NATUREZA A
PARTIR DA FORMAÇÃO DE PROFESSORES, INCLUSÃO E HISTÓRIA DA CIÊNCIA

belecimento da fórmula empírica de muitos compostos, a descoberta


de outros tantos em parceria com Wöhler, o estabelecimento da teoria
de radicais através de experimentos (radicais benzoila e etil), a teoria
do hidrogênio dos ácidos, a teoria da fermentação e a química agrícola
e fisiológica. No entanto, será abordado neste capítulo a elaboração
de extratos de carne e os cartões que acompanhavam esse produto,
contribuindo para a divulgação da ciência.
Em 1843 Liebig e seus alunos extraíram da carne um caldo que
continha uma variedade de compostos que lhe fez pensar que poderia
produzi-los e complementar a alimentação da população que não po-
dia ingerir a quantidade suficiente de carne para uma dieta saudável.
Este extrato podia ser utilizado como um substituto da carne, na opi-
nião de Liebig. O médico pessoal do Rei Bávaro, Professor von Breslau
(s/d), que conhecia o trabalho de Liebig, ordenou que o extrato fosse
produzido pelo boticário real, Franz Xaver Pettenkofer (1783-1850) e
passou a recomendar a seus pacientes o extrato nos casos apropriados.
(LAQUA, 2003)
Pettenkofer passou a produzir e vender os extratos sob a super-
visão de Liebig em sua loja. O extrato era recomendado pelos médicos
cada vez mais, inclusive os de Munique, como um bom tônico, mas o
preço alto restringia o uso a pessoas da classe alta, visto que eles pre-
cisavam de 32 kg de carne fresca, sem gordura, a fim de obter 1 kg do
extrato de carne.
Em 1861 o engenheiro alemão George Christian Giebert (s/d)
que construía estradas no Brasil e vivia no Uruguai observava a
abundância e preços baixos da carne bovina na América do Sul. Vale
recordar que não havia modos de refrigeração na conservação dos
alimentos. Portanto, nesta época do gado abatido, eram aproveitados
para o consumo apenas a língua, o couro, o sebo e, algumas vezes,
parte da carne que era salgada para a fabricação de charque. Giebert
encaminhou para Liebig um projeto de criar uma fábrica naquele local
e Liebig concordou desde que levasse o seu nome no produto final,
“Extractum Carnis Liebig”, visto que era produzido através de seu mé-
todo. Assim, a fábrica foi fundada no povoado de Fray Bentos em 1862
e em cada caixa do produto vinham cartões com a assinatura de Liebig
para comprovar a sua autenticidade. (PERREN, 2006)

117
DISCUTINDO O ENSINO DE CIÊNCIAS DA NATUREZA A
PARTIR DA FORMAÇÃO DE PROFESSORES, INCLUSÃO E HISTÓRIA DA CIÊNCIA

A procura era tamanha que a pequena fábrica no Uruguai não


comportava os pedidos, então Liebig solicitou um financiamento para
a ampliação da fábrica, além de investir em Fray Bentos e fundou outra
fábrica em Londres8 com o nome de “Liebig´s Extract of Meat Company
Limited” (LEMCO). As vendas continuaram altas até a Primeira Guer-
ra. Em 1924 a empresa em Fray Bentos fechou e a LEMCO funcionou
até 1968. (PERREN, 2006)
Através desses extratos Liebig encontrou um meio de divulgar
a ciência e a si mesmo, utilizando cartões que acompanhavam os extra-
tos que circulavam no continente desde a década de 1850, a princípio
como uma maneira de atestar a autenticidade do produto com a assi-
natura de Liebig, porém a empresa percebeu que os cartões coloridos
eram uma excelente forma de propaganda. Em 1872, pouco tempo
antes da morte do cientista, as primeiras cartas ou “cromos” foram
publicadas para mostrar a produção do extrato de Liebig (LONDON
CIGARETTE CARD COMPANY, 1999). Durante os 100 anos seguintes
estima-se que não menos do que 1138 séries diferentes foram emitidas,
totalizando aproximadamente 7000 cartões O último cartão apareceu
na Alemanha em 1940. (JUSSEN, 2002)
Quase todos os conjuntos compreendem seis cartões, embora
algumas emissões posteriores a 1883 fossem de 12 ou 18. Em um
formato grande, aproximadamente 100 x 70 mm, os cartões foram
distribuídos em muitos países e foram impressos em diferentes lín-
guas como italiano, francês, russo, espanhol e alguns, raros, em inglês.
Muitas imitações surgiram trazendo a assinatura de Liebig nos cartões,
fazendo com que em alguns cartões de edições de língua inglesa, como
apresentado na imagem abaixo, aparecessem as palavras “Peça pelo
extrato de carne de Liebig Co. Não é original sem a cópia da assinatura
do Barão Liebig9 (figura 3), o inventor [do extrato], em cor azul. Evite
todas as imitações de extratos”. (LONDON CIGARETTE CARD COM-
PANY, 1999)

8  Não foram encontrados dados que nos possibilitem dizer que Liebig era o responsável por
essa fábrica ou se possuía algum “sócio” que a administrava.
9  Liebig era membro da Royal Society of London desde 1840 onde recebeu a medalha Copley
Medal (medalha de maior prestigio da Royal Society, por realizações notáveis e​ m ciencias) e
da Academia de Ciências de Berlim, e recebeu o título honorário de Barão em 1845. (www.
royalsociety.org) acessado em julho de 2015.

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DISCUTINDO O ENSINO DE CIÊNCIAS DA NATUREZA A
PARTIR DA FORMAÇÃO DE PROFESSORES, INCLUSÃO E HISTÓRIA DA CIÊNCIA

Figura 2: Um dos cartões que acompanhavam os produtos de Liebig


Fonte: London Cigarette Card Company (acervo digital)

Além de sugerir o cuidado com as falsificações, esse mesmo


cartão aborda como o extrato poderia ser utilizado, recomendando
(tradução da autora):
Chá de carne – Tônico eficiente em todos os casos de fraqueza e de
desordem digestiva. Dissolva um quarto de uma colher de chá do extrato
numa xícara de água fervida no café da manhã, adicione muito sal, isso
fará um forte e autentico chá de carne. Você pode adicionar, de acordo
com o seu gosto, uma colher de chá de vinho [Madeira, Sherry, Porto],
uma gema de ovo frecso, um pouco de manteiga, pão ou batata cozida.
Muitos [consumidores] gostam de adicionar um pouco de molho Worces-
tershire1. Este chá de carne age como um tônico agradável, especialmente
quando tomado de manhã, e pode ser tomado várias vezes ao dia.
Sopa – Uma variedade de excelentes sopas de carne e vegetais
pode ser feita com o auxilio do extrato de carne e qualquer uma irá
adquirir um forte e gostoso sabor pela adição do mesmo.
Sopa de vegetais – Batata, ervilha, arroz, etc. Cozinhe os vege-
tais suficientemente com uma pouco de gordura, um pouco de ossos
ou algumas fatias de carne ou um pouco de manteiga fresca, adicione
o extrato e sal a gosto.

1  Ou molho inglês

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DISCUTINDO O ENSINO DE CIÊNCIAS DA NATUREZA A
PARTIR DA FORMAÇÃO DE PROFESSORES, INCLUSÃO E HISTÓRIA DA CIÊNCIA

Molhos – Forte e saboroso devido ao extrato.


Bebida noturna – Este chá de carne acalma e normaliza o esto-
mago, acalma o cérebro agitado e induz ao sono.
Os temas abrangem diversos campos do conhecimento e da ativi-
dade humana como artes, lugares e as cenas de muitos países, acontecimen-
tos históricos, culturas de diferentes povos, armas de guerra e uniformes
militares, história natural em suas muitas formas, animais, ciência, vida
social e industrial, várias formas de transportes antigos e novos, esportes
entre outros. Não se tem conhecimento sobre o responsável pelas imagens
nem sobre a autoria do conteúdo descrito em alguns cartões. (LONDON
CIGARETTE CARD COMPANY, 1999; JUSSEN, 2002)
Os primeiros cartões retratavam episódios da vida do cientista,
como a sua época na escola, sob o título de “O gênio atrás da mesa
da escola” (figura 3). Conforme mencionamos no início deste capítulo,
ele não se adequava as metodologias tradicionais e, por isso, possuía
péssimo desempenho em sala de aula; chegou a ser chamado de cabeça
de ovelha pelo assistente do diretor do ginásio e caçoado pelo reitor
ao dizer que gostaria de se tornar químico. É possível que este cartão
retrate esse momento, tanto pelo título quanto pela reação dos outros
alunos que a imagem sugere que estavam rindo do aluno que está
sendo interrogado por um professor.

Figura 3: Cartão da série sobre a vida de Liebig


Fonte: London Cigarette Card Company (acervo digital)

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DISCUTINDO O ENSINO DE CIÊNCIAS DA NATUREZA A
PARTIR DA FORMAÇÃO DE PROFESSORES, INCLUSÃO E HISTÓRIA DA CIÊNCIA

Outro cartão desta mesma série sugere Liebig na feira em Dar-


mstadt (figura 4) com o título de “o grande pesquisador alemão”. Esta
imagem nos chama atenção devido à presença de muitos elementos
que caracterizam a ciência ainda associada com a alquimia e vista
como voltada para o mal (a presença da imagem associada ao diabo),
perigosa para a saúde (a caveira), a magia (a roupa do expositor), com
uma linguagem complexa (placa laranja ao lado da “imagem diabóli-
ca”) e a visão de ciências com cunho de entretenimento que era muito
comum na época.

Figura 4: Cartão da série sobre a vida de Liebig


Fonte: London Cigarette Card Company (acervo digital)

Este cartão não é uma exceção. Em outros cartões ainda apare-


cem fatores que demonstram relação entre ciência e alquimia, como
por exemplo a atribuição de sexualidade a fenômenos da natureza;
como por exemplo a lua é retratada como sendo do sexo feminino,
assim como um cometa, o amanhecer, bem como o alquimista recluso
fazendo suas “magias”. Outros cartões demonstram a ciência presen-
te desde o momento de extração da matéria prima até os produtos
para venda, reproduções do cotidiano dentro de seu laboratório
para que outras pessoas pudessem saber como era a vivência de um

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DISCUTINDO O ENSINO DE CIÊNCIAS DA NATUREZA A
PARTIR DA FORMAÇÃO DE PROFESSORES, INCLUSÃO E HISTÓRIA DA CIÊNCIA

laboratório (figura 5) e em outro uma reprodução das suas aulas


experimentais (figura 6).

Figura 5: Laboratório de Liebig


Fonte: London Cigarette Card Company acervo digital

Figura 6: Aula de Liebig


Fonte: London Cigarette Card Company acervo digital

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DISCUTINDO O ENSINO DE CIÊNCIAS DA NATUREZA A
PARTIR DA FORMAÇÃO DE PROFESSORES, INCLUSÃO E HISTÓRIA DA CIÊNCIA

Considerações Finais

As contribuições do químico Justus von Liebig para a química


foram significativas que até hoje seus estudos são explorados por
químicos e historiadores. No entanto, o significado atribuído aos seus
cartões ainda não foi explorado, apesar de receber a assinatura de
Liebig e estar em seus produtos, os pintores dos cartões e quem ditava
a temática é desconhecida, portanto, não se pode afirmar que essas
concepções expressas nos cartões retratavam a opinião do cientista.
Apesar disso, percebe-se o intuito de divulgar a ciência, atrair
a atenção e a vontade de estudar do maior número de pessoas, bem
como destacar a importância e, por que não, o encantamento da ciência
ao público no século XIX, dando a esse conhecimento um realce.

Referências Bibliográficas

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123
DISCUTINDO O ENSINO DE CIÊNCIAS DA NATUREZA A
PARTIR DA FORMAÇÃO DE PROFESSORES, INCLUSÃO E HISTÓRIA DA CIÊNCIA

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STRUBE, W. Justus Liebig: Eine Biographie. Leipzig: Sax-Verlag Beucha, 2005.

124
A mulher na história da ciência

Giovana Mendonça de Medeiros2


Ivoni de Freitas Reis3

“Eles bem o sabem, elas mal duvidam”, assim diz Simone de


Beauvoir (1908-1986) em O Segundo Sexo (1949), uma das obras mais
importantes e reconhecidas do movimento feminista. Nesse mesmo
livro enfatiza que o estado atual está diretamente envolvido com o
passado, e no passado toda a história foi escrita pelos homens.
É característica geral das teorias feministas argumentar a
respeito da natureza da desigualdade de gênero e propor mudanças
nos processos organizacionais da sociedade com o objetivo de conter
o sexismo enraizado nas relações sociais e políticas (ICHIKAWA;
YAMAMOTO; BONILHA, 2008).
Os estudos de gênero entram em concordância com as teorias
feministas ao apontar, entre outras coisas, que os campos de estudo
de Ciências e Tecnologia (C&T) não são neutros e “estão inseridos em
uma estrutura de poder e em relações de gênero, nas quais interesses e
disputas influenciam nas opções de pesquisadores/as da área.” (FREI-
TAS; LUZ, 2017, p. 2).
Nos estudos de gênero que trabalham a temática da C&T, as
principais perguntas a serem respondidas são: “Por que a ciência é
coisa de homem?”; “Quais as razões que justificam essa afirmação?”.
Dessa forma, o principal objetivo dessas pesquisas é, segundo García
e Sedeño (2002, p. 2)

Documentar a ausência e a presença de mulheres na his-


tória do desenvolvimento científico-tecnológico, explicar
essa situação e propor estratégias institucionais e educa-
cionais para uma incorporação completa das mulheres
nesses campos.

2  Universidade Federal de Juiz de Fora. giovanamedeiros@id.uff.br.


3  Universidade Federal de Juiz de Fora. ivonireis@gmail.com.

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DISCUTINDO O ENSINO DE CIÊNCIAS DA NATUREZA A
PARTIR DA FORMAÇÃO DE PROFESSORES, INCLUSÃO E HISTÓRIA DA CIÊNCIA

Gênero e Ciência: Breve Histórico

A representação simbólica do cientista que persiste na compre-


ensão de mundo da sociedade é de “um homem, não jovem, que utili-
za óculos e um avental branco e que, embora heterossexual e casado,
não se mostra preocupado com atividades familiares e domésticas.”
(FREITAS; LUZ, 2017, p. 3).
A sustentação de tal símbolo é resultante da herança acumu-
lada historicamente por grupos sociais cujo interesse patriarcal é pre-
servar a imagem masculina no fazer científico. Entretanto, é de suma
importância salientar que as mulheres sempre estiveram envolvidas
na produção científica, mas não tiveram seus trabalhos e resultados
reconhecidos tanto quanto os homens.
Uma das menções mais antigas que fazem referência ao conhe-
cimento feminino é uma receita para produção de pomada de flores
e óleo de cálamo, associada a Tapputti Belatekallim, perfumista do
século XII a.C. A receita aparece, junto de seu nome, em um tablete
de argila datado do século XIII a.C. Esse padrão se repete na maior
parte dos saberes atribuídos às mulheres no período em questão em
que se faz referência à obtenção de medicamentos e/ou cosméticos
(TRINDADE; BELTRAN; TONETTO, 2016).
O processo de destilação de ervas e do vinho também fazia par-
te das tarefas domésticas, podendo ser associado às práticas femininas.
Muitos dos conhecimentos, hoje ditos científicos, de grande relevância
foram desenvolvidos por mulheres, tais como o processo de fabricação
do pão, que envolve a fermentação, a elaboração de corantes usados
principalmente para o tingimento de tecidos e, até mesmo, o cultivo de
grãos (GARCÍA; SEDEÑO, 2002; TRINDADE; BELTRAN; TONET-
TO, 2016).
Outra forma de participação feminina de extrema relevân-
cia está na medicina que era praticada de maneira informal - quiçá
empírica e meticulosamente “estudada”- e cuidadosamente repetida
experimentalmente por curandeiras, parteiras ou até mesmo pelas
mulheres consideradas bruxas, até que a prática medicinal passou a ser
institucionalizada a partir do século XIII. (EHRENREICH; ENGLISH,
1976; GARCÍA; SEDEÑO, 2002).

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DISCUTINDO O ENSINO DE CIÊNCIAS DA NATUREZA A
PARTIR DA FORMAÇÃO DE PROFESSORES, INCLUSÃO E HISTÓRIA DA CIÊNCIA

No decorrer da história constata-se que o acesso ao estudo e ao


conhecimento foi cerceado às mulheres. Somente a escola platônica e
a pitagórica aceitavam a presença de mulheres na Grécia, já na Idade
Média elas só tinham acesso à educação em alguns poucos conventos
(HAYASHI et al., 2007).
A oportunidade de alcance à educação diminui o surgimento
das universidades europeias, entre os séculos XII e XV, visto que
o ingresso das mulheres era proibido. Ainda que algumas tenham
sido aceitas como exceção em poucas universidades, foi um processo
de séculos para que o acesso fosse liberado para as mulheres como
grupo (GARCÍA; SEDEÑO, 2002).
A primeira universidade a permitir o ingresso de mulheres foi
a de Oberlin4, em 1837, nos Estados Unidos da América (EUA). Essa
universidade foi a mesma que admitiu pela primeira vez a entrada
de afro-americanos na universidade, em 1835. Entretanto, o acesso
era permitido somente em um departamento separado do restante e
não recebiam diploma de conclusão do curso (HAYASHI et al., 2007).
Isso mostra, entretanto, o caráter de vanguarda que nos é devido a
essa Instituição.
As universidades suíças passaram a aceitar mulheres em seu
corpo discente apenas na década de 1860, as universidades inglesas em
1870, as francesas em 1880 e as alemãs somente em 1900, na Espanha o
livre acesso aconteceu somente em 1910 (HAYASHI et al., 2007; GAR-
CÍA; SEDEÑO, 2002).
A primeira mulher a ser aceita no ensino superior, em Portu-
gal, foi Domitila Hormizinda Miranda de Carvalho (1871-1966), em
outubro de 1891, na Universidade de Coimbra. Se formou, em 1894,
em Matemática e concluiu Filosofia e Medicina em 1895 e 1904, respec-
tivamente. Segundo orientação explícita do Reitor, Domitila tinha que
se vestir sempre de preto, com um discreto chapéu para que não se
destacasse entre os colegas homens (MARTINS, 2015).

4  A Oberlin College foi fundada em 1833 em Ohio, EUA. O ingresso de afro-americanos na


instituição aconteceu apenas dois anos após sua fundação, um acontecimento histórico e de
extrema relevância. Sendo assim foi uma instituição com sua história firmada na equidade social,
tanto para afro-americanos quanto para as mulheres. Obelin History. Disponível em: <https://
www.oberlin.edu/about-oberlin/oberlin-history> Acesso em: 22 de mar. de 2020.

127
DISCUTINDO O ENSINO DE CIÊNCIAS DA NATUREZA A
PARTIR DA FORMAÇÃO DE PROFESSORES, INCLUSÃO E HISTÓRIA DA CIÊNCIA

No Brasil, o início do acesso ao ensino superior feminino acon-


teceu apenas no fim do século XIX. “Em 19 de abril de 1879, D. Pedro
II faz aprovar uma lei autorizando a presença feminina nos cursos
superiores.” (QUEIROZ, 2000, p. 1). A primeira faculdade que registra
a presença feminina no Brasil é a Faculdade de Medicina da Bahia,
em 1887. O registro indica que Rita Lobato Velho Lopes (1866-1954)
foi a primeira mulher a cursar o ensino superior no Brasil (BELTRÃO;
ALVES, 2009; SILVA, 2010).
Entretanto, existem relatos de que a primeira mulher a ingres-
sar no curso superior no Brasil, foi Ambrosina de Magalhães5 em 1881,
na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, mas ela não chegou a se
graduar (ARANHA, 2006). Mesmo em meio à essas controvérsias fica
claro que o direito ao ensino superior só foi alcançado pelas mulheres,
no Brasil, a partir de 1879 com a autorização de D. Pedro II.
No que se refere às academias científicas não foi diferente.
A Royal Society, fundada em 1660, teve duas mulheres admitidas
somente em 1945, quase 300 anos depois. Essas mulheres foram Mar-
jory Stephenson (1885-1948), uma bioquímica, e Kathleen Londsdale
(1903-1971), cristalografista e a primeira a usar métodos espectrais
para o estudo da estrutura do hexaclorobenzeno em 1931 (MASON,
1995). Apesar de, desde então, outras mulheres terem sido aceitas na
sociedade, até o presente ano nenhuma mulher chegou à presidência.
A Academia Brasileira de Ciências não apresenta uma situação
diferente, também nunca teve uma mulher como presidente. Fundada
em 1916 a primeira mulher a ser aceita foi Aída Hassón-Voloch (1922-
2007), química, e entrou apenas em 1962. Até dezembro de 2019, 467
homens eram titulares na Academia diante de apenas 86 mulheres. Ou
seja, mais de 80% dos membros titulares da Academia Brasileira de
Ciências são homens (BIANCONI, 2019).
É possível constatar que, assim que a ciência se consolida como
profissão e passa a adquirir prestígio perante a sociedade, o papel da
mulher diminui e passa a ser tratado como secundário, fazendo com
que a mulher ocupe apenas o lugar de consumidora da ciência e não
produtora dela.

5  Não encontramos as datas de nascimento e de morte de Ambrosina de Magalhães.

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DISCUTINDO O ENSINO DE CIÊNCIAS DA NATUREZA A
PARTIR DA FORMAÇÃO DE PROFESSORES, INCLUSÃO E HISTÓRIA DA CIÊNCIA

É na chamada segunda onda do feminismo, entre as décadas de


1960 e 1970, que se nota um momento histórico no questionamento do
porquê tão poucas mulheres estarem nas carreiras científicas e porque
esse campo é tradicionalmente masculino (SCHIEBINGER, 2001).
A partir de então os estudos de gênero na C&T passam a ser
mais frequentes, com o intuito de levantar dados estatísticos que per-
mitam a mudança do status quo.

Presença Feminina na Ciência Atual: Dados Estatísticos

No Brasil o Censo da Educação Superior realizado pelo Minis-


tério da Educação em 2017 revela que, no Ensino Superior, 55,2% das
matrículas e 61,1% das conclusões dos cursos foram femininas. Entre-
tanto, uma análise mais precisa mostra que o ingresso de mulheres na
graduação não é homogeneamente distribuído entre todos os cursos
(BRASIL, 2017).
Segundo Almeida (2020, p. 7)

A média bastante positiva esconde grandes desigual-


dades de gênero nas diferentes áreas de conhecimento:
enquanto a enfermagem é majoritariamente feminina, na
ciência da computação a proporção não chega a 0,25.

Ainda de acordo com o Censo da Educação Superior de 2017,


entre os 20 cursos, em maior número de matrículas femininas, está em
primeiro lugar o curso de Pedagogia, seguido por Direito, Adminis-
tração e Enfermagem respectivamente (BRASIL, 2017). Os cursos de
Engenharias aparecem somente na décima segunda com a Engenharia
Civil e décima nona posição com a Engenharia de Produção. Em con-
trapartida, a escolha masculina dos cursos ocorre de maneira oposta,
tendo as Engenharias e as Ciências Exatas/Tecnológicas ocupando
dezesseis posições ao todo.
Por meio de pesquisas como essa é possível inferir que elas são
desestimuladas a ingressar em certas profissões que foram conside-
radas, ao longo da história, como redutos masculinos, estando mais
distribuídas entre cursos da área de Humanas (BRITO; PAVANI;
JUNIOR, 2016).

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DISCUTINDO O ENSINO DE CIÊNCIAS DA NATUREZA A
PARTIR DA FORMAÇÃO DE PROFESSORES, INCLUSÃO E HISTÓRIA DA CIÊNCIA

Essa separação reflete no mercado de trabalho e nas relações de


distribuição de renda. De acordo com as Estatísticas Sociais do IBGE6,
em 2018, as mulheres recebiam, em média, apenas 76,5% do salário
recebido por homens que desempenham a mesma função e que estão
na mesma faixa etária.
Uma pesquisa recente da FAPESP indicou que vem ocorrendo
uma redução na diferença salarial entre homens e mulheres nas enge-
nharias. “Em 2006 o valor do salário médio das mulheres correspondia
a 74% do valor do salário médio dos homens. Em 2018 essa porcenta-
gem havia subido para 82%.” (PESQUISA FAPESP 289, 2020, p. 11)7.
Todavia, ainda é significativa a diferença.
A desigualdade se torna ainda mais evidente quando se obser-
va a divisão de bolsas por gênero na Pós-Graduação (PQ). De acordo
com o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológi-
co (CNPq)8, em 2014, 64% das bolsas PQ estavam distribuídas entre o
sexo masculino.
A distribuição por grande área corrobora os dados apresenta-
dos pelo Censo da Educação Superior de 2017, onde 60% das bolsas de
pesquisa na área de Ciências Humanas são concedidas para mulheres
enquanto na área de Ciências Exatas esse número é de apenas 35%.
Uma pesquisa realizada, em 2018, na Academia Brasileira de
Ciências, concluiu que a proporção de mulheres nas áreas de pesquisa
da Academia é muito pequena, sendo 25% a maior, na área de Ciências
Biológicas e apenas 1% na Engenharia (FERRARI et al., 2018).
O Gabinete de Estatísticas da União Europeia divulgou em
2017 que em alguns países europeus as mulheres representam menos
de um terço dos cientistas como a Alemanha (33%), Finlândia (29%),
na Hungria e no Luxemburgo (25% em ambos) (BARBARO, 2019).
Na América Latina e no Caribe essa proporção é, curiosamente,
um pouco maior, onde 36% dos pesquisadores nas áreas de Ciência,
Tecnologia, Engenharias e Matemática, são mulheres. O autor chama

6  Disponível em < https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-noticias/2012-agencia-de-


noticias/noticias/20234-mulher-estuda-mais-trabalha-mais-e-ganha-menos-do-que-o-homem>
Acesso em 01 de nov. de 2019.
7  Disponível em: https://revistapesquisa.fapesp.br/2020/03/05/folheie-ou-baixe-a-
edicao-289/ Acesso em: 31 de mar. de 2020.
8  Dados disponíveis em: < http://memoria.cnpq.br/estatisticas1> Acesso em 01 de nov. de 2019.

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DISCUTINDO O ENSINO DE CIÊNCIAS DA NATUREZA A
PARTIR DA FORMAÇÃO DE PROFESSORES, INCLUSÃO E HISTÓRIA DA CIÊNCIA

atenção para o fato de que, mesmo sendo baixa a participação feminina,


ainda é maior que alguns países da Europa, dado esse que é incoerente
ao considerarmos que a América Latina apresenta uns dos níveis mais
altos de violência baseada em gênero no mundo (BARBARO, 2019).
A partir desse panorama se pode constatar que apesar de algu-
mas barreiras de acesso aos mais variados cursos de Ensino Superior
terem sido derrubadas, ainda persiste a barreira de sexo e de gênero,
com consequências diretas na renda e no mercado de trabalho.
A visão sexista da ciência enraizada na sociedade contemporâ-
nea, demonstra um padrão nos países da América Latina. Apesar da
população feminina economicamente ativa ter aumentado nas últimas
décadas, a taxa de desemprego entre as mulheres chega a ser até 10%
maior que a dos homens na América Latina e no Caribe (SANTOS;
AULER, 2011).
Para que seja possível superar tal limitação é de suma impor-
tância “equilibrarmos a participação de homens e mulheres em todos
os cursos erradicando as representações masculinas ou femininas do
conhecimento e do trabalho e proporcionando igual acesso à renda.”
(BRITO; PAVANI; JUNIOR, 2016).

Desigualdade na Carreira Científica

Mesmo que não ocorra, atualmente, uma exclusão ou uma


proibição explícita das mulheres nas universidades e no meio cientí-
fico, ainda permanecem, implicitamente, mecanismos organizacionais
e sociais que contribuem para a manutenção da segregação feminina.
Fato esse que passa a ser cada vez mais claro conforme a carreira cien-
tífica avança, efeito denominado de “teto de vidro”.9
Existem duas formas de discriminação por gênero: territorial e
hierárquica. Na primeira, determina-se que as mulheres tenham fun-
ções dentro da pesquisa científica que sejam mais “femininas”, como
computar e catalogar dados. Na segunda é quando as mulheres não
são promovidas à cargos superiores mesmo tendo resultados iguais ou
superiores aos dos homens que são (GARCÍA; SEDEÑO, 2002).

9  Expressão surgida na década de 1980 nos Estados Unidos, para indicar as barreiras
discriminatórias enfrentadas pelas mulheres. São barreiras transparentes e sutis com intuito
de impedir que elas ultrapassem certos níveis na carreira, mesmo tendo competência para tal.
(ICHIKAWA; YAMAMOTO; BONILHA, 2008)

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DISCUTINDO O ENSINO DE CIÊNCIAS DA NATUREZA A
PARTIR DA FORMAÇÃO DE PROFESSORES, INCLUSÃO E HISTÓRIA DA CIÊNCIA

Essas discriminações se encontram pautadas nos estereótipos


sexuais de que os homens são mais racionais e objetivos, enquanto as
mulheres são mais subjetivas, passivas e emocionais, características
que representam um obstáculo para o fazer científico.
Entretanto, existem variados fatores sociais que motivam a
desigualdade presente na carreira científica.
O primeiro deles se encontra no modelo patriarcal que dita
as relações sociais e profissionais. Não existe incentivo por parte da
sociedade para que a mulher persiga uma carreira científica por ser
considerada uma área masculina, além disso elas não tem acesso, du-
rante seus estudos, sobre a área das ciências sendo desestimuladas a se
enxergarem como cientistas (TABAK, 2002).
Outra dificuldade que as mulheres encontram ao seguir a carrei-
ra científica é conciliar a vida familiar com o trabalho. Ainda persiste na
sociedade o pensamento de que a obrigatoriedade dos serviços domés-
ticos é da mulher, com isso elas precisam “dar conta” da dupla jornada
quando decidem seguir a carreira científica (HAYASHI et al., 2007).
Ainda nessa mesma linha de pensamento, elas encontram
dificuldade em ampliar seus conhecimentos científicos participando
de encontros e congressos, já que essa participação, na maior parte das
vezes, exige que façam viagens e isso causa uma desestruturação em
sua rotina familiar, especialmente se essas mulheres também forem
mães (HAYASHI et al., 2007).
A maternidade é um dos fatores mais citados entre as cien-
tistas para explicar o baixo índice de mulheres na Ciência. Para ser
mãe é preciso que a mulher abdique de alguns anos na sua carreira,
supondo-se que algumas são obrigadas a cuidar das crianças enquanto
pequenas. Além disso há falta de creches e escolas com ensino infantil
públicas ou com preço acessível para as pesquisadoras (TABAK, 2006)
Outra questão tratada pelas cientistas é a tensão conjugal gera-
da quando a mulher escolhe seguir na área das Ciências. A carreira é
longa e difícil antes de ser possível alcançar a estabilidade no trabalho,
o que gera uma falta de perspectiva para a família. Essa tensão conjugal
se agrava se marido e mulher exercem a mesma função. Além disso,
o assédio moral e sexual “também é relatado por profissionais como
fator de perturbação e discriminação.” (TABAK, 2006, p. 35).

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DISCUTINDO O ENSINO DE CIÊNCIAS DA NATUREZA A
PARTIR DA FORMAÇÃO DE PROFESSORES, INCLUSÃO E HISTÓRIA DA CIÊNCIA

Na América Latina foi constatado que um dos fatores que limi-


tam a participação feminina na investigação científica e tecnológica está
relacionado com a economia dos países. As mulheres precisam trabalhar
no mínimo 15 horas diárias: 4 a 5 horas de atividade docente, 3 a 5 horas
de investigação e 8 horas de trabalho doméstico (TABAK, 2002).
Baseado nos estudos e pesquisas de gênero voltados para a
C&T, entre outras coisas, é que se fundamenta o terceiro grande obje-
tivo do milênio estabelecido pelas Nações Unidas que é “promover a
igualdade de gênero e a autonomia das mulheres”.

A História da Ciência como Instrumento de Mudança Social

Ter mais mulheres na ciência é garantir igualdade de oportuni-


dades, além de fomentar o desenvolvimento tecnológico e econômico
de um país. Nesse sentido, se faz cada vez mais necessário a imple-
mentação de políticas públicas que fomentem o ingresso de mulheres
nas áreas de ciências, bem como o uso da história da ciência como
instrumento de incentivo e divulgação científica.
Relembrar a história tem papel fundamental na mudança da
sociedade e da realidade atual, resgatar a história dessas mulheres é
dar uma nova visão à ciência.
De acordo com Melo (2018, p. 3)

A discussão feminista da ciência e da tecnologia tem


desenvolvido uma crescente consciência da diferença
que existe entre os sexos nestes espaços e esta ausência
se expressa de forma contundente na escassez de figuras
femininas na história da ciência. Resgatar estes nomes
esquecidos é uma tarefa, como também empreender
esforços pedagógicos, para motivar e integrar meninas
e mulheres no processo de aprendizagem da ciência e
da tecnologia.

A reescrita da história é parte fundamental na recuperação de


mulheres do esquecimento e, também, das tradições femininas que
foram silenciadas pela história patriarcal marcada pela discriminação
de gênero (GARCÍA; SEDEÑO, 2002).

133
DISCUTINDO O ENSINO DE CIÊNCIAS DA NATUREZA A
PARTIR DA FORMAÇÃO DE PROFESSORES, INCLUSÃO E HISTÓRIA DA CIÊNCIA

Resgatar essas pioneiras que foram esquecidas é um instru-


mento valioso para contestar os discursos “biológico-deterministas
que postularam as mulheres como naturalmente incapazes de fazer
ciência e tecnologia” (FREITAS; LUZ, 2017, p.4).
Entretanto é relevante a clareza de que a recuperação da
história não tem como único objetivo listar as mulheres cientistas. O
intuito é trazer à tona as variadas contribuições significativas que essas
mulheres tiveram cada uma em sua época, para que a história não seja
mais contada sem que seus nomes sejam citados e honrados.
Sem entender os conflitos presentes na produção de C&T e sem
fazer uma relação entre esses conflitos e suas dimensões históricas,
permaneceremos numa organização social em que as mulheres não
usufruem da equidade na produção científica.

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DISCUTINDO O ENSINO DE CIÊNCIAS DA NATUREZA A
PARTIR DA FORMAÇÃO DE PROFESSORES, INCLUSÃO E HISTÓRIA DA CIÊNCIA

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135
Rosalind Franklin e seus estudos
determinantes para a estruturação do DNA:
a pesquisadora para além do sexismo

Leonardo Lessa Pacheco1

Ao analisarmos os avanços na química estrutural devemos es-


tar atentos as importantes consequências do entendimento da ligação
química para pesquisas relacionadas a identificação de substâncias
e destacamos as contribuições propostas por James Dewey Watson,
nascido em 1928 realizadas em conjunto com Francis Harry Compton
Crick (1916-2004) em meados do século passado.

Figura 01. Imagem do artigo de Watson e Crick


Fonte: Nature, 1953

1  Universidade Federal de Juiz de Fora.

136
DISCUTINDO O ENSINO DE CIÊNCIAS DA NATUREZA A
PARTIR DA FORMAÇÃO DE PROFESSORES, INCLUSÃO E HISTÓRIA DA CIÊNCIA

Nesse livro Watson confirma o fato de ter pegado os dados de


cristalografia de Franklin sem seu conhecimento: “àquela altura, já
havíamos verificado as medições precisas de Rosy. Ela, é claro, não nos
fornecera seus dados diretamente. Por falar nisso, ninguém no King’s
sabia que já o tínhamos em mãos” (WATSON, 2012, p.169).
Nesse contexto, a partir de uma metodologia criteriosa a luz
da História da Ciência com um olhar atento ao contexto de meados do
século XX para a ciência (NYE, 2018), foi feita uma seleção das fontes
primárias (FRANKLIN; GOSLING, 1953; PAULING, 1953; KLUG;
FRANKLIN, 1958) e secundárias (KRAGH, 2001; MARTINS, 2005;
BELTRAN; SAITO; TRINDADE, 2014) responsáveis por sustentar
nosso estudo que tem como objetivo investigar as contribuições de
Franklin para a química estrutural na pretensão de apresentarmos
alguns tópicos relativos à sua fundamental participação na construção
do modelo estrutural do DNA.

Recorte Biográfico

Rosalind Franklin nasceu em Londres no ano de 1920 e desde


cedo se demonstrou apta a questões relativas a lógica. Teve cinco
irmãos e sua irmã mais nova, Jenifer Glynn, nascida em 1929, relatou
o seguinte fato: “Minha mãe registrou que Rosalind, ainda criança se
recusava a acreditar no que lhe disseram sobre a existência de Deus,
havia perguntado: “Bem, de qualquer forma, como você sabe que Ele
não é Ela?” (GLYNN, 2012, p. 12).
Tal citação sustenta uma grande questão proveniente de uma
criança e pode nos dizer muito sobre sua provável capacidade de dis-
cutir ideias e sua inteligência, chegando a alarmar sua família a ponto
de sua tia sugerir que “aos seis anos de idade, que era preocupante que
ela pudesse ser mais esperta que seus irmãos, visto que ela era mulher”
(GLYNN, 2012, p. 12).

137
DISCUTINDO O ENSINO DE CIÊNCIAS DA NATUREZA A
PARTIR DA FORMAÇÃO DE PROFESSORES, INCLUSÃO E HISTÓRIA DA CIÊNCIA

Figura 02. Rosalind Franklin e seus irmãos, ela aos 17 anos, segunda da direita para
a esquerda.
Fonte: GLYNN, 2012, p. 22.

Segundo a Biblioteca Nacional de Medicina Americana, aos 11


anos de idade Rosalind foi transferida para St. Paul’s School, institui-
ção para garotas, responsável por preparar as estudantes para o casa-
mento e para suas carreiras profissionais e demonstrou uma grande
aptidão por matemática e ciências e um grande talento para aprender
outros idiomas.
Influenciada pelos cursos de física e química da escola feminina,
única de Londres que possuía esse currículo, decidiu tornar-se cientis-
ta. Sonhando estudar físico-química, foi aprovada na Universidade de
Cambridge em Newnham, faculdade para mulheres, onde se formou
quatro anos depois (SCHEID, 2006).

138
DISCUTINDO O ENSINO DE CIÊNCIAS DA NATUREZA A
PARTIR DA FORMAÇÃO DE PROFESSORES, INCLUSÃO E HISTÓRIA DA CIÊNCIA

Figura 03. Franklin em 1940 na Noruega.


Fonte: Disponível em http://www.quotabelle.com.

Seu primeiro emprego foi na Associação Britânica de Pesquisa


sobre a Utilização de Carvão, ao qual aplicou o método de difração de
raios-X para compreender a característica estrutural dos carvões. Em
seguida, mudou-se para Paris, em 1947, onde combinou suas técnicas
aprendidas de análise com a química, desvendando muitos processos
de sínteses orgânicas por meio do aquecimento. (BERNAL, 1958).
Para Meneguini (2003) depois de se formar em Cambridge
ingressou no King’s College de Londres por meio de uma bolsa de
estudos da Turner-Newal (BERNAL, 1958), onde se consagrou como
química e cristalógrafa talentosa, porém pode ter sofrido com o
preconceito de gênero em suas atividades ao descobrir que por ser
“mulher não podia almoçar na mesma sala que os homens” (FAUS-
TO-STERLING, 2002, p. 1177).
Em 1953 a estudiosa assumira a direção da pesquisa sobre vírus
no Birkbeck College, também em Londres. Abaixo se encontra uma ci-
tação que evidencia o interesse, se não a paixão de Franklin pela ciência:

139
DISCUTINDO O ENSINO DE CIÊNCIAS DA NATUREZA A
PARTIR DA FORMAÇÃO DE PROFESSORES, INCLUSÃO E HISTÓRIA DA CIÊNCIA

Rosalind Franklin associou-se às atividades de J. D.


Bernal no Birkbeck College em Londres, onde ela rece-
beu a incumbência do seu próprio grupo de pesquisa.
Ela foi uma líder de grupo competente e se tornou uma
especialista de reputação mundial na cristalografia de
vírus2 [...] e durante seus meses finais, efetuou estudos
sobre um vírus incrivelmente perigoso da poliomielite
(GREENBERG, 2017, p. 346).

Como consequência da pesquisa citada anteriormente foi


publicado um artigo após sua morte (DAVIS; STROM, 2018), ao qual
evidenciou como pedaços de fita simples de DNA se ligavam a fitas
duplas de DNA com estudos detalhados das ranhuras ao longo da ca-
deia molecular, discutindo os sulcos espalhados na fita de dupla hélice
e o bloqueio estérico para a transcrição molecular. A imagem do artigo
publicado se encontra na figura abaixo:

Figura 04. Último artigo de Rosalind publicado após sua morte


Fonte: Discussions of the Faraday Society

2  O vírus responsável por causar a poliomielite em humanos é conhecido como Poliovírus, do


gênero enterovírus da família Picornaviridae. São pequenos podendo variar de 27 a 30nm e são
formados por uma única cadeia de RNA com 750 nuncleotídeos encapsulados em uma concha
de proteína simétrica. No seu genoma está incluso quatro proteínas, duas enzimas que cortam
o RNA em comprimentos adequados, uma polimerase para criar novas cadeias de RNA viral e
outras proteínas pequenas que auxiliam todo o processo (Goodsell, 2009).

140
DISCUTINDO O ENSINO DE CIÊNCIAS DA NATUREZA A
PARTIR DA FORMAÇÃO DE PROFESSORES, INCLUSÃO E HISTÓRIA DA CIÊNCIA

Na perspectiva de Fausto-Sterling (2002), Franklin fortaleceu


sua posição frente ao interesse pela ciência, o qual foi notado desde sua
infância. Vale perceber que pelo momento em que viveu, e sua grande
quantidade de contribuições, passou por várias críticas associadas
ao gênero sexual. O autor a definiu como sendo: “animada, vivaz,
defensiva, enérgica, entusiasta ao ar livre, privada e com medo de inti-
midade, determinada, feroz e apaixonada pela ciência” (p. 1177), o que
se contrapõe, por exemplo, a visão preconceituosa de Watson (2014) ao
descrever o encerramento de uma palestra de Franklin sobre o DNA:

Ouvir de uma mulher que era melhor conter a ousadia


e não opinar sobre um assunto do qual ela não tinha
conhecimento era certamente um modo desagradável de
sair para uma pesada e enevoada noite de novembro. Era
a certeza de reviver memórias desagradáveis da escola
primária (WATSON, 2014, p. 83).

Sendo assim, seguiremos com nosso estudo apresentando os


principais trabalhos de Franklin a respeito do que mais tarde permitiu
a evidência estrutural do DNA. Vale ressaltar que embora estejamos
em consonância ao trabalho publicado em 1948 por Linus Carl Pau-
ling (1901-1994), ao qual aplicou a base cristalográfica de raios X para
resolver a estrutura da α-hélice de proteínas, seus estudos não serão
analisados no trabalho em questão.

Das contribuições de Rosalind Franklin para a formulação da


estrutura do DNA

Aldridge (2003) afirmou que para a obtenção da estrutura


do DNA muitos foram os avanços na área de análises químicas e do
entendimento das ligações químicas desenvolvidas a partir do início
do século XIX. Seguindo essa visão, de modo a sustentar a narrativa
que se segue, analisaremos alguns trabalhos e seus respectivos autores
para nos permitir a construção da base historiográfica do DNA e o
papel da pesquisa de Franklin na sua descoberta.
Partindo dessa premissa investigaremos o trabalho publicado
por Rosalind Franklin em 1953 intitulado: “The Structure of Sodium

141
DISCUTINDO O ENSINO DE CIÊNCIAS DA NATUREZA A
PARTIR DA FORMAÇÃO DE PROFESSORES, INCLUSÃO E HISTÓRIA DA CIÊNCIA

Thymonucleate Fibres”. Na introdução desse trabalho Franklin afirmou


sobre a importância da investigação da “substância fundamental dos
núcleos celulares” (FRANKLIN e GOSLING, p. 673) e descreveu a
necessidade do trabalho com o sal do DNA afirmando que a “nucleo-
proteína consiste em uma conjugação bastante solta de ácido desoxir-
ribonucleico (DNA) e proteínas simples”.
“O componente de ácido pode ser separado do da proteína e
precipitado na forma de seu sal de sódio [...]”. (FRANKLIN e GOS-
LING, p. 673) esclarecendo que o nome Timonucleado é derivado do
local de onde o DNA foi extraído da glândula Timo do bezerro. Se-
gundo Fausto et al. (2004): “Pequena glândula cuja função é produzir
linfócitos T, de importância na resposta imunitária do organismo, e
que involui a partir da puberdade, quando as suas funções passam a
ser desenvolvidas por outras estruturas” (p. 207).
Em seguida afirmou que de acordo com estudos recentes já era
conhecido que o DNA consistia de uma cadeia longa e, portanto, com
um peso molecular elevado. E afirmou que nesse trabalho a difração
de raio X não poderia afirmar sobre a posição dos átomos na molécula,
mas afirmou que o estudo contribuía para predizer sobre o “modo
como as moléculas de cadeia longa estão ligadas umas às outras na
estrutura” (FRANKLIN, 1953, p. 673).
Segundo Thiemman (2003, p.16): “os experimentos conduzidos
por Rosalind Elsie Franklin [...] produziu fitas muito finas de DNA
[...]. Em pouco tempo descobriu que o DNA se apresentava em duas
formas diferentes, as quais denominou de A e B”. Seguindo o artigo
de Franklin, ela evidenciou a preparação das fibras e a calibração do
aparelho e em seguida apresentou seus resultados, diferenciando as
formas A e B pelos graus de hidratações.

142
DISCUTINDO O ENSINO DE CIÊNCIAS DA NATUREZA A
PARTIR DA FORMAÇÃO DE PROFESSORES, INCLUSÃO E HISTÓRIA DA CIÊNCIA

Figura 05. Imagens da cristalografia de raio-X produzidas por Franklin


Fonte: Artigo de Franklin e Gosling 1953

Ampliando a figura anterior para as estruturas fundamentais


à nossa discussão temos na figura 06 abaixo a representação ampliada
das formas A e B do DNA:

143
DISCUTINDO O ENSINO DE CIÊNCIAS DA NATUREZA A
PARTIR DA FORMAÇÃO DE PROFESSORES, INCLUSÃO E HISTÓRIA DA CIÊNCIA

Figura 06. Formas A e B do DNA


Fonte: Artigo de Franklin e Gosling, 1953

Segundo Franklin e Gosling (1953) as formas eram reversíveis


podendo passar de uma para outro variando a humidade do sistema
analisado e o estado A desidratado, era “altamente ordenado” (p. 675),
indicando que a parte mais polar da molécula era o grupo fosfato e se
encontrava associada as moléculas de água.
Suas medidas experimentais permitiram que concluíssem “que
os grupos fosfatos fiquem perto do lado de fora” (p. 675), porque foi
verificada uma rápida conversão entre as formas A e B à medida que
se variou a humidade, e isso só seria possível se os grupos fosfatos
estivessem externamente à longa cadeia molecular.
Tal ideia jogou por terra a associação teórica de Pauling e
Corey (1953), os quais propuseram uma estrutura helicoidal com três
hélices: “A estrutura envolve três entrelaçados de cadeias helicoidais
polinucleotídicas” (p. 346), porém sugeriram que o grupo fosfato esti-
vesse “sobre o eixo da molécula” (p. 346), ou seja, no lado interno da
molécula, o que possivelmente frearia a velocidade de conversão entre
as formas A e B.
Franklin e Gosling também chegaram a conclusão baseados
na imagem simétrica da forma B que surgia “como resultado de uma
estrutura helicoidal” (FRANKLIN e GOSLING, p. 676), afirmando, em
seguida, que a estrutura B, pela análise dos dados da difração associa-
da as suas respectivas interpretações matemáticas, “aparece como um
dupleto bem resolvido” (p. 676).

144
DISCUTINDO O ENSINO DE CIÊNCIAS DA NATUREZA A
PARTIR DA FORMAÇÃO DE PROFESSORES, INCLUSÃO E HISTÓRIA DA CIÊNCIA

Nesse ponto podemos nos arriscar a garantir que foram os ex-


perimentos conduzidos por Franklin os responsáveis pela descoberta
da fita de dupla hélice do DNA, conforme artigo analisado, porém não
nos arriscaremos a questionar o crédito fornecido a Watson e Crick
por associar o modelo estrutural a manutenção da informação genética
entre os seres vivos.
Conforme percebemos no artigo estudado, nos estudos de
Franklin e Gosling não foi manifestado o interesse para a importância
da dupla hélice que, segundo o trabalho, demonstrou ser uma forma
de se encontrar o ácido desoxirribonucleico, o que nos aproxima da
questão proposta por Silva (2010): “qual o significado científico da
dupla hélice até abril de 1953?” (p. 70).
Desse modo, podemos perceber uma diferença de objetivos
entre Watson e Crick e Franklin. Para os primeiros nos parece que sua
relevância na investigação se encontra em destaque ao final do artigo:
“Não escapou a nossa observação que o emparelhamento específico
que postulamos sugere imediatamente um possível mecanismo de
replicação para o material genético” (WATSON; CRICK, 1953, p. 737).
Tal análise se encontra em conformidade com a interpretação
de Silva (2010), visto que para o autor há uma “distinção entre uma
investigação a respeito da estrutura do DNA e uma investigação a
respeito de sua função genética” (p. 71). Tais questões, embora se tor-
nem extremamente relevantes, não se encontram no universo de nossa
análise, uma vez que o objetivo do nosso estudo é verificar o quão
fundamental foi a participação de Franklin na determinação estrutural
do DNA.
Em abril do ano de 1953, Franklin e Gosling publicam seu se-
gundo artigo no mesmo número de Watson e Crick também na Nature
dando uma maior atenção as discussões relativas a forma B encontrada
na difração de raioX:

Assim embora não tentemos oferecer uma completa


interpretação do diagrama de filamentos da estrutura
B, podemos afirmar as seguintes conclusões. A estru-
tura é provavelmente helicoidal. Os grupos fosfatos se
encontram fora da unidade estrutural [...]. A unidade
estrutural provavelmente consiste de duas moléculas
[em plano] co-axial que não são igualmente espaçadas

145
DISCUTINDO O ENSINO DE CIÊNCIAS DA NATUREZA A
PARTIR DA FORMAÇÃO DE PROFESSORES, INCLUSÃO E HISTÓRIA DA CIÊNCIA

ao longo do eixo da fibra (FRANKLIN e GOS-


LING, 1953, p. 741).

Com a citação acima, o segundo trabalho vem a confirmar que


fundamentalmente foram suas pesquisas que determinaram a dupla
hélice do DNA.

Considerações Finais

Conforme percebemos, desde a infância Rosalind Franklin


ocupava lugar de destaque pela sua tendência de se dedicar aos estu-
dos da lógica e ao entendimento matemático. Junto a essa perspectiva
temos um grande aliado no decorrer de sua caminhada que foi o seu
interesse pela ciência.
Pelo seu contexto familiar, Rosalind Franklin teve grandes
incentivos no estudo passando por escolas importantes até hoje no
contexto de produção de conhecimento, como a Universidade de Cam-
bridge. Tal base, lamentavelmente, não foi suficiente para impedi-la de
ser vítima de uma ciência masculina, principalmente ao que remete a
categorias superiores de ensino. Não a livrou, tampouco, das ironias
e menosprezos dos seus colegas de pesquisa, conforme apontamos
em algumas passagens. Foi, entretanto, forte o suficiente para que tais
estudiosos se apropriassem das suas pesquisas e as amalgamassem aos
seus estudos, até mesmo sem lhe dedicar o devido mérito.
Essas questões de gênero que envolvem a participação da mu-
lher frente a produção do conhecimento remetem a temas importantes
de estudos, oferecendo uma grande gama de investigações na História
da Ciência e ao papel da mulher para a construção da ciência.
Por último, esse estudo historiográfico torna evidente a de-
terminação estrutural do ácido desoxirribonucleico por Franklin e
Gosling, corrigindo, inclusive, um modelo equivocado de estrutura
proposta por Pauling um pouco antes. Embora não tenham dado a
respectiva atenção para a importância da macromolécula no contexto
de transmissão de informações genéticas, verificamos, com base em
estudos recorrentes, possibilidades para pontos diferentes para a in-
vestigação do DNA proposta por Watson e Crick.

146
DISCUTINDO O ENSINO DE CIÊNCIAS DA NATUREZA A
PARTIR DA FORMAÇÃO DE PROFESSORES, INCLUSÃO E HISTÓRIA DA CIÊNCIA

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148
“Anomalias de polaridade”, novas
linguagens, a “físico-química”, luz e o
“efeito coloidal” em Michael Faraday

João B. Alves dos Reis1


Marcelo Fonseca Pinto2

Introdução

Michael Faraday (1791-1867)3, eminente estudioso britânico do


século XIX, havia continuado seus estudos entre 1834 e 1836 sobre os
efeitos do magnetismo no artigo intitulado: On the General Magnetic
Relations and Characters of the Metals, publicado no Quartely Journal
of Science, XIX, 338, 1836. (FARADAY, [1849] 1952, p. 813-816). Quan-
do indagava sobre as “ligas naturais” de irídio e ósmio e dos cristais
de titânio serem ligeiramente magnéticos em temperaturas comuns,
ele acreditava que isso fosse devido à presença de ferro contido nessas
ligas, pois, sabe-se que resfriadas com um grau mais baixo não apre-
sentavam qualquer força magnética adicional e, portanto, podia-se
concluir que o irídio, o ósmio e titânio poderiam ser adicionados aos
metais não magnéticos.
Entre 1844 a 1852 o estudioso britânico retornaria aos estudos
iniciados em 1836 e concluiria conceitos de extraordinária relevân-
cia fundamentada em uma ferramenta metodológica que teorizava
a estrutura da matéria magnética nas interfaces conceituais entre a
física e a química oitocentista em relação ao bismuto4. Naturalmente

1  Centro Universitário de Caratinga – UNEC. jreisfisica@gmail.com.


2  Professor da Educação Básica. marcelofonsecajf@hotmail.com
3  Pioneiro na experimentação dos campos da eletricidade e magnetismo. Ele é mais conhecido por
sua descoberta do princípio da indução eletromagnética e das leis da eletrólise. O Experimental
Researches in Electricity (ERE), de onde tiramos basicamente este estudo, foi publicado pela
primeira vez em três volumes entre 1839 e 1855.
4  Faraday ([1849]1952, pp. 631-632), em 2 de fevereiro de 1846, adiciona nota e referências
relacionadas às “anomalias de polaridade”, na Série XXI do ERE de 22 de dezembro de 1845,
corroborando os parágrafos 2447 e 2448, sobre as substâncias que compunham a crosta terrestre
serem diamagnéticas, a influência delas na água e sais de ferro, relatos e observações da ação de

149
DISCUTINDO O ENSINO DE CIÊNCIAS DA NATUREZA A
PARTIR DA FORMAÇÃO DE PROFESSORES, INCLUSÃO E HISTÓRIA DA CIÊNCIA

isto foi possível devido ao estudo de uma larga classe de substâncias


avaliadas experimentalmente.
O indicador conceitual teórico fora uma pequena taxa de suscep-
tibilidade magnética inerente as “anomalias de polaridade” (diamag-
netismo) conferindo que em cada uma dessas substâncias a direção da
magnetização era oposta à direção do campo induzido.
Em Geoffrey Cantor, David Gooding, and Frank A. J. L. James
(1997, p.79) referindo-nos às denominações primevas das substâncias
diamagnéticas (“anomalias de polaridades”), citam que: A princípio,
Faraday denominou as substâncias diamagnéticas nomeadamente
de diamagnetos, mas após consultar William Whewell (1794-1866),
definiu-as como substâncias diamagnéticas, por analogia com os dielé-
tricos. Esse termo também as distinguia dos ímãs comuns. O principal
critério de identidade magnética de uma substância era se definir
‘equatorialmente’ ou cruzar as linhas de força que as identificava como
substância diamagnética ou “axialmente” ao longo das linhas de força,
assim como eram nos ímãs comuns. Faraday, em seguida, analisaria o
comportamento dos diamagnetos mais de perto.
As novas propriedades magnéticas existiam apenas enquan-
to o campo (de eletroímãs) estivesse ligado: ao contrário dos ímãs
comuns, os diamagnetos deixavam de afetar uns aos outros quando
estavam presentes a fortes campos magnéticos. Comportamento de
materiais que são repelidos na presença de campos magnéticos, ao
contrário dos materiais paramagnéticos e ferromagnéticos que são
atraídos por campos magnéticos.
Ainda nesse contexto, faz-se importante citar sobre as refle-
xões, naturalmente, da polarização da luz, quando das manipulações e
preparações de soluções de ouro coloidal elaboradas por Faraday nos
períodos entre 1856 até 1859 na Royal Institution of Great Britain (RI).

magnetos sobre metais e seus compostos. O efeito já era conhecido nos relatos publicados em
1778, na obra Antonii Brugmans Magnetismus seu de affinitatibus magneticis observationes magneticae,
Lugd. Batav, parágrafo 41. Nessa mesma nota; cita M. de Le Baillif nas publicações do Bulletin
Universel de 1827, nos vols. VII p. 371; e vol. VIII pp. 87, 91 e p. 94, sobre a Repulsion of a Magnet
by Bismuth and Antimony. Referência em Saigey na continuidade em 1828, o mesmo tema, no
Magnetism of certain natural combination of Iron, and on the mutual repulsions of Bodies in
General, vol. IX, pp. 89,167, 239. Finalmente, Thomas Seebeck, também em 1828, no Magnetic
Polarity of Different Metals, Alloys and Oxides.

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DISCUTINDO O ENSINO DE CIÊNCIAS DA NATUREZA A
PARTIR DA FORMAÇÃO DE PROFESSORES, INCLUSÃO E HISTÓRIA DA CIÊNCIA

Os experimentos divulgados no Faraday’s Diary sobre a fusão


de sais por eletrólise, fundamentos teóricos e experimentais (eletroquí-
mica), em relação à ação catalítica do chumbo e da inibição de catálises
heterogêneas e outros trabalhos sobre a preparação e manipulação de
soluções metálicas (BOND et al., 2006). Esse conjunto de processos de-
linearam a estrutura da matéria e os estudos sobre a estrutura do ouro
coloidal. No século XIX tiveram em Faraday uma preciosa e valorosa
versão de alguns aspectos peculiares em relação à incidência da luz
sobre o ouro observada pela técnica de microscopia acromática.
Apesar de que no início de 1857 Faraday buscava incansa-
velmente em tempo “quase integral” desvendar e compreender as
estruturas fundamentais dos efeitos magnéticos, elaborou planos para
executar essa tarefa, todavia foi na última Bakerian Lecture desse mes-
mo ano, além dos estudos sobre o magnetismo, que divulgou vários
resultados de experimentos sobre as relações das soluções coloidais
com a luz derivadas de metais finamente pulverizados e manipulados,
em especial, do ouro. Tudo isso mudaria os planos do eminente pes-
quisador britânico da RI.
A identidade e uso do ouro particulado, ou melhor, do “gold
divided”, ouro em partículas pulverizadas, nomenclatura utilizada
pelo estudioso britânico, fora um momento peculiar de seus estudos
envolvendo formalismos teórico-experimentais de um novo design
aplicado aos pressupostos conceptuais no final de sua grande obra
como químico e físico da Royal Institution (RI).
Tratava-as de uma análise sobre as relações entre as soluções
metálicas e a luz e seus aspectos “físico-químicos”, nomenclatura
inexistente no século XIX, muito embora se tenha dado ênfase espe-
cificamente às questões do ouro coloidal e da luz como “novas rotas”.
A teoria e a prática dessas metodologias, conjuntamente,
geraram formalismos, processos e nomenclaturas, estruturas e novas
linguagens que nortearam em uma perspectiva natural, na essência,
emergentes especulações e diferenciações de características com rela-
ção à matéria magnética em meados do século XIX. Por outro lado, o
aperfeiçoamento e os procedimentos de monitoramento de experimen-
tos com as substâncias examinadoras ou “sensores” constituiu-se em

151
DISCUTINDO O ENSINO DE CIÊNCIAS DA NATUREZA A
PARTIR DA FORMAÇÃO DE PROFESSORES, INCLUSÃO E HISTÓRIA DA CIÊNCIA

uma poderosa estrutura experimental para expressar resultados pela


prática do artifício visual afiançados pelas configurações explicitadas
nas linhas de força física5.
Atualmente o monitoramento e uso de sensores expandiram-se
por todos os setores e ramos do conhecimento humano para usos
semelhantes e diferenciados daqueles usados pelo estudioso britânico.
John Meurig Thomas (1997, p. 212-219)66 cita que a denominação “li-
nhas de força física” originou-se do termo criado por Michael Faraday
para expressar certas linhas que se formavam descrevendo as ações de
forças delineadas em limalhas de ferro espalhadas nas vizinhanças dos
magnetos (ímãs). Como se fosse, a princípio, reflexos, ou melhor, confi-
gurações que reportavam as interações da matéria magnética referente
à condição da condução e direção tomadas pelas forças, referindo-se
ao tema no Phil. Trans. de 1852 e nos ensaios publicados no Phil. Mag.,
4th. Series, 1852, Vol. III, p. 401, principalmente em Michael Faraday
(1850), no ensaio On the Physical Lines of Magnetic Force publicado no
Experimental Researches in Electricity, p. 616.
Conforme Faraday ([1849] 1952, p. 523-538 § 2310), o modo da
ação do efeito da torção do momento se dava a partir de uma força que
causava várias rotações. Elas ocorriam diferentemente para cada substân-
cia em experimento em razão de sua estrutura molecular – nos intervalos
de instabilidade no início – e de estabilidade no decorrer do experimento.
As avaliações das especificidades citadas sobre os efeitos de torção foram
observadas no antimônio, no estanho, no bismuto em diversas espécies de
metais e vidros metálicos, tendo em vista uma mesma intensidade padrão
de força magnética ordinária para cada experimento.
Identificava, assim, que uma nova condição de magnetização
da matéria: o deslocamento de lugares mais fracos para as regiões de

5  Empiricamente ordenados, intensificaram-se na ruptura epistemológica oriunda das


investigações experimentais monitoradas nas linhas de força física – unidade de força – linhas
imaginárias, não necessariamente retas, podendo ser curvas dispostas de tal forma que as ações
das forças fossem observadas em limalhas de ferro, licopódios, prismas de Nicol etc.
6  A metodologia de Michael Faraday entre 1845 a 1850, conferia ao monitoramento de
substâncias ditas diamagnéticas envolvendo cristais de bismuto, vidros de borossilicato de
chumbo (alto índice de refração), elementos e vários compostos usados como substâncias
“sensores”, ou substâncias examinadoras. Identificadas por uma seta no entorno, ou um “X”.
Suspedeu em pêndulos bifilares, os quais, informavam devido a torção, a posição sofrida entre
polos de poderosos eletroímãs.

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DISCUTINDO O ENSINO DE CIÊNCIAS DA NATUREZA A
PARTIR DA FORMAÇÃO DE PROFESSORES, INCLUSÃO E HISTÓRIA DA CIÊNCIA

mais forte ação magnética. Delineavam-se em limalhas de ferro, em


pós de licopódio, nas linhas de força física (medium), diametralmente
ou “equatorialmente” – matéria diamagnética (curva diamagnética)
– “axialmente” ao longo delas – matéria paramagnética e magnética
(curva de indução magnética). Concluía Faraday que os campos
magnéticos sofriam “anomalias de polaridade”, repulsão aos polos de
magnetos, devido à influência dos arranjos moleculares ocorrendo de
forma menos eficiente na matéria diamagnética.
A relevância dos estudos em Michael Faraday sobre os es-
tudos aqui abordados confere a eles uma ordenação experimental e
conceitual relacionada à influência da condição molecular inerente aos
estudos dessas substâncias. Incluem as reflexões referentes aos estudos
da torção do momento magnético, a convertibilidade da característica
magnética em diamagnética através da exposição a temperaturas
excessivas ou quando resfriados a temperaturas baixíssimas, ainda
através do grau de susceptibilidade magnética e aspectos e direções
tomadas pelas substâncias para e diamagnéticas, em especial ao con-
ceito do diamagnetismo, em meados do século XIX.
Referimo-nos aos eventos oriundos da formação de um campo
magnético externo não uniforme quando substâncias reconhecida-
mente diamagnéticas sofriam repulsão de uma região em que o campo
magnético era mais intenso para a região onde o campo magnético
era menos intenso. A respeito dos efeitos dos campos magnéticos,
especificamente a ênfase atualmente conhecida é o “Efeito Zeeman”
(modificação do espectro atômico provocado pela aplicação de um
campo magnético externo). Nas ligações químicas se relacionam o
caso dos elétrons emparelhados (moléculas diamagnéticas) quando
a molécula não apresenta momento magnético de rotação (spin) e na
“Teoria do Orbital Molecular” com relação às moléculas diatômicas
homonucleares, na espectroscopia de massa nos processos de interação
da radiação eletromagnética e a matéria, além das reflexões resumidas
sobre a supercondutividade de materiais magnéticos, etc.

O Mapeamento da matéria em meados do século XIX

As generalizações dos aspectos vinculados às questões estru-


turais do experimento levaram Faraday necessariamente ao desenvol-

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DISCUTINDO O ENSINO DE CIÊNCIAS DA NATUREZA A
PARTIR DA FORMAÇÃO DE PROFESSORES, INCLUSÃO E HISTÓRIA DA CIÊNCIA

vimento de protótipos experimentais cada vez mais elaborados, muita


das vezes miniaturas, não só apenas para reforçar suas argumentações
ou a gestão de experimentos. (REIS, 2006, p.11)
Mas, principalmente, para agenciar imagens e generalizações
pictóricas referentes à direção, sentido e localização das formas resul-
tantes, provenientes das interações nas linhas de força. A adoção dessa
forma de ver o experimento manifestou-se por toda a vida do estudioso
britânico como um processo para reforçar o pensamento teórico. (REIS,
2006, p.12)
Das reflexões sobre os experimentos sobre a matéria magnética,
argumentava o estudioso britânico, conjugando indução, conversi-
bilidade, ação progressiva e unicidade. A ideia de um método que
reportasse às forças da Natureza foi um dos pilares do pensamento
de Faraday, o qual se manifestou desde a sua juventude. Em carta
confidenciada ao amigo Benjamin Abbott, datada de 31 de dezembro
de 1816, Faraday declarou que:

Assim como na vida, as ações são sempre progressivas,


assim também todas as ações das forças da Natureza ten-
diam à estabilidade permanente, tendo como resultado
um ‘estado de repouso’, isto é uma condição estática dos
poderes. (FARADAY, [1849], 1952, p. 836 § 3318 e 3319).

Esses procedimentos e métodos conferiram, corroborando a


amalgama eletricidade e magnetismo, um estado de repouso. Con-
forme Day (1999, p. 17), Michael Faraday idealizou como caminho
metodológico, ainda jovem, “caso possível, imitar uma árvore na sua
progressão, partindo das raízes ao tronco, depois dos galhos aos brotos
e folha, onde cada alteração fosse feita com naturalidade, mesmo que
esse efeito fosse constantemente variado”.
Os processos, modelos e ilustrações gráficas e argumentos
que o estudioso britânico utilizava-se de artefatos epistêmicos para
formalizar o instrumental relativo aos procedimentos experimentais
das “anomalias de polaridade”77, principalmente quando da ordena-
ção dos vários experimentos cujos aspectos cognitivos ratificariam

7  Com relação à abrangência teórica, cita-se as tessituras necessárias em relação às “anomalias de


polaridade” deram origem à percepção conceptual inicial de Faraday.

154
DISCUTINDO O ENSINO DE CIÊNCIAS DA NATUREZA A
PARTIR DA FORMAÇÃO DE PROFESSORES, INCLUSÃO E HISTÓRIA DA CIÊNCIA

característica de precisão, quanto ao movimento e a direção tomadas


pelas substâncias diamagnéticas com relação à polaridade incontes-
tavelmente, pois se comportavam de forma anômala nas linhas de
força física, comparativamente, aos magnetos de um modo geral.
O diálogo entre o fato e o experimento, uma síntese orientada pela
construção de imagens e reflexões sobre as configurações eram expli-
citadas nas linhas de força física, trata-se de generalizações através
de modelos conceituais sobre a condição da condução dos cristais
de bismuto, os quais se corroboraram, grosso modo, através das
deflexões e configurações reportadas nelas [linhas de força]. Citando
Faraday (1952, p. 634 § 2461):

Em todos esses casos, [referindo-se aos experimentos], o


bismuto, era diamagnético e fortemente repelido por um
polo magnético ou por uma linha axial. Ele era afetado
somente enquanto a força magnética estava presente.
Fixava-se em uma dada posição constante, perfeitamente
determinada, então, movia-se sempre retornando; exceto,
em um movimento extenso, no qual, [o bismuto] esten-
dia-se além de 90º; a parte [do bismuto] movia-se mais
distante ao redor de uma nova posição diametralmente
oposta à anterior, que então retinha com força igual, e da
mesma maneira. Esse fenômeno foi geral em todos os re-
sultados. Tenho que referir-me sobre ele e expressá-lo-ei
pela palavra diametral; disposição diametral ou posição.

Ainda, conforme Faraday ([1849],1952, p.634 § 2464) de que:


Um corpo magnético tendia dos lugares de ação magnética mais fraca
para os de forte ação e um corpo diamagnético sob as mesmas condi-
ções dos lugares de ação magnética forte para lugares de fraca ação.
Na prática as pesquisas que foram efetuadas no laboratório da
Royal Institution of Great Britain (RI) foram exercícios peculiares, pois,
deles Faraday desenvolveu uma linguagem técnica uniforme, a qual
expressava naturalmente os novos conceitos da matéria diamagnética.
Como argumenta Fisher (p. 166-169, 1992) ele sugeria, ainda, que não
se criassem expressões rebuscadas que pudessem dificultar a compre-
ensão do significado imaginário.
Embora Faraday tenha tentado, a princípio, interpretar o fenô-
meno do diamagnetismo apenas através da linguagem familiar das li-

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DISCUTINDO O ENSINO DE CIÊNCIAS DA NATUREZA A
PARTIR DA FORMAÇÃO DE PROFESSORES, INCLUSÃO E HISTÓRIA DA CIÊNCIA

nhas de força denominando-as de “curvas diamagnéticas”, reconhecia


que o novo fenômeno tinha realmente uma certa anomalia no contexto
de suas pressuposições gerais. Tal fenômeno seria melhor definido em
termos de linhas de indução magnética, um pressuposto de Heinrich
Emil Lenz (1804-1865) de 1834. Porém, com a realização de diversos
outros experimentos do gênero, Faraday pôde justificar com clareza
certas disparidades conceituais oriundas dessas afirmativas.
Percebe-se, no entanto, que o conceito de linhas de indução,
nesse caso, não poderia ser usado apenas para descrever o alinhamen-
to dos corpos diamagnéticos nas linhas de força, uma vez que deveria
também poder caracterizar a direção da polaridade e os movimentos
inerentes e provenientes dos efeitos diamagnéticos quanto à polari-
dade e posição no espaço magnético ou “médium”. Sobre as configu-
rações da condição da condução nas linhas de indução magnética, da
ação dos ímãs e eletroímãs no espaço circundante (medium), Faraday
(1952, p. 627 § 2423) não só as percebeu pela orientação de agulhas
magnéticas através do uso de limalhas de ferro, bem como mediante
os efeitos da indução “magneto-elétrica” e “magneto-ótica”, usando a
luz como examinadora, monitorando a identidade das ações e efeitos
dos materiais diamagnéticos quando sujeitos aos campos de indução.
Confirma-se aí o desenvolvimento do conceito do “estado
diamagnético” a partir de experimentos planejados com o intuito de
mapear os aspectos incidentes no espaço preenchido pelas interações
de aspectos físicos e químicos, reportam-nos aos matizes inerentes
à concepção filosófica de unicidade da matéria interligadas às orde-
nações da natureza conversível da matéria. (FARADAY [1849], 1952,
p.620, § 2348)
Faraday sugere, então, que a teoria fundamental do magne-
tismo estava edificada em quatro pilares cujos argumentos básicos
referendavam-se à condição da condução e do comportamento das
substâncias diamagnéticas nas linhas de força de indução magnética.
Tornava-se um conceito inerente às ideias de campo: a convertibilidade
pela indução, nesse caso, o magnetismo se convertia em eletricidade.
Assim, como pela convertibilidade, a matéria magnética em diamag-
nética quando sujeita às altas temperaturas indica, teoricamente, que
todos os materiais magnéticos, nessas condições, convertiam-se em

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DISCUTINDO O ENSINO DE CIÊNCIAS DA NATUREZA A
PARTIR DA FORMAÇÃO DE PROFESSORES, INCLUSÃO E HISTÓRIA DA CIÊNCIA

um “estado diamagnético”. Nesse caso, a convertibilidade citada sobre


a variância de polaridade dos materiais magnéticos, nas linhas de força
foram observadas nos cristais de bismuto.

O Mapeamento da estrutura coloidal e a luz

Exemplificando apenas alguns tópicos cita-se a criação de


artifícios técnicos para a preparação de suspensões temporariamente
estáveis, o caso do ouro coloidal, uma miríade, embriões conceituais
da físico-química, a confecção de películas metálicas magnéticas, os
efeitos da luz usados para conceber propriedades, etc.
Cita-se, ainda, no mesmo contexto que os trabalhos de Faraday
sobre o efeito magneto-óptico em óxidos e cristais, bem como o conhe-
cimento sobre as forças magneto-cristalinas proporcionaram clareza
conceitual sobre as conclusões teórico-experimentais desses novos
caminhos trilhados.
As publicações sobre a formulação e propriedades inerentes do
“ouro coloidal”, as relações e as aplicações práticas com a luz, desper-
tariam novos experimentos publicados no Philosophical Transactions,
principalmente,  os trabalhos experimentais acerca do fenômeno da
dispersão da luz em meio coloidal de John Tyndall (1820- 1893), conhe-
cido por “Efeito Tyndall”.
Sabe-se, que essas pequeníssimas partículas têm dimensões
nanométricas, (FREESTONE et al., p 270, 2007) obtidas no estudo de
dispersões através de microscopia de alta resolução – pontos pretos –
átomos individuais na dispersão do ouro “pulverizado”.
Conforme John Meurig (p. 81, 1997) a elaboração desses traba-
lhos nas interfaces dos aspectos químicos e físicos intentava explicar
as especificidades de diferentes materiais metálicos não magnéticos,
sendo este o principal objetivo  para o estudioso da Royal Institution
que afirmava serem derivadas de características peculiares pertinentes
à estrutura da matéria.

A organização de um programa experimental sobre matéria e luz

A proposta de organizar um programa de pesquisa no tema


luz e substâncias metálicas aconteceu nos idos de 1822 pela primeira

157
DISCUTINDO O ENSINO DE CIÊNCIAS DA NATUREZA A
PARTIR DA FORMAÇÃO DE PROFESSORES, INCLUSÃO E HISTÓRIA DA CIÊNCIA

vez. Faraday, então, questionava naquele ano sobre o fato das folhas
de ouro comercial ter uma coloração naturalmente amarela, porém
refletidas pela incidência direta da luz uma coloração verde.
Pela segunda vez, em 1852, quando George Gabriel Stoke (1818-
1903), matemático lucasiano da Universidade Pembroke, de Cambrid-
ge, definiu uma propriedade material denominada de fluorescência88,
argumentou que por ressonância certas substâncias pela incidência da
luz ultravioleta emitiam luz azul, do espectro visível.
Conforme Ryan Tweney (1990), esse relato envolvia as con-
jecturas de vibrações transversais através das linhas de propagação
de campos, bem como as vibrações longitudinais caracterizavam o
comprimento e a frequência.
Por outro lado, Faraday estava bastante encorajado com as
respostas afirmativa das sociedades científicas do mundo sobre seus
trabalhos. Essas confirmações sobre as linhas de força física nos
domínios da eletricidade e magnetismo seriam fundamentos para ar-
gumentar sua suspeita de que a luz possuía características similares
nas interações de campo99.
O início do programa de Michael Faraday, em fevereiro de 1856,
durou quase um ano, começava utilizando os mesmos procedimentos
desenvolvidos por Warren De la Rue (1815-1889) - astrônomo, físico e
químico - introdutor da fotografia nos estudos de astronomia - a astro-
fotografia e a fotoheliografia sendo necessário desenvolver emulsões
adequadas á pesquisa na física solar.
Os processos de confecção de finíssimas películas de ouro,
inicialmente, por processos mecânicos apenas confirmaram cavidades
pequenas que poderiam difratar os raios de luz tornando verde a luz
refletida nas folhas do ouro comercial.
Durante alguns meses executou vários procedimentos físicos e
químicos, no manuseio e confecção de filmes, sem sucesso. Entretanto,
em abril, Faraday conferiu ser inadequado continuar por essa trilha,
assim o desenvolvimento de seu intento maior, que, na verdade, foi
a observação das propriedades inseridas no microcosmo da matéria.

8  David Gooding & Frank A. J. L. James, Faraday Rediscovered: Essays on the Life and work of
Michael Faraday, 1791-1867, London/Hong Kong: Macmillan, 1989. pp. 151-154.
9  Michael Faraday, Faraday’Diary, 1856, in Martin, p. 108, 1936.

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DISCUTINDO O ENSINO DE CIÊNCIAS DA NATUREZA A
PARTIR DA FORMAÇÃO DE PROFESSORES, INCLUSÃO E HISTÓRIA DA CIÊNCIA

Assim, devido a observação de que os aspectos físicos su-


perficiais contavam com um fator limitante, ou seja, a inadequada
resolução obtida mesmo com os mais potentes microscópios da época,
do laboratório de De la Rue. Porém, o estudioso da Royal Institution
desenvolveria, a partir desse impasse, diversos artefatos para executar
os experimentos usando a luz como referência e padrão.
Em situações anteriores, Faraday utilizou sua vasta experiência
em química para solucionar impasses físicos. Nesse momento, utilizaria
ambas as habilidades pelos processos químicos, eletroquímicos, “gal-
vano-eletricidade” etc. Michael Faraday observa que os vidros onde
estavam incrustados filmes (delgadas películas) de ouro que conduziam
eletricidade. Esse fato implicaria em outra hipótese formulada sobre a
matéria, ou seja, a necessidade de rever as propriedades materiais.

Considerações Finais

A teoria e a prática dessa metodologia, conjuntamente, geraram


formas, nomenclaturas, estruturas e novas linguagens que nortearam
em uma perspectiva natural na essência, emergentes especulações e
diferenciações de características com relação à matéria magnética em
meados do século XIX.
Situando o contexto sobre as relações entre a luz e a matéria
deve-se salientar que Michael Faraday desenvolveu diversos experi-
mentos sobre os efeitos da luz. O interesse que fora despertado nesse
tema referia-se aos resultados experimentais obtidos por Faraday de
1846 até 1850.
Nesse particular, as diversas partículas na forma coloidal
baseiam-se em critérios teórico-experimentais ópticos relacionados às
configurações das linhas de força.
Estas confirmações experimentais derivaram, principalmente,
dos estudos do para e diamagnetismo, as quais se solidificaram através
dos experimentos de interações com a luz e as linhas de força como
reprodutoras desses efeitos. Tudo isso, legou a Faraday, a partir daí, a
possibilidade da unificação, da luz, eletricidade, magnetismo e matéria
(REIS, p. 158-59, 2006).
Então, os estudos sobre o “Faraday’s Gold”, um coloide, ou seja,
uma mistura de dois ou mais sólidos, líquidos ou gases em conjunto,

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DISCUTINDO O ENSINO DE CIÊNCIAS DA NATUREZA A
PARTIR DA FORMAÇÃO DE PROFESSORES, INCLUSÃO E HISTÓRIA DA CIÊNCIA

referimos-nos aos estudos de Mogerman (p. 22-26, 1974) Faraday’s


Lecture on Gold: The Optical Effects of Fine Particules.
Ainda conforme Reis, Freitas-Reis & Santos (p. 137, 2010) Fa-
raday usaria um tipo especial de coloide que ele havia desenvolvido e
manipulado, uma dispersão de finíssimas partículas de ouro suspensas
em um líquido. Esse tipo de preparação é conhecido como suspensão
coloidal ou, como era chamado por Faraday, de ouro “sol”.

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160
DISCUTINDO O ENSINO DE CIÊNCIAS DA NATUREZA A
PARTIR DA FORMAÇÃO DE PROFESSORES, INCLUSÃO E HISTÓRIA DA CIÊNCIA

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TWENEY, R. D. Rediscovering Skill in Science, Tecnology and Medicine. Londres, Science
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161
A construção de uma teoria:
reflexões nas cartas de Michael Faraday
em 1812 e suas leis eletroquímicas

Marcelo Fonseca Pinto1


João B. Alves dos Reis2

Contexto Biográfico

O inglês Michael Faraday (1791-1867) nasceu em Newington


Butts, condado de Surrey, em 22 de Setembro, mas logo se mudou
para a parte central de Londres com a família. Como grande parcela da
população da época, sua família não possuía grandes recursos finan-
ceiros. Seu pai, James Faraday (1761-1810), era ferreiro e proporcionou
apenas uma educação muito básica e rudimentar a seus filhos. Michael
casou-se com Sarah Bernard (1800-1879) em 12 de Junho de 1821, união
esta que durou até o fim de sua vida. (CANTOR, 1991)
Em 1804 ele iniciou os trabalhos na livraria de um imigrante
judeu francês chamado George Riebau (s/d), que havia escapado da
Revolução Francesa. Sua livraria, a Riebau’s Shop, localizava-se na Blan-
dford Street, em Londres. Faraday aí começou como garoto de recados e
entregador de jornais, função que assumiu por cerca de um ano como
forma de treinamento. Passado esse período inicial, em sete de outubro
de 1805, Faraday assumiu formalmente a função de encadernador na
livraria do Sr. Riebau. (THOMPSON, p. 5, 1901)
Em meados de 1812, com a ajuda de um cliente da livraria, Sr.
William Dance (1755- 1840), Faraday assistiu uma série de quatro confe-
rências proferidas por Humphry Davy na Royal Institution of Great Britain
(RI). Essas conferências fazem parte da obra Elements of Chemical Philosophy
e Faraday chegou a relatar esse importante acontecimento o descrevendo
em um trecho de uma das suas poucas cartas autobiográficas.

1  Professor de Educação Básica. marcelofonsecajf@hotmail.com


2  Centro Universitário de Caratinga. UNEC. jreisfisica@gmail.com.

162
DISCUTINDO O ENSINO DE CIÊNCIAS DA NATUREZA A
PARTIR DA FORMAÇÃO DE PROFESSORES, INCLUSÃO E HISTÓRIA DA CIÊNCIA

Durante meu aprendizado, tive a sorte, devido à bondade


de Sr. Dance que era um cliente do meu mestre e também
membro da Royal Institution, de assistir quatro palestras
do Sir Humphry Davy que foram feitas em 29 de Feve-
reiro, 14 de Março, 8 e 10 de Abril de 1812. Fiz anotações
e escrevi sobre a conferência de forma mais completa,
intercalando-os com [alguns] desenhos que pude fazer.
O desejo de estar envolvido em uma ocupação científica,
mesmo com a função mais baixa possível, me induziu
enquanto aprendiz, a escrever, em minha ignorância
de mundo e simplicidade de minha mente, a Sir Joseph
Banks, então presidente da Royal Institution, naturalmen-
te sem resposta, foi devolvida pelo porteiro. (Faraday In
JONES, 1870, p.14)

Michael Faraday escreveu ao longo de sua trajetória como cien-


tista inúmeras cartas durante os anos de 1811 e 1867, mas, infelizmente,
muitas se perderam no tempo. Elas foram escritas a diversos destina-
tários, dentre eles, seu amigo, Benjamin Abbott (1793-1870), Humphry
Davy (1778-1829), a John Ayrton Paris (1875-1856), a sua esposa, Sarah
Bernard, a sua irmã mais nova, Margaret Faraday (1802-1862), além de
diversos cientistas da época, tais como Justus von Liebig (1803-1873),
Amedeo Avogadro (1776-1856), John Frederic Daniell (1790-1845),
entre outros, também as cartas direcionadas a publicação científica no
Philosophical Transactions of the Royal Society.

Análise de algumas cartas

Analisaremos algumas cartas escritas em 1812, visto que os


diários que Faraday escrevia relatando seus trabalhos de laboratório
começaram a ser confeccionados somente a partir de 1820. Dessa
forma, as cartas redigidas durante esse período são uma boa fonte de
registros de seus experimentos envolvendo utilização da pilha voltai-
ca, decomposição de substâncias, reações químicas, além de reflexões e
questionamentos sobre as mais diversas situações enfrentadas.
Logo após assistir o ciclo de palestras de Humphry Davy na RI,
Faraday começou a escrever cartas destinadas a Benjamin Abbott. Em
um trecho da primeira carta, datada de 12 de Julho de 1812, ele retratou
alguns experimentos sobre decomposição que começara a realizar.

163
DISCUTINDO O ENSINO DE CIÊNCIAS DA NATUREZA A
PARTIR DA FORMAÇÃO DE PROFESSORES, INCLUSÃO E HISTÓRIA DA CIÊNCIA

Tenho feito recentemente algumas experiências galvânicas


simples, apenas para ilustrar os primeiros princípios da
ciência. Fui comprar níquel e pensei se eles poderiam ter
zinco maleável. A primeira porção que obtive estava em
peças muito finas, em um estado achatado. As comprei com
a finalidade de formar discos, com os quais iria fazer uma
pequena bateria juntamente com discos de cobre. Cortei
sete discos do tamanho de metade de moedas cada um,
cobrindo-os com outras sete metades e interpus entre eles
seis pedaços de papel embebidos em solução de muriato
de soda. Isto foi suficiente para produzir a decomposição
de sulfato de magnésio. Eu não podia ter ideia que a bate-
ria era capaz desse efeito. Fiz a ligação entre a solução e as
partes superior e inferior da pilha, assumindo que o cobre
decompunha o sulfato terroso. Os fios ficaram cobertos
em um curto espaço de tempo com bolhas de algum gás,
e um fluxo de bolhas muito pequenas, apareceram como
pequenas partículas, correndo através da solução do fio
negativo. Minha prova que o sulfato estava decomposto
foi que após duas horas, a solução clara ficou turva e
o magnésio ficou suspenso. Vendo esse grande efeito,
procurei alguma placa ou folha de zinco e a partir delas
cortei discos, além de obter algumas chapas de cobre e
discos de uma polegada desse metal. Empilhei estes acima
como uma bateria, interpondo uma solução de muriato de
soda por meio de discos de flanela do mesmo tamanho. Eu
tinha, acredite, cerca de dezoito ou vinte pares de placas e
com elas pude decompor o sulfato de magnésio, o sulfato
de cobre, o acetato de chumbo e em primeiro lugar pensa-
va ter decomposto também a água, mas minhas conclusões
a esse respeito talvez sejam apressadas. (Michael Faraday
In JONES, 1870 p.20)

Neste trecho da primeira carta podemos observar que Faraday


construiu uma pilha utilizando placas de zinco e cobre e se surpre-
ende ao perceber que foi capaz de decompor o sulfato de magnésio,
o sulfato de cobre, o acetato de chumbo, além de pensar ter decom-
posto a molécula de água3. Ele prosseguiu a carta relatando que não
estava satisfeito com os resultados e que não poderia se contentar em
apenas supor que tinha ocorrido uma decomposição da água, esse
fenômeno teria que ser comprovado.
3  Vale ressaltar que desde o início dos experimentos de indução, Faraday passou a trabalhar
com equipamentos cada vez menores, visando uma diminuição na perda de carga nas baterias e
uma praticidade no transporte desses equipamentos para ministrar suas palestras.

164
DISCUTINDO O ENSINO DE CIÊNCIAS DA NATUREZA A
PARTIR DA FORMAÇÃO DE PROFESSORES, INCLUSÃO E HISTÓRIA DA CIÊNCIA

Inseri os fios em uma porção de água e em pouco tempo,


uma ação se iniciou. Uma densa nuvem branca desceu
do fio positivo e bolhas subiram em rápida sucessão no
fio negativo, mas depois de um tempo percebi que a ação
diminuiu: a nuvem branca estava dificilmente perceptí-
vel no fio, apesar da parte inferior da solução ser perfei-
tamente opaca e as bolhas quase cessarem. Pensei que a
ação da bateria estava esgotada, mas na filosofia natural
não admitimos suposições e, portanto, para provar se a
bateria estava inerte, ou se algum princípio na água foi
esgotado, substituí uma nova porção de água pela que
havia sido galvanizada. A ação iniciou novamente, e
continuou como no início. O branco apareceu novamen-
te, e as bolhas subiram como antes, mas depois de um
tempo cessou, como no primeiro caso. (Michael Faraday
In JONES, 1870 p.20)

Analisando essa sequência da carta, observa-se que Faraday re-


petiu o experimento de decomposição da água observando a formação
de bolhas no polo negativo de sua pilha. Não se satisfez com apenas
um procedimento e o repetiu, observando o mesmo fenômeno nas
duas amostras de água.
Na segunda carta que Faraday escreveu a seu amigo, Abbott,
datada de 20 de Julho de 1812, destaca-se o seguinte trecho no
qual Faraday expõe sua ideia de ciência que deve ser observadora,
independendo de se tratar de fatos aparentemente comuns e sem im-
portância. Ele ainda tinha consciência que muitos desses fatos talvez
viessem a ser negligenciados por serem, em um primeiro momento,
comuns e desinteressantes.

Estava esta manhã atraído por uma circunstância insigni-


ficante por notar os movimentos peculiares de cânfora na
água. Eu não deveria ter mencionado essa circunstância
simples, mas pensei que o efeito era devido à eletricidade,
e considerei que se você estivesse familiarizado com o
fenômeno, você notaria. Eu também concebo que uma
ciência pode ser ilustrada por ações minuciosas e efeitos,
quase tanto quanto por mais evidentes e óbvios. Os fatos
são abundantes, mas não sabemos como classificá-los;
muitos são negligenciados, pois parecem desinteressan-
tes, mas lembre-se que o que levou Newton a perseguir
e descobrir a lei da Gravidade e, finalmente, as leis pelas

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DISCUTINDO O ENSINO DE CIÊNCIAS DA NATUREZA A
PARTIR DA FORMAÇÃO DE PROFESSORES, INCLUSÃO E HISTÓRIA DA CIÊNCIA

quais os mundos giram, foi a queda de uma maçã. (Mi-


chael Faraday In JONES, 1870 p.25)

Na terceira carta que Faraday escreve a Abbott, datada de 11 de


Agosto de 1812, ele retrata sua concordância com alguns pensamentos
de Thomas Thomson (1773-1852) em relação à Química quando o mes-
mo afirmou que esta é “a ciência que trata dos eventos ou alterações dos
corpos naturais que consistem em movimentos insensíveis”. (THOM-
SON, 1818, p.2) No entanto, Faraday se mostra relutante e acredita que
uma investigação sobre essas ideias seria importante para a Química e
a eletricidade, relatando o fato dos metais ao serem atritados, exalarem
odores específicos, principalmente o estanho.

Esqueci-me de consultar no local apropriado, mas acho


que uma investigação sobre isso seria importante para
a ciência química, e talvez para a eletricidade. Vários
metais, quando esfregados, emitem cheiro peculiar, mais
particularmente o estanho. Os odores geralmente são
causados por partículas do corpo que são exalados e se
isso for um fato verdadeiro, introduz ao nosso questiona-
mento uma propriedade muito volátil desses metais. Mas
eu suspeito que seus estados elétricos estejam envolvidos.
Temos então uma ação desse fluido que raramente é no-
tada, e deve exigir uma análise antes da conclusão desses
fonômenos. (Michael Faraday In JONES, 1870 p.29)

Na quinta carta de Faraday destinada a Abbott, escrita em 9 de


Setembro de 1812, foram discutidas algumas teorias de decomposição
de ácidos que haviam sido estudadas por Antoine Laurent-Lavoisier
(1743-1794) e seus seguidores. No entanto, Humphry Davy estava
contradizendo algumas dessas teorias e Faraday faz um relato de parte
dessas ideias defendidas pelo seu mentor.

Entre outras experiências, Sr. H. Davy aqueceu ácido


muriático gasoso seco em contato com o peróxido de
manganês, também muito seco. A água foi rapidamente
formada e o gás de cloro foi liberado. Como você explica
esta? Conheço bem a sua teoria, mas você não pode con-
siderá-la para a produção da água. Na verdade, o ácido
muriático foi decomposto, o hidrogênio uniu-se ao oxigê-

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DISCUTINDO O ENSINO DE CIÊNCIAS DA NATUREZA A
PARTIR DA FORMAÇÃO DE PROFESSORES, INCLUSÃO E HISTÓRIA DA CIÊNCIA

nio do óxido formando água, o cloreto permaneceu livre.


Eu deveria ter observado que o óxido preto foi reduzido
ao óxido marrom de manganês. (Michael Faraday, In
JONES, 1870, p.38)

A sexta carta foi escrita em 20 de Setembro de 1812 e a sétima,


em 28 de Setembro do mesmo ano na qual Faraday descreve ter ficado
contente por Abbott ter sido capaz de dividir o fluido elétrico entre
meios condutores e não condutores através de um disjuntor.

Fiquei muito satisfeito em observar que arquitetou cla-


ramente o curso do fluido elétrico. Você conseguiu um
meio de ilustrar as diferenças entre um condutor e um
não condutor. Se o meio interposto fosse um condutor,
a eletricidade teria passado por ele e não seria dividida.
Através deste condutor variável e disjuntado, foi dividida
com eficiência a resistência da eletricidade, seja pela afini-
dade com o condutor ou a própria repulsão, ou pela ação
conjunta dessas forças, seria bom verificar a influência de
cada um deles nesse efeito. (Michael Faraday In JONES,
1870, p. 43)

A oitava carta que Faraday escreveu a seu amigo é datada de 1


de Outubro de 1812 e foi a última carta antes dele encerrar seu trabalho
como encadernador na livraria do Sr. Riebau. Nessa correspondência
ele relata a capacidade de Abbott entender seus questionamentos
e acrescentar outros, além de lhe parabenizar por seguir o ramo da
eletricidade reconhecendo que ainda teria certas dificuldades sobre o
assunto. Faraday também diz ao amigo que seu tempo ficará escasso,
devido ao fato de iniciar algumas viagens.

Felicito-o pela rapidez com o qual você observa novas


aparências. Congratulo–o pela sua determinação em de-
dicar-se ao assunto da eletricidade, e não tenho dúvidas
de que eu vou ter algumas cartas muito interessantes
sobre o assunto. Certamente, desejo (e farei se possível)
estar presente no desempenho das experiências, mas
você sabe que eu devo entrar em breve no horário de
um viajante e acredito que o tempo será mais escasso.
(Michael Faraday In JONES, 1870, p.45)

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DISCUTINDO O ENSINO DE CIÊNCIAS DA NATUREZA A
PARTIR DA FORMAÇÃO DE PROFESSORES, INCLUSÃO E HISTÓRIA DA CIÊNCIA

Em 8 de Outubro de 1812 Michael Faraday realizou uma via-


gem com Henri De La Roche (s/d) que também possuía uma livraria
em Londres buscando ampliar sua prática como encadernador. Con-
tinuou no ofício até início de 1813 quando iniciou seus trabalhos com
Davy na Royal Institution.
A partir deste momento Faraday enxerga a grande capacidade
científica que Davy possuía, iniciando os trabalhos de elaboração e
aperfeiçoamento da “Lâmpada de Davy4” que adquiriu grande re-
percussão em toda a Europa. Faraday organizava os equipamentos e
reagentes de Davy, transcrevia cuidadosa e caprichosamente suas ano-
tações, além de auxiliá-lo nos experimentos. Faraday, que ao contrário
de Davy, era muito organizado, ficou conhecido futuramente por sua
metodologia de trabalho extremamente meticulosa pela organização
de seus laboratórios e por suas palestras muito bem estruturadas.
(JONES, 1870)

A Elucidação das Leis Eletroquímicas

Durante o período em que Faraday investigava as relações da


decomposição eletroquímica, ele observou alguns efeitos e os atribuiu
a uma lei geral de condução elétrica que era desconhecida até então.
Ele trabalhou com soluções congeladas que são mais adequadas para
se observar a falta de condutividade, pois quando eram interpostas
com soluções líquidas, impediam a transmissão da eletricidade e,
assim, a decomposição nessas soluções cessava. Inicialmente, Faraday
utilizou gelo comum durante o rigoroso inverno do final de Janeiro de
1833, mas não obteve bons resultados devido a algumas imperfeições
desses arranjos de células voltaicas.
O estudioso adotou, então, uma forma mais elaborada do expe-
rimento quando utilizou vasos de estanho interligados com fios de cobre

4  A chamada “Lâmpada de Davy” foi concebida com o objetivo de ser utilizada em ambientes nos
quais a atmosfera era inflamável, como em minas, onde se podem encontrar altas concentrações
do chamado gás grisu, que era uma mistura de metano com oxigênio. O equipamento consistia
em uma lâmpada de pavio curto que era envolta em uma malha metálica com furos tão pequenos
capazes de permitir somente a passagem de oxigênio para a combustão. Pelo fato de ser metálica,
esta malha dissipava o calor, impossibilitando que os gases presentes na atmosfera atingissem
a temperatura de ignição. Funcionava também como um detector da presença dessa mistura
explosiva, pois nesta situação, a chama mudava de aspecto. (PARIS, 1831)

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DISCUTINDO O ENSINO DE CIÊNCIAS DA NATUREZA A
PARTIR DA FORMAÇÃO DE PROFESSORES, INCLUSÃO E HISTÓRIA DA CIÊNCIA

que eram conectados a uma pilha voltaica. Nesses recipientes Faraday


introduziu eletrodos de platina devidamente isolados para que não
entrassem em contato com as paredes metálicas dos vasos. A utilização
de água destilada que era congelada e que ocupava os espaços entre as
paredes de estanho e os eletrodos de platina completavam o experimento.
Além de todo esse aparato, Faraday incluiu no circuito um galvanômetro,
o qual não detectou nenhuma alteração de corrente no sistema, mesmo se
utilizando uma bateria altamente carregada. (FARADAY, 1849)
Ao efetuar o processo de descongelamento da água através de
aquecimento dos vasos de estanho, Faraday não observou inicialmente
nenhuma alteração de suas medidas, mas quando o eletrodo de platina
tocou a parte liquefeita do gelo foi observada uma deflexão de 70° no
galvanômetro. Esses experimentos ilustravam de forma clara a não
condutividade do gelo mesmo quando ele testava as partes de gelo
com pequenas espessuras. Quando eram descongeladas, essas pelícu-
las, como Faraday as intitulou, permitiam a condução da eletricidade.
Esses experimentos foram repetidos por diversas vezes e ele chegou
a utilizar cento e cinquenta pares carregados e nenhuma eletricidade
passou pela barreira de gelo. (FARADAY, 1849)
Prosseguindo com seus questionamentos, Faraday estendeu
suas pesquisas a outras substâncias que eram sólidas em temperatura
ambiente, mas passíveis de serem facilmente fundidas, constatando
que o efeito de perda de condutividade no estado sólido não era restri-
to à água. Trabalhou, primeiramente, com cloreto de chumbo líquido
conectado com os polos de uma bateria e observou a decomposição
dessa substância, assim como uma medida feita pelo galvanômetro.
Após deixar o cloreto de chumbo retornar ao estado sólido, Faraday
observou uma interrupção nos efeitos observados e ao fundi-lo nova-
mente, a eletricidade tornou a passar pelo circuito. Esses experimentos
foram replicados com cloreto de prata, com cloreto de sódio e potás-
sio, com sulfato de sódio e com carbonatos de sódio e potássio, e ele
captou os mesmos resultados: que esses compostos em estado líquido
permitiam a passagem da eletricidade e quando sólidos, se tornavam
isolantes. Além desse fenômeno de condução elétrica, ele observou que
sempre ocorria a decomposição das substâncias testadas, relatando a
deposição de metais nos polos negativos. (FARADAY, 1849)

169
DISCUTINDO O ENSINO DE CIÊNCIAS DA NATUREZA A
PARTIR DA FORMAÇÃO DE PROFESSORES, INCLUSÃO E HISTÓRIA DA CIÊNCIA

Figura 1. Ilustração de um aparato experimental utilizado por Faraday para se veri-


ficar a condução de eletricidade em substâncias fundidas.
Fonte: FARADAY, 1849

Michael Faraday enumera diversas substâncias, em sua maio-


ria, consideradas de diferentes classes químicas que estariam passí-
veis de sofrer ação da corrente elétrica. Ele confirmou que inúmeros
compostos conduzem correntes elétricas, tais como a água, os óxidos
de potassa, os cloretos de potássio, de sódio, de bário, de estrôncio,
de cálcio e outros. Os iodetos de potássio, de zinco e de chumbo, o
fluoreto de potássio, o cianeto e sulfocianeto de potássio.
Verificou também a ação eletroquímica no clorato e nitrato de
potassa. Nos fosfatos de potassa, de soda, de chumbo, de cobre, no
vidro fosfórico ou fosfato de cal ácido, nos carbonatos de potassa e
soda, juntamente e separadamente no bórax, no borato de chumbo,
no sulfeto de antimônio e de potássio além de silicatos e um composto
chamado “Camaleão mineral”5. (FARADAY, 1849, p.115)
Esse fenômeno de condução elétrica, através de substâncias,
ainda não havia sido pesquisado, no entanto, conseguiu ressaltar que
todos os compostos que conduziam eletricidade tinham elementos

5  A substância denominada “camaleão mineral” consiste no permanganato de potássio KMnO4.


Tinha essa nomenclatura devido aos diversos números de oxidação possíveis para o manganês
que conferiam as soluções diferentes cores. Tais como o violeta do KMnO4, o verde do K2MnO4
além do marrom claro do MnO2.

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DISCUTINDO O ENSINO DE CIÊNCIAS DA NATUREZA A
PARTIR DA FORMAÇÃO DE PROFESSORES, INCLUSÃO E HISTÓRIA DA CIÊNCIA

que se direcionavam contrariamente para os polos e sofriam decom-


posição. Faraday observou que à medida que um sólido se fundia,
perdia a capacidade de conduzir calor, mas ganhava a habilidade de
conduzir eletricidade, além de confirmar a influência da quantidade de
eletricidade fornecida a um sistema e sua consequente decomposição
proporcional. (FARADAY, 1849)
Com o uso da eletricidade gerada por uma máquina elétrica
foi observada uma capacidade de decomposição muito mais rápida
do que quando se utilizava uma bateria voltaica. Ele observou que a
utilização de apenas um fio condutor ligado à máquina elétrica era
capaz de promover a decomposição, desde que um dos polos estivesse
aterrado, independentemente de ser o polo negativo ou o positivo que
estivesse ligado à máquina, isso ocasionava uma alteração no sentido
da corrente elétrica. (FARADAY, 1849)
Dessa forma, a água era apenas uma das mais variadas subs-
tâncias, se mostrando uma das piores em relação à capacidade de con-
dução e decomposição. Na verdade, sua vasta utilização era devido
à facilidade de obtenção e por apresentar-se em um estado líquido
à temperatura ambiente. Foram testadas diversas substâncias com o
objetivo de se verificar a capacidade de decomposição e transmissão
de eletricidade. Pode-se citar o cloreto de potássio, o carbonato de
potássio, o cloreto de chumbo, o sulfato de sódio dentre outras.
De acordo com Faraday, o que pode ser considerado a parte
central da eletroquímica é a decomposição, sendo a separação da
substância passível de ser decomposta, assim, o ponto final da sua
pesquisa. Quando o composto entrava em contato com os polos de
uma pilha ocorria essa decomposição, sendo os elementos metálicos,
depositados nesses polos. Dessa forma, Faraday determinava os ele-
mentos constituintes de suas amostras. Para verificar a ação química
da eletricidade, ele imergia fios nas soluções e observava a medição da
agulha de um galvanômetro que se mantinha estática, caracterizando
uma corrente constante. (FARADAY, 1849, p. 135)
Em 1806, Freiherr Christian Johann Dietrich Theodor von
Grotthuss (1785-1822), físico e químico alemão nascido em Leipzig,
já havia proposto a primeira teoria da eletrólise6, além de outros

6  Estes estudos consistiam na passagem de corrente elétrica através de soluções. Grotthuss

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DISCUTINDO O ENSINO DE CIÊNCIAS DA NATUREZA A
PARTIR DA FORMAÇÃO DE PROFESSORES, INCLUSÃO E HISTÓRIA DA CIÊNCIA

estudos sobre decomposição de líquidos por eletricidade voltaica.


Faraday reconhecia os estudos de Grotthuss e chegou a relatar parte
dos estudos desse cientista no primeiro volume de seu Experimental
Researches in Electricity.

Grotthuss, no ano de 1805, escreveu expressamente a


respeito da decomposição de líquidos pela eletricidade
voltaica. Ele considerava a pilha uma espécie de imã
elétrico, que tinha a capacidade de atrair e repelir. Con-
sequentemente os polos de uma pilha poderiam atrair
os elementos de uma partícula de água, por exemplo,
estando sujeita a essa força de atração e repulsão, agindo
em direções contrárias. Nos polos, quando separados,
os elementos constituintes da água se tornavam gases.
(FARADAY, 1849, p 136)

Figura 2. Experimento de Faraday utilizando soluções diferentes na mesma


célula eletroquímica
Fonte: FARADAY, 1849

Um recipiente de vidro com medidas aproximadas de 4 po-


legadas (10,16cm) de altura e 4 polegadas de diâmetro dividido por

defendeu a ideia da migração de íons de cargas opostas em direção aos polos opostos.

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DISCUTINDO O ENSINO DE CIÊNCIAS DA NATUREZA A
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um anteparo de mica “a”, impermeável, com uma polegada e meia de


altura (3,81cm). No lado direito era inserida uma placa de platina “b”
(ligada ao polo positivo de uma bateria) até o fundo desse recipiente,
o qual era preenchido cuidadosamente com solução de sulfato de
magnésio. Uma placa de vidro impedia que essa solução preenchesse
a porção esquerda do recipiente que havia sido dividido com o ante-
paro de mica. Nesta parte do recipiente foi adicionada água destilada,
ocupando o espaço das marcações “c” e “d” e posteriormente inserida
uma segunda placa de platina “e” (ligada ao polo negativo da bateria),
quase que horizontalmente, estando em contato somente com a água
destilada. (FARADAY, 1849)
Faraday observou a ocorrência de decomposição, em ambas as
placas de platina, mas do lado da água a intensidade da decomposição
foi menor quando comparada a utilização de uma solução uniforme.
Passado alguns instantes do experimento houve a formação de mag-
nésio, mas não no polo de platina e, sim, sob o plano “c” no qual as
duas soluções se encontravam. Devido à formação de bolhas de hidro-
gênio no polo negativo e a consequente agitação da água destilada, as
partículas de magnésio foram atraídas para a parte inferior do polo
negativo. Ao finalizar o experimento, Faraday retirou os eletrodos de
platina do meio e medindo a acidez e alcalinidade dos líquidos de am-
bos, encontrou um meio ácido no polo positivo que estava em contato
direto com a solução de sulfato de magnésio. (FARADAY, 1849)
Acreditamos que Faraday buscou compreender, através desse
experimento, a força atrativa que os polos exerciam nas espécies me-
tálicas envolvidas em um processo de decomposição, mas limitando a
distância de atuação do polo negativo sobre a solução de sulfato. Em
sua obra ele cita Grotthuss quando este descreve os polos exercendo
forças atrativas e repulsivas, sendo que essas forças variavam inversa-
mente aos quadrados das distâncias. (FARADAY, 1849, p. 142)
Faraday amplia seu campo de pesquisa quando começa a rela-
cionar a quantidade de eletricidade fornecida ao sistema e a quantida-
de de matéria decomposta independente da sua constituição, podendo
ser água, soluções salinas, ácidos ou substâncias fundidas. A ideia da
atração dos polos ser a causa da decomposição eletroquímica não era
totalmente sustentada por Faraday, o qual defendia que a decomposi-

173
DISCUTINDO O ENSINO DE CIÊNCIAS DA NATUREZA A
PARTIR DA FORMAÇÃO DE PROFESSORES, INCLUSÃO E HISTÓRIA DA CIÊNCIA

ção era causada por essa atração, mas devia ser considerada a quan-
tidade de eletricidade fornecida, além da força de atração dos polos
serem maior do que a atração mútua entre as espécies formadoras das
substâncias. (FARADAY, 1849, p. 145)
A decomposição eletroquímica era dependente da corrente
aplicada ao sistema qualquer que fosse a fonte dessa eletricidade, e Fa-
raday prossegue nos experimentos mostrando que a decomposição era
proporcional a quantidade de eletricidade fornecida. (FARADAY, 1849)
A compreensão da ação eletroquímica por Faraday o levou a
conclusões sólidas que culminaram nas chamadas “Leis da Eletroquí-
mica de Faraday”. Podemos enumerar alguns postulados assimilados
por ele no final de suas pesquisas. (FARADAY, 1849, p. 156-159)

I. Os compostos químicos podem ser distribuídos em duas gran-


des classes: os passíveis de sofrer decomposição e aqueles não
dissociáveis (os que sofriam decomposição foram chamados de
eletrólitos);
II. As espécies decompostas foram chamadas de íons. Cátions e
Ânions7, em menção a cátodo e ânodo;
III. A valência desses íons se encontra diretamente relacionada com
a proporção em que sofrem decomposição;
IV. Uma decomposição nem sempre levará aos elementos consti-
tuintes da substância;
V. A constituição dos eletrodos utilizados na decomposição não in-
terfere diretamente na capacidade de separação das substâncias,
desde que sejam condutores. No entanto, podem interferir no
tipo de íons formados no meio;
VI. Dependendo da constituição química do eletrodo, este poderá se
combinar com o íon direcionado a ele;
VII. O equivalente eletroquímico de um elemento é constante, inde-
pendendo de qual substância está sendo separada.

Os elementos podiam ser determinados diretamente pelos seus


íons, tais como o oxigênio, o hidrogênio, o chumbo e o estanho ou atra-

7  Essa nomenclatura foi cunhada juntamente com o auxílio de William Whewell (1794-1866),
em 1834.

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DISCUTINDO O ENSINO DE CIÊNCIAS DA NATUREZA A
PARTIR DA FORMAÇÃO DE PROFESSORES, INCLUSÃO E HISTÓRIA DA CIÊNCIA

vés de deduções, conhecendo-se outros íons envolvidos no processo e


seus equivalentes. (FARADAY, 1849)
Outra conclusão importante que Faraday obteve foi que, inde-
pendente das espécies ligadas entre si, um determinado elemento pos-
sui sempre o mesmo equivalente eletroquímico1. (FARADAY, 1849)
A primeira lei de Faraday elucida que a massa depositada em
um eletrodo é diretamente proporcional a quantidade de eletricidade
que passa pelo eletrólito. Já a segunda lei esclarece que uma mesma
quantidade de eletricidade, ao passar por diferentes eletrólitos, causa
a decomposição e eletrodeposição de espécies químicas nos eletrodos
e as massas dessas espécies, são diretamente proporcionais a seus
equivalentes eletroquímicos.
A ideia central deste capítulo foi ilustrar como ocorre a constru-
ção de uma teoria, destoando do senso comum em que cientistas são
taxados como pessoas dotadas de um conhecimento grandioso, o que
não é verdadeiro, pois as teorias são construídas ao longo de anos, com
muita dedicação e empenho dessas pessoas.

Referências Bibliográficas

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HAMILTON, J. A Life of Discovery: Michael Faraday, giant of the scientific revolution. Nova
York: Randon House, 2002. 496p.

1  O equivalente eletroquímico de uma substância pode ser definido como a massa depositada
quando uma corrente de um ampere atravessa a solução pelo tempo de um segundo. (1 A.s ou
1 Coulomb). Agora se sabe que ao passar aproximadamente 96.500 Coulombs através de uma
solução, um equivalente-grama de qualquer íon é liberado. O termo equivalente-grama tornou-
se obsoleto entre 1959-60 quando a IUPAC (International Union of Pure and Applied Chemistry)
unificou a unidade de massa atômica e a CIPM (Comité international des poids et mesures) definiu o
mol em 1967-69. Retomando aos experimentos de Faraday, essa quantidade de carga, depositaria
no eletrodo negativo, por exemplo, um mol de um íon de um metal monovalente, ou meio mol
de um íon divalente, ou 1/3 de mol de um íon trivalente.

175
DISCUTINDO O ENSINO DE CIÊNCIAS DA NATUREZA A
PARTIR DA FORMAÇÃO DE PROFESSORES, INCLUSÃO E HISTÓRIA DA CIÊNCIA

HAMILTON, J. Faraday: The Life. Nova York: Harper Collins Publishers Ltd, 2003. 496p
JONES, H. B. The Life and Letters of Faraday. v. 1. Londres: Longmans, Green, and CO.,
1870. 471p.
PARIS, J. A. The Life of Sir Humphry Davy. Londres: Henry Colburn and Richard Bentley,
1831. 416p
PINTO, M. F. Da Eletricidade nos Séculos XVII e XVIII às Leis Eletroquímicas de Michael
Faraday. Dissertação. Juiz de Fora: Universidade Federal de Juiz de Fora, 2018. 84p.
THOMPSON, S. P. Michael Faraday: His Life and Work. Londres: Cassell And Company, 1901.
330p.
THOMSON. T. A System of Chemistry in Four Volumes. v. 1, Londres: Baldwin, Cradock and
Joy, 1818. 470p.

176
Índice remissivo

A
Aprendizagem Significativa 8, 71, 72, 181

B
balanceamento de reações 8, 86, 87, 90, 93, 96

C
carta 75, 81, 114, 154, 163, 164, 165, 166, 167
Cartões 8
coloidal 8, 149, 150, 151, 157, 159, 160
conhecimento científico 18, 23, 54, 57, 76, 77, 79, 115

D
DNA 9, 136, 137, 140, 141, 142, 143, 144, 145, 146, 147, 148

E
Educação Inclusiva 6, 16, 17, 18, 23, 97
Educação Intercultural 9, 14, 16, 22, 23
eletroquímica 151, 168, 170, 171, 172, 173, 174
Ensino de Química 6, 8, 18, 72, 84, 87, 110, 181
escola Montessori 8, 51, 57
estudos de gênero 125, 129
experiência piloto 37, 42, 45

J
jogo didático 78, 79

L
liebig 8

M
Marie Curie 8, 73, 74, 79, 80, 81, 82, 83, 84, 85
matéria magnética 149, 151, 152, 154, 156, 159

Q
questão animal 26, 27, 30, 32, 35, 37, 38, 45, 46
Questionário 39

177
DISCUTINDO O ENSINO DE CIÊNCIAS DA NATUREZA A
PARTIR DA FORMAÇÃO DE PROFESSORES, INCLUSÃO E HISTÓRIA DA CIÊNCIA

R
Rosalind Franklin 136, 137, 138, 140, 141, 146, 147

S
segregação feminina 131
semiótica 98, 104, 108, 109, 110

U
Unidades de Ensino Potencialmente Significativas 60

V
Veganismo 9, 35, 46

178
DISCUTINDO O ENSINO DE CIÊNCIAS DA NATUREZA A
PARTIR DA FORMAÇÃO DE PROFESSORES, INCLUSÃO E HISTÓRIA DA CIÊNCIA

Sobre os organizadores

Ivoni Freitas-Reis
Docente do Departamento de Química da Universidade Federal de
Juiz de Fora. Possui Graduação em Química - Licenciatura e Bacha-
relado pela UFV, Mestrado e Doutorado em História da Ciência pela
PUC- SP. Linhas principais de Pesquisa: História da Ciência, Química
e Inclusão de Surdos e Metodologias de Ensino.

Karine Gabrielle Fernandes


Licenciada em Química e mestra em Educação, é doutoranda em Quí-
mica na área de concentração Educação em Química pela Universidade
Federal de Juiz de Fora, UFJF.

Ingrid Nunes Derossi


Doutorado em Educação Química com ênfase em História da Ciência
e Ensino, professora na Universidade Federal do Triângulo Mineiro,
atua nas áreas de História da Ciência, Gênero e Teatro e Educação.

Sobre os autores

Ana Caroline Ferrari


Licencianda em Química na Universidade Federal de Santa Catarina
(UFSC- Blumenau).

Beatriz Gatti de Castro


Graduada em Licenciatura em Química pela Universidade Federal
Fluminense. Mestranda em Educação em Química pela Universidade
Federal de Juiz de Fora na linha de pesquisa História da Química.

Fernanda Luiza de Faria


Docente do quadro permanente da Universidade Federal de Santa
Catarina, Campus Blumenau. Possui graduação em Química (Licen-

179
DISCUTINDO O ENSINO DE CIÊNCIAS DA NATUREZA A
PARTIR DA FORMAÇÃO DE PROFESSORES, INCLUSÃO E HISTÓRIA DA CIÊNCIA

ciatura e Bacharelado) pela Universidade Federal de Viçosa Mestrado


e Doutorado em Química, área de concentração em Educação Química
pela Universidade Federal de Juiz de Fora.

Gabriele Smanhotto Malvessi


Mestranda do Programa de Pós-graduação em Nanociência, Processos
e Materiais Avançados (PPGNPMat) da Universidade Federal de Santa
Catarina, campus Blumenau. Possui graduação em Química Licencia-
tura pela Universidade Federal de Santa Catarina, Campus Blumenau.

Giovana Mendonça De Medeiros


Mestranda em Química, na área de Educação em Química pela Uni-
versidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) e Licenciada em Química
pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Atualmente faz parte do
Núcleo de Estudos em História da Ciência e do Grupo de Estudos em
Educação Química, ambos da UFJF.

João Batista Alves do Reis


Graduado em Licenciatura em Ciências e Física pela FUNEC. Doutor
e Mestre em História da Ciências pela PUC-SP. Professor do Centro
Universitário de Caratinga. Principais Linhas de Pesquisa: Saneamento
Ambiental e História da Ciência e Ensino. E-mail: jreisfísica@gmail.com.

Jomara Mendes Fernandes


Docente do Instituto de Química da Universidade Federal da Bahia. Ob-
teve os títulos de Doutora, Mestra e Graduada em Química-Licenciatura
e de Bacharel Interdisciplinar em Ciências Exatas e da Natureza pela
Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). Especialista em Libras e
Educação de Surdos pela Universidade Norte do Paraná (UNOPAR).

180
DISCUTINDO O ENSINO DE CIÊNCIAS DA NATUREZA A
PARTIR DA FORMAÇÃO DE PROFESSORES, INCLUSÃO E HISTÓRIA DA CIÊNCIA

Leonardo Lessa Pacheco


Licenciado em Química pela Universidade Federal de Viçosa. Mestre
em Química pela Universidade Federal de Juiz de Fora e doutorando
em Química na área de concentração em Educação Química e subárea
História da Ciência pela Universidade Federal de Juiz de Fora.

Lúcia Maria de Assis


Doutora em Linguística (USP), Mestra em Linguística Aplicada
(UNITAU), graduada em Pedagogia e Letras (UGB/FERP). Professora
Associada na UFF onde ministra disciplinas pedagógicas no curso
de Licenciatura em Química e desenvolve pesquisas com ênfase em
Aprendizagem Significativa no Ensino de Química.

Marcelo Fonseca Pinto


Graduado em Licenciatura em Química pela UFJF. Mestre em Educa-
ção Química na linha de História da Ciência e Ensino pelo Programa de
Pós-graduação em Química da Universidade Federal de Juiz de Fora.
Professor da Educação Básica. E-mail: marcelofonsecajf@hotmail.com.

Raiane Dandara Pereira Pimentel


Graduada em Licenciatura em Química pela Universidade Federal
Fluminense. Mestra em Química pela Universidade Federal do Rio de
Janeiro na linha de pesquisa de História da Química. Professora de
Química e Ciências na educação básica. Foi professora substituta no
Instituto de Ciências Exatas, UFF campus Volta Redonda.

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