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MEDICAL GENETICS, FIFTH EDITION
© 2016 by Elsevier, Inc.
© 2010, 2006, 2003, 2000, 1995 by Mosby, Inc., an affiliate of Elsevier Inc.
All rights reserved.
This edition of MEDICAL GENETICS, 5th edition, by Lynn B. Jorde, John C. Carey and Michael J. Bamshad is published by arrangement
withElsevier Inc.
ISBN: 978-85-352-8538-3
Esta edição de MEDICAL GENETICS, 5ª edição, de Lynn B. Jorde, John C. Carey e Michael J. Bamshad, é publicada por acordo com a
Elsevier, Inc.

■ Direitos exclusivos para o Brasil na língua portuguesa


Copyright © 2017, 2021 (2ª impressão) by
GEN | GRUPO EDITORIAL NACIONAL S.A..
Publicado pelo selo Editora Guanabara Koogan Ltda.
Travessa do Ouvidor, 11
Rio de Janeiro – RJ – CEP 20040-040
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■ Capa: Mello & Mayer Design Ltda.

■ Editoração eletrônica:SBNigri Artes e Textos Ltda.

CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO


SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ

J69g
5. ed.

Jorde, Lynn B.
Genética médica / Lynn B. Jorde, John C. Carey, Michael J. Bamshad;tradução Cecília Cerqueira Café Mendes ... [et al.]. – 5. ed. – [Reimpr.].–
Rio de Janeiro : GEN | Grupo Editorial Nacional. Publicado peloselo Editora Guanabara Koogan Ltda., 2021.il.; 27 cm.

Tradução de: Medical genetics

Inclui índice

ISBN 978-85-3528-902-2

1. Genética médica. 2. Genética humana. I. Carey, John C.II. Bamshad, Michael J. III. Mendes, Cecília Cerqueira Café. IV. Título.

CDD: 616.042
16-36279
CDU: 616-056.7
Nota

Esta obra foi produzida por GEN - Grupo Editorial Nacional sob sua exclusiva responsabilidade. Médicos e pesquisadores devemsempre
fundamentar-se em sua experiência e no próprio conhecimento para avaliar e empregar quaisquer informações, métodos,substâncias ou
experimentos descritos nesta publicação. Devido ao rápido avanço nas ciências médicas, particularmente, os diagnósticose a posologia de
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REVISÃO CIENTÍFICA E TRADUÇÃO

Revisão Científica

Profa. Dra. Agnes Cristina Fett-Conte


Livre Docente em Genética Humana e Médica
Departamento de Biologia Molecular – Laboratório de Genética
Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto/Hospital de Base – SP (FAMERP/FUNFARME)

Tradução

Alexandre Aldighieri Soares (Cap. 3)


Residência em Endocrinologia pelo Instituto Estadual de Diabetes e Endocrinologia Luiz Capriglione (IEDE), RJ
Residência em Clínica Médica pelo Hospital Naval Marcílio Dias, RJ
Graduado em Medicina pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)

Bárbara de Alencar Leão Martins (Cap. 6)


Médica Oncologista, RJ

Cecília Cerqueira Café Mendes (Caps. 1 e 2)


Bióloga
Mestranda em Fisiopatologia Experimental da Faculdade de Medicina Universidade de São Paulo (USP)

Daniel Bonoto Gonçalves (Cap. 7)


Mestre em Microbiologia Agrícola pela Universidade Federal de Viçosa (UFV)
Graduado em Bioquímica pela Universidade Federal de Viçosa (UFV)

Edianez Chimello (Caps. 10, 12 e Glossário)


Tradutora, SP

Fernanda Gurgel Zogaib (Caps. 5 e 9)


Graduada em Educação Física e Desportos pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ)
Especialista em Anatomia Humana pela Universidade Estácio de Sá (Unesa), RJ
Mestranda no Programa de Pós-Graduação em Biologia Humana e Experimental pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ)

Luciane Faria de Souza Pontes (Caps. 13 e 14) (In Memoriam)


Farmacêutica
Doutora em Ciências Biomédicas
Professora do Curso de Especialização em Histocompatibilidade da UERJ

Monica Farah Pereira (Caps. 4 e 8)


Bióloga
Doutora em Biologia pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ)

Raimundo Rodrigues Santos (Cap. 15)


Mestre em Medicina pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ)
Título de Especialista em Neurocirurgia – SBN
Título de Especialista em Neurologia – CFM

Tatiana de Almeida Simão (Cap. 11)


Doutora em Biologia pela Pós-graduação em Biociências Nucleares da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ)
Pesquisadora Visitante do Instituto Nacional de Câncer

Tatiana Ferreira Robaina (Índice)


Doutoranda em Ciências pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)
Mestre em Patologia pela Universidade Federal Fluminense (UFF)
Odontóloga pela Universidade Federal de Pelotas (UFPEL)
Material
Suplementar

Este e-book conta com o seguinte material suplementar:


• Imagens em formato de apresentação (acesso restrito a docentescadastrados)

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Dedicado a nossas famílias

Debra, Eileen e Alton Jorde


Leslie, Patrick e Andrew Carey
Jerry e Joanne Bamshad
INTRODUÇÃO

J. B. S. Haldane deu o título “Tudo Tem uma História” a uma antologia de alguns de seus artigos mais indigestos — e este se aplica claramente ao
campo da genética médica. Há mais de 200 anos cientistas como Buffon, Lamarck, Goethe e Kielmeyer refletiram sobre como a história do
desenvolvimento de cada organismo se relacionava com a história da vida na Terra. Baseada nessas ideias, a disciplina de Biologia nasceu no
século XVIII na Europa, atravessou a adolescência como Morfologia e Anatomia Comparativa no século XIX e atingiu a vida adulta, no século
XX, como o campo da Genética. Entretanto, a definição do final do século XIX da Genética (hereditariedade) como a ciência das variações (e suas
causas) ainda é válida. Assim, a Genética Humana é a ciência da variação humana; a Genética Médica, a ciência da variação humana anômala; e a
Genética Clínica, o ramo da medicina que cuida dos indivíduos e famílias com variações anômalas de estrutura e função.
No final do século XIX e início do século XX, a unidade da ciência baseada na morfologia foi gradualmente substituída por uma visão
pluralista da biologia que pulverizava o campo em muitas disciplinas diferentes e que frequentemente se rivalizavam. Entretanto, graças à
aplicação de novos métodos de Biologia Molecular na análise do desenvolvimento e no entendimento dos elementos da hereditariedade (i.e., os
genes), os vários ramos da biologia estão sendo novamente reunidos. Essa nova disciplina, denominada Morfologia Molecular, pode ser definida
como o estudo da forma, formação, transformação e malformação de organismos vivos. De fato, os geneticistas, ignorantes, como talvez fossem,
dos métodos tradicionais de historiografia, desenvolveram seus próprios métodos, brilhantes e altamente efetivos. Consequentemente, eles
alcançaram uma perspectiva extraordinariamente duradoura e mais bem documentada do que a dos historiadores. Essa perspectiva de quase 4
bilhões de anos une os organismos vivos em uma única rede de vida, relacionando uns aos outros em uma linhagem contínua a partir de um
ancestral comum. Isso torna as perspectivas de desenvolvimento da filogenética (i.e., as relações genéticas de diferentes espécies umas com as
outras) e da ontogenética (i.e., as bases genéticas do desenvolvimento de organismos individuais) não apenas complementares, mas inseparáveis.
Assim, hoje é possível explorar efetivamente uma questão-chave da biologia dos séculos XIX e XX: Qual a relação entre evolução e
desenvolvimento?
Em 1945, a Universidade de Utah fundou o Laboratório de Estudos da Hereditariedade e Distúrbios Metabólicos (mais tarde chamado de
Laboratório de Genética Humana). Nele, um grupo de importantes cientistas desenvolveu estudos pioneiros em fendas labiais e palatinas, distrofia
muscular, albinismo, surdez, polipose hereditária do cólon (síndrome de Gardner) e câncer de mama familial. Esses antepassados estariam
imensamente orgulhosos de seus colaboradores atuais na Universidade de Utah, cujos estudos bem-sucedidos promoveram o avanço no
conhecimento de todos os aspectos do campo da genética.
Em seus esforços para sintetizar a história da genética e suas aplicações à variabilidade humana, saúde e doença, desenvolvimento e câncer, os
autores deste texto foram admiravelmente bem-sucedidos. Este livro conciso, bem escrito e ilustrado, cuidadosamente editado e indexado é
altamente recomendado para todos os estudantes: universitários, recém-formados, de medicina, de consulta genética, de enfermagem, e estudantes
das ciências correlatas à saúde. É importante ressaltar que é também um texto maravilhoso para os médicos (clínicos e especialistas) que desejam
uma introdução abrangente às bases e princípios da genética moderna aplicada ao desenvolvimento e à saúde humana. Este livro, na visão de
colegas eminentes e internacionalmente respeitados e de amigos que amam a prática docente, é uma satisfação de ser lido em sua expressão de
entusiasmo, e de admiração – o que, segundo Aristóteles, era o começo de todo o conhecimento.
Einstein certa vez disse: “A coisa mais incompreensível acerca do mundo é que ele é compreensível”. Quando eu comecei a trabalhar no campo
da genética médica, o gene era amplamente considerado incompreensível. De fato, alguns cientistas como Goldschmidt lançaram dúvidas sobre a
verdadeira existência do gene, embora o grande biólogo americano E. B. Wilson tenha predito sua natureza química mais de 100 anos antes. Neste
livro, os genes e suas funções na saúde e na doença se tornam compreensíveis de maneira que deve interessar enormemente a todos.
John Opitz, MD
Salt Lake City, Utah
PREFÁCIO

A genética médica é um campo que vem crescendo rapidamente. Não há nenhum livro que possa permanecer atualizado por muito tempo; por
isso, tentamos dar ênfase aos princípios centrais da genética e suas aplicações clínicas. Em particular, este livro integra os desenvolvimentos
recentes na genética molecular e genômica com a prática clínica.
Esta nova edição mantém o formato e a apresentação que foram recebidas nas quatro edições prévias. Os princípios básicos da biologia
molecular são apresentados no início do livro para que possam ser discutidos e aplicados nos capítulos subsequentes. Os capítulos sobre doenças
autossômicas e ligadas ao cromossomo X incluem discussões atualizadas em tópicos como imprinting genômico, antecipação e expansão das
repetições de trinucleotídeos. O capítulo sobre citogenética destaca os importantes avanços nesta área, incluindo a hibridação genômica
comparativa e síndromes de microdeleção recentemente descritas. O mapeamento e a identificação genética, que constituem o foco da genética
médica moderna, são detalhados, e os recentes avanços baseados nas conclusões do projeto genoma humano são discutidos. Os capítulos estão
incluídos nos campos em rápido desenvolvimento da imunogenética e genética do câncer. Dedica-se uma considerável discussão sobre a genética
das doenças adultas comuns, como doença cardíaca, diabetes, acidente vascular encefálico e hipertensão. O livro é concluído com capítulos sobre
diagnósticos genéticos (mais uma vez dando ênfase a abordagens atuais como o sequenciamento completo de exoma e genoma), terapia genética,
medicina personalizada e genética clínica, e aconselhamento genético.
Como nas edições anteriores, um site é disponibilizado para prover acesso a informações em contínua mudança na genética médica
(http://evolve.elsevier.com/Jorde/). O site inclui versões para downloads de todas as figuras no livro, hyperlinks com outros relevantes e uma
bateria de questões de testes bem como suas respostas.
Vários apoios pedagógicos estão incorporados neste livro:
• Quadros de Comentários Clínicos apresentam uma cobertura detalhada das doenças genéticas mais importantes e fornecem exemplos de uma
conduta clínica moderna.
• Pequenos resumos, destacados em dourado, estão colocados em quase todas as páginas para auxiliar o leitor a compreender e resumir os
conceitos importantes.
• Questões de Estudo, apresentadas no final de cada capítulo, auxiliam o leitor na revisão e compreensão.
• Um glossário detalhado está incluído no final do livro.
• Termos-chave são destacados em negrito.
• Leituras sugeridas importantes e atualizadas são listadas no final de cada capítulo.
Além disso, a quinta edição mantém essas importantes características:
• Todos os capítulos foram cuidadosamente atualizados, com atenção especial aos tópicos de rápida evolução, como sequenciamento de DNA de
alto rendimento, diagnóstico genético, terapia genética, genética do câncer e genética de outras doenças comuns.
• Para facilitar a criação de ilustrações para fins de ensino, pode-se fazer o download de todas as imagens do site (incluindo os desenhos do livro).
• Um índice abrangente expandido inclui todas as citações de texto de todas as doenças.
Este livro evoluiu a partir de cursos que administramos para estudantes de medicina e de enfermagem, estudantes de aconselhamento genético e
estudantes de graduação e pós-graduação na área da genética humana. Embora seja este o público-alvo deste livro, ele também será útil para
residentes, médicos e outros profissionais da saúde que desejam se tornar mais familiarizados com a genética médica.
AGRADECIMENTOS

Muitos dos nossos colegas generosamente doaram seu tempo e conhecimento à leitura e à inserção de comentários em trechos deste livro.
Estendemos nossa sincera gratidão a Diane Bonner, PhD; Arthur Brothman, PhD; Peter Byers, MD; William Carroll, MD; Karin Chen, MD;
Jessica Chong, PhD; Debbie Dubler, MS; Ruth Foltz, MS; Ron Gibson, MD, PhD; Susan Hodge, PhD; Rajendra Kumar-Singh, PhD; James
Kushner, MD; Claire Leonard, MD; Mark Leppert, PhD; William McMahon, MD; Dan Miller, MD, PhD; Sampath Prahalad, MD; Shige Sakonju,
PhD; Gary Shoenwolf, PhD; Leslie R. Schover, PhD; Craig Smith, estudante de medicina; Sara South, PhD; Maxine J. Sutcliffe, PhD; Carl
Tummel, PhD; Thérèse Tuohy, PhD; Scott Watkins, MS; Jon Weis, PhD e H. Joseph Yost, PhD. Além disso, agradecemos individualmente nas
legendas das figuras a alguns colegas que cederam suas fotografias. Somos gratos a Peeches Cedarholm, RN; Karin Dent, MS; Bridget Kramer,
RN; e Ann Rutherford, BS, pela ajuda na obtenção e organização das fotografias. Os cariótipos no Capítulo 6 foram fornecidos por Arthur
Brothman, PhD, e Bonnie Issa, BS.
Nossos editores na Elsevier, Rae Robertson e Meghan Ziegler, ofertaram-nos amplo incentivo e compreensão.
Finalmente, gostaríamos de agradecer os milhares de estudantes com quem interagimos durante as últimas três décadas. Ensinar envolve
comunicação em ambas as direções, e, indubitavelmente, aprendemos tanto com nossos alunos quanto eles aprenderam conosco.
Lynn B. Jorde
John C. Carey
Michael J. Bamshad
SUMÁRIO
1 Conceitos e História

2 Biologia Celular Básica: Estrutura e Função dos Genes e Cromossomos

3 Variação Genética: sua Origem e Detecção

4 Herança Autossômica Dominante e Recessiva

5 Herança Ligada ao Sexo e Modelos não Clássicos de Herança Genética

6 Citogenética Clínica: A Base Cromossômica da Doença Humana

7 Genética Bioquímica: Transtornos Metabólicos

8 Identificação de Genes Causadores de Doenças

9 Imunogenética

10 As Bases Genéticas do Desenvolvimento

11 Genética do Câncer

12 Herança Multifatorial e Doenças Comuns

13 Testes Genéticos e Terapia Gênica

14 Genética e Medicina de Precisão

15 Genética Clínica e Aconselhamento Genético

Glossário

Respostas das Questões de Estudo


CAPÍTULO1

Conceitos e História

A genética tem desempenhado um papel importante e crescente na prática da clínica médica. A genética médica, antes confinada principalmente a
condições relativamente raras, vistas apenas por poucos especialistas, agora está se tornando um componente central na compreensão da maioria
das doenças. Estas incluem não só as doenças pediátricas, mas também aquelas comuns em adultos, como doenças cardíacas, diabetes, vários tipos
de câncer e diversas doenças psiquiátricas. Uma vez que todos os componentes do corpo humano são influenciados pelos genes, a doença genética
é relevante para todas as especialidades médicas. Atualmente, os profissionais de saúde devem compreender a ciência da genética médica.

O QUE É GENÉTICA MÉDICA?


A genética médica envolve qualquer aplicação da genética na prática médica. Ela também inclui estudos sobre a herança das enfermidades nas
famílias, o mapeamento de genes relacionados a doenças em locais específicos nos cromossomos, análises dos mecanismos moleculares pelos
quais os genes causam doenças, o diagnóstico e o tratamento das doenças genéticas. Como consequência do rápido progresso da genética
molecular, o diagnóstico com base no DNA é possível para milhares de condições hereditárias, e a terapia gênica — a inserção de genes normais
em pacientes com o objetivo de se corrigir a doença genética — vem se mostrando promissora para algumas condições. A genética médica
também inclui o aconselhamento genético, no qual a informação sobre riscos, prognósticos e tratamentos são comunicados aos pacientes e seus
familiares.

POR QUE ATUALMENTE O CONHECIMENTO SOBRE GENÉTICA MÉDICA É IMPORTANTE PARA


OS PROFISSIONAIS DA SAÚDE?
Existem diversas razões pelas quais os profissionais da saúde devem compreender a genética médica. As doenças genéticas representam um
grande percentual do número total de doenças que afetam as populações pediátricas e adultas (Tabela 1-1). Esse percentual continuará a crescer
assim como o conhecimento sobre as bases genéticas das doenças. Além disso, a medicina moderna está cada vez mais focada na prevenção. Uma
vez que a genética fornece a base para a compreensão da composição biológica fundamental do organismo, naturalmente isto leva a melhor
compreensão do processo da doença. Em alguns casos, esse conhecimento pode levar à sua prevenção. Ele também resulta em tratamentos mais
eficazes. A prevenção e o tratamento eficaz estão entre os maiores objetivos da medicina. Os capítulos seguintes fornecem vários exemplos das
formas como a genética contribui para esses objetivos. Mas, primeiramente, este capítulo revisa os fundamentos sobre os quais essa prática está
construída.

UMA BREVE HISTÓRIA


A herança dos traços físicos tem sido objeto de curiosidade e interesse há milhares de anos. Os antigos hebreus e gregos, assim como mais tarde os
estudiosos medievais, descreveram vários fenômenos genéticos e propuseram teorias para explicá-los. Muitas dessas teorias estavam erradas.
Gregor Mendel (Fig. 1-1), um monge austríaco que é considerado o pai da genética, contribuiu significativamente para o progresso dessa área
realizando uma série de experimentos bem elaborados em organismos vivos (ervilhas de jardim). Ele usou essa informação experimental para
formular uma série de princípios fundamentais da hereditariedade. Mendel publicou os resultados dos seus experimentos, em 1865, em uma
revista relativamente desconhecida. É uma das ironias da ciência biológica que suas descobertas, que ainda constituem os fundamentos da
genética, receberam tão pouco reconhecimento por 35 anos. Praticamente na mesma época, Charles Darwin formulou suas teorias sobre a
evolução, e o primo de Darwin, Francis Galton, desenvolveu uma extensa série de estudos em famílias (tais análises concentradas principalmente
em gêmeos) em um esforço para compreender a influência da hereditariedade nas diversas características humanas. Contudo, nenhum desses
cientistas tinha conhecimento dos trabalhos de Mendel.
A genética, como é conhecida hoje é, em grande parte, resultado das pesquisas realizadas durante o século XX. Os princípios de Mendel foram
redescobertos independentemente, em 1900, por três diferentes cientistas que trabalhavam em três países diferentes. Esse também foi o ano em
que Landsteiner descobriu o sistema ABO do grupo sanguíneo. Em 1902, Archibald Garrod descreveu a alcaptonúria como o primeiro “erro inato
do metabolismo”. Em 1909, Johannsen utilizou o termo gene para nominar a unidade básica da hereditariedade. As décadas seguintes foram
períodos de trabalho teórico e experimental consideráveis. Diversos organismos, incluindo Drosophila melanogaster (moscas-das-frutas) e
Neurospora crassa (mofo do pão), foram sistemas experimentais úteis para o estudo de ações e interações dos genes. Por exemplo, H. J. Muller
demonstrou as consequên­cias genéticas da radiação ionizante nas moscas-das-frutas. Durante esse período, grande parte da base teórica da
genética de populações foi desenvolvida por três personagens centrais: Ronald Fischer, J. B. S. Haldane e Sewall Wright.

TABELA 1-1 Lista Parcial de Algumas Doenças Genéticas Importantes

DOENÇA PREVALÊNCIA APROXIMADA

Alterações Cromossômicas
Síndrome de Down 1/700 a 1/1.000
Síndrome de Klinefelter 1/1.000 homens
Trissomia do 13 1/10.000
Trissomia do 18 1/6.000
Síndrome de Turner 1/2.500 a 1/10.000 mulheres

Doenças Monogênicas
Polipose adenomatosa do cólon 1/6.000
Doença renal policística do adulto 1/1.000
Deficiência da α1-antitripsina 1/2.500 a 1/10.000 (caucasoides)*
Fibrose cística 1/2.000 a 1/4.000 (caucasoides)
Distrofia muscular de Duchenne 1/3.500 homens
Hipercolesterolemia familiar 1/500
Síndrome do X frágil 1/4.000 homens; 1/8.000 mulheres
Hemocromatose (hereditária) 1/300 caucasoides são homozigotos; aproximadamente 1/1.000 a
1/2.000 são afetados
Hemofilia A 1/5.000 a 1/10.000 homens
Câncer colorretal hereditário não polipomatoso Acima de 1/200
Doença de Huntington 1/20.000 (caucasoides)
Síndrome de Marfan 1/10.000 a 1/20.000
Distrofia miotônica 1/7.000 a 1/20.000 (caucasoides)
Neurofibromatose tipo 1 1/3.000 a 1/5.000
Osteogênese imperfeita 1/5.000 a 1/10.000
Fenilcetonúria 1/10.000 a 1/15.000 caucasoides )
Retinoblastoma 1/20.000
Anemia falciforme 1/400 a 1/600 negros* na América; acima de 1/50 na África Central
Doença de Tay-Sachs 1/3.000 asquenazes
Talassemia 1/50 a 1/100 (Sul da Ásia e populações mediterrâneas)

Distúrbios Multifatoriais
Malformações Congênitas
Fissura de lábio com ou sem fissura de palato 1/500 a 1/1.000
Pé torto (talipes equinovarus) 1/1.000
Cardiopatias congênitas 1/200 a 1/500
Defeitos de tubo neural (espinha bífida, anencefalia) 1/200 a 1/1.000
Estenose pilórica 1/300

Doenças de Adultos
Alcoolismo 1/10 a 1/20
Doença de Alzheimer 1/10 (americanos acima de 65 anos)
Transtorno bipolar 1/100 a 1/200
Câncer (todos os tipos) 1/3
Diabetes (tipos 1 e 2) 1/10
Doença cardíaca ou acidente vascular cerebral 1/3 a 1/5
Esquizofrenia 1/100

Doenças Mitocondriais
Síndrome de Kaerns-Sayre Rara
Neuropatia ótica hereditária de Leber (NOHL) Rara
Encefalopatia mitocondrial, acidose lática e episódios tipo acidente Rara
vascular cerebral (MELAS)
Epilepsia mioclônica com ruptura das fibras vermelhas anfractuadas Rara
(MERRF)

*O termo “caucasoide” refere-se ao indivíduo de ascendência predominantemente europeia; o termo “negro” refere-se aos indivíduos de ascendência
predominantemente africana subsaariana. Esses termos são usados por conveniência; alguns dos desafios na descrição exata das populações
humanas são discutidos no Capítulo 14.

FIGURA 1-1 Gregor Johann Mendel. (De Raven PH, Johnson GB: Biology. 3rd ed. St Louis: Mosby, 1992.)

Além disso, os padrões de herança de várias doenças genéticas importantes foram estabelecidos, incluindo fenilcetonúria, anemia falciforme,
doença de Huntington e fibrose cística. Em 1944, Oswald Avery demonstrou que os genes são compostos por ácido desoxirribonucleico (DNA).
Provavelmente, a conquista mais significativa dos anos 1950 foi a determinação da estrutura física do DNA por James Watson e Francis Crick, em
1953. O seu manuscrito primordial, que continha apenas uma página, formou a base do que hoje se conhece como genética molecular (o estudo
da estrutura e função dos genes em nível molecular). Outra descoberta importante daquela década foi a especificação correta do número de
cromossomos humanos. Desde o início dos anos 1920, acreditava-se que o homem tivesse 48 cromossomos em cada célula. Somente em 1956, o
número correto, 46, foi finalmente determinado. A habilidade de contar e identificar cromossomos levou a uma nova onda de descobertas na
citogenética, incluindo a descoberta, em 1959, de que a síndrome de Down era causada por uma cópia extra do cromossomo 21. Os avanços
tecnológicos desde 1960 trouxeram progressos significativos em um ritmo crescente. Os progressos mais espetaculares aconteceram no campo da
genética molecular. Milhares de genes foram mapeados em regiões cromossômicas específicas. O Projeto Genoma Humano, um grande desafio
colaborativo que começou em 1990, decifrou a sequência quase completa do DNA humano em 2003 (o termo genoma se refere a todo o DNA de
um organismo). Avanços importantes na tecnologia da computação têm ajudado a decifrar a grande quantidade de dados gerados por esse e outros
projetos relacionados. Além do mapeamento de genes, os geneticistas identificaram os defeitos moleculares de milhares de doenças genéticas.
Essa pesquisa contribuiu significativamente para a compreensão de como os defeitos genéticos podem causar doenças, abrindo caminhos para
tratamentos mais eficazes e curas em potencial.

TIPOS DE DOENÇAS GENÉTICAS


Estima-se que o ser humano apresente aproximadamente 20.000 a 25.000 genes. As alterações neles ou em suas combinações podem produzir
distúrbios genéticos. Estes, por sua vez, são classificados em vários grandes grupos:
• Distúrbios cromossômicos, nos quais cromossomos inteiros (ou grandes segmentos deles) estão faltando, apresentam-se duplicados ou de
alguma forma alterados. Incluem-se aqui doenças como as síndromes de Down e de Turner.
• Distúrbios nos quais genes únicos estão alterados; são geralmente denominados condições mendelianas, ou doenças monogênicas. Exemplos
bem conhecidos incluem a fibrose cística, anemia falciforme e hemofilia.
• Distúrbios multifatoriais, que resultam da combinação de várias causas genéticas e ambientais. Muitos defeitos congênitos como fissura de
lábio e de palato, como várias disfunções em adultos, incluindo doença cardíaca e diabetes, pertencem a essa categoria.
• Distúrbios mitocondriais, um número relativamente pequeno de doenças causadas por alterações no pequeno cromossomo mitocondrial
citoplasmático.
A Tabela 1-1 apresenta alguns exemplos de cada um desses tipos de doenças.
Dessas classes principais de doenças, as monogênicas têm recebido, provavelmente, mais atenção. Esses distúrbios são classificados de acordo
com o seu padrão de herança nas famílias: autossômico dominante, autossômico recessivo ou ligado ao X. Esses padrões de herança são
extensivamente discutidos nos Capítulos 4 e 5. A primeira edição do Mendelian Inheritance in Man, de McKusick, publicada em 1966, listou
apenas 1.368 características autossômicas e 119 ligadas ao X. Hoje, a versão on-line do compêndio de McKusick lista quase 23.000 genes e
características, das quais quase 21.000 são autossômicas, mais de 1.200 são ligadas ao X, 59 são ligadas ao Y e 65 estão no genoma mitocondrial.
As variações no DNA responsáveis por mais de 4.000 dessas características, sendo a maioria herdada, já foram identificadas. Com os avanços
contínuos, esses números certamente irão aumentar. Apesar de alguns distúrbios genéticos, principalmente os monogênicos, serem fortemente
determinados pelos genes, muitos outros resultam de múltiplos fatores genéticos e não genéticos. Pode-se imaginar, portanto, que as doenças
genéticas estão presentes em um contínuo (Fig. 1-2), como a fibrose cística e a distrofia muscular de Dchenne, localizadas em uma extremidade
(fortemente determinadas por genes), e condições como sarampo, localizadas em outra extremidade (fortemente determinadas pelo ambiente). A
maioria das doenças mais comuns, incluindo vários distúrbios inatos e outros comuns como diabetes, hipertensão, doenças cardíacas e câncer,
situa-se em algum lugar nesse contínuo. Essas doenças são o produto de diversos graus de influências genéticas e ambientais.

O IMPACTO CLÍNICO DAS DOENÇAS GENÉTICAS


Há menos de um século, principalmente as doenças de causas não genéticas (p.ex., aquelas causadas por desnutrição, falta de saneamento e
patógenos) eram responsáveis pela maioria das mortes em crianças. Durante o século XX, porém, a saúde pública melhorou consideravelmente.
Consequentemente, as doenças genéticas passaram a responder por uma porcentagem crescente de óbitos infantis nos países desenvolvidos. Por
exemplo, a porcentagem no Reino Unido cresceu de 16,5%, em 1914, para 50% em 1976 (Tabela 1-2).

FIGURA 1-2 Contínuo das causas de doenças. Algumas doenças (p. ex., fibrose cística) são fortemente determinadas por genes, enquanto outras (p.
ex., doenças infecciosas) são fortemente determinadas pelo ambiente.

TABELA 1-2 Porcentagem de Mortes na Infância nos Hospitais do Reino Unido Atribuídas a Causas Genéticas e Não
Genéticas
CAUSA LONDRES 1914 LONDRES 1954 NEWCASTLE 1966 EDIMBURGO 1976

Não genética*

Todas as causas 83,5 62,5 58,0 50,0

Genética

Monogênica 2,0 12,0 8,5 8,9

Cromossômica – – 2,5 2,9

Multifatorial 14,5 25,5 31,0 38,2


*Infecções, por exemplo.
Dados obtidos de Rimoin DL, Conror JM, Pyeritz RE, Korf BR: Emery and Rimoiris Principles and Practice of Medical Genetics. London: Churchill
Livingstone, 2007.

Além de contribuir para o grande aumento das mortes de crianças, as doenças genéticas também são responsáveis por um número maior de
internações em hospitais pediátricos. Por exemplo, um estudo realizado nos hospitais de Seattle, Estados Unidos, demonstrou que 27% de todas as
internações pediátricas tinham como causa algum distúrbio genético; enquanto outro sobre internações efetuado em um grande hospital pediátrico
no México mostrou que 37,8% envolviam uma doença genética ou “parcialmente genética”. Estima-se que, isoladamente, as doenças mendelianas
sejam responsáveis por cerca de 20% da mortalidade infantil e cerca de 10% das hospitalizações pediátricas. Outra forma de avaliar a importância
das doenças genéticas é perguntar: “Que percentual das pessoas na população apresentará algum distúrbio genético?” Uma variedade de fatores
pode influenciar a resposta a essa pergunta. Por exemplo, algumas doenças são mais frequentes em determinados grupos étnicos. A fibrose cística
é especialmente comum nos indivíduos de origem europeia, enquanto a anemia falciforme é comum principalmente em indivíduos de
descendência africana. Algumas doenças são mais comuns em indivíduos idosos. Por exemplo, câncer de cólon, de mama e doença de Alzheimer
são causados por genes dominantes em uma pequena fração (5%–10%) dos casos, mas geralmente não se manifestam até idades mais avançadas.
A prevalência estimada para as doenças genéticas será mais alta em uma população mais idosa. Variações no diagnóstico e nos registros também
podem levar a uma variação na estimativa das prevalências. Assim, os valores de prevalência mostrados na Tabela 1-3 são apresentados com
intervalos amplos. Tendo-se essas fontes de variação em mente, nota-se que uma doença genética reconhecível será diagnosticada em pelo menos
3% a 7% da população em algum momento. Essa tabulação não inclui a maioria dos casos das doenças mais comuns em adultos, como doenças
cardíacas, diabetes e câncer, embora se saiba que elas também apresentam componentes genéticos. Se tais doenças forem incluídas, o impacto
clínico dos distúrbios genéticos será consideravelmente maior.

TABELA 1-3 Prevalência Aproximada de Doenças Genéticas na População em Geral

TIPO DE DOENÇA GENÉTICA FAIXA DE PREVALÊNCIA POR 1.000 PESSOAS

Autossômico dominante 3–9,5


Autossômico recessivo 2–2,5
Ligado ao X 0,5–2
Distúrbio cromossômico 6–9
Malformação congênita* 20–50
Total 31,5–73

*Congênito significa “presente no nascimento”. A maioria das malformações congênitas é tida como multifatorial e provavelmente apresenta componentes
genéticos e ambientais.

LEITURAS SUGERIDAS
Baird PA, Anderson TW, Newcombe HB, Lowry RB. Genetic disorders in children and young adults: a population study. Am J Hum Genet 1988;42:677-93.
Bell CJ, Dinwiddie DL, Miller NA, et al. Carrier testing for severe childhood recessive diseases by next-generation sequencing. Sci Transl Med. 2011;3(65):65ra4.
Dunn LC. A Short History of Genetics. New York: McGraw-Hill, 1965.
McKusick VA. History of medical genetics. In: Rimoin DL, Connor JM, Pyeritz RE, Korf BR (eds): Emery and Rimoin’s Principles and Practice of Medical Genetics. Vol. 1,
5th ed. London: Churchill Livingstone; 2007. pp. 3-32.
Passarge E. Color Atlas of Genetics. 3rd ed. Stuttgart: Georg Thieme Verlag; 2007.
Rimoin DL, Connor JM, Pyeritz RE, Korf BR. Emery and Rimoin’s Principles and Practice of Medical Genetics. 5th ed. London: Churchill Livingstone; 2007.
Scriver CR, Sly WS, Childs G, et al. The Metabolic and Molecular Bases of Inherited Disease. 8th ed. New York: McGraw-Hill; 2001.
Seashore MS, Wappner RS. Genetics in Primary Care and Clinical Medicine. Stamford: Conn: Appleton & Lange; 1996.
Watson JD, Crick FHC. Molecular structure of nucleic acids: A structure for deoxyribose nucleic acid. Nature 1953;171:737.

Fontes na Internet
Dolan DNA Learning Center, Cold Spring Harbor Laboratory (conteúdo online útil para estudar e rever princípios básicos) http://www.dnalc.org/
Genetic Science Learning Center (outro conteúdo útil para estudar e rever princípios básicos da genética) http://gslc.genetics.utah.edu/
Landmarks in the History of Genetics: http://cogweb.ucla.edu/EP/DNA_history.html
National Human Genome Research Institute Educational Resources http://www.genome.gov/Education
Online Mendelian Inheritance in Man (OMIM) (extensa lista com a descrição de distúrbios monogênicos) http://www.ncbi.nlm.nih.gov/Omim/
University of Kansas Medical Center Genetics Education Center (grande número de links para sites de ensino de genética) http://www.kumc.edu/gec/genéticamédica
CAPÍTULO2

Biologia Celular Básica: Estrutura e Função dos Genes e


Cromossomos

Todas as doenças genéticas envolvem alterações no nível celular. Por essa razão, deve-se compreender a biologia celular básica para se entender a
doença genética. Os erros podem ocorrer na replicação do material genético ou na tradução de genes em proteínas. Tais erros normalmente
produzem doenças monogênicas. Além disso, os erros que ocorrem durante a divisão celular podem levar a doenças que envolvem cromossomos
inteiros. Para fornecer as bases para a compreensão desses erros e suas consequências, este capítulo enfoca os processos pelos quais os genes são
replicados e traduzidos em proteínas, bem como o processo de divisão celular.
No século XIX, os estudos de microscopia celular levaram os cientistas a suspeitarem que o núcleo da célula (Fig. 2-1) contém mecanismos
importantes de hereditariedade. Eles descobriram que a cromatina, substância que dá ao núcleo a sua aparência granular, pode ser observada no
núcleo de células interfásicas. Exatamente antes da divisão, a cromatina se condensa para formar estruturas filamentares, microscopicamente
observáveis, denominadas cromossomos (do grego “corpos coloridos”). Com a redescoberta dos experimentos de cruzamentos de Mendel, no
começo do século XX, logo se tornou aparente que os cromossomos continham genes. Os genes são transmitidos dos pais para os filhos e
considerados a unidade básica da hereditariedade. É por meio da transmissão dos genes que os traços físicos, como a cor dos olhos, são herdados
nas famílias. Doenças também podem ser transmitidas por herança genética.
Fisicamente, os genes são compostos de ácido desoxirribonucleico (DNA). O DNA fornece o molde genético para todas as proteínas do corpo.
Dessa forma, os genes influenciam todos os aspectos estruturais e funcionais do organismo. Estima-se que os humanos tenham de 20.000 a 25.000
genes (sequências de DNA que codificam para o ácido ribonucleico [RNA] ou proteínas). Um erro (ou mutação) em um desses genes
frequentemente resulta em uma doença genética perceptível.

Os genes, a unidade básica de herança, estão contidos nos cromossomos e consistem de DNA.

Cada célula somática humana (outras células que não os gametas, espermatozoides ou óvulos) contém 23 pares de cromossomos diferentes em
um total de 46. Um membro de cada par é herdado do pai do indivíduo, e o outro membro vem da mãe. Um dos pares de cromossomos consiste em
cromossomos sexuais. Em homens normais, os cromossomos sexuais são: um Y herdado do pai e um X herdado da mãe. Dois cromossomos X são
encontrados em mulheres normais, um herdado de cada genitor. Os outros 22 pares de cromossomos são autossomos. Os membros de cada par de
autossomos são chamados de homólogos, pois o seu DNA é bastante semelhante. Os cromossomos X e Y não são homólogos um ao outro.
As células somáticas, que apresentam duas cópias de cada cromossomo, são diploides. Os gametas humanos são haploides, com 23
cromossomos. O número diploide de cromossomos é mantido em gerações sucessivas de células somáticas pelo processo de mitose, enquanto o
número haploide é obtido pelo processo de meiose. Ambos os processos são discutidos em detalhes mais adiante neste capítulo.

As células somáticas são diploides, tendo 23 pares de cromossomos (22 pares de autossomos e um par de cromossomos
sexuais). Os gametas são haploides e têm um total de 23 cromossomos.

DNA, RNA E PROTEÍNAS: HEREDITARIEDADE EM NÍVEL MOLECULAR


DNA
Composição e Estrutura do DNA
A molécula de DNA possui três componentes básicos: o açúcar pentose, a desoxirribose; um grupo fosfato e quatro tipos de bases nitrogenadas
(assim denominadas, porque podem combinar-se com íons de hidrogênio em soluções ácidas). Duas das bases, a citosina e a timina, são anéis
simples de carbono-nitrogênio denominados pirimidinas. As outras duas bases, adenina e guanina, são dois anéis de carbono-nitrogênio chamados
de purinas (Fig. 2-2). As quatro bases são normalmente representadas pelas primeiras letras: C, T, A e G.
Uma das contribuições de Watson e Crick, em meados do século XX, foi demonstrar como esses componentes estavam fisicamente organizados
para formar o DNA. Eles propuseram o famoso modelo da dupla hélice, no qual o DNA pode ser visualizado como uma escada torcida com
ligações químicas formando seus degraus (Fig. 2-3). Os dois lados da escada são compostos de açúcar e fosfato, mantidos juntos por fortes ligações
fosfodiéster. De cada lado da escada, em intervalos regulares, projetam-se as bases nitrogenadas. A base que se projeta de um lado está ligada à que
se projeta do outro lado por pontes de
FIGURA 2-1 Anatomia da célula. (De McCance KL, Huether SE: Pathophysiology: The Biologic Basis for Disease in Adults and Children, 7th ed. St. Louis: Mosby,
2014.)

hidrogênio, ligações relativamente fracas. As bases nitrogenadas pareadas formam, então, os degraus dessa escada.
A Figura 2-2 ilustra as ligações químicas entre as bases e mostra que as extremidades da escada terminam em 3’ ou 5’. Essas marcações derivam
da ordem na qual os cinco átomos de carbono que compõem a desoxirribose são numerados. Cada subunidade de DNA, constituída por uma
desoxirribose, um grupo fosfato e uma base, é denominada nucleotídeo.
Diferentes sequências de bases nucleotídicas (p. ex., ACCAAGTGC) especificam diferentes proteínas. A especificação das várias proteínas do
corpo requer uma grande quantidade de informação genética. De fato, cada célula humana haploide contém aproximadamente três bilhões de pares
de nucleotídeos, informação mais do que suficiente para especificar a composição de todas as proteínas humanas.

Os componentes mais importantes do DNA são as quatro bases nucleotídicas: adenina, timina, citosina e guanina. O DNA
tem uma estrutura de dupla hélice.

Helicoidização do DNA
As ilustrações de livros-texto geralmente apresentam o DNA como uma dupla hélice que se estende por uma linha longa e reta. Entretanto, se o
DNA em uma célula fosse realmente esticado dessa forma, ele teria aproximadamente dois metros de comprimento. Para empacotar todo o DNA
dentro de um
FIGURA 2-2 Estrutura química das quatro bases, mostrando as pontes de hidrogênio entre os pares de bases. Três pontes de hidrogênio são formadas
entre os pares de citosina-guanina e duas entre os pares adenina-timina.
FIGURA 2-3 A dupla hélice do DNA, com um eixo de açúcar e fosfato e bases nitrogenadas.

pequeno núcleo, ele é enrolado em diversos níveis. Primeiramente, o DNA se dobra em torno de um centro proteico de histonas para formar o
nucleossomo (Fig. 2-4). Aproximadamente 140 a 150 bases de DNA são enoveladas em torno de cada centro de histonas e, então, 20 a 60 bases
formam um espaçamento antes do próximo nucleossomo. Os nucleossomos, por sua vez, formam um solenoide helicoidal; cada espiral dos
solenoides inclui cerca de seis nucleossomos. Os solenoides por si só são organizados em alças de cromatina, que são presas a um arcabouço de
proteínas. Cada uma dessas alças contém aproximadamente 100.000 pares de base (pb), ou 100 quilobases (kb) de DNA. O resultado final desse
enovelamento e dos giros é que o DNA em seu estágio máximo de condensação tem apenas 1/10.000 da extensão que teria se estivesse
completamente esticado.

O DNA é uma estrutura enovelada. Esse dobramento ocorre em vários níveis: de nucleossomo, de solenoide e de alças de
100kb.
Replicação do DNA
À medida que as células se dividem para formar cópias de si mesmas, cópias idênticas de DNA são produzidas e incorporadas às novas células. Isso
é essencial, já que o DNA deve funcionar como o material genético básico. A replicação do DNA começa à medida que as pontes de hidrogênio
entre as bases se quebram, produzindo uma fita simples de DNA com bases não pareadas. O pareamento consistente da adenina com a timina e da
guanina com a citosina, conhecido como pareamento complementar de bases, que é a chave para a replicação bem-sucedida. O princípio do
pareamento complementar das bases diz que uma base não pareada irá atrair um nucleotídeo livre somente se o nucleotídeo tiver sua base
complementar apropriada. Por exemplo, uma porção de uma fita simples com a sequência ATTGCT irá ligar-se a uma série de nucleotídeos livres
com as bases TAACGA. A fita simples é tida como um molde (template) sobre o qual a fita complementar é construída. Quando a replicação está
completa, uma nova fita dupla idêntica à original é formada (Fig. 2-5).
Diversas enzimas diferentes estão envolvidas na replicação do DNA. Uma enzima desenovela a dupla hélice e outra mantém as fitas separadas.
Outra enzima, a DNA polimerase, percorre a fita simples, adicionando nucleotídeos livres à extremidade 3’ da nova fita. Os nucleotídeos podem ser
adicionados apenas à extremidade 3’ da fita, de forma que a replicação sempre ocorra no sentido 5’ para 3’. Referindo-se à orientação das
sequências ao longo do gene, a direção 5’ é denominada antecedente (upstream), e a direção 3’ é designada como decrescente (downstream).
Além de adicionar novos nucleotídeos, a DNA polimerase desempenha um procedimento de conferência (proofreading), no qual um nucleotídeo
novo adicionado é analisado para confirmar se ele é de fato complementar à base molde. Se não for, o nucleotídeo é retirado e substituído pela base
nucleotídica complementar correta. Esse processo aumenta substancialmente a exatidão da replicação do DNA. Quando um erro na replicação do
DNA não é corrigido com eficácia, ocorre uma mutação. Como veremos no Capítulo 3, muitas dessas mutações causam doenças genéticas.

A replicação do DNA depende fundamentalmente do princípio de pareamento de bases complementares (A com T; C com
G). Isto permite que uma única fita da molécula de DNA de fita dupla forme um molde para a síntese de uma fita nova
complementar.
FIGURA 2-4 Padrões de helicoidização do DNA. O DNA é helicoidizado em torno de histonas para formar nucleossomos. Estes são organizados em
solenoides, que por sua vez formam as alças da cromatina.

A velocidade de replicação do DNA em humanos, cerca de 40 a 50 nucleotídeos por segundo, é comparativamente lenta. Em bactérias, a
velocidade é bem maior, atingindo 500 a 1.000 nucleotídeos por segundo. Uma vez que alguns cromossomos humanos apresentam cerca de 250
milhões de nucleotídeos, a replicação poderia ser um processo que consumiria bastante tempo se ocorresse de forma linear, de uma extremidade a
outra do cromossomo: para um cromossomo com esse tamanho, uma única etapa de replicação levaria em torno de dois meses. Em vez disso, a
replicação começa em vários pontos diferentes ao longo do cromossomo, denominados pontos de origem de replicação. As múltiplas separações
das fitas de DNA resultantes são denominadas bolhas de replicação (Fig. 2-6). Ocorrendo de maneira simultânea e em várias regiões do
cromossomo, o processo de replicação pode avançar muito mais rapidamente.
FIGURA 2-5 Replicação do DNA. As pontes de hidrogênio entre as duas fitas originais são quebradas, permitindo que as bases de cada fita sejam
pareadas com bases complementares. Esse processo, que ocorre na direção 5’ para 3’ em cada fita, forma duas fitas duplas de DNA.

FIGURA 2-6 Bolhas de replicação formadas em múltiplas regiões ao longo da fita de DNA, permitindo que a replicação aconteça mais rapidamente.

As bolhas de replicação permitem que a duplicação do DNA aconteça em múltiplos pontos do cromossomo, acelerando
consideravelmente esse processo.
Dos Genes às Proteínas
Enquanto o DNA é formado e replicado no núcleo da célula, a síntese proteica acontece no citoplasma. A informação contida no DNA deve ser
transportada para o citoplasma e então usada para ditar a composição das proteínas. Isso envolve dois processos, a transcrição e a tradução. Em
resumo, o código do DNA é transcrito em um RNA mensageiro, que deixa o núcleo para ser traduzido em proteínas. Esses processos, resumidos
na Figura 2-7, serão discutidos por completo mais adiante neste capítulo. A transcrição e a tradução são mediadas pelo ácido ribonucleico (RNA),
um tipo de ácido nucleico quimicamente similar ao DNA. Como o DNA, o RNA é composto de açúcares, grupos fosfato e bases nitrogenadas. Ele
difere do DNA no açúcar, que é a ribose em vez da desoxirribose, e em uma de suas quatro bases, que é a uracila em vez da timina. A uracila é
estruturalmente similar à timina então, como a timina, ela pode se parear com a adenina. Outra diferença entre RNA e DNA é que, enquanto o DNA
normalmente ocorre como uma fita dupla, o RNA ocorre como uma fita simples.

As sequências de DNA codificam proteínas por meio dos processos de transcrição e tradução. Ambos envolvem RNA,
uma molécula de cadeia simples semelhante ao DNA exceto pelo açúcar ribose, em vez de desoxirribose, e a base uracila,
em vez da timina.

FIGURA 2-7 Resumo das etapas que levam do DNA às proteínas. Replicação e transcrição ocorrem no núcleo da célula. O mRNA é então transportado
para o citoplasma, onde ocorre a tradução do mRNA em uma sequência de aminoácidos que compõem uma proteína.

Transcrição
A transcrição é o processo pelo qual uma sequência de RNA é formada a partir de uma fita molde de DNA (Fig. 2-8). O tipo de RNA produzido
pelo processo de transcrição é um RNA mensageiro (mRNA). Para iniciar a transcrição do mRNA, uma das enzimas RNA polimerase (RNA
polimerase II) se liga a região promotora no DNA (um promotor é uma sequência de nucleotídeos que está próxima e antecede o gene). Então, a
RNA polimerase separa uma porção das fitas de DNA, expondo as bases do DNA não pareadas. Uma das duas fitas fornece a base para a sequência
dos nucleotídeos do mRNA. Embora qualquer fita do DNA possa servir como
FIGURA 2-8 Transcrição do DNA em mRNA. A RNA polimerase II se move ao longo da fita de DNA na direção 3’ para 5’, formando uma fita de mRNA com
nucleotídeos complementares à fita molde de DNA.

molde para a síntese do mRNA, apenas uma é escolhida em uma determinada região do cromossomo. Essa escolha é determinada pela sequência do
promotor, que orienta a RNA polimerase em uma direção específica ao longo da sequência de DNA. Uma vez que a molécula do mRNA só pode ser
sintetizada na direção 5’ para 3’, o promotor, ao especificar a direção, determina qual fita de DNA servirá de molde. Essa fita molde de DNA
também é conhecida como fita antissentido. A RNA polimerase se move na direção 3’ para 5’ ao longo da fita molde de DNA, formando a fita
complementar de mRNA no sentido 5’ para 3’ (Fig. 2-8). Em razão da complementaridade no pareamento de bases, a sequência de nucleotídeos do
mRNA é idêntica à da cadeia de DNA que não serviu como molde — a fita com sentido — exceto, obviamente, pela substituição da uracila pela
timina. Logo após o início da síntese do RNA, a extremidade 5’ da molécula de RNA em formação recebe um cap pela adição de um nucleotídeo de
guanina quimicamente modificada. Esse cap 5’ aparentemente protege a molécula de RNA da degradação durante a síntese e depois auxilia na
indicação da posição de início para a tradução da molécula de mRNA em proteína. A transcrição continua até que um grupo de bases denominado
sequência de término é alcançado. Próximo a esse ponto, uma série de 100 a 200 bases de adenina é adicionada à extremidade 3’ da molécula de
RNA. Essa estrutura conhecida como cauda poli-A pode estar envolvida na estabilização da molécula de mRNA pois ela não é degradada quando
chega ao citoplasma. Geralmente, a RNA polimerase continua a transcrever o DNA por milhares de bases adicionais, mas as bases do mRNA que
são adicionadas após a cauda poli-A são finalmente perdidas. Por fim, as fitas de DNA e a RNA polimerase se separam da fita de RNA, deixando
uma fita simples de mRNA transcrita. Essa molécula de mRNA é denominada transcrito primário. Em alguns genes humanos, como o que causa a
distrofia muscular de Duchenne, existem vários promotores localizados em diferentes partes do gene. Assim, a transcrição do gene pode começar
em diversos locais, resultando na produção de proteínas diferentes. Isso permite que a mesma sequência gênica codifique variações de uma proteína
em diferentes tecidos (p. ex., tecido muscular versus tecido cerebral).
No processo de transcrição, a RNA polimerase II reconhece uma região promotora próxima à extremidade 5’ de um gene
da fita com sentido e, por meio do pareamento de bases complementares, auxilia na produção de uma fita de mRNA a
partir da fita antissentido do DNA.

A Transcrição e a Regulação da Expressão Gênica


Alguns genes são transcritos em todas as células do corpo. Esses genes de manutenção codificam produtos que são necessários para a manutenção
e metabolismo celular. A maioria dos genes, entretanto, é transcrita apenas em tecidos específicos e em determinados momentos. Portanto, na
maioria das células, apenas uma pequena fração dos genes está ativamente transcrita. Essa especificidade explica por que existe uma grande
variedade de tipos celulares gerando diferentes produtos proteicos, apesar de quase todas as células terem exatamente a mesma sequência de DNA.
Por exemplo, os genes da globina são transcritos em células sanguíneas vermelhas progenitoras (onde eles auxiliam na formação da hemoglobina), e
os genes de receptores de lipoproteína de baixa densidade são transcritos em células hepáticas.

FIGURA 2-9 Elementos-chave no controle da transcrição incluem fatores de transcrição gerais (basais) bem como intensificadores (enhancers) e
silenciadores específicos. A atividade dos indutores é mediada pelos intensificadores e coativadores, que são fatores de transcrição específicos. (Dados
de Tjian R: Molecular machines that control genes. Sci Am 1995 Feb; 272(2):54-61.)

Várias proteínas diferentes participam do processo de transcrição. Algumas são necessárias para a transcrição de todos os genes, e estas são
denominadas fatores gerais de transcrição. Outras, conhecidas como fatores específicos de transcrição, têm funções mais especializadas,
ativando apenas determinados genes em alguns estágios do desenvolvimento. Um elemento chave transcricional é a RNA polimerase II, descrita
anteriormente. Apesar de essa enzima ter um papel fundamental no início da transcrição ao se ligar à região promotora, ela não consegue localizar a
região promotora. Além disso, ela sozinha é incapaz de produzir quantidades significativas de mRNA. A transcrição efetiva requer a interação de
um grande complexo de aproximadamente 50 proteínas diferentes. Isso inclui fatores gerais (basais) de transcrição, que se ligam a RNA polimerase
e a sequências específicas de DNA na região promotora (sequências como TATA e outras necessárias para o início da transcrição). Os fatores gerais
de transcrição permitem que a RNA polimerase se ligue à região promotora para que ela atue eficazmente na transcrição (Fig. 2-9).
A atividade transcricional de genes específicos pode ser aumentada significativamente pela interação com sequências denominadas
intensificadoras (enhancers), que podem estar localizadas a milhares de bases anteriores ou posteriores ao gene. Os intensificadores não interagem
diretamente com os genes. Em vez disso, eles são ligados por uma classe de fatores de transcrição específicos, denominados ativadores. Os
ativadores se ligam a uma segunda classe de fatores de transcrição específicos, conhecidos como coativadores que, por sua vez, se ligam ao
complexo de fatores de transcrição gerais descrito anteriormente (Fig. 2-9). Essa cadeia de interações, do intensificador para o ativador, coativador,
complexo de fatores de transcrição gerais e, finalmente, para o gene em si, aumenta a transcrição de genes específicos em determinados momentos.
Enquanto os intensificadores ajudam a aumentar a atividade transcricional dos genes, outras sequências de DNA, conhecidas como silenciadoras,
ajudam a reprimir a transcrição gênica por meio de uma série de interações similares.
Mutações nos intensificadores, nos silenciadores ou nas sequências promotoras, bem como mutações nos genes que codificam os fatores de
transcrição, podem levar a uma expressão alterada de genes vitais e, consequentemente, a doenças genéticas. Muitos exemplos de tais doenças são
discutidos nos capítulos seguintes.

Os fatores de transcrição são necessários para a transcrição do DNA em RNA. Os fatores gerais de transcrição são usados
por todos os genes e os fatores específicos de transcrição auxiliam no início da transcrição de genes em tipos celulares
específicos, em momentos específicos. A transcrição também é regulada por sequências intensificadoras e silenciadoras,
que podem estar a milhares de bases de distância do gene transcrito.

O grande número e a complexidade dos fatores de transcrição proporcionam uma regulação afinada da expressão gênica. Mas como os fatores de
transcrição localizam sequên­cias de DNA específicas? Isso é conseguido pelos domínios de ligação ao DNA: configurações na proteína fator de
transcrição que permitem que ela se encaixe perfeitamente e de forma estável em uma região única da dupla hélice do DNA. Vários exemplos
desses domínios de ligação estão listados na Tabela 2-1, e a Figura 2-10 ilustra um domínio de ligação ao

FIGURA 2-10 Domínios de ligação ao DNA interagem fortemente com uma sequência específica de DNA.

DNA. Cada domínio principal contém diversas variações que permitem especificidade na ligação ao DNA.
Um tipo interessante de domínio de ligação ao DNA está presente em uma classe de proteínas denominada grupo de alta mobilidade (HGM).
Essas proteínas são capazes de dobrar o DNA e facilitar a interação entre intensificadores distantes, fatores basais apropriados e promotores (Fig. 2-
9).

Os fatores de transcrição contêm domínios de ligação ao DNA que permitem que eles interajam com sequências de DNA
específicas. Em alguns casos, eles dobram o DNA para que sequências de intensificadores distantes possam interagir com
os genes-alvo.

A atividade gênica também pode estar relacionada com os padrões de enovelamento ou condensação da cromatina (cromatina é a combinação
do DNA com proteínas histonas ao redor das quais o DNA está enrolado). Regiões de cromatina denominada eucromatina, descondensada ou
aberta, são tipicamente caracterizadas pela acetilação das histonas, a ligação de grupos acetil aos resíduos de lisina nas histonas. A acetilação das
histonas reduz a sua ligação ao DNA, ajudando a descondensar a cromatina de forma que seja mais acessível aos fatores de transcrição. A
eucromatina é então transcricionalmente ativa. Diferentemente, a heterocromatina geralmente é menos acetilada, mais condensada e
transcricionalmente inativa.
A expressão gênica também pode ser influenciada pelos microRNAs (miRNA), pequenas moléculas de RNA (17–27 nucleotídeos) que não são
traduzidas em proteínas. Em vez disso, por serem complementares a sequências específicas de mRNA, podem ligar-se e regular negativamente esses
mRNAs, reduzindo assim seus níveis de expressão. Uma variação de microRNA tem sido observada desempenhando importantes funções em vários
tipos de câncer (Capítulo 11).

TABELA 2-1 Principais Classes de Domínios de Ligação ao DNA Encontrados nos Fatores de Transcrição

DOMÍNIO DESCRIÇÃO EXEMPLOS DE DOENÇAS HUMANAS

Hélice- Duas α-hélices estão conectadas por uma cadeia curta de aminoácidos, que Proteínas do homeodomínio (HOX): mutações no
volta- constituem uma volta. A hélice carboxiterminal é uma hélice de HOXD13 e HOXA13 geram polissindactilia e
hélice reconhecimento que se liga ao sulco maior do DNA. síndrome mão-pé-genital, respectivamente.

Hélice- Duas α-hélices (uma curta e uma longa) estão conectadas por uma volta Mutações no gene TWIST causam a síndrome de
laço- flexível. Essa volta permite que as duas hélices se dobrem e interajam uma Saethre-Chotzen (acrocefalossindactilia tipo III)
hélice com a outra. As hélices podem ligar-se ao DNA ou a outra estrutura hélice-
volta-hélice

Zinc finger As moléculas de zinco são usadas para estabilizar as estruturas de BRCA1 (gene do câncer de mama); WT1 (tumor de
aminoácidos (p. ex., α-hélices, folhas β), com ligação da α-hélice ao sulco Wilms); GL13 (gene da síndrome de Greig); gene
maior do DNA. do receptor da vitamina D (mutações causam
raquitismo)

Zíper de Duas α-hélices ricas em leucina são mantidas juntas por cadeias laterais de RB1 (gene do retinoblastoma); oncogenes JUN e
leucina aminoácidos. As α-hélices formam uma estrutura em forma de Y cujas FOS
cadeias laterais se ligam ao sulco maior do DNA.

Folhas β Cadeias laterais se estendem a partir da dupla fita da folha β para formar Família de genes TBX: TBX5 (síndrome de Holt-
contatos com a hélice do DNA Oram); TBX3 (síndrome ulnar-mamária)
FIGURA 2-11 Splicing gênico. Os íntrons são removidos do transcrito primário do mRNA com precisão, para produzir um transcrito de mRNA maduro. As
sequências consenso marcam as regiões nas quais o splicing acontece.

A heterocromatina, que é altamente condensada e hipoacetilada, tende a ser transcricionalmente inativa, enquanto a
eucromatina, que é acetilada e menos condensada, tende a ser transcricionalmente ativa.

Recomposição (Splicing) do Gene


1
O mRNA transcrito primário é exatamente complementar à sequência de bases do DNA molde. Em eucariontes , um passo importante acontece
antes que esse transcrito de RNA deixe o núcleo. Partes do RNA são removidas por enzimas nucleares e as que permanecem são recompostas para
formar o mRNA funcional que migrará para o citoplasma. As sequên­cias retiradas são denominadas íntrons e as sequências remanescentes,
deixadas para a codificação de proteínas, são conhecidas como éxons (Fig. 2-11). Somente após o término do processamento gênico, o transcrito
maduro sai do núcleo para o citoplasma. Alguns genes contêm regiões de splicing alternativo, que permitem que o mesmo transcrito seja
rearranjado de formas diferentes, produzindo diferentes produtos proteicos a partir do mesmo gene. Erros no splicing gênico, como erros de
replicação, são formas de mutação que podem levar a doenças genéticas.

Os íntrons são removidos do mRNA transcrito primário antes de o transcrito maduro deixar o núcleo. Os éxons formam o
mRNA que especifica as proteínas.

O Código Genético
As proteínas são compostas de um ou mais polipeptídeos que, por sua vez, são compostos por sequências de aminoácidos. O corpo apresenta 20
tipos diferentes de aminoácidos, e as sequên­cias que compõem os polipeptídeos devem ser designadas de alguma forma pelo DNA após a
transcrição em mRNA.
Uma vez que existem 20 tipos diferentes de aminoácidos e apenas quatro bases diferentes de RNA, uma única base não poderia ser específica
para um único aminoácido. Da mesma forma, aminoácidos específicos não poderiam ser definidos por duplas de bases (p. ex., adenina seguida da
guanina, ou uracila seguida de adenina), uma vez que apenas 16 (4 × 4) duplas diferentes são possíveis. Porém, se trincas de bases forem traduzidas
em aminoácidos, serão possíveis 64 (4 × 4 × 4) combinações, — mais do que o suficiente para determinar cada aminoácido. Provas conclusivas de
que aminoácidos são determinados por trincas de bases, ou códons, foram obtidas pela produção de sequências de nucleotídeos sintéticos, que
permitiu a formação de polipeptídeos em laboratório. A correspondência entre os códons específicos e os aminoácidos, conhecida como código
genético, é mostrada na Tabela 2-2.
Três códons, dos 64 possíveis, sinalizam o término do gene e são conhecidos como códons de parada (stop codons). São eles: UAA, UGA e
UAG. Os 61 códons restantes especificam aminoácidos. Isso significa que a maioria dos aminoácidos pode ser especificada por mais de um códon,
como mostra a Tabela 2-2. Assim, o código genético é dito redundante. Apesar de um determinado aminoácido poder ser determinado por mais de
um códon, cada códon pode designar apenas um aminoácido.

Aminoácidos individuais, que compõem as proteínas, são codificados por unidades de três bases de mRNA, denominadas
códons. Existem 64 códons possíveis e apenas 20 aminoácidos, de modo que o código genético é redundante.

Uma característica importante significativa do código genético é sua universalidade: praticamente todos os organismos vivos usam os mesmos
códigos de DNA para especificar aminoácidos. Uma exceção importante a essa regra ocorre nas mitocôndrias, organelas citoplasmáticas essenciais
para a respiração celular (Fig. 2-1). A mitocôndria apresenta as suas próprias moléculas de DNA extranucleares e diversos códons do DNA
mitocondrial codificam aminoácidos diferentes, como fazem os códons do DNA nuclear.

Tradução
A tradução é o processo pelo qual o mRNA age como molde para a síntese de um polipeptídeo. Entretanto, o mRNA não pode ligar-se
diretamente aos aminoácidos. Em vez disso, ele interage com as moléculas de RNA transportador (tRNA), que são cadeias em forma de trevo
com aproximadamente 80 nucleotídeos. Como ilustra a Figura 2-12, cada molécula de

TABELA 2-2 O Código Genético*

PRIMEIRA POSIÇÃO (EXTREMIDADE 5’) SEGUNDA POSIÇÃO TERCEIRA POSIÇÃO (EXTREMIDADE 3’)
↓ U C A G ↓
U Fen Ser Tir Cis U
U Fen Ser Tir Cis C
U Leu Ser FIM FIM A
U Leu Ser FIM Trp G
C Leu Pro His Arg U
C Leu Pro His Arg C
C Leu Pro Gln Arg A
C Leu Pro Gln Arg G
A Ile Tre Asn Ser U
A Ile Tre Asn Ser C
A Ile Tre Lis Arg A
A Met Tre Lis Arg G
G Val Ala Asp Gli U
G Val Ala Asp Gli C
G Val Ala Glu Gli A
G Val Ala Glu Gli G

*Exemplos: UUG é traduzido em leucina; UAA é um códon de parada; GGG é traduzido como glicina. Em algumas situações, o códon UGA pode especificar um
aminoácido chamado selenocisteína que geralmente é denominado o 21o aminoácido.
Ala, alanina; Arg, arginina; Asn, asparagina; Asp, ácido aspártico; Cis, cisteína; Gln, glutamina; Glu, ácido glutâmico; Gli, glicina; His, histidina; Ile, isoleucina;
Leu, leucina; Lis, lisina; Met, metionina; Fen, fenilalanina; Pro, prolina; Ser, serina; Ter, treonina; Trp, triptofano; Tir, tirosina; Val, valina.

FIGURA 2-12 Estrutura da molécula do tRNA. Em duas dimensões, o tRNA tem forma de trevo. Observe a extremidade 3’ de ligação do aminoácido. O
anticódon pareia-se com o códon complementar do mRNA.

tRNA apresenta uma região na extremidade 3’ para o acoplamento de um aminoácido específico, por uma ligação covalente. Na extremidade oposta
existe uma sequência de três nucleotídeos denominada anticódon, que sofre um pareamento de bases complementares com um códon apropriado do
mRNA. O aminoácido acoplado é então transportado para a cadeia polipeptídica que está sendo sintetizada. Assim, o mRNA determina a sequência
de aminoácidos por meio do tRNA.
O local do citoplasma em que ocorre a síntese proteica é o ribossomo, que consiste em partes aproximadamente iguais de proteínas enzimáticas e
RNA ribossômico (rRNA). A função do rRNA é ajudar na ligação do mRNA e do tRNA ao ribossomo. Durante a tradução, mostrada na Figura 2-
13, o ribossomo primeiramente se liga ao sítio de inicialização na sequência do mRNA. Essa região consiste em um códon específico, AUG, que
codifica o aminoácido metionina (esse aminoácido é geralmente removido do polipeptídeo antes do fim da síntese polipeptídica). O ribossomo então
liga o tRNA à sua superfície, de forma que o pareamento de bases possa ocorrer entre o tRNA e o mRNA. O ribossomo se move ao longo da
sequência de mRNA, códon por códon, na direção 5’ para 3’. À medida que cada códon é processado, um aminoácido é traduzido pela interação do
mRNA e do tRNA.
Nesse processo, o ribossomo fornece uma enzima que catalisa a formação de ligações peptídicas covalentes entre os aminoácidos adjacentes, o
que resulta em um polipeptídeo crescente. Quando o ribossomo atinge o códon de parada na sequência do mRNA, a tradução e a formação do
polipeptídeo são interrompidas. A extremidade amino (NH2) do polipeptídeo corresponde à extremidade 5’ da fita de mRNA, e a extremidade
carboxi (COOH) corresponde à extremidade 3’. Após o fim da síntese, o mRNA, o ribossomo e o polipeptídeo se separam. Por fim, o polipeptídeo é
liberado no citoplasma.
FIGURA 2-13 Tradução do mRNA em aminoácidos. O ribossomo se move ao longo da fita do mRNA na direção 5’para 3’, gerando uma cadeia
polipeptídica crescente. Neste exemplo, a sequência de mRNA GUG AGC AAG GGU UCA reuniu cinco aminoácidos (Val, Ser, Lis, Gli e Ser,
respectivamente) formando um polipeptídeo.

No processo de tradução, a sequência do mRNA funciona como um molde para determinar sequências de aminoácidos.
Essas sequências que formam os polipeptídeos são montadas pelos ribossomos. As moléculas de tRNA e rRNA interagem
com o mRNA no processo de tradução.

Antes que o polipeptídeo recém-sintetizado possa existir como proteína funcional, ele passa por outro processo, denominado processamento pós-
traducional. Essas modificações podem ser feitas de várias formas, incluindo a clivagem em unidades menores de polipeptídeos ou a combinação
com outros polipeptídeos para formar uma proteína maior. Outras modificações possíveis incluem a adição de cadeias laterais de carboidratos. Tais
modificações podem ser necessárias, por exemplo, para produzir o dobramento apropriado da proteína madura ou estabilizar a sua estrutura. Um
exemplo de proteína clinicamente importante que passa por modificações pós-traducionais consideráveis é o colágeno tipo I (Comentário Clínico 2-
1).

A modificação pós-traducional consiste em diversas alterações químicas que ocorrem em proteínas logo após a sua
tradução.

COMENTÁRIO CLÍNICO 2-1


Osteogênese Imperfeita, uma Disfunção Hereditária do Colágeno
Como o próprio nome diz, a osteogênese imperfeita é uma doença causada por defeitos na formação dos ossos. Essa disfunção, também
conhecida como doença dos ossos frágeis, atinge aproximadamente um em 15.000 a 25.000 indivíduos em todos os grupos étnicos.
Aproximadamente 90% dos casos de osteogênese imperfeita são causados por defeitos do colágeno tipo I, o principal componente dos ossos
que fornece grande parte de sua estabilidade estrutural. A função do colágeno nos ossos é análoga ao das barras de aço presentes no concreto
armado.
Quando o colágeno tipo I é formado inapropriadamente, os ossos perdem a maior parte da sua força e fraturam facilmente. Os pacientes com
osteogênese imperfeita podem sofrer centenas de fraturas (Fig. 2-14), ou apenas algumas, fazendo com que essa doença tenha expressividade
extremamente variável (as razões para essa variabilidade são discutidas no Capítulo 4). Além das fraturas nos ossos, os pacientes podem ter baixa
estatura, perda auditiva, desenvolvimento anormal dos dentes (dentinogênese imperfeita), escleras azuis e várias deformidades ósseas, incluindo
escoliose.
A osteogênese imperfeita era tradicionalmente classificada em quatro grandes tipos, os quais são causados por mutações em cada um dos dois
genes que codificam para o colágeno tipo I. Vários tipos adicionais, causados por mutações em outros genes, foram acrescentados
subsequentemente (Tabela 2-3). Ainda não há cura para essa doença e o controle consiste primariamente na reparação das fraturas e, em alguns
casos, no uso de suportes ósseos internos e externos (p. ex., hastes implantadas cirurgicamente). Outros tratamentos incluem a administração de
bisfosfonatos para diminuir a reabsorção óssea e do hormônio do crescimento humano para facilitar o desenvolvimento. A reabilitação física
também tem um papel importante no tratamento clínico.
O colágeno tipo I é uma proteína trimérica (p. ex., com três subunidades) com uma estrutura em tripla hélice. É formado a partir de um
precursor proteico, o pró-colágeno tipo 1. Duas das três subunidades do pró-colágeno tipo 1, classificadas como cadeias pro-α1 (I), são codificadas
por um gene com 18 kb (kb = 1.000 pares de bases) no cromossomo 17, e a terceira subunidade, a cadeia pró-α2 (I), é codificada por um gene de 38
kb no cromossomo 7. Cada um desses genes contém mais de 50 éxons.

TABELA 2-3 Subtipos de Osteogênese Imperfeita

TIPO CARACTERÍSTICAS DA DOENÇA

I Fragilidade óssea leve, escleras azuis, perda da audição em 60% dos pacientes, estatura normal ou próxima à normal, poucas
deformidades ósseas, dentinogênese imperfeita em alguns casos

II Forma mais grave, com fragilidade óssea extrema, deformidades dos ossos longos, fêmur compacto; escleras azuis-acinzentadas; letal
no período pré-natal ou perinatal (a maioria morre de insuficiência respiratória na primeira semana de vida, e a sobrevida além de
um ano é bastante rara)

III Fragilidade óssea grave, estatura muito baixa, esclera azul variável, deformidades ósseas progressivas; perda auditiva em 80% dos
pacientes; a dentinogênese imperfeita é comum

IV Estatura baixa, escleras normais a acinzentadas, deformidade óssea leve a moderada, perda auditiva em alguns pacientes,
dentinogênese imperfeita é comum; fragilidade óssea é variável

V Semelhante ao tipo IV, mas também inclui a calcificação das membranas interósseas do antebraço, deslocamento da cabeça radial e
formação de calo hiperplásico

VI Semelhante ao tipo IV, mas não é causada por mutações no colágeno tipo I; não é observada calcificação nas membranas interósseas;
não há dentinogênese imperfeita

VII Escleras brancas, deformidades precoces dos membros inferiores, encurtamento de todos os membros, fraturas congênitas,
osteopenia

VIII Fenótipo grave, muitas vezes letal, semelhante ao tipo II, mas não é causado por mutações no colágeno tipo I; osteoporose grave,
ossos longos encurtados, escleras brancas

Os tipos I-IV são causados pelas mutações nos dois genes que codificam a proteína colágeno tipo I; os tipos V-VII foram identificados com base na
histologia óssea distinta e são causados por mutações nos genes envolvidos nos processos pós-traducionais do produto gênico. Os tipos VII e VIII têm um
modo de herança autossômico recessivo e várias formas autossômicas recessivas raras adicionais de osteogênese imperfeita foram identificadas. Existe
uma sobreposição fenotípica considerável entre muitas dessas categorias de osteogênese imperfeita.

COMENTÁRIO CLÍNICO 2-1

Osteogênese Imperfeita, uma Disfunção Hereditária do Colágeno – continuação


Após a transcrição e a recomposição (splicing), o mRNA maduro formado a partir de cada gene tem apenas 5 a 7 kb de extensão. Os mRNAs
maduros se dirigem ao citoplasma, onde são traduzidos em cadeias de polipeptídeos pela maquinaria ribossômica da célula.
Nesse ponto, as cadeias polipeptídicas sofrem uma série de modificações pós-traducionais. Muitas das unidades* de prolina e lisina são
hidroxiladas (p. ex., adicionam-se grupos hidroxila) para formar a hidroxiprolina e a hidroxilisina, respectivamente. (Várias formas raras de
osteogênese imperfeita, incluindo o tipo VII, são causadas por mutações nos genes envolvidos no processo de hidroxilação.) Os três polipeptídeos,
dois de cadeia pro-α1 (I) e um de cadeia pro-α2 (I), começam a se associar por meio das extremidades COOH. Essa associação é estabilizada por
pontes sulfeto que se formam entre as cadeias próximas à terminação COOH. Assim, a tripla hélice se forma, em conformação tipo zíper,
começando na terminação COOH e seguindo até a terminação NH2. Algumas das hidroxilisinas são glicosiladas (p. ex., açúcares são adicionados),
uma modificação que ocorre normalmente no retículo endoplasmático granular (Fig. 2-1). Os grupos hidroxila nas hidroxiprolinas ajudam a
conectar três cadeias ao formar pontes de hidrogênio, que estabilizam a tripla hélice. Para uma conformação correta, é imprescindível a presença
da glicina em toda a terceira posição de cada polipeptídeo.

FIGURA 2-14 A, Natimorto com osteogênese imperfeita tipo II (forma perinatal letal). O concepto apresentava a mutação no procolágeno tipo I e
membros curtos, ligeiramente torcidos. B, Radiografia de uma criança com osteogênese imperfeita tipo II. Note que há calos decorrentes de fraturas
nas costelas, que são observados como “contas” nas costelas (setas).

Logo que a proteína é estruturada em uma tripla hélice, ela se move do retículo endoplasmático para o complexo de Golgi (Fig. 2-1) e é secretada
pela célula. Nesse momento, outra modificação acontece: o pró-colágeno é clivado por proteases tanto próximo da terminação NH2 quanto da
COOH da tripla hélice, removendo alguns aminoácidos em cada extremidade. Esses aminoácidos participaram de funções importantes durante as
primeiras horas da proteína (p. ex., ajudando a formar a estrutura da tripla hélice, ajudando a passar a proteína pelo retículo endoplasmático), mas
não são mais necessários. Essa clivagem resulta em uma proteína madura, o colágeno tipo I. O colágeno então se organiza em fibras, que reagem
com moléculas adjacentes fora da célula para formar ligações covalentes cruzadas que formam a tensão nas fibras.
O caminho da sequência de DNA para a proteína colágeno madura envolve muitos passos (Fig. 2-15). A complexidade desse caminho cria muitas
oportunidades para erros (na replicação, na transcrição, na tradução ou modificações pós-traducionais) que podem causar doenças. Dentre mais
de ١.٥٠٠ mutações do colágeno tipo I que se sabe atualmente serem causadoras de osteogênese imperfeita, o tipo mais comum produz a
substituição da glicina por outro aminoácido. Como a glicina é pequena o suficiente para ser acomodada no centro da estrutura da tripla hélice, a
substituição de diferentes aminoácidos gera instabilidade da estrutura e fibras malformadas. Esse tipo de mutação é visto geralmente em formas
mais graves da osteogênese imperfeita. Outras mutações podem causar modificações pós-traducionais em excesso das cadeias polipeptídicas,
novamente produzindo fibrilas anormais. Outros exemplos de doenças causadas por mutações são fornecidas nas leituras sugeridas no fim deste
capítulo.
FIGURA 2-15 O processo de formação das fibras de colágeno. Após a formação da cadeia pró-α de polipeptídeo, ocorre uma série de modificações
pós-traducionais, incluindo a hidroxilação e a glicosilação. Três cadeias de polipeptídeos se arranjam em uma tripla hélice, que é secretada da célula.
Parte da extremidade de cada molécula de pró-colágeno é clivada, resultando em uma molécula de colágeno madura. Essas moléculas se organizam
em fibras de colágeno.

*Uma unidade é um aminoácido que foi incorporado a uma cadeia polipeptídica.

A ESTRUTURA DOS GENES E O GENOMA


Alguns aspectos da estrutura do gene, como a existência de íntrons e éxons, já foram discutidos. As alterações em diferentes partes do gene podem
ter consequências distintas com relação a doenças genéticas. Assim, é necessário descrever melhor os detalhes da estrutura gênica. Um diagrama
esquemático da estrutura do gene é mostrado na Figura 2-16.

Íntrons e Éxons
Descoberta em 1977, a estrutura íntron-éxon dos genes é um dos atributos que distingue os eucariontes dos procariontes. Os íntrons constituem a
maior porção da maioria dos genes eucariontes. Como citado anteriormente, os íntrons são retirados do mRNA antes dele sair do núcleo, e essa
retirada deve ser controlada de forma precisa. As enzimas que realizam o splicing são direcionadas para as regiões apropriadas da sequência do
DNA conhecidas como sequências de consenso (assim denominadas por serem comuns em todos os organismos eucariontes), que estão situadas
adjacentes a cada éxon.
Uma vez que a maioria dos genes eucariontes é composta principalmente por íntrons, é natural se perguntar se os íntrons podem ter alguma
função. Uma hipótese interessante é que os íntrons, aumentando os genes, propiciam o embaralhamento dos genes quando os cromossomos
homólogos trocam material durante a meiose (ver discussão posterior). Tem-se sugerido também que os íntrons evoluíram para modificar a
quantidade de tempo necessária para a transcrição e para a replicação do DNA.
Surpreendentemente, alguns íntrons contêm genes transcritos que aparentemente não estão relacionados com o gene no qual os íntrons estão
inseridos. Por exemplo, os íntrons do
FIGURA 2-16 Detalhes da estrutura do gene, mostrando o promotor e as sequências de regulação antecedentes (intensificadores), e a região de adição
poli-A.

gene da neurofibromatose humana tipo 1 (NF1) contêm três genes que são transcritos na direção oposta à do gene NF1 em si. Esses genes parecem
não ter uma relação funcional com o gene NF1. Inserções gênicas semelhantes têm sido encontradas dentro do gene do fator VIII (F8) no
cromossomo X humano.

Tipos de DNA
Apesar de a maior ênfase em genética ser dada para o DNA que codifica proteínas, somente 1% a 2% dos três bilhões de pares de nucleotídeos no
genoma humano realmente têm essa função. Há estimativas recentes de que cerca de 75% do DNA humano é transcrito em mRNA, em algum
momento, em algumas células, mas a maior parte desse mRNA (caso exista) não apresenta uma função conhecida. Para melhor entender a natureza
de todos os tipos de DNA, revisamos rapidamente as várias categorias em que ele é classificado (Fig. 2-17).
A primeira classe de DNA, e a mais importante, é denominada DNA de cópia única. Como o nome diz, as sequências do DNA de cópia única só
são vistas uma vez (ou, possivelmente, poucas vezes) no genoma. O DNA de cópia única compõe aproximadamente metade do genoma e inclui os
genes codificadores de proteínas. Entretanto, o DNA codificador de proteína representa apenas uma pequena fração de todo o DNA de cópia única,
sendo a maioria encontrada em íntrons ou em sequências de DNA que estão entre os genes.
A outra metade do genoma consiste em DNA repetitivo, sequências que são repetidas várias e várias vezes no genoma, geralmente milhares de
vezes. Existem duas grandes classes de DNA repetitivo: DNA repetitivo disperso e o DNA satélite. As repetições de satélites estão agrupadas em
determinadas regiões dos cromossomos, onde elas ocorrem in tandem (p. ex., o início de uma repetição ocorre imediatamente adjacente ao final da
outra). As repetições dispersas, como o nome sugere, tendem a estar espalhadas isoladamente pelo genoma; elas não ocorrem in tandem.
O termo satélite é usado porque essas sequências, em razão da sua composição, podem ser facilmente separadas por centrifugação em um
gradiente de densidade de cloreto de césio. O DNA aparece como um satélite, separado do restante do DNA no gradiente. Esse termo não deve ser
confundido com os satélites que podem ser observados microscopicamente em determinados cromossomos (Capítulo 6). O DNA satélite representa
aproximadamente 8% a 10% do genoma e pode ser subdividido em diversas categorias. O DNA satélite-α ocorre como repetições in tandem, de
uma sequência de 171 pb, que podem estender-se a milhares de pares de bases ou mais. Esse tipo de DNA satélite é encontrado próximo aos
centrômeros

FIGURA 2-17 Composição estrutural do genoma humano. Devido às limitações no mapeamento das sequências repetitivas, essas proporções são
aproximadas. Além disso, há alguma sobreposição entre as categorias (p. ex., sequências repetidas algumas vezes são encontradas em íntrons). A
categoria “outras repetições dispersas” inclui transpósons do DNA, retrotranspósons LTR (repetição terminal longa) e duplicações com baixo número de
cópias).

dos cromossomos. Os minissatélites são blocos de repetições in tandem (cada um de 14 a 500 pb de extensão) cujo tamanho total é bem menor,
geralmente alguns poucos milhões de pares de bases. A última categoria, os microssatélites, l, são ainda menores: as unidades de repetição têm de 1
a 13 pb de tamanho, e o tamanho total do arranjo é geralmente menor do que algumas poucas centenas de pares de bases. Os minissatélites ou
microssatélites são de interesse especial na genética humana uma vez que eles variam em tamanho entre os indivíduos, o que os torna extremamente
úteis para o mapeamento gênico (Capítulo 8). Um minissatélite ou microssatélite é encontrado em uma frequência média de um por 2 kb no genoma
humano; juntos eles representam em torno de 3% do genoma.
O DNA repetitivo disperso é responsável por aproximadamente 45% do genoma e nessas repetições estão incluídos diversas grandes categorias.
As duas categorias mais comuns são os elementos curtos intercalados (SINEs) e elementos longos

FIGURA 2-18 Sequências de DNA de cópia única não têm repetições e estão espalhadas pelo genoma. As sequências de DNA satélite são elementos
repetitivos que ocorrem juntos, em grupos. As repetições dispersas são semelhantes umas às outras, mas não se unem.

intercalados (LINEs). Os SINEs individuais variam de tamanho de 90 a 500 pb e os LINEs individuais podem ser tão longos quanto 7.000 pb. Um
dos tipos de SINEs mais importantes em humanos é o elemento Alu, de 300 pb, assim chamado porque cada repetição contém uma sequência de
DNA que pode ser cortada pela enzima de restrição Alu (ver Capítulo 3 para uma discussão mais aprofundada). As repetições Alu são uma família
de genes, o que significa que todas apresentam uma sequência de DNA bastante similar. Aproximadamente um milhão de repetições Alu estão
espalhadas pelo genoma; elas constituem, assim, aproximadamente 10% de todo o DNA humano. As repetições LINEs constituem outros 20% do
genoma humano. Uma característica importante das sequências Alu, bem como de algumas LINEs, é que algumas delas podem gerar cópias de si
mesmas, as quais podem ser inseridas em outras partes do genoma. É dessa forma que elas chegaram a números extraordinários. Essas inserções
podem, algumas vezes, interromper um gene codificador de proteína, causando uma doença genética (alguns exemplos são discutidos no Capítulo
4).

Existem diversos tipos importantes de DNA, incluindo o DNA de cópia única, o DNA satélite e o DNA repetitivo disperso.
As duas últimas categorias são classes de sequências de DNA repetitivo. Apenas 1% a 2% do DNA humano realmente
codifica proteínas.

O CICLO CELULAR
Durante o desenvolvimento, cada ser humano se forma a partir de um zigoto de apenas uma célula (um ovócito fertilizado por um espermatozoide)
em um organismo maravilhosamente complexo contendo aproximadamente 100 trilhões (104) de células. Uma vez que poucas células duram a vida
toda de um indivíduo, novas devem ser geradas para substituir aquelas que morreram. Ambos os processos — desenvolvimento e substituição —
requerem a formação de novas células. Os processos de divisão celular responsáveis pela formação de novas células diploides a partir de outras
preexistentes são a mitose (divisão nuclear) e a citocinese (divisão citoplasmática). Antes da divisão, uma célula deve duplicar os seu conteúdo,
incluindo o seu DNA, o que ocorre durante a intérfase. A alternância entre a mitose e a intérfase é conhecida como ciclo celular.
FIGURA 2-19 Principais fases do ciclo celular mitótico, apresentando a alternância entre a intérfase e a mitose (divisão).

Como mostra a Figura 2-19, uma célula típica gasta a maior parte da sua vida na intérfase. Essa parte do ciclo celular é dividida em três fases G1,
S e G2. Durante o G1 (gap 1, o intervalo entre a mitose e o início da replicação do DNA), acontece a síntese de RNA e de proteínas. A replicação
do DNA acontece durante a fase S (síntese). Durante G2 (o intervalo entre a fase S e a próxima mitose), ocorre algum reparo do DNA e a célula se
prepara para a mitose. Em G2, a célula apresenta duas cópias idênticas de cada um dos 46 cromossomos. Esses cromossomos idênticos são
denominados cromátides irmãs. As cromátides irmãs geralmente trocam material durante a intérfase, um processo conhecido como troca entre
cromátides irmãs.

O ciclo celular consiste em uma alternância entre a divisão celular (mitose e citocinese) e a intérfase. A replicação do DNA
e da síntese de proteínas acontece durante a intérfase.

A duração do ciclo celular varia consideravelmente de um tipo celular para outro. Em células que se dividem rapidamente, como as do tecido
epitelial; encontrado, por exemplo, na superfície dos intestinos e pulmões; o ciclo pode ser completado em menos de 10 horas. Em outras células,
como as do fígado, podem dividir-se cerca de uma vez a cada ano. Alguns tipos celulares, como as células do músculo esquelético e neurônios,
perdem significativamente a sua habilidade para se dividir e replicar em adultos. Apesar de todas as fases do ciclo celular terem alguma variação na
duração, a maioria das variações decorre de diferenças na duração da fase G1. Quando as células param de se dividir por um longo período, são
consideradas em fase G0.
As células se dividem em resposta a sinais internos e externos. Antes de entrarem em mitose, por exemplo, a replicação do DNA deve ser exata e
completa, e a célula deve ter alcançado o tamanho apropriado. A célula deve responder a estímulos extracelulares que requerem aumento ou
diminuição das taxas de divisão. Interações moleculares complexas controlam essa regulação. Entre as moléculas mais importantes envolvidas estão
as quinases dependentes de ciclina (CDKs), uma família de quinases que fosforilam outras proteínas regulatórias em estágios-chave do ciclo
celular. Para executar tais funções, as CDKs devem formar complexos com várias ciclinas, proteínas que são sintetizadas em estágios específicos do
ciclo celular, que são degradadas quando a ação da CDK não é mais necessária. As ciclinas e CDKs, bem como várias proteínas que interagem com
elas, são objeto de intenso estudo, em razão do seu papel vital no ciclo celular e porque seu mau funcionamento pode levar ao câncer (Capítulo 11).

A duração do ciclo celular varia em diferentes tipos celulares. As CDKs são a chave para a sua regulação, pois fosforilam
ciclinas e outras proteínas que formam complexos com as CDKs. Uma regulação deficiente do ciclo celular pode levar ao
câncer.

Mitose
Apesar de a mitose geralmente precisar de apenas uma a duas horas para se completar, essa parte do ciclo celular envolve vários processos críticos e
complexos. A mitose é dividida em diversas fases (Fig. 2-20). Durante a prófase, o primeiro estágio mitótico, os cromossomos se tornam visíveis
sob a luz do microscópio à medida que eles se condensam e se enovelam (cromossomos não são claramente visíveis durante a intérfase). As duas
cromátides irmãs de cada cromossomo ficam juntas, ligadas por um ponto denominado centrômero. A membrana nuclear, que envolve o núcleo,
desaparece durante esse estágio. As fibras do fuso começam a se formar, irradiando-se dos dois centríolos localizados em lados opostos da célula.
As fibras do fuso se ligam ao centrômero de cada cromossomo e puxam as duas cromátides irmãs em direções opostas.
Os cromossomos atingem o seu estado mais condensado durante a metáfase, a fase seguinte da mitose. Por estarem bastante condensados, são
mais facilmente visualizáveis microscopicamente durante essa fase. Por essa razão, o diagnóstico clínico dos distúrbios cromossômicos geralmente
é embasado nos cromossomos metafásicos. Durante a metáfase, as fibras do fuso começam a se contrair e puxar os centrômeros dos cromossomos,
que estão localizados no meio do fuso (plano equatorial da célula).
Durante a anáfase, a próxima fase mitótica, o centrômero de cada cromossomo se divide, permitindo que as cromátides se separem. As
cromátides são então puxadas pelas fibras do fuso, primeiro o centrômero, para as direções opostas da célula. No fim da anáfase, a célula apresenta
92 cromossomos separados, metade em uma extremidade da célula e a outra metade na outra. Se tudo correu bem, os dois grupos de cromossomos
são idênticos.
A telófase, a última fase da mitose, é caracterizada pela formação de uma nova membrana nuclear em torno de cada um dos dois grupos de 46
cromossomos. Além disso, as fibras do fuso desaparecem e os cromossomos começam a se descondensar. A citocinese geralmente acontece após a
divisão nuclear e resulta em uma divisão do citoplasma em duas partes quase iguais. Com o fim da telófase, duas células filhas diploides, idênticas
à célula original, são formadas.

A mitose é um processo pelo qual duas células filhas diploides são formadas a partir de uma única célula diploide.

Meiose
Quando um ovócito e um espermatozoide se unem para formar um zigoto, os seus cromossomos são combinados em uma única célula. Como os
humanos são organismos diploides, devem conter um mecanismo para reduzir o número de cromossomos nos gametas até o estado haploide. De
outra forma, o zigoto teria 92, em vez dos 46 cromossomos normais. O mecanismo primário pelo qual os gametas haploides são formados a partir de
um precursor diploide se chama meiose.
Duas divisões celulares ocorrem durante a meiose. Cada divisão meiótica foi dividida em estágios com os mesmos nomes dados à mitose, mas os
processos envolvidos em alguns dos estágios são um pouco diferentes (Fig. 2-21). Durante a meiose I, geralmente denominada fase da divisão
reducional, duas células haploides são formadas a partir de uma célula diploide. Essas células diploides são a ovogônia nas mulheres e a
espermatogônia nos homens. Após a meiose I ocorre uma segunda meiose, a divisão equacional, durante a qual cada célula haploide é replicada.
A primeira fase do ciclo celular meiótico é a intérfase I, durante a qual acontecem processos importantes, como a replicação do DNA
cromossômico. A segunda fase da meiose I, a prófase I, é um pouco complexa e inclui vários eventos-chave que distinguem a meiose da mitose. A
prófase I começa com a condensação e helicoidização dos filamentos de cromatina, que se tornam visíveis como cromossomos. Durante o processo
de sinapse, os cromossomos homólogos se pareiam, lado a lado, ficando juntos em um perfeito alinhamento (nos homens, os cromossomos X e Y,
em grande parte não homólogos, por isso, se pareiam nas extremidades). Esse pareamento dos cromossomos homólogos é uma fase importante do
ciclo celular que não ocorre na mitose. À medida que a prófase I progride, as cromátides dos dois cromossomos se entrelaçam.
FIGURA 2-20 Os estágios da mitose, durante os quais duas células diploides idênticas são formadas a partir de uma célula diploide original.

Cada par de cromossomos homólogos entrelaçados é um bivalente (indicando dois cromossomos na unidade) ou uma tétrade (indicando quatro
cromátides na unidade).
Uma segunda característica-chave da prófase I é a formação de quiasmas, estruturas em forma de X que marcam o acoplamento entre
cromossomos homólogos (Fig. 2-22). Cada quiasma indica um ponto no qual os cromossomos homólogos trocam material genético. Esse processo,
chamado crossing-over, produz cromossomos que consistem em combinações de partes dos cromossomos originais. Essa troca cromossômica é
importante porque aumenta significativamente a possibilidade de combinações de genes em cada gameta e, assim, aumenta o número de
combinações possíveis de características humanas. Além disso, como discutido no Capítulo 8, esse fenômeno é bastante importante na dedução da
ordem dos genes ao longo dos cromossomos. Ao final da prófase I, os bivalentes começam a se mover para o plano equatorial, o aparato do fuso
começa a se formar no citoplasma e a membrana nuclear se dissipa.
A metáfase I é o próximo estágio. Como na metáfase mitótica, esse estágio é caracterizado pela finalização do fuso e pelo alinhamento dos
bivalentes, que ainda estão ligados em quiasmas, no plano equatorial. Os dois centrômeros de cada bivalente permanecem em lados opostos do
plano equatorial.
FIGURA 2-21 Estágios da meiose, durante a qual os gametas haploides são formados a partir de uma célula diploide. Por questão de síntese, a prófase
II e a telófase II não foram mostradas. Observe a relação entre meiose, espermatogênese e ovocitogênese.

Durante a anáfase I, os quiasmas desaparecem e os cromossomos homólogos são puxados pelas fibras do fuso em direção a polos opostos da
célula. A característica-chave dessa fase é que, diferente da fase correspondente na mitose, os centrômeros não se duplicam e dividem, de forma que
apenas metade do número inicial de cromossomos migra para cada polo. Os cromossomos que migram para cada polo consistem, assim, em um
membro de cada par de autossomos e um dos cromossomos sexuais.
A próxima etapa, a telófase I, começa quando o cromossomo atinge os lados opostos da célula. Os cromossomos se deselicoidizam ligeiramente,
e uma nova membrana nuclear começa a se formar. As duas células filhas contêm, cada qual, um número haploide de cromossomos e cada
cromossomo apresenta duas cromátides irmãs. Em humanos, a citocinese também ocorre durante essa fase. O citoplasma é dividido de forma
praticamente igual entre as duas células filhas nos gametas formados em homens. Naqueles formados em mulheres, aproximadamente todo o
citoplasma vai para uma única célula filha, que depois formará o ovócito. A outra célula filha se torna um corpúsculo polar, uma célula pequena e
não funcional, que se degenera.
FIGURA 2-22 O processo de formação de quiasmas e crossing-over levam a uma troca de material genético entre os cromossomos homólogos.

A meiose I (divisão reducional) inclui a prófase I na qual os cromossomos homólogos se alinham e trocam material
(crossing-over). Durante a anáfase I, os centrômeros não se duplicam, mas se dividem. Consequentemente, apenas um
membro de cada par de cromossomos migra para cada célula filha.

A divisão equacional, a meiose II, se inicia com a intérfase II, que é uma fase bastante curta. A principal característica dessa fase é que
diferentemente da intérfase I, nenhuma replicação do DNA acontece. A prófase II, estágio seguinte, é um pouco similar à prófase mitótica, exceto
pelo fato de que o núcleo apresenta apenas um número haploide de cromossomos. Durante a prófase II, os cromossomos ficam espessos à medida
que se helicoidizam, a membrana nuclear desaparece e novas fibras do fuso se formam. Isso é seguido pela metáfase II, durante a qual as fibras do
fuso levam os cromossomos a se alinharem no plano equatorial.
Ocorre então a anáfase II. Essa fase lembra a anáfase mitótica, na qual os centrômeros se dividem e cada um carrega uma única cromátide em
direção aos polos da célula. As cromátides agora se separaram, mas em razão da formação do quiasma e do crossing-over, as cromátides irmãs
recentemente separadas podem não ser idênticas (Fig. 2-21).
A telófase II, como a telófase I, começa quando os cromossomos atingem os polos opostos da célula. Lá, eles começam a se deselicoidizar.
Novas membranas nucleares são formadas ao redor de cada grupo de cromossomos e a citocinese acontece. Nos gametas formados nos homens, o
citoplasma é novamente dividido igualmente entre as duas células filhas. Assim, o resultado final da meiose em homens são quatro células filhas
funcionais cada uma com quantidades iguais de citoplasma. Nos gametas femininos, uma divisão citoplasmática desigual ocorre novamente,
formando um ovócito e outro corpúsculo polar. O corpúsculo polar formado durante a meiose I sofre, algumas vezes, uma segunda divisão, de forma
que ao fim do segundo estágio da meiose podem aparecer três corpúsculos polares.

A meiose é um processo de divisão celular especializado no qual uma célula diploide dá origem a gametas haploides.
Isso é obtido pela combinação de duas fases de divisão com apenas uma replicação do DNA.

A maioria dos distúrbios cromossômicos é causada por erros que ocorrem durante a meiose. Podem ser formados gametas com cromossomos a
menos ou a mais, ou cromossomos com estruturas alteradas. Além disso, os erros na mitose que ocorrem nos primeiros estágios de vida do embrião
podem afetar consideravelmente as células do corpo de forma a causar doenças clinicamente importantes. Os erros na mitose que ocorrem durante
qualquer momento na vida de uma pessoa podem, sob certas condições, gerar um câncer. O câncer genético é discutido no Capítulo 11, e os
distúrbios cromossômicos são o assunto do Capítulo 6.

A Relação entre a Meiose e a Gametogênese


As fases da meiose podem ser relacionadas diretamente com os estágios na gametogênese, a formação de gametas (Fig. 2-21). Em homens adultos,
os túbulos seminíferos dos testículos são ocupados por espermatogônias, que são células diploides. Após sofrer várias divisões mitóticas, as
espermatogônias produzem espermatócitos primários. Cada espermatócito primário, que também é diploide, sofre a meiose I para produzir um par
de espermatócitos secundários, que possuem 23 cromossomos de cadeia dupla. Eles sofrem a meiose II e cada um produz um par de
espermátides, que contém 23 cromossomos de cadeia simples. Então, as espermátides perdem a maior parte do seu citoplasma e desenvolvem
caudas para nado, à medida que se tornam espermatozoides maduros. Esse processo, conhecido como espermatogênese, continua ao longo da vida
do homem adulto.

Na espermatogênese, cada espermatogônia diploide produz quatro espermatozoides haploides.

A ovocitogênese, processo pelo qual os gametas femininos são formados, difere em vários aspectos da espermatogênese. Enquanto o ciclo da
espermatogênese é recorrente, a maior parte da ovocitogênese feminina é completada antes do nascimento. A ovogônia diploide se divide por mitose
para produzir ovócitos primários no terceiro mês do desenvolvimento fetal. Mais de seis milhões de ovócitos primários são formados durante a
gestação e ao nascimento ficam mantidos em prófase I. A meiose continua apenas quando o ovócito primário maduro é ovulado. Na meiose I, o
ovócito produz um ovócito secundário (contendo o citoplasma) e um corpúsculo polar. O ovócito secundário então emerge do folículo e prossegue
pelas tubas uterinas com o corpúsculo polar ligado a ele. A meiose II se inicia apenas caso o ovócito secundário seja fecundado por um
espermatozoide. Se isso ocorrer, um óvulo maduro contendo o citoplasma e outro corpúsculo polar haploide é produzido. Os corpúsculos polares
podem desintegrar-se. Cerca de uma hora após a fecundação, os núcleos do espermatozoide e do óvulo se fundem, formando um zigoto diploide. O
zigoto então começa o seu desenvolvimento em um embrião por meio de uma série de divisões mitóticas.

Na ovocitogênese, o óvulo haploide e três corpúsculos polares são produzidos por meiose a partir de uma ovogônia
diploide. Diferentemente da espermatogênese, que continua pela vida do homem adulto, a primeira fase da
ovocitogênese é completada antes de a mulher nascer; a ovocitogênese é então interrompida até que ocorra a ovulação.

QUESTÕES DE ESTUDO
1. Considere a seguinte sequência de DNA de cadeia dupla:
5′-CAG AAG AAA ATT AAC ATG TAA-3′
3′-GTC TTC TTT TAA TTG TAC ATT-5′
Se a cadeia de baixo serve como molde, qual é a sequência do mRNA produzida pela transcrição dessa sequência de DNA? Qual é a sequência
de aminoácidos produzida pela tradução da sequência do mRNA?
2. Ordene os seguintes termos de acordo com a sua relação hierárquica: genes, cromossomos, éxons, códons, nucleotídeos, genoma.
3. Menos de 5% do DNA humano codifica proteínas. Além disso, em um determinado tipo celular, apenas 10% do DNA codificador codifica
proteínas ativamente. Explique essas afirmativas.
4. Quais as principais diferenças entre a mitose e a meiose?
5. O corpo humano contém aproximadamente 1014 células. Iniciando-se com um zigoto de uma única célula, quantas divisões mitóticas, em média,
seriam necessárias para produzir esse número de células?
6. Quantos espermatozoides maduros serão formados a partir de 100 espermatócitos primários? Quantos óvulos maduros serão formados a partir de
100 ovócitos primários?

LEITURAS SUGERIDAS
Alberts B, Johnson A, Lewis J, et al. Molecular Biology of the Cell, 5th ed. New York: Garland Science, 7.
Basel, D, Stener RD. Osteogenesis imperfect: recent finding shed new light on this once well-understood condition. Genet Med. 2009;2009;11:375–385.
Byers PH, Pyott SM. Recessively inherited forms of osteogenesis imperfecta. Annu Rev Genet. 2012;46:475–497.
Forlino A, Cabral WA, Barnes AM, Marini JC. New perspectives on osteogenesis imperfecta. Nat Rev Endocrinol. 2011;7(9):540–557.
Lewin B., Krebs JE, Goldstein ES, Kilpatrick ST. Genes XI. Oxford: Oxford University Press; 2012.
Strachan T, Read AP. Human Molecular Genetics. 4th. London: Garland Science; 2011.

Fontes na Internet
Explicações e animações sobre a mitose e a meiose http://www.biology.arizona.edu/cell_bio/cell_bio.html
Explicações sobre a estrutura, replicação, transcrição e tradução do DNA http://www.ncc.gmu.edu/dna/genéticamédica

1 Eucariontes são organismos que possuem um núcleo celular definido, opostos aos procariontes, nos quais inexiste núcleo célular.
CAPÍTULO3

Variação Genética: sua Origem e Detecção

Os seres humanos exibem uma quantidade substancial de variação genética. Isso se reflete em traços como altura, pressão sanguínea e cor da pele.
Incluídos no espectro da variação genética estão estados patológicos, como a fibrose cística ou a neurofibromatose do tipo 1 (Capítulo 4). Este
aspecto da variação genética constitui o foco da genética médica.
Toda variação genética se origina de um processo conhecido como , que é definido como uma alteração na sequência de DNA. As mutações
podem afetar as células da linhagem germinativa (células que produzem gametas) ou as células somáticas (todas as outras células que não as da
linhagem germinativa). As mutações das células somáticas podem levar ao câncer, sendo, portanto, motivo de grande preocupação. No entanto, este
capítulo é principalmente dirigido às mutações da linhagem germinativa, uma vez que essas podem ser transmitidas de uma geração para a seguinte.
Como resultado das mutações, um gene pode diferir entre os indivíduos em termos de sequência de DNA. As sequências diferentes são
denominadas alelos. A localização de um gene em um cromossomo é denominada locus (termo em Latim que significa “local”). Por exemplo, pode-
se dizer que uma pessoa possui certo alelo no locus da β-globina no cromossomo 11. Caso uma pessoa possua o mesmo alelo em ambos os
membros do par cromossômico, ela será denominada homozigota. Se os alelos diferirem na sequência de DNA, a pessoa será heterozigota. A
combinação de alelos presentes em um determinado locus constitui o genótipo do indivíduo.
Em genética humana, o termo mutação é frequentemente reservado para alterações de sequências de DNA que provocam doenças genéticas e que
são, consequentemente, um tanto raras, com uma frequência menor que 1%, na população em geral. Variações na sequência do DNA que são mais
comuns nas populações são tradicionalmente descritas como polimorfismos (“muitas formas”, descrevendo múltiplos alelos em um locus). Loci
(plural de locus) que contém múltiplos alelos são denominados polimórficos. Entretanto, atualmente, em geral, mesmo alelos que apresentam uma
frequência menor que 1% são, também denominados polimorfismos. Inclusive, muitos polimorfismos comuns são atualmente conhecidos por
influenciarem os riscos de doenças complexas comuns, como diabetes e doença cardíaca (Capítulo 12), de modo que a distinção tradicional entre
mutação (rara e causadora de doença) e polimorfismo (comum e benigno) tem se tornado cada vez mais tênue.
Uma das importantes contribuições de Gregor Mendel para a genética foi demonstrar que os efeitos de um alelo em um locus podem mascarar
aqueles de outro alelo no mesmo locus. Ele realizou cruzamentos (reproduções) entre plantas de ervilha homozigotas para um alelo “alto” (p. x.,
com duas cópias idênticas de um alelo que designaremos como H) e plantas homozigotas para um alelo “baixo” (com duas cópias de um alelo
designado h). Esse cruzamento, que só pode produzir prole heterozigota (Hh), está ilustrado no quadrado de Punnett mostrado na Figura 3-1.
Mendel descobriu que a prole desses cruzamentos, embora fosse heterozigota, era, em sua totalidade, alta. Isso ocorre porque o alelo H é dominante
e o alelo h é recessivo. (Convencionou-se designar o alelo dominante em letra maiúscula e o alelo recessivo em letra minúscula). O termo recessivo
provém de uma raiz latina que significa “esconder”. Isso descreve bem o comportamento dos alelos recessivos: nos heterozigotos as consequências
de um alelo recessivo estão escondidas. Um alelo dominante exerce o seu efeito tanto no homozigoto (HH) quanto no heterozigoto (Hh), enquanto a
presença do alelo recessivo só é fisicamente observável quando ele ocorre na forma homozigota (hh). Desse modo, as plantas de ervilha baixas
podem ser obtidas apenas pelo cruzamento de plantas genitoras que sejam portadoras, cada uma, de pelo menos um alelo h. Um exemplo é o
cruzamento heterozigoto × heterozigoto, exibido na Figura 3-2.
Neste capítulo, examinaremos a mutação como fonte de variação genética. Discutiremos os tipos de mutação, as causas e as consequências, bem
como as técnicas bioquímicas e moleculares que são atualmente empregadas para detectar a variação genética em populações humanas.

MUTAÇÃO: A FONTE DA VARIAÇÃO GENÉTICA


Tipos de Mutação
Algumas mutações consistem em uma alteração no número ou na estrutura dos cromossomos em uma célula. Essas anomalias cromossômicas
maiores podem ser observadas microscopicamente e constituem o assunto do Capítulo 6. Aqui, o foco está nas mutações que afetam apenas genes
únicos e que não são microscopicamente observáveis. A maior parte da nossa discussão se centra em mutações que ocorrem no DNA codificante ou
nas sequências regulatórias, uma vez que as mutações que ocorrem em outras partes do genoma geralmente não têm consequências clínicas.
Um importante tipo de mutação gênica é a substituição de pares de bases, na qual um par de bases é substituído por outro2. Isso pode resultar
em uma alteração da sequên­cia é de aminoácidos. Contudo, devido à redundância do código genético, muitas dessas mutações não alteram a sequên‐­
cia de aminoácidos e, portanto, normalmente não trazem consequência. Essas mutações são denominadas substituições silenciosas. As substituições
de pares de bases que alteram os
FIGURA 3-1 Quadrado de Punnett ilustrando o cruzamento entre genitores homozigotos HH e hh.

FIGURA 3-2 Quadrado de Punnett ilustrando o cruzamento entre dois heterozigotos Hh.

aminoácidos consistem em dois tipos básicos: mutações de sentido trocado (do inglês, missense), que produzem uma alteração em um único
aminoácido, e mutações sem sentido (do inglês, nonsense), que produzem um dos três códons de parada (UAA, UAG e UGA) no RNA mensageiro
(mRNA) (Fig. 3-3). Uma vez que os códons de parada finalizam a tradução do mRNA, as mutações sem sentido resultam em um término prematuro
da cadeia polipeptídica. Inversamente, se um códon de parada for alterado, de modo que ele venha a codificar um aminoácido, um polipeptídio
anormalmente alongado pode ser produzido. As alterações das sequências de aminoácidos podem ter profundas consequências, e muitas das doenças
genéticas graves discutidas mais adiante resultam dessas alterações.
Uma segunda grande categoria de mutação consiste nas deleções ou inserções de um ou mais pares de bases. Essas mutações, que podem
resultar em aminoácidos excedentes ou ausentes em uma proteína, frequentemente são prejudiciais. Um exemplo desse tipo de mutação é a deleção
de 3 pb que é encontrada na maior parte das pessoas com fibrose cística (Capítulo 4). As deleções e inserções tendem a ser especialmente nocivas
quando o número de pares ausentes ou excedentes não é um múltiplo de três. Uma vez que os códons consistem em grupos de três pares de bases,
essas inserções ou deleções podem alterar todos os códons subsequentes. Essa é uma mutação da matriz de leitura, ou frameshift (Fig. 3-4). Por
exemplo, a inserção de uma única base (um A no segundo códon) converte a sequência de DNA lida como 5’-ACT GAT TGC GTT-3’ para 5’-ACT
GAA TTG CGT-3’. Isso altera a sequência de aminoácidos de Tre-Asp-Cis-Val para Tre-Glu-Leu-Arg. Muitas vezes, uma mutação frameshift
produz um códon de parada abaixo da inserção ou da deleção, resultando em um polipeptídio truncado.
Em uma escala maior, as duplicações de genes inteiros também podem levar a uma doença genética. Um bom exemplo é a doença de Charcot-
Marie-Tooth. Esse distúrbio, que recebeu o nome dos três médicos que o descreveram há mais de um século, é uma doença do sistema nervoso
periférico que leva à atrofia progressiva dos músculos distais dos membros. Ela afeta aproximadamente uma em cada 2.500 pessoas e existem várias
formas diferentes. Cerca de 70% dos pacientes que apresentam a forma mais comum (tipo 1A) exibem uma duplicação de 1,5 milhão de pb em um
dos cromossomos 17. Como resultado, eles possuem três, em vez de duas, cópias dos genes dessa região. Um desses genes, o PMP22, codifica um
componente da mielina periférica. A quantidade aumentada do produto genético contribui para a desmielinização característica dessa forma do
distúrbio. Curiosamente, a deleção dessa mesma região produz uma doença distinta, a neuropatia hereditária, com suscetibilidade à paralisia por
pressão. Uma vez que uma redução (até 50%) ou um aumento (até 150%) do produto genético produzem a doença, diz-se que esse gene exibe
sensibilidade à dosagem. As substituições de pares de bases no próprio PMP22 podem produzir ainda outra doença: a síndrome de Dejerine-Sottas,
que se caracteriza por fraqueza muscular distal, alterações sensoriais, atrofia muscular e aumento das raízes nervosas da coluna vertebral.
Outros tipos de mutações podem alterar a regulação da transcrição ou da tradução. Uma mutação do promotor pode reduzir a afinidade da RNA
polimerase com um sítio promotor, frequentemente resultando na redução da produção de mRNA, diminuindo, assim, a produção de uma proteína.
As mutações dos genes dos fatores de transcrição ou de sequências intensificadoras podem ter resultados semelhantes.
As mutações também podem interferir na recomposição de íntrons à medida que o mRNA maduro é formado a partir do transcrito primário do
mRNA. As mutações nos sítios de recomposição, aquelas que ocorrem nos limites íntron-éxon, alteram o sinal de junção necessário para a correta
excisão de um íntron. As mutações nos sítios de junção (recomposição) podem ocorrer na mesma sequência GT que define o sítio de junção 5’ (o
sítio doador) ou na sequência AG que define o sítio de junção 3’ (o sítio aceptor). Elas também podem ocorrer nas sequências que se situam nas
proximidades dos sítios doador e aceptor. Quando tais mutações ocorrem, a excisão muitas vezes é feita no interior do éxon seguinte, em um sítio de
junção localizado no éxon. Esses sítios de junção, cujas sequências de DNA diferem ligeiramente daquelas dos sítios de junção normais,
normalmente não são utilizados, permanecendo ocultos dentro do éxon. Desse modo, eles são denominados sítios de junção ocultos. O uso de um
sítio oculto para a junção resulta na deleção parcial de um éxon ou, em outros casos, na deleção de um éxon inteiro. Como a Figura 3-5

FIGURA 3-3 Substituição de pares de bases. As mutações de sentido trocado (A) produzem a alteração de um único aminoácido, enquanto as mutações
sem sentido (B) produzem um códon de parada no mRNA. Os códons de parada finalizam a tradução do polipeptídio.

FIGURA 3-4 As mutações frameshift (mudança da matriz de leitura) resultam na adição ou da deleção de um número de bases não múltiplo de três. Isso
altera todos os códons subsequentes a partir do sítio da inserção ou da deleção.
mostra, as mutações dos sítios de junção também podem resultar na inclusão anormal de parte ou de todo um íntron no mRNA maduro. Finalmente,
uma mutação pode ocorrer em um sítio de junção oculto, fazendo com que ele pareça um sítio de junção normal, competindo, assim, com o sítio
normal.
Diversos tipos de sequências de DNA são capazes de propagar cópias de si mesmas; então, essas cópias são inseridas em outras localizações nos
cromossomos; os exemplos incluem as repetições LINE e Alu, discutidas no Capítulo 2. Essas inserções podem provocar mutações frameshift. A
inserção de elementos móveis já foi relacionada com casos isolados de neurofibromatose do tipo 1, distrofia muscular de Duchenne, β-talassemia,
câncer de mama familial, polipose familial (câncer de cólon) e hemofilia A e B (distúrbios da coagulação) em seres humanos.
O último tipo de mutação a ser considerado aqui afeta as sequências de DNA repetidas em tandem (Capitulo 2) que ocorrem no interior ou
próximo a certos genes relacionados a doenças. As unidades repetidas geralmente têm 3 pb de comprimento, de modo que um exemplo típico seria
CAGCAGCAG. Uma pessoa normal possui um número relativamente pequeno dessas repetições em tandem (p. ex., 10 a 30 elementos CAG
consecutivos) em uma localização cromossômica específica. Ocasionalmente, o número de repetições aumenta durante a meiose ou possivelmente
durante o desenvolvimento fetal precoce, de modo que um neonato poderá ter centenas ou mesmo milhares de repetições em tandem. Quando isso
acontece em certas regiões do genoma, provoca doença genética. Assim como em outras mutações, essas repetições expandidas podem ser
transmitidas para a prole do paciente. Mais de 20 doenças genéticas são reconhecidamente provocadas por repetições expandidas (Capítulos 4 e 5).

FIGURA 3-5 A, Junção normal. B, Mutação no sítio de junção. A sequência doadora, GT, é substituída por AT. Isso resulta em uma junção incorreta que
deixa parte do íntron no transcrito maduro do mRNA. Em outro exemplo de mutação do sítio de junção (C), um segundo sítio doador GT é criado no
interior do primeiro íntron, resultando em uma combinação de produtos de mRNA recompostos de forma anormal e normal.

As mutações são a maior fonte da variação genética. Algumas mutações resultam em doença genética, mas a maioria
não tem efeitos físicos. Os principais tipos de mutação são as de sentido trocado, as sem sentido, as mudanças de matriz
de leitura, as mutações do promotor e dos sítios de junção. As mutações também podem ser provocadas pela inserção
aleatória de elementos móveis, e algumas doenças genéticas são reconhecidamente provocadas por repetições
expandidas.

Consequências Moleculares da Mutação


É importante pensar nas mutações em termos dos seus efeitos sobre o produto proteico. Em linhas gerais, as mutações podem produzir um ganho de
função ou uma perda de função do produto (Fig. 3-6). As mutações com ganho de função ocasionalmente resultam em um produto proteico
completamente novo. Mais comumente, elas resultam no excesso de expressão do produto ou na sua expressão inadequada (p. ex., no tecido errado
ou no estágio de desenvolvimento errado). As mutações com ganho de função produzem distúrbios dominantes. A doença de Charcot–Marie–Tooth
pode resultar na superexpressãodo produto proteico, sendo considerada uma mutação com ganho de função. A doença de Huntington, discutida
no Capítulo 4, é outro exemplo.
As mutações com perda de função são frequentemente observadas nas doenças recessivas. Nessas doenças, a mutação resulta na perda de 50% do
produto proteico (p. ex., uma enzima metabólica), mas os 50% que restam são suficientes para a função normal. Desse modo, o heterozigoto não é
afetado, mas o homozigoto, possuindo pouco ou nenhum produto proteico, é afetado. Em alguns casos, contudo, 50% do produto proteico do gene
não são suficientes para a função normal (haploinsuficiência) e pode levar a um distúrbio dominante. A haploinsuficiência é observada, por
exemplo, no distúrbio autossômico dominante conhecido como hipercolesterolemia familial (Capítulo 12).

FIGURA 3-6 A, As mutações com ganho de função produzem um novo produto proteico ou um aumento da quantidade do produto proteico. B, As
mutações com perda de função reduzem a quantidade do produto proteico. C, As mutações negativas dominantes produzem uma proteína anormal
que interfere no produto proteico do alelo normal em um heterozigoto, que de outro modo seria normal.

Nessa doença, uma única cópia da mutação (heterozigose) reduz em 50% o número de receptores para as lipoproteínas de baixa densidade (LDL).
Os níveis de colesterol nos heterozigotos são aproximadamente o dobro daqueles dos homozigotos normais, resultando em um aumento substancial
do risco de doença cardíaca. Assim como na maior parte dos distúrbios envolvendo haploinsuficiência, a doença é mais grave nos homozigotos
afetados (que possuem poucos ou nenhum receptor LDL funcional) do que nos heterozigotos.
Uma mutação dominante negativa resulta em um produto proteico que não é funcional apenas, mas também inibe a função da proteína
produzida pelo alelo normal no heterozigoto. Tipicamente, as mutações dominantes negativas são observadas em genes que codificam proteínas
multiméricas (p. ex., proteínas compostas por duas ou mais subunidades). O colágeno do tipo 1 (Capítulo 2), que é composto por três unidades
helicoidais, é um exemplo desse tipo de proteína. Uma hélice anormal criada por uma única mutação pode se combinar com outras hélices,
distorcendo-as e produzindo uma proteína de tripla hélice gravemente comprometida.

As mutações podem resultar em ganho ou perda de função do produto proteico. As mutações com ganho de função
algumas vezes são observadas nas doenças dominantes. A perda de função é observada nas doenças recessivas e nas
doenças que envolvem haploinsuficiência, nas quais 50% do produto genético são insuficientes para a função normal. Nas
mutações dominantes negativas, o produto proteico anormal interfere no produto proteico normal.

Consequências Clínicas da Mutação: os Distúrbios da Hemoglobina


Os distúrbios genéticos da hemoglobina humana constituem o grupo mais comum de distúrbios monogênicos. Estima-se que 7% da população
mundial seja portadora de uma ou mais mutações dos genes envolvidos na síntese da hemoglobina. Uma vez que quase todos os tipos de mutações
descritas neste capítulo já foram observados nos distúrbios da hemoglobina, eles servem como uma importante exemplificação das consequências
clínicas da mutação.
A molécula de hemoglobina é um tetrâmero composto por quatro cadeias polipeptídicas, duas classificadas como α e duas classificadas como β.
As cadeias β são codificadas por um gene no cromossomo 11, e as cadeias α são codificadas por dois genes no cromossomo 16 que são muito
semelhantes entre si. Tipicamente, uma pessoa normal possui dois genes β normais e quatro genes α normais (Fig. 3-7). Normalmente, a regulação
precisa desses genes assegura que um número aproximadamente igual de cadeias α e β seja produzido. Cada uma dessas cadeias de globina está
associada a um grupo heme, que contém um átomo de ferro que se liga ao oxigênio. Essa propriedade permite que a hemoglobina realize a função
vital de transportar o oxigênio nos eritrócitos (hemácias).
Os distúrbios da hemoglobina podem ser classificados em duas categorias amplas: anomalias estruturais, nas quais a molécula de hemoglobina
está alterada, e as talassemias, um grupo de condições nas quais a cadeia α ou a cadeia β da globina é estruturalmente normal, mas apresenta-se
quantitativamente reduzida. Outra condição, a persistência hereditária da hemoglobina fetal (PHHF), ocorre quando a hemoglobina fetal, codificada
pelos genes da α-globina e por dois genes da β-globina denominados Aγ e Gγ (Fig. 3-7), continua a ser produzida após o nascimento (normalmente,
a produção da

TABELA 3-1 Resumo dos Principais Distúrbios da Hemoglobina

Doença Tipo de Mutação Principais Características da Doença

Anemia Mutação de sentido trocado da β-globina Anemia, infartos teciduais, infecções


falciforme

Doença da Deleção ou anomalia de três dos quatro genes da α-globina Anemia moderadamente grave, esplenomegalia
HbH

Hidropisia Deleção ou anomalia de todos os quatro genes da α-globina Anemia grave ou hipoxemia, insuficiência cardíaca
fetal (Hb congestiva; natimorto ou óbito neonatal
Barts)

β0- Geralmente mutações sem sentido, frameshift, ou do sítio doador ou Anemia severa, esplenomegalia, anomalias
talassemia aceptor; nenhuma β-globina é produzida esqueléticas; infecções; frequentemente fatal
durante a primeira década se não tratada

β+- Geralmente mutações de sentido trocado, regulatórias ou em sequência de Características semelhantes àquelas da β0-
talassemia consenso no sítio de junção, ou mutações ocultas no sítio de junção; talassemia, mas frequentemente mais brandas
pequena quantidade de β-globina é produzida

FIGURA 3-7 O aglomerado gênico da α-globina no cromossomo 16 e o aglomerado de genes da β-globina no cromossomo 11. O aglomerado da β-
globina inclui o gene da ε-globina, que codifica a globina embrionária, e os genes da γ-globina, que codificam a globina fetal. O gene ψβ não é
expresso. O aglomerado da α-globina inclui o gene da ξ-globina, que codifica a α-globina embrionária.

cadeia γ cessa e a produção da cadeia β se inicia por ocasião do nascimento). A PHHF não provoca doença, mas em vez disso, pode compensar a
falta da hemoglobina adulta normal.
Um grande conjunto de diferentes distúrbios da hemoglobina foi identificado. A discussão que se segue é uma apresentação muito simplificada
das principais formas desses distúrbios. Os distúrbios da hemoglobina, as mutações que os provocam e as suas principais características estão
resumidas na Tabela 3-1.

Anemia Falciforme
A anemia falciforme, que resulta de uma anomalia da estrutura da hemoglobina, é observada em aproximadamente um em 400 a um em 600
nascimentos de afro-americanos. Ela é ainda mais comum em regiões da África, onde pode afetar até um em cada 50 nascimentos, sendo
ocasionalmente observada também em populações mediterrâneas e do Oriente Médio. A anemia falciforme é tipicamente provocada por uma
mutação de sentido trocado que causa a substituição de ácido glutâmico por valina na posição 6 da cadeia polipeptídica da β-globina. Nos
homozigotos, essa substituição de aminoácidos altera a estrutura das moléculas de hemoglobina de tal modo que elas formam agregados, fazendo
com que os eritrócitos sob condições de baixa tensão de oxigênio assumam um aspecto de foice bem característico (Fig. 3-8A). Essas condições
ocorrem nos capilares, pequenos vasos cujo diâmetro é menor do que o do eritrócito. Os eritrócitos normais (Fig. 3-8B) podem se comprimir ao
longo dos capilares, mas os eritrócitos afoiçados são menos flexíveis e incapazes de fazê-lo. Além disso, os eritrócitos anormais tendem a aderir no
endotélio vascular (o revestimento mais interno dos vasos sanguíneos).
A obstrução vascular resultante produz hipoxemia (falta de oxigênio) localizada, crises falcêmicas dolorosas e infartos de diversos tecidos,
incluindo osso, baço, rins, cérebro e pulmões (um infarto é a morte tecidual devido à hipoxemia). A destruição prematura dos eritrócitos afoiçados
reduz o número de eritrócitos circulantes e o nível de hemoglobina, produzindo anemia. O baço se torna aumentado (esplenomegalia), mas os
infartos eventualmente destroem esse órgão, produzindo algum grau de perda da função imune. Isso contribui para as infecções bacterianas
recorrentes e algumas vezes fatais (especialmente pneumonia) que são comumente observadas em pessoas com anemia falciforme. Cerca de 10%
das pessoas com anemia falciforme sofrem acidente vascular encefálico antes dos 20 anos de idade. Na América do Norte, estima-se que a
expectativa de vida das pessoas com a anemia falciforme seja reduzida em cerca de 30 anos.
A doença das células falciformes, que provoca anemia, infartos teciduais e infecções múltiplas, é o resultado de uma
única mutação em sentido trocado que produz a substituição de um aminoácido na cadeia da β-globina.

Talassemia
O termo talassemia é derivado da palavra grega thalassa (“mar”); a talassemia foi primeiramente descrita nas populações que vivem próximas ao
Mar Mediterrâneo, embora ela também seja comum em partes da África, Oriente Médio, Índia e Sudeste Asiático. Ao contrário da anemia
falciforme, na qual uma mutação altera a estrutura da molécula de hemoglobina, a mutação que provoca a talassemia reduz a quantidade da α-
globina ou da β-globina. A talassemia pode ser dividida em dois principais grupos, a α-talassemia e a β-talassemia, dependendo da cadeia de
globina que tem a sua quantidade reduzida. Quando um tipo de cadeia tem o seu número diminuído, o outro tipo, incapaz de participar da formação
normal do tetrâmero, tende a formar moléculas constituídas somente pelas quatro cadeias do tipo em excesso. Estas são denominadas
homotetrâmeros, em contraposição aos heterotetrâmeros normalmente formados pelas cadeias α e β. Na α-talassemia, há deficiência das cadeias
de α-globina, de modo que as cadeias da β-globina (ou as cadeias γ no feto) são encontradas em excesso. Elas formam homotetrâmeros que
possuem redução importante da capacidade de ligação com o oxigênio, produzindo hipoxemia. Na β-talassemia, o excesso de cadeias α forma
homotetrâmeros que se precipitam e lesionam as membranas celulares dos precursores dos eritrócitos (p. ex., as células que formam eritrócitos). Isso
leva a uma destruição prematura dos eritrócitos e à anemia.

FIGURA 3-8 A, Os eritrócitos de pacientes com anemia falciforme assumem um formato característico sob condições de baixa tensão de oxigênio. B,
Compare com os eritrócitos normais.

A maior parte dos casos de α-talassemia é provocada por deleções dos genes da α-globina. A perda de um ou dois desses genes não tem efeitos
clínicos. A perda ou anomalia de três dos genes α produz anemia moderadamente grave e esplenomegalia (doença HbH). A perda de todos os quatro
genes α, uma condição observada primariamente entre habitantes do Sudeste Asiático, produz hipoxemia no feto e hidropisia fetal (uma condição na
qual ocorre um acúmulo maciço de líquido). A hidropisia fetal grave frequentemente provoca a morte fetal ou neonatal.

As condições α-talassêmicas geralmente são provocadas por deleções dos genes da α-globina. A perda de três desses
genes leva a uma anemia moderadamente grave e a perda de todos os quatro é fatal.

As pessoas com uma mutação da β-globina em uma cópia do cromossomo 11 (heterozigotos) são denominadas portadoras de β-talassemia
minor, uma condição que envolve pouca ou nenhuma anemia e que normalmente não exige tratamento clínico. Aquelas em que ambas as cópias do
cromossomo portam uma mutação da β-globina desenvolvem a β-talassemia major (também denominada anemia de Cooley), ou uma condição
menos grave, a β-talassemia intermédia. A β-globina pode estar completamente ausente (β0-talassemia), ou pode estar reduzida para cerca de 10%
a 30% da quantidade normal (β+-talassemia). Tipicamente, a β0-talassemia produz um fenótipo patológico mais grave, mas porque as características
da doença são provocadas por um excesso de cadeias de α-globina, os pacientes com β0-talassemia são menos gravemente afetados quando também
apresentam mutações na α-globina que reduzem a quantidade de cadeias de α-globina.
A β-globina não é produzida até após o parto, de modo que os efeitos da β-talassemia maior não são clinicamente observados até os dois a seis
meses de idade. Esses pacientes desenvolvem anemia grave. Caso a condição seja deixada sem tratamento, pode ocorrer um substancial retardo no
crescimento. A anemia provoca expansão da medula óssea que, por sua vez, produz alterações esqueléticas, incluindo protuberância da maxila e dos
zigomáticos e afilamento dos ossos longos (tornando-os suscetíveis à fratura). A esplenomegalia (Fig. 3-9) e as infecções são comuns, e os pacientes
com β-talassemia maior, frequentemente, falecem durante a primeira década de vida. A β-talassemia pode variar consideravelmente em gravidade,
dependendo do tipo específico da mutação responsável.
Em contraposição com a α-talassemia, as deleções genéticas são relativamente raras na β-talassemia. Em vez disso, a maior parte dos casos é
provocada por mutações de bases simples. As mutações sem sentido, que resultam no término prematuro da tradução da cadeia de β-globina,
geralmente

FIGURA 3-9 Uma criança com β-talassemia maior que apresenta esplenomegalia grave.

produzem β0-talassemia. As mutações frameshift (mudança de matriz de leitura) tipicamente também produzem a forma β0. Além das mutações no
próprio gene da β-globina, frequentemente são observadas alterações das sequências regulatórias. A transcrição da β-globina é regulada por um
promotor, dois intensificadores e uma região antecedente conhecida como região de controle do locus (RCL) (Fig. 3-7). As mutações nas regiões
regulatórias geralmente resultam na síntese reduzida de mRNA e em uma redução da β-globina (β+-talassemia), mas não na ausência completa
desta. Diversos tipos de mutações em sítio de junção também foram observados. Se uma mutação de ponto ocorrer em um sítio doador ou aceptor, a
junção normal é completamente destruída, produzindo β0-talassemia. As mutações nas sequências de consenso circundantes geralmente produzem
β+-talassemia. As mutações também ocorrem nos sítios de junção ocultos, encontrados em íntrons ou éxons do gene da β-globina, fazendo com que
esses sítios fiquem disponíveis para o mecanismo de junção. Esses sítios adicionais de junção competem com os sítios normais de junção
produzindo algumas cadeias de β-globina normais e outras anormais. O resultado geralmente é a β+-talassemia.

Muitos tipos diferentes de mutações podem produzir a β-talassemia. Mutações sem sentido, frameshift e dos sítios de
junção doadores e aceptores tendem a produzir uma doença mais grave. As mutações regulatórias e aquelas que
envolvem sequências de consenso do sítio de junção e dos sítios de junção ocultos tendem a produzir uma doença menos
grave.

Centenas de diferentes mutações da β-globina foram descritas. Consequentemente, a maior parte dos pacientes com β-talassemia não é
homozigota no sentido estrito: eles geralmente possuem uma mutação diferente da β-globina em cada cópia do cromossomo 11 e são, então,
denominados heterozigotos compostos (Fig. 3-10). Embora as mutações sejam diferentes, cada um dos dois genes da β-globina está alterado,
produzindo um estado patológico. É comum aplicar o termo homozigoto imprecisamente para os heterozigotos compostos.
Os pacientes com anemia falciforme ou com β-talassemia major às vezes são tratados com transfusões sanguíneas e com agentes quelantes que
removem o excesso de ferro introduzido pelas transfusões. A administração profilática de antibióticos e de vacina antipneumocócica ajuda a
prevenir as infecções bacterianas nos pacientes com anemia falciforme, e os analgésicos são administrados para o alívio da dor durante as crises
falcêmicas. O transplante de medula óssea, que fornece células-tronco do doador que produz eritrócitos geneticamente normais, é realizado em
pacientes com β-talassemia ou anemia falciforme grave. No entanto, muitas vezes é impossível encontrar um doador adequadamente compatível e a
taxa de mortalidade desse procedimento ainda é bastante alta (aproximadamente 5% a 30%, dependendo da gravidade da doença e da idade do
paciente). A ausência da β-globina adulta normal pode ser compensada por meio da reativação dos genes que codificam a β-globina fetal (os genes
da γ-globina, previamente discutidos). Agentes como a hidroxiureia e o butirato podem reativar esses genes e estão sendo investigados. Além disso,
a β-talassemia é uma forte candidata à terapia gênica (Capítulo 13).

Causas da Mutação
Um grande número de agentes reconhecidamente são a causa de mutações induzidas. Essas mutações, que são atribuídas a fatores ambientais
conhecidos, podem ser contrapostas às mutações espontâneas, que se originam naturalmente durante o processo de replicação do DNA. Os agentes
que provocam mutações induzidas são coletivamente conhecidos como mutagênicos. Os estudos em animais demonstraram que a radiação
constitui uma importante classe de mutagênicos (Comentário Clínico 3-1). A radiação ionizante, tal como aquela produzida pelos raios X ou pela
precipitação radioativa, pode ejetar elétrons dos átomos, formando íons eletricamente carregados. Quando esses íons estão situados no interior ou
próximos da molécula de DNA eles podem promover reações químicas que alteram as bases do DNA. A radiação ionizante também pode romper as
ligações da dupla fita do DNA. Essa forma de radiação pode tingir todas as células do corpo, incluindo as células da linhagem germinativa.
A radiação não ionizante não forma íons carregados, mas pode mover elétrons de órbitas internas para órbitas externas de um átomo. O átomo
se torna quimicamente instável. A radiação ultravioleta (UV), que ocorre naturalmente na luz solar, é um exemplo de radiação não ionizante. A
radiação UV provoca a formação de ligações covalentes entre bases pirimidínicas adjacentes (p. ex., citosina ou timina). Esses dímeros de
pirimidina (um dímero é uma molécula que possui duas subunidades) são incapazes de se parear corretamente com as purinas durante a replicação
do DNA; isso resulta em uma substituição de um par de bases (Fig. 3-11). Uma vez que a radiação UV é absorvida pela pele, ela não atinge a
linhagem germinativa, mas pode provocar câncer de pele (Comentário Clínico 3-2).

FIGURA 3-10 A, Os homozigotos verdadeiros possuem dois alelos idênticos na sequência de DNA. Aqui o homozigoto possui duas cópias de uma
mutação de base única, mostrada pelo asterisco na mesma posição na sequência do DNA. Ambas as mutações (alelos 1 e 2) apresentam um efeito de
perda de função, dando origem a uma doença recessiva. B, O mesmo efeito é observado em um heterozigoto composto, que possui duas mutações
diferentes (asteriscos) em duas localizações diferentes na sequência de DNA do gene. Cada alelo apresenta um efeito de perda de função, novamente
provocando uma doença recessiva.
FIGURA 3-11 A, Os dímeros de pirimidina se originam quando se formam ligações covalentes entre bases pirimidínicas (citosina e timina) adjacentes.
Isso deforma o DNA, interferindo no pareamento normal de bases. B, O defeito é reparado por meio da remoção e substituição do dímero e das bases
em cada um dos seus lados, com a cadeia complementar de DNA sendo usada como molde.

COMENTÁRIO CLÍNICO 3-1

Os Efeitos da Radiação sobre as Taxas de Mutação


Como a mutação é um evento raro, é difícil medi-la diretamente em seres humanos. Da mesma forma, a relação entre exposição à radiação e
mutação é difícil de avaliar. Para uma pessoa que vive em um país desenvolvido, a exposição típica à radiação ionizante ao longo da vida é de cerca
de 6 a 7 rem.* Acredita-se que cerca de um terço ou até a metade dessa quantidade seja originada de procedimentos radiológicos médicos e
dentários.
Infelizmente, algumas populações humanas receberam doses muito grandes de radiação. A população mais meticulosamente estudada,
submetida a uma dessas situações, foi a dos sobreviventes dos bombardeios atômicos que ocorreram em Hiroshima e Nagasaki, no Japão, ao final
da II Guerra Mundial. Muitos daqueles que foram expostos a altas doses de radiação morreram de doenças causadas pela própria radiação. Outros
sobreviveram e muitos dos sobreviventes produziram descendentes.
Para estudar os efeitos da exposição à radiação nessa população, uma grande equipe de cientistas americanos e japoneses realizaram
investigações clínicas e genéticas em alguns dos sobreviventes. Um número significante desenvolveu cânceres e anomalias cromossômicas nas
suas células somáticas, provavelmente como consequência da exposição à radiação. Para avaliar os efeitos da exposição radioativa nas linhagens
germinativas dos indivíduos, os cientistas compararam a prole daqueles que sofreram uma exposição substancial à radiação com a dos que não
haviam sofrido essa exposição. Mesmo sendo difícil estabelecer as doses de radiação com precisão, não há dúvida de que, em geral, aqueles que
estavam situados mais próximos às explosões sofreram níveis de exposição muito mais elevados. Estima-se que o grupo exposto recebeu,
aproximadamente, 30 a 60 rem de radiação, índice muitas vezes maior do que a exposição natural ao longo da vida.
Em uma série de estudos realizados com mais de 76.000 descendentes desses sobreviventes, os pesquisadores avaliaram um grande número de
fatores, incluindo natimortos, anomalias cromossômicas, defeitos congênitos, câncer antes dos 20 anos de idade, óbito antes dos 26 anos de idade
e diversas medidas do crescimento e do desenvolvimento (p. ex., quociente intelectual). Não houve diferenças estatísticas significantes entre a
prole de pessoas que foram expostas à radiação, daquelas que não foram expostas. Além disso, estudos genéticos das mutações foram realizados
com base em polimorfismos de minissatélites e eletroforese de proteínas, uma técnica que detecta mutações que acarretam alterações de
aminoácidos (discutidas em outra parte deste capítulo). Os genitores e a prole foram comparados para determinar se haviam ocorrido mutações
na linhagem germinativa em diversos loci. O número de mutações detectadas nos grupos exposto e não exposto foram estatisticamente
equivalentes.
Mais recentemente, estudos daqueles que foram expostos à radiação do acidente com a usina nuclear de Chernobyl mostraram um aumento
significante dos cânceres de tireoide entre as crianças expostas à radiação. Isso reflete os efeitos das mutações somáticas. Evidência de aumento
da frequência de mutações no DNA codificador de proteínas da linhagem germinativa, contudo, permanece indefinida. Uma série de outros
estudos dos efeitos da radiação sobre seres humanos foi divulgada, incluindo investigações daqueles que vivem nas proximidades de usinas
nucleares. As doses de radiação recebidas por essas pessoas são substancialmente menores do que aquelas das populações previamente
discutidas, e os resultados desses estudos são duvidosos.
É espantoso que, embora haja evidências substanciais dos efeitos da radiação sobre as células somáticas nos estudos de Hiroshima e Nagasaki,
nenhum efeito detectável pôde ser observado nas células germinativas. O que poderia ser responsável por isso? Uma vez que as grandes doses de
radiação são letais, muitos daqueles que teriam sido mais fortemente afetados podem não ter sido incluídos nos estudos. Além disso, uma vez que
as taxas de mutação na linhagem germinativa são muito pequenas, mesmo os grupos relativamente grandes de pessoas expostas à radiação
podem ser insuficientes para detectar aumentos das taxas de mutação. É possível também que o reparo do DNA compense algum tipo de dano
induzido pela radiação na linhagem germinativa.
Estes resultados mostram que a exposição à radiação, que está claramente associada a mutações somáticas, não deve ser negligenciada. Testes
nucleares acima do solo no Sudoeste Americano produziram aumento das taxas de leucemia e de câncer de tireoide em um segmento da
população. O radônio, um gás radioativo que é produzido pela decomposição natural do urânio, pode ser encontrado em níveis perigosamente
altos em alguns lares e apresenta risco para câncer de pulmão. Qualquer exposição desnecessária à radiação, particularmente das gônadas ou de
fetos em desenvolvimento, deve ser evitada.

*O rem é uma unidade padrão para medir a exposição à radiação. É aproximadamente igual a 0,01 joule de energia absorvida por quilograma de tecido.

COMENTÁRIO CLÍNICO 3-2


Xeroderma Pigmentoso: Uma Doença de Defeito de Reparo do DNA
Uma consequência inevitável da radiação UV é a formação de dímeros potencialmente perigosos de pirimidina no DNA das células cutâneas.
Felizmente, o sistema de reparo por excisão de nucleotídeo (REN) é altamente eficiente e remove esses dímeros nas pessoas normais. Naqueles
afetados com a rara doença autossômica recessiva denominada xeroderma pigmentoso (XP), esse sistema não funciona adequadamente e os erros
resultantes da replicação do DNA levam a substituições de pares de bases nas células cutâneas. O XP varia substancialmente em gravidade, mas os
sintomas iniciais geralmente são observados do primeiro aos dois anos de vida.
Os pacientes desenvolvem uma pele seca e descamativa (xeroderma), juntamente com sardas extensas e pigmentação cutânea anormal
(pigmentoso). Os tumores cutâneos podem ser numerosos e surgem tipicamente por volta dos 10 anos de idade. Estima-se que o risco de tumores
de pele em pessoas com XP seja elevado em aproximadamente 1.000 vezes. Tais cânceres estão primariamente concentrados nas partes do corpo
expostas ao sol. Os pacientes são orientados a evitar as fontes de luz UV (p. ex., luz solar), e os tumores malignos são removidos cirurgicamente.
Anomalias neurológicas são observadas em cerca de 30% das pessoas com XP.
Malignidades graves e potencialmente fatais podem ocorrer antes dos 20 anos de idade.
O sistema REN é codificado por pelo menos 28 genes diferentes, e mutações hereditárias em sete desses genes podem dar origem ao XP. Tais
genes codificam: helicases, que desenrolam a hélice do filamento duplo do DNA; uma endonuclease que corta o DNA no sítio do dímero; uma
exonuclease que remove o dímero e os nucleotídeos próximos; uma polimerase que preenche a falha com bases de DNA (utilizando a cadeia
complementar de DNA como molde) e uma ligase que une a porção corrigida do DNA ao filamento original.
Deve ser enfatizado que a expressão do XP requer mutações hereditárias na linhagem germinativa dos genes REN, assim como subsequentes
mutações somáticas não corrigidas nos genes cutâneos. Algumas dessas mutações somáticas podem afetar genes que promovem câncer (Capítulo
11), resultando na formação tumoral. As mutações das células da pele são somáticas e, desse modo, não são transmitidas para as futuras gerações.
O REN é somente um dos tipos de reparo do DNA. A tabela a seguir oferece exemplos de uma série de outras doenças que resultam de defeitos
em diversos tipos de mecanismos de reparo do DNA (Tabela 3-2; Fig. 3-12).

FIGURA 3-12 Xeroderma pigmentoso. A pele deste paciente apresenta múltiplas lesões hiperpigmentadas, e os tumores cutâneos na fronte foram
marcados para excisão.

TABELA 3-2 Exemplos de Doenças que São Causadas por um Defeito no Reparo do DNA

Doença Características Tipo de Defeito do Reparo

Xeroderma Tumores cutâneos, fotossensibilidade, catarata, anomalias Defeitos do reparo da excisão de nucleotídeos, incluindo
pigmentoso neurológicas mutações nos genes aa helicase e da endonuclease

Síndrome de Estatura reduzida, anomalias esqueléticas, atrofia óptica, Reparo defeituoso do dano induzido pelo UV no DNA
Cockayne surdez, fotossensibilidade, deficiência intelectual transcricionalmente ativo; considerável sobreposição
etiológica e sintomática com o xeroderma pigmentoso e
com a tricotiodistrofia

Anemia de Anemia; suscetibilidade à leucemia; malformações dos Até oito genes diferentes podem estar envolvidos, mas o
Fanconi membros, rim e coração; instabilidade cromossômica seu papel exato no reparo do DNA ainda não é conhecido

Síndrome de Deficit de crescimento, imunodeficiência, instabilidade Mutações na família da reqQ helicase


Bloom cromossômica, incidência aumentada de câncer

Síndrome de Catarata, osteoporose, aterosclerose, perda da elasticidade Mutações na família da reqQ helicase
Werner cutânea, baixa estatura, diabetes, incidência aumentada
de câncer; algumas vezes descrita como “envelhecimento
prematuro”

Ataxia- Ataxia cerebelar, telangiectasias,* deficiência imune, O produto genético normal provavelmente está envolvido
telangiectasia aumento da incidência de câncer, instabilidade na interrupção do ciclo celular depois da ocorrência do
cromossômica dano do DNA
Câncer Tumores intestinais proximais, aumento da suscetibilidade a Mutações em qualquer dos seis genes de reparo de erros
colorretal diversos outros tipos de câncer de pareamento do DNA
hereditário
não
relacionado à
polipose

*As telangiectasias são lesões vasculares provocadas pela dilatação dos pequenos vasos sanguíneos. Isso tipicamente produz a descoloração da pele.

Uma variedade de agentes químicos também pode induzir mutações, algumas vezes em razão da sua semelhança química com as bases de DNA.
Em virtude dessa semelhança, esses análogos de bases, como o 5-bromouracil, podem substituir uma base verdadeira de DNA durante a replicação.
O análogo não é exatamente a mesma coisa que a base que ele substitui, de modo que pode provocar erros de pareamento durante as replicações
subsequentes. Outros mutagênicos químicos, como os corantes acridina, podem fisicamente inserir-se entre as bases existentes, distorcendo a hélice
de DNA e provocando mutações frameshift. Outros mutagênicos podem, ainda, alterar diretamente as bases de DNA, originando erros de replicação.
Um exemplo desse último é o ácido nitroso, que remove um grupo amino da citosina, convertendo-a em uracila. Embora a uracila seja normalmente
encontrada no RNA, ela imita a ação de pareamento da timina no DNA. Desse modo, forma um par com a adenina, em vez da guanina, como a
citosina original teria feito. O resultado final é uma substituição de par de bases.
Centenas de agentes químicos são atualmente reconhecidos como mutagênicos em animais de laboratório. Entre eles estão a mostarda
nitrogenada, o cloreto de vinil, os agentes alquilantes, o formaldeído, o nitrito de sódio e a sacarina. Alguns desses agentes químicos são
mutagênicos muito mais potentes do que outros. A mostarda nitrogenada, por exemplo, é um mutagênico poderoso, enquanto a sacarina é
relativamente fraca. Embora alguns agentes químicos mutagênicos sejam produzidos pelo organismo humano, muitos ocorrem naturalmente no
ambiente (p. ex., aflatoxina B1, um contaminante comum de alimentos).

Muitas substâncias no ambiente são conhecidas por serem mutagênicas, incluindo a radiação ionizante e não ionizante,
e centenas de agentes químicos diferentes. Esses mutagênicos são capazes de provocar substituições de bases, deleções
e mudanças da matriz de leitura (frameshifts). A radiação ionizante pode induzir quebras na fita dupla do DNA. Alguns
mutagênicos ocorrem naturalmente e outros são criados pelo homem.

Reparo do DNA
Considerando-se que três bilhões de pares de bases de DNA devem ser replicados a cada divisão celular e, supondo o grande número de
mutagênicos aos quais estamos expostos, a replicação do DNA é surpreendentemente precisa. Um motivo primário para essa precisão é o processo
de reparo do DNA, que ocorre em todas as células normais dos organismos superiores. Várias dezenas de enzimas estão envolvidas no reparo do
DNA danificado. Elas coletivamente identificam uma base alterada, excisam-na cortando o filamento do DNA, substituem-na pela base correta
(determinada pelo filamento complementar) e ligam novamente o DNA. Estima-se que os mecanismos de reparo corrijam pelo menos 99,9% dos
erros iniciais.
Uma vez que o reparo do DNA é essencial para a sua replicação precisa, os defeitos dos sistemas de reparo do DNA podem levar a muitos tipos
de doenças. Por exemplo, as mutações hereditárias nos genes responsáveis pelo reparo de erro de pareamento do DNA resultam na persistência de
células com erros de replicação (p. ex., erros de pareamento), podendo acarretar alguns tipos de câncer (Capítulo 11). Uma diminuição na
capacidade de reparo das quebras do filamento duplo de DNA pode levar a câncer ovariano e/ou de mama. O reparo por excisão de nucleotídeo
é necessário para a remoção de grandes alterações da hélice de DNA (p. ex., dímeros de pirimidina); defeitos no reparo de excisão acarretam uma
série de doenças, das quais o xeroderma pigmentoso constitui um importante exemplo (Comentário Clínico 3-2).

O reparo do DNA ajuda a assegurar a exatidão da sequência de DNA por meio da correção dos erros de replicação (erros
de pareamento), do reparo das quebras do filamento duplo no DNA e da excisão de nucleotídeos danificados.

Taxas de Mutação
Com que frequência ocorre as mutações espontâneas? No âmbito dos nucleotídeos, a taxa de mutação é estimada em cerca de 10−8 por par de bases
por geração (esse número representa as mutações que escaparam do processo de reparo do DNA). No âmbito do gene, a taxa de mutação é bastante
variável, oscilando entre 10−4 a 10−7 por locus por divisão celular. Existem pelo menos dois motivos para essa ampla faixa de variação: o tamanho
do gene e a suscetibilidade de certas sequências de nucleotídeos.
Em primeiro lugar, os genes variam enormemente de tamanho. O gene da somatostatina, por exemplo, é bem pequeno, contendo 1.480 pb. Em
contraposição, o gene responsável pela distrofia muscular de Duchenne (DMD) se estende por mais de dois milhões de pb. Como seria de se supor,
os genes maiores oferecem maiores alvos para a mutação e, geralmente, experimentam mutação mais frequentemente do que os genes menores. O
gene da DMD, os genes responsáveis pela hemofilia A e a neurofibromatose do tipo 1 são todos muito grandes e apresentam taxas elevadas de
mutação.
Em segundo lugar, está bem estabelecido que certas sequên­cias de nucleotídeos são especialmente suscetíveis à mutação. Estas são denominadas
pontos quentes de mutação. O exemplo mais conhecido é a sequência de duas bases (dinucleotídeo) CG. Em mamíferos, cerca de 80% dos
dinucleotídeos CG são metilados: um grupo metil é anexado à base citosina (essas sequências de dinucleotídeos também são chamadas de CpG
[citosina-fosfato-guanina], para distinguir a sequência de duas bases do DNA de um único par de bases complementares, C e G). Uma citosina
metilada, a 5-metilcitosina, facilmente perde o grupo amino, convertendo-se em timina. O resultado final é uma mutação da citosina para timina
(Fig. 3-13). Pesquisas sobre mutações em doenças genéticas humanas demonstraram que a taxa de mutação dos dinucleotídeos CG é cerca de 12
vezes maior do que em outras sequências de dinucleotídeos. Os pontos quentes de mutação, na forma de dinucleotídeos CG, foram identificados em
uma série de genes patológicos humanos importantes, incluindo os genes do pró-colágeno, responsáveis pela osteogênese imperfeita (Capítulo 2).
Outros exemplos de doenças serão discutidos nos Capítulos 4 e 5.
A idade do genitor correlaciona-se fortemente com a probabilidade de transmitir uma mutação a um descendente. Algumas anomalias
cromossômicas aumentam consideravelmente com a idade materna (Capítulo 6). Além disso, mutações de gene único podem aumentar com a idade
paterna.

FIGURA 3-13 Metilação da citosina. A adição de um grupo metil (CH3) a uma base de citosina forma a 5-metilcitosina. A subsequente perda de um
grupo amino (desaminação) forma a timina. O resultado é uma substituição citosina → timina.

FIGURA 3-14 Efeito da idade paterna. Para alguns distúrbios monogênicos, o risco de ter uma criança com a condição (eixo y) aumenta com a idade
paterna (eixo x).

Esse aumento é observado em diversos distúrbios monogênicos, incluindo a síndrome de Marfan e a acondroplasia. Como a Figura 3-14 demonstra,
o risco de haver uma criança com a síndrome de Marfan é várias vezes mais alto para um pai com mais de 40 anos do que para aquele na casa dos
20 anos. Esse efeito da idade paterna geralmente é atribuído ao fato de que as células-tronco que dão origem aos espermatozoides continuam a se
dividir ao longo da vida, permitindo o acúmulo progressivo de erros de replicação no DNA. Recentes comparações de sequências inteiras do
genoma em pais e filhos estimam que aproximadamente duas mutações adicionais sejam transmitidas a cada ano adicional à idade do genitor.

Os genes grandes, em razão do seu tamanho, geralmente são mais propensos a experimentar mutações do que os
genes pequenos. Os pontos quentes de mutação, particularmente os dinucleotídeos metilados CG, apresentam taxas
elevadas de mutação. Para alguns distúrbios de gene único, existe um aumento substancial do risco de mutação com o
avanço da idade paterna.

DETECÇÃO E MEDIDA DA VARIAÇÃO GENÉTICA


Há séculos, os seres humanos têm ficado intrigados com as diferenças que podem ser observadas entre os indivíduos. Por muito tempo a atenção se
voltou para as diferenças observáveis, tais como a cor da pele ou o formato e o tamanho corporais. Somente no século XX tornou-se possível
examinar a variação dos genes, a consequência de mutações acumuladas ao longo do tempo. A avaliação e a mensuração dessa variação em
populações e famílias são importantes para o mapeamento de genes em localizações específicas nos cromossomos, uma etapa fundamental na
determinação da função gênica (Capítulo 8). A avaliação da variação genética também fornece a base para grande parte do diagnóstico genético,
sendo bastante útil em medicina legal. Nesta seção, diversas abordagens fundamentais para a detecção da variação genética em seres humanos serão
discutidas em uma sequência histórica.

Grupos Sanguíneos
Dezenas de sistemas de grupos sanguíneos foram identificados com base nos antígenos localizados nas superfícies dos eritrócitos. Alguns estão
envolvidos na determinação da possibilidade de uma pessoa receber transfusão de sangue de um doador específico. Uma vez que os indivíduos
diferem amplamente em termos de grupos sanguíneos, esses sistemas ofereceram um meio precoce importante de avaliação da variação genética.
Cada um dos sistemas de grupo sanguíneo é determinado por um gene ou conjunto de genes diferentes. Os diversos antígenos que podem ser
expressos dentro de um sistema são o resultado das diferentes sequências de DNA nesses genes. Dois sistemas de grupo sanguíneo que têm especial
significância clínica — os sistemas ABO e Rh — serão discutidos aqui. Os sistemas ABO e Rh são ambos de importância fundamental na
determinação da compatibilidade das transfusões de sangue e de enxertos teciduais. Algumas combinações desses sistemas podem produzir
incompatibilidade materno-fetal, algumas vezes com sérios resultados para o feto. Essas questões serão discutidas com detalhes no Capítulo 9.

O Grupo Sanguíneo ABO


Transfusões de sangue humano são realizadas desde 1818, mas no início eram frequentemente malsucedidas. Após a transfusão, alguns receptores
sofriam uma reação hemolítica maciça, algumas vezes fatal. Em 1900, Karl Landsteiner descobriu que essa reação era provocada pelos antígenos
ABO localizados nas superfícies eritrocitárias. O sistema ABO consiste de dois antígenos principais, classificados como A e B. Uma pessoa pode
possuir um dos quatro principais tipos sanguíneos: pessoas com o tipo sanguíneo A são portadoras do antígeno A nos seus eritrócitos; aquelas com o
tipo B são portadoras do antígeno B; aquelas com o tipo AB são portadoras tanto de A quanto de B, e as do tipo O não são portadoras de nenhum
dos antígenos. Cada indivíduo possui anticorpos que reagem contra quaisquer antígenos que não sejam encontrados nas superfícies celulares das
suas próprias hemácias. Por exemplo, uma pessoa com tipo sanguíneo A possui anticorpos anti-B, e a transfusão de sangue do tipo B para essa
pessoa provocará uma grave reação dos anticorpos. É simples determinar o tipo sanguíneo ABO no laboratório por meio da mistura de uma pequena
amostra do sangue de um indivíduo com soluções contendo os diferentes anticorpos, observando-se que combinações provocam a aglutinação, que é
uma característica da interação antígeno-anticorpo.
O sistema ABO, que é codificado por um único gene no cromossomo 9, consiste em três alelos primários, denominados IA, IB e IO. (Também
existem subtipos tanto do alelo IA quanto do IB, mas eles não serão abordados aqui.) As pessoas com o alelo IA possuem o antígeno A nas suas
superfícies eritrocitárias (tipo sanguíneo A), e aquelas com IB apresentam o antígeno B nas suas superfícies celulares (tipo sanguíneo B). Aquelas
com ambos os alelos expressam os dois antígenos (tipo sanguíneo AB) e aquelas com duas cópias do alelo IO não possuem nenhum dos antígenos
(tipo sanguíneo O). Uma vez que o alelo IO não produz antígenos, as pessoas que são heterozigotas IA IO ou IB IO apresentam os tipos sanguíneos A
e B, respectivamente (Tabela 3-3).
Uma vez que as populações variam substancialmente em termos de frequência com que os alelos ABO ocorrem, o locus ABO foi o primeiro
sistema de grupo sanguíneo a ser extensivamente utilizado em estudos de variação genética entre indivíduos e populações. Por exemplo, os estudos
iniciais demonstraram que o antígeno A é relativamente comum nas populações da Europa Ocidental e que o antígeno B é especialmente comum
entre os asiáticos. Nenhum antígeno é comum entre as populações sul-americanas nativas, cuja maioria apresenta o tipo sanguíneo O.

O Sistema Rh
Assim como o sistema ABO, o sistema Rh é definido com base nos antígenos que estão presentes nas superfícies eritrocitárias. Esse sistema recebeu
o seu nome devido ao macaco Rhesus, o animal experimental no qual ele foi primeiramente isolado por Landsteiner no final da década de 1930. Ele
é tipado no laboratório por meio de um procedimento semelhante ao descrito para o sistema ABO. Os alelos Rh variam consideravelmente entre os
indivíduos e populações; tendo se constituído, portanto, em outra ferramenta muito útil para avaliação da variação genética. As bases moleculares
para a variação dos sistemas ABO e Rh já estão elucidadas (para detalhes adicionais, veja as leituras sugeridas no final deste capítulo), e cada vez é
mais comum tipar esses sistemas pelo exame direto da sequência de DNA de um indivíduo, em vez de analisar uma reação anticorpo-antígeno.

TABELA 3-3 Relação entre o Genótipo ABO e o Tipo Sanguíneo

GENÓTIPO TIPO SANGUÍNEO ANTICORPOS PRESENTES

IA IA A Anti-B
A Anti-B
IA IO
B Anti-A
IB IB B Anti-A
IB IO AB Nenhum
IA IB O Anti-A e Anti-B
IO IO

Os grupos sanguíneos, dos quais os sistemas ABO e Rh são exemplos, forneceram meios importantes para o estudo da
variação genética humana. A variação do grupo sanguíneo é o resultado de antígenos que ocorrem na superfície dos
eritrócitos.

Eletroforese de Proteínas
A eletroforese de proteínas, primeiramente desenvolvida na década de 1930 e aplicada amplamente em seres humanos nas décadas de 1950 e 1960,
aumentou consideravelmente o número de locus polimórficos detectáveis. Essa técnica se utiliza do fato de que a diferença de um único aminoácido
em uma proteína (o resultado de uma mutação na sequência de DNA correspondente) pode provocar uma leve diferença na sua carga elétrica.
Um exemplo é a mutação comum da anemia falciforme descrita anteriormente. A substituição de um ácido glutâmico por valina na cadeia da β-
globina produz uma diferença na carga elétrica da proteína, uma vez que o ácido glutâmico possui dois grupos carboxila, enquanto a valina só
possui um. A eletroforese pode ser usada para determinar se uma pessoa apresenta uma hemoglobina normal (HbA) ou a mutação que provoca
anemia falciforme (HbS) (Fig. 3-15). A hemoglobina é colocada em um gel eletricamente carregado composto de amido, agarose ou poliacrilamida
(Fig. 3-15A). A leve diferença de carga resultante da diferença de aminoácidos faz com que as formas HbA e a HbS migrem em velocidades
diferentes através do gel. As moléculas de proteína migram no gel por várias horas e são, então, coradas com soluções químicas, de modo que as
suas posições possam ser observadas (Fig. 3-15B). Do padrão resultante pode ser determinado se a pessoa é um homozigoto HbA, homozigoto HbS
ou heterozigoto, tendo HbA em uma cópia cromossômica e HbS na outra.
A eletroforese de proteínas foi usada para detectar variações de aminoácidos em centenas de proteínas humanas. Contudo, as substituições
silenciosas, que não alteram os aminoácidos, não podem ser detectadas por meio dessa abordagem. Além disso, algumas substituições de
aminoácidos não alteram a carga elétrica da molécula proteica. Por esses motivos, estima-se que a eletroforese de proteínas só detecte cerca de um
terço das mutações que ocorrem na codificação do DNA. Além disso, substituições de uma única base em DNA não codificador geralmente não são
detectadas por esse tipo de eletroforese.

A eletroforese de proteínas detecta variações nos genes que codificam certas proteínas séricas. Essas variações são
observáveis porque as proteínas com leves diferenças na sua sequência de aminoácidos migram em velocidades
diferentes através de géis eletricamente carregados.

FIGURA 3-15 O processo da eletroforese de proteínas. A, Uma amostra de tecido é colocada em um poço na parte superior do gel, que é submetido a
uma corrente elétrica. Após a coloração, bandas distintas, representando moléculas com cargas elétricas diferentes e, por conseguinte, com diferentes
sequências de aminoácidos, são visualizadas. B, Os homozigotos HbA exibem uma única banda mais próxima do polo positivo, enquanto os
homozigotos HbS exibem uma única banda mais próxima do polo negativo. Os heterozigotos, possuindo dois alelos, exibem duas bandas.

Detectando a Variação ao Nível do DNA


Cada sequência haploide de DNA humano (p. ex, a sequência herdada de um genitor) difere de qualquer outra sequência haploide em, pelo menos,
três a quatro milhões de pares de bases de DNA, o que resulta na diferença de uma única base a cada 1.000 pares de bases. Como existem somente
algumas centenas de polimorfismos eletroforéticos de proteínas e de grupo sanguíneo, essas abordagens só detectaram uma pequeníssima fração da
variação do DNA humano. Entretanto, essa avaliação é crítica para o mapeamento e para o diagnóstico genético (Capítulos 8 e 13). Felizmente, as
técnicas moleculares desenvolvidas desde a década de 1980 permitiram a detecção de milhões de novos polimorfismos ao nível do DNA. Essas
técnicas, que revolucionaram tanto a prática quanto o potencial da genética médica, serão discutidas a seguir.

Southern Blotting e Análise dos Fragmentos de Restrição


A abordagem inicial da detecção da variação genética envolvendo o DNA tirou vantagem da existência de enzimas bacterianas conhecidas como
endonucleases de restrição ou enzimas de restrição. Essas enzimas clivam o DNA humano em sequências específicas, denominadas sítios de
restrição. Por exemplo, a bactéria intestinal Escherichia coli produz uma enzima de restrição, denominada EcoRI, que identifica a sequên­cia de
DNA GAATTC. Cada vez que essa sequência é encontrada, ela é clivada pela enzima entre a G e a A (Fig. 3-16). Uma digestão de restrição do
DNA humano com a utilização dessa enzima produzirá mais de um milhão de fragmentos (fragmentos de restrição). Esses fragmentos são, então,
aplicados no gel de eletroforese, no qual os menores migram mais rapidamente do que os maiores através do gel (Fig. 3-17). O DNA é desnaturado
(p. ex., convertido de uma forma de duplo filamento para uma de filamento único) por meio da exposição a soluções químicas alcalinas. Para fixar
as suas posições permanentemente, os fragmentos de DNA são transferidos do gel para uma membrana sólida, como a nitrocelulose (essa é a
transferência de Southern, nome dado em homenagem ao inventor do processo em meados dos anos 1970). Neste ponto, a membrana sólida,
frequentemente denominada borrão de Southern, contém muitos milhares de fragmentos dispostos de acordo com o seu tamanho. Em razão do seu
grande número, os fragmentos são indistinguíveis uns dos outros.
Para visualizar somente os pedaços que correspondem a uma região específica do DNA, uma sonda, constituída de um pequeno pedaço de DNA
humano de filamento único (alguns quilobases [Kb] de extensão), é construída utilizando-se técnicas de DNA recombinante (Quadro 3-1; Fig. 3-18).
Frequentemente a sonda é marcada, com um isótopo radioativo e, então, exposta à membrana de Southern. A sonda faz o pareamento somente com
as bases complementares dos fragmentos de DNA de filamento único correspondentes na membrana, identificando um ou alguns fragmentos de uma
porção específica do DNA. Para visualizar a posição na membrana na qual a sonda hibridiza, a mesma é exposta a um filme de raios X, que escurece
na posição da sonda devido à emissão de partículas radioativas pela sonda marcada. As posições escuras geralmente são denominadas bandas, e o
filme é denominado autorradiografia (Fig. 3-19).

FIGURA 3-16 Clivagem do DNA pela enzima de restrição EcoRI. Em B, a enzima cliva três sequências de identificação GAATTC, produzindo dois
fragmentos menores. Em A, a sequência do meio é GAATTT, em vez de GAATTC, de modo que ela não pode ser clivada pela enzima. O resultado é um
fragmento único, mais longo.
FIGURA 3-17 Digestão com enzima de restrição e Southern blotting. O DNA é extraído das amostras de sangue dos indivíduos A, B e C. O DNA é digerido
por uma enzima de restrição e, então, aplicado em um gel. A eletroforese separa os fragmentos de DNA de acordo com o seu tamanho. O DNA é
desnaturado e transferido para uma membrana sólida (transferência de Southern), onde é hibridizado com uma sonda radioativa. A exposição a filme de
raios X (autorradiografia) revela fragmentos específicos de DNA (bandas) de tamanhos diferentes nos indivíduos A, B e C.

QUADRO 3-1 Engenharia Genética, DNA Recombinante e Clonagem


Nas últimas duas décadas, a maior parte do público leigo adquiriu, no mínimo, certa familiaridade com as expressões “DNA recombinante”,
“clonagem” e “engenharia genética”. De fato, essas técnicas se situam no centro do que é frequentemente denominado “nova genética”.

Engenharia genética se refere à manipulação de genes em laboratório. Uma alteração de especial importância na genética médica é a criação
de clones. Resumidamente, um clone é uma cópia idêntica de uma sequência de DNA. A seguinte descrição delineia uma abordagem para a
clonagem de genes humanos.

Nosso objetivo é inserir uma sequência de DNA humano em um organismo de reprodução rápida de modo que as cópias (clones) do DNA
possam ser feitas rapidamente. Um sistema comumente empregado para esse propósito é o plasmídeo, que é um segmento de DNA pequeno,
circular, autorreplicante que é encontrado no interior de muitas bactérias. Os plasmídeos podem ser removidos ou inseridos na bactéria e sem
interromper seriamente seu crescimento ou reprodução.

Para inserir o DNA humano no plasmídeo, é necessário fragmentar o DNA em pedaços de modo que este possa ser manipulado. As enzimas de
restrição anteriormente discutidas realizam essa função eficientemente. A sequência de DNA GAATTC, identificada pela enzima de restrição EcoRI
tem uma conveniente propriedade, que é o fato de que a sua sequência complementar, CTTAAG, é a mesma sequência, só que de trás para frente.
Tais sequências são denominadas palíndromos. Quando um plasmídeo ou um DNA humano é clivado com a EcoRI, os fragmentos resultantes
ficam com as extremidades expostas. Caso o DNA humano e o DNA do plasmídeo sejam cortados com essa enzima, os fragmentos de DNA de
ambos ficarão com as extremidades expostas que podem sofrer um pareamento de bases complementares uma com a outra. Assim, quando o
DNA humano e o do plasmídeo forem misturados, eles se recombinarão (daí o termo DNA recombinante). Os plasmídeos resultantes contêm
inserções de DNA humano. Os plasmídeos são inseridos de volta na bactéria, onde eles se reproduzem rapidamente por meio da divisão celular
normal. A sequência de DNA humano, que é reproduzida juntamente com o DNA do plasmídeo é, então, clonada (Fig. 3-18).

FIGURA 3-18 Tecnologia de DNA recombinante. O DNA humano e o circular do plasmídeo são ambos clivados por uma enzima de restrição,
produzindo extremidades expostas (1-3). Isso permite que o DNA humano se helicoidize e se recombine com o DNA do plasmídeo. Inserido no DNA
do plasmídeo, agora o DNA humano será replicado quando o plasmídeo for inserido na bactéria Escherichia coli (4).

O plasmídeo é chamado de vetor. Diversos outros tipos de vetores também podem ser usados como elementos de clonagem, incluindo
bacteriófagos (vírus que infectam bactérias), cosmídeos (híbridos de fagos e plasmídeos capazes de transportar inserções relativamente grandes
de DNA), cromossomos artificiais de leveduras (YACs, yeast artificial chromossomes; vetores que são inseridos em células de leveduras e se
comportam como seus cromossomos normais), cromossomos bacterianos artificiais (BACs, do inglês, bacterial artificial chromosomes) e
cromossomos humanos artificiais (Capítulos 8 e 13). Enquanto os plasmídeos e os bacteriófagos só conseguem acomodar inserções
relativamente pequenas (cerca de 10 e 20 kb, respectivamente), os cosmídeos podem transportar inserções de aproximadamente 50 kb, e os YACs
são capazes de portar inserções de até 1.000 kb de comprimento.
A clonagem pode ser usada para criar milhares de cópias de DNA humano necessárias para a transferência de Southern e outras aplicações
experimentais. Além disso, essa abordagem é atualmente utilizada para o desenvolvimento de produtos terapêuticos geneticamente projetados,
como a insulina, o interferon, hormônio do crescimento, fator VIII de coagulação (empregado no tratamento da hemofilia A, um distúrbio de
coagulação) e ativador do plasminogênio tecidual (uma proteína que dissolve coágulos e ajuda a prevenir infartos e acidentes cerebrais
isquêmicos). Quando esses genes são clonados em bactérias ou outros organismos, o organismo produz o produto genético humano juntamente
com os seus próprios produtos genéticos. No passado, esses produtos eram obtidos a partir do sangue de doadores ou de outros animais. Os
processos para a sua obtenção e purificação eram lentos e caros, e resultavam em produtos que algumas vezes continham contaminantes. Os
produtos gênicos obtidos por engenharia genética estão se tornando rapidamente uma alternativa mais barata, mais pura e mais eficiente.
A transferência de Southern pode ser usada de diversos modos. Por exemplo, ela pode detectar inserções ou deleções em sequências de DNA que
fazem com que fragmentos específicos se tornem maiores ou menores. Caso uma doença causadora de mutação altere um sítio de restrição
específico, como no condição da anemia falciforme (Fig. 3-20), essa técnica poderá ser usada como uma ferramenta diagnóstica barata e eficiente.
Uma vez que a maior parte das mutações causadoras de doenças não afeta os sítios de restrição, essa abordagem é um tanto limitada e outras
técnicas mais recentes podem ser usadas. Finalmente, a transferência de Southern foi útil na análise dos polimorfismos de comprimento de
fragmento de restrição (RFLPs, do inglês restriction fragment length polymorphisms), que são encontrados por todo o genoma humano como
resultado da variação normal da sequência de DNA. Essas sequências variantes foram usadas para localizar muitos genes importantes causadores de
doenças, incluindo aqueles responsáveis pela fibrose cística, doença de Huntington e neurofibromatose do tipo 1 (Capítulo 8).

As enzimas de restrição podem cortar o DNA em fragmentos, que são ordenados de acordo com o seu comprimento
através de eletroforese, transferidos para uma membrana sólida (Southern blotting) e visualizados por meio da utilização
de sondas marcadas. Esse processo pode detectar deleções ou duplicações do DNA, assim como RFLPs.

FIGURA 3-19 Um autorradiograma exibindo as posições de uma banda de 4,1 kb e de uma banda de 3,3 kb. Cada coluna representa o DNA de um
indivíduo na família cujo heredograma é mostrado acima do autorradiograma.

Polimorfismos Repetidos em Tandem


A abordagem que acabamos de descrever pode detectar polimorfismos que refletem a presença ou a ausência de um sítio de restrição. Esses
polimorfismos só possuem dois alelos possíveis, impondo um limite à quantidade de diversidade genética que pode ser observada. Maior
diversidade poderia ser encontrada caso um sistema polimórfico tivesse muitos alelos em vez de apenas dois. Um deles é o dos microssatélites e
minissatélites, que existem por todo o genoma. Conforme discutido no Capítulo 2, estas são regiões nas quais a mesma sequência de DNA é repetida
muitas vezes, em tandem (Fig. 3-21). Os microssatélites são tipicamente compostos por unidades de apenas 2 a 5 pb de comprimento, enquanto os
minissatélites contêm unidades repetidas mais longas. A variação genética medida é o número de repetições em uma dada região, que varia
substancialmente de indivíduo para indivíduo: uma região específica poderia ter apenas duas ou três, mas também até 20 ou mais repetições. Esses
polimorfismos podem, por conseguinte, revelar um alto grau de variação genética. Os polimorfismos dos minissatélites são denominados número
variável de repetições em tandem (VNTR, do inglês, variable number of tandem repeats) e os polimorfismos dos microssatélites são denominados
polimorfismo de repetições curtas em tandem (STRs, do inglês, short tandem repeats). Estes últimos são especialmente fáceis de analisar e
milhares deles estão distribuídos por todo o genoma humano. Tais propriedades os tornam úteis para mapear genes pelo processo de análise de
ligação, que será discutida no Capítulo 8. Ambos os tipos de polimorfismos são úteis em aplicações forenses, como testes de paternidade e
identificação de suspeitos criminais (Quadro 3-2) (Fig. 3-22).

FIGURA 3-20 Clivagem do DNA da β-globina pela enzima de restrição MstII. Os indivíduos normais possuem um ácido glutâmico na posição 6 no
polipeptídio da β-globina. O ácido glutâmico é codificado pela sequência de DNA GAG. A mutação da anemia falciforme resulta em uma sequência GTG
neste sítio, em vez de GAG, fazendo com que a valina substitua o ácido glutâmico. A enzima de restrição MstII identifica a sequência de DNA CCTNAGG
(o N significa que a enzima reconhecerá qualquer base de DNA, incluindo G, nesta posição). Dessa forma, a MstII identifica e cliva a sequência de DNA
do cromossomo normal neste sítio, assim como os sítios de restrição em cada um dos seus lados. A mutação da anemia falciforme remove um sítio de
identificação MstII produzindo um fragmento mais longo, de 1,3 kb. A sequência normal de DNA inclui o sítio de restrição (p. ex., a sequência CCTGAC,
em vez de CCGTG), de modo que um fragmento mais curto, de 1,1 kb, é produzido. Por conseguinte, no autorradiograma, os homozigotos para anemia
falciforme apresentam uma única banda de 1,3 kb, os homozigotos normais apresentam uma única banda de 1,1 kb e os heterozigotos possuem tanto
a banda de 1,1 kb quanto a de 1,3 kb. Uma vez que os fragmentos mais curtos migram mais no gel, os dois tamanhos de fragmentos podem ser
facilmente distinguidos após a hibridização da região marcada com uma sonda contendo DNA do gene da β-globina. Observe que esse padrão de
bandas, com base em diferenças de sequências de DNA, se assemelha ao padrão exibido na Figura 3-15, que se baseia em sequências de aminoácidos
da globina detectadas por eletroforese de proteínas.

FIGURA 3-21 Polimorfismos por repetição em tandem. Bandas de comprimento diferente (A e B) são criadas por diferentes números de repetições em
tandem no DNA nas duas cópias de um cromossomo. Subsequentemente à amplificação e à rotulação da região que contém o polimorfismo,
fragmentos de diferentes comprimentos são separados por eletroforese e visualizados em um autorradiograma.

Os VNTRs são um tipo de polimorfismo que resultam de números variáveis de repetições minissatélites em uma região
específica do DNA. Os STRs constituem um tipo semelhante de polimorfismo que originam-se de números variáveis de
repetições menores, de microssatélites. Uma vez que os VNTR e os STRs podem apresentar muitos alelos diferentes, eles
são especialmente úteis em genética médica e em medicina legal.

Polimorfismos de Nucleotídeos Únicos


O tipo mais numeroso de polimorfismo no genoma humano consiste em variantes nas posições de um único nucleotídeo em um cromossomo, ou
polimorfismos de nucleotídeo único (SNPs, do inglês, single nucleotide polymorphisms). Os RFLPss, que geralmente são gerados por diferenças
de base única que ocorrem nos em sítios de restrição, constituem um subgrupo do conjunto mais geral dos SNPss. Esses polimorfismos, quando
ocorrem em sequências de DNA funcional, podem causar doenças hereditárias, embora a maior parte seja inofensiva. Progressivamente estão sendo
detectados por microarranjos (microarray) e métodos de sequenciamento direto, que serão posteriormente discutidos neste capítulo.

Variações em Número de Cópias


Ao longo do genoma humano existem segmentos de DNA cujo número de cópias é variável de um indivíduo a outro. As variações em número de
cópias (CNVs, do inglês, copy number variantions) são tipicamente definidas como sequências de DNA com mais de 1.000 pares de bases, que
podem estar presentes de zero a dezenas de cópias em um genoma haploide. Cada indivíduo é heterozigoto para, pelo menos, 100 CNVs (p. ex., o
indivíduo herdou um número diferente de cópias da mãe e do pai). Embora as CNVs sejam bem menos numerosas que os SNPs, seu tamanho
individual maior significa que elas são responsáveis por vários milhões de diferenças no total de pares de bases entre qualquer par de sequências
haploides de DNA (aproximadamente a mesma quantidade de SNPs). Algumas CNVs têm sido associadas a doenças hereditárias. A Figura 3-
23 destaca as diferenças entre os FRLPs, as repetições em tandem, os SNPss e as CNVs.

QUADRO 3-2 Perfis de DNA no Contexto Forense


Em razão do grande número de polimorfismos observados no genoma humano, é quase certo que cada um de nós seja geneticamente único (com
exceção dos gêmeos idênticos, cujas sequências de DNA são quase sempre idênticas). Segue-se que a variação genética pode ser empregada para
identificar indivíduos tanto quanto uma impressão digital convencional o faz. Uma vez que o DNA pode ser encontrado em qualquer amostra de
tecido, incluindo o sangue, o sêmen e o cabelo,* a variação genética apresenta um potencial substancial nas aplicações forenses (p. ex., casos
criminais, processos de paternidade e identificação de vítimas de acidentes). Os VNTRs e os STRs com os seus muitos alelos, são muito úteis no
estabelecimento de um perfil de DNA altamente específico.

O princípio subjacente ao perfil de DNA é bastante simples. Se examinarmos polimorfismos suficientes em um dado indivíduo, a probabilidade
de que qualquer outro indivíduo na população possua o mesmo alelo em cada locus examinado se torna extremamente pequena. O DNA deixado
na cena de um crime, sob a forma de sangue ou sêmen, por exemplo, pode ser tipado para uma série de STRs. Devido à extrema sensibilidade da
abordagem pela PCR, mesmo uma pequeníssima amostra com vários anos de idade pode produzir DNA suficiente para análise laboratorial (embora
quando se for realizar a PCR com essas amostras se deva tomar extremo cuidado para evitar contaminação). Os alelos detectados são, então,
comparados aos alelos do suspeito. Caso os alelos nas duas amostras sejam iguais, o suspeito está envolvido (Fig. 3-22).

Uma questão fundamental é se outra pessoa na população em geral pode apresentar os mesmos alelos que o suspeito. Então, poderia o perfil de
DNA indicar a pessoa errada? Nos casos criminais, a probabilidade de obtenção de um alelo igual ao de um membro aleatório da população foi
calculada.Em virtude do elevado grau de variação alélica nos STRs, essa probabilidade geralmente é muito pequena. O uso de 13 STRs, que
atualmente é uma prática comum, resulta em uma combinação aleatória, ou na probabilidade em torno de uma em um trilhão. Desde que um
número grande o suficiente de loci seja usado em condições laboratoriais bem controladas, e contanto que os dados sejam coletados e avaliados
cuidadosamente, os perfis de DNA podem fornecer evidências forenses altamente úteis. Os perfis de DNA são atualmente empregados em muitos
milhares de casos em tribunais criminais a cada ano.
Embora tendamos a pensar nessas evidências em termos de identificação da parte culpada, deve-se manter em mente que quando uma
combinação não é obtida, um suspeito pode ser liberado. Além disso, os testes de DNA pós-condenação resultaram na liberação de centenas de
pessoas que foram presas erroneamente. Desse modo, os perfis de DNA também podem beneficiar o inocente.
FIGURA 3-22 Perfis de DNA. A, Um autorradiograma mostra que o padrão de bandas do suspeito A não combina com o DNA retirado da cena do
crime (3), enquanto o padrão de bandas do suspeito 2 combina. Na prática, múltiplos STRs são analisados a fim de reduzir a possibilidade de uma
combinação falsa. B, Atualmente, os STRs são comumente analisados utilizando um equipamento de eletroforese capilar. O perfil resultante de STRs
é mostrado como um eletroferograma, no qual as localizações dos picos indicam os comprimentos de cada alelo STR. (Parte A cortesia de Jay Henry,
Laboratório de Criminalística, Departamento de Segurança Pública, Estado de Utah).

*Mesmo as impressões digitais deixadas na cena de um crime podem, algumas vezes, conter DNA suficiente para a amplificação pela PCR e para que seja
traçado o perfil de DNA.

FIGURA 3-23 A, Os polimorfismos de comprimento de fragmento de restrição (FRLPs) resultam de diferenças de sequências de DNA que ocorrem em
sítios de restrição no genoma humano. As localizações desses sítios são identificadas por meio de fragmentos de restrição hibridizados com sondas
clonadas. B, As repetições em tandem consistem em fragmentos curtos de DNA (microssatélites), ou em segmentos um pouco maiores (minissatélites
cujos comprimentos podem ser de 14 a 500 pb) que são repetidos muitas vezes, em tandem. C, As variantes de números de cópias (VNTRss)
representam diferenças no número de segmentos repetidos de DNA maiores (> 1.000 pb até 2 milhões de pb). D, Polimorfismos de nucleotídeo único
(SNPs) são variações de base única no genoma.

Os SNPs constituem o tipo mais comum de variação no genoma humano. As CNVs consistem em diferenças no número
de sequências repetidas de DNA maiores do que 1.000 pb.

Amplificação do DNA Utilizando a Reação em Cadeia da Polimerase


Pelo fato de a molécula de DNA ser muito pequena, não é possível visualizar diretamente sua variação (p. ex., pares de bases diferentes). Todos os
métodos de avaliação da variação do DNA envolvem avaliação indireta, como na utilização de sondas marcadas que se ligam a regiões específicas
do DNA no Southern blotting.
Quase todos os métodos de visualização da variação do DNA exigem a marcação indireta do DNA. Para observar as marcações, múltiplas cópias
devem ser feitas. Por exemplo, bactérias podem ser usadas para fazer milhares de cópias clonadas de sondas marcadas utilizadas na transferência de
Southern. Todavia, esse processo (Quadro 3-1) é demorado, exige muitas vezes vários dias ou mais, e tipicamente requer uma quantidade
relativamente grande de DNA do indivíduo (vários microgramas). Um processo alternativo, a reação em cadeia da polimerase (PCR, do inglês,
polymerase chain reaction), foi desenvolvido em meados dos anos 1980 e tornou a detecção da variação genética envolvendo o DNA muito mais
eficiente. Essencialmente, a PCR é um meio artificial de replicar uma sequência de DNA (alguns kb ou menos) curta e específica muito
rapidamente, de modo que milhões de cópias da sequência sejam feitas.
O processo de PCR, resumido na Figura 3-24, exige quatro componentes:
• Dois primers, cada um consistindo em 15 a 20 bases de DNA. Essas pequenas sequências de DNA são denominadas oligonucleotídeos (oligo
significa “poucos”). Os primers correspondem às sequências de DNA imediatamente adjacentes à sequência de interesse (tal como a sequência
que contém um
FIGURA 3-24 O processo da reação em cadeia da polimerase (PCR). O DNA genômico é primeiramente aquecido e desnaturado para formar filamentos
únicos. Na fase de helicoidização, o DNA é resfriado, permitindo a hibridização com as sequências do primer que flanqueiam a região de interesse.
Então, a reação é aquecida até a temperatura intermediária de extensão do primer, na qual a DNA polimerase agrega bases livres na direção 3’ ao longo
de cada filamento único, começando no primer. São formados fragmentos de DNA de extremidade inacabada que servem de molde para o próximo
ciclo de aquecimento e resfriamento. Os ciclos repetidos produzem um grande número de fragmentos de DNA, ligados em cada extremidade pela
sequência do primer.

polimorfismo com repetição em tandem ou uma mutação que provoca a doença). Os primers de oligonucleotídeos são sintetizados utilizando um
instrumento de laboratório.
• DNA polimerase. Uma forma termicamente estável dessa enzima, inicialmente derivada da bactéria Thermus aquaticus, realiza o processo vital de
replicação do DNA (aqui denominado extensão do primer).
• Um grande número de nucleotídeos de DNA livres.
• DNA genômico de um indivíduo. Devido à extrema sensibilidade da PCR, a quantidade desse DNA pode ser muito pequena.
O DNA genômico é primeiramente aquecido a uma temperatura relativamente alta (aproximadamente 95 °C) para que ele se desnature e se torne
de filamento único. À medida que o DNA de filamento único é então resfriado até uma temperatura de aproximadamente 35 °C a 65 °C, ele é
exposto a quantidades maiores de primers de filamento único que hibridizam, ou anelam, em locais específicos do DNA genômico que contém as
bases que lhes são complementares. Então, o DNA é aquecido a uma temperatura intermediária (70 °C a 75 °C). Na presença de um grande número
de bases de DNA livres, uma nova cadeia é sintetizada pela DNA polimerase nessa temperatura, estendendo-se a partir da sequência do primer. Esse
DNA recém-sintetizado consiste em um filamento duplo que possui a terminação 5’ do primer em uma extremidade, seguida pelas bases
adicionadas pela extensão do primer pela DNA polimerase. Esse DNA de filamento duplo é aquecido novamente a uma temperatura elevada,
fazendo com que se desnature. O ciclo de aquecimento e resfriamento é, então, repetido. Agora, o DNA recém-sintetizado serve como molde para a
síntese posterior. À medida que os ciclos de resfriamento e aquecimento são repetidos, os produtos de DNA ligados ao primer são geometricamente
amplificados: o número de cópias dobra em cada ciclo (p. ex., 2, 4, 8, 16 etc.). Por esse motivo, o processo é denominado reação em cadeia.
Tipicamente, os ciclos são repetidos 20 a 30 vezes, produzindo milhões de cópias do DNA original. Em resumo, o processo da PCR consiste em três
etapas básicas: desnaturação do DNA em alta temperatura, hibridização com primer em uma temperatura baixa e extensão do primer em uma
temperatura intermediária. O resultado é um produto que consiste quase inteiramente da sequência específica de DNA.
Uma vez que cada ciclo de aquecimento e resfriamento exige somente uns poucos minutos, ou menos, uma única molécula de DNA pode ser
amplificada para fazer milhões de cópias em poucas horas. Por ser o processo simples e inteiramente autossuficiente, máquinas baratas foram
desenvolvidas para automatizá-lo completamente. Uma vez que o DNA tenha sido amplificado, ele pode ser analisado de vários modos.
A PCR possui diversas vantagens sobre as técnicas mais antigas. Em primeiro lugar, ela pode ser usada com quantidades extremamente pequenas
de DNA (geralmente quantidades de nanogramas, ao contrário dos microgramas necessários para a clonagem). A quantidade de DNA em uma
amostra de sangue de vários anos, um único filamento de cabelo, ou mesmo um selo postal com um pouco de saliva no verso, frequentemente são
suficientes para a análise. Em segundo lugar, por não exigir a clonagem, o procedimento é muito mais rápido do que as técnicas mais antigas. O
exame genético para a anemia falciforme, por exemplo, pode ser feito com a PCR em um único dia. Finalmente, uma vez que a PCR fabrica grandes
quantidades de DNA muito puro, geralmente não é necessário usar sondas radioativas para detectar sequências específicas de DNA ou mutações.
Em vez disso, substâncias mais seguras, não radioativas, tais como a biotina, podem ser usadas.
A PCR possui algumas desvantagens. Primeiramente, a síntese do primer obviamente exige conhecimento da sequência de DNA que flanqueia o
DNA de interesse. Se essa sequência for ambígua, outras técnicas devem ser usadas. Segundamente, a extrema sensibilidade da PCR a torna
suscetível à contaminação no laboratório. Várias precauções são comumente adotadas para proteger contra a contaminação. Finalmente, uma vez
que pode ser difícil aplicar a PCR a sequências maiores do que algumas quilobases, ela não é tipicamente útil na detecção de deleções maiores (p.
ex., é difícil ou impossível amplificar uma sequência normal mais longa). A transferência de Southern ou outras técnicas são usadas em seu lugar.
Por ser a PCR uma técnica tão poderosa e versátil, atualmente ela é utilizada extensivamente no diagnóstico de doenças genéticas, medicina legal
e genética evolutiva. A PCR é tão sensível que foi utilizada para analisar o DNA de múmias antigas e até de amostras de homens de Neandertal de
mais de 30.000 anos de idade. A análise dessas amostras atestou que os humanos modernos são geneticamente distintos dos homens de Neandertal,
mas que a maioria deles tem uma pequena quantidade de DNA Neandertal em seus genomas (1%–3%).

A PCR oferece um meio conveniente e eficiente de fazer milhões de cópias de uma sequência curta de DNA. Os ciclos de
aquecimento e resfriamento são usados para desnaturar o DNA e, então, fazer novas cópias de uma sequência específica
delimitada pelo primer. Devido à sua velocidade e facilidade de uso, essa técnica atualmente é amplamente empregada
para a avaliação da variação genética, para o diagnóstico de doenças genéticas e em investigações forenses.

Sequenciamento do DNA
Em muitos estudos genéticos, um objetivo primário é determinar o arranjo específico de pares de bases de DNA que compõe um gene ou parte dele.
Essa sequência de DNA pode indicar muito acerca da natureza de uma mutação específica, da função de um gene e do grau de semelhança genética
com outros genes conhecidos. Discutiremos em primeiro lugar a técnica que foi amplamente usada para determinar as sequên­cias de DNA.
O método didesóxi de sequenciamento de DNA, inventado por Frederick Sanger, utiliza uma cadeia de didesoxinucleotídeos terminais. Estes são
quimicamente bastante semelhantes aos desoxinucleotídeos comuns, exceto por lhes faltar um grupo hidroxila. Isso impede a subsequente formação
de ligações fosfodiéster com outras bases de DNA livres. Assim, embora os didesoxinucleotídeos possam ser incorporados em uma hélice de DNA
em crescimento, uma vez que são incluídos nenhum nucleotídeo adicional poderá ser acrescentado.
Quatro didesoxinucleotídeos diferentes são usados, cada um correspondendo a um dos quatro nucleotídeos (A, C, G e T). O DNA de filamento
único cuja sequência desejamos determinar é misturado com primers marcados, DNA polimerase, nucleotídeos comuns e um tipo de
didesoxinucleotídeo (Fig. 3-25). O primer hibridiza com a posição complementar específica no DNA de filamento único e a DNA polimerase
adiciona bases livres à molécula de DNA em crescimento, como no processo da PCR. Em qualquer posição, um nucleotídeo comum ou o
didesoxinucleotídeo correspondente pode ser incorporado na cadeia; esse é um processo aleatório. Todavia, uma vez que o didesoxinucleotídeo
esteja incorporado, a cadeia é finalizada. Desse modo, o procedimento produz fragmentos de DNA de comprimentos variáveis, cada um terminando
com o mesmo didesoxinucleotídeo.
Os fragmentos do DNA podem ser separados de acordo com a sua extensão através da eletroforese, conforme anteriormente discutido. Quatro
reações de sequenciamento diferentes são realizadas, uma para cada base. Os fragmentos obtidos de cada reação são submetidos à eletroforese lado
a lado no mesmo gel, de modo que a posição de cada fragmento possa ser comparada. Uma vez que cada banda corresponde a uma cadeia de DNA
que termina com uma base única, a sequência de DNA pode ser lida por meio da observação da ordem das bandas no gel após a autorradiografia ou
outros métodos de detecção. Várias centenas de pares de bases normalmente podem ser sequenciadas em uma série de reações.

O sequenciamento do DNA pode ser realizado utilizando o método didesóxi. Esse método depende do fato de que os
didesoxinucleotídeos se comportam de um modo semelhante aos desoxinucleotídeos comuns, exceto pelo fato de que,
uma vez que estejam incorporados à cadeia de DNA, eles a finalizam. Eles marcam, assim, as posições de bases
específicas.

Deve estar claro que esse método de sequenciamento do DNA é um processo relativamente lento, trabalhoso e propenso a erros. Atualmente, a
maioria das estratégias para sequenciamento do DNA é automatizada e utiliza sistemas de detecção fluorescente, quimiluminescente ou
colorimétrico. O emprego de primers ou didesoxinucleotídeos marcados com fluorocromo é o método mais popular, em parte porque pode ser
facilmente adaptado para rápida automação.
Tipicamente, o DNA molde é sequenciado utilizando-se um método semelhante à etapa de extensão do primer da PCR. Cada um dos quatro
nucleotídeos diferentes pode ser marcado com um fluorocromo que emite um espectro luminoso diferente. Os produtos da reação marcada com
fluorocromo são submetidos à eletroforese por meio de um gel muito fino de poliacrilamida ou um tubo capilar muito fino; à medida que eles
migram para além de uma janela, são excitados pelo feixe de luz de um laser. A luz emitida é capturada por uma câmera digital para tradução em
um sinal eletrônico e uma imagem de gel composto é gerada. Essa imagem em gel é analisada para produzir um gráfico no qual cada um dos quatro
nucleotídeos diferentes é representado por um diferente pico colorido (Fig. 3-26). Os sequenciadores automáticos também podem ser adaptados para
analisar STRs, polimorfismo de nucleotídeo único e outros tipos de polimorfismos.
Com o uso de computadores e tecnologia automatizada avançada, abordagens como esta aumentaram grandemente a velocidade em potencial do
sequenciamento de DNA. Essas técnicas permitiram a conclusão de toda a sequência de 3 bilhões de pb do DNA humano.

FIGURA 3-25 O sequenciamento do DNA pelo método do didesóxi (Sanger). O primer marcado é adicionado ao DNA de filamento único cuja sequência é
desconhecida. A DNA polimerase adiciona bases livres ao filamento único, utilizando o pareamento de bases complementares. Quatro reações
diferentes são realizadas, correspondendo aos quatro didesoxinucleotídeos (ddATP, ddCTP, ddGTP e ddTTP). Cada um deles termina a sequência de DNA
sempre que é incorporado no lugar de um desoxinucleotídeo normal (dATP, dCTP, dGTP, dTTP, correspondendo às bases A, C, G e T, respectivamente). O
processo resulta em fragmentos de comprimentos variáveis, que podem ser separados por eletroforese. A posição de cada fragmento é indicada pela
emissão de partículas radioativas a partir do marcador, o que permite que a sequência de DNA seja lida diretamente.

O sequenciamento automático do DNA, utilizando marcadores fluorescentes e detecção a laser, aumenta grandemente a
velocidade e a eficiência do processo de sequenciamento.

Sequenciamento de DNA em larga escala


Nos últimos anos, o desenvolvimento da nova tecnologia de sequenciamento em larga escala do DNA diminuiu o custo do sequenciamento do
DNA em muitas ordens de magnitude (essa tecnologia é denominada algumas vezes de sequenciamento de “nova geração” ou “massivo paralelo”).
Em uma abordagem comum, o DNA genômico é cortado em pequenos fragmentos, tipicamente de 100 a várias centenas de pb em tamanho (Fig. 3-
27). Sequências sintéticas curtas, de DNA, denominadas adaptadores, são unidas às extremidades dos fragmentos do DNA genômico. Esses
fragmentos de DNA de filamento duplo são separados em filamentos únicos e, então, fixados a uma superfície sólida, como uma lâmina de vidro.
Cada fragmento individual de DNA é amplificado por PCR em um grupo de milhares de cópias idênticas, usando os adaptadores como sequências
primer (as múltiplas cópias fornecem um sinal forte o suficiente para ser visualizado pela câmera, como descrito a seguir). Então, ocorre uma reação
de sequenciamento, na qual os grupos de fragmentos servem como moldes para sintetizar sequências complementares. Semelhante ao processo de
sequenciamento de Sanger descrito anteriormente, novas bases complementares (às quais uma base específica marcada com fluorescência se fixa)
são adicionadas, uma por vez. O sinal fluorescente de cada grupo é registrado por uma câmera, revelando a sequência de pares de base de cada
fragmento. A vantagem fundamental dessa abordagem é que milhões de diferentes fragmentos de DNA são sequenciados simultaneamente, em
contraposição aos antigos métodos, em que apenas algumas dezenas de fragmentos são sequenciadas a cada vez.

FIGURA 3-26 Dados analisados a partir de uma sequência molde de DNA em um sequenciador automático. Os picos de cores diferentes representam a
identidade e a localização relativa dos diferentes nucleotídeos na sequência de DNA. Por exemplo, o pico superior à esquerda é azul e identifica a
posição de uma citosina. O pico seguinte é vermelho, indicando a presença de timina. Essa leitura de bases continua até chegar ao final do DNA molde
(tipicamente umas poucas centenas de pares de bases).

Quando as reações de sequenciamento se completam, milhões de sequências curtas de DNA devem ser “emendadas” para formar uma montagem
completa. Cada sequência curta é comparada (alinhada) com uma sequência de referência totalmente conhecida, tipicamente o primeiro genoma
humano publicado ou uma sequência de consenso de múltiplos genomas. Cada par de bases do genoma de referência é coberto por múltiplas
sequências curtas (reads, ou “lidas”) para que seja sequenciado de 30 a 60 vezes ou mais. Os dados brutos de uma base de consenso (base call) são
compostos por sequências curtas. Uma vez que erros de sequenciamento aparecem em algumas poucas leituras, eles serão removidos e as mutações
verdadeiras e os polimorfismos permanecerão como diferenças da sequência de referência. As regiões genômicas que estão presentes em muitas
cópias (como os elementos móveis) ou possuem sequências repetidas dentro delas (como os STRs) podem ser um desafio para esse método.
Existem muitas variações desse tema, incluindo técnicas nas quais moléculas únicas de DNA são sequenciadas, em vez de grupos de cópias. Em
muitas aplicações (Capítulo 13), os éxons codificadores de proteína são de interesse primário, assim podem ser usadas sondas de DNA para
“selecionar” somente essa porção do genoma (denominada exoma) para o sequenciamento. Essas abordagens têm sido adaptadas para sequenciar o
RNA e avaliar a os padrões de metilação do genoma.
Por causa dessa nova tecnologia, o sequenciamento de um genoma humano, que necessitava de meses e milhões de dólares há apenas alguns
anos, pode agora ser completado em várias horas custando apenas de um a vários milhares de dólares. Muitos milhares de genomas humanos foram
sequenciados com o uso de sequenciamento em larga escala, levando à descoberta de genes causadores de doenças e a testes genéticos mais eficazes
(Capítulos 8 e 13).
FIGURA 3-27 Sequenciamento de DNA em larga escala. Em uma abordagem comumente usada, o DNA genômico inteiro, tipicamente obtido de uma
amostra de sangue ou saliva, é mecanicamente cortado em pequenos fragmentos (de 100 a várias centenas de pb). Sequências adaptadoras padrão
são unidas (ligadas) às extremidades dos fragmentos de DNA, que são então convertidos na forma de filamento duplo para filamento único e fixadas
em uma lâmina de vidro. As sequências adaptadoras ligadas servem como primers para a amplificação da PCR, criando milhares de cópias de cada
fragmento de DNA. Agregados de fragmentos de filamento único idênticos são moldes para uma reação de sequenciamento na qual bases
complementares são acrescentadas uma a uma. Essas bases complementares são marcadas com um corante fluorescente específico para A, C, G ou T,
permitindo que sejam visualizadas por uma câmera. As reações de sequenciamento ocorrem em paralelo, criando rapidamente milhões de “leituras” de
sequência curta. As sequências lidas, que tipicamente cobrem cada base 40 a 50 vezes, são alinhadas com uma sequência genômica de referência
(mostrada em laranja na parte inferior da figura) para recriar a sequência genômica do indivíduo.

TABELA 3-4 Métodos de Detecção de Mutação

Técnica Breve Descrição Aplicação

Southern blotting Digestão do DNA a ser testado com enzima de restrição; resolução dos Detecção de inserções, deleções,
fragmentos com eletroforese em gel de agarose; transferência do DNA para rearranjos; ordenamento dos
membrana de náilon e hibridização da sonda marcada com fragmentos de fragmentos de DNA em um
DNA mapa físico

Análise do tamanho Os produtos da PCR são ordenados por tamanho com a utilização da eletroforese Detecção de pequenas inserções e
do produto da PCR em um gel de agarose ou poliacrilamida deleções e expansões repetidas
de trincas

Sequenciamento Determinação da ordem linear dos nucleotídeos do DNA a ser testado; Detecção de inserções, deleções,
direto do DNA nucleotídeos específicos são detectados por clivagem química, cadeia didesóxi mutações de ponto, rearranjos
terminal ou marcação com fluorocromo

Clivagem de Hibridização de uma sonda marcada com o DNA sob análise; clivagem do DNA no Detecção de pequenas inserções ou
incompatibilidade sítio de incompatibilidade de pareamento de bases deleções, mutações de ponto
de DNA

Hibridização de Hibridização preferencial da sonda marcada ao DNA a ser testadoexclusivamente Detecção de alelos de composição
oligonucleotídeo por composição de bases complementares conhecida
alelo-específico
(OAE)

Ligação multiplex Ligação de fragmentos de DNA após a hibridização de sondas específicas para Detecção de deleções e duplicações
dependente de uma região de éxons ou de genes inteiros
sondas de
amplificação
(LMDSA)

Espectometria de Detecção de massa física de filamentos no sentido correto e contrário do DNA a Detecção de pequenas inserçõesou
massa ser testado deleções, mutações de ponto

Hibridização por Hibridização do DNA sob análise em arranjos de oligonucleotídeos ordenados Detecção de SNPs, CNVs, diferenças
microarray de DNA sobre um chip de silicone ou uma lâmina de vidro de expressão

Proteína truncada O DNA a ser testado é usado para formar DNA complementar (cDNA) por TR-PCR Detecção de frameshift, sítio de
com 5’ primer contendo o promotor T7; o cDNA é traduzido e o produto, junção ou mutações sem sentido,
separado por SDS-PAGE que truncam o produto proteico

TR-PCR, transcriptase reversa-reação em cadeia de polimerase; SDS-PAGE, eletroforese em gel de poliacrilamida-dodecil sulfato de sódio.

Detecção de Mutações ao Nível do DNA


A detecção de mutações ou polimorfismos nas sequências de DNA muitas vezes constitui uma etapa crítica na compreensão de como um gene
provoca uma doença específica. Novos métodos moleculares geraram uma série de técnicas para detecção de variações na sequência do DNA.
Muitas técnicas resumidas na Tabela 3-4 podem oferecer uma triagem rápida e eficiente para a presença de mutações. Esses métodos podem indicar
indiretamente a existência e a localização de uma mutação, após a região indicada do DNA ser sequenciada a fim de identificar a mutação
específica. O sequenciamento direto do DNA é um meio útil e preciso para detecção de mutações e é considerado o método definitivo de
identificação e verificação das mutações. Como está se tornando mais barato, o sequenciamento direto do DNA vem sendo usado com frequência
crescente.
Um grande progresso foi feito na fabricação e no uso de microarranjos (microarray) de DNA (também conhecidos como chips de DNA) para
detecção de mutações (Fig. 3-28). Para fazer esse microarranjo de DNA, robôs colocam oligonucleotídeos de filamento único em uma pequena
lâmina de vidro. Uma lâmina única (1 cm2) pode conter milhões de diferentes oligonucleotídeos. Esses oligonucleotídeos consistem em sequências
normais de DNA, assim como sequências de DNA que contêm mutações reconhecidamente causadoras de doenças. O DNA de filamento único de
um indivíduo, fluorescentemente marcado, é hibridizado com os oligonucleotídeos na lâmina para determinar se o DNA se hibridiza com os
oligonucleotídeos normais ou com aqueles que contêm mutações e o padrão dos sinais de hibridização é analisado por um computador. Com a
tecnologia atual, podem ser colocadas em um único microarray sondas suficientes para analisar a variação de um a vários milhões de SNPss de um
indivíduo. Os microarranjos também são utilizados para examinar as variações de número de cópias, os padrões de metilação do genoma de uma
pessoa e a variação genética em diversos organismos patogênicos. Uma diferença fundamental entre os microarrays e os métodos resumidos no
parágrafo precedente é que os primeiros tipicamente pesquisam mutações conhecidas que são incorporadas nas sondas dos oligonucleotídeos. Uma
mutação rara, previamente não identificada, não pode ser detectada por meio dos microarranjos convencionais.
Ainda, outra aplicação para os microarranjos de DNA é determinar quais genes estão sendo expressos; transcritos; em uma dada amostra de
tecido (p. ex., de um tumor). O mRNA do tecido é extraído e usado como molde para formar uma sequência complementar de DNA que é, então,
hibridizada na lâmina com oligonucleotídeos que representam muitos genes diferentes. O padrão dos sinais de hibridização positiva indica quais
genes são expressos na amostra de tecido. A abordagem por microarranjo do DNA oferece a extraordinária velocidade, a miniaturização e a precisão
de uma análise de mutação baseada em computador. Testes para mutações específicas, um importante aspecto do diagnóstico genético, serão
discutidos em detalhe no Capítulo 13.
FIGURA 3-28 A, Diagrama esquemático de um microarray. Oligonucleotídeos são colocados ou sintetizados em um chip. Eles são, então, expostos ao
DNA marcado de um indivíduo. A hibridização só ocorre caso o oligonucleotídeo contenha uma sequência de DNA que seja complementar àquela do
DNA do indivíduo. O marcador fluorescente marca a localização da sequência complementar de oligonucleotídeos no chip. B, Um microarray contendo
36.000 oligonucleotídeos. Esse microarray foi exposto ao DNA de fibroblastos normais (vermelho, ver setas) e de fibroblastos de um paciente com doença
de Niemann-Pick, tipo C (verde). As setas apontam para as regiões nas quais houve um forte sinal de hibridização com o DNA normal ou patológico. Esse
microarray foi empregado para investigar genes que são altamente expressos nos fibroblastos dos pacientes.

Muitas técnicas podem ser usadas para detectar mutações ao nível da sequência de DNA, como o Southern blotting, o
sequenciamento direto do DNA e a análise de microarranjos. Os microarranjos são usados para a detecção de mutações,
análise da expressão genética e em uma ampla variedade de outras aplicações.

VARIAÇÃO GENÉTICA NAS POPULAÇÕES


Embora a mutação seja a maior fonte da variação genética, ela não pode ser responsabilizada isoladamente pelas diferenças substanciais na
incidência de muitas doenças genéticas entre diferentes grupos étnicos. Por exemplo, por que a anemia falciforme é observada em aproximadamente
um a cada 600 afro-americanos, mas raramente em europeus do norte? Por que a fibrose cística é 40 vezes mais comum em europeus do que em
asiáticos? Nesta seção, introduziremos conceitos que explicam estas diferenças. O estudo da variação genética nas populações constitui um
importante foco da genética de populações.

Conceitos Básicos de Probabilidade


A probabilidade desempenha um papel central em genética, uma vez que ela ajuda a compreender a transmissão dos genes ao longo das gerações a
explicar e analisar a variação genética nas populações. Ela também ajuda na avaliação de risco, uma importante parte da genética médica. Por
exemplo, o médico, ou o aconselhador genético, comumente informa os casais sobre o risco de ter uma criança com um distúrbio genético. Uma
probabilidade é definida como a proporção de vezes na qual um resultado específico ocorre em uma série de eventos. Assim, quando um dado é
lançado podemos falar da probabilidade de se obter um 4, ou da probabilidade de que um casal venha a produzir um filho, em vez de uma filha.
Como as probabilidades são proporções, elas se situam entre 0 e 1, inclusive.
Durante a meiose, um membro de um par de cromossomos é transmitido para cada espermatozoide ou ovócito. A probabilidade de que um dado
membro do par seja transmitido é de 1/2 e a probabilidade de que o outro membro do par seja transmitido também é de 1/2. (Observe que as
probabilidades de todos os eventos possíveis devem somar 1 para qualquer experimento determinado.) Uma vez que essa situação é diretamente
análoga à de lançar uma moeda, na qual as probabilidades de se obter cara ou coroa são, cada uma, de 1/2, usaremos o cara ou coroa como nosso
exemplo ilustrativo.
Quando uma moeda é lançada repetidamente, o resultado de cada lançamento não tem efeito sobre os lançamentos subsequentes. Cada evento
(lançamento) é dito ser independente. Ainda que obtivéssemos 10 caras em uma série, a probabilidade de obtermos cara ou coroa no próximo
lançamento permaneceria 1/2. De modo semelhante, a probabilidade de que um genitor venha a transmitir um dos dois alelos em um locus é
independente de um evento reprodutivo para o seguinte.
O princípio da independência nos permite deduzir dois conceitos fundamentais de probabilidade, a regra da multiplicação e a regra da adição.
A regra da multiplicação afirma que, se duas tentativas forem independentes, então a probabilidade de se obter um dado resultado em ambas as
tentativas é o produto das probabilidades de cada resultado. Por exemplo, podemos querer saber a probabilidade de obter cara em ambos os
lançamentos de uma moeda sem vícios. Uma vez que os lançamentos são eventos independentes, essa probabilidade é dada pelo produto das
probabilidades de obtenção de cara em cada lançamento individual: 1/2 × 1/2 = 1/4. De modo semelhante, a probabilidade de obter duas coroas em
uma série é de 1/2 × 1/2 = 1/4.
A regra da multiplicação pode ser estendida para qualquer número de tentativas. Suponha que um casal deseje saber a probabilidade de que todos
os seus filhos planejados sejam meninas. Uma vez que a probabilidade de ter uma menina é aproximadamente 1/2 e que os eventos reprodutivos são
independentes um do outro, a probabilidade de produzir três meninas é de 1/2 × 1/2 × 1/2 = 1/8. Todavia, se o casal já tiver duas meninas e então
quiser saber a possibilidade de ter uma terceira, a probabilidade simplesmente será de 1/2. Isso ocorre porque os dois eventos prévios não são mais
probabilidades; eles realmente aconteceram. Em razão da independência, esses eventos passados não têm efeito sobre o resultado do terceiro evento.
A regra da adição afirma que se quisermos saber a probabilidade de um resultado ou outro, podemos simplesmente adicionar as respectivas
probabilidades em conjunto. Por exemplo, a probabilidade de obter duas caras em uma série é de 1/2 × 1/2, ou 1/4, e a de obter duas coroas em uma
série é a mesma. A probabilidade de obter duas caras ou duas coroas em um total de dois lançamentos é a soma das probabilidades: 1/4 + 1/4 = 1/2.
Como outro exemplo, imagine que um casal planeja ter três filhos e eles tenham uma forte aversão à ideia de ter três crianças todas do mesmo sexo.
Eles podem ser um pouco tranquilizados se souberem que a probabilidade de produzirem três meninas ou três meninos é de 1/8 + 1/8, ou 1/4. A
probabilidade de que eles venham a ter alguma combinação de meninos e meninas é de 3/4, uma vez que a soma das probabilidades de todos os
resultados possíveis deve ser igual a 1.

A probabilidade básica nos permite compreender e estimar os riscos genéticos e a entender a variação genética entre as
populações. A regra de multiplicação é usada para estimar a probabilidade de que dois eventos venham a ocorrer ao
mesmo tempo. A regra de adição é usada para estimar a probabilidade de que um evento ou outro ocorra.

Frequências Gênicas e Genotípicas


A prevalência de muitas doenças genéticas varia consideravelmente de uma população para outra. Os conceitos de frequência genotípica e
frequência gênica nos ajudam a medir e a compreender a variação populacional na incidência da doença genética.
Imagine que tivéssemos tipado 200 pessoas em uma população para o grupo sanguíneo MN. Esse grupo sanguíneo, que é codificado por um
locus no cromossomo 2, possui dois principais alelos, denominados M e N. No sistema MN, os efeitos de ambos os alelos podem ser observados no
heterozigoto. Diz-se que o M e o N são, consequentemente, codominantes: o heterozigoto pode ser diferenciado de ambos os homozigotos.
Qualquer indivíduo na população só pode ter um de três genótipos possíveis (lembre-se que o genótipo é a constituição genética de alguém em um
locus): Ele ou ela pode ser homozigoto(a) para M (genótipo MM), heterozigoto(a) (MN) ou homozigoto(a) para N (NN). Depois de tipar cada pessoa
na nossa amostra, descobrimos a seguinte distribuição de genótipos: MM, 64; MN, 120; NN, 16. A frequência genotípica é obtida simplesmente
dividindo-se a contagem de cada genótipo pelo número total de indivíduos. A frequência de MM é de 64/200, ou 0,32; a frequência de MN é
120/200, ou 0,60; e a frequência de NN é de 16/200, ou 0,08. A soma de todas as frequências deve ser igual a 1.
A frequência gênica para cada alelo, M e N, pode ser obtida aqui pelo processo de contagem gênica. Cada homozigoto MM possui dois alelos M e
cada heterozigoto só possui um alelo M. De modo semelhante, os homozigotos NN possuem dois alelos N e os heterozigotos só possuem um alelo
N. No exemplo descrito, existem
(64×2)+120 = 248 alelos M
(16×2)+120 = 152 alelos N
No total, existem 400 alelos no locus MN (p. ex., duas vezes o número de indivíduos, uma vez que cada indivíduo possui dois alelos). Para obter
a frequência de M, dividimos o número de alelos M pelo número total de alelos naquele locus: 248/400 = 0,62. Do mesmo modo, a frequência de N
é de 152/400, ou 0,38. A soma das duas frequências deve ser igual a 1.

As frequências gênicas e genotípicas especificam as proporções de cada alelo em cada genótipo, respectivamente, em
uma população. Sob condições simples, essas frequências podem ser estimadas por contagem direta.

O Princípio de Hardy-Weinberg
O exemplo dado para o locus MN representa uma situação ideal para a estimativa da frequência gênica, uma vez que, devido à codominância, os três
genótipos podem ser facilmente diferenciados e contados. O que acontece quando um dos homozigotos é indistinguível do heterozigoto (p. ex.,
quando há dominância)? Aqui, os conceitos básicos de probabilidade podem ser usados para especificar uma relação previsível entre frequências
gênicas e frequências genotípicas.
Imagine um locus que possua dois alelos, denominados A e a. Suponha que em uma população as frequências do alelo A, que chamaremos de p, e
a frequência do alelo a, que chamaremos de q, sejam conhecidas. A partir desses dados, desejamos determinar as frequências populacionais
esperadas de cada genótipo, AA, Aa e aa. Partiremos do princípio de que os indivíduos na população se cruzam ao acaso no que diz respeito ao seu
genótipo neste locus (o cruzamento aleatório também é denominado pan-mixia). Desse modo, o genótipo não tem efeito sobre a seleção do
parceiro. Se homens e mulheres se cruzarem aleatoriamente, então a suposição de independência é satisfeita. Isso nos permite aplicar as regras de
adição e multiplicação para avaliar as frequências genotípicas.
Suponha que a frequência de p, o alelo A na nossa população, seja de 0,7. Isso significa que 70% dos espermatozoides na população devem
conter o alelo A, assim como 70% dos ovócitos. Uma vez que a soma das frequências de p e q deve ser 1, 30% dos ovócitos e espermatozoides
devem ser portadores do alelo a (p. ex., q = 0,30). Sob pan-mixia, a probabilidade de que um espermatozoide portador de A se una a um ovócito
contendo A é dada pelo produto das frequências genéticas: p × p = p2 = 0,49 (regra da multiplicação). Essa é a probabilidade de produzir uma prole
com o genótipo AA. Utilizando o mesmo raciocínio, a probabilidade de produzir uma prole com o genótipo aa é dada por q × q = q2 = 0,09.
E a frequência de heterozigotos na população? Existem dois modos pelos quais o heterozigoto pode ser formado. Ou um espermatozoide
contendo um A pode se unir a um ovócito contendo a, ou um espermatozoide portador de a pode ser unir a um ovócito que contenha A. A
probabilidade de cada um desses dois resultados é dada pelo produto das frequências gênicas, pq. Uma vez que queremos saber a probabilidade
global de obter um heterozigoto (p. ex., o primeiro evento ou o segundo), podemos aplicar a regra da adição, acrescentando as probabilidades para
obter uma frequência de heterozigotos de 2pq. Essas operações encontram-se resumidas na Figura 3-29. A relação entre as frequências gênicas e as
frequências genotípicas foi estabelecida

FIGURA 3-29 O princípio de Hardy-Weinberg. As frequências populacionais dos genótipos AA, Aa e aa são previstas com base nas frequências gênicas (p
e q). Presume-se que as frequências gênicas sejam as mesmas em homens e mulheres.

independentemente por Godfrey Hardy e Wilhelm Weinberg e é denominada princípio de Hardy-Weinberg.


Como já mencionado, esse princípio pode ser usado para estimar as frequências gênicas e genotípicas quando os homozigotos e os heterozigotos
são indistinguíveis. Muitas vezes esse é o caso das doenças recessivas, como a fibrose cística. Somente os homozigotos afetados, com o genótipo
aa, são distinguíveis. O princípio de Hardy-Weinberg nos diz que a frequência de aa deve ser q2. Para a fibrose cística na população europeia, q2 =
Ö1/2.500 (p. ex., a prevalência da doença entre neonatos). Para estimar q, tomamos a raiz quadrada de ambos os lados dessa equação:
. Uma vez que p + q = 1, p = 0,98. Podemos, então, estimar as frequências genotípicas de AA e de Aa. Esse último
genótipo, que representa os portadores heterozigotos do alelo patológico, é de particular interesse. Uma vez que p é quase 1,0, nós podemos
simplificar o cálculo arredondando p para cima, para 1,0, sem uma perda significante de precisão. Logo, descobriremos que a frequência de
heterozigotos é 2pq = 2q = 2/50 = 1/25. Isso nos diz algo particularmente extraordinário sobre a fibrose cística e sobre as doenças recessivas em
geral. Enquanto a incidência de homozigotos afetados é de somente um em 2.500, os portadores heterozigotos do gene patológico são muito mais
comuns (um em cada 25 indivíduos). Portanto, a maioria dos alelos recessivos patológicos está efetivamente “escondida” nos genomas dos
heterozigotos.

Em pan-mixia, o princípio de Hardy-Weinberg especifica a relação entre as frequências gênicas e as frequências


genotípicas. Ele é útil na estimativa das frequências gênicas a partir de dados da prevalência de doenças e na estimativa
da incidência de portadores heterozigotos de genes recessivos deletérios.

Causas da Variação Genética


A mutação é a fonte de toda variação genética, e novas variantes genéticas podem ser prejudiciais, benéficas, ou não ter qualquer efeito. A seleção
natural frequentemente é descrita como o “editor” da variação genética. Ela aumenta a frequência populacional de mutações favoráveis (p. ex.,
aqueles que portam a mutação produzirão uma prole com maior chance de sobrevivência) e diminui a frequência de variantes que são desfavoráveis
em um dado ambiente (p. ex., os portadores do gene produzem uma prole com menor probabilidade de sobreviver). Tipicamente, mutações
causadoras de doenças são introduzidas de maneira contínua em uma população pelos processos de erro descritos anteriormente. Ao mesmo tempo,
a seleção natural remove essas mutações.
FIGURA 3-30 Correspondência entre a frequência do alelo falcêmico e a distribuição da malária pelo Plasmodium falciparum.

Certos ambientes, porém, podem conferir uma vantagem seletiva para uma mutação patológica. A anemia falciforme novamente nos fornece um
exemplo. Conforme anteriormente discutido, as pessoas que são homozigotas para a mutação falcêmica têm uma probabilidade muito maior de
falecer precocemente. Os heterozigotos, geralmente, não possuem nenhuma vantagem ou desvantagem particular. Todavia, foi demonstrado que os
heterozigotos para a anemia falciforme possuem uma vantagem de sobrevivência distinta nos ambientes nos quais a malária pelo Plasmodium
falciparum é comum (p. ex., região oeste-central da África) (Fig. 3-30). Uma vez que o parasita da malária não sobrevive bem nos eritrócitos dos
heterozigotos falcêmicos, essas pessoas estão menos propensas a sucumbir à malária do que os homozigotos normais, conferindo uma vantagem
seletiva à mutação falcêmica nesse ambiente. Embora haja uma seleção contra a mutação nos homozigotos para a anemia falciforme, existe uma
seleção para a mutação nos heterozigotos. O resultado é que a mutação causadora da doença persiste em uma frequência relativamente alta em
muitas populações africanas e mediterrâneas. Em ambientes sem malária (p. ex., norte da Europa), a mutação falcêmica não possui vantagem, de
modo que a seleção natural age fortemente contra ela por meio da eliminação dos homozigotos. Esse exemplo ilustra o conceito de que a variação da
incidência de doenças genéticas entre as populações pode ser causada pela seleção natural, operando diferenciadamente nos diferentes ambientes.
Como os ambientes se modificam, ou populações humanas ocupam novos ambientes, a seleção natural pode aumentar as frequências de variantes
que permitem melhor adaptação. Por exemplo, a seleção natural agiu sobre vários loci que afetam a pigmentação da pele, à medida que os humanos
se deslocaram de latitudes tropicais menores para latitudes mais altas. Quando as populações do norte da Europa e partes da África começaram a
beber leite de vaca até a vida adulta, a seleção natural aumentou a frequência da persistência hereditária da lactase, permitindo que os adultos
metabolizassem com eficácia a lactose (na maioria das populações, os níveis de lactase declinam após o desmame). A seleção natural agiu sobre os
componentes dos padrões do fator indutor de hipoxia, permitindo que algumas populações humanas se adaptassem com sucesso aos ambientes de
grandes altitudes, deficientes em oxigênio, como o platô tibetano e as montanhas andinas.

A seleção natural é o processo evolutivo no qual os alelos que conferem vantagens de sobrevivência, ou reprodutivas, em
um ambiente específico são positivamente selecionados e aumentam em frequência, e os alelos que conferem uma
sobrevivência menor, ou desvantagens reprodutivas, são selecionados negativamente, de modo que eles diminuem em
frequência.

A deriva genética é outra força que pode fazer com que os genes patológicos variem em frequência entre as populações. Para compreender o
processo de deriva genética, considere um exercício de lançamento de 10 moedas. Uma vez que cara e coroa são igualmente prováveis, o número
esperado de caras e coroas nesse exercício seria de cinco para cada. Todavia, é intuitivamente claro que, pelo acaso, um desvio dessa expectativa
poderia ser observado. Não seria surpreendente observar sete caras e três coroas em 10 lançamentos, por exemplo. Contudo, se 1.000 moedas forem
lançadas, o grau de desvio da proporção esperada de 50% de caras e 50% de coroas seria muito menor. Um resultado razoável de 1.000 lançamentos
poderia ser de 470 caras e 530 coroas, mas seria bastante improvável obter 700 caras e 300 coroas. Consequentemente, existe menos flutuação
aleatória em amostras maiores.
O mesmo princípio se aplica às frequências gênicas nas populações. Em uma população muito pequena, uma frequên­cia gênica pode se desviar
substancialmente de uma geração para a seguinte, mas isso é improvável em uma grande população. Desse modo, a deriva genética é maior em
populações menores. Como resultado, as doenças genéticas que são de outro modo raras podem ser observadas com muita frequência em uma
pequena população. Por exemplo, a síndrome de Ellis-van Creveld, um raro distúrbio que envolve estatura reduzida, polidactilia (dedos
supranumerários) e defeitos cardíacos congênitos, é observada com uma frequência muito elevada entre a população Old Order Amish da
Pensilvânia. A população Amish foi fundada nos Estados Unidos por cerca de 50 casais. Devido ao pequeno tamanho populacional, houve um
grande potencial para a deriva genética, resultando em frequências aumentadas de certos alelos causadores de doenças.
É comum observar o efeito da deriva genética em pequenas populações isoladas por todo o mundo. Mesmo populações relativamente grandes
podem ter experimentado os efeitos da deriva em um passado recente se foram submetidas a fortes gargalos populacionais ou se foram estabelecidas
por um pequeno número de fundadores (efeito do fundador). Por exemplo, mais de 30 doenças genéticas de outro modo raras são encontradas com
frequência elevada na população finlandesa, que supostamente foi primariamente originada por um pequeno número de indivíduos cerca de 100
gerações atrás. A fenilcetonúria e a fibrose cística, que são comuns em outras populações do Oeste Europeu, são relativamente raras na Finlândia,
ilustrando o fato de que a deriva genética tanto pode aumentar quanto diminuir a fre­quência dos genes patológicos. Diversas doenças genéticas (p.
ex., distonia de torção, doença de Tay-Sachs e doença de Gaucher) ocorrem com frequência aumentada na população dos judeus asquenazes
(Capítulo 7); isso pode ser o resultado de gargalos populacionais que ocorreram na história dessa população.
A deriva genética é um processo evolutivo aleatório que produz grandes alterações nas frequências gênicas em
populações menores. O efeito do fundador, no qual pequenas populações fundadoras podem experimentar grandes
alterações na frequência gênica devido ao seu pequeno tamanho, é um caso especial de deriva genética.

O fluxo gênico ocorre quando as populações permutam migrantes que se cruzam uns com os outros. Através do tempo, o fluxo gênico entre as
populações tende a torná-las geneticamente mais similares umas às outras. Um motivo pelo qual a anemia é menos comum entre os afro-americanos
do que em muitas populações africanas é o fluxo gênico entre os afro-americanos e os euro-americanos (é provável que esse mesmo processo tenha
aumentado à frequência de fibrose cística na população afro-americana). Além disso, uma vez que a malária pelo P. falciparum não é encontrada na
América do Norte, a seleção natural não favorece a mutação falcêmica.
As forças da mutação, da seleção natural, da deriva genética e do fluxo gênico interagem de modos complexos e algumas vezes inesperados para
influenciar a distribuição e a prevalência de doenças genéticas nas populações. A interação entre a mutação, que constantemente introduz novas
variantes, e a seleção natural, que frequentemente as elimina, constitui um exemplo importante e clinicamente relevante dessa interação. Uma
análise simples da relação entre mutação e seleção nos ajuda a compreender a variação das frequências gênicas. Considere, por exemplo, uma
doença dominante que resulte em morte antes que a pessoa possa reproduzir-se. Essa é denominada mutação genética letal porque, embora o
indivíduo possa sobreviver por algum tempo, ele não contribui com genes para a próxima geração. Cada vez que a mutação introduz uma nova cópia
do alelo da doença dominante em uma população, a seleção natural a elimina. Neste caso, p, a frequência gênica do alelo letal na população, é igual
a µ, a taxa de mutação (p = µ). Agora, suponha que aqueles que herdam o alelo possam sobreviver até sua idade reprodutiva, mas, em média,
produzam 30% menos filhos do que aqueles que não herdaram o alelo. Essa redução da prole representa o coeficiente de seleção, s, do alelo. Nesse
caso, s = 0,30. Quando o alelo é completamente letal, s = 1 (p. ex., nenhum filho é produzido). Podemos, agora, estimar a frequência gênica para
este alelo como p = µ/s. Como seria de se esperar, a frequência prevista de um alelo que simplesmente reduz o número da prole é mais alto (dada à
taxa de mutação) do que a frequência de um alelo que seja completamente letal, onde p = µ/s = µ. Essa relação previsível entre os efeitos da
mutação e da seleção das frequências gênicas é denominada equilíbrio mutação-seleção.
Podemos utilizar os mesmos princípios para prever a relação entre mutação e seleção contra os alelos recessivos. O princípio de Hardy-Weinberg
demonstrou que a maior parte das cópias dos alelos recessivos nocivos é encontrada em heterozigotos; sendo, desse modo, protegidos contra os
efeitos da seleção natural. Poderíamos, portanto, esperar que as suas frequências gênicas sejam mais altas do que aquelas dos alelos dominantes
nocivos que possuem a mesma taxa de mutação. De fato, em um equilíbrio mutação-seleção, a frequência prevista de um alelo recessivo, q, que é
letal em homozigotos é (porque , resultando em uma frequência alélica relativamente mais alta para os alelos recessivos
letais). Se esse alelo não for letal em homozigotos, então , onde s é novamente o coeficiente de seleção para aqueles que apresentam um
genótipo homozigoto afetado. Assim, a compreensão do princípio do equilíbrio mutação-seleção ajuda a explicar por que, em geral, as frequências
gênicas para os alelos causadores de doenças recessivas são mais altas do que as frequências dos alelos causadores de doenças dominantes.

O equilíbrio mutação-seleção prevê uma frequência gênica relativamente constante quando novas mutações introduzem
alelos prejudiciais, enquanto a seleção natural os remove. Esse processo prevê que as frequências gênicas devam ser mais
baixas para as doenças dominantes, nas quais a maioria dos alelos é exposta à seleção natural, do que para as doenças
recessivas, nas quais a maior parte dos alelos é encontrada em heterozigotos, sendo, portanto, protegidos da seleção
natural.

As técnicas descritas anteriormente neste capítulo (p. ex., microarranjos de SNPs e sequenciamento do DNA em larga escala) são agora utilizadas
extensivamente para testes de variação entre indivíduos e populações. Como essas tecnologias fornecem informações sobre milhões de variantes
genéticas em cada indivíduo, oferecem oportunidades sem precedentes de investigar importantes questões sobre as origens dos humanos modernos e
as diferenças e semelhanças entre indivíduos e populações (Capítulo 14). Além disso, elas permitem aos investigadores testar hipóteses sobre as
maneiras como os processos evolutivos, como seleção natural, fluxo gênico e deriva genética influenciaram a distribuição das doenças genéticas nas
populações humanas.

QUESTÕES DE ESTUDO
1. Na lista seguinte, a sequência normal de aminoácidos é dada em primeiro lugar, seguida pelas sequências que são produzidas por diferentes tipos
de mutações. Identifique o tipo de mutação que mais provavelmente provoca cada sequência alterada de aminoácidos.
Normal: Fen-Asn-Pro-Tre-Arg
Mutação 1: Fen-Asn-Pro
Mutação 2: Fen-Asn-Ala-His-Tre
Mutação 3: Fen-His-Pro-Tre-Arg

FIGURA 3-31 Autorradiograma para a questão de estudo 4.


2. As mutações de sentido trocado e de transcrição (promotor, intensificador, fator de transcrição) frequentemente produzem condições patológicas
mais brandas do que as mutações frameshift, de sítio doador/aceptor e sem sentido. Utilizando os genes da globina como exemplos, explique por
que isso ocorre.
3. As pessoas que apresentam mutações que reduzem a produção tanto da α quanto da β-globina frequentemente apresentam sintomas mais brandos
da doença do que aquelas que apresentam mutações que só diminuem a produção de um tipo de cadeia. Por quê?
4. Destaque as principais diferenças entre SNPs, VNTRs e STRs. Qual desses três tipos de polimorfismos está representado no autorradiograma
da Figura 3-31?
5. A deficiência de α1-antitripsina é uma doença que surge quando ambas as cópias do gene da α1-antitripsina estão

FIGURA 3-32 Autorradiograma para a questão de estudo 5.

alteradas por mutações. Podem resultar em doença hepática, enfisema crônico e insuficiência pulmonar. Uma das mutações que provoca a
deficiência de α1-antitripsina ocorre no éxon 3 do gene e destrói um sítio de reconhecimento da enzima de restrição BstEII. A análise por RFLPs
foi realizada em três membros de uma família, produzindo o autorradiograma da Figura 3-32. Determine a condição da doença em cada
indivíduo.
6. Empregando a eletroforese de proteínas, 100 membros de uma população foram estudados para determinar se são portadores de genes para a
hemoglobina normal (HbA) ou a hemoglobina falciforme (HbS). Os seguintes genótipos foram observados:
HbA/HbA: 88
HbA/HbS: 10
HbS/HbS: 2
Quais são as frequências gênicas de HbA e HbS?
Quais são as frequências genotípicas observadas?
Pressupondo as proporções de Hardy-Weinberg, quais são as frequências genotípicas esperadas?
7. Aproximadamente um em cada 10.000 europeus nasce com fenilcetonúria. Qual é a frequência do alelo causador da doença? Qual é a frequência
de portadores heterozigotos na população?

LEITURAS SUGERIDAS
Campbell CD, Eichler EE. Properties and rates of germline mutations in humans. Trends Genet. 2013;29(10):575-584.
Fu W, Akey JM. Selection and adaptation in the human genome. Annu Rev Genomics Hum Genet. 2013;14:467-489.
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Gonzaga-Jauregui C, Lupski JR, Gibbs RA. Human genome sequencing in health and disease. Annu Rev Med. 2012; 63:35-61.
Higgs DR, Engel JD, Stamatoyannopoulos G. Thalassaemia. Lancet. 2012; 379(9813):373-383 .
Jorde LB. Human genetic variation and disease. In: Meyers RA, ed. Encyclopedia of Molecular Biology and Molecular Medicine. 2nd ed. Weinheim, Germany: Wiley-
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Kayser M, de Knijff P. Improving human forensics through advances in genetics, genomics and molecular biology. Nat Rev Genet. 2011;12(3):179-192.
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Mouro I, Colin Y, Cherif-Zahar B. Molecular genetic basis of the human Rhesus blood group system. Nat Genet. 1993;5:62-65.
Nakamura N , Suyama A , Noda A , Kodama Y. Radiation effects on human heredity. Annu Rev Genet. 2013;47:33-50.
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Piel FB, Weatherall DJ. The α-thalassemias. N Engl J Med. 2014;371:1908-1916.
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Trevino V, Falciani F, Barrera-Saldana HA. DNA microarrays: a powerful genomic tool for biomedical and clinical research. Mol Med. 2007; 13(9-10):527-541.
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Fontes na Internet
Genetic Science Learning Center (tutoriais básicos sobre PCR, microarranjos e PNUs): http://larn.genetics.utah.edu/
Centro de Informação sobre Anemia Falciforme http://www.scinfo.org/
Talassemia (informação sobre talassemias e o seu tratamento) http://sickle.bwh.harvard.edu/menu_thal.html

2 Em genética molecular, as substituições de pares de bases também são denominadas mutações de ponto. No entanto, “mutação de ponto” foi a expressão empregada em
genética clássica para indicar qualquer mutação pequena o suficiente para não ser observável ao microscópio.
CAPÍTULO4

Herança Autossômica Dominante e Recessiva

Várias doenças genéticas importantes e bem compreendidas são o resultado de uma mutação em um único gene. A edição on-line de McKusick’s
Mendelian Inheritance in Man (http://www.ncbi.nlm.nih.gov/Omim/) lista quase 15.000 genes únicos e cerca de 8.000 características atribuídas a
genes únicos ou monogênicos, identificados até hoje em humanos. Destes 23.000 genes e características, 21.000 estão localizados nos cromossomos
autossômicos, mais de 1.200 estão no cromossomo X e 59 estão localizados no cromossomo Y. A identificação dos genes que causam traços
monogênicos levou a novos e excitantes conhecimentos não somente na área de genética, mas também na fisiopatologia básica da doença.
Neste capítulo, são focalizados os distúrbios de um único gene causados por mutações nos cromossomos autossômicos. (Distúrbios de um único
gene causados por mutações nos cromossomos sexuais são o assunto do Capítulo 5). Serão discutidos os padrões de herança dessas doenças nas
famílias, assim como os fatores que complicam estes padrões. Serão discutidos também os riscos de transmissão das doenças monogênicas para a
prole, porque, geralmente, esta é uma preocupação importante para os casais em risco.

CONCEITOS BÁSICOS DE GENÉTICA FORMAL


Contribuições de Gregor Mendel
Características monogênicas também são conhecidas como características mendelianas, devido a Gregor Mendel, o monge austríaco, do século XIX,
que deduziu vários princípios genéticos importantes a partir de seus experimentos bem projetados com ervilhas de jardim. Mendel estudou sete
características nas ervilhas, cada qual determinada por um gene único. Essas características incluíram propriedades como, altura (plantas altas versus
baixas) e forma da semente (lisas versus rugosas). A variação em cada uma dessas características é causada pela presença de diferentes alelos em loci
individuais.
Vários princípios importantes surgiram a partir do trabalho de Mendel. O primeiro, o princípio das heranças dominante e recessiva, foi discutido
no Capítulo 3. Mendel também descobriu o princípio de segregação, que estabelece que organismos sexualmente reprodutíveis possuam genes que
ocorrem aos pares e que somente um membro deste par é transmitido à prole (p. ex., ele segrega). O pensamento prevalente durante a época de
Mendel era que os fatores hereditários dos dois pais eram misturados na prole. Em contrapartida, o princípio de segregação diz que os genes
permanecem intactos e distintos. Um alelo para semente de forma “lisa” pode ser transmitido para a prole na próxima geração, que pode, por sua vez,
transmitir o mesmo alelo para a sua própria prole. Se, em vez de permanecerem distintos, os genes fossem de alguma forma misturados na prole, seria
impossível rastrear a herança genética de uma geração para a seguinte. Assim, o princípio da segregação foi a chave para o desenvolvimento da
genética moderna.
O princípio da segregação independente de Mendel foi sua segunda grande contribuição para a genética. Esse princípio estabelece que genes em
loci diferentes são transmitidos independentemente. Considere os dois loci mencionados anteriormente. Um locus pode ter tanto o alelo “liso” quanto
o “rugoso” e o outro pode ter tanto o alelo “alto” quanto o “baixo”. Em um evento reprodutivo, um genitor transmite um alelo de cada locus para a
sua prole. O princípio da segregação independente diz que a transmissão de um alelo específico em um locus (“liso” ou “rugoso”) não tem efeito em
qual alelo é transmitido no outro locus (“alto” ou “baixo”).
O princípio da segregação descreve o comportamento dos cromossomos na meiose. Os genes nos cromossomos segregam durante a meiose e são
transmitidos como entidades distintas de uma geração para a seguinte. Quando Mendel realizou seus experimentos críticos, não tinha conhecimento
direto sobre cromossomos, meiose ou genes (na verdade, o último termo não foi criado até 1909, muito depois da morte de Mendel). Embora seu
trabalho tenha sido publicado em 1865 e citado ocasionalmente, sua significância fundamental não foi reconhecida por várias décadas. Contudo, a
pesquisa de Mendel, que foi repetida por outros pesquisadores na virada do século XX, embasa grande parte do que se conhece da genética moderna.

As contribuições-chave de Mendel foram os princípios de dominância, recessividade, segregação e distribuição


independente.

O Conceito de Fenótipo
O termo genótipo tem sido definido como uma constituição genética individual em um locus. O fenótipo é o que atualmente é observado física ou
clinicamente. Os genótipos não correspondem somente a fenótipos. Indivíduos com dois genótipos diferentes, um homozigoto dominante e um
heterozigoto, podem ter o mesmo fenótipo. Um exemplo é a fibrose cística (Comentário Clínico 4-1), uma condição autossômica recessiva na qual
somente o homozigoto recessivo é afetado. Por outro lado, o mesmo genótipo pode produzir diferentes fenótipos em diferentes ambientes. Um
exemplo é a fenilcetonúria (PKU, do inglês, phenylketonuria, Capítulo 7), doença recessiva observada em aproximadamente um a cada 10.000
nascimentos na Europa. Mutações no locus que codificam a enzima metabólica fenilalanina hidroxilase deixam o homozigoto incapaz de metabolizar
o aminoácido fenilalanina.

COMENTÁRIO CLÍNICO 4-1


Fibrose Cística
A fibrose cística (FC) é uma das doenças monogênicas mais comuns na América do Norte, afetando aproximadamente um em cada 2.000 a um em
cada 4.000 recém-nascidos euro-americanos. A prevalência entre afro-americanos é de cerca de um em cada 15.000 nascimentos, e é menor que 1
em 30.000 entre americanos asiáticos. Aproximadamente 30.000 americanos sofrem dessa doença.
A FC foi primeiramente identificada como uma doença diferente em 1938 e foi denominada “fibrose cística do pâncreas” devido às lesões fibróticas
que se desenvolvem no pâncreas, um dos principais órgãos afetados por essa desordem (Fig. 4-1). Aproximadamente 85% dos pacientes com FC têm
insuficiência pancreática, na qual o pâncreas é incapaz de secretar enzimas digestivas, contribuindo para a má absorção crônica dos nutrientes. O
trato intestinal também é afetado, e aproximadamente 15% a 20% dos recém-nascidos com FC possuem íleo meconial (conteúdo intestinal espesso e
obstrutivo). As glândulas sudoríparas dos pacientes com FC são anormais, resultando em altos níveis de cloreto no suor. Esta é a base para o teste do
suor, comumente utilizado no diagnóstico dessa doença. Mais de 95% dos homens com FC são estéreis em razão da ausência ou obstrução dos
vasos deferentes.
A principal causa de morbidade e mortalidade em pacientes com FC é a doença pulmonar. Pacientes com FC possuem intensa inflamação das vias
aéreas inferiores e infecção brônquica crônica, progredindo para um estágio terminal de doença pulmonar caracterizado por um dano extensivo das
vias aéreas e fibrose do tecido pulmonar. Pensava-se que a obstrução das vias aéreas e o dano ao pulmão fossem causados por uma superfície de via
aérea desidratada e espaço reduzido, resultando em um muco espesso das vias aéreas. Isto associado a infecções por bactérias, tais como
Staphylococcus aureus e Pseudomonas aeruginosa.
A combinação da obstrução das vias aéreas, inflamação e infecção leva à destruição das vias aéreas e do tecido pulmonar, resultando eventualmente
em morte por doença pulmonar em mais de 90% dos pacientes com FC.
Como resultado da melhora da nutrição, de técnicas de liberação das vias aéreas e da terapia com antibióticos, a taxa de sobrevivência de
pacientes com FC aumentou consideravelmente durante as três últimas décadas. O tempo médio de sobrevivência atualmente é próximo de 40
anos. Essa doença possui expressão bastante variável, com alguns pacientes apresentando somente leves dificuldades respiratórias e uma
sobrevivência próxima ao normal. Outros apresentam problemas respiratórios mais graves e podem sobreviver por menos de duas décadas.
A FC é causada por mutações em um gene, o CFTR *, que codifica o regulador de condutância transmembrânica da fibrose cística (do inglês, cystic
fibrosis transmembrane conductance regulator). O CFTR codifica canais iônicos de cloreto regulados por AMP cíclico que compõem a membrana de
células epiteliais especializadas, como aquelas que revestem o intestino e o pulmão. Além disso, o CFTR está envolvido na regulação do transporte de
íons sódio através das membranas das células epiteliais. O papel do CFTR no transporte de sódio e cloreto nos ajuda a entender os múltiplos efeitos
das mutações no locus da FC. O transporte deficiente de íons resulta no desequilíbrio de sais, reduzindo a quantidade de água das vias aéreas e
produzindo as secreções espessas e obstrutivas observadas nos pulmões. O pâncreas também é obstruído por secreções espessas, levando a
insuficiência fibrosa e pancreática. A deficiência no transporte de íons cloreto explica a alta concentração anormal desse íon nas secreções do suor
de pacientes com FC: o cloreto não pode ser reabsorvido da luz dos ductos de suor.

FIGURA 4-1 A, Pâncreas normal. B, Pâncreas de um paciente com fibrose cística, mostrando a infiltração de gordura e lesões fibróticas. C, Tecido de
pulmão normal. D, Tecido de pulmão de um paciente com fibrose cística, mostrando a extensa destruição como resultado de obstrução e infecção.
(Cortesia do Dr. Edward Klatt, Florida State University School of Medicine.)
FIGURA 4-2 Classes de mutações no gene CFTR e seus efeitos nas células. As mutações de classe I resultam na ausência de síntese do produto do
gene. As mutações de classe II produzem uma proteína defeituosa que é degradada nos proteossomos. As mutações de classe III produzem uma
proteína que chega à superfície celular, mas é anormalmente regulada. As mutações de classe IV resultam em defeito na condução de íon cloreto. As
mutações de classe V são tipicamente mutações do promotor ou do splicing íntron-éxon, que reduzem o número de mRNA transcritos, permitindo a
produção de algumas proteínas normais. As mutações de classe VI resultam em taxas aumentadas de degradação do canal de cloreto na superfície da
célula.

As análises da sequência de DNA revelaram mais de 2.000 mutações diferentes no locus CFTR. A mais comum delas, denominada F508del, é uma
deleção de três bases que resulta na perda de um resíduo de fenilalanina (F) na posição 508 da proteína CFTR. A F508del responde por
aproximadamente 70% de todas as mutações da FC. Essa mutação, junto com diversas outras relativamente comuns, é rastreada no diagnóstico
genético da FC (Capítulo 13).
A identificação em um paciente de uma ou mais mutações específicas que são responsáveis pela FC pode ajudar a presumir a gravidade da
doença. Por exemplo, a maioria das classes mais graves de mutações (das quais a F508 é um exemplo) resulta na ausência completa da produção do
canal de íon cloreto ou em canais que não possam migrar para a membrana celular. Pacientes homozigotos para essas mutações quase sempre
apresentam insuficiência pancreática. Em contrapartida, outras mutações (p. ex., R117H, mutação de sentido incorreto) resultam em canais iônicos
que seguem para a membrana celular, mas respondem fracamente ao AMP cíclico e consequentemente não permanecem abertos tanto quanto
deveriam. O fenótipo é então mais brando, e os pacientes que possuem essa mutação são menos suscetíveis a apresentar insuficiência pancreática.
Alguns homens com mutações CFTR brandas apresentam somente ausência congênita bilateral dos vasos deferentes (CBAVD, do inglês, congenital
bilateral absence of the vas deferens), porém pouca ou nenhuma doença pulmonar ou gastrointestinal. A correlação entre genótipo e fenótipo está
longe da perfeição, entretanto, indica que loci modificadores e fatores ambientais podem também influenciar a expressão da doença (ver texto).
Em geral, há uma correlação razoavelmente boa entre genótipo e função pancreática e uma relação mais variável entre genótipo e função pulmonar.
A capacidade de identificar mutações no CFTR tem levado à sobrevivência de pessoas que possuem uma (heterozigoto) ou duas (homozigoto)
mutações nesse gene, mas não apresentam fibrose cística. Elas têm riscos aumentados para várias condições mórbidas, incluindo CBAVD,
bronquiectasia (dilatação crônica dos brônquios e produção anormal de muco) e pancreatite (inflamação pancreática).
Em razão do aumento do nosso conhecimento da fisiopatologia da FC, a identificação do gene CFTR abriu a possibilidade de novos tratamentos
para essa doença. Os exemplos incluem a administração de fármacos que promovem a leitura ribossômica através de códons de parada prematuros,
que somam aproximadamente 7% das mutações no CFTR. Outros fármacos podem aumentar a atividade de canais de cloreto em pacientes com
mutações de classes III ou IV. O primeiro medicamento aprovado pelo FDA para o tratamento da FC foi o ivacafto, que aumenta a atividade dos
canais CFTR em resposta ao ATP. Estudos clínicos mostraram que esse fármaco melhora significativamente a função pulmonar em pacientes com a
mutação G551D classe III observada em aproximadamente 4% dos pacientes com FC. A terapia gênica, na qual o gene CFTR normal é inserido em
vetores virais ou outros vetores que são posteriormente introduzidos nas vias aéreas do paciente (Capítulo 13), também está sendo muito
investigada. Essa estratégia, entretanto, tem encontrado dificuldades porque os vetores virais frequentemente induzem uma resposta imune
inflamatória.

*Convencionalmente, o símbolo para um gene, tal como CFTR, é mostrado em itálico, e o símbolo para o produto proteico, não.

Embora os bebês com PKU sejam normais no nascimento, sua deficiência metabólica produz acúmulo de fenilalanina e de seus metabólitos tóxicos.
Esse processo é altamente destrutivo para o sistema nervoso central e pode resultar em deficiência intelectual grave. Foi estimado que bebês com
PKU não tratada perdem, em média, um a dois pontos no QI por semana durante o primeiro ano de vida. Assim, o genótipo para PKU pode gerar um
fenótipo grave da doença. Por isso, é importante detectar a PKU no nascimento (Capítulo 13), e o dano ao cérebro pode ser evitado iniciando uma
dieta pobre em fenilalanina no primeiro mês após o nascimento. A criança ainda possui o genótipo para PKU, mas o fenótipo é profundamente
alterado pela modificação ambiental.
Esse exemplo mostra que o fenótipo é o resultado da interação do genótipo e dos fatores ambientais. Deve ser enfatizado que o “ambiente” pode
incluir o ambiente genético (p. ex., genes em outros loci cujos produtos podem interagir com um gene específico ou seu produto).

O fenótipo, que é fisicamente observável, resulta da interação do genótipo e do ambiente.

A Estrutura Básica do Heredograma


O heredograma é uma das ferramentas mais comumente utilizadas na genética médica. Ele ilustra as relações entre os membros da família e mostra
quais membros desta são afetados ou não por uma doença genética. Tipicamente, uma seta indica o probando no heredograma, a primeira pessoa em
quem a doença é diagnosticada. O probando também é referido às vezes como caso-índice ou propósito (propósita, para mulheres). A Figura 4-
1 descreve as características da notação (símbolos) do heredograma.
Quando se discute parentesco em famílias, geralmente se faz referência aos graus de parentesco. Os parentes em primeiro grau são aqueles que
estão relacionados a pais-filhos ou irmãos (irmão e irmã). Os parentes em segundo grau são aqueles removidos por uma etapa de geração adicional (p.
ex., avós e seus netos, tios ou tias e suas sobrinhas e sobrinhos). Seguindo essa lógica, os parentes em terceiro grau devem incluir, por exemplo, os
primos irmãos, bisnetos e assim por diante.

HERANÇA AUTOSSÔMICA DOMINANTE


Características de Herança Autossômica Dominante
Doenças autossômicas dominantes são observadas em aproximadamente um a cada 200 indivíduos (Tabela 1-3 no Capítulo 1). Contudo,
individualmente, cada doença autossômica dominante é muito rara nas populações, com as mais comuns apresentando frequências gênicas de cerca
de 0,001. Por esta razão, são incomuns as uniões entre dois indivíduos em que ambos são afetados pela mesma doença autossômica dominante. Na
maioria das vezes, as proles afetadas são produzidas pela união de um genitor não afetado com um afetado heterozigoto. O quadrado de Punnett
na Figura 4-2 ilustra esse tipo de união. O genitor afetado pode passar tanto o gene da doença quanto o gene normal para seus descendentes. Cada
evento tem probabilidade de 0,5. Assim, em média, a metade das crianças será heterozigota e irá desenvolver a doença, e metade será homozigota não
afetada.
FIGURA 4-3 Símbolos básicos do heredograma. (Para maiores detalhes, ver Bennett RL, French KS, Resta RG, Doyle DL. Standardized human pedigree
nomenclature: update nad assessment of the recommendations of the National Society of Genetic Counselors. J Genet Couns. 2008; 17:424-433.)

A polidactilia pós-axial, presença de um dedo extra ao lado do quinto dedo (Fig. 4-5), pode ser herdada como uma característica autossômica
dominante. Um heredograma idealizado para essa doença está ilustrado na Figura 4-6. Esse heredograma mostra várias características importantes da
herança autossômica dominante. Primeiro que ambos os sexos possuem a característica em proporções aproximadamente iguais, e os homens e
mulheres podem transmitir igualmente a característica para a sua prole. Isso porque a polidactilia pós-axial é uma doença autossômica (o oposto de
uma doença causada por mutação no cromossomo X, na qual
FIGURA 4-4 Quadrado de Punnett ilustrando o casamento de indivíduo não afetado (aa) com um indivíduo heterozigoto para um gene de uma doença
autossômica dominante (Aa). O genótipo da prole afetada está sombreado.

FIGURA 4-5 Polidactilia pós-axial. Um dedo extra está localizado ao lado do quinto dígito.

FIGURA 4-6 Heredograma ilustrando o padrão de herança da polidactilia pós-axial, uma desordem autossômica dominante. Indivíduos afetados são
apresentados pelo sombreado.

essas proporções diferem tipicamente). Segundo que, não há saltos de gerações: se um indivíduo tem polidactilia, um filho também deve tê-la. Isso
leva a um padrão de transmissão vertical, no qual o fenótipo da doença é normalmente observado em uma geração após a outra. Além disso, se
nenhum genitor possui a característica, nenhuma das crianças a terá. Terceiro que a transmissão do gene da doença é observada de pai para filho.
Embora essa transmissão de pai para filho (homem para homem) não seja requerida para estabelecer uma herança autossômica dominante, sua
presença em um heredograma exclui alguns outros padrões de herança (particularmente herança ligada ao X; Capítulo 5). Finalmente, como já vimos,
um heterozigoto afetado transmite a característica para aproximadamente metade dos seus filhos. Entretanto, a transmissão gamética, tal como no
jogo de moeda, está sujeita a flutuações de chance, e é possível que todas ou nenhuma das crianças de um genitor afetado tenham a característica.
Quando vários cruzamentos desse tipo são estudados, a proporção de crianças afetadas se aproxima de 1/2.

A herança autossômica dominante é caracterizada pela transmissão vertical do fenótipo da doença, ausência de salto de
gerações e números aproximadamente iguais de homens e mulheres afetados. A transmissão de pai para filho pode ser
observada.

Riscos de Recorrência
Os genitores em risco de gerar crianças com uma doença tipicamente genética desejam saber o risco ou a probabilidade de seus futuros filhos serem
afetados. Essa probabilidade é denominada risco de recorrência. Se um genitor é afetado por uma doença autossômica dominante (heterozigoto) e o
outro não é afetado, o risco de recorrência para cada criança é de . É importante ter em mente que cada nascimento é um evento independente,
assim como nos exemplos de jogo de moeda. Desse modo, mesmo que os genitores já tenham uma criança com a doença, o seu risco de recorrência
permanece em 1/2. Mesmo que já tenham várias crianças, todas afetadas (ou todas não afetadas) pela doença, a lei da independência dita que a
probabilidade de seu próximo filho ter a doença ainda é de 1/2. Embora tal conceito pareça intuitivamente óbvio, geralmente não é compreendido pela
população leiga. Aspectos adicionais de comunicação de riscos a famílias são discutidos no Capítulo 15.

O risco de recorrência de uma doença autossômica dominante é de 50%. Por causa da independência, esse risco
permanece cons­tante não importando quantos filhos, afetados ou não, tenham nascido.

HERANÇA AUTOSSÔMICA RECESSIVA


Do mesmo modo que as doenças autossômicas dominantes, as doenças autossômicas recessivas são relativamente raras nas populações. Como visto
anteriormente, portadores heterozigotos de alelos de doenças recessivas são muito mais comuns do que homozigotos afetados. Consequentemente,
ambos os pais de indivíduos afetados por doenças autossômicas recessivas são geralmente portadores heterozigotos. Como mostra o quadrado de
Punnett, na Figura 4-7, um quarto da prole de dois heterozigotos será de homozigotos não afetados, metade será de portadores heterozigotos
fenotipicamente não afetados e um quarto será de homozigotos afetados com a doença (em média).

FIGURA 4-7 Quadrado de Punnett ilustrando o casamento de dois heterozigotos portadores de um gene autossômico recessivo. O genótipo da prole
afetada está sombreado.

Características de Herança Autossômica Recessiva


A Figura 4-8 é um heredograma mostrando o padrão de herança de uma forma autossômica recessiva de albinismo que resulta de mutações no gene
que codifica a tirosinase, enzima que metaboliza a tirosina.3 A deficiência resultante da tirosinase cria um bloqueio na via metabólica que
normalmente leva à síntese do pigmento melanina. Consequentemente, a pessoa afetada tem pouco pigmento na pele, cabelos e olhos (Fig. 4-9). Pelo
fato de a melanina também ser necessária para o desenvolvimento normal das fibras ópticas, os albinos podem também apresentar nistagmo
(movimento rápido incontrolado dos olhos), estrabismo (desvio dos olhos do seu eixo normal) e acuidade visual reduzida. O heredograma mostra a
maioria dos critérios importantes para distinguir a herança autossômica recessiva (Tabela 4-1). Primeiro, diferentemente das doenças autossômicas
dominantes, nas quais o fenótipo da doença é observado em uma geração após a outra, as doenças autossômicas recessivas são geralmente observadas
em um ou mais irmãos, mas não nas gerações anteriores. Segundo, como na herança autossômica dominante, homens e mulheres são afetados em
proporções iguais. Terceiro, em média, um quarto da prole de dois heterozigotos portadores será afetado pelo distúrbio. Finalmente, a
consanguinidade está presente com mais frequência em heredogramas envolvendo doenças autossômicas recessivas do que em outras que envolvem
outros tipos de herança (Fig. 4-8). O termo consanguinidade (do latim, “com sangue”) se refere à reprodução entre pessoas aparentadas. Às vezes,
este é um indicador em doenças recessivas, já que pessoas aparentadas são mais propensas a compartilhar os mesmos alelos causadores das doenças.
A consanguinidade é discutida com mais detalhes mais adiante neste capítulo.
FIGURA 4-8 Heredograma mostrando o padrão de herança do albinismo tirosinase negativo, uma doença autossômica recessiva. A consanguinidade
nesse heredograma é indicada por uma barra dupla entre os pais dos indivíduos afetados.

FIGURA 4-9 Uma mulher africana com albinismo oculocutâneo, ilustrando a falta de pigmentação no cabelo e na pele. Ela não está olhando para a
câmera porque seus olhos são mais sensíveis à luz do que os das pessoas com a pigmentação normal da retina. (Cortesia do Dr. Phil Fischer, Mayo Clinic.)

TABELA 4-1 Uma Comparação das Características Principais dos Padrões de Herança Autossômica Dominante e
Autossômica Recessiva
CARACTERÍSTICA AUTOSSÔMICA DOMINANTE AUTOSSÔMICA RECESSIVA

Risco de 50% 25%


recorrência
usual

Padrão de Vertical, o fenótipo da doença é O fenótipo da doença pode ser observado em múltiplos irmãos, mas geralmente
transmissão observado geração após geração não é observado em gerações anteriores

Proporção de Números iguais de homens e mulheres Números iguais de homens e mulheres afetados (geralmente)
sexo afetados (geralmente)

Outros É possível a transmissão do gene da Algumas vezes se observa consanguinidade, especialmente para doenças
doença do pai para o filho recessivas raras

A herança autossômica recessiva é caracterizada pela agregação do fenótipo da doença entre irmãos, mas ela,
geralmente, não é observada nos genitores ou outros ancestrais. Números iguais de homens e mulheres afetados são
comumente observados e a consanguinidade pode estar presente.

Riscos de Recorrência
Como já discutido, o tipo de união mais comum observado em doenças recessivas envolve dois genitores portadores heterozigotos. Isso reflete a
frequência relativa dos heterozigotos portadores e o fato de que várias doenças autossômicas recessivas são graves o suficiente para fazer com que os
indivíduos afetados sejam menos propensos a se tornarem pais.
O quadrado de Punnett, na Figura 4-7, mostra que 1/4 da prole dessa união será homozigota para o gene da doença e, portanto, afetada. O risco de
recorrência para a prole de genitores portadores é, portanto, de 25%. Como anteriormente, essas são proporções médias. Em qualquer família dada as
flutuações de chance são prováveis, mas um estudo de várias famílias deve gerar um dado bem próximo dessa fração.
Ocasionalmente, um portador de um alelo causador de doença recessiva casa-se com uma pessoa que é homozigota para esse alelo. Neste caso,
aproximadamente metade de seus filhos serão afetados e a outra será de heterozigotos portadores. O risco de recorrência é de 50%. Já que esse padrão
de herança mimetiza o da característica autossômica dominante ele é, às vezes, classificado como uma herança quase dominante. Com o estudo de
heredogramas extensos, nos quais a união entre heterozigotos é observada, a herança de quase dominância pode ser distinguida da verdadeira herança
dominante.

FIGURA 4-10 Acondroplasia. Essa menina apresenta membros curtos com relação ao comprimento do tronco. Ela também tem a testa proeminente, a
raiz nasal baixa e dobras da pele redundantes nos braços e nas pernas.

Quando duas pessoas afetadas por uma doença recessiva se reproduzem, todos os seus filhos também devem ser afetados. Essa observação ajuda a
distinguir a herança recessiva da dominante, porque ambos os pais que são afetados por uma doença dominante quase sempre são heterozigotos e 1/4
de seus filhos, em média, não será afetado.

O risco de recorrência para doenças autossômicas recessivas normalmente é de 25%. A herança de quase dominância,
com risco de recorrência de 50%, é observada quando um homozigoto afetado se reproduz com um heterozigoto.

“Dominante” versus “Recessivo”: Alguns Cuidados


A discussão prévia tratou de transtornos dominantes e recessivos como se pertencessem a categorias rígidas. Entretanto, essas distinções estão se
tornando menos restritas à medida que aumenta o entendimento sobre essas doenças. A maioria das doenças dominantes é, na verdade, mais grave em
homozigotos afetados do que em heterozigotos. Um exemplo é a acondroplasia, uma desordem autossômica dominante na qual heterozigotos
possuem estatura reduzida (Fig. 4-10). Os heterozigotos têm expectativa de vida quase normal, estimada em cerca de 10 anos menor que a média.
Homozigotos afetados são muito mais gravemente comprometidos e normalmente morrem na infância de insuficiência respiratória (ver Capítulo
10 para maiores discussões sobre a acondroplasia).
Embora os portadores heterozigotos de genes de doenças recessivas sejam clinicamente normais, os efeitos dos genes recessivos podem ser
detectados frequentemente em heterozigotos porque resultam, por exemplo, em níveis reduzidos de atividade enzimática. Esta é comumente a base
para os testes bioquímicos de detecção dos portadores (Capítulo 13). Uma informação útil e válida, que ajuda a distinguir as desordens dominantes
das recessivas, é que os heterozigotos são clinicamente afetados na maioria dos casos das desordens dominantes, enquanto quase nunca são
clinicamente afetados em desordens recessivas.

Embora a distinção entre doenças dominantes e recessivas não seja rígida, um alelo dominante causará a doença em um
heterozigoto, enquanto um alelo de doença recessiva não.

Outro cuidado a ser tomado é que a doença pode ser herdada de maneira autossômica dominante em alguns casos e de maneira autossômica
recessiva em outros. A deficiência isolada do hormônio de crescimento familial (IGHD, do inglês, familial isolated growth hormone deficiency), outra
desordem que causa estatura reduzida, é uma dessas doenças. O sequenciamento do DNA do gene do hormônio do crescimento hipofisário no
cromossomo 17 (GH1) revelou várias mutações diferentes que podem desenvolver IGHD. A IGHD recessiva por ser causada por mutações sem
sentido, mudança de matriz de leitura (frameshift) ou mutação no sítio de junção que possuem um efeito de perda de função (o produto de uma
proteína madura não é sintetizado). Já que eles apresentam uma cópia normal do GH1, os heterozigotos ainda produzem metade da quantidade normal
do hormônio de crescimento. Isto é suficiente para a estatura normal. Os homozigotos para essas mutações não produzem o produto GH1 e
apresentam estatura reduzida.
A IGHD dominante pode resultar de mutações dominantes negativas (Capítulo 3) no GH1. Em uma forma de IGHD dominantemente herdada,
uma mutação de sítio de junção deleta o terceiro éxon do gene GH1, produzindo uma proteína que vai em direção aos grânulos secretórios. Aqui, o
produto anormal GH1 codificado pelo cromossomo mutado interage com a proteína normal codificada pelo alelo GH1 normal. As moléculas
anormais incapacitam as moléculas normais do hormônio do crescimento, resultando em redução acentuada da produção do produto GH1 e, assim, na
estatura reduzida.
Outro exemplo é dado pela β-talassemia, uma condição discutida no Capítulo 3. Embora a maioria dos casos de β-talassemia ocorra como
resultado de mutações autossômicas recessivas, uma pequena fração de casos é herdada de maneira autossômica dominante. Alguns são causados por
mutações sem sentido ou mudança de matriz de leitura que terminam a tradução no éxon 3 da β-globina ou em éxons que venham posteriormente. O
RNA mensageiro (mRNA) resultante se dirige ao citoplasma e produz cadeias β-globinas instáveis. Em heterozigotos, essas cadeias anormais
exercem um efeito dominante negativo nas cadeias de β-globinas normais produzidas pelo alelo normal. Por outro lado, mudanças de matriz de
leitura ou sem sentido, que resultam em término da tradução nos éxons 1 e 2 do gene, resultam em pouco mRNA anormal no citoplasma, deixando o
produto do alelo normal intacto. Consequentemente, o heterozigoto não é afetado.
Esses exemplos ilustram algumas das complexidades envolvidas na aplicação dos termos “dominante” e “recessivo”. Também mostram como a
análise molecular de um gene pode ajudar a explicar características importantes da doença.

Em alguns casos, uma doença pode ser herdada tanto de maneira autossômica dominante quanto de maneira
autossômica recessiva, dependendo da natureza da mutação que altera o produto do gene.

Um último cuidado é que os termos dominante e recessivo, estritamente falando, se aplicam a características, e não a genes. Para saber o porquê,
considere a mutação da anemia falciforme, discutida no Capítulo 3. Os homozigotos para essa mutação desenvolvem a doença da anemia falciforme.
Os heterozigotos, que se diz terem o traço falcêmico, geralmente são clinicamente normais. Entretanto, um heterozigoto tem um risco aumentado
para infarto esplênico em grandes altitudes. Portanto, o gene mutante é dominante ou recessivo? Claramente, faz mais sentido se referir à doença
anemia falciforme como recessiva e ao traço falcêmico como dominante. Apesar disso, é comum (e, frequentemente, conveniente) aplicar os termos
dominante e recessivo aos genes.

FATORES QUE AFETAM A EXPRESSÃO DE GENES CAUSADORES DE DOENÇAS


Os padrões de herança descritos previamente para condições como a polidactilia pós-axial, fibrose cística e albinismo são bem simples. Entretanto, a
maioria das doenças genéticas varia no seu grau de expressão, e às vezes uma pessoa tem o genótipo causador da doença, mas nunca manifesta o
fenótipo. Ocasionalmente, doenças genéticas são observadas na ausência de qualquer histórico familiar prévio. Esses fenômenos, e os fatores
responsáveis por eles, serão discutidos adiante.

Mutação Nova
Caso uma criança tenha nascido com uma doença genética que não ocorreu anteriormente na família, é possível que a doença seja o produto de uma
mutação nova (ou de novo). Ou seja, o gene transmitido por um dos pais sofreu uma mudança na sequência de DNA, resultando em uma mutação a
partir de um alelo normal para um alelo causador de doença. Os alelos desse locus nas outras células germinativas do genitor ainda seriam normais.
Neste caso, o risco de recorrência para a prole subsequente desses pais não é maior do que o da população geral. Entretanto, a prole da criança afetada
pode ter um risco substancialmente elevado (p. ex., ele deve ser de 50% para uma doença autossômica dominante). Uma grande fração dos casos
observados de muitas doenças autossômicas dominantes é resultado de mutações novas. Por exemplo, é estimado que 7/8 de todos os casos de
acondroplasia sejam causados por mutações novas e somente 1/8 seja herdado de um genitor afetado. Isto se dá principalmente porque a doença tende
a limitar o potencial para reprodução. Para fornecer a estimativa acurada do risco, é essencial saber se a doença de um paciente é por causa de uma
mutação herdada ou de uma mutação nova. Isso pode ser feito somente se o histórico familiar foi bem feito.

Mutações novas são causas comuns do aparecimento de uma doença genética em uma pessoa sem história familial prévia
da desordem. O risco de recorrência para os irmãos dessa pessoa é muito baixo, mas o risco de recorrência para sua prole
pode ser substancialmente aumentado.
Mosaicismo de Linhagem Germinativa
Ocasionalmente, dois ou mais filhos apresentam uma doença autossômica dominante ou ligada ao X quando não há história familial dessa doença. Já
que a mutação é um evento raro, é improvável que isto ocorra devido a mutações novas múltiplas na mesma família. Provavelmente, o mecanismo
mais responsável por isso é o denominado mosaicismo de linhagem germinativa (mosaicismo descreve a presença de mais de uma linhagem celular
geneticamente distinta no organismo). Durante o desenvolvimento embrionário de um dos genitores, uma mutação ocorreu e afetou toda ou parte da
linhagem germinativa, porém atingiu poucas ou nenhuma das células somáticas do embrião (Fig. 4-11). Assim, os pais portam a mutação na sua
linhagem germinativa, mas não expressam efetivamente a doença, porque a mutação está ausente em outras células do organismo. Como resultado, o
genitor pode transmitir a mutação para múltiplos descendentes. Embora este fenômeno seja relativamente raro, ele pode ter efeitos significativos nos
riscos de recorrência quando ocorre.

FIGURA 4-11 Uma mutação ocorre em uma célula durante o desenvolvimento embrionário. Todos os descendentes dessa célula possuem a mesma
mutação, resultando em mosaicismo. Se a primeira célula mutada é parte de uma linhagem germinativa, tem como resultado o mosaicismo de linhagem
germinativa.

O mosaicismo de linhagem germinativa tem sido estudado extensivamente na forma perinatal letal da osteogênese imperfeita (OI tipo II, Capítulo
2), que é causada por mutações nos genes do pró-colágeno tipo 1. O fato de genitores não afetados às vezes terem vários descendentes afetados levou
à conclusão de que o tipo II de OI era uma característica autossômica recessiva. Isso foi contestado por estudos nos quais a técnica da reação em
cadeia da polimerase (PCR) foi utilizada para amplificar o DNA do esperma do pai de duas crianças com o tipo II da OI. Esse DNA foi comparado
com o DNA extraído de suas células somáticas (fibroblastos epiteliais). Embora as mutações do pró-colágeno não tenham sido detectadas no DNA
dos fibroblastos, elas foram encontradas em aproximadamente uma em cada oito células espermáticas. Isso foi uma demonstração direta de
mosaicismo de linhagem germinativa nesse homem. Embora o mosaicismo de linhagem germinativa tenha sido demonstrado para o tipo II da OI,
para a maioria dos casos não herdados (aproximadamente 95%), acredita-se que seja causado por mutações novas. Alguns casos de herança
autossômica recessiva verdadeira também foram documentados, além de serem identificados dois genes diferentes, cada um podendo causar a OI
autossômica recessiva (Comentário Clínico 2-1, Capítulo 2).
Outras doenças nas quais o mosaicismo de linhagem germinativa tem sido observado incluem a acondroplastia, neurofibromatose tipo 1, distrofia
muscular de Duchenne e hemofilia A (as últimas duas são discutidas no Capítulo 5). Foi estimado que o mosaicismo de linhagem germinativa
responda por mais de 15% dos casos de distrofia muscular de Duchenne e 20% dos casos de hemofilia A, nas quais não existia história familial
prévia.

O mosaicismo de linhagem germinativa ocorre quando todas as; ou parte das; células germinativas são afetadas por uma
mutação para a doença, mas as células somáticas não são afetadas. Ele eleva o risco de recorrência para a prole do genitor
mosaico.
Penetrância Reduzida
Outra importante característica de várias doenças genéticas é a penetrância reduzida (ou incompleta): uma pessoa que tem o genótipo causador da
doença pode não apresentar o fenótipo correspondente, mesmo ele ou ela podendo transmitir a mutação causadora da doença para a próxima geração.
O retinoblastoma, um tumor maligno do olho (Comentário Clínico 4-2), é um bom exemplo de desordem autossômica dominante na qual é observada
a penetrância reduzida. O padrão de transmissão dessa desordem está ilustrado na Figura 4-12. O estudo de famílias mostrou que cerca de 10% dos
portadores obrigatórios de uma mutação causadora de retinoblastoma (p. ex., aqueles que possuem um genitor afetado e uma criança afetada e,
portanto, devem portar a mutação) não apresentam a doença. A penetrância do genótipo causador da doença é de 90%. As taxas de penetrância são
geralmente estimadas pela investigação de um grande número de famílias e determinada pelo percentual de portadores obrigatórios (ou homozigotos
obrigatórios, no caso de desordens recessivas) que desenvolvem o fenótipo da doença.

FIGURA 4-12 Heredograma ilustrando o padrão de herança do retinoblastoma, uma desordem com penetrância reduzida. O portador obrigatório não
afetado, indicado com um ponto, tem o mesmo genótipo dos membros afetados do heredograma.

A penetrância reduzida descreve a situação em que pessoas que têm o genótipo causador de uma doença não
desenvolvem o fenótipo da mesma.

Penetrância Dependente da Idade


Embora algumas doenças genéticas sejam expressas no nascimento ou logo após, várias não se tornam aparentes até a vida adulta. O atraso na idade
de início de uma doença genética é conhecido como penetrância dependente da idade.
Um dos exemplos mais bem conhecidos é a doença de Huntington, uma desordem neurológica cujas principais características são demência
progressiva e movimentos incontroláveis e crescentes dos membros (Comentário Clínico 4-3). A última característica é conhecida como coreia (da
palavra grega para “dança”, khoreia), e a doença é, às vezes, chamada de coreia de Huntington. Essa desordem autossômica dominante tem essa
denominação devido ao Dr. George Huntington ter sido quem primeiramente descreveu a doença, em 1872. Os sintomas não são geralmente
observados até os 30 anos ou mais (Fig. 4-13). Assim, aqueles que desenvolveram a doença frequentemente têm filhos antes de tomar ciência de que
são portadores do alelo causador da doença. Se a doença estivesse presente ao nascimento, provavelmente todas as pessoas afetadas morreriam antes
de alcançarem a idade reprodutiva, e a frequência da doença na população seria muito menor. O atraso da idade no início da doença reduz assim a
seleção natural contra o alelo causador da doença, aumentando sua frequência em uma população.
Uma pessoa cujo genitor tem a doença de Huntington apresenta uma chance de 50% de ter herdado o alelo dessa doença. Até recentemente, essa
pessoa seria confrontada com uma questão torturante: devo ter filhos, sabendo que há uma chance de 50% de eu ter herdado a mutação e de passar
para metade dos meus filhos? Com a identificação da mutação responsável pela doença de Huntington, agora é possível para

FIGURA 4-13 Distribuição da idade de início para a doença de Huntington. A idade de início tende a ser mais precoce quando o genitor afetado é o pai.
(Dados de Conneally PM: Huntington disease: Genetics and epidemiology. Am J Hum Genet 1984;36:520.)

pessoas de risco saberem com alto grau de certeza se são portadoras do alelo causador da doença.
Como mencionado anteriormente, várias doenças genéticas importantes mostram penetrância dependente da idade. Estas incluem hemocromatose,
uma desordem recessiva da reserva de ferro (Capítulo 7); doença de Alzheimer familial (Capítulo 12); e muitos cânceres hereditários, incluindo o
4
câncer de mama autossômico dominante.

A penetrância dependente da idade é observada em várias doenças genéticas. Ela complica a interpretação de padrões de
herança nas famílias.

Expressividade Variável
Penetrância e expressividade são entidades diferentes. A penetrância é um fenômeno de tudo ou nada: o fenótipo da doença é expresso ou não. A
expressividade variável se refere ao grau de gravidade do fenótipo da doença.
A gravidade de expressão de várias doenças genéticas pode variar muito. Um exemplo bem estudado de expressividade variável em uma doença
autossômica dominante é a neurofibromatose tipo 1 (Comentário Clínico 4-4). Um genitor com expressão branda da doença — tão branda que não
sabe que a tem — pode transmitir o alelo causador da doença para uma criança, que pode ter uma expressividade grave. Vários fatores podem afetar a
expressividade de uma doença genética. Estes incluem influências ambientais (p. ex., não genéticas), como dieta, exercício ou exposição a agentes
prejudiciais, como a fumaça do tabaco. Na ausência de certos fatores ambientais, o gene causador da doença está expresso com gravidade menor ou
nem se expressa (p. ex., a expressão diminuída da PKU em uma dieta com baixa quantidade de fenilalanina). Outro possível fator é a interação de
outros genes, chamados genes modificadores, com o gene causador da doença. Finalmente, a expressividade variável pode resultar de diferentes
tipos de mutações (p. ex., diferentes alelos) no mesmo locus da doença. Isto se chama heterogeneidade alélica. Frequentemente são feitos esforços
para estabelecer as correlações genótipo-genótipo para melhor predizer a gravidade de uma doença genética, dado o genótipo do paciente. Em
alguns casos, doenças clinicamente distintas podem ser o resultado de uma heterogeneidade alélica, como nas mutações da β-globina que podem
causar tanto a anemia falciforme quanto várias formas de β-talassemia.

COMENTÁRIO CLÍNICO 4-2


Retinoblastoma
O retinoblastoma é o tumor de olho mais comum na infância, afetando aproximadamente uma em cada 20.000 crianças. O tumor se inicia
tipicamente dentro de três meses após a concepção e os quatro anos de idade, quando as células da retina estão se dividindo e proliferando
ativamente. Ele sempre se apresenta clinicamente perto dos cinco anos de idade.
Aproximadamente 60% dos casos de retinoblastoma são causados por mutações somáticas que ocorrem no desenvolvimento prematuro e,
portanto, não são transmitidas à prole dos indivíduos afetados. Os outros 40% são causados por mutações herdadas: cerca de 3/4 dessas (30% do
total de casos) são resultado de mutações novas, a maioria frequentemente transmitida pelo pai. O outro 1/4 de casos herdados (10% do total) são
herdados de um genitor que porta a mutação causadora do retinoblastoma em todas as suas células. Cerca de 10% desses que apresentam a
mutação que causa a doença herdada nunca desenvolvem um tumor (penetrância reduzida).
A análise de alterações no DNA dentro ou próxima ao gene causador da doença, o RB1, finalmente explicou o mecanismo responsável pela
penetrância reduzida. Resumidamente, um indivíduo que apresenta uma mutação herdada do RB1 a carrega em todas as células do seu organismo.
Entretanto, isso não é o suficiente para causar a formação do tumor; se fosse, cada célula do organismo deveria gerar o tumor. Em qualquer célula, a
presença de um alelo RB1 normal é suficiente para prevenir a formação do tumor. Para iniciar um tumor em uma célula da retina em
desenvolvimento, deve ocorrer um segundo evento somático que incapacita o outro alelo, o RB1 normal (esse processo em dois passos é discutido
no Capítulo 11). O segundo evento, que pode ser considerado uma mutação somática, tem baixa probabilidade relativa de ocorrer em qualquer
célula. Entretanto, existe pelo menos um milhão de células da retina no feto em desenvolvimento, cada uma representando um alvo potencial para o
evento. Geralmente, um indivíduo que herdou uma mutação causadora da doença passará por uma segunda mutação somática em várias células
diferentes da retina, gerando vários tumores. O retinoblastoma herdado é geralmente multifocal (consistindo em vários focos de tumores) e bilateral
(afetando ambos os olhos). Já que as segundas mutações são eventos aleatórios, uma pequena fração de pessoas que herdam o alelo da doença
nunca desenvolvem essa segunda etapa em qualquer célula da retina e não desenvolvem o retinoblastoma. A condição para uma segunda mutação
somática explica, assim, a penetrância reduzida observada nesta desordem.
O gene do retinoblastoma, RB1, codifica um produto proteico, pRb, que tem um papel fundamental no controle do ciclo celular. A principal função
da pRb, quando hipofosforilada, é ligar e inativar membros da família dos fatores de transcrição nuclear E2F. A célula requer E2F ativado para
prosseguir da fase G1 para a S da mitose. Por meio da inativação do E2F, a pRb exerce uma pausa no ciclo celular. Quando se requer uma divisão
celular, pRb é fosforilada por complexos de quinases dependentes de ciclinas (Capítulo 2) e E2F é liberado por pRb e ativado. Uma mutação que gera
perda de função na pRb pode causar a perda permanente da capacidade de ligação ao E2F. A célula, que perdeu a sua pausa, se submete a mitoses
repetidas e incontroladas, levando potencialmente a um tumor. Por causa de seu efeito controlador no ciclo celular, o gene Rb pertence a uma classe
de genes conhecidos como supressores de tumor (Capítulo 11).
Se não tratados, os retinoblastomas podem chegar a um tamanho considerável e levar a metástase para o sistema nervoso central ou outros
sistemas de órgãos. Felizmente, atualmente esses tumores são detectados e tratados antes de crescerem. Se encontrado precocemente por exames
oftalmológicos, o tumor pode ser tratado com sucesso com crioterapia (congelamento) ou fotocoagulação a laser. Em casos mais avançados,
radiação, quimioterapia ou enucleação (remoção) do olho pode ser necessária. Atualmente, a taxa de sobrevivência em cinco anos para pacientes
com retinoblastoma nos Estados Unidos é próxima de 95%.
Já que pessoas com retinoblastoma na família possuem a mutação herdada do RB1 em todas as células do seu organismo, elas também estão
suscetíveis a outros tipos de câncer ao longo da vida. Em particular, cerca de 15% daqueles que herdam a mutação desenvolvem osteossarcomas
(tumores malignos dos ossos) mais tarde. Outros cânceres secundários comuns incluem sarcomas teciduais e melanoma cutâneo. O monitoramento
cuidadoso para tumores subsequentes e evitar os agentes que podem produzir uma segunda mutação (p. ex., raios X) são, portanto, aspectos
importantes no seguimento do paciente com retinoblastoma herdado (Fig. 4-14).
FIGURA 4-14 A, Um reflexo branco (leucocoria) pode ser observado no olho direito desse indivíduo em um exame oftalmológico. B, Retinoblastoma
bilateral, mostrando a presença de tecido neoplásico. (De Rosai J: Ackerman’s Surgical Pathology, 8th ed. St. Louis: Mosby, 1996.)

COMENTÁRIO CLÍNICO 4-3


Doença de Huntington
A doença de Huntington (DH) afeta aproximadamente um a cada 20.000 descendentes de europeus, mas é substancialmente menos comum na
maioria das outras populações. Essa desordem geralmente se manifesta entre os 30 e 50 anos de idade, embora já tenha sido observada em um ano
de idade e após os 80 anos.
A DH é caracterizada por perda progressiva do controle motor, demência e transtornos psiquiátricos. Há uma perda substancial de neurônios no
cérebro, que é detectada por técnicas de imagem, como a ressonância magnética (RM). A diminuição da captação de glicose no cérebro, um sinal
inicial dessa doença, pode ser detectada por tomografia por emissão de pósitron (TEP). (Essas técnicas, porém, não são específicas o suficiente para
diagnosticar a doença com precisão). Embora muitas partes do cérebro sejam afetadas, a área que notavelmente sofre maior dano é o corpo
estriado. Em alguns pacientes, a doença leva à perda de 25% ou mais do peso total do cérebro.
O curso clínico da DH é prolongado. Tipicamente, o intervalo entre o diagnóstico e a morte é de 15 a 20 anos. Assim como em várias doenças
neurológicas, pacientes com DH apresentam dificuldades de deglutição; a pneumonia aspirativa é a principal causa de morte. A insuficiência
cardiorrespiratória e hematoma subdural (decorrentes de trauma de crânio) são outras causas frequentes de morte. A taxa de suicídio entre
pacientes com DH é cinco a 10 vezes maior do que a da população em geral. O tratamento inclui fármacos, como benzodiazepinas para ajudar a
controlar os movimentos coreicos. Distúrbios afetivos, que são observados em aproximadamente metade dos pacientes, são controlados às vezes
com fármacos antipsicóticos e antidepressivos tricíclicos. Embora esses fármacos ajudem a controlar alguns dos sintomas da DH, ainda não há
maneiras de alterar o desfecho da doença.
A DH se destaca como a primeira doença genética mapeada em um cromossomo específico utilizando-se um marcador RFLP, em 1983. O
sequenciamento subsequente do gene causador da doença mostrou que a maioria dos casos de DH resulta da repetição expandida de uma
sequência CAG (Capítulo 3) localizada no éxon 1. Em 90% a 95% dos casos, a mutação é herdada de um genitor afetado. O número normal de
repetições varia de 10 a 26. As pessoas com 27 a 35 repetições não são afetadas, porém são mais passíveis de transmitir um número ainda maior
dessas repetições para a sua prole. A herança de 36 ou mais cópias da repetição pode desenvolver a doença, embora a penetrância incompleta do
fenótipo da doença seja observado naqueles indivíduos que apresentam de 36 a 40 repetições.
Assim como em várias desordens causadas pela expansão repetida de trinucleotídeos, um número maior de repetições está correlacionado com o
início precoce da doença. Cerca de 60% a 70% da variação da idade de inicio da DH pode ser prevista pelo número de repetições. Há uma tendência
para grandes expansões de repetição quando o pai, em vez da mãe, transmite a mutação, a qual ajuda a explicar a diferença no ano de início da
doença transmitida paternal ou maternalmente, como observado na Figura 4-13. Particularmente, 80% dos casos com início antes dos 20 anos de
idade (doença de Huntington juvenil) são devidos à transmissão paterna, e esses casos são caracterizados especialmente por um grande número de
expansões repetidas. Ainda deve ser determinado por que o grau de instabilidade de repetições no gene da DH é maior na transmissão paterna do
que na materna (Fig. 4-15).
FIGURA 4-15 Duas secções transversais do cérebro de um adulto com doença de Huntington ilustrando a atrofia caudada grave e os ventrículos
laterais alargados. (Cortesia do Dr. Thomas Bird, University of Washington.)

O produto proteico, denominado huntingtina, está envolvido no transporte de vesículas nas vias secretórias celulares. Inclusive, há evidências de
que a huntingtina seja necessária para a produção normal do fator neurotrófico derivado do cérebro. A expansão de repetições CAG produz séries
alongadas de glutaminas próximas à região aminoterminal da huntingtina. Embora o papel preciso dessas séries alongadas de glutamina na causa
da doença seja obscuro, elas estão correlacionadas com a construção de agregados proteicos tóxicos dentro e próximo do núcleo neuronal. Acredita-
se que esses agregados sejam tóxicos e estejam associados à morte neuronal precoce. A DH é particularmente diferente quanto ao fato dos
homozigotos afetados aparentemente apresentarem um curso clínico bastante similar aos heterozigotos (ao contrário da maioria das doenças
dominantes, nas quais homozigotos são afetados mais gravemente). Este atributo, e o fato de que modelos de camundongos nos quais uma cópia
do gene é inativada geram animais normais, apoia a hipótese de que a mutação causa um ganho de função prejudicial (Capítulo 3).

A fibrose cística, discutida no Comentário Clínico 4-1, ilustra as maneiras com que esses fatores podem influenciar na manifestação da doença. As
mutações do CFTR que resultam em uma ausência completa de canais de cloreto nas superfícies celulares tendem a produzir doenças mais graves do
que mutações que resultam em canais de íon cloreto parcialmente ativos (heterogeneidade alélica). Algumas das variações na gravidade da doença de
pulmão entre os pacientes com FC com genótipos CFTR idênticos podem ser explicadas pela variação no gene TGFB1 (fator de crescimento
transformante β, do inglês transforming growth factor β), um gene modificador cuja expressividade aumentada também está associada à asma e à
doença pulmonar obstrutiva crônica. As mutações em outro gene modificador, DCTN4, parecem reduzir a eficácia da proteína dinactina na eliminação
de Pseudomonas aeruginosa da via aérea. Pacientes com FC que sofrem de infecções bacterianas mais frequentes e graves experimentam dano
pulmonar acelerado. Assim, a doença proporciona exemplos das três principais causas de expressividade variável: heterogeneidade alélica, genes
modificadores e fatores ambientais.
Já que muitos fatores podem influenciar a expressão de uma doença genética, fica claro que o termo comumente usado “doença monogênica” é
uma supersimplificação. Embora uma mutação em um único gene possa ser suficiente para causar tal doença, a sua gravidade — sempre uma
preocupação importante para os clínicos — é tipicamente influenciada por muitos fatores genéticos e não genéticos.

A expressividade variável de uma doença genética pode ser causada por efeitos ambientais, genes modificadores ou
heterogeneidade alélica.

Heterogeneidade de Locus
Comumente, o fenótipo de uma única doença é causado por mutações em diferentes loci nas diferentes famílias, o que é chamado de
heterogeneidade de locus (compare com a heterogeneidade alélica, discutida na seção anterior, na qual diferentes mutações são observadas dentro do
mesmo locus). Um bom exemplo é a doença do rim policístico do adulto (APKD, do inglês, adult polycystic kidney disease), uma desordem
autossômica dominante caracterizada pelo acúmulo progressivo de cistos renais. Os pacientes também podem desenvolver cistos hepáticos,
hipertensão, aneurismas cerebrais e falhas nas válvulas cardíacas. Com ocorrência de cerca de um em cada 1.000 descendentes de europeus, essa
desordem é responsável por 8% a 10% da doença renal em estágio terminal na América do Norte. A APKD pode ser causada por mutações em genes
localizados tanto no cromossomo 16 (PKD1) quanto no cromossomo 4 (PKD2). Ambos codificam glicoproteínas que atravessam a membrana e
interagem umas com as outras, além de estarem envolvidas na sinalização celular. (Quando a sinalização ocorre de maneira incorreta, acredita-se que
a regulação do crescimento celular fique comprometida, resultando na formação do cisto). Em uma família, a doença pode ser causada por mutação
no PKD1, porém em outra pode resultar de uma mutação no PKD2. As condições da doença produzidas pelas mutações nesses dois genes podem ser
clinicamente indistinguíveis.
A osteogênese imperfeita é considerada um segundo exemplo de heterogeneidade de locus. Recorde o Capítulo 2 em que as subunidades da tripla
hélice do pró-colágeno são codificadas por dois genes, um no cromossomo 17 e outro no cromossomo 7 (Fig. 4-17). Uma mutação que ocorre em
ambos os genes pode alterar a estrutura normal da tripla hélice, resultando finalmente em osteogênese imperfeita. A heterogeneidade de locus é vista
em muitas outras doenças genéticas, incluindo as formas familiais da doença de Alzheimer, câncer de mama, câncer de cólon e melanoma.

COMENTÁRIO CLÍNICO 4-4


Neurofibromatose: uma Doença com Expressividade Altamente Variável
A neurofibromatose tipo 1 (NF1) é também conhecida como doença de von Recklinghausen, em reconhecimento ao médico alemão que
primeiramente descreveu essa condição, em 1882. É uma das desordens autossômicas dominantes mais comuns, afetando aproximadamente um
em cada 3.000 indivíduos em todas as populações estudadas. Ela fornece um bom exemplo de expressão variável em uma doença genética. Alguns
pacientes só apresentam manchas café com leite, relativas a cor das lesões hiperpigmentadas da pele, nódulos de Lisch (crescimentos benignos na
íris) e poucos neurofibromas (tumores não malignos em nervos periféricos). Essas pessoas, algumas vezes, não sabem que têm tal condição. Outros
pacientes possuem uma expressão muito mais grave da doença, incluindo centenas a milhares de neurofibromas, neurofibromas plexiformes,
gliomas da via ótica (tumores benignos do nervo óptico), deficiência de aprendizado, hipertensão, escoliose (curvatura lateral da coluna vertebral) e
neoplasias. Cerca de dois terços dos pacientes apresentam somente uma complicação cutânea branda. Aproximadamente 10% desenvolvem
tumores malignos na bainha dos nervos periféricos (MPNSTs, do inglês, malignant peripheral nerve sheath tumors), os quais tipicamente surgem dos
neurofibromas plexiformes. A expressão pode variar significativamente dentro da mesma família: um genitor levemente afetado pode ter uma prole
gravemente afetada.
Há uma série padronizada de critérios de diagnósticos para a NF1. Duas ou mais das seguintes condições devem estar presentes:
1. Seis ou mais manchas café com leite com mais de 5 mm de diâmetro em pacientes pré-púberes e maiores que 15 mm em pacientes pós-púberes.
2. Sardas nas axilas ou virilhas.
3. Dois ou mais neurofibromas de qualquer tipo ou um neurofibroma plexiforme (p. ex., um crescimento extenso que ocorre ao longo de uma bainha
nervosa).
4. Dois ou mais nódulos de Lisch.
5. Glioma óptico.
6. Lesões distintas dos ossos, particularmente um osso esfenoide formado anormalmente ou pseudoartrose tibial.1*
7. Um parente em primeiro grau com a neurofibromatose diagnosticada utilizando-se os seis critérios anteriores
Embora a NF1 apresente expressividade altamente variável, a penetrância das mutações causadoras das doenças é de quase 100%. O gene NF1
possui uma das mais altas taxas de mutações conhecidas, cerca de uma em cada 10.000 por geração. Isto se deve, em parte, ao grande tamanho do
gene NF1 (aproximadamente 350 kb), que o torna um alvo bastante extenso para mutação. O produto do gene, a neurofibromina, age como um
supressor de tumor (Capítulo 11, para mais detalhes). As mutações em NF1 podem ser detectadas em mais de 90% dos casos, utilizando uma
combinação de métodos de detecção, incluindo sequenciamento de DNA, análise citogenética e análise de produtos anormais (truncados). As
pessoas nas quais todo o gene NF1 está deletado tendem a ser gravemente afetadas, com grandes quantidades de neurofibromas e um risco
aumentado de desenvolver MPNSTs.
A mutação no gene NF1 que ocorre durante o desenvolvimento embrionário afetará algumas células do indivíduo, resultando em mosaicismo
somático. Neste caso, as características da doença podem ficar restritas apenas a alguma parte do organismo (neurofibromatose segmentar).
A neurofibromatose tipo 2 (NF2) é muito mais rara do que a NF1, e é caracterizada por schwannomas vestibulares (tumores que surgem nas
células de Schwann e afetam o oitavo nervo craniano) e, ocasionalmente, por marcas café com leite. Pacientes que desenvolvem a NF2, entretanto,
não apresentam neurofibromas verdadeiros, assim o termo “neurofibromatose tipo 2” é inadequado. O gene NF2, mapeado no cromossomo 22,
codifica uma proteína supressora de tumor chamada merlin ou schwannomina.
Casos brandos de neurofibromatose podem requerer pouco manejo clínico. Entretanto, a cirurgia pode ser necessária, caso neoplasias se
desenvolvam ou tumores benignos interfiram na função normal. Escoliose, pseudoartrose tibial e/ou curvamento da tíbia, observados em menos de
5% dos casos, podem precisar de tratamento ortopédico. A hipertensão pode se desenvolver e é frequentemente secundária a um feocromocitoma
ou uma estenose (estreitamento) da artéria renal. Os problemas clínicos mais comuns em crianças são as deficiências no aprendizado (observadas
em 50% das pessoas com NF1), baixa estatura e gliomas ópticos (que podem levar à perda da visão). O acompanhamento minucioso pode ajudar a
detectar esses problemas e minimizar seus efeitos. Estudos clínicos recentes desenvolvidos para reduzir ou eliminar os tumores observados em
pacientes com NF1 têm trazido esperança de melhores opções de tratamento (Fig. 4-16).
FIGURA 4-16 Neurofibromatose tipo 1 (NF1). A, Neurofibromas múltiplos em um adulto com a neurofibromastose tipo 1. B, Nódulos de Lisch
(hamartomas benignos da íris) visíveis em um exame de lâmpada de fenda de um indivíduo com neurofibromatose tipo 1. (A de Habit T, Campbell J,
Chapman M, et al. Skin Disease: Diagnosis and Treatment, 2nd ed. St. Louis, Mosby, 2005; B de Jones KL: Smith`s Recognizable Patterns of Human
Malformation,. 6th ed. Philadelphia: Mosby, 2006.)

Diz-se que uma doença que pode ser causada por mutações nos diferentes loci em diferentes famílias apresenta
heterogeneidade de locus.

FIGURA 4-17 Estrutura da tripla hélice da proteína colágeno tipo 1. As duas cadeias α1 são codificadas por um gene no cromossomo 17 e as cadeias α2
são codificadas por um gene no cromossomo 7.

Pleiotropia
Genes com mais de um efeito perceptível no organismo chamam-se pleiotrópicos. Um bom exemplo de genes com efeitos pleiotrópicos é dado pela
síndrome de Marfan. Primeiramente descrita em 1896 por Antoine Marfan, um pediatra francês, esta desordem autossômica dominante afeta os olhos,
o esqueleto e o sistema cardiovascular (Comentário Clínico 4-5). A maior parte das características observadas nos casos da síndrome de Marfan é
causada por um tecido conjuntivo anormalmente extensível. A maioria dos casos de síndrome de Marfan é causada por mutações no gene que
codifica a fibrilina, um componente do tecido conjuntivo que está expresso na maioria dos tecidos e órgãos afetados por essa síndrome (Comentário
Clínico 4-5). Já discutimos várias outras doenças monogênicas nas quais a pleiotropia é observada, incluindo a fibrose cística, e como as glândulas
sudoríparas, pulmões e o pâncreas podem ser afetados; a osteogênese imperfeita, na qual os ossos, dentes e a esclera podem ser afetados e o
albinismo, no qual o desenvolvimento de pigmentação e as fibras ópticas são afetados.

Genes que exercem efeitos em múltiplos aspectos de fisiologia ou anatomia são pleiotrópicos. A pleiotropia é uma
característica comum dos genes humanos.

CONSANGUINIDADE EM POPULAÇÕES HUMANAS


Embora a consanguinidade seja relativamente rara nas populações ocidentais, ela é comum em muitas populações do mundo. Por exemplo, as uniões
entre primos-irmãos são observadas em 20% a 50% dos matrimônios em vários países do Oriente Médio e casamentos entre tio e sobrinha, e primos-
irmãos são comuns em algumas partes da Índia. O fato de parentes mais frequentemente compartilharem genes que causam doenças, herdados de um
ancestral em comum, tornam as uniões consanguíneas mais suscetíveis de gerar uma prole afetada por desordens autossômicas recessivas. É possível
quantificar o percentual de genes compartilhados por um par de parentes pela estimativa do coeficiente de parentesco (Quadro 4-1). A estimativa
dessa quantidade mostra, por exemplo, que irmãos compartilham 1/2 de suas sequências de DNA, em média, porque eles compartilham dois
genitores. Tios e sobrinhas partilham 1/4 de suas sequências de DNA por causa da ancestralidade em comum; primos em primeiro grau partilham 1/8;
5
primos em primeiro grau de gerações diferentes (germanos), partilham 1/16; primos em segundo grau partilham 1/32, e assim por diante.

Consanguinidade e a Frequência de Doenças Recessivas


Lembre-se de que cerca de um em cada 25 brancos é portador heterozigoto de uma mutação que causa fibrose cística. Então, um indivíduo que possui
esse alelo tem uma chance em 25 de encontrar outro portador, da mesma mutação,caso ele se una com alguém da população em geral. Logo, ele
triplica sua chance de encontrar outro portador apenas se casando com uma prima-irmã, que tem 1/8 chances de possuir o mesmo gene. Por outro
lado, um portador de uma doença recessiva relativamente rara, como a galactosemia clássica (uma desordem metabólica discutida no Capítulo 7), tem
somente 1/170 chance de encontrar outro portador na população geral. Por causa do compartilhamento de 1/8 do seu DNA com sua prima-irmã, a
chance de que esta também tenha a mutação da galactosemia ainda é de 1/8. Com essa doença mais rara, um portador está 21 vezes mais suscetível de
encontrar outro portador caso ele se case com uma prima-irmã do que em um casamento com uma pessoa não relacionada. Isso ilustra um princípio
importante: quanto mais rara for a doença recessiva, mais provável que os genitores de indivíduos afetados sejam consanguíneos.
Este princípio tem embasamento empírico. Um estudo francês mostrou que a frequência de casamentos entre primos-irmãos naquele país era
menor do que 0,2%. Entre pacientes com fibrose cística, uma desordem recessiva relativamente comum, 1,4% era a prole de uniões de primos-irmãos.
Esse percentual aumentou para 7,1% para a cistinose e 12,5% para acromatopsia, ambas as desordens recessivas menos comuns.

A consanguinidade aumenta a chance de que as pessoas de um casal portem a mesma mutação causadora da doença. É
mais frequentemente observada em heredogramas que envolvem doenças recessivas raras do que naquelas envolvendo
doenças recessivas comuns.

Consequências da Consanguinidade à Saúde


Foi estimado que cada pessoa porta de uma a cinco mutações recessivas que serão letais para a prole se unidas com outra cópia da mutação (p. ex.,
homozigose). Portanto, deve ser esperado que o casamento entre parentes mais frequentemente resulte em prole com doenças genéticas. De fato, a
maioria dos estudos empíricos mostra que as taxas de mortalidade para a prole de casamentos entre primos-irmãos são substancialmente maiores do
que os da população geral (Tabela 4-2). Similarmente, a prevalência de doença genética é aproximadamente duas vezes mais alta entre os
descendentes de casamentos entre primos-irmãos quando comparada a dos descendentes de pessoas não relacionadas. Os casamentos entre primos-
irmãos são ilegais na maior parte dos estados dos Estados Unidos enquanto os casamentos entre parentes próximos (exceto primos-irmãos duplos, que
partilham os

COMENTÁRIO CLÍNICO 4-5

Síndrome de Marfan: Um Exemplo de Pleiotropia


A síndrome de Marfan é uma condição autossômica dominante observada aproximadamente em um a cada 10.000 norte-americanos. Ela é
caracterizada por alterações em três sistemas principais: ocular, esquelético e cardiovascular. As alterações oculares incluem miopia, que está
presente na maioria dos pacientes com a síndrome de Marfan, e deslocamento do cristalino (ectopia lentis), observado em cerca da metade dos
pacientes com essa síndrome. As deficiências esqueléticas incluem dolicostenomelia (membros extraordinariamente longos e finos), pectus
excavatum (“peito escavado”), pectus carinatum (“peito de pombo”), escoliose e aracnodactilia (literalmente “dedos em aranha”, denotando os dedos
caracteristicamente longos e finos; Fig. 4-18). Os pacientes com a síndrome de Marfan também apresentam típica hipermobilidade das articulações.
As principais deficiências que ameaçam a vida de um paciente com a síndrome de Marfan são as do sistema cardiovascular. A maior parte deles
desenvolve um prolapso da válvula mitral na qual as cúspides desta se projetam para cima do átrio esquerdo durante a sístole; o que pode resultar
na regurgitação mitral (escape de sangue de volta ao átrio esquerdo a partir do ventrículo esquerdo). O prolapso da válvula mitral, entretanto, é
observado em 1% a 3% da população em geral e normalmente traz poucas consequências. Uma complicação mais séria é a dilatação (ampliação) da
aorta ascendente, que é observada em 90% dos pacientes com a síndrome. À medida que a dilatação aumenta, a aorta se torna suscetível a
dissecção ou ruptura, particularmente quando o débito cardíaco é alto (como em exercício pesado ou gravidez). À medida que a aorta se alarga, o
ventrículo esquerdo aumenta e ocorre a cardiomiopatia (dano ao músculo cardíaco). O resultado final é uma insuficiência cardíaca congestiva, uma
causa comum de morte entre pacientes com a síndrome de Marfan.
A maior parte dos casos de síndrome de Marfan resulta de mutações no gene FBN1, que é expresso na aorta, no periósteo e ligamento suspensor
do cristalino. Pelo fato do FBN1 codificar uma proteína do tecido conjuntivo, a fibrilina, mutações nesse gene alteram a estrutura do tecido
conjuntivo. Isto ajuda a explicar algumas das características cardiovasculares e oculares dessa doença. Centenas de mutações diferentes no FBN1 já
foram identificadas nos pacientes com síndrome de Marfan. A maioria é de mutações de sentido trocado, porém as mudanças de matriz de leitura e
sem sentido produzindo uma fibrilina truncada também são observadas. Em muitos casos, as mutações de sentido trocado produzem um fenótipo
mais acentuado da doença por causa do efeito dominante negativo (p. ex., as fibrilinas anormais se ligam e incapacitam várias das fibrilinas normais
sintetizadas pelo alelo normal em um heterozigoto). Uma forma neonatal grave da doença é produzida por mutações nos éxons 24 a 32. Pelo menos
um heterozigoto composto da síndrome de Marfan foi relatado. A criança, que herdou um alelo causador da doença de cada um de seus pais
heterozigotos afetados, apresentou insuficiência cardíaca congestiva e morreu de parada cardíaca aos quatro meses de idade.
Mutações específicas no FBN1 podem causar aracnodactilia familial (sem outros sintomas da síndrome de Marfan), enquanto outras podem causar
ectopia lentis. Uma doença chamada aracnodactilia contratural congênita apresenta várias das características esqueléticas da síndrome de Marfan,
mas não envolve deficiências oculares ou cardíacas. Essa doença é causada por mutações em um segundo gene, FBN2, que codifica outra forma de
fibrilina.

FIGURA 4-18 A, Um homem jovem com a síndrome de Marfan. Note os membros longos e face estreita característicos. B, Aracnodactilia em uma
menina de 8 anos de idade com a síndrome de Marfan. Observe a projeção do polegar bem acima da borda da palma da mão (sinal do polegar de
Steinberg). (A de Jones Kl: Smith’s Recognizable Patterns of Human Malformation. 6th ed. Philadelphia: Saunders, 2006:549. B de Jones KL: Smith`s
Recognizable Patterns of Human Malformation. 6th ed. Philadelphia: Mosby, 2006.)

Uma pequena porcentagem de pessoas com a síndrome de Marfan não tem mutações em FBN1 ou FBN2, porém apresenta mutação no gene que
codifica para o receptor 2 do fator de crescimento transformante β (TGFBR2, do inglês, transforming growth factor b receptor 2 ). Essas mutações
aumentam a atividade de sinalização do fator de crescimento transformante β (TGF-β), que leva à dilatação da aorta e ao crescimento anormal do
osso. É interessante que a fibrilina contém um domínio que se liga ao TGF-β, e que as mutações que alteram a fibrilina devem também aumentar a
sinalização do TGF-β. Assim, as mutações no FBN1 podem produzir anormalidades estruturais do tecido conjuntivo, assim como atividade anormal
do TGF-β, que responde pelas características pleiotrópicas dessa condição.
O tratamento para a síndrome de Marfan inclui exames oftalmológicos regulares e, para indivíduos com dilatação da aorta, evitar exercícios
pesados e esportes de contato. Além do mais, os bloqueadores β-adrenérgicos (p. ex., atenolol) podem ser administrados para diminuir a força e
precipitação de contrações cardíacas. Isso reduz o estresse sobre a aorta, embora não esteja claro se esses fármacos reduzem a dilatação desta. Em
alguns casos, a aorta e a válvula aórtica são cirurgicamente substituídas por um tubo sintético e uma válvula artificial. Com tais tratamentos, as
pessoas com a síndrome de Marfan podem alcançar níveis de vida próximos ao normal.
Tem sido aberto outro possível caminho para o tratamento pela descoberta da sinalização elevada do TGF-β na síndrome de Marfan. Em modelos
com camundongos com essa desordem, a administração de antagonistas de TGF-β tem mostrado prevenir a dilatação da aorta. Um desses agentes,
losartan, é um antagonista do receptor tipo 1 de angiotensina II e é frequentemente utilizado para tratar pressão arterial elevada. Esse fármaco está
sendo avaliado em testes clínicos para o tratamento da síndrome de Marfan.
Muitas figuras históricas parecem ter apresentado a síndrome de Marfan, incluindo Niccolo Paganini, o violinista, Sergei Rachmaninoff, o
compositor e pianista e o presidente americano Abraham Lincoln. Algumas características esqueléticas de Lincoln são observadas na Síndrome de
Marfan e a avaliação de seus registros médicos mostrou que ele tinha aspectos consistentes de dilatação aórtica. Foi sugerido que ele estava em
insuficiência cardíaca congestiva no momento de sua morte e que, se ele não tivesse sido assassinado, não sobreviveria ao seu segundo mandato.

QUADRO 4-1 Medida da Consanguinidade: O Coeficiente de Parentesco


Para determinar as possíveis consequências de uma união consanguínea, é útil conhecer qual porcentagem de DNA é compartilhada por dois
indivíduos relacionados em função de sua descendência de um ancestral comum. O coeficiente de relação é uma medida desse percentual.
Evidentemente, indivíduos mais próximos devem compartilhar grande porcentual de seus genes. Para começar com um exemplo simples, um
indivíduo recebe metade de seus genes de cada genitor. Assim, o coeficiente de relação entre um genitor e sua prole é 1/2. Isso também significa que
a probabilidade de um genitor e a sua prole compartilharem um determinado gene (p. ex., um alelo de doença) é 1/2.

Para continuar com um exemplo mais complexo, suponha que se saiba que um homem seja um portador heterozigoto para galactosemia, uma
desordem metabólica autossômica recessiva relativamente rara. Caso ele tenha filhos com sua prima-irmã, qual é a probabilidade de que ela
também possua o alelo causador da de doença? Sabemos que essa probabilidade deve ser maior do que a da população geral, porque primos-
irmãos compartilham um par de avós.Há então a possibilidade de que o avô ou avó que transmitiu o gene da galactosemia para o portador
conhecido, também o tenha transmitido para a prima do portador. O coeficiente de relação especifica essa probabilidade. O heredograma de um
casamento de primos-irmãos é mostrado abaixo na Figura A, à esquerda. O homem portador é classificado como A, e sua prima é classificada como
E. Já que estamos interessados somente nos membros da família que são parentes tanto do homem quanto da sua prima, o heredograma está
resumido à direita, na Figura B, para incluir somente aqueles indivíduos que formam uma via entre o homem e sua prima.

Para estimar o coeficiente de parentesco, começamos com o portador e ascendemos no heredograma. Sabemos que a probabilidade de que o
portador conhecido tenha herdado o gene do genitor (classificado como B) é de 1/2. Há também a probabilidade de 1/2 de que ele tenha herdado o
gene de seu outro genitor, que não está relacionado com sua prima e, portanto, não foi incluído no diagrama. Por raciocínio semelhante, a
probabilidade de que o indivíduo B tenha herdado o gene da doença de seu genitor, o indivíduo C, também é 1/2. A probabilidade de que o indivíduo
C, por sua vez, passe o gene da doença para sua prole, D, é ½, e a probabilidade de que D transmita o gene da doença para E também é de 1/2.
Assim, para E compartilhar um alelo causador da doença com A, cada um desses quatro eventos deve acontecer. A regra da multiplicação diz que,
para encontrar a probabilidade de que todos os quatro eventos ocorram, pegamos o produto de todas as quatro probabilidades. Já que cada uma
dessas probabilidades é de 1/2, o resultado é (1/2)4 = 1/16.

Se os indivíduos A e E compartilham somente um avô ou avó, o coeficiente de parentesco deve ser 1/16. Mas, assim como a maioria dos primos-
irmãos, eles têm um avô e uma avó em comum. Assim, há duas vias através das quais o gene da doença poderia ter sido passado. Para obter a
probabilidade de que o gene tenha passado pela segunda via, nós utilizamos o mesmo procedimento do parágrafo anterior e obtemos uma
probabilidade de 1/16. Agora precisamos estimar a probabilidade que o gene foi herdado pela primeira ou pela segunda via (p. ex., através do avô ou
da avó). A regra de adição diz que podemos somar essas duas probabilidades para obter a probabilidade geral da partilha do gene da doença entre A
e E: 1/16 + 1/16 = 1/8. A probabilidade de que o primo portador compartilhe o alelo de sua doença, como resultado de sua descendência de avós em
comum, é de 1/8. Esse é o coeficiente de parentesco de primos-irmãos2*.

A, Heredograma para uma união de primos-irmãos.


B, O heredograma está condensado para mostrar somente os indivíduos que são relacionados com os primos-irmãos.

Deve-se reconhecer que o indivíduo E pode herdar também um alelo de doença de um ancestral não incluído em nenhuma dessas vias. Entretanto,
para alelos de doenças que são relativamente raras nas populações, essa probabilidade é pequena e geralmente pode ser desconsiderada.

As regras para calcular o coeficiente de parentesco podem ser resumidas como a seguir:
1. Cada indivíduo pode aparecer em uma via somente uma vez.
2. Sempre comece com um indivíduo, siga para cima no heredograma, para um ancestral em comum, depois desça o heredograma para outro
indivíduo.
3. O coeficiente de parentesco para uma via é dado por (1/2)n-1, onde n é o número de indivíduos nesta via.
4. Se há múltiplas vias (p. ex., múltiplos ancestrais em comum), as probabilidades estimadas para cada uma são adicionadas.

TABELA 4-2 Níveis de Mortalidade nos Casamentos entre Primos e Casamentos-controle de Pessoas não Aparentadas
em Populações Humanas Selecionadas
POPULAÇÃO TIPO DE MORTALIDADE PRIMO 1.0 PRIMO 1.5* PRIMO 2.0 NÃO
RELACIONADO

% N % N % N % N

Amish (Ordem Antiga) Pré-reprodutiva 14,4 1.218† – – 13,3 6.064 8,2 17.200

Bombaim (Índia) Perinatal 4,8 3.309 2,8 176 0 30 2,8 35.620

França (Loir-et-Cher) Pré-reprodutiva 17,7 282 6,7 105 11,7 240 8,6 1.117

Fukuoka, Japão 0 a 6 anos 10,0 3.442 8,3 1.048 9,2 1.066 6,4 5.224

Hirado, Japão Pré-reprodutiva 18,9 2.301 15,3 764 14,7 1.209 14,3 28.569

Kerala, Índia Pré-reprodutiva 18,6 391 – – 11,8 34 8,7 770


Punjab, Paquistão Pré-reprodutiva 22,1 3.532 22,9 1.114 20,1 57 16,4 4.731

Suécia Pré-reprodutiva 14,1 185 13,7 227 11,4 79 8,6 625

Mórmons de Utah Pré-reprodutiva 22,4 1.048 15,3 517 12,2 1.129 13,2 302.454

Modificado de Jorde BL. Inbreeding in human populations. In: Dulbecco R (ed): Encyclopedia of Human Biology, vol 5. New York: Academic Press, 1997: 1-13.
*Primos em primeiro grau de gerações diferentes.
†Incluem primos 1.5.

avós dos dois lados) são proibidos em todo o país. Há bem poucos dados sobre uniões entre irmãos ou pais e filhos (definidos como incesto). Os
dados limitados indicam que a fração de prole anormal produzida por casamento incestuoso está entre e , resultando em filhos afetados por
doenças graves, sendo o comprometimento mental uma das consequên­cias mais comuns. Por causa do pequeno número amostral desses estudos, é
difícil separar os efeitos da genética daqueles do ambiente precário. É provável que os problemas ocorridos com a prole de casamentos incestuosos
sejam causados tanto por influências genéticas quanto ambientais.

No nível populacional, a consanguinidade aumenta a frequência de uma doença genética e a mortalidade. Quanto mais
próximo o grau de consanguinidade, maior é o aumento.

QUESTÕES DE ESTUDO
1. Um homem que tem acondroplasia se casa com uma mulher fenotipicamente normal. Se eles tiverem quatro filhos, qual é a probabilidade de
nenhum deles ser afetado por essa desordem? Qual é a probabilidade de que todos eles sejam afetados?
2. A penetrância estimada para o retinoblastoma familial é de aproximadamente 90%. Se um homem teve o retinoblastoma familial e se relaciona
com uma mulher que não tem a mutação para essa doença, qual o risco de a sua prole desenvolver o retinoblastoma?
3. Uma mulher de 30 anos de idade tinha uma irmã que morreu da doença de Tay-Sachs infantil, uma doença autossômica recessiva que é fatal por
volta dos seis anos de idade. Qual é a probabilidade dessa mulher ser uma portadora heterozigota da mutação de Tay-Sachs?
4. Um homem tem neurofibromatose tipo 1. Sua mãe também apresenta essa condição. Qual é a probabilidade de sua irmã também apresentar essa
doença? Na ausência de conhecimento do fenótipo da irmã, qual é a probabilidade de a filha de sua irmã ter a neurofibromatose tipo1?
5. Considere uma mulher que é uma portadora heterozigota conhecida de uma mutação que causa a PKU (autossômica recessiva). Qual é a
probabilidade de suas duas netas, que são primas-irmãs, serem portadoras heterozigotas do alelo causador da PKU? Em vez disso, suponha que a
mulher seja afetada pela PKU. Agora, qual é a probabilidade de ambas as netas possuírem o alelo causador da doença?
6. Dois indivíduos casados, chamados de A e B na Figura 4-19, partilham um único bisavô. Qual é o coeficiente de relação deles? Suponha que um
membro desse casal seja um portador heterozigoto para a PKU. Qual é a probabilidade de gerarem uma criança afetada pela PKU?
7. Um suspeito de um caso de estupro foi tipado para três loci STRs (repetições curtas em tandem, do inglês, short tandem repeat). Seus alelos se
comparam àqueles da amostra de evidência (sêmen coletado da vítima de estupro) para cada locus. Ele é heterozigoto para os dois primeiros loci e
homozigoto para o terceiro. As frequências alélicas para o locus 1 na população geral são 0,05 e 0,10. Para o locus 2 são 0,07 e 0,02. Para o locus
3, a frequência alélica na população geral é de 0,08. Qual é a probabilidade de um indivíduo aleatório da população geral ser compatível com a
amostra da evidência?

FIGURA 4-19 Diagrama para a Questão de Estudo 6.

8. Um homem envolvido com um pedido de paternidade teve o seu DNA testado para estabelecer se ele é ou não pai de um bebê. Quatro loci STRs
foram testados nele, na mãe e no bebê. Os alelos do bebê e do homem combinam para os quatro loci. As frequências desses alelos na população
geral são 0,05, 0,01, 0,01 e 0,02. Qual é a probabilidade de alguém da população geral ser o pai do bebê?

LEITURAS SUGERIDAS
Barrett PM, Alagely A, Topol EJ. Cystic fibrosis in an era of genomically guided therapy. Hum Mol Genet. 2012;21:R66-R71.
Biesecker LG, Spinner NB. A genomic view of mosaicism and human disease. Nat Rev Genet. 2013;14:307-320.
Bolar N, Van Laer L, Loeys BL. Marfan syndrome: from gene to therapy. Curr Opin Pediatr. 2012;24:498-504.
Dimaras H, Kimani K, Dimba EAO, et al. Retinoblastoma. Lancet. 2012; 379:1436-1446.
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Grantham JJ. Autosomal dominant polycystic kidney disease. N Engl J Med. 2008;359(14):1477-1485.
Gutmann DH, Parada LF, Silva AJ, Ratner N. Neurofibromatosis type 1: modeling CNS dysfunction. J Neurosci. 2012; 32:14087-14093.
Jett K, Friedman JM. Clinical and genetic aspects of neurofibromatosis 1. Genet Med. 2010;12:1-11.
Johnson CD, Davidson BL. Huntington’s disease: progress toward effective disease-modifying treatments and a cure. Hum Mol Genet. 2010; 19:R98-R102.
Jorde LB. Inbreeding in human populations. In: Dulbecco R, ed. Encyclopedia of Human Biology. Vol. 5. New York: Academic Press; 1997:1-13.
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Scriver CR, Waters PJ. Monogenic traits are not simple. Lessons from phenylketonuria. Trends Genet. 1999;15:267-272.
Steinman TI. Polycystic kidney disease: a 2011 update. Curr Opin Nephrol Hypertens. 2012;21:189-194.

Fontes na Internet
Banco de Dados para Mutações em Fibrose Cística (também contém links para outras páginas úteis sobre fibrose cística) http://www.genet.sickkids.on.ca/cftr/
Rede de Câncer de Olhos: Retinoblastoma (descrições, fotografias e links úteis) http://www.eyecancer.com/Patient/Condition.aspx?
nID=53&Category=Retinal+Tumors&Condition=Retinoblastoma
Centro Nacional para Informação de Biotecnologia: Genes e Doença (resumos de várias doenças genéticas discutidas neste capítulo) http://www.ncbi.nlm.gov.books/bv.fcgi?
call=bv.View..ShowTOC&rid=gnd.TOC&depth=2
Instituto Nacional de Doenças Neurológicas e Ataque: Página da Informação da Doença de Huntington http://www.nindsnih.gov/disorders/huntington/huntington.htm
Fundação Nacional Marfan (informação básica sobre a síndrome de Marfan, com links para outras páginas) http://www.marfan.org/
Fundação Nacional de Neurofibromatose (vários links úteis para fontes online) http://www.ctf.org/

3 Essa forma de albinismo, denominada albinismo oculocutâneo tirosinase negativa (OCA , do inglês tyrosinase-negative oculocutaneous albinism), é diferenciada de uma
1
segunda forma, mais branda, denominada albinismo oculocutâneo tirosinase positiva (OCA2). OCA2 é tipicamente causada por mutações no gene do cromossomo 15 (o gene
“P”) cuja proteína supostamente está envolvida no transporte e processamento da tirosinase.

4
Estudos epidemiológicos indicam que cerca de 5% dos casos de câncer de mama nos Estados Unidos são causados por genes herdados de maneira autossômica dominante. Ver
Capítulos 11 e 12 para discussão adicional.

5
A descendência de dois irmãos resulta em primos-irmãos e assim partilham o conjunto de avós. Primos em segundo grau são prole de dois primos-irmãos diferentes e assim
partilham o conjunto de bisavós.
CAPÍTULO5

Herança Ligada ao Sexo e Modelos Não Clássicos de Herança


Genética

O capítulo anterior abordou doenças que são herdadas com os padrões que foram primeiramente elucidados por Gregor Mendel. Neste capítulo, serão
discutidas as mutações causadoras de doenças que são herdadas de maneiras desconhecidas por Mendel e que, por esta razão, algumas vezes são
denominadas não mendelianas.
As primeiras mutações a serem discutidas serão as variações no DNA dos cromossomos sexuais (X e Y), conhecidas como mutações ligadas ao
sexo. O cromossomo X humano é um cromossomo grande, que contém cerca de 5% do DNA do genoma nuclear (aproximadamente 155 milhões de
pares de bases [155 megabases, 155 Mb]). Mais de 1.200 genes já foram localizados no cromossomo X e as doenças causadas por esses genes são
conhecidas como doenças ligadas ao X. Ao contrário do cromossomo X, o cromossomo Y é relativamente pequeno (60 Mb) e contém somente
algumas dezenas de genes.
Outro grupo de mutações causadoras de doenças localiza-se no genoma mitocondrial, que é herdado exclusivamente da mãe. Desta forma, as
doenças mitocondriais exibem um padrão único de herança nas famílias. Análises amplas vêm revelando um número crescente de mutações
causadoras de doenças no genoma mitocondrial.
Finalmente, são discutidos dois processos que foram elucidados somente nas últimas duas ou três décadas: antecipação e imprinting. A antecipação
refere-se à idade precoce de início de algumas doenças genéticas nas gerações mais recentes das famílias. O imprinting refere-se ao fato de que alguns
genes são expressos somente em cromossomos transmitidos pelo pai, enquanto outros são expressos somente em cromossomos transmitidos pela mãe.
Nosso entendimento a respeito desses dois processos descobertos recentemente tem melhorado muito graças às análises moleculares detalhadas de
humanos e de outros modelos de organismos.

INATIVAÇÃO DO X
O cromossomo X contém importantes genes codificadores de proteínas; há bastante tempo já se sabe que as mulheres têm dois cromossomos X e que
os homens somente um. Sendo assim, as mulheres têm duas cópias de cada gene ligado ao X, enquanto os homens possuem uma cópia apenas.
Entretanto, homens e mulheres não são diferentes no que concerne à quantidade de produtos proteicos (p. ex., níveis enzimáticos) codificados pela
maior parte desses genes. O que poderia explicar isto?
No início dos anos 1960, uma pesquisadora chamada Mary Lyon apresentou a hipótese de que um cromossomo X de cada célula somática feminina
é inativado. Isto resultaria em uma compensação de dose, ou seja, em uma equalização da quantidade de produtos dos genes ligados ao X em
indivíduos do sexo masculino e do sexo feminino. A hipótese de Lyon estabelece que a inativação do X ocorre precocemente no desenvolvimento
embrionário das fêmeas, e que o cromossomo X vindo do pai é inativado em algumas células, ao passo que o cromossomo X herdado da mãe é o
inativado em outras. Em cada célula, um dos cromossomos X é escolhido aleatoriamente para sofrer inativação, de modo que cada cromossomo X
derivado do pai ou da mãe está inativado em aproximadamente metade das células do embrião. Logo, a inativação, assim como a transmissão de
gametas, é análoga a um experimento de cara ou coroa. Uma vez que um cromossomo X é inativado em uma célula, o mesmo permanecerá inativo em
todas as descendentes dessa célula. Desta maneira, a inativação do X é um processo determinado randomicamente, embora seja fixo (ou permanente).
Como resultado da inativação do X, todas as mulheres normais apresentam duas populações distintas de células: uma população tem um cromossomo
X ativo derivado do pai e outra população possui um cromossomo X ativo derivado da mãe (a Figura 5-1 mostra um resumo desse processo). As
mulheres são consideradas “mosaicos” para a atividade do cromossomo X, porque contêm duas populações de células (Capítulo 4). Os homens (que
possuem somente uma cópia do cromossomo X) não são mosaicos, porém são hemizigóticos para o cromossomo X (o prefixo hemi significa
“metade”).

A hipótese de Lyon estabelece que um cromossomo X em cada célula é inativado randomicamente logo no início do
desenvolvimento embrionário das mulheres. Isto assegura que, tendo duas cópias do cromossomo X, sejam capazes de
produzir produtos dos genes ligados ao X em quantidades similares àquelas produzidas pelos homens (compensação de
dose).

A hipótese de Lyon baseou-se em diversas evidências em grande parte derivadas de estudos em animais. Por exemplo, na raça “calico” de gatos, as
gatas apresentam manchas pretas e laranjas alternadas nos pelos, que correspondem a duas populações de células: uma que contém os cromossomos X
nos quais o alelo “laranja” está ativo e outra que contém os cromossomos X nos quais o alelo “preto” está ativo. Os machos dessa mesma linhagem de
gatos não exibem cores alternadas e suas pelagens são pretas ou laranjas. Outro exemplo, observado em humanos, é o albinismo ocular ligado ao X.
Essa é uma condição recessiva ligada ao X, caracterizada pela ausência da produção de melanina na retina e por problemas oftalmológicos como
nistagmo (movimento involuntário e rápido do olho) e acuidade visual diminuída. Homens que herdam essa mutação apresentam ausência
relativamente uniforme de melanina em suas retinas; mulheres heterozigóticas exibem áreas alternadas de tecido pigmentado e não pigmentado (Fig.
5-2).
A hipótese de Lyon também se baseou em evidências bioquímicas. A enzima glicose-6-fosfato desidrogenase (G6PD) é codificada por um gene no
cromossomo X, estando presente em quantidades equivalentes em homens e mulheres (compensação
FIGURA 5-1 O processo de inativação do X. Ambos os cromossomos X, da mãe (m) e do pai (p), estão ativos no zigoto e nas células embrionárias iniciais.
Então, ocorre a inativação do X, resultando em células contendo um cromossomo X paterno ativo ou um cromossomo X materno ativo.
Consequentemente, as mulheres apresentam mosaicismo para o cromossomo X, conforme ilustrado na amostra de um tecido na parte de baixo da figura.

de dose). Nas mulheres que são heterozigóticas para os dois alelos comuns de G6PD (denominados A e B), algumas células da pele produzem somente
a variável A da enzima, e outras células produzem somente a variável B da mesma. Essa é mais uma prova do mosaicismo do cromossomo X nas
mulheres.
Por fim, estudos citogenéticos desenvolvidos, nos anos 1940, mostraram que as células interfásicas das gatas frequentemente continham em seus
núcleos uma massa de cromatina densamente corada. Estas massas não eram observadas nos machos. Essas estruturas foram denominadas
corpúsculos de Barr (Murray Barr foi um dos cientistas que as descreveu). Barr e seu colega Ewart Bertram pensaram na hipótese de que o
corpúsculo de Barr representaria um cromossomo X altamente condensado. Atualmente, sabemos que Barr e Bertram estavam certos, e que o
cromossomo X inativo pode ser observado como o corpúsculo de Barr nas células somáticas de fêmeas normais. Seu estado condensado está
relacionado com a atividade transcricional reduzida e, a replicação do seu DNA ocorre mais tardiamente na fase S do que aquela dos outros
cromossomos.

A hipótese de Lyon baseia-se em evidências citogenéticas: corpúsculos de Barr, que são cromossomos X inativos, são
observados somente em células com dois ou mais cromossomos X. Essa hipótese também se baseia em estudos
bioquímicos e em experimentos com animais, que revelam mosaicismo dos traços ligados ao X em fêmeas heterozigóticas.

Muitos estudos têm confirmado amplamente a hipótese de Lyon. O RNA mensageiro (mRNA) é transcrito a partir de um único cromossomo X em
cada uma das células somáticas de uma mulher normal. O processo de inativação tem início aproximadamente sete a 10 dias após a fertilização,
quando a massa celular interna do embrião contém não mais do que algumas dezenas de células. A inativação é iniciada em uma região única de 1 Mb
no braço longo do cromossomo X, o centro de inativação do X, estendendo-se em seguida

FIGURA 5-2 Fotografias de fundo de olho no albinismo ocular ligado ao X. A, Fotografia de fundo de olho de uma mulher heterozigota para albinismo
ocular ligado ao X. As regiões pigmentadas e não pigmentadas demonstram o mosaicismo do cromossomo X como resultado da inativação casual desse
cromossomo. B, Fotografias de fundo de olho do filho de um heterozigoto, mostrando maior ausência do pigmento melanina.
ao longo de todo o cromossomo. Embora a inativação seja randômica entre as células que constituem o embrião propriamente dito, somente o
cromossomo X derivado paternalmente é inativado nas células que farão parte do tecido extraembrionário (p. ex., a placenta). A inativação do X é
permanente em todas as células somáticas da mulher, mas o cromossomo X inativo deve voltar a ser ativo posteriormente na sua linhagem
germinativa, de modo que cada uma de suas células-ovo receberá uma cópia ativa do cromossomo X.
Uma implicação importante da hipótese de Lyon é que o número de corpúsculos de Barr em células somáticas é sempre uma unidade a menos em
relação ao número de cromossomos X. Mulheres normais apresentam um corpúsculo de Barr em cada célula somática, e homens normais não o
possuem. Mulheres que apresentam a síndrome de Turner (Capítulo 6) têm somente um cromossomo X e não possuem corpúsculos de Barr. Homens
que apresentam a síndrome de Klinefelter (dois cromossomos X e um cromossomo Y) têm um corpúsculo de Barr em suas células somáticas e
mulheres que têm três cromossomos X por célula somática possuem dois corpúsculos de Barr em cada célula. Esse padrão leva a outra questão: se os
cromossomos X extras encontram-se inativados, por que motivo as pessoas com cromossomos X extras (ou faltando) não são fenotipicamente
normais?
A resposta para essa questão é que a inativação do X é incompleta. Algumas regiões do cromossomo X permanecem ativas em todas as cópias. Por
exemplo, as extremidades do braço curto e do braço longo do cromossomo X não passam pelo processo de inativação. A extremidade do braço curto
do cromossomo X é homóloga à região distal do braço curto do cromossomo Y (denominada região pseudoautossômica) (Capítulo 6). No total, cerca
de 15% dos genes no cromossomo X escapam da inativação e relativamente mais genes no braço curto escapam da inativação em relação ao braço
longo. Alguns dos genes ligados ao X que permanecem ativos em ambas as cópias do cromossomo X (nas mulheres) têm homólogos no cromossomo
Y, preservando uma dose gênica igual em homens e mulheres. Desta forma, a presença de cópias extras (ou cópias faltando) de porções ativas do
cromossomo X contribui para a anormalidade fenotípica.

A inativação do X é randômica, fixa e incompleta. O último fator ajuda a explicar por que, independente da inativação do X,
muitas pessoas com números anormais de cromossomos sexuais apresentam um fenótipo de doença.

O centro de inativação do X contém um gene, o XIST, que é transcrito somente no cromossomo X inativado; seus mRNA transcritos de 17 kb
podem ser detectados em mulheres normais, mas não em homens normais. Entretanto, a transcrição do RNA não é traduzida em uma proteína e é um
exemplo de RNA longo não codificante (lncRNA; compare com o miRNA no Capítulo 2). O RNA transcrito do XIST continua no núcleo e reveste o
cromossomo X inativo. Este processo age como um sinal que leva a outros tipos de inativação, incluindo replicação tardia e condensação do
cromossomo X inativo.
A metilação e a desacetilação de histonas são características adicionais do cromossomo X inativo. Muitos dinucleotídeos CG nas regiões 5’ dos
genes no X inativo estão bastante metilados, e a administração de agentes que produzem a desmetilação, como azacitidina-5, pode reativar
parcialmente um cromossomo X inativo in vitro. Contudo, a metilação não parece estar envolvida na propagação do sinal de inativação a partir do
centro de inativação para o restante do cromossomo X. A metilação parece ser responsável pela manutenção da inativação de um cromossomo X
específico em uma célula e todas as suas descendentes.

O gene XIST localiza-se no centro de inativação do X, sendo necessário para a inativação do mesmo. Esse gene codifica um
produto lncRNA que envolve o cromossomo X inativo. A inativação do X também está associada à metilação do cromossomo
X inativo, um processo que pode ajudar a manter a estabilidade da inativação a longo prazo.

HERANÇA LIGADA AO SEXO


Genes ligados ao sexo são aqueles que se localizam nos cromossomos X e Y. Considerando que somente algumas dúzias de genes encontram-se
localizadas no cromossomo Y humano, as doenças ligadas ao X serão nosso enfoque principal. Tais doenças têm sido tradicionalmente agrupadas nas
categorias de doenças recessivas ligadas ao X e doenças dominantes ligadas ao X, essas categorias serão utilizadas aqui para que estejam de acordo
com as demais literaturas. Entretanto, por causa da expressividade variável, da penetrância incompleta e dos efeitos da inativação do X, a distinção
entre a herança dominante ligada ao X e a herança recessiva ligada ao X algumas vezes é ambígua.

Herança Recessiva Ligada ao X


Diversas doenças bem conhecidas e várias características são causadas por genes recessivos ligados ao X. Tais doenças incluem a hemofilia A
(Comentário Clínico 5-1), a distrofia muscular de Duchenne (Comentário Clínico 5-2) e a incapacidade de enxergar as cores vermelha e verde (Quadro
5-1). Outras doenças ligadas ao X estão listadas na Tabela 5-1. Os padrões de herança e riscos de recorrência para as doenças recessivas ligadas ao X
diferem substancialmente daqueles das doenças causadas por genes autossômicos.
As mulheres, pelo fato de herdarem duas cópias do cromossomo X, podem ser homozigotas para um alelo causador de doença em um determinado
locus, heterozigotas para esse locus ou homozigotas para o alelo normal no mesmo locus. Sendo assim, os loci ligados ao X nas mulheres são muito
similares aos loci autossômicos. Entretanto, para a maioria dos loci ligados ao X, há somente uma única cópia do alelo em uma célula somática
individual por causa da inativação do X. Isso quer dizer que aproximadamente metade das células em uma mulher heterozigota expressará o alelo da
doença e a outra metade das células expressará o alelo normal. Então, assim como os traços autossômicos recessivos, a mulher heterozigótica
produzirá cerca de 50% do nível normal do produto do gene. Normalmente, isto é suficiente para um fenótipo normal. Essa situação é diferente nos
homens, que são hemizigotos para o cromossomo X. Se um homem herdar um gene de uma doença recessiva no cromossomo X, ele será afetado pela
doença, porque o cromossomo Y não porta um alelo normal para compensar os efeitos do alelo da doença.

Comentário Clínico 5-1


Hemofilia A
A hemofilia A é causada por mutações no gene que codifica o fator VIII da coagulação, afetando aproximadamente um em 5.000 a um em 10.000
indivíduos do sexo masculino em todo o mundo. Este é o distúrbio mais comum entre aqueles que causam sangramento grave e vem sendo
reconhecido como uma desordem familial há séculos. O Talmude (registro das discussões rabínicas que pertencem à lei, à ética, aos costumes e
história do judaísmo) estabelece que os meninos cujos irmãos ou primos tivessem sangrado até a morte durante a circuncisão ficariam isentos desse
procedimento (este pode ter sido um dos primeiros exemplos de registros de aconselhamento genético).
A hemofilia A é causada por deficiência ou por um defeito no fator VIII, um componente-chave para a cascata da coagulação. A formação de fibrina
é afetada, resultando em sangramento prolongado e, frequentemente, feridas grave e hemorragias nas articulações e músculos (Fig. 5-3). Hematoma
são comumente observados. Hemartroses (sangramento articular) são mais comuns nos tornozelos, joelhos, quadris e cotovelos. Esses eventos
geralmente são dolorosos e episódios repetidos podem levar à destruição da membrana sinovial e diminuição da função articular. Também podem
ocorrer hemorragias intracranianas, que são as principais causas de morte. A atividade plaquetária é normal nos hemofílicos, de modo que pequenas
lacerações e abrasões, geralmente, não são suficientes para levar ao sangramento excessivo.
A gravidade da hemofilia A varia consideravelmente e essa variação está diretamente relacionada com o nível do fator VIII. Cerca da metade dos
pacientes portadores de hemofilia A está na categoria grave, com níveis de fator VIII menores que 1% do normal. Esses pacientes experimentam
episódios de sangramento relativamente frequentes, em geral vários por mês. Pacientes com hemofilia moderada (1%-5% do fator VIII normal)
usualmente apresentam episódios de sangramento mesmo após traumas suaves e manifestam caracteristicamente de um a vários episódios graves
por ano. Pessoas com hemofilia leve possuem de 5% a 30% do nível normal do fator VIII; normalmente exibem episódios de sangramento somente
após cirurgia ou trauma relativamente grave.
A hemofilia A frequentemente era fatal para indivíduos com até 20 anos de idade, mas surgiram formas de tratamento mais avançadas no início
dos anos 1960, com a habilidade de extrair o fator VIII do plasma de doador. Então, em geral, o fator VIII é administrado ao primeiro sinal de um
episódio de sangramento, um tratamento altamente eficaz. A administração profilática de fator VIII em hemofílicos graves é eficaz na prevenção da
perda da função articular. Desde a década de 1970, a expectativa de vida dos hemofílicos subiu para 68 anos.
A principal desvantagem do fator VIII derivado de doador era o fato de que uma infusão típica continha produtos plasmáticos de centenas ou
milhares de doadores diferentes, o que facilitava a contaminação por vírus. Consequentemente, com frequência, tais pacientes sofriam de hepatite B
ou hepatite C, ambas infecciosas. Ainda pior, o vírus da imunodeficiência adquirida (HIV – human immunodeficiency virus) pode ser transmitido dessa
forma e estima-se que metade dos pacientes hemofílicos americanos tratados com fator VIII derivado de doador, entre 1978 e 1985, tenha sido
infectada pelo HIV. Entre 1979 e 1998, a síndrome da imunodeficiência adquirida (Aids) foi responsável por cerca de 50% das mortes de americanos
portadores de hemofilia A, resultando na diminuição da expectativa de vida dos hemofílicos para 49 anos de idade, nos anos 1980. O sangue do
doador passou a sofrer triagem para o vírus HIV desde 1985; o tratamento térmico do fator VIII derivado de doador provoca a morte do vírus HIV e
do vírus da hepatite B, o que quase elimina a ameaça de infecção. Consequentemente, a mortalidade por Aids entre os pacientes portadores da
hemofilia A diminuiu consideravelmente desde 1995.
A clonagem e o sequenciamento do gene do fator VIII levaram a outras descobertas. Pacientes com mutações nonsense ou frameshift (mutações
que destroem completamente a funcionalidade de uma proteína), geralmente desenvolvem hemofilia grave, enquanto os pacientes com mutações
missense geralmente desenvolvem hemofilia leve a moderada. Isto é esperado porque as mutações nonsense e frameshift produzem uma proteína
truncada que acaba sendo degradada e perdida. Mutações missense produzem a substituição de um único aminoácido, sem um efeito dominante
negativo, geralmente resultando em um produto proteico alterado, mas parcialmente funcional. Muitas das mutações pontuais acontecem nas
sequências CG metiladas, que são hot spots para mutação (Capítulo 3). Cerca de 45% dos casos graves de hemofilia A são causados por uma inversão
cromossômica (Capítulo 6) que leva à disrupção do gene do fator VIII. Outros 5% de pacientes apresentam deleções, que geralmente provocam a
forma relativamente grave da doença. Aproximadamente 10% das mulheres heterozigotas têm níveis menores que 35% de fator VIII, e algumas são
heterozigotas que manifestam a doença e apresentam sintomas leves da mesma.

FIGURA 5-3 A, Articulação do joelho direito aumentada de um paciente com hemofilia A, mostrando os efeitos da hemartrose. B, Hematoma extenso
na região lateral da coxa direita. (De Hoffbrand VA: Color Atlas of Clinical Hematology, 3rd ed, Mosby, 2000, p. 281-283).
FIGURA 5-4 Heredograma mostrando a herança da hemofilia B nas famílias reais europeias. A Rainha Victória foi a primeira portadora de que se teve
conhecimento na família. Note que todos os indivíduos afetados são do sexo masculino. (Modificado de McCance K, Huether S: Pathophysiology: The
Biologic Basis for Disease in Adults and Children, 5th ed. St Louis, Mosby, 2005.)

A clonagem do gene tornou possível a produção do fator VIII humano por meio da utilização de técnicas de DNA recombinante. Diversos testes
clínicos mostraram que o fator VIII recombinante funciona tão eficientemente quanto aquele derivado de doador e ele foi aprovado para uso
comercial em 1994. É claro que o fator VIII recombinante tem a vantagem de não haver possibilidade de contaminação viral. Entretanto, assim como
outras formas de fator VIII, o recombinante leva à produção do anticorpo antifator VIII em aproximadamente 10% a 15% dos pacientes (essa resposta
é mais comum nos pacientes sem produção congênita do fator VIII).
Dois outros principais distúrbios da coagulação são a hemofilia B e a doença de von Willebrand. A hemofilia B, às vezes chamada de doença de
Christmas; que ganha esse nome por ter sido o nome do primeiro paciente documentado com ela; é também uma doença recessiva ligada ao X, e
causada por uma deficiência do fator IX da coagulação. Tal condição não é tão comum quanto a hemofilia A, podendo ser tratada com fator IX
derivado de doador ou fator IX recombinante. A doença de von Willebrand é uma doença autossômica dominante com expressividade altamente
variável. Embora possa afetar cerca de 1% dos indivíduos descendentes de europeus, essa doença se expressa gravemente em um a cada 10.000
indivíduos. O fator de von Willebrand, que é codificado por um gene no cromossomo 12, age como uma proteína carreadora para o fator VIII. Além
disso, liga-se às plaquetas e ao endotélio dos vasos sanguíneos danificados, promovendo a adesão plaquetária nas paredes desses vasos.
A hemofilia é de interesse histórico por afetar membros da família real da Alemanha, Espanha, Inglaterra e Rússia (Fig. 5-4). Entre essas famílias, a
rainha Vitória da Inglaterra foi a primeira portadora heterozigota conhecida. Ela teve um filho afetado e duas de suas filhas tiveram filhos afetados,
tornando-as portadoras presumidas. Um de seus netos afetados foi o Tsar Alexei da Rússia, o filho do Tsar Nicholas e Alexandra. Grigori Rasputin,
chamado de “monge louco”, tinha a rara habilidade de acalmar o Tsar durante os episódios de sangramento, provavelmente pela hipnose. Como
resultado, ele passou a ter considerável influência na corte real e alguns historiadores acreditam que seu efeito desestabilizador ajudou a provocar a
revolução bolchevique de 1917. Recentemente, a família real russa foi novamente afetada pela genética. Com o uso da reação em cadeia da
polimerase, de sequências de microssatélites de DNA autossômico e de DNA mitocondrial, foram feitos estudos nos restos mortais dos vários
cadáveres exumados próximo a Yekaterinburgo, o famoso local do assassinato da família real. A análise dessa variação genética e a comparação com
os parentes maternos vivos mostrou que os corpos eram de fato os da família real russa. Outras análises demonstraram que Alexei tinha uma
mutação patogênica no gene que codifica o fator IX, estabelecendo que as famílias reais eram afetadas por hemofilia B (em vez da hemofilia A, mais
comum).

Comentário Clínico 5-2


Distrofia Muscular de Duchenne
Distrofia muscular, definida como fraqueza e perda muscular progressivas, existe em dezenas de formas diferentes. Dessas, a distrofia muscular de
Duchenne (DMD), assim denominada depois que o neurologista francês fez a primeira descrição compreensível da doença em 1868, é uma das
formas mais graves e comuns. Afeta cerca de um em cada 4.000 homens, com prevalência similar entre os diversos grupos étnicos estudados até
agora.
Geralmente, os sintomas da DMD são observados antes dos cinco anos de idade, quando os pais notam movimentos desajeitados e fraqueza
muscular. No curso da doença, desde o início, frequentemente se observa pseudo-hipertrofia das panturrilhas resultante da infiltração de gordura e
tecido conjuntivo no músculo.Todos os músculos esqueléticos se degeneram progressivamente e muitos pacientes com DMD ficam confinados a
cadeiras de rodas por volta dos 11 anos de idade. A musculatura cardíaca e a musculatura respiratória tornam-se comprometidas, de modo que a
morte normalmente é causada por insuficiência cardíaca ou respiratória. A sobrevivência além dos 25 anos de idade é muito pouco comum; podendo
pouco ser feito para alterar o curso final dessa doença.
Conforme as células musculares vão morrendo, a enzima creatina quinase (CK) extravasa para a corrente sanguínea. Nos pacientes com DMD, a CK
sérica encontra-se elevada, no mínimo, cerca de 20 vezes acima do limite superior da faixa normal. Tal elevação pode ser observada antes de os
sintomas aparecerem, como o desgaste muscular. Outras ferramentas tradicionais de diagnóstico incluem a eletromiografia (que revela potenciais de
ação diminuídos) e a biópsia muscular.
Mulheres heterozigotas portadoras das mutações causadoras da DMD geralmente não são afetadas pela doença, embora 8% a 10% delas
apresentem algum grau de fraqueza muscular. Adicionalmente, a CK no soro excede o percentil de 95 em aproximadamente dois terços dessas
mulheres.
Até a identificação do gene responsável pela DMD em 1986, pouco se sabia a respeito do mecanismo responsável pela deterioração muscular. Os
maiores avanços no conhecimento da doença foram obtidos após a clonagem do gene e a identificação do seu produto proteico. O gene DMD
abrange aproximadamente 2,5 Mb do DNA, o que faz dele o maior gene humano conhecido. Esse gene contém 79 éxons, que produzem um mRNA
transcrito de 14 kb . Por causa do grande tamanho dele, a transcrição de uma molécula de mRNA pode levar até 24 horas. O produto proteico,
denominado distrofina, já era desconhecido antes da clonagem do DMD. A distrofina contribui para apenas 0,002% da massa de proteína de uma
célula de músculo estriado, localizando-se no lado citoplasmático da membrana celular. O terminal amino da proteína liga-se à F-actina, uma proteína-
chave do citoesqueleto. O terminal carboxila da distrofina liga-se a um complexo de glicoproteínas, conhecido como complexo distroglicano-
sarcoglicano, que se estende até a membrana celular e liga-se às proteínas extracelulares. Sendo assim, a distrofina une esses dois componentes
celulares e tem um papel fundamental na manutenção da integridade estrutural da célula muscular. A ausência de distrofina faz com que as células
musculares do paciente com DMD morram gradualmente, conforme as contrações musculares as estressem.
O grande tamanho do DMD ajuda a explicar sua alta taxa mutacional, cerca de 10-4 por locus, por geração. Assim como o gene responsável pela
neurofibromatose tipo 1, o gene DMD representa um grande alvo para mutações. Uma forma levemente alterada do produto do gene DMD
normalmente é encontrada nas células do cérebro, na qual o local de início da transcrição é mais downstream no gene e um promotor diferente é
usado. Assim, o mRNA transcrito e o produto gênico resultante diferem daquele encontrado nas células musculares. A expressão da distrofina no
cérebro ajuda a explicar por que aproximadamente 25% dos pacientes de DMD têm algum grau de deficiência intelectual. Diversos promotores
adicionais já foram encontrados, fornecendo um bom exemplo de como um único gene pode produzir diferentes produtos gênicos como resultado
de transcrição modificada.
A distrofia muscular de Becker (BMD), outra condição distrófica recessiva ligada ao X, é menos grave do que Duchenne. A progressão da doença
também é muito mais lenta, com aparecimento aos 11 anos de idade, em média. Um estudo mostrou que, enquanto 95% dos pacientes com DMD
passam a usar cadeira de rodas antes dos 12 anos de idade, em média, 95% dos pacientes com BMD passam a usar cadeira de rodas depois dos 12
anos de idade. Alguns pacientes com BMD nunca deixam de andar. A BMD é menos comum que a DMD, afetando cerca de um a cada 18.000 recém-
nascidos do sexo masculino.
Durante algum tempo, não ficou muito claro se a BMD e a DMD eram causadas por distintos loci ligados ao X ou por diferentes mutações no
mesmo locus. A identificação do DMD mostrou que diferentes mutações no mesmo locus seriam responsáveis pela doença. Ambas as doenças
geralmente resultam de deleções (65% dos casos de DMD e 85% dos casos de BMD) ou duplicações (6% a 7% dos casos de DMD e BMD) no gene DMD.
Contudo, enquanto a maioria das deleções e duplicações que causa a DMD produz mutações frameshift, a maioria das mutações que acarreta a BMD
são alterações in-frame (p. ex., um múltiplo de três bases é deletado ou duplicado). Era esperado que uma frameshift, que produz um códon de parada
prematuro (Capítulo 3) e não produz nenhum produto proteico, pudesse provocar uma forma mais grave da doença do que uma alteração in-frame.
As consequências dessas diferentes mutações podem ser observadas no produto do gene. Embora a distrofina esteja ausente em quase todos os
pacientes com DMD, ela geralmente está presente em quantidade reduzida (ou como uma forma encurtada da proteína) nos pacientes com BMD.
Portanto, a quantificação da distrofina pode ajudar na distinção entre as duas doenças. Tal análise também ajuda a distinguir essas doenças de outras
formas de distrofia muscular, porque muitas (p. ex., várias distrofias musculares dos membros e cinturas) resultam de mutações nos genes que
codificam proteínas do complexo distroglicano-sarcoglicano, enquanto a distrofina parece ser afetada somente na BMD e na DMD (Figs. 5-5, 5-6 e 5-
7).
Atualmente, os testes genéticos (Capítulo 13) são muito usados para ajudar a diagnosticar DMD e BMD; uma mutação causadora da doença é
identificada em cerca de 95% dos casos. Muitas pesquisas têm sido realizadas sobre terapia com base genética para a distrofia muscular. Por
exemplo, alguns fármacos podem fazer com que os ribossomos leiam através dos códons de parada prematura, mostrando-se promissores em
modelos de camundongos. Os oligonucleotíeos antisense (Capítulo 13) podem induzir que o éxon da DMD alterado seja pulado durante a tradução do
mRNA. Essas abordagens, juntamente com a terapia gênica em que uma cópia do DMD é inserida dentro das células musculares, estão sendo
testadas em estudos clínicos.

FIGURA 5-5 Um paciente em estágio avançado de distrofia muscular de Duchenne, mostrando grave perda muscular.
FIGURA 5-6 Secção transversal do músculo gastrocnêmio de (A) um menino normal e (B) um menino com distrofia muscular de Duchenne. A fibra
muscular normal é substituída por gordura e tecido conjuntivo.

FIGURA 5-7 A porção amino terminal da proteína distrofina liga-se a F-actina no citoesqueleto celular e seu terminal carboxil liga-se aos elementos do
complexo distroglicano-sarcoglicano. Esse complexo de proteínas estende-se pela membrana celular e se liga a proteínas na matriz extracelular, como a
laminina.

QUADRO 5-1 Visão para Cores: Biologia Molecular e Evolução


A visão humana depende de um sistema de células fotorreceptoras da retina, das quais os bastonetes correspondem a aproximadamente 95%. Essas
células contêm a proteína que absorve a luz (rodopsina), permitindo-nos enxergar em condições de pouca luminosidade. Além do mais, a retina contém
três classes de cones que também contêm proteínas que absorvem luz (opsinas) e que reagem aos comprimentos de onda de luz correspondentes às
três cores primárias — vermelho, verde e azul. A visão das cores depende da presença de todos os quatro tipos de células. Como as três cores principais
estão envolvidas, a visão normal para cores é dita tricromática.

Há muitos defeitos reconhecidos na visão humana para cores. O mais comum envolve a percepção das cores vermelha e verde, e desde 1911 já se
sabia que esse distúrbio era herdado de forma recessiva ligada ao X. Por isso, eles são muito mais comuns em homens do que em mulheres. Várias
formas de cegueira para as cores vermelha e verde são observadas em aproximadamente 8% dos homens europeus, 4% a 5% dos asiáticos e 1% a 4%
dos africanos e nativos americanos. Entre os homens europeus, 2% são dicromáticos: eles são incapazes de perceber uma das cores primárias,
geralmente o vermelho ou o verde. A incapacidade de reconhecer a cor verde chama-se deuteranopia, enquanto a incapacidade de reconhecer a cor
vermelha chama-se protanopia. Cerca de 6% dos homens europeus podem detectar a cor verde e a cor vermelha, porém com uma percepção alterada
das tonalidades relativas a essas cores. Tais condições denominam-se, respectivamente, deuteranomalia e protanomalia.

A, Imagem percebida por uma pessoa com visão normal para cores.
B, A percepção prevista por uma pessoa com protanopia, uma forma de cegueira a vermelho-verde. (Copyright George V. Kelvin.)

É válido deixar claro que indivíduos dicromáticos não são realmente cegos com relação às cores, porque eles ainda são capazes de perceber um
grande conjunto de cores diferentes. A verdadeira cegueira completa para cores (monocromatismo, habilidade de reconhecer uma cor única) é muito
menos comum, afetando aproximadamente uma em cada 100.000 pessoas. Há duas formas principais de visão monocromática. O monocromatismo
de bastonetes é uma condição autossômica recessiva, na qual toda a função visual é desempenhada pelos bastonetes. O monocromatismo do cone
azul é uma condição recessiva ligada ao X, na qual ocorre a ausência das células cônicas.

A clonagem dos genes responsáveis pela percepção das cores revelou vários fatos interessantes a respeito da biologia e da evolução da visão para
cores nos humanos. Na década de 1980, Jeremy Nathans e colaboradores postularam que as opsinas, em todos os quatro tipos de células
fotorreceptoras, deveriam apresentar sequências de aminoácidos similares, em virtude das funções similares desempenhadas por essas células. Desta
forma, as sequências de DNA dos genes responsáveis pela codificação dessas proteínas também deveriam ser similares. Porém, nenhum desses genes
foi localizado, e a natureza precisa dos produtos proteicos permaneceu desconhecida. Como se poderia localizar esses genes?

Felizmente, o gene codificador da rodopsina foi clonado em bovinos. Mesmo que humanos e bovinos estejam separados por milhões de anos de
evolução, suas proteínas rodopsina compartilham cerca de 40% da sequência de aminoácidos. Sendo assim, o gene da rodopsina bovina poderia ser
utilizado como uma sonda para procurar uma sequência similar de DNA no genoma humano. Uma porção do gene da rodopsina bovina foi convertida
em uma forma de filamento único, radioativamente marcada e hibridizada com DNA humano (quase da mesma forma que uma sonda usada no
procedimento de Southern blotting (Capítulo 3). Foram utilizadas condições de hibridização de baixa estringência: a temperatura e outras circunstâncias
foram manipuladas para que ocorresse o pareamento de base complementar independente das diferenças entre as sequências das duas espécies.
Desta maneira, o gene da rodopsina humana foi identificado e mapeado no cromossomo 3.

O próximo passo foi utilizar o gene da rodopsina humana como sonda, a fim de identificar os genes da opsina dos cones. Cada uma das sequências
de aminoácidos da opsina dos cones tem 40% a 45% de similaridade com a sequência de aminoácidos da rodopsina humana. Por meio desse
procedimento com o gene da rodopsina, o gene da opsina sensível ao azul foi identificado e mapeado no cromossomo 7. Esperava-se que esse gene
fosse mapeado em um autossomo, porque as variações na sensibilidade ao azul são herdadas de forma autossômica recessiva. Os genes para as
opsinas sensíveis ao vermelho e ao verde também foram identificados da mesma maneira e, conforme esperado, encontravam-se no cromossomo X.
Os genes para o vermelho e o verde são altamente similares, compartilhando 98% de suas sequências de DNA.

Inicialmente, muitos pesquisadores esperavam que as pessoas com defeitos na visão colorida exibissem o mesmo conjunto de deleções e mutações
missense e nonsense observados em outros distúrbios. Porém, estudos mais detalhados revelaram algumas surpresas. Descobriu-se que os genes das
opsinas vermelha e verde estão adjacentes um ao outro na porção distal do braço longo do cromossomo X, e que pessoas normais têm uma cópia do
gene para o vermelho, mas podem ter de uma a diversas cópias do gene para o verde. Os múltiplos genes para a cor verde são 99,9% idênticos em suas
sequências de DNA, e a presença de múltiplas cópias desses genes não têm nenhum efeito na percepção das cores, porque somente o gene para o
vermelho e o primeiro gene para o verde são expressos na retina. Entretanto, quando não há genes para a cor verde, observa-se a condição
denominada deuteranopia. As pessoas que não possuem o gene único para a cor vermelha apresentam protanopia.

O aspecto peculiar dessas deleções é que elas são um resultado de um crossing-over desigual durante a meiose. Ao contrário do cruzamento comum,
no qual segmentos iguais de cromossomos são trocados (Capítulo 2), o desigual resulta em uma perda de material cromossômico em um cromossomo
homólogo e em um ganho de material no outro. O crossing-over desigual parece ser facilitado pela alta similaridade na sequência de DNA entre os
genes para as cores vermelha e verde: é relativamente fácil o maquinário celular cometer um erro no momento de decidir o local no qual o crossing
deve ocorrer. Sendo assim, uma mulher com um gene para o vermelho e dois genes para o verde poderia produzir um gameta contendo um gene para
o vermelho com um gene para o verde e outro gameta contendo um gene para o vermelho com três genes para o verde. O crossing-over desigual
também poderia resultar em gametas sem cópias para um determinado gene, produzindo protanopia ou deuteranopia.
A, Indivíduos normais têm um gene para vermelho e de um a vários genes para verde. B, Um crossing-over desigual causa variação normal no número
de genes para verde. C, Um crossing-over desigual pode produzir um dicromata para verde sem nenhum gene para verde (deuteranopia). D, Um
crossing-over desigual que pode ocorre dentro dos genes para vermelho e verde pode produzir um dicromata vermelho (protanopia) ou um tricomata
anômalo para verde (deuteranomalia). E, Crossing-over dentro dos genes para vermelho e verde também pode produzir tricromatas anômalos
vermelhos (protanomalia). O grau de percepção de vermelho e verde depende de onde ocorre o crossing-over dentro do gene. (Baseada em Nathans J,
Merbs SL, Sung C, et al. The genes color vision. Sci Am. 1989;260:42-49.)
O crossing-over desigual também explica a visão em cores dos portadores de protanopia e de deuteranopia. Nestas situações, o crossing acontece
dentro dos genes para o vermelho ou para o verde, resultando em novos cromossomos com genes híbridos (p. ex., uma porção do gene vermelho
fusionada com uma porção do gene verde). A proporção relativa dos componentes vermelho e verde dos genes fundidos determina a extensão e a
natureza da anomalia vermelho-verde.
Como os genes das opsinas apresentam similaridade nas sequências de DNA e desempenham funções similares, eles são membros de uma família
de genes, bem como os genes das globinas (Capítulo 3). Isto sugere que eles foram originados de um único gene ancestral que, ao longo do tempo, se
duplicou e divergiu para codificar proteínas independentes, embora relacionadas. A evidência de tal processo é dada por meio da comparação entre
esses genes de humanos e de outras espécies. Os genes das opsinas vermelha e verde compartilham o maior grau de similaridade de sequências de
DNA, o que nos faria esperar que esses dois genes fossem resultantes de uma duplicação mais recente. De fato, os humanos compartilham todos os
quatro genes de opsinas com os macacos do novo e do velho mundo; porém, os macacos do novo mundo estão menos intimamente relacionados e
apresentam um gene único para opsina em seus cromossomos X. Consequentemente, parece que a duplicação vermelho-verde ocorreu em algum
momento depois da divisão dos macacos do novo e do velho mundo, o que ocorreu há cerca de 30 a 40 milhões de anos. Comparações similares
estimam que a divisão dos genes de opsinas dos cones autossômicas e ligadas ao X se deu a aproximadamente 500 milhões de anos atrás. Por fim,
comparações com a mosca-das-frutas, Drosophila melanogaster, indicaram que a duplicação que produziu os genes da pigmentação visual dos cones e
bastonetes pode ter ocorrido há quase 1 bilhão de anos.

TABELA 5-1 Exemplos Adicionais de Distúrbios Recessivos Ligados ao X

NOME GENE CARACTERÍSTICAS CLÍNICAS

Retinosquise juvenil RS1 Dificuldade visual progressiva causada pela ruptura da camada de fibras nervosas da retina; tem início na
primeira ou na segunda década de vida; acuidade visual típica 20/60 a 20/120

Discondrosteose de Leri- SHOX Deformidade de Madelung do rádio e da ulna; mesomelia (encurtamento dos antebraços e pernas); baixa
Weill estatura

ATR-X ATRX Deficiência intelectual; anomalias genitais; α-talassemia sem anormalidades no complexo do gene da α-
globulina

Displasia ectodérmica EDA Capacidade diminuída de suar e intolerância ao calor; cabelos, cílios e sobrancelhas esparsos e de cor clara
hipoidrótica (hipocromia); dentes anormais ou ausentes; infecções recorrentes do trato respiratório superior
Raquitismo resistente à PHEX Hipofosfatemia devido à reduzida reabsorção renal de fosfato; baixa estatura; pernas arqueadas; formação
vitamina D precária dos dentes

Síndrome de Aarskog- FGD1 Baixa estatura; hipertelorismo ocular; anormalidades genitais


Scott (displasia
faciogenital)

Fenda palatina com TBX22 Fissura de palato com ou sem anquiloglossia


anciloglossia

Doença de Pelizaeus- PLP1 Defeitos na mielinização; manifesta-se tipicamente até os dois anos de idade ou na primeira infância;
Merzbacher caracteriza-se por nistagmo, hipotonia, espasticidade e morte precoce

Diabetes insípido AVPR2 Resposta deficiente ao hormônio antidiurético, que leva à inabilidade de concentrar a urina, polidipsia (sede
nefrogênico excessiva), poliúria (diurese excessiva)

Desordens do espectro FLNA Displasia esquelética que pode ser leve a fatal; homens mais gravemente afetados do que as mulheres
otopalatodigital

Uma doença recessiva ligada ao X com uma frequência gênica q será observada em uma fração q de homens. Isto acontece porque o homem, que
apresenta somente um cromossomo X, manifestará a doença caso o cromossomo X contenha a mutação causadora da mesma. As mulheres, que
necessitam de duas cópias do alelo mutante para expressar a doença, terão uma frequência de apenas q2, como nas doenças autossômicas recessivas.
Por exemplo, a hemofilia A (Comentário Clínico 5-1) ocorre em aproximadamente um a cada 10.000 indivíduos do sexo masculino, em algumas
populações. Desta forma, em uma amostra de 10.000 cromossomos X masculinos, um cromossomo conteria, em média, a mutação causadora da
doença (q = 0,0001). Mulheres homozigotas afetadas quase nunca são vistas, porque q2 = 0,00000001, ou seja, o equivalente a uma pessoa em
100.000.000. Este exemplo mostra que, em geral, os homens são mais frequentemente afetados por doenças recessivas ligadas ao X do que as
mulheres, e esta diferença torna-se maior quanto mais rara for a doença.

Como as mulheres apresentam duas cópias do cromossomo X e os homens apresentam somente uma (hemizigosidade), as
doenças recessivas ligadas ao X são muito mais comuns entre os homens do que entre as mulheres.

Além da prevalência maior em homens do que em mulheres, as doenças recessivas ligadas ao X exibem diversas características que as distinguem
daquelas das doenças autossômicas dominantes e recessivas (Fig. 5-8). Já que um pai pode transmitir apenas o cromossomo Y para o seu filho, os
genes ligados ao X não são passados de pai para filho

FIGURA 5-8 Um heredograma mostrando a herança de uma característica recessiva ligada ao X. Os símbolos “sólidos” representam os indivíduos afetados;
os símbolos com um ponto preto no centro representam portadores heterozigotos.

FIGURA 5-9 Quadrado de Punnett para representação da união de uma mulher heterozigota portadora de um gene de uma doença recessiva ligada ao X
com um homem normal. X1, cromossomo com alelo normal; X2, cromossomo com alelo para a doença.
(em contrapartida, a transmissão de pai para filho é observada nos alelos das doenças autossômicas). Um alelo de doença ligada ao X pode ser
transmitido em uma série de mulheres heterozigotas fenotipicamente normais, causando a impressão de que várias gerações foram puladas. O gene é
passado de um pai afetado para todas as suas filhas, que, como portadoras, transmitem a doença para aproximadamente metade dos seus filhos, que
serão afetados.

A herança recessiva ligada ao X caracteriza-se pela ausência da transmissão de pai para filho, por pular gerações quando os
genes são passados por mulheres portadoras, e pela preponderância de homens afetados.

O tipo de união ou casamento mais comum envolvendo genes recessivos ligados ao X é aquele que ocorre entre uma mulher portadora da mutação
e um homem normal. A mãe portadora transmitirá o gene da doença para metade dos seus filhos e metade das suas filhas, em média. Conforme ilustra
a Figura 5-9, aproximadamente metade das filhas geradas dessa união será portadora da doença, enquanto as demais

FIGURA 5-10 Quadrado de Punnett para representação da união de uma mulher normal com um homem afetado por uma doença recessiva ligada ao X.
X1, cromossomo com alelo normal; X2, cromossomo com alelo para a doença.

filhas serão normais. Metade dos filhos será normal e a outra metade, em média, apresentará a doença.
Outro tipo de casamento comum ocorre entre um pai afetado e uma mãe homozigota não afetada (Fig. 5-10). Neste caso, todos os filhos deverão ser
normais, porque o pai pode transmitir somente seu cromossomo Y para eles. Contudo, todas as filhas deverão ser portadoras heterozigotas, já que
receberão o cromossomo X do pai. Nenhuma das crianças manifestará a doença. O fato de o pai obrigatoriamente transmitir seu cromossomo X para
suas filhas e não poder passá-lo para os seus filhos faz com que esses riscos, ao contrário daqueles descritos no parágrafo anterior, sejam cifras exatas
em vez de estimativas probabilísticas.
Um tipo de casamento muito menos comum é aquele que ocorre entre um pai afetado e uma mãe portadora (Fig. 5-11). Metade das filhas será
portadora heterozigota e a outra metade, em média, será homozigota para o gene da doença, sendo afetada por ela. Metade dos filhos será normal e a
outra metade será afetada. Pode parecer que ocorreu a transmissão pai-filho da doença, mas o filho afetado, na verdade, recebeu o alelo da doença de
sua mãe.

FIGURA 5-11 Quadrado de Punnett para representação da união de uma mulher portadora com um homem afetado por uma doença recessiva ligada ao
X. X1, cromossomo com alelo normal; X2 , cromossomo com alelo da doença.

Os riscos de recorrência das doenças recessivas ligadas ao X são mais complexos do que aqueles das doenças
autossômicas. O risco depende do genótipo de cada um dos pais e do sexo da prole.

Ocasionalmente, as mulheres que herdam uma única cópia do alelo da doença recessiva ligada ao X podem ser afetadas. Imagine um embrião
feminino que tenha recebido um alelo normal do fator VIII de coagulação de um de seus genitores e do outro um alelo mutante desse fator.
Ordinariamente, a inativação do X resultará em números de células aproximadamente iguais, contendo cromossomos X ativos tanto paternos quanto
maternos. Neste caso, a portadora da mutação produziria cerca de 50% do nível normal do fator VIII e seria fenotipicamente normal. Porém, pelo fato
da inativação do X ser um processo randômico, algumas vezes ele pode resultar em uma mulher heterozigota com quase todos os cromossomos X
ativos coincidentemente portando a mutação que causa a doença. Cerca de 5% das mulheres heterozigotas apresentam hemofilia A, sendo
denominadas heterozigotas manifestas. Uma vez que elas geralmente mantêm uma pequena fração de cromossomos X normais ativos, tendem a ser,
relativamente, pouco afetadas.

Como a inativação do X é um processo randômico, algumas mulheres heterozigotas apresentam inativação da maioria das
células com cromossomos X normais. As mulheres heterozigotas manifestas geralmente são levemente afetadas.

Menos comumente, doenças recessivas ligadas ao X, como a hemofilia A, podem ser observadas em mulheres que apresentam um único
cromossomo X (síndrome de Turner). Mulheres também podem ser afetadas por doenças recessivas ligadas ao X, como um resultado das translocações
e deleções do material do cromossomo X (Capítulo 6). Esses eventos são raros.

Herança Dominante Ligada ao X


Há poucas doenças dominantes ligadas ao X, que também são menos prevalentes comparadas às recessivas ligadas ao X. Um exemplo de uma doença
dominante ligada ao X é o raquitismo hipofosfatêmico, uma doença na qual os rins são incapazes de reabsorver o fosfato. Isto resulta em ossificação
anormal, com encurvamento e deformação dos ossos (raquitismo). Outro exemplo é a incontinência pigmentar do tipo 1, uma doença caracterizada
pela pigmentação anormal da pele, dentes cônicos ou ausentes, anormalidades oculares e, algumas vezes, neurológicas. Essa doença é observada
somente em mulheres. Acredita-se que os homens hemizigotos são tão gravemente afetados pela doença que não sobrevivam até o nascimento.
Mulheres heterozigotas, que possuem um cromossomo X normal, geralmente tendem a expressar em menor intensidade os traços dominantes ligados
ao X (assim como as heterozigotas para a maioria dos genes das doenças autossômicas dominantes são menos gravemente afetadas do que as
homozigotas).
A herança dominante ligada ao X também pode ser observada na síndrome de Rett, uma doença do neurodesenvolvimento que ocorre em uma a
cada 10.000 mulheres e em uma fração muito menor de homens, muitos dos quais não sobrevivem até o nascimento. A síndrome de Rett é
caracterizada por comportamento autístico, deficiência intelectual, convulsões e marcha atáxica. A gravidade dessa condição varia substancialmente
entre as mulheres afetadas, refletindo os efeitos da inativação aleatória do X. Em mulheres levemente afetadas, um grande percentual de cromossomos
X que portam a mutação causadora da doença foi inativado randomicamente. Cerca de 95% dos casos típicos de síndrome de Rett são causados por
mutações no gene MECP2, e muitos destes eventos são mutações novas que ocorrem na linhagem germinativa paterna (condizentes com a maior taxa
de mutação na formação do gameta masculino, discutida no Capítulo 3). O produto proteico codificado pelo MECP2 se liga às sequências CG
metiladas encontradas nas regiões 5’ de outros genes. Depois de ligar-se a essas sequências, a proteína ajuda a recrutar outras proteínas que reprimem a
transcrição ao condensarem a cromatina. Mutações por perda de função do gene MECP2 resultam na expressão inapropriada de genes envolvidos no
desenvolvimento do cérebro.
A Figura 5-12 mostra um heredograma dominante ligado ao X. Assim como as doenças autossômicas dominantes, uma pessoa só precisa herdar
uma única cópia do gene da doença dominante ligada ao X para manifestar o distúrbio. No caso das mulheres, que possuem dois cromossomos X, cada
um desses cromossomos pode, potencialmente, portar o gene da doença, fazendo com que as mulheres sejam duas vezes mais afetadas que os homens
(a menos que a doença seja letal nos indivíduos do sexo masculino, como no caso da incontinência pigmentar). Pais afetados não podem transmitir os
traços para os seus filhos (homens). Todas as suas filhas deverão herdar o gene afetado, de modo que todas serão afetadas. As mulheres afetadas pela
doença geralmente são heterozigotas, apresentando 50% de chance de transmitir o alelo da doença para seus filhos e filhas. As características das
heranças ligadas ao X, dominante e recessiva, encontram-se resumidas na Tabela 5-2. Conforme mencionado anteriormente, a distinção entre essas
duas categorias pode ser dificultada pela penetrância incompleta em heterozigotos para as mutações dominantes ligadas ao X, e pela presença da
doença em heterozigotos para as mutações recessivas ligadas ao X (heterozigotos manifestados).

As doenças dominantes ligadas ao X exibem padrões característicos de herança. Elas são cerca de duas vezes mais comuns
nas mulheres do que nos homens; o fenótipo aparece em todas as gerações e a transmissão de pai para filho não é
observada.

Herança Ligada ao Y
Embora corresponda a aproximadamente 60 Mb do DNA, o cromossomo Y contém relativamente poucos genes. Somente algumas dezenas de genes
ligados ao Y, ou genes holândricos, foram identificados. Entre eles, o gene que inicia a diferenciação do embrião em sexo masculino (Capítulo 6),
vários genes que codificam fatores testiculares específicos da espermatogênese, o antígeno menor de histocompatibilidade (denominado HY) e um
gene em que as mutações podem causar perda auditiva (DFNY1). Diversos genes de manutenção, genes housekeeping* estão localizados no
cromossomo Y e todos possuem homólogos no cromossomo X, que não sofrem inativação. A transmissão dos traços ligados ao Y ocorre
exclusivamente de pai para filho (Fig. 5-13).
FIGURA 5-12 Heredograma mostrando a herança de uma característica dominante ligada ao X. X1, cromossomo com alelo normal; X2, cromossomo com
alelo da doença.

CARACTERÍSTICAS LIMITADAS AO SEXO E INFLUENCIADAS PELO SEXO


Algumas vezes, podem ocorrer confusões em relação às características ligadas ao sexo e àquelas limitadas ou influenciadas pelo sexo. Um traço
limitado pelo sexo ocorre em somente um dos sexos — devido, por exemplo, às diferenças anatômicas. Defeitos uterinos ou testiculares são exemplos
de traços limitados pelo sexo. Um bom exemplo de traço influenciado pelo sexo é a calvície de padrão masculino, que ocorre tanto em homens como
em mulheres, porém muito mais comumente em homens. Esse fenômeno está relacionado, em parte, com a diferença nos níveis hormonais entre
ambos. Ao contrário do que antes se acreditava a calvície de padrão masculino não é estritamente ligada ao X, embora a variação no gene receptor de
androgênio ligado ao X esteja associada a ela. Genes autossômicos também parecem influenciar a calvície de padrão masculino, ajudando a explicar a
transmissão aparentemente de pai para filho desse traço.

FIGURA 5-13 Heredograma mostrando a herança de uma característica ligada ao Y. A transmissão ocorre exclusivamente de homem para homem.

TABELA 5-2 Comparação das Características Principais dos Padrões Dominantes Ligados ao X e Recessivos Ligados ao X*

CARACTERÍSTICA DOMINANTE LIGADO AO X RECESSIVO LIGADO AO X

Risco de recorrência nas 50% dos filhos afetados; 50% das filhas afetadas 50% dos filhos afetados; 50% das filhas portadoras
uniões de mulheres heterozigotas
heterozigotas × homens
normais

Risco de recorrência nas 0% dos filhos afetados; 100% das filhas afetadas 0% dos filhos afetados; 100% das filhas portadoras
uniões de homens heterozigotas
afetados × mulheres
normais

Padrão de transmissão Vertical; o fenótipo da doença é observado em uma Algumas gerações podem não apresentar a doença,
geração após a outra representando o padrão de transmissão pelas
mulheres portadoras do gene com a mutação

Proporção em relação ao As mulheres são duas vezes mais afetadas que os homens Prevalência muito maior de homens afetados;
sexo (a menos que a doença seja fatal no sexo masculino) mulheres homozigóticas afetadas são raras

Outros A transmissão de homem para homem não é observada; a A transmissão de homem para homem não é
doença tem expressão menos grave em mulheres observada; algumas mulheres heterozigotas
heterozigotas mais do que em homens afetados desenvolvem a doença

*Comparar com os padrões de herança para doenças autossômicas mostrados na Tabela 4-1.
HERANÇA MITOCONDRIAL
A maioria das doenças genéticas é causada por alterações no genoma nuclear. Entretanto, um pequeno, porém significativo, número de doenças pode
ser causado por mutações no DNA mitocondrial. Em virtude das propriedades particulares da mitocôndria, essas doenças exibem modos característicos
de herança e um alto grau de variabilidade fenotípica.
Cada célula humana contém várias centenas, ou mais, de mitocôndrias em seu citoplasma. Por meio dos processos complexos de fosforilação
oxidativa, essas organelas produzem ATP (adenosina trifosfato), a fonte de energia essencial para o metabolismo celular. Desta forma, as mitocôndrias
são extremamente importantes para a sobrevivência celular.
As mitocôndrias têm suas próprias moléculas de DNA, que ocorrem em diversas cópias por organela, organizadas em uma molécula circular de
filamento duplo com 16.569 pares de bases (Fig. 5-14). O genoma mitocondrial codifica

FIGURA 5-14 O genoma do DNA circular mitocondrial. As localizações dos genes que codificam as proteínas (para o dinucleotídeo adenina nicotinamida
reduzida (NADH), desidrogenase, oxidase do citocromo C, oxidorredutase do citocromo C e síntese de adenosina trifosfato [ATP]) estão representadas na
figura, assim como as localizações dos dois genes de RNA ribossômico e 22 genes de RNA transportador (designados por letras únicas). Também estão
representadas as origens da replicação das cadeias pesada (OH) e leve (OL) e a alça D (também conhecida como região de controle). (Modificada de
MITOMAP: A Human Mitochondrial Genome Database. http://www.mitomap.org, 2008.)

dois RNAs ribossômicos (rRNAs), 22 RNAs transportadores (tRNAs) e 13 polipeptídeos envolvidos na fosforilação oxidativa. (Aproximadamente
1.000 genes do DNA nuclear também codificam polipeptídeos que são transportados para dentro da mitocôndria). A transcrição do DNA mitocondrial
(mtDNA) acontece na mitocôndria, independente do núcleo. Diferentemente dos genes nucleares, os genes do mtDNA não contêm íntrons. Como o
mtDNA encontra-se localizado no citoplasma, ele é herdado exclusivamente da linhagem materna (Fig. 5-15). Os homens não transmitem o mtDNA
para sua prole porque os espermatozoides contêm apenas um pequeno número de moléculas de mtDNA, que não são incorporadas no embrião em
desenvolvimento (somente um caso isolado de transmissão paterna de uma mutação no DNA mitocondrial foi reportado, mas tal evento parece ser
extremamente raro).
A taxa de mutação do mtDNA é cerca de 10 vezes maior do que aquela que ocorre no DNA nuclear. Isto é causado pela relativa falta de
mecanismos de reparo no mtDNA, e também pelo dano proveniente dos radicais de oxigênio liberados durante o processo de fosforilação oxidativa.
Cada célula contém uma população de moléculas de mtDNA, de modo que uma única célula pode abrigar algumas moléculas que apresentam uma
mutação no mtDNA e outras moléculas que não apresentam. Essa heterogeneidade na composição do DNA, denominada heteroplasmia, é uma causa
importante da expressividade variável das doenças mitocondriais. Quanto maior o percentual de moléculas de mtDNA mutantes, mais grave é a
expressão da doença. Enquanto as células se dividem, podem ocorrer mudanças no percentual de alelos mutantes pela variação ao acaso (de forma
idêntica ao conceito de frequência genética, discutido no Capítulo 3) ou por causa da vantagem seletiva (p. ex., as deleções produzem uma molécula de
DNA mitocondrial mais curta, que pode se replicar mais rapidamente do que uma molécula de tamanho normal).
Cada tipo de tecido requer uma determinada quantidade de ATP para o seu funcionamento normal. Embora alguma variação nos níveis de ATP
possa ser tolerada, tipicamente existe um limiar abaixo do qual as células começam a degenerar e morrer. Os órgãos sistêmicos, que têm uma grande
demanda de ATP e limiares mais altos, são os mais seriamente afetados pelas doenças mitocondriais. Por exemplo, o sistema nervoso central consome
cerca de 20% da produção de ATP do corpo e, por esta razão, é mais frequentemente afetado pelas mutações do mtDNA.
Assim como nas doenças que envolvem a globina, as doenças mitocondriais podem ser classificadas de acordo com o tipo de mutação que as
causam. Mutações de sentido trocado (missense mutations) nos genes do mtDNA que codificam proteínas causam uma das doenças mais conhecidas
do mtDNA, a neuropatia óptica hereditária de Leber (LHON, do inglês Leber hereditary optic neuropathy). Essa doença, que afeta uma em cada
10.000 pessoas, caracteriza-se pela rápida perda da visão no campo visual central, em consequência da morte do nervo óptico. Tipicamente, a perda da
visão tem início na terceira década de vida e geralmente é irreversível. A heteroplasmia é mínima na LHON, de modo que a expressão tende a ser
relativamente uniforme; os heredogramas dessa doença geralmente exibem um padrão claro de herança mitocondrial.
As mutações de uma única base (mutações de ponto) em um gene de tRNA podem resultar em epilepsia mioclônica com fibras vermelhas
anfractuadas (MERRF, de myoclonic epilepsy with ragged red fiber syndrome), uma doença caracterizada por

FIGURA 5-15 Um heredograma mostrando a herança de uma doença causada por uma mutação no DNA mitocondrial. Somente as mulheres podem
transmitir a mutação da doença para suas proles. Este heredograma mostra a penetrância completa da mutação que causa a doença, mas a
heteroplasmia frequentemente resulta em penetrância incompleta para as doenças mitocondriais.

epilepsia, demência, ataxia (movimentos musculares descoordenados) e miopatia (fraqueza muscular). A MERRF é caracterizada por mtDNA
heteroplásmico, sendo altamente variável em sua expressão. Outro exemplo de doença mitocondrial causada por mutação de uma única base no tRNA
é a encefalomiopatia mitocondrial e episódios do tipo acidentes vasculares encefálicos (derrames) (MELAS, de mitochondrial encefaphalomyopathy
and stoke-like episodes). Assim como a MERRF, essa doença é heteroplásmica e de expressão altamente variável.
A classe final de mutações do mtDNA consiste nas duplicações e deleções. Essas condições podem causar a doença de Kearns-Sayre (fraqueza
muscular, dano cerebelar e insuficiência cardíaca), a síndrome de Pearson (insuficiência pancreática infantil, pancitopenia e acidose láctica) e a
oftalmoplegia externa crônica progressiva (CPEO, de chronic progressive external ophthalmoplegia). Há descrições de centenas de mutações de
mtDNA causadoras de doenças incluindo mutações de ponto, deleções e duplicações.
Mutações mitocondriais também estão associadas a algumas doenças humanas comuns. Uma mutação mitocondrial causa uma forma de surdez de
início tardio e a mutação da MELAS é observada em 1% a 2% das pessoas com diabetes tipo 2. Alterações mitocondriais também podem estar
associadas a alguns casos de doença de Alzheimer, embora ainda não esteja claro se constituem a causa primária ou um evento secundário. Também
vem sendo sugerido que as mutações no mtDNA, que se acumulam ao longo da vida de um indivíduo em consequência da formação de radicais livres,
poderiam contribuir para o processo de envelhecimento.

As mitocôndrias, que produzem ATP, têm seu DNA único. O DNA mitocondrial é herdado da mãe e apresenta uma alta taxa
de mutação. Sabe-se que diversas doenças são causadas por mutações no DNA mitocondrial.

IMPRINTING GENÔMICO
O trabalho experimental com ervilhas de jardim, desenvolvido por Mendel, estabeleceu que o fenótipo seja sempre o mesmo, ainda que um
determinado alelo seja herdado do pai ou da mãe. De fato, este princípio tem sido parte do dogma central da genética há muito tempo. Porém,
pesquisas realizadas nas últimas duas décadas mostraram que este nem sempre é aplicável. Para alguns genes humanos, um dos alelos é
transcricionalmente inativo (nenhum mRNA é produzido), dependendo de qual dos genitores o alelo foi herdado. Por exemplo, um alelo transmitido
pela mãe estaria inativo, enquanto o mesmo alelo transmitido pelo pai estaria ativo. Desta forma, o indivíduo normal teria somente uma cópia
transcricionalmente ativa do gene. Esse processo de silenciamento gênico é conhecido como imprinting, e os genes transcricionalmente silenciados são
denominados imprintados. São conhecidos, pelo menos, 100 genes humanos imprintados e a maioria deles está localizada em regiões genômicas que
contêm clusters (grupos) de genes imprintados.
Os alelos imprintados tendem a estar fortemente metilados (em contraste com as cópias do alelo expresso, que tipicamente não são metiladas). A
fixação dos grupos metil nas regiões 5’ dos genes, juntamente com a hipoacetilação das histonas e a condensação da cromatina, inibe a ligação das
proteínas que promovem a transcrição. Deve-se deixar claro que tal processo se assemelha sob vários aspectos ao processo de inativação do X
discutido anteriormente neste capítulo.

Síndromes de Prader-Willi e de Angelman


Um exemplo impressionante de doença que resulta de imprinting é o da deleção de cerca de 4 Mb do braço longo do cromossomo 15. Quando essa
deleção é herdada do pai, a criança manifesta uma doença chamada síndrome de Prader-Willi (PWS). As características da PWS incluem baixa
estatura, hipotonia (tônus muscular fraco), pés e mãos pequenos, obesidade, deficiência intelectual leve a moderada e hipogonadismo (Fig. 5-16, A).
Quando a mesma deleção é herdada da mãe, a criança desenvolve síndrome de Angelman (AS), que é caracterizada por deficiência intelectual grave,
convulsões e marcha atáxica (Fig. 5-16, B). Tais síndromes são observadas em aproximadamente uma em cada 15.000 pessoas e as deleções
cromossômicas são responsáveis por cerca de 70% dos casos das duas doenças. As deleções que causam a PWS e a AS são indistinguíveis
microscopicamente e afetam o mesmo grupo de genes.
Por muito tempo, não houve esclarecimento de como a mesma deleção cromossômica resultava em pacientes tão diferentes. Análises mais
detalhadas mostraram que a deleção de 4 Mb (a região crítica) contém diversos genes que normalmente são transcritos somente no cromossomo
herdado do pai. Tais genes estão transcricionalmente inativos (imprintados) na cópia do cromossomo 15 herdada da mãe. Similarmente, outros genes
na região crítica só são ativos no cromossomo herdado da mãe e apresentam-se inativos no cromossomo herdado do pai. Sendo assim, vários genes
nessa região encontram-se normalmente ativos apenas em um dos

FIGURA 5-16 Ilustração do efeito do imprinting nas deleções do cromossomo 15. A, A herança da deleção proveniente do pai produz a síndrome de Prader-
Willi (PWS) (note o lábio superior em forma de V invertido, mãos pequenas e obesidade truncal). B, A herança da deleção proveniente da mãe produz a
síndrome de Angelman (note a postura característica). C, Heredogramas ilustrando o padrão de herança dessa deleção e o status de ativação dos genes na
região crítica.

cromossomos (Fig. 5-16, C). Caso a única cópia ativa de um desses genes tenha sido perdida através de uma deleção cromossômica, então nenhum
produto gênico será produzido, resultando no aparecimento da doença.
Análises moleculares que utilizam muitas das ferramentas e tecnologias abordadas no Capítulo 3 identificaram diversos genes específicos na região
crítica do cromossomo 15. O gene responsável pela AS codifica uma proteína envolvida na degradação de proteínas mediada por ubiquitina durante o
desenvolvimento do cérebro (condizente com a deficiência intelectual e a ataxia observadas nessa doença). No tecido cerebral, esse gene está ativo
somente no cromossomo herdado da mãe; desta forma, uma deleção transmitida maternalmente removeria a única cópia ativa do gene. Vários genes na
região crítica estão envolvidos na PWS, sendo transcritos somente no cromossomo transmitido pelo pai.
Além das deleções cromossômicas, diversos outros mecanismos podem causar a PWS e a AS. Um deles é a dissomia uniparental, uma condição
na qual o indivíduo herda duas cópias de um cromossomo de um dos pais e nenhuma cópia do outro (Capítulo 6). Quando duas cópias do cromossomo
15 da mãe são herdadas, o resultado é a PWS, porque os genes paternos ativos não estão presentes na região crítica. Ao contrário, a dissomia do
cromossomo 15 paterno resulta na AS. Mutações pontuais no gene da AS na cópia transmitida pela mãe respondem por aproximadamente 10% a 20%
dos casos da doença. Por fim, uma pequena porcentagem dos casos de PWS e AS resultam de defeitos no centro de controle do imprinting no
cromossomo 15. Trata-se de uma sequência de DNA que auxilia na definição e reprogramação do próprio imprinting. A maioria dos casos de PWS e
AS pode ser diagnosticada com precisão por meio de análises dos padrões de metilação e sequências de DNA na região crítica. O Quadro 5-
2 apresenta as características clínicas da PWS a partir da perspectiva da família de um paciente.

Síndrome de Beckwith-Wiedemann
Um segundo exemplo de imprinting no genoma humano é dado pela síndrome de Beckwith-Wiedemann, uma condição de supercrescimento
acompanhada por predisposição aumentada ao câncer. A síndrome de Beckwith-Wiedemann geralmente é reconhecida ao nascimento pelo tamanho
aumentado para a idade gestacional, hipoglicemia neonatal, língua grande, pregas nos lóbulos das orelhas e onfalocele (defeito da parede abdominal).
Algumas crianças com síndrome de Beckwith-Wiedemann também desenvolvem supercrescimento assimétrico de um membro ou de um dos lados da
face ou do tronco (p. ex., hemi-hiperplasia). Crianças com síndrome de Beckwith-Wiedemann apresentam maior risco para o desenvolvimento de
tumor de Wilms (um câncer no rim) e hepatoblastoma (um câncer de fígado). Ambos os tumores podem ser efetivamente tratados caso sejam
detectados precocemente, de modo que a triagem em intervalos regulares consiste em uma parte importante do acompanhamento (Capítulo 15).
Assim como na síndrome de Angelman, uma minoria dos casos da síndrome de Beckwith-Wiedemann (cerca de 20% a 30% dos casos) é causada
pela herança de duas cópias de um cromossomo do pai e nenhuma cópia do cromossomo da mãe (dissomia uniparental, neste caso, do cromossomo
11). Diversos genes no braço curto do cromossomo 11 podem estar imprintados tanto no cromossomo paterno como no materno (Fig. 5-17). Esses
genes são encontrados em duas regiões separadas, diferencialmente metiladas (DMRs, de differentially methylated regions). Na DMR1, o gene que
codifica o fator de crescimento semelhante à insulina tipo 2 (IGF2, de insulin-like growth factor 2) normalmente encontra-se inativo no cromossomo
transmitido pela mãe e ativo no cromossomo transmitido pelo pai. Então, normalmente, uma pessoa tem somente uma cópia ativa do IGF2. Quando
são herdadas duas cópias do cromossomo paterno (p. ex., dissomia uniparental paterna), ou quando ocorre perda do imprinting na cópia materna de
IGF2, um gene ativo de IGF2 está presente em dose dupla. Isto resulta em níveis aumentados de IGF2 durante o desenvolvimento fetal, contribuindo
para o supercrescimento na síndrome de Beckwith-Wiedemann. (Note que, em contraste com a PWS e com a síndrome de Angelman, que são
provocadas pela falta de um produto gênico, a síndrome de Beckwith-Wiedemann é causada, ao menos em parte, pela superexpressão de um produto
gênico.)
Em 50% a 60% dos casos, a síndrome de Beckwith-Wiedemann é causada por perda da metilação paterna ou outras alterações de DMR2. Essa
região contém diversos genes,

QUADRO 5-2 A Síndrome de Prader-Willi sob a Perspectiva de uma Mãe


Temos um filho de três anos e meio, John, que apresenta a síndrome de Prader-Willi. Alguns meses antes de John nascer, ficamos preocupados com
sua saúde, porque ele não era tão ativo dentro do útero quanto seus irmãos foram. Assim que olharam a primeira vez para o John, os médicos
suspeitaram que alguma coisa “não estava normal”. John abriu os olhos, mas não fez outros movimentos. Ele não conseguia sugar adequadamente,
precisava de suplementação de oxigênio e tinha uma aparência “inchada”. John permaneceu hospitalizado por aproximadamente três semanas. Os
próximos três anos foram repletos de visitas a terapeutas ocupacionais, fisioterapeutas e fonoaudiólogos, além dos cuidados de saúde em casa e
serviços para a primeira infância.

Desde o dia que John nasceu, nos empenhamos na procura por um diagnóstico. O pai dele insistia no fato de que só precisávamos amá-lo e ajudá-
lo. Entretanto, eu queria saber exatamente como ajudá-lo e conhecer outros pais que tivessem passado pelo mesmo problema. Depois de diversos
testes e três “checagens cromossômicas”, o problema de John foi diagnosticado como síndrome de Prader-Willi (PWS). Ficamos felizes por ter alguma
direção e decidimos que lidaríamos com os desafios que viriam. Usamos tudo o que aprendemos sobre a PWS com o objetivo de ajudar John a
alcançar seu potencial máximo. Não nos preocuparíamos com todos os problemas em potencial que John poderia ter em função da PWS.

John frequenta as aulas de educação especial da pré-escola, na escola local, quatro dias por semana. O percurso do ônibus é de cerca de cinco
minutos mas, para John, é longo o suficiente para prepará-lo a cada dia. Quando ele está doente, temos de dizer que o ônibus quebrou. Ele também
participa de uma classe escolar aos domingos, com crianças de idade similar. O John confunde as palavras “oi” e “tchau”, dizendo-as em voz muito alta
para todas as outras crianças. Ele frequenta sessões semanais com a fonoaudióloga; passo, no mínimo, 30 minutos por dia com o John, fazendo
exercícios para melhorar sua linguagem, cognição e habilidades com jogos. Meu filho ainda não passou pelas dificuldades alimentares comumente
observadas em crianças com a PWS. Contudo, a ingestão excessiva de comida e o ganho de peso são mais comuns em crianças mais velhas que
sofrem dessa doença.

Quando comparado às outras crianças de três anos, John se esforça para falar e para realizar atividades motoras. Ele também adora jogar com seus
irmãos e amigos, e adora livros. De fato, nos esforçamos para evitar que as pessoas façam tudo pelo John, porque podem impedi-lo de atingir o
mesmo objetivo independentemente. Sentimo-nos muito privilegiados de tê-lo em nossa família.

Nossas expectativas para o John são as melhores: queremos que ele atinja tudo o que lhe for possível e um pouco mais. De fato, algumas das
cuidadoras de John ficam impressionadas com as capacidades dele. Espero que o seu sucesso seja, em parte, resultado do cuidado e suporte que
demos para ele. Além do mais, espero que John continue a ultrapassar os desafios diários pelos quais ele passa.

incluindo o CDKN1C, um importante gene regulador do crescimento, e KCNQ1, um gene que contém um IncRNA regulador dentro de um de seus
íntrons. Os níveis alterados de expressão supostamente resultam no silenciamento dos inibidores de crescimento, levando ao crescimento excessivo e à
predisposição aumentada para o câncer.
FIGURA 5-17 Esquema de organização de diversos genes imprintados no cromossomo 11p15.5, que estão envolvidos na patogênese da síndrome de
Beckwith-Wiedemann e da síndrome de Russell-Silver. A síndrome de Beckwith-Wiedemann pode surgir da perda do imprinting do gene promotor de
crescimento, IGF2, no cromossomo transmitido maternalmente, por duas cópias do alelo paterno do IGF2 ativo como uma consequência de dissomia
uniparental, ou a partir da perda do imprinting do gene supressor de crescimento, CDKN1C, no cromossomo transmitido pela mãe. Os defeitos de
imprinting que diminuem os níveis de IGF2 no alelo paterno causam alguns casos da síndrome de Silver- Russell. DMR, Região diferencialmente metilada;
cor vermelha, genes que não são metilados e, consequentemente, são expressos; cor verde, genes que são metilados e, consequentemente, são
silenciados.

Síndrome de Silver-Russell
A síndrome de Silver-Russell é um grupo de distúrbios clinicamente heterogêneo, caracterizados por retardo de crescimento, baixa estatura
proporcional, assimetria corporal e face pequena triangular. Cerca da metade dos casos da síndrome de Silver-Russell estão associados à perda da
metilação de DMR1 no cromossomo 11p15.5, levando à sub regulação do IGF2 e diminuição do crescimento.
Assim, enquanto a super-regulação ou cópias extras de IGF2 ativo causam o supercrescimento na síndrome de Beckwith-Wiedemann, a diminuição
dos níveis de IGF2 causa a diminuição do crescimento na síndrome de Silver- Russell.

Alguns genes de doenças podem expressar-se de diferentes formas quando herdados de um sexo ou de outro. Isto se
chama imprinting genômico. Tal fenômeno está tipicamente associado à metilação do DNA e à condensação da cromatina,
que limitam a ação dos fatores de transcrição e diminuem a expressão do gene.

Antecipação e Expansões Repetidas


Desde o início do século XX, pesquisadores observaram que algumas doenças genéticas pareciam se manifestar em idades mais precoces e/ou exibiam
uma expressão mais grave nas gerações mais recentes do heredograma. Esse padrão é denominado antecipação e tem sido objeto de considerável
controvérsia e especulação. Muitos estudiosos acreditavam que era um artefato proveniente de melhor observação e diagnóstico clínico da época mais
recente: um distúrbio que antes poderia ser subdiagnosticado até os 60 anos de idade, podia ser diagnosticado aos 40 anos, simplesmente por causa de
melhores instrumentos diagnósticos. Contudo, outros estudiosos acreditavam que a antecipação poderia ser um fenômeno biológico real, embora as
evidências para o mecanismo ainda permanecessem indefinidas.

FIGURA 5-18 Três gerações de uma família afetada pela distrofia miotônica. O grau de gravidade da doença aumenta a cada geração. A avó (à direita) é
levemente afetada pela doença, mas a mãe da criança (à esquerda) tem uma face afilada característica e uma expressão facial um tanto limitada. O bebê é
mais gravemente afetado, apresentando características faciais de crianças com distrofia miotônica de aparecimento neonatal, incluindo a boca em forma
de triângulo, aberta. O bebê tem mais de 1.000 cópias da repetição do trinucleotídeo, enquanto a mãe e a avó têm aproximadamente 100 repetições cada.

Atualmente, a genética molecular fornece boas evidências de que a antecipação realmente tem uma base biológica. Essas evidências surgiram, em
parte, dos estudos em distrofia miotônica, uma doença autossômica dominante que envolve deterioração muscular progressiva e miotonia (inabilidade
de relaxar os músculos após a contração) (Fig. 5-18). Observada em aproximadamente uma em cada 8.000 pessoas, a distrofia miotônica é a distrofia
muscular mais comum que afeta os adultos. Esse distúrbio também é tipicamente caracterizado por arritmias cardíacas (ritmos cardíacos anormais),
atrofia testicular, resistência à insulina e catarata. A maioria dos casos de distrofia miotônica é causada por mutações no DMPK, um gene de proteína
quinase localizado no cromossomo 19.
A análise do DMPK tem revelado que a mutação que causa a doença é uma repetição expandida do trinucleotídeo CTG (Capítulo 3), localizada na
porção 3’ não traduzida do gene (p. ex., uma região transcrita em um mRNA que não é traduzido em proteína). O número dessas repetições está
altamente correlacionado com a gravidade da doença. Pessoas não afetadas normalmente possuem de cinco a 37 cópias da repetição. Pessoas com 50 a
100 cópias podem ser levemente afetadas ou, até mesmo, não apresentarem sintomas. Os indivíduos com a forma completa da distrofia miotônica têm
cerca de 100 até milhares de cópias da sequência repetida. A ampliação para grandes números de repetições pode produzir a distrofia miotônica
congênita; por razões que ainda não estão totalmente esclarecidas, essas grandes ampliações são transmitidas quase que exclusivamente pelas
mulheres. Frequentemente, o número de repetições aumenta ao longo das gerações sucessivas: um genitor levemente afetado, com 80 repetições, pode
produzir uma prole gravemente afetada, com mais de 1.000 repetições (Fig. 5-19). Conforme o número de repetições aumenta ao longo de gerações
sucessivas, a idade de aparecimento da doença diminui e sua gravidade geralmente aumenta. Então, a expansão das repetições deste trinucleotídeo é a
causa primária da antecipação na distrofia miotônica.
Como uma mutação em uma porção não traduzida do DMPK pode produzir os diversos aspectos da distrofia miotônica? A repetição expandida gera
um mRNA que permanece no núcleo da célula, produzindo efeitos tóxicos de ganho de função. O mRNA anormal interage com proteínas que
normalmente se ligam a outros produtos de RNA para regular o processamento dos mesmos (splicing). Como resultado disso, diversas proteínas
(incluindo várias proteínas que são expressas no coração e no músculo esquelético) são formadas de modo anormal, dando origem a alguns dos
aspectos pleiotrópicos do fenótipo da doença.
Uma segunda forma de distrofia miotônica, a tipo 2, é causada por repetição expandida de 4 pb (CCTG) em um gene localizado no cromossomo 3.
Novamente, a repetição está localizada na região não traduzida do gene (íntron 1) e resulta em um mRNA tóxico que interfere na função normal das
proteínas de ligação ao RNA. O fenótipo associado a essa mutação é similar ao da distrofia miotônica tipo 1 embora, algumas vezes, seja menos grave.
Assim, a distrofia miotônica ilustra diversos princípios genéticos importantes: antecipação, pleiotropia e heterogeneidade de locus.
As expansões de repetições já foram identificadas como causa de mais de 20 doenças genéticas (Tabela 5-3), que podem ser distribuídas em três
grandes categorias. A primeira inclui as doenças neurológicas, como a doença de Huntington e a maioria das ataxias espinocerebelares, que são
causadas por uma expansão repetida das bases CAG ou CTG em uma porção da codificadora de proteínas. Geralmente, as repetições se expandem em
número de uma variação normal de 10 a 35 para uma variação causadora da doença de aproximadamente 50 a 100. As expansões tendem a ser maiores
quando transmitidas pelo pai em vez da mãe, e as mutações tipicamente apresentam um efeito de ganho de função. A segunda categoria consiste de
doenças fenotipicamente mais diferentes, nas quais as ampliações são pequenas em magnitude e encontradas nos éxons. Contudo, a sequência repetida
é heterogênea e a antecipação não é uma característica comum. A terceira categoria inclui a síndrome do X frágil, distrofia miotônica, dois tipos de
ataxias cerebelares, epilepsia mioclônica juvenil e ataxia de Friedreich. As repetições expandidas são, tipicamente, bem maiores do que aquelas
encontradas nas duas primeiras categorias. O intervalo normal geralmente é de cinco a 50 trinucleotídeos, mas a variação suficiente para causar doença
pode variar de 100 a milhares de trinucleotídeos. Em todos esses distúrbios, as repetições localizam-se fora das regiões codificadoras de proteínas do
gene e, em alguns casos (p. ex., distrofia miotônica), a mutação produz um produto de RNA prejudicial, em vez de

FIGURA 5-19 A, Heredograma da distrofia miotônica ilustrando o fenômeno da antecipação. Neste caso, a idade de aparecimento para os membros da
família afetados por uma doença autossômica dominante é menor nas gerações mais recentes. B, Um autorradiograma de uma análise de Southern blot
do gene da distrofia miotônica em três indivíduos. O indivíduo a é homozigótico para um alelo de quatro a cinco repetições e é normal. O indivíduo b tem
um alelo normal e um alelo da doença com 175 repetições; esse indivíduo tem distrofia miotônica. O indivíduo c também é afetado pela distrofia
miotônica, apresentando um alelo normal e um alelo causador da doença com aproximadamente 900 repetições. (B, Cortesia de Dr. Kenneth Ward and Dr.
Elaine Lyon, University of Utah Health Sciences Center.)

TABELA 5-3 Doenças Associadas a Expansões Repetidas

DOENÇA DESCRIÇÃO SEQUÊNCIA LIMITES FAMILIAR EM QUE LOCALIZAÇÃO


DE NORMAIS; OCORRE A EXPANSÃO DA EXPANSÃO
REPETIÇÃO LIMITES DE
DOENÇA

Categoria 1

Doença de Huntington Perda do controle motor, demência, CAG 6-34; 36-121 Mais frequentemente no Éxon
distúrbios afetivos pai

Atrofia muscular Doença neuromotora de início no CAG 9-36; 38-62 Mais frequentemente no Éxon
espinhal e bulbar adulto, associada à insensibilidade pai
androgênica

Ataxia espinocerebelar Ataxia progressiva, disartria e dismetria CAG 6-39; 40-82 Mais frequentemente no Éxon
tipo 1 pai

Ataxia espinocerebelar Ataxia progressiva, disartria CAG 15-24; 32- — Éxon


tipo 2 200

Ataxia espinocerebelar Distonia, atrofia muscular distal, ataxia, CAG 13-36; 61-84 Mais frequentemente no Éxon
tipo 3 (doença de oftalmoplegia externa pai
Machado-Joseph)

Ataxia espinocerebelar Ataxia progressiva, disartria, nistagmo CAG 4-19; 20-33 — Éxon
tipo 6

Ataxia espinocerebelar Ataxia progressiva, disartria, CAG 4-35; 37-306 Mais frequentemente no —
tipo 7 degeneração da retina pai

Ataxia espinocerebelar Ataxia progressiva, demência, CAG 25-42; 47-63 — Éxon


tipo 17 bradicinesia, dismetria

Atrofia dentatorubral- Atrofia cerebelar, ataxia, epilepsia CAG 7-34; 49-88 Mais frequentemente no Éxon
palidoluisiana mioclônica, coreoatetose, demência pai
(síndrome de Haw
River)

Distúrbio semelhante à Características muito semelhantes CTG 7-28; 66-78 — Éxon


doença de àquelas da doença de Huntington
Huntington tipo 2

Categoria 2

Pseudoacondroplasia, Baixa estatura, frouxidão articular, GAC 5; 6-7 — Éxon


displasia epifisária doença articular degenerativa
múltipla

Distrofia muscular Fraqueza proximal dos membros , GCG 6; 7-13 — Éxon


oculofaríngea disfagia, ptose palpebral

Displasia cleidocraniana Baixa estatura, suturas do crânio GCG, GCT, 17; 27 — Éxon
abertas com fronte proeminente, GCA (expansão
hipoplasia clavicular, dedos observada
encurtados, anomalias dentárias em uma
família)

Polissinidactilia Polidactilia e sindactilia GCG, GCT, 15; 22-25 — Éxon


GCA

Categoria 3

Distrofia miotônica Perda de massa muscular, arritmia CTG 5-37; 50 até Pai ou mãe, mas a Região não
(DM1; cromossomo cardíaca, catarata, calvície na região milhares expansão na forma transcrita 3’
19) frontal congênita geralmente
ocorre na mãe

Distrofia miotônica Perda de massa muscular, arritmia CCTG 10-26; 75- — Região não
(DM2; cromossomo 3) cardíaca, catarata, calvície na região 11.000 transcrita 3’
frontal

Ataxia de Friedreich Ataxia progressiva dos membros, GAA 6-32; 200- A doença é autossômica Íntron
disartria, cardiomiopatia hipertrófica, 1.700 recessiva; os alelos da
fraqueza piramidal nas pernas doença são herdados
de ambos os pais

Síndrome do X frágil Deficiência intelectual, orelhas grandes CGG 4-39; 200- Exclusivamente na mãe Região não
(FRAXA) e mandíbula proeminente, 900 transcrita 5’
macroorquidismo em homens

Sítio frágil (FRAXE) Deficiência intelectual leve GCC 6-35; > 200 Mais frequentemente na Região não
mãe transcrita 5’

Ataxia espinocerebelar Ataxia (aparecimento na idade adulta), CTG 16-34; > 74 Mais frequentemente na Região não
tipo 8 disartria e nistagmo mãe transcrita 3’

Ataxia espinocerebelar Ataxia e convulsões ATTCT 10-20; 500- Mais frequentemente no Íntron
tipo 10 4.500 pai

Ataxia espinocerebelar Ataxia, distúrbios nos movimentos dos CAG 7-45; 55-78 — Região não
tipo 12 olhos; idade de manifestação é transcrita 5’
variável

Epilepsia mioclôni- Convulsões no início na juventude, Motivo 2-3; 30-75 Herança autossômica Região não
ca progressiva tipo 1 mioclonia, demência repetido recessiva; transmitida transcrita 5’
de 12 pb por ambos os pais
um produto de proteína ausente ou anormal. As expansões das repetições geralmente são maiores quando transmitidas pela mãe. A antecipação pode
ser observada na maioria das doenças contidas na primeira e na terceira categorias.

A antecipação refere-se ao aparecimento cada vez mais precoce ou à expressão mais grave de uma doença nas gerações
mais recentes. A expansão das repetições do DNA pode causar antecipação em algumas doenças genéticas. Tais doenças
podem ser divididas em três categorias principais, dependendo do tamanho da expansão, da localização da repetição, das
consequências fenotípicas da expansão, do efeito da mutação e do genitor no qual as grandes expansões tipicamente
ocorrem.

A História do X Frágil: Genética Molecular Explica um Padrão de Herança Complexo


Desde o século XIX, vem sendo observado que há aproximadamente 25% a mais de indivíduos do sexo masculino com deficiência intelectual. Tal
excesso pode ser parcialmente explicado por diversas condições ligadas ao X que causam a deficiência intelectual, das quais a mais comum é a
síndrome do X frágil. Além da presença da alteração cognitiva, a síndrome do X frágil é caracterizada por uma aparência facial distinta, com orelhas
grandes e face alongada (Fig. 5-20), hipermobilidade articular e macro-orquidismo (volume testicular aumentado) em pós-púberes. O grau da
deficiência intelectual tende a ser mais leve e mais variável nas mulheres do que nos homens. A síndrome recebe esse nome “X frágil” porque os
cromossomos X das pessoas afetadas, quando cultivados em meio deficiente em ácido fólico, algumas vezes exibem quebras e falhas perto do final do
braço longo (Fig. 5-21).

FIGURA 5-20 Meninos com a síndrome do X frágil. Note as faces alongadas, as mandíbulas proeminentes, as orelhas grandes e as características similares
das crianças de diferentes grupos étnicos: (A) europeu; (B) asiático; (C) latino-americano.

FIGURA 5-21 Um cromossomo X de um homem com a síndrome do X frágil, mostrando uma região alongada condensada, perto do final do braço longo.
(De Stein CK: Applications of cytogenetics in modern pathology. In McPherson RA, Pincus MR (eds): Henry’s Clinical Diagnosis and Management by Laboratory
Methods. 21st ed. Philadelphia: Saunders; 2006.)

Embora a presença de uma única mutação do X frágil seja suficiente para causar a doença em homens ou em mulheres, a prevalência dessa
condição é maior nos homens (1/4.000) do que nas mulheres (1/8.000). O menor grau de penetrância nas mulheres, assim como a variabilidade na
expressão, reflete a variação nos padrões da inativação do X (o percentual de cromossomos X ativos que carregam a mutação causadora da doença).
Homens que têm descendentes afetados, embora não sejam afetados pela doença, são denominados homens transmissores normais. Na metade da
década de 1980, estudos de heredogramas da síndrome do X frágil revelaram um padrão surpreendente: as mães de homens transmissores
apresentavam um percentual muito menor de filhos afetados do que as filhas desses homens (Fig. 5-22). Como as mães e filhas dos homens
transmissores normais portam obrigatoriamente a mutação ligada ao X, elas devem apresentar os mesmos riscos de produzirem filhos afetados.
Embora as filhas dos
FIGURA 5-22 Heredograma mostrando a herança da síndrome do X frágil. As mulheres portadoras da pré-mutação (50 a 230 repetições CGG) são
representadas pelos símbolos com um ponto preto no centro. Os indivíduos afetados são representados pelos símbolos “sólidos”. Um homem normal
transmissor, portador de uma pré-mutação de 70 a 90 unidades de repetição, é chamado de HNT. Note que o número de repetições aumenta a cada vez
que a mutação é transmitida por outra mulher. Ainda, somente 5% das irmãs dos HNTs são afetadas e somente 9% de seus irmãos são afetados;
entretanto, 40% de seus netos e 16% de suas netas são afetados. Este é o paradoxo de Sherman.

homens transmissores normais nunca tenham sido afetadas pela doença, os filhos dessas mulheres podem ser afetados. Tal padrão, chamado de
paradoxo de Sherman, pareceu não ser condizente com as regras da herança ligada ao X.
Muitos mecanismos já foram propostos para explicar esse padrão, incluindo os loci modificadores autossômicos e mitocondriais. A resolução do
paradoxo de Sherman só foi possível quando ocorreu a identificação do gene da doença, denominado FMR1. Análises das sequências do DNA
mostraram que a região 5’ não traduzida do gene contém uma unidade de repetição CGG que apresenta de seis a 50 cópias em indivíduos normais. Os
indivíduos que apresentam a síndrome do X frágil possuem entre 200 e 1.000 ou mais repetições de bases CGG (mutação completa). Uma quantidade
intermediária de repetições, variando aproximadamente de 50 a 200 cópias, costuma ser observada em homens transmissores normais e em sua prole
feminina e é denominada pré-mutação. Quando esta prole feminina transmite o gene para os seus descendentes, pode ocorrer uma ampliação da pré-
mutação de 50 a 200 repetições, para uma mutação completa, com mais de 200 repetições. Essas ampliações não ocorrem na transmissão masculina.
Além disso, as pré-mutações tendem a ser maiores nas gerações subsequentes e pré-mutações maiores são mais suscetíveis a sofrer ampliação e se
transformar em uma mutação completa. Tais resultados explicam o paradoxo de Sherman. Os homens que possuem a pré-mutação não têm filhas com
a síndrome do X frágil porque a ampliação da repetição ocorre pela transmissão feminina. Netos e bisnetos de homens transmissores são mais
suscetíveis a serem afetados pela doença do que os irmãos de homens transmissores, por causa da expansão progressiva das repetições através das
sucessivas gerações de mulheres que portam pré-mutações.
A quantificação do mRNA transcrito do gene FMR1 mostrou que os maiores níveis de expressão foram encontrados no cérebro, conforme o
esperado. Tanto as pessoas portadoras de genes FMR1 normais como aquelas portadoras de genes FMR1 com pré-mutações produzem o mRNA. De
fato, a produção de mRNA é mais elevada nas pessoas com pré-mutações e tem sido demonstrado que esse mRNA se acumula no núcleo, causando
efeitos tóxicos, assim como os mRNAs mutados na distrofia miotônica. Consequentemente, cerca de mais da metade dos homens com pré-mutações
desenvolve uma doença neurológica caracterizada por ataxia e tremores por volta dos 70 anos de idade (o risco para as portadoras é inferior a 20%).
Aproximadamente 25% das mulheres com pré-mutações no gene FMR1 experimentam insuficiência ovariana prematura (amenorreia antes dos 40 anos
de idade), novamente em virtude dos efeitos tóxicos do mRNA. Em contrapartida, as mulheres com mutações completas não apresentam mRNA do
FMR1 em suas células, indicando não haver transcrição desse gene. A repetição CGG está intensamente metilada nas pessoas que possuem a mutação
completa, pois se trata de uma série de sequências CG 5’ do gene. O grau de metilação, que é capaz de influenciar a transcrição do FMR1,
correlaciona-se com a gravidade da expressão da doença. Um pequeno percentual de pessoas com a síndrome do X frágil (< 5%) não apresenta
ampliação da repetição CGG; em vez disso, essas pessoas têm outras mutações de perda de função no FMR1.
O produto proteico do FMR1, a proteína FMRP, liga-se a RNAe deslocando-se entre o núcleo e o citoplasma. Parece que a FMRP pode estar
envolvida no transporte do mRNA do núcleo para o citoplasma; além disso, acredita-se que também pode ter alguma participação na regulação da
tradução do mRNA.
A identificação do gene FMR1 e da natureza de sua expansão repetida já elucidaram muito da herança e da expressão da síndrome do X frágil. Tais
avanços também foram responsáveis por melhorar a precisão diagnóstica para essa condição, porque a análise citogenética dos cromossomos
frequentemente falha na identificação dos heterozigotos. Em contrapartida, o diagnóstico por meio da análise do DNA, que consiste na mensuração do
comprimento da sequência repetida CGG e do grau de metilação do FMR1, é muito mais preciso.
QUESTÕES DE ESTUDO
1. Podemos observar algumas mulheres com cinco cromossomos X em cada célula somática. Quantos corpúsculos de Barr essas mulheres devem
apresentar?
2. Explique por que 8% a 10% das mulheres portadoras do gene DMD apresentam fraqueza muscular.
3. Nas doenças recessivas ligadas ao X, a proporção de homens afetados para mulheres afetadas nas populações aumenta conforme a frequência da
doença diminui. Explique esse fenômeno em termos de frequência genotípica.
4. A Figura 5-23 mostra a herança da hemofilia A, em uma família. Qual é o risco do homem da geração IV ser afetado pela hemofilia A? Qual é o
risco da mulher na geração IV ser portadora heterozigota? Qual é o risco de ela ser afetada pela doença?
5. Algumas vezes, é difícil distinguir entre os heredogramas para as doenças autossômicas dominantes e para as doenças ligadas ao X. Nomeie quantas
características forem possíveis a fim de distingui-los.
6. Como você distinguiria a herança mitocondrial das outras formas de herança genética?
7. Um homem com distrofia muscular de Becker casa-se com uma mulher fenotipicamente normal. Em média, que percentual da prole masculina do
casal poderá ser afetada e que percentual da prole feminina poderá ser afetada?

FIGURA 5-23 Heredograma para a Questão de Estudo 4.

8. Uma mulher portadora de uma mutação para distrofia muscular de Duchenne casa-se com um homem fenotipicamente normal. Em média, que
percentual da prole masculina e da prole feminina do casal será afetada pela doença?
9. Um menino e seu irmão têm hemofilia A. Caso não haja histórico familial de hemofilia A em gerações anteriores, qual é a probabilidade de que a tia
do menino (irmã da mãe) seja heterozigota para o gene da doença?
10. É possível criar um zigoto a partir de duas cópias individuais do genoma materno. Nos anfíbios, o zigoto se desenvolve e amadurece,
transformando-se em um adulto, sem que haja fertilização por uma célula espermática (tal processo é conhecido como partenogênese). Esse
mesmo experimento, quando efetuado em camundongos, sempre resultava em morte pré-natal precoce. Por quê?

LEITURAS SUGERIDAS
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Fontes na Internet
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Muscular Dystrophy Association (informações sobre vários tipos de distrofia muscular com links para outros sites) http://www.mdausa.org/
National Hemophilia Foundation (informações sobre hemofilia com links para outros sites) http://www.hemophilia.org/home.htm
CAPÍTULO6

Citogenética Clínica: A Base Cromossômica da Doença Humana

Os dois capítulos anteriores abordaram as doenças monogênicas. Aqui serão consideradas as doenças causadas por alterações no número ou na
estrutura dos cromossomos. A área de estudo dos cromossomos e suas anormalidades é chamada de citogenética.
As anormalidades cromossômicas são responsáveis por uma fração significativa das doenças genéticas, ocorrendo aproximadamente em um a
cada 150 nascidos vivos. São a principal causa conhecida de deficiência intelectual e de perdas gestacionais. As anormalidades cromossômicas são
encontradas em 50% dos abortos espontâneos de primeiro trimestre e em 20% dos de segundo trimestre. Assim, trata-se de uma causa importante de
morbidade e mortalidade.
Como em outras áreas da genética médica, os avanços na genética molecular contribuíram para novas descobertas no campo da citogenética. Por
exemplo, as técnicas moleculares permitiram a identificação de anomalias cromossômicas, como as deleções que afetam regiões muito pequenas.
Em muitos casos, genes específicos que contribuem para o fenótipo das síndromes citogenéticas estão sendo identificados. Além disso, a capacidade
de identificar polimorfismos no DNA dos pais e dos filhos tem permitido a pesquisadores determinar se um cromossomo anormal é derivado do pai
ou da mãe. Isto aumentou a compreensão sobre as bases biológicas dos erros meióticos e anormalidades cromossômicas.
Neste capítulo, discutiremos as anormalidades de número e estrutura dos cromossomos. Reveremos a base genética da determinação do sexo,
examinaremos o papel das alterações cromossômicas no câncer e discutiremos diversas doenças causadas por instabilidade cromossômica. Serão
enfatizadas as novas contribuições da genética molecular para a citogenética.

TECNOLOGIA CITOGENÉTICA E NOMENCLATURA


Embora fosse possível visualizar os cromossomos com microscópios desde a metade do século XIX, era muito difícil observar os cromossomos
individuais. Assim era difícil contar o número de cromossomos em uma célula ou examinar anormalidades estruturais. No início da década de 1950,
diversas técnicas foram desenvolvidas, melhorando nossa capacidade de observação dessas estruturas. Estas incluíram o uso de venenos do fuso
como a colchicina e o colcemide, que interrompem células somáticas em divisão na metáfase, quando os cromossomos apresentam condensação
máxima e são mais fáceis de visualizar; o uso de uma solução hipotônica (pobre em sal), que causa entumecimento celular, ruptura do núcleo e uma
melhor separação dos cromossomos individuais; e o uso de materiais corantes que são absorvidos de modo diferente em partes diferentes dos
cromossomos, produzindo, assim, as bandas claras e escuras características que ajudam a identificar cada cromossomo.

Nossa capacidade de estudar cromossomos melhorou com a visualização dos cromossomos na metáfase por meio de
soluções hipotônicas que promovem um entumecimento nuclear, e por técnicas de coloração que marcam as bandas
cromossômicas.

Os cromossomos são normalmente analisados por meio da coleta de um tecido vivo (geralmente sangue), que é cultivado por um período de
tempo adequado (na maioria das vezes de 48 a 72 horas para os linfócitos do sangue periférico), adição de colcemide para interromper a metáfase,
coleta das células, ruptura do núcleo celular com uma solução hipotônica, colocação do sedimento celular em uma lâmina, coloração com um
corante específico e fotografia dos cromossomos metafásicos espalhados na lâmina. As imagens dos 22 pares de autossomos são colocadas de
acordo com os seus tamanhos e os cromossomos sexuais ficam no canto direito. Tal exibição ordenada dos cromossomos é chamada de cariograma
ou cariótipo (Fig. 6-1) (O termo cariótipo refere-se ao número e tipo de cromossomos presentes em um indivíduo, e o cariograma é frequentemente
utilizado para designar a imagem impressa dos cromossomos.) Atualmente são utilizados programas computadorizados de análise de imagens para
visualizar os cromossomos.
Além da classificação pelo tamanho, os cromossomos também são classificados de acordo com a posição do centrômero. Caso o centrômero
esteja próximo ao centro do cromossomo, é chamado de metacêntrico (Fig. 6-2). Um cromossomo acrocêntrico tem o centrômero próximo à
extremidade e o cromossomo com centrômero entre o meio e a extremidade é chamado submetacêntrico. A extremidade de cada cromossomo é o
telômero. O braço curto do cromossomo é chamado de p (de pequeno) e o braço longo é chamado de q. Nos cromossomos metacêntricos, nos quais
os braços têm aproximadamente o mesmo comprimento, os braços p e q são designados por convenção.

Cariótipo, ou cariograma, é uma representação dos cromossomos organizados de acordo com o seu tamanho.
Dependendo da posição do centrômero, um cromossomo pode ser acrocêntrico, submetacêntrico ou metacêntrico.
FIGURA 6-1 Cariograma (cariótipo) com cromossomos bandeados de homem normal. Os cromossomos metafásicos bandeados são dispostos do maior
para o menor.

FIGURA 6-2 Cromossomos metacêntricos, submetacêntricos e acrocêntricos. Observe as constrições secundárias e satélites presentes nos braços
curtos dos cromossomos acrocêntricos.

Um cariótipo feminino normal é designado 46,XX; um cariótipo masculino normal é designado 46,XY. A nomenclatura para as diversas
anormalidades cromossômicas encontra-se resumida na Tabela 6-1 e está indicada para cada condição discutida neste capítulo.

Bandamento Cromossômico
Os primeiros cariótipos foram úteis para contar o número de cromossomos, mas as anormalidades estruturais, como rearranjos equilibrados ou
deleções cromossômicas pequenas, eram muitas vezes indetectáveis. As técnicas de coloração foram desenvolvidas na década de 1970 para produzir
bandas cromossômicas características dos cariótipos modernos. O bandamento cromossômico ajuda muito na detecção de deleções, duplicações e
outras alterações estruturais, e facilita a identificação correta de cada um dos cromossomos. As principais bandas em cada cromossomo são
numeradas de maneira padronizada (Fig. 6-3). Por exemplo, 14q32 se refere à banda 2, da região 3, do braço longo do cromossomo 14. As sub-
bandas são designadas por pontos decimais em seguida ao número da banda (p. ex., 14q32.3 é a sub-banda 3, da banda 2).
Diversas técnicas de bandas cromossômicas são empregadas nos laboratórios de citogenética. A banda com quinacrina (banda Q) foi o primeiro
método de coloração utilizado que produziu padrões específicos de bandamento. Esse método requer microscopia de fluorescência e não é mais tão
amplamente utilizado como é a banda de Giemsa (banda G). Para produzir as bandas G, o corante Giemsa é colocado depois das proteínas
cromossômicas serem parcialmente digeridas por tripsina. A banda reversa (banda R) requer tratamento com calor e inverte o padrão de bandas
claro e escuro típico que é observado nas bandas G e Q. Esse método é especialmente útil para a coloração das extremidades distais dos
cromossomos. Outras técnicas de coloração incluem o bandamento C e a coloração das regiões organizadoras nucleolares (coloração NOR, de
nucleolar organizing regions stains). Estes últimos coram especificamente certas porções dos cromossomos. O bandamento C cora a
heterocromatina constitutiva, que se encontra geralmente próxima ao centrômero, e o NOR evidencia os satélites e as constrições secundárias dos
cromossomos acrocêntricos (Fig. 6-2). O bandamento de alta resolução envolve a coloração dos cromossomos durante a prófase ou no início da
metáfase (prometáfase), antes que atinjam sua condensação máxima. Como os cromossomos na prófase e na prometáfase são mais alongados do que
os cromossomos na metáfase, o número de bandas observáveis, considerando-se todos os cromossomos,
TABELA 6-1 Nomenclatura Normal para os Cariótipos Cromossômicos

CARIÓTIPO DESCRIÇÃO

46,XY Constituição cromossômica masculina normal

47,XX,+21 Mulher com trissomia do 21, síndrome de Down

47,XY,+21[10]/46,XY[10] Homem com mosaico de células com trissomia do 21 e células normais (10 células analisadas com cada cariótipo)

46, XY,del,(4)(p14) Homem com deleção terminal do braço curto do cromossomo 4, a partir da banda p14 até o final

46,XX,dup(5)(p14p15.3) Mulher com uma duplicação no braço curto do cromossomo 5, da banda p14 até p15.3

45,XY,der(13;14) Homem com translocação robertsoniana balanceada entre os cromossomos 13 e 14. O cariótipo mostra que um 13
(q10;q10) normal e um 14 normal foram perdidos e substituídos por um cromossomo derivado composto pelos braços longos
dos cromossomos 13 e 14

46,XY,t(11;22)(q23;q22) Homem com uma translocação recíproca balanceada entre os cromossomos11 e 22. Os pontos de quebra encontram-se
em 11q23 e 22q22

46,XX,inv(3)(p21q13) Uma inversão no cromossomo 3 que se estende de p21 até q13; como inclui o centrômero, trata-se de uma inversão
pericêntrica

46,X,r(X)(p22.3q28) Uma mulher com um cromossomo X normal e um cromossomo X em anel formado pelas quebras nas bandas p22.3 e
q28 com fusão subsequente

46,X,i(Xq) Mulher com um cromossomo X normal e um isocromossomo do braço longo do cromossomo X

aumenta de cerca de 300 a 450 (como na Fig. 6-3) para até cerca de 800. Isto permite a detecção de anormalidades menores que geralmente não são
vistas com bandamento convencional.

As bandas cromossômicas ajudam a identificar cada um dos cromossomos e anormalidades cromossômicas estruturais.
As técnicas de bandamento incluem quinacrina, Giemsa, C, reversa e NOR. O bandamento de alta resolução, usando
cromossomos na prófase ou prometáfase, aumenta o número de bandas observáveis.

Hibridização in Situ Fluorescente


Na técnica amplamente usada hibridização in situ fluorescente (FISH, de fluorescence in situ hybridization), um segmento unifilamentoso de
DNA marcado (sonda) é colocado junto a cromossomos desnaturados em, prófase, interfase ou metáfase. O pareamento das bases complementares
da sonda ocorre apenas com a sequência de DNA complementar em uma localização específica em um dos cromossomos desnaturados
(hibridização). Como a sonda é marcada com um corante fluorescente, a localização na qual ocorre a hibridização com os cromossomos do paciente
pode ser visualizada com um microscópio de fluorescência. Comumente a técnica de FISH é utilizada para determinar se uma porção de um
cromossomo está deletada em um paciente. Em uma pessoa normal, a hibridização da sonda ocorre em dois lugares, refletindo a presença de dois
cromossomos homólogos em um núcleo celular somático. Caso a sonda do segmento do cromossomo em questão hibridizar-se apenas com um dos
cromossomos do paciente, então é provável que o paciente apresente a deleção na cópia do cromossomo com o qual a sonda não consegue se
hibridizar. A técnica de FlSH proporciona uma resolução consideravelmente superior em relação às técnicas de bandas de alta resolução; ela é capaz
de detectar deleções tão pequenas quanto um milhão de pares de bases (1 Mb). É amplamente usada para detectar síndromes comuns de deleção,
como a síndrome de Prader-Willi (microdeleção de 15q11.2) e a síndrome de Williams (microdeleção de 7q11.2) (discutida mais adiante).
Cópias extras de uma região cromossômica também podem ser detectadas com a técnica de FISH. Neste caso, a sonda hibridiza-se em três ou
mais lugares, em vez de apenas dois. Combinações das sondas FISH também podem ser usadas para detectar rearranjos cromossômicos como
translocações (ver discussão mais adiante).
A Figura 6-4A mostra o resultado de FISH de uma criança na qual uma pequena parte do braço curto do cromossomo 17 foi perdida. Embora a
sonda centrômerica (usada como controle) hibridize com ambas as cópias do cromossomo 17, a sonda correspondente a uma região específica de
17p hibridiza-se apenas em um dos cromossomos 17. Isto demonstra a deleção que causa a síndrome de Smith-Magenis (Fig. 6-4B, ver também
a Tabela 6-3 a seguir).
Como a detecção de cromossomos extras ou ausentes por meio da técnica de FlSH pode ser realizada com cromossomos na interfase, não é
necessário haver estímulo para que as células entrem em divisão para se obter cromossomos metafásicos (um procedimento demorado, necessário
para as abordagens microscópicas tradicionais). Isto possibilita maior rapidez nas análises e diagnósticos. A análise por meio de FlSH de
cromossomos em interfase é usada com frequência na detecção pré-natal de anomalias cromossômicas fetais e na análise de rearranjos
cromossômicos em células tumorais.
A técnica de FlSH foi ampliada com a utilização de diversas sondas, cada uma marcada com uma cor diferente, de modo que diversas das
anormalidades numéricas mais comuns (p. ex., as dos cromossomos 13, 18, 21, X e Y) possam ser testadas simultaneamente na mesma célula. Além
disso, técnicas como a cariotipagem espectral usam combinações variadas de sondas marcadas com os cinco fluorocromos diferentes, em conjunto
com câmeras especiais e programas de processamento de imagens, de modo que cada cromossomo fique com uma cor específica para uma rápida
identificação (a coloração com a série de sondas ao longo de todo o seu comprimento é traduzida pelo software como uma única cor).
FIGURA 6-3 Representação esquemática do padrão de bandamento de um cariótipo com banda G; 300 bandas estão representadas neste ideograma.
Os braços curtos e longos dos cromossomos estão desenhados, e seus segmentos estão numerados de acordo com a nomenclatura padronizada,
adotada na Conferência de Paris em 1971. Nesta ilustração, ambas as cromátides irmãs são mostradas em cada cromossomo.

FIGURA 6-4 A, Resultado da hibridização in situ fluorescente (FISH). As setas mais finas indicam a hibridização (marcação) com a sonda para centrômero
do cromossomo 17, e a seta mais larga indica a marcação da sonda que se hibridiza com 17p. A última sonda revela apenas um ponto nesse indivíduo
que apresenta a deleção do 17p, que é responsável pela síndrome de Smith-Magenis. (Cortesia de Dr. Arthur Brothman, University of Utah Health Sciences
Center.) B, Face de um bebê do sexo feminino com a síndrome de Smith-Magenis. Note a fronte larga e a face relativamente plana. (Cortesia de Dra.
Marilyn C. Jones, Children’s Hospital, San Diego.)

FIGURA 6-5 Cariótipo espectral. Uma aplicação do cariótipo espectral é demonstrada pela identificação de um rearranjo entre os cromossomos 2 e 22.
Observe que uma porção do cromossomo 2 (púrpura) trocou de lugar com uma porção do cromossomo 22 (amarelo). (Cortesia de Dr. Arthur Brothman,
University of Utah Health Sciences Center.)

Tais imagens podem ser especialmente úteis na identificação de rearranjos cromossômicos menores (Fig. 6-5).

FISH é uma técnica em que uma sonda marcada é hibridizada com cromossomos em metáfase, prófase ou interfase.
FISH pode ser usada para testar a presença adicional ou a ausência de material cromossômico, assim como rearranjos
cromossômicos. A técnica de FISH pode ser ampliada com utilização de múltiplas cores para detectar simultaneamente
diversas possíveis alterações cromossômicas numéricas. Múltiplas sondas podem ser usadas para marcar cada
cromossomo com uma cor única, facilitando a detecção de rearranjos estruturais.

Hibridização Genômica Comparativa


Perdas ou duplicações de cromossomos inteiros ou de regiões cromossômicas específicas podem ser detectadas por meio de uma técnica conhecida
como hibridização genômica comparativa (CGH, de comparative genomic hybridization) (Fig. 6-6). O DNA é obtido a partir da fonte a ser
testada como, por exemplo, células de um tumor ou células do sangue de um paciente. O DNA é então marcado com uma substância que exibe uma
cor (p. ex., vermelho) sob microscopia de fluorescência. O DNA obtido de células controle normais é marcado com uma segunda cor (p. ex., verde).
Na versão inicial do CGH, ambos os grupos de DNA são hibridizados com cromossomos metafásicos normais em uma lâmina. Caso qualquer
região cromossômica esteja duplicada na célula tumoral, a região correspondente no cromossomo metafásico irá hibridizar-se com quantidades
excessivas do DNA marcado em vermelho. Essa região aparecerá em vermelho no microscópio. Ao contrário, se uma região for deletada na célula
tumoral, a região correspondente do cromossomo metafásico irá se hibridizar apenas com o DNA controle, marcado em verde, e a região aparecerá
em verde no microscópio. CGH é especialmente útil na pesquisa de deleções e duplicações do material cromossômico nas células tumorais nas quais
a detecção de tais alterações pode ajudar a prever o tipo e/ou gravidade do câncer.
Uma limitação muito importante da CGH quando usados cromossomos metafásicos é que pequenas deleções ou duplicações, menores do que 5 a
10 Mb, não podem ser detectadas por microscopia. Uma resolução muito maior é obtida com a array CGH (aCGH), na qual o DNA teste e o
controle são hibridizados com um microarray (microarranjos em um suporte sólido) ou chip de DNA (Capítulo 3) contendo centenas a milhões de
sequências de sondas de oligonucleotídeos cujas sequências de DNA correspondem a regiões específicas do genoma. Esses microarranjos fornecem
uma resolução de 50 a 100 kb, ou até menos, permitindo a detecção de duplicações e deleções que podem afetar apenas um único gene.
A array CGH oferece uma série de outras vantagens sobre a análise tradicional de cariótipos. O processo é altamente automatizado e requer
menor tempo do pessoaI do laboratório. Não há necessidade de células em divisão (ao contrário da análise dos cromossomos em metáfase), e uma
quantidade mínima de DNA é suficiente para analisar todo o genoma. Por esses motivos, a array CGH está se tornando rapidamente uma das
técnicas mais frequentemente utilizadas nos laboratórios de citogenética. A desvantagem primária da CGH é sua incapacidade em detectar
rearranjos cromossômicos equilibrados (p. ex., translocações recíprocas ou inversões), nos quais a quantidade do material cromossômico permanece
inalterada.
FIGURA 6-6 A técnica de hibridização genômica comparativa (CGH). A, A amostra de DNA para ser testada é marcada em vermelho (neste caso, obtida
de uma amostra de tumor) e outra, de DNA de referência é marcada em verde (obtida de células normais); ambas são desnaturadas e hibridizadas com
cromossomos normais. A proporção de sinal verde comparada a de vermelho nos cromossomos hibridizados indica a localização de duplicações (mais
sinal vermelho) ou deleções (mais sinal verde) nos cromossomos do tumor. B, Array CGH: as amostras de DNA teste e normal são hibridizadas em sondas
contidas em um microarray (substrato sólido – placa, chip — contendo segmentos de DNA conhecidos e marcados, formando um arranjo específico). As
duplicações são indicadas pela hibridização de maior quantidade de DNA marcado em vermelho com a sonda que contém uma sequência DNA
complementar à da região duplicada. Ao inverso, a hibridização apenas do DNA marcado em verde (DNA de referência) indica uma deleção da região
correspondente. C, Em um paciente com a sequência de DiGeorge foi realizado um teste de aCGH em que o DNA do paciente foi marcado em verde e o
DNA de controle foi marcado em vermelho. A figura mostra uma ausência de sinal verde e um excesso de sinal vermelho, significando uma deleção do
cromossomo 22q11.

A técnica CGH, na qual amostras de DNA teste e controle são marcadas diferentemente, consiste na hibridização destas
com cromossomos metafásicos normais ou com microarranjos de sondas e permite a detecção de duplicações e deleções
cromossômicas, mas não de rearranjos equilibrados. A array CGH pode detectar deleções e duplicações menores que 100
kb e requer apenas pequenas quantidades de DNA.

ANOMALIAS DO NÚMERO DOS CROMOSSOMOS


Poliploidia
Uma célula que contém um múltiplo de 23 cromossomos no seu núcleo é dita euploide (do grego, eu = “bom”, ploid = “grupo”). Assim, gametas
haploides e células somáticas diploides são euploides. A poliploidia, ou seja, a presença de um lote completo de cromossomos extras em uma
célula, é vista comumente em plantas e muitas vezes aumenta seu valor na agricultura. A poliploidia também ocorre em humanos, embora em
frequência muito menor. As condições poliploides observadas nos humanos são a triploidia (69 cromossomos no núcleo de cada célula) e a
tetraploidia (92 cromossomos no núcleo celular). Os cariótipos nessas duas condições são designados 69,XXX e 92,XXXX, respectivamente
(considerando todos os cromossomos sexuais sendo X; podemos encontrar outras combinações de cromossomos X e Y). Como o número de
cromossomos presentes em cada uma dessas condições é um múltiplo de 23, as células são euploides em cada caso. No entanto, os cromossomos
adicionais codificam uma grande quantidade de produto gênico extra, provocando anomalias múltiplas como defeitos no coração e no sistema
nervoso central.
A triploidia é encontrada apenas em um a cada 10.000 nascidos vivos, mas estima-se que corresponda a 15% das anormalidades cromossômicas
que ocorrem na concepção. Assim, a maioria das concepções triploides é abortada espontaneamente, e tal condição é uma das causas mais comuns
de perda fetal nos dois primeiros trimestres de gestação. Os fetos triploides que sobrevivem a termo, caracteristicamente vão a óbito logo após o
nascimento. A causa mais comum da triploidia é a fertilização de um ovócito por dois espermatozoides (dispermia). O zigoto resultante recebe 23
cromossomos do ovócito e 23 cromossomos de cada um dos espermatozoides. A triploidia também pode ser causada pela fusão de um ovócito e um
corpúsculo polar, cada qual contendo 23 cromossomos, e uma subsequente fertilização por um espermatozoide. Uma anomalia meiótica, na qual
um espermatozoide ou um ovócito diploide é produzido, também pode originar um zigoto triploide.
A tetraploidia é muito mais rara do que a triploidia, tanto na concepção como entre os nascidos vivos. Foi registrada apenas em alguns poucos
nascidos vivos, e esses conceptos sobreviveram apenas por um curto período de tempo. A tetraploidia pode ser causada por um erro mitótico no
embrião inicial: todos os cromossomos duplicados migram para uma das duas células filhas. Pode resultar também da fusão de dois zigotos
diploides.

Diz-se que as células que apresentam um múltiplo de 23 cromossomos são euploides. A triploidia (69 cromossomos) e a
tetraploidia (92 cromossomos) são condições poliploides encontradas nos humanos. A maioria das concepções poliploides
é abortada espontaneamente e todas são incompatíveis com a sobrevida a longo prazo.

Aneuploidia Autossômica
As células que apresentam cromossomos individuais adicionais ou faltando são chamadas aneuploides (número de cromossomos não é múltiplo de
23). Em geral, apenas um cromossomo é afetado, mas é possível que mais de um esteja ausente ou duplicado. As aneuploidias dos autossomos estão
entre as anormalidades cromossômicas mais importantes clinicamente. Consistem primariamente em monossomia (presença de apenas uma cópia
de um cromossomo em uma célula que deveria ser diploide) e trissomia (três cópias de um cromossomo). As monossomias autossômicas são quase
sempre incompatíveis com a sobrevida a termo, de modo que apenas algumas são observadas em nascidos vivos. Em contrapartida, algumas
trissomias são encontradas com frequência considerável entre os nascidos vivos. O fato de que as trissomias têm consequências de menor gravidade
do que as monossomias ilustra um princípio importante: o corpo pode tolerar com mais facilidade um excesso do que um deficit de material
genético.
A causa mais comum de aneuploidia é a não disjunção, ou seja, os cromossomos não se separam normalmente durante a meiose (Fig. 6-7). A
não disjunção pode acontecer durante a meiose I ou meiose II (Capítulo 2). O gameta resultante ou não apresenta um determinado cromossomo ou
exibe duas cópias do mesmo, produzindo um zigoto monossômico ou trissômico, respectivamente.

As condições aneuploides consistem primariamente em monossomias e trissomias. São geralmente provocadas por não
disjunção. As monossomias autossômicas são quase sempre letais, mas algumas trissomias autossômicas são compatíveis
com a sobrevida.
FIGURA 6-7 Na não disjunção meiótica dois cromossomos homólogos migram para a mesma célula filha em vez de se afastar e migrar normalmente
para células filhas diferentes. Isto resulta em prole monossômica e trissômica.

Trissomia do 21
6
A trissomia do 21 (cariótipo 47,XY,+21 ou 47,XX,+21) é encontrada em aproximadamente um a cada 800 a 1.000 nascidos vivos, o que torna a
aneuploidia autossômica mais comum compatível com a sobrevida a termo. Essa trissomia produz a síndrome de Down, um fenótipo originalmente
descrito por John Langdon Down, em 1866. Quase 100 anos se passaram entre a descrição desta síndrome por Down e a descoberta, em 1959, de
que é causada pela presença de uma cópia extra do cromossomo 21.
Embora exista uma variação considerável na aparência das pessoas com síndrome de Down, elas apresentam uma constelação de características
que ajudam no estabelecimento do diagnóstico clínico. As características faciais incluem base nasal larga, fissuras palpebrais oblíquas para cima,
orelhas pequenas, às vezes com dobras na borda superior e achatamento maxilar e malar, dando à face um aspecto característico (Fig. 6-8). Algumas
dessas características levaram inicialmente ao uso na literatura do termo “mongolismo”, mas essa expressão é inadequada e não é mais utilizada. As
bochechas são redondas e os cantos dos lábios são muitas vezes voltados para baixo. O pescoço é curto, com pele redundante na nuca,
especialmente nos recém-nascidos. A região occipital é plana e as mãos e os pés costumam ser largos e curtos. Aproximadamente 50% das pessoas
com a síndrome de Down apresentam uma prega de flexão única que cruza as palmas das mãos (prega de flexão única anteriormente chamada prega
“simiesca”, termo que atualmente é considerado inadequado). A redução do tônus muscular (hipotonia) é uma característica altamente consistente,
útil no estabelecimento do diagnóstico. Nenhuma dessas características isoladas é diagnóstica, uma vez que todas são observadas na população
infantil em geral; é o conjunto delas que sugere o diagnóstico.
Diversos problemas clinicamente significativos ocorrem com maior frequência entre os bebês e crianças com a síndrome de Down. Cerca de 3%
dos bebês com síndrome de Down desenvolvem uma obstrução do duodeno ou atresia (fechamento ou ausência) do esôfago, duodeno ou ânus. As
infecções respiratórias são bastante comuns e o risco do desenvolvimento de leucemia é 15 a 20 vezes mais elevado nesses pacientes do que na
população em geral. O problema clínico mais significativo é que aproximadamente 40% desses pacientes nascem com defeitos cardíacos estruturais.
O mais frequente é um canal atrioventricular (AV), um defeito em que os septos interatrial e interventricular não se fecham normalmente durante o
desenvolvimento fetal. Como resultado, ocorre fluxo sanguíneo do lado esquerdo para o lado direito do coração e, então, para a circulação
pulmonar, produzindo hipertensão pulmonar. Os defeitos do septo ventricular (VSDs) também são comuns.
7
É encontrada deficiência intelectual moderada a grave (QI entre 40 e 60) na maioria dos afetados pela síndrome de Down, e essa condição
sozinha corresponde a aproximadamente 10% de todos os casos de deficiência intelectual nos Estados Unidos. Há estudos clínicos em andamento
para testar se medicações específicas podem melhorar a atenção e a aprendizagem em crianças com síndrome de Down em idade escolar
(www.clinicaltrials.gov).
Diversos outros problemas médicos ocorrem nos bebês e nas crianças pequenas com síndrome de Down. Perda de audição condutiva, e por vezes
central, hipotireoidismo e diversas anormalidades oculares são os eventos mais comuns e mais importantes. O Comentário Clínico 6-1 descreve um
plano para cuidados de saúde de rotina para bebês e crianças com síndrome de Down.
Os problemas clínicos encontrados na síndrome de Down resultam na redução das taxas de sobrevida. Os defeitos cardíacos congênitos são a
principal causa isolada de mortalidade precoce. No começo da década de 1960, apenas metade das crianças portadoras desse distúrbio sobrevivia até
os cinco anos de idade. Como resultado das evoluções nas cirurgias corretivas, no tratamento com antibióticos e no tratamento da leucemia, a taxa
de sobrevida aumentou consideravelmente nos últimos 40 anos. Calcula-se atualmente que cerca de 80% das crianças com síndrome de Down
sobreviverão até os 10 anos e a metade destas até os 50 anos de idade. Existem evidências convincentes de que ambientes adequados e intervenções
educativas podem produzir melhoras significativas na função intelectual.
Os homens com síndrome de Down quase sempre são estéreis, com apenas poucos casos descritos de reprodução. Muitas mulheres com
síndrome de Down podem reproduzir-se, embora aproximadamente 40% não tenham ovulação. Uma mulher com síndrome de Down tem um risco
de 50% de produzir um gameta com duas cópias do cromossomo 21 (que poderia então produzir um zigoto trissômico). No entanto, como
aproximadamente 75% das concepções com trissomia do 21 são abortadas espontaneamente, o risco de nascimento de um bebê afetado é
consideravelmente inferior a 50% para as mulheres com a síndrome de Down. Assim, como é raro haver reprodução entre afetados pela síndrome de
Down, quase todos os casos de trissomia do 21 podem ser considerados mutações cromossômicas novas.
Aproximadamente 95% dos casos de síndrome de Down são causados por não disjunção, e a maior parte dos restantes é causada por
translocações cromossômicas (ver discussão posterior). As comparações dos polimorfismos do cromossomo 21 nos pais e filhos demonstraram que
o cromossomo extra é materno em 90% a 95% dos casos de trissomia 21. Cerca de 75% das não disjunções maternas ocorrem durante a meiose I e o
restante ocorre durante a meiose II. Como vamos discutir com maiores detalhes posteriormente, existe uma forte correlação entre a idade materna e
o risco de produzir uma criança com a síndrome de Down.
O mosaicismo (Capítulo 4) é encontrado em aproximadamente 2% a 4% dos nascidos vivos com trissomia do 21. Essas pessoas apresentam
algumas células somáticas normais e outras com a trissomia. Esse tipo de mosaicismo em um homem é representado pela fórmula cariotípica
47,XY,+21[10]/46,XY[10], com os números entre colchetes indicando o número de células encontradas com cada cariótipo. A causa mais comum
do mosaicismo na trissomia é uma concepção trissômica seguida por uma perda do cromossomo extra durante a mitose em algumas células
embrionárias. O mosaicismo frequentemente resulta em uma expressão clínica mais branda do fenótipo associado à anormalidade cromossômica.
FIGURA 6-8 A, Um bebê com síndrome de Down, apresentando as características típicas dessa síndrome: fissuras palpebrais voltadas para cima,
excesso de pele n região palpebral interna (prega epicântica), língua protusa e ponte nasal baixa. B, Mesma menina observada em A, sete anos mais
tarde. Observe que as características típicas estão presentes, mas são menos óbvias. C, Cariograma de um homem com a trissomia do 21.

COMENTÁRIO CLÍNICO 6-1

Orientação Preventiva e Supervisão de Saúde nas Crianças com a Síndrome de Down


Uma abordagem chamada de supervisão de saúde e orientação preventiva surgiu para o cuidado e tratamento das pessoas com síndromes genéticas
e doenças crônicas. Depois de um estudo abrangente sobre o assunto (inclusive uma revisão extensa da literatura), as orientações básicas foram
estabelecidas para a seleção, avaliação e manejo dos pacientes. Se forem seguidas pelos clínicos no atendimento primário, ou pelo especialista,
tais orientações devem ajudar a prevenir maior incapacidade ou doença futuras. Ilustramos as abordagens de supervisão de saúde e orientação
preventiva com as orientações atuais para o cuidado com as crianças que apresentam a síndrome de Down.
• Como foi mencionado no texto, as comunicações AV são os defeitos cardíacos congênitos mais comuns encontrados em recém-nascidos com
síndrome de Down. A correção cirúrgica dessa condição está indicada caso seja detectada antes de um ano de idade; depois dessa idade, a
hipertensão pulmonar já está instalada por tempo prolongado demais, impedindo o êxito da cirurgia. Do mesmo modo, atualmente está
indicada a realização de um ecocardiograma no período neonatal, não mais após os seis meses.
• Como os pacientes com síndrome de Down frequentemente exibem estrabismo (desvio do olho de seu eixo visual normal) e outros problemas
visuais, eles devem ser examinados regularmente por seu médico. Se forem observados quaisquer sintomas ou sinais, o paciente deve ser
encaminhado para um oftalmologista familiarizado com a síndrome de Down.
Nas crianças assintomáticas, o exame oftalmológico para avaliar a acuidade visual deve ser realizado antes dos quatro anos.
• O hipotireoidismo é comum, especialmente durante a adolescência, consequentemente, os níveis dos hormônios tireoidianos devem ser
mensurados anualmente.
• Perdas de audição neurossensorial e condutivas são encontradas nas crianças com síndrome de Down. O acompanhamento de rotina deve incluir
um teste de audição logo após o nascimento e a cada seis meses, até dois anos de idade, com exames subsequentes, de acordo com a
necessidade.
• A instabilidade da primeira e da segunda vértebra cervical pode levar a lesões da medula óssea em alguns dos indivíduos mais velhos com
síndrome de Down. Sugere-se então a realização de estudos de imagens nas crianças com sintomas neurológicos e nas que planejam participar
de atividades esportivas.
• O encaminhamento de lactentes e crianças com a síndrome de Down para programas pré-escolares e de estimulação precoce permite realizar
intervenções e prevenir deficiências evolutivas, constituindo-se em um componente fundamental dos cuidados de rotina.
Séries de protocolos similares de orientações foram desenvolvidas para as crianças com trissomia do 18, síndrome de Williams e síndrome de
Turner. Em princípio, as abordagens de orientação preventiva e supervisão de saúde podem ser aplicadas a qualquer doença genética
suficientemente conhecida.

Dependendo do momento e da maneira como o mosaicismo surgiu, algumas pessoas apresentam mosaicismo específico de determinado tecido.
Como o termo sugere, tal tipo de mosaicismo está restrito apenas a alguns tecidos. Isto pode dificultar o diagnóstico porque a análise citogenética
geralmente se baseia em um único tipo de tecido (geralmente linfócitos circulantes obtidos de uma amostra de sangue, ou, com menor frequência, de
fibroblastos obtidos de uma biópsia de pele). O mosaicismo que afeta primariamente a linhagem germinativa de um genitor pode levar a múltiplas
recorrências da síndrome de Down na descendência. Este fator ajuda a esclarecer o fato de que o risco de recorrência para a síndrome de Down entre
mulheres com menos de 30 anos é cerca de 1% (p. ex., 10 vezes maior do que o risco da população em geral nesta faixa etária).
Em virtude da prevalência e da importância clínica da síndrome de Down, devotou-se um esforço considerável na definição dos genes específicos
no cromossomo 21 responsáveis pelos aspectos desta afecção. Um gene candidato para a deficiência intelectual na síndrome de Down é o DYRK1A,
um gene para quinase que provoca dificuldades de aprendizagem e de memória quando está superexpresso em camundongos. Outro gene localizado
na região crítica, APP, codifica a proteína precursora β-amiloide. Uma terceira cópia do APP é provavelmente responsável pela ocorrência de sinais
clínicos da doença de Alzheimer em quase todos os pacientes com a síndrome de Down por volta dos 40 anos de idade. As mutações do gene APP
causam uma pequena porcentagem dos casos de doença de Alzheimer (Capítulo 12), e os pacientes que apresentam a síndrome de Down com
trissomias parciais que não incluem o gene APP não desenvolvem os sinais da doença de Alzheimer.

A trissomia do 21 que causa a síndrome de Down é a aneuploidia autossômica mais frequente entre os nascidos vivos. Os
problemas mais significativos incluem deficiência intelectual, obstrução do trato gastrointestinal, defeitos cardíacos
congênitos e infecções respiratórias. O cromossomo 21 extra é herdado da mãe em aproximadamente 90% dos casos. O
mosaicismo é encontrado em 2% a 4% dos casos de síndrome de Down e frequentemente exibe um fenótipo mais brando.
Estão sendo identificados os genes específicos que contribuem para o fenótipo da síndrome de Down.

Trissomia do 18
A trissomia do 18 (47,XY,+18), conhecida também como síndrome de Edwards, é a segunda trissomia autossômica em frequência, com uma
prevalência de cerca de um por 6.000 nascimentos. É, no entanto, muito mais comum na concepção e é a anormalidade cromossômica mais
encontrada entre os natimortos com malformações congênitas. Calcula-se que menos de 5% das gestações com trissomia 18 evoluam à termo.
O fenótipo da síndrome de Edwards é tão perceptível quanto o da síndrome de Down, mas como é menos frequente, a probabilidade de ser
reconhecido clinicamente é menor. Os bebês com a trissomia do 18 apresentam deficiência de crescimento (baixo peso para a idade gestacional),
sinais faciais característicos e uma distinta anormalidade na mão, que muitas vezes ajuda o clínico a fazer o diagnóstico inicial (Fig. 6-9). Anomalias
menores de importância diagnóstica incluem orelhas pequenas com hélices menos dobradas, boca pequena de difícil abertura, esterno curto e
háluces (primeiros dedos do pé) curtos. A maioria dos bebês com a trissomia do 18 apresentam malformações congênitas maiores. Defeitos
cardíacos congênitos, especialmente, VSDs

FIGURA 6-9 Uma menina com trissomia 18 completa (A) aos três anos de idade e (B) aos 13 anos de idade. Ela mostra características faciais típicas de
uma criança mais velha com fissuras palpebrais estreitas e alterações nas orelhas. Em A também é mostrada uma sobreposição do dedo indicador
sobre o dedo médio, um achado característico das mãos na síndrome.

são os mais frequentes, incidindo em 90% das crianças. Outras malformações congênitas clinicamente significativas incluem a onfalocele (protrusão
do intestino na região de inserção do cordão umbilical), aplasia radial (ausência do osso rádio), hérnia diafragmática e ocasionalmente espinha
bífida.
Aproximadamente 50% das crianças com trissomia do 18 morrem nas primeiras semanas de vida e apenas cerca de 5% a 8% sobrevivem até 12
meses de idade. Uma combinação de fatores, incluindo pneumonia por aspiração, predisposição a infecções e apneia, e defeitos cardíacos congênitos
são responsáveis pela taxa de mortalidade elevada.
Acentuadas deficiências de desenvolvimento são encontradas entre os pacientes com a trissomia do 18 que sobrevivem até a infância. O atraso é
muito mais significativo do que na síndrome de Down e a maioria das crianças não é capaz de caminhar sem apoio. Contudo, algumas crianças com
a trissomia do 18 conseguem algum progresso nos marcos do desenvolvimento, embora lentamente, e as mais velhas aprendem algumas habilidades
de comunicação.
Mais de 95% dos pacientes que apresentam a síndrome de Edwards apresentam trissomia completa do 18; apenas uma pequena porcentagem
destes apresenta mosaicismo. Como ocorre na trissomia do 21, existe um importante efeito da idade materna e mais de 90% dos casos dessa
trissomia são resultado de um cromossomo extra transmitido pela mãe.

Trissomia do 13
A trissomia do 13 (47,XY,+13), também chamada de síndrome de Patau, é encontrada em cerca de um a cada 10.000 nascimentos. O padrão de
malformações é bastante característico e geralmente permite sua identificação clínica. Consistem primariamente em fendas orofaciais, microftalmia
(olhos pequenos e malformados) e polidactilia pós-axial (Fig. 6-10). São também frequentes as malformações do sistema nervoso central, assim
como os defeitos cardíacos e as anormalidades renais. Também pode haver aplasia cútis (um defeito na pele do couro cabeludo na região occipital
posterior).

FIGURA 6-10 Uma menina de oito anos de idade com trissomia completa do 13 mostrando pequenos olhos e nariz largo e proeminente.

A taxa de sobrevida é muito semelhante àquela encontrada na trissomia do 18, e 95% das crianças morrem durante o primeiro ano de vida. As
crianças que sobrevivem até a infância apresentam um grave atraso do desenvolvimento, com habilidades que raramente ultrapassam as encontradas
em uma criança de dois anos. Contudo, como na trissomia do 18, as crianças com a trissomia do 13 conseguem se desenvolver um pouco e serem
capazes de atingir um certo grau de comunicação com suas famílias.
Aproximadamente 80% dos pacientes com síndrome de Patau apresentam a trissomia completa do 13. A maioria dos demais apresenta trissomia
do braço longo do cromossomo 13 resultante de uma translocação (ver discussão posterior). Como ocorre nas trissomias do 18 e do 21, o risco de
gerar uma criança com tal condição aumenta de acordo com o aumento da idade materna. Calcula-se que 95% ou mais das concepções com a
trissomia 13 são perdidas espontaneamente durante a gestação.

As trissomias dos cromossomos 13 e 18, às vezes, são compatíveis com a sobrevida a termo, embora 95% ou mais dos
fetos afetados sejam abortados espontaneamente. Essas trissomias são muito menos comuns ao nascer do que a
trissomia do 21 e produzem aspectos patológicos mais graves, com uma mortalidade na faixa de 90% a 95% durante o
primeiro ano de vida. Como na trissomia do 21, existe um efeito da idade materna, e a mãe fornece o cromossomo extra
em aproximadamente 90% dos casos.

Trissomias, Não Disjunção e Idade Materna


A prevalência da síndrome de Down entre os filhos de mulheres com idades diferentes encontra-se na Figura 6-11. Nas mulheres com menos de 30
anos, o risco é inferior a 1/1.000. Aumenta para aproximadamente 1/400 aos 35 anos de idade, 1/100 aos 40 anos e aproximadamente 1/25 depois
dos 45 anos de idade.
FIGURA 6-11 A prevalência da síndrome de Down entre nascidos vivos em relação à idade da mãe. A prevalência aumenta com a idade materna e se
torna especialmente maior depois dos 35 anos de idade. (Dados de Hook EB, Chambers GM: Birth Defects, 1977,23[3A]:123-141.)

A maioria das outras trissomias, inclusive aquelas em que o feto não chega a termo, também aumenta em prevalência com o aumento da idade
materna. Este risco é um dos indicadores primários para a realização do diagnóstico pré-natal (Capítulo 13).
Há diversas hipóteses para esclarecer este aumento, inclusive a ideia de que uma gestação trissômica tem menor probabilidade de sofrer
abortamento espontâneo nas mulheres mais velhas. Estudos da frequência das anormalidades cromossômicas diretamente nas células espermáticas e
nos óvulos indicam que o correto, ao contrário, é que se deve a um aumento da não disjunção entre as mulheres mais velhas. É importante lembrar
que quase todos os ovócitos nas mulheres se formam durante seu desenvolvimento embrionário. (Existem evidências recentes de que um pequeno
número de ovócitos pode ser produzido posteriormente na vida). Estes permanecem parados na prófase I até serem liberados durante a ovulação.
Desta maneira, um ovócito produzido por uma mulher aos 45 anos de idade, pode ter até mais de 45 anos. O longo período de suspensão em prófase
I pode prejudicar a disjunção cromossômica normal, embora a natureza exata desse mecanismo não seja bem compreendida.
Muitos fatores têm sido analisados para determinar se podem afetar a frequência da não disjunção na mulher. Entre eles estão os níveis
hormonais, o fumo, a doença tireoidiana autoimune, o consumo de álcool e radiações (esta última aumenta a não disjunção quando administrada em
doses muito elevadas em animais experimentais). Nenhum desses fatores demonstrou correlações consistentes com a não disjunção em humanos;
assim, a idade materna continua a ser o único fator correlacionado conhecido.
Apesar de a idade materna estar fortemente correlacionada com o risco da síndrome de Down, aproximadamente três quartos das crianças com
essa síndrome são filhas de mulheres com menos de 35 anos de idade. Isto ocorre porque a maioria das crianças (acima de 90%) é filha de mulheres
nessa faixa etária.
Numerosos estudos, incluindo a análise direta das células espermáticas, testaram a hipótese de um efeito da idade paterna para trissomias. O
consenso é que tal efeito, se houver, é menor. Isto poderia refletir o fato de que os espermatócitos, ao contrário dos ovócitos, são produzidos durante
toda a vida do homem.

Quase todas as trissomias autossômicas aumentam de acordo com a idade materna como consequência da não
disjunção nas mães mais velhas. Existem poucas evidências de um efeito da idade paterna sobre a não disjunção nos
homens.

Aneuploidia dos Cromossomos Sexuais


Aproximadamente um em 400 meninos e uma em 650 meninas nascidos vivos apresenta alguma forma de aneuploidia dos cromossomos sexuais.
Primeiramente, devido à inativação do cromossomo X, as consequências desse tipo de aneuploidia são menos graves do que as encontradas nas
aneuploidias autossômicas. Com exceção da ausência de um cromossomo X, todas as aneuploidias dos cromossomos sexuais são compatíveis com a
vida, pelo menos em alguns casos.

Monossomia do Cromossomo X (Síndrome de Turner)


O fenótipo associado a um único cromossomo X, (45,X) foi descrito por Henry Turner em 1938. (Existe uma descrição anterior de Otto Ullrich em
1930.) Pessoas com síndrome de Turner são do sexo feminino e geralmente apresentam um fenótipo característico, incluindo de forma variável a
presença de baixa estatura proporcional, infantilismo sexual e disgenesia ovariana, além de um padrão de malformações maiores e menores. As
características físicas podem incluir face triangular, pavilhão auricular com rotação posterior e pescoço largo, “alado” (Fig. 6-12). Além disso, o
tórax é largo e em forma de barril. Linfedema das mãos e pés é observado ao nascimento. Muitas bebês com a síndrome apresentam doenças
cardíacas congênitas, na maioria das vezes lesões obstrutivas do lado esquerdo do coração (válvula aórtica bicúspide em 50% das pacientes e
coartação [estreitamento] da aorta em 15% a 30%). Obstruções graves podem ser corrigidas cirurgicamente. Aproximadamente 50% das mulheres
com síndrome de Turner apresentam defeitos renais estruturais, mas, geralmente, sem problemas clínicos. Frequentemente existe alguma redução na
capacidade de percepção espacial, mas a inteligência em geral é normal. Meninas portadoras da síndrome de Turner exibem baixa estatura
proporcional e não passam pelo estirão de crescimento. Sua estatura na maturidade é reduzida em aproximadamente 20 cm, em média. A
administração do hormônio do crescimento aumenta a estatura dessas meninas, o que, atualmente, tem sido uma opção terapêutica de muitas
famílias. Na maioria das afetadas com síndrome de Turner, são observadas fitas de tecido conjuntivo no lugar dos ovários (disgenesia gonadal). Na
ausência de ovários normais, não desenvolvem características sexuais secundárias e a maioria das mulheres com essa condição é infértil (5% a 10%
apresentam desenvolvimento ovariano suficiente para entrar em menarca e um pequeno número consegue ter filhos). As adolescentes com a
síndrome de Turner são sempre tratadas com estrogênios para promover o desenvolvimento de características sexuais secundárias. A dose é
contínua, em nível reduzido, para manter essas características e ajudar na prevenção da osteoporose.

FIGURA 6-12 Uma menina com a síndrome de Turner (45,X). Observe o pescoço caracteristicamente largo e alado. A estatura é reduzida e um edema
(linfedema) é observado nos tornozelos e nos punhos.

O diagnóstico da síndrome é frequentemente estabelecido na criança recém-nascida, especialmente se houver um alargamento perceptível do
pescoço, associado a um defeito cardíaco. As características faciais são mais sutis do que nas anormalidades autossômicas descritas anteriormente,
mas o médico experiente pode muitas vezes diagnosticar a síndrome de Turner com base em um ou mais dos sinais relacionados acima. Caso a
síndrome de Turner não seja reconhecida na infância, frequentemente será identificada mais tarde, em virtude da baixa estatura e/ou amenorreia.
As anormalidades cromossômicas nas pessoas com síndrome de Turner são bastante variáveis. Cerca de 50% das pacientes apresentam um
cariótipo 45,X nos seus linfócitos periféricos. Pelo menos 30% a 40% apresentam mosaicismo, na maioria das vezes 45,X/46,XX e com menor
frequência 45,X/46,XY. Os mosaicos que apresentam cromossomos Y em algumas células estão predispostos a apresentar neoplasias
(gonadoblastomas) no tecido gonadal residual. Aproximadamente 10% a 20% das pacientes de Turner exibem anormalidades estruturais do
cromossomo X envolvendo uma deleção total ou parcial de Xp. Tal variação na anormalidade cromossômica ajuda a explicar a considerável
variação fenotípica encontrada nessa síndrome.
Aproximadamente 60% até 80% dos casos de monossomia do cromossomo X são provocados pela ausência de um cromossomo sexual derivado
do pai, o que ocorre tanto nas mitoses iniciais do embrião como durante a meiose da gametogênese paterna (p. ex., o filho recebe um cromossomo X
apenas da mãe). Calcula-se que o cariótipo 45,X ocorra entre 1% e 2% de todas as concepções, mas a síndrome de Turner só é encontrada em
aproximadamente 1/2.000 a 1/3.000 das meninas nascidas vivas. Deste modo, a maioria (acima de 99%) das concepções 45,X é perdida no período
pré-natal. Entre as concepções que evoluem a termo, muitas são mosaicos cromossômicos, e o mosaicismo apenas da placenta (mosaicismo
confinado à placenta) é especialmente frequente. É provável que a presença de algumas células normais nos fetos mosaicos aumente a sobrevida
fetal.
A análise molecular tem apontado genes específicos envolvidos no fenótipo da síndrome de Turner. Por exemplo, mutações no gene SHOX, que
codifica um fator de transcrição expresso nos membros embrionários, produzem a baixa estatura. Esse gene se localiza na extremidade distal dos
braços curtos do X e do Y (em uma região do cromossomo X que escapa à inativação, ver Comentário Clínico 6-2). Assim, ele é normalmente
transcrito em duas cópias tanto nos homens como nas mulheres. Nas mulheres com a síndrome de Turner, este gene estaria presente em apenas uma
cópia ativa, e a haploinsuficiência resultante contribuiria para a baixa estatura.

A maioria das mulheres que apresenta síndrome de Turner tem um cariótipo 45,X. Apesar de esse distúrbio ser comum
na concepção, ele é relativamente raro entre os nascidos vivos, refletindo uma elevada taxa de abortamento espontâneo.
O mosaicismo, inclusive o mosaicismo confinado à placenta, parece aumentar a probabilidade de sobrevida a termo.

COMENTÁRIO CLÍNICO 6-2

Homens XX, Mulheres XY e a Base Genética da Determinação do Sexo


Durante a meiose normal no sexo masculino, ocorre um crossing-over entre a região distal do braço curto do cromossomo Y e a região distal do
braço curto do cromossomo X (Fig. 6-13). Essas regiões dos cromossomos X e Y contêm sequências de DNA altamente similares. Como isso ocorre
de forma semelhante aos cromossomos autossômos durante a meiose, a porção distal do cromossomo Y é conhecida como região
pseudoautossômica. Ela tem uma extensão de aproximadamente 2,5 Mb.
Na parte justaposta ao centrômero da região pseudoautossômica, encontra-se um gene conhecido como SRY (região determinante do sexo do
cromossomo Y ). Esse gene que se expressa no desenvolvimento embrionário codifica um fator de transcrição que interage com outros genes para
iniciar o desenvolvimento do embrião indiferenciado em homem (incluindo a diferenciação das células de Sertoli e secreção da substância inibidora
dos ductos de Müller). Em especial, o Produto proteico do gene SRY liga-se a um elemento enhancer que regula a expressão do gene SOX9 que, por
sua vez, regula uma série de genes que promovem o desenvolvimento masculino e, ao mesmo tempo, inibe o desenvolvimento ovariano. O SRY
age como um interruptor regulatório chave na determinação do sexo. Quando o gene Sry de camundongos é inserido experimentalmente em um
embrião feminino de camundongo, um filhote macho é produzido. As mutações com perda de função do SRY podem produzir indivíduos com um
cariótipo XY, mas um fenótipo feminino. SOX9 age como um regulador próximo nesse processo, e mutações no SOX9, podem produzir reversão
sexual (mulheres XY ) e displasia campomélica (malformações dos ossos e cartilagem).
Aproximadamente um em cada 20.000 homens apresenta um fenótipo similar ao da síndrome de Klinefelter (sem estatura elevada), mas uma
análise cromossômica mostra que esses meninos apresentam um cariótipo feminino normal (46,XX). Foi demonstrado que esses homens XX
apresentam um cromossomo X que contém o gene SRY. Isto foi explicado como resultado de um crossing-over desigual entre os cromossomos X e Y
durante a meiose paterna, de modo que o gene SRY, em vez de permanecer no cromossomo Y, é transferido para o cromossomo X. A prole que
herda esse cromossomo X desse pai consequentemente apresenta o fenótipo masculino. Por outro lado, o filho que herdar o cromossomo Y sem o
gene SRY será uma menina com cariótipo XY. Essas mulheres apresentam gônadas em fita (streaks gonads), no lugar de ovários, e apresentam
características sexuais secundárias pouco desenvolvidas.

FIGURA 6-13 As regiões distais dos braços curtos dos cromossomos X e Y trocam material durante a meiose no sexo masculino. A região no
cromossomo Y onde esse crossing-over ocorre é chamada de região pseudoautossômica. O gene SRY, que inicia a sequência de eventos que levam à
diferenciação gonadal, localiza-se imediatamente abaixo da região pseudoautossômica. Ocasionalmente, o crossing-over ocorre no lado
centromérico (mais abaixo do gene SRY, fazendo com que ele vá para o cromossomo X em vez de ficar no cromossomo Y). Um descendente que
recebe esse cromossomo será um menino XX, e outro que recebe o cromossomo Y será uma menina XY.

Síndrome de Klinefelter
Assim como as síndromes de Down e Turner, a síndrome associada a um cariótipo 47,XXY foi identificada antes que a anormalidade cromossômica
básica fosse compreendida. Descrita em 1942 por Harry Klinefelter, a síndrome que leva seu nome é vista em aproximadamente 1/500 a 1/1.000
nascimentos do sexo masculino. Apesar de a síndrome de Klinefelter ser uma causa comum de hipogonadismo masculino primário, o fenótipo é
menos notável do que o das síndromes descritas até agora. Os pacientes com a síndrome de Klinefelter costumam ser mais altos do que a média,
com braços e pernas desproporcionalmente longos (Fig. 6-14). O exame clínico de pacientes depois da puberdade revela testículos pequenos (com
volumes inferiores a 10 mL), e a maioria dos pacientes é estéril, como resultado da atrofia dos túbulos seminíferos. Os níveis de testosterona nos
adolescentes e adultos são baixos. A ginecomastia (desenvolvimento de mama) é vista em aproximadamente um terço dos homens afetados e leva a
um maior risco de câncer de mama, que pode ser reduzido com mastectomia (remoção da mama). Os pelos do corpo são caracteristicamente
esparsos depois da puberdade e a massa muscular costuma ser reduzida. Além disso, existe uma predisposição para dificuldades de aprendizagem e
uma redução no QI verbal. Apesar de a inteligência estar geralmente na faixa normal, o QI está em média 10 a 15 pontos abaixo do índice dos
irmãos dos afetados. Devido à sutileza dos sinais clínicos, a síndrome de Klinefelter frequentemente não é identificada antes da puberdade e, muitas
vezes, é diagnosticada pela primeira vez nas clínicas de fertilidade.
Em cerca de 50% dos casos de síndrome de Klinefelter, o cromossomo X extra é derivado da mãe e a síndrome aumenta de incidência com o
aumento da idade materna. O mosaicismo, que é visto em torno de 15% dos pacientes, aumenta a probabilidade da produção de esperma viável.
Também foram

FIGURA 6-14 Homem com a síndrome de Klinefelter (47,XXY). Há aumento da estatura, pode haver ginecomastia e a forma do corpo pode ser
relativamente feminina.

descritos indivíduos com cariótipos 48,XXXY e 49,XXXXY. Como eles têm um cromossomo Y, o fenótipo é masculino, mas o nível de deficiência
do desenvolvimento e as anormalidades físicas aumentam a cada cromossomo X adicional.
O tratamento com testosterona, iniciado na metade da adolescência, pode aumentar as características sexuais secundárias e ajuda a reduzir o risco
de osteoporose. Há evidências de que esse tratamento também melhore o bem-estar psicológico.

Os homens com síndrome de Klinefelter (47,XXY) são mais altos do que a média, podem apresentar um QI reduzido e são
geralmente estéreis. A terapia com testosterona e mastectomia para ginecomastia algumas vezes estão indicadas.

Trissomia do X
O cariótipo 47,XXX ocorre em aproximadamente 1/1.000 mulheres e, geralmente, tem consequências benignas. Raramente são observadas
anormalidades físicas maiores, mas essas mulheres às vezes apresentam esterilidade, irregularidade menstrual ou deficiência intelectual leve. Como
na síndrome de Klinefelter, o cariótipo 47,XXX é muitas vezes detectado nas clínicas de fertilidade. Aproximadamente 90% dos casos resultam de
não disjunção na gametogênese materna e, como nas outras trissomias, sua incidência aumenta entre as filhas de mulheres mais velhas.
Também podem ser encontradas mulheres com quatro, cinco ou mais cromossomos X. Cada X adicional vem acompanhado de maior gravidade
da deficiência intelectual e de anormalidades físicas.

Síndrome 47,XYY
A última aneuploidia de cromossomos sexuais a ser discutida é a do cariótipo 47,XYY. Os homens com esse cariótipo costumam ser mais altos do
que a média e apresentam uma redução de 10 a 15 pontos percentuais no QI médio. Tal condição, que causa poucos problemas físicos, ganhou
destaque quando descobriu-se que sua incidência na população masculina encarcerada chegava a 1/30, em comparação com 1/1.000 na população
masculina em geral. Isto levou à sugestão de que esse cariótipo poderia conferir uma predisposição para comportamento violento, criminoso.
Diversos estudos abordaram essa questão e demonstraram que os homens com cariótipo XYY não apresentam tendência para a violência. Existe, no
entanto, evidências de um aumento de incidência de distúrbios de comportamento menores, como hiperatividade, deficit de atenção e dificuldades
de aprendizagem.

Os cariótipos 47,XXX e 47,XYY são encontrados em cerca de 1/1.000 mulheres e homens, respectivamente. Cada qual
envolve um ligeiro grau de redução do QI, mas poucos problemas físicos.

ANORMALIDADES CROMOSSÔMICAS E PERDA GESTACIONAL


Durante muito tempo foi difícil detectar de maneira precisa os estágios iniciais da gestação. Assim, era possível que uma mulher engravidasse e
abortasse o embrião antes de saber da gravidez. Testes sensíveis de gonadotrofina coriônica urinária que aumentam quando o embrião se implanta
na parede uterina permitiram aos pesquisadores identificar com exatidão a presença da gestação no estágio inicial. O acompanhamento das mulheres
cuja implantação foi detectada dessa maneira revelou que um terço de todas as gestações se perde logo depois da implantação (número de gestações
perdidas antes da implantação não é conhecido). Consequentemente, a perda espontânea da gestação é comum nos humanos.
Como mencionamos anteriormente, as anormalidades cromossômicas são a principal causa conhecida de perda gestacional. Calcula-se que, no
mínimo, entre 10% e 20% das concepções apresentam uma anormalidade cromossômica, e pelo menos 95% destas são perdidas antes do termo.
Estudos do cariótipo dos conceptos abortados indicam que cerca de 50% das anormalidades cromossômicas são trissomias, 20% monossomias, 15%
triploidias e o restante é formado por tetraploides e anormalidades estruturais. Algumas anormalidades cromossômicas que são comuns na
concepção, raramente ou nunca chegam a termo. Por exemplo, a trissomia do 16 é considerada a trissomia mais comum na concepção, mas nunca é
observada nos nascidos vivos.
É possível estudar as anormalidades cromossômicas diretamente nas células espermáticas e nos ovócitos. Os ovócitos são geralmente obtidos a
partir de material não utilizado em estudos de fertilização in vitro. Os cariótipos dessas células indicam que 20% a 25% dos ovócitos apresentam
cromossomos extras ou ausentes. As células espermáticas humanas podem ser estudadas por meio da análise FISH ou depois de sua fusão com
ovócitos de hamster, de modo que o seu DNA após o início das mitoses se condensa, facilitando a visualização dos cromossomos. A frequência da
aneuploidia nessas células espermáticas encontra-se entre 3% e 4%. As anormalidades estruturais (ver discussão posterior) são encontradas em cerca
de 1% dos ovócitos e 5% das células espermáticas, e a incidência aumenta com o aumento da idade paterna. Sem dúvida, tal taxa elevada de
anormalidade cromossômica contribui muito para a ocorrência de abortos em gestações posteriores.
Essas abordagens, apesar de informativas, podem implicar alguns questionamentos. Por exemplo, as mães que realizaram fertilização in vitro não
constituem uma amostra representativa da população. Além disso, seus ovócitos foram estimulados artificialmente, e apenas os ovócitos que não
puderam ser fertilizados pelas células espermáticas são estudados. Assim, os próprios ovócitos poderiam não ser uma amostra representativa. As
células espermáticas estudadas nos híbridos homem-hamster representam apenas aquelas que são capazes de penetrar no ovócito do hamster e
também podem não ser uma amostra representativa.
Análise por FISH da aneuploidia pode avaliar milhares de células de modo relativamente rápido, o que é uma vantagem importante sobre a
técnica homem-hamster. Em geral, os estudos de FISH assinalaram resultados similares aos da técnica homem-hamster, mostrando que, em média,
a frequência da dissomia é aproximadamente 0,15% para cada cromossomo autossômo e 0,26% para os cromossomos sexuais. Tais estudos também
confirmaram uma tendência para frequências elevadas de eventos de não disjunção dos cromossomos sexuais e alguns dos cromossomos
acrocêntricos, inclusive o cromossomo 21, nas células espermáticas.

A perda gestacional é comum nos humanos, incidindo aproximadamente em um terço dos abortamentos espontâneos
depois da implantação. As anormalidades cromossômicas que foram estudadas nas células espermáticas, nos ovócitos,
nos abortamentos e natimortos são uma causa importante de perda gestacional.

ANORMALIDADES DA ESTRUTURA CROMOSSÔMICA


Além da perda ou do ganho de cromossomos inteiros, partes de cromossomos podem ser perdidas ou duplicadas durante a formação dos gametas, e
o rearranjo destas partes pode ser alterado. As anormalidades cromossômicas estruturais podem ser não balanceadas (o rearranjo resulta em ganho
ou perda do material cromossômico) ou balanceadas (o rearranjo não produz perda ou ganho de material cromossômico). Ao contrário da
aneuploidia e da poliploidia, as anormalidades estruturais equilibradas frequentemente não produzem consequências graves para a saúde. No
entanto, as anormalidades da estrutura cromossômica, especialmente as não balanceadas, podem produzir doenças graves nos indivíduos ou seus
filhos.
As alterações da estrutura cromossômica podem ocorrer quando cromossomos homólogos se alinham de modo inadequado durante a meiose (p.
ex., crossing-over desigual, como foi descrito no Capítulo 5). Além disso, quebras cromossômicas podem acontecer durante a meiose ou mitose.
Existem mecanismos de reparo dessas quebras, e, geralmente, a quebra é perfeitamente corrigida, sem danos para a célula filha. Às vezes, no
entanto, as quebras permanecem ou são reparadas de um modo que altera a estrutura do cromossomo. A probabilidade de ocorrência de uma quebra
cromossômica pode aumentar na presença de alguns agentes tóxicos chamados clastogênicos. Os clastogênicos identificados nos sistemas
experimentais incluem as radiações ionizantes, algumas infecções virais e alguns agentes químicos.

Translocações
Uma translocação consiste no rearranjo do material genético entre cromossomos não homólogos. As translocações balanceadas representam uma
das anormalidades cromossômicas mais comuns nos humanos, ocorrendo em um de cada 500 a 1.000 indivíduos (Tabela 6-2). Existem dois tipos
básicos de translocações, recíproca e robertsoniana.

Translocações Recíprocas
Encontramos translocações recíprocas quando ocorrem quebras em dois cromossomos diferentes e há troca mútua de material. Os cromossomos
resultantes são chamados de cromossomos derivados. O portador de uma translocação recíproca geralmente não é afetado porque ele, ou ela,
apresenta um complemento normal de material genético. No entanto, o filho do portador pode ser normal, ser portador da translocação ou ainda
apresentar duplicações ou deleções do material genético.

TABELA 6-2 Prevalência de Anormalidades Cromossômicas em Recém-Nascidos

ANORMALIDADE PREVALÊNCIA AO NASCER

Síndromes Autossômicas

Trissomia do 21 1/700
Trissomia do 18 1/6.000

Trissomia do 13 1/10.000

Rearranjos não balanceados 1/17.000

Rearranjos balanceados Translocações robertsonianas Translocações recíprocas


1/1.000

1/11.000

Anormalidades dos Cromossomos Sexuais

47,XXY 1/1.000 nascimentos de meninos

47,XYY 1/1.000 nascimentos de meninos

45,X* 1/5.000 nascimentos de meninas

47,XXX 1/1.000 nascimentos de meninas

Todas as Anormalidades Cromossômicas

Distúrbios autossômicos e rearranjos não balanceados 1/230

Rearranjos balanceados 1/500*

*O cariótipo 45,X corresponde a cerca da metade dos casos da síndrome de Turner.


(Cortesia de Marks Keating, Universidade de Harvard.)

Um exemplo de translocação recíproca entre os cromossomos 3 e 6 é apresentado na Figura 6-15. A parte distal do braço curto do cromossomo 6
é translocada para o braço curto do cromossomo 3, e um pequeno pedaço do cromossomo 3 é translocado para o braço curto do cromossomo 6. Se
as translocações ocorrerem em 3p13 e 6p14, o cariótipo é designado 46,XX,t(3;6)(p13;p14). A criança dessa mulher recebeu o cromossomo 3
derivado, chamado der(3), e o 6 normal; assim, a criança apresenta uma trissomia parcial da porção distal
FIGURA 6-15 A, O genitor apresenta uma translocação recíproca balanceada envolvendo os braços curtos dos cromossomos 6 e 3. O braço curto distal
do cromossomo 6 foi translocado para a extremidade distal do cromossomo 3. Um pequeno pedaço do cromossomo 3 foi translocada para o derivado
do 6. Essa pessoa teve uma criança cujos cromossomos estão mostrados ao lado em B. A criança recebeu o cromossomo 3 derivado (contendo parte do
braço curto do cromossomo 6) e o cromossomo 6 normal; do outro genitor, a criança herdou um 3 normal e um 6 normal. Consequentemente, a criança
apresenta uma trissomia parcial do braço curto do 6 e presumivelmente uma pequena deleção do braço curto do cromossomo 3.

do cromossomo 6 (p. ex., trissomia 6p). Essa é uma síndrome cromossômica bem estabelecida, apesar de não ser frequente.

As translocações recíprocas são causadas por duas quebras em cromossomos diferentes, com uma subsequente troca de
material. Apesar de os portadores das translocações recíprocas balanceadas geralmente apresentarem fenótipos normais,
seus filhos podem exibir uma trissomia ou uma monossomia parcial e um fenótipo anormal.

Translocações Robertsonianas
Nas translocações robertsonianas, os braços curtos de dois cromossomos não homólogos se perdem e os braços longos se fundem no centrômero
para formar um único cromossomo (Fig. 6-16). Tal tipo de translocação é restrito aos cromossomos acrocêntricos (13, 14, 15, 21 e 22), e não tem
qualquer efeito sobre o portador, porque os braços curtos desses cromossomos são muito pequenos e não contêm material genético essencial. Como
os portadores das translocações robertsonianas não perdem material genético essencial, são fenotipicamente normais, mas apresentam apenas 45
cromossomos em cada célula. Seus filhos, no entanto, podem herdar um braço longo extra ou ausente de um cromossomo acrocêntrico.

FIGURA 6-16 Na translocação robertsoniana mostrada aqui, os braços longos de dois cromossomos acrocêntricos (13 e 14) se fundem, formando um
único cromossomo.

Uma translocação robertsoniana comum envolve a fusão dos braços longos dos cromossomos 14 e 21. O cariótipo de um portador dessa
translocação do sexo masculino é 45,XY,der(14;21)(q10;q10). Essa pessoa perde um 14 e um 21 normais, e tem um cromossomo derivado de uma
translocação dos braços longos inteiros dos cromossomos 14 e 21. Durante a meiose, o cromossomo translocado ainda precisa parear com seus
homólogos. A Figura 6-17 ilustra as maneiras como esses cromossomos podem segregar nos gametas do portador da translocação. Se ocorrer
segregação alternativa, então a prole poderá ser tanto cromossomicamente normal quanto apresentar uma translocação balanceada com um
fenótipo normal. Caso um dos padrões de segregação adjacente ocorra, então os gametas serão não balanceados e a prole poderá apresentar
trissomia do 14, monossomia do 14, monossomia do 21 ou trissomia 21 (observe que essas trissomias e monossomias são geneticamente as mesmas
que as trissomias e monossomias produzidas pela não disjunção porque apenas os braços longos desses cromossomos contêm material
geneticamente significativo). Os fetos portadores das três primeiras possibilidades não sobrevivem a termo, e a última translocação resulta em uma
criança com três cópias do braço longo do cromossomo 21 e um fenótipo da síndrome de Down. As translocações robertsonianas são responsáveis
por aproximadamente 5% dos casos de síndrome de Down.
É esperado que os três tipos de gestações compatíveis com a sobrevida ocorram em frequências iguais: um terço seria completamente normal, um
terço seria portador da translocação, mas fenotipicamente normal, e um terço teria síndrome de Down. Em parte explicada pela perda pré-natal, a
frequência real de recém-nascidos com a síndrome de Down é inferior a um terço (cerca de 10% a 15% quando as mães são portadoras da
translocação, e apenas 1% a 2% quando os portadores são os pais). O risco de recorrência, contudo, é superior ao risco dos genitores de uma criança
com a síndrome de Down causada por não disjunção (1% para mães com menos de 30 anos de idade). Essa diferença no risco de recorrência
demonstra porque é fundamental solicitar um estudo genético quando se suspeita de uma condição como a síndrome de Down.

As translocações robertsonianas ocorrem quando os braços longos de dois cromossomos acrocêntricos se fundem no
centrômero. O portador de uma translocação robertsoniana pode produzir conceptos com monossomia ou trissomia de
braços longos dos cromossomos acrocêntricos.

Deleções
Uma deleção é causada por uma quebra cromossômica e seguida de perda de material genético. Uma única quebra levando a uma perda que inclui a
extremidade do cromossomo é chamada de deleção terminal. Uma deleção intersticial ocorre como resultado de duas quebras com perda do
material entre elas. Por exemplo, um segmento cromossômico com DNA normal pode ser representado por ABCDEFG. Uma deleção intersticial
poderia produzir a sequência ABEFG e uma deleção terminal poderia produzir ABCDE.
Em geral, um gameta contendo um cromossomo com uma deleção se une a um gameta normal para formar um zigoto. O zigoto então apresenta
um cromossomo normal e um homólogo com a deleção. Deleções microscopicamente visíveis envolvem em geral múltiplos genes, e as
consequências da perda dessa grande quantidade de material genético em um dos membros do par de cromossomos pode ser grave. Depois das três
aneuploidias autossômicas descritas anteriormente, as síndromes de deleções autossômicas formam o grupo mais comum de anormalidades
cromossômicas clinicamente significativas.
Um exemplo bem conhecido de uma síndrome de deleção cromossômica é a síndrome do cri-du-chat. Esse termo (do francês, “choro do gato”)
descreve o choro característico da criança. O choro em geral se torna menos óbvio com o passar do tempo, tornando o diagnóstico clínico mais
difícil depois de dois anos de idade. A síndrome do cri-du-chat é causada por uma deleção da região distal do braço curto do cromossomo 5 e o
cariótipo é 46,XY,del(5p). É encontrada em aproximadamente um a cada 50.000 nascidos vivos, sendo caracterizada por deficiência intelectual (QI
médio em torno de 35), microcefalia (cabeça pequena) e aspecto facial característico, mas não distinto. Apesar das taxas de mortalidade serem
elevadas, muitas pessoas com a síndrome do cri-du-chat atualmente sobrevivem até a vida adulta.
A síndrome de Wolf-Hirschhorn (Fig. 6-18), causada por uma deleção da porção distal do braço curto do cromossomo 4, é outra síndrome de
deleção bem caracterizada. Outras deleções bem conhecidas incluem as do 18p, 18q e 13q. Com exceção da síndrome de deleção do 18p, cada uma
dessas desordens é relativamente distinta e o diagnóstico pode com frequência ser estabelecido antes da obtenção do cariótipo. As características das
síndromes da deleção do 18p são mais sutis e em geral tal condição é reconhecida quando uma análise cromossômica é realizada para avaliar o
atraso do desenvolvimento.

Deleções cromossômicas microscopicamente observáveis, que podem ser tanto terminais como intersticiais, geralmente
afetam um número relativamente grande de genes e produzem síndromes reconhecíveis.

Síndromes de Microdeleção
Todas as deleções descritas até agora envolvem segmentos relativamente grandes de cromossomos, e muitas delas foram descritas antes do
desenvolvimento das técnicas de bandamento cromossômico. Com o advento das técnicas de bandamento de alta resolução, tornou-se possível
identificar microscopicamente um grande número de deleções que eram previamente pequenas demais para serem detectadas. Além disso, avanços
em genética molecular, especialmente das técnicas de FISH e aCGH (Fig. 6-4), permitiram a detecção de deleções que frequentemente são muito
pequenas para serem observadas ao microscópio (p. ex., < 5 Mb).
A síndrome de Prader-Willi, um distúrbio discutido no Capítulo 5, é um bom exemplo de uma síndrome de microdeleção. Apesar de essa
8
condição ter sido descrita na década de 1950 , foi somente após 1981 que técnicas avançadas de
FIGURA 6-17 Os possíveis padrões de segregação para os gametas formados por um portador de uma translocação robertsoniana. A segregação
alternada (apenas quadrante a, ou quadrante b com quadrante c) produz ou um indivíduo com constituição cromossômica normal ou um portador da
translocação com fenótipo normal. A segregação adjacente (quadrante a com b, quadrante c isolado, quadrante a com c ou quadrante b isolado) produz
gametas não balanceados e resultará em concepções com a síndrome de Down por translocação, monossomia do 21, trissomia do 14 ou monossomia
do 14, respectivamente. Por exemplo, a monossomia do 14 é produzida quando o genitor portador da translocação transmite uma cópia do
cromossomo 21, mas não transmite uma cópia do cromossomo 14 (canto inferior direito).

bandamento detectaram uma pequena deleção das bandas cromossômicas 15q11-q13 em cerca de 50% desses pacientes. Com o uso de técnicas
moleculares, deleções que eram pequenas demais para serem detectadas pela citogenética também foram identificadas. No total, cerca de 70% dos
casos de Prader-Willi são causados por microdeleções em 15q.
FIGURA 6-18 Criança com síndrome de Wolf-Hirschhorn [46,XX,Del(4p)]. Observe o espaço aumentado entre os olhos e a fissura labial corrigida.

Devido ao imprinting, uma microdeleção de material do cromossomo 15 herdado do pai produz a síndrome de Prader-Willi, enquanto uma
microdeleção do cromossomo 15 derivado da mãe produz uma síndrome fenotipicamente distinta, a síndrome de Angelman (Capítulo 5).
A síndrome de Williams, que se caracteriza por deficiência intelectual, estenose aórtica supravalvular (SVAS), estenoses de múltiplas artérias
pulmonares periféricas, características faciais típicas, malformações dentárias e hipercalcemia, é outro exemplo de síndrome de microdeleção (Fig.
6-19). Uma série de análises moleculares identificou alguns dos genes responsáveis pelo fenótipo da síndrome de Williams. O gene que codifica a
elastina, ELN, por exemplo, localiza-se na região crítica da síndrome de Williams e se expressa nos vasos sanguíneos. A elastina é um componente
importante da parede aórtica (microfibrilas que foram discutidas no Capítulo 4 no contexto da síndrome de Marfan são outros componentes).
Mutações ou deleções apenas da elastina resultam em SVAS isolada sem as outras características da síndrome de Williams. Deleções maiores,
abrangendo genes adicionais, produzem o fenótipo completo da síndrome. Um segundo gene na região crítica, o LIMK1, codifica uma quinase
expressa no cérebro, que pode estar envolvida nos defeitos da cognição visuoespacial observados nos pacientes com síndrome de Williams. Isto é
apoiado pela observação de pacientes com deleções parciais da região crítica afetando apenas os genes ELN e LIMK1. Essas pessoas apresentam
SVAS e deficiência cognitiva visuoespacial, mas nenhuma das outras características da síndrome de Williams.
Frequentemente, o bandamento de alta resolução e técnicas de genética molecular permitem uma especificação mais exata na região
cromossômica crítica que deve estar deletada para causar uma determinada síndrome. A síndrome de Wolf-Hirschhorn, por exemplo, pode resultar
da deleção de apenas um segmento telomérico muito pequeno de 4p, a apenas 2 megabases do telômero. Em algumas circunstâncias,

FIGURA 6-19 A, Menina com síndrome de Williams, ilustrando características faciais típicas: fronte ampla, fissuras palpebrais curtas, ponte nasal baixa,
narinas antevertidas, filtro longo, bochechas salientes, boca relativamente grande e lábios grossos. B, Angiograma ilustrando a estenose aórtica
supravalvular (estreitamento da aorta ascendente) (seta).

TABELA 6-3 Síndromes de Microdeleção*

SÍNDROME CARACTERÍSTICAS CLÍNICAS DELEÇÃO


CROMOSSÔMICA

Prader-Willi Deficiência intelectual, baixa estatura, obesidade, hipotonia, fácies característica, pés pequenos 15q11-13

Angelman Deficiência intelectual, ataxia, risos descontrolados, convulsões 15q11-13

Langer-Giedon Fácies característica, cabelos esparsos, exostoses, deficiência intelectual variável 8q24

Miller-Dieker Lissencefalia, fácies característica, significativa incapacidade cognitiva e psicomotora 17p13.3

Velocadiofacial/DiGeorge Fácies característica, fissura de palato, defeitos cardíacos, timo pouco desenvolvido 22q11

Smith-Magenis Deficiência intelectual, hiperatividade, características dismórficas, comportamento 17p11.2


autodestrutivo

Williams Atraso de desenvolvimento, fácies característica. Estenose aórtica supravalvular 7q1

Aniridia, tumor de Wims Deficiência intelectual, predisposição a tumor de Wilms, defeitos genitais 11p13

Deleção 1p36 Deficiência intelectual, convulsões, perda de audição, defeitos cardíacos, dificuldade de 1p36
crescimento, características faciais distintas

Rubinstein-Taybi Deficiência intelectual, polegares e háluces largos, aspectos faciais característicos, 16p13.3
anormalidades vertebrais e de esterno, defeitos cardíacos

Alagille Icterícia neonatal, vértebras “em borboleta”, estenose valvular pulmonar, aspectos faciais 20p12
característicos

* Na maioria dessas condições, apenas alguns casos são provocados pelas microdeleções apresentadas; outros casos podem ser causados por mutações de um
único gene localizado na mesma região.

genes específicos responsáveis por síndromes de anormalidades cromossômicas podem ser precisamente localizados. Por exemplo, as pessoas com
deleção em 11p podem apresentar uma série de características, incluindo tumor de Wilms (um tumor de rim), aniridia (ausência da íris),
9
anormalidades genitourinárias e deficiência intelectual (anteriormente retardo mental) (às vezes chamada de síndrome WAGR). Os genes
responsáveis pelo tumor renal e pela aniridia foram recentemente identificados e clonados. Como a síndrome WAGR envolve a deleção de uma série
de genes adjacentes, ela é, às vezes, referida como um exemplo de síndrome de genes contíguos (síndrome de Williams, discutida anteriormente, é
outro exemplo de uma síndrome de gene contíguo). Em adição às microdeleções as microduplicações também são capazes de produzir síndromes de
genes contíguos.
Algumas das síndromes de microdeleções, como as síndromes de Prader-Willi e Williams manifestam deleções de uma região crítica de tamanho
muito consistente (p. ex., 4 Mb para a síndrome de Prader-Willi). Estudos recentes mostram que isso é causado pela presença de sequências
múltiplas repetidas, chamadas repetições de poucas cópias (LCNs, de low-copy repeats) (Capítulo 2), na região da deleção. Tais sequências quando
repetidas promovem um crossing-over desigual (Capítulo 5), que então produz duplicações e deleções na região limitada pelos elementos repetidos.
Diversos exemplos adicionais de microdeleções encontram-se na Tabela 6-3. Muitas dessas condições, inclusive as síndromes de Prader-Willi, de
Miller-Dieker, de Williams e velocardiofacial (Comentário Clínico 6-3), estão sendo atualmente diagnosticadas por meio das técnicas de FISH ou
aCGH.

As microdeleções são um subtipo de deleção cromossômica que só pode ser observado em cromossomos bandeados ou,
em alguns casos, usando estratégias da genética molecular. As síndromes causadas pela deleção de uma série de genes
adjacentes são às vezes chamadas de síndromes de genes contíguos.

Rearranjos Subteloméricos
As regiões próximas aos telômeros dos cromossomos costumam apresentar uma elevada densidade de genes. Consequentemente, os rearranjos do
material genético (p. ex., deleções, duplicações) nessas regiões resultam frequentemente em doença genética. Estima-se que pelo menos 5% dos
casos inexplicados de deficiência intelectual seja causado por rearranjos subteloméricos. O mais comum entre esses rearranjos é uma deleção de
milhares de pares de bases no cromossomo 1p36, que é encontrado em aproximadamente um em 5.000 recém-nascidos. Essa condição, chamada de
síndrome da monossomia 1p36, está associada à deficiência intelectual, ao atraso do desenvolvimento neuropsicomotor, a convulsões, à diminuição
da audição, aos defeitos cardíacos, à hipotonia e ao aspecto facial característico (Fig. 6-21).

COMENTÁRIO CLÍNICO 6-3


Sequência de DiGeorge, Síndrome Velocardiofacial e Microdeleções do Cromossomo 22
A sequência3* de DiGeorge se caracteriza por defeitos estruturais ou funcionais do timo, defeitos cardíacos conotruncais, hipoparatireoidismo
(redução da função paratireoidiana) e hipocalcemia secundária (redução do cálcio sérico). Esse padrão de malformações é causado por uma
alteração da migração embriônica das células da crista neural para as estruturas em desenvolvimento do pescoço. Na década de 1980, descobriu-
se que algumas crianças com a sequência de DiGeorge apresentavam uma deleção de parte do braço longo do cromossomo 22, muitas vezes
relacionadas com uma translocação não balanceada entre este e outro cromossomo. Isto levou à hipótese de que genes no cromossomo 22 eram
responsáveis por essa afecção.
lndependentemente desse estudo, uma condição chamada de síndrome velocardiofacial (VCF), ou síndrome de Shprintzen, foi descrita no final
da década de 1970. Essa síndrome envolve anormalidades do palato (velo) (incluindo fissura de palato), uma aparência facial característica (Fig. 6-
20) e, em alguns casos, malformações cardíacas. Adicionalmente, os pacientes apresentam dificuldade de aprendizagem ou atraso no
desenvolvimento. Descobriu-se posteriormente que algumas pessoas com VCF apresentam células T disfuncionais (essas células amadurecem no
timo) e algumas apresentam todas as características da sequência de DiGeorge. Isto sugeriu que a sequência de DiGeorge de algum modo estava
relacionada com a síndrome VCF. A semelhança entre a sequência de DiGeorge e a síndrome VCF levou à hipótese de que ambas são causadas por
anormalidades no cromossomo 22. Estudos cromossômicos de alta resolução, incluindo FISH, em pacientes com a sequência de DiGeorge e em
pacientes com a síndrome VCF revelaram pequenas deleções do cromossomo 22 em ambos os grupos. Esses estudos também ajudaram a
delimitar mais precisamente a região crítica que causa as duas condições. Aproximadamente 80% a 90% das crianças com a sequência de DiGeorge
apresentam uma microdeleção de 3 Mb da região 22q11.2, e 80% a 100% dos pacientes comVCF apresentam a mesma microdeleção. Além disso,
15% a 20% dos pacientes com defeitos conotruncais isolados mostram essa deleção. Assim, a maioria das pessoas que apresentam tanto a
sequência de DiGeorge como a síndrome VCF tem uma microdeleção em 22q11.2 e são descritas coletivamente como tendo a síndrome da deleção
22q11.2. Com uma prevalência de um em cada 3.000 a 4.000 nascidos vivos, essa é a síndrome de microdeleção mais comum no homem.
Aproximadamente 90% das pessoas com microdeleções em 22q11.2 perderam a mesma região de 3 Mb, que contém cerca de 35 genes. Outros
8% têm uma deleção menor, 1,5 Mb, localizada dentro da região de 3 Mb. Não são encontradas diferenças fenotípicas consistentes entre esses dois
grupos de pacientes. Ambas as regiões com 1,5 e 3 Mb são cercadas por repetições de poucas cópias, capazes de promover um crossing-over
desigual e, portanto, uma deleção nessa região. Um dos genes localizados na região deletada, o TBX1, codifica um fator de transcrição que ajuda a
regular a migração das células da crista neural e o desenvolvimento de estruturas faciais, do timo, da paratireoide e do coração. Nos modelos
animais, em camundongos, a haploinsuficiência em Tbx1 produz muitas das características da sequência de DiGeorge e da síndrome VCF. Esse
exemplo ilustra como os estudos citogenéticos podem demonstrar relações biológicas potenciais entre as síndromes genéticas. Outros estudos
estão em curso para caracterizar os genes nessa região e o modo pelo qual contribuem para a variação fenotípica observada na sequência de
DiGeorge e na síndrome VCF.

FIGURA 6-20 Face de um menino portador da síndrome da deleção 22q11. Observe a raiz e a ponte nasal altas e estreitas, e filtro nasal mais liso.
(Cortesia de Dr. Lynne M. Bird, Children’s Hospital, San Diego.)

Há coleções de sondas para regiões subteloméricas, de modo que a análise por FISH de cromossomos metafásicos pode ser realizada para
determinar se existe uma deleção ou uma duplicação dessas regiões em determinado paciente. Em muitas aplicações clínicas da aCGH, amostras de
paciente e de DNA controle marcados diferencialmente são hibridizadas em placas de microarrays que contêm sondas correspondentes a todas as
regiões subteloméricas humanas. Caso uma região subtelomérica esteja duplicada ou deletada, o DNA do paciente exibirá tanto uma hibridização
excessiva quanto deficiente em relação à sonda correspondente àquela região.
FIGURA 6-21 Face de um menino com síndrome da deleção 1q36. Observe as sobrancelhas horizontais, a raiz nasal larga e o queixo pontudo.

Os rearranjos subteloméricos envolvem deleções ou duplicações do DNA em regiões ricas em genes, próximas aos
telômeros. Eles podem ser detectados pela hibridização com sondas de FISH especificas em cromossomos metafásicos ou
por hibridização genômica comparativa do paciente e DNA controle em microarrays contendo sondas subteloméricas.

Dissomia Uniparental
Como já foi discutido anteriormente, aproximadamente 70% dos casos da síndrome de Prader-Willi são causados por microdeleções. A maioria dos
casos remanescentes envolve a dissomia uniparental (di = “dois”), uma condição em que um dos genitores contribui com duas cópias de um
cromossomo e o outro com nenhuma cópia (Fig. 6-22). Caso um genitor forneça duas cópias do mesmo homólogo, a condição é chamada de
isodissomia. A heterodissomia ocorre quando o mesmo genitor também fornece duas cópias, mas uma cópia de cada homólogo. A isodissomia ou
a heterodissomia de um cromossomo imprintado (imprinted) pode causar doenças como a síndrome de Prader-Willi (p. ex., a transmissão de duas
cópias da mãe e nenhuma do pai significa que o filho não recebe nenhum gene paterno ativo da região imprintada, ver Capítulo 5). A isodissomia
pode resultar em uma doença autossômica recessiva no filho de um genitor heterozigoto, caso o pai forneça duas cópias do cromossomo homólogo
contendo a mutação que provoca a doença (Fig. 6-22). O primeiro caso documentado de dissomia uniparental foi encontrado em uma pessoa com
fibrose cística, cujo genitor, um portador heterozigoto, forneceu duas cópias do cromossomo 7 contendo um gene CFTR mutante, enquanto o outro
não forneceu nenhuma cópia do cromossomo 7.
FIGURA 6-22 Dois mecanismos capazes de produzir dissomia uniparental. A, A não disjunção parental produz uma célula espermática com duas cópias
de um cromossomo específico, e a não disjunção materna produz um ovócito sem nenhuma cópia do mesmo cromossomo. O zigoto resultante
apresenta duas cópias do cromossomo paterno e nenhuma do cromossomo materno (nesse exemplo, o pai contribui com ambos os cromossomos,
mas também é possível que a mãe contribua com ambos). B, Não disjunção (nesse exemplo, na mãe) resulta em um zigoto trissômico. A perda do
cromossomo paterno durante a mitose produz células embrionárias com duas cópias do cromossomo materno.

Uma dissomia uniparental pode surgir de diversas maneiras. Uma concepção trissômica pode perder um dos cromossomos extras, resultando em
um embrião com duas cópias do cromossomo fornecido por apenas um genitor. A dissomia também pode resultar da união de um gameta que
contém duas cópias de um cromossomo específico com um gameta que não contém nenhuma cópia desse cromossomo (Fig. 6-22). No embrião
inicial, as células com dissomia uniparental podem ser produzidas por erros mitóticos, tais como perda cromossômica com subsequente duplicação
do cromossomo homólogo. Além das síndromes de Prader-Willi, Angelman e da fibrose cística, a dissomia uniparental é encontrada em casos da
síndrome de Russell-Silver, hemofilia A (Capítulo 5) e síndrome de Beckwith-Wiedemann (Capítulos 5 e 15).

Duplicações
Uma trissomia ou duplicação parcial do material genético pode ser encontrada no filho de indivíduos com uma translocação recíproca. As
duplicações podem ser causadas por um crossing-over desigual durante a meiose, como foi descrito para os loci da visão para cores ligada ao X
(Capítulo 5) e para a doença de Charcot-Marie-Tooth (Capítulo 3). As duplicações costumam produzir consequências de menor gravidade do que
deleções, o que de novo ilustra o princípio de que uma perda de material genético é mais grave que um excesso de material genético.

As duplicações podem surgir de um crossing-over desigual, ou nos filhos de portadores de translocações recíprocas. As
duplicações geralmente produzem consequências de menor gravidade do que as deleções da mesma região.

Cromossomos em Anel
Às vezes ocorrem deleções em ambas as extremidades de um cromossomo. As extremidades remanescentes dos cromossomos podem, então, fundir-
se, formando um cromossomo em anel (Fig. 6-23). O cariótipo de uma mulher com um cromossomo X em anel é 46,X,r(X). Se o cromossomo em
anel apresentar um centrômero, ele pode frequentemente prosseguir através da divisão celular, mas sua estrutura pode criar dificuldades. Os
cromossomos em anel frequentemente são perdidos, resultando em monossomia para o cromossomo, pelo menos em algumas células (p. ex.,
podemos encontrar mosaicismo para o cromossomo em anel). Cromossomos em anel já foram descritos em pelo menos um caso para cada um dos
autossomos humanos.
FIGURA 6-23 Ambas as extremidades do cromossomo podem ser perdidas, deixando extremidades soltas que podem se ligar entre si formando um
cromossomo em anel. Um cromossomo 12 em anel é mostrado aqui.

Inversões
Uma inversão é o resultado de duas quebras em um mesmo cromossomo seguidas da reinserção do fragmento envolvido no seu local original, mas
de maneira invertida. Deste modo, um cromossomo representado pela sequência ABCDEFG poderia se tornar ABEDCFG depois de uma inversão.
Se a inversão incluir o centrômero, é chamada de inversão pericêntrica. As inversões que ocorrem em regiões que não envolvem o centrômero são
chamadas de inversões paracêntricas.
Como as translocações recíprocas, as inversões são rearranjos estruturais balanceados. Consequentemente, raramente produzem doenças no
portador (entretanto, veja no Capítulo 5 que uma inversão que interrompe o gene do fator VIII produz hemofilia A grave). As inversões podem
interferir na meiose, no entanto, produzindo anormalidades cromossômicas nos filhos dos portadores das mesmas. Como os cromossomos devem se
parear em perfeita ordem durante a prófase I, um cromossomo com uma inversão precisa formar uma alça para se alinhar ao seu homólogo normal
(Fig. 6-24). O crossing-over dentro dessa alça pode resultar em duplicações ou deleções nos cromossomos das células filhas. Assim, os filhos dos
portadores das inversões frequentemente apresentam deleções ou duplicações cromossômicas. Calcula-se que cerca de uma em 1.000 pessoas
apresente uma inversão e, portanto, está em risco de produzir gametas com duplicações ou deleções.
A Figura 6-24 mostra um exemplo de inversão pericêntrica no cromossomo 8 [46,XX,inv(8)]. Cerca de 5% dos
FIGURA 6-24 Uma inversão pericêntrica em um cromossomo 8 resulta na formação de uma alça durante o pareamento dos cromossomos homólogos
na meiose. Um crossing-over nessa alça pode produzir duplicações ou deleções do material cromossômico no gameta resultante. A prole no canto
inferior direito recebeu um dos cromossomos 8 recombinantes do seu genitor.

filhos das pessoas portadoras dessa inversão recebem uma deleção ou duplicação da porção distal de 8q. Tal combinação resulta na síndrome do 8
recombinante, que se caracteriza por alterações cognitivas, defeitos cardíacos, convulsões e um aspecto facial característico.

Inversões cromossômicas são anormalidades estruturais relativamente comuns e podem ser tanto pericêntricas
(incluindo o centrômero) como paricêntricas (não incluindo o centrômero). Os pais portadores dessas inversões
geralmente apresentam um fenótipo normal, mas podem gerar filhos com deleções ou duplicações.

Isocromossomos
Às vezes um cromossomo se divide ao longo do eixo perpendicular ao seu eixo usual de divisão (Fig. 6-25). O resultado é um isocromossomo,
um cromossomo com duas cópias do mesmo braço e nenhuma cópia do outro. Como o material genético é substancialmente alterado, os
isocromossomos da maioria dos autossomos são letais. A maioria dos isocromossomos observados nos nascidos vivos envolve o cromossomo X, e
os bebês com o isocromossomo Xq [46,X,i(Xq)] geralmente apresentam características da síndrome de Turner. O isocromossomo 18q que produz
uma cópia extra do braço longo do cromossomo 18 foi observado em bebês com a síndrome de Edwards. Apesar de a maioria dos isocromossomos
parecer ser formada por uma divisão defeituosa, eles também podem ser originados por meio de translocações robertsonianas de cromossomos
acrocêntricos homólogos (p. ex., uma translocação dos dois braços longos do cromossomo 21).

ANORMALIDADES CROMOSSÔMICAS E FENÓTIPOS CLÍNICOS


Como vimos, a maioria das aberrações autossômicas induz padrões consistentes de malformações múltiplas, anomalias menores e fenótipos com
graus variáveis de atraso do desenvolvimento neuropsicomotor. Embora as características individuais sejam geralmente inespecíficas (p. ex., pregas
de flexão palmares únicas podem ser encontradas tanto na síndrome de Down como na trissomia 18), o padrão geral de características é usualmente
distintivo o suficiente para ser estabelecido um diagnóstico clínico. Isto é especialmente verdadeiro nas síndromes cromossômicas bem conhecidas:
síndrome de Down, síndrome de Edwards, síndrome de Patau e síndrome de Turner. Entretanto, existe uma considerável variabilidade fenotípica
mesmo entre essas síndromes. Nenhum paciente apresenta todas as características descritas; a maioria das malformações congênitas (p. ex., defeitos
cardíacos) é encontrada apenas em alguns indivíduos afetados. Essa variabilidade fenotípica e o potencial para erros de diagnóstico enfatizam a
necessidade de solicitar análise cromossômica (cariótipo ou aCGH), sempre que as características clínicas sugerirem uma anormalidade
cromossômica.

FIGURA 6-25 Acima. Divisão cromossômica normal. Centro. Um isocromossomo se forma quando um cromossomo se divide ao longo de um eixo
perpendicular ao seu eixo normal de divisão. Isto produz um cromossomo com apenas os braços curtos e outro com apenas os braços longos. Abaixo.
Um cromossomo X normal é comparado com um isocromossomo de Xq.

Geralmente, a base biológica para a variabilidade fenotípica não é conhecida, embora alguns mecanismos, como o mosaicismo que
frequentemente leva a uma expressão mais branda, estejam sendo descobertos. A base da expressão variável das síndromes cromossômicas será
mais bem compreendida quando os genes individuais envolvidos nessas anormalidades forem identificados e caracterizados.
Apesar da variabilidade das síndromes cromossômicas, é possível fazer diversas generalizações:
• A maioria das anormalidades cromossômicas (especialmente aquelas que envolvem os autossomos) está associada ao atraso no desenvolvimento
nas crianças e à deficiência intelectual nos mais velhos. Isto reflete o fato de que um grande número de genes humanos, talvez um terço ou mais,
participe do desenvolvimento do sistema nervoso central. Consequentemente, uma anormalidade cromossômica, que tipicamente pode afetar
centenas de genes, muito provavelmente afeta genes ligados ao desenvolvimento do sistema nervoso.
• A maioria das síndromes cromossômicas envolve alterações da morfogênese facial que produz dismorfias faciais características. Por esta razão, o
paciente frequentemente se parece mais com outras pessoas com o mesmo distúrbio do que com os membros de sua própria família. Geralmente,
as características faciais e anomalias menores da cabeça e dos membros fornecem os melhores indícios para o diagnóstico (Capítulo 15).
• Atraso do crescimento (baixa estatura e/ou ganho de peso insuficiente na infância) é encontrado comumente nas síndromes autossômicas.
• Malformações congênitas, especialmente os defeitos cardíacos congênitos, ocorrem com maior frequência na maioria dos distúrbios
cromossômicos autossômicos. Esses defeitos ocorrem em padrões específicos. Por exemplo, AV e VSDs são comuns nas crianças com a síndrome
de Down. Outros defeitos cardíacos congênitos, como a coartação aórtica ou um ventrículo esquerdo hipoplásico (pouco desenvolvido),
raramente são encontrados nessas crianças, mas podem ser vistos nas pacientes com a síndrome de Turner.
As indicações clínicas mais comuns para uma análise cromossômica são um neonato com múltiplas malformações, ou uma criança com
deficiência intelectual. Um resumo das situações clínicas em que uma avaliação cromossômica deve ser considerada encontra-se no Quadro 6-1.

As anormalidades cromossômicas resultam tipicamente em atraso do desenvolvimento, aspecto facial característico e


diversos tipos de malformações congênitas. Apesar de existir alguma superposição das características fenotípicas, muitas
anormalidades cromossômicas podem ser identificadas pelo exame clínico.

CITOGENÉTICA DO CÂNCER
A maioria das síndromes de anormalidades cromossômicas discutidas até agora é causada por erros que ocorrem no processo meiótico que leva à
formação dos gametas. Os rearranjos cromossômicos também podem ocorrer nas células somáticas, sendo responsáveis por uma série de neoplasias
importantes nos humanos. O primeiro destes a ser reconhecido foi uma alteração cromossômica vista consistentemente nos pacientes com leucemia
mieloide crônica (LMC). Inicialmente, foi sugerido que a alteração cromossômica era uma deleção do braço longo do cromossomo 21 ou do
cromossomo 22. Com o subsequente desenvolvimento das técnicas de bandas cromossômicas, a anormalidade foi identificada como uma
translocação recíproca entre os cromossomos 9 e 22. O cromossomo Filadélfia, como o resultante dessa translocação é conhecido em geral, vem de
uma translocação da maior parte do cromossomo 22 para o braço longo do cromossomo 9. Uma pequena porção distal de 9q por sua vez é
translocada para o cromossomo 22. O efeito mais visível de tal translocação é um cromossomo 22 menor, o que explica o motivo pelo qual se
acreditava anteriormente que o cromossomo Filadélfia era uma deleção. Essa translocação (Fig. 6-26) é encontrada em todos os casos de LMC.

QUADRO 6-1 Indicações para a Realização da Análise Cromossômica

• Pessoas com suspeita de uma síndrome cromossômica reconhecida (p. ex., síndrome de Down)
• Indivíduos com um padrão não reconhecível de duas ou mais malformações
• Pessoas com genitália ambígua
• Deficiência intelectual ou atraso no desenvolvimento em crianças com anomalias físicas
• Genitores e filhos de pessoas com translocações, deleções ou duplicações cromossômicas
• Natimortos com malformações congênitas ou sem razão identificável para morte fetal
• Mulheres com baixa estatura proporcional e amenorreia primária (considere a síndrome de Turner)
• Homens com testículos pequenos ou ginecomastia significativa (considere a síndrome de Klinefelter)

O isolamento dos genes localizados próximos aos pontos de quebra da translocação (p. ex., as localizações nos cromossomos nas quais ocorrem
quebras anteriores à translocação) ensinou muito sobre os efeitos delas. Um proto-oncogene (Capítulo 11), chamado ABL, desloca-se de sua posição
normal em 9q para 22q. Isto altera o produto gênico ABL, provocando um aumento da sua atividade tirosina quinase, que leva à malignidade nas
células hematopoiéticas (p. ex., as células que formam o sangue, tais como os linfócitos). Já foram desenvolvidos medicamentos para inibir a
tirosina quinase codificada por esse gene, fornecendo um tratamento muito mais eficaz para a LMC.
Um segundo exemplo de uma translocação que produz um câncer é do linfoma de Burkitt, um tumor oral infantil. Neste caso, uma translocação
recíproca envolvendo os cromossomos 8 e 14 move o proto-oncogene MYC de 8q24 para 14q32, próximo aos loci da cadeia pesada da
imunoglobulina (Capítulo 9). Então, sequências reguladoras da transcrição próximas aos genes das imunoglobulinas ativam o MYC, dando origem à
malignidade.
Foram observados mais de 100 rearranjos diferentes, envolvendo quase todos os cromossomos, em mais de 40 tipos diferentes de câncer. Alguns
estão resumidos na Tabela 6-4. Algumas vezes, essas translocações são identificadas com
FIGURA 6-26 Translocação recíproca entre os braços longos dos cromossomos 9 e 22 (cromossomo Filadélfia). A ocorrência dessa translocação em
células hematopoiéticas pode produzir leucemia mieloide crônica.

TABELA 6-4 Alterações Citogenéticas Específicas Observadas em Leucemias Selecionadas e Tumores Sólidos

TIPO ABERRAÇÃO CROMOSSÔMICA MAIS COMUM

Leucemias

Leucemia mieloide crônica t(9;22)(q34;q11)

Leucemia mieloblástica aguda t(8;21)(q22;q22)

Leucemia prómielocítica t(15;17)(q22;q11-12)


aguda

Leucemia linfocítica aguda t(12;21)(p13;q22)

Tumores Sólidos

Linfoma de Burkitt t(8;14)(9q24;q32)

Sarcoma de Ewing t(11;22)(q24;q12)

Meningioma Monossomia do 22

Retinoblastoma del(13)(q14)

Tumor de Wilms del(11)(p13)

Neuroblastoma Amplificação do N-MYC

Câncer de mama Amplificação de HER2/NEU

cariótipos espectrais. Em muitos casos, a identificação do rearranjo cromossômico leva a um prognóstico mais exato e a um melhor tratamento.
Assim, a avaliação citogenética das células da medula óssea de pacientes com leucemia é uma parte da rotina diagnóstica. Além disto, a
identificação e a caracterização dos genes alterados nas síndromes de translocação estão levando a uma melhor compreensão da carcinogênese em
geral.

As translocações balanceadas nas células somáticas podem às vezes causar malignidades por interromperem ou
alterarem os genes ou as suas sequências reguladoras.

SÍNDROMES DE INSTABILIDADE CROMOSSÔMICA


Diversas condições autossômicas recessivas patológicas exibem uma incidência aumentada de quebras cromossômicas sob condições laboratoriais
específicas. Essas afecções, que são chamadas de síndromes de instabilidade cromossômica, incluem a ataxia-telangiectasia, síndrome de Bloom,
anemia de Fanconi e o xeroderma pigmentoso (Capítulo 2). Entre os pacientes com anemia de Fanconi, a frequência das quebras pode aumentar
ainda mais caso os cromossomos sejam expostos a determinados agentes alquilantes. Os pacientes com síndrome de Bloom também apresentam
uma elevada incidência de troca de cromátides irmãs nas células somáticas (troca de material cromossômico entre cromátides irmãs; ver Capítulo 2)
Cada uma dessas síndromes está associada a um aumento significativo no risco de câncer. Acredita-se que isto seja o resultado de um erro na
replicação ou no reparo do DNA, como foi discutido no Capítulo 2.
Todas as síndromes de instabilidade cromossômica envolvem aumento das frequências de quebras cromossômicas e um
risco aumentado de malignidade. Todas estão associadas a defeitos na replicação ou no reparo do DNA.

QUESTÕES DE ESTUDO
1. Faça a distinção entre haploidia, diploidia, poliploidia, euploidia e aneuploidia.
2. Explique os usos e vantagens relativas do FISH, cariótipo espectral e hibridização genômica comparativa (CGH).
3. Descreva três maneiras pelas quais a triploidia poderia ocorrer.
4. Estudos de cariótipos obtidos por diagnóstico pré-natal com 10 semanas de gestação (amostra do vilo corial; ver Capítulo 13) revelam taxas de
prevalência de anormalidades cromossômicas que diferem dos obtidos nos cariótipos com 16 semanas de gestação (amniocentese, ver Capítulo
13). Explique.
5. Mesmo que condições como a síndrome de Down e a síndrome de Edwards possam ser diagnosticadas geralmente apenas pelo exame clínico, o
cariótipo está sempre indicado. Por quê?
6. Classifique os itens seguintes, do menor para o maior, em termos de risco de gerar uma criança com a síndrome de Down:
Uma mulher com 45 anos de idade sem história familial prévia da síndrome de Down
Uma mulher com 25 anos de idade que já teve uma criança com a síndrome de Down
Um homem com 25 anos de idade, portador de uma translocação robertsoniana 21/14
Uma mulher com 25 anos de idade, portadora de uma translocação robertsoniana 21/14
7. Foram descritas mulheres com o cariótipo 49,XXXXX. Explique como esse cariótipo pode ocorrer.
8. Um homem com hemofília A e uma mulher normal geram uma criança com a síndrome de Turner (45,X). A criança apresenta uma atividade
normal do fator VIII. Em qual dos pais ocorreu o erro meiótico?
9. Um laboratório de citogenética relata um cariótipo 46,XY,del(8)(p11) para um paciente e um cariótipo 46,XY,dup(8)(p11) para outro paciente.
Com base nessa informação isolada, qual é o paciente provavelmente mais gravemente afetado?
10. Por que as translocações nas células somáticas às vezes levam ao câncer?

LEITURAS SUGERIDAS
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Fontes na Internet
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Mitelman Database of Chromosome Aberrations in Cancer http://cgap.nci.nih.gov/Chromosomes/Mitelman
National Association for Down Syndrome (Contém vários endereços para sites sobre Síndrome de Down) http://www.nads.org/
Support Organization for Trisomy 18, 13, and Related Disorders (S.O.F.T.) http://www.trisomy.org/
6 Resumindo, o restante da fórmula cariotípica indica que a anormalidade não envolve os cromossomos sexuais do homem afetado.

7 Em função de aspectos potencialmente estigmatizantes do termo “retardo mental”, atualmente muitas organizações profissionais e grupos de defesa relacionados a síndrome de
Down abandonaram este termo e usam em seu lugar “deficiência intelectual” ou “deficiência cognitiva”.

8
Embora os créditos da primeira descrição completa da síndrome de Prader-Willi, em 1956, tenham sido atribuídos a Prader, em 1887 John Langdon Down (da famosa síndrome
de Down) publicou uma descrição bastante completa desse distúrbio.

9
Como os indivíduos com a síndrome WAGR também apresentam gonadoblastomas (tumores das gônadas), alguns especialistas afirmam que o “G” deve representar
gonadoblastoma em vez de anormalidades genitourinárias.
CAPÍTULO7

Genética Bioquímica: Transtornos Metabólicos

Todos somos compostos por um grande número de moléculas complexas, que são hierarquicamente organizadas no espaço para formar células,
tecidos, órgãos e, finalmente, um ser humano completo. Estas moléculas são construídas a partir de elementos individuais que podem ser
sintetizados endogenamente ou obtidos do ambiente. Uma vez criadas, tais moléculas não são estáticas. Na verdade, são permanentemente
sintetizadas, degradadas, excretadas e, algumas vezes, recicladas, em uma dança metabólica rigorosamente coreografada.
Cada processo metabólico consiste em uma sequência de passos catalíticos mediados por enzimas codificadas por genes. Geralmente, esses
genes são replicados com alta fidelidade, e os sistemas enzimáticos continuam a trabalhar de forma eficaz, de geração em geração.
Ocasionalmente, as mutações reduzem a eficiência das enzimas codificadas para um nível em que o metabolismo normal não pode ocorrer. Tais
variações do metabolismo foram reconhecidas por Sir Archibald Garrod, no início do século XX, baseando-se parcialmente em seus estudos sobre
a alcaptonúria (AKU). Garrod reconheceu que estas variantes ilustravam “individualidades químicas” e chamou estes transtornos de “erros inatos
do metabolismo”, definindo assim a pedra angular da genética bioquímica contemporânea.
A AKU é uma desordem rara em que o ácido homogentísico (HGA), um metabólito intermediário no metabolismo da fenilalanina e da tirosina
(Fig. 7-1), é excretado em grandes quantidades na urina, escurecendo em contato com o ar. Assim, AKU foi classicamente referida como “a
doença da urina negra”. Além disso, um produto da oxidação do HGA é depositado diretamente no tecido conjuntivo, resultando em pigmentação
anormal e artrite debilitante.
Garrod propôs, em 1902, que a AKU seria causada por uma deficiência da enzima que normalmente divide o anel aromático do HGA.
Cinquenta anos depois, foi estabelecido que a AKU é produzida por uma falha na síntese da enzima homogentisato-1,2-dioxigenase ou ácido
homogentísico oxidase (HGD). No entanto, somente em 1996 os cientistas conseguiram identificar o gene que está alterado na AKU, com base na
homologia com um gene que codifica uma HGD isolada de uma espécie de fungo. A região codificadora do gene HGD compreende 14 éxons
distribuídos em mais de 54 kb de DNA. Muitas das mutações identificadas no gene HGD, codificam proteínas que mostram ausência de atividade
da HGD quando expressas in vitro. Isso indica que a AKU é causada por uma mutação de perda de função, confirmando a hipótese proposta por
Garrod há mais de um século.

Quase todos os processos bioquímicos do metabolismo humano são catalisados por enzimas. Variações de atividade
enzimática entre os seres humanos são comuns e uma minoria dessas variantes causa doenças. Esses conceitos foram
introduzidos por Archibald Garrod e exemplificados por seus estudos sobre a alcaptonúria.

VARIANTES DO METABOLISMO
Prevalência da Doença Metabólica
Centenas de diferentes erros inatos do metabolismo têm sido descritos até a presente data, e a maioria deles é rara. Consideradas em conjunto, no
entanto, os transtornos metabólicos representam uma porcentagem substancial da morbidade e da mortalidade diretamente atribuíveis à doença
genética (Tabela 7-1). Uma avaliação conservadora estima que a incidência de distúrbios metabólicos seja de aproximadamente um em cada 2.500
nascimentos, ou de 10% de todas as condições monogênicas em crianças. Além disso, estamos começando a compreender que diferentes alelos de
genes que codificam enzimas podem alterar seu risco para muitas doenças comuns, tais como diabetes, doença cardíaca, acidente vascular cerebral
e câncer.
O diagnóstico de um transtorno metabólico pode ser um desafio (Comentário Clínico 7-1); assim, a morbidade associada a defeitos metabólicos
é provavelmente subestimada. Na década de 1970, uma encefalopatia metabólica aguda frequentemente fatal, chamada síndrome de Reye, foi
diagnosticada em muitas crianças. Nas décadas seguintes, soube-se que algumas crianças com uma encefalopatia indistinguível da síndrome de
Reye tinham um distúrbio do ciclo da ureia que causava hiperamonemia (aumento dos níveis de amônia circulante) e morte. O reconhecimento da
10
síndrome de Reye como fenocópia de um distúrbio do ciclo da ureia é importante porque, além dos tratamentos de suporte , as crianças podem
agora receber tratamento direto para alterações do ciclo da ureia. Da mesma forma, no exame pós-morte, algumas crianças que morreram de
síndrome da morte súbita infantil (SIDS, de sudden infant death syndrome) apresentaram distúrbios do metabolismo de ácidos graxos. Estas
também são doenças tratáveis e episódios envolvendo ameaça à vida podem ser evitados com cuidados adequados.
FIGURA 7-1 Principal via do metabolismo de fenilalanina. Diferentes defeitos enzimáticos nesta via causam a PKU clássica (1), o albinismo
oculocutâneo tirosinase-negativo (2), a AKU (3) e tirosinemias (4).

Embora doenças metabólicas individuais sejam raras, a sua contribuição global direta e indiretamente para a
morbidade e a mortalidade é substancial.

Herança dos Defeitos Metabólicos


A maioria dos defeitos metabólicos é herdada com um padrão autossômico recessivo: somente indivíduos com dois alelos mutantes são afetados.
Embora um alelo mutante produza uma atividade enzimática reduzida ou ausente (perda de função), isso normalmente não altera a saúde de um
portador heterozigoto. Devido ao fato de muitos dos genes que codificam enzimas relacionadas a doenças terem sido identificados e suas mutações
caracterizadas, exames para detecção de portadores e diagnóstico pré-natal estão disponíveis para muitos distúrbios metabólicos. No entanto,
exames em amostras de sangue seco, em papel de filtro, para níveis elevados de metabólitos no período neonatal (p. ex., para fenilcetonúria e
galactosemia; Capítulo 13) continuam sendo os testes de triagem mais comumente utilizados em programas de rastreio populacional para doenças
metabólicas. O Teste do Pezinho Expandido, que detecta diversas doenças verificando a presença de metabólitos anormais no sangue, é cada vez
mais comum. À medida que a tecnologia para exames rápidos e eficientes de DNA para detecção de alelos mutantes progride, a triagem
populacional para doenças adicionais tende a ser incorporada.

A maioria dos erros inatos do metabolismo é herdada com um padrão autossômico recessivo. O estado de portador
geralmente não está associado à morbidade. Testes para portador e diagnósticos estão tornando-se amplamente
disponíveis para muitas doenças.

Tipos de Processos Metabólicos


Os erros metabólicos têm sido classificados de muitas maneiras diferentes, com base em efeitos patológicos da via bloqueada (p. ex., ausência do
produto final, acúmulo de substrato), em diferentes classes funcionais de proteínas (p. ex., receptores, hormônios), nos cofatores associados (p. ex.,
metais, vitaminas) e nas vias afetadas (p. ex., glicólise, ciclo do ácido cítrico). Cada uma delas tem vantagens e desvantagens e nenhuma abrange
todos os distúrbios metabólicos. No entanto, a classificação que mais completamente integra o nosso conhecimento de biologia celular, fisiologia e
patologia às doenças metabólicas categoriza os defeitos do metabolismo pelos tipos de processos que são prejudicados.

DEFEITOS DOS PROCESSOS METABÓLICOS


Quase todas as reações bioquímicas do corpo humano são controladas por enzimas, que agem como catalisadores. As propriedades catalíticas das
enzimas normalmente intensificam as taxas de reação em mais de um milhão de vezes. Essas reações são mediadoras da síntese, transferência,
utilização e degradação de biomoléculas para construir e manter as estruturas internas de células, tecidos e órgãos. Biomoléculas podem ser
classificadas em quatro grupos principais: ácidos nucleicos, proteínas, carboidratos e lipídios. As principais vias metabólicas que metabolizam
essas moléculas incluem a glicólise, o ciclo do ácido cítrico, via alternativa (das shunt) das pentoses fosfato, gliconeogênese, biossíntese e
armazenamento de glicogênio e de ácidos graxos, e vias de degradação, produção de energia e sistemas de transporte. Agora discutiremos como os
defeitos em cada uma dessas vias metabólicas podem causar doenças humanas.

Metabolismo dos Carboidratos


Devido às múltiplas funções em todos os organismos, os carboidratos representam a substância orgânica mais abundante na Terra. Carboidratos
funcionam como substratos para produção e armazenamento de energia, como intermediários das vias metabólicas e como o arcabouço estrutural
do DNA e do RNA. Consequentemente, são responsáveis por uma parte importante da dieta humana e são metabolizados em três principais
monossacarídeos: glicose, galactose e frutose. Galactose e frutose são convertidas em glicose antes da glicólise. A incapacidade de utilizar
eficazmente esses açúcares constitui a maioria dos erros inatos do metabolismo dos carboidratos em humanos.

Galactose
A desordem monogênica mais comum do metabolismo de carboidratos, a galactosemia por deficiência de transferase (galactosemia clássica), afeta
um em cada 50.000 recém-nascidos. É mais usualmente causada por mutações no gene que codifica a galactose-1-fosfato-uridil-transferase (GAL-
1-P-uridil transferase) (Fig. 7-2). Esse gene é composto por 11 éxons distribuídos em 4 kb de DNA, e cerca de 70% dos alelos causadores de
galactosemia em pessoas da Europa Ocidental têm uma única mutação de sentido missense no éxon 6, p.Q188R. Como resultado da diminuição da
atividade de GAL-1-P-uridil transferase, pessoas afetadas não podem efetivamente converter galactose em glicose; consequentemente, a galactose
é alternativamente metabolizada a galactitol e galactonato (Fig. 7-2). Apesar de a galactose e seus metabólitos se acumularem em muitos tecidos, a
fisiopatologia da galactosemia clássica não está bem esclarecida.

TABELA 7-1 Desordens do Metabolismo

NOME PREVALÊNCIA PRODUTO DO GENE MUTANTE LOCALIZAÇÃO


CROMOSSÔMICA

Doenças do Metabolismo de
Carboidratos

Galactosemia clássica 1/35.000 a Galactose-1-fosfato uridil transferase 9p13


1/60.000

Intolerância hereditária à frutose 1/20.000 Frutose-1,6-bifosfato-aldolase 9q13-q32

Frutosúria ≈1/100.000 Frutoquinase 2p23

Hipolactasia (adulto) Comum Lactase 2q21

Diabetes mellitus tipo 1 1/400 (europeus) Múltiplos Poligênico

Diabetes mellitus tipo 2 1/20 Múltiplos Poligênico

Diabetes da maturidade com início na ≈1/400 Múltiplos Loci múltiplos


juventude (MODY)

Doenças do Metabolismo de
Aminoácidos

Fenilcetonúria 1/10.000 Fenilalanina hidroxilase 12q24

Tirosinemia (tipo 1) 1/100.000 Fumarilacetoacetato hidrolase 15q23-25

Doença da urina do xarope de bordo 1/180.000 α-cetoácido desidrogenase de cadeia ramificada Loci múltiplos
(múltiplas subunidades)

Alcaptonúria 1/250.000 Ácido Homogentísico oxidase 3q2

Homocistinúria 1/340.000 Cistationina β-sintase 21q2

Albinismo oculocutâneo 1/35.000 Tirosinase 11q

Cistinose 1/100.000 CTNS 17p13

Cistinúria 1/7.000 SLC3A1 (tipo 1) 2p

SLC7A9 (tipos II e III) 19q13

Doenças do Metabolismo de Lipídios

MCAD 1/1.000 a Acil-CoA desidrogenase de cadeia média 1p31


1/15.000

VLCAD 1/30.000 Acil-CoA desidrogenase de cadeia muito longa 17p13.1

SLO 1/10.000 ∆7-esterol redutase 11q12-q13

Doenças do Metabolismo de Ácidos


Orgânicos

Acidemia metilmalônica 1/20.000 Metilmalonil-CoA-mutase 6p

Acidemia propiônica Rara Propionil-CoA carboxilase 13q32; 3q

Defeitos do Ciclo da Ureia

Deficiência de ornitina transcarbamilase 1/60.000 Ornitina carbamil transferase Xp21

Deficiência de carbamil fosfato sintetase 1/300.000 Carbamil fosfato sintetase I 2p


Deficiência de argininossuccinato 1/250.000 Argininossuccinato sintetase 9q34
sintetase

Defeitos da Produção de Energia

Deficiência de citocromo com oxidase Rara Peptídeos da citocromo oxidase Loci múltiplos

Deficiência de piruvato carboxilase Rara Piruvato carboxilase 11q

Deficiência do complexo da piruvato Rara Piruvato descarboxilase, E1α Xp22


desidrogenase (E1)

Deficiência de NADH-CoQ redutase Rara Múltiplos genes nucleares Loci múltiplos

Defeitos de Transporte de Metal


Pesado

Doença de Wilson 1/50.000 ATP7B 13q14

Doença de Menkes 1/250.000 ATP7A Xq13

Hemocromatose 1/200 a 1/400 HFE 6p21


(europeus)

Acrodermatite enteropática Rara SLC39A4 8q24

MCAD, acil-CoA desidrogenase de cadeia média; SLO, síndrome de Smith-Lemli-Opitz; VLCAD, acil-CoA desidrogenase de cadeia muito longa.

COMENTÁRIO CLÍNICO 7-1


O Diagnóstico de uma Doença Metabólica
As manifestações clínicas das pessoas com erros inatos do metabolismo são altamente variáveis. Durante a gestação, a unidade materno-
placentária geralmente fornece nutrientes essenciais e impede o acúmulo de substratos tóxicos. Assim, um feto é raramente sintomático. No
entanto, após o nascimento, pessoas com distúrbios metabólicos podem apresentar sintomas em períodos que vão desde o primeiro dia de vida
até a idade adulta. A sintomatologia pode ser repentina e caracterizada por dramáticas alterações na homeostase e, até mesmo, morte. Em
contrapartida, a doença pode ser insidiosa, com apenas mudanças sutis na função durante longos períodos. Para a maioria das doenças
metabólicas, o período pré-sintomático e o início dos sintomas estão situados entre esses dois extremos. O caso a seguir ilustra este aspecto:
Anthony é um lactente latino-americano de nove meses de idade que vem ao serviço de emergência acompanhado por seus pais. Estes se
queixam de que ele tem estado irritável e vomitou nas últimas 36 horas, e nas últimas 12 tem-se tornado cada vez mais sonolento. Eles buscaram
atendimento médico porque foi difícil despertar Anthony para amamentá-lo. O histórico médico de Anthony é normal. Ele tem uma irmã saudável
de oito anos e tinha um irmão que morreu em seu berço aos sete meses de idade. A investigação da morte do irmão e a autópsia revelaram
resultados compatíveis com a síndrome da morte súbita infantil (SIDS).
Anthony é hospitalizado e observa-se que ele está hipoglicêmico (baixo nível de glicose no soro sanguíneo), ligeiramente acidêmico (pH sérico
< 7,4) e hiperamonêmico (nível elevado de amônia no plasma). Uma infusão intravenosa de glicose melhora temporariamente o seu nível de
consciência, mas ele entra em coma e morre após cinco dias. Uma autópsia revela edema cerebral intenso (inchaço do cérebro) e infiltração de
gordura do fígado, condizente com o diagnóstico de síndrome de Reye. A mãe de Anthony está preocupada pelo fato de as mortes dos meninos
estarem relacionadas entre si, especialmente porque está grávida novamente. Ela é informada de que as causas da morte são independentes e é
provável que nenhuma doença volte a ocorrer em sua família.
Contudo, um ano depois, sua filha de seis meses de idade, Maria, é internada pela terceira vez por causa da letargia e fraqueza. Estudos
laboratoriais revelaram hipoglicemia moderada, hiperamonemia e cetonúria (cetonas na urina). Estudos adicionais, incluindo medições de ácidos
orgânicos na urina*, aminoácidos do soro, carnitinas livres e esterificadas no plasma, sugerem que a Maria tem um defeito de oxidação dos
ácidos graxos. A terapia é iniciada com glicose intravenosa, carnitina oral e restrição de gorduras ao máximo de 20% das suas necessidades
calóricas. Estudos bioquímicos e moleculares mais específicos confirmam que Maria tem deficiência de acil-CoA desidrogenase de cadeia média
(MCAD). Estudos moleculares dos tecidos preservados que tinham sido recolhidos na autópsia de irmãos falecidos de Maria indicam que eles
também tinham deficiência de MCAD. A irmã mais velha de Maria, assintomática, é igualmente afetada. Ambas as meninas estão saudáveis dois
anos mais tarde, ingerindo uma dieta de baixos níveis de gorduras e utilizando suplemento de carnitina. Os pais têm um novo bebê, que foi
submetido a exames pré-natais para MCAD e foi diagnosticado como não afetado.
As apresentações diferentes da deficiência de MCAD nessa família (morte súbita, doença aguda, doença crônica e assintomática) ilustram a
variabilidade fenotípica observada frequentemente em pessoas com erros inatos do metabolismo, mesmo aqueles que têm a mesma mutação.
Assim, é provável não haver um padrão específico de sinais e sintomas dessas doenças. Muitas vezes, é uma forte suspeita dos profissionais de
saúde que leva aos exames necessários para identificar uma doença metabólica. O tratamento de suporte pode salvar vidas e deve ser iniciado
antes da conclusão diagnóstica. Todavia, é imperativo que tentativas prudentes sejam realizadas para se fazer um diagnóstico específico, pois
isso pode ter importantes implicações para a família (p. ex., o exame pré-natal e o tratamento pré-sintomático). O tratamento da deficiência de
MCAD é completamente eficaz na prevenção do óbito precoce pelos efeitos tóxicos de metabólitos intermediários de ácidos graxos, que ficam
acumulados.

* Ácidos orgânicos são formados por carbono, produtos do metabolismo intermediário e que, normalmente, não se acumulam no plasma ou na urina, apesar
do efeito tampão desses fluidos.

A galactosemia clássica normalmente se manifesta no período neonatal com sucção reduzida, deficit de crescimento e icterícia. Caso o
tratamento da galactosemia não seja iniciado, ocorrerá, geralmente, sepse, hiperamonemia e choque, levando à morte. A catarata (opacidade do
cristalino) é encontrada em cerca de 10% dos lactentes. A triagem neonatal para galactosemia é bastante difundida e a maioria das pessoas
afetadas é identificada no início do desenvolvimento dos sintomas. A identificação precoce permite um tratamento imediato, que consiste
basicamente na exclusão da galactose da dieta. Isso reduz substancialmente a morbidade associada aos efeitos agudos dos níveis elevados dos
11
metabólitos da galactose. As consequências a longo prazo incluem a deficiência de crescimento e atraso do desenvolvimento , deficiência
intelectual e falência ovariana nas mulheres. Acredita-se que essas sequelas são causadas pela produção endógena de galactose. Os efeitos
prospectivos da terapia dietética sobre a prevalência dessas sequelas em longo prazo são pouco esclarecidos. Estudos anteriores sugeriram não
haver efeito, mas com mais dados longitudinais disponíveis, tudo indica que os pacientes tratados desde o início da vida com a dietoterapia podem
ter cognição normal.
A galactosemia também pode ser causada por mutações nos genes que codificam a galactoquinase ou a uridina-difosfato-galactose-4-epimerase
(UDP-galactose-4-epimerase) (Fig. 7-2). A deficiência de galactoquinase está associada à formação de catarata, mas não causa deficiência do
crescimento, deficiência intelectual ou doença hepática. Uma dieta com restrição de galactose também é o tratamento para a deficiência de
galactoquinase. A deficiência de UDP-galactose-4-epimerase pode ser limitada às hemácias e aos leucócitos do sangue, o que não provoca efeitos
nocivos, ou pode ser sistêmica e produzir sintomas semelhantes aos da galactosemia clássica. O tratamento visa

FIGURA 7-2 Principais vias do metabolismo da galactose. A anormalidade enzimática mais comum produzida na galactosemia é um defeito da GAL-1-
P uridil transferase. Defeitos da galactoquinase ou da UDP-galactose 4-epimerase são causas muito menos comuns de galactosemia. GAL, Galactose;
UDP, uridina difosfato.

reduzir a ingestão de galactose, mas não tão drasticamente como em pacientes com galactosemia clássica, porque um pouco de galactose está
disponível para produzir UDP-galactose para a síntese de determinados carboidratos complexos.

A galactosemia é uma das doenças hereditárias do metabolismo dos carboidratos mais comuns. A triagem neonatal
para galactosemia é muito difundida. A identificação precoce permite um tratamento imediato, que consiste
basicamente na exclusão da galactose da dieta. Mutações no gene que codifica a GAL-1-P-uridil transferase são as
causas mais comuns da galactosemia.

Frutose
Três defeitos autossômicos recessivos do metabolismo da frutose foram descritos. O mais comum é causado por mutações no gene que codifica a
frutoquinase hepática. Essa enzima catalisa a primeira etapa do metabolismo da frutose na dieta, a conversão em frutose-1-fosfato (Fig. 7-3). A
inativação da frutoquinase hepática resulta em frutosúria (presença de frutose na urina) assintomática.
Em contraste, a intolerância hereditária à frutose (HFI) resulta em dificuldades alimentares, deficiência de crescimento, insuficiência hepática e
renal, e em morte. A HFI é causada por uma deficiência de frutose-1,6-bifosfato-aldolase (aldolase B) no fígado, córtex renal e intestino delgado.
Crianças e adultos com HFI são assintomáticos, a menos que tenham
FIGURA 7-3 Resumo do metabolismo de glicose, frutose e glicogênio. Defeitos enzimáticos nesta via causam hiperglicemia (1), doença de von Gierke
(2), frutosúria (3), intolerância hereditária à frutose (4), doença de Cori (5), a doença de Anderson (6), doença Tarui (7) e deficiência de frutose 1,6-
bifosfatase (FBPase) (8). UDP, uridina difosfato.

ingerido frutose ou sacarose (um açúcar composto de frutose e glicose). Lactentes amamentados com leite materno se tornam sintomáticos após o
desmame, quando frutas e vegetais são adicionados à sua dieta. Crianças afetadas podem sobreviver se evitarem alimentos considerados nocivos,
ou seja, eliminando a ingestão de frutose. A prevalência de HFI pode ser tão alta como um em 20.000 nascimentos e, desde a clonagem do gene
que codifica a frutose-1-fosfato-aldolase, diferenças na distribuição geográfica dos alelos mutantes foram encontradas.
A deficiência da frutose-1,6-bifosfatase (FBPase) hepática provoca comprometimento da gliconeogênese, hipoglicemia (nível reduzido de
glicose circulante) e acidose metabólica grave (pH sérico < 7,4). Crianças afetadas são comumente encaminhadas para o tratamento logo após o
nascimento, apesar de casos diagnosticados apenas durante a infância terem sido relatados. Caso os pacientes sejam devidamente cuidados durante
toda a infância, o crescimento e o desenvolvimento provavelmente serão normais. Uma série de mutações foram encontradas no gene que codifica
a FBPase, algumas das quais codificam proteínas mutantes que são inativas in vitro.

A deficiência assintomática de frutoquinase é a desordem mais comum do metabolismo da frutose. A intolerância


hereditária à frutose é menos frequente, mas está associada a problemas muito mais graves.

Glicose
Anormalidades do metabolismo da glicose são os erros mais comuns do metabolismo de carboidratos. No entanto, as causas desses distúrbios são
heterogêneas e incluem fatores ambientais e genéticos. Historicamente, as doenças associadas a níveis elevados de glicose plasmática
(hiperglicemia) foram classificadas em três categorias: diabetes mellitus tipo 1 (T1DM), diabetes mellitus tipo 2 (T2DM) e diabetes da
maturidade, com início na juventude (MODY), do qual existem muitos subtipos. O T1DM está associado a níveis reduzidos ou ausência de
insulina plasmática e manifesta-se geralmente na infância. O T2DM é caracterizado pela resistência à insulina e manifesta-se mais comumente do
início da idade adulta. Uma discussão mais detalhada do T1DM e do T2DM pode ser encontrada no Capítulo 12.
Avanços substanciais no entendimento da fisiopatologia do diabetes comum têm sido obtidos por meio da identificação de mutações que
causam raras formas monogênicas de hiperglicemia. Mutações no gene do receptor da insulina têm sido associadas a uma desordem caracterizada
por resistência à insulina e acantose nigricans (pele com hiperceratose, hiperpigmentação e aspecto rugoso). Essas mutações podem diminuir o
número de receptores de insulina na superfície de uma célula, diminuir o nível de atividade de ligação da insulina, ou o nível de atividade de
tirosina quinase estimulada pela insulina. Mutações no DNA mitocondrial e nos genes que codificam insulina e glicoquinase também têm sido
associadas a desordens hiperglicêmicas.

Estudos de formas monogênicas raras de diabetes definem as vias que podem ser interrompidas nas formas mais
comuns de diabetes mellitus.

Lactose
A capacidade de metabolizar a lactose (açúcar composto por glicose e galactose) depende, em parte, da atividade de uma enzima da borda em
escova, da vilosidade intestinal chamada lactase-florizina hidrolase (LPH, de lactase-philorizin hydrolase). Na maioria dos mamíferos, a atividade
de LPH diminui após as crianças serem desmamadas do leite materno. No entanto, a persistência da atividade da LPH intestinal é um traço
autossômico recessivo comum em populações humanas, com uma incidência que varia de 5% a 90%. A distribuição geográfica da persistência de
lactase é concordante com áreas de alta ingestão de leite, como o noroeste da Europa e algumas partes da África. A capacidade persistente dos
adultos de usarem produtos lácteos como fonte de vitamina D resultou em uma vantagem seletiva nessas populações.
A não persistência de lactase (p. ex., hipolactasia tipo adulto ou intolerância à lactose) é comum na maioria dos países tropicais e subtropicais.
Pessoas sem persistência de lactase e, consequente, má absorção da lactose, podem sentir náuseas, distensão abdominal e diarreia após a ingestão
de lactose. Assim, em muitas regiões onde a atividade reduzida de lactase é predominante, a lactose em produtos lácteos é muitas vezes
parcialmente metabolizada (p. ex., por lactobacilos na preparação de iogurte) antes do consumo. O papel da não persistência de lactase como causa
de dor abdominal e sintomas da síndrome do intestino irritável é controverso.
LPH é codificada pelo gene da lactase (LCT) no cromossomo 2. Nas populações europeias, a expressão de LPH em adultos é regulada por um
polimorfismo em outro gene localizado a upstream do LCT, chamado de manutenção de minicromossomo 6 (MCM6 – minichromosome
maintenance 6). No entanto, nas populações da África Subsaariana, Ásia Central e Arábia peninsular, em que a persistência da lactase é comum,
esse polimorfismo é encontrado em baixa frequência ou está ausente. A persistência da lactase nessas populações é causada por diferentes
polimorfismos que parecem aumentar a transcrição do gene LCT. Tais polimorfismos parecem ter um surgimento relativamente recente na
evolução humana e têm aumentado a incidência como resultado da seleção natural independentemente nas populações da Europa e da África. Em
cada caso, a força seletiva parece ter sido uma resposta adaptativa local à maior aptidão conferida pela capacidade de consumir produtos lácteos.
Mutações que anulam completamente a atividade da lactase causam deficiência congênita da lactase e produzem diarreia e desnutrição graves
na infância. Tais mutações são muito raras.

Glicogênio
Nos seres humanos, os carboidratos são mais comumente armazenados como glicogênio. Consequentemente, deficiências enzimáticas que levam
ao comprometimento da síntese ou degradação de glicogênio também são consideradas transtornos do metabolismo de carboidratos. Os defeitos de
cada uma das proteínas envolvidas no metabolismo do glicogênio já foram identificados (Tabela 7-2). Eles causam diferentes tipos de doenças de
armazenamento de glicogênio e são classificados numericamente de acordo com a ordem cronológica na qual sua base enzimática foi descrita. Os
dois locais mais gravemente afetados pelas doenças de armazenamento de glicogênio são o fígado e o músculo esquelético. Doenças de
armazenamento de glicogênio que afetam o fígado normalmente causam hepatomegalia (aumento do fígado) e hipoglicemia (baixo nível de
glicose no plasma). Doenças de armazenamento de glicogênio que afetam o músculo esquelético causam intolerância ao exercício, fraqueza
progressiva e cãibras. Algumas desordens de armazenamento glicogênio, como a doença de Pompe, também podem afetar o músculo cardíaco,
causando cardiomiopatia e morte precoce. O tratamento de algumas doenças do armazenamento do glicogênio por terapia de reposição enzimática
(p. ex., ministrando-se, por via intravenosa, a forma ativa da enzima) pode melhorar, e em alguns casos, prevenir sintomas, preservando a função e
evitando a morte precoce.

TABELA 7-2 Doenças de Armazenamento de Glicogênio

TIPO DEFEITO PRINCIPAIS TECIDOS AFETADOS

Ia (von Gierke) Glicose-6-fosfatase Fígado, rins, intestino

Ib Transporte de glicose-6-fosfato microssômico Fígado, rins, intestino, neutrófilos

II (Pompe) β-glicosidase ácida lisossômica Músculo, coração

IIIa (Cori) Enzima desramificadora de glicogênio Fígado, músculo

IIIb Enzima desramificadora de glicogênio Fígado

IV (Anderson) Enzima ramificadora Fígado, músculo

V (McArdle) Fosforilase muscular Músculo

VI (Hers) Fosforilase hepática Fígado

VII (Tarui) Fosfofrutoquinase muscular Músculo

Separadamente as doenças do metabolismo do glicogênio são incomuns, contudo, se consideradas em conjunto, são
responsáveis por significativa morbidade. A intervenção precoce pode prevenir deficiências graves e morte precoce.

Metabolismo dos Aminoácidos


Entre as principais biomoléculas, as proteínas desempenham os papéis mais diversos (p. ex., fornecendo suporte mecânico, coordenando as
respostas imunes e gerando movimento). Na verdade, quase todas as enzimas conhecidas são proteínas. As unidades estruturais fundamentais das
proteínas são os aminoácidos. Alguns aminoácidos podem ser sintetizados endogenamente (não essenciais), e outros devem ser obtidos a partir do
ambiente (essenciais). Muitos defeitos do metabolismo de aminoácidos têm sido descritos.

Fenilalanina
Defeitos no metabolismo da fenilalanina (um aminoácido essencial) causam as hiperfenilalaninemias, um dos mais estudados de todos os erros
inatos do metabolismo. Essas desordens são causadas por mutações nos genes que codificam os componentes da via de hidroxilação da
fenilalanina (Fig. 7-1). Níveis elevados de fenilalanina plasmática interrompem processos celulares essenciais no cérebro, como a mielinização e a
síntese de proteínas, eventualmente provocando deficiência intelectual grave. A maioria dos casos de hiperfenilalaninemia é originada por
mutações no gene que codifica a fenilalanina hidroxilase (PAH, de phenylalanine hydroxylase), resultando em fenilcetonúria clássica (PKU).
Centenas de mutações diferentes foram identificadas no gene da PAH, incluindo substituições, inserções e deleções. A prevalência de
hiperfenilalaninemia varia muito entre grupos de diferentes regiões geográficas; PKU varia de uma em cada 10.000 pessoas de origem europeia
até uma em cada 90.000 pessoas de ascendência africana. Menos comumente, a hiperfenilalaninemia é causada por defeitos na síntese de tetra-
hidrobiopterina, um cofator necessário para a hidroxilação da fenilalanina, ou por uma deficiência de di-hidropteridina redutase.
O tratamento da maior parte das hiperfenilalaninemias visa restaurar os níveis normais de fenilalanina no sangue por meio da dieta restritiva
diária de alimentos que contenham fenilalanina (Quadro 7-1). No entanto, a fenilalanina é um aminoácido essencial e suprimentos adequados são
necessários para o crescimento e desenvolvimento normais. A completa falta de fenilalanina é fatal. Assim, deve ser mantido um equilíbrio preciso
entre o fornecimento suficiente de proteínas e fenilalanina para o crescimento normal, prevenindo um aumento exagerado do nível sérico de
fenilalanina. As pessoas com PKU são comprovadamente beneficiadas com o tratamento ao longo da vida. Assim, uma vez que a PKU é
diagnosticada, a pessoa deve seguir uma dieta com restrição de fenilalanina pelo resto da vida. A sapropterina di-hidrocloreto, uma forma de tetra-
hidrobiopterina (BH4), pode ajudar os pacientes com PKU responsivos à BH-4.
Hiperfenilalaninemia em uma mulher grávida resulta em elevados níveis de fenilalanina no feto. Isto pode causar falha de crescimento, defeitos
de nascimento, microcefalia e deficiência intelectual no feto (independentemente do seu genótipo). Assim, é importante que as mulheres com PKU
recebam orientação adequada sobre gravidez. Idealmente, elas devem manter uma dieta pobre em fenilalanina no momento da concepção e
durante toda a gravidez.

Hiperfenilalaninemias são os defeitos mais comuns do metabolismo dos aminoácidos. A PKU clássica é causada por
mutações no gene que codifica a fenilalanina hidroxilase. Hiperfenilalaninemias são tratadas por meio da restrição da
ingestão de alimentos que contenham fenilalanina.

Tirosina
O aminoácido tirosina é o ponto de partida das vias principais de síntese de catecolaminas, hormônios da tireoide e pigmentos de melanina, e é
incorporado a muitas proteínas. Níveis elevados de tirosina no soro podem ser adquiridos (p. ex., disfunção hepatocelular grave) ou podem resultar
de um dos vários erros inatos do catabolismo existentes. A tirosinemia hereditária tipo 1 (HT1, de hereditary tyrosinemia type 1) é o defeito
metabólico mais comum e é causada por uma deficiência da enzima fumarilacetoacetato hidrolase (FAH, de fumarylacetoacetate hydrolase), que
faz o último passo no catabolismo da tirosina (Fig. 7-1). Acredita-se que o acúmulo do substrato da FAH, o fumarilacetoacetato, e seu precursor, o
maleilacetoacetato, seja mutagênico e tóxico para o fígado. Consequentemente, a HT1 é caracterizada por uma disfunção dos túbulos renais,
episódios agudos de neuropatia periférica e doença hepática progressiva, levando à cirrose e alto risco de desenvolvimento de câncer de fígado
(hepatocarcinoma).

QUADRO 7-1 Manejo Nutricional dos Erros Inatos do Metabolismo


O componente mais importante da terapia para muitos erros inatos do metabolismo é a manipulação da dieta. Isso geralmente inclui: restringir
substratos que são tóxicos, como carboidratos (p. ex., na galactosemia e no diabetes mellitus), gorduras (p. ex., na deficiência de MCAD) e
aminoácidos (p. ex., na PKU, na MSUD e nos defeitos do ciclo da ureia); evitar jejum; substituir cofatores deficientes (p. ex., vitaminas do complexo
B e carnitina); ou usar vias alternativas do catabolismo para eliminar substâncias tóxicas. Uma vez que muitas desordens metabólicas são
diagnosticadas em crianças, cujas necessidades nutricionais mudam rapidamente (às vezes, semanalmente), é imperativo fornecer às crianças
quantidades adequadas de calorias e nutrientes para o crescimento e o desenvolvimento normais. Assim, a responsabilidade de manter uma
dieta nutricional especial começa com os pais de uma criança afetada e muda para o filho quando ele ou ela é capaz de controlar sua dieta de
forma independente. Para a maioria das pessoas com doenças metabólicas, uma dieta especial deve ser mantida para o resto da vida. Isso resulta
em muitos desafios específicos que são frequentemente imprevisíveis, tanto para as famílias, quanto para os profissionais de saúde.
Consequentemente, é importante que o apoio e a orientação sejam fornecidos pelos nutricionistas da área clínica, gastroenterologistas,
psicólogos, aconselhadores genéticos, bioquímicos e geneticistas.

Por exemplo, os recém-nascidos com PKU são alimentados com uma dieta pobre em fenilalanina para evitar os efeitos da hiperfenilalaninemia
sobre o cérebro. O leite materno contém muita fenilalanina para ser usado como a única fonte de nutrientes. Portanto, muitos bebês são
alimentados com uma fórmula de baixo teor de fenilalanina, cara, que está disponível somente por prescrição como um “alimento médico”. 6*
Pequenas quantidades de leite materno podem ser misturadas com a fórmula, embora o leite materno deva ser ordenhado e cuidadosamente
titulado para evitar o fornecimento de quantidade excessiva de fenilalanina para o bebê. Os níveis séricos de fenilalanina são frequentemente
medidos e ajustes na dieta devem ser feitos para compensar o crescimento da criança, e se adequar às tolerâncias individuais de fenilalanina.
Essas intervenções podem perturbar a ligação materno-infantil e distorcer a dinâmica social de uma família.

Contudo, à medida que a criança com PKU cresce, substitutos alimentares pobres em proteínas são introduzidos para completar a fórmula (p.
ex., pães pobres em proteínas e massas). Para colocar isso em perspectiva, considere que uma criança de 10 anos de idade com PKU pode ingerir
de 300 a 500 mg de fenilalanina por dia. Assim, três ou quatro fatias de pão satisfariam regularmente as necessidades nutricionais da criança e o
limite de fenilalanina dietética, devido ao teor de proteína relativamente alto dos grãos. Alimentos com baixo teor de proteína tornam a dieta
mais substancial e variada. Na verdade, sete fatias de pão de baixa proteína contêm fenilalanina equivalente a um pedaço de pão normal. No
entanto, muitos desses alimentos têm odor, sabor, textura ou aparência que diferem muito dos alimentos contendo quantidades normais de
proteínas.

A ingestão de muitas frutas, gorduras e carboidratos é menos restrita (ver tabela a seguir). No entanto, a fenilalanina é encontrada
inesperadamente em muitos itens alimentares (p. ex., gelatina e cerveja). De fato, a FDA exige que os fabricantes rotulem os produtos que
contenham aspartame (um adoçante artificial comum, que contém fenilalanina), com um aviso para as pessoas com PKU.

Adolescentes com PKU, por vezes, têm dificuldade de socialização com os colegas porque suas restrições dietéticas limitam as escolhas
alimentares em restaurantes, eventos esportivos e festas. Os adultos com PKU devem consumir mais alimentos médicos do que consumiram na
infância em razão do seu tamanho e de suas necessidades proteicas. Mulheres com fenilcetonúria devem se submeter a uma dieta radical, com
restrição de fenilalanina durante toda a gravidez, porque a hiperfenilalaninemia é reconhecidamente teratogênica (ver texto). Erros inatos do
metabolismo representam doenças crônicas que são muitas vezes tratadas pela modificação substancial da dieta. Isso pode exigir mudanças
consideráveis no estilo de vida, trazendo dificuldades financeiras e emocionais das quais os profissionais da saúde precisam estar cientes.

Fontes de calorias das pessoas com PKU em diferentes idades. A quantidade de alimentos médicos consumidos, livres de proteínas e com baixo
teor de proteínas, aumenta com a idade, à medida que se torna maior a necessidade de energia e de ingestão proteica. (Cortesia de Kathleen
Huntington e Waggoner Diane, e da Oregon Health and Oregon Health Science University.)

Teor de Fenilalanina de Alguns Alimentos Comuns

Alimento Quantidade Fenilalanina (mg)


Peito de peru 1 xícara 1662
Alimento Quantidade Fenilalanina (mg)
Atum em água 1 xícara 1534

Feijão cozido 1 xícara 726

Leite desnatado (2% de gordura) 1 xícara 393

Leite de soja 30 gramas 46

Leite materno 30 gramas 14

Brócolis (cru) 3 colheres 28

Batata (cozida) 2 colheres 14

Melancia 1/2 xícara 12

Toranja (fresca) 1/4 fruta 13

Cerveja 180 gramas 11

Sobremesa de gelatina 1/2 xícara 36

*O Direito Público dos EUA (U.S. Public Law 100-290) define um alimento médico como um alimento que é formulado para ser consumido ou
administrado inteiramente sob a supervisão de um médico e que se destina ao manejo dietético específico de uma doença ou condição, para que as
necessidades nutricionais distintas, com base em reconhecidos princípios científicos, sejam estabelecidos por avaliação médica.

O manejo da HT1 inclui o tratamento de suporte, a restrição dietética de fenilalanina e tirosina, e a administração de 2-(nitro-4-
trifluorometilbenzoil)-1,3-ciclo-hexanodiona (NTBC) ou nitisinona, um inibidor da enzima 4-hidroxifenilpiruvato dioxigenase, que antecede a
FAH na via metabólica. O uso de NTBC, combinado a uma dieta pobre em tirosina, tem proporcionado melhora acentuada em crianças com HT1.
Os efeitos a longo prazo da NTBC ainda são obscuros, mas crianças que receberam esse tratamento por mais de 20 anos parecem estar bem. O
transplante de fígado pode ser curativo, mas normalmente é reservado a pessoas que não respondem a NTBC, ou que desenvolvem uma doença
maligna. Em experimentos com modelos em ratos para HT1, a terapia gênica (Capítulo 13) tem sido usada para fornecer ao fígado novas células
que apresentam expressão estável a longo prazo da FAH (hepatócitos FAH+). Como alguns hepatócitos FAH permanecem nesses fígados, contudo,
não está claro se o risco de carcinoma hepatocelular é reduzido. A terapia gênica para HT1 em humanos poderia substituir, um dia, as dietas
vitalícias e o tratamento farmacológico.
Mutações em FAH têm sido identificadas em muitas famílias. Uma mutação no sítio de splicing é bastante comum em canadenses franceses e
sua alta frequência é provavelmente a consequência do efeito do fundador (Capítulo 3). Essa mutação resulta em uma deleção in-frame em um
éxon, a qual é responsável pela remoção de uma série de aminoácidos criticamente importantes da FAH. Mutações de sentido trocado (missense) e
sem sentido (nonsense) do gene FAH também foram encontradas em pessoas com HT1.
A tirosinemia tipo 2 (tirosinemia oculocutânea) é causada por uma deficiência de tirosina aminotransferase. É caracterizada principalmente por
erosões da córnea, espessamento da pele nas regiões palmoplantares e deficiência intelectual variável. A tirosinemia tipo 3 está associada à
atividade reduzida da 4-hidroxifenilpiruvato dioxigenase e à disfunção neurológica. Apenas alguns poucos casos de pessoas afetadas têm sido
relatados.

A deficiência de FAH causa HT1. O acúmulo de substratos de FAH leva a disfunções neurológica, renal e hepática.
Embora o transplante hepático tenha sido a pedra angular do tratamento para HT1, foi provado que o uso de
medicamentos que bloqueiam a produção de FAH é eficaz.

Aminoácidos de Cadeias Ramificadas


Aproximadamente 40% dos aminoácidos essenciais pré-formados por mamíferos são aminoácidos de cadeia ramificada (BCAAs, de branched-
chain amino acids), tais como valina, leucina e isoleucina. BCAAs podem ser usados como fonte de energia por meio de uma via oxidativa que
utiliza um α-cetoácido como intermediário. A descarboxilação do α-cetoácido é mediada por um complexo enzimático multimérico chamado α-
cetoácido desidrogenase de cadeia ramificada (BCKAD, de branched-chain α-ketoacid dehydrogenase). O complexo BCKAD é composto por
pelo menos quatro componentes catalíticos e duas enzimas reguladoras, que são codificados por seis genes. A deficiência de qualquer um desses
seis componentes produz uma doença conhecida como doença da urina do xarope de bordo (MSUD, de maple syrup urine disease), assim
chamada por causa da urina das pessoas afetadas, que têm um odor de xarope de bordo.
A prevalência da MSUD na população geral é baixa, mas a MSUD é relativamente comum na comunidade menonita do Condado de Lancaster,
na Pensilvânia, onde cerca de uma em cada sete pessoas é portadora heterozigota. Todos esses portadores têm a mesma mutação causadora da
doença, em E1α, um dos loci que codificam o componente catalítico de BCKAD, e todos são descendentes de um casal que emigrou da Europa no
século XVIII. Esse é outro exemplo de efeito do fundador em uma pequena população relativamente isolada (Capítulo 3).
Os pacientes não tratados com MSUD acumulam BCAAs e seus cetoácidos associados, o que leva à neurodegeneração progressiva e morte nos
primeiros meses de vida. O tratamento da MSUD consiste em restrição dietética de BCAAs ao mínimo necessário para o crescimento normal.
Apesar do tratamento, a deterioração episódica é comum, e tratamentos de suporte são necessários durante as crises. Uma vez que o aumento da
atividade de BCKAD em apenas alguns pontos percentuais pode alterar o curso da doença substancialmente, a terapia com tiamina, um cofator de
BCKAD, é usada para tratar esses pacientes. A terapia gênica para MSUD também está sendo investigada.

A doença da urina do xarope de bordo é causada por defeitos na α-cetoácido desidrogenase de cadeia ramificada. O
acúmulo de BCAAs causa neurodegeneração progressiva e morte. O tratamento consiste na restrição da ingestão de
BCAAs para um nível mínimo.
A detecção precoce de defeitos de aminoácidos, associada a uma intervenção imediata, pode prevenir deficiência física grave e morte.
Aumentos moderados de atividade enzimática podem alterar drasticamente o curso de algumas aminoacidopatias, tornando-as boas candidatas
para terapia gênica de células somáticas.

Metabolismo de Lipídios
Lipídios (do grego, lipos, “gordura”) são um grupo heterogêneo de biomoléculas insolúveis em água e altamente solúveis em solventes orgânicos
(p. ex., clorofórmio). Eles constituem a estrutura básica dos fosfolipídios e esfingolipídios, que são componentes de todas as membranas
biológicas. Lipídios como o colesterol são constituintes de hormônios esteroides; agem como mensageiros intracelulares e servem como um
substrato energético. Os níveis elevados de lipídios séricos (hiperlipidemia) são comuns e resultam de mecanismos deficientes de transporte de
lipídios. Erros no metabolismo dos ácidos graxos (cadeias de hidrocarbonetos com um grupo carboxilato terminal) são muito menos comuns. No
entanto, a caracterização das hiperlipidemias (Capítulo 12), dos erros do metabolismo de ácidos graxos e dos defeitos da produção e do uso do
colesterol tem sido uma poderosa abordagem para a compreensão da base bioquímica do catabolismo de lipídios.

FIGURA 7-4 Resumo do metabolismo dos ácidos graxos: 1, entrada de ácidos graxos em uma célula; 2, ativação e transesterificação; 3, captação
mitocondrial; 4, oxidação via β-oxidação; 5, formação de corpos cetônicos. Observe que ácidos graxos de cadeia média podem atravessar a
membrana mitocondrial sem o transporte mediado por carnitina. CoA, coenzima A.

Durante o jejum e exercícios aeróbicos prolongados, os ácidos graxos são mobilizados do tecido adiposo e tornam-se um dos principais
substratos para a produção de energia no fígado, músculo esquelético e músculo cardíaco. Os principais passos nessa via incluem a captação e a
ativação de ácidos graxos pelas células, o transporte através das membranas mitocondriais externa e interna, e a entrada em espiral de β-oxidação
na matriz mitocondrial (Fig. 7-4). Defeitos em cada uma dessas etapas foram descritos em seres humanos, embora as desordens de oxidação dos
ácidos graxos (FAO, de fatty acid oxidation) sejam as mais comuns.

Ácidos Graxos
O erro inato mais comum do metabolismo dos ácidos graxos resulta da deficiência da enzima acil-CoA desidrogenase de cadeia média (MCAD,
de medium-chain acyl-coenzyme A dehydrogenase). A deficiência de MCAD é caracterizada por episódios de hipoglicemia, que é frequentemente
provocada por jejum (Comentário Clínico 7-1). Comumente, uma criança com deficiência de MCAD apresenta vômitos e letargia após um período
de ingestão oral diminuída devido a uma doença secundária (p. ex., doenças das vias respiratórias superiores e gastroenterites). O jejum resulta no
acúmulo de intermediários dos ácidos graxos, em incapacidade de produzir cetonas em quantidades suficientes para atender à demanda dos tecidos
e no esgotamento dos suprimentos de glicose. Edema cerebral e encefalopatia resultam dos efeitos diretos e indiretos de intermediários dos ácidos
graxos no sistema nervoso central. Frequentemente, os sintomas são seguidos de morte, a menos que uma fonte de energia utilizável, como a
glicose, seja fornecida de imediato. Entre esses episódios, as crianças com deficiência de MCAD muitas vezes apresentam exames normais. O
tratamento consiste em evitar o jejum, garantindo uma fonte adequada de calorias, e na prestação de tratamentos de suporte durante os períodos de
estresse nutricional.
Até o momento, a maioria dos pacientes com MCAD relatados origina-se do noroeste europeu e tem uma mutação missense c.985A>G, que
resulta na substituição de glutamato por lisina. Mutações adicionais de substituição, inserção e deleção têm sido identificadas, mas são muito
menos frequentes. A caracterização molecular do gene MCAD tornou possível oferecer o teste direto de DNA como uma ferramenta de
diagnóstico confiável e barato. Além disso, como a deficiência de MCAD atende aos critérios estabelecidos para a triagem neonatal (Capítulo 13),
os exames para essa doença têm sido adicionados a alguns programas existentes de triagem neonatal nos Estados Unidos e em outros países.
Ácidos graxos acil-CoA de cadeia longa são metabolizados em uma sequência de passos catalisados por um grupo de enzimas diferentes. O
primeiro passo é controlado pela acil-Coa desidrogenase de cadeia longa (LCAD, de long-chain acyl-Coa dehydrogenase). A segunda etapa é
catalisada por enzimas que fazem parte de um complexo enzimático chamado de proteína trifuncional mitocondrial (TFP, de mitochondrial
trifuncional protein). Uma das enzimas do TFP é a L-3-hidroxiacil-CoA desidrogenase de cadeia longa (LCHAD).
A deficiência de LCHAD é uma das doenças mais graves da FAO. Os primeiros casos relatados manifestaram-se como uma doença hepática
grave, variando da insuficiência hepática fulminante neonatal até uma destruição progressiva e crônica do fígado. Ao longo dos últimos 10 anos, o
fenótipo se expandiu e inclui cardiomiopatia, miopatia esquelética, doença da retina, neuropatia periférica e morte súbita. Suas características
clínicas e bioquímicas claramente a diferenciam de outras doenças da FAO. O tratamento consiste em evitar o jejum, usar uma dieta com baixo
teor de gordura, suplementação com triglicérides de cadeia média e, em alguns casos, suplementação com carnitina.
Na última década, diversas mulheres grávidas com feto afetado pela deficiência de LCHAD desenvolveram doenças graves do fígado,
chamadas de esteatose hepática aguda da gravidez (AFLP, de acute fatty liver of pregnancy) e síndrome HELLP (de hemolysis, elevated liver
function tests, low platelets – hemólise, testes de função hepática elevados e plaquetas baixas). Especula-se que a incapacidade do feto para
metabolizar ácidos graxos livres resulte no acúmulo de metabólitos anormais de ácidos graxos no fígado e na placenta materna. O acúmulo no
fígado pode causar anomalias observadas em mulheres com AFLP e HELLP. O acúmulo na placenta pode causar retardo no crescimento
intrauterino e aumentar a probabilidade de parto prematuro, que são comuns em crianças com deficiência de LCHAD.

Colesterol
Níveis plasmáticos elevados de colesterol foram associados a várias condições, especialmente à doença aterosclerótica do coração. Foi
demonstrado que reduzir substancialmente os níveis de colesterol pode afetar adversamente o crescimento e o desenvolvimento. A etapa final da
biossíntese

FIGURA 7-5 Uma criança com a síndrome de Smith-Lemli-Opitz. Observe a base nasal larga, a ponta do nariz arrebitada e as pregas epicânticas nos
cantos internos, que são características desse transtorno. (De Jones K: Smith’s Recognizable Patterns of Human Malformations, 6 ed, pp 116. Philadelphia:
Saunders, 2006.)

Em 1998, descobriu-se que a SLO resulta de mutações no gene DHCR7 e, até o momento, mais de 100 mutações diferentes no DHCR7 foram
encontradas. A maioria é de mutação missense que resulta na substituição de um resíduo altamente conservado da proteína. Triagens populacionais
para mutações nos alelos DHCR7 sugerem que a frequência de portadores em populações de ascendência europeia é de 3% a 4%. Esta frequência
elevada sugere que a incidência da SLO deve ser muito maior do que é observada comumente. Uma explicação é que algumas gestações com fetos
acometidos resultam em aborto e a SLO não é detectada em alguns pacientes levemente afetados. Suplementar a dieta de crianças afetadas pela
SLO com colesterol pode melhorar o crescimento e os problemas de alimentação, embora o efeito sobre o desenvolvimento cognitivo seja menos
claro.

A apresentação clínica de crianças com defeitos do metabolismo dos lipídios varia de deterioração lenta à morte súbita.
A deficiência de MCAD é a mais comum desses transtornos. A maioria das pessoas afetadas pode ser diagnosticada por
meio de análise bioquímica de uma gota de sangue seco ao nascimento.

Hormônios Esteroides
O colesterol é o precursor de várias das principais classes de hormônios esteroides, incluindo os glicocorticoides (p. ex., cortisol),
mineralocorticoides (p. ex., aldosterona), androgênios (p. ex., a testosterona) e estrogênios (Fig. 7-6). As ações desses hormônios esteroides
geralmente são mediadas pela ligação a um receptor intracelular, e esses complexos receptor-ligante têm inúmeros efeitos sobre uma vasta gama
de processos fisiológicos. Defeitos na síntese de hormônios esteroides e seus receptores podem causar uma grande variedade de anormalidades.
A hiperplasia adrenalcongênita (CAH, de congenital adrenal hyperplasia) é constituída por um grupo de doenças da biossíntese do cortisol,
autossômicas recessivas e geneticamente heterogêneas. Aproximadamente 95% dos casos de CAH são causados por mutações no gene CYP21A2,
o gene que codifica a 21-hidroxilase, sendo caracterizados pela deficiência de cortisol, deficiência variável de aldosterona e excesso de
androgênios. A incidência global da deficiência da 21-hidroxilase é de cerca de uma em 15.000; portanto, a frequência de portadores é de cerca de
um em cada 60 pessoas. No entanto, a incidência de CAH é muito variável entre os diferentes grupos étnicos. Por exemplo, entre os Yupic do
Alasca, a incidência é de um em 280.
A gravidade clínica de CAH é muito variável e depende da proporção da atividade residual da 21-hidroxilase. A forma grave ou clássica é
caracterizada por uma produção excessiva de precursores do cortisol e, portanto, excesso de androgênios adrenais. Além disso, a deficiência de
aldosterona leva à perda de sal. Nas formas mais leves, é produzido cortisol suficiente, mas ainda há excesso de produção de androgênios.
Geralmente, crianças do sexo feminino com CAH têm genitália externa indiferenciada (Fig. 7-7) ao nascimento devido à exposição intrauterina a
altas concentrações de androgênios, sendo a CAH a causa mais comum de genitália externa indiferenciada em crianças 46,XX. Os meninos com
CAH têm genitália normal ao nascer; assim, a idade do diagnóstico depende da gravidade da deficiência da aldosterona. A maioria dos meninos
tem a forma perdedora de sal da CAH e normalmente entre sete e 14 dias de idade apresentam uma crise adrenal, manifesta por perda de peso,
letargia, desidratação, hiponatremia (diminuição da concentração plasmática de Na+) e hipercalemia (aumento da concentração plasmática de K+).
Caso a CAH não seja tratada, o paciente poderá morrer rapidamente. A crise adrenal é menos comum nas meninas porque sua genitália
indiferenciada tipicamente leva a um diagnóstico e intervenção precoces.
Os meninos que não têm a forma perdedora de sal da CAH apresentam, em idades entre dois e quatro anos, uma virilização precoce. Pessoas
com CAH não clássica ou branda não têm deficiência de cortisol, mas manifestam os sintomas na infância ou na idade adulta, causados por níveis
elevados de androgênios, incluindo desenvolvimento puberal precoce, hirsutismo (aumento do crescimento de pelos em mulheres, em áreas onde o
cabelo é geralmente fino), amenorreia ou oligomenorreia e ovários policísticos ou acne.
O tratamento da CAH consiste na substituição de cortisol, suprimindo a secreção de androgênios adrenais e fornecendo mineralocorticoides
para que as concentrações de eletrólitos voltem ao normal. O tratamento cirúrgico das crianças nascidas com genitália indiferenciada é complexo e
um tanto controverso, mas a maioria das meninas com CAH se identifica como do sexo feminino, e a cirurgia para feminização durante

FIGURA 7-6 Resumo da síntese de esteroides. Enzimas envolvidas na produção de cortisol, aldosterona e testosterona estão indicadas. (Modificado de
Turnpenny P: Emery’s Elements of Medical Genetics, 13th ed. Philadelphia: Churchill Livingstone, 2007.)

o primeiro ano de vida é o procedimento padrão. Em gestações em que o feto tem risco de ser afetado pela CAH clássica, esteroides são
administrados à mãe para suprimir o excesso de androgênios fetais e reduzir a incidência de genitália externa indiferenciada em recém-nascidos
afetados do sexo feminino.
O gene CYP21A2 está localizado no cromossomo 6p21 dentro do complexo principal de histocompatibilidade (MHC; Capítulo 9). Mais de 75%
12
dos alelos mutantes de CYP21A2 são originados por conversão gênica em que as mutações deletérias são transferidas para CYP1A2. Essas
mutações resultam em um produto proteico que perde a atividade normal da 21-hidroxilase.
A hiperplasia adrenal congênita é um defeito relativamente comum da síntese do cortisol, que provoca a
masculinização da genitália no sexo feminino e a virilização precoce no sexo masculino. É geralmente causada pela
redução da atividade da 21-hidroxilase.

Receptores de Hormônios Esteroides


Os defeitos da maioria dos receptores de hormônios esteroides são raros. Por exemplo, defeitos do receptor de estrogênio têm sido encontrados em
um pequeno número de pessoas nas quais o fechamento epifisário falha e resulta em estatura elevada. Mutações no gene que codifica o receptor de
glicocorticoides podem produzir resistência hereditária às ações do cortisol.
Em contraste, mutações no gene ligado ao cromossomo X que codifica o receptor de androgênio (AR) são relativamente comuns. Essas
mutações normalmente resultam em síndromes de insensibilidade completa ou parcial ao androgênio (CAIS ou PAIS, de complete ou parcial
androgen insensitivity syndrome), em pessoas 46,XY. A CAIS foi chamada, no passado, de “síndrome da feminização testicular” e é caracterizada
por uma genitália externa tipicamente feminina ao nascer, com estruturas müllerianas ausentes ou rudimentares (p. ex., tubas uterinas, útero e colo
do útero), vagina curta sem o terço posterior, testículos na região inguinal ou labial e características sexuais secundárias reduzidas ou ausentes. As
pessoas com PAIS podem apresentar genitália externa indiferenciada, localização variada dos testículos e ausência ou não de características
sexuais secundárias. Quase todas as pessoas afetadas são inférteis.

FIGURA 7-7 Uma criança 46,XX com hiperplasia adrenalcon­gênita. A genitália externa é virilizada com enrugamento e fusão parcial das pregas labiais.
As gônadas não são palpáveis; útero e ovários foram visualizados por ultrassonografia. (Cortesia de Melissa Parisi, Universidade de Washington.)

A CAIS e a PAIS são transmitidas como padrão recessivo ligado ao cromossomo X. Mais de 95% das pessoas com CAIS têm mutações no
gene AR e, até o momento, centenas de mutações diferentes foram encontradas. Acredita-se que a maioria dessas mutações prejudique os domínios
de ligação de androgênios ou a ligação do receptor de androgênio ao DNA. A expansão de um domínio de poliglutamina no receptor de
androgênio causa uma desordem genética completamente diferente chamada atrofia muscular bulbar espinal (Capítulo 5).

Enzimas Peroxissômicas
Peroxissomos são organelas que contêm mais de 50 enzimas que catalisam funções metabólicas de síntese e de degradação relacionadas
principalmente ao metabolismo de lipídios. As doenças peroxissômicas são geralmente divididas em dois grupos: doenças de biogênese de
peroxissomos (PBDs, de peroxisome biogenesis disorders) e deficiências de uma única enzima peroxissômica (PEDs, de peroxisomal enzyme
deficiencies).
O grupo de PBD compreende quatro doenças: síndrome de Zellweger, adrenoleucodistrofia neonatal, doença de Refsum infantil e
condrodisplasia punctata rizomélica tipo 1. A síndrome de Zellweger é a mais grave e se manifesta em recém-nascidos com hipotonia grave,
doença progressiva da substância branca do cérebro, aparência facial característica e, normalmente, óbito na infância. As crianças com
adrenoleucodistrofia neonatal têm sintomas semelhantes, mas menos graves, juntamente com convulsões. A doença de Refsum infantil é menos
grave do que a síndrome de Zellweger e a adrenoleucodistrofia neonatal, mas as crianças afetadas têm atraso no desenvolvimento e deficiência
intelectual, auditiva e visual.
As PBDs são causadas por mutações nos genes que codificam peroxinas. Tais proteínas são necessárias tanto para a biogênese do peroxissomo
quanto para a importação de proteínas da matriz e da membrana peroxissomal. Até o momento, mutações em mais de uma dúzia de diferentes
genes que codificam peroxinas têm sido descobertas, e elas podem causar a síndrome de Zellweger em muitos desses genes, a adrenoleucodistrofia
neonatal ou a doença de Refsum infantil.
Quase uma dúzia de PEDs diferentes foi descrita até o momento, e as pessoas com essas deficiências enzimáticas têm características clínicas
amplamente diferentes, dependendo de qual função peroxissômica é principalmente afetada. Uma das mais comuns é a adrenoleucodistrofia ligada
ao X (ALD, que envolve uma β-oxidação defeituosa dos ácidos graxos de cadeia muito longa (VLCFA, de very long chain fatty acids). A ALD é
subdividida em diversas desordens, dependendo, em parte, da idade de início. Delas, a forma cerebral infantil da ALD, ou CCALD (de childhood
cerebral X-linked adrenoleukodystrophy), e a adrenomieloneuropatia (AMN) representam as doenças mais comuns. A CCALD manifesta-se
tipicamente entre três e 10 anos de idade, com deterioração cognitiva e comportamental progressiva que leva à deficiência profunda. A AMN
causa sintomas neurológicos semelhantes, mas menos graves, surgindo em idades muito mais avançadas e com uma taxa mais lenta de progressão.
Ao contrário de muitas doenças recessivas ligadas ao X, 40% a 50% das mulheres que são heterozigotas para ALD desenvolvem sintomas
semelhantes aos da AMN.

Os defeitos nos peroxissomos causam uma grande variedade de problemas neurológicos em crianças e adultos, desde
sintomas relativamente suaves e lentamente progressivos até graves e fatais.

Vias de Degradação
A maioria das biomoléculas é dinâmica, sendo recicladas continuamente como parte do estado normal do metabolismo de uma célula. Moléculas
formadas são degradadas em seus constituintes para produzir substratos para a construção de novas moléculas. Os subprodutos da produção de
energia, as conversões de substrato e o anabolismo também precisam ser processados e eliminados. Erros nessas vias de degradação resultam no
acúmulo de metabólitos que deveriam ter sido reciclados ou eliminados.

Doenças de Depósito Lisossômico


As doenças de depósito lisossômico são protótipos dos erros inatos do metabolismo: a doença resulta do acúmulo de substrato. As enzimas
lisossômicas catalisam a degradação progressiva de esfingolipídios, glicosaminoglicanos (mucopolissacarídeos), glicoproteínas e glicolipídios. O
acúmulo (armazenamento) de moléculas não degradadas causa disfunção nas células, nos tecidos e nos órgãos. A maioria das doenças
lisossômicas é causada pela deficiência de uma enzima, embora algumas ocorram devido à incapacidade de ativação enzimática ou de transporte
da enzima para o compartimento subcelular onde ela funciona adequadamente. Muitas das doenças de depósito lisossômico são encontradas com
uma alta prevalência inesperada em várias populações étnicas, como resultado de efeito do fundador, deriva genética e possível seleção natural
(Capítulo 3).

Mucopolissacaridoses
As mucopolissacaridoses (MPS) são um grupo heterogêneo de condições causadas por uma redução da capacidade para degradar um ou mais
glicosaminoglicanos (p. ex., sulfato de

TABELA 7-3 Mucopolissacaridoses*

NOME ENZIMA MUTADA CARACTERÍSTICAS CLÍNICAS

Hurler-Scheie α-l-iduronidase Face grosseira, hepatoespleno-megalia, opacificação da córnea, disostose múltipla,


(MPS-I) deficiência intelectual†
Hunter (MPS-II) Iduronato sulfatase Face grosseira, hepatoespleno-megalia, disostose múltipla, deficiência intelectual,
problemas comportamentais

Sanfilippo A MPS- Heparan-N-sulfamidase Problemas comportamentais, disostose múltipla, deficiência intelectual


IIIA

Sanfilippo B α-N-acetilglicosa-minidase Problemas comportamentais, disostose múltipla, deficiência intelectual

Sanfilippo C MPS- Acetil-CoA:α-glicosaminida N- Problemas comportamentais, disostose múltipla, deficiência intelectual deficiência
IIIC acetiltransferase intelectual

Sanfilippo D MPS- N-acetilglicosamina-6-sulfatase Problemas comportamentais, disostose múltipla, deficiência intelectual


IIID

Morquio A MPS- N-acetilglicosamina-6-sulfatase Baixa estatura, displasia óssea, perda de audição


IVA

Morquio B MPS- β-galactosidase Baixa estatura, displasia óssea, perda de audição


IVB

Maroteaux-Lamy Aril sulfatase B Baixa estatura, opacificação da córnea, doença valvar cardíaca, disostose múltipla
MPS-VI

Sly β-glicuronidase Face grosseira, hepatoespleno-megalia, opacificação da córnea, disostose múltipla

* A síndrome de Hunter é uma doença recessiva ligada ao X; as outras MPS são doenças autossômicas recessivas.
† A disostose múltipla é um quadro característico de alterações ósseas, incluindo espessamento dos ossos do crânio, espessamento anterior das costelas,
anomalias vertebrais, encurtamento e espessamento dos ossos longos.

dermatan, sulfato de heparan, sulfato de queratan e sulfato de condroitina). Esses glicosaminoglicanos são produtos da degradação de
proteoglicanos encontrados na matriz extracelular. Dez deficiências enzimáticas diferentes causam seis MPS diferentes, que compartilham muitos
aspectos clínicos (Tabela 7-3), mas podem ser distinguidas umas das outras por análises clínicas, bioquímicas e moleculares. Há ensaios
disponíveis que medem a atividade enzimática em fibroblastos, leucócitos, no soro, ou em amostras de sangue seco, para cada tipo de MPS, e
exames pré-natais após amniocentese ou amostra de vilosidade coriônica (Capítulo 13) são possíveis. Exceto a síndrome de Hunter, que tem
herança ligada ao X, todas as MPS são herdadas de forma autossômica recessiva.
Todas as MPS são caracterizadas pela deterioração multissistêmica crônica e progressiva, que causa disfunção da audição, da visão, das
articulações e do sistema cardiovascular (Fig. 7-8). A síndrome de Hurler, uma forma grave da síndrome de Hunter e a síndrome de Sanfilippo são
caracterizadas pela deficiência intelectual, enquanto nas demais MPS a cognição é normal.
A deficiência da iduronidase (MPS I) é típica das MPS. Ela produz um espectro de fenótipos que tem sido tradicionalmente delimitado em três
grupos — síndromes de Hurler, de Hurler-Scheie e de Scheie — que se manifestam em nível grave, moderado e leve da doença, respectivamente.
As MPSI não podem ser diferenciadas entre si pela mensuração da atividade enzimática; portanto, o fenótipo MPS I é geralmente atribuído com
base em critérios clínicos. O gene da iduronidase foi clonado e possíveis correlações genótipo-fenótipo poderão levar a uma classificação mais
precisa e precoce.
A síndrome de Hunter (MPS II) é causada por uma deficiência da iduronato sulfatase. Ela é classificada em fenótipos graves e leves com base
na avaliação clínica. O início da doença ocorre geralmente entre dois e quatro anos de idade. As crianças afetadas têm aspectos faciais grosseiros,
baixa estatura, deformidades ósseas, rigidez articular e deficiência intelectual. O gene que codifica a iduronato sulfatase é composto por nove
éxons, ao longo de 24 kb. Vinte por cento de todas as mutações identificadas são deleções grandes e a maior parte das demais são mutações
missense e nonsense.
Por anos o tratamento sintomático foi utilizado como padrão terapêutico para MPS. Mais recentemente, a restauração da atividade da enzima
endógena tem sido conseguida por transplante de medula óssea (BMT, bone marrow transplantation) ou pela reposição enzimática com uma
enzima recombinante. O BMT tornou-se a base do tratamento para pessoas com síndrome de Hurler e demonstrou melhorar as características
faciais grosseiras, a obstrução das vias aéreas superiores e a doença cardíaca. Adicionalmente, há indícios de redução da deterioração neurológica,
embora os resultados a longo prazo ainda estejam sendo investigados. O BMT tem sido menos bem-sucedido em outras MPS. Em geral, o BMT
também está associado à significativa morbidade e mortalidade. A reposição enzimática para a síndrome de Hurler foi aprovada pela U.S. Food
and Drug Administration, em 2003 e têm sido observadas melhoras na hepatoesplenomegalia e na doença respiratória. Os primeiros estudos de
reposição enzimática na síndrome de Hunter (MPS II) e síndrome de Maroteaux-Lamy (MPS VI) são promissores.

Defeitos na degradação de glicosaminoglicanos causam um grupo heterogêneo de doenças chamado


mucopolissacaridoses (MPS). Todas as MPS são caracterizadas por uma deterioração multissistêmica progressiva,
causando disfunções da audição, visão, articulação e do sistema cardiovascular. Essas doenças podem ser diferenciadas
por estudos clínicos, bioquímicos e moleculares.

Esfingolipidoses (Doenças de Armazenamento de Lipídios)


Defeitos na degradação de esfingolipídios (esfingolipidoses) resultam no seu acumulo gradual, levando à disfunção de múltiplos órgãos (Tabela 7-
4). A deficiência da enzima lisossômica glicosilceramidase (também conhecida como glicocerebrosidase ou β-glicosidase ácida), provoca um
acúmulo da glicosilceramida, resultando em doença de Gaucher. Tal condição é caracterizada por visceromegalia (aumento dos órgãos viscerais),
falência de múltiplos órgãos e doença esquelética debilitante. A doença de Gaucher tem sido tradicionalmente dividida em três subtipos que
podem ser diferenciados por suas características clínicas. O tipo 1 é o mais comum e não envolve o sistema nervoso central. O tipo 2 é o mais
grave, levando muitas vezes à morte nos primeiros dois anos de vida. O tipo 3 tem gravidade intermediária entre as outras duas formas. Na prática,
os fenótipos clínicos se Gaucher é tão amplo que varia de morte intrauterina até a permanência do estado assintomático, mesmo em pessoas em
idade avançada.

FIGURA 7-8 A, Um menino com mutação na α-l-iduronidase, que causa a síndrome de Hurler. Observe suas características faciais grosseiras, postura
encurvada, dedos grossos e abdome protuberante. B, Camundongo transgênico com uma inativação sítio-específica no gene que codifica a α-l-
iduronidase. A face progressivamente grosseira é visualizada em ratos com crescimento entre oito (à esquerda), até 52 semanas de vida (à direita).
(Cortesia de Dr. Lorne Clarke, University of British Columbia.)
TABELA 7-4 Doenças de Armazenamento Lisossômico*

NOME ENZIMA MUTADA CARACTERÍSTICAS CLÍNICAS

Tay-Sachs β-hexosaminidase Hipotonia, espasticidade, convulsões, cegueira


(isoenzima A)

Gaucher (tipo 1; não β-glicosidase Esplenomegalia, hepatomegalia, infiltração da medula óssea; cérebro normalmente
neuropática) não afetado

Niemann-Pick, tipo 1A Esfingomielinase Hepatomegalia, opacidade corneana, deterioração neurológica

Fabry α-galactosidase Parestesia das mãos e dos pés, distrofia da córnea, hipertensão, insuficiência renal,
miocardiopatia

Gangliosidose GM1 β-galactosidase Organomegalia, disostose múltipla†, insuficiência cardíaca


(infantil)

Krabbe β-galactosidase Hipertonicidade, cegueira, surdez, convulsões, atrofia cerebral (galactosilceramida-


específica)

Leucodistrofia Aril sulfatase A Ataxia, fraqueza, cegueira, atrofia cerebral (infantil tardia)
metacromática

Sandhoff β-hexosaminase (total) Atrofia óptica, espasticidade, convulsões

Schindler α-N- Convulsões, atrofia óptica, deficiência intelectual


acetilgalactosaminidase

Deficiência múltipla de Aril sulfatases A, B, C Deficiência intelectual, características faciais grosseiras, fraqueza, hepato-
sulfatases esplenomegalia, disostose múltipla

* Entre as doenças de armazenamento lisossômico incluídas neste quadro, a síndrome de Fabry é recessiva ligada ao cromossomo X, enquanto as restantes
são autossômicas recessivas.
+ Disostose múltipla é um padrão característico de alterações ósseas, incluindo espessamento dos ossos do crânio, espessamento anterior das costelas,
anomalias vertebrais e encurtamento e espessamento dos ossos longos.

A extensão do comprometimento dos órgãos de um paciente afetado pela doença de Gaucher determina o curso clínico da doença.
Esplenomegalia, hepatomegalia e doença pulmonar estão presentes entre todos os três tipos clínicos da doença de Gaucher. A esplenomegalia está
associada à anemia, à leucopenia e à trombocitopenia, enquanto o infarto esplênico pode causar dor abdominal. A hepatomegalia pode causar
disfunção hepática, mas cirrose e insuficiência hepática são incomuns.
A doença de Gaucher é causada por mais de 200 mutações diferentes no gene GBA, que codifica a enzima glicosilceramidase. A frequência dos
alelos que causam a doença de Gaucher tipo 1 é particularmente elevada em judeus asquenazes, nos quais cinco alelos comuns são responsáveis
por 97% de todas as mutações. Pessoas com o mesmo genótipo podem ter efeitos clínicos muito diferentes. No entanto, pessoas com pelo menos
um alelo p.N370S, um dos alelos mais comuns, não desenvolvem a doença neurológica primária e tendem a ter, em geral, um quadro mais suave.
Tradicionalmente, o tratamento de pessoas com doença de Gaucher é amplamente de suporte (p. ex., esplenectomia, para o hiperesplenismo, e
transfusões de sangue para a anemia). Contudo, a reposição enzimática pode melhorar os sintomas decorrentes do comprometimento do baço, do
fígado e ósseo em Gaucher tipo 1. Mas, a eficácia da reposição enzimática para o tratamento de sintomas neurológicos permanece limitada, uma
vez que a ezima não atravessa a barreira hematoencefálica. Algumas pessoas com comprometimento grave, particularmente condições
neurológicas crônicas, beneficiam-se com o BMT. As enzimas que atuam nos lisossomos são sinalizadas e transportadas para o espaço lisossômico
por vias específicas. A sinalização é mediada por receptores na membrana do aparelho de Golgi que se ligam aos resíduos de manose-6-fosfato,
que são reconhecidos por marcadores ligados às enzimas (p. ex., uma modificação pós-tradução). A síntese desses marcadores de reconhecimento
é deficiente na doença de célula I (mucolipidose II), assim chamada porque foram observadas, por microscopia ótica, inclusões no citoplasma de
fibroblastos de pessoas afetadas. Essas inclusões representam oligossacarídeos parcialmente degradados, lipídios e glicosaminoglicanos. Como
consequência da deficiência de marcadores de reconhecimento, enzimas lisossômicas recém-sintetizadas são secretadas para o espaço extracelular
em vez de serem corretamente direcionadas para os lisossomos. Pessoas com a doença de célula I apresentam características faciais grosseiras,
anormalidades esqueléticas, hepatomegalia, opacidade corneana, deficiência intelectual e morte precoce. Não há tratamento específico para a
doença de célula I.

Muitas enzimas lisossômicas diferentes catalisam a degradação de esfingolipídios, glicosaminoglicanos, glicoproteínas


e glicolipídios. Se não tratada, a deficiência de uma enzima lisossômica provoca acúmulo do substrato, visceromegalia,
disfunção orgânica e morte prematura. Já foram clonados genes que codificam muitas das enzimas lisossômicas e o
tratamento com transplante de medula óssea e terapia de reposição enzimática funciona para algumas condições.

Transtornos do Ciclo da Ureia


A principal função do ciclo da ureia é prevenir o acúmulo de resíduos nitrogenados, incorporando o nitrogênio à ureia, que é subsequentemente
excretada pelos rins. Além disso, o ciclo da ureia é responsável pela síntese de novo de arginina. O ciclo da ureia consiste em cinco reações
bioquímicas principais (Fig. 7-9); defeitos em cada uma dessas etapas já foram descritos em seres humanos.
FIGURA 7-9 Diagrama esquemático do ciclo da ureia. AS, argininossuccinase; ASA, argininossuccinato sintetase; CoA, coenzima A; CPS, carbamil
fosfato sintetase; NAGS, N-acetilglutamato sintetase; OTC, ornitina transcarbamilase.

Deficiências de carbamil fosfato sintetase (CPS), ornitina transcarbamilase (OTC), argininossuccinato sintetase (ASA) e argininossuccinase
(AS) resultam no acúmulo de precursores da ureia, como amônia e glutamina. Consequentemente, os aspectos clínicos de pessoas com
deficiências de CPS, OTC, ASA e de AS são semelhantes, produzindo letargia progressiva e coma, de forma semelhante aos sintomas clínicos da
síndrome de Reye. Os sintomas podem iniciar-se no período neonatal ou em qualquer momento posterior, e a gravidade mostra grande
variabilidade interfamiliar. Em contraste, a deficiência de arginase causa tetraplegia espástica progressiva e deficiência intelectual. O diagnóstico
diferencial dessas doenças baseia-se em testes bioquímicos.
Cada uma dessas condições, exceto a deficiência de OTC, é herdada com padrão autossômico recessivo. Embora a deficiência de OTC seja
uma doença recessiva ligada ao X, as mulheres podem ser portadoras sintomáticas, dependendo, em parte, da fração de hepatócitos nos quais o
alelo normal está inativado. O objetivo da terapia para essas doenças é prevenir a hiperamonemia com uma dieta pobre em proteínas, fornecendo
calorias suficientes para o crescimento e o desenvolvimento normais. As pessoas afetadas geralmente necessitam de fármacos que eliminam
amônia, como fenilbutirato de glicerol, fenilbutirato sódico, ou benzoato de sódio, assim como suplementação com citurlina ou arginina. A
hiperamonemia aguda é tratada com hemodiálise, fenilacetato sódico e benzoato de sódio.
A deficiência de OCT, uma condição ligada ao X, é a mais prevalente das doenças do ciclo da ureia e, portanto, tem sido intensamente
estudada. Uma variedade de deleções de éxons e mutações missense tem sido descritas, além de mutações que afetam o processamento do RNA.

O ciclo da ureia consiste em cinco reações bioquímicas principais que convertem produtos metabólitos nitrogenados
em ureia, que posteriormente será excretada pelos rins. Defeitos enzimáticos nessa via, quando não tratados, levam ao
acúmulo de precursores de ureia, comprometimento neurológico progressivo e morte. Os genes relacionados à maioria
dessas alterações já foram clonados, incluindo o gene do defeito mais comumente observado, a deficiência de ornitina
transcarbamilase (OTC) ligada ao cromossomo X.

Produção de Energia
A energia para as atividades celulares pode ser produzida a partir de muitos substratos diferentes, incluindo glicose, cetonas, aminoácidos e ácidos
graxos. O catabolismo desses substratos exige a sua clivagem em moléculas menores (por meio de processos como o ciclo do ácido cítrico ou a
βoxidação), seguida pela passagem de íons de hidrogênio através do sistema da fosforilação oxidativa (OXPHOS, de oxidative phosphorylation).
Alternativamente, alguns substratos são processados anaerobicamente.
O sistema da OXPHOS consiste em cinco complexos multiproteicos que transferem elétrons para o O2. Esses complexos são compostos por
mais de 100 polipeptídeos e estão localizados na membrana mitocondrial interna. Treze desses polipeptídeos são codificados pelo genoma
mitocondrial (Fig. 5-14), enquanto o restante é codificado por genes nucleares. Assim, a estrutura e o funcionamento do sistema da OXPHOS
exigem transporte e sinalização contínuos entre o núcleo e a mitocôndria. A regulação da OXPHOS é mediada por uma variedade de fatores,
incluindo o fornecimento de O2, os níveis hormonais e controle transcricional induzido por metabólito.
Mais de 20 doenças caracterizadas por defeitos na OXPHOS são causadas por substituições, inserções ou deleções no genoma mitocondrial e
são maternalmente herdadas (Capítulo 5). Além disso, genes nucleares que podem causar deleções ou depleções do DNA mitocondrial (mtDNA)
foram isolados, e essas alterações são herdadas com padrão autossômico recessivo. Mutações em genes que afetam o sistema da OXPHOS
produzem fenótipos muito complexos, como consequência das diferentes exigências metabólicas dos vários tecidos e sistemas, em estágios
distintos do desenvolvimento.
Flavoproteína transportadora de elétrons (ETF, de electron transfer flavoprotein) e ETF-ubiquinona oxidorredutase (ETF-QO) são proteínas
codificadas no núcleo, através das quais os elétrons podem entrar no sistema da OXPHOS. Defeitos herdados em qualquer uma dessas proteínas
provocam acidemia glutárica tipo II, que é caracterizada por hipotonia, hepatomegalia, hipoglicemia hipocetótica ou não cetótica e acidose
metabólica. A maioria das pessoas afetadas apresenta os sintomas no período neonatal ou pouco depois e, apesar da terapia agressiva, as crianças
afetadas geralmente morrem nos primeiros meses.
Na maioria dos tecidos, o metabolismo do piruvato é feito pela piruvato desidrogenase, do ciclo do ácido cítrico e do sistema da OXPHOS.
Entretanto, em tecidos com alta atividade glicolítica e uma capacidade de fosforilação oxidativa reduzida ou ausente, os produtos finais do
metabolismo são piruvato e ácido láctico (Fig. 7-3). O lactato é produzido pela redução do piruvato, e o volume de circulação de lactato é
normalmente absorvido pelo fígado e convertido em glicose. Defeitos nas vias do metabolismo do piruvato produzem acidemia lática. O mais
comum de tais distúrbios é a deficiência do complexo da piruvato desidrogenase (PDH). Isso pode ser causado por mutações nos genes que
codificam um dos cinco componentes do complexo PDH: E1, E2, E3, X-lipoato ou fosfatase da PDH. Essas desordens são caracterizadas por
diferentes graus de acidemia lática, atraso no desenvolvimento e anomalias do sistema nervoso central. Tem sido sugerido que as características
faciais de algumas crianças com deficiência de PDH assemelham-se àquelas de crianças com síndrome alcoólica fetal (Comentário Clínico 15-5,
no Capítulo 15). Também foi proposto que o acetaldeído da circulação de mães alcoolistas inibe a PDH no feto, criando uma fenocópia da
deficiência de PDH.

O fenótipo produzido por defeitos do metabolismo energético é complexo por causa das diferentes demandas
oxidativas de diferentes tecidos e órgãos. Uma vez que a doença é diagnosticada, o objetivo do tratamento é usar vias
alternativas para a produção de energia.

Sistemas de Transportes
O eficiente movimento de moléculas entre os compartimentos (p. ex., organelas, células e ambiente) e, portanto, através de uma barreira, muitas
vezes requer uma macromolécula que conecta os compartimentos e medeia esse transporte. Anomalias dos sistemas de transportes têm diversos
efeitos, dependendo se a integridade da barreira é alterada ou se o acúmulo de substrato tem um impacto maior sobre a fisiologia normal.

Cistina
A cistina é o derivado dissulfeto do aminoácido cisteína. O transporte anormal de cistina pode produzir duas doenças: cistinúria e cistinose. Ambas
são herdadas de forma autossômica recessiva.
O transporte anormal de cistina entre as células e o meio extracelular causa cistinúria, uma das doenças hereditárias do metabolismo mais
comuns. Embora a cistinúria produza uma morbidade substancial, a morte precoce é rara. A cistinúria é uma doença geneticamente heterogênea,
causada por um defeito do transporte de aminoácidos dibásicos, afetando as células epiteliais do trato gastrointestinal e túbulos renais. Como
resultado, cistina, lisina, arginina e ornitina são excretadas na urina em quantidades acima do normal. A cistina é o mais insolúvel dos aminoácidos
e, portanto, a taxa elevada de cistina na urina predispõe à formação de cálculos renais (pedras nos rins). As complicações da litíase renal crônica
(presença de pedras nos rins) incluem infecções, hipertensão arterial e insuficiência renal. O tratamento de cistinúria consiste, em grande parte, em
tornar a cistina mais solúvel. Isto é conseguido por meio da administração de quantidades farmacológicas de água (4–6 L/dia), alcalinização da
urina e uso de agentes quelantes tais como penicilamina.
Com base em estudos de excreção de aminoácidos, a cistinúria foi dividida em três fenótipos. A cistinúria tipo I tem sido associada a mutações
missense e nonsense, e a deleções em um gene denominado transportador de aminoácido membro 1, da família transportadora solúvel 3
(SLC3A1). As cistinúrias tipos II e III são causadas por mutações em um gene chamado SLC7A9. Os genes SLC3A1 e SLC7A9 codificam as
subunidades leves e pesadas do transportador de aminoácidos b0,+ localizadas na borda em escova, da membrana plasmática das células epiteliais,
dos túbulos proximais do rim. Estudos in vitro das proteínas SLC3A1 e SLC7A9 mutantes demonstraram uma redução acentuada na atividade de
transporte, fornecendo a evidência direta para o papel dessas proteínas na cistinúria.
A cistinose é uma doença rara causada por uma capacidade diminuída do transporte de cistina através da membrana lisossômica. Isso produz
um acúmulo de cristais de cistina no lisossomo da maioria dos tecidos. As pessoas afetadas são normais ao nascimento, mas desenvolvem
distúrbios eletrolíticos, cristais de córnea, raquitismo e deficiência de crescimento por volta de um ano de idade. O dano renal glomerular é grave o
suficiente para serem necessários diálise ou transplante na primeira década de vida. Os rins transplantados funcionam normalmente, mas ocorrem
complicações crônicas como diabetes mellitus, insuficiência pancreática, hipogonadismo, miopatia e cegueira. Até recentemente, o tratamento era
principalmente de suporte, incluindo o transplante renal. No entanto, agentes destruidores de cisteína, como cisteamina, tiveram êxito em retardar
a deterioração renal e melhorar o crescimento. Uma cisteamina de longa duração e absorção lenta foi aprovada recentemente pelo FDA. A
cistinose é causada por mutações no gene CTNS, que codifica uma proteína integral da membrana lisossômica.

O fenótipo dos defeitos de transporte é parcialmente dependente do grau de rompimento da barreira, bem como dos
compartimentos através dos quais o tráfego normal está comprometido. O transporte anormal de cistina entre as
células e o meio extracelular causa cistinúria, doença renal e hipertensão. A cistinose é produzida por um defeito de
efluxo de cistina do lisossomo; isso resulta em deficiências crônicas graves que, se não tratadas, levam à morte.

Metais Pesados
Muitas das enzimas que controlam os processos metabólicos requerem fatores adicionais (cofatores) para o seu funcionamento adequado e
eficiente. Esses cofatores são comumente oligoelementos, como íons de metais pesados (metais que são mais densos do que aqueles dos dois
primeiros grupos da tabela periódica). Pelo menos 12 oligoelementos são essenciais para os seres humanos. Por exemplo, um íon de zinco atua
como cofator da anidrase carbônica, aproximando um íon hidróxido do dióxido de carbono, a fim de facilitar a formação do bicarbonato. Apesar
da oferta adequada de oligoelementos ser essencial para o metabolismo normal, quantidades excessivas de metais pesados, armazenados ou
circulantes, são altamente tóxicas. Assim, uma série complexa de proteínas de transporte e armazenamento controla precisamente a homeostase de
metais pesados. Anormalidades nessas proteínas causam disfunção progressiva de vários órgãos, muitas vezes levando à morte prematura quando
não tratadas. Estão descritas doenças humanas que perturbam a homeostase normal do cobre (doença de Wilson, doença de Menkes e síndrome do
chifre occipital), do ferro (hemocromatose hereditária; Comentário Clínico 7-2) e do zinco (acrodermatite enteropática hereditária).

Cobre
O cobre é absorvido pelas células epiteliais do intestino delgado e posteriormente distribuído por várias proteínas chaperonas que o difundem para
diferentes locais na célula (p. ex., as enzimas citoplasmáticas que utilizam o cobre como cofator e enzimas na mitocôndria). Alguns íons de cobre
são transportados para o fígado para serem incorporados em proteínas que o distribuem para outras partes do corpo (p. ex., cérebro). O excesso de
cobre nos hepatócitos é secretado na bile e excretado do corpo.
A doença de Menkes (MND) é uma desordem recessiva ligada ao X, descrita em 1962 por John Menkes, que estudou cinco irmãos homens,
que morreram antes dos três anos de idade. A MND é caracterizada por deficiência intelectual, convulsões, hipotermia, cabelo hipopigmentado e
retorcido (pili torti), pele frouxa, ruptura arterial e morte na infância.

COMENTÁRIO CLÍNICO 7-2


Hemocromatose Hereditária
O termo hemocromatose refere-se a todas as doenças caracterizadas pelo armazenamento excessivo de ferro. Um subgrupo dessas doenças é
hereditário e pode ser causado por mutações em vários genes diferentes. A forma mais comum de hemocromatose hereditária (HH) é um
distúrbio autossômico recessivo do metabolismo do ferro, no qual o ferro em excesso é absorvido no intestino delgado e, em seguida, se
acumula em uma variedade de órgãos como fígado, rim, coração, articulações e pâncreas. Foi descrita por von Recklinghausen, o mesmo médico
que descreveu a neurofibromatose tipo 1, em 1889. Cerca de um em cada oito cidadãos norte-europeus é portador da HH e um em cada 200 a
400 indivíduos é homozigoto. Embora o genótipo causador da doença tenha penetrância incompleta (como será discutido mais adiante), HH é
uma das doenças genéticas mais frequentemente observadas em pessoas de ascendência europeia. Sua prevalência é muito menor em
populações asiáticas e africanas.
O sintoma mais comum da HH é a fadiga, embora o quadro clínico dos pacientes possa variar consideravelmente. Sintomas adicionais incluem
dor nas articulações, libido diminuída, diabetes, aumento da pigmentação da pele, cardiomiopatia, aumento do fígado e cirrose. Parâmetros
anormais de ferro sérico podem identificar a maioria dos homens em risco de sobrecarga de ferro, mas a HH não é detectada em muitas
mulheres pré-menopáusicas. O teste mais sensível para o diagnóstico da HH é a biopsia do fígado, acompanhada de coloração histoquímica de
hemossiderina (uma forma de ferro armazenado).
No início da década de 1970, um aumento na frequência do alelo HLA-A3 do antígeno leucocitário humano em pacientes com HH indicou que
um gene para a HH poderia estar localizado próximo à região do complexo principal de histocompatibilidade (MHC) no cromossomo 6p. Estudos
subsequentes de ligação confirmaram essa hipótese no final da década de 1970, mas foi só em 1996 que o gene da HH foi clonado. O gene da HH
é altamente expresso como gene HLA, classe I, o HFE. O produto gênico é uma proteína de superfície celular que se liga ao receptor de
transferrina (transferrina transporta moléculas de ferro), sobrepondo o sítio de ligação da transferrina ao ferro e inibindo a absorção do ferro
mediada por essa proteína. No entanto, isso não afeta diretamente o transporte de ferro do intestino delgado. Ao contrário, acredita-se que essa
interação esteja envolvida com a capacidade celular de detectar os níveis de ferro. Tal capacidade está prejudicada em pessoas com mutações no
HFE, resultando na absorção excessiva de ferro pelo intestino delgado e na sobrecarga de ferro. Assim, a hemocromatose não é causada por um
defeito em uma proteína de transporte de ferro, mas sim por um defeito na regulação do transporte.
Uma única mutação missense que resulta na substituição de uma tirosina por uma cisteína no domínio de ligação β2-microglobulina representa
85% de todas as mutações que causam a HH. Um único ancestral haploide predomina nos europeus, sugerindo que houve uma vantagem
seletiva conferida por se ter pelo menos uma cópia do gene da HH. Uma vez que a deficiência de ferro afeta um terço da população mundial e é
muito menos comum nos heterozigotos HH, é provável que isso explique a maior incidência da HH em muitas populações.
O tratamento da HH consiste na redução do ferro acumulado no organismo. Isso é realizado por flebotomia seriada ou pela utilização de um
agente quelante de ferro, como a deferoxamina. Dependendo da quantidade de ferro armazenado, o retorno a um nível normal pode levar
alguns anos. No entanto, a redução do ferro previne danos ao fígado, cura a miocardiopatia, retorna ao normal a pigmentação da pele e pode
melhorar o diabetes. Pessoas que não tenham desenvolvido lesão hepática irreversível têm uma expectativa de vida quase normal.
A penetrância estimada da HH depende da idade, do sexo e se a apresentação da doença inclui resultados histológicos, tais como fibrose
hepática, ou sintomas clínicos. A maioria dos homens homozigotos para uma mutação causadora da HH não desenvolve sintomas clínicos e,
naqueles que desenvolvem, os sintomas raramente ocorrem antes dos 40 anos de idade. Uma fração ainda menor de mulheres homozigotas
desenvolve sintomas clínicos. Caso os sintomas estejam presentes, eles ocorrerão normalmente 20 anos ou mais tardiamente em relação aos
homens, pois o acúmulo de ferro nas mulheres é compensado por perdas do metal durante a menstruação, gestação e lactação (Fig. 7-10).

FIGURA 7-10 Comparação da coloração da hemossiderina de um fígado normal (acima, à esquerda) com a coloração de hemossiderina de fígados
de pessoas afetadas com hemocromatose (superior direito, inferior direito e inferior esquerdo). Observe os diversos graus de aumento do depósito
de hemossiderina nos fígados dos homozigotos HH. Isso danifica o fígado, prejudica a sua função e pode levar à cirrose e ao câncer hepático.
Em pacientes com MND, o cobre pode ser absorvido pelo epitélio gastrointestinal, mas não pode ser exportado de forma eficaz a partir dessas
células na corrente sanguínea. Consequentemente, quando as células intestinais são saturadas, o cobre preso é excretado do corpo. A falta de cobre
disponível leva a uma deficiência global de cobre.
O cobre é um cofator necessário das enzimas tirosinase, lisil oxidase, superóxido dismutase, citocromo c oxidase e dopamina β-hidroxilase. A
disponibilidade reduzida de cobre leva à diminuição da função enzimática, explicando as principais características clínicas da MND. Por exemplo,
a lisil oxidase é necessária para a ligação cruzada de colágeno e elastina; portanto, a ligação cruzada ineficaz leva ao enfraquecimento das paredes
vasculares e flacidez da pele. O tratamento da MND consiste em restabelecer os níveis normais de cobre no organismo. Uma vez que o cobre não
pode ser absorvido através do trato gastrointestinal em pacientes com a MND, deve ser administrado por uma via alternativa, como injeções
subcutâneas. Os pacientes tratados dessa forma mostraram alguma melhora clínica; no entanto, nenhuma das alterações é completamente corrigida
ou evitada. Com base em estudos em modelo animal para a MND, o rato tigrado, foi proposto que o tratamento para a MND seria mais eficaz se
fosse iniciado na metade de gestação. Consequentemente, a terapia pré-natal está sendo investigada.
Em contraste com a MND, em que uma deficiência de cobre provoca a disfunção, a doença de Wilson (WND) resulta do excesso de cobre
causado pela excreção defeituosa do cobre no trato biliar. Isso causa doença hepática progressiva e anormalidades neurológicas. A WND, uma
desordem autossômica recessiva, descrita pela primeira vez por Kinnear Wilson em 1912, foi chamada de degeneração hepatolenticular por causa
da destruição, até estágios finais, do fígado e do cérebro. Somente na década de 1940 ficou claro que esses sintomas eram por causa do acúmulo
de cobre. Conhecimentos adicionais das características básicas do defeito da WND não foram obtidos até a década de 1990.
Pacientes com WND geralmente apresentam doença hepática na infância, aguda ou crônica. Se a WND não for tratada, a doença hepática
progride, resultando em insuficiência hepática, cirrose e falência. Os adultos geralmente desenvolvem sintomas neurológicos como disartria (a
incapacidade de articular corretamente as palavras) e perda da coordenação. O acúmulo de cobre também pode causar artropatia (inflamação das
articulações), cardiomiopatia (função anormal do músculo cardíaco), dano renal e hipoparatireoidismo (diminuição da secreção ou da resposta ao
paratormônio). A deposição de cobre na membrana de Descemet (no limbo da córnea) produz um sintoma característico no olho (o anel de
Kayser-Fleischer), que é observado em 95% dos pacientes com a WND e em 100% dos pacientes com sintomas neurológicos da WND.
Testes bioquímicos podem ser utilizados para confirmar o diagnóstico de WND. Os achados incluem diminuição da ceruloplasmina sérica,
aumento de cobre sérico não ligado à ceruloplasmina, aumento da excreção urinária de cobre e aumento da deposição de cobre no fígado. O
indicador mais sensível de WND é a incorporação reduzida de isótopos de cobre em células cultivadas in vitro. O tratamento de WND consiste em
reduzir a carga de cobre acumulado, por meio do uso de agentes quelantes, tais como penicilamina e tetratiomolibdato de amônio. Os sais de zinco
são agentes quelantes eficazes para a manutenção dos níveis de cobre.
Em 1993, o gene responsável pela MND, ATP7A, foi clonado. Ele codifica uma adenosina trifosfatase, com seis cópias em tandem de uma
sequência de ligação a metais pesados, homóloga a proteínas previamente identificadas de bactérias, que conferem resistência a metais pesados
tóxicos. A alta conservação das sequências de ligação entre humanos e bactérias indica que ATP7A tem um papel importante na regulação do
transporte de íons de metais pesados. A proteína ATP7A é expressa em uma variedade de tecidos, exceto no fígado, sugerindo que um gene
semelhante expresso nesse órgão pode causar a WND. Segmentos do gene ATP7A foram usados como sondas para verificar a presença de um gene
similar no cromossomo 13 (a localização conhecida de um gene da WND, revelada por análise de ligação). Essa estratégia levou à clonagem, em
1993, do ATP7B, o gene que causa a WND quando mutado. O produto proteico é altamente homólogo (76% de homologia com relação aos
aminoácidos) ao ATP7A. Em contraste com ATP7A, a proteína ATP7B é expressa predominantemente no fígado e rim, os principais órgãos
envolvidos na WND.
A proteína ATP7A é geralmente localizada dentro da célula, no complexo de Golgi, onde fornece cobre para várias enzimas. Quando os níveis
de cobre na célula epitelial do intestino delgado ultrapassam uma determinada concentração, a ATP7A redistribui-se para a membrana plasmática
e bombeia cobre na corrente sanguínea. Quando os níveis de cobre caem, ATP7A retorna para o complexo de Golgi. Então, é mediado o efluxo de
cobre na corrente sanguínea. A ATP7A é também um importante transportador de cobre através da barreira hematoencefálica.
Uma variedade de mutações missense e nonsense, e de mutações na região de splicing do gene ATP7A foi encontrada em pacientes com a
WND. Cerca de 15% a 20% das mutações no ATP7A são grandes deleções. Várias mutações na região de splicing no ATP7A têm sido associadas a
outro distúrbio chamado síndrome do chifre occipital (também conhecido como cutis laxa ligada ao X ou síndrome de Ehlers-Danlos tipo IX), que
é caracterizada por deficiência intelectual leve, divertículos na bexiga e uretra (herniações em fundo de saco através da parede), frouxidão cutânea
e articular e ossificação occipital (osso da parte mais posterior da calvária). Essas mutações permitem a produção de uma pequena quantidade da
proteína normal e previnem o desenvolvimento de sintomas neurológicos mais graves.
A proteína ATP7B desempenha um papel semelhante ao de um efetor de transporte de cobre. No entanto, a proteína se move entre o complexo
de Golgi e os endossomos ou a membrana celular dos hepatócitos, e controla a excreção de cobre na árvore biliar. A ATP7B também auxilia na
incorporação de cobre na ceruloplasmina. Centenas de mutações diferentes foram descritas em pacientes com WND. Uma única mutação missense
responde por cerca de 40% dos alelos que causam doenças em pessoas de ascendência norte-europeia.

A doença de Wilson (WND) é uma afecção autossômica recessiva caracterizada por doença hepática progressiva e
anormalidades neurológicas. A doença de Menkes (MND) é um distúrbio recessivo ligada ao cromossomo X
caracterizado por deficiência intelectual, convulsões e morte na infância. O acúmulo excessivo de cobre causa a WND e a
MND resulta da falta de cobre e disfunção enzimática. WND e MND são causadas por mutações em genes com alto grau
de homologia, ATP7B e ATP7A, respectivamente.

Zinco
A acrodermatite enteropática (AE) é causada por um defeito na absorção de zinco pelo trato intestinal. As pessoas com AE desenvolvem retardo
do crescimento, diarreia, disfunção do sistema imunológico e uma dermatite (inflamação da pele) grave que acomete tipicamente a pele dos órgãos
genitais e das nádegas, em torno da boca e dos membros (Fig. 7-11). As crianças usualmente apresentam AE após o desmame e a doença pode ser
fatal se não for tratada com altas doses suplementares de zinco, o que resulta em cura. A AE é causada por mutações no gene SLC39A4, que
codifica uma proteína putativa transportadora de zinco expressa na membrana apical da célula epitelial do intestino delgado. Ainda não se sabe se
pessoas com AE podem absorver pequenas quantidades de zinco por meio de uma forma mutante do transportador, ou se existe outro
transportador capaz de absorver o zinco quando este é dado em doses elevadas.

FIGURA 7-11 Uma criança com acrodermatite enteropática causada por mutações no gene SLC 39A4, que codifica uma proteína necessária para a
absorção intestinal de zinco. A deficiência de zinco resultante produz uma dermatite caracterizada por eritema e hiperqueratose ao redor da boca,
órgãos genitais, nádegas e pernas. (Cortesia de Dra. Virginia Sybert, University of Washington.)

QUESTÕES DE ESTUDO
1. Garrod descobriu que a alcaptonúria é mais comum nos descendentes de casamentos consanguíneos. Explique essa descoberta. Em geral, o que
é a associação entre o coeficiente de casamento e a prevalência de um erro inato do metabolismo?
2. Se muitas reações metabólicas podem acontecer na ausência de uma enzima, explique como a diminuição ou ausência da atividade da enzima
pode resultar em doença.
3. Apesar da baixa prevalência da maioria das doenças metabólicas, por que é importante entender a patogênese de erros inatos do metabolismo?
4. Descreva três tipos de processos metabólicos e dê exemplos de doenças resultantes de erros em cada um deles.
5. A galactosemia é diagnosticada em um neonato com uma semana de vida, porém a atividade da GAL-1-P uridil transferase está normal.
Interprete esses resultados e explique como mutações em genes diferentes podem produzir um fenótipo semelhante.
6. A prevalência de PKU varia de uma em 10.000 até uma em 100.000 pessoas. Explique como as taxas de prevalência dos
erros inatos do metabolismo podem variar tanto entre os diferentes grupos étnicos.
7. Uma mulher de 18 anos chega ao seu consultório para uma consulta pré-natal. Ela teve um irmão que morreu com um mês de idade devido a um
defeito na oxidação mitocondrial de ácidos graxos. Qual é o risco da paciente ter uma criança afetada? Explique sua resposta.
8. Uma menina de oito anos desenvolve hiperamonemia e está em estado crítico. O teste bioquímico realizado em uma biopsia do fígado confirma
que ela tem deficiência de OTC. Qual é o próximo teste genético que deve ser solicitado? Por quê?
9. Distúrbios do sistema da OXPHOS são comumente associados a elevados níveis de ácido lático no sangue. Explique este fato.
10. Polimorfismos que afetam o metabolismo presumivelmente têm sido mantidos pela seleção natural porque oferecem aos heterozigotos alguma
vantagem seletiva. Dê um exemplo de como esses polimorfismos podem ter sido vantajosos para um grupo de caçadores-coletores há 10.000
anos.

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Wilcken B. Fatty acid oxidation disorders: outcome and long-term prognosis. J Inherit Metab Dis. 2010;33:501-506.

10 O tratamento de suporte é aquele que mantém as funções vitais do corpo, como a manutenção do balanço hídrico, a oxigenação e pressão arterial, mas não é destinado a
tratar do processo da doença diretamente.

11 Atraso do desenvolvimento significa atingir mais tardiamente os marcos do desenvolvimento motor, da fala e/ou cognitivos adequados à idade; as consequências do atraso
do desenvolvimento variam da normalidade até a deficiência intelectual profunda.

12
A conversão gênica é um processo em que dois segmentos de DNA diferentes recombinam de modo que um segmento é alterado, tornando-se idêntico ao outro.
CAPÍTULO8

Identificação de Genes Causadores de Doenças

A identificação de mutações que causam doenças é o foco central da genética médica. Com a conclusão do Projeto Genoma Humano (Quadro 8-
2 adiante neste capítulo), as localizações de praticamente todos os genes humanos no genoma são agora conhecidas. A disponibilidade desses dados,
juntamente com os avanços expressivos na tecnologia genética molecular e desenvolvimentos importantes na análise estatística de dados genéticos,
acelerou enormemente a descoberta de mutações causadoras de doenças. Entretanto, as alterações genéticas específicas responsáveis pela maioria
dos fenótipos herdados de doenças permanecem desconhecidas (isto é, qual gene; ou quais genes; contribui para determinada doença). Muitas
pesquisas estão sendo realizadas a descoberta dessas mutações genéticas e suas consequências. À medida que esse trabalho progride, nosso
conhecimento sobre as bases biológicas das doenças genéticas certamente também progredirá.
A identificação dos genes de doenças é um passo importante na compreensão, diagnóstico e eventual tratamento de uma doença genética.
Quando sua localização é determinada, geralmente é possível proporcionar um prognóstico mais acurado para pessoas que apresentam risco para
uma doença genética. A sequência de DNA que compõe o gene pode ser analisada e seu RNA e/ou seu produto proteico podem ser estudados. Isto
pode contribuir para o entendimento da causa da doença. Além disso, a descoberta de um gene associado a uma doença pode abrir caminhos para a
modificação de um produto anormal do gene (p. ex., impedindo sua expressão) ou pela fabricação de um produto gênico normal por meio de
técnicas de DNA recombinante, permitindo um tratamento mais efetivo da doença. Por exemplo, o fator VIII de coagulação recombinante é
utilizado para tratar a hemofilia A, como discutido no Capítulo 5, e a insulina recombinante é utilizada no tratamento do diabetes tipo 1. A terapia
gênica — modificação de genes de pessoas com uma doença genética — também se torna uma possibilidade. Assim, a identificação de um gene
causador de doença contribui diretamente para os vários objetivos primários da genética médica.
Este capítulo discute as abordagens mais comumente utilizadas no mapeamento e identificação de genes. Em geral, esse processo começa com o
mapeamento das mutações que ocorrem em pessoas afetadas em localizações específicas nos cromossomos. Dois tipos principais de mapeamento
gênico podem ser distinguidos. No mapeamento gênico, a frequên­cia de crossings meióticos entre os loci é utilizada para determinar as distâncias
entre eles. O mapeamento físico envolve a utilização de métodos citogenéticos, moleculares e computacionais para se determinar as localizações
físicas das mutações causadoras de doença nos cromossomos.

MAPEAMENTO GÊNICO
Análise de Ligação
Uma das leis de Gregor Mendel, o princípio da segregação independente, diz que os genes de um indivíduo serão transmitidos para a próxima
geração independentemente uns dos outros (Capítulo 4). Mendel não estava ciente de que os genes estavam localizados nos cromossomos e de que
genes situados próximos uns dos outros, no mesmo cromossomo, são mais frequentemente transmitidos juntos do que separados. Assim, o princípio
da segregação independente é verdadeiro para a maioria dos pares de loci, mas não para aqueles que ocupam a mesma região de um cromossomo. É
dito que esses loci são ligados.
A Figura 8-1 representa dois loci, A e B, que estão muito próximos no mesmo cromossomo. Um terceiro locus, C, está situado em outro
cromossomo. No indivíduo do nosso exemplo, cada um desses loci tem dois alelos, designados 1 e 2. Os loci A e B estão ligados, então A1 e B1 são
herdados juntos. Como A e C estão em cromossomos diferentes e, portanto, não estão ligados, seus alelos seguem o princípio da segregação
independente. Consequentemente, se o processo de meiose insere A1 em um gameta, a probabilidade de que C1 seja encontrado no mesmo gameta é
de 50%.
Lembre-se do Capítulo 2 em que cromossomos homólogos, às vezes, trocam porções de seu DNA durante a prófase I (isso é conhecido como
crossing-over ou crossing). Um cromossomo faz, em média, de um a três eventos de crossing-over durante a meiose. Como resultado do crossing-
over, novas combinações de alelos podem ser formadas em um cromossomo. Considere novamente os loci ligados, A e B, na Figura 8-1. Os alelos
A1 e B1 estão proximamente localizados em um cromossomo, e os alelos A2 e B2 estão localizados no cromossomo homólogo. A combinação de
alelos em cada cromossomo é um haplótipo (originado de “genótipo haploide”). Os dois haplótipos desse indivíduo são indicados por A1B1/A2B2.
Como mostrado na Figura 8-2A, na ausência de crossing-over, A1B1 será encontrado em um gameta e A2B2 no outro. Porém quando há crossing-
over, novas combinações alélicas, A1B2 e A2B1, serão encontradas nos dois gametas (Figura 8-2B). O processo de formação desses novos arranjos
de alelos é chamado de recombinação. O crossing-over não leva necessariamente à recombinação, porque pode ocorrer um crossing-over duplo
entre dois loci, não resultando em recombinação (Figura 8-2C).
Como mostrado na Figura 8-3, o crossing-over tem maior probabilidade de ocorrer entre os loci que estão mais distantes em um cromossomo do
que entre os loci que estão mais próximos. Assim, a distância entre dois loci pode ser inferida pela estimativa da frequência de recombinações que
ocorrem nas famílias (isto é denominado frequência de recombinação). Se, em uma grande série de meioses estudada em uma família, os alelos de
A e B sofrem recombinação em 5% das vezes, então a frequência de recombinação para A e B será de 5%.
A distância genética entre dois loci é medida em centimorgans (cM), em homenagem a T. H. Morgan, que descobriu o processo de crossing-
over, em 1910. Um cM é aproximadamente igual à frequência de recombinação de 1%. A relação
FIGURA 8-1 Os loci A e B estão ligados no mesmo cromossomo, então os alelos A1 e B1 geralmente são herdados juntos. O locus C está em um
cromossomo diferente, então ele não está ligado a A e B, e seus alelos são transmitidos independentemente dos alelos A e B.

entre frequência de recombinação e distância genética é aproximada, porque os crossings duplos não produzem recombinação. Portanto, a
frequência de recombinação subestima a distância mapeada, especialmente em frequências de recombinação acima de cerca de 10%. Fórmulas
matemáticas foram desenvolvidas para corrigir essa subestimativa.
Os loci que estão no mesmo cromossomo são denominados sintênicos (significando “mesmo filamento”). Se dois loci sintênicos estão 50 cM
distantes um do outro, eles não são considerados ligados. Isto ocorre porque sua frequência de recombinação, 50%, é equivalente à transmissão
independente, como no caso de alelos de loci que estão em cromossomos diferentes. (Para entender isto, pense nos cromossomos mostrados
na Figura 8-1: Se uma pessoa transmite um alelo A1, a probabilidade de que ela também transmita o alelo C1, que está em outro cromossomo, é de
50% e a probabilidade de que ela transmita o alelo C2 também é de 50%).

Os crossings entre loci no mesmo cromossomo podem produzir recombinações. Os loci no mesmo cromossomo que
sofrem recombinação em menos de 50% das vezes são ditos ligados. A distância entre os loci pode ser expressa em
centimorgans (cM); 1 cM representa uma frequência de recombinação de aproximadamente 1%.

FIGURA 8-2 Os resultados genéticos do crossing-over. A, Ausência de crossing-over: A1 e B1 permanecem juntos após a meiose. B, Um crossing-over entre
A e B resulta em uma recombinação: A1 e B2 são herdados juntos em um cromossomo, e A2 e B1 são herdados juntos em outro cromossomo. C, Um
crossing-over duplo entre A e B não resulta em ausência de recombinação dos alelos. (Modificado de McCance KL, Huether SE: Pathophysiology: The Biologic
Basis for disease in Adults and Children. 5th ed. St Louis: Mosby, 2005.)
FIGURA 8-3 O crossing-over ocorre mais provavelmente entre os loci que estão distantes nos cromossomos (esquerda) do que entre aqueles que estão
mais próximos (direita).

As frequências de recombinação podem ser estimadas pela observação da transmissão dos genes nos heredogramas. A Figura 8-4 é um exemplo
de heredograma no qual a neurofibromatose tipo 1 (NF1) está sendo transmitida. Os membros desse heredograma também foram tipados para um
polimorfismo de nucleotídeo único (SNP) de dois alelos, o qual, assim como o gene NF1, está localizado no cromossomo 17. Os genótipos SNP são
mostrados abaixo de cada número do indivíduo no heredograma. A análise das gerações I e II nos permite determinar que, sob a hipótese de ligação
entre NF1 e o SNP, o gene NF1 com a mutação causadora da doença deve estar na mesma cópia do cromossomo 17, como alelo 1 do SNP nessa
família, porque o indivíduo I-2, que é homozigoto para o alelo 2, não é afetado pela doença. Somente o pai afetado (I-1), que é heterozigoto para o
SNP, pode ter transmitido uma cópia do cromossomo 17, que contém tanto o alelo NF1 da doença quanto o alelo 1 do SNP para a sua filha (II-2).
A disposição desses alelos em cada cromossomo é chamada de fase de ligação. Conhecendo-se a fase de ligação, os haplótipos do indivíduo II-2
devem ser N1/n2, onde N indica o alelo com a mutação causadora da NF1, n indica o alelo normal, enquanto 1 e 2 são os dois alelos SNP (em outras
palavras, o indivíduo II-2 contém uma cópia do cromossomo 17 que possui a mutação causadora da doença N e o alelo 1 do SNP, e sua outra cópia
do cromossomo 17 contém o alelo normal n e o alelo 2 do SNP). O marido dessa mulher (indivíduo II-1) não é afetado pela doença e é homozigoto
para o alelo 2 do SNP. Ele deve possuir os haplótipos n2/n2. Se os loci NF1 e SNP estão ligados, as crianças dessa união que são afetadas pela NF1
devem geralmente ter o alelo 1 do SNP, e aqueles indivíduos que não são afetados devem ter o alelo 2. Em sete crianças, das oito da geração III,
vimos que isto é verdadeiro. Em um caso, ocorreu a recombinação (indivíduo III-6). Isso equivale a uma frequência de recombinação de 1/8, ou de
12,5%, confirmando a hipótese de ligação entre os loci NF1 e o SNP. A frequência de recombinação de 50% deve apoiar a hipótese de que os dois
loci não estão ligados. Note que o heredograma nos permite determinar a fase de ligação no indivíduo II-2, mas não podemos determinar se a
recombinação aconteceu no gameta transmitido para II-2 pelo seu pai. Assim, a frequência de recombinação é estimada somente nos descendentes
de II-2. Na prática atual, um número muito maior de amostras de famílias deve ser usado para garantir a precisão estatística desse resultado.

As estimativas de frequências de recombinação são obtidas observando-se a transmissão dos alelos nas famílias. A
determinação da fase de ligação (isto é, em qual cromossomo do par cada alelo está localizado) é uma parte importante
desse procedimento.

Polimorfismos utilizados para seguir um alelo causador de doença através das gerações de famílias são denominados marcadores (isto é, eles
podem marcar o cromossomo no qual o alelo causador da doença está localizado). Como os marcadores ligados podem ser tipados em um indivíduo
de qualquer idade (até mesmo no feto), eles são úteis para o diagnóstico precoce de doenças genéticas (Capítulo 13). É importante enfatizar que um
locus marcador simplesmente nos ajuda a determinar qual membro de um par de cromossomos está sendo transmitido por um genitor; a causa real
da doença genética geralmente é uma mutação próxima que pode ser identificada em análise subsequente da sequência de DNA.
Em geral, 1 cM corresponde a aproximadamente 1 milhão de pares de bases (1 Mb) de DNA. Entretanto, isso é apenas uma relação aproximada,
pois são conhecidos vários fatores que influenciam as taxas de crossing- over. Primeiro, os crossings são aproximadamente 1,5 vezes mais comuns
durante

FIGURA 8-4 Um heredograma de neurofibromatose tipo 1 no qual cada membro foi tipado para o polimorfismo de nucleotídeo único (SNP). Os genótipos
para esse locus marcador de dois alelos estão mostrados abaixo de cada indivíduo no heredograma. Os membros afetados do heredograma estão
indicados por um símbolo sombreado.

a meiose feminina (ovocitogênese) do que na meiose masculina (espermatogênese). Além disso, os crossing-overs tendem a ser especialmente mais
comuns próximos aos telômeros dos cromossomos. Finalmente, algumas pequenas regiões cromossômicas (com tamanhos de um a alguns kb)
apresentam taxas de crossing-over que são pelo menos 10 vezes maiores do que em qualquer outra região do genoma. O genoma humano contém
milhares desses pontos quentes de recombinação e estes respondem por mais da metade de todos os eventos de recombinação.
Embora haja uma correlação entre centimorgans e distâncias físicas reais entre loci, essa relação é complicada pelas diferenças na recombinação
entre os sexos, frequências de recombinação maiores próximas aos telômeros e a existência de pontos quentes de recombinação.

Escores LOD: Determinação da Significância dos Resultados de Ligação


Como em qualquer estudo estatístico, devemos ser cuidadosos para garantir que os resultados obtidos em um estudo de ligação não sejam
simplesmente obtidos ao acaso. Por exemplo, considere um locus marcador com dois alelos que tenha sido tipado em um heredograma. É possível,
pelo acaso, que toda a prole afetada herde um alelo e que toda a prole não afetada herde o outro alelo, mesmo que o marcador não esteja ligado ao
gene causador da doença. Esse resultado enganador torna-se menos provável à medida que aumentamos o número de pessoas em nosso estudo de
ligação (assim como a chance de um grande desvio da proporção de 50 caras/50 coroas se torna menor à medida que lançamos a moeda mais vezes).
Como nós determinamos se um resultado de ligação pode ocorrer somente devido ao acaso? Começamos comparando a verossimilhança (do
inglês, likelihood; um conceito similar ao de probabilidade) que dois loci estejam ligados em uma dada frequência de recombinação
(denominada θ) versus a verossimilhança de que dois loci não estejam ligados (frequência de recombinação = 50%, ou θ = 0,5). Suponha que
desejemos testar a hipótese de que dois loci estejam ligados com uma frequência de recombinação de θ = 0,1 versus a hipótese de que eles não
estejam ligados. Utilizamos nossos dados do heredograma para formar uma taxa de probabilidade:

Se os nossos dados do heredograma indicam que seja mais provável que θ seja 0,1 do que 0,5, então a razão de probabilidade (odds ratio ou
razão de chances) será maior do que 1. Se, entretanto, os dados do heredograma argumentam contra a ligação dos dois loci, então o denominador
13
será maior do que o numerador, e a razão será menor do que 1,0. Por conveniência, o logaritmo comum da razão geralmente é obtido; esse
logaritmo das probabilidades é denominado escores LOD. Convencionalmente, um escore LOD de 3,0 ou mais é aceito como evidência de ligação;
um escore de 3,0 indica que a probabilidade a favor da ligação é 1.000 vezes maior do que a probabilidade contra a ligação. Por outro lado, um
escore LOD menor que –2,0 (chance de 100 para 1 contra a ligação) é considerado como evidência de que dois loci não estão ligados. O Quadro 8-
1 fornece detalhes no cálculo dos escores LOD.

As chances estatísticas de que dois loci estejam a um determinado número de centimorgans distantes podem ser
calculadas pela mensuração da taxa de duas probabilidades: a probabilidade de ligação em uma dada frequência de
recombinação dividida pela probabilidade de não ligação. O logaritmo dessa razão de chance é um escore LOD. Escores
LOD de 3,0 ou maiores são considerados como evidência de ligação, e escores LOD menores que –2,0 são tidos como
evidência de que os dois loci não estão ligados.

Análise de Ligação e o Mapa Gênico Humano


Suponha que estejamos estudando um gene causador de doença em uma série de heredogramas e desejamos mapeá-lo em uma localização
específica de um cromossomo. Tipicamente, deveríamos tipar os membros do nosso heredograma para loci marcadores cujas localizações em cada
cromossomo tivessem sido estabelecidas. Utilizando as técnicas já descritas, testaríamos a ligação entre o gene da doença e cada marcador. A
maioria desses testes deveria gerar escores LOD negativos, indicando ausência de ligação entre o marcador e o gene de doença. Eventualmente, esse
exercício revelaria a ligação entre o gene de doença e um marcador ou grupo de marcadores. Devido ao grande tamanho do genoma humano,
teríamos que tipar centenas de marcadores para encontrar um ou vários que estariam ligados ao gene da doença. Muitas doenças hereditárias
importantes foram localizadas utilizando essa abordagem, incluindo a fibrose cística, a doença de Huntington, a síndrome de Marfan e a
neurofibromatose tipo 1 (NF1). Até os anos 1980, as análises de ligação tinham poucas chances de sucesso porque havia somente algumas dezenas
de marcadores polimórficos úteis em todo o genoma humano. Assim, era improvável que um gene causador de doença estivesse situado
suficientemente próximo a um marcador para gerar um resultado de ligação significativo. Essa situação mudou drasticamente com a descoberta de
milhares de novos marcadores polimórficos ao longo do genoma (Capítulo 3). Atualmente, com técnicas eficientes de genotipagem e grande número
de marcadores, tem sido mais fácil e rápido mapear um gene causador de doença.

QUADRO 8-1 Estimando os Escores LOD em Análises de Ligação


Um exemplo simples ajudará a ilustrar os conceitos de taxa de probabilidade e escores LOD. Considere o diagrama do heredograma na figura
adiante, que ilustra outra família na qual NF1 está sendo transmitido. A família foi tipada para um SNP de dois alelos, como na Figura 8-4. O homem
da geração II deve ter recebido o alelo 1 do SNP de sua mãe, porque ela pode transmitir somente este alelo marcador. Assim, seu alelo 2 teria que
vir do seu pai, na mesma cópia do cromossomo onde está o gene da doença, NF1 (sob hipótese de ligação). Isto nos permite estabelecer a fase de
ligação neste heredograma: o homem afetado da geração II deve ter o haplótipo N2/n1. Ele se casou com uma mulher não afetada que é
homozigota para o alelo 2. Assim, a hipótese de forte ligação (θ = 0,0) prediz que cada criança da geração III que receber o alelo 2 do seu pai
também deverá receber o alelo NF1 da doença. Sob a hipótese de ligação, o pai pode transmitir somente duas combinações possíveis: a cópia do
cromossomo que leva o gene da doença e o alelo 2 (haplótipo N2) ou a outra cópia do cromossomo, que tem o gene normal e o alelo 1 (haplótipo
n1). A probabilidade de cada um desses eventos é de 1/2. Entretanto, se θ = 0,0, a probabilidade de observar cinco crianças com os genótipos
mostrados na figura abaixo é (1/2)5, ou 1/32 (ou seja, a regra da multiplicação é aplicada para obter a probabilidade de que todos os cinco eventos
ocorrerão juntos). Este é o numerador da taxa de probabilidade.

Um heredograma de NF1 no qual cada membro foi tipado para um polimorfismo de nucleotídeo único (SNP) com dois alelos. Os genótipos dos SNPs
marcadores são mostrados abaixo de cada indivíduo do heredograma.

Agora considere a probabilidade de observar esses genótipos se o SNP e o NF1 não estiverem ligados (θ = 0,5). Sob esta hipótese, há uma
segregação independente dos dois alelos do SNP e NF1. O pai pode transmitir qualquer uma das quatro combinações (N1, N2, n1 e n2) com a
mesma probabilidade (1/4). A probabilidade de observarmos cinco crianças com os genótipos indicados deveria então ser (1/4)5 = 1/1.024. Esta
probabilidade é o denominador da taxa de probabilidade. A taxa de probabilidade é então 1/32 dividida por 1/1.024, ou 32. Assim, os dados neste
heredograma nos dizem que a ligação, em θ = 0,0, é 32 vezes mais provável do que a ausência de ligação.

Se tomarmos o logaritmo comum de 32, observaremos que o escore LOD é 1,5, que ainda está longe do valor 3,0 geralmente aceito como
evidência de ligação. Para provar a ligação, precisaremos examinar os dados de outras famílias. Os escores LOD obtidos a partir de famílias
individuais podem ser adicionados para obter um escore total. (Note que, matematicamente, adicionar os escores LOD é o mesmo que multiplicar
as probabilidades de ligação de cada família e depois calcular o logaritmo do resultado. Isto é outro exemplo do uso da regra da multiplicação para
acessar a probabilidade de coocorrência.)

Suponha que tenha ocorrido uma recombinação na meiose gerando III-5, a quinta criança da geração III (isto é, ela teria o mesmo genótipo
marcador, mas provavelmente seria afetada pela doença). Este evento é impossível na hipótese de que θ = 0,0, então o numerador da taxa de

probabilidade torna-se zero, e o escore LOD para θ = 0,0 é – . É possível, entretanto, que os loci marcadores e o da doença ainda estejam ligados,
porém com uma frequência de recombinação maior do que zero. Vamos testar, por exemplo, a hipótese de que θ = 0,1. Esta hipótese prediz que o
alelo da doença, N, será transmitido juntamente com o alelo marcador 2 em 90% das vezes e com o alelo marcador 1 em 10% das vezes (ou
seja, quando uma recombinação tiver ocorrido). Pela mesma razão, o alelo normal, n, será transmitido com o alelo 1 do SNP em 90% das vezes e o
alelo 2 do SNP em 10% das vezes. Como no exemplo anterior, o pai pode transmitir para cada criança tanto o alelo normal quanto o alelo da doença
com a mesma probabilidade (0,5). Assim, a probabilidade de herdar o alelo da doença com o alelo 2 do SNP (haplótipo N2) é 0,5 × 0,90 = 0,45, e a
probabilidade de herdar o alelo da doença com o alelo 1 do SNP (haplótipo N1) é 0,5 × 0,1 = 0,05. A probabilidade de herdar o alelo normal com o
marcador 1 (n1) é 0,45 e a probabilidade de herdar o alelo normal com o marcador 2 (n2) é 0,05. Em cada caso, então, a probabilidade de receber
sem recombinação (N2 ou n1) é 0,45, e a probabilidade de receber uma recombinação (N1 ou n2) é de 0,05. Sabemos que quatro das crianças da
geração III são não recombinantes, e cada um desses eventos tem a probabilidade de 0,45. Sabemos que um indivíduo é um recombinante, e a
probabilidade desse evento é de 0,05. A probabilidade de quatro não recombinações e uma recombinação ocorrerem juntas na geração III é obtida
pela aplicação da regra da multiplicação: 0,454 × 0,05. Este se torna o numerador para o cálculo do escore LOD. Como anteriormente, o
denominador (a probabilidade de que θ = 0,5) é (1/4)5. O escore LOD para θ = 0,1, então, é dado pelo log10(0,454 × 0,05)/(1/4)5 = 0,32.

Para testar a hipótese de que θ = 0,2, a abordagem acima é utilizada novamente, com θ = 0,2, em vez de θ = 0,1. Isso gera um escore LOD de 0,42.
Faz sentido que o escore LOD para θ = 0,2 seja maior do que para θ = 0,1, porque sabemos que uma das cinco crianças (0,2) da geração III é um
recombinante. A aplicação desta fórmula a uma série de valores possíveis de θ (0, 0,1, 0,2, 0,3, 0,4 e 0,5) mostra que 0,2 gera o maior escore LOD,
como poderíamos esperar:

θ 0 0,1 0,2 0,3 0,4 0,5


LOD −∞ 0,32 0,42 0,36 0,22 0,0

Às vezes, a fase de ligação em um heredograma não é conhecida. Por exemplo, se os avós da figura acima não forem tipados, não há como
conhecer a fase de ligação do pai na geração II. É igualmente provável que seus haplótipos sejam N2/n1 ou N1/n2 (isto é, cada combinação tem uma
probabilidade de 1/2). Assim, precisamos utilizar ambas as possibilidades no cálculo. Se ele tem os haplótipos N2/n1, então as primeiras quatro
crianças são não recombinantes, cada uma com uma probabilidade de (1 – θ)/2, e a quinta criança é um recombinante com uma probabilidade de
θ/2 (utilizando o raciocínio descrito anteriormente). Na hipótese de θ = 0,1, a probabilidade total de que o pai possua o haplótipo N2/n1 e de que as
cinco crianças tenham os genótipos observados é de 1/2(0,454 × 0,05) = 0,001. Agora precisamos levar a fase alternativa em consideração (ou seja,
de que o pai tem os haplótipos N1/n2). Aqui, as primeiras quatro crianças devem ser recombinantes, com probabilidade de θ/2, e somente a quinta
criança deve ser um não recombinante, com a probabilidade (1 – θ)/2. A probabilidade de que o pai tenha os haplótipos N1/n2 e de que as crianças
tenham os genótipos observados é 1/2(0,45 × 0,054) = 0,000001. Esta probabilidade é consideravelmente menor do que a probabilidade da fase
anterior, o que faz sentido quando consideramos que na hipótese de ligação com θ = 0,1, quatro dos cinco recombinantes é um resultado
improvável. Agora podemos considerar a probabilidade de cada fase de ligação no pai pela adição da duas probabilidades juntas: 1/2(0,454 × 0,05)
+ 1/2(0,45 × 0,054). Este se torna o numerador para o cálculo do escore LOD. Como anteriormente, o denominador (isto é, a probabilidade de que θ
= 0,5) é simplesmente (1/4)5 = 1/1.024. Então, o escore LOD total para a fase de ligação desconhecida com θ = 0,1 é log10[(1/2[0,454 × 0,05] +
1/2[0,45 × 0,054])/(1/1.024)] = 0,02. Como anteriormente, poderemos estimar os escores LOD para cada frequência de recombinação:

θ 0 0,1 0,2 0,3 0,4 0,5


LOD −∞ 0,02 0,12 0,09 0,03 0,0

Note que cada escore LOD é menor do que o escore correspondente quando a fase de ligação é conhecida. Isto parte do princípio de que uma
fase de ligação conhecida contribui com uma informação útil para permitir uma estimativa mais acurada dos genótipos reais da prole.
Os escores LOD são frequentemente plotados contra os valores de θ, como mostrado na figura abaixo. O maior escore LOD no gráfico é a
estimativa da probabilidade máxima de θ, isto é, a distância mais provável entre dois loci que estão sendo analisados.

O escore LOD (eixo y) é plotado contra a frequência de recombinação (eixo x) para demonstrar a frequência mais provável de recombinação para um
par de loci.

Na prática, a análise de dados de ligação humana não é tão simples como nesses exemplos. A penetrância do gene da doença pode ser
incompleta, as frequências de recombinação diferirem entre os sexos e o modo de herança da doença pode não estar claro. Consequentemente, os
dados de ligação são analisados utilizando um dos vários softwares disponíveis. Muitos desses programas também permitem realizar um
mapeamento multiponto, um enfoque no qual o mapa das localizações de vários marcadores são estimados simultaneamente.
Para serem úteis para o mapeamento gênico, os loci marcadores devem ser altamente polimórficos (istó é, o locus tem muitos alelos diferentes na
população). Um alto grau de polimorfismo assegura que a maioria dos pais seja heterozigotos para o locus marcador, facilitando o estabelecimento
da fase de ligação nas famílias. Os polimorfismos de repetições curtas em tandem (STRs) tipicamente têm muitos alelos e são fáceis de serem
testados; assim, eles são especialmente muito adequados para mapeamento gênico. Além disso, os loci marcadores devem ser numerosos, de modo
que seja provável uma ligação próxima ao gene da doença. Atualmente, centenas de STRs e milhões de SNPs têm sido identificados ao longo do
genoma, de modo que esse requisito tem sido preenchido. Cada cromossomo agora está repleto de marcadores (Fig. 8-5). Um exemplo ilustra a
importância de numerosos marcadores polimórficos. Considere o heredograma na Figura 8-6A. O homem afetado é um homozigoto para um locus
marcador de dois alelos, que está intimamente ligado ao locus da doença. Sua esposa é heterozigota para o locus marcador. Sua filha afetada é
homozigota para o locus marcador. Com base nesses genótipos, é impossível determinar a fase de ligação dessa geração, de modo que não
poderemos prever quais crianças serão ou não afetadas pela

FIGURA 8-5 Um mapa genético do cromossomo 9, mostrando as localizações de um grande número de marcadores polimórficos. Como as taxas de
recombinação geralmente são mais altas na meiose feminina, as distâncias entre marcadores (em centimorgans) são maiores para as mulheres do que
para os homens. (De Attwood J, Chiano M, Collins A, et al. CEPH consortium map of chromosome 9. Genomics 1994;19:203-214.)

doença. O casamento na geração I é chamado de casamento não informativo. Por outro lado, um locus marcador com seis alelos foi tipado na
mesma família (Fig. 8-6B). Como a mãe da geração I possui dois alelos que diferem daqueles do pai afetado, agora é possível determinar que a filha
afetada na geração II tenha herdado o alelo da doença na mesma cópia do cromossomo que contém o alelo marcador 1. Como ela se casou com um
homem que tem os alelos 4 e 5, podemos prever que cada filho que receber o seu alelo 1 será afetado, e cada um que receber o alelo 2 não será
afetado. As exceções serão por causa da recombinação. Esse exemplo demonstra o valor de marcadores altamente polimórficos tanto para análises
de ligação quanto para diagnósticos de doenças genéticas (Capítulo 13).

Para ter utilidade no mapeamento gênico, os marcadores de ligação devem ser numerosos e altamente polimórficos. Um
alto grau de polimorfismo no locus marcador aumenta a probabilidade de que os casamentos sejam informativos para
análise de ligação.

A disponibilidade de muitos marcadores altamente polimórficos no genoma ajuda os pesquisadores a restringir a localização de um gene pela
observação direta de recombinação dentro das famílias. Suponha que se saiba que uma série de marcadores polimórficos, denominados A, B, C, D e
E, estejam altamente ligados a um gene de doença. A família mostrada na Figura 8-7 foi tipada para cada marcador, e

FIGURA 8-6 Um gene de doença autossômica dominante está segregado nessa família. A, Um marcador de polimorfismo de dois alelos proximamente
ligado foi tipado para cada membro da família, mas a fase de ligação não pode ser determinada (casamento não informativo). B, Um polimorfismo
curto de repetições em tandem (STRP) proximamente ligado a seis alelos foi tipado para cada membro da família, e a fase de ligação agora pode ser
determinada (casamento informativo).

observamos que a pessoa II-2 possui os alelos marcadores A2, B2, C2, D2 e E2 na mesma cópia do cromossomo que contém a mutação causadora da
doença (fase de ligação). A outra cópia (normal) desse cromossomo, no indivíduo II-2, possui os alelos marcadores A1, B1, C1, D1 e E1. Entre os
descendentes afetados na geração III, observamos evidência de duas recombinações. A filha III-2 evidentemente herdou o alelo marcador A1 da sua
mãe afetada (II-2), mas também herdou dela a mutação que causa a doença. Isso nos diz que houve recombinação (crossing-over) entre o marcador
A e o gene da doença. Assim, sabemos que o gene não está localizado na região do cromossomo entre o marcador A e o telômero.
Observemos outra recombinação no gameta transmitido ao indivíduo III-5. Neste caso, ele herdou os marcadores D1 e E1, mas também herdou a
mutação da doença de II-2. Isto indica que ocorreu um crossing-over entre os marcadores do locus D e o locus da doença. Agora sabemos que a
região entre o marcador D e o centrômero (incluindo o marcador E) não pode conter o locus da doença. Essas duas recombinações-chave nos
permitiram limitar substancialmente a região que contém o locus da doença. Análises adicionais em outras famílias podem restringir ainda mais a
localização, proporcionando a observação de recombinações adicionais. Deste modo, é frequentemente possível delimitar a localização de um locus
de doença a uma região que tem vários centimorgans, ou mais, de tamanho.
Ocasionalmente, uma análise de ligação produz um escore LOD total próximo de zero. Isto pode simplesmente significar que os heredogramas
são não informativos (um escore LOD indica que as probabilidades de ligação e não ligação são aproximadamente iguais, porque 10º = 1).
Entretanto, pode também resultar em um escore LOD total de zero quando um subconjunto de famílias apresenta um escore LOD positivo
(indicando ligação) e outro subconjunto apresenta escore LOD negativo (argumentando contra a ligação). Este resultado deve fornecer evidência da
heterogeneidade do locus para a doença em questão (Capítulo 4). Por exemplo, a osteogênese imperfeita tipo I pode ser causada por mutações no
cromossomo 7 ou no cromossomo 17 (Capítulo 4). Um estudo de famílias com essa doença pode mostrar ligação com marcadores do cromossomo
17 em algumas famílias e com o cromossomo 7 em outras. A análise de ligação tem ajudado a definir a heterogeneidade de locus em um grande
número de doenças, incluindo retinite pigmentosa, a principal causa de cegueira (Comentário Clínico 8-1).

A observação direta de recombinações entre os loci marcadores e o locus da doença pode ajudar a limitar o tamanho da
região que contém o locus da doença. Adicionalmente, as análises de ligação, às vezes, mostram que algumas famílias
afetadas demonstram ligação a marcadores em uma determinada região cromossômica e outras não. Isto é uma
indicação de heterogeneidade de locus.

Desequilíbrio de Ligação: Associação Não Aleatória de Alelos em Loci Ligados


Dentro das famílias, um alelo de um locus marcador será geralmente transmitido junto com o alelo de doença se os loci do marcador e da doença
estiverem ligados. Por exemplo, o alelo 1 de um marcador ligado que tem dois alelos poderia coocorrer em uma família com o alelo da doença de
Huntington (DH), localizado no cromossomo 4. Esta associação é parte da definição de ligação. Entretanto, se examinarmos uma série de famílias
para a ligação entre a DH e o locus marcador, o alelo 1 irá coocorrer com a doença em algumas famílias, enquanto em outras o alelo 2 do marcador
é que irá coocorrer com a doença (Fig. 8-9). Isto reflete duas coisas. Primeiro, as mutações causadoras da doença podem ter ocorrido várias vezes no
passado, às vezes em uma cópia do cromossomo 4 portando o alelo 1 do marcador e em outras vezes na cópia do cromossomo 4 portando o alelo 2
do marcador.
FIGURA 8-7 Uma família na qual os marcadores A, B, C, D e E foram tipados e avaliados para ligação a uma mutação de doença autossômica dominante.
Como explicado no texto, a recombinação é observada entre o locus da doença e o marcador A no indivíduo III-2 e entre o locus da doença e o marcador
D no indivíduo III-5.

COMENTÁRIO CLÍNICO 8-1

Retinite Pigmentosa: Uma Doença Genética Caracterizada por Heterogeneidade de Locus


A retinite pigmentosa (RP) representa uma coleção de defeitos herdados da retina que, juntos, constituem a causa hereditária mais comum de
cegueira em humanos, afetando uma em 3.000 a 4.000 pessoas. Os primeiros sintomas clínicos da RP são observados à medida que as células
fotorreceptoras dos bastonetes começam a morrer, causando cegueira noturna. As amplitudes do eletrorretinograma (ERG) dos bastonetes estão
reduzidas ou ausentes. Com a morte dos bastonetes, outros tecidos começam a degenerar. As células dos cones começam a morrer, e os vasos que
suprem o sangue às membranas da retina começam a diminuir. Isto leva à redução da visão diurna. Os pacientes desenvolvem uma visão em túnel
e a maioria fica cega aos 40 anos de idade. O nome retinite pigmentosa vem dos pigmentos que são depositados na superfície da retina à medida
que ocorrem as alterações degenerativas. A RP não pode ser prevenida e não tem cura, porém há evidência de que seu progresso pode ser de
certa forma atrasado pela suplementação nutricional com vitamina A.
Sabe-se que a RP é herdada em diferentes famílias com um padrão autossômico dominante, autossômico recessivo ou recessivo ligado ao X.
Esses modos de herança respondem por 30% a 40%, 50% a 60% e 5% a 15% dos casos de RP, respectivamente. Inclusive, um pequeno número de
casos resulta de mutações mitocondriais, e uma das formas de RP é causada pela ocorrência simultânea de mutações em dois loci diferentes
(peripherin/RDS e ROM1, e ambos codificam componentes estruturais dos discos membranares do segmento externo dos fotorreceptores). Este
modo de herança é denominado digênico. Estudos genéticos monstraram que mutações em 56 genes diferentes podem levar à RP não sindrômica
(isto é, RP que não ocorre, como parte de uma síndrome identificada), tornando essa doença um exemplo de vasta heterogeneidade de locus.

FIGURA 8-8 Uma foto de fundo de olho ilustrando os aglomerados de depósitos de pigmentos e a diminuição dos vasos sanguíneos da retina na
retinite pigmentosa. (Cortesia de Dr. Donnell J. Creel, University of Utah Health Sciences Center.)

Uma análise de ligação preliminar mapeou a forma autossômica dominante da RP no braço longo do cromossomo 3. Este foi um achado
significativo, porque o gene RHO, que codifica a rodopsina, também foi mapeado nessa região. A rodopsina é a molécula que absorve luz e que
inicia o processo de transdução de sinal nas células fotorreceptoras dos bastonetes. Assim, RHO era um bom gene candidato (ver texto) para a RP.
Foi realizada análise de ligação em um grande heredograma irlandês, utilizando um polimorfismo do gene RHO e obtido um escore LOD de 20 para
uma frequência de recombinação igual a zero. Posteriormente, mais de 100 mutações diferentes no gene RHO foram identificadas em RP,
confirmando o papel desse locus como o causador da doença. Estima-se que as mutações no gene RHO sejam responsáveis por 25% dos casos
autossômicos dominantes e por cerca de 10% de todos os casos de RP.
Estudos adicionais têm identificado mutações em genes envolvidos em vários aspectos diferentes da degeneração da retina. Alguns desses
genes codificam proteínas envolvidas, por exemplo, na fototransdução (p. ex., rodopsina, a subunidade α da proteína bloqueadora de canais de
cátions guanosina monofosfato cíclica (cGMP) dos bastonetes e as subunidades α e β da cGMP fosfodiesterase dos bastonetes); na estrutura dos
fotorreceptores (p. ex., peripherin/RDS e ROM1) e no transporte proteico retiniano (p.ex., ABCR). Genes adicionais têm sido implicados em síndromes
que incluem a RP como uma característica. Por exemplo, a RP é observada na amaurose congênita de Leber (LCA, de Leber congenital amaurosis), a
doença hereditária visual mais comum em crianças. Cerca de 10% a 20% das pessoas com RP apresentam a síndrome de Usher, que possui vários
subtipos e tipicamente também envolve disfunção vestibular e surdez neurossensorial. Outros 5% dos casos de RP ocorrem como parte da
síndrome de Bardet-Biedl, na qual também são observados deficiência intelectual e obesidade.
Coletivamente, os 56 genes que causam RP identificados até agora são responsáveis por cerca de 60% de todos os casos da doença. Estudos
adicionais dessa doença geneticamente heterogênea irão, sem dúvida, descobrir outros genes, aumentando ainda mais a compreensão das causas
etiológicas dessa doença.

Segundo, mesmo que a doença seja resultado de uma única mutação original, crossings que ocorrem ao longo do tempo eventualmente resultarão
em recombinação de alelos marcadores e da doença. Um alelo causador de doença e um alelo marcador ligado estarão assim associados dentro das
famílias, mas não necessariamente entre as famílias. Em outras palavras, se avaliarmos um locus marcador e um locus de doença em uma grande
série de famílias em uma população, necessariamente não esperamos que, um alelo marcador específico esteja associado à mutação causadora da
doença na maioria ou em todas as famílias.
Às vezes, entretanto, observamos uma associação preferencial de um alelo marcador específico com o alelo da doença em uma população. Isto
significa que o haplótipo cromossômico, consistindo em um alelo marcador e um alelo de doença, é encontrado mais repetidamente do que seria
esperado, com base nas frequências dos dois alelos na população. Suponha, por exemplo, que o alelo da doença tenha uma
frequência de 0,1 na população e as frequências dos dois alelos (chamados 1 e 2) do locus marcador são 0,4 e 0,6, respectivamente. Assumindo
independência estatística entre os dois loci (p. ex., equilíbrio de ligação), a regra da
FIGURA 8-9 A, Nesta família, o alelo 1 de um marcador de polimorfismo está em fase de ligação com o alelo da doença (isto é, ambos os alelos estão na
mesma cópia do cromossomo 4). B, Em uma segunda família, o alelo 2 do mesmo marcador de polimorfismo está em fase de ligação com o alelo da
doença. Essa diferença em famílias pode refletir um evento de recombinação anterior entre o locus marcador e o locus da doença, ou pode refletir a
ocorrência de dois eventos de mutações diferentes nos ancestrais das duas famílias.

multiplicação deve predizer que a frequência do haplótipo na população contendo o alelo da doença e o alelo marcador 1 deve ser 0,1 × 0,4 = 0,04.
Por meio da coleta de informações da família, poderemos contar diretamente os haplótipos na população. Se encontrarmos que a frequência atual
desse haplótipo é 0,09, em vez de 0,04, então a suposição de independência foi violada, indicando associação preferencial do alelo marcador 1 com
o alelo da doença. Essa associação de alelos em loci ligados é denominada desequilíbrio de ligação.
A Figura 8-10 ilustra como o desequilíbrio de ligação pode acontecer. Imagine dois loci marcadores que estejam ligados ao locus da distrofia
miotônica no cromossomo 19. O marcador B está bem proximamente ligado, a menos de 1 cM de distância. O marcador A está mais afastado, a
cerca de 5 cM de distância. Como cada um desses loci marcadores possui dois alelos (indicados por 1 e 2), existem quatro combinações possíveis de
alelos marcadores nos dois loci, como mostrado na Figura 8-10. Quando uma nova mutação para a distrofia miotônica ocorre primeiramente em
uma população, ela pode ser encontrada apenas em uma das cópias do cromossomo, neste caso, naquele com a combinação de marcadores A1B2. À
medida que a mutação da doença (alelo) é transmitida por múltiplas gerações, ocorrem crossings entre ela e os dois marcadores. Pelo locus da
doença estar mais proximamente ligado ao marcador B do que ao A, menos crossings ocorrerão entre ele e o marcador B. Como resultado, o alelo da
doença é encontrado em um cromossomo contendo B2 em 90% das vezes, e em um cromossomo contendo A1 em 72% das vezes. O grau de
desequilíbrio de ligação é mais forte entre o marcador B e o alelo da doença do que entre o marcador A e o alelo da doença. Observe também que
ambos os alelos, A1 e B2, ainda estão positivamente associados ao alelo da doença, porque cada alelo marcador possui uma frequência muito menor
(50%) na população de pessoas que não têm o alelo da doença (Fig. 8-10). Ao longo de muitas gerações, eventualmente, a recombinação eliminará
completamente as associações alélicas, e os loci estarão em equilíbrio de ligação.
Como o desequilíbrio de ligação é uma função da distância entre os loci, ele pode ser utilizado para ajudar a inferir a ordem dos genes nos
cromossomos. O desequilíbrio de ligação proporciona uma vantagem sobre a análise de ligação na qual ele reflete a ação de recombinações que
tenham ocorrido durante dezenas ou centenas de gerações passadas (ou seja, o número de gerações que tenham transcorrido desde que a mutação
causadora da doença ocorreu pela primeira vez na população). A análise de ligação, ao contrário, está limitada a recombinações que podem ser
diretamente observadas somente em algumas gerações. Consequentemente, existem recombinantes suficientemente raros em uma série de famílias
para mapear um gene em uma região de alguns centimorgans utilizando a análise de ligação, enquanto a análise de desequilíbrio de ligação pode às
vezes mapear o gene em um intervalo de 0,1 cM ou menos. Entretanto, o desequilíbrio de ligação pode ser influenciado pelas forças evolutivas,
como a seleção natural ou a deriva genética, que atuam ao longo da história de uma população. Por exemplo, alguns loci no complexo principal de
histocompatibilidade no cromossomo 6 (Capítulo 9) estão em desequilíbrio, supostamente porque algumas combinações alélicas conferem uma
vantagem seletiva de imunidade para algumas doenças.

O desequilíbrio de ligação é uma associação não aleatória de alelos em loci ligados. O desequilíbrio de ligação entre os
loci diminui através do tempo como resultado da recombinação. Ele pode ser utilizado para inferir a ordem dos genes nos
cromossomos.

Ligação Versus Associação nas Populações


Os fenômenos de ligação e associação às vezes são confundidos. A ligação refere-se às posições de loci nos cromossomos. Quando dois loci estão
ligados, as combinações específicas de alelos nesses loci serão transmitidas juntas, dentro das famílias, porque estão localizadas próximas no mesmo
cromossomo. Entretanto, como no exemplo anterior da DH, as combinações específicas de alelos transmitidos juntos podem variar de uma família
para a outra. A associação, por outro lado, refere-se à relação estatística entre duas características na população geral. As duas características
ocorrem juntas na mesma pessoa mais frequentemente do que o esperado, somente pelo acaso.
FIGURA 8-10 Desequilíbrio de ligação entre o locus da distrofia miotônica (DM) e dois loci ligados, A e B. A mutação DM surge primeiro no cromossomo
com o haplótipo A1B2. Após a transmissão por várias gerações, a maioria dos cromossomos com a mutação DM ainda possui o haplótipo A1B2, porém,
como resultado de recombinações, a mutação DM também será encontrada em outros haplótipos. Como o haplótipo A1B2 é encontrado em 70% dos
cromossomos DM, mas somente em 25% dos cromossomos normais, existe um desequilíbrio de ligação entre DM e os loci A e B. Como o locus B está
mais próximo de DM, ele tem maior desequilíbrio de ligação com DM do que o locus A.

Como já discutido, os alelos de dois loci ligados devem estar associados em uma população (devido ao desequilíbrio de ligação, que é uma forma
de associação). Neste caso, uma associação na população pode levar ao mapeamento de um gene causador de doença. Um exemplo é dado pela
hemocromatose hereditária, uma doença autossômica recessiva discutida no Capítulo 7. Um estudo de associação mostrou que 78% dos pacientes
com hemocromatose tinham o alelo A3 do locus A do antígeno leucocitário humano (HLA, de human leukocyte antigen) (ver Capítulo 9 para
discussões adicionais do sistema HLA), enquanto somente 27% dos sujeitos não afetados (controles) tinham esse alelo. Esta forte associação
estatística induziu a análise de ligação utilizando polimorfismos de HLA e levou ao mapeamento do principal gene da hemocromatose a uma região
de vários centimorgans, no cromossomo 6. O grande tamanho da região dificultou a identificação do gene específico. A análise do desequilíbrio de
ligação foi subsequentemente utilizada para reduzir a região a aproximadamente 250 kb, levando à pronta identificação de um gene ligado ao HLA
(HFE) no qual uma única mutação é responsável pela maioria dos casos de hemocromatose hereditária. A associação entre esses genes da
hemocromatose e o locus ligado HLA-A é o resultado provável de uma mutação recente causadora da hemocromatose que ocorreu em uma cópia do
cromossomo que continha o alelo HLA-A3. Como a mutação ocorreu somente entre 50 a 100 gerações atrás, o desequilíbrio de ligação ainda é
observado entre o alelo HLA-A3 e a principal mutação causadora da hemocromatose.
Associações nas populações também podem resultar de uma relação causal entre um alelo e uma doença. Um exemplo de tal associação envolve
a espondilite anquilosante, uma doença que afeta primeiramente a articulação sacroilíaca (Fig. 8-11). A inflamação dos ligamentos leva à sua
ossificação e, eventualmente, a fusão das articulações (anquilose). O alelo HLA-B27 é encontrado em cerca de 90% dos americanos europeus que
apresentam espondilite anquilosante, mas em somente 5% a 10% da população euro-americana em geral. Como a incidência populacional da
espondilite anquilosante é muito baixa (<1%), a maioria das pessoas que possuem o alelo HLA-B27 não desenvolve a doença. Entretanto, aqueles
que possuem o alelo HLA-B27 têm 90 vezes mais probabilidade de desenvolver a doença do que aqueles que não possuem esse alelo (p. ex., 9% das
pessoas com o HLA-B27 mostradas na Tabela 8-1 têm espondilite anquilosante, enquanto apenas 0,1% sem HLA-B27 desenvolve a doença). Devido
à essa forte associação, um teste para

FIGURA 8-11 Espondilite anquilosante, causada pela ossificação dos discos, articulações e ligamentos na coluna vertebral. Note a postura característica.
(Modificado de Mourad LA: Orthopedic Disorders. St Louis: Mosby, 1991.)

HLA-B27 é às vezes incluído como parte do diagnóstico da espondilite anquilosante. Como a espondilite anquilosante é considerada uma doença
autoimune, a associação deve refletir o fato de que o sistema HLA é um elemento-chave na resposta imune do organismo (Capítulo 9).
Uma associação populacional também é observada entre um nucleotídeo variante no locus HLA-DQß e o diabetes tipo 1 (Capítulo 12). Por ser a
autoimunidade um fator na etiologia do diabetes tipo 1, pode haver uma relação de causalidade entre o locus HLA-DQß e a crescente suscetibilidade
a esta forma de diabetes.

Associação populacional refere-se a uma coocorrência não aleatória de fatores no nível populacional. As associações
diferem das ligações, que se referem às posições dos loci nos cromossomos. O desequilíbrio de ligação é um caso especial
de associação no qual há uma associação não aleatória de alelos específicos em loci ligados.

MAPEAMENTO FÍSICO E CLONAGEM


A análise de ligação nos permite determinar as distâncias relativas entre os loci, mas não determina as localizações específicas de marcadores ou
genes causadores de doenças. O mapeamento físico, que envolve uma variedade de métodos, realiza este objetivo, e houve consideráveis progressos
no desenvolvimento de abordagens de mapeamento físico de alta resolução.

Morfologia Cromossômica
Uma forma simples e direta de mapear genes de doença é mostrar que a doença está consistentemente associada a uma anormalidade citogenética,
como duplicação ou deleção. Tais anormalidades podem não ter consequências clínicas por si próprias (servindo assim como um marcador), ou
podem causar a doença. Como esses enfoques de mapeamento físico são historicamente os mais antigos, eles serão discutidos inicialmente.

Deleções
Os cariótipos ou array CGH (Capítulo 6) de pacientes que apresentam uma doença genética revelam ocasionalmente deleções de uma região
específica de um cromossomo. Isto é uma forte indicação de que o locus da doença pode estar localizado dentro da região deletada. A extensão da
deleção

TABELA 8-1 Associação de Espondilite Anquilosante com o Alelo HLA-B27 em uma População Hipotética*

ESPONDILITE ANQUILOSANTE

HLA-B27 PRESENTE AUSENTE

Presente 90 1.000
Ausente 10 9.000

* Esta tabela mostra que pessoas com espondilite anquilosante têm maior probabilidade de ter o alelo HLA-B27 do que os controles normais.

pode variar entre os pacientes com a mesma doença. As deleções são comparadas entre os pacientes para definir a região em comum que está
deletada definindo, assim, a localização do gene causador da doença (Fig. 8-12). O mapeamento de deleções foi utilizado, por exemplo, na
localização dos genes responsáveis pelo retinoblastoma (Capítulos 4 e 11), síndromes de Prader-Willi e Angelman (Capítulo 5) e tumor de Wilms,
um tumor renal infantil que pode ser causado por mutações no cromossomo 11. Diferentemente dos heteromorfismos discutidos, as deleções de
material genético são a causa direta de doenças genéticas.
Essas deleções afetam somente um membro do par de cromossomos homólogos, o que faz do paciente um heterozigoto para a deleção. Se uma
região for suficientemente extensa para ser observada microscopicamente e nela estivesse faltando ambos os cromossomos, geralmente ela
produziria uma condição letal.

Translocações
Como discutido no Capítulo 6, as translocações cromossômicas balanceadas frequentemente não produzem efeito em um portador, porque o
indivíduo ainda tem uma cópia completa de seu material genético. Entretanto, quando uma translocação promove uma disrupção em um gene, ela
pode resultar em doença genética. Por exemplo, após a análise de ligação ter mapeado de maneira muito provável o gene NF1 no braço longo do
cromossomo 17, uma localização mais refinada só foi obtida quando dois pacientes foram identificados — um com uma translocação balanceada
entre os cromossomos 17 e 22, e o outro com uma translocação balanceada entre os cromossomos 17 e 1. Os pontos de quebra nessas translocações
no cromossomo 17 foram localizados muito próximos um do outro, na mesma região implicada pela análise de ligação. Eles forneceram um ponto
físico inicial para experimentos que mais tarde levaram à clonagem do gene NF1.

FIGURA 8-12 Localização de um gene causador de doença por mapeamento de deleção. É estudada uma série de deleções sobrepostas, na qual cada
deleção produz o fenótipo da doença. A região de sobreposição de todas as deleções define a localização aproximada do gene da doença.

Um exemplo similar foi fornecido por translocações observadas entre o cromossomo X e autossomos em mulheres com a distrofia muscular de
Duchenne (DMD). Por ser esta uma doença recessiva ligada ao X letal, as mulheres homozigotas afetadas são raras. Observou-se que o ponto de
quebra da translocação no cromossomo X tinha a mesma localização (Xp21) em várias mulheres afetadas, sugerindo que a translocação afetava o
gene DMD. Isto foi comprovado e essas translocações ajudaram consideravelmente no mapeamento e clonagem do gene DMD. (Embora essas
mulheres também possuam um cromossomo X normal, este foi preferencialmente inativado, ficando somente o X alterado ativo.)

Mapeamento de Dosagem Usando Deleções e Duplicações


Quando ocorre uma deleção em um cromossomo, os produtos proteicos codificados pelos genes na região deletada são observados em apenas
metade da quantidade normal. Esta é a base de uma abordagem simples conhecida como mapeamento de dosagem. Por exemplo, foi observado
que uma redução de 50% no nível da enzima adenilato quinase estava consistentemente associada a uma deleção no cromossomo 9, mapeando o
gene da adenilato quinase na região cromossômica.
Igualmente, uma duplicação do material cromossômico deve estar associada a um aumento dos níveis do produto gênico. Quando três genes
estão presentes, em vez de dois, o aumento deve ser de aproximadamente 50% acima do normal. Esta forma de mapeamento de dosagem foi usada
para mapear o gene que codifica a superóxido dismutase-1 (SOD-1) no braço longo do cromossomo 21.

Um gene pode ser mapeado fisicamente em uma região cromossômica pela associação das variações observadas
citogeneticamente (heteromorfismos, translocações, deleções e duplicações) à expressão gênica (incluindo a presença de
uma doença genética).

Clonagem Posicional
Às vezes, o produto gênico responsável por uma doença genética é conhecido antes da identificação do próprio gene. Este foi o caso, por exemplo,
do polipeptídio da β-globina e da anemia falciforme. Em tais casos, podemos deduzir a sequência de DNA a partir da sequência de aminoácidos do
polipeptídio; esta sequência de DNA pode ser utilizada para elaborar uma sonda visando localizar o gene da doença. Esse tipo de enfoque, no qual o
produto gênico e sua função são utilizados para identificar o gene, é um exemplo de clonagem funcional (isto é, identificar um gene específico ou
segmento gênico e fazer cópias do mesmo para estudo [Capítulo 3, Quadro 3-1]).
Mais frequentemente, entretanto, temos apenas um resultado de ligação, que localizou o gene da doença em uma região próxima ao polimorfismo
marcador ligado (as localizações desses marcadores foram previamente estabelecidas). Como a análise de ligação tem resolução limitada, a região
que contém o locus da doença pode estar a várias megabases ou mais, e pode conter facilmente dezenas de genes intercalados com DNA não
codificante (Fig. 8-13). Uma abordagem comum é começar com um marcador ligado e então procurar a região ao redor do marcador, para localizar
e identificar o próprio gene da doença. Pelo fato de esse processo começar com um conhecimento aproximado da posição do gene no cromossomo,
ele tem sido tradicionalmente denominado clonagem posicional.
Suponha que conheçamos a localização aproximada de um gene de doença, determinado por meio da análise de ligação. A região que contém
esse gene pode ser definida pela fração de recombinação entre o gene e o marcador polimórfico (tipicamente de um a vários centimorgans). Seus
limites são mais comumente definidos pelos marcadores que não têm recombinações observáveis com o gene (Fig. 8-7). O gene da doença pode
estar localizado em qualquer lugar da região, e então a sequência de DNA dessa região deve ser analisada e avaliada para localizar precisamente a
sequência correspondente ao gene. Até o genoma humano ser totalmente sequenciado (Quadro 8-2), essa era uma tarefa assustadora que poderia
requerer anos de trabalho. A sequência final do genoma humano está disponível atualmente em banco de dados computadorizados; assim os
investigadores frequentemente examinam uma região de interesse simplesmente acessando a sequência de DNA apropriada em um computador.
À medida que analisamos a região do DNA que contém o gene da doença, como saber se realmente alcançamos o gene? O DNA codificante (ou
seja, o DNA que codifica proteínas) deve ser diferenciado do DNA não codificante, e a função provável de cada gene na região deve ser
determinada. Vários enfoques podem ser utilizados para realizar essas tarefas.

DNA Funcional Versus DNA Não Funcional


A maioria das nossas sequências de DNA não possui função conhecida e provavelmente não contribui para doenças. Assim, na busca por mutações
causadoras de doença, tipicamente focalizamos o DNA que codifica proteínas ou desempenha funções reguladoras importantes (isto é, enhancers ou
sequências promotoras). Em virtude da sua significância funcional, sequências de DNA codificador, ou sequências reguladoras, geralmente não
podem ser modificadas ao longo da evolução. Isto significa que tais sequências de DNA serão conservadas, ou seja, as sequências de pares de bases
serão semelhantes entre várias espécies diferentes. Ao contrário, as sequências de DNA não funcionais são mais suscetíveis para mudar rapidamente
e diferirem substancialmente entre as espécies. As sequências de DNA podem ser comparadas utilizando-se algoritmos de computadores (ver a
seguir) para distinguir o DNA funcional (conservado) do DNA não funcional (não conservado). À medida que o genoma total de mais espécies são
sequenciados, mais comparações entre suas sequências genômicas são possíveis. Tais comparações têm mostrado que 5% do genoma humano não
codificador está altamente conservado e, portanto, provavelmente realiza funções reguladoras.
Como discutido no Capítulo 3, a maioria dos dinucleotídeos CG está metilada. Entretanto, aproximadamente 60% dos genes humanos possuem
esses dinucleotídeos não metilados (ilhas CG) na região 5’. (A perda da metilação na região 5’ do gene provavelmente torna-o mais acessível aos
fatores de transcrição necessários para uma expressão ativa.) A identificação de uma série de ilhas CG é frequentemente utilizada para indicar as
localizações de genes codificadores.

A identificação de sequências de DNA altamente conservadas entre múltiplas espécies e a identificação de ilhas CG não
metiladas são estratégias para distinguir o DNA codificador ou regulador (funcional) do DNA não funcional.

Análise Computacional de Sequências de DNA


Algoritmos computacionais sofisticados podem testar a sequên­cia de DNA para padrões que sinalizam um gene codificador (p. ex., sítios de
iniciação da transcrição, códons de parada, limites íntron-éxon). Esta abordagem foi utilizada, por exemplo, para ajudar a identificar e caracterizar
um dos genes da doença policística renal do adulto (PKD1, Cap. 4). Adicionalmente, esses algoritmos podem frequentemente reconhecer padrões
típicos de genes que codificam classes específicas de proteínas (p. ex., fatores de transcrição e proteínas transmembranas).
Os bancos de dados computadorizados de sequências de DNA conhecidas também desempenham papel importante na identificação de genes.
Quando se estuda uma região específica de DNA procurando um gene, é comum pesquisar
FIGURA 8-13 Em uma análise de ligação típica, um polimorfismo marcador é identificado proximamente ligado ao gene da doença. A localização
cromossômica desse marcador foi estabelecida por mapeamento de ligação e mapeamento físico prévios. A região circundante ao marcador pode
conter sequência de DNA de até várias megabases e cada gene nessa região é um candidato em potencial para ser o causador da doença.

QUADRO 8-2 O Projeto Genoma Humano


O Projeto Genoma Humano foi um dos empreendimentos mais amplamente divulgados e ambiciosos na história da pesquisa biomédica. Iniciado
em outubro de 1990, esse projeto de 15 anos teve três objetivos principais: um mapa de marcadores genéticos, um mapa físico e obter a sequência
completa dos três bilhões de pares de base do genoma humano.

O mapa de marcadores foi completado no começo do projeto e, atualmente, inclui milhares de polimorfismos distribuídos ao longo do genoma,
como SNPs e STRs. Em média, um polimorfismo útil pode ser encontrado em intervalos menores que 1 cM. Assim, um marcador proximamente
ligado pode ser encontrado para praticamente qualquer gene de doença. Além desses polimorfismos, milhões de SNPs têm sido identificados ao
longo do genoma. Os SNPs são variantes de uma única base que individualmente são menos polimórficos do que os polimorfismos STR.
Entretanto, eles possuem uma taxa de mutação menor do que estes polimorfismos, e são especialmente passíveis de análise por processamento
automatizado computadorizado (p. ex. microarrays; Capítulo 3). Assim, têm sido muito úteis para o mapa genético humano.

O segundo objetivo, um mapa físico dos sítios de sequência marcada conhecidos (STSs, de sequence-tagged sites), distribuídos em intervalos de
100 kb ao longo do genoma, também está completo. Estas sinalizações físicas foram inestimáveis nos experimentos de clonagem posicional, que
foram utilizadas para localizar uma série de sequências de DNA (p. ex., aquelas inseridas em vetores de clonagem como cromossomos artificiais
de levedura (YACs, de yeast artificial chromosomes), cromossomos artificiais de bactéria (BACs, de bacterial artificial chromosomes), ou cosmídeos em
ordem relativa.

O objetivo final, a sequência completa do genoma, foi o principal desafio nos setores público e privado. O esforço financiado pelo setor público
foi iniciado pelo estabelecimento de um quadro de sobreposição de segmentos clonados de DNA humano. Esses segmentos de DNA, que foram
clonados em vetores tais como BACs e cromossomos artificiais do bacteriófago P1 (PACs, de P1 artificial chromosomes), foram ordenados por
tamanhos de 100 a 200 kb. O estabelecimento de sobreposições precisas e as localizações cromossômicas desses segmentos foram desafios
técnicos formidáveis, e a sua realização foi auxiliada consideravelmente pelo mapa físico dos STSs. Cada segmento de DNA foi então quebrado em
pequenos fragmentos de restrição e sequenciado, e os dados resultantes foram colocados em um banco de dados de acesso público. Por outro
lado, os esforços do setor privado começaram com segmentos de DNA muitos menores (tamanho de vários kb) e clonados em plasmídios. Cada um
desses pequenos segmentos foi sequenciado e, em seguida, foram identificadas sobreposições para montar uma sequência de DNA maior, com a
utilização dos dados disponibilizados ao público.

Em fevereiro de 2001, ambos os grupos anunciaram que tinham completado aproximadamente 90% da sequência do DNA eucromático humano
(ou seja, a porção do DNA que contém os genes). Uma sequência completa e mais precisa, com uma taxa de erro menor do que 1 a cada 10.000 pb,
foi revelada na primavera de 2003, exatamente 50 anos após a primeira descrição da estrutura do DNA por Watson e Crick.

A conclusão desse projeto continua trazendo muitos benefícios. A clonagem posicional, antes um problema para os laboratórios de genética,
agora é muito mais viável graças a existência de mapas físicos e sequências de DNA. O tempo necessário para identificar genes por meio de
abordagens como sequenciamento de genoma e exoma continua a diminuir, e o número de genes de doenças que têm sido identificados dessa
maneira está crescendo a cada ano. A clonagem desses genes produz muitos benefícios importantes: diagnóstico genético preciso, possibilidade de
fabricação de produtos gênicos pelas técnicas de DNA recombinante e aperfeiçoamento do tratamento por meio de drogas mais específicas ou
terapia gênica (Capítulo 13).

A mesma tecnologia utilizada para sequenciar o genoma humano tem sido aplicada a dezenas de outros organismos: vírus e bactérias
significativos para a medicina, culturas importantes na agricultura, como de arroz e milho, e organismos experimentais fundamentais, como
leveduras, moscas-das-frutas, camundongos e ratos. As similaridades entre os genes desses organismos e dos humanos têm ajudado a entender a
natureza de vários genes humanos.

É um erro pensar que a conclusão da sequência do genoma humano é o fim de uma era para a pesquisa. A sequência do genoma, de valor
inestimável, nada mais é do que uma longa cadeia de nucleotídeos. O desafio será utilizar esse vasto conjunto de informações para identificar os
genes, entender sua regulação e expressão, e caracterizar as muitas complexas interações entre os genes e o ambiente, que em última análise
origina os fenótipos. Além disso, a sequência genômica original publicada representou, para cada região do genoma, a sequência de somente um
indivíduo. (Em função do alto grau de similaridade dos genes e suas localizações cromossômicas entre todos os indivíduos, essa sequência é única
e ainda é altamente útil para localizar e identificar genes.) O sequenciamento do DNA em larga escala de milhares de indivíduos, que é agora uma
tendência, ajudará a conhecer a suscetibilidade diferencial a doenças genéticas. Um exemplo é o financiamento público do Projeto 1.000 Genomas,
no qual os genomas de milhares de membros de diversas populações humanas estão sendo sequenciados. A sequência do genoma humano
representa, portanto, o início, muito mais do que o fim, de uma era de pesquisas científicas prósperas e excitantes.

similaridades entre as sequências de DNA nessa região e as sequências de DNA no banco de dados. As sequências do banco de dados são derivadas
de genes com funções conhecidas ou padrões de expressão tecido-específicos. Suponha, por exemplo, que estejamos utilizando a análise de ligação
para identificar uma região que contém um gene que causa uma alteração no desenvolvimento, como malformação dos membros. À medida que
avaliamos as sequências de DNA, na região, devemos procurar por similaridades entre a sequência de DNA dessa região e uma sequência plausível
do banco de dados (p. ex., uma sequência de um gene que codifica uma proteína envolvida no desenvolvimento dos ossos, tal como o fator de
crescimento de fibroblasto). Como os genes que codificam produtos proteicos similares possuem sequências de DNA similares, um pareamento
entre a sequência da nossa região e a sequência no banco de dados pode ser uma pista vital de que essa sequência de DNA, em particular, é de fato
parte de um gene que causa a malformação dos membros.
A similaridade pesquisada não precisa necessariamente ser limitada a genes humanos. Sequências completas de DNA de mais de duas dezenas de
organismos, incluindo chimpanzés, galinhas, camundongos, moscas-das-fruta e leveduras, estão atualmente disponíveis em banco de dados
computadorizados. Frequentemente, a similaridade de sequências é observada em genes com funções conhecidas em outros organismos, tais como
camundongos ou até mesmo em leveduras ou bactérias. Como os genes com produtos proteicos importantes tendem a ser altamente conservados ao
longo da evolução, a identificação de um gene similar a outro pode fornecer informações importantes sobre a função deste em humanos. Por
exemplo, muitos dos genes envolvidos na regulação do ciclo celular são bastante similares em leveduras e humanos (p. ex., porções do gene NF1 e o
gene IRA2 em levedura). De fato, aproximadamente um terço dos genes humanos causadores de doença identificados até o presente possui
homologia similar em leveduras. Esses genes e seus produtos podem facilmente ser manipulados em organismos experimentais, de modo que suas
funções sendo mais bem compreendidas nesses organismos possam fornecer inferências úteis sobre suas funções em humanos. Vários genes
importantes de doenças foram descobertos pela similaridade com genes candidatos que posteriormente foram identificados em outros organismos (p.
ex., o gene “olho pequeno” de camundongo e aniridia, o gene “mancha” de camundongo e a síndrome de Waardenburg, os genes patched
(“remendado”) de Drosophila e camundongo, e síndrome do nevo basocelular, o gene “olho rosa” de camundongo e o albinismo oculocutâneo tipo
2). Além de possibilitar maior compreensão sobre os genes codificadores, as comparações de sequências entre as espécies podem também revelar
sequências não codificadoras altamente conservadas que contêm elementos reguladores importantes. Estes também podem contribuir para o risco de
doenças.

Muitos bancos de dados computadorizados e algoritmos são atualmente utilizados para inferir se determinadas
sequências de DNA estão localizadas dentro de genes. A possível função de um gene pode ser inferida pela comparação
de sua sequência com a de genes humanos ou não humanos cujas funções são conhecidas.

Triagem para Mutações na Sequência


Uma vez que uma parte do DNA codificador foi isolada, ela pode ser investigada para mutações causadoras de doenças, geralmente pelo
sequenciamento direto do DNA (Capítulo 3). Se uma sequência de DNA representa um gene causador de doença, então devem ser encontradas
mutações em indivíduos com a doença, mas não em indivíduos não afetados. Para ajudar a distinguir as mutações causadoras de doenças dos
polimorfismos que variam naturalmente entre as pessoas, é particularmente útil comparar o DNA dos pacientes cuja doença é causada por mutações
novas com o DNA de seus genitores não afetados. Enquanto um polimorfismo inócuo será observado tanto na prole afetada quanto nos genitores
não afetados, a mutação responsável pela doença na prole não será observada nos genitores. Este enfoque é especialmente útil para a identificação
de mutações em genes de doenças autossômicas dominantes com alta penetrância, como o NF1.
Outro tipo de mutação que pode ser testado é uma deleção submicroscópica (ou seja, uma deleção muito pequena para ser observável ao
microscópio). Pequenas deleções podem ser detectadas utilizando-se técnicas de array CGH ou sequenciamento de alto rendimento (Capítulo 3). Na
última abordagem, uma deleção será determinada pela redução substancial no número de “leituras” (reads) em uma dada região. Outras técnicas,
como a hibridização in situ fluorescente (FISH; Capítulo 6), ou a amplificação dependente da ligação de sondas múltiplas (MLPA, do inglês,
multiplex ligation-dependent probe amplification; Capítulo 3) também podem ser utilizadas em alguns casos para detectar pequenas deleções.

Testes para Expressão Gênica


Para ajudar a verificar se um gene é responsável por uma determinada doença, podemos testar vários tecidos para determinar aqueles em que ele
está expresso (ou seja, transcrito em mRNA). Isto pode ser feito purificando-se o mRNA do tecido, colocando-o em um blot e testando-o para
hibridização com uma sonda feita a partir do gene. Esta técnica, conhecida como Northern blotting (Fig. 8-14), é conceitualmente similar ao
Southern blotting, com a diferença de que é o mRNA, e não o DNA, que está sendo investigado. Se o gene em questão causa a doença, o mRNA
deve ser expresso em tecidos que conhecidamente são afetados pela mesma (o mesmo raciocínio é aplicado às análises de segmentos de DNA
obtidos a partir de bibliotecas de cDNA tecido-específicas). Por exemplo, é esperado que o gene da fenilalanina hidroxilase (cujas mutações causam
a fenilcetonúria [PKU]) esteja expresso no fígado, onde se sabe que essa enzima é sintetizada.
FIGURA 8-14 Um exemplo de Northern blotting, mostrando a hibridização de uma sonda de cDNA do gene EVI2A (um gene incorporado em íntron do
gene NF1) com o mRNA de glândula suprarrenal, cérebro e fibroblastos. Este resultado indica que EVI2A é expresso no cérebro em um nível muito mais
alto do que nos outros dois tecidos. (Cortesia de Dr. Richard Cawthon, University of Utah Health Sciences Center.)

Atualmente, a maioria dos testes para expressão gênica envolve o uso de microarrays (Capítulo 3) ou sequenciamento de RNA de alto
rendimento. Em ambos os procedimentos, o mRNA de um tecido de interesse é primeiramente convertido em cDNA (Quadro 8-3). Há microarrays
fabricados com milhares de sequências de nucleotídeos representando genes de interesse, e estes podem ser expostos ao cDNA fluorescentemente
marcado de tecidos relevantes para determinar em quais deles os genes específicos estão expressos. Se o cDNA marcado do tecido corresponder a
um gene representado no microarray, a sequên­cia de cDNA e a sequência da sonda terão se pareado pelas bases complementares, e será observado
um sinal fluorescente (Capítulo 3). A quantidade de expressão de um determinado gene em um tecido é comparada ao nível de expressão de uma
amostra controle conhecida, produzindo um nível relativo de expressão. Uma limitação da análise de expressão gênica por microarray é que
somente os transcritos que correspondem às sondas no microarray podem ser avaliados. Transcritos novos ou previamente desconhecidos não serão
detectados.
O sequenciamento de RNA de alto rendimento (ou RNA-seq, Fig. 8-15) fornece uma estimativa mais quantitativa de expressão gênica pelo
sequenciamento de segmentos de cDNA, comparando-os com uma sequência de DNA de referência, e contando o número de vezes em que cada
segmento é lido. Os genes que são altamente expressos em um tecido (isto é, genes que produzem um grande número de transcritos de mRNA)
produzirão um número maior de leituras da sequência. Um gene que é altamente expresso em um determinado tecido se torna um bom candidato
para ser o causador da doença (p. ex., o gene que codifica fenilalanina hidroxilase teria um alto nível de expressão no tecido hepático).
Outra forma de avaliação da expressão gênica envolve a inserção de uma versão normal da sequência de DNA em uma célula defeituosa de uma
pessoa afetada (ou modelo animal), utilizando-se técnicas de DNA recombinante. Se a sequência normal corrigir o defeito, é bem provável que ela
represente o gene de interesse. Esta abordagem tem sido utilizada, por exemplo, para mostrar que mutações no gene CFTR podem causar fibrose
cística.

Para determinar se um gene contribui para a causa de uma doença, um teste importante é examinar mutações que
estejam presentes em pessoas afetadas e ausentes em controles não afetados. O que também evidencia a contribuição de
um gene para uma doença específica é a demonstração de que o mRNA correspondente ao gene está expresso em
tecidos associados ou afetados pela doença. Os níveis de expressão gênica podem ser determinados com o uso de
microarrays ou sequenciamento do RNA.

Genes Candidatos
O processo de procura dos genes pode ser acelerado consideravelmente caso um gene candidato esteja disponível.

FIGURA 8-15 Ánalise de expressão usando sequenciamento de RNA (RNA-seq). O mRNA é purificado a partir das células de um tipo específico e é
analisado diretamente ou transcrito de forma reversa em DNA complementar (cDNA), conforme é mostrado na figura. A tecnologia de sequenciamento
de alto rendimento (Capítulo 3, Figura 3-27) é usada para gerar leituras de sequência de aproximadamente 100 pb de comprimento, correspondendo
aos éxons no mRNA maduro. O número de leituras para um éxon específico indica o nível de expressão do mRNA, conforme é mostrado no gráfico na
parte inferior da figura.

Como o nome indica, esse é um gene cujo produto proteico conhecido é um provável candidato para a doença em questão. Por exemplo, os vários
genes para o colágeno foram considerados candidatos razoáveis para a síndrome de Marfan, porque o colágeno é um importante componente do
tecido conjuntivo. Entretanto, as análises de ligação utilizando marcadores para o gene do colágeno em famílias com síndrome de Marfan
produziram resultados consistentemente negativos. Outro gene candidato emergiu quando o gene que codifica a fibrilina 1 (FBN1) foi identificado
no cromossomo 15. A fibrilina, como discutido no Capítulo 4, também é um componente do tecido conjuntivo. A análise de ligação localizou o
gene da síndrome de Marfan no cromossomo 15, e então o gene FBN1 se tornou um candidato ainda mais forte. As análises de mutações no gene
FBN1 mostraram que elas eram consistentemente associadas à síndrome de Marfan, confirmando essas mutações como causa da doença. Essa
combinação da análise de ligação para identificar a região que contém o gene, com a investigação da região na busca pelo gene candidato plausível,
é, às vezes, chamada de método do candidato posicional (clonagem posicional).

Genes candidatos são aqueles cujas características (p. ex., produto proteico) sugerem que eles podem ser responsáveis
por uma doença genética. A análise de genes candidatos em uma região conhecida que contém o gene da doença é
chamada método do candidato posicional.

MAPEAMENTO GÊNICO POR ASSOCIAÇÃO: ESTUDOS DE ASSOCIAÇÃO GENÔMICA AMPLA


Desenvolvimentos tecnológicos, incluindo microarrays (Capítulo 3) têm permitido aos investigadores testarem associações entre fenótipos de
doenças nas populações e milhares de milhões de loci marcadores distribuídos ao longo do genoma. Esses estudos de associação genômica ampla
(GWAS, de genome-wide association studies) tipicamente envolvem a análise de SNPs, utilizando um microarray, em um vasto número de pessoas
afetadas. Microarrays também são utilizados para avaliar variações no número de cópias (CNVs; Capítulo 3), que podem variar consideravelmente
entre os indivíduos. A frequên­cia alélica de cada SNP entre os indivíduos afetados (casos) é comparada com a frequência alélica do mesmo SNP em
uma amostra de pessoas não afetadas (controles; Fig. 8-16). Se for observada uma diferença estatística significante entre as frequências do SNP nos
casos, em comparação com os controles, então o SNP deve estar localizado dentro ou muito próximo ao gene ou a um elemento regulador que
contribui para a suscetibilidade à doença. O SNP por si próprio pode causar doença, ou ele deve estar em desequilíbrio de ligação com uma variante
próxima que causa a doença. Quando um milhão de SNPs são tipados, cada SNP é localizado, em média, somente a 3 kb do próximo SNP, o que
significa que o SNP provavelmente está muito próximo da variante causadora da doença.

FIGURA 8-16 Estudo de associação genômica ampla, em que as frequências de polimorfismos de nucleotídeo único (SNPs) ou variantes de número de
cópias (CNVs) são comparadas em amostras de casos de controles não afetados. O microarray de SNP é analisado para cada caso e cada controle a fim
de fornecer estimativas das frequências alélicas de cada SNP nas amostras de caso e controle. Os SNPs cujas frequências alélicas diferem
significativamente entre as amostras de caso e controle podem estar localizados no, ou próximo ao, gene da doença.

Os GWAS têm sido especialmente úteis na descoberta de genes que contribuem para doenças comuns, como diabetes, câncer e doença cardíaca
(Capítulo 12). Como tais doenças são tipicamente o resultado da ação de múltiplos loci, assim como de fatores não genéticos, a análise de ligação
tradicional às vezes não é efetiva na detecção dos loci causais. Uma vantagem dos GWAS é que não há necessidade de fazer suposições sobre a
biologia da doença a fim de escolher quais genes estudar: variantes próximas a cada gene são testadas. De fato, os resultados dos GWAS
frequentemente apontam novas vias biológicas, anteriormente não suspeitadas, que exercem um papel na doença em estudo. Adicionalmente, não é
necessário coletar dados da família para detectar associações nas populações (embora tais dados possam ser úteis). Ao contrário, casos não
relacionados e controles, tipicamente utilizados nos GWAS, são mais fáceis de serem encontrados e testados do que famílias inteiras.
Estudos de associação devem ser interpretados cautelosamente, porque vários fatores podem produzir falsas associações entre a doença e o fator
de risco potencial. Um exemplo é a estratificação étnica da população: certas doenças são mais comuns em certos grupos étnicos e as frequências
alélicas podem diferir entre tais grupos por causa de suas histórias evolutivas. Assim, quando se comparam os casos de doença e controles sem uma
correspondência apropriada para etnias, uma associação falsa, devido simplesmente a diferenças étnicas entre os dois grupos, pode ser encontrada.
Por exemplo, o diabetes tipo 2 (Capítulo 12) tem sido extensivamente estudado na população americana Pima Nativa, na qual a doença é muito mais
comum do que entre euro-americanos. Foi observado que a ausência do haplótipo codificador de imunoglobulina humana (denominado Gm3) está
fortemente associada ao diabetes tipo 2 na população Pima. Isto sugeriu, inicialmente, que a ausência do Gm3 poderia estar envolvida na causa do
diabetes tipo 2. Entretanto, análises adicionais revelaram que a proporção de ancestrais europeus variou substancialmente entre indivíduos da
população Pima e a frequência do Gm3 também variou com o grau de ancestralidade europeia: Gm3 está ausente nos Pimas sem ancestralidade
europeia, mas tem uma frequência de 65% entre os europeus. Como o diabetes tipo 2 é muito menos comum entre europeus, a associação aparente
entre diabetes tipo 2 e a ausência de Gm3 foi, provavelmente, mais uma consequência do nível de miscigenação europeia. Deste modo, quando o
grau de ancestralidade europeia nos indivíduos do estudo foi levado em consideração, não houve evidência de associação.
Outros fatores que podem produzir associações falsas incluem definição imprecisa do estado da doença, tamanhos inadequados de amostras e
pareamento incorreto de casos e controles por variáveis como idade e sexo. A incapacidade de replicar uma associação em diferentes estudos
populacionais é uma indicação de que a associação pode ser inválida. Adicionalmente, como um GWAS típico compara milhares de marcadores em
casos e controles, uma pequena fração de marcadores poderá parecer estar associada à doença somente devido ao acaso. Procedimentos estatísticos
são utilizados para detecção e correção desses eventos.
Embora os GWAS tipicamente incluam de um a vários milhões de SNPs distribuídos ao longo do genoma, populações humanas podem conter
esse número de SNPs várias vezes. Como poderemos ter certeza de que o conjunto de SNPs utilizados no GWAS representa adequadamente todos
os SNPs no genoma? Os investigadores têm aplicado o conceito de desequilíbrio de ligação para resolver esse problema. Suponha, por exemplo, que
se saiba que o SNP nucleotídeo C esteja fortemente em desequilíbrio de ligação com o SNP nucleotídeo T adjacente. Isto significa que sempre que
uma pessoa possuir o alelo C, ela quase sempre possuirá o alelo T (isto é, o haplótipo C/T). Assim não é necessário tipar os dois SNPs nos casos e
nos controles de um estudo: presume-se que aqueles que possuem C no primeiro SNP também possuem T no segundo SNP. Pela identificação de
uma série de SNPs que estejam em forte desequilíbrio, somente um indivíduo da série precisa ser tipado (Fig. 8-17). Isto pode reduzir
substancialmente o custo de um GWAS. Há um trabalho em larga escala para identificar séries de SNPs em desequilíbrio de ligação um com o
outro, o Projeto Internacional de Mapas de Haplótipos (HapMap), que tem estabelecido padrões de desequilíbrio de ligação para milhões de SNPs
nos genomas de populações africanas, asiáticas e europeias. Isto tem possibilitado aos pesquisadores concentrarem os esforços na identificação de
genes com um número menor de SNPs marcadores altamente informativos em qualquer região do genoma humano.
Até o momento, a maioria dos GWAS tem se baseado em dados de microarray (SNPsou CNVs comparados em casos e controles). Isto limita o
estudo às variantes presentes no microarray, e essas variantes tipicamente têm frequências de alelos maiores que 5% nas populações. Assim,
variantes raras, que podem contribuir substancialmente com a causa da doença, têm sido tipicamente omitidas dos GWAS (veja texto a seguir).
Entretanto, dados de sequências de DNA geradas por cada caso e controle estão sendo usadas em estudos de associação para que toda a variação,
comum ou rara, possa ser considerada.

FIGURA 8-17 Sequências de DNA de mesma localização cromossômica foram examinadas em seis indivíduos (um cromossomo do par de cada
indivíduo). Três polimorfismos de nucleotídeo único (SNPs; setas) nesta sequência são mostrados em vermelho. As outras bases nucleotídicas não
variam entre os indivíduos. Por causa do desequilíbrio da ligação, os alelos C, T e G dos três SNPs ocorrem juntos em alguns dos pares do cromossomo,
e os alelos T, G e C ocorrem juntos em outros pares do cromossomo. Assim, é necessário tipar somente um dos SNPs para se saber que alelo o
indivíduo possui nos outros dois SNPs.

Os estudos de associação genômica ampla (GWAS) analisam associações ou o desequilíbrio de ligação entre uma doença
e um marcador (ou vários marcadores), testando milhões de marcadores ao longo do genoma. Tipicamente isto é
realizado com análises de microarray de casos da doença e controles não afetados. Como em todos os estudos caso-
controle, cuidados consideráveis devem ser tomados para evitar resultados falsos advindos do pareamento inadequado
de casos e controles.

SEQUENCIAMENTO COMPLETO DO EXOMA E DO GENOMA


Durante as duas últimas décadas, o número de genes relacionados a doenças descobertos por meio de abordagens de clonagem posicional e do
gene candidato progrediu continuamente. No entanto, tornou-se cada vez mais claro que a identificação gênica da maioria das condições
mendelianas, nas quais o gene causador permanecia desconhecido, não seria possível com o uso dessas estratégias. Tecnologias recentes de
sequenciamento do DNA, denominado sequenciamento paralelo massivo ou sequenciamento de nova geração (NGS, do Inglês Next Generation
Sequencing), reduziram drasticamente os custos em comparação com os métodos mais antigos, como o sequenciamento de Sanger (Capítulo 3). O
desenvolvimento de métodos para capturar milhares de regiões alvos do genoma humano especificamente acopladas, correspondendo a cada gene,
com o uso do sequenciamento paralelo massivo, tornou possível, a custos reduzidos, determinar praticamente toda a variação do genoma de um
indivíduo, que se resume a menos de 2% dele, em um único exame. Esse processo, no qual os éxons são os alvos, sendo depois sequenciados, é
chamado de sequenciamento do exoma. Essa técnica se tornou uma nova e poderosa abordagem para identificar os genes relacionados a condições
mendelianas, particularmente em circunstâncias nas quais as abordagens convencionais falharam.
As etapas básicas necessárias para o sequenciamento do exoma são mostradas na Figura 8-18. O DNA é fragmentado aleatoriamente, é feita uma
biblioteca genômica desses fragmentos (Quadro 8-3) e os fragmentos são flanqueados por adaptadores. Em seguida, a biblioteca é enriquecida por
sequên­cias correspondentes aos éxons por captura de hibridização. Os fragmentos são hibridizados ao DNA ou RNAs “iscas” biotinilados na
presença de oligonucleotídeos bloqueadores complementares aos adaptadores. A recuperação dos fragmentos hibridizados por suspensão baseada na
biotina-estreptavidina é seguida pela amplificação por PCR e sequenciamento paralelo massivo da biblioteca enriquecida e amplificada. A análise
computadorizada dos dados do sequenciamento pode, então, identificar virtualmente todas as variantes em quase todos os genes codificadores de
proteínas de um indivíduo.
O sequenciamento do exoma identifica, em média, cerca de 20.000–25.000 variantes de nucleotídeo único por pessoa. Mais de 95% dessas
variantes já foram observadas previamente e são identificadas como polimorfismos nas populações humanas (ou seja, a frequência do alelo menos
comum é maior do que 1%). Assim, em um indivíduo com uma condição mendeliana,

FIGURA 8-18 Sequenciamento do exoma. O DNA genômico é cortado aleatoriamente para criar uma biblioteca de fragmentos de DNA que são
flanqueados por sequências adaptadoras (não mostradas). A biblioteca é enriquecida por sequências correspondentes aos éxons (fragmentos azul-
escuros) por meio de captura por hibridização. No procedimento de captura, também conhecida como “pulldown”, os fragmentos são hibridizados a
iscas de DNA e RNA biotinilados (fragmentos laranja) na presença de oligonucleotídeos bloqueadores que são complementares aos adaptadores (não
mostrado). Os fragmentos de DNA hibridizados são amplificados por PCR e sequenciados rapidamente usando técnicas de alto rendimento (Capítulo 3).
O resultado final é a sequência de DNA da grande maioria dos éxons no genoma. (Modificado de Bamshad MJ, Ng SB, Bigham AW, et al. Exome
sequencing as a tool for Mendelian disease gene discovery. Nat Rev Genet. 2011;12(11):745-755.)

é menos provável que elas sejam as causadoras da doença. Mas ainda restam centenas de variantes por pessoa que são consideradas como candidatas
(isto é, qualquer uma das variantes pode ser a única que causa uma condição mendeliana). Existem várias maneiras de reduzir ainda mais o número
de variantes candidatas e, eventualmente, identificar um gene causador subjacente. Primeiramente, devem-se priorizar as variantes. Para isso é
preciso se prever que tenham uma consequência funcional; por exemplo, levar a um códon de parada, à substituição de um aminoácido ou a uma
mutação frameshift. Além disso, conforme se discutiu anteriormente, um sítio variante tem maior prioridade se estiver altamente conservado através
das espécies, porque a conservação implica significância funcional. A etapa comum subsequente é comparar as variantes candidatas encontradas em
uma pessoa afetada, com as variantes candidatas encontradas em outras pessoas com a mesma condição. Encontrar múltiplas variantes novas (nunca
observadas antes em humanos) ou raras no mesmo gene, em múltiplas pessoas com a mesma condição sugere que o gene é o causador. O uso de
informações do heredograma pode melhorar de maneira significativa a capacidade de se encontrar o gene causador da doença. De fato, o
sequenciamento do exoma de apenas dois indivíduos pode identificar o gene causador de uma condição mendeliana.
O sequenciamento do exoma dos genitores e de uma criança (isto é, trio pais–filho) é uma abordagem altamente efetiva para a identificação de
mutações codificadoras de novo. É extremamente improvável encontrar múltiplos eventos de novo no mesmo gene entre indivíduos com a mesma
condição, a não ser que o gene tenha um papel na causa da

QUADRO 8-3 Bibliotecas Genômicas e de cDNA


As bibliotecas de DNA exercem papéis centrais na identificação gênica. Uma biblioteca de DNA é muito parecida com uma biblioteca comum, exceto
pelo fato de ser composta de pedaços de DNA, e não de livros.

O tipo mais comum de biblioteca de DNA, a biblioteca genômica, consiste de fragmentos de restrição ou da fragmentação mecânica de todo o
DNA genômico. Na digestão por restrição, o DNA é parcialmente digerido, de modo que alguns sítios de reconhecimento são clivados e outros não.
Isso produz fragmentos que serão sobrepostos uns aos outros. Esses fragmentos podem então serem usados, por exemplo, no sequenciamento do
exoma ou de todo o genoma. Uma biblioteca genômica contém tudo do genoma humano: íntrons, éxons, enhancers (acentuadores), promotores e
grandes segmentos de DNA não codificador que separam os genes.

Uma biblioteca de cDNA (DNA complementar) contém somente o DNA que corresponde aos éxons. Ela é obtida pela purificação do mRNA de
um tecido específico, como fígado ou músculo esquelético, que é exposto a uma enzima chamada transcriptase reversa. Essa enzima transforma
o mRNA em uma sequência de cDNA complementar à do mRNA(daí o termo DNA complementar). As bibliotecas de cDNA podem ser usadas para
analisar a expressão tecido específica dos genes, conforme descrito no texto.

Outro tipo de biblioteca de DNA é a biblioteca cromossomo-específica. Os cromossomos são classificados por um método chamado citometria
de fluxo, que os separa de acordo com a fração de pares de bases AT em cada um deles. O resultado é uma biblioteca que consiste de DNA
principalmente de um único cromossomo. Por exemplo, após o mapeamento do gene da doença de Huntington em uma região do braço curto do
cromossomo 4, uma biblioteca específica para este cromossomo foi usada para detalhar a localização do gene.

condição. O sequenciamento do trio pais–filho tem sido usado para encontrar mutações de novo raras responsáveis por condições mendelianas,
como a síndrome de Schinzel–Giedion, e por distúrbios geneticamente heterogêneos, como deficiência intelectual, esquizofrenia e autismo. Esse
modelo de estudo pode ser particularmente aplicável à descoberta do gene em condições para as quais a maioria dos casos são esporádicos (isto é, os
pais não são afetados) e quando se suspeita de um modelo dominante de herança (p. ex., quando há poucos casos de transmissão de genitores para
filhos), e/ou quando heterogeneidade substancial de locus é esperada.
O sequenciamento do exoma revolucionou a descoberta dos genes relacionados às condições mendelianas. Entretanto, esse sequenciamento tem
suas limitações. Por exemplo, é um desafio inferir com certeza sobre a presença de pequenas deleções e inserções, assim como das variações dos
números de cópias (CNVs). Muitas dessas limitações podem ser superadas pelo sequenciamento completo do genoma. Como o custo deste continua
a diminuir, é provável que se torne a melhor estratégia para a descoberta de um gene. O poder das estratégias de descoberta de genes baseado no
sequenciamento completo do exoma e do genoma mostra que, provavelmente, em um futuro não muito distante, a base genética

TABELA 8-2 Exemplos de Genes Mapeados e Clonados Causadores de Doenças Mendelianas Bem Conhecidas

DOENÇA LOCALIZAÇÃO NO PRODUTO GÊNICO


CROMOSSOMO

Deficiência de α1-antitripsina 14q32.1 Inibidor da serina protease

α-talassemia 16q13.3 Componente α-globina da hemoglobina

β-talassemia 11p15.5 Componente β-globina da hemoglobina

Acondroplasia 4p16.3 Receptor 3 do fator de crescimento de fibroblasto

Albinismo, oculocutâneo (tipo 1) 11q14-q21 Tirosinase

Albinismo, oculocutâneo (tipo 2) 15q11-q12 Transportador de tirosina

Doença de Alzheimer* (familiar) 14q24.3 Presenilina 1

1q31-q42 Presenilina 2

21q21 Proteína precursora β-amiloide

Esclerose lateral amiotrófica* (familiar) 21q22.1 Superóxido dismutase 1

Síndrome de Angelman 15q11-q13 Proteína ubiquitina ligase E3A

Ataxia telangiectasia 11q22.3 Proteína de controle do ciclo celular


Síndrome de Bloom 15q26.1 Helicase RecQ

Câncer de mama (familial) 17q21 Supressor de tumor BRCA1/proteína de reparo do DNA

13q12.3 Supressor de tumor BRCA2/proteína de reparo do DNA

22q12.1 Proteína CHEK2de reparo de DNA

Síndrome de Li-Fraumeni 17p13.1 Supressor de tumor p53

22q12.1 Proteína CHEK2 de reparo de DNA

Fibrose cística 7q31.2 Regulador transmembrana da fibrose


cística (CFTR)

Distrofia muscular de Duchenne/Becker Xp21.2 Distrofina

Síndrome de Ehlers-Danlos* 2q31 Colágeno (COL3A1); existem vários tipos dessa desordem, a maioria é
produzida por mutações nos genes do colágeno

Síndrome do X frágil Xq27.3 Proteína FMR1de ligação ao RNA

Ataxia de Friedreich 9q13 Proteína mitocondrial frataxina

Galactosemia 9p13 Galactose-1 fosfato uridil transferase

Hemocromatose (adulta)* 6p21.3 Proteína de ligação ao receptor de transferrina

Hemofilia A Xq28 Fator VIII de coagulação

Hemofilia B Xq27 Fator IX de coagulação

Câncer colorretal hereditário sem 3p21.3 Proteína MLH1de reparo de DNA


polipose
2p22-p21 Proteína MSH2 de reparo de DNA

2q31-q33 Proteína PMS1 de reparo de DNA

7p22 Proteína PMS2 de reparo de DNA

2p16 Proteína MSH6 de reparo de DNA

14q24.3 Proteína MLH1 de reparo de DNA

Doença de Huntington 4p16.3 Huntingtina

Hipercolesterolemia (familial) 19p13.2 Receptor de LDL

LQT1* 11p15.5 Subunidade α dos canais de K+ cardíaco KCNQ1

LQT2 7q35-q36 Canais KCNH2 de K+ cardíaco

LQT3 3p21 Canais SCN5A de Na+


cardíaco

LQT4 4q25-q27 Anquirina B

LQT5 21q22 Subunidade β dos canais KCNE1 de K+ cardíaco

LQT6 21q22 Canais de K+ cardíaco KCNE2

Síndrome de Marfan tipo 1 15q21.1 Fibrilina 1

Síndrome de Marfan tipo 2 3p22 Receptor tipo 2 do TGF-β

Melanoma (familial)* 9p21 Supressor de tumor inibidor de quinase dependente de ciclina

12q14 Quinase dependente de ciclina 4

Distrofia miotônica tipo 1 19q13.2-q13.3 Proteína quinase

Distrofia miotônica tipo 2 3q13.3-q24 Proteína zink finger

Neurofibromatose tipo 1 17q11.2 Supressor de tumor neurofibromina

Neurofibromatose tipo 2 22q12.2 Supressor de tumor Merlin (schwannomina)

Doença de Parkinson (familial) 4q21 α-sinucleína

Doença de Parkinson (autossômica 6q25.2-q27 Parkina


recessiva de início precoce)

Fenilcetonúria 12q24.1 Fenilalanina hidroxilase

TABELA 8-2 Exemplos de Genes Mapeados e Clonados Causadores de Doenças Mendelianas Bem Conhecidas –
continuação
Doença renal policística 16p13.3- Proteína de membrana policistina 1
p13.12

4q21-q23 Proteína de membrana policistina 2

6p21-p12 Proteína tipo receptor fibrocistina

Polipose colônica (familial) 5q21-22 Supressor de tumor APC

Retinite pigmentosa* (cerca de 60 genes clonados até o presente para forma não 3q21-q24 Rodopsina
sindrômica da doença; aqui apenas alguns exemplos representativos) 11q13 Proteína de membrana do segmento
externo 1 dos bastonetes

6p21.1 Periferina/RDS

4p16.3 Subunidade β da fosfodiesterase cGMP


dos bastonetes fotorreceptores da
retina

Xp21.1 Regulador GTPase da retinite pigmentosa

Retinoblastoma 13q14.1- Supressor de tumor pRb


q14.2

Síndrome de Rett Xq28 Proteína de ligação metil CpG 2

Anemia falciforme 11p15.5 Componente β-globina da hemoglobina

Doença de Tay-Sachs 15q23-q24 Hexosaminidase A

Esclerose tuberosa tipo 1* 9q34 Supressor de tumor hamartina

Esclerose tuberosa tipo 2 16p13.3 Supressor de tumor tuberina

Doença de Wilson 13q14.3- ATPase transportadora de cobre


q21.1

Doença de von Willebrand 12p13.3 Fator de coagulação von Willebrand

* Loci adicionais causadores da doença foram mapeados e/ou clonados.


APC, polipose adenomatosa familiar do cólon (de adenomatosis polyposis coli); ATPase, adenosina trifosfatase; GMP, guanosina monofosfato; GTPase,
guanosina trifosfatase; LQT, QT longo (síndrome); TGF, fator de crescimento transformante.

de praticamente todas as condições mendelianas será conhecida (veja exemplos recentes na Tabela 8-2), e mais ênfase será dada à compreensão dos
mecanismos da doença, para o desenvolvimento de estratégias terapêuticas adequadas.
Embora os exemplos de identificação gênica utilizados neste capítulo tenham focalizado nas doenças mendelianas, essas mesmas abordagens
estão sendo utilizadas para identificar genes que contribuem para causar doenças comuns complexas, como o diabetes, a hipertensão e as doenças
cardíacas. Como tais doenças são influenciadas por múltiplos genes (como discutido no Capítulo 12), a identificação desses genes tende a ser
especificamente desafiadora. Contudo, as técnicas discutidas neste capítulo já estão sendo aplicadas com considerável sucesso no mapeamento de
genes que contribuem para a etiologia de doenças comuns que afetam a maior parte da população humana.

QUESTÕES DE ESTUDO
1. Na Figura 8-19, é mostrado um heredograma para uma doença autossômica dominante. Cada membro da família foi tipado para quatro
marcadores alélicos STR, como mostrado no autorradiograma abaixo do heredograma. Determine a fase de ligação para a doença e o locus
marcador no homem afetado da geração II. Com base na meiose que produziu a prole da geração III, qual é a frequência de recombinação para o
marcador e o locus da doença?
2. No heredograma da doença de Huntington na Figura 8-20, a família foi tipada para marcadores de dois alelos, A e B. Os genótipos para cada
marcador são mostrados abaixo de cada membro da família, com o genótipo para o marcador A acima do genótipo para o marcador B. Na
hipótese de que θ = 0,0, qual é o escore LOD para a ligação entre cada locus marcador e o locus do gene da doença de Huntington?
3. Interprete o seguinte quadro de escores LOD e frequências de recombinação (θ):

4. Dois heredogramas para uma doença autossômica dominante estão mostrados na Figura 8-21. As famílias foram tipadas para um STR de seis
alelos. Com base nos dados dessas famílias, qual é a frequência de recombinação entre o locus marcador e o locus da doença? Qual é o escore
LOD para a ligação entre o marcador e os loci da doença na hipótese de que θ = 0,0?
5. Considere o heredograma na Figura 8-22, no qual um gene autossômico recessivo está sendo transmitido e cada membro da família foi tipado
para um STR de cinco alelos. O estado de portador de cada indivíduo foi estabelecido por um teste de independência enzimática. Qual é a
frequência de recombinação entre o STR e o locus da doença?
6. Uma doença autossômica dominante está sendo transmitida no heredograma da Figura 8-23. Um marcador para dois alelos foi tipado para cada
membro da família. Qual é a frequência de recombinação para o marcador e o locus da doença? Qual é o escore LOD para uma frequência de
recombinação de 0,0? Qual é o escore LOD para uma frequência de recombinação de 0,1?
FIGURA 8-19 Heredograma para Questão de Estudo 1.

FIGURA 8-20 Heredograma para Questão de Estudo 2.

FIGURA 8-21 Heredograma para Questão de Estudo 4.


FIGURA 8-22 Heredograma para Questão de Estudo 5.

FIGURA 8-23 Heredograma para Questão de Estudo 6.

FIGURA 8-24 Heredograma para Questão de Estudo 7.

7. A família mostrada no heredograma da Figura 8-20 solicita um diagnóstico genético. A doença em questão é herdada de modo autossômico
dominante. Os membros da família foram tipados para um locus marcador ligado proximamente a dois alelos. O que você diria à família sobre os
riscos para sua prole?
8. Aponte as diferenças entre os conceitos de sintenia, ligação, desequilíbrio de ligação e associação.
9. Um estudo não mostrou desequilíbrio de ligação entre NF1 e um locus marcador proximamente ligado. Explique este fato, considerando que o
gene NF1 tem alta taxa de mutações novas.

LEITURAS SUGERIDAS
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Bamshad MJ, Ng SB, Bigham AW, et al. Exome sequencing as a tool for Mendelian disease gene discovery. Nat Rev Genet. 2011;12:745-755.
Cooper GM, Shendure J. Needles in stacks of needles: finding disease-causal variants in a wealth of genomic data. Nat Rev Genet. 2011;12:628-640.
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Ott J. Analysis of Human Genetic Linkage. 3rd ed. Baltimore: Johns Hopkins University Press; 1999.
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Fontes na Internet
Catálogo dos Estudos Publicados da Associação Amplo Genoma http://www.genome.gov/26525384
Ensembl (fornece sequências de DNA e proteínas para humanos e outros organismos, juntamente com informações descritivas, e inclui a análise de sequência algoritmo BLAST)
http://www.ensembl.org/
GeneCards (banco de dados de genes humanos e seus produtos, com informações sobre a função de cada produto do gene) http://genecards.org/
1000 Projetos Genoma (catálogo público de sequências de genomas de vários milhares de indivíduos de diversas populações humanas): http://www.1000genomas.org/
Centro Nacional para Informação de Biotecnologia (mapas de cromossomos e loci de doenças com os links para outros sites de genômica úteis, tais como banco de dados de
SNP) http://www.ncbi.nlm.nih.gov/genome/guide/human/
UCSC Genome Browser (contém sequências de referências para os genomas de vários organismos, junto com ferramentas úteis para análise de sequências)
http://genome.ucsc.edu/

13 Lembre-se que o logaritmo comum (log ) de um número é a potência pelo qual 10 é elevado para se obter o número. O logaritmo comum de 100 é 2, o logaritmo comum de
10
1.000 é 3, e assim por diante.
CAPÍTULO9

Imunogenética

Diariamente nossos corpos se defrontam com uma quantidade extraordinária de invasores (vírus, bactérias e muitos outros organismos causadores
de doenças), cujo objetivo é superar nossas defesas orgânicas. Essas defesas, conhecidas coletivamente como sistema imune, consistem em uma
coleção diversificada de trilhões de células. O sistema imune deve ser capaz de lutar com uma multidão de micro-organismos invasores, além de
distinguir com um alto grau de precisão aquilo que “é próprio” (self) daquilo que “lhe é estranho” (nonself).
Como se pode esperar, a base genética do sistema imune é bastante complexa. O estudo da genética do sistema imune, conhecido como
imunogenética, vem sendo muito beneficiado pelo desenvolvimento do mapeamento dos genes e pela clonagem. A maioria das técnicas discutidas
em capítulos anteriores (p. ex., análise de ligação, análise de associação de genoma, sequenciamento de DNA de alto rendimento) tem sido utilizada
para estudar os genes responsáveis pela resposta imune. Muitos novos genes já foram descobertos e suas funções e interações já foram estudadas
intensamente. Este capítulo fornece uma breve revisão de imunologia básica, discutindo os genes que são essenciais para a capacidade de defesa do
corpo contra um conjunto altamente diversificado de patógenos. Os aspectos das doenças autoimunes serão abordados e algumas das principais
doenças causadas por imunodeficiência serão discutidas.

A RESPOSTA IMUNE: CONCEITOS BÁSICOS


O Sistema Imunológico Inato
Quando um micro-organismo patogênico é encontrado, a primeira linha de defesa do corpo inclui os fagócitos (um tipo de célula que engloba e
destrói o micro-organismo) e o sistema complemento. As proteínas do complemento podem destruir diretamente os micro-organismos perfurando
suas membranas celulares e também podem atrair os fagócitos e outros agentes do sistema imunológico para os micro-organismos, recobrindo a
superfície microbiana (o termo complemento originou-se em virtude do papel auxiliar dessas proteínas). Células natural killer, um tipo específico
de linfócito, podem responder a determinadas infecções virais e a algumas células tumorais. Os fagócitos, o sistema complemento e as células
natural killer fazem parte do sistema imunológico inato, que é capaz de responder muito rapidamente aos patógenos.
O sistema imunológico inato é ativado por elementos gerais que são detectados nos patógenos, mas não no hospedeiro. Por exemplo, bactérias
gram-negativas produzem lipopolissacarídeos, enquanto bactérias gram-positivas produzem peptidoglicanos. Algumas bactérias apresentam um alto
percentual de sequências CG não metiladas e alguns vírus produzem RNA de duplo filamento. Essas características que diferenciam os organismos
patogênicos podem ser detectadas por moléculas receptoras localizadas nas superfícies das células do sistema imunológico inato. Um exemplo
importante é a família de receptores Toll-like, que receberam este nome depois que um receptor de superfície chamado Toll foi descrito pela primeira
vez em moscas-das-frutas. Os genes que codificam a versão humana e a versão das moscas-das-frutas dos receptores Toll-like são altamente
similares, provando a importância destes na manutenção da resposta imune inata em uma grande variedade de organismos. De fato, todos os
organismos multicelulares parecem apresentar sistemas imunológicos inatos.

O sistema imunológico inato, que inclui alguns fagócitos, células natural killer e o sistema complemento, é um estágio
inicial da resposta imune que reconhece elementos gerais de micro-organismos invasores.

O Sistema Imunológico Adaptativo


Embora o sistema imunológico inato ajude tipicamente a manter uma infecção sob controle em suas fases iniciais, algumas vezes ele é incapaz de
combater a infecção. Esta passa a ser uma função para um componente mais especializado à resposta imune, o sistema imunológico adaptativo.
Como o próprio nome sugere, essa parte do sistema imunológico é capaz de alterar-se ou adaptar-se às características dos micro-organismos
invasores, a fim de providenciar uma resposta imune mais específica e efetiva. O sistema imunológico adaptativo é um sistema evolutivo mais
recente do que o imunológico inato, sendo encontrado somente em vertebrados.
Os principais componentes da resposta imune adaptativa (Fig. 9-1) incluem os linfócitos T (ou células T) e os linfócitos B (ou células B). Essas
células se desenvolvem nos órgãos linfoides primários do corpo (medula óssea para as células B e timo para as células T). No timo, células T em
desenvolvimento ficam expostas a uma grande variedade de peptídeos do corpo. As células capazes de reconhecer e tolerar os peptídeos do próprio
corpo são selecionadas, enquanto aquelas que os atacam são eliminadas. As células B e T desenvolvem-se em tecidos linfoides secundários, como
linfonodos, baço e tonsilas, onde encontram micro-organismos causadores de doenças. Os linfócitos B maduros secretam anticorpos circulantes que
combatem infecções. Algumas vezes, o componente do sistema imunológico do linfócito B é chamado de sistema imunológico humoral, porque
produz anticorpos que circulam na corrente sanguínea. Os linfócitos T helper
FIGURA 9-1 Visão geral da resposta imunológica adaptativa. Células-tronco linfoides originadas na medula óssea migram para os órgãos linfoides
centrais, onde sofrem divisão celular e diferenciação, produzindo células T (timo) ou células B (medula óssea). Neste estágio, as células B e T ainda não
se encontraram com antígenos, mas já desenvolveram uma diversidade considerável em seus receptores de superfície celular como resultado da
recombinação VDJ e da diversidade juncional (veja o texto). Essas células entram na circulação e migram para os órgãos linfoides secundários (p. ex.,
baço e linfonodos), onde encontrarão antígenos estranhos que geralmente são processados por células apresentadoras de antígenos (APCs) para que
sejam apresentados para as células T helper (TH). Somente um pequeno contingente de células T e B possuem receptores capazes de se ligar a
antígenos estranhos específicos; esse contingente é selecionado para posterior desenvolvimento e diferenciação. Neste estágio, a hipermutação
somática (veja o texto) ocorre nas células B, resultando em maior diversidade de receptores e maior capacidade de ligação específica a antígenos
estranhos. O resultado final desse processo é uma resposta imunológica humoral (células B) e/ou celular (células T) a um antígeno estranho ao corpo. A
resposta das células T inclui: células T citotóxicas, que podem destruir células infectadas; células T reguladoras, que ajudam a controlar a resposta
imune e células T de memória, que permitem a resposta rápida a um antígeno previamente conhecido. A imunidade humoral resulta em uma
população de células B maduras (plasmócitos) que secretam anticorpos na circulação e uma população de células B de memória.

estimulam os linfócitos B e outros tipos de linfócitos T a responderem mais efetivamente às infecções; os linfócitos T citotóxicos podem destruir
diretamente as células infectadas. Por causa desta interação direta com as células infectadas, o componente de células T do sistema imunológico às
vezes é chamado de sistema imunológico celular. Estima-se que o corpo humano contenha vários trilhões de células B e T.

Os linfócitos B são componentes do sistema imunológico adaptativo; essas células produzem anticorpos circulantes em
resposta à infecção. Os linfócitos T, outros componentes do sistema imunológico adaptativo, interagem diretamente com
células infectadas para exterminá-las e ajudam na resposta das células B.

A Resposta das Células B: Sistema Imunológico Humoral


Um elemento principal da resposta imune adaptativa tem início quando tipos especializados de fagócitos, que fazem parte do sistema imunológico
inato, englobam micro-organismos invasores e, em seguida, expõem peptídeos derivados destes em suas superfícies celulares. Essas células, que
incluem macrófagos e células dendríticas, são denominadas células apresentadoras de antígenos (APCs, antigen-presenting cells). As células B
também são capazes de englobar micro-organismos e podem apresentar seus peptídeos em suas superfícies celulares.
As APCs alertam o sistema imunológico adaptativo quanto à presença de patógenos de duas maneiras. Primeira, o peptídeo exógeno é
transportado para a superfície da APC por uma molécula classe II do complexo principal de histocompatibilidade (MHC, class II major
histocompatibility complex), que carrega o peptídeo exógeno em um sulco especializado (Fig. 9-2). Este complexo, que se projeta para o meio
extracelular, é reconhecido pelos linfócitos T, que têm, em suas superfícies receptores capazes de se ligar ao complexo MHC-peptídeo.
Adicionalmente, depois de encontrarem um patógeno, as APCs exibem moléculas coestimuladoras em suas superfícies celulares, como um sinal
de que patógenos estranhos foram encontrados (Fig. 9-3). A ligação com o complexo MHC-peptídeo estimula os linfócitos T helper a secretar
citocinas, que são proteínas sinalizadoras responsáveis por mediar a comunicação entre as células. Particularmente são essas citocinas que ajudam a
estimular o subtipo de linfócitos B cujos receptores de superfície celular, denominados imunoglobulinas, podem ligar-se aos peptídeos dos micro-
organismos invasores (Fig. 9-3). A capacidade que as imunoglobulinas têm de se ligar a peptídeos estranhos específicos (ou seja, sua afinidade pelo
peptídeo) é determinada por sua forma e por outras características.

Na resposta imune humoral, partículas exógenas são expostas em conjunto com moléculas da classe II do MHC pelas
células apresentadoras de antígenos. Tais moléculas são reconhecidas por células T helper que, então, estimulam a
proliferação das células B, cujos receptores (imunoglobulinas) podem ligar-se ao patógeno externo.

Estima-se que, após a exposição inicial a um micro-organismo estranho, apenas um em um milhão de linfócitos B produza receptores de
superfície celular capazes de se ligar a ele. Esse número é muito pequeno para lutar efetivamente contra uma infecção. Além disso, a afinidade de
ligação do receptor parece ser relativamente ruim. Entretanto, uma vez que essa população, relativamente pequena, de linfócitos B é estimulada,
inicia-se um processo adaptativo no qual é gerada uma variação adicional na sequência de DNA por meio do processo de hipermutação somática
(veja discussão posterior). Essas mutações no DNA, que são restritas aos genes que codificam tais receptores de superfície, por sua vez, produzem
alterações nas características de ligação desses receptores (p. ex., a forma da proteína). Alguns desses receptores variantes possuem um alto nível de
afinidade de ligação com o micro-organismo. As células B que produzem esses receptores são favoravelmente selecionadas porque se ligam ao
patógeno por um período mais longo de tempo. Deste modo, estas células proliferam rapidamente. Essas células B, em seguida, transformam-se em
plasmócitos, que secretam seus receptores de superfície celular, ou imunoglobulinas, na corrente sanguínea. As moléculas secretadas, que são
estruturalmente idênticas aos receptores na superfície das células B, são anticorpos. Agora se pode entender porque o sistema imunológico
adaptativo recebeu esse nome: o sistema envolve a seleção inicial de células B e T, cujos receptores podem ligar-se ao patógeno, seguido de um
ajuste fino (adaptação) dessas células, para alcançarem uma maior afinidade de ligação.

Durante a resposta das células B a um peptídeo exógeno, a afinidade de ligação das imunoglobulinas aos patógenos
invasores aumenta. Quando maduras, as células B tornam-se plasmócitos secretores de anticorpos.

Após a estimulação inicial pelo patógeno causador de doença, cinco a sete dias são necessários para completar o processo de diferenciação das
células B e a subsequente maturação dessas células em plasmócitos produtores de anticorpos. Cada plasmócito é capaz de secretar aproximadamente
10 milhões de moléculas de anticorpos por hora. Os anticorpos ligam-se aos antígenos (termo derivado da expressão inglesa antibody generation)
de superfície do patógeno, podendo neutralizar diretamente o micro-organismo. Mais frequentemente, o anticorpo identifica (rotula) o patógeno para
que este seja destruído por outros componentes do sistema imune, como as proteínas do complemento e os fagócitos.
Outra atividade importante da resposta imune humoral é a criação de células B de memória, um subtipo de células B com alta afinidade de
ligação, que persiste no organismo mesmo depois da infecção ter sido combatida. Tais células, que já foram altamente selecionadas para a resposta
ao patógeno, terão uma resposta mais rápida caso o mesmo patógeno seja encontrado em um momento posterior da vida do indivíduo. As
vacinações são eficazes porque levam à formação de células de memória que podem responder a patógenos específicos.

O Sistema Imunológico Celular


Alguns micro-organismos, como os vírus, são muito hábeis em inserir-se rapidamente dentro das células do corpo; uma vez dentro dessas células,
ficam inacessíveis aos anticorpos, proteínas solúveis em água que não podem passar pela membrana lipídica da célula. Um segundo componente do
sistema imunológico adaptativo, o sistema imunológico celular, desenvolveu-se para combater tais infecções. Um componente-chave da resposta
imunológica celular é a molécula classe I do MHC, que é encontrada nas superfícies de quase todas as células do corpo. Em uma célula normal, a
molécula classe I do MHC liga-se a pequenos peptídeos (oito a 10 aminoácidos de comprimento) derivados do interior da célula. Essa molécula
migra para a superfície celular carregando um peptídeo consigo e exibindo-o para o exterior da célula. Já que este é um dos peptídeos do próprio
corpo humano, nenhuma resposta imune é desencadeada. Entretanto, em uma célula infectada, a molécula classe I do MHC pode ligar-se a pequenos
peptídeos derivados do organismo infectante. Ao expor os peptídeos estranhos na superfície celular, a molécula classe I do MHC alerta o sistema
imunológico, particularmente as células T. É válido lembrar que os linfócitos T aprendem a reconhecer e tolerar peptídeos do próprio corpo (em
conjunto com as moléculas do MHC) enquanto se desenvolvem no timo, mas são extremamente intolerantes com peptídeos exógenos. O complexo
MHC-peptídeo liga-se aos receptores nas superfícies das células T apropriadas, estimulando a célula T a produzir uma substância química que
14
destrói as células infectadas (Fig. 9-4). Os linfócitos T são chamados de linfócitos T citotóxicos ou linfócitos T killesrs por causa de sua
habilidade em destruir células por meio desse mecanismo. Cada linfócito T citotóxico pode destruir uma célula infectada a cada um a cinco minutos.
FIGURA 9-2 A resposta imunológica humoral. As moléculas de MHC classe II em células apresentadoras de antígenos levam peptídeos exógenos para a
superfície celular, onde estes são reconhecidos por uma célula T helper. A célula T secreta citocinas que estimulam as células B, cujas imunoglobulinas
se ligarão ao peptídeo exógeno. Essas células B se transformam em plasmócitos, que secretam anticorpos na circulação, ajudando a combater as
infecções. (Modificada de Nossal GJ: Life, death and the immune system. Sci Am 1993; 269:53-62.)
FIGURA 9-3 Visão detalhada da ligação entre uma célula T helper e uma célula B. Além da ligação do receptor da célula T ao complexo MHC-peptídeo,
várias outras moléculas interagem umas com as outras, como o complexo coestimulador B7-CD28. MHC- complexo principal de histocompatibilidade.
(Modificada de Roitt I, Brostoff J, Male D. Immunology, 6 th ed. St. Louis: Mosby, 2001.)

Frequentemente, as células T são alertadas sobre a presença de uma infecção quando células dendríticas circulantes exibem os peptídeos
exógenos em suas superfícies e migram para tecidos linfoides secundários, onde reside a maioria das células T. Assim como nos linfócitos B, apenas
uma pequena fração de células T do corpo tem afinidade de ligação com o patógeno infectante.

O sistema imunológico é capaz de destruir as células do corpo, uma vez que estas estejam infectadas. Peptídeos
oriundos de patógenos são expostos nas superfícies celulares pelas moléculas classe I do MHC. Estes peptídeos são
reconhecidos pelos linfócitos T citotóxicos (killers), que destroem a célula infectada.

Ao contrário das células T citotóxicas, que destroem as células infectadas diretamente, as células T helper (TH) respondem à presença de
patógenos por meio da secreção de citocinas. Essas moléculas, por sua vez, estimulam o desenvolvimento de outros componentes do sistema
imunológico, como as células B e as células T citotóxicas. As células TH são classificadas em subgrupos, dependendo de quais citocinas elas
secretam. Por exemplo, as células TH1, que estão envolvidas primariamente em combater patógenos intracelulares, secretam interleucina-2 (IL-2),
interferon-γ e fator de necrose tumoral β. As células TH2, que secretam IL-4, IL-5 e IL-13, ajudam a combater parasitas multicelulares e estão
envolvidas nas respostas alérgicas. Outros subgrupos de células T incluem as células TH17, que secretam IL-17, e as células TH22, que secretam IL-
22.
Como no componente de células B do sistema imunológico adaptativo, um subtipo de células T de longa duração (células T de memória) é
mantido para responder rapidamente ao mesmo patógeno no futuro. Ainda, outro tipo de célula T, as células T reguladoras, ajuda a regular o
sistema imune de modo que os peptídeos do próprio corpo não sejam atacados inadvertidamente.

As células T helper estimulam o desenvolvimento de outros componentes do sistema imunológico, como as células T
citotóxicas e as células B, por meio da secreção de citocinas. Vários subgrupos de célula T helper foram descritos,
dependendo de quais citocinas eles secretam. As células T de memória permanecem por um longo período de tempo
após uma infecção, assegurando uma resposta rápida a uma infecção subsequente causada pelo mesmo patógeno. As
células T reguladoras ajudam a prevenir que sistema imune ataque as células do próprio corpo.

Os Sistemas Imunológicos Inato, Humoral e Celular: Uma Comparação


Embora o sistema imunológico inato e o sistema imunológico adaptativo sejam descritos separadamente, ocorre uma grande interação entre eles,
fazendo com que desempenhem
FIGURA 9-4 Em uma célula infectada por um vírus, os peptídeos virais (1, 2 ) são transportados para a superfície celular por moléculas MHC classe I (3 ).
O receptor da célula T de uma célula T citotóxica CD8+ liga-se ao complexo MHC-peptídeo (4 ). Ao reconhecer o peptídeo como exógeno, a célula T
citotóxica secreta substâncias que destroem diretamente a célula infectada ou induzem a sua morte celular programada (apoptose; Capítulo 11) (5).
(Modificada de Janeway CA Jr: How the immune system recognizes invaders. Sci Am 1996; 269:73-79.) MHC, Complexo principal de histocompatibilidade.

funções complementares. O sistema inato, por reconhecer características gerais dos patógenos, pode reagir muito rapidamente aos elementos
estranhos ao organismo. Enquanto o faz, o sistema inato sinaliza para o sistema adaptativo para que este inicie uma resposta mais específica para o
patógeno. Na ausência desse sinal, o sistema adaptativo é incapaz de responder à infecção. Após alguns dias, durante os quais o sistema adaptativo
“aprende” as características do patógeno, este pode lançar uma resposta maciça e especializada. Pela criação de células B e T de memória, o sistema
imunológico adaptativo permite que o organismo responda rápida e efetivamente a um mesmo patógeno ao qual poderá ser exposto novamente.
Essas células de memória não existem no sistema imunológico inato.
O sistema imunológico humoral é especializado no combate às infecções extracelulares, como bactérias e vírus circulantes. O sistema
imunológico celular combate infecções intracelulares, como parasitas e fungos no interior das células. No entanto, essa divisão de trabalho não é tão
rigorosa, havendo uma grande interação entre os componentes humorais e celulares do sistema imune.

PROTEÍNAS DA RESPOSTA IMUNE: BASE GENÉTICA DA ESTRUTURA E DIVERSIDADE


Moléculas de Imunoglobulinas e Genes
Conforme ilustrado na Figura 9-5, cada molécula de anticorpo (ou imunoglobulina) é composta de quatro cadeias: um par idêntico de cadeias
pesadas (mais longas) e um par idêntico de cadeias leves (mais curtas), que são unidas por ligações dissulfeto. Há cinco tipos diferentes de cadeias
pesadas (γ, µ, α, δ e ε) e dois tipos de cadeias leves (κ e λ). Os cinco tipos de cadeias pesadas determinam a classe principal (ou isótipo) à qual a
molécula de imunoglobulina (Ig) pertence: γ, µ, α, δ e ε correspondem aos isótipos das imunoglobulinas IgG, IgM, IgA, IgD e IgE,
respectivamente. Os linfócitos B imaturos produzem somente IgM, porém, conforme vão amadurecendo, ocorre uma reorganização dos genes da
cadeia pesada denominado mudança de classe. Este evento permite que os outros quatro tipos de imunoglobulinas sejam produzidos, cada um
diferindo na composição de aminoácidos, função, tamanho e conteúdo de carboidratos. Cada classe tende a se localizar em determinadas partes do
corpo, e cada uma tende a responder a um determinado tipo de infecção. Os dois tipos de cadeias leves podem ser encontrados em associação com
qualquer um dos cinco tipos de cadeias pesadas.
FIGURA 9-5 Uma molécula de anticorpo é formada por duas cadeias leves idênticas e duas cadeias pesadas idênticas. A cadeia leve inclui a região
variável, de junção e constante; a cadeia pesada inclui essas mesmas regiões mais a região de diversidade, localizada entre as regiões variável e de
junção. A porção superior da figura ilustra o modelo molecular da estrutura de um anticorpo.

Tanto as cadeias leves como as pesadas possuem uma região constante e uma região variável, que se localizam nas extremidades carboxil (C)-
terminal e amino (N)-terminal das cadeias, respectivamente. A organização dos genes que codificam a região constante determina a classe principal
da molécula de Ig (p. ex., IgA, IgE). A região variável é responsável pelo reconhecimento e ligação de antígenos e, assim, varia entre as classes de
imunoglobulinas. Três segmentos gênicos distintos codificam as cadeias leves: C para a região constante, V para a região variável e J para a região
que une a região constante à região variável. Quatro segmentos gênicos codificam as cadeias pesadas: C, V e J novamente codificam as regiões
constante, variável e de junção, respectivamente, e também uma região D (“diversidade”) localizada entre as regiões variável e de junção.

As moléculas de imunoglobulina consistem em duas cadeias pesadas idênticas e em duas cadeias leves também
idênticas. A região constante da cadeia pesada determina a classe principal à qual uma imunoglobulina pertence. As
regiões variáveis das cadeias leves e pesadas reconhecem e ligam-se aos antígenos.

As Bases Genéticas da Diversidade dos Anticorpos


Como o sistema imunológico não tem como “saber” antecipadamente quais tipos de micro-organismos encontrará, esse sistema deve conter um
grande reservatório de células imunológicas estruturalmente diferentes, de modo que algumas possam produzir uma resposta imune quando
entrarem em contato com qualquer micro-organismo invasor. De fato, o sistema imunológico humoral é capaz de gerar aproximadamente 100
bilhões de anticorpos estruturalmente distintos. Há algum tempo, acreditava-se que, como cada anticorpo tinha uma sequência única de
aminoácidos, cada um deveria ser codificado por um gene diferente. Entretanto, essa hipótese de “um gene–um anticorpo” não poderia estar correta,
porque o genoma humano tem somente de 20.000 a 25.000 genes codificadores de proteína. Estudos posteriores mostraram que diversos
mecanismos são responsáveis por gerar a diversidade de anticorpos nas células somáticas:

1. Genes das Imunoglobulinas de Linhas Germinativas Múltiplas


Estudos genéticos moleculares (clonagem e sequenciamento de DNA) mostraram que para cada cadeia pesada e leve, um indivíduo tem mais de 80
segmentos V diferentes, localizados contiguamente na linhagem germinativa, bem como seis diferentes segmentos J. Há, no mínimo, 30 segmentos
D na região de cadeia pesada.

2. Recombinação Somática (Recombinação VDJ)


Como as moléculas de imunoglobulinas são formadas durante a maturação dos linfócitos B, uma combinação específica de segmentos V e J é
selecionada para a cadeia leve e outra combinação de segmentos V, D e J é selecionada para a cadeia pesada. Isso é feito por meio da deleção das
sequências de DNA, que separa os segmentos específicos V, J e D, antes que estes sejam transcritos em mRNA (Fig. 9-6). O processo de deleção é
realizado, em parte, pelas recombinases (codificadas pelos genes RAG1 e RAG2, recombination activating genes 1 and 2), que iniciam as quebras
da cadeia dupla de DNA em sequências específicas que flanqueiam os segmentos dos genes V e D. Após a deleção de todos os segmentos, exceto de
um segmento V, D e um J, os segmentos não deletados são unidos pelas ligases. Este processo de “recortar e colar” é conhecido como
recombinação somática (ao contrário da recombinação germinativa que ocorre durante a meiose). A recombinação somática produz um resultado
distinto: diferentemente das outras células do corpo, cujas sequências de DNA são idênticas umas às outras, os linfócitos B maduros variam com
relação às suas sequências reorganizadas de DNA das imunoglobulinas. Considerando que existem muitas combinações possíveis de segmentos
únicos V, J e D, a recombinação somática pode gerar aproximadamente 100.000 a um milhão de tipos diferentes de moléculas de anticorpos.

3. Diversidade Juncional
Conforme as regiões V, D e J vão sendo montadas, ocorrem pequenas variações nas posições pelas quais elas são ligadas, e pequenos números de
nucleotídeos podem ser deletados ou inseridos nas junções que as interligam. Isso ainda cria um número maior de variações nas sequências dos
aminoácidos dos anticorpos.

4. Hipermutação Somática
Normalmente, apenas um pequeno subconjunto de células B apresenta receptores de superfície celular (imunoglobulinas) que podem ligar-se a um
antígeno estranho específico e, geralmente, a afinidade de ligação desses receptores é baixa. Uma vez que esse subtipo de células B é estimulado por
um antígeno, tais células entram no processo de maturação por afinidade, caracterizado pela hipermutação somática dos segmentos V dos genes
de imunoglobulinas, conforme mencionado previamente. Uma enzima denominada desaminase induzida por ativação faz com que as bases de
citosina sejam substituídas por uracila. Então, são recrutadas DNA polimerases propensas a erro e os processos de reparo de DNA são modificados,
de modo que algumas mutações possam persistir na sequência de DNA. Consequentemente, a taxa de mutação desses segmentos gênicos é de
aproximadamente 10–3 em cada par de bases, por geração (lembre-se de que a taxa de mutação no genoma humano geralmente é de apenas 10–8 em
cada par de bases, por geração). Este fenômeno causa muito mais variação adicional nas sequências de DNA que codificam as imunoglobulinas e,
consequentemente, na capacidade de ligação ao antígeno das imunoglobulinas codificadas. Pelo fato de a mutação ser um processo aleatório, a
maioria dos receptores mais novos apresenta uma baixa afinidade de ligação, o que faz com que estes não sejam selecionados. Eventualmente,
entretanto, a hipermutação somática pode produzir um subtipo de imunoglobulinas que tenha uma alta afinidade de ligação por um antígeno
estranho, e as células B que abrigam essas imunoglobulinas são selecionadas e proliferam amplamente. O resultado final do processo é uma
população de plasmócitos maduros que secretam anticorpos altamente específicos para patógenos invasores.
FIGURA 9-6 A, Recombinação somática VDJ na formação da cadeia pesada de uma molécula de anticorpo. A cadeia pesada funcional é codificada
somente por um único segmento originado de cada um dos múltiplos segmentos V, D e J. Isto produz um subconjunto de células B cujos receptores
têm ligação de baixa afinidade por antígenos exógenos. Uma vez que o antígeno é encontrado no tecido linfoide secundário, inicia-se a hipermutação
somática (B e C). A maioria dos receptores mutados tem afinidade de ligação baixa (B), porém, eventualmente, a hipermutação somática produz
subgrupo de receptores com ligação de alta afinidade(C). As células que contêm esses receptores diferenciam-se em plasmócitos secretores de
anticorpo.

5. Combinações Múltiplas de Cadeias Leves e Pesadas


Maior diversidade é criada pela combinação aleatória de diferentes cadeias pesadas e leves na montagem da molécula de imunoglobulina.
Cada um destes mecanismos contribui para a diversidade de anticorpos. Considerando-se todos em conjunto, estima-se que cerca de 1011
anticorpos diferentes potencialmente possam ser produzidos.

Os mecanismos que levam à diversidade na produção de anticorpos incluem segmentos de genes para imunoglobulinas
de linhagens germinativas múltiplas, recombinação somática dos segmentos gênicos de imunoglobulina, diversidade
juncional, hipermutação somática e potencial para combinações múltiplas das cadeias pesadas e leves.

Receptores de Células T
Os receptores de células T assemelham-se às imunoglobulinas, ou receptores das células B, sob diversos aspectos. Como as imunoglobulinas, os
receptores de células T devem ser capazes de se ligar a uma grande variedade de peptídeos derivados de micro-organismos invasores. Entretanto,
diferentemente das imunoglobulinas, os receptores de células T nunca são secretados a partir da célula e a ativação das células T requer a presença
do peptídeo exógeno ligado a uma molécula do MHC. Aproximadamente 90% dos receptores das células T são heterodímeros compostos por uma
cadeia α e uma cadeia β, e aproximadamente 10% são heterodímeros compostos por uma cadeia γ e uma cadeia δ (Fig. 9-7). Uma determinada
célula T apresenta tanto uma população de receptores α-β como uma população de receptores γ-δ.
A maior parte dos mecanismos envolvidos na geração da diversidade da imunoglobulina — segmentos de genes de linhas germinativas múltiplas,
recombinação somática VDJ e diversidade juncional — também é importante na geração da diversidade dos receptores de células T. Porém, a
hipermutação somática não ocorre nos genes que codificam os receptores dessas células. Acredita-se que isto ajude a evitar a formação de células T
que poderiam reagir contra as próprias células do corpo (uma resposta autoimune, que será discutida posteriormente neste capítulo).

Os receptores de células T têm funções similares aos receptores de células B (imunoglobulinas). Entretanto, ao contrário
das imunoglobulinas, os receptores de células T só podem ligar-se ao peptídeo estranho (antígeno) quando este é
apresentado por uma molécula do MHC. A diversidade dos receptores de células T é criada pelos mesmos mecanismos
que produzem a diversidade das imunoglobulinas, exceto pela hipermutação somática.

O COMPLEXO PRINCIPAL DE HISTOCOMPATIBILIDADE


Genes de Classe I, II e III
O MHC, que inclui uma série de mais de 200 genes localizados em uma região de 4 Mb no braço curto do cromossomo 6 (Fig. 9-8), comumente é
classificado em três diferentes grupos: classe I, classe II e classe III. A molécula classe I do MHC forma um complexo com os peptídeos do invasor,
que pode ser reconhecido pelos receptores nas superfícies dos linfócitos T citotóxicos. Consequentemente, a apresentação da molécula de classe I é
essencial para a resposta da célula T citotóxica. Alguns vírus escapam da detecção das células T citotóxicas reduzindo a regulação da expressão dos
genes das moléculas de classe I do MHC nas células infectadas.
As moléculas MHC classe I são compostas por uma única cadeia pesada de glicoproteína e uma única cadeia leve denominada β2-microglobulina
(Fig. 9-9A). Os loci mais importantes da classe I são conhecidos como antígenos leucocitários humanos (human leucocyte antigens) A, B e C
15
(HLA-A, B e C) . Cada um desses loci contém dezenas ou

FIGURA 9-7 O receptor da célula T é um heterodímero que consiste de uma cadeia α e uma β ou de uma cadeia γ e uma δ. O complexo de molécula do
MHC e molécula do antígeno é unido pelas regiões variáveis das cadeias α e β. (Modificada de Raven PH, Johnson GB: Biology, 3rd ed. St Louis: Mosby, 1992.)

FIG 9-8 Mapa do complexo principal de histocompatibilidade humana. O complexo de 4-Mb é dividido em três regiões: classes I, II e III.
FIGURA 9-9 A, Uma molécula do complexo principal de histocompatibilidade (MHC) classe I, mostrando a estrutura da cadeia pesada, que consiste em
três domínios extracelulares (α1, α2 e α3), um domínio transmembrana e um domínio citoplasmático. Um sulco formado pelos domínios α1 e α2
transporta o peptídeo para apresentá-lo aos receptores das células T. O domínio α3 está intimamente associado à cadeia β2-microglobulina (β2M). B,
Uma molécula do MHC classe II mostrando a estrutura das cadeias α e β. Cada uma possui dois domínios globulares extracelulares, um domínio
transmembrana e um domínio citoplasmático. Os domínios α1 e β1 formam um sulco, no qual o peptídeo se aloca para ser apresentado aos receptores
das células T. (Modificada de Huether SE, McCance KL: Pathophysiology: The Biological Basis for Disease in Adults and Children. 5th ed. St. Louis: Mosby, 2006, p.
217.)

centenas de alelos, resultando em um alto grau de variabilidade da classe I entre os indivíduos. A região relativa à classe I abrange 1,8 Mb e inclui
uma série de genes adicionais e pseudogenes (genes que apresentam sequências de DNA similares àquelas dos genes codificadores, mas que foram
alterados de modo que não podem ser transcritos ou traduzidos).
As moléculas da classe I foram descobertas na década de 1940, por cientistas que estavam investigando enxertos de tecidos em camundongos.
Quando os alelos da classe I do doador e do receptor eram diferentes, os enxertos eram rejeitados. Este é o fundamento histórico para o termo
complexo principal de histocompatibilidade. Em humanos, a combinação dos alelos da classe I entre doadores e receptores aumenta a probabilidade
de tolerância de enxertos ou transplantes. Levando-se em conta que os enxertos e transplantes são fenômenos relativamente novos na história
humana, o MHC obviamente não evoluiu a ponto de resolver rejeições aos transplantes. Ao contrário, as células T, quando confrontadas com
moléculas MHC das células do doador, interpretam as mesmas como peptídeos exógenos e atacam tais células.

As moléculas MHC classe I são codificadas por loci HLA-A, B e C altamente polimórficos no cromossomo 6. Além de expor
os peptídeos do invasor nas superfícies das células infectadas, também podem levar a rejeição do transplante, pois
moléculas do MHC non-self (doador) estimulam as células citotóxicas do receptor.

Enquanto as moléculas MHC classe I são encontradas na superfície de quase todas as células e podem ligar-se aos receptores das células T
citotóxicas, as moléculas MHC classe II normalmente são encontradas somente nas superfícies das APCs do sistema imune (p. ex, fagócitos e
linfócitos B). Ao associarem-se a peptídeos estranhos ao organismo, ligam-se aos receptores de células T e, então, estimulam a atividade das células
T helper, como descrito previamente. As moléculas da classe II são heterodímeros formados por uma cadeia α e uma cadeia β, cada uma das quais é
codificada por um gene diferente localizado no cromossomo 6 (Fig. 9-9B). Além dos genes nos principais grupos da classe II (HLA-DP, HLA-DQ e
HLA-DR), essa região inclui os genes que codificam proteínas transportadoras de peptídeos (TAP1 e TAP2, transporter-associated antigen
processing), que ajudam a transportá-los para o interior do retículo endoplasmático, onde inicialmente formam complexos com as moléculas da
classe I, antes de migrarem para a superfície celular.

As moléculas MHC classe II são heterodímeros codificados por genes do cromossomo 6. Elas apresentam peptídeos nas
superfícies das células que expõem os antígenos. Esses peptídeos, juntamente com as moléculas MHC classe II são
ligados a receptores nas superfícies das células T helper.

Assim como os principais loci do MHC classe I, os principais loci da classe II são altamente polimórficos, expressando centenas de alelos
diferentes. Realmente, os loci MHC, como uma classe, são os loci mais polimórficos conhecidos na espécie humana. Cada alelo MHC codifica uma
molécula com propriedades de ligação ligeiramente diferentes: algumas formas ligam-se aos peptídeos de um determinado patógeno mais
16
efetivamente do que outras. Consequentemente, uma pessoa que expressa maior variedade de moléculas MHC tem mais chances de sucesso no
combate a diversos organismos infecciosos. Por exemplo, uma pessoa homozigota para cada um dos principais loci da classe I (A, B e C) expressa
somente três moléculas classe I do MHC em cada célula, enquanto uma pessoa heterozigota para cada um desses loci expressa seis diferentes
moléculas MHC classe I em cada célula, podendo combater a diversidade patogênica com maior facilidade (milhares de moléculas MHC são
expressas em uma superfície celular típica). Um grau maior de polimorfismo na população geral aumenta a chance de qualquer indivíduo dessa
população ser heterozigoto. Por exemplo, pessoas heterozigotas para os loci HLA-A, HLA-B e/ou HLA-C, infectadas por HIV, têm tempo de
sobrevida maior do que as pessoas homozigotas para esses loci. Além disso, quanto maior o polimorfismo MHC em uma população menor a chance
de um patógeno infeccioso se disseminar facilmente. Assim, o alto grau de polimorfismo em genes do MHC provavelmente é o resultado da seleção
natural a favor da variabilidade alélica.
Em alguns casos, alelos MHC específicos são conhecidos por produzir proteínas que combatem patógenos específicos. Por exemplo, o alelo
HLA-B53 é conhecido pelo forte efeito protetor contra a malária grave na população de Gâmbia e o alelo HLA-DRB1*13:02 protege contra a
infecção por hepatite B nessa mesma população. Esses alelos produzem moléculas do MHC que têm alta afinidade de ligação com esses agentes
infecciosos.

Assim como os genes do MHC classe I, os genes da classe II também são altamente polimórficos. Isto aumenta a
habilidade de indivíduos e populações de combaterem uma grande variedade de patógenos.

As moléculas MHC classe I e classe II guiam os receptores das células T (citotóxicos e helper, respectivamente) para as células específicas. Os
receptores das células T só reconhecem os peptídeos que estão combinados com as moléculas do MHC nas superfícies celulares, um fenômeno
conhecido como restrição MHC. Nem todos os componentes do sistema imunológico sofrem restrição MHC. O sistema do complemento, por
exemplo, não requer interação direta com moléculas do MHC.
Algumas células infectadas por vírus e células tumorais levam vantagem sobre a restrição MHC: elas suprimem a expressão das moléculas MHC
em suas superfícies celulares na tentativa de fugirem da detecção pelas células T (Comentário Clínico 9-1). Felizmente, as células natural killer são
ativadas pela ausência, não pela presença, de moléculas do MHC nas superfícies celulares. Tal ativação é mediada por uma importante família de
receptores que se encontram nas superfícies das células natural killer, os receptores das células killer semelhantes à imunoglobulina (KIR, killer
cell immunoglobulin-like receptors). Esses receptores inibem as células natural killer quando estas se ligam às moléculas MHC classe I nas
superfícies das células normais, porém as ativam quando tais moléculas estão ausentes.
A região do MHC classe III abrange 680 kb e contém no mínimo 36 genes, dos quais somente alguns estão envolvidos na resposta imune. Entre
os mais importantes estão os genes que codificam as proteínas do complemento.
Os genes que codificam as imunoglobulinas, os receptores das células T, KIR e as proteínas MHC classes I e II, se assemelham quanto às
sequências de DNA e características estruturais. Assim, eles são membros de uma família gênica, como os genes das globinas, os genes da visão
para cores e os genes do colágeno, descritos em capítulos anteriores. A Tabela 9-1 apresenta um resumo dos principais genes do sistema
imunológico e suas localizações cromossômicas.
É importante enfatizar que as moléculas MHC classes I e II diferem muito entre os indivíduos, mas cada célula de um mesmo indivíduo tem as
mesmas moléculas classe I e classe II (essa uniformidade é necessária para o reconhecimento pelas células T). Em contraste, após a recombinação
VDJ, os receptores das células T e as imunoglobulinas diferem de célula para célula entre os indivíduos, permitindo que o organismo responda a
uma grande variedade de diferentes agentes infecciosos.

Os genes das imunoglobulinas, os receptores das células T, os KIR e o MHC são membros de uma família gênica.
Enquanto as imunoglobulinas e os receptores das células T variam entre as células de um mesmo indivíduo, as moléculas
do MHC variam entre os indivíduos.

MHC e Associações com Doenças


Diversas doenças exibem associações significativas com alelos específicos do MHC: pessoas que tem o alelo são muito mais propensas a
desenvolver a doença do que aquelas que não o apresentam. Alguns exemplos mencionados nos capítulos anteriores incluem a associação do gene
HLA-B27 (isto é, alelo 27 do locus HLA-B) com espondilite anquilosante e do HLA-DQB1 com o diabetes tipo I. Uma associação especialmente
forte pode ser observada entre diversos alelos HLA-DR e HLA-DQ e a narcolepsia, distúrbio caracterizado por episódios de sono repentinos e
incontroláveis. Conforme ilustra a Tabela 9-2, a maioria das associações entre HLA e doenças envolve genes do MHC classe II.

COMENTÁRIO CLÍNICO 9-1

A Resposta Imunológica como uma Corrida Armamentista Molecular


A maioria dos patógenos que invadem o corpo humano é destruída pelo nosso sistema imunológico. Consequentemente, há uma forte seleção
natural a favor dos patógenos que podem escapar da vigilância e destruição do sistema imune. Esses micro-organismos geralmente apresentam
altas taxas mutacionais e são muito numerosos. Assim, apesar de sua simplicidade biológica, os vírus e outros patógenos desenvolveram formas
muito hábeis de superar a resposta imune. Nossos sistemas imunológicos, em contrapartida, estão constantemente criando novas formas de lidar
com tal engenhosidade patogênica. Três exemplos desta “corrida armamentista” molecular serão discutidos aqui.
O citomegalovírus (CMV) é um agente infeccioso comum que provoca mononucleose, anemia hemolítica, pneumonite, infecções congênitas e
trombocitopenia (diminuição no número de plaquetas). As células infectadas pelo CMV são alvos de destruição pelas células T citotóxicas.
Entretanto, algumas cepas de CMV (assim como outros vírus e células tumorais) podem fugir da detecção das células T regulando negativamente a
expressão das moléculas classe I nas superfícies das células infectadas. Não ocorrendo a apresentação do peptídeo viral pelas moléculas classe I,
as células T citotóxicas passam a não detectar a presença do CMV, não destruindo as células infectadas. A esta altura, a célula normalmente se
transforma em alvo para as células natural killer, que as atacam na ausência ou diminuição das moléculas MHC classe I em suas superfícies.
Entretanto, o CMV também desenvolveu uma forma de escapar do ataque das células natural killer. O vírus codifica uma proteína de superfície
celular tão semelhante à molécula MHC classe I que as células natural killer confundem a proteína viral com a molécula do MHC verdadeira.
Também, a proteína viral difere o suficiente da molécula MHC classe I verdadeira, que não desencadear a destruição por parte das células T
citotóxicas mais adaptadas. Desta forma, o CMV pode proteger-se contra as células T e as células natural killer.
O desafio imunológico interessante nos mamíferos placentários é a gestação, na qual células placentárias expressam moléculas do MHC classe I
estranhas, derivadas do pai. Comumente, tais células seriam rapidamente destruídas pelas células T citotóxicas da mãe. Para evitar que isso ocorra,
as células da placenta diminuem a expressão de moléculas MHC classe I nas suas superfícies. Tal como acontece com a regulação negativa viral de
moléculas de classe I, essa falta de expressão de MHC classe I deixa as células da placenta susceptíveis à destruição pelas células natural killer da
mãe.
Neste caso, as células são protegidas da destruição por apresentarem moléculas HLA-G em suas superfícies. Essa molécula MHC relativamente
invariável não estimula a resposta das células T, que fica limitada à apresentação das moléculas HLA-A, HLA-B e HLA-C; ela inibe as células natural
killer, que têm receptores HLA-G em suas superfícies. O feto, assim como o CMV, possui diferentes modos de evitar a destruição de suas células
pelas células T e células natural killer.
Um terceiro exemplo da “corrida armamentista” molecular é dado por um dos agentes infecciosos mais temidos da atualidade, o vírus da
imunodeficiência humana (HIV). Algumas cepas desse vírus conseguem penetrar nos macrófagos e nas células T helper via receptor de superfície
celular, o receptor 5 de quimiocina CC (CCR5, CC chemokine receptor 5). Uma vez dentro da célula, o HIV insere seu material genético no núcleo e tira
vantagem do maquinário celular para se replicar (o HIV é um retrovírus, um tipo de vírus que será discutido no Capítulo 13). As células T helper são
o componente crítico do sistema imunológico humano, e sua destruição pelo HIV leva a uma imunodeficiência secundária grave. Indivíduos
homozigotos para uma deleção de 32 pb do gene CCR5 não possuem o receptor CCR5 e, portanto, são marcadamente resistentes à infecção pelo
HIV. Entre aqueles que são heterozigotos para essa deleção, a progressão para os sintomas da Aids após a soroconversão atrasa de dois a quatro
anos. Tal deleção é especialmente comum em algumas populações da Europa, nas quais a frequência gênica atinge 0,20. Ela é praticamente
ausente nas populações da Ásia e da África. A análise do desequilíbrio de ligação na região cromossômica que contém o CCR5 indica que a deleção
surgiu nas populações europeias somente entre 700 e 2.000 anos atrás. Uma vez que o HIV apareceu em humanos somente há algumas décadas, a
alta frequência gênica na Europa não pode ser atribuída ao HIV, mas a alguma outra força seletiva ou talvez à deriva genética. Considerando-se a
idade da deleção, é possível que esta tenha ocorrido por seleção positiva, porque fornecia resistência aos patógenos, como por exemplo o da
varíola, que no passado dizimaram populações europeias. Claramente, haveria uma forte seleção a favor dessa mutação nas populações altamente
expostas ao HIV nos dias atuais, de modo que tal mutação poderia aumentar em frequência nessas populações. Mesmo agora, o conhecimento
das consequências dessa deleção pode ajudar a acelerar a “corrida armamentista” médica contra o HIV, na qual a modificação genética do CCR5
está sendo testada em estudos clínicos sobre o HIV (Capítulo 13).

Em alguns casos, a associação entre os alelos do MHC e a doença é causada por desequilíbrio de ligação. Por exemplo, o locus da
hemocromatose está ligado ao HLA-A, e associações significativas ocorrem entre o HLA-A3 e o alelo mais comum causador da hemocromatose
(Capítulo 8). Entretanto, não existe ligação causal conhecida entre o HLA-A3 e essa doença. Mais provavelmente, tal associação represente um
evento passado, no qual a mutação primária da hemocromatose surgiu em uma cópia do cromossomo 6 que possuía o alelo HLA-A3. Similarmente, a
associação entre os alelos HLA-DQB1 e HLA-DQA1 e a narcolepsia é decorrente do desequilíbrio de ligação entre a região HLA-DQ e o locus que
causa narcolepsia, próximo a essa região (o gene do receptor da hipocretina tipo 2).
Em outros casos, pode haver uma associação causal. Algumas associações entre doenças e o MHC envolvem a autoimunidade, na qual o
sistema imunológico do corpo ataca suas próprias células normais. Por exemplo, o diabetes tipo 1 caracteriza-se pela infiltração de células T no
pâncreas, que destroem as células beta produtoras de insulina. Em alguns casos, a autoimunidade envolve “mimetismo molecular”. Neste, um
peptídeo que estimula uma resposta imunológica é tão similar aos próprios peptídeos do organismo, que o sistema imunológico começa a atacar suas
próprias células. Tal fenômeno ajuda a explicar o aparecimento da espondilite anquilosante, outra doença autoimune. Infecções de indivíduos HLA-
B27 positivos por micro-organismos específicos, tais como Klebsiella, podem levar a uma reação cruzada na qual o sistema imune confunde
peptídeos de algumas das células normais do corpo com peptídeos microbianos. Outro exemplo desse tipo é a febre reumática, na qual uma infecção
estreptocócica inicia uma reação cruzada entre os estreptococos e a miosina cardíaca. Em cada um desses

TABELA 9-1 Localização Cromossômica e Função dos Principais Genes da Resposta Imunológica

SISTEMA GÊNICO LOCALIZAÇÃO FUNÇÃO DO PRODUTO GÊNICO


CROMOSSÔMICA

Cadeia pesada da 14q32 Cadeia pesada, a primeira parte da molécula do anticorpo, que se liga a antígenos estranhos
imunoglobulina
(genes C, V, D e J )

Cadeia leve κ da 2p13 Cadeia leve, a segunda parte da molécula do anticorpo


imunoglobulina
(genes C, V e J )

Cadeia leve λ da 22q11 Cadeia leve, a segunda parte da molécula do anticorpo (tanto a κ como a λ podem ser usadas)
imunoglobulina
(genes C, V e J )

Receptor α da célula T 14q11 Uma cadeia do receptor α-β de célula T, que reconhece antígenos com a molécula do MHC

Receptor β da célula T 7q35 A segunda cadeia do receptor α-β de célula T

Receptor γ da célula T 7p15 Uma cadeia do receptor g-d de célula T

Receptor δ da célula T 14q11 A segunda cadeia do receptor γ-δ de célula T

MHC (classes I, II e 6p21 Moléculas de superfície celular que expõem os peptídeos para os receptores de células T. As
III); inclui TAP1 e moléculas TAP1 e TAP2 são moléculas de transporte que processam peptídeos estranhos e os
TAP2 carreiam para o retículo endoplasmático

β2-microglobulina 15q21-22 Forma a segunda cadeia da molécula MHC classe I

RAG1, RAG2 11p13 Recombinases que participam da recombinação somática VDJ

TABELA 9-2 Exemplos do Complexo Principal de Histocompatibilidade e Associações com Doenças

DOENÇA Locus (Loci)* ASSOCIADO AO MHC (HLA) RISCO RELATIVO APROXIMADO†

Diabetes tipo 1 DQB1, DQA1 10

Espondilite anquilosante B27 90

Narcolepsia DR2 e DQA1, DQB1 > 100

Doença celíaca DQA1, DQB1 10

Artrite reumatoide DRB1, DQA1 5

Miastenia grave C, DR3, DR7 2,5

Esclerose múltipla DRB1 4

Lúpus eritematoso sistêmico DRB1 6

Hemocromatose A3 20

Malária B53 0,6059


Doença de Graves DR3 5

Psoríase C 13

Hipersensibilidade ao abacavir (fármaco anti-HIV) B57 ≈1.000


* Para simplificar, alelos específicos não estão descritos completamente aqui. Por exemplo, o alelo HLA-B57 associado à sensibilidade ao abacavir é
denominado HLA-B*57:01, e o alelo associado à psoríase é o HLA-C*06:02.

† O risco relativo pode ser interpretado, de forma geral, como a probabilidade de uma pessoa que apresenta um fator de risco (neste caso, um antígeno MHC)
desenvolver a doença, comparada com a de uma pessoa que não apresenta nenhum fator de risco para a mesma doença. Consequentemente, um fator de risco
de 4 para o DRB1 e esclerose múltipla significa que pessoas que têm esse alelo são quatro vezes mais suscetíveis ao desenvolvimento da esclerose múltipla do
que aquelas que não possuem o alelo. Um risco relativo < 1 (como para a malária e o B53) indica que o fator protege contra a doença. Esses riscos relativos
podem variar entre diferentes populações humanas.

cenários, o corpo já tem uma pequena população de células T autorreativas, mas estas permanecem inativas e um tanto inofensivas, até que sejam
estimuladas a proliferar mediante o aparecimento de um peptídeo exógeno que lembra muito um peptídeo do próprio organismo.
A autoimunidade também pode ser causada por defeitos específicos na regulação dos componentes do sistema imunológico. Por exemplo, as
células T reguladoras ajudam a prevenir a formação de células imunes autorreativas e requerem um fator de transcrição, codificado pelo gene
FOXP3 (forkhead box P3), para o seu desenvolvimento normal. Mutações no gene FOXP3 resultam em deficiência das células T reguladoras e em
uma doença autoimune chamada IPEX (imunodesregulação, poliendocrinopatia e enteropatia ligada ao X).
Outras doenças comuns que envolvem a autoimunidade incluem a artrite reumatoide, lúpus eritematoso sistêmico, psoríase e a esclerose múltipla.
Estima-se que aproximadamente 5% da população sofram de algum tipo de doença autoimune.

Um número significativo de doenças encontra-se associado a alelos específicos do MHC. Algumas dessas associações
resultam do desequilíbrio de ligação, porém a maioria provavelmente resulta de associações causais que envolvem
autoimunidade.

O Grupo Sanguíneo ABO e o Fator Rh


Outro componente do sistema imunológico envolve as moléculas de superfície das hemácias, que podem causar reação imunológica durante
transfusões de sangue. Os sistemas antigênicos ABO e Rh dos eritrócitos Rh já foram discutidos no Capítulo 3, como exemplos iniciais dos loci
marcadores polimórficos. Eles também são os sistemas mais importantes que determinam a compatibilidade nas transfusões de sangue.

O Sistema ABO
Há quatro tipos sanguíneos principais no sistema ABO: A, B, AB e O. Os três primeiros grupos representam, respectivamente, pessoas que possuem
os antígenos A, B, ou A e B nas superfícies de seus eritrócitos. Aqueles indivíduos com tipo O não têm nem o antígeno A nem o antígeno B. As
pessoas que apresentam um desses antígenos nas superfícies de seus eritrócitos possuem anticorpos contra todos os outros antígenos ABO na sua
circulação sanguínea (tais anticorpos são formados no início da vida, como resultado da exposição a antígenos que são idênticos aos antígenos A e
B, mas que estão presentes em vários micro-organismos). Deste modo, se uma pessoa do tipo B recebesse sangue do tipo A ou AB, seus anticorpos
anti-A produziriam uma reação grave ou até mesmo fatal. As pessoas do tipo O, que não possuem os antígenos A e B, consequentemente, possuem
os anticorpos anti-A e anti-B, reagiriam fortemente ao sangue dos outros três tipos (A, B e AB). Antigamente pensava-se que os indivíduos do tipo
O, por não apresentarem nenhum desses antígenos, poderiam ser considerados como “doadores universais” (qualquer outro indivíduo poderia
receber seu sangue). Similarmente, pessoas do tipo AB eram consideradas “receptores universais” porque não possuíam os anticorpos anti-A e anti-
B. Entretanto, quando os pacientes recebem transfusões de sangue total, contendo grandes volumes de soro, os anticorpos do doador podem reagir
contra os antígenos dos eritrócitos do receptor. Por isso, a combinação ABO completa é quase sempre feita em transfusões de sangue.

O locus ABO codifica os antígenos eritrocitários que podem causar uma reação transfusional caso os doadores e
receptores não sejam totalmente compatíveis.

O Sistema Rh
O sistema Rh é codificado por dois loci muito próximos, um dos quais é denominado D. O outro locus produz antígenos Rh, denominados C e E,
por um mecanismo de splicing alternativo do RNA mensageiro. O locus D é de grande interesse porque é o responsável pela incompatibilidade
materno-fetal do fator Rh e pela doença resultante, a doença hemolítica do recém-nascido (HDN, hemolytic disease of the newborn). As pessoas
com os genótipos DD ou Dd possuem o antígeno Rh em seus eritrócitos e são Rh-positivas. Os indivíduos homozigotos recessivos, com genótipo
dd, não apresentam o antígeno Rh em seus eritrócitos, e são Rh-negativos. Cerca de 85% dos norte-americanos são Rh-positivos e cerca de 15% são
Rh-negativos.
Diferentemente do sistema ABO, no qual os anticorpos normalmente são formados em resposta aos antígenos apresentados por outros
organismos, a produção de anticorpos anti-Rh requer uma estimulação direta pelo próprio antígeno Rh humano. Uma pessoa Rh-negativa não
começa a produzir anticorpos anti-Rh a menos que seja exposta ao antígeno Rh, geralmente através de uma transfusão de sangue ou durante a
gestação. A incompatibilidade materno-fetal ocorre quando um homem Rh-positivo e uma mulher Rh-negativa geram filhos. Caso o genótipo do
homem seja DD, toda a sua prole será Rh-positiva e apresentará antígenos Rh em seus eritrócitos. Caso o homem seja heterozigótico, com genótipo
Dd, em média, metade de seus filhos será Rh-positiva.
Geralmente, não há dificuldades com a primeira criança Rh-incompatível, porque apenas algumas hemácias do feto cruzam a barreira placentária
durante a gestação. Quando a placenta se descola durante o nascimento, um grande número de hemácias fetais entra na circulação sanguínea da mãe.
Essas células com seus antígenos Rh estimulam a produção dos anticorpos anti-Rh pela mãe. Tais anticorpos permanecem na circulação materna por
um longo tempo e, caso o próximo filho também seja Rh-positivo, os anticorpos anti-Rh da mãe entrarão na circulação sanguínea do feto e
destruirão suas hemácias. À medida que essa destruição progride, o feto torna-se anêmico, passando a liberar muitos eritroblastos (células vermelhas
nucleadas imaturas) na corrente sanguínea. Esse fenômeno é responsável pelo problema descrito como eritroblastose fetal. A anemia pode levar a
um aborto espontâneo ou a um natimorto. Como os anticorpos maternos permanecem no sistema circulatório do recém-nascido, a destruição das
hemácias pode continuar após o nascimento. Isto causa um acúmulo de bilirrubina e surge icterícia logo após o nascimento. Na ausência das
transfusões de substituição, na qual o neonato recebe eritrócitos Rh-negativos, a bilirrubina deposita-se no cérebro, produzindo dano cerebral e
geralmente óbito. As crianças que conseguem sobreviver podem desenvolver deficiência intelectual, paralisia cerebral e/ou surdez de alta
frequência.
Entre os norte-americanos de descendência europeia, aproximadamente 13% de todos os casamentos são Rh-incompatíveis. Felizmente, hoje
existe uma terapia simples para evitar a sensibilização da mãe. Durante e após a gestação, uma mãe Rh-negativa recebe injeções de imunoglobulina
Rh, que consiste em anticorpos anti-Rh. Esses anticorpos destroem os eritrócitos fetais na circulação sanguínea materna antes que estes estimulem a
produção de anticorpos anti-Rh maternos. Em virtude de os anticorpos injetados não permanecerem por muito tempo na circulação da mãe, eles não
afetam a prole subsequente. A fim de evitar a sensibilização, as injeções devem ser administradas a cada gestação. A mãe Rh-negativa também deve
ter cuidado especial para não receber uma transfusão contendo sangue Rh-positivo, porque isso também estimularia a produção de anticorpos anti-
Rh.

A incompatibilidade materno-fetal do fator Rh (mãe Rh-negativa e feto Rh-positivo) pode produzir a doença hemolítica do
recém-nascido se os anticorpos anti-Rh da mãe destruírem os eritrócitos fetais. A administração de imunoglobulina anti-
Rh à mãe previne tal reação.

Uma forma mais rara de incompatibilidade materno-fetal pode ocorrer quando uma mãe com sangue tipo O estiver gerando um feto com o
sangue tipo A ou B. A doença hemolítica produzida por essa combinação geralmente é tão branda que não requer tratamento. Mas curiosamente, se
a mãe também for Rh-negativa e a criança for Rh-positiva, a incompatibilidade ABO protege contra a incompatibilidade Rh mais grave. Isto
acontece porque quaisquer células vermelhas do sangue fetal que entram no sistema circulatório materno são rapidamente destruídas pelos seus
anticorpos anti-A ou anti-B antes que se possam formar anticorpos anti-Rh.

DOENÇAS DE IMUNODEFICIÊNCIA
As doenças de imunodeficiência ocorrem quando um ou mais componentes do sistema imunológico (p. ex., células T, células B, MHC e proteínas
do complemento) faltam ou deixam de funcionar normalmente. As doenças causadas por imunodeficiência primária são causadas por
anormalidades nas células do sistema imunológico e geralmente são produzidas por alterações genéticas. Mais de 100 síndromes de
imunodeficiência primária já foram descritas até agora, e estima-se que estas afetem, no mínimo, uma a cada 10.000 pessoas. A imunodeficiência
secundária ocorre quando componentes do sistema imune são alterados ou destruídos por outros fatores, como radiação, infecções ou drogas. Por
exemplo, o vírus da imunodeficiência humana (HIV, human immunodeficiency virus), que causa a síndrome da imunodeficiência adquirida (Aids),
ataca os macrófagos e os linfócitos T helper, componentes centrais do sistema imunológico. O resultado é uma suscetibilidade aumentada para
diversos tipos de infecções oportunistas.
As doenças causadas por imunodeficiência das células B deixam o paciente especialmente suscetível às infecções bacterianas recorrentes, como
ao Streptococcus pneumoniae. Um exemplo importante de imunodeficiência das células B é a agamaglobulinemia ligada ao X (XLA, X-linked
agammaglobulinemia). Os pacientes que sofrem desse distúrbio, a maioria do sexo masculino, têm perda completa das células B e não possuem
IgA, IgE, IgM ou IgD no plasma. Como a IgG atravessa a barreira placentária durante a gravidez, as crianças com XLA apresentam algum grau de
resposta imune das células B nos primeiros meses de vida. Contudo, o suprimento de IgG é rapidamente depletado, e as crianças desenvolvem
infecções bacterianas recorrentes. Elas são tratadas com grandes quantidades de γ-globulina. A agamaglobulinemia ligada ao X é causada por
mutações em um gene (BTK, Bruton’s tyrosine kinase) que codifica uma tirosina quinase de célula B, necessária para a maturação normal das
células B. Mutações nos genes que codificam as cadeias leves e pesadas da imunoglobulina podem causar imunodeficiência autossômica recessiva
das células B.
As doenças de imunodeficiência das células T afetam diretamente as células T, mas também afetam a resposta imune humoral, porque a
proliferação de células B depende amplamente das células T helper. Deste modo, os pacientes desenvolvem deficiência imunológica grave
combinada (SCID, severe combined immune deficiency) e ficam suscetíveis a muitas infecções oportunistas, incluindo Pneumocystis jiroveci (um
protozoário que comumente infecta pacientes com Aids). Esses pacientes geralmente morrem durante os primeiros anos de vida caso não recebam
um transplante de medula óssea. Cerca da metade dos casos de SCID é causada por mutações recessivas ligadas ao X em um gene que codifica a
cadeia γ, que é encontrada em seis diferentes receptores de citocinas (aqueles das interleucinas 2, 4, 7, 9, 15 e 21). Na ausência desses receptores, as
células natural killer e as células T não podem receber os sinais que precisam para que possam amadurecer normalmente. Todos esses receptores
interagem com uma molécula de sinalização intracelular chamada Jak3. Conforme o esperado, pessoas que não têm a molécula Jak3 (como
resultado de mutações autossômicas recessivas no gene JAK3) (Janus Kinase 3 ou Just Another Kinase 3) experimentam uma forma de SCID muito
similar à forma ligada ao X, descrita anteriormente.
Aproximadamente 15% dos casos de SCID são causados pela deficiência na adenosina desaminase (ADA, adenosine deaminase), um distúrbio
autossômico recessivo do metabolismo da purina que resulta no acúmulo de metabólitos tóxicos nas células B e T. Esse tipo de SCID, assim como a
forma ligada ao X, pode ser solucionado com um transplante de medula óssea, e alguns casos estão sendo tratados experimentalmente com terapia
gênica (Capítulo 13).
A SCID também pode surgir de mutações no RAG1 (recombination activating gene 1) e no RAG2 (recombination activating gene 2), dois dos
genes envolvidos na recombinação VDJ, e na formação propriamente dita dos receptores das células B e T. Essas mutações produzem uma
imunodeficiência combinada das células B e T, embora células natural killer normais sejam produzidas. Outros exemplos de SCID são apresentados
na Tabela 9-3.
Vários defeitos no sistema imunológico resultam em linfócitos sem moléculas MHC em suas superfícies. Tais condições são seletivamente
denominadas síndrome do linfócito nu (BLS, bare lymphocyte syndrome). Uma das formas dessa síndrome é causada por mutações no gene TAP2. A
proteína TAP2 ajuda no transporte de peptídeos para o retículo endoplasmático, onde se ligam a moléculas classe I do MHC. Um defeito na proteína
TAP2 desestabiliza as moléculas MHC classe I, não sendo mais expressas nas superfícies celulares. Como a exposição às moléculas MHC é
necessária para o desenvolvimento normal das células T no timo, a síndrome do linfócito nu resulta em uma redução grave no número de células T e
B funcionais. Essa síndrome também pode ser causada por defeitos em vários fatores de transcrição diferentes, que se ligam aos promotores da
região do MHC classe II. O resultado é a ausência de moléculas MHC classe II nas células apresentadoras de antígenos, uma deficiência nas células
T helper e a ausência da produção de anticorpos.
A doença granulomatosa crônica (CGD, chronic granulomatous disease) é um distúrbio por imunodeficiência primária, no qual os fagócitos
podem ingerir bactérias ou fungos, mas são incapazes de destruí-los. Tal fenômeno provoca uma resposta imunológica celular persistente aos micro-
organismos ingeridos, levando à formação dos granulomas (lesões nodulares inflamatórias contendo macrófagos) de onde decorre o nome da
doença. Os pacientes que sofrem de CGD desenvolvem pneumonias, infecções dos linfonodos e abscessos na pele, no fígado e em outros locais. A
causa mais comum da CGD é uma mutação ligada ao X, mas também há, no mínimo, outros três genes autossômicos recessivos que podem causá-
la. O gene que causa a CGD ligada ao X foi o primeiro gene causador de doença a ser isolado por clonagem posicional. Esse gene codifica uma
subunidade do citocromo b, uma proteína que o fagócito precisa para interromper o metabolismo de micro-organismos dependentes de oxigênio.
Defeitos múltiplos em diversas proteínas que constituem o sistema do complemento também já foram identificados. A maioria deles é herdada
como doenças autossômicas recessivas, e a maior parte resulta em suscetibilidade aumentada para infecções bacterianas.
Finalmente, muitas síndromes incluem imunodeficiência como uma de suas características. Um exemplo é a sequência de DiGeorge (Capítulo 6),
na qual a deficiência do desenvolvimento do timo leva à deficiência de células T. A síndrome de Wiscott-Aldrich é um distúrbio recessivo ligado ao
X que

TABELA 9-3 Exemplos de Doenças com Imunodeficiência Primária

CONDIÇÃO PADRÃO DE DESCRIÇÃO RESUMIDA


HERANÇA

Agamaglobulinemia ligada RLX Ausência de células B que resulta em infecções bacterianas recorrentes
ao X

SCID (defeito na cadeia γ do RLX, AR Deficiência de células T que também diminui a resposta imune humoral; fatal, a menos que
receptor γ de citocina ou seja tratada por transplante de medula óssea ou terapia gênica
deficiência de ADA)

SCID por deficiência da AR Deficiência de proteína quinase que leva à deficiência de células T, NK e da resposta imune
proteína Jak3 humoral

SCID (também síndrome de AR A ausência da atividade de recombinases prejudica a recombinação VDJ e causa deficiência de
Omenn) por deficiência células B e T
de RAG1 ou RAG2

SCID por deficiência da AR Deficiência de células T, que prejudica a resposta das células B
cadeia α da interleucina-
7

Deficiência da quinase AR Perda de células T citotóxicas; células T helper defeituosas; resposta dos anticorpos
Zap70 prejudicada

Deficiência da purina AR Distúrbio no metabolismo de purinas, levando à deficiência de células T


nucleosídeo fosforilase

Síndrome do linfócito nu AR Expressão diminuída de moléculas MHC classe I (mutação TAP2), que resulta em deficiência de
(BLS) células B e T na BLS tipo 1; mutações nos fatores de transcrição dos genes do MHC classe II,
que leva a uma diminuição relativa nas células T helper na BLS tipo 2.

Defeitos no sistema do Principalmente Suscetibilidade aumentada para infecções bacterianas e de outros tipos
complemento AR

Anomalia de DiGeorge AD, esporádica Malformações congênitas incluindo aspectos faciais dismórficos, cardiopatia congênita e
anormalidade tímica, levando à deficiência de células T

Ataxia telangiectasia- AR Defeito no reparo do DNA, caracterizado por desequilíbrio de marcha (ataxia), telangiectasia
(capilares dilatados) e anormalidade tímica, levando à deficiência de células T

Síndrome de Wiskott- RLX Plaquetas anormais e pequenas, eczema e células T anormais, com suscetibilidade às
Aldrich infecções oportunistas

Síndrome de Chediak- AR Albinismo parcial, organização lisossômica defeituosa, grânulos citoplasmáticos gigantes,
Higashi neutrófilos e células natural killersanormais, com infecções bacterianas recorrentes

Deficiência de adesão AR Mutações no gene receptor de integrina produzem fagócitos que não são capazes de
leucocitária reconhecer e ingerir micro-organismos, resultando em infecções bacterianas graves

Doença granulomatosa RLX, AR Os fagócitos ingerem micro-organismos, mas não podem destruí-los; leva à formação de
crônica granulomas e infecções recorrentes

Síndrome da hiper-IgE AD, AR Infecções recorrentes por estafilococos; níveis marcadamente elevados de IgE no soro;
características faciais grosseiras

Deficiência de IRAK-4 Defeito no receptor Toll-like causado por deficiência do receptor de interleucina-1 associado à
quinase 4 (IRAK-4), que causa infecções bacterianas extracelulares (especialmente por
Streptococcus pneumoniae)

AD, autossômico dominante; AR, autossômico recessivo; SCID, deficiência imunológica grave combinada; RLX, recessivo ligado ao X

envolve deficiências de plaquetas e disfunção progressiva de células T. É causada por mutações de perda de função em um gene (WAS) cujo produto
proteico é expresso nas células hematopoiéticas, onde transmite sinais da superfície celular para o citoesqueleto. A síndrome de Wiskott-Aldrich,
como a SCID, tem sido tratada com sucesso com terapia gênica (Capítulo 13). Também, várias síndromes de instabilidade do DNA são
caracterizadas por imunodeficiência (p. ex., ataxia telangiectasia, síndrome de Bloom e anemia de Falconi; Capítulo 3).
As doenças de imunodeficiência primária envolvem defeitos intrínsecos nas células da resposta imune (células B, células
T, MHC, sistema do complemento ou fagócitos), sendo geralmente causadas por alterações genéticas. As doenças de
imunodeficiência secundária, das quais a Aids é um exemplo, são causadas por fatores externos. A imunodeficiência
também pode ser observada em um grande número de síndromes genéticas, incluindo vários distúrbios de instabilidade
do DNA.

QUESTÕES DE ESTUDO
1. Compare as funções das moléculas do MHC classe I e classe II.
2. Tanto as moléculas MHC como as imunoglobulinas exibem grande diversidade, porém de diferentes maneiras. Como elas divergem e por quê?
3. De que maneiras os receptores das células T e as imunoglobulinas são similares? De que maneiras eles diferem?
4. Se há 80 segmentos V, seis segmentos J e 30 segmentos D que podem codificar uma cadeia pesada de imunoglobulina de uma classe específica,
de que modo imunoglobulinas diferentes podem ser formadas exclusivamente pela recombinação somática?
5. Os irmãos geralmente são doadores desejáveis para transplantes de órgãos, quando se comparam doadores e receptores, porque são mais
propensos a serem HLA-compatíveis com o receptor. Se assumirmos que não tenha ocorrido crossing-over entre os loci do HLA e considerarmos
quatro haplótipos distintos entre os pais, qual é a probabilidade do receptor do transplante ser HLA-idêntico ao irmão doador?
6. Que tipos de casamentos poderão produzir incompatibilidade materno-fetal do fator Rh?

LEITURAS SUGERIDAS
Bonilla FA, Oettgen HC. Adaptive immunity. J Allergy Clin Immunol. 2010;125:S33-S40.
Cho JH, Gregersen PK. Genomics and the multifactorial nature of human autoimmune disease. N Engl J Med. 2011;365:1612-1623.
Conley ME, Casanova J-L. Discovery of single-gene inborn errors of immunity by next generation sequencing. Curr Opin Immunol. 2014;30:17-23.
Durandy A, Kracker S, Fischer A. Primary antibody deficiencies. Nat Rev Immunol. 2013;13:519-533.
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Kumar V, Wijmenga C, Xavier RJ. Genetics of immune-mediated disorders: from genome-wide association to molecular mechanism. Curr Opin Immunol. 2014;31:51-57.
Male D, Brostoff J, Roth D, Roitt I. Immunology. 8th ed. St. Louis: Elsevier; 2013.
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Netea MG, van der Meer JWM. Immunodeficiency and genetic defects of pattern-recognition receptors. N Engl J Med. 2011;364:60-70.
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Fontes na Internet
Immunogenetics Database http://www.ebi.ac.uk/imgt/
Molecular Immunology Tutorial http://www.mi.interhealth.info/

14 Essas células também são conhecidas como células T CD8+, por causa da presença de correceptores CD8 (aglomerado de antígeno 8 de diferenciação) em suas superfícies,
que se ligam à molécula classe I do MHC (Fig. 9-4). Células T helper maduras têm correceptores CD4 em suas superfícies celulares, que se ligam às moléculas classe II do
MHC (Fig. 9-3), sendo conhecidas como células T CD4+.

15
Essas moléculas receberam o nome de “antígenos leucocitários humanos” porque foram observadas em estudos iniciais nas superfícies dos leucócitos (células brancas).
Contudo, conforme mencionado anteriormente, tais moléculas podem ser encontradas nas superfícies de quase todas as células.

16
Em virtude do repertório relativamente limitado de diferentes moléculas do MHC, a afinidade de ligação dessas moléculas com os peptídeos geralmente é bem menor do que a
afinidade de ligação dos receptores das células T.
C A P Í T U L O 10

As Bases Genéticas do Desenvolvimento

A genética do desenvolvimento estuda a forma como as instruções codificadas nos genes controlam e coordenam o desenvolvimento de um
organismo, começando com a fertilização e terminando com a morte. Este assunto é importante para os profissionais da saúde porque as mutações
gênicas podem alterar os processos de desenvolvimento, resultando em aumento do risco de defeitos congênitos, deficiência intelectual e câncer.
Cerca de 6% de todos os nascidos vivos no mundo apresentam um defeito congênito maior (isto é, que causa um impacto substancial à saúde); assim
aproximadamente 8 milhões de crianças por ano nascem com um defeito congênito importante. Os defeitos congênitos são a principal causa de morte
17
no primeiro ano de vida nos Estados Unidos e estão associados a uma morbidade substancial.
Os defeitos congênitos podem ser anomalias isoladas ou parte das múltiplas características de um dos milhares de síndromes genéticas conhecidas.
A etiologia da maioria dos defeitos congênitos é desconhecida; entretanto, uma fração substancial é causada por mutações em genes que,
isoladamente ou em combinação, controlam o desenvolvimento normal. A caracterização dos genes e dos processos biológicos que coordenam o
desenvolvimento animal revolucionou nossa compreensão sobre a base molecular dos defeitos congênitos humanos. Este capítulo fornece uma
revisão dos genes e das proteínas que controlam o desenvolvimento e, a seguir, discute alguns dos principais processos de desenvolvimento que,
quando alterados, causam defeitos congênitos.

DESENVOLVIMENTO
Conceitos Básicos
O desenvolvimento animal pode ser definido como o processo pelo qual um óvulo fertilizado se transforma em um organismo maduro e capaz de se
reproduzir. Um único óvulo fertilizado se divide e cresce para formar diferentes tipos de células, tecidos e órgãos, todos eles organizados em um
plano corporal específico da espécie (isto é, a disposição padrão das partes corporais). Muitas das instruções necessárias ao desenvolvimento normal
são codificadas por genes comuns aos animais. Uma vez que eles são idênticos em cada célula de um organismo, surgem várias perguntas: Como
células com a mesma constituição genética formam um organismo adulto complexo composto de muitas células e tecidos diferentes? O que controla o
destino de cada célula, instruindo-a, por exemplo, a se transformar em uma célula do cérebro ou do fígado? Como as células se organizam em tecidos
distintos? Como o plano corporal de um organismo é determinado? Há mais de um século as respostas a essas perguntas fundamentais têm sido o
foco principal da biologia do desenvolvimento. O ritmo das descobertas tem sido significativamente acelerado nas últimas décadas, e essas conquistas
têm ajudado a compreender as causas das malformações e das síndromes genéticas humanas.
Por razões éticas e técnicas, é difícil estudar eventos precoces do desenvolvimento em embriões humanos. Consequentemente, uma variedade de
modelos animais é usada para facilitar o estudo do desenvolvimento (Tabela 10-1). Essa abordagem é viável porque os elementos principais (genes e
vias) que controlam o desenvolvimento animal são conservados em uma ampla faixa de espécies e de planos corporais. Além disso, muitos
mecanismos regulatórios e vias de sinalização são usados repetidamente durante o desenvolvimento para controlar vários eventos de padronização e
diferenciação. Isto enfatiza o fato de que a evolução das espécies avança, em parte, por ajustes contínuos com programas de desenvolvimento
similares para efetuar alterações no fenótipo de um organismo.
Por exemplo, a expressão ectópica (ou seja, a expressão do produto gênico em um local anormal) do gene eyeless (sem olhos) da Drosophila
18
resulta em um olho bem formado, embora ectópico (Fig. 10-1). Os camundongos possuem um gene homólogo, o Pax6 +, no qual as mutações
podem produzir olhos anormalmente pequenos. Quando inserido ectopicamente na mosca Drosophila, o Pax6 volta a produzir um olho ectópico. As
mutações no gene humano homólogo, PAX6, causam defeitos no olho, como catarata e aniridia (ausência da íris). PAX 6, Pax6 e Eyeless são genes
homólogos que codificam fatores de transcrição do DNA (Capítulo 3). Embora os ancestrais da Drosophila e do camundongo tenham divergido da
linhagem que deu origem aos humanos há 500 milhões e a 60 milhões de anos, respectivamente, os genes e as vias envolvidos no desenvolvimento do
olho foram conservados.

Cerca de 2% a 3% dos bebês nascem com um defeito congênito reconhecível. Muitos desses defeitos são causados por
mutações em genes que codificam elementos das vias de controle do desenvolvimento. Essas vias estão altamente
conservadas entre as espécies animais. Assim, estudos de modelos animais não humanos são valiosos para a compreensão
do desenvolvimento humano e das causas dos defeitos congênitos.

TABELA 10-1 Modelos Animais do Desenvolvimento Humano

ORGANISMO TEMPO DE VANTAGENS DESVANTAGENS


GERAÇÃO*

Caenorhabditis elegans 9 dias A função de cada célula é conhecida Plano corporal alternativo comparado ao dos
(nematódeo) Genoma bem caracterizado vertebrados

Fácil de cruzar e de manter Os tecidos não podem ser cultivados

Drosophila melanogaster 10 dias Fácil de cruzar Plano corporal alternativo comparado ao dos
(mosca-das-frutas) Populações extensas vertebrados
Extenso banco de dados sobre mutantes Deve ser armazenada viva; não pode ser congelada
Viabilidade e disponibilidade para a Geralmente a patologia é diferente, em comparação
realização de grandes triagens com a dos seres humanos

Danio rerio (zebrafish) 3 meses Embrião transparente Dificuldade de modificação


De fácil manutenção do gene alvo
Grandes populações
Viabilidade e disponibilidade para a
realização de grandes triagens

Xenopus laevis (rã) 12 meses O embrião é transparente, grande e fácil de O genoma tetraploide dificulta os experimentos
manipular genéticos

Gallus gallus (galinha) 5 meses Embrião fácil de ser observado e Dificuldade de realizar experimentos genéticos
manipulado

Mus musculus 2 meses Patologia similar à dos humanos Manutenção relativamente dispendiosa
(camundongo) Ferramentas excelentes para caracterização A manipulação do embrião é um desafio
de fenótipos
Modificação direta do gene-alvo
Genoma totalmente disponível

Papio hamadryas (babuíno) 60 meses A patologia e a fisiologia são semelhantes Manutenção muito dispendiosa
às dos seres humanos Populações pequenas
Tempo de geração muito longo
Preocupações éticas significativas com o uso de
primatas

*O tempo de geração é definido como a idade em que o organismo é capaz de se reproduzir pela primeira vez.

FIGURA 10-1 Relações evolutivas entre homólogos do gene PAX6 e os fenótipos associados, ilustrando a conservação funcional dos genes Pax entre seres
humanos, camundongos e Drosophila. A, Mutações no PAX6 humano causam aplasia da íris, ou aniridia. B, A perda de função do Pax6 murino causa olhos
pequenos (esquerda), em comparação com um camundongo selvagem (direita). C, Expressão alterada do gene eyeless em tecido destinado a se tornar
uma antena resulta na formação de um olho normal, porém ectópico (seta).

Breve Resumo dos Principais Processos no Desenvolvimento Embrionário


Vários processos essenciais estão envolvidos no desenvolvimento do embrião, incluindo especificação do eixo, padrão de formação e
organogênese. Como o nome sugere, o padrão de formação descreve uma sequência de eventos nos quais células diferenciadas são arranjadas
espacialmente para formar tecidos e órgãos. As interações dessas células são mediadas por processos como a indução, que ocorre quando as células
de uma região embrionária influenciam a organização e a diferenciação de células em uma segunda região. A especificação do eixo envolve a
definição dos eixos principais do corpo: ventral/dorsal, anterior/posterior, medial/lateral e esquerdo/direito. A especificação de polaridade (direção) é
uma parte importante desse processo. Uma vez especificados os eixos, tem início a formação dos órgãos e dos membros (organogênese). Cada um
desses processos principais envolve muitas proteínas diferentes que formam estruturas e fornecem sinais para coordenar o desenvolvimento do
embrião. Os tipos principais dessas proteínas e os genes que as codificam são descritos a seguir.

O desenvolvimento embrionário envolve os processos padrão de formação, especificação do eixo e organogênese. Cada
um desses processos é controlado por uma série de proteínas que fornecem sinais e formam as estruturas necessárias ao
desenvolvimento normal do embrião.

MEDIADORES GENÉTICOS DO DESENVOLVIMENTO: O ARSENAL MOLECULAR


Os genes necessários para o desenvolvimento normal codificam muitos produtos diferentes, incluindo moléculas de sinalização e seus receptores,
fatores de transcrição do DNA, componentes da matriz extracelular, enzimas, sistemas de transporte e outras proteínas. Cada um desses mediadores
genéticos é expresso em combinações de padrões de superposição espacial e temporal, que controlam os diferentes processos do desenvolvimento.
Como detalhado neste capítulo, mutações nos genes mediadores do desenvolvimento são uma causa comum dos defeitos congênitos humanos.

Moléculas de Sinalização Parácrina


As interações entre células vizinhas são, em geral, mediadas por proteínas que podem difundir-se por pequenas distâncias e induzir uma resposta. Tais
moléculas são frequentemente chamadas de fatores parácrinos, pois são secretadas no espaço ao redor de uma célula (diferentemente dos hormônios
que são secretados na corrente sanguínea). Fatores parácrinos intimamente relacionados foram isolados de uma variedade de organismos, tornando
claro que moléculas homólogas são encontradas em todo o reino animal. Até o momento, quatro grandes famílias de moléculas de sinalização
parácrina foram descritas: a família do fator de crescimento de fibroblastos (FGF), a família Hedgehog, a família Wingless (Wnt) e a família do fator
de crescimento transformante β (TGF-β). Cada uma dessas moléculas de sinalização liga-se a um ou mais receptores para efetuar uma resposta, e
mutações em genes que codificam essas moléculas podem levar à comunicação intercelular anormal. O Comentário Clínico 10-1 discute a família
FGF e seus receptores associados; as outras três famílias são descritas nesta seção.
O primeiro membro da família Hedgehog foi isolado originalmente em um mutante de Drosophila que possui cerdas em uma área da mosca
normalmente sem pelos (daí o nome hedgehog; ouriço). Os vertebrados possuem vários homólogos do hedgehog, sendo o Sonic hedgehog (Shh) (ou
ouriço sônico) o mais amplamente usado. Entre os muitos papéis que desempenha, o Shh participa da especificação do eixo, indução de neurônios
motores dentro da placa neural e padronização dos membros. O principal receptor do Shh é uma proteína transmembrana codificada por um gene
chamado patched. A ação normal do patched é inibir a função de outra proteína transmembrana chamada smoothened, codificada pelo gene Smo. A
ligação de Shh ao receptor patched resulta na desinibição da smoothened e na ativação de uma cascata de sinalização intracelular que tem como alvo
os membros da família de fatores de transcrição GLI (Fig. 10-2).
As mutações no homólogo humano PATCHED (PTC) causam a síndrome de Gorlin (Fig. 10-2), uma desordem caracterizada por anomalias das
costelas, cistos na mandíbula e carcinomas de células basais (uma forma de câncer de pele). Mutações somáticas no PTC também foram encontradas
em casos esporádicos de carcinomas de células basais. Assim, as mutações na linhagem germinativa do gene PTC alteram a regulação de células em
desenvolvimento causando defeitos congênitos, enquanto as mutações somáticas no gene PTC podem alterar a regulação de células completamente
diferenciadas e causar câncer.
A família de genes Wnt foi assim nominada segundo o gene wingless da Drosophila e de um de seus homólogos de vertebrados: o integrated. O
gene wingless estabelece polaridade durante a formação dos membros da Drosophila e os membros da família Wnt desempenham papéis semelhantes
nos vertebrados. Os genes Wnt codificam glicoproteínas secretadas que se ligam aos membros das famílias frizzled e das proteínas relacionadas aos
receptores de lipoproteínas de baixa densidade (LDL). Nos seres humanos, já foram identificados 19 genes Wnt diferentes que participam de três vias
de sinalização: a via canônica do Wnt, a via não canônica de polaridade celular planar e a via não canônica de Wnt/cálcio. Essas vias regulam uma
ampla variedade de processos do desenvolvimento, incluindo a especificação do eixo dorsal/ventral e a formação do cérebro, músculos, gônadas e
rins. A homozigosidade para mutações no WNT3 causa tetra-amelia (ausência dos quatro membros) em seres humanos, e a sinalização anormal do
Wnt já foi associada à formação de tumores.
19
A superfamília gênica TGF-β é composta por um grande grupo de genes estruturalmente relacionados que codificam proteínas que formam
homodímeros ou heterodímeros. Os membros da superfamília TGF-β incluem a própria família TGF-β, a família de proteína morfogenética óssea
(BMP), a família da ativina e a família Vg1. Embora o papel das BMPs não esteja limitado ao desenvolvimento dos ossos, os membros da família
BMP foram originalmente isolados em virtude da sua habilidade em induzir a formação óssea.
As mutações em um membro da família BMP, a proteína morfogenética derivada de cartilagem 1 (CDMP1, de cartilage-derived morphogenetic
protein 1), causam várias anormalidades esqueléticas. Mutações diferentes podem produzir fenótipos distintos (heterogeneidade alélica, Capítulo 4).
Uma mutação sem sentido (nonsense) no gene CDMP1, por exemplo, causa braquidactilia (dedos curtos) de herança dominante. Pessoas homozigotas
para uma duplicação de 22 pb no gene CDMP1 apresentam braquidactilia e encurtamento dos ossos longos, como parte de uma doença autossômica
recessiva denominada displasia acromesomélica. Uma mutação homozigota de sentido trocado (missense) produz a condrodisplasia de Grebe,
também autossômica recessiva, caracterizada por encurtamento acentuado dos ossos longos e dos dedos. A proteína

FIGURA 10-2 A via de sinalização da via Sonic hedgehog (Shh)–Patched (Ptch) Gli e afecções associadas. A proteína Shh na qual uma fração de colesterol foi
adicionada se liga ao gene Patched. Smo normalmente é inibido pelo Patched, mas, quando ligado pela proteína Shh, essa inibição não ocorre e Smo fica
disponível para ativar os alvos localizados abaixo (dowstream), como os fatores de transcrição Gli. A proteína ligante ao elemento de resposta da
adenosina monofosfato cíclica (AMPc), CREBBP (de response element-binding protein), é um cofator dos fatores de transcrição Gli. As doenças causadas por
alterações de proteínas nessa via incluem: A, holoprosencefalia (Shh; desenvolvimento anormal do cérebro na linha média), B, síndrome de Smith-Lemli-
Opitz (biossíntese do colesterol, Capítulo 7); C, síndrome de Gorlin ou do carcinoma nevoide de células basais (PTCH; anormalidades das costelas, cistos
na mandíbula e câncer de pele de células basais); D, síndrome da cefalopolissindactilia de Greig (Gli; craniossinostose e polidactilia); E, síndrome de
Rubinstein-Taybi (CREBBP; deficiência intelectual, características faciais distintas e polegares alargados). (Fotos de Jones K. Smith’s Recognizable Patterns of
Human Malformation, 6th ed., Philadelphia: Saunders, 2006:116; diagrama modificado de Turnpenny P, Eliard S: Emery’s Elements of Medical Genetics, 13th ed.
London: Churchil Livingstone, 2007.)

COMENTÁRIO CLÍNICO 10-1

Doenças dos Receptores de Fator de Crescimento de Fibroblastos


Os quatro receptores de fator de crescimento de fibroblastos (FGFRs) são glicoproteínas altamente homólogas com uma estrutura comum, que
consiste em um peptídeo sinal (sequência de aminoácidos que ajuda a direcionar a proteína para sua localização celular específica), três domínios do
tipo imunoglobulina (Ig-like), um segmento transmembrana e um domínio tirosina quinase intracelular. Os FGFRs são receptores para pelo menos 22
fatores de crescimento de fibroblastos (FGFs) que participam de uma ampla variedade de processos biológicos, incluindo migração, crescimento e
diferenciação celular (p. ex., formação de membro, padronização do cérebro e etc.). Com afinidades variáveis, os FGFs ligam FGFRs levando à
fosforilação e, consequentemente, à ativação do domínio tirosina quinase.
Os FGFRs estão substancialmente expressos nos ossos em desenvolvimento, e muitas doenças humanas autossômicas dominantes comuns de
crescimento dos ósseo generalizado (p. ex. displasias esqueléticas) são causadas por mutações nos genes FGFR. Entre tais desordens, a mais
predominante, e que afeta mais de 250 mil pessoas no mundo todo, é a acondroplasia (ACH), que se caracteriza por estatura desproporcionalmente
baixa (isto é, os membros são desproporcionalmente mais curtos que o tronco) e macrocefalia (Capítulo 4). Quase todas as pessoas com ACH
apresentam uma substituição glicina →arginina no domínio transmembrana do FGFR3, resultando na ativação constitutiva do FGFR3.
O FGFR3 é normalmente expresso em condrócitos em repouso e restringe sua proliferação e diferenciação. A superativação resulta em maior
inibição do crescimento dos condrócitos, produzindo defeitos esqueléticos. O grau de ativação do FGFR3, que varia dependendo do domínio que é
alterado, corresponde à intensidade do encurtamento dos ossos longos. Graus mais baixos de expressão resultam em anormalidades esqueléticas
mais moderadas observadas na hipocondroplasia, enquanto a superexpressão causa uma síndrome praticamente letal de baixa estatura, chamada
displasia tanatofórica.

FIGURA 10-3 Acima. Desenho esquemático da proteína do receptor 3 de fator de crescimento de fibroblasto (FGFR3). Os domínios funcionais
importantes do FGFR3 incluem um peptídeo sinal (SP), três domínios do tipo imunoglobulina (Ig), uma caixa ácida (AB), um domínio transmembrana
(TM) e um domínio intracelular tirosina quinase (Quinase). Os locais de mutações de ponto que causam a acondroplasia (A: vermelho), hipocondroplasia
(H: amarelo) e displasia tanatofórica (T: azul claro). Abaixo, Fotografias de crianças com mutações em FGFR3. A, Um menino com hipocondroplasia. Ele
tem membros moderadamente curtos com relação ao tronco. B, Um lactente com displasia tanatofórica, a mais comum entre as displasias
esqueléticas letais. A criança apresenta membros acentuadamente encurtados e uma caixa torácica muito estreita. C, Menina com acondroplasia. Ela
tem membros curtos com relação ao tronco (resultando em dobras de pele redundante nos braços e nas pernas), fronte proeminente e raiz nasal
deprimida. (Modificado de Webster MK, Donoghue DJ: FGFR activation in skeletal disorders: Too much of a good thing. Trends Genet 1997;13:178-182.)

Esses achados sugerem que a redução ou o bloqueio da atividade do FGFR3 poderia ser uma estratégia terapêutica em potencial. Entretanto, é
necessário manter alguma função residual do FGFR3 para um desenvolvimento normal. Em camundongos, mutações de inativação do FGFR3 causam
expansão das zonas da cartilagem em proliferação e crescimento dos ossos longos, resultando em animais maiores do que a média. Aumento
similar na estatura média já foi observado em pessoas com uma síndrome rara causada por uma mutação que reduz a função do FGFR3.
O crescimento ósseo anormal também é um aspecto de um grupo de doenças autossômicas dominantes, caracterizadas por fusão prematura
(sinostose) das suturas cranianas, deformidade craniana e vários tipos de defeitos de membros. Essas desordens são chamadas de síndromes de
craniossinostose. As mutações em FGFR1, FGFR2 e FGFR3 causam, pelo menos, seis síndromes distintas, das quais a mais conhecida é a síndrome de
Apert. A mesma mutação pode, às vezes, causar duas ou mais síndromes de craniossinostose diferentes. Por exemplo, a substituição cisteína →
tirosina no FGFR2 pode causar a síndrome de Pfeiffer ou a síndrome de Crouzon. Isso sugere que fatores adicionais, como os genes modificadores,
são parcialmente responsáveis pela ocorrência de fenótipos diferentes (Fig. 10-4; Tabela 10-2).

FIGURA 10-4 A, Face de uma criança com síndrome de Apert. Observe que o crânio é alto e estreito. Os olhos são protuberantes porque as órbitas
ósseas são rasas. B, Mão de uma criança com síndrome de Apert, mostrando polegar largo e fusão de todos os dígitos (sindactilia). (Cortesia de Jones
KL: Smith’s Recognizable Patterns of Human Malformation, 6th ed., Philadelphia: Mosby, 2006.)

TABELA 10-2 Síndromes de Craniossinostose Causadas por Mutações em Receptores de Fator de Crescimento de
Fibroblastos
GENE SÍNDROME CARACTERÍSTICAS

FGFR1 Pfeiffer Alargamento do polegar e do hálux, hipertelorismo ocular

FGFR2 Apert Hipoplasia da face média, fusão de dígitos

Pfeiffer Alargamento do polegar e do hálux, hipertelorismo ocular

Crouzon Hipoplasia da face média, proptose ocular

Beare-Stevenson Hipoplasia da face média, pele enrugada

Jackson-Weiss Hipoplasia da face média, anomalias dos pés

FGFR3 Crouzon Hipoplasia da face média, proptose ocular, acantose nigricans*

Muenke (craniossinostose não sindrômica) Hipoplasiada face média, braquidactilia, perda da audição

*A acantose nigricans se caracteriza por pele hiperplásica e hipertrófica com pigmentação variável, envolvendo mais frequentemente as axilas, pescoço,
genitália e superfícies de flexão.

mutante não é secretada e acredita-se que ela inativa outras BMPs formando heterodímeros com elas e impedindo sua secreção. Por isso, as mutações
que causam a condrodisplasia de Grebe produzem um tipo novo de efeito negativo dominante por inativar os produtos de outros genes.
Para efetuar uma resposta, os sinais extracelulares precisam ser transduzidos pela célula. Um dos sistemas de transdução de sinais mais conhecidos
20
é a via de sinalização RTK/Ras GTPase/MAPK (RTK-MAPK). A via RTK-MAPK regula várias funções celulares como expressão gênica, divisão,
diferenciação e morte. Consequentemente, a via RTK-MAPK é amplamente usada durante o desenvolvimento. Recentemente, descobriu-se que
mutações nos genes que codificam vários componentes da via RTK-MAPK causam síndromes
FIGURA 10-5 Mutações em genes na via de sinalização RAS-MAPK causam: A, síndrome de Noonan (baixa estatura, pescoço alado e cardiopatia
congênita); B, síndrome de Costello (deficiência intelectual, lábios espessos, ponte nasal deprimida, cabelos encaracolados e cardiomiopatia); C, síndrome
cardiofaciocutânea (deficiência intelectual, frontal proeminente, hipertelorismo ocular, anormalidades da pele) e D, neurofibromatose tipo 1 (Capítulo 4).
Sistema de sinalização RAS-MAPK, RTK/Ras GTPase/MAPK (GTPase, guanosina trifosfatase; MAPK, proteína quinase ativada por mitógenos; RTK, receptor
tirosina quinase ). (Fotos de Jones KL. Smith’s Recognizable Patterns of Human Malformation, 6th. ed. Philadelphia: Saunders, 2006:127; diagrama modificado de
Turnpenny P, Ellard S: Emery’s Elements of Medical Genetics, 13th ed. London: Churchil Livingstone, 2007.)

malformativas humanas (Fig. 10-5). A mais conhecida, a síndrome de Noonan, se caracteriza por baixa estatura, aspectos faciais característicos,
pescoço alado e cardiopatia congênita — mais frequentemente a estenose pulmonar. A maioria dos casos de síndrome de Noonan é causada por
mutações com ganho de função no gene da proteína tirosina fosfatase não receptora tipo 11 (PTPN11, de protein tyrosine phosphatase, non-receptor-
type, 11), que codifica uma proteína que interage com a via RTK-MAPK. As características clínicas da síndrome de Noonan são semelhantes às de
duas condições mais raras, a síndrome de Costello e a síndrome cardiofaciocutânea (CFC). Essas condições são causadas por mutações em outros
componentes da via RTK-MAPK (Fig. 10-5). Assim, a disrupção de componentes diferentes da mesma via de sinalização ou de desenvolvimento
resulta em síndromes malformativas diferentes, com sobreposição de aspectos clínicos.
Outras proteínas secretadas inibem a função das BMPs. Em seres humanos, as mutações no gene Noggin, que codifica um desses inibidores,
causam fusão dos ossos em várias articulações. Em algumas pessoas afetadas, as articulações inicialmente parecem normais. Entretanto, sofrem
progressiva limitação da mobilidade articular, pela formação excessiva de cartilagem que, com o envelhecimento, resulta em fusão óssea na
articulação (ou seja, uma sinostose). As primeiras articulações afetadas são as da coluna vertebral, os ossos do ouvido médio e dos membros,
particularmente das mãos e pés. As pessoas afetadas sofrem redução progressiva do movimento dessas articulações e perda da audição.

Moléculas de sinalização parácrina são secretadas, difundem-se a certa distância e ligam-se a um receptor para efetuar
uma resposta. Existem quatro famílias principais dessas moléculas: a família do fator de crescimento de fibroblastos (FGF),
a família Hedgehog, a família Wingless (Wnt) e a família do Fator de Crescimento Transformante β (TGF-β).

Fatores de Transcrição do DNA


Há muitas formas diferentes de regular a expressão de um gene. Um gene pode, por exemplo, não ser transcrito, a taxa de transcrição pode ser
alterada, ou o mRNA transcrito pode não ser traduzido em proteína. Como discutido no Capítulo 2, os genes que codificam proteínas que ligam
(ativam) ou desligam (reprimem) outros genes são chamados de fatores de transcrição. Esses fatores geralmente reprimem, ou não ativam, somente
um alvo único. Com frequência, eles regulam a transcrição de muitos genes que, por sua vez, regulam outros genes em um efeito cascata.
Consequentemente, as mutações em genes de fatores de transcrição têm, tipicamente, efeitos pleiotrópicos.
Há muitas famílias diferentes de fatores de transcrição, cujos membros geralmente compartilham propriedades específicas como um domínio
comum de ligação ao DNA. Os membros dessas diferentes famílias exercem papel central no controle do desenvolvimento e alterações podem causar
defeitos congênitos. Os exemplos incluem genes homeobox, como as famílias HOX, PAX, EMX e MSX; genes do grupo de alta mobilidade (HMG),
como a família SOX e a família T-box.
O domínio HMG das proteínas SOX parece ativar indiretamente a transcrição ao dobrar o DNA, de modo que outros fatores possam fazer contato
com regiões promotoras de genes. Vários genes SOX atuam em diferentes vias de desenvolvimento. O gene SOX prototípico é o SRY (região de
determinação do sexo no cromossomo Y), que codifica o fator de determinação testicular dos mamíferos (Comentário Clínico 6-2, Capítulo 6). O
Sox9 é expresso nas cristas genitais de ambos os sexos, mas é regulado para aumentar (up-regulated) nos homens e para diminuir (down-regulated)
nas mulheres antes da diferenciação das gônadas. O Sox9 também regula a condrogênese e a expressão de Col2A1, um gene do colágeno (Capítulo 2).
Como se pode prever por tais padrões de expressão e interação, as mutações em SOX9 causam uma alteração caracterizada por defeitos esqueléticos
(displasia campomélica) e reversão sexual, que resulta em mulheres XY. As mutações em um gene relacionado, SOX10, resultam em uma síndrome
caracterizada por doença de Hirschsprung (hipomotilidade do intestino causada por número reduzido de células neurais entéricas), distúrbios de
pigmentação e surdez (Comentário Clínico 10-2).

Existem muitas famílias diferentes de fatores de transcrição, cada uma das quais regula a transcrição de genes específicos.
O mesmo fator de transcrição é, com frequência, usado em diferentes vias do desenvolvimento. Assim, as desordens
causadas por mutações em genes codificadores de fatores de transcrição são frequentemente pleiotrópicas.

COMENTÁRIO CLÍNICO 10-2


Defeitos do Desenvolvimento da Crista Neural
Durante a neurulação, as células da crista neural migram do neuroepitélio para os tecidos por vias teciduais definidas, onde se diferenciam nos
vários tipos celulares. Um dos destinos das células da crista neural é crescer no intestino delgado e no intestino grosso (isto é, no trato entérico) para
criar o sistema nervoso entérico. Essas células controlam e coordenam parte dos movimentos normais do trato entérico que facilitam a digestão e o
transporte do conteúdo intestinal. A ausência ou a presença reduzida de células nervosas no trato entérico causa uma afecção chamada de doença
de Hirschsprung (HSCR).
HSCR ocorre em cerca de um em 5.000 nascidos vivos, embora sua incidência varie entre grupos étnicos. Também, existe um viés sexual, pois os
homens são quatro vezes mais afetados do que as mulheres. A característica principal da HSCR é a hipomotilidade do intestino, que leva à
constipação grave. A doença se manifesta frequentemente no período neonatal, embora também seja observada em crianças e algumas vezes em
adultos. Se não tratada, a hipomotilidade pode levar à obstrução e à distensão significativa do intestino grosso. Por isto, a HSCR era chamada
anteriormente de megacólon congênito.
Em cerca de 70% dos casos, a HSCR ocorre como uma característica isolada, e os afetados não apresentam outros problemas. Entretanto, a
doença é uma característica bem definida de muitas síndromes de defeitos congênitos múltiplos, como a síndrome da trissomia do 21 e de
Waardenburg. Nas últimas décadas, a HSCR foi considerada um exemplo de afecção com padrão de herança multifatorial (isto é, causada por uma
combinação de genes e de fatores ambientais; Capítulo 12). Entretanto, já se sabe que metade de todos os casos de HSCR familial não sindrômica e
de 15% a 20% dos casos esporádicos resultam de mutações em um de, pelo menos, seis genes diferentes. O estudo desses genes nos fornece uma
oportunidade pela qual nós podemos avaliar o desenvolvimento das células da crista neural.
Mais frequentemente, a HSCR é causada por mutações que inativam o gene RET (rearranged during transfection), que codifica um receptor tirosina
quinase (outras mutações no gene RET estão associadas ao câncer; Capítulo 11). Muitas mutações diferentes já foram encontradas, incluindo
mutações de sentido trocado (missense) e sem sentido (nonsense), assim como deleções que envolvem o gene RET. Por isso, o mecanismo mais
provável pelo qual as mutações em RET causam a HSCR é a haploinsuficiência. A penetrância das mutações do gene RET é maior nos homens do que
nas mulheres, sugerindo a possível existência de modificadores sexuais específicos.
A sinalização normal por meio do RET parece ser requerida para a migração da crista neural nas porções distais do intestino e para a diferenciação
em células nervosas. Um ligante para RET é o fator neurotrófico derivado de linhagem de células glial (GDNF, de glial cell line derived neurotrophic
factor). As mutações em outro receptor de membrana celular, a endotelina-B (EDNRB), ou seu ligante, a endotelina-3 (EDN3) também causam HSCR. A
penetrância parece variar por sexo e por genótipo. Em uma grande comunidade Menonita, pessoas homozigotas para uma mutação no EDNRB
apresentaram probabilidade quatro vezes maior de desenvolver HSCR do que as heterozigotas. Além da HSCR, algumas pessoas com mutações no
EDNRB ou no EDN3 apresentam anormalidades nos melanócitos que produzem manchas hipopigmentadas na pele e deficiência auditiva
neurossensorial (o desenvolvimento auditivo requer a presença de melanócitos normais). Essa doença é a síndrome de Waardenburg-Shah. Por isso,
o desenvolvimento das células da crista neural em células neurais entéricas e em melanócitos necessita da sinalização normal de EDNRB e de EDN3.
Mutações no gene SOX10 de fator de transcrição também são encontradas em indivíduos que apresentam a síndrome de Waardenburg-Shah. A
disrupção do gene homólogo do camundongo, Sox10, causa pelagem manchada e megacólon agangliônico. Embora os genes SOX estejam
envolvidos em muitos processos biológicos diferentes, o papel de SOX10 no desenvolvimento das células da crista neural ainda não está esclarecido
(Fig. 10-6).

FIGURA 10-6 A, Destinos de populações selecionadas de células da crista neural migrando de níveis diferentes ao longo do eixo anterior/posterior do
embrião em desenvolvimento. O destino apropriado dos derivados da crista neural depende da migração de células normais e da diferenciação
terminal. B, Os defeitos das células da crista neural podem provocar a doença de Hirschsprung ou a síndrome de Waardenburg-Shah (ver o texto).
(Foto de Jones KL:. Smith’s Recognizable Patterns of Human Malformation, 6th ed. Philadelphia: Mosby, 2006; diagrama modificado de Gilbert S:
Developmental Biology, 7th ed. Sunderland, MA: Sinauer, 2003:429.)

Proteínas da Matriz Extracelular


As proteínas da matriz extracelular (EMPs, de extracellular matrix proteins) são macromoléculas secretadas que servem como arcabouço para todos
os tecidos e órgãos. Essas moléculas incluem colágenos, fibrilinas, proteoglicanos e glicoproteínas grandes, como fibronectina, laminina e tenascina.
As EMPs não são elementos estruturais simplesmente passivos. Ao separarem grupos adjacentes de células e formarem matrizes nas quais as células
podem migrar, elas atuam como mediadores ativos do desenvolvimento. As proteínas codificadas por fibrilina-1 e elastina, por exemplo, coordenam
a montagem de microfibrilas na matriz extracelular. As mutações nesses dois genes resultam na síndrome de Marfan (Capítulo 4) e na estenose
aórtica supravalvular (Capítulo 6), respectivamente. As duas afecções são caracterizadas por anormalidades do coração e/ou dos vasos sanguíneos de
grande porte.
Para facilitar a migração celular, as EMPs devem aderir temporariamente à superfície da célula, o que é normalmente feito por duas famílias de
receptores de superfície celular: as integrinas e as glicosiltransferases. As integrinas são assim chamadas porque integram a matriz extracelular e o
citoesqueleto, permitindo que funcionem em conjunto. Além disso, a ligação entre as células e a matriz extracelular pode ser bem mais duradoura.
Um grupo de moléculas que forma essas ligações é o das chamadas lamininas. As mutações em LAMC2, um gene que codifica uma subunidade de
lamininas, causam epidermólise bolhosa juncional (JEB, de junctional epidermolysis bullosa) autossômica recessiva. Uma vez que as células
epiteliais são incapazes de aderirem adequadamente à membrana basal, a pele das pessoas com JEB forma, espontaneamente, grandes bolhas.

As EMPs são macromoléculas secretadas que servem como arcabouço dinâmico para tecidos e órgãos, além de atuarem
como mediadores ativos do desenvolvimento.

PADRÃO DE FORMAÇÃO
O processo pelo qual os arranjos espaciais ordenados de células diferenciadas criam tecidos e órgãos é chamado de padrão de formação. O padrão
geral do plano corporal animal é estabelecido durante a embriogênese. Isto leva à formação de regiões semiautônomas do embrião, cujo processo
padrão de formação é repetido para formar órgãos e membros. Essa especificação regional acontece em várias etapas: definição das células de uma
região, estabelecimento de centros de sinalização, que fornecem informações de posição e diferenciação das células dentro de uma região, em
resposta a estímulos adicionais. Por exemplo, as células de um membro superior de um vertebrado em desenvolvimento se diferenciam em muitos
tipos celulares, incluindo células musculares (miócitos), cartilaginosas (condrócitos) e ósseas (osteócitos). Entretanto, essas células também precisam
ser arranjadas em um padrão temporal-espacial que crie músculos e ossos funcionais. Informações adicionais são necessárias para saber se um osso
vai se tornar uma ulna ou um úmero. Como é o desenvolvimento de estruturas particulares em locais específicos? Como as células adquirem
informações sobre suas posições relativas? As respostas a essas perguntas representam uma área de intensas investigações.
Para que o padrão de formação ocorra, as células e os tecidos se comunicam entre si por meio de várias e diferentes vias de sinalização. Já está
esclarecido que tais vias são usadas repetidamente e estão integradas para controlar destinos celulares específicos (isto é, a localização e a função
final da célula). Por exemplo, a proteína Shh está envolvida no padrão de formação do tubo neural, dos somitos e dos membros dos vertebrados, assim
como no modo como o lado esquerdo é diferenciado do direito. Mutações pontuais no gene Shh humano, o SHH, podem causar desenvolvimento
anormal do cérebro na linha média (holoprosencefalia, Fig. 10-2), deficiência intelectual grave e morte prematura. (Nem todas as pessoas afetadas
apresentam holoprosencefalia; algumas apresentam somente pequenos defeitos congênitos, como um incisivo central superior único.) A ligação da
proteína SHH ao colesterol parece ser necessária para a formação apropriada do padrão de sinalização hedgehog. Isso poderia explicar, em parte,
como os defeitos cerebrais de linha média poderiam ser causados por algumas substâncias ambientais que inibem a biossíntese do colesterol
embrionário e por desordens genéticas do metabolismo do colesterol, como a síndrome de Smith-Lemli-Opitz (Fig. 10-2).

O processo pelo qual as relações espaciais ordenadas de células diferenciadas criam tecidos e órgãos é chamado de
padrão de formação. A especificação das regiões ocorre em várias etapas: definição das células de uma região,
estabelecimento de centros de sinalização, que fornecem informações de posicionamento, e diferenciação de células
dentro de uma região, em resposta a estímulos adicionais.

Gastrulação
A gastrulação é o processo de movimento de células e de tecidos pelo qual as células da blástula são rearranjadas de modo a assumirem novas
posições e novos vizinhos. No embrião humano, a gastrulação ocorre entre o décimo quarto e o vigésimo oitavo dia de gestação. Nesse processo, o
embrião é transformado em uma estrutura de três camadas (trilaminar) germinativas: ectoderma (camada externa), endoderma (camada interna) e
mesoderma (camada intermediária) (Fig. 10-7). A formação dessas camadas é um pré-requisito para a fase seguinte de desenvolvimento, a
organogênese. O principal aspecto estrutural da gastrulação dos mamíferos é a estria ou linha primitiva que aparece como um espessamento do
tecido do epiblasto estendendo-se ao longo do eixo anterior/posterior (Fig. 10-7). Em animais placentários, como os seres humanos, a gastrulação
inclui a formação dos tecidos extraembrionários. Como se poderia prever, o processo de gastrulação é dominado pela migração celular. Assim, muitos
genes expressos durante a gastrulação codificam proteínas para facilitar o movimento celular.

A gastrulação humana se caracteriza por movimentos de células e de tecidos que resultam na formação de três camadas
germinativas: ectoderma, endoderma e mesoderma. O principal aspecto estrutural da gastrulação dos mamíferos é a estria
primitiva.

Neurulação e Ectoderma
Uma vez formado o embrião de três camadas, o mesoderma dorsal e o ectoderma adjacente interagem para formar o tubo neural. Esse fenômeno,
chamado de neurulação, é mediado por indução. Nos anfíbios, a indução do tubo neural e a transformação do mesoderma lateral para criar um
embrião com eixos anterior/posterior e dorsal/ventral nítidos, são controladas por um grupo de células conhecido como organizador de Spemann-
Mangold. Várias proteínas são expressas quase exclusivamente no organizador. A Chordin é uma proteína secretada que evita a ventralização do
mesoderma dorsalizado. Outra proteína, a Noggin, induz o tecido neural a partir do ectoderma dorsal e faz com que o mesoderma fique dorsalizado. A
compreensão das principais funções do organizador e das moléculas que controlam essas funções é uma área de pesquisa muito ativa.
A neurulação é um evento crítico do desenvolvimento, pois inicia a organogênese e divide o ectoderma em três populações celulares diferentes: o
tubo neural que no final formará o cérebro e a medula espinhal; a epiderme da pele; e as células da crista neural. Nos seres humanos, o fechamento do
tubo neural começa em cinco pontos separados, que correspondem aos locais de defeitos comuns do tubo neural, como a anencefalia (ausência do
cérebro), a encefalocele occipital e a espinha bífida lombar (Capítulo 12). As células da crista neural migram do neuroepitélio para tecidos ao longo
de rotas definidas, onde se diferenciam em tipos celulares como os neurônios sensoriais, os melanócitos, os neurônios do intestino delgado e as
células dos músculos lisos (Comentário Clínico 10-2).

Indução é o processo pelo qual as células de uma região embrionária influenciam a organização e a diferenciação de
células em uma segunda região embrionária. A neurulação inicia a organogênese e induz o ectoderma a se dividir no tubo
neural e nas células da crista neural. Os defeitos de fechamento do tubo neural e de migração ou diferenciação das células
da crista neural causam alguns tipos de defeitos congênitos.

Mesoderma e Endoderma
A formação de uma camada de mesoderma entre o endoderma e o ectoderma é um dos eventos principais da gastrulação. O mesoderma pode ser
21
dividido em cinco componentes: o notocórdio (notocorda); o mesoderma dorsal, intermediário e lateral; e o mesênquima cranial. A notocorda é
uma estrutura transitória da linha média que induz a formação do tubo neural e do eixo corporal. O mesoderma dorsal adjacente aos dois lados da
notocorda se diferencia nos elementos que formam o esqueleto axial, os músculos esqueléticos e o tecido conjuntivo da pele. O mesoderma
intermediário forma os rins e o sistema genitourinário. A placa de mesoderma lateral se diferencia em coração, esqueleto apendicular, tecido
conjuntivo das vísceras e da parede corporal, e em elementos do tecido conjuntivo do âmnio e do córion. Finalmente, os músculos oculares e da
cabeça surgem do mesênquima craniano.
FIGURA 10-7 Gastrulação humana. A, Corte sagital na linha média de um embrião implantado na parede uterina. B, Superfície dorsal de um embrião
exposto pela remoção de parte do mesoderma embrionário que cerca a cavidade amniótica e o saco vitelino. As setas indicam o crescimento das células
epiblásticas. Do dia 14 ao dia 15, as células epiblásticas substituem as células do hipoblasto para formar o endoderma. Um dia depois, as células
epiblásticas migram para criar uma camada do mesoderma.

A função primária do endoderma embrionário é formar os revestimentos do trato digestivo e a árvore respiratória. Prolongamentos externos do
trato intestinal formam o pâncreas, a vesícula biliar e o fígado. Uma bifurcação da árvore respiratória produz os pulmões esquerdo e direito. O
endoderma também produz as bolsas faríngeas, as quais, em conjunto com as células derivadas da crista neural, dão origem às estruturas do
revestimento endodérmico, como a orelha média, o timo, as glândulas paratireoides e a tireoide.
Um processo comum às estruturas derivadas do endoderma é brotar e ramificar. Esse processo parece ser controlado em parte por FGFs, BMPs e
seus respectivos receptores. As mutações no receptor 3 do fator de crescimento de fibroblastos (FGFR3), um dos quatro FGFRs, causam três
displasias esqueléticas diferentes (Comentário Clínico 10-1). A mais grave, a displasia tanatofórica, resulta de mutações que ativam o FGFR3,
resultando em ossos longos encurtados, desenvolvimento deficiente da coluna vertebral, caixa torácica pequena e crânio relativamente grande. As
crianças com essa displasia também podem apresentar hipoplasia pulmonar e anomalias cerebrais, sugerindo que o FGFR3 desempenha um papel na
formação dos pulmões e do cérebro.

A formação da camada de mesoderma entre o endoderma e o ectoderma é um dos eventos principais da gastrulação. O
mesoderma contribui para a formação do esqueleto, do sistema urogenital e dos membros. O endoderma reveste os tratos
digestivo e respiratório e forma os órgãos viscerais e os pulmões.

Especificação do Eixo
Os planos corporais dos animais evoluíram em uma ampla variedade de simetrias. Alguns animais, como as anêmonas-do-mar, são completamente
simétricos. Outros (p. ex., a estrela-do-mar) exibem simetria somente dorsal/ventral. Muitos animais, como os vermes, acrescentaram um eixo
anterior/posterior. Todos os cordados (animais que desenvolvem notocorda) possuem um terceiro eixo, esquerdo/direito, que é perpendicular aos
outros dois. A especificação e a formação desses eixos são eventos críticos no desenvolvimento, pois determinam a orientação do plano corporal. As
proteínas mediadoras desse processo estão sendo rapidamente descobertas. Muitos desses mediadores exercem papéis complementares na
padronização do plano corporal e nos tecidos.

Formação do Eixo Anterior/Posterior


O eixo anterior/posterior de um embrião de mamífero em desenvolvimento é definido pela estria primitiva. Na extremidade anterior dessa estria
existe uma estrutura chamada nódulo. A expressão de um gene chamado nodal é necessária para a inicialização e manutenção da estria primitiva;
mais tarde, na gastrulação, sua expressão é importante para formar o eixo esquerdo/direito (Comentário Clínico 10-3).
A padronização ao longo do eixo anterior/posterior é controlada por um grupo de genes que codificam fatores de transcrição contendo uma região
de ligação ao DNA, o homeodomínio, de aproximadamente 60 aminoácidos. Esses genes compõem o complexo gênico homeótico (HOM-C) na
Drosophila (Fig. 10-8), o organismo no qual eles foram isolados pela primeira vez por meio da identificação de mutações. (Um exemplo clássico é a
antenapedia, que altera a padronização do eixo de modo que as antenas são substituídas por pernas.) Ao contrário da Drosophila, quatro cópias do
HOM-C (denominadas de HoxA a HoxD) são encontradas nos seres humanos e nos camundongos. Cada um desses grupos de genes de 100 kb está
localizado em um cromossomo diferente e há 39 genes Hox divididos entre os grupos. Os genes Hox dos mamíferos são numerados de 1 a 13, embora
nem todos os clusters contenham 13 genes. Genes equivalentes em cada complexo (ou seja, Hoxa13, Hoxc13, Hoxd13) são chamados de parálogos.
Os genes Hox são expressos ao longo do eixo dorsal do limite anterior do cérebro posterior até a cauda. Dentro de cada grupo de genes Hox, as
extremidades 3’ são lidas mais cedo que os da extremidade 5’ (colinearidade temporal). Também, os genes Hox em 3’ são expressos nas regiões
mais anteriores do embrião e os genes Hox em 5’ nas regiões mais posteriores(colinearidade espacial). Assim, a expressão de Hoxa1 ocorre antes e
em localização mais anterior em relação à expressão de Hoxa2 (Fig. 10-8). Esses domínios sobrepostos da expressão dos genes Hox produzem
combinações de códigos que especificam as posições das células e dos tecidos. Em conjunto, tais códigos identificam várias regiões ao longo do eixo
anterior/posterior do tronco e dos membros. Para estudar o papel dos diferentes genes Hox no desenvolvimento dos mamíferos, tem sido comum a
produção de camundongos knockout — sem uma cópia funcional do gene de interesse (Quadro 10-1).

O eixo anterior/posterior de um embrião de mamífero em desenvolvimento é definido pela estria primitiva e padronizado
por combinações de genes Hox. Em conjunto, tais combinações identificam várias regiões ao longo do eixo
anterior/posterior do corpo e dos membros. Alterações dos genes Hox produzem defeitos no corpo, nos membros e na
padronização dos órgãos.

Formação do Eixo Dorsal/Ventral


A padronização do eixo dorsal/ventral de um vertebrado depende da interação entre os sinais de dorsalização e de ventralização. Como mencionado
anteriormente, os genes noggin e chordin codificam proteínas secretadas que são capazes de dorsalizar o mesoderma ventral e restaurar as estruturas
dorsais que foram ventralizadas. Ao contrário, a proteína Bmp-4 é expressa ventralmente e induz os destinos ventrais, padronizando o eixo
dorsal/ventral. As proteínas noggin e chordin ligam-se diretamente a Bmp-4 para evitar a ativação do seu receptor. Por isso, o organizador promove a
dorsalização reprimindo um sinal de ventralização codificado por Bmp-4. Esse mecanismo, no qual um sinal promove um processo reprimindo outro
processo concorrente, é um aspecto comum do desenvolvimento embrionário.

A padronização dorsal/ventral do embrião é um processo ativo coordenado por moléculas de sinalização e suas
antagonistas.

Ó
Formação de Órgãos e Membros
A formação de órgãos e membros (organogênese) ocorre após a gastrulação. Muitas das proteínas usadas durante esse processo são as mesmas usadas
nas fases anteriores do desenvolvimento embrionário. Como esperado, vários genes que estavam silenciados em termos de transcrição agora se
tornam ativos. A maioria dos genes do desenvolvimento que sabidamente causa defeitos congênitos em seres humanos exerce funções importantes
nessa fase do desenvolvimento. Isso poderia representar um erro de metodologia de investigação, porque as mutações em genes que interrompem os
eventos de desenvolvimento mais precoces também podem ser letais.

Desenvolvimento Craniofacial
O desenvolvimento da região craniofacial está diretamente relacionado com a formação do sistema nervoso central subjacente. Em embriões de
mamíferos, as células da crista neural do prosencéfalo e do mesencéfalo contribuem para os processos nasais, palato e mesênquima da primeira bolsa
faríngea. Esse mesênquima forma a maxila, a mandíbula, a bigorna e o martelo. As células da crista neural do cérebro posterior migram e se
diferenciam para se transformarem no mesênquima da segunda bolsa faríngea, no estribo e na cartilagem facial. As células da crista neural cervical
produzem o mesênquima do terceiro, quarto e sexto arcos faríngeos (nos seres humanos o quinto arco faríngeo se degenera). Esse mesênquima se
transforma nos músculos e ossos do pescoço. O destino de cada grupo de células da crista neural é especificado por genes Hox. Por exemplo, a
inativação funcional de Hoxa3 resulta em camundongos com timo e glândulas tireoide e paratireoide pequenos ou inexistentes, assim como em
malformações do coração e dos grandes vasos sanguíneos. Embora o número de células da crista neural nesses camundongos seja normal, as células
não possuem informações quanto ao destino e, por isso, falham na proliferação e na diferenciação. Esses defeitos são similares aos encontrados em
crianças com deleções do cromossomo 22q11 (Capítulo 6).

FIGURA 10-8 A, Distribuição de oito genes Hox em um único cluster em Drosophila e de 39 genes Hox entre clusters em quatro cromossomos humanos
(HOX). Os genes Hox individuais estão marcados de 1 (3’) a 13 (5’) dentro de cada cluster. Os genes Hox que compartilham o mesmo número, mas estão
localizados em aglomerados diferentes, são chamados de parálogos (p. ex., HOXA13 e HOXD13 são parálogos). Parálogos frequentemente têm mais
homologia de sequência do que os genes Hox no mesmo cluster. Os genes Hox são expressos de 3’ a 5’ ao longo do eixo anterior/posterior do embrião e
os genes Hox localizados no sentido 3’ são expressos mais precocemente que os genes Hox localizados em 5’. B, Diagrama esquemático de códigos
combinatoriais de domínios de expressão superpostos de genes Hox ao longo do eixo corporal anterior/posterior. Os códigos Hox determinam a
identidade de cada segmento. Por isso, se a expressão de Hoxb4 for inibida (p. ex., em um knockout), o código combinatorial no terceiro segmento será
alterado de 1 + 2 + 3 para 1 + 2. Isso resulta na transformação do terceiro segmento em outro segundo segmento. A transformação de uma estrutura em
outra é chamada de transformação homeótica. (Modificado de Verakas A, Del Campo M, McGinnis W. Developmental patterning genes and their conserved
functions: From model organisms to humans. Mol Genet Metab 2000;69:85-100, com permissão.)

QUADRO 10-1 Modelos Animais no Estudo do Desenvolvimento Humano


Existem obstáculos significativos ao estudo dos genes que afetam o desenvolvimento humano. Muitos desses genes são expressos no embrião,
dificultando (ou em alguns casos não permitindo, por razões éticas) a análise direta dos embriões humanos. Os seres humanos têm famílias
relativamente pequenas e tempo de geração longo. Os padrões de uniões humanas geralmente não são adequados para o estudo genético. Por
essas e outras razões, os modelos animais de doenças humanas são uma alternativa útil ao estudo direto dessas doenças em seres humanos.
O camundongo é usado com frequência como modelo animal por ser um sistema experimental bem compreendido e de fácil manipulação, além
do fato de muitos genes do desenvolvimento serem conservados na maioria das espécies de mamíferos. Em alguns casos, existe um modelo animal
da ocorrência natural de uma doença genética humana (p. ex., modelos de cão e de camundongo para a distrofia muscular), mas modelos naturais
de camundongos são relativamente raros. Para superar essa dificuldade, os genes humanos podem ser inseridos diretamente em células
troncoembrionárias do camundongo, que são implantadas em embriões de camundongos para criar um animal transgênico. A expressão do gene
humano pode então ser estudada diretamente nesses embriões. É possível também usar a disrupção orientada para alterar um gene específico do
camundongo, impedindo sua expressão. Esse é um modelo knockout. Ratos heterozigotos para o gene alterado podem ser criados para produzir
homozigotos que não produzam proteína funcional do gene alvo. Muitas doenças genéticas humanas já foram estudadas usando knockouts de
camundongos, incluindo neurofibromatose tipo 1, doença de Gaucher, doença de Huntington, distrofia miotônica, síndrome do X frágil, fibrose
cística e subtipos da

doença de Alzheimer. Os camundongos knockouts têm sido tão importantes para o estudo do desenvolvimento e das condições humanas que foi
formado um consórcio internacional para produzir sistematicamente knockouts de cada gene codificador de proteína do genoma humano. Essa
iniciativa está em ritmo acelerado.

Construção de um modelo animal. São coletados blastocistos de um camundongo fêmea grávida de marcador que identifica sua linhagem (p. ex.,
pelagem de cor clara). A massa celular interna é isolada e as células-tronco embrionárias (ES, de embryonic stern) são cultivadas. Essas células podem
ser modificadas para introduzir genes de outros organismos (criando um animal transgênico) ou para alterar a função normal de um gene endógeno
(criando um animal knockout). As células ES geneticamente modificadas são implantadas nos blastocistos de uma fêmea de linhagem diferente de
camundongo, que posui um marcador recessivo para o marcador da linhagem modificada (p. ex., a pelagem de cor escura é recessiva com relação à
pelagem de cor clara). Os blastocistos modificados são injetados em uma terceira fêmea de camundongo (“mãe adotiva”). O desenvolvimento dos
blastocistos introduzidos resulta em animais quiméricos com duas populações de células (isto é, algumas células com modificação genética e outras
células sem). As quimeras podem ser detectadas pela presença de dois marcadores no mesmo camundongo (p. ex., as duas cores diferentes de
pelagem no mesmo animal). O retrocruzamento de quimeras e o acasalamento de heterozigotos podem produzir camundongo homozigoto (p. ex.,
knockout) ou heterozigoto para a modificação genética, ou normal. (Modificado de Strachan T, Read AP. Human Molecular Genetics, Oxford: Bios Scientific,
1996.)

Além das suas funções na morfogênese e na organogênese, alguns genes são críticos para a embriogênese inicial. Consequentemente, o bloqueio
de sua função resulta em letalidade embrionária. Isso dificulta o estudo da função desses genes usando a disrupção de genes alvo. Uma forma de
superar tal problema é condicionar a disrupção de um gene somente a um determinado tipo de célula (p. ex., da crista neural), em um tecido
específico (p. ex., o membro), ou a um momento específico do desenvolvimento. Esse processo é denominado knockout condicional. Por exemplo, a
disrupção constitucional do fator de crescimento de fibroblastos Fgf8 é letal na embriogênese inicial. Para estudar os efeitos da inativação do Fgf8 no
membro, um camundongo pode ser criado de modo que a função de Fgf8 seja impedida somente na crista apical do ectoderma (AER) do broto do
membro anterior. O resultado será um camundongo nascido vivo cujos membros anteriores são gravemente mutilados, mas cujos demais órgãos e
áreas corporais são normais.

Os métodos usados para produzir camundongos knockouts são relativamente ineficientes e caros, e não podem ser usados para gerar knockouts na
maioria das espécies. Além disso, muitas condições humanas são causadas por substituições de uma única base ou por pequenas deleções que não
inativam um gene. Consequentemente, desenvolver modelos precisos de camundongos que permitam a caracterização funcional de mutações
provou ser um desafio extremo. Recentemente, várias tecnologias novas de gene-alvo foram introduzidas para elaborar alterações sutis no genoma
do camundongo. As nucleases zinc-finger (ZFNs) e as nucleases efetoras semelhantes a ativadores transcricionais (TALENs) são classes de nucleases
produzidas por engenharia que são eficazes na produção de mutações-alvo com alta eficiência não apenas nas células ES, mas também quando
injetadas diretamente nos ovócitos fertilizados de um camundongo. Mais recentemente, foi introduzida uma estratégia até mais poderosa para
editar o genoma. Esse sistema baseia-se em enzimas bacterianas que degradam ácidos nucléicos de patógenos bacterianos invasores (isto é, fagos e
plasmídeos). O sistema consiste em genes com agrupados de repetições palindrômicas curtas e regularmente interespaçadas (CRISPR) e genes
associados a CRISPR (Cas). O sistema CRISPR/Cas pode ser usado para gerar mutações nos genomas de múltiplas espécies diferentes, e múltiplos
genes podem ser alvos simultaneamente. Esse sistema oferece maior potencial para aumentar substancialmente o rendimento na criação de
mutações-alvo e para reduzir significativamente o custo da criação de novos alelos mutantes em camundongo. Esses novos sistemas para a edição
de genomas de camundongos e de outros organismos oferecem excelentes oportunidades para explorar as consequências funcionais das centenas
de milhares de locais nos genes codificadores de proteínas que variam entre as pessoas.
Os modelos animais nem sempre imitam seus homólogos humanos de modo preciso. Às vezes, isso reflete em diferenças nas interações de
produtos gênicos no sistema do modelo e no ser humano. Tais diferenças podem ser responsáveis pelo fato de um knockout de camundongo
heterozigoto do homólogo do retinoblastoma (RB) desenvolver tumores de hipófise, em vez de retinoblastomas. Em alguns casos, o knockout
demonstra efeito pouco detectável, refletindo possivelmente a redundância genética: mesmo que a expressão de um produto gênico seja bloqueada,
um sistema de reserva (backup) pode compensar sua perda. Por isso, o knockout de camundongo tanto de Hoxa11 como de Hoxd11 exerce pouco
efeito fenotípico, isoladamente, mas o knockout simultâneo de ambos produz redução intensa no comprimento do rádio e da ulna. Apesar dos
defeitos em potencial, a introdução ou disrupção de genes em camundongos e em outros sistemas de modelos animais pode ser uma abordagem
poderosa de análise das doenças genéticas humanas.

Mutantes condicionais sem expressão de Fgf8 na crista ectodérmica apical (AER), do membro anterior. A, Hibridização in situ demonstrando a
expressão de Fgf8 (faixa escura; seta) na AER dos membros em desenvolvimento de um camundongo do tipo selvagem. B, No mutante condicional,
não há expressão de Fgf8 no membro anterior (ausência de faixa escura; seta), embora ele esteja expresso no broto do membro posterior. C, Membro
anterior normal no camundongo tipo selvagem (seta). D, Membro hipoplásico grave em um mutante condicional (seta). (Cortesia de Dra. Anne Moon,
Universidade de Utah.)

COMENTÁRIO CLÍNICO 10-3


Defeitos de Lateralidade: Alterações do Eixo Esquerdo/Direito
A assimetria esquerda/direita (L/R, de left/right) é comum na natureza. Igualmente, todos os animais usam somente l-aminoácidos e d-açúcares.
Igualmente, todos os vertebrados possuem estruturas assimétricas que são coerentemente orientadas para L/R da linha média. Por exemplo, a
curvatura primitiva do tubo cardíaco para a direita, que é o primeiro sinal observável de assimetria L/R no embrião, é observada em todos os
cordados. Como a assimetria L/R evoluiu? Como e quando foi estabelecida? Houve um grande progresso na compreensão da base molecular da
assimetria L/R de modo que se pode obter respostas para essas questões. Isso é importante porque os defeitos de assimetria L/R (isto é, os defeitos
de lateralidade) são encontrados em cerca de um em cada 10.000 nascidos vivos.
A posição final das estruturas dos vertebrados com posição assimétrica é determinada por, pelo menos, três mecanismos diferentes. Órgãos
ímpares no tórax e no abdome (p. ex., coração e fígado) começam seu desenvolvimento na linha média e então se lateralizam para sua posição no
adulto. A imagem espelhada de uma estrutura pareada pode regredir, deixando uma estrutura ímpar lateralizada (p. ex., alguns vasos sanguíneos).
Alguns órgãos (p. ex., pulmões) começam como uma saliência assimétrica a partir de uma estrutura da linha média. Não sabemos se a base
molecular da determinação da lateralidade difere entre esses mecanismos. Alterações da assimetria L/R podem causar aleatoriedade (situs
ambiguus) ou reversão da posição L/R do órgão (situs inversus). Tais defeitos podem ser limitados a um único órgão (como o coração do lado direito,
ou dextrocardia) ou incluir muitos órgãos com assimetria L/R (p. ex., estômago e baço). Os defeitos de linha média (como fissura de palato, e defeitos
do tubo neural) são observados em quase metade de todos os afetados por alterações de assimetria L/R.
Inicialmente, o estabelecimento da assimetria L/R exige um mecanismo que gere essa assimetria. Ainda não está esclarecido que mecanismo (ou
mecanismos) que “quebra” essa assimetria e este é um assunto de muito estudo e debate. Em peixes, anfíbios, camundongos e humanos, a
motilidade ciliar na superfície das células de um organizador L/R (LRO, de left-right organizer) na extremidade posterior da notocorda cria um fluxo
para a esquerda do fluido no espaço extracelular, onde parecem ser liberados os morfógenos envolvidos na quebra da simetria. O fluxo é sentido
pelas células que fazem fronteira com o LRO e essas células expressam os morfógenos, Nodal e Coco, um inibidor do Nodal. Devido à direção do
fluido para a esquerda, a expressão de Coco é diminuída (down-regulated) levando ao acúmulo de Nodal. Nodal é clivado em sua forma ativa por uma
protease codificada pelo gene PCSK6 e a sinalização de Nodal é transduzida através do receptor transmembrana codificado por ACVR2B. A sinalização
de Nodal inicia uma cascata de expressão gênica no mesoderma lateral de seu próprio inibidor, Lefty, assim como do fator de transcrição homeobox,
Pitx2. O mecanismo pelo qual a simetria é quebrada em outros organismos modelos, como nas galinhas, parece ser diferente (Fig. 10-9).
A função dos cílios depende parcialmente da expressão de duas proteínas, a dineína esquerda-direita (Ird) e a policistina-2. Nos seres humanos,
anormalidades na dineína causam um grupo de doenças conhecidas como discinesias ciliares
primárias, nas quais a maioria dos indivíduos apresenta situs inversus. A função ciliar anormal também está associada à sinusite recorrente, à
infertilidade e à hidrocefalia. Mutações em PKD1, o gene que codifica a policistina-2, produzem defeitos de lateralidade em camundongos e a doença
do rim policístico autossômica dominante no homem (Capítulo 4).
Embora mais de 75 genes sejam necessários para o desenvolvimento L/R normal em organismos modelos, mutações em apenas alguns deles são
observadas como responsáveis por defeitos de lateralidade em seres humanos. Mutações na proteína zinc-finger do cerebelo (ZIC3), um membro da
família de fator de transcrição Gli, localizada no cromossomo X, são a causa genética mais comum dos defeitos de lateralidade em seres humanos.
Os homens afetados exibem defeitos aleatórios, e algumas portadoras do sexo feminino apresentam reversão L/R. Na Drosophila, sabe-se que
alguns membros da família Gli são regulados pela formação de um complexo com costal2, uma molécula motora semelhante à dineína. Isso poderia
explicar como mutações em genes que codificam proteínas não similares também poderiam causar defeitos de lateralidade no homem. Entre outros
genes que também causam esses defeitos estão o LEF-TYA, CRYPTIC e o ACVR2B.
Uma vez estabelecida a assimetria L/R no embrião inicial, os lados esquerdo e direito dos órgãos individuais também devem ser padronizados. Por
exemplo, dois fatores de transcrição relacionados, dHAND e eHAND, participam da padronização dos ventrículos direito e esquerdo do coração. Em
camundongos, a mutação homozigota de dHAND produz animais sem o ventrículo direito, indicando que o fator dHAND participa da diferenciação
cardíaca. As anormalidades de assimetria L/R são encontradas mais frequentemente em gêmeos unidos (siameses) do que em gêmeos dizigóticos ou
filhos únicos. Mais frequentemente, o gêmeo que surge do lado direito exibe variações das informações L/R. Já foi sugerido que a aleatoriedade do
gêmeo do lado direito é causada por sinalização inadequada proveniente do embrião do lado esquerdo. Uma candidata para essa molécula de
sinalização, descoberta em rãs, é Vg1, que sugere uma possível via molecular para a formação de defeitos congênitos em gêmeos siameses
humanos.

FIGURA 10-9 Anomalias de assimetria esquerda/direita (L/R) em seres humanos. A, Posições L/R normais dos órgãos distribuídos ao longo da linha
média (situs solitus). O ápice do coração aponta para a esquerda. O pulmão direito tem três lobos e o esquerdo tem dois. Na cavidade abdominal, o
baço e o estômago estão posicionados do lado esquerdo e o fígado está à direita. O intestino delgado está com rotação em sentido anti-horário. B,
Uma imagem espelhada completa da distribuição dos órgãos ao longo da linha média é chamada de situs inversus. Pessoas com situs inversus podem
não apresentar sintomas. C, A randomização da distribuição do coração, pulmões, fígado, baço e estômago ao longo da linha média (situs ambiguus,
ou heterotaxia). O situs ambiguus está frequentemente associado a defeitos cardíacos congênitos.

Os ossos do crânio se desenvolvem diretamente do mesênquima produzido por células da crista neural. Em geral, a fusão completa desses ossos só
ocorre na vida adulta. A fusão prematura (sinostose) dos ossos do crânio (craniossinostose) causa deformação da cabeça e pode prejudicar o
crescimento do cérebro. Com frequência, a craniossinostose está associada a outros defeitos congênitos (p. ex., perda da audição). Muitas síndromes
de craniossinostose são causadas por mutações nos genes FGFR (Comentário Clínico 10-1). A craniossinostose também pode ser causada por
mutações em MSX2, um fator de transcrição que pode influenciar o controle da morte celular programada na crista neural do crânio.
A craniossinostose também é uma característica da cefalopolissindactilia de Greig, uma desordem causada por mutações do gene que codifica
GLI3, um fator de transcrição zinc-finger. O gene GLI3 codifica pelo menos sete domínios conservados, incluindo o domínio de ligação ao DNA,
zinc-finger e domínios de ancoragem microtubular. Estudos sobre o homólogo do GLI3 de Drosophila sugerem que esse gene pode ser regulado para
função de ativador ou de supressor. Mutações que causam a cefalopolissindactilia de Greig ocorrem na porção carboxiterminal do GLI3, impedindo as
duas funções. Mutações na região entre o domínio zinc-finger e os domínios de ancoragem microtubular produzem uma proteína na qual o amino
terminal é clivado e consegue migrar para o núcleo e reprimir a transcrição. Essas mutações em GLI3 causam uma doença denominada síndrome de
Pallister-Hall, caracterizada por hamartomas hipotalâmicos, anomalias viscerais e polidactilia pós-axial. As mutações em 3’ do domínio de
ancoragem microtubular produzem uma proteína que ainda mantém as atividades repressora e ativadora. Tais mutações foram descritas em pessoas
com polidactilia pós-axial isolada, um defeito congênito relativamente menor. Portanto, mutações em GLI3 alteram o equilíbrio entre sua função
ativadora e repressora, e causam três transtornos diferentes, de gravidade variável. Além disso, mutações que causam perda de função de uma
proteína que atua como cofator de proteínas Gli, CREBBP, causam a síndrome de Rubinstein-Taybi, uma doença caracterizada por deficiência
intelectual, características faciais específicas e polegares alargados (Fig. 10-2).
A maioria das estruturas craniofaciais é derivada das células da crista neural. O destino de cada grupo dessas células é
especificado por genes homeobox. Alguns dos genes que controlam o desenvolvimento craniofacial foram isolados pela
investigação das síndromes de craniossinostose.

Desenvolvimento dos Membros


O membro é o nosso melhor modelo clássico de desenvolvimento. A manipulação cirúrgica, a expressão gênicaectópica e a disrupção de genes
específicos em modelos animais (Quadro 10-1) levaram ao isolamento e à caracterização de muitos genes que controlam o crescimento e a
padronização dos membros. Muitas das vias de sinalização e dos elementos de controle de transcrição que coordenam o desenvolvimento dos
membros em organismos modelos, como a Drosophila e o frango, parecem estar conservadas nos mamíferos. Os fenótipos dos defeitos congênitos
dos membros estão muito bem documentados pelo fato de sua prevalência em recém-nascidos ser inferior somente à dos defeitos cardíacos. Como
resultado, o conhecimento da base molecular desses defeitos nos seres humanos se desenvolveu rapidamente. Entretanto, os mediadores e os
mecanismos exatos do crescimento e da padronização ainda são controversos e parecem diferir entre a maioria dos modelos animais mais comumente
estudados (p. ex., frango e camundongo).
O membro de um vertebrado é composto de elementos derivados da placa lateral do mesoderma (osso, cartilagem e tendões) e do mesoderma
somítico (músculo, nervo e vasculatura). A formação do broto do membro envolve múltiplas etapas que incluem especificação de onde o membro se
formará ao longo do eixo anterior-posterior e a indução do prolongamento. Há substancial evidência de que a especificação ao longo do eixo anterior-
posterior seja controlada pela expressão de genes Hox no mesoderma paraxial. A etapa seguinte na formação de um membro é a sua indução. O sinal
que inicia a indução não está claro, embora muitos genes tenham sido implicados. A expressão dos genes Tbx5 e Tbx4 é essencial para o
desenvolvimento dos membros anteriores e posteriores, respectivamente. O Tbx4 e o Tbx5 são membros de uma família altamente conservada de
fatores de transcrição de DNA contendo um domínio de DNA chamado T-box. As proteínas Tbx5 e Tbx4 regulam a expressão de Fgf10, que é
essencial para iniciar o broto dos membros no mesoderma lateral. Fgf10 ativa os sinais de Wnt/Fgf8 no ectoderma sobrejacente para induzir a
formação de uma região especializada chamada crista ectodérmica apical (AER, de apical ectodermal ridge), que se estende antero/posteriormente ao
longo do limite dorsal/ventral do broto do membro (Fig. 10-10).
Uma vez iniciado, o crescimento proximal/distal do broto do membro depende da AER. Antes da diferenciação da AER, dois genes, Radical fringe
(r-Fng) e Wnt7a, são expressos no ectoderma dorsal. No ectoderma ventral, a expressão do r-Fng e do Wnt7a é bloqueada pelo Engrailed-1 (En-1),
um homeobox responsável por um fator de transcrição. A expressão de Wnt7a induz o a dorsalização do mesoderma. O mesoderma sem a expressão
de Wnt7a se torna ventralizado. Assim, os processos de formação da AER e da padronização dorsal/ventral são interligados e coordenados por En-1.
No camundongo, a inativação funcional do gene Wnt7a resulta em ventralização da superfície dorsal (isto é, coxins plantares nos dois lados do pé). A
ventralização da superfície dorsal do membro já foi descrita em seres humanos, mas a etiologia continua desconhecida.
A mediação do crescimento proximal/distal pela AER é controlada, em parte, por FGFs (como FGF2, FGF4, FGF8) que estimulam a proliferação
de uma população subjacente de células mesodérmicas na zona de progresso (PZ, de progress zone). A manutenção da AER depende de um sinal da
porção posterior do broto do membro conhecida como zona de atividade polarizante (ZPA, de zone of polarizing activity). A molécula de sinalização
da ZPA é a Shh, que é também responsável pela padronização dorsal/ventral do sistema nervoso central e pelo estabelecimento do eixo embrionário
esquerdo/direito. A ZPA também especifica informações de posicionamento ao longo do eixo anterior/posterior do broto do membro.
Os defeitos dos elementos anterior e posterior do membro superior ocorrem na síndrome de Holt-Oram e na síndrome

FIGURA 10-10 Ilustração esquemática de um broto de membro. A crista ectodérmica apical (AER) se estende de anterior a posterior ao longo da margem
dorsal/ventral do broto do membro. Próximo à AER existe uma região de células mesodérmicas de proliferação rápida chamada de zona de progresso (PZ).
Localizado no mesoderma posterior, existe um centro de sinalização importante chamado zona de atividade polarizante (ZPA). As vias de sinalização da
AER, da PZ e da ZPA estão interligadas, de modo que o padrão de formação e o crescimento também dependem da coordenação de suas funções.

ulnar-mamária, respectivamente (Fig. 10-11). A síndrome de Holt-Oram é causada por mutações no gene TBX5 e a síndrome ulnar-mamária é causada
por mutações no gene TBX3, genes fortemente ligados. TBX3 e TBX5 evoluíram de um gene ancestral comum e adquiriram funções específicas,
porém complementares, na padronização do eixo anterior/posterior do membro superior dos mamíferos. TBX3 e TBX5 também atuam no
desenvolvimento de muitos outros órgãos. Por exemplo, pessoas com a síndrome de Holt-Oram também manifestam cardiopatias congênitas, mais
frequentemente defeito do septo atrial, que resulta na mistura do sangue dos átrios esquerdo e direito. O gene TBX5 interage com outro fator de
transcrição, o Nkx2-5, durante o desenvolvimento do coração. As mutações no gene codificador de Nkx2-5 também causam defeitos septais atriais.
Assim, alterações de dois mediadores diferentes no mesmo programa de desenvolvimento podem produzir o mesmo tipo de defeito congênito.
Caso episódios precoces de sinalização de brotamento dos membros forneçam informações de posicionamento às células em desenvolvimento, o
que controla o crescimento e a diferenciação dessas células? Componentes importantes são os fatores de transcrição codificados por genes Hox. Os
padrões de expressão de Hoxa9 e Hoxa13 definem domínios superpostos ao longo do eixo proximal/distal do broto do membro em desenvolvimento.
Combinações de parálogos Hox promovem preferencialmente o crescimento interno de segmentos diferentes do membro, de acordo com a posição 5’
que ocupam dentro do cluster Hox. Por exemplo, camundongos com mutações em Hoxa11 ou Hoxd11 apresentam somente defeitos menores, mas os
mutantes duplos Hoxa11/Hoxd11 exibem redução acentuada no tamanho do rádio e da ulna. Da mesma forma, quanto maior a deleção de parálogos
Hox-13 maior o efeito cumulativo de anormalidades fenotípicas nas mãos ou dos pés, provavelmente porque as funções dos parálogos Hox são
parcialmente redundantes.
Essa redundância sugeria que as mutações nos genes Hox provavelmente não seriam causas prováveis de defeitos congênitos em seres humanos.
Entretanto, até o momento, mutações em pelo menos 10 genes HOX já foram encontradas em

FIGURA 10-11 A, Ausência do terceiro, quarto e quinto dedos da mão direita (os dedos posteriores) acompanhada por aplasia da ulna e hipoplasia do
rádio em um paciente com a síndrome ulnar-mamária. O quinto dedo da mão direita também está faltando. B, Ausência bilateral dos polegares (um dedo
anterior) e do rádio, com hipoplasia acentuada do úmero em um adulto com a síndrome de Holt-Oram. (De Jones KL. Smith’s Recognizable Patterns of
Human Malformation, 6th. Ed. Philadelphia: Mosby, 2006.)

indivíduos com defeitos congênitos. Por exemplo, mutações HOX foram descritas em pessoas com polissindactilia e com a síndrome da mão-pé-
genital. A polissindactilia se caracteriza por duplicação e fusão dos dedos das mãos e dos pés. É causada por mutações em HOXD13 que produz
expansão da porção de polialanina na extremidade aminoterminal da proteína HOXD13. Um defeito parecido pode ser produzido por disrupção
simultânea de Hoxd13, Hoxd12 e Hoxd11, sugerindo que a expansão da porção polialanina de HOXD13 resulta na inativação funcional dos genes
vizinhos na extremidade 3’.

O membro de um vertebrado é composto por elementos derivados da mesoderma lateral e do mesoderma somítico. O
crescimento e a padronização são controlados por proteínas secretadas por conjuntos de células especializadas que
compõem a crista ectodérmica apical, zona de progresso e a zona de atividade polarizante.

Formação dos Órgãos


Muitos processos de desenvolvimento devem ser simultaneamente coordenados para resultar nos arranjos específicos de células e tecidos que
compõem um órgão. Como ocorre no desenvolvimento de um membro, a formação dos órgãos envolve múltiplas interações mediadas por moléculas
de sinalização, que se ligam a receptores, conduzem sinais através de várias vias interligadas e estimulam ou reprimem a transcrição do DNA. O uso
das mesmas redes complexas na formação de órgãos diferentes permite uma economia genômica enquanto mantém a flexibilidade do
desenvolvimento.
Assim que uma célula especializada dentro de um órgão é finalmente diferenciada, várias proteínas ativam seu maquinário molecular para que essa
célula possa desempenhar sua função esperada. Frequentemente, o desenvolvimento do órgão e a função da célula diferenciada estão inter-
relacionados. Por exemplo, o pâncreas endócrino é amplamente formado por três tipos celulares diferentes: alfa, beta e gama. A transcrição da
insulina nas células beta é estimulada pela ligação do fator promotor da insulina 1 (IPF1) à região promotora do gene da insulina. Mutações no gene
que codifica a proteína IPF1 impedem o desenvolvimento do pâncreas, indicando que a IPF1 é necessária para a maturação e a diferenciação de
células pancreáticas precursoras.
As interações entre células mesenquimais e epiteliais são fundamentais no desenvolvimento das estruturas cutâneas (p. ex., cabelos, glândulas
sudoríparas, mamas), dos órgãos parenquimatosos (p. ex., fígado e pâncreas), dos pulmões, tireoide, rins e dentes. Tais interações são dinâmicas, pois
os padrões de expressão no epitélio e no mesênquima mudam ao longo do tempo e continuam a se influenciar mutuamente. Por exemplo, durante o
desenvolvimento dos dentes, o epitélio produz Bmp-4, que sinaliza ao mesênquima subjacente para expressar um conjunto de fatores de transcrição,
incluindo Msx1. A troca recíproca de sinais entre o epitélio e o mesênquima leva à formação da papila e da cúspide dental e, por fim, à diferenciação
terminal do mesênquima em odontoblastos formadores dos dentes. Nos seres humanos, mutações em MSX1 interrompem a formação dos dentes e
causam perda dos segundos pré-molares. Da mesma forma, as mutações no homólogo humano do gene hairless (sem pelos) do camundongo causam
perda de todos os pelos do corpo, incluindo os do couro cabeludo, sobrancelhas, axilas e púbis.
A integridade dos sinais trocados entre o epitélio e o mesênquima depende da integridade desses tecidos. Várias proteínas produzidas no próprio
epitélio promovem seu crescimento e diferenciação. Uma dessas proteínas é a p63, homóloga do produto do gene supressor de tumor prototípico, a
p53. Mutações que alteram a função de p63 reduzem a disponibilidade de células epiteliais progenitoras. Isso resulta em anormalidades de membros,
pele, dentes, cabelos e unhas em, pelo menos, seis diferentes síndromes malformativas.
Um dos maiores órgãos do corpo é o esqueleto. A formação esquelética depende de células formadoras de ossos chamadas osteoblastos. A
diferenciação de osteoblastos é regulada por um fator de transcrição específico para osteoblastos chamado Runx2. A disrupção experimental desse
fator resulta em camundongos com ausência total de ossificação do esqueleto. Camundongos heterozigotos apresentam suturas cranianas amplas,
dedos encurtados e anormalidades da cintura escapular. Defeitos semelhantes são encontrados em pessoas com displasia cleidocraniana, que é
causada por mutações no homólogo humano Runx2.

A formação dos órgãos envolve interações recíprocas entre o epitélio e o mesênquima. A interação é mediada por
moléculas de sinalização secretadas que se ligam a receptores, conduzem sinais através de várias vias interligadas e
estimulam ou reprimem a transcrição do DNA.

QUESTÕES DE ESTUDO
1. Explique como modelos animais não humanos são úteis para o estudo do desenvolvimento humano e dos defeitos congênitos. Cite pelo menos um
exemplo.
2. As mutações nos receptores de fator de crescimento de fibroblastos (FGFRs) causam, pelo menos, seis diferentes síndromes de craniossinostose.
Além disso, a mesma mutação em FGFR2 causa a síndrome de Pfeiffer em algumas famílias e a síndrome de Crouzon em outras. Como a mesma
mutação pode produzir duas doenças distintas?
3. Os distúrbios causados por mutações nos genes que codificam fatores de transcrição são, frequentemente, pleiotrópicos. Explique esse fato.
4. Defina padrão de formação e dê um exemplo de defeito congênito causado pela interrupção desse processo.
5. Se o controle dos processos de desenvolvimento é estritamente regulado, como você pode explicar que mutações em alguns genes do
desenvolvimento (p. ex., os genes Hox) produzem fenótipos sutis?
6. Mutantes com perda de função em mamíferos são geralmente estudados criando-se um modelo de camundongo knockout. Explique por que é
inviável usar alguns organismos (p. ex., os babuínos) para gerar knockouts. Você pode pensar em uma maneira de contornar alguns desses
obstáculos?
7. Dê um exemplo de defeito congênito que pode ser causado por um defeito em um ligante ou em seu receptor.
8. Explique alguns dos obstáculos do uso da terapia gênica para tratar defeitos congênitos.

LEITURAS SUGERIDAS
Blake JA, Ziman MR. Pax genes: regulators of lineage specification and progenitor cell maintenance. Development. 2014;141:737-751.
Blum M, Feistel K, Thumberger T, Schweickert A. The evolution and conservation of left-right patterning mechanisms. Development. 2014;141:1603-1613.
Carreira AC, Alves GG, Zambuzzi WF, et al. Bone morphogenetic proteins: structure, biological function and therapeutic applications. Arch Biochem Biophys. 2014;561:64-73.
Epstein CP, Erickson RP, Wynshaw-Boris A, eds. Inborn Errors of Development. 2nd ed. New York: Oxford University Press; 2008.
Freese JL, Pino D, Pleasure SJ. Wnt signaling in development and disease. Neuro Dis. 2010;38:148-153.
Gilbert SF. Developmental Biology. 10th ed. Sunderland, Mass:Sinauer; 2013.
Itoh N, Ornitz DM. Fibroblast growth factors: from molecular evolution to roles in development, metabolism and disease. J Biochem. 2011;149:121-130.
Menke DB. Engineering subtle targeted mutations into the mouse genome. Genesis. 2013;51:605-618.
Quinonez SC, Innis JW. Human HOX gene disorders. Mol Genet Metab. 2014;111:4- 5.
Saijoh Y, Viotti M, Hadjantonakis A. Follow your gut: relaying information from the site of left-right symmetry breaking in the mouse. Genesis. 2014;52:503-514.
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Simões-Costa M, Bronner ME. Insights into neural crest development and evolution from genomic analysis. Genom Res. 2013; 23:1069-1080.
Takashima Y, Suzuki A. Regulation of organogenesis and stem cell properties by T-box transcription factors. Cell Mol Life Sci. 2013;70:3929– 3945.

17 Um lactente é uma criança com menos de um ano de idade.

18
Por convenção, colocam-se em maiúsculas todas as letras dos nomes dos genes humanos e apenas a primeira letra dos nomes dos genes dos camundongos, exceto para mutações
recessivas, que começam com letra minúscula.

19
Uma superfamília gênica é um grupo de famílias de genes relacionados.

20
GTPase, guanosina trifosfatase; MAPK, proteína quinase ativada por mitógeno; RTK, tirosina quinase receptora.

21
Mesênquima é o tecido que forma os tecidos conjuntivos, os vasos sanguíneos e os vasos linfáticos.
C A P Í T U L O 11

Genética do Câncer

Dados atuais mostram que aproximadamente uma em cada quatro mortes ocorre devido ao câncer e que um câncer invasivo será diagnosticado em
mais da metade da população em algum momento da vida. A incidência de muitos tipos de câncer está aumentando, e a maior parte desse aumento é
consequência da maior expectativa de vida de nossa população.
Como será mostrado neste capítulo, as causas do câncer são uma mistura de alterações ambientais e genéticas que ocorrem em nossos tecidos. A
predisposição herdada exerce um papel em algumas famílias. Os avanços significativos na biologia molecular e na genética têm esclarecido os
elementos moleculares básicos dessa doença e fornecem um perfil esquemático dos eventos celulares que levam ao câncer. Esse entendimento será
extremamente importante no controle do câncer, proporcionando o início de uma base de conhecimentos que devem levar a melhorias significativas
das terapias e de estratégias preventivas.
“Câncer” é um conjunto de doenças que compartilham a característica comum de crescimento celular descontrolado. Isso leva a uma massa de
células denominada neoplasia (do grego, “nova formação”), ou tumor. A formação de tumores é chamada tumorigênese. Vários eventos importantes
devem ocorrer caso as células escapem dos limites habituais que impedem a proliferação descontrolada. Sinais adicionais de crescimento devem ser
produzidos e processados, e as células devem tornar-se resistentes aos sinais que normalmente inibem o crescimento. Como essas caraterísticas
anormais tipicamente desencadeariam o processo de morte celular programada (apoptose), as células devem de algum modo neutralizar esse processo.
A massa celular crescente (tumor) exige nutrição, portanto, um novo suprimento de sangue deve ser obtido por meio da angiogênese (formação de
novos vasos sanguíneos). Os sinais inibitórios adicionais devem ser vencidos para que o tumor alcance um estado maligno, no qual as neoplasias
invadem tecidos próximos e promovem a metástase (propagação) para locais mais distantes do corpo. A capacidade de invadir e de produzir metástase
distingue neoplasias malignas de benignas.
Os tumores são classificados de acordo com o tipo de tecido em que eles surgem. Os principais tipos de tumores são os de tecido epitelial
(carcinomas, os tumores mais comuns), de tecido conjuntivo (sarcomas), de tecido linfático (linfomas), de células gliais do sistema nervoso central
(gliomas) e de órgãos hematopoiéticos (leucemias). As células que compõem um tumor geralmente são provenientes de uma única célula ancestral,
que formam um único clone (monoclonal).
Muitas das características biológicas básicas da carcinogênese (desenvolvimento do câncer) são agora compreendidas. Ao longo de nossa vida,
muitas de nossas células continuam a crescer e se diferenciar. Tais células formam, por exemplo, as camadas epiteliais dos nossos pulmões e cólons, e
as células precursoras do nosso sistema imunológico. Células-tronco relativamente indiferenciadas produzem grandes quantidades de células para
preencher e renovar as nossas camadas de defesa desgastadas. Por meio da integração de informações fornecidas por um conjunto complexo de sinais
bioquímicos, as novas células eventualmente param de se dividir e, no fim, diferenciam-se em um tipo celular adequado para a sua função no corpo
(Fig. 11-1). Como alternativa, se a célula for anormal ou for danificada, ela pode sofrer apoptose.
Ocasionalmente, uma dessas células não consegue se diferenciar e passa a se dividir continuamente. Os descendentes de tais células podem se
tornar iniciadores de neoplasias, capazes de uma transformação para um câncer invasivo, metastático. Desejamos entender em detalhes o que ocorre
nessas células, para detectar esses erros precocemente e, finalmente, intervir no seu desenvolvimento e eliminá-los.

Células do corpo são programadas para se desenvolver, crescer, diferenciar e morrer em resposta a um complexo sistema
de sinais bioquímicos. O câncer resulta do surgimento de um clone de células livres dessas limitações de programação e de
desenvolvimento, sendo capazes de uma proliferação anormal.

CAUSAS DO CÂNCER
Considerações Genéticas
As alterações genéticas dos sistemas de regulação celular são a base principal da carcinogênese. Nós podemos produzir um câncer em modelos
animais, danificando genes específicos. Nos sistemas de cultura de células, podemos reverter o fenótipo neoplásico por meio da introdução nas células
de cópias normais dos genes alterados. A maioria dos eventos genéticos que causa o câncer ocorre em células somáticas. A frequência desses eventos
pode ser alterada pela exposição a agentes mutagênicos, estabelecendo, assim, uma ligação a carcinógenos ambientais (agentes causadores de câncer).
No entanto, esses eventos genéticos não são transmitidos às gerações futuras, porque ocorrem em células somáticas, não em células germinativas.
Mesmo que sejam eventos genéticos, eles não são herdados.
Também é possível que mutações que predisponham ao câncer ocorram em células germinativas. Isso resulta na transmissão de uma geração para a
outra de genes alterados que desencadeiam a tumorigênese, gerando famílias com alta incidência de tipos específicos de câncer (Fig. 11-2). Esses
“cânceres familiais”, embora raros, mostram que a herança de um gene alterado pode causar o câncer. Nessas famílias, a herança de um alelo mutante
parece ser suficiente para causar um tipo específico da doença: quase todos os indivíduos que herdam o alelo mutante desenvolverão um tumor. Isso
ocorre porque cada uma de suas células agora porta o gene alterado e este já é o primeiro passo na via do desenvolvimento neoplásico. O câncer ocular
infantil, o retinoblastoma, é um bom exemplo disso. Conforme discutido no Capítulo 4, os que herdam uma mutação do gene do retinoblastoma têm,
aproximadamente, 90% de chance de desenvolver um ou mais desses tumores.
Embora a transmissão do câncer como uma alteração monogênica seja relativamente incomum, existem evidências claras de agrupamentos mais
frequentes de alguns tipos de câncer em algumas famílias. Para muitos tipos, como de mama e de cólon, o diagnóstico em um parente de primeiro grau
implica em um aumento de duas vezes, pelo menos, no risco de desenvolver a doença. É muito provável que a herança de formas alteradas de genes
específicos seja, pelo menos, parcialmente responsável pelo risco aumentado.
Até que ponto cada um desses mecanismos — de mutações em linhagens germinativas herdadas, comparadas com mutações que ocorrem em
células somáticas — contribui para o câncer humano é uma questão importante. Caso predisposições hereditárias sejam determinantes significativas de
risco para uma pessoa desenvolver um tipo específico de câncer, deve ser possível identificar aqueles em risco elevado. Uma triagem mais intensiva de
grupos definidos como de alto risco poderia resultar na detecção e intervenção precoces, levando a um melhor prognóstico para os pacientes e
diminuindo a morbidade e a mortalidade

FIGURA 11-1 Em resposta a sinais ambientais, a célula pode continuar a se dividir, se diferenciar ou morrer (apoptose).

A causa básica do câncer é o dano de genes específicos. Geralmente, as mutações gênicas se acumulam em células
somáticas ao longo dos anos, até que uma célula chega a um número de erros suficiente para dar início a um tumor. Se um
dano ocorre em células da linhagem germinativa, entretanto, uma forma alterada de um desses genes pode ser transmitida
aos descendentes e predispor esses indivíduos ao câncer. Este risco aumentado em tais pessoas se deve ao fato de que cada
uma de suas células já deu o primeiro passo dos muitos envolvidos no desenvolvimento do tumor.

Considerações Ambientais
Qual é o papel do ambiente não genético na carcinogênese? Em nível celular, o câncer parece intrinsecamente genético. As células tumorais surgem
quando certas mudanças, ou mutações, ocorrem em genes que são responsáveis pela regulação do seu crescimento. Entretanto, a frequência e as
consequências das mutações podem ser alteradas por um grande número de fatores ambientais. É bem documentado, por exemplo, que muitos
produtos químicos que causam mutação em animais experimentais também causam câncer e são, portanto, carcinogênicos. Além disso, outros agentes
ambientais podem aumentar o crescimento das células geneticamente alteradas sem causar diretamente novas mutações. Assim, muitas vezes, a
interação dos genes com o ambiente é o que determina a carcinogênese; ambos desempenham papéis fundamentais nesse processo.
Duas linhas de argumentações adicionais apoiam a ideia de que a exposição aos agentes ambientais pode alterar significativamente o risco de uma
pessoa desenvolver câncer. A primeira é que uma série de agentes ambientais com propriedades carcinogênicas tem sido identificada. Por exemplo,
estudos epidemiológicos e experimentos em laboratório têm mostrado que a fumaça do cigarro causa câncer de pulmão e outros tipos de câncer. Os
papéis de outros agentes ambientais em tipos específicos de câncer também estão bem documentados (p. ex., o pó de urânio no câncer de pulmão entre
mineiros e a exposição ao amianto no câncer de pulmão e no mesotelioma).
A segunda linha de argumentação é baseada em comparações epidemiológicas entre populações com diferentes estilos

FIGURA 11-2 Um heredograma de uma família com câncer colorretal. Os símbolos escuros representam indivíduos com esse diagnóstico.

de vida. Muitos tipos de câncer têm frequências bastante diferentes em populações distintas. O câncer da mama, por exemplo, é prevalente entre
europeus do norte e americanos de origem europeia, mas relativamente raro entre as mulheres de países em desenvolvimento. Normalmente, é difícil
determinar se essa disparidade reflete diferenças no estilo de vida ou nas frequências gênicas.
O exame de populações geneticamente semelhantes com diferentes estilos de vida, no entanto, oferece uma oportunidade para avaliar os
componentes genéticos e ambientais do câncer. Estudos epidemiológicos entre populações migrantes japonesas produziram resultados importantes no
que diz respeito ao tumor de cólon. Até recentemente esse tipo de câncer era relativamente raro na população que vive no Japão, que tem um risco de
0,5% ao longo da vida; porém ele é 10 vezes mais comum nos Estados Unidos. O câncer de estômago, por outro lado, é comum no Japão, mas
relativamente raro nos Estados Unidos. Tais estatísticas por si não conseguem distinguir as influências ambientais das genéticas nas duas populações.
No entanto, por causa de um grande número de japoneses que imigraram primeiro para o Havaí e, em seguida, para o continente americano, pôde-se
avaliar o que acontece com as taxas de câncer de estômago e de câncer de cólon entre os imigrantes. É importante notar que muitos dos imigrantes
japoneses mantiveram uma identidade genética, casando-se, em grande parte, entre si. Entre a primeira geração de japoneses no Havaí, a incidência de
câncer de cólon aumentou várias vezes, mas não tanto como na parte continental dos EUA, porém superior à do Japão. Entre a segunda geração de
americanos descendentes de japoneses na parte continental, a taxa de câncer de cólon aumentou para 5%, igual à média dos EUA. Ao mesmo tempo, o
câncer de estômago se tornou relativamente raro entre americanos descendentes de japoneses.
Essas observações sugerem fortemente um papel importante do ambiente ou estilo de vida na etiologia do câncer de cólon. Em cada caso, a dieta é
um provável responsável: acredita-se que a dieta com alto teor de gordura e pobre em fibras dos Estados Unidos possa aumentar o risco de câncer de
cólon, enquanto no Japão, as técnicas utilizadas para preservar e temperar os peixes mais consumidos podem aumentar o risco de desenvolver câncer
de estômago naquele país. Também é interessante notar que a incidência de câncer de cólon, no Japão, tenha aumentado dramaticamente durante as
últimas décadas, visto que a população japonesa adotou uma dieta mais parecida com a da América do Norte e da Europa.
Devemos então assumir que os fatores genéticos não desempenham papel no desenvolvimento do câncer de cólon? O fato é que, no ambiente norte-
americano, algumas pessoas podem ter câncer de cólon e outras não. Essa distinção pode ser resultado de diferenças dentro desse ambiente (p. ex., a
variação da dieta), bem como de diferenças na predisposição genética: genes herdados que aumentam a probabilidade de uma pessoa desenvolver
câncer. Para explicar a distinção na incidência de tumor de cólon entre japoneses que moram nos EUA e naqueles que vivem no Japão, é argumentado
que as características ambientais no Japão tornam os genes de predisposição ao câncer menos penetrantes. Além disso, um componente genético é
fortemente sugerido, pois há um aumento de várias vezes no risco de uma pessoa desenvolver câncer de cólon quando um parente de primeiro grau
tem esse tipo de tumor maligno. É provável, então, que o risco de câncer seja uma composição de ambos os fatores, genéticos e ambientais, com a
interação entre os dois componentes.

Os fatores ambientais são conhecidos por desempenhar um papel importante na carcinogênese. No entanto, o risco em
geral de uma pessoa desenvolver um tipo de câncer depende de uma combinação de fatores herdados e de componentes
ambientais.

GENES DO CÂNCER
Controle Genético do Crescimento e da Diferenciação Celular
O câncer se forma quando um clone de células normais perde o controle sobre seu crescimento e diferenciação. Já foram identificados mais de 100
genes causadores de câncer, que codificam proteínas que participam dessa regulação. A caracterização das atividades bioquímicas e interações destes
produtos gênicos têm revelado um panorama progressivamente mais detalhado da regulação normal do crescimento e da diferenciação celular e dos
pontos desses processos que se tornam desregulados pelos eventos da carcinogênese.
Muitas das características fundamentais desse processo são, agora, bem compreendidas (Fig. 11-3). Um componente de regulação celular é mediado
por sinais externos que chegam na célula através de fatores de crescimento (p. ex., fator de crescimento derivado de plaquetas, fator de crescimento
epidérmico, hormônios esteroides) produzidos em outras células.

FIGURA 11-3 As principais características da regulação celular. Os fatores de crescimento externos (proteínas e hormônios esteroides como o fator de
crescimento epidérmico) se ligam aos receptores de fator de crescimento na superfície celular, ativando vias de transdução de sinais em que genes, como
o RAS, participam. Componentes da via de transdução de sinais, por sua vez, interagem com fatores de transcrição nucleares, como os produtos dos genes
Myc e FOS, que podem se ligar a regiões reguladoras no DNA. mRNA, RNA mensageiro.

Cada fator de crescimento interage com seus receptores de fator de crescimento específicos localizados na superfície celular. A ligação de um fator
de crescimento ativa o receptor, que dispara as moléculas que enviam mensagens para o núcleo da célula no processo de transdução de sinal. Essas
moléculas de transdução de sinal incluem as proteínas quinases, como a Src tirosina quinase, proteína quinase ativada por mitógeno (MAPK, de
mitogen-activated protein kinase) e Jun quinase (JunK), que podem alterar a atividade das proteínas-alvo, marcando-as em um local específico com
uma molécula de fosfato (fosforilação). A fase final da via de transdução de sinal é a regulação da transcrição do DNA no núcleo. Os componentes da
cascata de transdução de sinal interagem com fatores de transcrição nucleares que regulam a atividade de genes específicos, cujos produtos (proteínas)
influenciam no crescimento e na proliferação celular. Os genes que codificam os fatores de transcrição incluem MYC, FOS e JUN.
Após vários ciclos de divisão celular, as células recebem normalmente os sinais que as induzem a parar de crescer e se diferenciar em células
especializadas. Os sinais podem vir de polipeptídeos, de hormônios esteroides, do contato direto com as células adjacentes ou de programas internos
que definem o número de divisões celulares que lhes é permitido. Os sinais são transduzidos para o núcleo da célula receptora. Então, se os padrões de
transcrição dos genes que regulam as etapas do ciclo celular forem alterados, eles reprimem os genes que promovem a divisão celular e induzem os
genes que inibem a entrada no ciclo celular.

A regulação do crescimento celular é realizada por substâncias que incluem: (1) fatores de crescimento que transmitem
sinais de uma célula para outra, (2) receptores específicos para os fatores de crescimento, (3) moléculas de transdução de
sinal que ativam uma cascata de reações de fosforilação na célula e (4) fatores de transcrição nucleares. A célula integra e
interpreta a série de sinais que recebe de seu ambiente. A escolha entre crescer e se dividir ou de parar de crescer e
diferenciar-se resulta do processamento desses sinais.

Uma célula tumoral pode surgir dentro de uma população de células em crescimento por meio do acúmulo de mutações nesses genes. Embora tais
mutações ocorram raramente, essas células podem deixar de responder aos sinais de diferenciação e em vez de submeter-se ao seu programa
de diferenciação normal, continuar a se dividir. Além disso, o câncer geralmente parece resultar de uma série progressiva de eventos que aumentam
progressivamente o nível de desregulação dentro de uma linhagem celular. Eventualmente, surge uma célula cujos descendentes se multiplicam sem o
controle apropriado. Alterações adicionais conferem a essas células a capacidade de invadir tecidos adjacentes e originar metástases. Cada uma dessas
mudanças envolve mutações, e a necessidade de mais de uma mutação tem sido caracterizada pelo conceito de que a carcinogênese é um processo
composto de múltiplos passos. Um exemplo desse conceito é o do câncer colorretal, em que vários eventos genéticos são necessários para completar a
progressão do crescimento benigno até uma neoplasia maligna (ver discussão posterior).

As mutações podem ocorrer em qualquer uma das etapas envolvidas na regulação do crescimento e da diferenciação
celular. O acúmulo de mutações em uma linhagem de células pode resultar em uma desregulação progressiva do
crescimento, resultando em uma célula tumoral.

O Gene do Câncer Hereditário versus O Gene Alterado Somaticamente


Embora “o câncer familial” tenha sido reconhecido há muito tempo, somente no início dos anos de 1970 é que começamos a compreender a relação
entre as anomalias genéticas herdadas e os eventos carcinogênicos que ocorrem no tecido somático. Em 1971, a análise A. G. Knudson do
retinoblastoma, uma doença que já foi mencionada como um modelo de câncer hereditário, levou a uma hipótese que abriu uma nova perspectiva no
mecanismo da carcinogênese. Na forma hereditária do retinoblastoma (Capítulo 4), um indivíduo afetado normalmente tem o pai ou a mãe afetado e há
uma chance de 50% de transmissão genética para cada um dos filhos. Na forma esporádica (não herdada), nenhum dos pais é afetado, nem há risco
adicional para outros filhos. Uma característica fundamental para distinguir as duas formas é que o retinoblastoma hereditário é geralmente bilateral
(afeta ambos os olhos), enquanto o retinoblastoma esporádico geralmente envolve apenas um tumor e, portanto, afeta apenas um olho (unilateral).
Knudson levantou a hipótese de que são necessárias pelo menos duas mutações para surgir um retinoblastoma. Uma das mutações alteraria o gene
do retinoblastoma; caso ela ocorresse na linhagem germinativa, estaria presente em todas as células de uma criança que recebeu o alelo mutante. A
segunda mutação seria um evento genético inespecífico adicional em uma das células já alteradas. A hipótese de um segundo passo foi pensada para
explicar por que apenas uma pequena fração de retinoblastos de uma pessoa que herdou o gene mutante realmente desenvolve tumores. A hipótese de
Knudson é conhecida como o modelo de carcinogênese de dois eventos.
O retinoblastoma familial seria, portanto, causado pela herança de um dos eventos (hits) genéticos como uma mutação constitucional (ou seja, uma
mutação presente em todas as células do corpo). As pessoas que herdaram um evento genético necessitariam apenas de uma mutação adicional em um
único retinoblasto para que essa célula originasse um clone tumoral. Nos casos esporádicos, por outro lado, as duas mutações teriam de ocorrer como
eventos somáticos no feto em desenvolvimento (Fig. 11-4). Essa combinação de eventos raros é altamente improvável, mesmo considerando os vários
milhões de células do tecido-alvo. A criança que desenvolveu um retinoblastoma por essa via de dois eventos somáticos dificilmente desenvolveria
mais de um tumor. Entretanto, a criança que herdou um gene mutante do retinoblastoma, seria necessário apenas um único evento genético adicional
em um retinoblasto para que um clone do tumor se desenvolvesse. Knudson argumentou que tal evento poderia ocorrer em vários dos retinoblastos do
portador do gene mutante herdado, explicando assim a bilateralidade do retinoblastoma hereditário.
Se o primeiro passo no modelo de dois eventos (hits) é uma mutação herdada, qual é a natureza do segundo passo? Análises moleculares extensas
da região do cromossomo 13 que contém o gene causador do retinoblastoma, RB1,
FIGURA 11-4 A, Indivíduos que herdam uma mutação no RB1 são heterozigotos para a mutação em todas as células do corpo. O segundo evento ocorre
durante o desenvolvimento embrionário e normalmente afeta mais de um retinoblasto, resultando em múltiplos tumores. B, No retinoblastoma somático,
as duas cópias do gene RB1 devem ser desativadas no mesmo retinoblasto para causar a formação do tumor. Cada processo leva à homozigose para o
alelo mutante RB1 e, assim, ao desenvolvimento do tumor.

mostraram que o segundo evento, assim como o primeiro, é uma mutação com perda de função. Diversos mecanismos, incluindo mutações pontuais,
deleções e hipermetilação da região promotora do RB1 (associadas à diminuição da transcrição, Caps. 3 e 5), podem produzir esse efeito. O segundo
evento, que ocorre no feto durante o período em que os retinoblastos estão se dividindo e proliferando rapidamente, elimina o alelo normal restante do
gene. Isso significa que uma célula com um alelo RB1 mutado e um alelo RB1 normal não forma um tumor. Assim, o produto do gene normal, mesmo
quando presente em apenas uma única cópia, evitaria a formação do tumor.
Uma consequência adicional importante dessa hipótese de dois eventos é que os genes cujas mutações hereditárias causam síndromes de câncer
hereditário podem ser os mesmos que geram tumores malignos comuns por mutação somática. Ao compreender a natureza dos alelos mutantes
herdados nas famílias com raros tipos de câncer, consequentemente compreenderemos mais sobre a via somática do câncer comum. De fato, as
mutações somáticas com perda de função de ambas as cópias do gene RB1 são vistas frequentemente em muitos tipos de tumores, incluindo carcinoma
de pequenas células do pulmão, carcinoma de mama, glioblastoma (um tumor cerebral) e osteossarcoma.

A teoria da carcinogênese em dois eventos (two-hits) de Alfred Knudson para o retinoblastoma tornou-se o paradigma de
um modelo para descrever como a herança de um gene alterado predispõe o portador desse gene a desenvolver o câncer. A
teoria afirma que uma célula pode iniciar um tumor quando ele contém dois alelos mutantes; por isso, em uma pessoa que
herda uma cópia do gene mutado do retinoblastoma é necessário ocorrer uma segunda mutação somática em um ou mais
retinoblastos para desenvolver um ou mais retinoblastomas. Duas mutações somáticas também podem ocorrer em um
único retinoblasto de um feto não predisposto, produzindo um retinoblastoma esporádico. A compreensão dos genes
mutados que são herdados nas famílias pode nos ajudar a compreender melhor a via somática dos cânceres comuns.

PRINCIPAIS CLASSES DE GENES DO CÂNCER


Os genes que causam câncer podem ser classificados em três classes principais: aqueles que inibem a proliferação celular (genes supressores de
tumor), aqueles que ativam a proliferação celular (oncogenes) e aqueles que atuam no reparo do DNA.

TABELA 11-1 Exemplos de Genes Supressores de Tumor e Genes de Reparo do DNA e sua Participação no Câncer
Hereditário
GENE (GENES RELACIONADOS FUNÇÕES DO PRODUTO GÊNICO DOENÇAS CAUSADAS POR MUTAÇÕES GERMINATIVAS
ENTRE PARÊNTESES)

Genes Supressores de Tumor

RB1 (p107e p130) Parada do ciclo celular; liga-se ao complexo de fator Retinoblastoma, osteossarcoma
de transcrição E2F

APC Interage com β-catenina na via de sinalização Wnt Polipose adenomatosa familiar
SMAD4 Transmite sinais do TGFβ Polipose juvenil

NF1 Regulação negativa da proteína RAS Neurofibromatose tipo 1

NF2 Regulação de proteínas do citoesqueleto Neurofibromatose tipo 2

TP53 Fator de transcrição; induz parada do ciclo celular ou Síndrome de Li-Fraumeni


apoptose

VHL Regula várias proteínas, incluindo p53 e NFkB Doença de Von Hippel-Lindau (cistos renais e câncer)

WT1 Fator de transcrição zinc finger; liga-se ao gene do Tumor de Wilms


fator de crescimento epidérmico

CDKN2A (p14, p16) Inibidor de CDK4 Melanoma familiar

PTEN Fosfatase que regula a via de sinalização PI3K Síndrome de Cowden (câncer de mama e tireoide)

CHEK2 Fosforila p53 e BRCA1 Síndrome de Li-Fraumeni

PTCH Receptor Sonic Hedgehog Síndrome de Gorlin (carcinoma basocelular,


meduloblastoma)

CDH1 E-caderina; regula a adesão célula-célula Carcinoma gástrico

DPC4 Transduz sinais de transformação de fator de Polipose juvenil


crescimento β

TSC2 Regulação negativa da mTOR (alvo da rapamicina Esclerose tuberosa


em mamífero)

Genes de Reparo do DNA

MLH1 Reparo de erro de pareamento do DNA HNPCC

MSH2 Reparo de erro de pareamento do DNA HNPCC

BRCA1 Interage com o complexo de proteínas de reparo do Câncer de mama e de ovário familial
DNA BRCA2/RAD51

BRCA2 Interage com a proteína de reparo do DNA RAD51 Câncer de mama e de ovário familial

ATM Proteína quinase; fosforila BRCA1 em resposta a Ataxia-telangiectasia; evidências conflitantes do


danos no DNA envolvimento direto no câncer de mama

XPA Reparo de excisão de nucleotídeo Xeroderma pigmentoso

Genes Supressores de Tumor


O gene RB1 foi o primeiro exemplo de gene supressor de tumor identificado, uma classe de genes que controla a divisão celular e deste modo ajuda
na prevenção de tumores (Tabela 11-1). Um aspecto intrigante de um gene supressor de tumor é que as mutações herdadas são alelos dominantes no
nível do indivíduo (isso é, heterozigotos geralmente desenvolvem a doença), mas eles são alelos recessivos no nível da célula (células heterozigotas
não formam tumores). Esta aparente contradição é explicada pela constatação de que, em indivíduos que herdaram o primeiro evento, um segundo
evento (second hit) que ocorra em qualquer célula irá causar um tumor. Como há vários milhões de retinoblastos-alvo nos fetos em desenvolvimento,
pessoas heterozigotas formam, em média, vários retinoblastos homozigotos para uma mutação no RB1. Cada um destes pode levar a um
retinoblastoma. Deste modo, existe uma forte predisposição para a formação do tumor (ou seja, o primeiro evento), que é herdada como característica
autossômica dominante. A penetrância incompleta da mutação do retinoblastoma (90%) é explicada pelo fato de que algumas pessoas que herdam a
mutação que causa a doença não sofrem o segundo evento nos seus retinoblastos.
Uma propriedade comum dos genes supressores tumorais é que eles normalmente bloqueiam a proliferação celular descontrolada que pode levar ao
câncer. Muitas vezes, isso é feito pela participação em vias que regulam o ciclo celular. Por exemplo, a proteína codificada pelo gene RB1 (pRb) é
ativa quando ela está desfosforilada, mas é pouco expressa quando fosforilada por quinases dependentes de ciclinas (CDKs), pouco antes da fase S do
ciclo celular (Capítulo 2). No seu estado ativo, hipofosforilado, pRb se liga aos membros do complexo de transcrição E2F, inativando-os (Fig. 11-5). A
atividade de E2F é exigida para a progressão para a fase S, então, sua inativação pela pRb interrompe o ciclo celular. A pRb, portanto, promove a
parada do ciclo celular que, normalmente, é liberado apenas quando pRb é inativada por
FIGURA 11-5 A regulação do ciclo celular é realizada por uma série de interações complexas entre ativadores e inibidores do ciclo. A pRb atua como um
importante inibidor pela ligação ao complexo de transcrição E2F, interrompendo o ciclo antes do início da fase S. O complexo ciclina D-CDK4 fosforila e
inativa pRb liberando o complexo E2F, e permitindo que a célula progrida para a fase S. Os inibidores de CDK, como p16 e p21, inativam CDKs e também
agem como inibidores do ciclo. A p53, por intermédio de p21, pode tanto interromper o ciclo celular quanto induzir a apoptose em resposta a danos ao
DNA. CDK, quinase dependente de ciclina.

fosforilação pelas CDKs. Isto permite que a célula prossiga em seu ciclo mitótico até que pRb seja novamente ativada pela remoção dos grupos
fosfato. As mutações, a deleção ou a hipermetilação da região 5’ do gene RB1 que causam perda de função podem levar à sua inativação permanente.
Sem a parada do ciclo celular, a célula pode continuar sofrendo numerosas divisões descontroladas. Mutações com perda de função de outros fatores
de inibição também podem levar ao descontrole do ciclo celular. Uma série de genes supressores de tumor codifica inibidores de CDK (Fig. 11-5),
que inativam CDKs, impedindo a fosforilação das proteínas-alvo, como a pRb. Os genes supressores de tumor também podem controlar a proliferação
celular por seus efeitos sobre a transcrição ou nas interações célula-célula (alguns exemplos serão discutidos posteriormente). Mais uma vez, as
mutações nesses genes podem levar a divisões celulares ilimitadas e, finalmente, ao câncer.

A descoberta de que o retinoblastoma resulta da inativação de ambos os alelos no mesmo locus no cromossomo 13, no
mesmo retinoblasto, levou ao conceito de genes supressores de tumor. Os produtos desses genes impedem a formação do
tumor por controlar o crescimento celular, mesmo quando uma célula contém apenas uma cópia normal do gene. As
mutações que levam à perda de função, que inativam as duas cópias de uma célula do gene supressor de tumor podem
provocar a proliferação celular descontrolada.

Devido ao papel fundamental dos genes supressores na prevenção da formação do tumor, seu estudo é de grande importância médica. Ao
compreender como o câncer é naturalmente contido pelo corpo, poderemos finalmente desenvolver terapias mais eficazes para a prevenção e
tratamento.

Oncogenes
Os oncogenes (isto é, “genes do câncer”) são a segunda categoria de genes que podem causar a doença. A maioria dos oncogenes origina-se de proto-
oncogenes, que são genes envolvidos nos quatro reguladores básicos do crescimento celular normal mencionado anteriormente (fatores de
crescimento, receptores de fatores de crescimento, moléculas de transdução de sinal e fatores de transcrição nucleares). Quando ocorre uma mutação
em um proto-oncogene, este pode tornar-se um oncogene, um gene cujo produto excessivamente ativo pode levar ao crescimento e diferenciação
celular desreguladas. Quando uma célula passa do crescimento regulado para o desregulado, a célula é dita transformada.
Ao contrário dos genes supressores de tumor, os oncogenes são geralmente dominantes no nível celular: apenas uma única cópia do alelo mutado é
suficiente para desencadear para o processo de múltiplos passos da progressão do tumor. Enquanto os supressores de tumor são geralmente desativados
por deleções ou mutações que levam à perda de função, os oncogenes, por outro lado, são tipicamente ativados por mutações com ganho de função,
por amplificação gênica (ou seja, o aumento do número de genes por trissomias ou outros mecanismos), hipometilação na região 5’ (o que aumenta a
transcrição) ou rearranjos cromossômicos que ativam o oncogene (p. ex., a translocação do cromossomo Filadélfia, Capítulo 6). A maioria dos genes
supressores de tumor é conhecida por apresentar mutações em linhagens germinativas que podem causar síndromes de câncer hereditário (p. ex., o
retinoblastoma e síndrome de Li-Fraumeni). Em contrapartida, embora os oncogenes sejam comumente encontrados em tumores esporádicos,
mutações de oncogenes em linhagens germinativas que causam síndromes de câncer hereditário são raras (algumas exceções serão apresentadas na
discussão). Estas e outras diferenças estão resumidas na Tabela 11-2.
Nesta seção, revisamos três abordagens que têm sido usadas para identificar os oncogenes específicos: definição retroviral, experimentos de
transfecção e mapeamento em tumores.
Os proto-oncogenes codificam produtos que controlam o crescimento e a diferenciação celular. Quando mutados ou
amplificados, podem tornar-se oncogenes, que podem causar câncer. A maioria dos oncogenes age como mutações
dominantes com ganho de função que levam à desregulação do controle do ciclo celular. Em contraste com os genes
supressores de tumor, a maioria dos oncogenes não apresenta mutações na linhagem germinativa que causam síndromes
de câncer hereditário. Em vez disso, são observadas mutações somáticas que levam ao câncer esporádico.

Há muito tempo se sabe que certos tipos de vírus podem causar câncer. Especialmente significantes são os retrovírus,

TABELA 11-2 Comparação das Características Principais dos Genes Supressores de Tumor e dos Oncogenes

CARACTERÍSTICA GENES SUPRESSORES DE TUMOR ONCOGENES

Função da versão normal Regulam o crescimento e proliferação celular; Promove o crescimento e a


alguns podem induzir a apoptose proliferação celular

Mutação (no nível celular) Recessiva (as duas cópias do gene estão inativadas) Dominante (apenas uma cópia do
gene está mutada)

Efeito da mutação Perda de função Ganho de função

Mutações em linhagens germinativas resultando em Observado na maioria dos genes supressores de Observado somente em alguns
síndromes de câncer hereditário tumor oncogenes

TABELA 11-3 Exemplos de Oncogenes e seus Papéis no Câncer*

ONCOGENE FUNÇÃO TUMOR ASSOCIADO

Genes de Fator de Crescimento

HST Fator de crescimento de fibroblasto Carcinoma gástrico

SIS Subunidade β do fator de crescimento derivado de Glioma (tumor cerebral)


plaqueta

KS3 Fator de crescimento de fibroblasto Sarcoma de Kaposi

Genes de Receptores de Fatores de Crescimento

RET† Receptor de tirosina quinase Neoplasia endócrina múltipla e carcinoma de tireoide

ERBB Receptor de fator de crescimento epidérmico Glioblastoma (tumor cerebral) e câncer de mama

ERBA Receptor do hormônio tireoidiano Leucemia promielocítica aguda

NEU (ERBB2) Receptor de proteína quinase Neuroblastoma e carcinoma de mama

MET† Receptor de tirosina quinase Carcinoma papilar renal hereditário e carcinoma hepatocelular

KIT† Receptor de tirosina quinase Síndrome do tumor estromal gastrointestinal

Genes de Transdução de Sinal

HRAS GTPase Carcinoma de cólon, pulmão e de pâncreas

KRAS GTPase Melanoma, câncer de tireoide, leucemia monocítica aguda e carcinoma de


cólon

NRAS GTPase Melanoma

BRAF Serina/treonina quinase Melanoma maligno e câncer de cólon

ABL Proteína quinase Leucemia mieloide crônica e leucemia linfocítica aguda

CDK4† Ciclina dependente de quinase Melanoma maligno

Genes de Fator de Transcrição

NMYC Proteína que se liga ao DNA Neuroblastoma e carcinoma de pulmão

MYB Proteína que se liga ao DNA Melanoma maligno, linfoma e leucemia

FOS Interage com oncogene JUN para regular a transcrição Osteossarcoma

*Para exemplos adicionais, consulte Croce CM: Oncogenes and cancer. N Engl J Med 2008;358(5):502-511 e Garraway e Lander. Lessons from the cancer
genome. Cell 2013;153:17-37.
†CDK4, KIT, MET e RET são proto-oncogenes em que as mutações germinativas podem dar origem a síndromes de câncer hereditário.

um tipo de vírus de RNA que é capaz de usar a enzima transcriptase reversa para transcrever seu RNA em DNA. Desta forma, o genoma de RNA do
retrovírus é convertido em DNA, que pode ser inserido em um cromossomo de uma célula hospedeira. Alguns retrovírus carregam versões alteradas de
genes que promovem crescimento celular. Esses genes que promovem o crescimento são oncogenes que foram primeiramente identificados através de
estudo de retrovírus que causam câncer em galinhas. Quando os retrovírus invadem uma nova célula, eles podem transferir o oncogene para o genoma
do novo hospedeiro, transformando a célula e iniciando o câncer.
Uma série de produtos de genes que afetam o crescimento ou a diferenciação das células foi identificada pelo estudo de oncogenes realizado com
retrovírus transformantes. Por exemplo, estudos em retrovírus identificaram o gene que codifica a molécula do receptor de fator de crescimento
epidérmico (EGF), através do oncogene ERBB. Esses estudos da mesma forma identificaram os oncogenes RAS (sarcoma de rato), que estão alterados
em pelo menos 25% dos cânceres humanos. Os retrovírus transformantes também identificaram os genes que atuam como fatores de transcrição
nuclear, MYC, JUN e FOS, assim como outros componentes moleculares capazes de iniciar a transformação das células. Na Tabela 11-3 constam
alguns exemplos de proto-oncogenes.
Os oncogenes foram identificados em experimentos cujo material de células tumorais humanas foi transferido para células não tumorais
(transfecção), causando a transformação das células receptoras. Um experimento clássico começou com a transferência do DNA de uma linhagem
celular humana de câncer de bexiga para células de rato. Uma pequena quantidade das células receptoras ficou totalmente transformada. A clonagem e
a análise das sequências específicas do DNA humano presentes nas células de camundongos transformadas revelaram que o gene transformado era um
alelo mutante do mesmo oncogene RAS previamente identificado por estudos retrovirais. Assim, o mesmo oncogene que poderia ser transferido por
um retrovírus também ocorre naturalmente, como um proto-oncogene, no genoma humano.
A caracterização do produto proteico de formas mutantes de RAS tem revelado um importante mecanismo para a regulação da transdução de sinal.
A proteína RAS normalmente alterna entre uma forma ativa ligada à guanosina trifosfato (GTP) e uma forma inativa ligada à guanosina difosfato
(GDP). A consequência bioquímica de mutações no gene RAS é uma proteína RAS incapaz de sair da forma GTP ativa, que estimula o crescimento,
para a forma GDP inativa. A proteína RAS mutante não pode silenciar o seu sinal de crescimento, contribuindo para um excesso de divisões celulares.
Uma terceira abordagem para a identificação de oncogenes deriva da observação comum de rearranjos cromossômicos, como translocações, em
alguns tipos de células tumorais (Capítulo 6). Um exemplo bem conhecido é o cromossomo Filadélfia, em que uma translocação entre os
cromossomos 9 e 22 coloca o proto-oncogene ABL próximo ao gene BCR, promovendo um aumento da atividade de tirosina quinase, originando a
leucemia mieloide crônica. Outra translocação, t(15;17)(q22;q11.2-12), é observada na leucemia promielocítica aguda (APL) resultando na fusão de
dois genes: o gene do receptor alfa do ácido retinoico (RARA) no cromossomo 17 e o gene indutor da leucemia promielocítica (PML) no cromossomo
15. O produto de fusão (PML-RARα) interfere na capacidade normal da proteína RARα de induzir a diferenciação terminal das células mieloides.
(Curiosamente, o ácido retinoico já era utilizado como agente terapêutico para a APL.) O produto da fusão também prejudica a função da proteína
PML, que atua como um supressor tumoral, contribuindo para iniciar a apoptose das células danificadas.

Os retrovírus são capazes de inserir oncogenes no DNA de uma célula hospedeira, transformando-a em uma célula
promotora de tumor. O estudo da transmissão de retrovírus tem identificado uma série de oncogenes específicos. A
transfecção de oncogenes de células tumorais para células normais também pode causar a transformação das células
normais. Alguns oncogenes foram identificados quando rearranjos específicos do material cromossômico foram associados
a certos tipos de câncer. Pelo fato das translocações alterarem genes vitais para o controle do crescimento celular, as regiões
de tais rearranjos podem ser investigadas para identificar novos oncogenes.

A identificação de oncogenes aumentou consideravelmente nossa compreensão sobre algumas causas do câncer. Além disso, esses genes
proporcionam alvos terapêuticos importantes por causa de seu papel fundamental na carcinogênese. Por exemplo, o oncogene ERBB2, mencionado
anteriormente, também conhecido como HER2/NEU, está amplificado em aproximadamente 20% a 30% dos carcinomas invasivos de mama. Sua
amplificação nas células tumorais da mama, que podem ser identificadas por hibridização in situ fluorescente (FISH) ou hibridização genômica
comparativa por array (array CGH) (Capítulo 6), está associada ao câncer agressivo. O produto proteico do HER2R/NEU é um receptor de fator de
crescimento localizado na superfície das células do câncer de mama. A identificação dos oncogenes e de seus produtos contribuiu para o
desenvolvimento de medicamentos, como o trastuzumabe, que se liga ao produto gênico amplificado, efetivamente inibindo-o e ajudando a tratar esse
tipo de tumor. Medicamentos similares foram desenvolvidos para combater os efeitos da superexpressão do oncogene ABL na leucemia mieloide
crônica, de um gene do receptor de fator de crescimento epidérmico superexpresso no câncer de pulmão de células não pequenas e em vários outros.

Genes de Reparo do DNA, Integridade Cromossômica e Tumorigênese


As células tumorais geralmente são caracterizadas por muitas mutações, quebras cromossômicas e aneuploidia. Esta condição, chamada de
instabilidade genômica, contribui para a tumorigênese, porque as mutações e defeitos cromossômicos podem ativar oncogenes ou desativar genes
supressores de tumor. A instabilidade genômica pode ocorrer devido a defeitos em proteínas necessárias para a divisão celular adequada ou nas
responsáveis pelo reparo do DNA. Pode também estar associada à hipometilação do DNA, uma característica comum de muitos tumores. Estes
defeitos, por sua vez, são o resultado de mutações, que às vezes são herdadas, resultando em síndromes relativamente raras de câncer hereditário
(Tabela 11-1), ou surgem em células somáticas e contribuem para o câncer não hereditário, o que é muito mais comum.
Há vários tipos diferentes de instabilidade genômica que podem dar origem ao câncer. Alguns tumores malignos de mama são causados por defeitos
no reparo de quebras de dupla fita do DNA que ocorrem na molécula (p. ex., proveniente da exposição à radiação). Isso pode resultar de mutações em
genes como BRCA1, BRCA2 ou ATM. Uma forma hereditária de câncer de cólon, discutida mais adiante, pode resultar de um defeito no reparo de
erro de pareamento do DNA (assim chamado porque uma mutação em uma única base pode dar origem a uma molécula de DNA em que as bases
não se complementam: um erro de pareamento). O xeroderma pigmentoso, uma doença hereditária que se caracteriza, entre outras, por múltiplos
tumores de pele (Capítulo 3), resulta de erro no reparo por excisão de nucleotídeos. Defeitos nas proteínas responsáveis pela separação dos
cromossomos durante a mitose (p. ex., fibras do fuso mitótico) podem dar origem a múltiplas aneuploidias, geralmente observadas em células
tumorais. A aneuploidia pode contribuir para a tumorigênese pela criação de cópias extras de oncogenes ou deleção de genes supressores tumorais.

A instabilidade genômica, que pode resultar de defeitos no reparo do DNA, é muitas vezes observada em células tumorais e
é caracterizada por mutações generalizadas, quebras cromossômicas e aneuploidias. Essas alterações podem causar câncer
quando elas afetam as vias que regulam a proliferação celular.

Alterações Genéticas e Imortalidade da Célula Tumoral


Mesmo depois de uma célula neoplásica ter escapado da regulação por proteínas supressoras de tumor ou proteínas de reparo do DNA, deve superar
mais um obstáculo para a proliferação ilimitada: a limitação intrínseca do número de divisões celulares permitido para cada célula. Normalmente, uma
célula está limitada a aproximadamente 50 a 70 divisões mitóticas. Após atingir esse número, a célula normalmente se torna senescente e não pode
continuar a se dividir. Pesquisas recentes têm gerado novos conhecimentos sobre os mecanismos que estimam o número de divisões celulares e
elucidaram maneiras de como as células tumorais podem contornar o sistema de contagem.
Cada vez que uma célula se divide, os telômeros dos cromossomos encurtam ligeiramente porque a DNA polimerase não consegue replicar as
extremidades dos cromossomos. Uma vez que o telômero é reduzido a um comprimento crítico, um sinal é transmitido fazendo com que a célula se
torne senescente. Esse processo deveria colocar rigorosas limitações na proliferação celular de um tumor, impedindo sua expansão clonal. As células
tumorais superam o processo ativando um gene que codifica a telomerase, uma transcriptase reversa que substitui os segmentos teloméricos que
normalmente são perdidos durante a divisão celular. A ativação dessa enzima, que raramente está presente em células normais, mas é encontrada em
85% a 90% das células tumorais, é parte de um processo que permite que uma célula tumoral continue a se dividir sem a restrição imposta
normalmente pelo encurtamento dos telômeros. Esta falta de inibição da divisão permite que o tumor cresça e, ao permitir que a replicação do DNA
continue, possibilita o acúmulo de mutações adicionais que podem contribuir para a agressividade das células tumorais. Estudos recentes de
sequenciamento completo do genoma mostraram que mutações somáticas na região promotora do gene TERT (que codifica um componente da
telomerase) são observadas em 70% dos melanomas. Essas mutações aumentam a expressão do TERT e é provável que contribuam para aumentar a
atividade da telomerase nas células do tumor.

Normalmente, o encurtamento progressivo dos telômeros limita o número de divisões de uma célula em cerca de 50 a 70.
As células tumorais superam essa limitação pela ativação da telome­rase, que substitui os segmentos de telômero que são
perdidos em cada divisão celular. Isso parece ajudar as células tumorais a escapar da restrição da senescência celular.

IDENTIFICAÇÃO DE GENES CAUSADORES DO CÂNCER HEREDITÁRIO


Embora os métodos descritos na seção anterior tenham sido bem-sucedidos na identificação de muitos oncogenes, eles não são adequados para a
identificação de genes supressores de tumor. Tais métodos dependem da expressão dominante do fenótipo mutante, que é uma característica dos
oncogenes, enquanto os genes supressores de tumor mutantes têm um fenótipo recessivo inicial no nível da célula, o que exigiu abordagens
alternativas para a identificação desses genes. Em famílias com câncer hereditário, a análise de ligação com o uso de marcadores polimórficos
(Capítulo 8), pode identificar o segmento cromossômico com uma mutação causadora de câncer. Esta abordagem tem sido usada para identificar as
mutações que causam as formas hereditárias de câncer de mama e de cólon (que serão discutidas posteriormente).
A segunda abordagem se baseia nas frequentes perdas cromossômicas associadas aos genes supressores de tumor. Como já foi descrito, mutações
herdadas em genes supressores de tumor tipicamente resultam em pessoas heterozigotas para a mutação em todas as suas células (primeiro evento). No
entanto, a mutação em um gene supressor de tumor representa um alelo recessivo no nível celular: são necessários dois eventos resultando na perda de
ambas as cópias normais do gene supressor de tumor. Muitas vezes, um alelo mutante herdado é identificado em células tumorais por uma deleção de
parte ou da outra cópia do cromossomo homólogo que leva o alelo normal. Portanto, a observação de que um segmento cromossômico específico foi
deletado em um tumor sugere uma localização no mapa para a mutação herdada.
As regiões do cromossomo deletadas em tumores podem ser identificadas por meio da análise de uma série de marcadores polimórficos, como os
STRs, proximamente ligados a uma região específica, determinando-se quais marcadores são heterozigotos no DNA constitucional do paciente e se
tornaram homozigotos no DNA tumoral (isto é, quais marcadores teriam perdido um alelo no processo de tumorigênese). Essa perda da
heterozigosidade no DNA do tumor indica que o gene supressor de tumor normal, assim como os marcadores polimórficos que o rodeiam, foi
perdido, permanecendo apenas a cópia anormal (mutada) do gene supressor de tumor (Fig. 11-6; Fig. 11-4). Essa abordagem foi usada, por exemplo,
para ajudar a delimitar a localização do gene do retinoblastoma no braço longo do cromossomo 13 e de um gene para o tumor de Wilms
(nefroblastoma) em 11p. Outra abordagem para a identificação de regiões deletadas no DNA tumoral envolve a utilização do array CGH, descrito
no Capítulo 6, ou o sequenciamento completo do genoma (Capítulo 3). Após a identificação da perda da heterozigosidade em uma região
cromossômica, as sequências de DNA dentro dessa região podem ser testadas para identificar mutação(ões) causadora(s) de câncer.
Uma terceira abordagem para a identificação de variantes herdadas causadoras de câncer é por meio de estudos de associação genômica ampla
(GWAS, de genome-wide association studies). Conforme discutido no Capítulo 8, um GWAS é realizado por comparação das frequências de milhares
a milhões de SNPs, tipicamente submetidos a ensaios em um microarray, em uma grande série de casos e de controles livres de doença pareados. Se
um SNP mostrar uma frequência significativamente diferente nos dois grupos, é provável que esteja dentro ou próximo a um gene que contribui para a
suscetibilidade ao câncer. Esta abordagem tem sido especialmente eficaz na identificação de loci de risco adicionais para cânceres comuns, como de
mama, cólon e próstata. Tipicamente, esses SNPs individualmente elevam (ou diminuem) um pouco o risco de câncer, entre 5% a 20%. No entanto,
quando um perfil de risco de câncer é baseado em múltiplos SNPs associados à doença, pode-se obter significativa informação sobre o risco individual
para aquele câncer.
À medida que o sequenciamento do exoma e o sequenciamento completo do genoma se tornam mais acessíveis (Capítulo 8), essas tecnologias são
mais utilizadas para realizar estudos caso-controle e baseados em famílias, a fim de
FIGURA 11-6 A, A e B representam dois polimorfismos de microssatélites (STR) que foram analisados usando o DNA de células normais (N) e células
tumorais (T) de um paciente com câncer. Nas células normais, o paciente é heterozigoto para os dois loci marcadores. A deleção do braço longo de um dos
cromossomos do par nas células tumorais resulta na perda da heterozigosidade (LOH) para o locus B (isto é, está faltando a banda correspondente ao alelo
B1, apenas com um sinal fraco devido aos vestígios residuais de células normais na amostra do tumor). LOH é um sinal de gene supressor de tumor
próximo ao locus deletado. B, A perda de heterozigosidade em células de tumor de mama revelada por microarray SNP. Cada ponto representa o genótipo
de um SNP identificado em uma coleção de células tumorais de uma pessoa. Cada SNP tem três genótipos possíveis: AA, AB ou BB. Uma região de mais de
20 Mb no cromossomo 2 não tem SNPs em heterozigose (genótipo AB), ilustrando a perda da heterozigosidade nessa região (e, portanto, a presença de
um provável gene supressor de tumor, com apenas uma cópia mutada expressa nessas células). (A, Cortesia de Dr. Dan Fults, University of Utah Health
Sciences Center).

identificar os genes causadores de câncer. Como o sequenciamento identifica todas as variantes no exoma ou no genoma, fica muito mais fácil
identificar uma variante específica causadora de câncer do que pelo estudo baseado em microarray. Muitas dessas variantes são raras nas populações,
portanto, são necessárias amostras grandes de casos e de controles para fornecer evidências adequadas de que a variante possivelmente causa o câncer.
Famílias com múltiplos membros afetados podem ser úteis quando se analisam variantes raras, porque os princípios de ligação podem ser usados para
mostrar que uma variante causadora de câncer é transmitida juntamente com o fenótipo do câncer dentro da família.
Em muitos estudos de sequenciamento, a sequência de DNA das amostras tumorais é comparada com as sequências de DNA de tecidos não
afetados pelo tumor (p. ex., leucócitos ou células bucais). O DNA de um tecido não afetado representa a constituição genética da linhagem germinativa
do paciente, enquanto o DNA de um tumor possivelmente adquiriu mutações somáticas não herdadas que contribuíram para a tumorigênese. Os genes
que, de modo consistente, mostraram níveis elevados de mutações somáticas em um tipo específico de tumor se tornam candidatos a loci causadores
de câncer. Milhares de amostras de DNA de tumores têm sido analisadas atualmente usando essa abordagem, revelando dezenas de outros genes
envolvidos em neoplasias.
As técnicas descritas aqui (análise de ligação, análise de perda da heterozigosidade, GWAS e sequenciamento de DNA) têm identificado centenas
de genes que estão mutados em vários cânceres. Alguns contribuem diretamente para uma vantagem de crescimento tumoral e são consideradas causas
primárias de câncer. Aproximadamente 150 desses genes condutores (driver genes) foram descritos. Um número muito maior de genes sofre
mutações somáticas durante a tumorigênese, mas tais genes não conferem diretamente uma vantagem de crescimento às células. Eles são chamados de
genes passageiros (passengers genes). O gene RB1, que normalmente age como um “freio” na divisão celular, é um exemplo de um gene condutor
bem conhecido.

Os genes associados ao câncer podem ser detectados por meio de análise de ligação ou pela demonstração de que um
homólogo de um cromossomo (ou uma parte dele) está faltando no DNA de um tumor. GWAS, o sequenciamento completo
do exoma e do genoma também são usados para identificar genes causadores de câncer. Tais abordagens têm identificado
os genes condutores, que dão às células uma vantagem de crescimento, levando ao câncer, assim como os genes
passageiros, que estão mutados no tumor, mas não conferem uma vantagem de crescimento. A confirmação do papel
etiológico de um possível gene causador de câncer é obtida pela demonstração de presença consistente de mutações no
gene no DNA de pacientes afetados.

Neurofibromatose Tipo 1
A evidência inicial para o mapeamento do gene da neurofibromatose tipo 1 (NF1) no cromossomo 17 veio de estudos de ligação em famílias.
Posteriormente, translocações cromossômicas foram descobertas nos cariótipos de dois pacientes não aparentados com neurofibromatose, cada um
deles com um ponto de quebra no cromossomo 17q, em uma posição indistinguível da localização mapeada do gene NF1. Essas translocações foram
consideradas a causa para a neurofibromatose nessas pessoas, por alterar o gene NF1. Situados a apenas 50 kb de distância, os pontos de quebra
forneceram as evidências físicas necessárias para definir vários genes candidatos que foram rastreados para mutações em pacientes com NF1 (Fig. 11-
7).
A sequência de nucleotídeos do gene NF1 forneceu um primeiro indício da função quando sua sequência prevista de aminoácidos foi comparada
com sequências conhecidas de aminoácidos de produtos gênicos encontradas em bancos de dados computadorizados. Foi observada similaridade de
sequência com a proteína ativadora de GTPase de mamíferos (GAP). Este foi um achado importante, porque pelo menos uma função da GAP é ligar-se
a RAS e diminuir sua quantidade ativa. A proteína RAS é um componente-chave da via de transdução de sinal, transmitindo sinais de crescimento
positivos em sua forma ativa. O produto do gene NF1, a neurofibromina, também desempenha um papel na transdução de sinal inibindo a RAS.
Com a identificação do produto do gene NF1 como um componente na transdução de sinal, começou a se formar um quadro de como a herança de
uma mutação em um alelo NF1 poderia contribuir para o desenvolvimento dos neurofibromas e manchas café-com-leite (café-au-lait) A expressão
reduzida do gene NF1 permite o aumento da atividade de RAS, e que a célula não se diferencie e continue seu crescimento. A perda do alelo normal
remanescente em algumas células (p. ex., células de Schwann) estimula ainda mais o crescimento descontrolado. A descoberta do gene NF1 levou à
identificação de um supressor de tumor-chave que ajuda a regular o processo fundamental de transdução de sinal.

O gene responsável pela NF1 foi mapeado no cromossomo 17q por ligação em famílias e identificado por meio de
translocações e mutações de ponto em pacientes. O sequenciamento do DNA do gene permitiu a suposição de um produto
proteico com um domínio relacionado à GAP, e experimentos bioquímicos confirmaram uma função semelhante na
regulação negativa da proteína de transdução de sinal RAS.

O Gene TP53
As mutações somáticas no gene TP53 são encontradas em mais da metade de todos os tumores humanos, fazendo dele o gene causador de câncer mais
comumente alterado. As mutações somáticas no gene TP53 são vistas, por exemplo, em aproximadamente 70% dos tumores colorretais, em 40% dos
tumores de mama e em 60% dos tumores de pulmão. Cerca de 80% a 90% das mutações no gene TP53 estão concentradas na porção do gene que
codifica o domínio de ligação ao DNA, impedindo tipicamente a proteína p53 de ligar-se ao DNA de outros genes.

FIGURA 11-7 Localização do gene NF1 no cromossomo 17q envolveu a análise de ligação e a identificação de dois pontos de quebra na translocação que
causa disrupção do gene da doença. Os genes candidatos foram isolados a partir desta região e testados para mutações em pacientes com NF1 e em
controles normais.

Como o RB1 e o NF1, o TP53 atua normalmente como um gene supressor de tumor (no entanto, como as mutações em TP53 geralmente têm um
efeito dominante negativo, o modelo de dois eventos não se aplica sempre a esse gene supressor de tumor). Seu produto proteico, p53, aumenta em
quantidade em resposta ao dano celular (p. ex., quebras de dupla fita do DNA causadas por radiação ionizante). Agindo como um fator de transcrição,
a p53 ajuda a regular dezenas de genes que afetam o crescimento, proliferação e sobrevivência. Por exemplo, a p53 se liga ao promotor do CDKN1A,
cujo produto proteico, a p21, bloqueia a inativação da pRb (Fig. 11-5). Isso interrompe o ciclo celular na fase G1, antes que a replicação do DNA
ocorra, na fase S. A interrupção fornece tempo para ocorrer o reparo do DNA danificado. Caso o DNA da célula esteja muito danificado, a p53 pode,
alternativamente, induzir a morte celular programada (apoptose). Essa resposta é mais provável se a via da pRb para a parada do ciclo celular não
estiver intacta. Sem a possibilidade de parada do ciclo celular para reparar o dano, a proteína p53 “escolhe” a morte celular por meio da interação com
os genes envolvidos nas vias de apoptose (p. ex., PTEN, BAX). Desta forma, a p53 previne a proliferação de uma célula anormal, potencialmente
carcinogênica.
Quando o TP53 sofre mutação, as células com DNA danificado podem escapar tanto do reparo quanto da destruição, e a replicação continuada do
DNA danificado pode levar à formação de um tumor. Para que isso aconteça, outros componentes de controle do ciclo celular também devem estar
comprometidos. Por exemplo, vários vírus de DNA causadores de tumor, como o vírus do papiloma humano, que é responsável pela maioria dos casos
de câncer de colo de útero, inativam tanto pRb quanto p53. Isso produz células que não podem nem reparar seu DNA, nem submeter-se a apoptose em
resposta ao dano, levando alguns casos ao câncer.
Substâncias carcinogênicas podem induzir mutações específicas no gene TP53. A ingestão dietética da aflatoxina B1, que pode causar câncer de
fígado, está associada a uma mutação que produz uma substituição de arginina por serina na posição 249 da proteína p53. A exposição ao benzopireno,
um potente agente mutagênico e carcinogênico encontrado na fumaça do cigarro, leva a alterações de pares de bases específicas no gene TP53 em
tumores de pulmão. Isso demonstra uma ligação molecular direta entre tabagismo e câncer de pulmão. Assim, a análise do tipo de mutação no TP53
observada em um tumor pode fornecer pistas sobre a identidade do agente carcinogênico causador.
Embora mutações no TP53 que causam tumores tenham sido observadas principalmente em células somáticas, mutações em linhagens germinativas
são responsáveis por uma condição hereditária de câncer conhecido como síndrome de Li-Fraumeni (LFS). Esta síndrome rara é transmitida de forma
autossômica dominante e envolve carcinomas de mama e cólon, sarcomas de tecidos moles, osteossarcomas, tumores cerebrais, leucemia e carcinomas
adrenocorticais. Esses tumores geralmente se desenvolvem em idades precoces nos membros das famílias com LFS, e tumores primários múltiplos são
comumente observados nos afetados. A demonstração de mutações consistentes em TP53 no DNA de pacientes com LFS confirmou o papel causador
deste gene. A herança de um gene TP53 mutado aumenta expressivamente a suscetibilidade para a transformação celular subsequente e posterior
desenvolvimento de um tumor. Entre os membros de famílias com LFS que herdam um gene TP53 mutado, aproximadamente 50% desenvolvem
câncer invasivo por volta dos 30 anos de idade e mais de 90% desenvolvem câncer invasivo aos 70 anos.
Mutações no gene TP53 são responsáveis por aproximadamente 75% dos casos de LFS; outros casos resultam de mutações em outro gene supressor
tumoral, o CHEK2. Esse gene codifica uma quinase que normalmente fosforila p53 em resposta à radiação ionizante, resultando no acúmulo e ativação
de p53. Mutações com perda de função no CHEK2 resultam na falta de ativação da p53, causando LFS pela via da p53.
A importância clínica do gene TP53 se constata de duas formas, pelo menos. Primeiro, a presença de mutações em tumores, particularmente os de
mama e cólon, frequentemente sinaliza um câncer mais agressivo, com perspectivas de sobrevivência relativamente pobres. É, portanto, um indicador
útil do prognóstico. Em segundo, TP53 pode revelar-se importante na prevenção do tumor. Experimentos em laboratórios mostram que a inserção de
um gene TP53 normal em células de tumor pode induzir à regressão do mesmo, pela indução das células malignas anormais até a apoptose. Isto levou
a protocolos de terapia gênica (Capítulo 13), nos quais cópias normais do gene TP53 são inseridas em tumores, a um esforço para eliminar as células
tumorais.

Mutações somáticas do gene TP53 são encontradas na maioria dos tumores. Esse gene codifica uma proteína que pode
induzir tanto a parada do ciclo celular quanto a apoptose, em resposta ao DNA danificado. Mutações herdadas no gene TP53
podem causar síndrome de Li-Fraumeni.

O Gene da Polipose Adenomatosa Familiar, APC


O câncer colorretal (CCR) afeta aproximadamente um em cada 20 americanos e, como a maioria dos tumores malignos comuns, é mais provável de
ocorrer em pessoas com história familial positiva. O risco de um indivíduo desenvolver CCR duplica ou triplica caso um parente em primeiro grau seja
afetado; e aumenta de três a seis vezes se dois parentes em segundo grau forem afetados. Aproximadamente 2% a 5% dos casos são herdados como
síndromes autossômicas dominantes. As duas síndromes mais importantes são discutidas a seguir.
A polipose adenomatosa familiar (FAP, de familial adenomatous polyposis), é caracterizada pelo aparecimento de numerosos adenomas colônicos;
um tipo de pólipo, na segunda ou terceira década de vida. Adenomas colônicos são entendidos como precursores imediatos do câncer colorretal. Os
múltiplos adenomas no paciente com FAP, portanto, apresentam um risco grave de malignidade precoce. Considerando que a detecção e a remoção
precoces de pólipos adenomatosos podem reduzir significativamente a ocorrência de câncer, é importante compreender o gene causador e seu papel no
desenvolvimento dos pólipos (Comentário Clínico 11-1).
O gene responsável pela FAP foi localizado no braço longo do cromossomo 5, por análise de ligação em famílias. A descoberta de pequenas
deleções sobrepostas em dois pacientes, sem parentesco, promoveu a chave para o isolamento do

FIGURA 11-8 A via do câncer de cólon. A perda do gene APC transforma o tecido epitelial normal do intestino em tecido hiperproliferativo. A hipometilação
do DNA (que pode causar instabilidade genômica e ativação de proto-oncogenes), a ativação do proto-oncogene KRAS e a perda do gene SMAD4
promovem a progressão para adenoma benigno. A perda do gene TP53 e outras alterações culminam na progressão para carcinoma maligno e
metástases. Note que essas alterações estão presentes em frequências variadas nas células do tumor de cólon. (Modificada de Vogelstein B. Cancer genome
landscapes. Science. 2013;339:1546-1558.

gene causador da doença, denominado APC (de adenomatous polyposis coli). Entre os genes presentes na região de 100 kb deletada nos dois
pacientes, um deles mostrava mutações evidentes em outros pacientes. Essa mutação foi observada em um paciente, mas não em seus pais não afetados
(ver uma mutação de novo; Capítulo 4), confirmando a identificação do gene APC.
Como RB1 e TP53, APC é um gene supressor de tumor e suas duas cópias devem ser inativadas em uma célula para iniciar a progressão do tumor.
As pessoas que herdam uma mutação no gene APC (primeiro evento) tipicamente experimentam mutações somáticas de perda de função em centenas
de suas células epiteliais do cólon, dando origem a múltiplos adenomas. Em alguns casos, a perda da função de APC ocorre devido à hipermetilação de
sua região promotora, o que resulta na redução da transcrição (Capítulo 5). A hipermetilação, assim como outras alterações na regulação gênica
(Quadro 11-1), tem sido observada na inativação de diversos genes supressores de tumor e de reparo do DNA, incluindo aqueles associados ao
retinoblastoma (RB1), câncer de mama e ovário (BRCA1), câncer colorretal não polipomatoso hereditário (MLH1), melanoma maligno (CDKN2A) e
doença de von Hippel-Lindau (BVS).
A identificação do gene APC tem sido importante no diagnóstico e tratamento do CCR em famílias com FAP (Comentário Clínico 11-1). Além
disso, e talvez ainda mais importante, mutações no APC são encontradas em 85% de todos os casos esporádicos, não hereditários, de câncer colorretal.
Essas mutações somáticas no APC (isto é, aquelas que inativam as duas cópias do gene em uma célula colônica) estão entre as primeiras alterações que
dão origem a esse câncer intestinal. Entretanto, as mutações no APC por si não são suficientes para completar a progressão para uma doença
metastática. Como mostra a Figura 11-8, outros genes também estão alterados. Por exemplo, mutações com ganho de função são observadas no gene
KRAS em aproximadamente 50% dos tumores de cólon. Esse gene codifica uma molécula de transdução de sinal, e uma mutação com ganho de função
potencializa a sinalização e, assim, aumenta a proliferação celular. Mutações com perda de função no gene TP53 também são observadas em mais de
50% dos tumores colorretais e, geralmente, ocorrem um pouco mais tarde no processo de desenvolvimento do tumor. Normalmente, a p53 seria ativada
em resposta a mutações que acontecem como nos genes APC e KRAS, levando ao reparo do DNA ou apoptose. Uma célula sem atividade de p53 está
livre para continuar o caminho para a malignidade, apesar de seu DNA danificado. Outro gene supressor tumoral, SMAD4, parece também estar
mutado no desenvolvimento do CCR. Assim, múltiplas mutações são necessárias em genes supressores tumorais e em oncogenes para se produzir um
tumor colorretal.
Muitos estudos revelaram pelo menos três formas de atuação da proteína APC como supressora tumoral. Talvez a mais importante é que ela
participa da fosforilação e degradação da β-catenina, uma molécula-chave na via de transdução de sinal Wnt. Entre outras funções, essa via está
envolvida na ativação do fator de transcrição Myc. Ao reduzir os níveis de β-catenina, a APC atenua os sinais que levam à proliferação celular. A
investigação de carcinomas colorretais sem mutações no gene APC revelou que alguns têm mutações com ganho de função no gene da β-catenina,
confirmando assim o potencial papel etiológico desse gene no CCR. Acredita-se que mutações no gene APC afetem as propriedades de adesão célula-
célula e célula-matriz (isto é importante

QUADRO 11-1 Epigenética e Câncer


Epigenética é definida como o estudo das alterações na expressão gênica ou fenotípica causadas por outros mecanismos além da variação nas
sequências de DNA. Exemplos de alterações epigenéticas incluem metilação, modificação de histona e microRNAs que se ligam ao mRNA. Conforme
discutido no Capítulo 2, a metilação de uma região promotora do gene, juntamente com a hipoacetilação de histonas, está associada à condensação da
cromatina, que inibe a ligação dos fatores de transcrição ao promotor. Consequentemente, a expressão do gene (isto é, a transcrição para mRNA) é
reduzida. A metilação e a modificação de histonas estão envolvidas nos processos de imprinting genômico (Capítulo 5) e de inativação do X (Capítulo 6).
As alterações epigenéticas podem levar a pessoas com as mesmas sequências de DNA (isto é, gêmeos idênticos) a terem perfis de doença bem
diferentes.

As alterações epigenéticas são importantes no câncer porque podem alterar a expressão de muitos genes associados a essa doença. As células
tumorais normalmente exibem hipometilação (diminuição da metilação) generalizada, que pode aumentar a atividade dos oncogenes. A hipometilação
aumenta à medida que os tumores progridem de neoplasias benignas para malignas. Também, as regiões promotoras dos genes supressores de tumor
(p. ex., RB1 e BRCA1) geralmente estão hipermetiladas, o que reduz sua taxa de transcrição e sua capacidade de inibir a formação do tumor. A
hipermetilação também é observada em subgrupos específicos de genes de microRNA. Quando esses genes estão metilados, seus mRNA-alvos estão
superexpressos e essa superexpressão tem sido associada à tumorigênese.

Exceto por meio de terapia gênica (Capítulo 13), mutações nas sequências de DNA não podem ser alteradas. Entretanto, as modificações epigenéticas
podem ser revertidas pela administração de drogas terapêuticas. Por exemplo, a 5-azacitidina, um agente desmetilante, tem sido usada para tratar
leucemia e síndrome mielodisplásica. Outra classe de drogas, os inibidores da histona deacetilase (HDAC), neutralizam a hipoacetilação de histonas que
pode silenciar a atividade dos genes supressores de tumor. Os inibidores de HDAC são usados no tratamento de linfomas de células T. Um desafio no
desenvolvimento de drogas que modulem as alterações epigenéticas é atingir somente os genes responsáveis por um câncer específico.

Alterações epigenômicas globais e o câncer. A oncogênese envolve alterações genéticas acumuladas e combinadas com alterações epigenéticas:
metilação do DNA, modificações de histonas e miRNAs. Nas células do câncer, os genes supressores de tumor sofrem hipermetilação, que em
combinação com modificações das histonas causam silenciamento gênico anormal. O silenciamento de genes supressores de tumor resulta em
progressão tumoral. A hipometilação global leva à instabilidade e fragilidade cromossômica. Além disso, tais modificações resultam em expressão
anormal de mRNA e miRNA, que leva à ativação de oncogenes e também ao silenciamento de genes supressores de tumor. (De McCance KL, Huether
SE, Brashers VL, Rote NS. Pathophysiology: The Biologic Basis for Disease in Adults e Children. 7th ed. St Louis: Elsevier; 2014. Adaptado de Sandoval J,
Esteller M. Cancer epigenomics: beyond genomics. Curr Opin Genet Dev 2012;22:50-55.)

COMENTÁRIO CLÍNICO 11-1


O gene APC e o Câncer Colorretal
O câncer colorretal será diagnosticado em cerca de um em cada 20 americanos. Atualmente, a taxa de mortalidade para esse câncer é de cerca de
um terço. Fatores genéticos e ambientais, como a gordura e a fibra da dieta, são conhecidos por influenciar a probabilidade de ocorrência de câncer
colorretal.
Como indicado no texto, a polipose adenomatosa familiar (FAP) é um subtipo autossômico dominante de câncer de cólon que se caracteriza por um
grande número de pólipos adenomatosos (Fig. 11-9). Esses pólipos geralmente se desenvolvem durante a segunda década de vida e chegam a
centenas ou mais (a polipose é definida como a presença de mais de 100 pólipos). A média de idade do diagnóstico do CCR em pacientes com FAP não
tratada é 39 anos; 95% dos pacientes com FAP não tratada desenvolverá CCR aos 50 anos de idade. Mutações em linhagens germinativas no gene APC
são consistentemente identificadas nos familiares afetados com FAP, e, aproximadamente, 25% dos casos resultam de mutações novas no APC. Mais
de 2.000 diferentes mutações do gene APC têm sido relatadas, a maioria de mutações nonsense ou mutações com mudanças no código de leitura
(frameshift). Como essas mutações produzem um produto proteico truncado, um teste da proteína truncada pode ser usado para ajudar a
determinar se a pessoa em risco apresenta uma mutação herdada no APC. (Conforme discutido no Capítulo 3, esse teste envolve a produção in vitro e
a análise de um produto proteico do gene de interesse.) Atualmente, é mais comum a utilização de testes baseados no DNA, incluindo o
sequenciamento direto, para identificar as mutações em APC. Estes testes diagnósticos permitem identificar mutações em cerca de 80% a 90% dos
casos de FAP e são importantes para os membros da família, pois um resultado positivo alerta para a necessidade de acompanhamento frequente e
possível colectomia.

FIGURA 11-9 Uma parte do cólon removido de um paciente com polipose adenomatosa familiar (FAP), ilustrando um grande número de pólipos
adenomatosos cobrindo a peça. Cada um desses neoplasmas benignos tem o potencial para se tornar um tumor maligno.

A FAP é relativamente rara, afetando apenas cerca de um em 10.000 pessoas e representa menos de 1% dos casos de câncer de cólon. O significado
mais amplo do gene APC deriva do fato de que mutações somáticas neste gene são vistas em aproximadamente 85% de todos os cânceres de cólon.
Além disso, as mutações no APC normalmente ocorrem no início do desenvolvimento das malignidades colorretais. Uma melhor compreensão do
produto desse gene, como ele interage com outras proteínas e com fatores ambientais, como a dieta, pode fornecer pistas importantes para a
prevenção e tratamento do CCR comum. Desta forma, o mapeamento e a clonagem de um gene responsável por uma síndrome relativamente rara
podem ter implicações clínicas amplas.
O tratamento da FAP geralmente envolve a ressecção cirúrgica do cólon e a quimioterapia. No entanto, como o CCR geralmente é precedido pelo
aparecimento de pólipos benignos, é um dos tipos de tumor de melhor prevenção. O National Polip Study Workgroup estima que a remoção
colonoscópica dos pólipos pode reduzir a incidência do câncer de cólon no país em até 90%. A importância da intervenção e tratamento precoce
destaca a necessidade de compreender os eventos iniciais do câncer colorretal, como mutações somáticas no gene APC.
Acolonoscopia anual é recomendada na segunda década de vida para aqueles que herdaram uma mutação no APC, porque os pólipos geralmente
começam a aparecer nessas pessoas a partir dos 10-12 anos de idade. Os pólipos do trato gastrointestinal superior são vistos em 90% dos pacientes
com FAP aos 70 anos. Assim, a endoscopia do trato gastrointestinal superior é recomendada a cada 1 ou 2 anos, a partir de 20 ou 25 anos. A
colectomia é muitas vezes necessária aos 20 anos de idade porque a FAP clássica resulta em centenas a milhares de pólipos. Há evidências de que o
uso de anti-inflamatórios não esteroides pode regredir o pólipo. Pessoas com FAP têm riscos aumentados de desenvolver outros tumores, incluindo o
câncer gástrico (< 1% de risco durante a vida), adenocarcinoma duodenal (5%-10% de risco durante a vida), hepatoblastoma (risco de 1%) e câncer de
tireoide.
Mutações no gene APC também podem produzir uma síndrome relacionada, denominada polipose adenomatosa familiar atenuada. Essa síndrome
difere da FAP pelo fato dos pacientes terem menos de 100 pólipos (geralmente entre10 e 20). A maioria das mutações que produzem esse tipo de FAP
está localizada nas regiões 5’ ou 3’ do gene APC.
A FAP também pode resultar de mutações recessivas em MUTYH, um gene que codifica uma proteína de reparo do DNA. Essas mutações são
estimadas em cerca de 30% dos casos de FAP atenuada e em cerca de 10% a 20% dos casos clássicos de FAP que não apresentam mutação no APC.

porque uma alteração do controle da adesão celular permite que as células invadam outros tecidos e promovam metástase para outros locais).
Novamente, essa atividade é mediada pela β-catenina que interage com uma molécula de superfície celular (E-caderina), cuja perda de função leva a
propriedades anormais de adesão celular. Finalmente, a APC é expressa nos microtúbulos que separam os cromossomos durante a meiose (Capítulo 2).
Alterações na APC resultam na atividade alterada desses microtúbulos, podendo resultar em aneuploidias e quebras cromossômicas durante a mitose.
Assim, as mutações em APC também promovem o câncer pelo aumento da instabilidade genômica.

O gene da polipose adenomatosa do cólon (APC), que predispõe fortemente ao câncer de cólon, foi finalmente identificado
a partir de mutações em pacientes. O gene APC também está envolvido na maioria dos casos esporádicos de câncer do
cólon e é, de fato, uma das alterações iniciais da tumorigênese no cólon. Foi demonstrado que esse gene supressor de
tumor funciona como um importante regulador da via de transdução de sinal Wnt, pela sua interação com a β-catenina.
Também está envolvido no controle da adesão celular e na manutenção da estabilidade cromossômica durante a mitose.

Os Genes do Câncer de Cólon Não Polipomatoso Hereditário


O câncer de cólon não polipomatoso hereditário (HNPCC, hereditary nonpolyposis colon cancer ou síndrome de Lynch), uma segunda forma
hereditária de câncer de cólon, representa cerca de 1% a 5% de todos os casos de câncer CCR. Assim como a FAP, a HNPCC é uma síndrome de
câncer autossômica dominante com penetrância alta, com um risco de câncer colorretal durante a vida de 50% a 80% em heterozigotos. Além disso, o
risco de câncer endometrial entre as mulheres com HNPCC é de aproximadamente 40% a 60% e o risco de câncer de ovário é de 5% a 10%. Ainda em
uma porcentagem menor dos portadores da mutação, tumores de intestino delgado, estômago, cérebro, pâncreas, pelve renal e ureter também são
observados. Em contraste com a FAP, os pacientes com HNPCC não têm polipose; eles geralmente possuem um número relativamente pequeno de
pólipos. Além disso, os pólipos em pacientes com HNPCC têm maior probabilidade de ocorrer no cólon proximal, enquanto os dos pacientes com FAP
são mais concentrados no cólon distal.
Cerca de 40% a 60% dos casos de HNPCC são causados por mutações em um gene chamado MSH2, e outros 25% a 30% por mutações no gene
MLH1. Mutações em três outros genes, PMS2, MSH6 e EPCAM, representam uma pequena porcentagem de casos adicionais. Cada um desses genes é
conhecido por desempenhar um papel importante no reparo de erros de pareamento no DNA em muitos organismos diferentes (na verdade, um dado
fundamental para sua identificação foi a existência de genes de reparo de DNA altamente semelhantes em leveduras e bactérias). A inativação de
ambos os alelos de qualquer um desses genes aumenta a taxa de mutação no genoma em uma célula afetada em até 1.000 vezes. Essa taxa aumentada
resulta na alteração de um número de genes reguladores celulares, levando a um aumento na incidência do câncer. Uma característica dos tumores de
pacientes com HNPCC é um alto grau de instabilidade dos loci de microssatélites (Capítulo 3), o que gera muitos alelos novos de microssatélites. A
instabilidade de microssatélites também está presente em cerca de 15% dos carcinomas colorretais esporádicos, mas mutações somáticas com perda de
função nos genes HNPCC parecem ocorrer raramente nesses tumores. Em vez disso, a alteração mais comumente observada nesses tumores
esporádicos é a hipermetilação do gene MLH1, resultando na sua inativação.
Uma comparação entre FAP e HNPCC revela diferenças interessantes na maneira como cada síndrome evolui para o câncer de cólon. Na FAP, uma
mutação herdada no APC resulta em centenas de pólipos; cada um tem uma probabilidade relativamente baixa de ocorrência de todas as outras
alterações genéticas necessárias para progressão do câncer metastático. Entretanto, como o número de pólipos é grande, há uma probabilidade alta
(quase 100%) de que pelo menos um deles produza um tumor maligno. Na HNPCC, o número de pólipos é muito menor (daí o termo não
polipomatoso), mas, devido à relativa falta de reparo do DNA, cada pólipo tem uma alta probabilidade de sofrer as múltiplas alterações necessárias
para o desenvolvimento do tumor. Consequentemente, a idade média de aparecimento do câncer colorretal na HNPCC é apenas cerca de 10 anos a
mais do que a da FAP.

A HNPCC (síndrome de Lynch) é uma forma de câncer colorretal hereditário causado por mutações em qualquer um dos
cinco genes envolvidos no reparo de erro de pareamento do DNA. Ela representa um exemplo de uma síndrome de câncer
associada à instabilidade de microssatélites.

Câncer de Mama Hereditário


A prevalência do câncer de mama, durante a vida, nas mulheres é de um em oito, e o risco de uma mulher desenvolver câncer de mama dobra, caso um
parente em primeiro grau seja afetado. Dois genes, BRCA1 e BRCA2, foram identificados como os principais causadores do câncer da mama
hereditário. Esta seção aborda três questões críticas a respeito desses genes: Que porcentagem dos casos de câncer de mama resulta de mutações em
BRCA1 e em BRCA2? Entre aquelas que herdam uma mutação, qual é o risco de desenvolver câncer? Como as mutações nesses genes contribuem para
a suscetibilidade ao câncer?
Estudos populacionais mostram que apenas uma pequena percentagem de todos os tumores de mama — cerca de 1% a 3% — pode ser atribuída a
mutações herdadas nos genes BRCA1 ou BRCA2. Entre as mulheres com câncer de mama que também têm uma história familial positiva para a
doença, o percentual com mutações herdadas em qualquer desses genes aumenta para aproximadamente 20% a 30%. Entre as mulheres afetadas com
uma história familial positiva de câncer de mama e de ovário, 60% a 80% herdaram uma mutação em BRCA1 ou BRCA2. Mutações herdadas nesses
genes também são mais comuns entre as mulheres com câncer de mama precoce e entre aquelas com tumores bilaterais.
Mulheres que herdam uma mutação no gene BRCA1 apresentam um risco de 50% a 80% de desenvolver câncer de mama durante a vida; esse risco
é ligeiramente menor, em média de aproximadamente 50%, para aquelas que herdam uma mutação no gene BRCA2. Mutações no BRCA1 também
aumentam o risco de câncer de ovário (risco de 40%-50% durante a vida, que é substancialmente mais alto do que o risco de 1/70 para a população
feminina em geral). Essas mutações também conferem um risco um pouco aumentado de câncer de cólon e próstata. Mutações em BRCA2 conferem
um risco aumentado de câncer de ovário (20% durante a vida). Aproximadamente 6% dos homens que herdam uma mutação no BRCA2 desenvolvem
câncer de mama, o que representa um risco 70 vezes maior que o da população masculina em geral (ver Capítulo 12 para uma discussão mais
aprofundada sobre os fatores de risco para o câncer da mama).
Os genes BRCA1 e BRCA2 foram inicialmente identificados por análise de ligação em famílias, seguida por clonagem posicional. A maioria das
mutações em BRCA1 e BRCA2 resulta em mRNA ou produtos proteicos truncados e uma consequente perda de função. Assim como os genes RB1 e
APC, as pessoas afetadas que herdam uma cópia de uma mutação em BRCA1 ou BRCA2, em seguida sofrem uma perda somática do alelo normal em
uma ou mais células (seguindo o modelo de dois eventos dos genes supressores de tumor). Em contraste com RB1 e APC, raramente são encontradas
mutações somáticas afetando esses genes em tumores de mama esporádicos (não hereditários). BRCA1 e BRCA2 são genes grandes e exibem
heterogeneidade alélica extensa (para cada gene foram descritas aproximadamente 2.000 mutações distintas, cuja maioria é de deleções, mutações sem
sentido (nonsense) ou frameshift. Isto impõe desafios para o diagnóstico genético (Capítulo 13), que é feito principalmente por sequenciamento direto
do DNA das regiões codificadoras e reguladoras de ambos os genes. Hoje comumente se usa um painel com cerca de uma dúzia de genes de risco
associados ao câncer de mama para investigar mutações causadoras da doença (Capítulo 13).
Embora os genes BRCA1 e BRCA2 não apresentem qualquer semelhança significativa nas suas sequências, ambos participam do processo de reparo
do DNA. O produto proteico do BRCA1 é fosforilado (e, portanto, ativado) pelas quinases ATM e CHEK2 em resposta a danos no DNA (Fig. 11-10).
Ele se liga ao produto do gene BRCA2, que, por sua vez se liga a RAD51, uma proteína envolvida no reparo de quebras do DNA de fita dupla (como
acontece com os genes HNPCC, leveduras e bactérias têm genes de reparo do DNA semelhante a RAD51). Os genes BRCA1 e BRCA2, assim,
participam de uma importante via de reparo de DNA, e sua inativação resulta em reparo incorreto do DNA e instabilidade genômica. Além de suas
funções na via de RAD51, BRCA1 e BRCA2 ajudam a suprimir a formação de tumores por suas interações com as proteínas anteriormente discutidas,
como p53, pRb e Myc.
Como todos os genes ilustrados na Figura 11-10 estão envolvidos em uma via de reparo de DNA, é possível prever que mutações em outros genes
além do BRCA1 ou BRCA2 podem levar a defeitos de reparo do DNA, e possivelmente

FIGURA 11-10 As funções de BRCA1 e BRCA2 no reparo do DNA. A proteína BRCA1 é fosforilada por ATM e CHEK2 em resposta a quebras do DNA de dupla
fita (produzidas, por exemplo, por radiação ionizante). BRCA1 liga-se a BRCA2, que interage com RAD51 para formar um complexo envolvido no reparo do
DNA.

ao câncer. E é o que certamente ocorre. Como já discutido, as mutações no CHEK2 podem causar LFS. Mutações no gene ATM podem causar ataxia-
telangiectasia (Capítulo 3), uma doença autossômica recessiva que impõe grande instabilidade genômica, ataxia cerebelar, vasos dilatados nos olhos e
na pele (telangiectasias) e câncer de origem principalmente linfoide. Outra síndrome autossômica recessiva com instabilidade cromossômica, a anemia
de Fanconi, pode ser causada pela herança de duas cópias de uma mutação em BRCA2.
Embora mutações em BRCA1 e BRCA2 sejam as causas mais comuns conhecidas de câncer de mama hereditário, essa doença também pode ser
causada por mutações herdadas em vários outros genes supressores tumorais (p. ex., os genes CHEK2 e TP53, previamente discutidos). Mutações em
um gene supressor de tumor chamado PTEN em linhagens germinativas são responsáveis pela doença de Cowden, que é caracterizada por múltiplos
tumores benignos e uma suscetibilidade aumentada ao câncer de mama. O risco de câncer de mama entre os portadores heterozigotos de mutações no
gene ATM é aproximadamente o dobro daquele da população em geral. Mutações no gene PALB2, que forma um complexo com BRCA1 e BRCA2 no
reparo de quebras de dupla fita do DNA, também dobram o risco de câncer de mama.
Estima-se que os principais genes do câncer da mama, como BRCA1, BRCA2, PTEN, PALB2 e CHEK2, representem menos de 25% da
predisposição hereditária geral a este câncer. Provavelmente existem outros genes envolvidos no seu desenvolvimento, mas os seus efeitos individuais
no risco de câncer são considerados relativamente pequenos. Estudos de associação genômica ampla e sequenciamento em larga escala (Capítulo 8) já
identificaram diversas variantes genéticas herdadas adicionalmente e que contribuem para um pequeno aumento no risco de câncer de mama (Fig. 11-
11). Por exemplo, uma variação no gene que codifica o receptor 2 de fator de crescimento de fibroblastos (FGFR2) aumenta o risco de câncer de mama
em cerca de 25%.
A maioria dos estudos indica que o curso clínico do câncer de mama entre pacientes com mutações em BRCA1 ou BRCA2 não é substancialmente
diferente daquele de outros pacientes com câncer de mama. No entanto, o aumento substancial no risco de câncer de ovário (que tem uma alta taxa de
mortalidade e de detecção precoce difícil) levou à recomendação de que mulheres que tenham uma mutação causal BRCA1 ou BRCA2 sejam
submetidas a uma ooforectomia profilática depois do período reprodutivo. Isso reduz o risco de câncer de ovário em cerca de 90% e reduz o risco de
câncer de mama em cerca de 50%. A mastectomia profilática bilateral, uma opção escolhida por algumas portadoras de mutações nos genes BRCA1 e
BRCA2, reduz o risco de câncer de mama em aproximadamente 90%.

Mutações em BRCA1 e BRCA2 são responsáveis por uma parcela significativa dos casos de câncer de mama hereditário,
especialmente os de início precoce. Essas mutações normalmente resultam em um produto proteico truncado e perda de
função. Os produtos proteicos desses genes desempenham um papel importante no reparo do DNA.
FIGURA 11-11 A relação entre o risco relativo do câncer de mama devido a uma variante associada ao câncer (eixo y) e a frequência da variante na
população (eixo x). As variantes de BRCA1 e BRCA2 herdadas causadoras da doença são coletivamente raras na população, mas elas conferem um grande
aumento no risco entre aqueles que têm as variantes. Os alelos de risco em ATM e CHEK2 têm frequências mais altas, mas conferem somente um risco
duplicado ou triplicado. Dezenas de alelos de SNPs comuns estão associadas a um aumento de risco para o câncer de mama, mas cada uma delas confere
um risco adicional de apenas 5% a 20%. (Cortesia de Sean Tavtigian, PhD, Huntsman Cancer Institute, University of Utah Health Sciences Center.)

Melanoma Familial
A incidência do melanoma aumentou cerca de 20 vezes nos Estados Unidos durante os últimos 70 anos, em grande parte, como resultado do aumento
da exposição à radiação ultravioleta. Atualmente, é um dos cânceres mais comuns, com 76.000 novos casos por ano. O risco de desenvolver melanoma
duplica quando um parente em primeiro grau é afetado e aumenta ainda mais, cerca de 6,5 vezes, quando o parente em primeiro grau é afetado antes
dos 50 anos de idade. Cerca de 10% dos casos de melanoma ocorrem sob formas familiais herdadas.
Estima-se que mutações no gene CDKN2A estão envolvidas em 20% a 40% dos casos de melanoma familial. O CDKN2A codifica duas proteínas
diferentes, sendo ambas importantes componentes do ciclo celular. A primeira proteína, p16, é um inibidor de quinase dependente de ciclina que
interage negativamente com uma quinase dependente de ciclina (CDK4), que fosforila e inibe a proteína pRb (Fig. 11-5). Como a pRb age como um
freio sobre o ciclo celular, a sua regulação negativa pela CDK4 promove a progressão do ciclo celular, podendo levar à proliferação celular. Ao regular
negativamente a CDK4, a proteína p16 age como um freio inicial do ciclo celular. Quando a atividade de p16 é perdida devido a mutações com perda
de função de CDKN2A, a atividade da CDK4 aumenta, levando à proliferação celular. Isso pode causar melanomas. A segunda proteína codificada
pelo CDKN2A é produzida por splicing alternativo do transcrito do gene. Essa proteína, denominada p14, liga-se a MDM2, inibindo-a. A proteína
MDM2, como mostrado na Figura 11-5, liga-se à p53, degradando-a. Assim, ao inibir a MDM2, a p14 aumenta a expressão de p53. Como discutido
anteriormente, a expressão do p53 é necessária para deter o ciclo celular para reparar o DNA em resposta ao dano celular e pode induzir células
danificadas à morte por apoptose. A perda de atividade da p14 leva à perda de atividade da p53 e isso também pode resultar em melanoma.
Mutações herdadas no gene que codifica CDK4 também podem resultar em melanoma familial. Estas raras mutações com ganho de função
convertem a quinase dependente de ciclina de um proto-oncogene em um oncogene ativado. O CDK4 ativado regula negativamente a pRb, resultando
novamente em falta de controle do ciclo celular e formação do tumor. O melanoma é um exemplo de que o mesmo tipo de tumor pode resultar tanto da
ativação de um proto-oncogene (CDK4) quanto da perda de um gene supressor de tumor (CDKN2A).
O CDKN2A desempenha uma função não só no melanoma familial, mas também na maioria dos melanomas esporádicos, em que mutações
somáticas com perda de função desse gene levam à inativação da proteína supressora de tumor p16. Cerca de 50% dos melanomas esporádicos contêm
deleções somáticas de CDKN2A, e mutações pontuais com perda de função são vistas em outros 5% a 10% desses tumores. A hipermetilação da região
promotora, que regula negativamente o gene, é observada em a de todos os melanomas. Conforme o esperado, mutações somáticas em outros
genes também são observadas em melanomas esporádicos. Aproximadamente metade desses tumores contém mutações somáticas com ganho de
função no BRAF, um gene que codifica uma quinase envolvida na via de transdução de sinal da RAS (fármacos que inibem BRAF estão sendo usados
atualmente para tratar melanoma). Além disso, um dos genes RAS, NRAS, está mutado em 15% a 30% dos melanomas esporádicos. Aproximadamente
10% dos melanomas têm mutações somáticas no TP53, e cerca de 6% têm mutações no RB1 (pessoas que herdam uma mutação no RB1 também têm
maior risco de melanoma).
Estudos de associação genômica ampla por microarrays, assim como o sequenciamento do exoma e o sequenciamento completo do genoma, têm
identificado uma série de genes adicionais que influenciam o risco de melanoma. É provável que muitos desses genes estejam envolvidos na produção
de eumelanina, um pigmento cutâneo que ajuda a proteger as células da pele contra a radiação ultravioleta prejudicial. Um exemplo é o gene MC1R,
no qual variantes herdadas com perda de função estão associadas a baixos níveis de eumelanina e risco alto de queimadura solar (cabelo ruivo e sardas
estão associados a essas variantes). A herança de uma dessas variantes aumenta o risco de melanoma em aproximadamente 50%, e a herança de
múltiplas variantes MC1R podem mais do que dobrar o risco de melanoma.
O melanoma familial pode ser causado por mutações com perda de função no gene supressor de tumor CDKN2A ou por
mutações com ganho de função no proto-oncogene CDK4. Essas mutações resultam em perda de controle do ciclo celular
pelas vias pRb e p53. Mutações somáticas em CDKN2A, BRAF ou NRAS são observadas na maioria dos melanomas
esporádicos.

O Proto-oncogene RET e a Neoplasia Endócrina Múltipla


O proto-oncogene RET é identificado inicialmente por um ensaio de transfecção (rearranjado durante a transfecção; ver discussão anterior); ele
codifica um receptor tirosina quinase, que inclui um domínio de receptor extracelular, um domínio transmembrana e um domínio intracelular tirosina
quinase. A proteína RET está envolvida na migração de células da crista neural embrionária (Capítulo 10) e, normalmente, é ativada por um complexo
constituído por fator neurotrófico derivado de linhagem de célula glial (GDNF, de glial-derived neurotrophic factor) e um correceptor denominado
GFRα. A proteína RET interage com várias vias de transdução de sinais, incluindo a bem conhecida via da RAS.
Mutações herdadas com perda de função no gene RET podem desencadear a doença de Hirschsprung (ausência de células nervosas entéricas,
resultando em constipação crônica e distensão intestinal grave). Mutações com ganho de função no mesmo gene resultam em excesso de atividade de
tirosina quinase e transdução de sinal aumentada, levando finalmente à proliferação celular e, dependendo do tipo e localização da mutação, a qualquer
uma das três formas da neoplasia endócrina múltipla tipo 2 autossômica dominante (MEN2, multiple endocrine neoplasia type 2). (1) MEN2A, que
responde por 80% dos casos de MEN2, é caracterizada por carcinoma medular de tireoide (MTC, medullary thyroid carcinomas) em quase 100% dos
pacientes, hiperplasia da paratireoide em 30% e feocromocitoma (um tumor suprarrenal) em 50% dos pacientes. Mais de 98% dos casos de MEN2A
são causados por mutações missense que afetam resíduos de cisteína no domínio extracelular do gene RET. (2) MEN2B é semelhante a MEN2A, mas
não apresenta hiperplasia da paratireoide e inclui múltiplos neuromas mucosos e uma aparência marfanoide. Quase todas as mutações da MEN2B são
do tipo missense, que afetam o domínio tirosina quinase do gene RET. A MEN2B representa cerca de 5% dos casos de MEN2 e é a forma mais
agressiva da doença. (3) Uma síndrome consistindo apenas em MTC familial pode ser causada por mutações em ambos os domínios do gene RET,
extracelular e tirosina quinase.
O gene RET é um dos poucos proto-oncogenes cujas mutações podem causar síndromes de câncer hereditário (encontramos outros exemplos
22
na Tabela 11-3). A identificação das mutações responsáveis por cada uma dessas síndromes forneceu um meio preciso de diagnóstico precoce.
Pacientes com MTC aparentemente esporádico são orientados a se submeterem a teste genético para mutações no gene RET, porque 1% a 7% deles
apresentam mutações germinativas em RET, e, deste modo, trata-se de MTC familial em vez de esporádico. A tireoidectomia profilática antes dos 6
anos de idade é recomendada para crianças que herdam uma mutação causadora da doença (tireoidectomia antes dos 3 anos de idade pode ser indicada
para os tumores MEN2B mais agressivos).
Alterações somáticas no gene RET podem produzir carcinomas papilares da tireoide, o tipo mais comum de tumor de tireoide. A prevalência desse
tumor aumentou consideravelmente entre as pessoas que foram expostas à chuva radioativa do acidente com o reator nuclear de Chernobil. Nelas, 60%
dos carcinomas papilares da tireoide contêm alterações somáticas no RET.
O gene RET fornece um exemplo de heterogeneidade alélica extraordinária. Mutações com perda de função nesse gene produzem defeitos no
desenvolvimento embrionário do intestino, enquanto mutações com ganho de função resultam em um aumento na transdução de sinal e várias formas
de neoplasia endócrina. Este exemplo ilustra a ligação fundamental entre o desenvolvimento normal e o câncer: ambos envolvem uma regulação
genética extremamente ajustada do crescimento e diferenciação celulares.

Mutações com perda de função no proto-oncogene RET podem produzir a doença de Hirschsprung, um distúrbio do
desenvolvimento embrionário. Mutações em linhagens germinativas com ganho de função no mesmo gene podem levar a
qualquer um dos três diferentes tipos de neoplasia endócrina múltipla hereditária. Alterações somáticas no RET podem
produzir carcinoma papilar da tireoide não hereditário.

Muitos outros genes responsáveis por diversas síndromes de câncer hereditário já foram identificados. Estes incluem, por exemplo, os genes que
causam neurofibromatose tipo 2, síndrome de von Hippel-Lindau e síndrome de Beckwith–Wiedemann (Tabela 11-1). Com a atual geração de recursos
genômicos, incluindo o sequenciamento de alto rendimento do DNA humano, é razoável esperar a identificação de mais desses genes.

A HERANÇA GENÉTICA É IMPORTANTE NOS CÂNCERES COMUNS?


O termo “câncer comum” é frequentemente utilizado para designar os tipos, como os carcinomas da mama, cólon e próstata, que não são geralmente
parte de uma síndrome de câncer hereditário (p. ex., síndrome de Li-Fraumeni ou polipose adenomatosa familiar). Lembre-se que mutações
germinativas em genes como BRCA1 ou APC, embora muito importantes para auxiliar a nossa compreensão da base da carcinogênese, são
responsáveis por apenas uma pequena proporção dos casos de câncer de mama ou de cólon. No entanto, esses tumores atingem vários membros da
mesma família. Normalmente, a presença de um parente em primeiro grau afetado aumenta o risco de desenvolvimento de um câncer comum em duas
ou mais vezes. É provável que outros genes, bem como fatores não genéticos que são compartilhados em famílias, contribuam para esse aumento do
risco familial (ver Capítulo 12 para uma discussão mais aprofundada desses fatores genéticos e não genéticos em cânceres comuns).
Estudos de associação genômica ampla, assim como estudos de sequenciamento do exoma e sequenciamento completo do genoma, revelaram
muitos alelos predisponentes ao câncer comum, cada um com um efeito relativamente pequeno sobre o risco de câncer em geral (um exemplo foi dado
por um alelo do gene FGFR2 no câncer de mama). É crítico determinar como tais alelos contribuem funcionalmente para a carcinogênese. Sua
identificação contínua e a caracterização dos genes em que essas mutações ocorrem podem levar à criação de novas ferramentas de diagnóstico e
terapêuticas que, em última instância, irão amenizar o sofrimento no câncer.

QUESTÕES DE ESTUDO
1. O lócus da G6PD está localizado no cromossomo X. Estudos dos alelos G6PD em células tumorais de mulheres mostram que todas as células do
tumor geralmente expressam o mesmo alelo único G6PD, embora as mulheres sejam heterozigotas para o locus G6PD. O que esta constatação
implica sobre a origem das células tumorais?
2. Se supusermos que a taxa de mutação somática no locus RB1 é de três mutações por milhão de células e que existe uma população de 2 milhões de
retinoblastos por indivíduo, qual é a frequência esperada de retinoblastoma esporádico na população? Qual é o número esperado de tumores por
indivíduo entre aqueles que herdam uma cópia mutante do gene RB1?
3. Compare e diferencie oncogenes e genes supressores tumorais. De que modo as características dessas classes de genes causadores de câncer
afetaram nossa capacidade de detectá-los?
4. Membros de famílias com síndrome de Li-Fraumeni quase sempre desenvolvem tumores dos 65 aos 70 anos de idade, porém portadores da mutação
não necessariamente desenvolvem o mesmo tipo de tumor (p. ex., um tem câncer de mama, e outro tem câncer de cólon). Explique.

LEITURAS SUGERIDAS
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Fontes na Internet
Site do National Cancer Institute Information (informação geral sobre câncer e genética do câncer, bem como links para outros sites úteis) http://cancer.gov/cancerinformation

22 Outra forma herdada de neoplasia endócrina múltipla, MEN1, é caracterizada por tumores da paratireoide, hipófise anterior e pâncreas. MEN1 é causada por mutações em
linhagens germinativas nos genes que codificam o supressor do tumor menin.
C A P Í T U L O 12

Herança Multifatorial e Doenças Comuns

Os capítulos anteriores abordaram doenças causadas basicamente por mutações em genes únicos ou por anormalidades em um cromossomo. Houve
um grande progresso na identificação de mutações específicas que causam doenças, o que melhorou as estimativas de risco e, em alguns casos, tornou
o tratamento mais efetivo. Entretanto, essas condições formam apenas uma pequena parte do montante total de doenças genéticas humanas. A maior
parte é composta de malformações congênitas e de doenças comuns no adulto, como câncer, doença cardíaca e diabetes. Embora essas afecções
normalmente não resultem de mutações monogênicas ou de anormalidades cromossômicas, elas possuem componentes genéticos significativos. São o
resultado de uma atuação complexa e interligada de vários fatores genéticos e ambientais. Por causa do significado das doenças comuns no sistema de
saúde, é vital compreender os meios pelos quais os genes contribuem para causá-las.

PRINCÍPIOS DA HERANÇA MULTIFATORIAL


O Modelo Básico
As características com base nas quais as variações supostamente são causadas pelos efeitos combinados de vários genes são chamadas de poligênicas
(“muitos genes”). Quando se acredita que fatores ambientais também causam variação na característica, o que geralmente ocorre, usa-se o termo
multifatorial. Muitas características quantitativas (aquelas que, como a pressão arterial, são medidas em escala numérica contínua) são
multifatoriais. Por serem causadas por efeitos aditivos de muitos fatores genéticos e ambientais, essas características tendem a acompanhar uma
distribuição normal na população, ou seja, uma curva típica em forma de sino (curva de distribuição normal ou gaussiana).
Vamos usar um exemplo para ilustrar esse conceito. Tomando-se como referência uma situação mais simples, suponha (de modo não realista) que
a estatura seja determinada por um único gene com dois alelos, A e a. O alelo A determina pessoas altas e o alelo a pessoas de baixa estatura. Se não
houver dominância nesse locus, os três genótipos possíveis, AA, Aa e aa, que produzirão três fenótipos: alto, intermediário e baixo. Vamos assumir
que as frequências dos genes A e a sejam de 0,50 cada. Uma população composta de indivíduos assim terá uma distribuição de estatura conforme
mostrado na Figura 12-1A.
Agora, de modo um pouco mais realista, suponha que a estatura seja determinada por dois loci em vez de apenas só. O segundo locus também tem
dois alelos: B (alto) e b (baixo), e eles afetam a estatura da mesma forma que os alelos A e a. Teremos então nove genótipos possíveis na população:
aabb, aaBb, aaBB, Aabb, AaBb, AaBB, AAbb, AABb e AABB. Uma vez que um indivíduo pode ter zero, um, dois, três ou quatro alelos “altos”, temos
agora cinco fenótipos distintos (Fig. 12-1B). Embora a distribuição da estatura nessa população hipotética ainda não seja normal, ela se aproxima
muito mais de uma distribuição normal do que se fosse monogênica.
Agora estendemos nosso exemplo de modo que muitos genes e fatores ambientais influenciem a estatura, cada um exercendo um pequeno efeito.
Teremos então muitos fenótipos possíveis, cada um diferindo levemente do outro, e a distribuição da estatura seguirá a da curva de distribuição
normal, mostrada na Figura 12-1C. Estudos de associação genômica ampla (GWAS, Capítulo 8) identificaram mais de 200 loci associados à estatura
humana, confirmando que essa característica é, de fato, uma característica poligênica, multifatorial. Os loci de variação em uma característica
quantitativa, como a altura, são denominados loci de características quantitativas.
Deve-se enfatizar que os genes individuais envolvidos em uma característica multifatorial, como a estatura, seguem os princípios mendelianos de
segregação e de classificação, da mesma forma que os outros genes. A única diferença é que muitos atuam juntos para influenciar a característica.
A pressão arterial é outro exemplo de uma característica multifatorial. Existe uma correlação entre as pressões arteriais dos pais (sistólica e
diastólica) e as dos filhos, com muitas evidências de que essa correlação se deve, em parte, a genes. Mas a pressão arterial também é influenciada por
fatores ambientais, como a dieta e o estresse. Um dos objetivos da pesquisa genética é a identificação dos genes responsáveis por características
multifatoriais, como a pressão arterial, e das interações desses genes com os fatores ambientais.

Acredita-se que muitas características sejam influenciadas por múltiplos genes, assim como por fatores ambientais. Essas
características são chamadas de multifatoriais. Quando podem ser medidas em escala contínua, elas seguem,
frequentemente, uma distribuição normal.

O Modelo do Limiar
Várias doenças não seguem uma distribuição normal. Em vez disso, parece que elas estão presentes ou ausentes nos indivíduos. Contudo, essas
doenças também não seguem os padrões esperados das doenças monogênicas. Uma explicação normalmente usada é a de que existe uma
distribuição de suscetibilidade para essas doenças em uma população (Fig. 12-2). As pessoas posicionadas na extremidade inferior da curva de
distribuição têm baixo risco de desenvolver a doença em questão (ou seja, elas têm poucos alelos ou fatores ambientais que causariam a doença).
Aquelas mais próximas à extremidade superior da curva terão mais genes causadores da doença e mais fatores ambientais e, portanto, maior
probabilidade de desenvolver a doença. Para doenças multifatoriais que podem estar presentes ou ausentes, acredita-se que um limiar de risco deva
ser ultrapassado antes que a doença se manifeste. Abaixo desse limiar, a pessoa não será afetada; acima dele, a pessoa terá a doença.
FIGURA 12-1 A. Distribuição da estatura em uma população, assumindo-se que o controle seja feito por um locus único com os genótipos AA, Aa e aa. B.
Distribuição de estatura, assumindo-se que o controle seja feito por dois loci. Agora temos cinco fenótipos distintos em vez de três, e a distribuição
começa a parecer mais normal. C. Distribuição da estatura, assumindo-se que fatores múltiplos, cada um com efeito menor, contribuam para a
característica (modelo multifatorial).
FIGURA 12-2 Distribuição de probabilidade para uma doença multifatorial em uma população. Para ser afetada pela doença, a pessoa precisa exceder o
limiar na distribuição. Essa figura mostra dois limiares, um menor para homens e um maior para mulheres (como no caso da estenose do piloro).

Uma doença que corresponde a esse modelo de limiar é a estenose do piloro, uma doença que se manifesta logo após o nascimento e que é causada
por estreitamento ou obstrução do piloro, a área entre o estômago e o intestino. Vômito crônico, constipação, perda de peso e desequilíbrio de
eletrólitos são manifestações do quadro, o qual, às vezes, se resolve espontaneamente ou é corrigido por cirurgia. A prevalência da estenose do piloro
entre os caucasianos é de aproximadamente três em 1.000 nascidos vivos, e é muito mais comum nos homens do que nas mulheres, afetando um em
cada 200 homens e uma em cada 1.000 mulheres. Acredita-se que essa diferença na prevalência reflita dois limiares na distribuição de probabilidades:
um limiar mais baixo nos homens e outro mais alto nas mulheres (Fig. 12-2). Um limiar masculino mais baixo significa que menos fatores causadores
da doença são necessários para gerar a doença nos homens.
O conceito de limiar de risco poderia explicar o padrão de riscos de recorrência da estenose do piloro entre irmãos, mostrado na Tabela 12-1.
Observe que os homens, tendo limiar mais baixo, sempre apresentam risco maior que as mulheres. Entretanto, o risco de recorrência também depende
do sexo do probando. Ele é maior quando o probando é uma mulher, do que quando é um homem. Isso reflete o conceito de que as

TABELA 12-1 Riscos de Recorrência (%) para Estenose do Piloro, Subdivididos por Sexo dos Probandos e dos Parentes
Afetados*
PARENTES PROBANDOS MASCULINOS PROBANDOS FEMININOS

LONDRES BELFAST LONDRES BELFAST

Irmãos 3,8 9,6 9,2 12,5

Irmãs 2,7 3,0 3,8 3,8

*Note que os riscos diferem ligeiramente entre as duas populações.


Adaptada de Carter CO: Genetics of common single malformations.
Br Med Bull 1976;32:21-26.

mulheres com limiar mais alto de risco devem ser expostas a mais fatores causadores do que os homens para desenvolver a doença. Por isso, uma
família com uma mulher afetada deve ter mais fatores de risco genético e ambiental, provocando risco de recorrência mais alto para estenose do
piloro em proles futuras. Nessa situação, poderíamos esperar que a categoria de risco mais alto seria a de parentes masculinos de probandos
femininos; a Tabela 12-1 mostra que isso é o que ocorre de fato.
Várias outras malformações congênitas seguem esse modelo e incluem: fissura de lábio e/ou de palato isoladas23, defeitos do tubo neural
(anencefalia e espinha bífida), pé torto (talipes) e algumas formas de cardiopatias congênitas.
O modelo de limiar se aplica a muitas doenças multifatoriais. Ele assume que existe uma distribuição de risco subjacente
em uma população e que um limiar nessa distribuição deve ser obrigatoriamente ultrapassado para que a doença se
manifeste.

Riscos de Recorrência e Padrões de Transmissão


Enquanto os riscos de recorrência de doença monogênicas podem ser dados com precisão (50% para uma doença autossômica dominante com
penetrância completa, 25% para doenças autossômicas recessivas, e assim por diante), a estimativa de risco para doenças multifatoriais é mais
complexa. Isso porque geralmente não se conhece o número de genes que contribuem para a doença nem a constituição precisa dos alelos dos pais, e
a extensão dos efeitos ambientais pode variar substancialmente. Para a maioria das doenças multifatoriais, foram deduzidos os chamados riscos
empíricos (ou seja, riscos baseados na observação direta de dados). Para se estimar os riscos empíricos, examina-se um grande número de famílias,
nas quais uma criança (o probando) desenvolveu a doença. Os parentes de cada probando são examinados para se calcular o percentual que também
desenvolveu a doença. Por exemplo, na América do Norte, os defeitos do tubo neural são observados em cerca de 2% a 3% dos irmãos de probandos
com essa condição (Comentário Clínico 12-1). Por isso, o risco de recorrência para pais que tenham tido um filho com defeito do tubo neural é de 2%
a 3%. Para quadros não letais ou significativamente debilitantes, como fissura de lábio e de palato, os riscos de recorrência também podem ser
estimados para a prole dos pais afetados. Uma vez que os fatores de risco variam entre as doenças, os riscos empíricos de recorrência são específicos
para cada doença multifatorial.
Em contraste com a maioria das doenças monogênicas, os riscos de recorrência para doenças multifatoriais podem mudar substancialmente de uma
população para outra (observe as diferenças entre as populações de Londres e de Belfast na Tabela 12-1). Isso acontece porque a frequência dos
genes, assim como os fatores ambientais, pode ser diferente entre as populações.

Os riscos empíricos de recorrência para doenças multifatoriais se baseiam em estudos de grandes grupos de famílias e
são específicos para uma determinada população.

Às vezes, é difícil diferenciar doenças poligênicas ou multifatoriais das doenças monogênicas com penetrância incompleta ou expressividade
variável. São necessários grandes conjuntos de dados e dados satisfatórios de histórico familial para fazer essa distinção. Normalmente, são aplicados
vários critérios para definir uma herança multifatorial.
• O risco de recorrência será mais alto caso mais de um membro da família seja afetado. Por exemplo, o risco de recorrência em irmãos de um
defeito do septo ventricular (DSV, um tipo de defeito cardíaco congênito) é de 3% se um irmão for portador de DSV, mas aumentará para
aproximadamente 10% se dois irmãos tiverem esse defeito. Ao contrário, o risco de recorrência para doenças monogênicas permanece o mesmo,
independentemente do número de irmãos afetados. Na verdade, esse aumento não significa que o risco da família tenha mudado. Em vez disso, ele
significa que agora temos mais informações sobre o risco real da família: pelo fato de os pais terem duas crianças afetadas, eles provavelmente
estão situados na parte mais superior da curva da distribuição de risco do que uma família com apenas uma criança afetada. Em outras palavras,
essa família tem mais fatores de risco (genéticos e/ou ambientais) e maior probabilidade de ter uma criança afetada.
• Se a expressão da doença no probando for mais intensa, o risco de recorrência será mais alto. Essa afirmativa é, de novo, coerente com o modelo
de suscetibilidades, pois a expressão mais intensa indica que a pessoa afetada está na ponta inferior da distribuição de risco (Fig. 12-2). Os parentes
dessa criança estão, portanto, em risco mais alto de herdar genes causadores da doença. Por exemplo, a ocorrência de fissura de lábio e/ou de palato
bilateral (dos dois lados) confere risco de recorrência mais alto aos membros da família do que a ocorrência da fissura unilateral (de um único
lado).
• O risco de recorrência será mais alto se o probando for do sexo menos frequentemente afetado (consulte a discussão anterior sobre estenose do
piloro). Isso porque um indivíduo afetado do sexo menos suscetível está, em geral, em posição mais extrema na distribuição da suscetibilidade.

COMENTÁRIO CLÍNICO 12-1

Defeitos do Tubo Neural


Os defeitos do tubo neural (DTNs) incluem anencefalia, espinha bífida e encefalocele, assim como várias outras formas menos comuns (Tabela 12-3).
Eles representam uma das classes mais importantes de defeitos congênitos, com prevalência em recém-nascidos de um em 1.000. Existe variação
considerável na prevalência dos DTNs entre as várias populações, com índice especialmente elevado entre algumas populações do norte da China
(de até seis em cada 1.000 nascimentos). Por motivos ainda não completamente entendidos, a prevalência desses defeitos vem diminuindo em
muitas partes dos EUA e da Europa nas últimas duas décadas.
Normalmente, o tubo neural se fecha por volta da quarta semana de gestação. Um defeito de fechamento ou uma reabertura subsequente do
tubo neural resulta em um DTN. O mais frequentemente observado é a espinha bífida, que consiste em uma protrusão de tecido espinhal pela
coluna vertebral (o tecido geralmente inclui meninges, medula espinhal e raízes neurais). Cerca de 75% dos pacientes com espinha bífida apresenta
hidrocefalia secundária que, às vezes, resulta em deficiência intelectual. Paralisia ou fraqueza muscular, falta de controle dos esfíncteres e pés tortos
também são frequentemente observados.
Um estudo conduzido na Colúmbia Britânica mostrou que as taxas de sobrevivência para pacientes com espinha bífida aumentaram
dramaticamente nas últimas décadas. Menos de 30% das crianças nascidas entre 1952 e 1969 sobreviveram até os 10 anos de idade, mas das
nascidas entre 1970 e 1986, 65% sobreviveram até essa idade.
A anencefalia caracteriza-se pela ausência parcial ou completa da calota craniana e do calvário, e a ausência parcial ou completa dos hemisférios
cerebrais. Pelos menos dois terços das crianças anencefálas são natimortas; os conceptos que chegam a termo não sobrevivem mais do que
algumas horas ou dias. A encefalocele consiste em uma protrusão do cérebro para o interior de uma bolsa fechada, que raramente é compatível
com a vida.
Acredita-se que os defeitos do tubo neural resultem de uma combinação de fatores genéticos e ambientais. Na maioria das populações
pesquisadas, os riscos empíricos de recorrência para irmãos de crianças afetadas variam de 2% a 5%.
De acordo com o modelo multifatorial, o risco de recorrência aumenta com o aumento no número de irmãos afetados. Um estudo húngaro
mostrou que a prevalência geral dos DTNs naquele país foi de um em cada 300 nascimentos e que os riscos de recorrência em irmãos era de 3%,
12% e 25% após o nascimento de uma, duas e três crianças afetadas, respectivamente. Os riscos de recorrência tendem a ser ligeiramente mais
baixos em populações com índices menores de prevalência desses defeitos, como previsto pelo modelo multifatorial. Os dados sobre risco de
recorrência dão suporte à ideia de que as principais formas de DTNs são causadas por fatores semelhantes e compartilhados. Uma concepção
anencefálica aumenta o risco de recorrência para concepções subsequentes com espinha bífida, e vice-versa.
Geralmente os defeitos do tubo neural podem ser diagnosticados no pré-natal, às vezes por ultrassom e geralmente por níveis elevados de α-
fetoproteína (AFP) no soro materno ou no líquido amniótico (Capítulo 13). A espinha bífida pode estar aberta ou fechada (ou seja, coberta por uma
camada de pele). A espinha bífida aberta tem mais probabilidade de ser detectada por testes de dosagem de AFP.
Uma das mais importantes descobertas epidemiológicas é que as mães que complementam sua dieta com ácido fólico na época da concepção
têm menor probabilidade de gerar crianças com defeitos de fechamento do tubo neural. Esse achado foi replicado em várias populações diferentes e
já está devidamente confirmado. Estima-se que cerca de 50% a 70% dos defeitos do tubo neural podem ser evitados simplesmente pela ingestão de
ácido fólico na dieta. (Os suplementos vitamínicos pré-natais tradicionais não exercem efeito preventivo porque sua administração geralmente só é
iniciada bem depois do momento do fechamento do tubo neural, que se dá no início da gestação.) Mas, uma vez que as mães provavelmente vão
ingerir quantidades semelhantes de ácido fólico em todas as suas gestações, a deficiência de ácido fólico poderia ser responsabilizada, em parte,
pelo risco elevado de recorrência dos DTNs nos irmãos.

FIGURA 12-3 Os defeitos principais do tubo neural (DTNs). A, Lactente com espinha bífida aberta (mielomeningocele). B, Feto com anencefalia.
Observe as alterações das órbitas e o defeito craniano. C, Um concepto com encefalocele occipital. (A e B cortesia de Jones KL: Smith’s Recognizable
Patterns of Human Malformation. 6th ed. Philadelphia: Saunders, 2006:705).
O ácido fólico na dieta é um exemplo importante de um fator não genético que contribui para a agregação familial de uma doença. Entretanto, é
provável que haja uma variação genética na resposta ao ácido fólico, o que ajuda a explicar porque a maioria das mães com deficiência dessa
vitamina não gera crianças com DTNs e por que algumas mães que ingerem quantidades adequadas da mesma substância geram, apesar disso,
crianças com esses defeitos.
Para tratar de tal questão, os pesquisadores estão testando a relação entre DTNs e variantes de vários genes cujos produtos estão envolvidos no
metabolismo do ácido fólico (p. ex., metilenotetraidrofolato redutase) (ver Comentário Clínico 15-6, no Capítulo 15, para mais informações sobre a
suplementação de ácido fólico e a prevenção de DTNs).

TABELA 12-2 Riscos de Recorrência para Parentes em Probandos em Primeiro, Segundo e Terceiro Graus

DOENÇA PREVALÊNCIA NA POPULAÇÃO GERAL GRAU DE PARENTESCO

PRIMEIRO GRAU SEGUNDO GRAU TERCEIRO GRAU

Fissura de lábio e/ou de palato 0,001 0,04 0,007 0,003

Pé torto 0,001 0,025 0,005 0,002

Deslocamento congênito do quadril 0,002 0,005 0,006 0,004

• O risco de recorrência para a doença, em geral, diminui acentuadamente em parentes mais distantes (Tabela 12-2). Embora o risco de recorrência
para doenças monogênicas diminua em 50% em cada grau de parentesco (ou seja, uma doença autossômica dominante tem risco de recorrência de
50% para a prole das pessoas afetadas, 25% para sobrinhos ou sobrinhas, 12,5% para primos em primeiro grau, e assim por diante), ele diminui
muito mais rapidamente para as doenças multifatoriais. Isso reflete o fato de que muitos fatores genéticos e ambientais devam se combinar para
produzir uma característica. Todos os fatores de risco necessários, provavelmente, não estarão presentes em membros da família menos
intimamente relacionados.
• Se a prevalência da doença em uma população for “f” (que varia entre zero e um), o risco para prole e irmãos de probandos será de
aproximadamente . Isso não é verdadeiro para características monogênicas, pois seus riscos de recorrência são independentes da prevalência na
população. Essa também não é uma regra absoluta para características multifatoriais, mas muitas das doenças realmente tendem a se comportar de
acordo com esse cálculo. A avaliação dos riscos apresentados na Tabela 12-2 mostra que essas três doenças seguem regularmente bem esse cálculo.

Os riscos para doenças multifatoriais geralmente aumentam caso mais membros da família sejam afetados, caso a doença
apresente manifestação mais grave e se o probando afetado for do sexo menos comumente afetado. O risco de recorrência
diminui drasticamente com graus mais distantes de parentesco. Em geral, o risco de recorrência para irmãos é
aproximadamente o mesmo que a raiz quadrada da prevalência da doença na população.

Herança Multifatorial versus Monogênica


É importante esclarecer a diferença entre uma doença multifatorial e uma doença monogênica para a qual exista heterogeneidade de locus. No
primeiro caso, a doença é causada pela influência simultânea de múltiplos fatores genéticos e ambientais, cada um com efeito relativamente pequeno.
Ao contrário, a ocorrência de uma doença com heterogeneidade de locus, como a osteogênese imperfeita, exige somente uma mutação. Por causa da
heterogeneidade de locus, uma única mutação em qualquer um dos dois loci pode causar a doença; algumas pessoas afetadas possuem uma mutação
enquanto outras possuem a outra mutação.
Em alguns casos, uma característica pode ser influenciada pela combinação de um só gene com grandes efeitos com uma base multifatorial na qual
genes complementares e fatores ambientais exercem pequenos efeitos individuais (Fig. 12-4). Imagine que a variação da estatura, por exemplo, seja
causada por locus único (denominado gene principal) e por um componente multifatorial. Os indivíduos com genótipo AA tendem a serem mais
altos, aqueles com genótipo aa terão tendência à estatura mais baixa e aqueles com genótipo Aa tenderão à estatura intermediária. Entretanto, a
variação adicional é causada por outros fatores (o componente multifatorial). Por isso, aqueles com genótipo aa apresentarão variação de estatura
entre 130 cm e 170 cm, aqueles com o genótipo Aa terão estatura variando de 150 cm a 190 cm, e aqueles com o genótipo AA terão variação de
estatura de 170 cm a 210 cm. Observa-se uma sobreposição substancial entre os três genótipos principais, por causa da influência da base
multifatorial. A distribuição total da estatura, que é gaussiana, resulta da superposição das três distribuições na origem de cada genótipo.
Muitas das doenças que serão discutidas posteriormente podem ser causadas por um gene principal e/ou por herança multifatorial. Mas existem
subgrupos da população nos quais doenças como câncer de cólon, câncer de mama ou doença

FIGURA 12-4 Distribuição de estatura, assumindo-se a presença de um gene principal (genótipos AA, Aa e aa) combinado com um contexto multifatorial.
O contexto multifatorial causa variação da estatura entre indivíduos com cada genótipo. Se as distribuições de cada um dos três genótipos fossem
sobrepostas, então a distribuição geral da estatura seria aproximadamente normal, como mostrado na linha pontilhada.
cardíaca são herdadas como doenças monogênicas (com uma variação adicional na suscetibilidade à doença conferida por outros fatores genéticos e
ambientais). Esses subgrupos geralmente são responsáveis por uma pequena porcentagem do número total de casos da doença. Entretanto, é
importante identificar os genes principais responsáveis, pois sua função pode fornecer dicas importantes à fisiopatologia e tratamento da doença.

As doenças multifatoriais podem ser diferenciadas das doenças monogênicas causadas por mutações em loci diferentes
(heterogeneidade de locus). Às vezes, uma doença tem um componente monogênico somado a um componente
multifatorial.

NATUREZA E CRIAÇÃO: SEPARANDO OS EFEITOS DOS GENES E DO AMBIENTE


Os membros de uma família compartilham genes e um ambiente em comum. A semelhança de características na família, como de pressão arterial,
mostra uma convergência de elementos genéticos e ambientais (“natureza” e “criação”, respectivamente). Há séculos, as pessoas têm discutido a
importância relativa desses dois tipos de fatores. Obviamente é um erro considerá-los como mutuamente exclusivos. Poucas características são
influenciadas somente por genes ou pelo ambiente. A maioria recebe a influência de ambos.
A determinação da influência relativa dos fatores genéticos e ambientais pode levar a uma melhor compreensão da etiologia da doença, além de
ajudar no planejamento de estratégias de saúde pública. Uma doença com influência hereditária relativamente pequena, como o câncer de pulmão,
pode ser prevenida de modo muito eficaz enfatizando-se as alterações no estilo de vida (evitando o tabagismo). Quando uma doença tem um
componente hereditário relativamente significativo, como o câncer de mama, deve-se enfatizar o exame da história familial, além das modificações
no estilo de vida.
Nas seções a seguir, reveremos duas estratégias de pesquisa frequentemente usadas para estimar a influência relativa dos genes e do ambiente:
estudos com gêmeos e estudos de

FIGURA 12-5 Gêmeas monozigóticas com aparência física muito semelhante. Ambas desenvolveram miopia na adolescência.

adoção. Depois discutiremos os métodos que visam delinear os genes individuais responsáveis por doenças multifatoriais.

Estudos com Gêmeos


Os nascimentos de gêmeos ocorrem na frequência de cerca de um em 100 nascimentos nas populações caucasianas, são ligeiramente mais comuns
entre os africanos e menos comuns entre os asiáticos. Os gêmeos monozigóticos (MZ ou idênticos) surgem quando o embrião em desenvolvimento se
divide para formar dois embriões separados, porém geneticamente idênticos. Por serem geneticamente idênticos, os gêmeos MZ são um exemplo de
clones naturais. Sua aparência física pode ser surpreendentemente similar (Fig. 12-5). Os gêmeos dizigóticos (DZ ou fraternos) são o resultado de
24
uma ovulação dupla seguida da fertilização de cada ovócito por um espermatozoide diferente . Por essa razão, os gêmeos DZ não são, em termos
genéticos, mais semelhantes que outros irmãos. Uma vez que dois espermatozoides diferentes são necessários para fertilizar os dois ovócitos, é até
possível que cada gêmeo DZ tenha um pai diferente.
Uma vez que os gêmeos MZ são geneticamente idênticos, qualquer diferença entre eles resultará apenas dos efeitos do ambiente. Por isso, deverão
ser muito parecidos quanto às características fortemente influenciadas por genes. Os gêmeos DZ permitem uma comparação interessante: suas
diferenças decorrentes de fatores ambientais deverão ser semelhantes àquelas dos gêmeos MZ, mas suas diferenças genéticas são tão grandes quanto
aquelas entre irmãos não gêmeos. Por isso, os estudos de gêmeos consistem, em geral, em comparações entre gêmeos MZ e DZ. Caso os dois
membros de um par de gêmeos compartilhem uma característica (p. ex., uma fissura labial), diz-se que eles são concordantes. Se não houver esse
compartilhamento, eles serão discordantes. Para uma característica determinada completamente por genes, os gêmeos MZ deverão ser sempre
concordantes e os gêmeos DZ poderão ser menos concordantes. Como irmãos, os gêmeos DZ compartilham apenas 50% de seu DNA, pois cada
progenitor transmite metade de seu DNA para cada filho. As taxas de concordância podem diferir entre pares de gêmeos DZ de sexos opostos e de
gêmeos DZ do mesmo sexo para algumas características, como aquelas que apresentam frequências diferentes em homens e mulheres. Para essas
características, somente os pares de gêmeos DZ do mesmo sexo deverão ser usados na comparação entre as taxas de concordância de MZ e DZ.
A estimativa de concordância não seria apropriada para características quantitativas, como pressão arterial ou estatura. Nesses casos usa-se o
coeficiente de correlação intraclasses. Esse valor estatístico varia entre −1,0 e +1,0 e mede o grau de homogeneidade de uma característica em uma
amostra de indivíduos. Por exemplo, podemos querer avaliar o grau de similaridade entre gêmeos para uma característica como a estatura. As
medições são obtidas em um grupo de gêmeos e os coeficientes de correlação são estimados separadamente para a amostra de MZ e para a amostra de
DZ. Se uma característica fosse determinada inteiramente por genes, poderíamos esperar um coeficiente de correlação para pares MZ de 1,0 (ou seja,
cada par de gêmeos teria exatamente a mesma estatura). Um coeficiente de correlação de 0,0 significaria que a similaridade entre gêmeos MZ para a
característica em questão não é maior que o acaso. Uma vez que gêmeos DZ compartilham metade de seu DNA, para uma característica determinada
inteiramente por genes poderíamos esperar um coeficiente de correlação de DZ de 0,50.

Gêmeos monozigóticos (idênticos) são o resultado de uma clivagem precoce do embrião, enquanto os gêmeos dizigóticos
(fraternos) são o resultado da fertilização de dois ovócitos por dois espermatozoides. A comparação das taxas de
concordância e as correlações em gêmeos MZ e DZ ajudam a estimar a extensão na qual uma característica é influenciada
por genes.

A Tabela 12-3 mostra as taxas de concordância e os coeficientes de correlação para algumas características. As taxas de concordância para doenças
contagiosas, como o sarampo, são bem similares em gêmeos MZ e DZ. Isso é esperado porque a maioria das doenças contagiosas dificilmente é
muito influenciada por genes. Por outro lado, as taxas de concordância para a esquizofrenia são similares entre gêmeos MZ e DZ, indicando um
componente genético considerável para essa doença. A correlação de MZ para dermatóglifos (impressões digitais), uma série de marcas determinadas
quase que totalmente por genes, está próxima de 1,0.
As correlações e as taxas de concordância em gêmeos MZ e DZ podem ser usadas para medir a herdabilidade de características multifatoriais.
Essencialmente, a herdabilidade é a porcentagem da contribuição dos genes na variação populacional da característica (estatisticamente, é a proporção
da

TABELA 12-3 Índices de Concordância em Gêmeos para Características e Doenças Selecionadas*

ÍNDICE DE CONCORDÂNCIA

CARACTERÍSTICA OU DOENÇA GÊMEOS MZ GÊMEOS DZ HERDABILIDADE

Transtorno afetivo (bipolar) 0,79 0,24 > 1,0**


Transtorno depressivo maior (unipolar) 0,54 0,19 0,70

Alcoolismo > 0,60 < 0,30 0,60

Autismo 0,58 0,23 0,70

Pressão arterial (diastólica)*** 0,58 0,27 0,62

Pressão arterial (sistólica)*** 0,55 0,25 0,60

Porcentagem de gordura corporal*** 0,73 0,22 > 1,0

Índice de massa corporal*** 0,95 0,53 0,84

Fissura de lábio e/ou de palato 0,38 0,08 0,60

Pé torto 0,32 0,03 0,58

Dermatóglifos (contagem das linhas digitais)*** 0,95 0,49 0,92

Diabetes melito 0,45–0,96 0,03–0,37 >1,0

Diabetes melito (tipo 1) 0,35–0,50 0,05–0,10 0,60–0,80

Diabetes melito (tipo 2) 0,70–0,90 0,25–0,40 0,90–1,0

Epilepsia (idiopática) 0,69 0,14 >1,0

Estatura*** 0,94 0,44 1,0

QI*** 0,76 0,51 0,50

Sarampo 0,95 0,87 0,16

Esclerose múltipla 0,28 0,03 0,50

Infarto do miocárdio (homens) 0,39 0,26 0,26

Infarto do miocárdio (mulheres) 0,44 0,14 0,60

Esquizofrenia 0,47 0,12 0,70

Espinha bífida 0,72 0,33 0,78

*Estes dados foram compilados de várias fontes e representam, principalmente, populações dos EUA e da Europa. A herdabilidade é estimada usando-se
a fórmula 2(Cmz – Cdz).
**Uma vez que se trata de características quantitativas, são dados os coeficientes de correlação, em vez dos índices de concordância.
***Várias estimativas de herdabilidade excedem 1,0. Uma vez que é impossível que uma característica com variância > 100% seja geneticamente
determinada, esses valores indicam a influência de outros fatores, como aqueles compartilhados no meio ambiente
DZ, dizigóticos; QI, quociente de inteligência; MZ, monozigóticos.

variação total de uma característica que é causada por genes). Uma fórmula simples para estimar a herdabilidade (h) a partir de correlações de
gêmeos ou de taxas de concordância é a seguinte:
Onde cMZ é a taxa de concordância (ou correlação intraclasses) para gêmeos MZ e cDZ é a taxa de concordância (ou correlação intraclasses) para
gêmeos DZ. Como a fórmula mostra, as características amplamente determinadas por genes resultam em uma estimativa de herdabilidade que se
aproxima de 1,0 (ou seja, cMZ se aproxima de 1,0 e cDZ se aproxima de 0,5). À medida que a diferença entre as taxas de concordância de MZ e DZ se
torna menor, a herdabilidade se aproxima de zero. As taxas de correlação e de concordância em outros tipos de parentes (ou seja, entre pais e irmãos)
também podem ser usadas para medir a herdabilidade.
Assim como os riscos de recorrência, os valores da herdabilidade são específicos para a população na qual eles são estimados. Entretanto,
geralmente existe concordância de uma população para outra quanto à ampla variedade de estimativas de herdabilidade da maioria das características
(ou seja, a herdabilidade da estatura é quase sempre alta e a herdabilidade de doenças contagiosas é quase sempre baixa). O mesmo se aplica para os
riscos empíricos de recorrência.

As comparações entre taxas de correlações e de concordância em gêmeos MZ e DZ permitem estimar a herdabilidade,


uma medida da proporção da variação de uma doença da população que pode ser atribuída aos genes.

Houve um tempo em que se acreditava que os gêmeos pudessem fornecer um “laboratório natural” perfeito, no qual fosse possível determinar as
influências relativas da genética e do ambiente. Entretanto, dessa crença surgem várias dificuldades. Uma das mais importantes é a suposição de que
os ambientes de gêmeos MZ e DZ são iguais. Os gêmeos MZ são, com frequência, tratados de modo mais similar do que os DZ. Uma similaridade
maior de ambiente pode tornar gêmeos MZ ainda mais concordantes para uma característica, aumentando a influência aparente dos genes. Além
disso, gêmeos MZ podem ter mais probabilidade de buscar o mesmo tipo de ambiente, reforçando ainda mais a similaridade ambiental. Por outro
lado, já foi sugerido que alguns gêmeos MZ tendem a desenvolver diferenças de personalidade em uma tentativa de assegurar sua individualidade.
Outra dificuldade é o fato de que os ambientes uterinos de pares diferentes de gêmeos MZ podem ser mais ou menos similares, dependendo se eles
apresentam dois âmnios e dois córions, dois âmnios e um córion compartilhado, ou um âmnio compartilhado e um córion compartilhado. Além disso,
mutações somáticas podem ocorrer durante as divisões mitóticas das células embrionárias dos gêmeos MZ após ter ocorrido a clivagem. Por isso, os
gêmeos MZ podem não ser tão “idênticos”, especialmente se ocorreu mutação no início do desenvolvimento de um deles. Por fim, os padrões de
metilação, os quais podem influenciar a transcrição de genes específicos, se tornam mais diferentes em pares de gêmeos MZ à medida que eles
envelhecem. Essa dissimilaridade é maior quando os gêmeos adotam hábitos e estilos de vida acentuadamente diferentes (p. ex., quando um deles é
fumante e o outro não).
Entre os vários problemas com o método de gêmeos, o maior grau de compartilhamento ambiental entre gêmeos MZ é, talvez, o mais grave. Uma
forma de contornar esse problema, pelo menos em parte, é estudar os gêmeos MZ que tenham sido criados em ambientes separados. A concordância
entre tais pares de gêmeos seria causada muito mais por semelhanças genéticas, do que por ambientais. Como se poderia esperar, não é fácil encontrar
esse tipo de par de gêmeos. Pesquisadores da Universidade de Minnesota, EUA, dedicaram-se muito a esse tipo de estudos e demonstraram haver
concordância acentuada entre gêmeos MZ criados separados, mesmo para muitas características de comportamento. Entretanto, tais estudos devem
ser considerados com cautela, pois os tamanhos amostrais são relativamente pequenos e muitos dos pares de gêmeos tiveram pelo menos algum
contato entre si antes de serem estudados.

Embora os estudos com gêmeos forneçam informações valiosas, eles também são influenciados por certos vieses, o mais
sério é a maior similaridade ambiental entre gêmeos MZ do que entre gêmeos DZ. Outros vieses incluem as mutações
somáticas que podem afetar somente um dos gêmeos MZ e as diferenças de ambientes uterinos dos gêmeos.

Estudos de Adoção
Os estudos de crianças adotadas também são usados para estimar a contribuição genética para uma característica multifatorial. A prole nascida de pais
portadores de uma doença, mas adotada por pais sem a doença, pode ser estudada para descobrir se a doença evoluiu nessa prole. Em alguns casos, as
pessoas adotadas desenvolvem a doença mais frequentemente do que as crianças em uma população controle (ou seja, crianças adotadas que
nasceram de pais sem a doença). Isso nos fornece a evidência de que os genes podem estar envolvidos no processo que causa a doença, pois as
crianças adotadas não compartilham o ambiente de seus pais biológicos afetados. Por exemplo, a esquizofrenia é observada em 8% a 10% das
crianças adotadas cujo pai (ou mãe) biológico tem a doença, enquanto é observada em apenas 1% das crianças adotadas com pais biológicos não
afetados.
Como ocorre com estudos de gêmeos, várias precauções devem ser tomadas na interpretação dos resultados de estudos de adoção. Primeiro, as
influências do ambiente pré-natal poderiam exercer efeitos duradouros em uma criança adotada. Segundo, as crianças são, às vezes, adotadas vários
anos após o nascimento, assegurando que algumas influências não genéticas foram dadas pelos pais biológicos. Por fim, as agências de adoção
tentam, às vezes, combinar os pais adotivos com os pais naturais em termos de atributos, como a situação socioeconômica. Todos esses fatores
poderiam exagerar a influência aparente da herança biológica.

Os estudos de adoção fornecem um segundo meio de estimar a influência de genes sobre as doenças multifatoriais e
consistem em comparar as taxas de doenças entre crianças adotadas nascidas de pais afetados com as taxas entre as
crianças adotadas nascidas de pais não afetados. Como ocorre com o método para gêmeos, vários vieses podem
influenciar esses estudos.

Tais limitações, assim como aquelas resumidas para os estudos com gêmeos, destacam a necessidade de cuidado ao basear as conclusões em
estudos de gêmeos e de adoção. Tais abordagens não fornecem uma definição do papel dos genes na doença multifatorial, nem podem identificar
genes específicos responsáveis por uma doença. Ao contrário, fornecem uma indicação preliminar da extensão em que a doença multifatorial pode ser
influenciada por fatores genéticos. Os métodos para a detecção direta dos genes associados a características multifatoriais estão resumidos no Quadro
12-1.

A GENÉTICA DAS DOENÇAS COMUNS


Uma vez discutidos os princípios da herança multifatorial, partimos agora para a discussão das próprias doenças multifatoriais (também conhecidas
como doenças comuns ou doenças complexas). Algumas delas, as malformações congênitas, estão, por definição, presentes no nascimento. Outras,
incluindo doença cardíaca, câncer, diabetes e a maioria das doenças psiquiátricas, são observadas, principalmente, em adolescentes e adultos. Por
causa da sua complexidade, desvendar a genética dessas doenças é uma tarefa muito difícil. No entanto, houve um significativo progresso até o
presente momento.

Defeitos Congênitos
Cerca de 2% dos recém-nascidos apresentam defeitos congênitos (ou seja, presentes no nascimento); a maioria é considerada de etiologia
multifatorial. A Tabela 12-4 lista alguns dos defeitos congênitos mais comuns. Em geral, para a maioria dessas alterações, os riscos de recorrência em
irmãos variam de 1% a 5%.
Alguns tipos de defeitos de congênitos, como fissura de lábio e/ou palato e a estenose do piloro, são relativamente fáceis de serem corrigidos e, por
isso, não resultam em problemas definitivos. Outros, como os defeitos do tubo neural, desencadeiam consequências mais graves. Embora alguns
defeitos possam ocorrer na ausência de qualquer outro problema (isolados), é muito comum que estejam associados a outros transtornos. Por
exemplo, a fissura de lábio e/ou palato é observada com frequência em crianças com a trissomia do cromossomo 13, e os defeitos cardíacos
congênitos são encontrados em muitas síndromes, incluindo as das trissomias dos cromossomos 13, 18 e 21.
Também houve um considerável progresso no isolamento de genes únicos que podem causar defeitos congênitos. Muitos deles, incluindo as
famílias gênicas HOX, PAX e TBX,

TABELA 12-4 Taxas de Prevalência de Defeitos Congênitos Comuns em Pessoas de Descendência Europeia

DEFEITO PREVALÊNCIA APROXIMADA POR MIL NASCIMENTOS

Fissura de lábio e/ou palato 1,0

Pé torto 1,0

Defeitos cardíacos congênitos 4,0 – 8,0

Hidrocefalia 0,5 – 2,5

Fissura isolada de palato 0,4

Defeitos do tubo neural 1,0 – 3,0

Estenose do piloro 3,0

foram discutidos no Capítulo 10. Outro exemplo é o proto-oncogene RET, responsável por alguns casos da doença de Hirschsprung. Entretanto, as
causas da maior parte dos casos dessa doença permanecem desconhecidas. Na verdade, a maioria dos fatores genéticos que contribuem para o
aparecimento de malformações importantes (como os defeitos do tubo neural, cardiopatias congênitas comuns e fissura de lábio e/ou palato) continua
não identificada.
Os fatores ambientais também são reconhecidos como a causa de alguns defeitos congênitos. Um exemplo é o da talidomida, um sedativo usado
durante a gravidez no início dos anos de 1960 (e recentemente reintroduzido para o tratamento de quadros dermatológicos como a hanseníase).
Quando consumida no início da gravidez, essa droga pode causar focomelia (membros gravemente encurtados). A exposição materna ao ácido
retinoico usado para o tratamento de acne, também pode causar defeitos congênitos ao coração, ao pavilhão auricular e ao sistema nervoso central. A
infecção materna por rubéola pode causar defeitos cardíacos congênitos. No Capítulo 15 são discutidos outros fatores ambientais que causam defeitos
congênitos.

Defeitos congênitos são observados em quase um em cada 50 nascidos vivos, e a maioria deles é considerada
multifatorial. Genes específicos e fatores ambientais já foram detectados como causadores de alguns, mas as causas da
maioria dos defeitos congênitos continuam completamente desconhecidas.

Doenças Multifatoriais na População Adulta


Até recentemente, pouco se sabia a respeito de genes específicos responsáveis por doenças comuns nos adultos. Com a ajuda de técnicas analíticas e
laboratoriais mais avançadas, esse panorama vem se alterando. A seguir, reveremos o progresso recente na compreensão da genética das principais
doenças comuns que afetam adultos.

Transtornos Cardiovasculares
Doença cardíaca. A doença cardíaca é a causa principal de morte no mundo, sendo responsável por cerca de 25% de todos os óbitos nos EUA. A
causa mais comum é a doença arterial coronariana (DAC), causada por aterosclerose (ou estreitamento das artérias coronárias devido à formação de
lesões por depósito de lipídios). Esse estreitamento impede a chegada do fluxo sanguíneo ao coração e pode, por fim, resultar em infarto do miocárdio
(morte do tecido cardíaco, causada por suprimento inadequado de oxigênio). Quando a aterosclerose ocorre em artérias que fornecem sangue ao
cérebro, o resultado poderá ser um acidente vascular encefálico. Vários fatores de risco para DAC já foram identificados, incluindo obesidade,
tabagismo, hipertensão, nível elevado de colesterol e história familial positiva (geralmente definida como a existência de um ou mais parentes em
primeiro grau afetados). Muitos estudos já investigaram o papel da história familial na DAC e mostraram que uma pessoa com história positiva tem,
pelo menos, duas vezes maior probabilidade de sofrer a doença que outra pessoa sem parentes afetados. Em geral, esses estudos também mostram que
o risco será mais alto caso haja mais parentes

QUADRO 12-1 Descoberta de Genes que Contribuem para a Doença Multifatorial


Como mencionado no texto, estudos de gêmeos e de adoção não se destinam a revelar genes específicos que causam doenças multifatoriais. A
identificação de genes causadores específicos é um objetivo importante, pois só assim poderemos começar a compreender a biologia subjacente da
doença e procurar a correção do defeito. Para características multifatoriais complexas, essa é uma enorme tarefa, por causa da heterogeneidade de
locus, interação de genes múltiplos, penetrância reduzida, início dependente da idade e das fenocópias (pessoas que apresentam um fenótipo, como
câncer de mama, mas que não são portadoras de uma mutação reconhecidamente causadora da doença, como uma alteração no BRCA1).
Felizmente, avanços recentes no mapeamento de genes e na biologia molecular prometem tornar tal objetivo mais tangível. Aqui, discutimos várias
abordagens usadas para identificar os genes envolvidos nas características multifatoriais.

Uma maneira de procurar esses genes é usar a análise de ligação convencional, conforme descrito no Capítulo 8. As famílias com a doença são
selecionadas, assume-se um padrão de herança monogênico e a análise de ligação é feita com um grupo maior de marcadores polimórficos
espalhados pelo genoma (esse processo é denominado varredura genômica). Se um LOD escore suficientemente grande (Capítulo 8) for obtido com
um polimorfismo, assume-se que a região ao redor deste polimorfismo possa conter um gene causador da doença. Esta abordagem pode ser bem-
sucedida, especialmente quando há subgrupos de famílias nos quais um modelo monogênico de herança é observado (p. ex., autossômico
dominante ou autossômico recessivo). Foi assim que ocorreu, por exemplo, com o câncer de mama hereditário e com a doença de Alzheimer precoce
para as quais algumas famílias apresentaram um padrão bem definido de herança autossômica dominante.

Entretanto, em muitas outras doenças multifatoriais, esses subgrupos não podem ser identificados. Em função de dificuldades como a
heterogeneidade e as fenocópias, a análise de ligação tradicional pode ser impraticável. Uma alternativa é o método de análise de pares de irmãos
afetados (sib-pair analysis). A lógica dessa abordagem é simples: se dois irmãos são afetados por uma doença genética, podemos esperar maior
compartilhamento de alelos marcadores na região genômica que contém um gene de suscetibilidade. Para conduzir uma análise usando essa
abordagem são coletadas amostras de DNA de um grande número de pares de irmãos nos quais os dois membros são afetados pela doença. A
seguir, realiza-se uma varredura genômica e a proporção de pares de irmãos afetados que compartilham o mesmo alelo é estimada para cada
polimorfismo encontrado. Uma vez que os irmãos compartilham metade de seus genes (Capítulo 4), poderíamos esperar uma proporção de 50%
para polimorfismos de marcadores que não estejam ligados ao locus de suscetibilidade à doença. Entretanto, se descobrirmos que os irmãos
compartilham o mesmo alelo para um marcador polimórfico em uma proporção maior do que 50% (digamos 75% das vezes), isso evidenciaria que o
marcador estaria ligado a um locus de suscetibilidade. Essa abordagem foi usada, por exemplo, para mostrar que os genes na região HLA contribuem
para a suscetibilidade ao diabetes tipo 1.

O método de análise de pares de irmãos afetados tem a vantagem de não precisar assumir um modelo específico de herança. Além disso, o
método não é afetado pela penetrância reduzida, pois os dois membros do par de irmãos devem ser afetados para serem incluídos na análise. É
especialmente útil para doenças com início em idade avançada (p. ex., o câncer de próstata), para as quais seria difícil encontrar famílias com
múltiplas gerações das quais amostras de DNA pudessem ser coletadas. As análises de pares de irmãos afetados podem, às vezes, ser mais úteis
selecionando-se para o estudo sujeitos com valores extremos de uma característica (p. ex., pares de irmãos com pressão arterial muito alta) para
aumentar a probabilidade de encontrar genes candidatos para a característica. Uma variação dessa abordagem é utilizar pares de irmãos altamente
discordantes para uma característica (p. ex., um elemento do par com pressão arterial muito alta e o outro com a pressão arterial muito baixa) e
então buscar marcadores nos quais o compartilhamento de alelos seja inferior aos 50% esperados.

Desde a última década, os estudos de associação genômica ampla (GWAS, Capítulo 8) se tornaram comuns na pesquisa de genes que causam
doenças complexas. GWAS se tornou mais prático depois que o Projeto Genoma Humano evidenciou numerosos grupos de SNPs que são
encontrados ao longo de todo o genoma. Atualmente é comum a utilização de microarrays ou de estratégias de sequenciamento de DNA de alto
rendimento que permitem a investigação de milhões de SNPs em estudos de casos e controles. GWAS é realizada usando tanto SNPs como CNVs
maiores (que pode conter vários genes). Como as diferenças nas frequências de variantes causadoras de doenças podem ser bastante pequenas,
milhares ou até dezenas de milhares de casos e controles são frequentemente testados nesses estudos. O maior desafio do uso da GWAS é que as
variantes detectadas por tal técnica têm tipicamente apenas um pequeno efeito sobre o risco da doença (5% a 20%), e seu significado biológico
normalmente é difícil de ser interpretado. A confiança nos achados dos genes possivelmente associados a doenças aumenta se um número grande
deles codificar produtos na mesma via associada à doença (p. ex., a via do metabolismo do folato nos defeitos do tubo neural ou a via dopaminérgica
na esquizofrenia).

À medida que os custos do sequenciamento completo do exoma e do genoma diminuem, tem se tornado cada vez mais comum comparar
sequências de DNA de indivíduos afetados com controles pareados. Como é discutido no Capítulo 8, esta abordagem tem a vantagem de poder
detectar todas as variantes, incluindo alelos raros, que diferem nos dois grupos. Como eles são raros, grandes casuísticas devem ser usadas para
detectar seus efeitos. Esse problema pode ser parcialmente superado pela adição dos efeitos de todos os alelos associados a doenças a um
determinado locus em conjunto (isto é chamado de teste de carga-burden test). Além disso, tem ocorrido um ressurgimento do interesse no
sequenciamento de famílias, nas quais é provável a observação de um alelo raro em múltiplos casos. Tal abordagem tem sido bem-sucedida, por
exemplo, em identificar novos genes associados à doença de Alzheimer de início tardio.

Além de pesquisar as variantes no DNA codificador de proteína, atualmente existe considerável interesse em identificar variantes reguladoras, não
codificadoras, que podem contribuir para doenças complexas. De fato, cerca de 80% dos SNPs associados a doenças complexas por estudos de
GWAS são encontrados no DNA não codificador. Isto motiva a realização de estudos de sequenciamento de genoma completo. Entretanto, nossa
compreensão sobre a variação nas sequências reguladoras, como os enhancers e os promotores, é limitada, mas os resultados iniciais (p. ex., a
associação entre elementos enhancers e o câncer de próstata, discutida no texto) sugerem que há muito a aprender pela análise das variantes não
codificadora do genoma. Estudos de regulação epigenética (p. ex., padrões de metilação e modificação da cromatina) também podem produzir novas
descobertas.

afetados, caso o parente afetado seja do sexo feminino (em geral, o sexo menos afetado) e caso a doença iniciou-se no parente afetado antes dos 55
anos de idade. Por exemplo, um estudo revelou que homens entre 20 e 39 anos apresentavam três vezes um risco maior de DAC se tivessem um
parente em primeiro grau afetado. Esse risco aumentava para 13 vezes se houvesse dois parentes em primeiro grau afetados com DAC antes dos 55
anos de idade.
Que papel os genes desempenham na agregação familial da DAC? Por causa da função essencial dos lipídios na aterosclerose, muitos estudos se
concentraram na determinação genética da variação dos níveis de lipoproteína na circulação. Um avanço importante foi o isolamento e a clonagem do
gene que codifica o receptor de lipoproteína de baixa densidade (LDL). A heterozigosidade para uma mutação nesse gene quase dobra os níveis de
colesterol LDL e é observada em cerca de uma em cada 500 pessoas. (Esse quadro, conhecido como hipercolesterolemia familiar, é descrito mais
detalhadamente no Comentário Clínico 12-2). As mutações no gene que codifica a apolipoproteína B, observadas em cerca de uma em cada 1.000
pessoas, são outra causa genética comum de colesterol LDL elevado. Essas mutações ocorrem na porção do gene responsável pela ligação da
apolipoproteína B ao receptor de LDL e aumentam os níveis de colesterol LDL em circulação de 50% a 100%. Mais de uma dúzia de outros genes
envolvidos no metabolismo e transporte dos lipídios já foram identificados, incluindo os genes que codificam várias apolipoproteínas (que são
componentes proteicos das lipoproteínas) (Tabela 12-5). Além disso, vários genes cujos produtos proteicos contribuem para processos inflamatórios
já foram associados à DAC, refletindo o papel crítico da inflamação na origem das placas ateroscleróticas. A análise funcional desses genes está
aumentando a compreensão e melhorando o tratamento efetivo da DAC.
Fatores ambientais, muitos dos quais são facilmente modificados, também são causas importantes da DAC. Existem muitas evidências
epidemiológicas de que o consumo de cigarros e a obesidade aumentam o risco de desenvolver a DAC, enquanto o exercício e a dieta pobre em
gorduras saturadas reduzem esse risco. Na verdade, a redução aproximada de 60% na taxa ajustada à idade de mortalidade por DAC e acidente
vascular encefálico nos EUA desde 1950 é normalmente atribuída à redução na porcentagem de adultos fumantes, à redução no consumo de gorduras
saturadas, à melhora nos cuidados médicos e ao aumento na ênfase atribuída a fatores de estilo de vida sadios, como a prática de exercícios físicos.
Outra forma de doença cardíaca é a cardiomiopatia, uma anormalidade do músculo cardíaco que leva à função cardíaca inadequada. A
cardiomiopatia é uma causa comum de insuficiência cardíaca que resulta em cerca de 10 mil óbitos por ano nos EUA. Cerca de 100 genes diferentes
foram associados à cardiomiopatia. A cardiomiopatia hipertrófica, uma forma importante da doença, se caracteriza por espessamento (hipertrofia) das
porções do ventrículo esquerdo e é observada em cerca de um em cada 500 adultos. Cerca de metade dos casos de cardiomiopatia hipertrófica é
recorrente na família e causada por mutações autossômicas dominantes em algum dos múltiplos genes que codificam vários componentes do
sarcômero cardíaco. Os genes comumente mutados são aqueles que codificam a cadeia pesada da miosina-β (35% dos casos familiares), a proteína C
de ligação à miosina (20% dos casos) e a troponina T (15% dos casos).
Ao contrário da forma hipertrófica de cardiomiopatia, a cardiomiopatia dilatada, observada em cerca de uma em cada 2.500 pessoas, consiste no
aumento do tamanho e na contração prejudicada dos ventrículos. O resultado final é o enfraquecimento do bombeamento cardíaco. Essa doença é
familial em cerca de um terço das pessoas afetadas; embora as mutações autossômicas dominantes sejam mais comuns, também podem estar ligadas
ao X ou ser mitocondriais. O gene afetado com mais frequência codifica a titina, uma proteína do citoesqueleto. Outros genes

TABELA 12-5 Genes de Lipoproteína que Contribuem para o Risco de Doença Arterial Coronariana

GENE LOCALIZAÇÃO FUNÇÃO DO PRODUTO PROTEICO


DO
CROMOSSOMO

Apolipoproteína A-I 11q Componente HDL; cofator LCAT

Apolipoproteína A-IV 11q Componente de quilomícrons e HDL; pode influenciar o metabolismo de HDL

Apolipoproteína C-III 11q Variação alélica associada à hipertrigliceridemia

Apolipoproteína B 2p Ligante para o receptor de LDL; envolvida na formação de VLDL, LDL, IDL e
quilomícrons

Apolipoproteína D 2p Componente HDL

Apolipoproteína C-I 19q Ativação de LCAT

Apolipoproteína C-II 19q Ativação da lipoproteína lipase

Apolipoproteína E 19q Ligante para o receptor de LDL

Apolipoproteína A-II 1p Componente HDL

Receptor de LDL 19p Absorção de partículas circulantes de LDL

Lipoproteína(a) 6q Transporte de colesterol

Lipoproteína lipase 8p Hidrólise de lipídios lipoproteicos

Lipase de triglicerídeos hepáticos 15q Hidrólise de lipídios lipoproteicos

LCAT 16q Esterificação do colesterol

Proteína de transferência de ésteres de 16q Facilita a transferência de ésteres de colesterol e fosfolipídios entre
colesterol lipoproteínas

Adaptada em parte de King RA, Rotter JI, eds. The Genetic Basis of Common Diseases. 2nd ed. New York: Oxford University Press; 2002.
HDL, lipoproteína de alta densidade; IDL, lipoproteína de intensidade intermediária; LCAT, lecitina-colesterol aciltransferase; LDL, lipoproteína de baixa
densidade; VLDL, lipoproteína de densidade muito baixa.

COMENTÁRIO CLÍNICO 12-2


Hipercolesterolemia Familiar
A hipercolesterolemia familiar (HF) autossômica dominante é uma causa importante de doença cardíaca, respondendo por cerca de 5% dos
infartos do miocárdio (IM) em pessoas até 60 anos. A HF é uma das doenças autossômicas dominantes mais comuns: na maioria das populações
pesquisadas até o presente, cerca de uma em cada 500 pessoas é heterozigota. Os níveis de colesterol no plasma são cerca de duas vezes mais altos
do que o normal (ou seja, cerca de 300 a 400 mg/dL), resultando em aterosclerose substancialmente acelerada e ocorrência de depósitos específicos
de colesterol na pele e nos tendões, denominados xantomas (Fig. 12-6). Dados compilados de múltiplos estudos mostraram que aproximadamente
75% dos homens com HF desenvolveram doença arterial coronariana e 50% sofreram IM fatal por volta dos 60 anos. As porcentagens
correspondentes para as mulheres foram mais baixas (45% e 15%, respectivamente), pois geralmente as mulheres desenvolvem doença cardíaca em
idades mais avançadas do que os homens.
De acordo com as proporções de Hardy-Weinberg (Capítulo 4), cerca de 1/1.000.000 de nascimentos é homozigoto para o gene HF. Os
homozigotos são mais gravemente afetados, com níveis de colesterol variando de 600 a 1.200 mg/dL. A maioria dos homozigotos sofre IM antes dos
20 anos de idade, já tendo sido relatado um caso de IM aos 18 meses de vida. Sem tratamento, a maioria dos homozigotos com HF vai a óbito antes
dos 30 anos de vida.
Todas as células exigem colesterol como componente de suas membranas plasmáticas. Elas podem sintetizar seu próprio colesterol ou, de
preferência, obtê-lo do ambiente extracelular, onde ele é transportado principalmente pela proteína de baixa densidade (LDL) por um processo
denominado endocitose. O colesterol ligado à LDL é levado para a célula via receptores de LDL na superfície celular. A HF é causada por uma
redução no número de receptores de LDL funcionais na superfície celular. Como o indivíduo apresenta um número reduzido de receptores de LDL
normais, a absorção de colesterol celular também é reduzida e os níveis do colesterol circulante aumentam.
Muito do que já se sabe sobre a endocitose foi aprendido pelo estudo dos receptores de LDL. O processo da endocitose e o processamento de LDL
na célula são descritos em detalhes na Figura 12-7. Tais processos resultam em um controle acurado dos níveis de colesterol intracelular e também
influenciam o nível de colesterol circulante.

FIGURA 12-6 Xantomas (depósitos de gordura), observados nas articulações dos dedos, são achados frequentes em pacientes com
hipercolesterolemia familiar.

A clonagem do gene receptor de LDL (LDLR), em 1984, foi um passo muito importante para a compreensão exata de como os defeitos no receptor
de LDL causam a HF. Mais de mil mutações diferentes já foram identificadas, dois terços das quais são substituições de sentido trocado (missense) e
sem sentido (nonsense). As demais mutações são inserções e deleções, muitas das quais originadas de crossings desiguais (Capítulos 5 e 6) que
ocorrem entre as sequências Alu de repetição (Capítulo 2) dispersas ao longo do gene. As mutações no LDLR podem ser agrupadas em cinco grandes
classes, de acordo com seus efeitos na atividade do receptor:
• Mutações de classe I em LDLR resultam em produtos proteicos não detectáveis. Por isso, os heterozigotos produzem somente metade do número
normal de receptores de LDL.
• Mutações de classe II resultam na produção do receptor de LDL, mas ele se mostra alterado a ponto de não poder sair do retículo endoplasmático
e, por fim, se degradar.
• Mutações de classe III produzem um receptor de LDL capaz de migrar para a superfície da célula, mas incapaz de se ligar de maneira normal com a
LDL.
• Mutações de classe IV são comparativamente raras, produzem receptores normais, exceto pelo fato de não migrarem especificamente para as
depressões revestidas e, por isso, ficam impossibilitados de carregar LDL para dentro da célula.
• Mutações de classe V produzem um receptor de LDL que após a entrada na célula não é capaz de se dissociar da partícula de LDL. O receptor não
podendo voltar à superfície celular, é degradado.
Cada classe de mutações reduz o número de receptores efetivos de LDL, resultando em redução na absorção de LDL e, consequentemente, em
níveis elevados de colesterol circulante. O número de receptores normais é reduzido cerca da metade nos heterozigotos com HF e os homozigotos
praticamente não possuem receptores de LDL funcionais.
A compreensão dos defeitos que levam à HF auxiliou no desenvolvimento de terapias efetivas para a doença. A redução do colesterol na dieta
(principalmente por meio da redução da ingesta de gorduras saturadas) exerce apenas efeitos modestos nos níveis de colesterol dos heterozigotos
com HF. Uma vez que o colesterol é reabsorvido no intestino e depois reciclado pelo fígado (no qual ocorre a maior parte da síntese do colesterol), os
níveis de colesterol no soro podem ser reduzidos pela administração de resinas sequestradoras de ácidos biliares, como a colestiramina. O colesterol
absorvido é eliminado. É interessante notar que a circulação reduzida a partir do intestino faz com que as células hepáticas formem receptores
adicionais de LDL, diminuindo os níveis de colesterol em circulação. Entretanto, a redução do colesterol intracelular também estimula a síntese do
colesterol pelas células hepáticas, de modo que a redução geral de LDL no plasma é de apenas 15% a 20%. Esse tratamento é muito mais efetivo
quando combinado com uma das estatinas (p. ex., lovastatina, pravastatina), as quais reduzem a síntese do colesterol pela inibição da 3-hidroxi-3-
metilglutaril coenzima A redutase (HMG-CoA). A síntese reduzida leva à produção complementar de receptores de LDL. Quando tais terapias são
utilizadas em combinação, os níveis de colesterol plasmático em heterozigotos com HF frequentemente podem ser reduzidos para níveis quase
normais.
No caso dos homozigotos com HF, o quadro é menos encorajador. As terapias mencionadas podem aumentar a eliminação do colesterol e reduzir
sua síntese, mas são amplamente ineficazes em homozigotos, porque esses indivíduos possuem poucos ou nenhum receptor de LDL.
FIGURA 12-7 O processo da endocitose mediada por receptor. 1. Os receptores de lipoproteína de baixa densidade (LDL) são sintetizados no retículo
endoplasmático da célula. 2. Eles passam através do complexo de Golgi para a superfície celular, onde parte do receptor fica exposta para o exterior da
célula. 3. A partícula de LDL circulante se liga ao receptor de LDL e fica nas vesículas da superfície celular chamadas de depressões revestidas (assim
chamadas por serem revestidas com uma proteína chamada clatrina). 4. A depressão revestida invagina-se, levando a partícula de LDL para dentro da
célula. 5. Uma vez no interior da célula, a partícula de LDL é separada do receptor, levada para dentro de um lisossomo e fragmentada em seus
elementos constituintes por enzimas lisossômicas. 6. O receptor de LDL é devolvido para a superfície celular para se ligar a outra partícula de LDL.
Cada receptor de LDL passa por esse ciclo pelo menos uma vez a cada 10 minutos, mesmo se não estiver ligado a uma partícula de LDL. 7. O colesterol
livre é liberado do lisossomo para incorporação nas membranas celulares ou para ser metabolizado em ácidos biliares ou esteroides. O excesso de
colesterol pode ser armazenado na célula como éster de colesterol ou removido por associação à lipoproteína de alta densidade (HDL). 8. À medida
que o nível de colesterol na célula aumenta, a síntese do colesterol celular é reduzida por inibição da enzima HMG-CoA redutase. 9. O aumento nos
níveis de colesterol também aumenta a atividade da acil-coenzima A:colesterol aciltransferase (ACAT), uma enzima que modifica o colesterol para
armazenamento como ésteres de colesterol. 10. Além disso, o número de receptores de LDL é reduzido, por redução da transcrição do próprio gene
do receptor de LDL, o que reduz a absorção de colesterol.

Os transplantes de fígado, que fornecem hepatócitos com receptores de LDL normais, já foram realizados com sucesso em alguns casos, mas essa
opção frequentemente é limitada pela falta de doadores. A troca de plasma, realizada a cada uma ou duas semanas, em combinação com a terapia
medicamentosa, pode reduzir os níveis de colesterol em cerca de 50%. Entretanto, é difícil manter esse processo terapêutico por períodos
prolongados. A terapia gênica de células somáticas, na qual hepatócitos portando genes de receptores de LDL normais são introduzidos na
circulação do sistema portal, já está sendo testada (Capítulo 13). Talvez ela seja efetiva para o tratamento de homozigotos com HF.
Como foi discutido no texto, a HF também pode ser causada por mutações herdadas no gene que codifica a apolipoproteína B. Além disso, um
pequeno número de casos de HF é causado por mutações no gene que codifica PCSK9 (pró-proteína convertase subtilisina/kexina tipo 9), uma
enzima que tem um papel na degradação dos receptores de LDL. Mutações de ganho de função no gene PCSK9 reduzem o número de receptores de
LDL, causando HF. Mutações de perda de função nesse gene podem aumentar o número de receptores de LDL, resultando em níveis
excepcionalmente baixos de LDL. Este achados levaram ao desenvolvimento de drogas que inibem a atividade de PCSK9, diminuindo assim os níveis
do colesterol LDL. Essas drogas estão na fase final dos estudos clínicos, e podem reduzir os níveis de colesterol LDL em aproximadamente 50% da
população de indivíduos com hipercolesterolemia e produzem efeitos significativos mesmo naqueles que estão em uso de drogas da estatina.
O histórico da hipercolesterolemia familiar ilustra as importantes contribuições feitas pela pesquisa médica para compreender tanto a biologia
básica das células, quanto os avanços na terapia clínica. O processo de endocitose mediada por receptor, que foi amplamente elucidado por
pesquisas sobre os defeitos dos receptores de LDL, tem significado especial para os processos celulares que ocorrem em todo o corpo. Da mesma
maneira, essas pesquisas, ao esclarecerem como a síntese e a absorção do colesterol podem ser modificadas, levaram a melhorias significativas na
terapia dessa causa importante de doença cardíaca. A descoberta de mutações raras em PCSK9 resultou em drogas inibidoras de PCSK9 que podem
beneficiar milhões de pessoas com níveis elevados de colesterol.

que podem causar cardiomiopatia dilatada codificam outras proteínas, incluindo actina, troponina T cardíaca, desmina e os componentes do complexo
distroglicano-sarcoglicano. (Lembre-se do Capítulo 5: as anormalidades das últimas proteínas também podem causar distrofias musculares).
Mutações também foram identificadas em mais de uma dúzia de genes que causam a síndrome do QT longo (LQT). Essa síndrome, que é
observada em uma em cada 2.000 pessoas, impõe o intervalo QT caracteristicamente alongado no eletrocardiograma das pessoas afetadas, indicativo
de repolarização cardíaca atrasada. Essa doença, que pode ser causada ou por mutações herdadas ou por exposição a drogas que bloqueiam os canais
de potássio, predispõe a pessoa afetada a um quadro potencialmente fatal de arritmia cardíaca. Uma forma autossômica dominante da doença,
conhecida como síndrome de Romano-Ward, pode ser causada por mutações de perda de função em genes que codificam os canais de potássio (como
KCNQ1, KCNH2, KCNE1, KCNE2 ou KCNJ2). Tais mutações retardam a repolarização cardíaca. As mutações de ganho de função em vários desses
mesmos genes demonstraram produzir um intervalo QT encurtado, como o esperado. A síndrome de Romano-Ward também pode ser causada por
mutações de ganho de função em genes dos canais de sódio ou de cálcio (SCN5A e CACNA1C, respectivamente), o que resulta em corrente
prolongada de despolarização. (A Tabela 12-6 apresenta outros exemplos de mutações que podem causar LQT).
Uma forma autossômica recessiva da síndrome de LQT, conhecida como síndrome de Jervell e Lange-Nielsen, é menos comum do que a síndrome
de Romano-Ward, mas está associada a um intervalo QT mais longo, à incidência mais alta de morte cardíaca súbita e à surdez neurossensorial. Essa
síndrome é causada por mutações em KCNQ1 ou em KCNE1. Em virtude da dificuldade de se diagnosticar a síndrome do LQT com precisão, os
testes genéticos permitem um diagnóstico mais preciso dos membros afetados da família. Além disso, a identificação dos genes causadores de doença
e de seus produtos proteicos está possibilitando o desenvolvimento de terapia medicamentosa para ativar os codificadores de canais iônicos. O fato de
as arritmias cardíacas responderem pela maioria das 300 mil mortes cardíacas súbitas que ocorrem anualmente nos EUA faz com que a melhor
compreensão dos defeitos genéticos associados a elas tenham considerável significado em saúde pública.

A doença cardíaca tem agregação familial. Essa agregação é especialmente maior caso a manifestação da doença ocorra
em idade precoce e caso existam vários parentes afetados. Genes específicos foram identificados para alguns subgrupos de
famílias com doença cardíaca, e as alterações no estilo de vida (exercícios, dieta e evitar o cigarro) podem modificar
significativamente os riscos de doença.

Acidente vascular encefálico. O acidente vascular encefálico (ou acidente vascular cerebral), que diz respeito ao dano cerebral causado por perda
súbita e permanente do fluxo sanguíneo para o cérebro, pode resultar de obstrução arterial (acidente vascular encefálico isquêmico, responsável por
80% dos casos) ou rompimento arterial (acidente vascular encefálico hemorrágico). Essa doença é a quarta causa principal de mortalidade nos EUA,
respondendo por aproximadamente 140 mil óbitos por ano. Assim como ocorre na doença cardíaca, os acidentes vasculares encefálicos se agregam
em famílias. O risco de apresentá-lo aumenta duas a três vezes caso um dos pais tenha sofrido um episódio. O maior estudo de gêmeos conduzido até
hoje mostrou que as taxas de concordância para morte por acidente vascular encefálico em gêmeos MZ e DZ foram de 10% e 5%, respectivamente.
Esses dados indicam que os genes podem influenciar a suscetibilidade individual a essa doença.
O acidente vascular encefálico pode ser causado por uma entre diversas doenças monogênicas, incluindo a anemia falciforme (Capítulo 3),
MELAS (uma doença mitocondrial caracterizada por miopatia, encefalopatia, acidose láctica e acidente vascular encefálico-stroke, discutida
no Capítulo 5)

TABELA 12-6 Exemplos de Subtipos Mendelianos de Doenças Complexas*

SUBTIPO MENDELIANO PROTEÍNA (GENE) CONSEQUÊNCIA DA MUTAÇÃO

Doença Cardíaca

Hipercolesterolemia familiar Receptor de LDL (LDLR) Nível elevado de LDL


Apolipoproteína B (APOB) Nível elevado de LDL
Pró-proteína convertase subtilisina/kexina Mutações com ganho de função elevam LDL; mutações com
Tipo 9 (PCSK9) perda de função reduzem LDL

Doença de Tangier Transportador 1 de cassette de ligação de ATP Nível reduzido de HDL


(ABC1)

Cardiomiopatia dilatada Troponina T cardíaca (TNNT2) Geração de força por sarcômeros reduzida
familiar Titina (TTN) Sarcômero desestabilizado

Cadeia pesada da β-miosina cardíaca (MYH7) Geração de força por sarcômeros reduzida

β-sarcoglicano (SGCB) Sarcolema desestabilizado e transdução de sinal

δ-sarcoglicano (SGCD) Sarcolema desestabilizado e transdução de sinal

Distrofina Sarcolema desestabilizado em miócitos cardíacos

Cardiomiopatia hipertrófica Cadeia pesada da β-miosina cardíaca (MYH7) Geração de força por sarcômeros reduzida
familiar

Troponina cardíaca T (TNNT2) Geração de força por sarcômeros reduzida

Proteína C de ligação à miosina (MYBPC) Dano ao sarcômero

Síndrome do QT longo Subunidade α do canal de potássio cardíaco Intervalo QT prolongado no ECG, arritmia
(LQT1, KCNQ1)

Subunidade α do canal de potássio cardía­co Intervalo QT prolongado no ECG, arritmia


(LQT2, KCNQ2)
Canal de sódio cardíaco (LQT3, SCN5A) Intervalo QT prolongado no ECG, arritmia

Proteína de ancoramento da ancirina B (LQT4, Intervalo QT prolongado no ECG, arritmia


ANK2)

Subunidade β do canal de potássio cardíaco Intervalo QT prolongado no ECG, arritmia


(LQT2, KCNE1)

Subunidade do canal de potássio cardíaco Intervalo QT prolongado no ECG, arritmia


(LQT6, KCNE2)

Hipertensão

Síndrome de Liddle Subunidades do canal de sódio epitelial renal Hipertensão grave, renina baixa e aldosterona suprimida
(SCNN1B, SCNN1G)

Síndrome de Gordon Genes de quinases WNK1 ou WNK4 Nível alto de potássio sérico e reabsorção renal de sal aumentada

Aldosteronismo tratável por Fusão de genes que codificam a aldosterona Hipertensão precoce com supressão de renina no plasma e níveis
glicocorticoides sintetase e esteroide 11β-hidroxilase normais ou elevados de aldosterona

Síndrome do excesso 11β-hidroxiesteroide desidrogenase (11β- Hipertensão precoce, níveis baixos de potássio e de renina,
aparente de HSD2) aldosterona baixa
mineralocorticoide

Diabetes

MODY 1 Fator nuclear 4α de hepatócitos (HNF4A) Secreção reduzida de insulina

MODY 2 Glicoquinase (GCK) Metabolismo de glicose prejudicado,levando à hiperglicemia não


progressiva leve

MODY 3 Fator nuclear 1α de hepatócitos (HNF1A) Secreção reduzida de insulina

MODY 4 Fator promotor de insulina 1 (IPF1) Transcrição reduzida do gene da insulina

MODY 5 Fator nuclear 1β de hepatócitos (HNF1B) A disfunção das células β leva à secreção reduzida de insulina

MODY 6 Fator de transcrição NeuroD (NEUROD1) Secreção reduzida de insulina

Doença de Alzheimer

Doença de Alzheimer familiar Proteína precursora β-amiloide (APP) Alteração dos sítios de clivagem da proteína precursora β-
amiloide, produzindo fragmentos amiloides mais longos.

Presenilina 1 (PS1) Clivagem alterada da proteína precursora β-amiloide, produzindo


proporção maior de fragmentos amiloides longos

Presenilina 2 (PS2) Clivagem alterada da proteína precursora β-amiloide, produzindo


proporção maior de fragmentos amiloide longos

TABELA 12-6 Exemplos de Subtipos Mendelianos de Doenças Complexas* – continuação

SUBTIPO MENDELIANO PROTEÍNA (GENE) CONSEQUÊNCIA DA MUTAÇÃO

Doença de Parkinson

Doença de Parkinson familiar Sinucleína-α (PARK1, SNCA) Formação de agregações de sinucleína-α


(autossômica dominante)

Doença de Parkinson familiar Parkina: E3 ubiquitil ligase, considerada responsável pela Degradação comprometida da sinucleína-α
(autossômica recessiva) ubiquitinação da sinucleína-α (PARK2)

Doença de Parkinson familiar Ubiquitina C-hidrolase-L1 (PARK5) Acúmulo de sinucleína-α


(autossômica dominante)

Esclerose Lateral Amiotrófica

Esclerose lateral amiotrófica Superóxido dismutase 1(SOD1) Ganho de função neurotóxica


familiar

Esclerose lateral amiotrófica C9ORF72 Mutação por expansão de repetição


familiar

Esclerose lateral amiotrófica juvenil Alsina (ALS2) Perda de função presumida


(autossômica recessiva)

Epilepsia

Epilepsia neonatal benigna, tipos 1 Canais de potássio controlados por voltagem (KCNQ2 e Corrente M reduzida aumenta a excitabilidade
e2 KCNQ3, respectivamente) neuronal

Epilepsia generalizada com Subunidade β1 do canal de sódio (SCN1B) Persistência da corrente de sódio levando à
convulsões febris + tipo 1 excitabilidade neuronal exagerada

Epilepsia noturna do lobo frontal Subunidades do receptor neuronal da acetilcolina Excitabilidade neuronal aumentada em
autossômica dominante nicotínica (CHRNA4 e CHRNB2) resposta à estimulação colinérgica

Epilepsia generalizada com GABAA, receptor (GABRG2) Perda da inibição sináptica levando à
convulsões febris + tipo 3 excitabilidade neuronal

*Consulte na Tabela 8-2 os genes envolvidos em outras doenças, incluindo deficiência auditiva e cegueira. Esta tabela não tem a intenção de fornecer
uma lista completa de genes; outros genes são discutidos nos artigos de revisão mencionados no final do Capítulo 12.
HDL, lipoproteína de alta densidade; LDL, lipoproteína de baixa densidade; MODY, diabetes juvenil de início tardio.

a arteriopatia cerebral autossômica dominante com infartos subcorticais e leucoencefalopatia (CADASIL, um quadro caracterizado por acidentes
vasculares encefálicos recorrentes e demência, causado por mutações no gene NOTCH3). Uma vez que os coágulos sanguíneos são uma causa
comum dos acidentes vasculares cerebrais, espera-se que as mutações nos genes que codificam fatores de coagulação possam afetar a suscetibilidade.
Por exemplo, as deficiências herdadas da proteína C e da proteína S, ambas atuando como inibidores da coagulação estão associadas a um risco
aumentado, especialmente em crianças. Uma mutação específica no fator V de coagulação, denominada de alelo do fator V de Leiden, causa
resistência à proteína C ativada e, por isso, produz suscetibilidade aumentada à coagulação. A heterozigosidade para esse alelo, que é observada em
cerca de 5% da população caucasiana, produz um aumento sete vezes maior no risco de trombose venosa (coágulos). Nos homozigotos, o risco
aumenta para 100 vezes. Entretanto, a evidência de associação entre o alelo do fator V de Leiden e o acidente vascular encefálico é inconsistente.
Além do histórico familial e dos genes específicos, sabe-se que vários fatores aumentam o risco de acidente vascular encefálico: hipertensão,
obesidade, aterosclerose, diabetes e tabagismo.

O acidente vascular encefálico, que se agrega em famílias, está associado a doenças monogênicas e a algumas doenças
hereditárias de coagulação.

Hipertensão. A hipertensão sistêmica é um fator de risco chave para doença cardíaca, acidente vascular encefálico e doença renal. Estima-se que a
hipertensão seja responsável por aproximadamente metade de toda mortalidade por causa cardiovascular. Os estudos das correlações de pressão
sanguínea nas famílias resultam em estimativas de herdabilidade de aproximadamente 30% a 50% tanto para a pressão arterial sistólica como para
diastólica. As estimativas de herdabilidade baseadas em estudos de gêmeos tendem a ser mais altas (cerca de 60%) e podem estar superestimadas por
causa de similaridades maiores de ambiente dos gêmeos MZ, comparados aos DZ. O fato das estimativas de herdabilidade serem substancialmente
inferiores a 100% indica que fatores ambientais também devem contribuir de forma significativa para a variação da pressão arterial. Os fatores de
risco ambientais conhecidos mais importantes são: excesso de consumo de sal, redução da atividade física, estresse psicossocial e obesidade (como
discutido adiante, este último é influenciado por genes e pelo ambiente).
A regulação da pressão arterial é um processo altamente complexo e influenciado por muitos sistemas fisiológicos, incluindo os vários aspectos da
função renal, o transporte de íons nas células, o tônus vascular e a função cardíaca. Por causa de tal complexidade, muitas investigações científicas
estão focadas em componentes específicos que podem influenciar a variação da pressão arterial, como o sistema renina-angiotensina (Fig. 12-8)
(envolvido na reabsorção do sódio e na vasoconstrição), os vasodilatadores, como óxido nítrico e o sistema calicreína-cinina, e os sistemas de
transporte de íons, como a aducina e o contratransporte sódio-lítio. Esses fatores individualmente têm maior probabilidade de serem controlados por
um número menor de genes do que a própria pressão arterial, simplificando a tarefa de identificação desses genes e do seu papel na regulação da
pressão

↑ ↓
FIGURA 12-8 O sistema da renina-angiotensina-aldosterona. , aumento; , redução; AT1, receptor 1 da angioten­sina tipo II. (Modificada de King RA,
Rotter JI, Motulsky AG [eds]: The Genetic Basis of Common Diseases. New York: Oxford University Press, 1992.)

sanguínea. Por exemplo, estudos de ligação e de associação já indicaram vários genes envolvidos no sistema renina-angiotensina (como os genes que
codificam o angiotensinogênio, enzima conversora de angiotensina I e o receptor do tipo 1 da angiotensina II) como causadores da hipertensão.
Uma pequena porcentagem de casos de hipertensão resulta de doenças monogênicas raras, como a síndrome de Liddle (baixo nível de aldosterona
plasmática e hipertensão, causada por mutações que alteram o canal de sódio epitelial ENaC) e a síndrome de Gordon (hipertensão, nível elevado de
potássio sérico e reabsorção renal de sal aumentada, causada por mutações nos genes WNK1 ou WNK4 de quinases); a Tabela 12-6 apresenta
exemplos adicionais. Já foram identificados mais de 20 genes que podem levar a formas hereditárias raras de hipertensão, e todas afetam a reabsorção
de água e de sal pelos rins, que interfere no volume de sangue e na pressão sanguínea. Espera-se que o isolamento e o estudo desses genes, e das vias
25
metabólicas em que atuam, levem à identificação dos fatores genéticos associados à hipertensão essencial.
Investigações do genoma em larga escala, realizados em mais de 100.000 seres humanos e em animais experimentais como camundongos e ratos,
buscaram identificar loci de características quantitativas (Quadro 12-1) que pudessem estar associados à hipertensão essencial. Esses estudos
identificaram dezenas de genes que influenciam a suscetibilidade à hipertensão. Embora o efeito individual de cada um deles seja pequeno (como se
espera de uma característica multifatorial), coletivamente eles explicam uma significativa proporção do risco genético para hipertensão.

As estimativas de herdabilidade para a pressão arterial sistólica e diastólica variam de 30% a 50%. Vários genes
responsáveis por síndromes raras de hipertensão já foram identificados, e investigações do genoma já indicaram regiões
que podem conter genes associados à suscetibilidade à hipertensão essencial. Outros fatores de risco para a hipertensão
incluem a ingestão exagerada de sódio, a falta de exercício, o estresse psicossocial e a obesidade.

Câncer
O câncer é a segunda causa de morte nos EUA, embora se estime que logo possa ultrapassar a doença cardíaca, que lidera como a causa principal. Já
está bem estabelecido que muitos tipos importantes de câncer (como de mama, de cólon, de próstata e de ovário) formam agregados familiares muito
fortes. Isso se deve ao compartilhamento tanto de genes quanto de fatores ambientais. Embora vários genes causadores de câncer tenham sido
isolados, os fatores ambientais também desempenham um papel fundamental na manifestação do câncer por induzirem mutações somáticas. Em
especial, estima-se que o tabagismo seja responsável por um terço de todos os casos de câncer em países desenvolvidos, tornando-o a causa conhecida
mais importante da doença. A dieta (p. ex., substâncias carcinogênicas e a falta de componentes “anticâncer” como fibras, frutas e vegetais) é outra
causa importante de neoplasia que também pode responder por mais de um terço dos casos da doença. Estima-se que aproximadamente 15% de todos
os casos no mundo resultem da ação inicial de agentes infecciosos (p. ex., o papiloma vírus humano no câncer de colo uterino, as hepatites B e C no
câncer do fígado). Como a genética do câncer foi o tema do Capítulo 11, aqui nós concentramos nossa atenção nos fatores genéticos e ambientais que
influenciam a suscetibilidade a alguns dos cânceres mais comuns.
Câncer de mama. O câncer de mama é o segundo tipo de câncer mais frequentemente diagnosticado (depois do câncer de pele) entre as mulheres,
afetando cerca de 12% da população feminina americana que vive até os 85 anos ou mais. A doença foi diagnosticada em cerca de 230 mil mulheres
americanas em 2014. Embora a mortalidade por esse tipo de câncer venha declinando há 25 anos, cerca de 40.000 mulheres nos Estados Unidos
morrem em decorrência da doença a cada ano. O câncer de mama liderou os casos de morte entre as mulheres anteriormente, mas foi superado pelo
câncer de pulmão. A doença também pode ocorrer nos homens, com prevalência aproximadamente 100 vezes mais baixa do que entre as mulheres
(2.400 casos diagnosticados em 2014). A agregação familial de câncer de mama tem sido reconhecida há séculos e foi descrita por médicos já na
Roma antiga. Se uma mulher tiver parente em primeiro grau com a doença, seu risco de desenvolver o câncer será duas vezes maior. O risco aumenta
ainda mais com a existência de outras mulheres afetadas na família, se estas desenvolveram câncer em idade relativamente precoce (antes dos 50
anos).
Vários genes são reconhecidos como fatores de predisposição das mulheres ao câncer de mama hereditário, sendo os mais importantes o BRCA1 e
o BRCA2, dois genes envolvidos no reparo do DNA (Capítulo 11). As mutações da linhagem germinativa nos genes TP53 e CHK2 podem causar a
síndrome de Li-Fraumeni, que também predispõe ao câncer de mama. A doença de Cowden, uma condição autossômica dominante rara que inclui
hamartomas múltiplos e câncer de mama, é causada por mutações no gene PTEN, um gene supressor de tumor (Capítulo 11). A ataxia-telangiectasia,
uma doença autossômica recessiva causada por defeito de reparo do DNA, tem o câncer de mama como uma de suas consequências. As mutações nos
genes de reparo MSH2 e MLH1, que levam ao câncer de cólon não polipomatoso hereditário (HNPCC), também aumentam o risco de câncer de
mama. Apesar da importância desses genes, deve-se enfatizar que mais de 90% dos casos de câncer de mama não são herdados como doenças
mendelianas.
Neste contexto, vários fatores ambientais são conhecidos por aumentarem o risco de desenvolvimento do câncer de mama. Entre eles se destaca a
nuliparidade (nunca ter engravidado), o nascimento do primeiro filho após os 30 anos de idade, uma dieta rica em gordura, alcoolismo e a terapia de
reposição hormonal.
Câncer colorretal. Estima-se que um em cada 20 americanos desenvolverá câncer colorretal e quase um terço da população afetada irá a óbito por
causa da doença. Com cerca de 135 mil novos casos e 50 mil mortes nos EUA a cada ano, o câncer colorretal só fica atrás do câncer de pulmão no
número total de mortes por câncer, anualmente. De forma similar ao câncer de mama, o câncer colorretal se agrega em famílias, e a forma familial da
doença vem sendo referida pela literatura desde 1881. O risco de câncer colorretal em pessoas com um parente em primeiro grau afetado é duas a três
vezes maior do que aquele da população em geral.
Como discutido no Capítulo 11, o câncer colorretal familial pode ser o resultado de mutações no gene supressor de tumor APC ou em um dos
vários genes de reparo do DNA (HNPCC). Outra causa herdada menos comum de câncer colorretal é a síndrome autossômica dominante de Peutz–
Jeghers. Cerca da metade dos casos dessa síndrome é causada por mutações no gene supressor de tumor STK11, que codifica uma proteína quinase. A
polipose intestinal juvenil, uma doença autossômica dominante definida pela presença de 10 ou mais pólipos antes da vida adulta, pode ser causada
por mutações no gene SMAD4 (Capítulo 11), no gene BMPRA1 (um gene receptor de serina-treonina cinase) ou, em casos raros, no gene PTEN.
Como acontece com o câncer de mama, a maioria dos casos de câncer colorretal (mais de 90%) não é herdada como condição mendeliana, sendo,
provavelmente, causada por uma interação complexa de alterações genéticas herdadas e somáticas, além dos fatores ambientais. Esses últimos fatores
de risco incluem a falta de atividade física e uma dieta rica em gorduras e pobre em fibras.
Câncer de próstata. O câncer de próstata é o segundo câncer mais frequentemente diagnosticado nos homens (depois do câncer de pele), com cerca
de 220 mil novos casos por ano nos EUA. Perde somente para o câncer de pulmão como causa de morte nos homens, resultando em mais de 27 mil
óbitos a cada ano. A presença de um parente em primeiro grau também afetado aumenta o risco de desenvolver câncer de próstata em duas a três
vezes. Estima-se que a herdabilidade desse câncer seja de cerca de 40%.
A idade relativamente avançada de início da maioria dos casos de câncer de próstata (idade média de 72 anos) dificulta substancialmente a análise
genética. Entretanto, a perda da heterozigosidade (Capítulo 11) tem sido observada em várias regiões genômicas em células de tumores prostáticos,
possivelmente indicando a presença de alterações genéticas nessas regiões. Além disso, estudos de associação genômica ampla (GWAS) já
identificaram várias dezenas de polimorfismos associados ao risco de câncer de próstata. Vários estão localizados no cromossomo 8, em 8q24, que
contém polimorfismos associados também a vários outros tipos de câncer (cólon, pâncreas e esôfago). Embora a região 8q24 não contenha genes
codificadores de proteína, ela contém elementos enhancers que afetam a expressão do oncogene MYC, localizado a cerca de 250 kb de 8q24.
Os fatores de risco não genéticos para câncer de próstata podem incluir a dieta rica em gorduras. Uma vez que o câncer de próstata normalmente
progride lentamente e pelo fato de poder ser detectado por exame digital e pelo teste do antígeno prostático específico (PSA), geralmente é possível
prevenir metástases fatais.

A maioria das neoplasias malignas comuns tem componentes genéticos. Os riscos de recorrência tendem a aumentar se
há vários parentes afetados e se esses familiares desenvolveram o câncer em idade precoce. Já foram identificados vários
genes específicos que causam câncer hereditário de cólon, de mama e de próstata em algumas famílias.

Diabetes Melito
Como as outras doenças discutidas neste capítulo, a etiologia do diabetes melito é complexa e ainda não completamente esclarecida. Apesar disso, já
houve um grande progresso na compreensão da base genética dessa doença, que é a causa principal de cegueira, insuficiência renal e amputação de
membros inferiores em adultos, além de ser uma das principais causas de doença cardíaca e de acidente vascular encefálico. Um avanço importante
foi o reconhecimento de que o diabetes melito é, na verdade, um grupo heterogêneo de doenças, todas caracterizadas por níveis elevados de açúcar no
sangue. Neste capítulo, vamos nos concentrar nos três tipos principais de diabetes: tipo 1 (anteriormente conhecido como diabetes melito dependente
de insulina ou IDDM), tipo 2 (anteriormente conhecido como diabetes melito não dependente de insulina, ou NIDDM) e o diabetes juvenil de início
tardio (MODY).
Diabetes tipo 1. O diabetes tipo 1, caracterizado por infiltração de células T do pâncreas e destruição das células beta produtoras de insulina
(embora nem sempre), se manifesta antes dos 40 anos de idade. As pessoas afetadas precisam receber insulina exógena para sobreviver. Além da
infiltração das células T do pâncreas, autoanticorpos são formados contra as células pancreáticas, a insulina e as enzimas, como a descarboxilase do
ácido glutâmico; tais autoanticorpos podem ser observados bem antes da ocorrência dos sintomas clínicos. Esses achados, junto com a forte
associação entre o diabetes tipo 1 e a presença de vários alelos de classe II do antígeno leucocitário humano (HLA), indicam tratar-se de uma doença
autoimune. Nas últimas décadas, a incidência de diabetes tipo 1 aumentou substancialmente.
Irmãos das pessoas com esse tipo de diabetes enfrentam aumento substancial de risco: cerca de 6%, em oposição ao risco entre 0,3% e 0,5% da
população em geral. O risco de recorrência também se mostra elevado quando há um genitor diabético, embora o risco varie com o sexo do genitor
afetado. O risco para a prole de mães diabéticas é apenas de 1% a 3%, mas sobe para 4% a 6% para a prole de pais diabéticos. (Uma vez que o
diabetes tipo 1 afeta homens e mulheres em proporções muito semelhantes na população em geral, a diferença no risco não é condizente com o
modelo de limiar relacionado ao sexo para características multifatoriais.) Estudos com gêmeos mostram que o risco empírico para gêmeos MZ com
diabetes tipo 1 varia de 30% a 50%. Ao contrário, a taxa de concordância para gêmeos DZ varia de 5% a 10%. O fato de o diabetes tipo 1 não ter
100% de concordância entre gêmeos idênticos indica que fatores genéticos não são os únicos responsáveis pela doença. Existe evidência de que
infecções virais específicas contribuem para causar o diabetes tipo 1 em pelo menos algumas pessoas, possivelmente por ativarem uma resposta
autoimune.
A associação de alelos de MHC classe II específicos com o diabetes tipo 1 tem sido extensivamente estudada, e estima-se que alguns loci de HLA
respondam por cerca de 40% a 50% da suscetibilidade genética ao diabetes tipo 1. Cerca de 95% da população caucasiana com diabetes tipo 1 possui
os alelos HLA DR3 e/ou DR4, enquanto somente cerca de 50% da população caucasiana possui um ou outro desses alelos. Se um probando afetado e
um irmão são ambos heterozigotos para os alelos DR3 e DR4, o risco de o irmão desenvolver o diabetes tipo 1 é de quase 20% (ou seja, cerca de 40
vezes mais alto que o risco da população em geral). Essa associação pode refletir, em parte, um desequilíbrio de ligação entre alelos do locus DR e
aqueles do locus HLA-DQ. A ausência de ácido aspártico na posição 57 do polipeptídeo DQ está fortemente associada à suscetibilidade ao diabetes
tipo 1; na verdade, aqueles que não possuem esse aminoácido na posição 57 (ao contrário, são homozigotos para um aminoácido diferente) têm 100
vezes mais probabilidade de desenvolver o diabetes tipo 1. A substituição do ácido aspártico altera a forma da molécula de classe II e, portanto, sua
habilidade em aderir e apresentar peptídeos às células T (Capítulo 9). O reconhecimento das células T alteradas pode ajudar a proteger as pessoas que
possuem a substituição do ácido aspártico contra um episódio autoimune.
O gene da insulina, localizado no braço curto do cromossomo 11, é outro candidato lógico para a suscetibilidade ao diabetes tipo 1. Polimorfismos
desse gene e próximos a ele foram testados quanto à associação com o diabetes tipo 1. É interessante notar que há uma forte associação de risco
relacionada com a variação alélica de um polimorfismo do tipo VNTR (Capítulo 3) localizado na extremidade 5’ do gene da insulina. As diferenças
no número de unidades de repetição VNTR podem afetar a transcrição do gene (possivelmente por alterar a estrutura da cromatina), resultando em
variação na suscetibilidade. Estima-se que a variação genética herdada na região da insulina seja responsável por cerca de 10% dos agregados
familiais do diabetes tipo 1.
Análises de pares de irmãos afetados e estudos de associação genômica ampla têm sido extensamente usados para mapear outros genes que podem
causar o diabetes tipo 1. Além disso, um modelo animal, do camundongo diabético não obeso (NOD), tem sido usado para identificar genes de
suscetibilidade ao diabetes que poderiam desempenhar papéis semelhantes em seres humanos (Quadro 12-1). Esses estudos identificaram dezenas de
genes adicionais associados à suscetibilidade ao diabetes tipo 1. Um deles foi o CTLA4 (proteína 4 associada ao linfócito T citotóxico), que codifica
um receptor de inibição de células T. Vários estudos já demonstraram que alelos do CTLA4 estão associados ao risco aumentado de diabetes tipo 1.
Existe evidência crescente de que a variação em CTLA4 também está associada a outras doenças autoimunes como a artrite reumatoide e a doença
celíaca. Outro gene associado à suscetibilidade ao diabetes tipo 1, o PTPN22, está envolvido na regulação das células T e também está associado a
outras doenças autoimunes, incluindo a artrite reumatoide e o lúpus eritematoso sistêmico.
Diabetes tipo 2. O diabetes tipo 2 responde por mais de 90% de todos os casos de diabetes e sua incidência está aumentando rapidamente em
populações com acesso a dietas muito calóricas. Atualmente, afeta cerca de 10% a 20% das populações adultas de muitos países desenvolvidos.
Devido ao aumento acelerado na taxa populacional, estima-se que um terço dos americanos nascidos no ano 2000 desenvolverá o diabetes tipo 2.
Várias características diferenciam o diabetes tipo 2 do diabetes tipo 1. Pessoas com diabetes tipo 2 geralmente possuem algum grau de produção de
insulina endógena, pelo menos nos estágios mais precoces da doença e podem, às vezes, serem tratadas com sucesso com a modificação da dieta,
utilização de drogas orais ou ambos. Ao contrário dos pacientes com diabetes tipo 1, aqueles com diabetes tipo 2 apresentam resistência à insulina (ou
seja, suas células têm dificuldade de usar a insulina) e apresentam mais probabilidade de serem obesos. Essa forma de diabetes é tradicionalmente
observada principalmente em pacientes com mais de 40 anos, mas por causa da obesidade crescente entre adolescentes e adultos jovens, ela também
está crescendo rapidamente nesse segmento

TABELA 12-7 Comparação das Características Principais do Diabetes Melito Tipo 1 e Tipo 2

CARACTERÍSTICA DIABETES TIPO 1 DIABETES TIPO 2

Idade da apresentação Geralmente < 40 Geralmente > 40


anos anos

Produção de insulina Nenhuma Parcial

Resistência à insulina Não Sim

Autoimunidade Sim Não

Obesidade Não comum Comum

Concordância entre gêmeos MZ 0,35 – 0,50 0,90

Risco de recorrência em irmãos 1% – 6% 15% – 40%

MZ, monozigóticos.

populacional. Nenhuma associação com HLA ou com autoanticorpos é comumente observada nessa forma de diabetes. As taxas de concordância
entre gêmeos MZ são substancialmente mais altas do que aquelas do diabetes tipo 1, frequentemente superando os 90% (por causa da dependência da
idade, as taxas de concordância aumentam se são estudados pacientes mais velhos). Os riscos empíricos de recorrência para parentes em primeiro
grau de pacientes com diabetes tipo 2 são maiores do que aqueles para os de pacientes com o tipo 1, variando geralmente de 15% a 40%. A Tabela
12-7 resume as diferenças entre os diabetes tipo 1 e tipo 2.
Os dois fatores de risco mais importantes para o diabetes tipo 2 são a história familial positiva e a obesidade, esta última aumentando a resistência
à insulina. A prevalência da doença tende a aumentar quando as populações adotam uma dieta e um padrão de exercícios típico das populações dos
EUA e da Europa. Tal aumento pode ser observado, por exemplo, entre os imigrantes japoneses para os EUA e entre algumas populações nativas do
Pacífico Sul, da Austrália e das Américas. Vários estudos, conduzidos tanto em homens quanto em mulheres, demonstraram que a prática regular de
exercícios pode reduzir substancialmente o risco de desenvolver diabetes tipo 2, mesmo entre pessoas com história familial da doença. Isso se deve,
em parte, ao fato de que o exercício reduz a obesidade. Entretanto, mesmo na ausência da perda de peso, o exercício aumenta a sensibilidade à
insulina e melhora o nível de tolerância à glicose.
Extensivas análises de ligação e estudos de associação genômica ampla foram conduzidos para identificar genes que pudessem contribuir para a
suscetibilidade ao diabetes tipo 2. O gene mais importante identificado até hoje é o TCF7L2, que codifica um fator de transcrição envolvido na
secreção de insulina. Uma variante do TCF7L2 está associada a um aumento de 50% no risco de desenvolvimento de diabetes tipo 2. Uma associação
significativa também já foi observada entre a doença e um alelo comum do gene que codifica o receptor-γ ativado pelo proliferador de peroxissoma
(PPAR-γ), um fator de transcrição que está envolvido na diferenciação de adipócitos e no metabolismo da glicose. Esse receptor é o alvo das
tiazolidinedionas (TZDs), uma classe de drogas comumente usadas para aumentar a sensibilidade à insulina nos afetados pelo diabetes tipo 2. Embora
o alelo PPARG confira somente um aumento de 25% no risco de desenvolvimento desse diabetes, ele é encontrado em mais de 75% das pessoas de
descendência europeia e, por isso, responde por uma porção significativa de casos dessa doença. A variação no gene KCNJ11, que codifica uma
subunidade do canal de potássio necessário para a secreção de insulina estimulada por glicose, confere um aumento adicional de 20% na
suscetibilidade ao diabetes tipo 2. As associações entre suscetibilidade ao diabetes e cada um desses genes têm sido amplamente replicadas em várias
populações. Muitos alelos raros de suscetibilidade estão sendo descobertos atualmente por meio de estudos de sequenciamento de DNA de alto
rendimento.
Diabetes juvenil de início tardio. O diabetes juvenil de início tardio (MODY), que responde por 1% a 5% de todos os casos de diabetes, ocorre
tipicamente antes dos 25 anos de idade e segue padrão de herança autossômico dominante. Ao contrário do diabetes tipo 2, o MODY não está
associado à obesidade. Estudos já demonstraram que cerca de 50% dos casos se devem a mutações no gene que codifica a glicoquinase, uma enzima
de limitação da taxa de conversão da glicose em glicose-6-fosfato no pâncreas. Outros 40% de casos de MODY resultam de mutações em qualquer
um dos cinco genes que codificam fatores de transcrição envolvidos no desenvolvimento pancreático ou na regulação da insulina: fator nuclear 1-α de
hepatócitos (HNF1α), fator nuclear 1-β de hepatócitos (HNF1β), fator nuclear 4-α de hepatócitos (HNF4-α), fator promotor de insulina (IPF1) e da
diferenciação neurogênica 1 (NEUROD1). As mutações nesses genes, que se expressam nas células beta do pâncreas, levam a anormalidades
celulares e, consequentemente, ao diabetes.

Os diabetes tipo 1 (insulinodependente) e o tipo 2 (não dependente de insulina) se agregam em famílias, com evidências
mais fortes de recorrência para o tipo 2. O tipo 1 se apresenta em idade mais precoce, está associado ao HLA e trata-se de
uma doença autoimune. O tipo 2 não é uma doença autoimune e tem maior probabilidade de ocorrer em pessoas obesas.
Vários genes já identificados aumentam a suscetibilidade aos diabetes tipo 1 e tipo 2. A maioria dos casos de diabetes
MODY de herança autossômica dominante é causada por mutações que ocorrem em seis genes específicos.

Obesidade
A prevalência mundial de obesidade aumenta rapidamente entre adultos e crianças. Cerca de 70% dos adultos nos EUA e de 60% dos adultos
26
britânicos estão acima do peso ideal (IMC, índice de massa corporal, superior a 25) , e cerca da metade delas estão obesas (IMC superior a 30).
Embora a obesidade, por si só, não seja uma doença, ela representa um fator de risco importante para várias doenças comuns, incluindo doença
cardíaca, acidente vascular encefálico, hipertensão, diabetes tipo 2, cânceres de próstata, de mama e de cólon.
Como era de se esperar, existe uma forte correlação entre a obesidade dos pais e a dos filhos. Isso poderia ser facilmente atribuído a efeitos
comuns do ambiente: pais e filhos geralmente compartilham dietas e hábitos de exercícios semelhantes. Entretanto, existe forte evidência da
influência de componentes genéticos. Quatro estudos de adoção demonstraram que o peso corporal de pessoas adotadas se correlacionava
significativamente com os pesos de seus pais biológicos, e não com o peso dos pais adotivos. Estudos com gêmeos também fornecem evidências
sobre o efeito genético no peso corporal, e a maioria dos estudos resulta em estimativas de herdabilidade entre 0,60 e 0,80. A herdabilidade da
“gordura” — medida, por exemplo, pela espessura da prega cutânea — é de aproximadamente 0,40 a 0,50.
Pesquisas com a utilização de modelos animais mostraram que vários genes desempenham um papel na obesidade humana. Entre os mais
importantes estão os genes que codificam a leptina (do grego, “magro”) e o seu receptor. O hormônio leptina é secretado por adipócitos (células de
armazenamento de gordura) e se liga aos receptores no hipotálamo, onde está localizado o centro de controle do apetite do corpo. Estoques de gordura
aumentados levam a um nível elevado de leptina, que produz a saciedade e a perda do apetite. Níveis mais baixos de leptina levam ao aumento do
apetite. Camundongos com mutações com perda de função no gene da leptina manifestam apetite descontrolado e se tornam obesos. Quando tratados
com leptina, esses animais perdem peso. Quando apresentam mutações no gene receptor da leptina não podem responder ao aumento dos níveis dessa
substância e também desenvolvem obesidade.
A identificação do gene da leptina e de seu receptor em camundongos levou à identificação do gene nos seres humanos, o que, por sua vez,
proporcionou um prognóstico otimista, de que a leptina poderia representar um fator essencial à perda de peso em seres humanos (sem o desconforto
implícito de dieta e prática de exercícios). Entretanto, a maioria das pessoas obesas possui altos níveis de leptina, indicando que o gene funciona
normalmente. Suspeitou-se, então, de defeitos no receptor da leptina, mas eles também são incomuns no homem. Embora as mutações no gene
humano da leptina e em seu receptor já tenham sido identificadas em algumas pessoas com obesidade mórbida (IMC superior a 40), ambos parecem
ser extremamente raros. Infelizmente, esses genes não resolverão o problema da obesidade humana. Entretanto, estudos clínicos usando a leptina
recombinante demonstraram perda de peso moderada em um grupo de indivíduos obesos.
Além disso, a leptina participa de interações importantes com outros componentes do controle do apetite, como o neuropeptídeo Y, o hormônio de
estimulação de melanócitos α e o seu receptor, além do receptor de melanocortina-4 (MC4R). Mutações no gene que codifica MC4R foram
descobertas em 3% a 5% de indivíduos com obesidade mórbida. Vários estudos de associação genômica ampla demonstraram uma associação entre
uma variante no gene FTO, expresso no cérebro, e a obesidade em caucasianos. A homozigosidade para essa variante, que é observada em cerca de
16% da população caucasiana, confere riscos aumentados para excesso de peso e obesidade, de 40% e 70%, respectivamente. Evidências recentes
mostram que a variante FTO é parte de um enhancer que se liga ao gene IRX, que está localizado a 2 Mb de distância de FTO e está envolvido na
regulação da massa adiposa. A identificação destes e de outros genes que predispõem à obesidade está aumentando a compreensão do controle do
apetite em seres humanos e poderá, por fim, proporcionar tratamentos eficazes para alguns casos de obesidade.

Estudos de adoção e de gêmeos indicam que pelo menos a metade da variação da obesidade na população pode ser
causada por genes. Genes específicos e produtos gênicos envolvidos no controle do apetite e na suscetibilidade à
obesidade estão sendo muito estudados, como o da leptina, do seu receptor, o MC4R, e o gene FTO.

Doença de Alzheimer
A doença de Alzheimer (DA), que é responsável por 60% a 70% de casos de comprometimento cognitivo progressivo na população idosa, afeta cerca
de 10% das pessoas com mais de 65 anos e 40% da população com mais de 85 anos. Em virtude do envelhecimento da população, o número de
americanos com DA, que atualmente é de aproximadamente cinco milhões, continua a crescer. A doença de Alzheimer se caracteriza por um quadro
progressivo de demência e perda de memória, com formação de placas amiloides e emaranhados neurofibrilares no cérebro, especialmente no córtex
cerebral e no hipocampo. As placas e os emaranhados levam à perda progressiva de neurônios, e os pacientes vão a óbito entre sete e dez anos após a
manifestação dos primeiros sintomas.
O risco de desenvolvimento da DA duplica em pessoas que tenham tido um parente em primeiro grau afetado. Embora a maioria dos casos não
pareça ser causada por genes isolados, cerca de 10% apresenta padrão de herança autossômico dominante. Cerca de 3% a 5% dos casos de DA se
manifestam antes dos 65 anos e são considerados de início precoce; com probabilidade muito maior de serem herdados de forma autossômica
dominante.
A doença de Alzheimer é uma doença geneticamente heterogênea. Cerca da metade dos casos de início precoce pode ser atribuída a mutações em
qualquer um de três genes que afetam a deposição (retirada) da proteína β-amiloide. Dois destes genes, o da presenilina 1 (PS1) e da presenilina 2
(PS2), são muito semelhantes entre si e seus produtos proteicos estão envolvidos na clivagem da proteína precursora β-amiloide (APP) pela enzima
secretase-γ (modificação pós-traducional: Capítulo 2). As mutações de ganho de função em PS1 ou PS2 afetam a clivagem de APP de modo que as
formas produtoras de amiloide dessa proteína se acumulam excessivamente e são depositadas no cérebro (Fig. 12-9). Acredita-se que essa seja a
causa primária da DA. Mutações em PS1 resultam, tipicamente, em manifestações de início precoce da doença, com a primeira ocorrência dos
sintomas na quinta década de vida.
Um pequeno número de casos de DA de início precoce é causado por mutações no gene (APP) que codifica a própria APP, localizada no
cromossomo 21. Tais mutações rompem os sítios de clivagem normal da secretase na APP (Fig. 12-9), novamente resultando no acúmulo do produto
proteico mais longo. É interessante notar que esse gene está presente em triplicata nas pessoas com a trissomia do cromossomo 21, nas quais a cópia
extra do gene resulta na deposição amiloide e na ocorrência da DA precoce em pacientes com a síndrome de Down (Capítulo 6). Estudos de
sequenciamento de alto rendimento de DNA revelaram um alelo no APP que é protetor contra a doença de Alzheimer e pode ajudar a prevenir o
declínio cognitivo.
Um fator de risco importante para a forma mais comum e de início tardio da DA é a variação alélica no locus da
FIGURA 12-9 A. A clivagem da proteína precursora β-amiloide (APP) pela α-secretase rompe a proteína β-amiloide e evita a formação de placas amiloides.
B. Uma via alternativa de clivagem envolve a clivagem da APP por β-secretase na terminação N e por γ-secretase na terminação C, produzindo um
produto proteico de 40 a 42 aminoácidos. As mutações de ganho de função nos genes da presenilina resultam em aumento na atividade de clivagem por
essa via. Isso resulta em quantidade excessiva da forma com 42 aminoácidos da APP, que leva à formação de placas amiloides. As mutações no gene APP
também podem alterar os sítios de clivagem de α-secretase e produzir quantidades excessivas da forma mais longa da APP.

apolipoproteína E (APOE), que apresenta três alelos principais: ε2, ε3 e ε4. Estudos realizados em várias populações demonstraram que as pessoas
portadoras de uma cópia do alelo ε4 têm duas a cinco vezes mais probabilidade de desenvolver DA, enquanto aquelas com duas cópias desse alelo
têm probabilidade cinco a 10 vezes maior de desenvolver a doença. O risco varia de acordo com a população em questão, com riscos mais altos
associados ao alelo ε4 em indivíduos caucasianos e japoneses e com riscos relativamente mais baixos em latino-americanos e afro-americanos.
Apesar da forte associação entre o alelo ε4 e DA, cerca da metade das pessoas que desenvolvem a doença de Alzheimer de início tardio não possui
cópia do alelo ε4, e muitas pessoas homozigotas para esse alelo permanecem livres da DA, mesmo em idade avançada. O produto proteico da
apolipoproteína E não está envolvido na clivagem da APP, mas, em vez disso, parece estar associado à liberação da proteína amiloide do cérebro.
Estudos de associação genômica ampla, baseados em microarrays e em sequenciamento de alto rendimento, indicam que há muitos genes
adicionais associados à DA de início tardio. Variantes associadas à doença que são relativamente comuns nas populações tendem a conferir apenas
um pequeno aumento no risco, como é o caso da maioria das condições multifatoriais. Variantes menos comuns associadas à doença, reveladas por
sequenciamento de alto rendimento, conferem um risco relativo maior para DA, mas elas geralmente são raras nas populações.
A doença de Alzheimer possui vários aspectos que a tornaram refratária à análise genética, como sua heterogeneidade genética já descrita. Além
disso, uma vez que um diagnóstico definitivo pode ser obtido somente por uma autópsia do cérebro, geralmente é difícil diagnosticar DA em
membros ainda vivos de uma família (embora os aspectos clínicos e os estudos por imagens do cérebro possam fornecer evidências substanciais de
que a pessoa está afetada pela DA). Por fim, uma vez que a doença pode ocorrer tardiamente na vida, os portadores de uma mutação predisponente à
DA poderão ir a óbito por outro motivo, antes de desenvolverem DA. Esses indivíduos seriam, portanto, identificados erroneamente como não
portadores da mutação. Esses tipos de dificuldade surgem não só com a DA, mas também com outras doenças comuns dos adultos. Apesar desses
obstáculos, vários genes da DA já foram identificados, levando a uma melhor compreensão da doença e à possibilidade de um tratamento específico
mais efetivo.

Cerca de 10% dos casos de DA são causados por genes com padrão de herança autossômico dominante. Os casos de início
precoce se agregam mais fortemente em famílias e têm maior probabilidade de seguir um padrão de herança autossômica
dominante. Essa doença é geneticamente heterogênea e muitos genes de suscetibilidade à DA já foram identificados. Três
deles (codificador da presenilina 1, da presenilina 2 e da proteína precursora β-amiloide) causam DA de início precoce e
afetam a clivagem e o processamento da proteína precursora amiloide. O gene mais importante associado com a DA de
início tardio codifica a proteína da apolipoproteína E.

Alcoolismo
Nos EUA, o alcoolismo (etilismo ou dependência do álcool) é diagnosticado em algum momento da vida em cerca de 10% dos homens e de 3% a 5%
das mulheres. Mais de cem estudos já mostraram que essa doença se agrega nas famílias: o risco de desenvolvimento do alcoolismo entre pessoas
com um dos genitores afetado é três a cinco vezes maior do que o das pessoas sem genitores afetados. A maioria dos estudos com gêmeos mostrou
taxas de concordância para gêmeos DZ inferiores a 30% e para gêmeos MZ superiores a 60%. Estudos de adoção revelaram que filhos de um
progenitor alcoolista, mesmo quando criados por pais não alcoolistas, têm risco quatro vezes maior de desenvolver a doença. Com o objetivo de
controlar os possíveis efeitos pré-natais causados pelo álcool ingerido pela mãe alcoolista, alguns estudos incluíram somente a prole do pai
dependente e os resultados foram os mesmos. Esses dados confirmam a hipótese da existência de genes que predispõem algumas pessoas ao
alcoolismo.
A dependência do álcool pode ser dividida em diferentes subtipos e alguns pesquisadores diferenciam dois subtipos principais de alcoolismo. O
tipo I se caracteriza por início tardio (depois dos 25 anos), ocorrência em ambos os sexos e maior dependência psicológica do álcool. Os alcoolistas
do tipo I se mostram consumidores mais introvertidos e solitários. Essa forma de alcoolismo tem menor probabilidade de se agregar nas famílias (um
estudo chegou à estimativa de herdabilidade de 0,21), tem curso menos intenso e tratamento mais fácil. O alcoolismo do tipo II predomina entre os
homens, ocorre tipicamente antes dos 25 anos e tende a envolver pessoas extrovertidas e em busca de emoções. O tratamento bem-sucedido dessa
forma de alcoolismo é mais difícil e a doença tende a se agregar mais fortemente nas famílias, com estimativas de herdabilidade variando de 0,55 a
mais de 0,80.
Há muito tempo se sabe que a resposta fisiológica individual ao álcool pode ser influenciada por variação de enzimas chaves, responsáveis pelo
metabolismo do álcool, como a álcool desidrogenase (ADH), que converte etanol em acetaldeído, e a aldeído desidrogenase (ALDH), que converte o
acetaldeído em acetato. Em especial, um alelo do gene ALDH2 (ALDH2*2) resulta em acúmulo excessivo de acetaldeído e, por isso, há rubor facial,
náusea, palpitações e vertigem. Por causa desses efeitos desagradáveis, pessoas portadoras do alelo ALDH2*2 têm menos probabilidade de se
tornarem alcoolistas. Esse alelo de proteção é comum em algumas populações da Ásia, mas raro em outras populações.
Muitos screenings genômicos foram realizados em grandes coortes de alcoolistas e de controles, e um dos achados mais consistentes foi o de que
variantes nos genes que codificam componentes dos receptores do ácido gama-aminobutírico (GABA) estão associados à adicção ao álcool. Esse
achado é biologicamente provável, porque o sistema neurotransmissor GABA inibe sinais excitatórios nos neurônios, exercendo um efeito calmante.
O álcool aumenta a liberação GABA e variações alélicas nos genes dos receptores GABA poderiam modular tal efeito.
É preciso destacar que estamos nos referindo a genes que poderiam aumentar a suscetibilidade de uma pessoa ao alcoolismo. Essa é, obviamente,
uma doença que requer um componente ambiental, seja qual for a constituição genética do indivíduo.

Estudos com gêmeos e de adoção mostram que o alcoolismo se agrega de forma significativa nas famílias, refletindo uma
possível contribuição genética para essa doença. A agregação familial é especialmente forte para o alcoolismo do tipo II
(forma de início precoce que afeta principalmente os homens).

Transtornos Psiquiátricos
Doenças psiquiátricas importantes, como a esquizofrenia, o transtorno bipolar e o transtorno do espectro do autismo (também conhecido
simplesmente como autismo) têm sido foco de vários estudos genéticos. Estudos de gêmeos, de adoção e com famílias revelaram que essas doenças
têm agregação familial. Além disso, esquizofrenia, transtorno bipolar e autismo tendem a ocorrer juntos nas mesmas famílias. Em parte, isso reflete o
fato de que alguns dos mesmos genes influenciam a suscetibilidade a cada uma dessas condições.
Esquizofrenia. A esquizofrenia é uma doença emocional grave caracterizada por delírios, alucinações, afastamento da realidade e comportamento
bizarro, esquivo ou inadequado (ao contrário da crença popular, a esquizofrenia não é um distúrbio de “dupla personalidade”). O risco de recorrência
da doença na prole de um genitor afetado é de aproximadamente 8% a 10%, quase 10 vezes mais alto do que o risco da população em geral. Os riscos
empíricos aumentam quando mais parentes são afetados. Por exemplo, um indivíduo com um irmão e um genitor afetados tem risco de 15% a 20%,
enquanto um com os dois genitores afetados tem risco de 40% a 50%, aproximadamente, de desenvolver a doença. Os riscos diminuem quando o
membro afetado da família é um parente em segundo ou terceiro grau. Detalhes estão apresentados na Tabela 12-8. Pela análise dos dados da tabela,
pode parecer estranho que a porção de probandos esquizofrênicos que têm um genitor esquizofrênico seja apenas de cerca de 5%, o que é
substancialmente inferior ao risco de outros parentes em primeiro grau (como irmãos, genitores afetados e filhos). Isso pode ser explicado pelo fato de
que os esquizofrênicos têm menor probabilidade de se casar e ter filhos do que outras pessoas. Existe, portanto, uma seleção substancial contra a
esquizofrenia na população.
Estudos de gêmeos e de adoção indicam que fatores genéticos muito provavelmente estão envolvidos na esquizofrenia. Dados acumulados de
múltiplos estudos com gêmeos mostram um índice de 47% de concordância entre gêmeos MZ, em comparação com apenas 12% entre os gêmeos DZ.
O índice de concordância entre gêmeos MZ criados separados é 46% e é praticamente o mesmo do que o índice entre gêmeos MZ criados juntos. O
risco de desenvolvimento da doença pela prole de um progenitor esquizofrênico que tenha sido adotado por pais normais é de aproximadamente 10%,
ou seja, praticamente o mesmo risco de quando a prole é criada por um genitor biológico esquizofrênico.
Dezenas de investigações genômicas já foram conduzidas em um esforço para localizar os genes da esquizofrenia. As técnicas discutidas
no Capítulo 8 (GWAS e sequenciamento do exoma) têm identificado uma associação significativa

TABELA 12-8 Riscos de Recorrência para Parentes de Probandos Esquizofrênicos, Baseados em Múltiplos Estudos de
Populações da Europa Ocidental
PARENTESCO COM O PROBANDO RISCO DE RECORRÊNCIA (%)

Gêmeo monozigótico 44,3

Gêmeo dizigótico 12,1

Prole 9,4

Irmão 7,3

Sobrinho ou sobrinha 2,7

Neto(a) 2,8

Primo em primeiro grau 1,6

Cônjuge 1,0

Adaptada de McGue M, Gottesman II, Rao DC: The analysis of schizophrenia family data. Behav Genet 1986;16:75-87.

entre esquizofrenia e polimorfismos localizados em mais de 100 regiões genômicas. Muitos desses genes codificam componentes das vias de
sinalização neuronal glutamatérgicas e dopaminérgicas. Tais achados são coerentes sob o ponto de vista biológico porque as principais drogas usadas
para tratar a esquizofrenia bloqueiam os receptores da dopamina.
Transtorno bipolar. O transtorno bipolar, anteriormente conhecido como psicose maníaco-depressiva, é uma forma de psicose na qual se observam
alterações extremas de humor e de instabilidade emocional. A prevalência da doença na população em geral varia de 0,5% a 1,0%, mas aumenta para
5% a 10% entre aqueles com um parente em primeiro grau afetado. Um estudo baseado no registro de gêmeos dinamarqueses mostrou índices de
concordância de 79% e de 24% para gêmeos MZ e DZ, respectivamente, produzindo uma estimativa de herdabilidade de cerca de 72% (outros
estudos revelaram estimativas de herdabilidade até mais altas – de até 90%). As taxas de concordância correspondentes para o transtorno depressivo
maior (algumas vezes referido como transtorno ou depressão unipolar) foram de 54% e de 19%. Por isso, parece que o transtorno bipolar é mais
fortemente influenciado por fatores genéticos do que a depressão.
Assim como acontece com a esquizofrenia, muitos estudos de ligação e de associação genômica ampla foram realizados para identificar genes que
contribuem para o transtorno bipolar. Estes indicaram muitas regiões cromossômicas candidatas em múltiplas casuísticas. Alguns dos resultados
melhor replicados envolvem genes que codificam canais de cálcio controlados por voltagem. Drogas moduladoras de canais iônicos são usadas com
frequência como estabilizadores do humor, conferindo confiabilidade funcional a esses resultados. Muitos dos genes associados ao transtorno bipolar
também estão associados à esquizofrenia.
Transtorno do espectro do autismo. O transtorno do espectro do autismo (TEA) caracteriza-se por comprometimentos na comunicação social,
comportamentos restritos e atividades repetitivas e estereotipadas. A definição de TEA foi consideravelmente modificada nos últimos anos (p. ex.,
atualmente ela inclui a síndrome de Asperger, mas aboliu essa designação), resultando em uma estimativa atual de prevalência muito maior
(aproximadamente mais que 1% no mundo todo). TEA é três a quatro vezes mais comum em homens do que em mulheres e, geralmente, é
diagnosticado durante os primeiros três anos de vida. Como é previsto pelo modelo do limiar multifatorial, o risco empírico de recorrência é
substancialmente maior nos irmãos das mulheres com TEA. Os fatores genéticos têm um grande papel na etiologia dos TEA, e estudos com gêmeos
sugerem uma herdabilidade de cerca de 70%. Estudos bem controlados, de grande porte, têm investigado a relação entre TEA e vacinação (em
particular para sarampo, caxumba e rubéola), não sendo encontrada qualquer relação causal.
Aproximadamente 10% dos casos de TEA apresentam condição mendeliana ou síndrome genética conhecida, a maioria das quais foi discutida em
capítulos anteriores. Estas incluem a síndrome do X Frágil (1% a 2% dos casos), a síndrome de Rett (0,5%), esclerose tuberosa (1%) e
neurofibromatose tipo 1 (< 1%). A anormalidade citogenética observada com mais frequência em pessoas com TEA (1% a 3%) é uma duplicação do
cromossomo 15q11-q13, de transmissão materna; a mesma região que é deletada nas síndromes de Prader-Willi e de Angelman (Capítulo 5). Uma
duplicação de 600 kb ou deleção de 16p11.2 é observada em cerca de 1% dos casos de TEA.
Numerosos estudos por GWAS e sequenciamento têm sido realizados para identificar os loci adicionais associados ao TEA e mais de 100 loci de
suscetibilidade foram identificados (cada um com efeito menor). Um número crescente de mutações de novo é observado em crianças com TEA,
sendo a maioria herdada por via paterna (estas são detectadas pela comparação entre as sequências de DNA dos afetados com aquelas de seus pais
não afetados). Isto pode ajudar a explicar o risco aumentado de autismo entre os filhos de pais em idades avançadas. Além disso, observa-se um
aumento de variações no número de cópias (CNVs) em pessoas com autismo.
Os transtornos psiquiátricos, como esquizofrenia, transtorno bipolar e TEA, apresentam numerosos desafios para a análise genética. Essas doenças
indubitavelmente são heterogêneas, refletindo a influência de numerosos fatores genéticos e ambientais (o mesmo é verdadeiro para outros
transtornos psiquiátricos, como o transtorno do deficit de atenção e hiperatividade, os quais não são discutidos aqui). Essa heterogeneidade genética é
esperada, em parte pelo menos, porque um terço dos genes humanos se expressa no cérebro. Além disso, a definição de um fenótipo psiquiátrico nem
sempre é simples, e pode mudar com o tempo. Várias medidas estão sendo adotadas para melhorar a probabilidade de se descobrir genes subjacentes
a tais condições. Os fenótipos estão sendo definidos de maneira padronizada e rigorosa. Casuísticas maiores de indivíduos afetados (geralmente
dezenas de milhares), com definição fenotípica mais rigorosa, estão sendo coletadas na tentativa de aumentar a capacidade de se detectar ligação e
associação. A heterogeneidade pode ser atenuada por meio do estudo dos subtipos clinicamente definidos dessas doenças e pela análise de populações
geneticamente mais homogêneas.

A agregação familial acentuada, assim como a coocorrência na família, têm sido observadas para a esquizofrenia, para o
transtorno bipolar e para o transtorno do espectro do autismo. Estudos caso-controle e de famílias revelaram evidências de
que essas condições são causadas por genes expressos no cérebro que codificam neurotransmissores, receptores, canais
iônicos e enzimas relacionadas a neurotransmissores.

Outras Doenças Complexas


As doenças discutidas neste capítulo representam alguns dos distúrbios multifatoriais mais comuns e aqueles para os quais têm havido grande
progresso na identificação de genes. Muitas outras doenças multifatoriais também estão sendo estudadas e, em alguns casos, genes específicos de
suscetibilidade já foram identificados. Entre elas, por exemplo, estão: doença de Parkinson, deficiência auditiva, esclerose múltipla, esclerose lateral
amiotrófica, epilepsia, asma, doença intestinal inflamatória e algumas formas de cegueira (Tabela 12-6 e Tabela 8-2 no Capítulo 8).

ALGUNS PRINCÍPIOS GERAIS E CONCLUSÕES


Dos resultados obtidos até o momento sobre a genética das doenças complexas, alguns princípios gerais podem ser deduzidos. Primeiro, as formas
mais fortemente herdadas das doenças complexas geralmente apresentam as primeiras manifestações em idade mais precoce (como câncer de mama,
doença de Alzheimer e doença cardíaca). Com frequência, estas incluem subgrupos de casos nos quais existe herança monogênica. Segundo, quando
existe lateralidade, as formas bilaterais às vezes formam agregados familiais mais fortes (p. ex., fissura de lábio e/ou palato e câncer de mama).
Terceiro, embora o modelo de limiar específico para o sexo se ajuste a algumas doenças complexas (p. ex., estenose do piloro, fissura de lábio e/ou
palato, autismo e doença cardíaca), ele não se ajusta a outras (como o diabetes tipo 1).
Existe uma tendência, especialmente entre o público leigo, em assumir que a presença de um componente genético significa que o curso de uma
doença não pode ser alterado (“Se é genético, nada pode ser mudado”). Isso não é verdade. A maioria das doenças discutidas neste capítulo possui
componentes tanto genéticos quando ambientais. Por isso, a modificação ambiental (como dieta, prática de exercícios e redução do estresse) pode,
com frequência, reduzir significativamente o risco. Tais modificações podem ser especialmente importantes para pessoas com história familial de uma
doença, pois elas têm maior probabilidade de desenvolver a doença precocemente em suas vidas. Aqueles com história familial de doença cardíaca,
por exemplo, podem, com frequência, adicionar muitos anos de vida produtiva com alterações relativamente mínimas em seu estilo de vida. Ao se
concentrar naqueles que podem melhor se beneficiar da intervenção, a genética colabora significativamente para a medicina preventiva.
Além disso, deve-se destacar que a identificação de uma alteração genética específica pode levar à prevenção e ao tratamento mais efetivos da
doença. A identificação de mutações que causam o câncer colorretal familial, por exemplo, pode permitir a triagem precoce e a prevenção de
metástases. A identificação de um gene responsável por um defeito de um neurotransmissor, em um transtorno psiquiátrico como a esquizofrenia,
pode levar ao desenvolvimento de tratamentos medicamentosos mais efetivos. Em alguns casos, como na hipercolesterolemia familiar, a terapia
gênica pode ser útil. É importante que os profissionais de saúde alertem seus pacientes sobre esses fatos.
Embora a genética das doenças comuns seja complexa, e algumas vezes confusa, o impacto dessas doenças na saúde pública e a evidência de
fatores hereditários em sua etiologia exigem o desenvolvimento de estudos genéticos. Um progresso substancial já vem sendo observado. A próxima
década, sem dúvida, será testemunha de muitos avanços na compreensão e tratamento dessas doenças.

QUESTÕES DE ESTUDO
1. Considere uma característica multifatorial que seja duas vezes mais comum no sexo feminino do que no masculino. Indique qual tipo de
combinação tem risco mais alto de produzir crianças afetadas (pai afetado e mãe normal versus pai normal e mãe afetada). O risco de recorrência
será maior para os filhos ou para as filhas?
2. Considere uma doença que conhecidamente resulta em 5% de risco de recorrência em irmãos. Esse risco pode resultar de herança multifatorial ou
de um único gene autossômico dominante com 10% de penetrância. Que teste você faria para descobrir qual a possibilidade é a correta?
3. Um membro de um par de gêmeos monozigóticos é afetado por uma doença autossômica dominante e o outro não. Descreva duas maneiras
diferentes para justificar este achado.
4. Suponha que a herdabilidade da porcentagem de gordura corporal seja de 0,80 quando se estudam correlações entre irmãos e de apenas 0,50
quando as correlações entre os pais e a prole são estudadas. Suponha também que uma correlação positiva significativa seja observada nas
porcentagens de gordura corporal dos cônjuges. Como você interpretaria esses resultados?

LEITURAS SUGERIDAS
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Chouraki V, Seshadri S. Genetics of Alzheimer’s disease. Adv Genet. 2014;87:245-294.
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Craddock N, Sklar P. Genetics of bipolar disorder. Lancet. 2013;381:1654-1662.
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Fontes na Internet
Human Genome Epidemiology Network Reviews (contém endereços para revisão de artigos em genéticas da lei de Mendel em doenças comuns)
http://www.cdc.gov/genomics/hugenet/reviews.htm
International Clearinghouse for Birth Defects Web Guide http://www.icbdsr.org/page.asp?nWebGuide

23 Nesse contexto, o termo “isolado” significa que essa será a única característica mórbida observada (ou seja, a característica não faz parte de uma constelação de achados, como
ocorre com a fenda labial e/ou palatina secundária à trissomia do 13).

24
Embora as taxas de gemelaridade MZ sejam relativamente constantes nas populações, as taxas de gemelaridade DZ variam um pouco. A gemelaridade DZ aumenta com a idade
materna até cerca dos 40 anos, após a qual diminui. A frequência da gemelaridade DZ aumentou dramaticamente nos países desenvolvidos nas duas últimas décadas por causa
do uso de drogas indutoras da ovulação.

25
O termo “essencial” se refere a 95% dos casos de hipertensão que não são causados por uma síndrome, ou mutação, conhecida.

26
O IMC é definido como P/A2, onde P é o peso em quilogramas e A é a estatura em metros.
C A P Í T U L O 13

Testes Genéticos e Terapia Gênica

Como vimos nos capítulos anteriores, avanços significativos têm ocorrido em muitas áreas da genética médica, incluindo a tecnologia de
sequenciamento de DNA, mapeamento e clonagem de genes causadores de doenças e técnicas citogenéticas. Esses avanços abriram caminho para
testes mais precisos e eficientes de doenças genéticas. Testes genéticos podem ser definidos como a análise de cromossomos, DNA, RNA,
proteínas ou outros analitos27 para detectar alterações que podem causar uma doença genética. Exemplos de indicações para teste genético
incluem diagnóstico pré-natal, detecção de portador heterozigoto e diagnóstico pré-sintomático de doença genética. Os princípios e aplicações da
análise genética envolvida nestes contextos são um dos focos deste capítulo.
O outro foco é o tratamento da doença genética. Muitos aspectos do manejo da doença envolvem outras áreas da medicina, como cirurgia e
tratamento medicamentoso, que não serão abordados neste livro. Contudo, a terapia gênica, que consiste na modificação genética das células do
paciente para combater doenças específicas, e que vem sendo progressivamente realizada, é discutida na segunda parte deste capítulo.

TRIAGEM POPULACIONAL PARA DOENÇA GENÉTICA


Testes de triagem representam um importante componente na rotina de cuidados da saúde. Esses testes geralmente são desenvolvidos para detectar
doenças humanas tratáveis em seus estágios pré-sintomáticos. O teste de Papanicolaou (Pap) para detectar displasia cervical uterina e de triagem
populacional para hipercolesterolemia são exemplos bem conhecidos dessa estratégia de saúde pública. Triagem populacional é a análise em
larga escala de populações para detectar uma doença, em um esforço para identificar pessoas que provavelmente tenham a doença e aquelas que
provavelmente não a tenham. Os testes de triagem não visam fornecer diagnósticos conclusivos, mas sim identificar subgrupos da população em
que outros testes diagnósticos mais precisos devem ser realizados. Tal distinção importante é comumente mal entendida pelo público leigo e
raramente esclarecida pela mídia popular.
Triagem genética é a triagem populacional para variantes genéticas que causam uma doença em indivíduos que apresentam a variante ou nos
seus descendentes. A triagem de erros inatos do metabolismo em recém-nascidos (ver Capítulo 7) é um bom exemplo do primeiro tipo de
utilização da triagem genética, e a detecção de heterozigotos para doença de Tay-Sachs (discutida mais adiante) exemplifica o segundo. Os dois
exemplos envolvem triagem de populações, mas a triagem genética também pode ser aplicada a membros de famílias com história positiva de uma
doença genética. Um exemplo é a investigação de uma translocação recíproca balanceada em famílias em que um ou mais membros apresentaram
uma doença cromossômica (Capítulo 6). O Quadro 13-1 lista vários tipos de triagem genética, incluindo várias formas de diagnóstico pré-natal,
que são discutidas neste capítulo.

O objetivo da triagem é a detecção precoce de uma doença para que a intervenção evite ou reverta o processo mórbido
(como na triagem de erros inatos do metabolismo em recém-nascidos) ou para tomada de decisões reprodutivas que
foram informadas (como na triagem para portadores heterozigotos de uma mutação autossômica recessiva). Um
resultado positivo de um teste de triagem genética normalmente é seguido por um teste diagnóstico mais preciso.

Princípios da Triagem
Os princípios básicos da triagem foram desenvolvidos nos anos 1960 e ainda são amplamente reconhecidos. Características da doença, o teste e o
sistema de cuidado à saúde devem ser considerados quando se decide se a triagem populacional é apropriada.
Primeiro, a doença deve ser importante e relativamente comum. Isso garante que os benefícios derivados do programa de triagem justifiquem
seus custos. O histórico natural da doença deve ser claramente compreendido. Deve haver um tratamento aceitável e eficaz, ou, no caso de
algumas doenças genéticas, o diagnóstico pré-natal deve estar disponível. No que diz respeito ao teste de triagem propriamente dito, deve ser
válido e confiável, aceito pela população, fácil de ser realizado e relativamente barato. Finalmente, os recursos para o diagnóstico e tratamento da
doença devem ser acessíveis, e haver uma estratégia eficiente e eficaz de comunicação dos resultados.
Os programas de triagem geralmente utilizam testes que são amplamente aplicáveis e baratos para identificar uma população em risco (p. ex.,
programa de triagem de fenilcetonúria [PKU], discutido no Comentário Clínico 13-1). Membros dessa população são então encaminhados para
testes subsequentes que são mais precisos, mas também mais caros e demorados. Neste contexto, o teste de triagem deve ser capaz de separar
efetivamente pessoas que têm a doença daquelas que não têm. Tal característica, que define a validade do teste, envolve dois componentes:
sensibilidade e especificidade. A sensibilidade reflete a capacidade do teste de identificar

QUADRO 13-1 Tipos de Triagem Genética e Diagnóstico Pré-natal (USA)

Técnicas de Visualização Fetal


Triagem Populacional para Doenças Genéticas Ultrassonografia
Triagem de Recém-nascidos Radiografia
Sangue Imagem por ressonância magnética
• Fenilcetonúria, todos os 50 estados nos Estados Unidos
• Galactosemia, todos os 50 estados nos Estados Unidos Triagem Populacional
• Hipotireoidismo, todos os 50 estados nos Estados Unidos Idade materna > 35 anos
• Hemoglobinopatias, quase todos os estados História familial de doença diagnosticável por técnicas
• Outros: fibrose cística, hiperplasia adrenal congênita, doença da urina do xarope de pré-natais
bordo, homocistinúria, tirosinemia e várias outras doenças ou erros inatos do Teste quádruplo: α-fetoproteína, estriol,
metabolismo são triadas nos Estados Unidos e Europa. gonadotrofina coriônica humana e inibina A no soro
A triagem universal da audição de recém-nascidos (> 60% das deficiências auditivas materno
congênitas se devem a fatores genéticos) Triagem no primeiro trimestre: ultrassonografia,
PAPP-A e subunidade β livre da gonadotrofina
Triagem de Heterozigotos coriônica humana
Doença de Tay-Sachs, população de judeus asquenazes Triagem pré-natal não invasiva usando DNA livre de
Anemia falciforme, população afro-americana células do plasma materno
Talassemias em grupos étnicos em risco
Fibrose cística em algumas populações (pessoas de ascendência europeia, judeus Triagem Familiar para Doenças Genéticas
asquenazes) História familial de rearranjo cromossômico (p. ex.,
translocação)
Diagnóstico Pré-natal de Doenças Genéticas Triagem de mulheres aparentadas em um
Teste Diagnóstico (Diagnóstico Pré-natal Invasivo) heredograma de herança ligada ao X (distrofia
Amniocentese muscular de Duchenne e síndrome do X frágil)
Coleta de amostra de vilo corial Triagem de heterozigotos em famílias em risco (p. ex.,
Coleta de amostra de sangue umbilical percutâneo (PUBS) fibrose cística)
Diagnóstico genético pré-implantacional Triagem pré-sintomática (p. ex., doença de
Huntington, câncer de mama e câncer de cólon)

COMENTÁRIO CLÍNICO 13-1


Triagem Neonatal para Fenilcetonúria
Características da Doença

A triagem populacional de recém-nascidos para PKU representa um excelente exemplo da aplicação do modelo de triagem para doença genética.
Como discutido no Capítulo 4, a prevalência dessa doença autossômica recessiva do metabolismo da fenilalanina é de cerca de um em 10.000 a
15.000 nascimentos de brancos nos Estados Unidos. O histórico natural da PKU é bem compreendido. Mais de 95% dos pacientes com PKU não
tratada se tornam deficientes intelectuais moderados a graves. A doença é difícil de ser diagnosticada clinicamente no primeiro ano de vida
porque os sinais físicos são sutis e a PKU geralmente se manifesta apenas como atraso do desenvolvimento. A restrição dietética de fenilalanina,
quando iniciada antes de quatro semanas de idade, é altamente eficaz para alterar o curso da doença. Uma dieta baixa em fenilalanina, embora
não seja particularmente saborosa, reduz muito a perda do QI que, de outro modo, ocorreria (uma importante exceção são aqueles que têm um
defeito no metabolismo de biopterina, para os quais é utilizada uma terapia diferente).

Características do Teste
A PKU até recentemente era normalmente detectada pela medida de fenilalanina no sangue usando-se um ensaio de inibição bacteriana, o teste
de Guthrie. O sangue é coletado logo após o nascimento, geralmente perfurando-se o calcanhar e coletando-se o sangue em papel de filtro. O
sangue seco é colocado em uma placa de ágar e incubado com uma cepa de bactérias (Bacillus subtilis) que requer fenilalanina para crescer. A
medida do crescimento bacteriano permite a quantificação do total de fenilalanina na amostra de sangue. A espectrometria de massa em
tandem (veja adiante) é usada atualmente para testar a presença de PKU. Resultados de teste positivos geralmente são repetidos e seguidos por
outro teste quantitativo de fenilalanina e tirosina no plasma.
Se o teste for realizado após dois dias de idade e após alimentação regular com uma dieta proteica, o índice de detecção (sensibilidade) é de
cerca de 98%. Se ele for realizado em menos de 24 horas de vida, a sensibilidade é de cerca de 84% e por essa razão um teste de repetição é
recomendado algumas semanas após o nascimento. A especificidade chega a 100%.

Características do Sistema
Em virtude da necessidade da proteína normal na dieta, muitos estados (nos EUA) solicitam novo teste de triagem com duas a quatro semanas de
idade. Nesta fase, a sensibilidade se aproxima de 100%. Um alto nível de sensibilidade é importante devido ao grave impacto de um diagnóstico
errado.
Os níveis de fenilalanina em crianças com PKU clássica geralmente ultrapassam 20 mg/dL. Para cada 20 resultados positivos de triagem para a
doença, apenas uma criança tem a PKU clássica. Os outros representam achados falsos positivos (geralmente devido a uma tirosinemia
reversível, transitória) ou crianças com uma forma de hiperfenilalaninemia (fenilalanina elevada) não causada por PKU clássica.
O custo do teste de PKU geralmente é relativamente baixo. Vários estudos mostraram que o custo da triagem para PKU em todo o país é
significativamente menor que a economia que se obtém por evitar custos de internação e perda da produtividade.
Esses princípios se aplicam a muitos outros erros inatos que são triados atualmente nos programas de triagem expandida de recém-nascidos
na América do Norte e na Europa.

corretamente aqueles com a doença. A sensibilidade é medida como a fração de pessoas afetadas; em quem o teste é positivo (isto é, verdadeiros
positivos). A especificidade é a capacidade do teste de identificar corretamente aqueles sem a doença. Ela é medida como a fração de pessoas não
afetadas em quem o teste é negativo (isto é, verdadeiros negativos). Sensibilidade e especificidade são determinadas comparando-se os resultados
da triagem com aqueles obtidos com a utilização de um teste diagnóstico conclusivo (Tabela 13-1).
Testes de triagem raramente são 100% sensíveis e 100% específicos. Isso ocorre porque a variação de valores do teste da doença na população
se sobrepõe àquela da população não infectada (Fig. 13-1). Assim, os resultados de um teste de triagem (quando confrontados com os do teste
diagnóstico definitivo posterior) estarão incorretos para alguns membros da população. Geralmente, um valor de corte é designado para separar
doentes e não doentes da população. Existe um conflito na escolha entre o impacto da não detecção ou baixa sensibilidade (ou seja, um índice
elevado de falsos negativos) e o impacto da especificidade baixa (e ainda, um índice elevado de falsos positivos). Se a penalidade de se perder a
identificação de pessoas afetadas é alta (como na PKU não tratada), então o nível de corte é reduzido para que quase todos os casos da doença
sejam detectados (sensibilidade mais alta). Isso também diminui a especificidade por aumentar o número de resultados de teste positivos (falsos
positivos)
TABELA 13-1 Definições de Sensibilidade e Especificidade*

RESULTADO DO TESTE DE TRIAGEM ESTADO ATUAL DA DOENÇA

AFETADO NÃO AFETADO

Teste positivo (+) a (verdadeiro positivos) b (falso positivos)


Teste negativo ( ) c (falso negativos) d (verdadeiro negativos)

*a,b,c e d representam o número de indivíduos em uma população na qual foram encontrados portadores da doença e foram mostradas
combinações de resultados. O teste de sensibilidade = a/(a+c); especificidade = d/(b+d); valor preditivo positivo = a/(a+b) e valor preditivo negativo =
d/(c+d).

em pessoas não infectadas que são indicados para testes diagnóstico subsequentes. Se a confirmação de um teste positivo é cara ou arriscada, então
os índices de falsos positivos são minimizados (ou seja, o nível de corte é aumentado, produzindo alta especificidade em detrimento da
sensibilidade).

Os elementos básicos da validade de um teste incluem sua sensibilidade (proporção de verdadeiros positivos
detectados com precisão) e especificidade (proporção de verdadeiros negativos detectados com precisão). Quando a
sensibilidade é aumentada, a especificidade diminui, e vice-versa.

Uma preocupação fundamental no contexto clínico é a precisão de um teste de triagem positivo. É necessário saber a fração de pessoas com um
resultado de teste positivo que verdadeiramente têm a doença em questão (isto é, a/(a+b) na Tabela 13-1). Essa quantidade é definida como o valor
preditivo positivo. Ele também é útil para saber o valor preditivo negativo, que é a fração de pessoas com um resultado negativo que
verdadeiramente não têm a doença (d/(c+d)).
Os conceitos de sensibilidade, especificidade e valor preditivo positivo podem ser ilustrados com um exemplo. A hiperplasia adrenal congênita
(HAC) resultante da deficiência da 21-hidroxilase é um erro inato da biossíntese de esteroides que pode produzir genitália ambígua em mulheres e
crises adrenais em ambos os sexos. O teste de triagem, a análise da 17-hidroxiprogesterona, tem uma sensibilidade de cerca de 95% e uma
especificidade de 99% (Tabela 13-2). A prevalência da HAC é de cerca de 1/10.000 em populações de maioria branca, mas para aproximadamente
1/400 na população Yupik nativa do Alasca.
Suponhamos que um programa de triagem para HAC tenha sido desenvolvido para essas duas populações. Em uma população de 500.000
brancos, o índice de falso positivo (1 – especificidade) é 1%. Assim, cerca de 5.000 pessoas não afetadas terão um teste positivo. Com
sensibilidade de 95%, 47 de 50 pessoas brancas que têm HAC serão detectadas por meio do teste positivo. Note que a maioria das pessoas

FIGURA 13-1 A distribuição de creatina quinase (CK) em mulheres normais e em mulheres portadoras heterozigotas de uma mutação no gene da
distrofia muscular de Duchenne. Observe a superposição na distribuição entre os dois grupos: cerca de dois terços das portadoras têm os níveis de CK
que excedem o percentil 95 nas mulheres normais. Se o percentil 95 é usado como um cutoff para identificar portadoras, então a sensibilidade do
teste é de 67% (isto é, dois terços das portadoras serão detectados), e a especificidade é 95% (isto é, 95% das mulheres normais serão identificadas
corretamente).

TABELA 13-2 Resultados Hipotéticos de uma Triagem para Hiperplasia Adrenal Congênita em uma População Branca
com Baixa Prevalência e em uma População Yupik com Alta Prevalência*
RESULTADOS DO TESTE DE TRIAGEM HAC PRESENTE HAC AUSENTE

Positivo

Brancos 47 5.000

Yupiks 24 100

Negativo

Brancos 3 494.950

Yupiks 1 9.875

*Valor preditivo positivo em brancos = 47/(47+5.000) ~1%; valor preditivo positivo em Yupiks = 24/(24+100) ~19% HAC, hiperplasia adrenal congênita.

que tem um resultado positivo não tem HAC: o valor preditivo positivo é 47/(47 + 5.000), ou menor que 1%. Agora suponhamos que 10.000
membros da população Yupik sejam testados para HAC. Como mostra a Tabela 13-2, 24 de 25 pessoas com HAC terão resultado positivo, e 100
pessoas sem HAC também. Aqui, o valor preditivo positivo é muito mais alto do que na população branca: 24/(24 + 100) = 19%. Esse exemplo
ilustra um importante princípio: Para um dado nível de sensibilidade e especificidade, o valor preditivo positivo de um teste aumenta com o
aumento da prevalência da doença.

O valor preditivo positivo de um teste de triagem é definido como a porcentagem de testes positivos que são
verdadeiros positivos. Ele aumenta quando a prevalência da doença-alvo aumenta.

Triagem para Erros Inatos do Metabolismo em Recém-nascidos


Programas de triagem de recém-nascidos representam uma oportunidade ideal para detecção pré-sintomática e prevenção de doença genética.
Atualmente, todos os estados norte-americanos testam recém-nascidos para PKU, galactosemia (Capítulo 7) e hipotireoidismo. Todas essas
doenças preenchem os critérios previamente citados para triagem populacional. Cada uma delas é uma doença em que a pessoa está em risco
significativo para deficiência intelectual, que pode ser prevenida por detecção precoce e intervenção eficaz.
Nos últimos anos, a maioria dos estados norte-americanos e muitas outras nações instituíram programas de triagem para identificar neonatos
com distúrbios de hemoglobina (p. ex., anemia falciforme). Esses programas se justificam pelo fato de que até 15% das crianças não tratadas com
anemia falciforme morrem de infecções antes dos cinco anos de idade (Capítulo 3). O tratamento eficaz, na forma de antibióticos profiláticos, está
disponível. Algumas comunidades começaram a fazer triagem para distrofia muscular de Duchenne medindo os níveis de creatina quinase em
recém-nascidos. O objetivo não é o tratamento pré-sintomático, mas sim a identificação de famílias que devem receber aconselhamento genético
para tomarem decisões reprodutivas após terem sido informadas.
A espectrometria de massa em tandem está sendo cada vez mais utilizada para a triagem de recém-nascidos para variantes de proteínas que
sinalizam aminoacidopatias (p. ex., PKU, tirosinemia e homocistinúria), acidúrias orgânicas e doenças da oxidação de ácidos graxos (p. ex.,
deficiências de MCAD e LCHAD; Capítulo 7). Esse método começa com a coleta de uma amostra de sangue seco, que é submetida à análise por
dois espectrômetros de massa. O primeiro espectrômetro separa as moléculas ionizadas de acordo com sua massa, e as moléculas são
fragmentadas. O segundo espectrômetro estima a massa e a carga desses fragmentos, permitindo que um computador gere um perfil molecular da
amostra. A espectrometria de massa em tandem é altamente precisa e muito rápida: mais de 30 doenças podem ser triadas em aproximadamente
dois minutos.
À medida que as tecnologias de triagem continuaram a avançar, muitos países estabeleceram os programas de triagem expandida de recém-
nascido para lidar com os resultados positivos e fornecer um rápido tratamento das condições detectadas. O American College of Medical
Genetics and Genomics desenvolveu diretrizes e planos de ação para todas as condições que atualmente são triadas (https://www.acmg.net) e está
desenvolvendo de forma consistente novos planos para distúrbios para os quais a triagem está sendo considerada (p. ex., doença de Pompe). As
condições para as quais geralmente é realizada a triagem do recém-nascido estão resumidas na Tabela 13-3.

A triagem de recém-nascidos é uma estratégia eficaz de saúde pública para doenças tratáveis como PKU,
hipotireoidismo, galactosemia e anemia falciforme. O uso de espectrometria de massa em tandem expandiu
recentemente o número de doenças que podem ser detectadas pela triagem de recém-nascidos.

Triagem de Heterozigotos
Os princípios anteriormente citados de triagem populacional podem ser aplicados para a detecção de portadores não afetados de mutações
causadoras de doença. A população-alvo é um grupo sabidamente em risco. A intervenção consiste na apresentação dos valores de risco e de
opções, como o diagnóstico pré-natal. Doenças genéticas elegíveis para a triagem de heterozigoto normalmente são autossômicas recessivas para
as quais o diagnóstico pré-natal e o aconselhamento genético estão disponíveis, são viáveis e precisos.
Um exemplo de triagem de heterozigotos altamente bem-sucedido é o programa de triagem de Tay-Sachs na América do Norte. A doença
infantil de Tay-Sachs é uma doença autossômica recessiva de armazenamento de lisossomos em que a enzima lisossômica β-hexosaminidase A
(HEX A) é deficiente (Capítulo 7), causando um acúmulo do substrato, o gangliosídeo GM2, em lisossomos neuronais. O acúmulo desse substrato
danifica os neurônios e leva à cegueira, à convulsão, à hipotonia e à morte por volta dos cinco anos de idade. A doença de Tay-Sachs é
especialmente comum entre judeus asquenazes, com uma frequência de heterozigoto de

TABELA 13-3 Características dos Programas de Triagem em Neonatos Selecionados

DOENÇA HERANÇA PREVALÊNCIA TESTE DE TRIAGEM TRATAMENTO

Fenilcetonúria Autossômica 1/10.000 – Espectrometria de massa em tandem Restrição dietética de fenilalanina


recessiva 1/15.000

Galactosemia Autossômica 1/50.000 – Teste da transferase Restrição dietética de galactose


recessiva 1/100.000

Hipotireoidismo Geralmente 1/5.000 Mensuração da tiroxina (T4) ou do Reposição hormonal


congênito esporádico hormônio estimulante da tireoide
(TSH)

Anemia falciforme Autossômica a 1/400 – 1/600 Focalização isoelétrica ou diagnóstico Penicilina profilática
recessiva em negros por DNA

Fibrose cística Autossômica 1/2.500 Tripsinogênio imunorreativo Antibióticos, fisioterapia respiratória,


recessiva confirmado por diagnóstico do reposição da enzima pancreática, se
DNA necessário

Dados das normas do American College of Medical Genetics, http://www.acmg.net/resources/policies/ACT/condition-analyte-links.htm


TABELA 13-4 Exemplos Selecionados de Programas de Triagem de Heterozigotos em Grupos Étnicos Específicos

DOENÇA GRUPO ÉTNICO FREQUÊNCIA DE FREQUÊNCIA DE CASAIS EM INCIDÊNCIA DA DOENÇA EM


PORTADOR RISCO NEONATOS

Anemia Negros 1/12 1/150 1/600


falciforme

Doença de Tay- Judeus asquenazes 1/30 1/900 1/3.600


Sachs

β-talassemia Gregos e italianos 1/30 1/900 1/3.600

α-talassemia Sudeste-asiáticos e 1/25 1/625 1/2.500


chineses

Fibrose cística Europeus do norte 1/25 1/625 1/2.500

Fenilcetonúria Europeus do norte 1/50 1/2.500 1/10.000

Modificada de McGinniss MJ, Kaback MM: Carrier screening. In: Rimoin DL, Conner JM, Pyeritz RE, Korf BR (Eds): Emery and Rimoin’s Principles and
Practice of Medical Genetics. 5th ed. New York: Churchil Livingstone, 2007, pp 752-762.

cerca de um em 30. Assim, essa população é uma candidata legítima para a triagem de heterozigotos. Testes precisos de portador estão disponíveis
(testes para HEX A ou teste direto de DNA para mutações). Como a doença é invariavelmente fatal, opções como interrupção da gestação ou
inseminação artificial por doadores não portadores são aceitáveis para muitos casais. Houve um trabalho bem planejado para informar membros da
população-alvo acerca dos riscos, testes e opções disponíveis. Como resultado da triagem, o número de nascimentos com doença de Tay-Sachs
entre judeus asquenazes nos Estados Unidos e Canadá diminuiu aproximadamente 90%; de 30 a 40 por ano antes de 1970, para três a cinco por
ano na década de 1990, e para zero em 2003.
A β-talassemia major, outra doença autossômica recessiva grave, é especialmente comum entre muitas populações mediterrâneas e sul-asiáticas
(Capítulo 3). Programas eficazes de triagem de portadores resultaram em uma redução de 75% na prevalência de recém-nascidos com essa doença
na Grécia, Chipre e Itália. A triagem de portadores também é possível para fibrose cística, outra doença autossômica recessiva (Comentário
Clínico 13-2). A Tabela 13-4 apresenta uma relação de doenças selecionadas para as quais foram desenvolvidos programas de triagem de
heterozigotos em países industrializados.
Além dos critérios para estabelecer um programa de triagem populacional para doenças genéticas, foram desenvolvidas diretrizes relacionadas
aos aspectos éticos e legais dos programas de triagem de heterozigotos. Estes estão resumidos no Quadro 13-2.

QUADRO 13-2 Diretrizes de Políticas Públicas para Triagem de Heterozigotos

Diretrizes recomendadas:
A triagem deve ser voluntária e a confidencialidade deve ser garantida.
A triagem requer consentimento informado.
Os fornecedores de serviços de triagem têm a obrigação de garantir que o fornecimento de informações adequadas sejam incluídas no programa.
O controle de qualidade de todas as etapas do teste no laboratório, incluindo testes sistemáticos de competência, é necessário e deve ser
implementado assim que possível.
Deve haver igualdade de acesso ao teste.

De Elias S, Annas GJ, Simpson JL: Carrier screening for cystic fibrosis: implications for obstetric and gynecologic practice. Am J Obstet Gynecol
1991;164:1077-1083.

A triagem de heterozigotos consiste em testar (no nível do fenótipo ou do genótipo) uma população-alvo para
identificar portadores não afetados de um gene causador de doença. Assim, os portadores podem receber informações
sobre riscos e opções reprodutivas.

COMENTÁRIO CLÍNICO 13-2

Triagem Populacional para Fibrose Cística


Cerca de 2.000 mutações no gene CFTR já foram descritas e, embora algumas sejam variantes benignas, a maioria pode causar fibrose cística.
Seria tecnologicamente impraticável testar todas as mutações relatadas em um programa de triagem populacional. No entanto, entre as
mutações que podem causar FC em brancos, a deleção de três pares de bases denominada F508del (Capítulo 4) é a mais comum, observada em
cerca de 70% dos casos. Nessa população, a triagem de portador baseada em PCR para detecção da F508del detectaria aproximadamente 90%
dos casais em que um ou ambos sejam portadores heterozigotos dessa mutação (1 – 0,302, onde 0,302 representa a frequência de casais
portadores em que nenhum dos dois possui a mutação F508del). Atualmente é recomendado testar simultaneamente 25 das mutações mais
comuns no CFTR, o que detectará aproximadamente 85% de todas as mutações em pessoas de descendência europeia (como as frequências da
mutação variam entre as populações, esse número é um pouco menor em outras populações dos EUA, como afro-americanos e hispânicos).
Entre os brancos, seriam identificados 98% dos casais em que um membro ou ambos apresentassem uma mutação para FC (isto é, 1 – 0,152),
correspondendo a um nível alto de sensibilidade. O American College of Medical Genetics e o American College of Obstetricians and
Gynecologists recomendam que aos casais que estejam planejando uma gravidez, ou que já estejam em gestação, deve-se oferecer um teste
para o status de portador de FC. Casais em que ambos os pais são heterozigotos comporiam um subgrupo da população ao qual o diagnóstico
pré-natal de FC poderia ser oferecido. Atualmente, a população de recém-nascidos dos Estados Unidos é testada de forma rotineira para FC,
(triagem expandida do recém-nascido, veja anteriormente), geralmente utilizando-se a análise do tripsinogênio imunorreativo, seguida, se
indicado, pelo teste direto de mutações no CFTR.

Diagnóstico Pré-sintomático
Com o desenvolvimento do diagnóstico genético por meio da análise de ligação e detecção direta da mutação, o diagnóstico pré-sintomático se
tornou viável para muitas doenças genéticas. Pessoas em risco podem ser testadas para determinar se herdaram uma mutação causadora de doença
antes de desenvolverem os sintomas clínicos da doença. O diagnóstico pré-sintomático está disponível, por exemplo, para doença de Huntington,
doença renal policística do adulto e câncer de mama/ovário autossômico dominante. Informando as pessoas que elas apresentam ou não uma
mutação causadora de doença, o diagnóstico pré-sintomático pode ajudar na tomada de decisões reprodutivas. Ele também pode fornecer alívio
para aqueles que descobrem que não portam a mutação. Em alguns casos, o diagnóstico precoce pode melhorar o cuidado com a saúde. Por
exemplo, pessoas que herdam uma mutação autossômica dominante para câncer de mama podem fazer mamografias em idades mais jovens para
aumentar as chances de detecção precoce do tumor. Pessoas em risco para a herança de mutações no gene RET (Capítulo 11), que têm alta
probabilidade de desenvolver neoplasia endócrina múltipla tipo 2 (MEN2), podem se submeter à tiroidectomia profilática para reduzir sua chance
de desenvolver uma malignidade. Aqueles que herdam mutações que causam algumas formas de câncer de cólon familiar (polipose adenomatosa
familiar – FAP, de familial adenomatous polyposis) e câncer colorretal não polipomatoso hereditário – HNPCC, de hereditary nonpolyposis colon
cancer; Capítulo 11) também podem se beneficiar do diagnóstico e tratamento precoces.
Como a maioria das doenças genéticas é relativamente rara na população geral, a triagem pré-sintomática ampla atualmente é impraticável. Ela
é geralmente recomendada apenas para pessoas sabidamente em risco para a doença, geralmente devido a uma história familial positiva.

O teste genético pode às vezes ser realizado para identificar pessoas que herdaram um gene causador de doença antes
que elas desenvolvam sintomas. Isso é denominado diagnóstico pré-sintomático.

Implicações Psicossociais da Triagem e do Diagnóstico Genético


A triagem para doenças genéticas tem muitas implicações sociais e psicológicas. A carga de ansiedade, o custo e a potencial estigmatização em
torno de um teste com resultado positivo devem ser bem considerados diante da necessidade de detecção. Com frequência, testes de triagem são
erroneamente entendidos como diagnosticamente conclusivos. A ideia de que um teste de triagem positivo não necessariamente indica a presença
da doença deve ser enfatizada para aqueles que passam pela triagem (Quadro 13-2).
Os programas de triagem iniciais para condição de portador de anemia falciforme nos anos 1970 causaram constrangimentos em virtude de
mal-entendidos acerca das implicações da condição de portador. Ocasionalmente, a detecção de portador levava ao cancelamento de seguros de
saúde ou à discriminação do empregado. Tais experiências ressaltaram a necessidade de aconselhamento genético e educação pública efetivos.
Outras questões incluem o direito de escolher não ser testado e o potencial de invasão de privacidade.
Os aspectos sociais, psicológicos e éticos da triagem genética se tornarão mais complicados à medida que técnicas mais modernas de
diagnóstico pelo DNA se tornarem mais acessíveis. Por exemplo, ainda que o diagnóstico pré-sintomático da doença de Huntington esteja
disponível, vários estudos mostraram que menos de 20% das pessoas em risco escolheram fazê-lo. Isto reflete amplamente o fato de que
atualmente nenhum tratamento eficaz está disponível para essa doença. O diagnóstico pré-sintomático da condição de portador de mutações em
BRCA1 e BRCA2 (Capítulo 11) também encontrou respostas mistas. Em parte, tais respostas podem ter ocorrido como uma reação ao custo do
teste: devido ao grande número de mutações diferentes em BRCA1 e BRCA2 que podem causar o câncer de mama e de ovário, o teste consiste
normalmente no sequenciamento de todos os éxons e promotores dos dois genes, bem como de alguns nucleotídeos intrônicos próximos de cada
éxon. Esse é um procedimento caro, embora atualmente as novas tecnologias e a crescente competição entre os laboratórios estejam reduzindo os
custos. Medidas preventivas, como mastectomia e ooforectomia profiláticas (remoção das mamas e ovários, respectivamente), são conhecidas por
reduzirem substancialmente o risco de câncer, mas não o eliminam por completo.
Para algumas doenças genéticas, como síndromes de câncer de cólon autossômicas dominantes, o diagnóstico precoce pode levar ao aumento
da expectativa de vida porque tratamentos preventivos eficazes já estão disponíveis (colectomia ou polipectomia para pólipos pré-cancerígenos no
cólon). Além disso, muitas pessoas em risco descobrirão que não portam o gene causador da doença, o que evitará procedimentos diagnósticos
desagradáveis (e, possivelmente, arriscados), como colonoscopia e mamografia. No entanto, à medida que a triagem para tais doenças se torna
mais comum, questões de privacidade e confidencialidade, e a necessidade de comunicação adequada da informação de risco devem ser
consideradas.

FERRAMENTAS MOLECULARES PARA TRIAGEM E DIAGNÓSTICO


No passado, a triagem genética frequentemente se baseava em testes do fenótipo da doença, como na análise da β-hexosaminidase para doença de
Tay-Sachs ou da creatina quinase para distrofia muscular de Duchenne. Avanços na tecnologia de DNA levaram o diagnóstico ao nível do
genótipo. Na maioria dos casos foram desenvolvidos testes diretos de mutações causadoras de doença. Atualmente, o diagnóstico genético no
nível do DNA está complementando, e em muitos casos suplantando, os testes baseados em análises fenotípicas.
A análise de ligação e o diagnóstico direto da mutação têm sido usados como testes diagnósticos dentro de famílias, para diagnóstico pré-natal
de doenças genéticas e, mais recentemente, em triagem populacional. A tecnologia aprimorada e uma demanda elevada de testes levaram ao
surgimento de laboratórios clínicos moleculares em muitos centros médicos em todo o mundo.

Análise de Ligação
Polimorfismos de DNA, como SNPs e STRs, podem ser usados como marcadores na análise de ligação, conforme descrito no Capítulo 8. Uma
vez que a fase de ligação é estabelecida em uma família, o locus marcador pode ser analisado para determinar se uma pessoa em risco herdou o
segmento cromossômico que contém a mutação causadora de doença ou o segmento homólogo que contém o alelo normal (Fig. 13-2). Como essa
abordagem utiliza marcadores ligados, mas não envolve o exame direto das mutações causadoras da doença, ela é uma forma de diagnóstico
indireto.
A análise de ligação foi empregada com sucesso para diagnosticar muitas das doenças genéticas discutidas neste texto. Em princípio, ela pode
ser usada para diagnosticar qualquer doença genética mapeada. Ela tem a vantagem de que o gene da doença e seu produto não precisam ser
conhecidos. O marcador simplesmente nos diz se a pessoa em risco herdou ou não a região cromossômica que contém uma mutação causadora da
doença.
As desvantagens dessa abordagem são que vários membros da família devem ser testados a fim de se estabelecer a fase de ligação, nem todos
os marcadores são informativos (heterozigotos adequados) em todas as famílias (consulte o Capítulo 8 para uma discussão de famílias não
informativas) e pode ocorrer recombinação entre o marcador e a mutação causadora da doença, introduzindo uma fonte de erro de diagnóstico.
Com os avanços na detecção direta de mutação, o diagnóstico indireto com marcadores ligados é aplicado com menos frequência do que no
passado, mas ainda é útil

FIGURA 13-2 Neste heredograma para câncer de mama autossômico dominante, a análise de um marcador intimamente ligado no cromossomo 17
mostra que a mutação está localizada no mesmo cromossomo do alelo 1 do marcador da mãe afetada na geração II. Isto indica que a filha na geração
III herdou o cromossomo com a mutação de sua mãe e é altamente provável que ela desenvolva tumor de mama.

quando a mutação causadora de doença que está segregando em uma família não pode ser diretamente identificada.

A análise de ligação, uma forma de diagnóstico genético indireto, utiliza marcadores ligados para determinar se uma
pessoa herdou um cromossomo contendo um gene de doença de seu genitor ou genitora. A necessidade de
identificação de muitos membros da família, possibilidade de recombinação e casais não informativos são algumas
desvantagens dessa abordagem.

Análise Direta da Mutação


O diagnóstico direto da mutação causadora de uma doença se tornou a abordagem mais utilizada em diagnóstico genético. Comparado ao
diagnóstico indireto, tem as vantagens de que a informação da família não é necessária (a mutação é investigada diretamente em cada indivíduo),
os casais não informativos não são um problema e não há possibilidade de erro resultante de recombinação. (A Tabela 13-5 resume as vantagens e
desvantagens do diagnóstico indireto e direto.) Várias formas de diagnóstico direto (Tabela 13-6) foram descritas nos capítulos anteriores. Por
exemplo, a hibridização in situ fluorescente (FISH, de fluorescence in situ hybridization) ou a hibridização genômica comparativa por array
(array CGH) podem ser usadas para detectar deleções ou duplicações de regiões cromossômicas (Capítulo 6). Southern blotting ou amplificação
de múltiplas sondas dependentes de ligação (MLPA, de multiplex ligation-probe amplification) podem detectar variantes no número de cópias ou
grandes expansões repetidas (Capítulo 3).
Se a sequência de DNA onde a mutação está localizada é conhecida, a região contendo a sequência pode ser amplificada por PCR (Capítulo 3)
e uma sonda de oligonucleotídeo pode ser sintetizada. Ela se hibridizará (sofrerá pareamento de bases complementares) apenas com a sequência
mutada (tais sondas são frequentemente denominadas oligonucleotídeos alelo-específicos, ou ASOs). Uma segunda sonda que se hibridizará com
a sequência normal de DNA também é sintetizada. Condições controladas de estringência são usadas para impedir a ocorrência de erros de
pareamento de uma base (mismatch) que impeça a hibridização. O DNA de indivíduos que são homozigotos para a mutação hibridiza-se apenas
com o ASO que contém a sequência mutada, enquanto o DNA de homozigotos para sequência normal hibridiza-se com o ASO normal. O DNA de
heterozigotos hibridiza-se com os dois tipos de sondas (Fig. 13-3). O comprimento das sondas ASOs, geralmente em torno de 18 a 20
nucleotídeos, é crítico. Sondas menores não seriam exclusivas no genoma e, portanto, poderiam hibridizar com múltiplas regiões. Sondas maiores
seriam mais difíceis de ser corretamente sintetizadas e poderiam se hibridizar tanto com a sequência normal como com a sequência mutada.

TABELA 13-5 Sumário das Características do Diagnóstico Direto e Indireto

CARACTERÍSTICA DIAGNÓSTICO INDIRETO DIAGNÓSTICO DIRETO

Necessidade de informações familiares Sim Não

Possibilidade de erros devidos à recombinação Sim Não

Marcadores podem não ser informativos Sim Não

Único teste pode descobrir múltiplas mutações Sim Não

A mutação causadora da doença deve ser conhecida Não Sim

O diagnóstico genético usando ASOs requer que o gene causador da doença esteja identificado e sequenciado. Além disso, cada mutação
causadora de doença requer uma sonda de oligonucleotídeo diferente. Por essa razão, essa abordagem, embora potente, pode se tornar difícil ou
impraticável caso a doença possa ser causada por um grande número de mutações diferentes em que cada uma tenha frequência baixa na
população.

O diagnóstico genético direto é obtido pela análise da própria mutação causadora da doença. É potencialmente mais
preciso do que o diagnóstico indireto e não requer informação da família. Pode ser realizado por hibridização do DNA de
um indivíduo com sondas de oligonucleotídeos alelo-específicos. Essa abordagem é viável se a sequên­cia de DNA for
conhecida e o número de mutações causadoras da doença for limitado.

Exemplos de doenças que resultam de um número limitado de mutações incluem anemia falciforme e deficiência de α1-antitripsina
(Comentário Clínico 13-3). Embora cerca de 2.000 mutações da fibrose cística tenham sido identificadas, 25 das mais comuns são responsáveis
pela maioria dos casos em muitas populações (Comentário Clínico 13-2). Desta forma, o diagnóstico direto pode ser usado para identificar a
maioria dos portadores homozigotos e heterozigotos da fibrose cística, bem como para o diagnóstico pré-natal. O diagnóstico direto também pode

TABELA 13-6 Métodos de Teste Genético Direto*

MÉTODO MUTAÇÕES VARIAÇÕES NO NÚMERO DISSOMIA EXPANSÕES EXEMPLOS DE APLICAÇÕES


MONOGÊNICAS DE CÓPIAS (INCLUINDO UNIPARENTAL REPETIDAS
DELEÇÕES E
DUPLICAÇÕES)

FISH X Síndrome de Prader-Willi;


síndrome de Williams;
aneuploidia

Array CGH X X Deficiência intelectual ou outras


doenças de etiologia
desconhecida; suspeita de
microdeleções,
microduplicações ou
aneuplodia

SNP microarrays X X Sensibilidade a droga; deficiência


intelectual; risco de doença
cardiovascular

Hibridização com X X Anemia falciforme; deficiência de


oligonucleotídeo α-antitripsina
alelo específico
(ASO)

Sequenciamento de X Câncer de mama/ovário familial


DNA de Sanger

Southern blotting ou X X Distrofia miotônica; Síndrome do


MLPA X Frágil

Painéis de X Cardiomiopatia familiar;


Sequenciamento síndrome do QT longo; câncer
de doenças colorretal familiar
específicas

Sequenciamento X X Doenças não diagnosticadas ou


completo do de etiologia desconhecida
exoma ou do
genoma

*Adaptada de Katanis SH, Katsanis N. Molecular genetic testing and the future of clinical genomics. Nat Rev Genet. 2013;14:4:415-426.
FIGURA 13-3 A, Uma sonda de oligonucleotídeo alelo-específico (ASO) com 21 pb (amarelo) é construída para o pareamento de base complementar
somente com a sequência normal da β-globina e outra sonda ASO (verde) é construída para fazer o pareamento de base complementar somente com
uma sequência de β-globina que contém uma mutação de sentido trocado que produz a substituição de uma valina por ácido glutâmico na posição 6
do peptídeo β-globina (Capítulo 3), que causa anemia falciforme em homozigotos. B, Nesta família, os pais são ambos portadores heterozigotos da
mutação de sentido trocado, portanto, seu DNA se hibridiza com as duas sondas ASO. A primeira filha tem um genótipo homozigoto normal, a
segunda filha é heterozigota e a terceira filha é uma homozigota afetada. Uma variedade de métodos, incluindo microarrays (Capítulo 3), podem ser
usados para detectar esses padrões ASO de hibridização.

ser utilizado para detectar deleções ou duplicações (p. ex., as do gene da distrofina que causam a maioria dos casos de distrofia muscular de
Duchenne). Atualmente, o teste genético clínico está disponível para mais de 4.000 doenças genéticas, incluindo praticamente todas as
monogênicas discutidas neste livro. Apesar da ampla disponibilidade, deve-se considerar que o teste genético, como todos os procedimentos de
análise, tem algumas limitações (Quadro 13-3).
Microarrays, nos quais múltiplas sondas de oligonucleotídeos em um chip de silicone são hibridizadas com o DNA marcado do paciente
(Capítulo 3), representam uma extensão em larga escala da tecnologia ASO. Os microarrays têm muitas propriedades convenientes, incluindo a
miniaturização e o processamento computadorizado automatizado. Eles podem ser projetados para examinar grandes quantidades de variantes de
sequências (incluindo mutações causadoras de doenças) em uma única e rápida análise (Quadro 13-4). Por exemplo, um microarray contém
milhares de sondas de oligonucleotídeos que se hibridizam com grandes quantidades de variantes possíveis da sequência nos genes CYP2D6 e
CYP2C19. Os produtos desses genes influenciam a taxa de metabolismo de cerca de 25% de todas as drogas prescritas,

COMENTÁRIO CLÍNICO 13-3


O Diagnóstico Genético da Deficiência de α1-Antitripsina
Uma deficiência herdada de α1-antitripsina (AAT) é uma das doenças autossômicas recessivas mais comuns entre brancos, afetando
aproximadamente um a cada 2.000 ou 5.000 indivíduos. A AAT, sintetizada principalmente no fígado, é um inibidor de serino protease. Como seu
nome sugere, ela se liga à tripsina. Contudo, a AAT se liga muito mais fortemente à elastase de neutrófilos, uma protease que é produzida por
neutrófilos (um tipo de leucócito) em resposta a infecções e irritações. Ela realiza seu papel de ligação e de inibição principalmente no trato
respiratório inferior, onde evita que a elastase de neutrófilos digira os septos alveolares do pulmão.
Pessoas com menos de 10% a 15% do nível normal da atividade de AAT apresentam dano pulmonar significativo e normalmente desenvolvem
enfisema durante seus 30, 40 ou 50 anos. Além disso, pelo menos 10% desenvolvem cirrose hepática como resultado do acúmulo de moléculas
variantes de AAT no fígado. A deficiência de AAT responde por quase 20% de todas as cirroses não alcoólicas nos Estados Unidos. Tabagistas com
deficiência de AAT desenvolvem enfisema muito mais cedo do que não fumantes, porque a fumaça do cigarro irrita o tecido pulmonar,
aumentando a secreção da elastase de neutrófilos. Ao mesmo tempo, ele inativa a AAT, havendo também menos inibição da elastase. Um estudo
em indivíduos com deficiência de AAT mostrou que a idade média de óbito é de 62 anos para os que não são fumantes e de 40 anos para os
fumantes. A combinação do uso de cigarro (um fator ambiental) com uma mutação AAT (um fator genético) produz uma doença mais grave do
que cada fator isoladamente; assim, esse é um bom exemplo da interação gene-ambiente.
Tipicamente, a deficiência de AAT é testada por meio de um ensaio simples para redução da concentração sérica de AAT. Como uma variedade
de doenças pode reduzir a AAT sérica, testes adicionais, por meio de eletroforese de proteína (Capítulo 3) ou teste de DNA, são realizados para
confirmar um diagnóstico de deficiência de AAT. O teste direto de DNA se tornou viável com a identificação do SERPINA1, o gene que codifica a
AAT. Mais de 100 mutações de SERPINA1 já foram identificadas, mas apenas duas variantes de sentido trocado (missense), identificadas como alelo
S e alelo Z, são comuns e clinicamente significativas. Aproximadamente noventa e cinco por cento dos casos de deficiência de AAT são
homozigotos ZZ ou heterozigotos compostos SZ. O último genótipo geralmente produz sintomas menos graves da doença. Dois grandes estudos
indicaram que o risco de desenvolver enfisema entre homozigotos ZZ é de 70% para não fumantes e de 90% para fumantes. Como a maioria dos
casos de AAT é causada por dois alelos, Z e S, essa doença pode ser diagnosticada de forma eficiente e com sensibilidade de 95% com teste de
DNA alelo-específico. Se necessário, mutações causadoras da doença raras podem ser detectadas por sequenciamento completo do gene.

e a análise de sua variação pode ajudar a predizer como um paciente responderá a essas drogas.
Embora a tecnologia de microarray seja relativamente barata e eficiente, ela só permite a detecção de variantes de DNA presentes nas sondas
incluídas na plataforma do microarray. Tal inconveniente pode ser superado com o sequenciamento de alto rendimento de DNA (Capítulos 3 e 8),
que se tornou cada vez mais rápido e acessível. No sequenciamento direcionado à doença-alvo, são sequenciados somente os

QUADRO 13-3 Limitações do Teste Genético


Embora o teste genético frequentemente ofereça muitas vantagens, também deve-se considerar suas limitações. Essas limitações podem ser
resumidas como se segue:

• Nenhum teste genético é 100% preciso. Embora a maioria dos testes genéticos de fato alcance um alto nível de precisão, fatores como
mosaicismo podem complicar o diagnóstico citogenético, e erros de genotipagem podem ocorrer no diagnóstico de doenças monogênicas.

• O teste genético revela mutações, não a presença da doença, pois muitas mutações causadoras de doença têm penetrância incompleta. Por
exemplo, aproximadamente 50% a 80% das mulheres com mutações no BRCA1 ou BRCA2 desenvolvem câncer de mama, e 70% a 90% das
pessoas com mutações em um dos genes HNPCC desenvolvem câncer colorretal. Mesmo quando a penetrância se aproxima de 100% (como na
neurofibromatose tipo 1 ou na doença de Huntington), a detecção da mutação frequentemente revela pouco acerca da gravidade ou da idade de
início da doença.

• O teste genético pode não detectar todas as mutações que podem causar uma doença. Mesmo na ausência de erros de genotipagem ou de
sequenciamento, muitos testes genéticos carecem de sensibilidade. Por exemplo, os painéis comumente usados para testar as mutações da
fibrose cística têm normalmente sensibilidade menor do que 90% para detectar homozigotos (Comentário Clínico 13.2). Quando um grande
número de mutações diferentes pode produzir uma doença genética (p. ex., neurofibromatose, câncer de mama autossômico dominante e
síndrome de Marfan) pode não ser prático testar todas as mutações possíveis. Nesse caso, a análise de marcadores ligados pode fornecer uma
precisão diagnóstica adicional se múltiplos membros da família forem afetados. Outros fatores que podem reduzir a precisão incluem
heterogeneidade de locus e a presença de fenocópias.

• O teste genético pode levar a complexas considerações éticas e sociais. Os resultados de um teste genético podem levar à estigmatização ou à
discriminação por empregadores ou companhias de seguro. (No entanto, atualmente nos Estados Unidos a lei Genetic Information
Nondiscrimination Act proíbe a discriminação com base nos resultados de testes genéticos por parte de empregadores ou de companhias de
seguro; Capítulo 15). O tratamento eficaz não está disponível para algumas doenças genéticas (p. ex., doença de Huntington e doença de
Alzheimer familiar), diminuindo o valor do diagnóstico precoce do teste genético. Como os genes são compartilhados nas famílias, os resultados
de um teste genético podem afetar não apenas a pessoa testada mas também outros membros da família (que podem não querer saber sobre
seu risco para uma doença genética). Estas e outras questões éticas e sociais são discutidas em detalhes no Capítulo 15.

QUADRO 13-4 Teste Genético Direto ao Consumidor


Várias companhias particulares já oferecem teste genético baseado em microarray diretamente ao consumidor. Geralmente, o consumidor coleta
e envia um esfregaço bucal ou um pouco de saliva. O DNA é extraído da amostra e hibridizado em um microarray que pode testar
simultaneamente um grande número de variantes de DNA, incluindo algumas das variantes associadas, por exemplo, à fibrose cística,
hemocromatose, degeneração macular relacionada à idade, diabetes tipo 1, diabetes tipo 2, e psoríase, além de câncer de mama, de próstata e
colorretal. O consumidor é informado dos resultados e é dada alguma informação explicativa para auxiliar na sua interpretação. Em alguns casos,
o aconselhamento genético está disponível. O custo deste procedimento geralmente varia, mas pode custar de centenas a milhares de dólares.

Esse tipo de teste, às vezes denominado “genômica recreacional”, tem um encanto compreensível. Muitas pessoas querem saber mais acerca
de seus genomas e de como a variação de DNA pode afetar sua saúde. Muitos provavelmente apresentarão os resultados desses testes ao seu
médico, esperando explicações e até previsões. Várias considerações importantes devem ser lembradas.

Para a maioria das condições mórbidas, esses testes têm sensibilidade relativamente baixa e baixa especificidade. Um resultado positivo
raramente prediz doença com precisão (Quadro 13.3), e um resultado negativo não deve induzir a uma falsa noção de segurança. Para as doenças
comuns multifatoriais, a maioria das variantes genéticas responsáveis ainda não foi identificada, e, como discutido no Capítulo 12, fatores não
genéticos geralmente desempenham um grande papel na etiologia da doença. O aumento relativo no risco da doença associado à maioria das
variantes detectadas é muito pequeno, da ordem de poucos pontos percentuais. As estimativas de risco em geral são baseadas em populações
específicas, normalmente europeus ou americanos de ascendência europeia; elas podem não se aplicar precisamente a membros de outras
populações. Há grande possibilidade desses resultados serem mal compreendidos, e muitas das preocupações discutidas no Quadro 13-
3 (estigmatização e potencial para perda de privacidade) se aplicam ao teste direto ao consumidor. Por estas e outras razões, esse tipo de teste
genético deve ser considerado com certa cautela.

genes que sabidamente estão associados a uma doença específica. Por exemplo, um indivíduo com história familial positiva de câncer colorretal
pode ser testado para as variantes causadoras da doença em uma dúzia ou mais dos genes que sofrem as mutações responsáveis por esse câncer
hereditário (Capítulo 11). Essa abordagem tem a vantagem de detectar todas as variantes patogênicas nos genes do painel de teste, incluindo
aquelas anteriormente não identificadas. Os painéis de sequenciamento direcionados à doença foram desenvolvidos para uma série de condições
hereditárias, incluindo cardiomiopatias, arritmias cardíacas (p. ex., síndrome do QT longo), distrofias musculares e muitos cânceres hereditários
(p. ex., cânceres de mama, cólon, ovários ou pâncreas).
O sequenciamento direcionado à doença está necessariamente limitado aos genes incluídos no painel. Já o sequenciamento completo de exoma
e do genoma (Capítulos 3 e 8) podem superar essa limitação detectando quase todas as variantes causadoras de doença no genoma de um
indivíduo. No entanto, a enorme quantidade de dados gerados pelo sequenciamento completo do exoma e do genoma trazem outros desafios.
Conforme discutido no Capítulo 8, cada exoma humano contém centenas de variantes candidatas em potencial de serem causadoras de doenças.
Ainda não se conhece ou não se compreende o efeito de muitas dessas variantes de significado desconhecido sobre o fenótipo. Muitos esforços,
envolvendo algoritmos computadorizados sofisticados, bancos de dados em expansão das variantes patogênicas relatadas e estudos funcionais de
organismos modelos, estão melhorando a capacidade de discriminar entre as variantes causadoras de doenças e as variantes não patogênicas. Outro
desafio é que algumas vezes descobre-se que os indivíduos submetidos ao sequenciamento completo do exoma ou do genoma para uma condição
indicada (p. ex., história familial de câncer colorretal) apresentam uma variante patogênica que causa uma outra doença conhecida (p. ex., uma
cardiomiopatia hereditária). Atualmente, recomenda-se relatar tais achados incidentais (secundários) para o paciente desde que tenham sido
validados e estejam relacionados a uma condição considerada clinicamente “alterável” (diretrizes do American College of Medical Genetics
resumidas por Green et al., 2013). À medida que cresce o número de indivíduos sequenciados e aumenta o entendimento sobre a base genética das
doenças, a lista de variantes dessas sequências igualmente se expande.

Novos métodos de detecção direta de mutação, incluindo o uso de microarrays e sequenciamento de alto rendimento,
têm aumentado muito a velocidade e a precisão da triagem e do diagnóstico genético. Os desafios surgidos com o
sequenciamento completo do exoma e do genoma incluem o grande número de variantes de significado desconhecido e
as questões referentes à comunicação dos achados incidentais.

DIAGNÓSTICO PRÉ-NATAL DE DOENÇAS GENÉTICAS E DEFEITOS CONGÊNITOS


O diagnóstico pré-natal é um dos principais objetivos do teste genético, e várias áreas importantes da tecnologia evoluíram para fornecer esse
serviço. O principal objetivo do diagnóstico pré-natal é dar às famílias em risco a informação necessária para que possam tomar decisões durante a
gestação. Os benefícios em potencial do teste pré-natal incluem a tranquilização das famílias em risco quando o resultado é normal, a informação
sobre o risco para casais que na ausência de tal informação não escolheriam iniciar uma gravidez, a possibilidade do casal se preparar
psicologicamente para o nascimento de um bebê afetado, a ajuda do profissional da saúde no planejamento do parto, o tratamento e os cuidados
com o bebê afetado, e o fornecimento da informação sobre riscos aos casais para os quais a interrupção da gestação é uma opção.
Dada à controvérsia em torno da questão da interrupção da gestação, deve-se enfatizar que a maioria dos diagnósticos pré-natais tem resultado
de teste normal. Assim, a maior parte das famílias é confortada e uma pequena minoria enfrenta a questão da interrupção ou não da gestação,
considerando-se a legislação de cada país.
Tanto os testes de triagem como os de diagnóstico podem ser feitos antes do nascimento. Um exemplo de um teste de triagem populacional é a
análise de soro materno na 15a semana de gestação para níveis elevados ou reduzidos de α-fetoproteína (AFP) e vários outros componentes séricos
que podem indicar uma gestação anormal. Um resultado de teste positivo identifica um subgrupo indicado para testes adicionais para síndromes de
aneuploidias ou defeitos no tubo neural (DTNs). Uma amniocentese subsequente (coleta de líquido amniótico para teste durante a gravidez)
poderia fornecer um resultado mais preciso e específico. Os métodos de diagnóstico pré-natal podem ser divididos em dois tipos principais: análise
de tecidos fetais (amniocentese, amostra de vilo corial, cordocentese e diagnóstico genético pré-implantacional) e visualização do feto
(ultrassonografia e ressonância magnética). A amniocentese é considerada um método invasivo de diagnóstico pré-natal, em contraposição aos
métodos não invasivos como a triagem de soro materno e visualização fetal. Nesta seção, cada um desses procedimentos é descrito, e sua precisão,
segurança e viabilidade também são discutidas.

Amniocentese
A amniocentese é tradicionalmente realizada entre a 15a e a 17a semana após o último período menstrual (LMP, de last menstrual period) da
gestante. Após a imagem por ultrassom, em tempo real, localizar a placenta e determinar a posição do feto, uma agulha é inserida através da
parede abdominal até o saco amniótico (Fig. 13-4). Entre 20 e 30 mL de líquido amniótico são retirados; esse líquido contém células vivas
(amniócitos) liberadas pelo feto. Os amniócitos são cultivados para aumentar seu número (um procedimento que requer até sete dias) e são
realizados estudos citogenéticos convencionais. Além disso, essas células podem ser utilizadas para testes bioquímicos ou também para
diagnóstico genético molecular de qualquer doença genética para a qual o teste da mutação esteja disponível. Os resultados dos estudos
citogenéticos estão geralmente disponíveis em 10 a 12 dias. Como a técnica da hibridização in situ fluorescente (FISH) pode ser realizada mesmo
em um pequeno número de amniócitos não cultivados, ela pode fornecer uma indicação de aneuploidia fetal em apenas algumas horas. Se o
resultado for positivo, é recomendado o diagnóstico confirmatório subsequente por métodos citogenéticos convencionais. Indicações para o
diagnóstico pré-natal por amniocentese são apresentadas no Quadro 13-5.
A amniocentese também é utilizada para dosar a α–fetoproteina (AFP), uma proteína fetal que é produzida inicialmente pelo saco vitelino e
posteriormente pelo fígado fetal. O nível de AFP no líquido amniótico normalmente aumenta até cerca da 10a a 14a semana de gestação, e então
diminui de forma progressiva. Níveis significativamente mais elevados são observados em gestações em que o feto tem um DTN. A utilização da
análise ultrassonográfica (ver mais adiante) em conjunto com o teste da AFP do líquido amniótico no segundo trimestre, permite detectar mais de
98% dos fetos com espinha bífida aberta e praticamente todos com anencefalia. Entre mulheres que fazem a amniocentese para análise
citogenética, a dosagem do nível de AFP no líquido amniótico é um procedimento de rotina.
Além de um DTN fetal, há várias outras causas de AFP elevada (ou aparentemente elevada) no líquido amniótico.
FIGURA 13-4 Uma ilustração esquemática de uma amniocentese, na qual 20 a 30 mL do líquido amniótico são retirados transabdominalmente (guiado
por ultrassom), geralmente da 15a a 17a semana de gestação.

QUADRO 13-5 Indicações de Diagnóstico Pré-natal por Amniocentese

Idade materna > 35 anos


Filho anterior com anomalia cromossômica
Presença de anomalia cromossômica estrutural em um dos pais
História familial de defeito genético que seja diagnosticável por análise bioquímica ou do DNA
Risco elevado de defeito no tubo neural devido à história familial positiva
Teste quádruplo ou integrado anormal

Estas incluem subestimativa da idade gestacional, morte fetal, presença de gêmeos, contaminação sanguínea e várias malformações específicas (p.
ex., onfalocele ou gastrosquise, que são defeitos na parede abdominal). Geralmente, a ultrassonografia direcionada pode diferenciar estases
alternativas.
A segurança e a precisão da amniocentese foram estabelecidas por vários estudos amplos e colaborativos. O risco de complicações maternas é
muito baixo. A perda transitória do líquido ocorre em cerca de 1% das mulheres e as infecções maternas são extremamente raras. O risco de perda
fetal pelo procedimento é a principal preocupação. A amniocentese aumenta o risco de perda fetal em 0,2% a 0,3% (aproximadamente 1/300 a
1/500) acima do risco natural entre 15 e 17 semanas pós-LMP (isto é, se o risco de perda gestacional nessa fase é de 3% para mães que não fazem
amniocentese, o risco aumenta para 3,2% a 3,3% para as que realizam esse procedimento). A decisão de fazer ou não a amniocentese deve
considerar o risco de perda fetal contra a probabilidade de que o feto seja afetado com uma doença diagnosticável (Comentário Clínico 13-4).
Embora a amniocentese forneça resultados altamente precisos, o mosaicismo cromossômico pode levar a um diagnóstico equivocado. A
maioria dos casos de mosaicismo aparente é causada pela presença de um cromossomo extra que resulta do cultivo de células in vitro e é
classificado como pseudomosaicismo. Este pode ser distinguido facilmente do mosaicismo verdadeiro se forem usadas técnicas em que todas as
células de uma cultura são descendentes das mesmas células fetais. Se apenas algumas células de um frasco de cultivo tiverem o cromossomo
extra, supõe-se que exista pseudomosaicismo. Se, no entanto, for visualizada aneuploidia consistente em todas as células de todos os frascos, então
é diagnosticado mosaicismo fetal verdadeiro. A confirmação adicional do mosaicismo fetal (que em geral é uma doença rara) pode ser obtida pela
coleta e análise de amostra de sangue fetal, como descrito adiante.
Alguns centros realizam a amniocentese em fases mais iniciais da gestação, entre a 12a e a 14a semana pós-LMP. Como há menos líquido
amniótico, o risco de perda ou dano fetal pode ser maior. Várias avaliações em larga escala indicaram taxas significativamente mais altas de perda
fetal por amniocentese precoce e alguns estudos mostraram taxas elevadas de anomalias congênitas específicas (em particular, pé torto).

COMENTÁRIO CLÍNICO 13-4

A Decisão pela Amniocentese


Quando um teste pré-natal (veja o texto) identifica um risco de anomalia fetal maior que 1/500, é comum que uma mulher grávida considere a
possibilidade de aminocentese. Vários fatores influenciam no processo de tomada de decisão. O primeiro é o risco quantitativo estimado,
determinado pelo resultado de triagens, para síndrome de Down e outras doenças cromossômicas. Um segundo é o risco de perda fetal pelo
procedimento (cerca de 0,2% a 0,3% acima do risco natural). Um terceiro fator é o custo de uma amniocentese com ultrassom e de uma análise
citogenética, que em geral fica em torno de $ 2.000. Esses fatores devem ser considerados em termos de custo e benefícios relativos para a
mulher e sua família.
Como esta decisão envolve muitos aspectos, outras considerações surgem com frequência. Se uma mulher teve abortos espontâneos prévios,
pode ser considerado um risco adicional de perda fetal de forma mais contundente. Além disso, a gravidade de se ter uma criança com
deficiências é percebida de maneira diferente de família para família. Alguns casais ficam desconfortáveis com a quantidade de tempo que
transcorre antes que os resultados do teste estejam disponíveis (geralmente 10-12 dias). Esse desconforto deve ser reconhecido e considerado. A
possibilidade de um resultado ambíguo (p. ex., mosaicismo) também merece discussão. Finalmente, é importante que o médico informe que uma
amniocentese geralmente detecta apenas tipos específicos de doenças (ou seja, anomalias cromossômicas e defeitos do tubo neural), e não toda
a gama de defeitos congênitos e de doenças genéticas.

Amniocentese, a coleta de líquido amniótico durante a gestação, é realizada com cerca de 16 semanas pós-LMP e é
usada para diagnosticar muitas doenças genéticas. O nível de α-fetoproteína amniótica é elevado quando o feto tem um
defeito no tubo neural e é um teste pré-natal confiável para essa condição. O índice de perda fetal atribuível a esse
procedimento é aproximadamente 1/300 a 1/500 acima do risco natural de perda. A amniocentese também pode ser
realizada em fases mais precoces da gestação; alguns estudos indicam uma taxa de perda fetal mais elevada após a
amniocentese precoce.

Coleta de Amostra de Vilo Corial


A coleta de amostra de vilo corial (AVC), outra técnica invasiva de diagnóstico pré-natal muito utilizada, é realizada aspirando-se tecido
trofoblástico fetal (vilo corial) por via transcervical ou transabdominal (Fig. 13-5). Como é geralmente realizada entre a 10a e a 11a semana pós-
LMP, a AVC tem a vantagem de fornecer o diagnóstico em uma fase muito mais precoce da gravidez do que a da amniocentese, no segundo
trimestre da gestação. Isso pode ser importante para casais que consideram a opção da interrupção da gestação.
O material para análise citogenética pode ser obtido a partir da cultura de células (como na amniocentese) ou da preparação

FIGURA 13-5 IIustração esquemática de um procedimento de coleta transcervical de amostra de vilo corial (AVC), guiado por ultrassom. Um cateter é
introduzido e alguns miligramas do tecido das vilosidades são aspirados.

direta dos trofoblastos que se dividem rapidamente. Quando as vilosidades coriônicas são obtidas com sucesso, a técnica permite resultados
diagnósticos em mais de 99% dos casos. O mosaicismo confinado à placenta (mosaicismo na placenta, mas não no feto) é encontrado em cerca
de 1% a 2% dos casos em que é realizada a análise direta do material. Isso pode confundir o diagnóstico, porque o mosaicismo observado no
material placentário (vilosidades) pode não estar realmente presente no feto. Esse problema geralmente pode ser resolvido por uma amniocentese
posterior. Uma desvantagem da AVC é que ela não permite a dosagem da AFP do líquido amniótico. Mulheres que se submetem à AVC podem
medir o nível de AFP no soro entre15 e 16 semanas após o LMP, como triagem para DTNs.
A AVC, como a amniocentese, geralmente é um procedimento seguro. Vários estudos colaborativos revelaram uma taxa de perda fetal pós-
AVC de aproximadamente 1% acima do risco natural, comparada com 0,2% a 0,3% da amniocentese. Fatores que elevam o risco de perda fetal
incluem falta de experiência profissional com o procedimento e aumento no número de tentativas por via transcervical para obtenção da amostra
de vilo. Em mãos experientes, procedimentos transcervicais e transabdominais parecem envolver riscos semelhantes.
Alguns estudos indicaram que a AVC pode aumentar o risco de deficiências de membros. Embora outras investigações não tenham corroborado
esse resultado, a aparente associação é preocupante porque o mecanismo proposto (dano vascular levando à hipoperfusão do membro) é
biologicamente plausível. O risco é maior quando a AVC é realizada antes de 10 semanas pós-LMP e cai para um em vários milhares quando o
procedimento é realizado entre 10 e 11 semanas pós-LMP. Consequentemente, muitos profissionais agora desaconselham a realização da AVC
antes de 10 semanas de gestação.

A AVC é realizada mais precocemente do que a amniocentese (entre 10 e 11 semanas pós-LMP), por via transcervical ou
transabdominal. O risco de perda fetal atribuível ao procedimento é de aproximadamente 1% a 1,5%. O mosaicismo
confinado à placenta pode confundir o diagnóstico. Há algumas evidências de que a AVC pode aumentar o risco de
deficiências em membros; esse risco é o maior quando o procedimento é realizado antes de 10 semanas de gestação.

Erros inatos de metabolismo (Capítulo 7), que geralmente são doenças autossômicas recessivas ou recessivas ligadas ao X, podem ser
diagnosticados por amniocentese ou AVC antes do nascimento caso o defeito metabólico específico seja expresso em amniócitos ou tecido
trofoblástico. Eles também podem ser diagnosticados antes do nascimento por métodos baseados na análise do DNA, se a mutação causadora da
doença puder ser identificada. A Tabela 13-7 lista alguns erros inatos do metabolismo que podem ser diagnosticados por amniocentese ou AVC.

Outros Métodos de Coleta de Amostra de Tecido Fetal


A cordocentese, ou amostragem percutânea de sangue do cordão umbilical (PUBS, de percutaneous umbilical blood

TABELA 13-7 Erros Inatos do Metabolismo Selecionados Diagnosticáveis por Amniocentese e/ou Amostra de Vilo
Corial
DOENÇA ENZIMA QUANTIFICÁVEL

Doenças do Metabolismo de Aminoácidos ou Ácidos Orgânicos

Doença da urina do xarope de bordo Descarboxilase de cetoácido de cadeia ramificada

Acidemia metilmalônica Mutase da metilmalonil-CoA

Deficiência de carboxilase múltipla Carboxilase responsiva à biotina

Doenças do Metabolismo de Carboidratos

Doença de armazenamento de glicogênio, tipo 2 α-glucosidase

Galactosemia Galactose-1-uridil transferase

Doenças das Enzimas Lisossômicas

Gangliosidose (todos os tipos) β-galactosidase

Mucopolissacaridose (todos os tipos) Enzima específica da doença (Capítulo 7)

Doença de Tay-Sachs Hexosaminidase A

Doenças do Metabolismo de Purina e Piridina

Síndrome de Lesch-Nyhan Hipoxantina-guanina fosforibosil transferase

Doenças do Metabolismo Peroxissômico

Síndrome de Zellweger Ácidos graxos de cadeia longa

sampling), se tornou o método preferido para obtenção de sangue fetal. A PUBS geralmente é realizada após a 16a semana de gestação e consiste
da punção de sangue da veia do cordão umbilical guiada por ultrassom. A taxa de perda fetal atribuível à PUBS é baixa, mas levemente maior do
que a da amniocentese ou da AVC.
Há três aplicações fundamentais da PUBS. Ela é usada para análise citogenética de fetos com anomalias estruturais detectadas por ultrassom
quando um diagnóstico rápido é necessário. A análise citogenética da amostra de sangue fetal é completada em dois a três dias, enquanto o
diagnóstico após a amniocentese pode exigir 10 a 12 dias, se os amniócitos forem cultivados. Essa diferença de tempo pode ser crítica nos estágios
mais avançados da gestação. Uma segunda aplicação é o diagnóstico de doenças hematológicas, que são analisadas mais eficazmente em amostras
de sangue, ou o diagnóstico de doenças imunológicas, como doença granulomatosa crônica (Capítulo 9). A PUBS também é utilizada para fazer
uma distinção rápida entre mosaicismo fetal verdadeiro e falso, este último causado pela contaminação de uma amostra de líquido amniótico por
células maternas.

A amostragem percutânea de sangue do cordão umbilical (PUBS, ou cordocentese) é um método de coleta direta de
sangue fetal e é usado para obter uma amostra para análise citogenética ou hematológica rápida e para confirmação de
mosaicismo.

Ultrassonografia
Avanços tecnológicos na ultrassonografia em tempo real a tornaram uma importante ferramenta no diagnóstico pré-natal. Um transdutor
colocado no abdome da mãe envia ondas sonoras pulsadas que atravessam o feto. O tecido fetal reflete as ondas em padrões correspondentes à
densidade do tecido. As ondas refletidas são mostradas em um monitor, permitindo a visualização do feto em tempo real. A ultrassonografia pode
ajudar a detectar muitas malformações fetais e melhora a eficácia da amniocentese, da AVC e da PUBS. O Quadro 13-6 mostra algumas alterações
que podem ser diagnosticadas por ultrassonografia fetal.
Às vezes, a ultrassonografia é usada como teste para uma doença específica de um feto em risco (p. ex., uma displasia esquelética de membros
curtos). Mais frequentemente, anomalias fetais são detectadas durante a avaliação de indicadores obstétricos, como idade gestacional incerta,
crescimento fetal deficiente ou anomalias na quantidade do líquido amniótico. A triagem por ultrassom no segundo trimestre se tornou rotina nos
países desenvolvidos. Estudos deste tipo de triagem sugerem que a sensibilidade para a detecção da maioria dos principais defeitos congênitos
varia de 30% a 50%. A especificidade, no entanto, se aproxima de 99%.
A sensibilidade da ultrassonografia é maior para alguns defeitos. Em particular, pode detectar praticamente todos os

QUADRO 13-6 Doenças Selecionadas Diagnosticadas por Ultrassom no Segundo Trimestre*

Complexo de Sintomas
Hidropsia
Oligoidrâmnio
Polidrâmnio
Retardo do crescimento intrauterino

Sistema Nervoso Central


Anencefalia
Encefalocele
Holoprosencefalia
Hidrocefalia

Tórax
Cardiopatia congênita
Hérnia diafragmática

Abdome, Pelve
Atresias gastrointestinais
Gastrosquise
Onfalocele
Agenesia renal
Rins císticos
Hidronefrose

Sistema Esquelético
Defeitos de redução de membros
Condrodistrofias, incluindo displasia tanatofórica e osteogênese imperfeita

Craniofacial
Fissura de lábio

*A taxa de detecção varia por doença.

fetos com anencefalia e 85% a 90% daqueles com espinha bífida (Fig. 13-6). Às vezes, ele também identifica fetos com anomalias cromossômicas,
pela detecção de uma malformação, retardo do crescimento intrauterino, hidropsia (acúmulo anormal de líquido no feto) ou de uma alteração no
volume de líquido amniótico.
A ultrassonografia é a técnica mais comumente utilizada para visualização fetal, mas outras técnicas também são usadas. Ocasionalmente, a
radiografia ainda é útil, por exemplo, para avaliar um feto para defeitos esqueléticos. A imagem por ressonância magnética (RM) oferece
resolução muito maior do que a da ultrassonografia e está se tornando mais amplamente disponível para triagem pré-natal.

O diagnóstico pré-natal inclui técnicas invasivas desenvolvidas para analisar o tecido fetal (AVC, amniocentese e PUBS) e
procedimentos não invasivos, que permitem a visualização do feto (ultrassonografia e RM).

Triagem do Soro Materno no Primeiro e Segundo Trimestres


Logo após a ligação entre AFP elevada no líquido amniótico e DTNs ser reconhecida, a associação entre níveis elevados de AFP no soro materno
(MSAFP, de maternal serum AFP) e DTNs também foi identificada. A AFP atravessa as membranas fetais e se difunde para o soro materno, então
os níveis de MSAFP podem ser correlacionados com os níveis de AFP no líquido amniótico. Assim, é possível medir a AFP no líquido amniótico
de maneira não invasiva, obtendo-se uma amostra de sangue materno entre 15 e 17 semanas do período gestacional.
FIGURA 13-6 A, Fotografia de um resultado de ultrassom, revelando um feto com uma coluna vertebral normal. B, Resultado de ultrassom de um feto
com uma meningomielocele, visível como bolsas cheias de líquido (setas) localizadas próximas da base da coluna vertebral.

Como 90% a 95% dos nascimentos com DTN ocorrem na ausência de história familial da doença, um procedimento de triagem populacional
para DTN seguro e não invasivo é altamente desejável. Contudo, existe uma sobreposição considerável dos níveis de MSAFP de mulheres que
estão gestando um feto com DTN e daquelas cujo feto não é afetado (Fig. 13-7). Assim, as questões de sensibilidade e especificidade devem ser
consideradas. Normalmente, um nível de MSAFP é considerado elevado se estiver duas a 2,5 vezes mais alto do que o nível mediano normal
(ajustes do peso materno, presença de diabetes melito e ancestralidade são incluídos nesses cálculos). Aproximadamente 1% a 2% das mulheres
grávidas apresentam níveis de MSAFP acima do nível de corte. Após o ajuste por idade gestacional avançada, morte fetal e presença de gêmeos,
cerca de uma em 15 dessas mulheres mostra AFP elevada no líquido amniótico. Portanto, o valor preditivo positivo do teste de triagem de MSAFP
é muito baixo, aproximadamente 6% (1/15). Entretanto, a sensibilidade do teste é bastante alta: a triagem de MSAFP identifica aproximadamente
90% dos casos de anencefalia e cerca de 80% dos casos de espinha bífida aberta. Embora esse nível de sensibilidade seja mais baixo que o do teste
de AFP do líquido amniótico, a medida da MSAFP não oferece risco de perda fetal e serve como uma medida de triagem eficaz. Mulheres que têm
uma MSAFP elevada podem optar por amniocentese diagnóstica para determinar se estão de fato gestando um feto com DTN.
Nos anos 1990 foi encontrada uma associação entre MSAFP baixa e a presença de um feto com síndrome de Down. Anteriormente, a triagem
populacional para síndrome de Down consistia em amniocentese para mulheres com mais de 35 anos. Embora altamente precisa, essa estratégia de
triagem tem uma sensibilidade de apenas 20%: como a maioria dos nascimentos ocorre em mulheres com menos de 35 anos, apenas cerca de

FIGURA 13-7 Níveis de α-fetoproteína no soro materno (MSAFP) em mães com fetos normais, com fetos com síndrome de Down e com espinha bífida
aberta. O nível de MSAFP é um pouco menor quando o feto tem síndrome de Down e é substancialmente elevado quando o feto tem espinha bífida
aberta. (De Milunsk A. Genetic Disorders and the Fetus: Diagnosis, Prevention, and Treatment. 4th Ed. Baltimore: Johns Hopkins University Press, 1998).
20% de todos os bebês com trissomia 21 nascem de mães com idade superior a 35 anos. A medida de MSAFP expandiu a opção de triagem
populacional para a síndrome de Down.
Os níveis de MSAFP se sobrepõem consideravelmente em gestações de fetos normais e com síndrome de Down. O risco de síndrome de Down
em mulheres com menos de 35 anos aumenta em três a quatro vezes quando o valor ajustado de MSAFP é menor que 0,5 múltiplo da média da
população normal (Fig. 13-7). Para as estimativas de risco, fórmulas complexas levam em conta o peso e a idade da mãe, e o nível de MSAFP.
Uma mulher que tem 25 anos de idade geralmente tem um risco de cerca de 1/1.250 de ter um feto com síndrome de Down, mas se ela tiver um
nível de MSAFP ajustado ao peso de 0,35 múltiplo da média, seu risco aumenta para 1/171. Esse risco é mais alto do que o de uma mulher de 35
anos de idade da população geral. A maioria dos programas de triagem utiliza um fator de risco de 1/380 (equivalente ao risco médio para uma
mulher de 35 anos de idade ter um recém-nascido com síndrome de Down) como uma indicação para subsequente avaliação diagnóstica por
amniocentese.
A precisão da triagem da síndrome de Down pode ser aumentada medindo-se os níveis no soro de estriol não conjugado, gonadotrofina
coriônica humana, inibina-A e MSAFP(o teste quádruplo). A MSAFP isolada identifica apenas cerca de 40% das gestações de fetos com
síndrome de Down, mas os quatro indicadores juntos podem identificar aproximadamente 80% (com um índice de falso positivo de 5%). O teste
quádruplo também pode detectar a maioria dos casos de trissomia do cromossomo 18.
O teste do soro materno no primeiro trimestre (em 10 e 13 semanas) para síndrome de Down está sendo cada vez mais utilizado nos Estados
Unidos e na Europa. As três medições mais úteis são da subunidade β livre da gonadotrofina coriônica humana (FβhCG), da proteína plasmática
A associada à gravidez (PAPP-A) e da translucência nucal por ultrassonografia (TN, quantidade de líquido atrás do pescoço de um feto, que na
síndrome de Down está anormalmente aumentada). Essas três medidas realizadas no primeiro trimestre permitem a detecção de 80% a 85% dos
casos de síndrome de Down (com um índice de falso positivo de 5%, ou especificidade de 95%). A combinação da triagem do primeiro e do
segundo trimestre aumenta a sensibilidade de detecção da síndrome de Down para aproximadamente 90%, com 95% de especificidade. A medida
da FβhCG e da PAPP-A também é útil para detecção no primeiro trimestre das trissomias dos cromossomos 13 e 18. Os resultados dessa triagem
podem ser combinados com AVC ou amniocentese para fornecer um teste diagnóstico mais preciso.

A dosagem de MSAFP é um tipo de triagem que aumenta a detecção pré-natal de fetos com várias anomalias, incluindo
DTNs, síndrome de Down e trissomia do 18. Esse procedimento não invasivo praticamente não acarreta nenhum risco,
mas sua sensibilidade e especificidade para detectar DTNs são menores do que as do diagnóstico por AFP amniótica. O
uso de marcadores adicionais (p. ex., o teste quádruplo) no segundo trimestre aumenta a sensibilidade para detectar
síndrome de Down. O teste no soro materno para síndrome de Down, trissomia do 13 e trissomia do 18 pode ser
realizado no primeiro trimestre.

Análise do DNA Fetal na Circulação Materna


A capacidade de isolar o DNA das células fetais do DNA do sangue materno durante a gravidez abriu novas oportunidades para a triagem e o
diagnóstico pré-natal. Essa abordagem, chamada de triagem pré-natal não invasiva (NIPT), tornou-se amplamente usada nos últimos anos e
algumas autoridades na área acreditam que ela substituirá as abordagens atuais de triagem de primeiro e segundo trimestres. Durante a gestação,
um pequeno número de células fetais cruza a barreira placentária para entrar na circulação materna já na sexta a oitava semanas. Tais células
podem ser analisadas com a utilização de algumas de técnicas, como FISH ou PCR, porém o desafio é isolar do sangue materno especificamente
as células fetais.
Recentemente, pesquisadores se concentraram nos fragmentos do DNA livre de células (cfDNA, de cell-free DNA) liberados na circulação
materna a partir de trofoblastos que sofreram morte celular programada. Esse cfDNA é representativo do genoma fetal e compõe uma proporção
significativa (5% a 50%) de todo o cfDNA encontrado no plasma materno. Essa proporção tende a aumentar durante a gestação e em
aproximadamente nove ou 10 semanas pós-LMP pode-se obter uma amostra de cfDNA de uma pequena quantidade de sangue materno (10 mL).
O cfDNA fetal é diferenciado do cfDNA materno pela identificação de haplótipos de SNP que ocorrem com frequência elevada na circulação
materna. O cfDNA é usado para identificar o sexo do feto e seu tipo de Rh (especialmente importante se a mãe for Rh negativa e o feto puder ser
Rh positivo; Capítulo 9). Técnicas de sequenciamento de alto rendimento podem ser empregadas com o cfDNA fetal e podem ser obtidas
sequências completas do genoma fetal. As contagens de sequências lidas (Capítulo 8) podem revelar aneuploidia (p. ex., a trissomia do
cromossomo 21 produziria um excesso de 50% nas leituras do cromossomo 21). Estudos recentes indicam que o DNA livre de células no plasma
materno possui, pelo menos, um valor preditivo positivo e uma especificidade para a detecção de trissomias 13, 18 e 21 várias vezes maiores do
que a triagem padrão. A sensibilidade do teste para detecção de aneuploidia é praticamente 100%. É importante ressaltar que a NIPT é um teste de
triagem, não um teste diagnóstico. Assim, seus resultados positivos devem ser confirmados por AVC ou amniocentese. Ao reduzir o número de
testes falsos positivos, as técnicas atuais de NIPT podem reduzir a necessidade de testes invasivos como a amniocentese e a AVC.

O cfDNA que entra na circulação materna pode ser avaliado para mutações ou aneuploidias com o uso de
sequenciamento de alto rendimento. Esse procedimento não acarreta qualquer risco de perda fetal e tem especificidade
e valor preditivo maiores para detecção de aneuploidia do que outros procedimentos de triagem de primeiro e segundo
trimestres.

Diagnóstico Genético Pré-implantacional


O tipo mais comum de diagnóstico genético pré-implantacional o PGD (de preimplantation genetic diagnosis) é realizado em um blastômero
obtido no processo de fertilização in vitro. O diagnóstico é iniciado três dias após a fertilização, quando o embrião contém entre seis e oito
células. Um ou dois blastômeros podem ser removidos do embrião com segurança. A análise por FISH (Capítulo 6) pode ser utilizada para
diagnosticar aneuploidias. Além disso, o DNA da célula pode ser amplificado usando-se uma PCR, permitindo o diagnóstico de doenças
monogênicas. Se o embrião for morfologicamente normal e não for detectada a mutação causadora da doença, nem uma aneuploidia, o mesmo é
implantado no útero materno. Protocolos de teste foram desenvolvidos para dezenas de doenças genéticas (p. ex., fibrose cística, doença de Tay-
Sachs, β-talassemia, distrofia miotônica, doença de Huntington e distrofia muscular de Duchenne) e milhares de bebês normais nasceram após
diagnóstico de blastômero.
Um problema ocasional com o PGD de blastômero é que um dos dois alelos do locus pode não ser detectável, o que pode fazer um heterozigoto
parecer um homozigoto. Esse fenômeno, denominado “falha alélica”, acontece devido a uma falha parcial na amplificação por PCR quando se
utiliza o DNA de célula única. Isso tem levado a diagnóstico errado em um pequeno número de casos, e vários métodos são usados para aumentar
a precisão. Por exemplo, STRs altamente heterozigotos e intimamente ligados ao locus causador da doença também podem ser testados juntos,
como parte da análise da PCR. Se apenas um dos alelos STRs parentais pode ser observado no DNA do blastômero, é provável que a falha alélica
também tenha ocorrido com o locus causador da doença. O teste de duas células, em vez de uma, ajuda a evitar a falha alélica.
O PGD também pode ser realizado no estágio de 100 células do blastocisto, utilizando células do trofoectoderma. Esse procedimento tem a
vantagem de que uma amostra maior de células pode ser analisada, evitando a falha alélica. Uma desvantagem é que o diagnóstico é do tecido
extraembrionário (trofoectoderma), em vez do embrião propriamente dito.
O diagnóstico do corpúsculo polar envolve a análise do primeiro ou do segundo corpúsculo polar produzido com o ovócito (Capítulo 2). O
DNA do corpúsculo é testado para determinar se ele contém uma mutação causadora de doença. Se tiver, supõe-se que o ovócito não contém tal
mutação. Esse ovócito é então fertilizado e implantado usando as técnicas tradicionais de fertilização in vitro. Como apenas o corpúsculo polar é
examinado, mutações paternas não podem ser avaliadas. O diagnóstico do corpúsculo polar é, portanto, mais útil quando somente a mãe está em
risco de transmitir uma mutação causadora de doença, ou quando se testa uma aneuploidia (porque a maioria das aneuploidias tem origem materna
[Capítulo 6]).
O PGD é mais comumente procurado por casais que recorreram à fertilização in vitro para investigar a presença de doenças genéticas
diagnosticáveis. Também pode ser útil para casais que querem um diagnóstico pré-natal, mas não consideram a interrupção da gestação como uma
opção. Contudo, o PGD ainda tem disponibilidade limitada, custo alto e é tecnicamente desafiador.

O diagnóstico genético pré-implantacional pode ser realizado em corpúsculos polares, blastômeros ou células do
blastocisto, em que é feita uma análise por PCR e/ou por FISH. O diagnóstico de doenças genéticas permite a
implantação somente de embriões não afetados e evita a questão da interrupção da gestação.

TRATAMENTO FETAL
Uma meta potencial do diagnóstico pré-natal é o tratamento do concepto afetado. Embora atualmente isto não seja possível para a maioria das
doenças, alguns exemplos podem ser citados, sendo muitos dos procedimentos ainda experimentais.
Duas das formas mais bem estabelecidas de intervenção in utero são os tratamentos para erros inatos raros de metabolismo e para deficiências
hormonais. Um importante exemplo de doença bioquímica tratável é a deficiência de carboxilases múltiplas responsivas à biotina, uma doença
autossômica recessiva que pode ser diagnosticada por amniocentese. Em um relato de caso, a administração oral de biotina para a mãe foi iniciada
com 23 semanas de gestação e resultou no nascimento de um bebê normal.
A HAC é um segundo exemplo de doença para a qual o tratamento intrauterino tem sido bem-sucedido após o diagnóstico pré-natal. Devido à
secreção excessiva de androgênio pelas glândulas suprarrenais aumentadas, fetos do sexo feminino com HAC se tornam masculinizados. A
administração de dexametasona à mãe começando com 10 semanas pós-LMP reduz ou previne essa masculinização.
O tratamento cirúrgico de fetos, principalmente para doenças envolvendo obstrução do trato urinário, tem apresentado um sucesso razoável. A
correção cirúrgica de hérnia diafragmática com 20 semanas de gestação também tem sido tentada, mas os resultados ainda são desanimadores e
essa abordagem vem sendo abandonada. Estudos clínicos mostraram que o fechamento cirúrgico da mielomeningocele (espinha bífida) com
aproximadamente 26 semanas de gestação ajuda a restaurar o fluxo normal de líquido cerebroespinhal (cefalorraquidiano) e pode reduzir a
hidrocefalia. No entanto, o procedimento também aumenta a probabilidade de nascimento prematuro e complicações maternas. Um sucesso
relativo também tem sido obtido com o transplante de células-tronco hematopoéticas em fetos com imunodeficiência combinada grave ligada ao X
(Capítulo 9).

TERAPIA GÊNICA
Como vimos, a identificação de genes causadores de doença fornece oportunidades para melhor compreensão e diagnóstico de muitas doenças. A
identificação de tais genes também leva à possibilidade de alteração genética das células de indivíduos afetados (terapia gênica). Embora a
terapia gênica ainda esteja em sua “infância” e tenha apenas começado a afetar as vidas dos pacientes, seu potencial para curar doenças genéticas
atrai muita atenção, tanto nos círculos de profissionais quanto nos de leigos. Aproximadamente 2.000 protocolos de terapia gênica envolvendo
mais de 100 genes diferentes foram aprovados para testes experimentais (exemplos na Tabela 13-8). Nesta seção, revisamos técnicas de terapia
gênica e discutimos sua aplicação no tratamento de doenças.

Terapia Celular Somática


A terapia gênica de células somáticas, que tem sido o foco de pesquisa em terapia gênica em humanos, consiste na alteração de genes em células
somáticas humanas para tratar uma doença específica. As células do paciente são extraídas e manipuladas fora do corpo (terapia ex vivo), ou, em
alguns casos, as células são tratadas enquanto estão no corpo (terapia in vivo).
Alguns tipos de células somáticas são mais favoráveis à terapia gênica que outros. Boas candidatas devem ser facilmente acessíveis e ter uma
expectativa de vida longa no corpo. Células em proliferação são preferíveis para alguns sistemas de transferência gênica, porque o vetor portador
do gene pode se integrar ao DNA em replicação da célula. A célula-tronco hematopoéticas atende a todas essas qualificações e, portanto, foi a
principal candidata à terapia somática. Embora tais células sejam difíceis de manipular e de isolar da medula óssea (a maioria das células da
medula não é célula-tronco), elas têm sido isoladas e geneticamente alteradas com sucesso em vários tratamentos de terapia gênica. Outros tipos
celulares também investigados como alvos em potencial incluem fibroblastos da pele, células musculares, células do endotélio vascular,
hepatócitos e linfócitos. Uma desvantagem do uso de tais células é que sua expectativa de vida pode ser relativamente curta. Assim, a terapia que
as utiliza pode requerer repetição do tratamento e da administração das células geneticamente alteradas.

Terapia Gênica de Substituição


A maioria das técnicas atuais de terapia gênica envolve a substituição de um produto gênico ausente inserindo-se um gene normal em células
somáticas. Essa abordagem se adapta melhor para corrigir mutações com perda de função que resultam em um produto gênico ausente ou não
funcional; a inserção do gene normal supre a falta do produto. Mesmo uma estratégia parcialmente eficaz de terapia gênica, produzindo talvez 5%
a 20% da quantidade normal do produto gênico, pode proporcionar benefícios significativos à saúde.
Há muitas técnicas para introduzir genes em células, mas os vírus, que naturalmente desenvolveram estratégias inteligentes para inserir seus
genes nas células, são os vetores mais comumente usados em terapia gênica. Nos parágrafos a seguir, serão discutidos inicialmente os vetores
virais, seguidos pela discussão de alguns sistemas potencialmente eficazes de transferência não viral.

Vetores Retrovirais
Os retrovírus, uma forma de vírus cujo material genético é o RNA, podem inserir cópias de seus genomas nos núcleos de células hospedeiras após
a transcrição reversa de seu RNA viral em uma fita dupla de DNA (Capítulo 11). A inserção de DNA exógeno em uma célula hospedeira por um
vetor viral é denominada transdução. Os retrovírus transduzem células hospedeiras com um alto grau de eficiência e raramente provocam
respostas imunes, o que os torna uma boa escolha como um vetor de transferência gênica (Fig. 13-8). Técnicas de DNA recombinante são
utilizadas para criar retrovírus modificados nos quais alguns dos seus genes codificadores de proteínas são substituídos por uma cópia normal de
um gene humano e um elemento promotor (a “inserção” em um retrovírus, que pode ser de 8-12 kb). Os retrovírus modificados são então
incubados com as células somáticas do paciente (p. ex., células-tronco da medula óssea e linfócitos) para que transfiram o gene humano normal
para o DNA das células hospedeiras. Idealmente, o gene inserido codificará o produto gênico normal nas células somáticas do paciente. Esse tipo
de protocolo foi usado experimentalmente com muitas doenças, incluindo formas de imunodeficiência combinada grave (Comentário Clínico 13-
5).

FIGURA 13-8 Terapia gênica com a utilização de um vetor retroviral. O retrovírus é impedido de replicar pela remoção da maior parte de seu genoma,
e um gene humano normal é inserido no seu interior. A incubação com células somáticas humanas permite que o retrovírus insira cópias do gene
humano normal no interior da célula. Uma vez integrado ao DNA da célula, o gene inserido produz um produto gênico normal.

Embora os retrovírus ofereçam as vantagens de integração estável e eficiente ao genoma, eles também apresentam desvantagens específicas.
Como se integra preferencialmente próximo a sequências promotoras, o retrovírus pode alocar-se próximo a um proto-oncogene, ativando-o e,
assim, causar a formação de um tumor. A maioria dos tipos de retrovírus pode entrar no núcleo apenas após sua membrana ser dissolvida durante a
divisão celular. Então, podem transduzir apenas células que estão em divisão, sendo ineficazes em células que não estão se dividindo ou que se
dividem lentamente (p. ex., neurônios). Embora esse atributo geralmente seja uma desvantagem, pode ser útil quando o objetivo da terapia é
atingir apenas células em divisão e evitar células que não estejam se dividindo (p. ex., no tratamento de um tumor cerebral, no qual as células
tumorais estão se dividindo, mas os neurônios saudáveis próximos, não).

Vetores Adenovirais
Devido à incapacidade da maioria dos retrovírus de transduzir células que não estão se dividindo, foram explorados outros sistemas de
transferência que não estão limitados por essa característica. Um importante exemplo é o adenovírus, um vírus de DNA de fita dupla que é
frequentemente utilizado em preparações de vacina. Além da sua capacidade de transduzir células que não estão em divisão, o vetor adenoviral
atualmente pode ser projetado para conter inserções com tamanho de aproximadamente 36 kb. Os adenovírus não se integram ao DNA das células
hospedeiras, o que dá a vantagem de não ativarem proto-oncogenes ou perturbarem o genoma de qualquer forma. No entanto, a falta de integração
também é uma desvantagem porque os adenovírus acabam sendo inativados. Isto frequentemente resulta em expressão gênica transitória (apesar
de às vezes se conseguir expressão a longo prazo) e pode requerer a readministração do vetor. Como apenas parte do genoma do adenovírus é
normalmente removida, frequentemente o vetor provoca uma resposta imune (p. ex., respostas inflamatórias nas vias aéreas de pacientes com
fibrose cística, nos quais são utilizados adenovírus para introduzir cópias normais do gene CFTR nas células epiteliais das vias aéreas). Esse
problema aumenta com a introdução repetida do adenovírus, que estimula outra resposta imune à proteína estranha. Estudos recentes estão se
concentrando no adenovírus do tipo “gutless” em que quase todo o genoma viral é removido para reduzir a resposta imune e aumentar o tamanho
potencial da inserção.

Vetores Virais Adenoassociados


Vírus adenoassociados (VAAs) são um tipo de parvovírus que requerem a presença de adenovírus para sua replicação normal (por essa razão o
termo adenoassociados). Assim como os adenovírus, os VAAs são vírus de DNA que podem transduzir células que não estão em divisão. Além
disso, eles produzem muito menos resposta imune do que os adenovírus e têm pouco efeito patogênico, se tiverem algum. Eles também são
capazes de manter uma expressão terapêutica prolongada (meses a anos). No entanto, esses vetores podem aceitar inserção de DNA com apenas
cerca de 4,5 kb. (Em alguns casos, esse é um problema que pode ser contornado dividindo-se a inserção em duas partes, colocando cada parte em
um vetor e projetando os produtos de mRNA para se reunirem.) Devido às suas muitas propriedades úteis, durante os últimos anos os VAAs se
tornaram muito mais populares como vetores de terapia gênica. Eles foram testados em experimentos clínicos para o tratamento da fibrose cística,
hemofilia B, deficiência de α1-antitripsina, distrofia muscular de Duchenne, doença de Parkinson, doença de Alzheimer e muitas outras doenças.

Vetores Lentivirais
Vírus lentivirais são retrovírus de RNA complexos que, diferente dos retrovírus simples, podem transduzir células que não estão em divisão
através de poros na membrana nuclear (o vírus da imunodeficiência humana, HIV, é um exemplo de lentivírus). Como outros retrovírus, os
lentivírus podem se integrar com estabilidade ao genoma e podem aceitar inserções razoavelmente grandes (8 kb). Como combinam as
propriedades desejáveis de integração estável e capacidade de transduzir células que não estão em divisão, os lentivírus são atualmente o foco de
muita pesquisa em desenvolvimento.

COMENTÁRIO CLÍNICO 13-5

Terapia Gênica e Imunodeficiência Combinada Grave


A terapia gênica foi tentada para várias formas de imunodeficiência combinada grave (SCID, de severe combined immunodeficiency), incluindo a
SCID com deficiência de adenosina desaminase (ADA-SCID) e a SCID ligada ao X. A ADA, que é produzida principalmente em tecidos linfoides, e é
um importante componente da via de salvamento de purinas. A deficiência de ADA, uma doença autossômica recessiva que responde por cerca
de 15% dos casos de SCID, resulta em acúmulo anormal de metabólitos de purina que são tóxicos aos linfócitos T. Posteriormente, os linfócitos B
também são reduzidos em função e número. A SCID resultante geralmente é fatal por volta dos dois anos de idade, se não for tratada.
O tratamento preferencial para ADA-SCID é o transplante de medula óssea. Contudo, complicações do transplante aumentam a morbidade dos
pacientes e às vezes também são fatais. Além disso, irmãos doadores com o complexo principal de histocompatibilidade (MHC) compatível estão
disponíveis para menos de 30% dos pacientes com ADA-SCID. Os pacientes podem ser tratados com ADA conjugada com polietilenoglicol (PEG)
(administrada uma ou duas vezes por semana por injeção intramuscular), mas a resposta a esse tratamento é variável, e alguns pacientes
desenvolvem anticorpos contra PEG-ADA.
Como é uma doença sistêmica causada por uma deficiência enzimática, a ADA-SCID é uma boa candidata para terapia gênica de substituição.
Idealmente, células-tronco da medula óssea em proliferação seriam modificadas por vetores retrovirais contendo o gene ADA normal, resultando
em cura permanente para esta doença. Devido às dificuldades em lidar com células-tronco da medula óssea, a terapia gênica para ADA-SCID foi
iniciada de fato em 1990, por inserção retroviral de genes ADA em linfócitos que foram extraídos de pacientes. Após a inserção pelo retrovírus, os
linfócitos foram injetados de volta na circulação periférica dos pacientes. Essa foi a primeira aplicação da terapia gênica a uma doença hereditária
humana . Mais recentemente, a ADA-SCID foi tratada por inserção retroviral do gene ADA em células-tronco da medula óssea, em vez de
linfócitos. Esse tratamento resultou em um aumento a longo prazo na quantidade de células B e de células T e em função imune normal nos
pacientes tratados.
A SCID ligada ao X resulta de mutações no gene SCIDX1 que codifica subunidades da cadeia γ encontrada em seis diferentes receptores de
citocinas (os das interleucinas 2, 4, 7, 9, 15 e 21; Capítulo 9). Na ausência desses receptores, as células T e as células natural killer não podem
receber os sinais que precisam para a maturação normal. A deficiência de células T, por sua vez, produz uma deficiência de células B normais,
resultando em SCID. Como na deficiência de ADA, essa doença pode ser tratada com transplante de medula óssea se um doador com MHC
compatível estiver disponível. Sem o transplante, a doença é fatal no início da infância.
Em 1999, a terapia retroviral foi iniciada para introduzir o SCIDX1 em células-tronco da medula óssea de pacientes. Menos de 1% das células-
tronco da medula óssea foram efetivamente transduzidas com o gene terapêutico. No entanto, as células transduzidas possuíam uma vantagem
seletiva de crescimento sobre outras células-tronco da medula óssea porque o gene inserido aumentava a sinalização de citocina necessária para
a função celular normal. Na maioria dos pacientes tratados, o número de células natural killer, células T e células B aumentou a níveis próximos
dos normais, com resistência a infecções mantida de forma continuada por anos após a terapia.
Esses resultados positivos da maioria dos pacientes com ADA-SCID ou SCID ligada ao X foram amplamente anunciados como os primeiros
procedimentos bem-sucedidos de terapia gênica com célula somática no tratamento de uma doença hereditária. Contudo, cinco dos pacientes
com SCID ligada ao X desenvolveram uma doença semelhante à leucemia (proliferação clonal de célula T) como resultado da inserção aleatória
do vetor retroviral no LMO2 ou próximo a ele, um proto-oncogene que é ativado em cerca de metade dos casos de leucemia linfocítica aguda. Isso
foi fatal para um paciente, mas os outros foram tratados com sucesso com quimioterapia e continuaram a se beneficiar da terapia gênica.
Também ocorreu leucemia em pacientes com doença granulomatosa crônica e síndrome de Wiskott-Aldrich (Tabela 13-8) que foram tratados com
terapia retroviral. É provável que as sequêncis promotoras e enhancer do vetor retroviral regulem positivamente o gene LMO2. Os vetores
autoinativadores, nos quais as sequências enhancer são deletadas, vêm sendo atualmente testados em estudos clínicos.
Esses exemplos ilustram algumas das promessas, bem como alguns dos perigos, da terapia gênica de célula somática. Claramente, a terapia
gênica apresenta riscos que devem ser cuidadosamente monitorados. Contudo, os protocolos podem levar ao tratamento eficaz de doenças que,
de outro modo, seriam letais, e podem fornecer informação inestimável para o desenvolvimento de protocolos de terapia gênica para outras
doenças genéticas.

TABELA 13-8 Exemplos de Doenças para as quais a Terapia Gênica de Células Somáticas Tem Mostrado Efeito
Terapêutico Significativo
DOENÇA CÉLULA-ALVO PRODUTO DO GENE INSERIDO OU
MODIFICADO

Imunodeficiência combinada grave (SCID) devido à deficiência de Linfócitos circulantes Adenosina desaminase
adenosina desaminase

SCID ligada ao X Células-tronco da medula Subunidade gama dos receptores de


óssea interleucina

Hemofilia B Hepatócitos e fibroblastos Fator IX


epiteliais

Distrofia muscular de Duchenne Miócitos Distrofia (modificada por salto de éxon)

Síndrome de Wiskott-Aldrich (imunodeficiência primária) Células-tronco Proteína WASP da síndrome de Wiskott-


hematopoéticas Aldrich

Adrenoleucodistrofia ligada ao X Células-tronco Transportador cassette de ligação à


hematopoéticas adenosina trifosfato

Amaurose congênita de Leber (cegueira da infância) Células dos bastonetes Proteína 65 específica do epitélio
fotorreceptores pigmentar retiniano

β-talassemia Células-tronco β-globina


hematopoéticas

Deficiência de lipase lipoproteica Miócitos Lipase lipoproteica

Desafios na Terapia Gênica Viral


Embora haja muitas promessas em torno da terapia gênica viral, existem vários desafios importantes:
• Expressão em baixo nível e transitória. O produto gênico pode ser expresso em níveis subterapêuticos, frequentemente menos de 1% da
quantidade normal. Em parte, isto reflete o fato de que apenas algumas das células-alvo incorporam o gene normal com sucesso. Além disso, a
inserção aleatória do vírus no genoma do hospedeiro pode afetar a regulação gênica (p. ex., algumas sequências reguladoras necessárias para
níveis normais de expressão não estão presentes). As células às vezes respondem ao DNA estranho inserido metilando-o e, portanto, inativando-
o. Por essas razões, a transcrição do gene frequentemente cessa após poucas semanas ou meses. Deve-se notar, no entanto, que a expressão
transitória é suficiente, e mesmo desejável, para alguns tipos de terapia, como as que provocam uma resposta imune contra um tumor ou geram
novos vasos sanguíneos (discutido adiante).
• Dificuldades em alcançar ou especificar um tecido-alvo. Embora algumas doenças sistêmicas sejam relativamente fáceis de serem atingidas
modificando linfócitos ou células-tronco da medula óssea, outras apresentam enormes desafios. Pode ser difícil, por exemplo, atingir os
neurônios afetados responsáveis por doenças do sistema nervoso central. Além disso, os vetores devem ser modificados para que entrem apenas
no tipo celular desejado.
• Necessidade de regulação precisa da atividade gênica. A regulação exata da atividade gênica não é uma preocupação para algumas doenças (p.
ex., uma expressão aumentada em 50 vezes da adenosina deaminase não tem nenhum efeito clinicamente significativo). Contudo, ela é crítica
para doenças como a talassemia, em que o número de cadeias de α-globina e de β-globina devem ser precisamente balanceadas (Capítulo 3).
Frequentemente é difícil alcançar essa precisão usando terapia gênica viral.
• Potencial para mutagênese insercional. A integração imprevisível de um vetor retroviral no DNA do hospedeiro pode ter consequências
indesejadas, como discutido anteriormente. Embora a mutação por inserção pareça ser um evento raro, ela foi observada em vários pacientes
(Comentário Clínico 13-5).
Muitas pesquisas estão sendo realizadas para superar estes e outros problemas. Por exemplo, níveis aumentados de expressão gênica e uma
expressão permanente estão sendo conseguidos pela incorporação de sequências promotoras mais potentes no DNA inserido. Vetores estão sendo
modificados para reduzir as respostas imunes e para aumentar a especificidade da célula-alvo. Estão sendo desenvolvidos métodos para inserção
direcionada de sequências corretas de DNA. Por exemplo, são projetadas proteínas para se ligarem a uma sequên­cia de DNA mutada específica e
para induzirem quebras de DNA de fita dupla seguidas pela inserção de uma sequência normal de DNA. O método de edição do gene
CRISPR/Cas9 (Capítulo10) usa RNAs não codificadores específicos para direcionar a nuclease Cas9 a cortar o DNA em um local específico no
genoma, onde as bases do DNA são então removidas ou alteradas. Com a inserção dirigida, o DNA mutado é corrigido in situ, evitando
dificuldades com a inserção aleatória de DNA, aproveitando-se as sequências promotoras e aumentadoras nativas do genoma do hospedeiro.

Vetores virais possibilitam uma transferência altamente eficiente de genes terapêuticos para células somáticas.
Contudo, eles têm várias desvantagens, incluindo expressão baixa ou transitória do produto gênico, tamanho limitado
do segmento inserido, geração de respostas imunes, dificuldade na regulação precisa e, para alguns vetores, a
incapacidade de transduzir células que não estejam em divisão e o potencial para oncogênese.

Vetores Não Virais


Embora vetores virais forneçam a vantagem da transferência gênica celular eficiente, as desvantagens mencionadas acima levaram pesquisadores a
investigar vários tipos de vetores não virais. Um dos mais extensamente estudados é o lipossomo, uma microvesícula de gordura que pode aceitar
grandes inserções de DNA. Os lipossomos às vezes se fundem com as células, permitindo que o DNA inserido entre nas mesmas. Como o
lipossomo não tem peptídeos, não desencadeia uma resposta imune. Sua principal desvantagem é que ele não tem a mesma eficiência de
transferência dos vírus: a maioria dos lipossomos é degradada no citoplasma e a maioria dos que não são degradados é incapaz de entrar no
núcleo.
Surpreendentemente, é possível inserir plasmídeos contendo DNA humano diretamente nas células sem a utilização de absolutamente qualquer
vetor de transferência. Embora a maior parte do DNA “nu” (puro) seja repelida pela membrana celular, o DNA ocasionalmente entra na célula,
escapa da degradação e codifica proteínas temporariamente. Estão em andamento muitas pesquisas para tentar usar o DNA “nu” como uma
vacina, que codifique uma proteína patogênica contra a qual o corpo produza uma resposta imune.
Um desenvolvimento interessante como potencial para terapia de célula somática é a síntese de cromossomos humanos artificiais. Por
conterem centrômeros e telômeros funcionais, esses cromossomos sinteticamente construídos devem ser capazes de se integrar e se replicar nos
núcleos de células humanas. Além disso, de aceitar inserções tão grandes quanto o gene inteiro da distrofia muscular de Duchenne (DMD), de 2,4
Mb.

A terapia gênica com a utilização de vetores não virais, incluindo lipossomos e DNA “nu”, oferece algumas vantagens
sobre os vetores virais, mas atualmente não apresentam a mesma eficiência de transferência de tais vetores.

Terapias de Bloqueio de Genes


As técnicas de substituição gênica não são eficazes para corrigir mutações com ganho de função ou dominantes negativas (p. ex., doença de
Huntington e síndrome de Marfan). Para corrigir tais doenças, o produto gênico defeituoso deve ser bloqueado ou inativado de alguma maneira.
Embora não tão bem desenvolvidos quanto os métodos de terapia de substituição gênica, os métodos de bloqueio de genes estão sendo elaborados
e alguns parecem promissores.

Terapia Antisense
O princípio no qual se baseia a terapia antisense é simples: é sintetizado um oligonucleotídeo cuja sequência de DNA é complementar à
sequência do RNA mensageiro (mRNA) produzida por uma mutação com ganho de função. Esse oligonucleotídeo antisense se liga ao mRNA
anormal, evitando sua tradução em uma proteína prejudicial (Fig. 13-9A). Oligonucleotídeos antisense também podem ser projetados para se
ligarem a um DNA de fita dupla que contenha uma mutação causadora de doença, criando uma tripla hélice que não pode ser transcrita em
mRNA. Um obstáculo desse tipo de terapia é que oligonucleotídeos antisense frequentemente são degradados antes que possam alcançar seu alvo.
Além disso, devido à variação na forma da molécula-alvo de DNA ou de RNA, o oligonucleotídeo antisense pode não ser capaz de se ligar à sua
sequência complementar. No entanto, a terapia antisense está sendo testada em várias aplicações experimentais, incluindo o bloqueio da expressão
do oncogene KRAS (Capítulo 9) em células tumorais pancreáticas e colorretais.
Oligonucleotídeos antisense também podem ser usados para induzir alterações em sítios de splicing no pré-mRNA (mRNA
FIGURA 13-9 A, Terapia gênica usando uma técnica antisense. A ligação do mRNA anormal a uma molécula antisense o impede de ser transcrito em
uma proteína anormal. B, Terapia gênica usando uma ribozima em “cabeça de martelo”, que se liga ao mRNA mutado, clivando-o e eliminando-o.

do qual os íntrons ainda não foram removidos; Capítulo 2) para remover um éxon que é afetado por uma mutação frameshift. Essa abordagem de
salto de éxon (exon skipping) também se mostrou muito promissora, por exemplo, no tratamento de pacientes com distrofia muscular de
Duchenne, em que uma grande proporção de casos resulta de inserções ou deleções frameshift (Capítulo 5). O resultado é um transcrito de mRNA
de DMD em que um éxon está faltando, mas o restante do transcrito apresenta uma matriz de leitura intacta (o fenótipo esperado é semelhante ao
da distrofia muscular de Becker, que é mais leve). Em estudos clínicos de fase III, os pacientes tratados mostram aumentos substanciais na
produção da distrofina.

Terapia com Ribozimas


Ribozimas são moléculas enzimáticas de RNA, algumas das quais podem clivar mRNA. Elas podem ser sintetizadas para cortar sequências
específicas de mRNA que contêm uma determinada mutação, destruindo-as antes que elas possam ser traduzidas em proteína (Fig. 13-9B). A
terapia com ribozimas está sendo testada, por exemplo, como método para reverter a expressão aumentada do receptor tipo 2 do fator de
crescimento epidérmico, uma característica de muitos tumores de mama.

Interferência de RNA
Um terceiro método de silenciamento gênico envolve o RNA de interferência (RNAi; Fig. 13-10), um fenômeno natural que evoluiu para
defender as células contra a invasão viral. Como muitos vírus produzem RNA de fita dupla, as células de todos os organismos multicelulares
reconhecem essa forma de RNA e utilizam uma enzima chamada dicer para digeri-la em pequenos pedaços de 20 pb. Esses pedaços são então
usados como molde para dirigir a destruição de qualquer RNA de fita simples que tenha a mesma sequência do RNA viral de fita dupla (p. ex., o
mRNA de fita simples que o vírus usaria para codificar proteínas virais). A síntese artificial de moléculas de fita dupla de RNA que correspondem
a uma sequência de DNA causadora de doença, a RNAi pode ser induzida a destruir o mRNA produzido pela sequência mutada.
A RNAi enfrenta desafios semelhantes aos da terapia antisense e da terapia com ribozimas, tais como degradação da molécula de RNA antes
que ela alcance seu alvo. Essa dificuldade está sendo superada pela inserção de moléculas de RNAi em vetores lentivirais e virais
adenoassociados. RNAi tem gerado muitas expectativas ao reduzir, por exemplo, o número de transcritos produzidos pelo KRAS oncogênico, e
também demonstrou bloquear transcritos do gene da fusão BCR-ABL, que causa leucemia mieloide crônica (Capítulo 11). Ela está sendo testada
para o tratamento da degeneração macular relacionada à idade, à asma, à hepatite C e à doença de Huntington.

Técnicas de bloqueio de genes podem ser usadas para reverter os efeitos de mutações negativas dominantes ou de
ganho de função. Elas incluem o uso de moléculas antisense, ribozimas clivadoras de RNA e RNA de interferência

Terapia Gênica para Doenças Não Hereditárias


A terapia gênica não é de forma alguma limitada a doenças hereditárias. Na realidade, cerca de dois terços dos protocolos de terapia gênica
atualmente em andamento envolvem cânceres não hereditários, e uma significativa proporção envolve a terapia da síndrome da imunodeficiência
adquirida (Aids). Por exemplo, o gene supressor de tumor TP53, que é inativado em aproximadamente metade de todos os cânceres (Capítulo 11),
foi inserido em tumores de pulmão em um esforço para interromper a progressão neoplásica. Como discutido no Capítulo 9, alguns tumores
escapam da detecção do sistema imune, descartando moléculas da superfície celular que são reconhecidas pelas células T. Lipossomos contendo
DNA que codificam a molécula coestimuladora B7 (Capítulo 9) foram introduzidos em células de melanoma maligno, resultando em expressão de
B7 na superfície celular e subsequente destruição das células malignas por células T citotóxicas. Em alguns casos, isto levou à regressão do
melanoma.

FIGURA 13-10 Terapia de silenciamento gênico com a utilização de RNA de interferência de (RNAi). Uma enzima dicer cliva o RNA de fita dupla (dsRNA)
em fragmentos de RNA de fita simples com 20 pb chamados RNAs de interferência curtos (siRNA). Esses fragmentos formam um modelo que é
reconhecido e se liga ao complexo silenciador induzido por RNA (RISC), que cliva e destrói a fita complementar de RNA. No RNAi, um dsRNA é
construído para produzir cadeias de siRNA que são complementares ao mRNA mutado, fazendo com que o complexo RISC destrua o mRNA.

Uma variedade de abordagens de terapia gênica está sendo formulada para combater o HIV. A maior parte dos esforços visa interromper a
replicação do vírus ou evitar sua disseminação para células saudáveis. Por exemplo, uma mutação dominante negativa introduzida em células T
infectadas por HIV produz uma proteína que interfere nas proteínas produzidas pelo HIV, bloqueando sua ação normal. Também há testes em
progresso para reduzir a expressão de CCR5, um correceptor de quimiocinas usado pelo HIV para entrar nas células do sistema imune (Capítulo
9).
Outro exemplo de terapia gênica para uma doença não hereditária envolve o tratamento de doença arterial coronariana. Cópias dos genes que
codificam membros das famílias do fator de crescimento endotelial vascular (VEGF) e do fator de crescimento de fibroblasto (FGF) foram
injetadas em miocárdio isquêmico (usando vetores virais ou DNA “nu”) com a esperança de produzir novos vasos coronários.

Terapia de Linhagem Germinativa


A terapia de célula somática consiste em alterar apenas células somáticas específicas e, portanto, difere pouco da teoria de muitos outros tipos de
intervenção médica (p. ex., transplante de medula óssea). Em contraste, a terapia de linhagem germinativa envolve a alteração de todas as
células do organismo, incluindo aquelas que dão origem aos gametas. Assim, esse tipo de terapia gênica afeta não apenas o paciente, mas também
seus descendentes.
O primeiro êxito da terapia de linhagem germinativa foi obtido em ratos, em 1983, quando cópias de um gene do hormônio de crescimento
humano foram introduzidas com sucesso em embriões de rato por microinjeção (o gene foi inserido diretamente no embrião com a utilização de
uma agulha muito pequena). Na minoria dos embriões em que o gene se integrou, houve expressão e os animais atingiram tamanhos
anormalmente grandes. Os gametas também foram modificados e o gene do hormônio de crescimento humano foi transmitido às gerações futuras.
Embora a terapia de linhagem germinativa, a princípio, seja possível em humanos, ela apresenta problemas significativos (Quadro 13-7). Primeiro,
embriões injetados geralmente morrem e alguns desenvolvem tumores e malformações. Segundo, mesmo em uma doença autossômica dominante,
metade dos embriões produzidos por um genitor heterozigoto é geneticamente normal. Se fosse possível distinguir os embriões geneticamente
normais (p. ex., por meio de diagnóstico genético pré-implantacional), seria mais simples implantar os embriões normais do que alterar os
anormais. Finalmente, diversas questões éticas estão associadas à alteração permanente de uma herança genética humana. Por essas razões, parece
improvável que a terapia de linhagem germinativa humana seja útil ou desejável.

Terapia Gênica: Uma Perspectiva


A maioria dos protocolos de terapia gênica ainda está em testes de fase I e fase II, porém atualmente mais de 100 protocolos estão na fase III de
testes clínicos. (O site do NIH, https://clinicaltrials.gov/, é um excelente recurso para revisão dos estudos atuais e em andamento.) Os últimos anos
testemunharam os primeiros casos bem-sucedidos discutíveis de terapia gênica, alguns dos quais foram discutidos neste capítulo (terapia bem-
sucedida para deficiência de SCID ligada ao X e de ADA, hemofilia B e outras doenças referidas na Tabela 13-8; evidência de efeitos terapêuticos
em vários cânceres). Contudo, o sucesso alcançado até agora ocorreu apenas em um número relativamente pequeno de casos.
A terapia gênica não está livre de risco. Além do potencial de mutagênese insercional já discutido, em 1999, um homem jovem com deficiência
de ornitina transcarbamilase (Capítulo 7) foi a óbito em decorrência de uma reação imune adversa a um vetor adenovírus. Além disso, algumas
vezes a terapia retroviral tem resultado em mutagênese insercional (Comentário Clínico 13-5). Apesar dessas reservas, a pesquisa em terapia
gênica está promovendo muitas novas descobertas de fundamental importância biológica. Como ocorre com muitas possibilidades de pesquisa
biomédica, o potencial da investigação em terapia gênica é considerável, e seus progressos sugerem fortemente que ela pode trazer um tratamento
eficaz para algumas importantes doenças humanas.

QUADRO 13-7 Terapia de Linhagem Germinativa, Melhoramento Genético, Clonagem Humana e Células-tronco
Embrionárias: Questões Controversas em Genética Médica
Pelas razões descritas no texto, a terapia gênica de linhagem germinativa não está sendo realizada em humanos. Entretanto, esse tipo de terapia
gênica é, de certo modo, tecnicamente mais fácil de ser realizada do que a terapia de célula somática. A terapia de linhagem germinativa também
oferece (teoricamente) a possibilidade de “melhoramento genético”, com a introdução de genes saudáveis no embrião. Contudo, um gene que
seja favorável em um ambiente pode ser desfavorável em outro (p. ex., a mutação da anemia falciforme, que é vantajosa apenas para
heterozigotos em um ambiente com malária). E, devido à pleiotropia, a introdução de genes vantajosos pode ter consequências completamente
indesejáveis (p. ex., um gene que se pensa melhorar uma característica pode afetar negativamente outra). Por estas razões e porque a terapia de
linhagem germinativa geralmente destrói o embrião-alvo, nem a terapia de linhagem germinativa nem o melhoramento genético humano são
recomendados pela comunidade científica.

Há também controvérsias acerca da perspectiva de clonagem humana. Muitas espécies de mamíferos (p. ex., ovelha, porcos, gado, cabra, ratos,
gatos, cachorros) foram clonadas com sucesso introduzindo-se um núcleo diploide de uma célula adulta em um ovócito cujo núcleo haploide
original foi removido (uma técnica denominada transferência nuclear de célula somática, ou TNCS; ver a figura a seguir). A célula é manipulada
para que todos os seus genes possam ser expressos (lembre que a maioria dos genes de uma célula adulta diferenciada típica está
transcricionalmente silenciada). Esse procedimento, quando é permitido que prossiga até o término de uma gestação, poderia provavelmente ser
utilizado para produzir um ser humano (clonagem reprodutiva).

Alguns argumentam que a clonagem humana oferece aos casais sem filhos a oportunidade de terem crianças que sejam biologicamente
relacionados a eles ou mesmo de substituir um filho que faleceu. É importante considerar, contudo, que um clone é apenas uma cópia genética. O
ambiente do indivíduo, que também interfere grandemente no seu desenvolvimento, não pode ser replicado. Além disso, a maioria das tentativas
de clonagem em mamíferos não foi bem-sucedida: na maior parte dos casos, o embrião morre ou apresenta sérias malformações. Como as
consequências da clonagem reprodutiva humana certamente seriam muito semelhantes, ela é condenada pela maioria expressiva dos cientistas.

É importante distinguir a clonagem reprodutiva da clonagem e do cultivo de células para propósitos terapêuticos. Células-tronco
embrionárias (CTEs), que são derivadas da massa interna de células de embriões na fase de blastocisto, podem ser clonadas e têm o potencial
exclusivo de se diferenciar em qualquer tipo de célula do corpo humano (pluripotência). Por exemplo, elas podem potencialmente formar
neurônios para o tratamento da doença de Parkinson ou miócitos cardíacos para o tratamento de doença isquêmica do coração. Contudo, a
tecnologia atual promove a destruição do embrião para obter CTEs, um aspecto controverso em muitos círculos. Os esforços de muitas
investigações em andamento têm o objetivo de induzir pluripotência em células adultas diferenciadas. Também estão em andamento pesquisas
para extrair células individuais utilizáveis de blastômeros embrionários de três dias (como no diagnóstico genético pré-implantacional), para que
os embriões não sejam destruídos. Mas, resta saber se essas tecnologias podem produzir células que tenham a mesma flexibilidade e utilidade
das CTEs.

Uma dificuldade no uso de células derivadas de CTEs é que elas podem induzir uma resposta imune no receptor. Esse problema poderia ser
superado se clones de CTEs de muitas pessoas com diferentes tipos de MHC estivessem disponíveis. O receptor seria então imunologicamente
compatível com a CTE apropriada. Contudo, apenas um número limitado de linhagens de CTE está atualmente disponível para a maioria dos
pesquisadores. Outra sugestão é que a TNSC poderia ser realizada com as próprias células de um paciente para criar CTEs que seriam idênticas
em relação à sequência de DNA do paciente.

Embora essas tecnologias ofereçam a esperança de tratamento eficaz para algumas doenças difíceis de tratar, elas também apresentam
questões éticas complexas. Evidentemente, as decisões quanto ao seu uso devem ser norteadas pela contribuição construtiva de cientistas,
juristas, filósofos e outros.
Transferência nuclear de célula somática (TNCS) para criar um clone de rato. Uma célula somática diploide de rato (p. ex., um fibroblasto) é
cultivada e cresce em meios que fazem com que ela se torne pluripotente. Ela é fundida com um ovócito enucleado, criando um embrião com
uma célula diploide. Esse embrião evolui até um estágio multicelular e em seguida é implantado no útero de uma rata. O rato resultante é
geneticamente idêntico (um clone) ao rato que forneceu a célula somática.

QUESTÕES DE ESTUDO
1. Um programa de triagem de recém-nascidos para uma doença metabólica acaba de ser iniciado. De 100.000 recém-nascidos testados, um teste
conclusivo revelou que 100 eram afetados pela doença. O teste de triagem identificou 93 dos neonatos como afetados e sete como não afetados.
Ele também identificou 1.000 neonatos como afetados que, mais tarde, mostraram não serem afetados. Calcule a sensibilidade, a especificidade
e o valor preditivo positivo do teste de triagem, e especifique o índice de falsos positivos e falsos negativos.
2. Estude a família mostrada no heredograma na Figura 13-11. O indivíduo 3 tem PKU, uma doença autossômica recessiva. Um SNP intimamente
ligado ao locus da PKU, com dois alelos, foi testado em cada membro da família e a figura mostra os genótipos obtidos de cada indivíduo. Os
alelos marcadores têm 5 kb e 3 kb de tamanho. Com base nos genótipos do marcador ligado, o indivíduo 6 é afetado, portador heterozigoto ou
homozigoto normal?
3. Estude a família mostrada no heredograma na Figura 13-12. Os indivíduos afetados têm neurofibromatose tipo 1 (NF1), uma doença
autossômica dominante. Um locus de STR intimamente ligado ao locus da NF1, com quatro alelos, foi tipado em cada membro da família. Com
base nos genótipos mostrados na figura, o indivíduo 6 desenvolverá NF1?
FIGURA 13-11 Heredograma que acompanha a Questão de Estudo 2

4. No heredograma para uma doença autossômica dominante mostrado na Figura 13-13, um SNP com dois alelos, levemente ligado, foi testado em
cada membro da família. Com base nesta informação, o que você pode dizer à família sobre o risco dos descendentes na geração III que
desenvolverem a doença? Como aumentar a acurácea diagnóstica neste caso?
5. Compare as vantagens e desvantagens da amniocentese e da coleta de amostra de vilo corial (AVC).
6. Que tipo de terapia gênica seria mais apropriado para a doença de Huntington? Por quê?

FIGURA 13-12 Heredograma que acompanha a Questão de Estudo 3

FIGURA 13-13 Heredograma que acompanha a Questão de Estudo 4

LEITURAS SUGERIDAS
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National Newborn Screening and Genetics Resource Center http://genes-r-us.uthscsa.edu/
National Organization for Rare Diseases (base de dados de distúrbios raros que inclui revisões resumidas e informações sobre exames diagnósticos e tratamento para famílias e
profissionais) http://www.rarediseases.org

27 Um analito é qualquer substância que pode ser alvo de análise.


C A P Í T U L O 14

Genética e Medicina de Precisão

Os avanços científicos, tecnológicos e médicos tornaram possível detectar, diagnosticar e tratar as doenças mais comuns (p. ex., asma, diabetes,
hipertensão) logo no início do seu curso e de forma mais eficaz do que era feito antes. No entanto, tais avanços, dependem muito das habilidades e
do conhecimento dos clínicos, do acesso aos serviços de cuidado à saúde e da disponibilidade e acessibilidade às tecnologias de diagnóstico. A
maioria dos profissionais da saúde segue um modelo convencional, em que um paciente se apresenta com um conjunto de sinais e sintomas, que o
profissional utiliza para fazer um diagnóstico “mais provável”. Ele então prescreve o tratamento que considera mais eficaz. Se o tratamento não
tem o resultado esperado, o processo é repetido até que o diagnóstico correto ou um tratamento mais eficaz sejam obtidos. Neste modelo, a
manutenção preventiva da saúde é incentivada. Contudo, a adesão ao tratamento é desafiadora porque a informação sobre os fatores de risco, bem
como a percepção do paciente quanto ao risco, na melhor das hipóteses, aproximada.
A medicina de precisão ou preditiva (personalizada) é um modelo de prática em que o risco individual de cada pessoa para doenças raras e
comuns, e a eficácia de vários tratamentos são estimados diretamente, a partir da sua combinação única de fatores de risco genéticos e ambientais.
Consequentemente, um profissional da saúde pode predizer o risco do indivíduo para doenças comuns, escolher testes diagnósticos para confirmar
a presença da doença e prescrever o melhor procedimento terapêutico para tratá-la. Idealmente, o conhecimento do risco de doença promove
intervenções (p. ex., modificação da dieta e escolha de terapia medicamentosa) que não apenas podem tratar a doença no início de seu curso, mas
podem também retardar seu aparecimento ou evitá-la completamente.
A eficácia da medicina de precisão depende de uma série de fatores que incluem a identificação dos fatores de risco genéticos e ambientais (e
suas interações) que permite a predição exata do risco clinicamente significativo, a demonstração de que a avaliação do risco individual melhora a
precisão do diagnóstico e o resultado do tratamento, o desenvolvimento de tecnologias para a avaliação do genoma individual a custos razoáveis, a
construção de uma infraestrutura para clínicos acessarem dados de risco, interpretarem a informação de risco e explicarem as estimativas de risco
aos seus pacientes, e o desenvolvimento de diretrizes e práticas sobre como a informação da avaliação de risco deve ser usada em aplicações
clínicas e de pesquisa. Nem todos esses objetivos serão alcançados para toda doença comum. De fato, para muitas doenças complexas, é provável
que no futuro não haja nenhuma alternativa ao modelo de prática convencional, pois muito pouco se sabe acerca de sua etiologia e fisiopatologia.
Contudo, para algumas doenças comuns e respostas a fármacos, o teste genético e, em muitos casos, a medicina de precisão, já estão sendo
adaptados ao contexto clínico.
Neste capítulo, discutimos como as novas tecnologias estão tornando amplamente acessível a avaliação de genomas humanos individuais, como
essa informação do genoma completo está sendo utilizada atualmente para tomar decisões pessoais acerca da saúde, e as implicações do cuidado
personalizado.

A medicina de precisão é o uso da combinação única dos fatores de risco genéticos e ambientais de um indivíduo para
fazer previsões sobre seu risco individual de doença e sua resposta a diversos tratamentos.

UMA TRANSFORMAÇÃO ORIENTADA PELA TECNOLOGIA


Tradicionalmente, a pesquisa de variações genéticas que influenciam as doenças mendelianas e as doenças complexas comuns tem sido uma tarefa
difícil e um dos principais obstáculos para o desenvolvimento da medicina de precisão. A abordagem mais comum para encontrar essas variações
envolveu testar em um pequeno grupo de pacientes com o mesmo fenótipo, mas não relacionados (p. ex., diabetes e obesidade), se polimorfismos
em genes candidatos estavam associados ao risco de doença. Isto era um problema, em parte porque a escolha dos genes candidatos mais
apropriados era difícil, pequenas coortes forneciam poder estatístico limitado e o processo de genotipagem ou sequenciamento era um trabalho
intenso e caro. Essa situação mudou drasticamente ao longo da última década, com o desenvolvimento de tecnologias que permitem examinar
milhões de polimorfismos por pessoa de modo barato e eficiente (Quadro 14-1) e, mais recentemente, com a introdução do sequenciamento do
exoma e do genoma (Capítulo 8). Estas tecnologias, aliadas aos avanços da bioinformática, permitiram a aplicação de novas abordagens, como
estudos de associação genômica ampla (Capítulo 8) e o estudo de casuísticas muito maiores, com dezenas ou centenas de milhares de indivíduos.
Além disso, essas novas tecnologias de genotipagem e sequenciamento de DNA possibilitam o desenvolvimento de testes clínicos a custos mais
baixos que aproveitam das descobertas recentes de variáveis de risco. O principal desafio atual para implementação da medicina de precisão é
trazer as descobertas das variáveis que conferem risco de doença para a prática clínica.

QUADRO 14-1 Avaliando o seu Genoma


O conhecimento da constituição genética de um indivíduo evidentemente será uma importante ferramenta para a tomada de melhores decisões
acerca da sua saúde, cuidados médicos e talvez até estilo de vida. Até recentemente, avaliar o genoma como um todo era bastante dispendioso e
feito apenas em laboratórios de pesquisa.

Entretanto, novas tecnologias reduziram drasticamente o custo da análise do genoma completo e estimularam o desenvolvimento de serviços
ao consumidor que oferecem este estudo do genoma diretamente ao público (Capítulo 13). Esses serviços rapidamente chamaram a atenção,
tanto pela novidade como por seu potencial de informar as pessoas sobre sua composição genética.
A maior parte dos serviços que oferecem o estudo do genoma completo ao consumidor faz a genotipagem de centenas de milhares a milhões
de polimorfismos de nucleotídeo único (PNUs) comuns. Os SNPs analisados nos consumidores são os mesmos comumente utilizados por
pesquisadores para identificar associações entre genes e doenças nas doenças multifatoriais comuns, como hipertensão, diabetes e obesidade. À
medida que tais associações entre elas são descritas, os consumidores que têm acesso à sua informação genética podem avaliar seu próprio risco
para doenças genéticas. Além disso, como os dados genéticos de cada pessoa são permanentes, a avaliação de risco pode ser reestimada a cada
nova descoberta. Contudo, muitas das associações SNP-doença informadas aos consumidores são relativamente fracas e podem ser mal
entendidas ou mal interpretadas pelo leigo (Capítulo 13).

Mais recentemente, o sequenciamento do exoma e de todo o genoma se tornou disponível para o público. Essas análises ainda são caras e,
portanto, de aplicação muito limitada. Além disso, é discutível se a compreensão de uma pessoa sobre seus riscos relacionados à saúde irá
aumentar pelo conhecimento de cerca de algumas ou de todas as suas variantes de risco genético.

A maioria das ressalvas citadas no parágrafo anterior para a genotipagem de SNPs se aplicam igualmente ao sequenciamento de todo o
genoma. Entretanto, uma vez que variantes de risco para condições mendelianas são frequentemente detectadas por sequenciamento, algumas
variantes de utilidade clínica em potencial teoricamente serão encontradas.

O IMPACTO DA GENÔMICA
Farmacogenética
Muitas bebidas (p. ex., café e chá) e comidas que ingerimos diariamente contêm milhares de compostos complexos que cada um de nós deve
processar. Alguns desses compostos nunca saem do trato gastrointestinal, mas a maior parte é absorvida, metabolizada, distribuída e eliminada
(isto é, biotransformada) em vários produtos que são usados imediatamente, armazenados ou excretados. Compostos exógenos sintetizados que
são administrados para alcançar um efeito específico no corpo humano (p. ex., produtos farmacêuticos) também sofrem biotransformação, que
varia entre os indivíduos quanto à eficiência e à velocidade. Além disso, a resposta do alvo de uma droga (p. ex., enzimas ou receptores) também
pode variar entre os indivíduos. O estudo das variantes genéticas individuais que modificam as respostas humanas em agentes farmacológicos é
denominado farmacogenética; a avaliação da ação de muitos dos genes que atuam simultaneamente nessas respostas é chamada
farmacogenômica.

Predição Genética de Respostas Adversas Graves a Drogas


Ao longo da última década, esforços ambiciosos têm sido empreendidos para promover o avanço do conhecimento da farmacogenética. Isto foi
motivado, em parte, pela expectativa de que por meio do uso da farmacogenética, seríamos capazes de traçar o perfil das diferenças de DNA entre
os indivíduos e, deste modo, predizer respostas a diferentes medicamentos. Por exemplo, um perfil genético (ou seja, uma sínteses dos alelos de
risco de um indivíduo) poderia predizer se ele tem probabilidade maior ou menor de responder a uma droga ou de sofrer uma reação adversa
grave a droga (RAGD).
A maioria das drogas tem um índice de resposta entre 25% e 75%. Por exemplo, inibidores da ECA (enzima conversora de angiotensina) e
betabloqueadores têm se mostrado ineficazes ou parcialmente eficazes em até 70% dos pacientes hipertensos. O uso de tais drogas em pessoas que
não respondem a elas aumenta a incidência de RAGDs e se soma ao ônus dos custos de cuidados à saúde. Além disso, para a maioria das drogas,
não existem testes disponíveis para determinar quem irá ou não responder; então, tais drogas são amplamente administradas na base da tentativa e
erro.
Muitas drogas têm efeitos adversos que são de importância clínica, e das quase 1.200 drogas aprovadas para uso nos Estados Unidos, cerca de
15% estão associadas a uma incidência significativa de RAGDs. Um grande estudo conduzido em meados dos anos de 1990 sugeriu que quase
dois milhões de pessoas são hospitalizadas a cada ano como resultado de efeitos adversos a drogas e aproximadamente 100.000 pessoas morrem
por esse mesmo motivo, inclusive quando os medicamentos são prescritos e administrados corretamente. Estudos realizados na Europa e na
Austrália tiveram resultados semelhantes. Deste modo, a identificação de perfis genéticos que predizem uma resposta individual às drogas
provavelmente aumentará a eficácia geral e a segurança dos produtos farmacêuticos.
Atualmente existem testes disponíveis para um grupo de alelos que predizem RAGDs. Por exemplo, a tiopurina metiltransferase (TPMT) é uma
enzima que inativa medicamentos à base de tiopurina (p. ex., 6-mercaptopurina e azatioprina), que são frequentemente utilizados para tratar
leucemia linfoide aguda e para evitar rejeição em transplante de órgãos. Uma mutação no gene TPMT reduz a atividade enzimática. Cerca de uma
em 300 pessoas de ancestralidade europeia é homozigota para essa mutação, e esses pacientes quando expostos a drogas de tiopurina podem
apresentar supressão da medula óssea, com risco de óbito. A presença de tais variações pode ser detectada pela genotipagem ou por ensaios da
enzima, que hoje são comumente realizados antes da administração das tiopurinas. Estudos de sequenciamento do exoma em larga escala
demonstraram que cada indivíduo porta, pelo menos, vários alelos que alteram seu metabolismo às drogas, em comparação com a população em
geral.

A resposta de cada indivíduo a produtos químicos naturais e sintéticos é determinada, pelo menos em parte, por
polimorfismos em genes que controlam as vias de biotransformação e o alvo do produto químico.

Terapia Medicamentosa Personalizada


Um dos principais desafios da farmacogenética é a seleção de alvos apropriados (p. ex., uma enzima específica, citocina ou receptor de superfície
celular) que podem ser susceptíveis à manipulação por uma droga. Os resultados de estudos genéticos são usados para identificar polimorfismos
associados à variação de suscetibilidade à doença (isto é, um alvo potencial de uma droga) ou polimorfismos que possam modificar a resposta
humana a uma droga. Por exemplo, a síndrome do QT longo (síndrome LQT; Capítulo 12) pode ser causada por mutações em um de pelo menos
12 genes diferentes, cujos produtos proteicos afetam a função do canal iônico nas células cardíacas (p. ex., canais de sódio e de cálcio). Como os
canais de sódio e os canais de cálcio são bloqueados por drogas diferentes, o perfil genético de uma pessoa pode ser usado para escolher a melhor
droga para o tratamento da síndrome LQT. Neste caso, a relação entre doença e alvo é bem caracterizada.
Polimorfismos em genes que codificam angiotensinogênio, ECA e o receptor tipo 1 de angiotensina II já foram associados a respostas
diferenciadas a agentes anti-hipertensivos. Por exemplo, o gene ECA contém uma sequência de 190 pb que pode estar presente (alelo I) ou
deletada (alelo D). Pessoas que são homozigotas para o alelo D são mais responsivas a inibidores da ECA. A resposta a betabloqueadores anti-
hipertensivos também já foi associada a polimorfismos em genes que codificam subunidades do receptor β-adrenérgico (Tabela 14-1). Nenhuma
dessas variantes é comumente testada antes do início da terapia anti-hipertensiva, mas estão em andamento estudos para determinar quando tal
informação, em conjunto com os fatores de risco ambientais como fumo e dieta, pode facilitar o desenvolvimento de um tratamento personalizado.
Muitos dos efeitos fisiológicos da variação na resposta a drogas são conhecidos há décadas. A deficiência de glicose--6-fosfato desidrogenase
(G6PD), que afeta, segundo estimativas, mais de 200 milhões de pessoas em todo o mundo, causa sensibilidade aumentada à droga antimalárica
primaquina, produzindo uma anemia hemolítica aguda. O metabolismo de isoniazida (uma droga comumente utilizada para tratar tuberculose) é
fortemente influenciado por um alelo do gene que codifica a N-acetiltransacetilase 2 (NAT2), uma enzima que é usada para acetilar, e assim
inativar, a isoniazida. Pessoas que são homozigotas para esse alelo são conhecidas como inativadoras lentas e têm risco mais alto de
desenvolverem efeitos colaterais do que pessoas que metabolizam a isoniazida mais rapidamente. Cerca de metade das pessoas de ancestralidade
europeia ou africana são inativadoras lentas, mas esse número é mais baixo entre a população leste asiática. A succinilcolina é uma droga
amplamente utilizada em anestesia para induzir paralisia muscular de curto prazo. Normalmente, os efeitos da succinilcolina duram apenas alguns
minutos antes da droga ser rapidamente degradada no plasma pela butirilcolinesterase em circulação. Vários alelos do gene que codifica a
butirilcolinesterase causam atividade enzimática reduzida. Pessoas que são homozigotas ou heterozigotas compostas para tais alelos têm
capacidade reduzida de inativar a succinilcolina. Isto pode resultar em paralisia prolongada e insuficiência respiratória, que requer ventilação
mecânica por até algumas horas.
Em cada um desses exemplos, um indivíduo que possui um alelo relativamente comum pode, sob exposição a um

TABELA 14-1 Exemplos de Efeitos de Polimorfismos Gênicos na Resposta a Drogas

GENE ENZIMA/ALVO DROGA RESPOSTA CLÍNICA

CYP2D6 Citocromo P4502D6 Codeína Pessoas homozigotas para uma mutação inativadora não metabolizam codeína em
morfina e, assim, não apresentam o efeito analgésico

CYP2C9 Citocromo P4502C9 Varfarina Pessoas heterozigotas para um polimorfismo precisam de uma dose menor de
varfarina para manter a anticoagulação

VKORC1 Vitamina K epóxido Varfarina Pessoas heterozigotas para um polimorfismo precisam de uma dose menor da
redutase subunidade 1 do complexo de varfarina para manter a anticoagulação

NAT2 N-acetil transferase 2 Isoniazida Pessoas homozigotas para polimorfismos de acetilação lenta são mais suscetíveis à
toxicidade pela isoniazida

TPMT Tiopurina S - Azatioprina Pessoas homozigotas para uma mutação inativadora desenvolvem toxicidade grave
metiltransferase se tratadas com doses padrão de azatioprina

ADRB2 Receptor β-adrenérgico Albuterol Pessoas homozigotas para um polimorfismo pioram com o uso regular de albuterol

KCNE2 Canal de potássio Claritromicina Pessoas heterozigotas para um polimorfismo são mais suscetíveis a arritmias, com
controlado por risco de morte
voltagem

SUR1 Receptor 1 de Sulfonilureias Pessoas heterozigotas para polimorfismos exibem sensibilidade reduzida a
sulfonilureia secreção de insulina estimulada por sulfonilureia

F5 Fator V de coagulação Contraceptivos Pessoas heterozigotas para um polimorfismo têm risco aumentado para trombose
(Leiden) orais venosa

composto químico específico, experimentar um efeito farmacológico imprevisto. Foram descobertas variantes de enzimas que produzem efeitos
muito mais amplos na resposta do organismo a múltiplas drogas. Um exemplo é a debrisoquina hidroxilase, uma enzima codificada pelo gene
CYP2D6. Esse gene é um membro da superfamília do citocromo P450, que codifica muitas enzimas diferentes responsáveis pela biotransformação
de compostos com estruturas químicas amplamente diferentes. Polimorfismos de CYP2D6 afetam o metabolismo de mais de 25% de todos os
compostos farmacêuticos, incluindo antagonistas dos receptores β-adrenérgicos, neurolépticos e antidepressivos tricíclicos (Fig. 14-1). Outro
exemplo são as variantes em CYP2C19, que reduzem a taxa de metabolização da forma ativa da pró-droga clopidogrel, uma droga antiplaquetária.
Clopidogrel é usado geralmente em mais de dois milhões de pessoas submetidas à colocação de stent nas artérias coronárias, e pessoas com a
variante CYP2C19 que reduz a função estão em risco substancialmente mais alto de trombose no stent – que pode precipitar um ataque cardíaco e
a morte. Esses são todos exemplos de perfis genéticos relativamente simples (isto é, polimorfismos únicos) que afetam a resposta a uma droga.
Muitas respostas a drogas são provavelmente determinadas por perfis muito mais complexos, compostos por vários polimorfismos, em vários loci.
Duas variantes comuns do CYP2C9 (CYP2C9*2 e CYP2C9*3), outro gene do citocromo P450, influenciam o metabolismo de varfarina, uma
droga anticoagulante. As frequências desses alelos variam entre 6% e 12% em populações de origem europeia, mas cada um é encontrado em uma
frequência substancialmente menor em africanos subsaarianos e nos leste-asiáticos. A varfarina é amplamente utilizada para impedir a trombose,
mas devido à variação na dose necessária, são comuns as complicações hemorrágicas advindas da terapia com essa droga. Assim, o nível de
coagulação de uma pessoa precisa ser medido regularmente para que a varfarina seja administrada em uma dose que previna a trombose, mas que
também evite sangramento excessivo. Pessoas com pelo menos uma cópia do CYP2C9*2 ou CYP2C9*3 requerem menos varfarina para
anticoagulação eficiente do que a
FIGURA 14-1 Relações genótipo-fenótipo entre polimorfismos CYP2D6 e metabolismo de drogas. A, Possíveis genótipos no locus CYP2D6. Alelos
totalmente funcionais do gene CYP2D6 estão corados em roxo-escuro; alelos com função reduzida estão em rosa; e alelos CYP2D6 nulos (isto é, inativos),
em roxo-claro. B, A capacidade de metabolizar muitos fármacos varia dependendo do genótipo CYP2D6 do indivíduo. C, Distribuição de frequências
fenotípicas avaliadas em uma população de americanos com ascendência europeia como determinado pela taxa metabólica (TM) urinária de
debrisoquina para 4-hidroxi-debrisoquina. D, Metabolizadores lentos requerem uma dose menor da droga antidepressiva nortriptilina, e
metabolizadores ultrarrápidos requerem uma dose maior para alcançarem a mesma concentração plasmática. Adaptada de Meyers U:
Pharmacogenetics – five decades of therapeutic lessons from genetic diversity. Nat Rev Genet 2004;5:669-676.)

população em geral. Condizente com esta observação, complicações hemorrágicas são mais comuns em pessoas portadoras dos alelos CYP2C9*2
ou CYP2C9*3. Assim, as variantes de CYP2C9 influenciam tanto o metabolismo da varfarina, como os resultados adversos associados a ela. A
variação genética em um dos alvos farmacológicos da varfarina, a vitamina K epóxido-redutase (VKORC1; Tabela 14-1), também ajuda a predizer
a resposta do paciente a essa droga. O teste genético pode ser feito tanto no CYP2C9 como no VKORC1 para o ajuste da dose de varfarina.
A farmacogenética e a farmacogenômica estão mudando lentamente a maneira como a medicina é praticada, embora o ritmo dessa mudança
tenda a acelerar ao longo das próximas décadas (Quadro 14-2). Uma questão fundamental para todos os alelos que estão associados com resposta a
drogas é se o teste desses alelos interferirá na conduta clínica e, se interferir, até que ponto. O perfil genético de resposta a um fármaco pode ser
importante caso ele seja amplamente utilizado na prática clínica também, se a resposta a ele for importante do ponto de vista médico, os efeitos
terapêuticos e tóxicos forem difíceis de avaliar e classificar clinicamente, os efeitos adversos forem difíceis de serem previstos e se o perfil
realmente fornecer resultados de fácil interpretação, com alta sensibilidade e especificidade. Até o presente, não há estimativas de quantas
combinações de drogas e perfis genéticos provavelmente satisfaçam esses critérios, embora atualmente a bula de mais de uma centena de
medicamentos refira que testes genéticos devem ser realizados antes do uso.

O teste genético para polimorfismos associados à variação no metabolismo ou eficácia de fármacos podem levar a
melhores predições da resposta de um indivíduo a drogas e pode reduzir a incidência de efeitos colaterais relacionados a
drogas.

Diagnosticando e Monitorando Doenças Comuns


Nas seções anteriores nós explicamos como a informação genômica pode ser usada para personalizar avaliações de risco para doenças comuns e
respostas a drogas. A informação genômica também pode ser usada para facilitar o diagnóstico da doença e para monitorar respostas terapêuticas.
Por exemplo, um microarray (Capítulo 3) pode ser utilizado para estimar o nível de expressão de cada gene (isto é, a quantidade de mRNA
transcrito) em um tecido específico. Esses perfis de expressão gênica podem ser usados para identificar padrões de expressão que estão associados
a doenças específicas (p. ex., transcrição aumentada de um oncogene ou transcrição reduzida de um gene supressor de tumor em tecido tumoral).
Tal informação pode ajudar a distinguir diferentes tipos de câncer, diferentes tipos de infecções ou outros fenótipos associados com doença. Deve-
se considerar que a informação genômica é apenas uma entre muitos tipos de dados sobre a pessoa, além do seu ambiente, passíveis de serem
avaliadas para fazer predições sobre estados patológicos. Há também informações sobre expressão de proteínas (isto é, proteoma), funções
metabólicas (isto é, metaboloma), flora corporal normal (isto é, microbioma) e exposições ambientais (isto é, exposoma).

QUADRO 14-2 Genômica Individual


Estamos em 2025. Jonathan é um bebê de uma hora de vida dormindo confortavelmente nos braços de sua mãe no quarto em que acabou de
nascer. Os pais de Jonathan estão confortados por saberem que o filho não tem uma condição genética grave de início na infância, como fibrose
cística, anemia falciforme ou uma das centenas dos erros inatos do metabolismo (p. ex, galactosemia e PKU). Os testes para essas condições
costumavam fazer parte dos programas de triagem de recém-nascidos mas, atualmente, tais testes são realizados no período pré-natal. Na
maioria dos casos, essa triagem é feita por sequenciamento completo do genoma fetal a partir do DNA livre do feto que é encontrado no sangue
da gestante. Os pais de Jonathan foram informados que ele é portador da mutação para anemia falciforme. Um resumo dos dados eletrônicos do
sequenciamento completo do genoma de Jonathan foi depositado em banco de dados nacional de informações de saúde antes de seu
nascimento. Um subconjunto de genótipos que representam um perfil genético específico é introduzido em um banco de dados nacional forense.

Os pais de Jonathan podem, a qualquer momento, acessar as informações sobre sua sequência genômica, especificamente as informações
sobre suas variantes de risco para doenças. Eles também podem controlar quem tem acesso a esses dados de risco, e decidir a quais provedores
dos cuidados pediátricos do Jonathan fornecerão as informações sobre as variantes de risco de manifestação comum na infância. Na consulta
pediátrica de rotina com um mês de idade, um aconselhador genético explica que Jonathan tem um risco genético acima da média para autismo,
alergia a amendoim, otite média crônica e respostas adversas à penicilina. É recomendado aos seus pais que evitem tanto penicilina como
produtos contendo amendoim, até que ele possa passar por testes diretos. Também é encontrado em Jonathan um risco genético abaixo da
média para asma.

Com um ano de idade, é evidente que o desenvolvimento da fala e da linguagem de Jonathan estão atrasados. Seu perfil genético confirma que
ele não tem variantes de risco conhecidas que estejam associadas à perda de audição, sugerindo que seu atraso possa ser uma indicação precoce
de autismo. Uma terapia preventiva específica para autismo é indicada com base no seu perfil genético.

Jonathan responde bem à intervenção e, somado a uma terapia fonológica, seu desenvolvimento por volta dos cinco anos de idade está
adequado. Jonathan permanece saudável ao longo da infância e, quando completa 18 anos de idade, o controle sobre seus dados de risco
genéticos armazenados é passado de seus pais para ele. Também, o cuidado médico de Jonathan é transferido para um médico da família. Na sua
primeira consulta, o médico explica que ele tem risco para doença cardíaca, hipertensão, obesidade, diabetes tipo 2 e câncer de cólon. Jonathan é
alertado que os riscos de desenvolver obesidade e diabetes são muito altos, e é recomendado que ele realize um programa de exercício e uma
dieta capazes de retardar o início das doenças.

Dez anos depois, Jonathan informa a seu médico que ele e sua esposa estão planejando começar uma família. Sua esposa também é portadora
da mutação para anemia falciforme e tem diversas variantes de risco para asma; então, eles são encaminhados para aconselhamento genético
para obterem informações sobre opções de testes genéticos pré-natais. Quando Jonathan está com 45 anos, ele desenvolve hipertensão e, com
base no seu perfil de variantes de resposta a droga, a terapia é iniciada com um agente anti-hipertensivo específico, ao qual provavelmente ele
responderá.

Genômica do Câncer
Toda célula neoplásica contém muitas alterações na sequên­cia de DNA e no número de cópias que afetam genes ou sequências reguladoras,
frequentemente acompanhadas por modificações epigenéticas. Tais mudanças influenciam a expressão e/ou a função de centenas a milhares de
genes. Em conjunto, tais alterações resultam na ativação ou inibição de várias vias celulares que controlam as características dos tumores, como
crescimento ou metástase, e determinam, em parte, o prognóstico e a resposta ao tratamento. A genômica do câncer é o estudo das alterações
associadas ao DNA que estão relacionadas ao processo maligno, com o objetivo geral de melhor prevenir, detectar, diagnosticar e tratar os
cânceres mais comuns.
Uma aplicação particularmente poderosa dessa genômica tem sido o uso da análise da expressão gênica do genoma completo, para fornecer um
perfil da atividade gênica no tumor em um determinado espaço de tempo. Isso tem facilitado o desenvolvimento de padrões de classificação
baseados nos perfis de expressão para muitos tipos de câncer, incluindo leucemias, linfomas, câncer de mama, de pulmão, de cólon e de cérebro.
Essa informação pode ser usada, por exemplo, no detalhamento do prognóstico, no direcionamento da aplicação de terapias convencionais, de
terapias com alvos biológicos e na identificação de alvos para o desenvolvimento de novas drogas (Fig. 14-2).
Atualmente, é difícil predizer muitas vezes o prognóstico de pacientes com câncer com base na informação fenotípica tradicional, como o tipo
de tumor (T), se o câncer é encontrado próximo a linfonodos (N) e evidência de metástase (M). Hoje, o estadiamento utilizando o sistema TNM é
o padrão para a maioria dos tumores sólidos, ainda que tais estádios frequentemente não sejam preditivos de prognóstico ou de resposta
terapêutica. Traçar o perfil da expressão gênica pode ajudar no diagnóstico diferencial de cânceres que são facilmente confundidos (p. ex., linfoma
de Burkitt vs. linfoma difuso de grandes células B). Ele também pode facilitar a identificação de subtipos de tumores no mesmo estágio TNM, que
podem ter resultados muito diferentes. Vários perfis de expressão gênica estão atualmente disponíveis para a avaliação do prognóstico do câncer
de mama, e perfis de expressão gênica que predizem a recorrência de vários outros tipos de câncer já foram estabelecidos. Testes prospectivos
determinarão até que ponto o uso da determinação do perfil de expressão é benéfico do ponto de vista clínico, mas é previsível que seu uso levará
a uma melhora substancial no tratamento do câncer.
A abordagem convencional da terapia para o câncer tem sido proporcionar tratamento com base no tecido ou órgão em que o câncer se
originou. Contudo, pessoas com o mesmo tipo de câncer frequentemente têm anomalias genéticas diferentes em seus tumores, resultando em
respostas diferentes ao tratamento. Por exemplo, das mulheres jovens cujo câncer de mama não se espalhou para seus linfonodos e que são
tratadas por ressecção do tumor e radiação local, apenas 20%
FIGURA 14-2 Predição de doença por meio do perfil de expressão gênica. A resposta clínica de indivíduos com câncer de pulmão (tumor circulado na
radiografia) é predita testando-se a expressão de um conjunto de genes conhecidos por serem anormalmente regulados nas células malignas do
pulmão. O RNA é extraído de cada tumor, colocado em um microarray, e é analisado o padrão individual de expressão gênica. Na figura inferior, cada
coluna representa o perfil de expressão de um tumor diferente. A expressão reduzida de um gene em um tumor do pulmão, comparada com outros
tumores pulmonares, é indicada em verde, e a expressão aumentada é indicada em vermelho. O resultado da doença é mostrado à direita, onde
branco indica pessoas com doença metastática (resultado ruim), e preto indica ausência de metástase (resultado bom).

a 30% apresentarão recorrência da doença. Esse subgrupo de mulheres pode se beneficiar mais com a quimioterapia adjuvante e aquelas com
menor risco de recorrência (a maioria) podem se beneficiar menos com tal procedimento. Além disso, como os grupos de risco alto e baixo não
podem ser distinguidos de forma confiável, 85% a 95% de todas as mulheres com esse tipo de câncer de mama recebem quimioterapia adjuvante.
Isto significa que muitas mulheres podem passar por esse tratamento desnecessariamente, o que as coloca em risco para complicações relacionadas
à droga e aumenta o custo geral do tratamento. Traçar o perfil de expressão pode ajudar a delinear subtipos de câncer que são provavelmente mais
responsivos a vários protocolos terapêuticos e orientar a seleção dos agentes ideais para cada indivíduo.

Traçar o perfil de expressão gênica em neoplasias permite melhorar a classificação dos diferentes tipos de tumores e
pode auxiliar na escolha terapêutica.
Doenças Comuns
O perfil de expressão gênica está sendo usado para estudar a patogênese de doenças comuns e para monitorar a atividade gênica tecido-específica,
a fim de facilitar o diagnóstico, o acompanhamento da progressão e o tratamento da doença. Por exemplo, o desenho do perfil de expressão de
leucócitos circulantes em pacientes com diabetes tipo 1 revelou expressão aumentada de um grande número de genes pró-inflamatórios. A
expressão de alguns desses genes também está aumentada em pessoas com artrite reumatoide, sugerindo que alguns distúrbios autoimunes podem
compartilhar perfis de expressão. Um teste de triagem baseado nesses perfis poderia possibilitar o diagnóstico mais precoce e/ou identificar
pessoas em alto risco que pudessem se beneficiar de cuidados preventivos. O perfil genético também é usado com eficácia para monitorar a
imunossupressão de indivíduos submetidos a transplante de órgão. Ainda estão também em andamento estudos para identificar se os perfis de
expressão gênica podem predizer resultados em pessoas infectadas por patógenos como malária, HIV-1 e tuberculose.

Raça e Avaliação Genética da Ancestralidade do Indivíduo


Uma questão importante e controversa na medicina personalizada é se a raça de um indivíduo – usando seu significado histórico como descritor:
africanos, asiáticos, europeus, índios americanos e das ilhas do Pacífico – e/ou sua ancestralidade genética são úteis para fazer predições acerca
de riscos relacionados à sua saúde. Tradicionalmente, é comum utilizar a raça para predizer a probabilidade de uma pessoa ser portadora de uma
variante genética particular que influencie sua suscetibilidade a determinada doença ou resposta a certa droga. Essa prática é baseada parcialmente
na observação de que disparidades na saúde são comuns entre grupos raciais. Por exemplo, a incidência de câncer de próstata é duas vezes maior
em homens afro-americanos do que em homens americanos com ascendência europeia. Outras doenças que variam em predominância entre
grupos raciais incluem hipertensão, insuficiência renal terminal, nascimento pré-termo e diabetes tipo 2. Permanece incerto, contudo, se os fatores
de risco genéticos explicam, ainda que parcialmente, tais disparidades. Muitas diferenças relacionadas à saúde provavelmente são influenciadas
mais fortemente por fatores ambientais, como diferenças na dieta e desigualdades na disponibilidade de serviços de cuidado à saúde.
Consequentemente, o uso da raça para fazer predições a respeito dos fatores de risco ainda é assunto que merece considerável debate.
É importante distinguir raça de ancestralidade genética. A raça foi usada tradicionalmente para categorizar grandes grupos de pessoas e pode
refletir origem geográfica, língua e várias características culturais que descrevem um grupo (p. ex., indígenas americanos ou asiáticos). A
ancestralidade se refere às origens geográfica, histórica ou biológica dos ancestrais de um indivíduo e, para qualquer pessoa, pode ser complexa.
Por exemplo, uma pessoa poderia ter ancestrais da África, Europa e América do Norte (ou seja, uma ancestralidade complexa), mas poderia ainda
se autoidentificar como afro-americana. Portanto, a raça fornece alguma informação biológica acerca da ancestralidade, mas os dois conceitos não
são equivalentes. O conhecimento da ancestralidade de um indivíduo pode fornecer informação acerca de sua constituição genética e, desta forma,
pode ser útil para identificar fatores genéticos e ambientais associados a doenças comuns. Consequentemente, ao longo dos últimos anos ficou
cada vez mais simples utilizar várias centenas de polimorfismos de nucleotídeo único (SNPs) para estimar diretamente a ancestralidade genética
(Fig. 14-3). O quanto à raça auxilia na predição de diferenças genéticas que influenciam a saúde depende em parte da correspondência entre as
classificações tradicionais de raça com as inferências genéticas de ancestralidade do indivíduo.
Em média, pessoas escolhidas aleatoriamente de diferentes populações, como africanos subsaarianos, europeus e leste asiáticos, serão
discretamente mais diferentes entre si do que pessoas da mesma população, refletindo o fato de que todos os humanos são muito semelhantes na
sua sequência de DNA (Capítulo 3). Polimorfismos associados a doenças comuns, como aqueles associados à resposta a agentes anti-hipertensivos
(ver anteriormente), geralmente diferem nas populações apenas quanto à frequência. Poucas variantes genéticas, caso haja alguma, são
encontradas em todos os membros de uma grande população e em nenhum membro de outra grande população. Por esta razão, a afiliação a uma
população ou raça não é um preditor confiável de genótipos individuais.
É possível, no entanto, alocar indivíduos em grupos que correspondem a diferentes regiões geográficas analisando simultaneamente centenas
ou mais variantes como SNPs (Fig. 14-3). Essas variantes diferem em frequência entre regiões geográficas porque nossos ancestrais tinham maior
probabilidade de procriar com vizinhos próximos do que com pessoas distantes. Assim, indicadores de ancestralidade geográfica, tal como raça,
podem ser usadas algumas vezes para fazer predições razoavelmente precisas da ancestralidade genética de um indivíduo. De fato, vários estudos
feitos nos Estados Unidos reportaram que a classificação de pessoas pela autoidentificação do grupo populacional ao qual pertencem está
altamente correlacionada com as inferências baseadas nos seus dados genéticos.
FIGURA 14-3 Frações de ancestralidade geneticamente inferidas de pessoas (círculos coloridos) de uma amostra dos Estados Unidos genotipadas para
6.000 SNPs. Cada círculo representa um indivíduo, e são usadas cores para representar os quatro grupos autoidentificados. A distância do círculo da
borda do triângulo é proporcional à quantidade da ancestralidade do indivíduo em relação à contribuição de cada uma das três populações ancestrais
indicadas nos cantos do triângulo (africana, asiática e europeia). Por exemplo, o hispânico/latino-americano marcado com o número 4 recebeu cerca
de 60% de sua ancestralidade genética da Europa, 30% da Ásia (devido à ancestralidade indígena americana) e 10% da África. Os círculos
representando hispânicos/latino-americanos e afro-americanos estão menos proximamente agrupados porque a proporção de ancestralidade entre
os indivíduos é mais variada do que entre americanos asiáticos e americanos com ascendência europeia. Um gráfico de barras indica as proporções
de ancestralidade estimadas para cada um dos indivíduos marcados de 1-5.

Em muitos casos, contudo, a raça não é um bom preditor de ancestralidade. Por exemplo, populações de regiões geográficas adjacentes
geralmente compartilham ancestrais comuns mais recentes e, portanto, suas frequências alélicas podem ser muito semelhantes. Consequentemente,
amostras populacionais coletadas em intervalos regulares ao longo de algumas regiões intercontinentais (p. ex., Oriente Médio ou Ásia Central)
são difíceis de alocar em grupos genéticos que sejam concordantes com noções comuns de raça. A correspondência com a geografia também é
menos aparente para populações que foram influenciadas por misturas históricas recentes de várias populações ancestrais (p. ex., latino-
americanas e sul-asiáticas).
Nos Estados Unidos, a raça é apenas um preditor grosseiro da ancestralidade genética de uma pessoa. Por exemplo, a porção média de
ancestralidade africana entre autoidentificados como afro-americanos é de cerca de 80%, mas varia entre 100% e 20% ou até menos em alguns
indivíduos. A composição genética de autoidentificados como americanos com ascendência europeia também varia, com a estimativa de que cerca
de 30% dos americanos com ascendência europeia tenham menos de 90% dessa ancestralidade. De modo semelhante, hispânicos de diferentes
regiões dos Estados Unidos têm ancestralidades altamente variáveis (p. ex., maior ancestralidade africana em hispânicos que vivem no sudeste e
maior ancestralidade indígena americana nos do sudoeste). Consequentemente, o fato de pertencer a um grupo não significa que todos os membros
do grupo necessariamente tenham ancestralidades genéticas semelhantes.
Embora esteja claro que a informação genética explícita, em vez de raça, pode ser usada para fazer inferências mais precisas da ancestralidade,
ainda não se sabe até onde a informação de ancestralidade pessoal pode fazer predições úteis acerca do risco de uma pessoa para doenças comuns.
As consequências do uso da informação detalhada de ancestralidade em um contexto clínico são também desconhecidas. É possível que a
informação de ancestralidade individual possa ter efeitos adversos na percepção de uma pessoa quanto ao seu risco e à sua identidade cultural. De
modo semelhante, tal informação poderia reforçar estereótipos injustos acerca de populações específicas. Mais pesquisas são necessárias para
examinar os potenciais benefícios e riscos do uso de informações sobre ancestralidade na prática clínica.

A relação entre ancestralidade e conceitos tradicionais de raça é complexa. A informação genética, em vez de raça, é um
preditor melhor da ancestralidade.

O FUTURO DA MEDICINA PREDITIVA


As variantes genéticas que aumentam o risco de doenças comuns ou interferem na resposta a tratamentos agora estão sendo encontradas com
maior velocidade e eficiência (Capítulo 12), mas apenas uma pequena fração da base genética destes riscos ou respostas está bem definida. Além
disso, as interações entre múltiplos produtos gênicos predisponentes à doença e suas interações com fatores não genéticos, permanecem quase
totalmente desconhecidas. Assim, a promessa da medicina preditiva, na qual um perfil genético detalhado pode fornecer informação de risco
clinicamente útil para doenças comuns, como diabetes, câncer ou doença cardíaca, ainda é um sonho. É esperado que, com o crescente
conhecimento de alelos de predisposição a doenças, o teste genético comece a contribuir mais substancialmente para o diagnóstico e tratamento
das doenças comuns. Também se deve ter em mente que os fatores não genéticos, como dieta e exercícios, são parte do perfil de risco de cada
indivíduo. Tais fatores podem e devem ser avaliados e modificados para maximizar o potencial individual para uma vida saudável.

QUESTÕES DE ESTUDO
1. Explique como a informação genética pode ser usada para melhorar a prática da medicina preventiva comparada com o modelo convencional de
atendimento médico. Dê pelo menos um exemplo.
2. Indivíduos diferentes com o mesmo tipo de câncer frequentemente respondem de maneira diferente à terapia. Forneça pelo menos duas
explicações possíveis para essa observação.
3. Defina raça e ancestralidade; explique as diferenças entre elas.
4. Considere como a informação genética explícita sobre sua ancestralidade poderia mudar sua percepção de sua identidade biológica e cultural.
5. Dê um exemplo de um polimorfismo que afeta o metabolismo e/ou a resposta a um fármaco.
6. Explique alguns dos possíveis obstáculos ao uso da informação genética na prática da medicina personalizada.
7. Faça a distinção entre medicina genética e medicina genômica.
8. Dê exemplos de como a disponibilidade de dados de genomas completos de indivíduos poderia mudar os caminhos da prática médica atual.

LEITURAS SUGERIDAS
Bamshad MJ. Genetic influences on health: Does race matter? JAMA 2006;294:937–46.
Harper AR, Topol EJ. Pharmacogenomics in clinical practice and drug development. Nat Biotechnol. 2012;30:1117-1124.
McDermott U, Downing JR, Stratton MR. Genomics and the continuum of cancer care. N Engl J Med. 2011;364:340-350.
Pirmohamed M. Personalized pharmacogenomics: predicting efficacy and adverse drug reactions. Annu Rev Genomics Hum Genet. 2014;15:1- 22 .
Rotimi CN, Jorde LB. Ancestry and disease in the age of genomic medicine. N Engl J Med. 2010;363:1551-1558.
Royal CD, Novembre J, Fullerton SM, et al. Inferring genetic ancestry: opportunities, challenges and implications. Am J Hum Genet. 2010;86 : 661-673.
Topol EJ. Individualized medicine from prewomb to tomb. Cell. 2014; 157:241-253.
Weitzel JN, Blazer KR, MacDonald DJ, Culver JO, Offit K. Genetics, genomics and cancer risk assessment: state of the art and future directions in the era of personalized
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Fontes na Internet
National Institutes of Health–sponsored pharmacogenetics research network http://www.nigms.nih.gov/Initiatives/PGRN
National Cancer Institute–sponsored tutorial on cancer genomics http://www.cancer.gov/cancertopics/understandingcancer/cancergenomics
C A P Í T U L O 15

Genética Clínica e Aconselhamento Genético

Nas duas últimas décadas, a genética médica emergiu claramente como uma especialidade reconhecida da medicina. Nos anos 1960, os campos da
genética bioquímica, citogenética clínica e dismorfologia (o estudo do desenvolvimento físico anormal) surgiram como disciplinas, especialmente
dentro da pediatria. Os anos 1970 testemunharam o estabelecimento das técnicas necessárias para o diagnóstico pré-natal dos distúrbios genéticos.
No final da década de 1970 ocorreram as discussões para a formação do American Board of Medical Genetics e em 1981, foi realizado o primeiro
exame de certificação. O American Board of Genetic Counseling foi criado no início dos anos 1990 e a partir de sua criação vários tipos de
geneticistas, incluindo aconselhadores genéticos, geneticistas clínicos e geneticistas humanos básicos podem ser certificados como especialistas
nessa disciplina. Em 1991, o American Board of Medical Specialities reconheceu esse novo campo, e a genética médica se tornou parte integrante
da medicina.
A genética médica envolve o estudo genético das doenças humanas, ao passo que a genética clínica lida com os cuidados clínicos diretos das
pessoas com doenças genéticas. O diagnóstico, o aconselhamento e os aspectos relacionados ao manuseio das doenças genéticas são os focos
principais da genética clínica.
Neste capítulo, resumiremos os princípios da genética clínica e o processo do aconselhamento genético. Além disso, oferecemos uma visão
geral do campo da dismorfologia, porque o crescimento dessa área influenciou e ocorreu juntamente com a emergência da genética clínica.

OS PRINCÍPIOS E A PRÁTICA DA GENÉTICA CLÍNICA


Como mencionado no Capítulo 1, as condições genéticas, como um grupo, são comuns e são uma causa significativa de mortalidade e morbidade
humanas. De maneira geral, doenças genéticas são condições sistêmicas complexas, que afetam múltiplos órgãos, e os cuidados das pessoas com
essas doenças podem também envolver múltiplas especialidades médicas. Assim, doenças genéticas estão entre os diagnósticos diferenciais da
maioria dos sinais e sintomas clínicos. Por exemplo, quando se avalia uma criança com doença cutânea bolhosa, a capacidade de distinguir entre
uma das múltiplas formas de epidermólise bolhosa (uma doença hereditária dos queratinócitos, na qual se desenvolvem bolhas cutâneas mesmo
após trauma leve) e as infecções cutâneas estafilocócicas deve fazer parte do repertório clínico.
Dada à complexidade e o número de doenças genéticas humanas, seu diagnóstico clínico e tratamento podem parecer assustadores. Para ajudar
a lidar com essa informação, fornecemos uma visão geral de conceitos fundamentais, incluindo a importância do diagnóstico preciso, a aplicação
dos princípios da genética médica na prática médica e o papel do aconselhamento genético nos cuidados às pessoas envolvidas com doenças
genéticas.

Diagnóstico Preciso
O significado do princípio médico básico do diagnóstico preciso deve ser enfatizado. O processo do aconselhamento genético, um dos principais
serviços da genética médica, começa com o diagnóstico correto. Todas as discussões envolvendo história natural, prognóstico, tratamento,
determinação de riscos, opções de diagnóstico pré-natal e encaminhamento para grupos de orientação genética (também denominados associações
de defesa e apoio a pacientes/famílias com problemas genéticos) dependem do diagnóstico correto da condição do paciente. Por exemplo, o
aconselhamento genético para uma família que tem um filho com deficiência intelectual geralmente envolve questões sobre o risco dessa condição
para a futura prole. Uma resposta precisa exige que o clínico identifique uma condição de etiologia conhecida. Caso um diagnóstico específico
seja concluído (p. ex., síndrome do cromossomo X frágil), então, o resto do processo do aconselhamento genético se inicia: informações atuais
podem ser compartilhadas e o acompanhamento pode ser iniciado (Comentário Clínico 15-1).

Na genética clínica, como em toda a medicina, o diagnóstico correto é o primeiro passo e o mais importante nos
cuidados com o paciente.

O processo de diagnosticar uma doença genética é uma sequência complexa de eventos. Depende de uma decisão diagnóstica, baseada no
reconhecimento de sinais fenotípicos importantes, na aplicação dos princípios da dismorfologia e da genética médica e no diagnóstico laboratorial.
Para as doenças cujos critérios diagnósticos estão bem estabelecidos, o profissional dispõe de diretrizes diagnósticas. Um exemplo desses critérios
são aqueles recomendados pela National Institutes of Health Consensus Development Conference para o diagnóstico da neurofibromatose tipo 1
(NF1; Capítulo 4). Para condições que são definidas por um marcador laboratorial específico, como um cariótipo anormal ou um teste bioquímico,
o processo diagnóstico geralmente é fácil. Para muitas doenças genéticas, no entanto, não há critérios bem estabelecidos, a definição e o
delineamento não estão claros e o processo diagnóstico é desafiador.
As síndromes dismórficas exigem conhecimento e capacidade para reconhecer malformações leves, defeitos menores e variações fenotípicas. O
diagnóstico de outras doenças genéticas, como síndromes relacionadas a câncer e erros inatos

COMENTÁRIO CLÍNICO 15-1


Razões para Fazer um Diagnóstico de uma Síndrome
Há uma lista enorme de síndromes associadas a malformações congênitas que pode ser assustadora para o clínico. Mais de 400 dessas
condições constam no Recognizable Patterns of Human Malformations de Smith, e mais de 1.000 estão acessíveis no banco de dados POSSUM ou
no Dysmorphology de Londres (ver Fontes na Internet no final deste capítulo). Este número sugere que o diagnóstico de uma síndrome
malformativa faz parte do contexto da rotina acadêmica. Entretanto, este não é o caso.
Considere, por exemplo, uma criança grande para a idade gestacional e que apresenta várias anormalidades físicas: onfalocele (protusão de
órgãos abdominais na altura do cordão umbilical), língua grande, hemangioma facial, massa no flanco e comprimento assimétrico dos membros.
A família faz perguntas como “O que ela tem?”, “O que vai acontecer com ela?”, “Ele vai parecer diferente?”, “Ela vai ter deficiência intelectual?”,
“Qual é a chance dessa situação ocorrer novamente em outra criança de nossa família?”

FIGURA 15-1 Uma criança com síndrome de Beckwith-Wiedermann. Note os olhos proeminentes e a língua grande e protrusa.

Combinando as características e fazendo o reconhecimento do padrão diagnóstico da síndrome de Beckwith-Wiedemann, o clínico é capaz de
responder a todas as perguntas dos pais com precisão. A maioria dos casos da síndrome de Beckwith-Wiedemann ocorre esporadicamente,
porém alguns são herdados. Além disso, os genes que podem causar a doença exibem efeitos de imprinting (Capítulo 5). Caso a criança tenha a
alteração típica da metilação que causa a maioria dos casos, o risco de recorrência em irmãos é baixo e provavelmente inferior a 1%. Se os
resultados da análise da metilação forem normais, o risco de recorrência é mais alto e a análise de mutação ou ligação pode fornecer uma
estimativa de risco mais precisa. Nas gestações futuras, o diagnóstico pré-natal utilizando o ultrassom pode identificar uma onfalocele no
segundo trimestre, tamanho aumentado para a idade gestacional, líquido amniótico em excesso (polidrâmnio) e língua grande. Se o feto
apresentar a síndrome de Beckwith-Wiedemann, o plano do parto deve ser modificado e o bebê deve nascer em um centro de cuidados
terciários.
As crianças com a síndrome de Beckwith-Wiedemann geralmente não apresentam deficiência intelectual. Embora a língua muito grande possa
causar problemas ortodônticos, dificuldades na fala, e, ocasionalmente, problemas nas vias aéreas superiores, essas condições geralmente
melhoram com o crescimento da criança. A aparência facial não fica alterada nas crianças mais velhas.
A análise cromossômica deve ser considerada, embora a maioria dos pacientes com Beckwith-Wiedemann não apresente anormalidades no
cromossomo 11, que foi relatada em um pequeno número de casos. Assim, o plano principal de tratamento inclui a ultrassonografia abdominal
regular para investigação de neoplasias malignas, especialmente tumor de Wilms e hepatoblastoma. As crianças com síndrome de Beckwith-
Wiedemann apresentam um risco de 5% a 10% de desenvolver esses tumores, e ambos são tratáveis quando detectados precocemente.
Neste exemplo foi importante o diagnóstico da síndrome de Beckwith-Wiedemann. A identificação correta levou à informação precisa para o
aconselhamento genético, predição da história natural (incluindo a tranquilização), a organização dos estudos laboratoriais apropriados, um
plano de supervisão de saúde e o encaminhamento para grupos de apoio. O diagnóstico foi útil para os pais, para o médico, para a família e para
a criança.

do metabolismo, pode exigir o conhecimento de uma série de áreas. Por exemplo, o diagnóstico de qualquer uma das formas de retinite
pigmentosa (Capítulo 8) exige a participação de um oftalmologista que esteja familiarizado com esse grupo de condições de degeneração da retina.
O processo do diagnóstico é ainda mais complicado pela expressividade variável, penetrância incompleta e heterogeneidade de muitas doenças
genéticas. Estes conceitos estão discutidos no Capítulo 4.

Aplicação dos Princípios da Genética Médica


O desenvolvimento de uma abordagem genética para uma doença humana no contexto clínico exige a aplicação de todos os princípios básicos da
genética médica discutidos neste livro. Isto é o que se conhece como “pensar geneticamente”. Por exemplo, fazer um diagnóstico de NF1 ou
excluí-lo exige conhecimento da variabilidade clínica e da idade de início de certas características da doença (Comentário Clínico 15-2). O
reconhecimento das várias formas de neurofibromatose (isto é, heterogeneidade) também é importante no desenvolvimento de um plano de
manuseio.
O conhecimento de outros princípios formais da genética médica é também necessário na atenção às pessoas com doenças genéticas. A
quantidade de dados da história familial e a interpretação das informações do heredograma são importantes para responder às dúvidas da família
quanto ao risco de recorrência. A compreensão dos vários padrões de

COMENTÁRIO CLÍNICO 15-2


A História Familial Negativa
Uma das abordagens comuns nas discussões de casos é o fato da história familial do indivíduo ser negativa ou “não trazer contribuições”.
Geralmente acredita-se que isto exclui uma doença genética. Entretanto, a maioria das pessoas que tem uma doença genética não tem história
familial positiva da doença. Uma rápida revisão dos mecanismos mendelianos, cromossômicos e multifatoriais das doenças hereditárias mostra
que a ausência de outras pessoas afetadas na família é comum e não significa, de maneira alguma, a exclusão de uma doença genética. Por
exemplo, o risco de recorrência nos irmãos é de 25% para as doenças com herança autossômica recessiva. Assim, um número significativo de
famílias com múltiplos filhos possui apenas uma criança afetada e sem história familial. Até mesmo doenças autossômicas dominantes bem
estabelecidas apresentam frequentemente uma história familial negativa devido às proporções elevadas de mutações novas (são exemplos a
síndrome de Marfan, a neurofibromatose tipo 1[NF1], e a acondroplasia, cujas frequências de casos que resultam de mutações novas são 30%,
50% e 80%, respectivamente). As síndromes cromossômicas usualmente apresentam um risco baixo de recorrência. Mesmo quando um dos pais
é portador de uma translocação cromossômica equilibrada, o risco de recorrência entre irmãos geralmente é menor que 15%. O risco de
recorrência entre irmãos para as doenças multifatoriais é de 5% ou menos na maioria das vezes.

Caso
Uma família se apresenta com um menino que aos seis anos de idade tem manchas café com leite com diâmetros maiores que 0,5 cm,
amplamente distribuídas pelo tronco e membros, e um glioma óptico detectado por IRM cerebral (Fig. 15-2). A família tem perguntas sobre o
diagnóstico e sobre o risco de recorrência em futuras gestações. No contato telefônico inicial constata-se que não há história de outro membro
da família com características similares.
Há várias explicações possíveis para esse achado. Examinando as implicações de uma história familiar negativa:
• Mutação nova no gene NF1. Em função do percentual relativamente alto de mutações novas para essa doença, esta é a explicação mais provável.
• Expressividade variável. É também possível que um dos pais seja portador do gene, porém tenha uma expressividade leve do fenótipo.
Ocasionalmente, um dos pais apresenta múltiplas manchas café com leite e alguns neurofibromas não identificados, porém sem um
diagnóstico de NF1. Assim, é importante avaliar os pais quanto a baixa expressividade da NF1.
• Penetrância incompleta. Essa é uma possibilidade; entretanto, é improvável para a NF1, cuja penetrância é de quase 100%. Se uma família tem
duas crianças com NF1 e nenhum dos pais possui o gene, o mosaicismo da linhagem germinativa seria a explicação mais provável.

FIGURA 5-2 Um menino com seis anos de idade e múltiplas manchas café com leite. (De Burger P, Scheithauer B, Vogel FS: Surgical Pathology of
the Nervous System and its Coverings, 4th ed. Philadelphia: Churchill Livingstne; 2002.)

• Diagnóstico incorreto. Uma das suposições e dos princípios da genética médica é o diagnóstico correto. Esse paciente preenche os critérios
estabelecidos pelo National Institutes of Health para NF1 (Capítulo 4). Entretanto, se ele apresenta apenas manchas café com leite, o diagnóstico
não pode ser concluído. É necessário saber os diagnósticos diferenciais dessas manchas café com leite.
• Falsa paternidade. Embora seja relativamente improvável, tal possibilidade deve ser considerada.
Começamos com um indivíduo que apresentava uma doença autossômica dominante clássica sem história familial. Isto pode ser explicado de
várias maneiras. A afirmação de que há “uma história familial negativa” não deve ser considerada uma evidência conclusiva contra a presença de
uma condição hereditária.
herança é necessária em qualquer explicação sobre o risco de recorrência. A discussão dos conceitos de mutação nova e de pleiotropia são comuns
na revisão da causa e da patogênese da doença genética em uma família. Até mesmo o conhecimento sobre meiose é um requisito para as
discussões com a família sobre a etiologia da síndrome de Down de um recém-nascido (Comentário Clínico 15-3).

Aconselhamento Genético: Definição e Princípios


O aconselhamento genético representa um dos focos centrais da genética médica e, com o diagnóstico preciso, constitui um dos fundamentos
dessa área. À primeira vista, o uso do termo “aconselhamento” implica que o processo seja vinculado à área da saúde mental, da assistência social
ou psicoterapia. De fato, o aconselhamento genético está baseado no modelo médico convencional porque ele depende significativamente do
diagnóstico correto e do conhecimento de genética médica. Tradicionalmente, o aconselhamento genético surgiu da genética humana, e não da
ciência comportamental, ao contrário de outras disciplinas de aconselhamento.

COMENTÁRIO CLÍNICO 15-3


Conversando com os Pais de um Recém-nascido com Síndrome de Down
O nascimento de uma criança com síndrome de Down apresenta muitos desafios. Comumente, a criança não está com doença aguda e os
genitores não sabem do diagnóstico antes do nascimento. Assim, os profissionais vão abordar os pais, que lhes são frequentemente estranhos,
com notícias inesperadas e potencialmente desapontadoras. A família pode experimentar uma série de emoções que são, de forma geral,
semelhantes às reações depois de uma perda: raiva, negação, tristeza e então, usualmente, reorganização e adaptação. As famílias enfrentam
essas situações de formas acentuadamente diferentes: com atitudes variáveis diante da crise, das circunstâncias demográficas e
socioeconômicas e, até mesmo, com uma ampla gama de diferenças no significado cultural da incapacidade ou do defeito. Todas estas variáveis,
além do fato que os médicos muitas vezes não estão treinados para transmitir notícias difíceis, podem tornar essa situação desafiadora. Os pais
se lembram com detalhes da maneira com que as notícias foram apresentadas. O profissional tem a oportunidade e o desafio de ajudar a família
a atravessar as dificuldades.
Várias sugestões práticas surgiram de estudos que investigaram as recomendações dos pais que passaram por essa experiência:
• Prepare-se. Prepare o contexto da conversa e pense em como você vai iniciá-la.
• Fale com os dois genitores juntos, sempre que possível. Às vezes, isso é impraticável, porém, quando pode ser feito, é muito importante.
• Comunique o diagnóstico assim que possível. Todos os estudos de entrevistas com os pais mostram que eles preferem que a comunicação do
diagnóstico seja feita no início.
• Escolha um lugar que seja privado e silencioso, onde tanto os pais quanto os profissionais possam sentar confortavelmente. Evite ficar de pé com os
pais sentados. Sempre se apresente a eles. Estruture a entrevista desde o início.
• Humanize a situação o máximo possível. Procure saber o primeiro nome do bebê, se ele já tiver sido escolhido, e sempre saiba o sexo do bebê.
Refira-se à criança pelo nome ou como um filho ou filha, e seja cuidadoso com as palavras. Frases com “retardo mental” têm um grande
impacto e atualmente esse termo não é considerado adequado por pediatras, psicólogos e geneticistas (e tem sido substituído por deficiência
intelectual ou deficiência cognitiva). Termos como “mongolismo” não são apropriados, porque são estigmatizantes, pejorativos e incorretos.
• Desenvolva um sentimento de positivismo realístico. É importante discutir as limitações no desenvolvimento de um paciente com síndrome de
Down, mas também é importante ter uma atitude otimista e positiva quanto a esse desenvolvimento. Esta sugestão vem dos grupos de apoio
e das organizações criadas por pais nas últimas três décadas.
• Responda às perguntas dos pais, porém evite uma sobrecarga de termos técnicos. É importante ser preciso e atualizado nos aspectos biológicos e
médicos da doença em discussão. Quando uma resposta não for conhecida, mencione que a questão pode ser revista ou encaminhe para um
especialista.
• Ouça atentamente. Suponha que todos os sentimentos são naturais e que os pais se sentem culpados e envergonhados. Valorize todos os
sentimentos que surgirem. A maioria dos pais pode enfrentar efetivamente esse desafio e não precisa de suporte psiquiátrico.
• Encaminhe a família precocemente aos recursos apropriados. Isto deve incluir estimulação precoce, associações de apoio aos pais e até mesmo
casais que tenham uma criança com síndrome de Down. Compartilhe o material impresso disponível ou as páginas na internet, mas certifique-
se de que tudo esteja certo e atualizado.
Acima de tudo, esteja ciente do drama familiar nessa situação e faça um esforço para passar algum tempo com eles. Embora seja difícil
apresentar de forma escrita como uma pessoa pode desenvolver atributos como bondade e empatia, é importante para os profissionais
treinarem e aprenderem com seus mentores e usarem seu próprio estilo de comunicação como um reforço. Evidentemente, as recomendações
oferecidas aqui aplicam-se não apenas ao aconselhamento genético, mas também a qualquer situação na qual uma informação difícil tenha que
ser dada aos pais ou às famílias (veja Leituras Sugeridas no final do capítulo).

Em 1975, a American Society of Human Genetics estabeleceu uma definição para aconselhamento genético. Recentemente, outra foi proposta
para modernizar e simplificá-la, porém a definição original resiste ao tempo:

“O aconselhamento genético é um processo de comunicação que lida com problemas humanos associados à ocorrência ou ao risco de
ocorrência de uma doença genética em uma família. Este processo envolve uma tentativa de uma ou mais pessoas apropriadamente treinadas
para ajudar um indivíduo ou a família a: (1) compreender os fatos médicos, incluindo o diagnóstico, a evolução provável da doença e o
tratamento disponível; (2) entender a maneira pela qual a hereditariedade contribui para a doença e o risco de recorrência em parentes
específicos; (3) compreender as alternativas para lidar com o risco de recorrência; (4) tomar decisões apropriadas considerando seus riscos,
os objetivos familiares e seus padrões éticos e religiosos, e agir de acordo com sua decisão e (5) se adaptar da melhor forma possível à
doença do familiar afetado e/ou ao risco de recorrência da doença.”

Esta definição ilustra as tarefas complexas que o profissional enfrenta. A primeira tarefa envolve o estabelecimento do diagnóstico e a
discussão da história natural e o manejo da condição. Neste contexto, os cuidados médicos de um paciente com uma doença genética não difere
daqueles de pacientes com qualquer outro tipo de doença.
A segunda tarefa requer uma compreensão dos princípios básicos da genética médica, especialmente dos princípios de genética humana e da
determinação de risco, discutidas ao longo do texto. Para doenças cromossômicas e multifatoriais, o risco de recorrência é estimado com base em
riscos empíricos. O conhecimento sobre padrões de herança são aplicados para estimar o risco de recorrência das doenças monogênicas.
Entretanto, os aspectos clínicos são frequentemente complicados pela penetrância incompleta, expressividade variável, idade tardia do início da
doença e heterogeneidade alélica ou de locus. Em alguns casos, a incorporação de informações adicionais usando-se uma abordagem de
probabilidade bayesiana pode alterar significativamente as estimativas (Quadro 15-1).
O terceiro e o quarto objetivo do processo do aconselhamento genético envolvem as diferenças primárias entre o modelo genético e a
abordagem biomédica tradicional. Essas tarefas envolvem a discussão de opções reprodutivas e a

QUADRO 15-1 Riscos de Recorrência e o Teorema de Bayes


A estimativa dos riscos de recorrência foi discutida com alguns detalhes nos Capítulo 4 e 5. Um exemplo típico dessa estimativa é um caso no qual
um homem com hemofilia A, uma doença recessiva ligada ao X, tem uma filha (indivíduo II-1 no heredograma adiante). Como o homem só pode
transmitir para sua filha o cromossomo X que leva a mutação para hemofilia A, ela será uma portadora. A filha da portadora, indivíduo III-6, tem
um risco de 50% de receber o cromossomo X que leva a mutação e de também ser uma portadora. Ainda que a filha na geração III tenha cinco
irmãos normais, o risco permanece de 50% porque nós sabemos que a mãe na geração II é uma portadora.

Suponha agora que a mulher na geração III tenha três filhos (geração IV), nenhum deles com a hemofilia A. Intuitivamente, suspeitamos que
ela não seja, de fato, uma portadora. Como podemos incorporar essa nova informação na nossa estimativa do risco de recorrência?

Um princípio estatístico que nos permite usar essa informação é o chamado teorema de Bayes (a aplicação do teorema de Bayes é
frequentemente chamada de análise bayesiana ou inferência bayesiana). A tabela a seguir resume os passos básicos envolvidos na análise
bayesiana. Nós começamos com a probabilidade a priori (anterior) de que a mulher na geração III seja uma portadora. Como o nome sugere, a
probabilidade prévia refere-se à probabilidade de que ela seja uma portadora antes de levarmos em conta o fato de que ela gerou três filhos
normais. Como sabemos que sua mãe é uma portadora, a probabilidade a priori de essa mulher também ser é ½. Assim, a probabilidade dela não
ser uma portadora é 1 – ½, ou ½.

ELA É PORTADORA ELA NÃO É PORTADORA


Probabilidade a priori ½ ½
Probabilidade condicional 1/8 1
Probabilidade conjunta 1/16 ½
Probabilidade a posteriori 1/9 8/9

Em seguida, consideramos os três filhos normais da mulher com a possibilidade de que os três sejam normais mesmo ela sendo uma
portadora. Como essa probabilidade está condicionada ao seu estado de portadora, ela é denominada probabilidade condicional. Se ela
realmente for uma portadora, a probabilidade condicional de seus três filhos serem normais seria (1/2)3, ou 1/8. Nós também estimamos a
probabilidade de todos os seus filhos serem normais caso ela não seja uma portadora. Essa probabilidade condicional é, obviamente, muito
próxima de 1.

Em seguida, nós queremos encontrar a probabilidade da mulher ser uma portadora e que seja uma portadora com três filhos normais. Para
obtermos a probabilidade da coocorrência desses dois eventos, nós multiplicamos a probabilidade à priori pela probabilidade condicional para
chegarmos à probabilidade conjunta (isto é, a probabilidade de ambos os eventos ocorrerem em conjunto, um conceito discutido no Capítulo 4).
A probabilidade conjunta de ela ser uma portadora é então ½ × 1/8 = 1/16. Similarmente, a probabilidade conjunta de ela não ser uma portadora
é ½ × 1 = ½. Essas probabilidades conjuntas indicam que é oito vezes mais provável que a mulher não seja uma portadora do que que ela seja.

O passo final é padronizar as probabilidades conjuntas, de forma que as duas probabilidades que estão sendo consideradas (isto é, ser uma
portadora versus não ser uma portadora) somem 1. Para isso, simplesmente dividimos a probabilidade conjunta da mulher ser uma portadora
(1/16) pela soma das duas probabilidades conjuntas (1/16 + ½). Isto resulta em uma probabilidade a posteriori (posterior) de 1/9 de ela ser uma
portadora e de 8/9 dela não ser uma portadora. Observe que esse processo de padronização nos permite calcular um risco estimado (1/9 ou
11%), enquanto se preservam as chances do estado de não portador versus portador, indicadas pelas probabilidades conjuntas.

Tendo trabalhado com a análise bayesiana, nós vemos que nossa intuição foi confirmada: o fato da mulher em questão ter gerado três filhos
normais reduziu substancialmente seu risco de ser uma portadora, de uma estimativa inicial de 50% para uma probabilidade de apenas 11%.

Outra aplicação comum da análise bayesiana é ilustrada na parte A do próximo heredograma. O homem da geração II apresenta distrofia
muscular de Duchenne (DMD), uma doença letal, recessiva ligada ao X (Capítulo 5). Ou sua mãe não afetada é uma portadora da mutação, ou
ocorreu uma mutação nova no cromossomo X que foi transmitido por sua mãe. É importante determinar se a mãe é ou não uma portadora,
porque tal fato influenciará nos riscos de recorrência de DMD de seus futuros filhos. Se a mãe tiver apenas uma criança afetada, a probabilidade
dela ser uma portadora pode ser avaliada diretamente, porque um terço dos casos de distúrbios letais recessivos ligados ao X surge como
resultado de mutações novas. (Para compreender esse fato, considere que como as mulheres têm dois cromossomos X e os homens têm apenas
um, 2/3 das mutações que causam doença ligada ao X em uma população devem ser encontradas nas mulheres. Em uma doença letal recessiva
ligada ao X, todos os cromossomos X masculinos são eliminados da população em cada geração. Ainda assim, a frequência das mutações
permanece a mesma, geração após geração. Isto porque mutações novas causadoras da doença surgem com a mesma frequência da perda dos
cromossomos X contendo as mutações. Como um terço dos cromossomos X levando a mutação são perdidos em cada geração, segue-se que um
terço das mutações na população deve ocorrer como resultado de uma mutação nova.) Se a probabilidade do filho acometido ter recebido uma
mutação nova fosse 1/3, então a probabilidade da mãe ser uma portadora, – a possibilidade alternativa, – deveria ser 1 – 1/3, ou 2/3.

Na tabela a seguir, nós usamos a análise bayesiana para avaliar a probabilidade de a mãe ser uma portadora. Como no exemplo anterior,
derivamos uma probabilidade anterior de ela ser uma portadora, presumindo o não conhecimento de que ela teve um filho afetado. Essa
probabilidade é dada por 4 µ, onde µ é a taxa de mutação do locus DMD (isto é, a probabilidade, por geração, da mutação que causa a doença se
originar neste locus, em um indivíduo). A origem da probabilidade, 4 µ, não será discutida neste texto, porém pode ser encontrada em outra fonte
(ver Leituras Sugeridas, Hodge, 1998). Como a probabilidade a priori de a mãe ser uma portadora é 4 µ, a probabilidade a priori de ela não ser
portadora é 1 – 4 µ, o que é aproximadamente igual a 1 porque µ é muito pequeno.

A probabilidade condicional de a mulher transmitir a mutação admitindo que ela seja uma portadora é ½ (há também uma probabilidade muito
pequena de ela transmitir seu alelo normal, que é então mutado, porém, isto pode ser ignorado). A probabilidade condicional dela transmitir uma
mutação admitindo que não seja portadora (isto é, a probabilidade de uma mutação nova surgir no seu gameta) é µ. Nós então multiplicamos a
probabilidade anterior de ser uma portadora, 4 µ, pela probabilidade condicional correspondente, ½, para obter a probabilidade conjunta de 2 µ.
O mesmo procedimento resulta na probabilidade conjunta de µ dela não ser uma portadora. Finalmente, padronizamos as probabilidades
conjuntas para obter as probabilidades posteriores. A probabilidade a posteriori de ela ser uma portadora é: 2 µ ÷ (2 µ + µ) = 2/3, e a
probabilidade a posteriori dela não ser é µ ÷ (2 µ + µ) = 1/3. Como esperado, essas probabilidades correspondem àquelas obtidas pela observação
direta simples.

Ela é portadora Ela não é portadora


Probabilidade a priori 4µ 1–4µ ≈1
Probabilidade condicional ½ µ
Probabilidade conjunta 2µ µ
Probabilidade a posteriori 2/3 1/3

Suponha, entretanto, que a mulher tenha tido um filho afetado e um filho não afetado (ver B na figura a seguir). Isso representa uma
informação adicional, que intuitivamente aumenta a possibilidade de que ela não seja uma portadora (isto é, que a criança acometida seja o
resultado de uma mutação nova). Na tabela a seguir, incorporamos essa nova informação. As probabilidades a priori permanecem as mesmas de
antes (isto é, nós presumimos falta de conhecimento de qualquer uma das crianças). Porém, a probabilidade condicional de transmissão,
admitindo que ela é uma portadora, muda para contabilizar o fato de que agora ela tem duas crianças: ½ × ½ = ¼ (isto é, a probabilidade dela não
transmitir a mutação para uma das crianças, multiplicada pela probabilidade dela ter transmitido a mutação para a outra criança). A
probabilidade condicional dela ter transmitido uma mutação nova para a criança acometida é µ, e a probabilidade de ela não ter transmitido a
mutação para a criança não acometida é 1 – µ. Assim, a probabilidade de ambos os eventos, admitindo que ela não seja uma portadora, é µ × (1 –
µ)≈ µ. Portanto, as probabilidades conjunta e a posteriori são obtidas como antes, e nós vemos que a probabilidade da mulher ser uma
portadora está agora reduzida de 2/3 para ½. Novamente, isto confirma (e quantifica) nossas expectativas.

Ela é uma portadora Ela não é uma portadora


Probabilidade a prioria 4µ 1 –4 µ ≈1
Probabilidade condicional 1/4 µ × (1 – µ) ≈µ
Probabilidade conjunta µ µ
Probabilidade a posteriori ½ 1/2

Antes do advento do diagnóstico da doença por meio de marcadores de ligação ou da detecção da mutação, a análise bayesiana era
frequentemente a única maneira de fornecer uma estimativa do risco em situações como essas. Atualmente, é claro, deve-se tentar identificar
diretamente a mutação no gene do fator VIII e no DMD que causam, respectivamente a hemofilia A e a DMD nessas famílias ou, caso não seja
possível investigar os marcadores de ligação. Esta é uma abordagem muito mais direta e precisa na determinação do estado de portador.
Entretanto, como discutido no Capítulo 13, nem sempre é possível identificar a mutação responsável, particularmente quando um grande número
de mutações pode causar a doença (como é o caso da hemofilia A, da DMD e da fibrose cística). A inferência bayesiana pode ser usada nesses
casos para incorporar a sensibilidade do teste genético (p. ex., se uma análise padrão de mutação do gene CFTR revela 85% das mutações
[Capítulo 13], há uma probabilidade de 15% da pessoa em questão ter a mutação ainda que o teste não a detecte). Além disso, a análise de
ligação nem sempre é informativa. Assim, algumas vezes a análise bayesiana, pode ser uma ferramenta útil para refinar as estimativas de risco.

A informação adicional incorporada na análise bayesiana não está confinada à avaliação do estado de saúde dos familiares, como se
demonstrou com esses exemplos. Outro tipo de informação é o teste bioquímico, como o nível de atividade do fator VIII, que poderia ajudar a
indicar o estado de portador. Como usualmente há uma superposição entre os portadores e os homozigotos normais nesses testes, o teste pode
não determinar com certeza o estado de portador, porém ele oferece uma estimativa de probabilidade para incorporação na análise bayesiana.
Nas doenças com idade de início tardio, como a doença renal policística do adulto, a probabilidade de ser acometido em certa idade pode ser
usada na análise bayesiana. Aqui se considera o fato de que uma pessoa em risco terá cada vez menos probabilidade de ter o gene da doença se
ela se mantiver saudável além de certa idade.
facilitação para a tomada de decisões. Está implícita no quarto item da definição a noção de respeito à autonomia da família e às suas próprias
percepções do risco e da doença. Essa abordagem foi chamada de não diretividade: o aconselhador não interfere nas decisões sobre o futuro
reprodutivo da família. Isto difere de alguma forma da abordagem médica mais tradicional, na qual são frequentemente feitas recomendações para
tratamento ou intervenção de maneira mais direta. Este é um assunto importante, porque a abordagem não diretiva às vezes pode conflitar com a
visão ampla da medicina preventiva, que pode sugerir que o objetivo principal do aconselhamento genético seja a redução da incidência das
doenças genéticas, e não é.
Historicamente, o princípio da não diretividade se desenvolveu no âmbito do aconselhamento genético reprodutivo e no contexto de decisões
envolvidas no diagnóstico pré-natal. Se a prevenção ou a redução da doença for o objetivo principal, a abordagem será logicamente mais direta.
No entanto, o principal objetivo do aconselhamento genético é ajudar uma família a compreender e a lidar com a doença genética, e não reduzir a
incidência da doença genética.
Embora a maioria dos geneticistas concorde com os princípios da autonomia e da não diretividade, pode ser um desafio para o profissional ser
completamente não diretivo, simplesmente até por causa das limitações impostas pelas restrições de tempo de uma sessão. Além disso, é
desafiador para o profissional evitar que suas próprias ideias interfiram no processo. Por exemplo, uma explicação sobre o tratamento nutricional
de uma criança com uma doença detectada na avaliação neonatal (Capítulo 13) irá requerer uma abordagem mais direta do que a discussão dos
riscos da doença nas futuras gestações. A não diretividade pode ser um desafio quando as consequências da doença são graves, como o
aconselhamento do risco alto de câncer (ver adiante a discussão da nova proposta de definição). Além disso, a informação pode ser dada de formas
completamente diferentes em diferentes contextos. A informação sobre a síndrome de Down, por exemplo, pode ser comunicada de forma
diferente dependendo se o diagnóstico é feito no período pré-natal ou depois do nascimento de um recém-nascido afetado (Comentário Clínico 15-
3); (embora seja fundamental apresentar essa informação de maneira ponderada em qualquer situação).
Em 2006, alguns expoentes da área do aconselhamento genético e a National Society of Genetic Counselors chegaram a um consenso quanto a
uma definição mais atualizada de aconselhamento genético:

“O aconselhamento genético é o processo de ajudar pessoas a compreender e se adaptar às implicações médicas, psicológicas e familiares
das contribuições genéticas para uma doença. O processo envolve: (1) interpretação da história familial e médica para avaliar o risco de
ocorrência ou de recorrência da doença; (2) educação informativa sobre herança, exames, tratamento, prevenção, suportes e pesquisa; e (3)
aconselhamento para promoção de escolhas conscientes e adaptação ao risco da doença.”

A definição revisada enfatiza as funções duplas e integradas da educação e do aconselhamento.

A maioria dos geneticistas concorda com o princípio da não diretividade no aconselhamento reprodutivo: informações
sobre riscos, história natural, tratamento e resultado são apresentados de forma equilibrada e neutra, e as decisões a
respeito da reprodução ficam sob a responsabilidade da família.

A facilitação da discussão sobre tomada de decisão reprodutiva é uma tarefa central do aconselhamento genético. Vários fatores estão
envolvidos em uma decisão familiar sobre futuras gestações quando o risco é elevado. Os óbvios são o valor do risco e as consequências ou o
impacto da doença. No entanto, esses não são os únicos fatores significativos. A percepção individual de cada família ao impacto da doença é,
provavelmente, mais importante na tomada de decisão do que a percepção do profissional. O significado das crianças para cada família, de acordo
com suas próprias referências culturais, religiosas ou pessoais, tem um peso importante no processo da tomada de decisões reprodutivas. Além
disso, a família frequentemente teme lidar com a recorrência da doença em outra criança. A abordagem desses aspectos com a família
frequentemente ajuda a estimular que tome suas próprias discussões. Algumas famílias percebem o risco de recorrência mais qualitativamente do
que quantitativamente: elas se julgam “em risco” ou não, considerando a estimativa real do risco uma questão secundária. O fato de que há muita
variação na importância que as pessoas dão a cada um desses fatores (percepção do risco, percepção do impacto, significado das crianças e
possibilidade de recorrência) reforça o fato de que o profissional deve ser um facilitador e não um tomador de decisões. A percepção dos pontos de
vista e dos valores da família é fundamental para que o profissional execute esta tarefa complexa.
A função principal do aconselhamento genético é ajudar a família a lidar com a presença da doença, com seu risco de recorrência, ou com
ambos. Essa tarefa é similar ao apoio do clínico para uma família que lida com qualquer doença ou incapacidade crônica. O que é peculiar talvez
seja a percepção de cada família quanto ao significado de uma doença genética (Quadros 15-2 e 15-3). Em muitas doenças adquiridas, como
infecções ou acidentes, as consequências em geral da condição podem ser exteriorizadas. Nas doenças genéticas, a situação é mais intrínseca ao
indivíduo e à família e, portanto, frequentemente representa um dilema pessoal complexo. A valorização da situação das famílias é vital e
provavelmente mais efetiva do que as tentativas simplistas de afastar o sentimento de culpa. Os sentimentos de culpa e de vergonha são naturais
nesse contexto e também precisam ser reconhecidos.
O profissional de atenção primária à saúde desempenha um papel vital no suporte às famílias nas quais um membro apresenta uma doença
genética. Estratégias adicionais de apoio incluem o encaminhamento da família a associações de defesa e apoio a pacientes/famílias com
problemas genéticos, provimento de informações atualizadas sobre a doença, impressas ou pela internet, encaminhamento a profissionais da saúde
mental para continuidade do aconselhamento e, frequentemente, sessões de acompanhamento que incluam tempo para as discussões dos
sentimentos e das dúvidas.

QUADRO 15-2 Nascimento de uma Criança com Trissomia do 18


Nossa filha Juliett chegou em uma bonita tarde de verão em 1984. No final da minha gravidez, um ultrassom mostrou o coração aumentado, o
rim esquerdo dilatado e possíveis malformações no cerebelo. Durante o parto, a frequência cardíaca de nossa filha desacelerou
significativamente e nos foi oferecida a opção de uma cesariana de emergência. Sem hesitação, nós optamos pela cesariana. Um campo cirúrgico
foi colocado de forma que eu não pudesse ver, e eu só soube que o bebê havia nascido quando o pediatra correu para fora da sala com alguma
coisa em seus braços. Meu marido foi atrás logo em seguida, e então eu esperei pelo que pareceu ser uma eternidade.

Juliett pesava 1.986 g e media 45,72 cm. Eu me formei em enfermagem um pouco antes da concepção de Juliett e trabalhava em uma UTI
pediátrica. Eu tinha experiência suficiente para entender alguns de seus problemas óbvios, porém muitos deles me escapavam. Ela era
evidentemente muito magra e sua caixa torácica parecia muito curta e proeminente. Porém, comparada com as imagens mentais que eu formara
depois do ultrassom, eu fiquei aliviada por ver como ela era bonita. Sua característica mais marcante era seus incríveis olhos azuis, que estavam
bem abertos e alertas. Seu nariz e sua boca eram lindamente formados e muito pequenos. Enquanto meu marido e eu sentamos para admirá-la,
um neonatologista entrou na sala. Ele apontou várias características; a única de que me lembro claramente era o punho fechado com o dedo
indicador sobre o dedo médio. Ele concluiu que ela provavelmente apresentava uma trissomia do cromossomo 18. Das coisas desagradáveis que
ele falou, a única que me lembro é de que ela seria um vegetal e que, provavelmente, morreria nos próximos dias. Ele saiu e nós ficamos lá
sentados, entorpecidos. Nesse estado de dor e turbilhão eu tentei compreender como o punho fechado dela poderia levar à morte, e como seus
olhos brilhantes e alertas poderiam pertencer a um vegetal.

Nos dias que se seguiram, eu frequentemente desfazia seu punho cerrado e colocava os dedos em linha reta, desejando que os exames de
sangue não confirmassem as suspeitas do médico. Nossa ligação com Juliett foi instantânea e nosso grande desejo era de sermos capazes de
levá-la para casa antes que ela morresse. Quando ela começou a tolerar o alimento e foi retirada do oxigênio, nossos pedidos de levá-la para casa
foram atendidos.

Nós saímos sem um plano de tratamento. Cada vez que ela dormia, nós rezávamos para que ela despertasse e que pudéssemos lhe alimentar
novamente. Com três meses de idade, ela começou a rir para nós, e nossas esperanças cresceram. Tivemos a felicidade de vê-la sobreviver apesar
das estatísticas sombrias e aprendemos que não há explicações claras sobre o porquê de algumas crianças nessa situação viverem mais que
outras. O coração de Juliett estava aumentado por causa de um defeito semelhante à tetralogia de Fallot. A escoliose leve ao nascimento
progredira agora para uma curva lombar de 100 graus e uma curva torácica de 90 graus. A despeito de seus muitos desafios físicos, Juliett
continuou em passos mais lentos a aprender e a desenvolver novas habilidades. Sua personalidade é deliciosa e as pessoas com frequência se
surpreendem ao ver como ela é responsiva e interativa.

Frequentemente nos perguntavam se tínhamos medo de ter mais filhos. Talvez nós sejamos loucos, porém sentimos que outra como Juliett
seria bom. Tivemos mais quatro meninas. Para a surpresa de todos, nossa quinta criança, Camille, nasceu com a síndrome de Down. Com Juliett,
o processo de sofrimento foi compensado pela gratidão dela estar viva. Com Camille nós vivenciamos um processo de sofrimento mais leve.

No dia do aniversário de Juliett, um pediatra se aproximou, nos abraçou e nos disse que ele a achava bonita e que a amássemos enquanto ela
estivesse conosco. Ele a transformou em um ser humano com uma vida para ser altamente valorizada. Nos 13 anos que se seguiram, Juliett foi
vista por muitos médicos. A maioria deles, embora não pudesse curar seus problemas, nos deu a coisa mais importante que precisávamos: saber
que a vida de nossa filha era de grande valor e que, se pudessem, fariam tudo para ajudá-la.

O aconselhamento genético inclui muitos temas: diagnóstico e manuseio, determinação do risco de ocorrência ou
recorrência, opções para enfrentar o risco da tomada de decisões reprodutivas e serviços de apoio.

Numerosos estudos realizados nas últimas décadas tentaram avaliar o efeito do aconselhamento genético. A metodologia de tais estudos é
complicada e a avaliação dos resultados depende da interpretação individual do objetivo do aconselhamento genético. No entanto, podem ser
destacados alguns pontos gerais. As famílias tendem a se lembrar do risco de recorrência relativamente bem. Caso uma carta seja enviada a elas
depois da sessão, isso reforçará essa lembrança. As famílias que percebem a situação de seus filhos como séria e impactante recordam melhor do
valor de risco. A maioria dos estudos sugere que o aconselhamento genético é relativamente eficiente em fornecer informações sobre os aspectos
médicos e sobre os riscos genéticos da condição. Porém, a efetividade com relação a questões que envolvem tomada de decisão e apoio
psicossocial necessitam ser ainda investigadas.

Aconselhadores Genéticos e Grupos de Apoio


Desde 1970, à medida que a disciplina de genética médica, incluindo o aconselhamento genético, evoluiu, ficou claro que a realização desse
serviço é uma tarefa complexa e demorada. Os geneticistas tiveram não apenas de adquirir conhecimento sobre vários aspectos da maioria das
especialidades médicas, como também foi necessário adquirir habilidades para facilitar a tomada de decisão e também fornecer suporte
psicológico. Como a necessidade de profissionais geneticistas não médicos ficou evidente aparentemente, vários programas de treinamento em
aconselhamento genético emergiram nos Estados Unidos e no Canadá. Atualmente, existem 34 programas credenciados na América do Norte que
oferecem treinamento em aconselhamento genético no nível de mestrado. Aconselhadores genéticos se tornaram parceiros integrantes dos serviços
de genética médica, juntamente com médicos e outros profissionais. Deste crescimento evoluiu uma sociedade de profissionais, a National Society
of Genetic Counselors, e um órgão de certificação e acreditação, o American Board of Genetic Counseling. Embora a gama de habilidades seja
ampla e os trabalhos realizados variem nos diferentes centros médicos, os aconselhadores genéticos se estabeleceram como especialistas na
determinação dos riscos de recorrência, na tomada de decisões reprodutivas e no apoio psicológico (Quadro 15-4). Na área do diagnóstico pré-
natal e do câncer, os aconselhadores genéticos atuam de forma relativamente independente, como profissionais liberais e geralmente cobram por
seus serviços. Mais recentemente, os aconselhadores genéticos se tornaram profissionais importantes nos grupos de pesquisa e nos serviços de
laboratório genético.

QUADRO 15-3 Criando uma Criança com Síndrome de Bloom


Tommy nasceu de uma cesariana de emergência, porque uma semana antes da data determinada do parto seus movimentos fetais diminuíram
drasticamente. Ao nascer, ele pesava apenas 1.816 g e a primeira vez que eu o vi, ele estava na incubadora conectado a todos os tipos de tubos.
Ele passou seu primeiro mês de vida na unidade neonatal de cuidados intensivos para que seu ganho de peso pudesse ser cuidadosamente
monitorizado. Como era muito pequeno, ele foi alimentado por sonda por muitos meses e, como consequência, não aceitou a mamadeira.
Finalmente, ele superou sua aversão a comer pela boca, mas apenas depois de muito treino. Apesar de tudo, a despeito de nossos cuidados,
Tommy continuou pequeno para sua idade.

No verão seguinte, Tommy desenvolveu marcas avermelhadas nas bochechas e sob os olhos. Nosso pediatra nos encaminhou a um
dermatologista, que suspeitou que as marcas na face de Tommy estivessem relacionadas à deficiência do crescimento. Nós ficamos muito
surpresos. Como aqueles dois achados poderiam estar relacionados? Foi então que fomos informados que Tommy poderia ter uma doença
genética chamada síndrome de Bloom. Nós esperávamos que o médico estivesse errado; porém, logo depois, Tommy foi submetido a um exame
genético que media o número de trocas das cromátides irmãs por célula (Capítulo 2). Esse teste confirmou que Tommy apresentava a síndrome
de Bloom. Embora eu insistisse que o resultado era falso positivo, aprendi a aceitar que nosso filho apresentava uma síndrome muito rara de
predisposição ao câncer.
Nós sofremos muito com as perguntas dos familiares, dos amigos e dos médicos. Como resultado, tornamo-nos muito protetores de nosso
filho e de sua privacidade. Apesar disso, não havia muito que pudéssemos fazer para protegê-lo porque ele era um garoto sociável, que adorava
brincar com a família e com os amigos. Isto também tornou muito difícil a escolha de uma escola básica apropriada. Nós esperávamos que as
crianças implicassem com ele por causa de seu pequeno tamanho. Entretanto, para nossa surpresa, ele desenvolveu amizades com facilidade e se
adaptou bem aos colegas de classe. De fato, os problemas que ele apresentou eram decorrentes em grande parte de seu mau comportamento.
Assim, lutamos para encontrar um equilíbrio entre proteger Tommy e, ao mesmo tempo, não conceder a ele privilégios especiais por causa de
sua pequena estatura.

Em casa tentamos tratar o Tommy como as nossas outras crianças. Um desafio para nós é que por causa do pequeno tamanho de Tommy, as
pessoas erroneamente têm a impressão de que ele é muito mais jovem que sua idade cronológica. Isto é muito frustrante para o Tommy ainda
que, ocasionalmente, nós reforcemos sua imagem por causa de nossa preocupação com sua segurança. Por exemplo, embora Tommy tenha seis
anos de idade, ele pesa apenas 9,53 kg. Assim, ele tem de sentar em uma cadeira infantil quando anda de carro e nós explicamos aos amigos de
Tommy que isto o ajuda a ver as coisas pelas janelas. Outro problema de segurança é que muito dos sensores das portas automáticas dos
supermercados não conseguem detectar sua presença e fecham facilmente em cima dele.

De uma maneira geral, Tommy se adaptou bem. Ele escala ou pula para alcançar as coisas. Para acompanhar seus amigos, ele frequentemente
corre, saltita ou pula, em vez de caminhar. Nós nos preocupamos constantemente com sua segurança, porém não podemos controlar tudo que
acontece com ele. Até o momento, ele está saudável e, embora pareça que estamos em uma montanha-russa emocional, não trocaríamos nossas
experiências por nada.

Grupos de Apoio Genético


Os grupos de apoio genético oferecem assistência fundamental para famílias de indivíduos com doenças genéticas (p. ex., Genetic Alliance, em
Fontes na Internet, ao final deste capítulo). Essas organizações de apoio dão à família um sentimento de companheirismo de uma forma que o
profissional não é capaz de fazer. O sentimento de isolamento, que frequentemente acompanha os envolvidos com as doenças genéticas (e
condições raras em geral), é frequentemente aliviado ao se conhecer alguém na mesma situação. Assim, são formados laços imediatos, que sempre
ajudam no processo de adaptação. Nas últimas décadas se desenvolveram vínculos entre profissionais e pessoas com doenças genéticas. Esses
grupos oferecem não somente o suporte necessário, mas também promovem o estabelecimento de bancos de dados e estudos investigativos. O
encaminhamento a um grupo de apoio genético e a distribuição de informações impressas sobre esses grupos já fazem parte da rotina dos cuidados
e do manuseio de todas as doenças genéticas.
O fornecimento de serviços genéticos, incluindo o aconselhamento genético, envolve a parceria entre médicos,
aconselhadores genéticos e grupos de apoio.

Avaliação e Serviços de Genética Clínica


Com o desenvolvimento da genética médica como uma especialidade médica, os serviços de genética clínica vêm se tornando parte dos sistemas
de saúde. A maioria dos centros médicos universitários na América do Norte inclui uma clínica genética, cujo principal objetivo é oferecer
diagnóstico genético, orientar manuseio e tratamento e realizar o aconselhamento. Nos últimos anos, como consequência desse desenvolvimento,
foram criados serviços genéticos para adultos e clínicas de câncer hereditário.
Como em todas as avaliações médicas, a avaliação de uma pessoa ou família com uma potencial doença genética exige história e exame físico
criteriosos. A história inclui informações sobre antecedentes familiais, gestação, parto (em caso de avaliação de criança) e documentação das
relações familiares (heredograma). O exame físico deve se focar nas variações físicas ou defeitos menores que oferecem indicações para o
diagnóstico. Pode haver necessidade de avaliar outros membros da família quanto à presença ou ausência de uma doença genética. Fotografias e
registro de determinadas medidas físicas são um componente padrão da avaliação genética de um indivíduo suspeito de apresentar uma

QUADRO 15-4 Uma Visão Detalhada do Aconselhamento Genético

O que é um Aconselhador Genético?


No seu sentido mais amplo, o termo aconselhador genético se refere a qualquer profissional da área da saúde que esteja qualificado para
oferecer aconselhamento genético. Geralmente, um aconselhador genético é um profissional da genética com título de mestre ou com titulação
acadêmica maior em áreas relacionadas. Os programas de pós-graduação em aconselhamento genético oferecem educação e treinamento clínico
em genética médica e aconselhamento. Um aconselhador genético certificado, nos EUA, também deve ser aprovado no exame administrado pelo
American Board of Genetic Cousenling ou pelo American Board of Medical Genetics.

O que os Aconselhadores Genéticos Fazem?


A maioria dos aconselhadores genéticos trabalha em um ambiente clínico, geralmente fazendo parte de uma equipe que pode incluir médicos
geneticistas, outros médicos (p. ex., pediatras, obstetras, oncologistas e neurologistas e outros profissionais da saúde (p. ex. assistentes sociais,
psicólogos, nutricionistas e enfermeiras). Os aconselhadores coletam e avaliam informações médicas que levam ao diagnóstico, instruem o
paciente, fornecem apoio psicossocial e aconselhamento, avaliam as possibilidades de exames genéticos/genômicos, auxiliam os profissionais na
conduta relacionada ao manejo das doenças genéticas e fazem o acompanhamento dos casos. Eles frequentemente fazem a triagem e os
encaminhamentos para os serviços especializados. Podem gerenciar e coordenar clínicas e consultórios, e atuam ativamente em programas de
educação genética para profissionais médicos e para o público leigo.

Em que Contextos Trabalham os Aconselhadores Genéticos?


Os aconselhadores genéticos geralmente trabalham em diferentes contextos. No obstétrico fornecem aconselhamento para o diagnóstico e
triagem pré-natais, testes genéticos para casais com abortos espontâneos, diagnóstico e tratamento em gestações acometidas por
anormalidades detectadas por exames de imagens e tecnologias alternativas de reprodução assistida. Eles trabalham em clínicas de genética do
câncer, prestando serviços de aconselhamento genético para famílias em risco ou envolvidas com síndromes genéticas de predisposição ao
câncer. Eles também trabalham em contextos genéticos/genômicos de pediatria e de clínicas de adultos, assim como participam de clínicas
multidisciplinares especializadas em determinados grupos de doenças (p. ex., metabólicas, craniofaciais, displasias ósseas, neurogenética e
cardiovascular) ou em doenças específicas (p. ex., síndrome de Down, neurofibromatose e hemofilia).
Muitos aconselhadores também participam de pesquisas relacionadas à genética/genômica e ao aconselhamento genético. Por exemplo, os
testes preditivos para doenças como Huntington e câncer hereditário, foram iniciados principalmente a partir das pesquisas com o objetivo de
avaliar suas consequências médicas, éticas, legais e sociais. Atualmente, muitos aconselhadores genéticos estão participando de estudos clínicos
para avaliar a comunicação de informações que provém de testes, como do sequenciamento do exoma e do genoma completo, que possibilitam
não apenas informações sobre a doença em questão, mas também sobre muitas outras características genéticas “importantes”. Esses estudos
estão investigando as preferências dos pacientes e as consequências de fornecer informações adicionais em um contexto clínico. Nessas
investigações, os aconselhadores genéticos oferecem aconselhamento aos envolvidos e auxiliam na elaboração, implementação e avaliação dos
protocolos de pesquisa.

Muitos aconselhadores são contratados por laboratórios para oferecer uma interface entre o mesmo e seus clientes (profissionais da saúde,
pacientes, ou ambos), como estratégia de vendas e para desenvolver protocolos e políticas laboratoriais, além de políticas e material educativo.
Um pequeno percentual dos aconselhadores genéticos trabalha em consultórios privados e alguns ocupam posições administrativas no governo
estadual ou federal. Muitos ainda atuam em organizações profissionais de nível regional e nacional, e alguns ajudam a fundar, manter e
administrar associações de defesa e apoio a pacientes/famílias com doenças genéticas.

Que Habilidades e Qualidades Pessoais Definem um Bom Aconselhador Genético?


Um bom aconselhador genético precisa tanto ter muito conhecimento de ciências biológicas e de genética quanto de treinamento teórico e
prático em técnicas psicossociais (p. ex., sistemas familiares, aconselhamento em crises e habilidades para entrevistar, e auxiliar na tomada de
decisões e na promoção da saúde). Como a maioria dos aconselhadores genéticos atua diretamente com o paciente, é essencial que ele saiba
lidar muito bem com pessoas. Os aconselhadores precisam saber trabalhar sozinhos ou como membro de uma equipe. Há muita
responsabilidade envolvida nos aspectos diretos ou indiretos dos cuidados com o paciente e na participação em tomadas de decisões. Os
aconselhadores devem aprender a lidar com o estresse das situações difíceis das famílias que atendem e das instituições onde trabalham.

Qual é o Futuro do Aconselhamento Genético?


Nos últimos 10 anos, a genética clínica/genômica passou a fazer parte da medicina tradicional. O número de aconselhadores genéticos só
tende a aumentar, pois o rápido aumento da demanda dos testes genéticos/genômicos em todas as especialidades médicas também exige que
aconselhadores e geneticistas participem da educação e deem apoio a outros profissionais da saúde. À medida que os testes genômicos se
tornarem mais comuns, os aconselhadores genéticos ajudarão a desenvolver e realizar técnica de interpretação e comunicação clínica da vasta
quantidade de dados pessoais que são gerados. Nos EUA, a National Society of Genetic Counselors vem examinando as questões do número de
profissionais, enquanto a Association of Genetic Counseling Program Directors está avaliando as opções avançadas de treinamento para
aconselhadores genéticos certificados. O que não se discute é o surgimento marcante da genética médica de uma subespecialidade médica
obscura, para uma área de conhecimento que rapidamente está se tornando parte integrante de todos os campos da medicina.

(Cortesia de Bonnie J. Baty, M.S.)

síndrome. Testes complementares podem ser necessários para documentar características físicas específicas (p. ex., ecocardiograma ou exame de
imagens por ressonância magnética – IRM, para investigar dilatação da aorta na síndrome de Marfan e radiografias para diagnóstico da
acondroplasia).
Um tipo de dado clínico importante obtido nesse processo é a história familial (Quadro 15-5). Os dados obtidos da história frequentemente são
úteis para a obtenção do diagnóstico preciso de uma doença. Por exemplo, uma história familial patente de doença coronariana de início precoce
pode

QUADRO 15-5 A História Familial


Uma história familial completa e detalhada é parte indispensável da avaliação genética, e o heredograma deve fazer parte da ficha de
atendimento do paciente. No mínimo, os seguintes itens devem ser incluídos:

• O sexo de cada indivíduo e sua relação com os outros membros da família. Essa informação deve ser indicada usando-se os símbolos
padronizados para a confecção do heredograma (Capítulo 4).

• Deve ser obtida a história familial de três gerações da genealogia. Por exemplo, os parentes do sexo masculino do lado materno da família serão
especialmente importantes quando se considera uma doença recessiva ligada ao X.

• A idade de cada indivíduo. Deve ser registrado todo indivíduo acometido pela doença em questão e devem ser feitas perguntas sobre
características ou doenças que podem estar relacionadas com a doença do propósito (p. ex., câncer de ovário em uma família avaliada por causa
de câncer de mama hereditário).

• Todos os abortos e partos prematuros conhecidos.

• A origem étnica da família. Isto é importante porque muitas doenças variam consideravelmente em prevalência entre diferentes grupos étnicos.

• Informações sobre consanguinidade. Embora seja relativamente rara nas populações ocidentais, a consanguinidade é comum em muitas
populações mundiais e a população de imigrantes mantém frequentemente altas taxas de casamentos consanguíneos (Capítulo 4).

• Mudanças nas histórias das famílias. Os membros da família podem desenvolver doenças cujo diagnóstico foi realizado recentemente e nascem
novos indivíduos que não foram avaliados. Esses dados podem afetar o diagnóstico e a estimativa do risco, de forma que a história e o
heredograma da família devem ser atualizados periodicamente.

(Veja Guidelines em Leituras Sugeridas, Bennett et al.)

QUADRO 15-6 Tipos de Serviços e Programas de Genética Clínica


Serviços básicos de genética clínica (hospital escola)
Clínicas comunitárias
Consultas externas (planos de saúde)
Ambulatórios especializados
• Ambulatórios de doenças metabólicas
• Ambulatórios de genética do câncer
• Ambulatórios de espinha bífida
• Ambulatórios de hemofilia
• Ambulatórios craniofaciais
• Ambulatórios de outras doenças específicas (p. ex., ambulatório de NF1)

Programas de diagnóstico pré-natal: ambulatórios de genética perinatal e reprodutiva


• Ambulatórios de amniocentese e de amostra de vilo corial
• Programas de ultrassom
• Programas de triagem no soro materno (Capítulo 13)
• Programas de diagnóstico genético pré-implantacional
• Diagnóstico pré-sintomático nas famílias (p. ex., diagnóstico de câncer de mama hereditário)

Triagem genética
• Ambulatórios com programas de triagem/acompanhamento de recém-nascidos
• Outros programas de triagem da população (p. ex., doença de Tay-Sachs)
• Educação e treinamento
• Profissionais da saúde, incluindo geneticistas clínicos e aconselhadores genéticos
• Público em geral
• Sistema educacional
• Serviços de informações teratológicas

indicar a presença de defeitos no receptor de lipoproteína de baixa densidade, causando hipercolesterolemia familiar. Uma história familial de
câncer de cólon de início precoce poderia indicar que um gene para polipose adenomatosa familiar ou para câncer colorretal sem polipose
hereditária está segregado na família. Um irmão afetado com perda auditiva neurossensorial congênita sugere a presença de surdez autossômica
recessiva. As informações da história familial também podem orientar a estimativa do risco de recorrência, ajudando a determinar se uma doença
genética foi transmitida por um dos genitores, ou se ocorreu uma mutação nova (isto é especialmente importante nas doenças com penetrância
incompleta). O conhecimento e a habilidade para obter uma história familial precisa e detalhada são importantes para todos os clínicos e não
apenas para os geneticistas.
Rotineiramente, o geneticista entrega um relatório para a família contendo um resumo do diagnóstico, história natural e as informações sobre o
risco relacionado à condição. Esse relatório é um recurso valioso para a família, porque ajuda a documentar as informações sobre o risco para uma
revisão futura. Informações relativas a grupos de apoio, incluindo panfletos, folhetos e brochuras, também são frequentemente oferecidas. Sessões
de acompanhamento são recomendadas, dependendo da situação do indivíduo. O Quadro 15-6 apresenta uma lista de tipos serviços de genética
clínica que podem ser oferecidos.

A avaliação genética inclui exame físico, história familial detalhada, exames complementares se necessários e a
comunicação das informações para a família, por meio de relatórios e distribuição de folhetos impressos.

Os cuidados às pessoas com doenças genéticas incluem o desenvolvimento de manuais para acompanhamento e cuidados de rotina. O
conhecimento da história natural de uma condição, em conjunto com uma revisão crítica dos exames de triagem e das intervenções pode oferecer
uma estrutura para a supervisão da saúde e para uma orientação antecipatória. O plano de tratamento pode ser usado subsequentemente pelo
provedor de cuidados primários. É, sobretudo, com esse propósito que muitas clínicas especializadas, como aquelas para NF1 ou hemofilia, foram
estabelecidas. Um exemplo dessa abordagem é o protocolo de procedimentos para manutenção da saúde das crianças com síndrome de Down
(Capítulo 6). Gene Reviews, um recurso muito importante para profissionais envolvidos em qualquer situação clínica, fornece essas orientações
para todas as condições genéticas incluídas em seu banco de dados (Fontes da Internet).

QUADRO 15-7 Indicações Comuns para o Encaminhamento Genético


Avaliação de uma pessoa com deficiência intelectual ou atraso do desenvolvimento

Avaliação de uma pessoa com malformações isoladas ou múltiplas; possibilidade de uma síndrome dismórfica

Avaliação de uma pessoa com possível doença metabólica hereditária

Presença de uma provável doença monogênica

Presença de uma doença cromossômica, incluindo translocações equilibradas

Pessoa em risco de uma doença genética, incluindo possibilidade de diagnóstico pré-sintomático ou risco de câncer

Pessoa ou família com perguntas sobre os aspectos genéticos de qualquer condição médica

Casais com história de abortos espontâneos recorrentes

Consanguinidade em um casal, usualmente primos em primeiro grau ou com relação mais próxima

Aconselhamento teratogênico

Aconselhamento pré-concepção e aconselhamento sobre fatores de risco, incluindo idade maternal avançada e outras possíveis indicações para o
diagnóstico pré-natal

À medida que aumentarem as opções de tratamento para as doenças mendelianas (p. ex., o tratamento da dilatação aórtica na síndrome de
Marfan; Capítulo 4), o papel dos geneticistas médicos, provavelmente, irá mudar. Desde a virada do século XXI os geneticistas têm se envolvido
cada vez mais no estabelecimento e implantação de protocolos de avaliação clínica, e essa tendência certamente continuará e mudará a natureza do
exercício profissional.
Tradicionalmente, o aconselhamento genético envolve a família que chega com muitas perguntas sobre diagnóstico, tratamentos e risco de
recorrência da doença em questão. Assim, na maioria das situações, o aconselhamento genético é realizado retrospectivamente. Com a maior
disponibilidade de testes diagnósticos pré-natais, de portadores e de testes pré-sintomáticos, associado ao aumento esperado de modelos de
cuidados de saúde personalizados (Capítulo 16), o aconselhamento genético prospectivo se tornará mais comum. O Quadro 15-7 lista os motivos
mais comuns do encaminhamento para a avaliação genética.

DISMORFOLOGIA E TERATOLOGIA CLÍNICA


Dismorfologia foi definida no início deste capítulo como o estudo do desenvolvimento físico (morfogênese) anormal. Os defeitos congênitos são
causados por alterações na morfogênese. Embora o termo dismorfologia possa parecer sinônimo de teratologia, este último implica usualmente o
estudo das causas ambientais das anomalias congênitas, ainda que seu significado literal não se refira à etiologia. (O termo teratologia é derivado
de teras, a palavra em grego para “monstro”. O termo dismorfologia foi proposto pelo Dr. David Smith como uma reação à conotação pejorativa
da teratologia.)
Os defeitos congênitos representam uma causa importante de mortalidade e morbidade infantil. Os estudos atuais indicam que a frequência de
defeitos significativos do ponto de vista médico diagnosticados no período neonatal é de cerca de 2%. Investigações que observaram crianças por

TABELA 15-1 Exemplos de Anomalias Congênitas Múltiplas e de Síndromes Displásicas mais Comuns Encaminhadas
para uma Clínica de Genética Médica
SÍNDROMES ETIOLOGIA

Síndrome de Down Cromossômica

Neurofibromatose tipo 1 Monogênica (AD)

Síndrome de Angelman Microdeleção do cromossomo 15q; dissomia uniparental

Sequência de bridas amnióticas Desconhecida

Osteogênese imperfeita Monogênica; heterogênea, AD, AR; genes relacionados ao colágeno tipo I

Trissomia do 18 Cromossômica

Associação VATER Desconhecida

Síndrome de Marfan Monogênica (AD)

Síndrome de Prader-Willi Microdeleção do cromossomo 15q; dissomia uniparental

Síndrome de Noonan Monogênica (AD)

Síndrome de Williams Microdeleção do cromossomo 7

Acondroplasia Monogênica (AD)

Trissomia do 13 Cromossômica

Síndrome de Turner Cromossômica (45,X)

Síndrome de Rett Gene ligado ao X

Síndrome de Rubinstein-Taybi Monogênica (AD)

Klippel-Trenaunay Heterogênea; um gene de suscetibilidade identificado

Síndrome alcóolica fetal Excesso de álcool

Síndrome de Cornélia de Lange Monogênica (AD)

AD, Autossômico dominante; AR, autossômico recessivo; VATER, anomalias vertebrais, atresia anal, fístula traqueoesofágica, atresia do esôfago,
anomalias renais.

períodos mais prolongados demonstraram que essa frequên­cia aumenta para cerca de 3% na idade de um ano. Nos Estados Unidos, os defeitos
congênitos representam a causa mais comum de mortalidade durante o primeiro ano de vida. A Tabela 15-1 lista algumas das síndromes
malformativas mais comuns e importantes.
Há várias maneiras de classificar as anomalias congênitas. A forma mais comum para a classificação é por sistema orgânico ou por região do
corpo (p. ex., craniofacial, membros e coração). Métodos de classificação clinicamente mais úteis incluem: (1) defeito isolado versus defeitos
congênitos múltiplos, incluindo síndrome reconhecível; (2) defeito maior (significativo do ponto de vista clínico e/ou cirúrgico) versus defeito
menor; (3) categorização baseada no processo patogênico e (4) classificação etiológica.
No que se refere à classificação etiológica, só houve uma investigação na América do Norte que examinou as causas de defeitos congênitos em
uma coorte de bebês afetados (Nelson e Holmes, em Leituras Sugeridas). Esses autores relatam as causas de vários defeitos em seu estudo
realizado em Boston. Três informações importantes emergiram desses dados: a etiologia de dois terços dos defeitos congênitos é desconhecida ou
se enquadra na categoria multifatorial (Capítulo 12), as causas ambientais bem estabelecidas são infrequentes (menos de 4%) e um componente
genético conhecido é identificado em aproximadamente 30% dos casos.

Princípios da Dismorfologia
Na discussão dos princípios básicos da dismorfologia, é importante definir certos termos-chave. As seguintes definições, baseadas nos processos
patogênicos, são usadas na prática clínica:
• Malformação é uma anomalia morfológica congênita de um órgão ou de parte do corpo, resultado de um processo de desenvolvimento
intrinsecamente anormal (p. ex., fissura labial e polidactilia).
• Displasia é uma anomalia morfológica envolvendo uma alteração dinâmica ou progressiva da constituição ou organização celular de um tecido
ou de um órgão específico (p. ex., displasia ectodérmica).
• Sequência é uma ou um conjunto de anomalias morfológicas secundárias, conhecidas ou presumidas, que ocorrem em “cascata”, a partir de uma
malformação ou displasia inicial (p. ex., sequência de Pierre Robin, uma doença na qual um defeito primário no desenvolvimento mandibular
leva secundariamente a mandíbula pequena, glossoptose e fissura do palato).
• Síndrome é um padrão de malformações primárias múltiplas independentes entre si, de mesma etiologia, conhecida ou presumida (p. ex.,
síndrome da trissomia do 13).
• Deformação é uma alteração da forma ou da posição de uma parte do corpo normalmente formada devido a forças mecânicas anormais. Ela
usualmente ocorre no período fetal e não na embriogênese. Uma deformação (ou deformidade) é uma alteração secundária e pode ser extrínseca,
como no oligodrâmnio (redução do líquido amniótico), ou intrínseca, como na distrofia miotônica congênita.
• Disrupção é um defeito morfológico congênito de um órgão, de parte de um órgão ou de uma região maior do corpo, resultante da interrupção
do processo de desenvolvimento de uma estrutura originariamente com potencial de desenvolvimento normal. É, por definição, uma
malformação secundária (p. ex., defeito secundário de um membro, resultado de um evento vascular e embriopatia rubeólica).
Observe que as malformações e as displasias são eventos primários na embriogênese e na histogênese, enquanto as alterações e as deformações
são secundárias. Todos esses termos foram recentemente atualizados e definidos por um grupo de trabalho internacional chamado Elements of
Morphology; veja Leituras Sugeridas, ao final do capítulo.
Quando se avalia uma criança com um defeito congênito, a questão mais importante é se a anormalidade representa uma anomalia única e
isolada ou se, em vez disso, é um componente de um padrão organizado mais amplo de malformações (ou seja, uma síndrome). Esse conceito
pode ser exemplificado pela avaliação de um bebê com fissura labial. Se o bebê apresenta a fissura isolada, não sindrômica, ou seja, sem outras
malformações, a discussão da história natural, da genética, do prognóstico e do tratamento é totalmente diferente daquela que a fissura labial do
bebê é uma característica da síndrome da trissomia do 13 (Capítulo 6). A primeira condição pode ser corrigida cirurgicamente e apresenta um risco
de recorrência relativamente baixo (Capítulo 12), e poucos problemas médicos associados. A trissomia do 13 é uma alteração cromossômica
grave. Além das fendas orofaciais, essas crianças usualmente apresentam cardiopatias congênitas e malformações do sistema nervoso central. E, o
mais importante, 50% das crianças com trissomia do 13 vão a óbito no período neonatal e 90% antes de um ano de idade. Assim, a previsão da
história natural e do manuseio clínico desses dois exemplos diferem substancialmente.
Outro exemplo é uma criança com fissura labial que também possui depressões ou fístulas no lábio inferior. A combinação de fissuras
orofaciais com depressões nos lábios indica uma doença autossômica dominante chamada síndrome de van der Woude. Embora a história natural
dessa condição não seja muito diferente daquela da fissura labial não sindrômica, a discussão do risco de recorrência difere muito. Na avaliação de
uma criança com a síndrome de van der Woude é muito importante determinar se um dos pais é portador do gene. Neste caso, o risco de
recorrência para irmãos é de 50%. Isto é muito maior do que os 4% de risco de recorrência para irmãos, que é dado usualmente nos casos de
fissura labial não sindrômica (Capítulo 12). Como a síndrome de van der Woude apresenta expressividade variável e frequentemente se manifesta
apenas por fístulas labiais, comumente isso passa despercebido. Assim, é necessário um exame físico cuidadoso, combinado com o conhecimento
genético dos defeitos isolados e das síndromes, para determinar os riscos de recorrência com precisão.

A pergunta mais importante a ser respondida quando se avalia uma criança com um defeito congênito é se o defeito é
isolado ou parte do padrão de uma síndrome.

O maior conhecimento da patogênese dos defeitos congênitos humanos levou a uma melhor compreensão da relação com o desenvolvimento
dos defeitos nos padrões de anomalias congênitas múltiplas. Algumas condições bem estabelecidas que parecem síndromes verdadeiras à primeira
vista são, na realidade, uma constelação de defeitos resultantes de uma malformação primária com seus efeitos secundários localizados (isto é,
uma sequência). Em uma sequência, o padrão é uma unidade de desenvolvimento no qual a cascata de eventos patogênicos secundários é bem
compreendida. Em contraposição, a relação patogênica das malformações primárias que compõem uma síndrome não é bem compreendida,
embora a patogênese possa ser esclarecida quando a síndrome resulta dos efeitos pleiotrópicos de um único gene (p. ex., síndrome de Marfan;
ver Capítulo 4).
Um dos melhores exemplos de uma sequência é o fenótipo Potter ou a sequência do oligodrâmnio. Acredita-se atualmente que qualquer
condição persistente e significativa que cause o oligodrâmnio pode produzir esta sequência, seja ela uma insuficiência renal intrauterina,
provocada por malformações renais (como a falta dos rins; agenesia renal) ou a perda crônica de líquido amniótico. O feto desenvolverá um
padrão secundário de alterações, com deficiência de
FIGURA 15-3 A sequência de oligodrâmnio. O oligodrâmnio pode se originar de várias causas distintas. Ele produz uma variedade de características
fenotípicas secundárias.

crescimento, contraturas articulares (deformidades), aspectos faciais característicos e hipoplasia pulmonar (Fig. 15-3). Antes que a causa dessas
características fosse compreendida, o fenótipo era chamado de síndrome de Potter. Agora, com a compreensão de que todas as características são
secundárias ao oligodrâmnio, a doença é mais apropriadamente chamada de sequência do oligodrâmnio. Como em qualquer malformação, o
defeito renal pode ser isolado, ou pode ser parte de qualquer uma de várias síndromes nas quais as malformações renais são componentes
característicos (como na síndrome autossômica recessiva de Meckel-Gruber ou, como na agenesia renal bilateral não sindrômica, mais comum e
de etiologia multifatorial). A distinção entre síndromes e sequências pode, com frequên­cia, melhorar a compreensão da causa subjacente de uma
doença e ajudar na previsão do prognóstico.

É importante distinguir sequência, que é um defeito primário com alterações estruturais secundárias, de síndrome, que
é um conjunto de malformações primárias cujas relações entre si tendem a ser bem menos compreendidas.

Teratologia Clínica
Um teratógeno (ou agente disruptivo) é um agente externo ao genoma do feto que induz defeitos estruturais, deficiência de crescimento e/ou
alterações funcionais durante o desenvolvimento pré-natal. Embora os teratógenos causem apenas uma pequena percentagem dos defeitos de
nascimento, só o seu potencial preventivo já os torna dignos de estudo. A Tabela 15-2 lista drogas teratogênicas bem estabelecidas em humanos.
Outras categorias de agentes incluem doenças infecciosas durante a gestação (p. ex., citomegalovírus), doenças maternas (p. ex., diabetes melito
materno) e radiação ionizante.
É importante compreender o processo de raciocínio que leva à designação de uma substância ou uma exposição como teratogênica. Esse
processo está baseado na avaliação das evidências epidemiológicas, clínicas, bioquímicas e psicológicas. Os estudos em animais também podem
ajudar a estabelecer se um agente é teratogênico e fornecer informações sobre a patogênese.
Alguns dos aspectos-chave envolvidos na determinação de um agente como teratogênico estão resumidos no Comentário Clínico 15-4. Um
ponto clínico básico é o fato de as famílias geralmente perguntarem aos profissionais da saúde sobre os riscos de certas exposições durante a
gravidez. Quando defrontado com esse tipo de pergunta, o clínico tem várias opções. Uma é consultar a literatura sobre exposições específicas em
seres humanos, dar uma interpretação com relação ao grau de risco e então oferecer o aconselhamento. Várias fontes on-line e impressas
disponíveis para os clínicos estão listadas no final do capítulo. Uma alternativa é encaminhar o paciente a um serviço de informações sobre
teratologia ou a uma unidade de genética clínica. Por causa da complexidade desses assuntos, surgiram vários serviços de informações sobre
agentes teratogênicos nos Estados Unidos, Canadá e Europa. A Organization of Teratology Information Services (OTIS) oferece informações
atualizadas e abrangentes sobre as exposições gestacionais e disponibiliza uma lista dos serviços de informações sobre teratologia disponíveis na
América do Norte.

Os teratógenos são agentes externos que respondem por uma proporção pequena, porém muito importante, dos
defeitos congênitos. Geralmente é difícil provar de forma conclusiva que uma substância é teratogênica.

Prevenção de Defeitos Congênitos


Como a maioria dos defeitos estruturais não tem uma causa aparente, sua prevenção representa um desafio. Um exemplo é a síndrome alcoólica
fetal (SAF), uma das causas evitáveis mais comuns de anomalias em seres humanos (Comentário Clínico 15-5). A instituição dos programas de
imunização contra rubéola e de administração de ácido fólico no período pré-concepcional exemplificam prevenções bem-sucedidas (Comentário
Clínico 15-6).
O aconselhamento pré-concepcional é um modelo de prevenção primária. Mulheres que apresentam diabetes melito, fenilcetonúria ou lúpus
eritematoso sistêmico (um distúrbio autoimune que envolve a produção de autoanticorpos e compromete múltiplos órgãos) podem diminuir o risco
de gerar uma criança com defeito estrutural por meio do controle pré-concepcional apropriado, uma estratégia de prevenção primária. Exemplos
de níveis secundário e terciário de prevenção, respectivamente, incluem a triagem de recém-nascidos para perda auditiva e o oferecimento de
cuidados médicos de alta qualidade para lactentes e crianças com malformações congênitas. A instituição de protocolos de conduta específicos
para a supervisão da saúde e para a orientação preventiva pode diminuir algumas das complicações desses distúrbios. Também é importante a
educação pública com relação às limitações do conhecimento científico e às dificuldades emocionais das famílias que têm crianças com defeitos.
Essas informações têm o potencial de diminuir a ansiedade, melhorar o processo de aceitação da família e reduzir o estigma que circunda os
defeitos congênitos e as doenças genéticas.

TABELA 15-2 Teratogénos Humanos Bem Estabelecidos*

FÁRMACO DEFEITO POTENCIAL PERÍODO PERCENTUAL DE


CRÍTICO EXPOSTOS QUE SÃO
DE ACOMETIDOS
EXPOSIÇÃO

Inibidores da enzima de Disgenesia renal; oligodrâmnio; defeitos na ossificação do crânio Do segundo NE


conversão da ao terceiro
angiotensina (ECA) trimestre

Álcool, uso crônico Anomalias craniofaciais e do sistema nervoso central; defeitos < 12 semanas 10-15
cardíacos

Baixo peso ao nascimento; atraso do desenvolvimento > 24 semanas NE

Aminopterina Aborto espontâneo < 14 semanas NE

Anomalias craniofaciais; defeitos de membros; craniossinostose; Primeiro NE


defeitos no tubo neural trimestre

Baixo peso ao nascer > 20 semanas NE

Altas doses de Masculinização da genitália externa feminina > 10 semanas 0,3


androgênios ou
progestágenos

Carbamazepina Espinha bífida < 30 dias ≈1


depois da
concepção

Carbimazol/metimazol Hipotireoidismo, bócio NE NE


Atresia de coana, defeitos do couro cabeludo, outras anomalias?

Cocaína Descolamento da placenta Do segundo NE


ao terceiro
trimestre

Hemorragia intracraniana; parto prematuro Terceiro NE


trimestre

Dietilestilbestrol Anormalidades uterinas; adenose vaginal; adenocarcinoma vaginal; < 12 semanas NE


estrias cervicais; infertilidade masculina

Fluconazol (altas doses) Defeitos nos membros e craniofaciais Primeiro NE


trimestre

Isotretinoína Morte fetal; hidrocefalia; defeitos do sistema nervoso central; microtia > 15 dias 45-50
ou anotia; timo pequeno ou ausente; defeitos cardíacos depois da
conotruncais; micrognatismo concepção

Metotrexato Craniossinostose; crânio com ossificação incompleta; dismorfologia 6-9 semanas NE


craniofacial; defeitos nos membros depois da
concepção

Penicilamina Pele frouxa, contraturas articulares NE NE

Fenitoína Anomalias craniofaciais; falanges e unhas hipoplásicas Primeiro 10-30


trimestre

Solventes, abuso Tamanho pequeno para a idade gestacional; atraso do NE


(durante toda a desenvolvimento
gravidez)

Estreptomicina Perda auditiva Terceiro NE


trimestre

Tetraciclina Dentes e ossos manchados > 20 semanas NE

Talidomida Deficiências dos membros; anomalias do pavilhão auricular 38-50 dias 15-25
pós-LPM

Tiouracil Aborto espontâneo Primeiro NE


trimestre

Natimorto > 20 semanas NE

Bócio NE

Trimetadiona Atraso do desenvolvimento; supercílios em forma de V; orelhas de Primeiro NE


implantação baixa; dentes irregulares trimestre

Ácido valproico Espinha bífida < 30 dias ~ 1-2


depois da
concepção

Anomalias craniofaciais; defeitos pré-axiais Primeiro NE


trimestre

Varfarina Hipoplasia nasal; epífises pontilhadas 6-9 semanas NE


Defeitos do sistema nervoso central secundários à hemorragia cerebral > 12 semanas NE

*Outros teratógenos estabelecidos incluem infecções maternas (rubéola, citomegalovírus, toxoplasmose, varicela, encefalite equina venezuelana,
sífilis e parvovírus), estados patológicos maternos (diabetes melito, fenilcetonúria, lúpus eritematoso sistêmico e doença de Graves) e radiação
ionizante.

NE, não estabelecido; pós-LPM, depois do último período menstrual.

Dados de Martinez LP, Robertson J, Leen-Mitchell M: Enviromental causes of birth defects. In: Rudolph CD, Rudolph AM, Hostetter MK, Lister G, Siegel
NM [eds]. Rudolph’s Pediatrics. 21st ed. New York, McGraw-Hill, 2002:9.

COMENTÁRIO CLÍNICO 15-4


A Saga do Bendectin
Bendectin ou doxiclamina foi um agente introduzido nos anos de 1960 para “enjoo matinal” (náuseas e vômitos durante a gravidez). O agente era
particularmente eficaz e durante os anos 1970 cerca de um terço das mulheres americanas usou Bendectin em algum momento durante o
primeiro trimestre da gravidez.
Bendectin foi provavelmente o medicamento para gravidez mais estudado individualmente do que qualquer outro. Os vários estudos
epidemiológicos realizados não encontraram qualquer evidência conclusivas de aumento do risco para malformações congênitas com o uso
desse medicamento na gestação. Os poucos estudos que demonstraram possíveis associações entre o Bendectin e defeitos congênitos não
revelaram padrões específicos. Estudos em animais também não indicaram associação. Independentemente desses dados, vários processos
foram instaurados nos anos 1980 contra a indústria que comercializava o Bendectin. Como resultado, a indústria removeu o fármaco do
mercado.
A linha de raciocínio para determinar a relação de causalidade nesses casos é complexa. Antes da decisão judicial sobre a etiologia ser tomada
uma revisão crítica da literatura é necessária. Os estudos epidemiológicos disponíveis devem ser avaliados em termos da metodologia, desenho e
vieses. O conhecimento atualizado da etiologia e da patogênese dos defeitos congênitos deve ser incluído no desenho do estudo, e os princípios
básicos da teratologia devem ser aplicados. Isto inclui uma avaliação do período crítico (isto é, a exposição ocorreu durante o período da gravidez
no qual as estruturas fetais alteradas estavam em desenvolvimento?) A evidência clínica inclui a investigação de um padrão de defeitos (ou seja,
uma síndrome específica), porque todos os teratógenos bem estabelecidos produzem padrões consistentes. Modelos animais nunca provam a
relação de causa e efeito em seres humanos, porém podem oferecer evidências de apoio e informações sobre a patogênese. Além disso, o efeito
proposto do agente deve ser biologicamente plausível.
Uma revisão das evidências com relação ao Bendectin mostra que ele não se encaixa nesses critérios. Na verdade, a extensa bateria de testes
que foram realizados mostra que o Bendectin satisfaz tão bem os critérios padronizados de segurança quanto qualquer outra medicação
conhecida. O que poderia então ter motivado o problema judicial? Uma parte importante da resposta a essa pergunta envolve a ocorrência
coincidente de defeitos congênitos e exposição ao Bendectin. Considerando que um defeito maior será diagnosticado em 3% dos lactentes com
um ano de idade e que cerca de um terço das mulheres estava usando Bendectin no primeiro trimestre da gravidez, então, em cerca de 1% (1/3 ×
3%) de todas as gravidezes dos anos de 1970 ocorreriam esses dois eventos apenas considerando-se a casualidade. Como cerca de dois terços
dos defeitos congênitos não têm causa conhecida, não é de surpreender que muitas famílias de crianças com esses distúrbios (e seus advogados)
atribuíssem as alterações ao uso do Bendectin.
O Bendectin foi removido do mercado em 1983. Desde então, o percentual de bebês nascidos com defeitos congênitos se mantém estável e o
número de mulheres admitidas nos hospitais com queixas de enjoo matinal dobrou.
É muito difícil provar epidemiologicamente que qualquer exposição seja “segura”. O poder estatístico desses estudos não permite uma
afirmação absoluta de que não existe efeito. Tudo o que pode ser demonstrado é que não há evidência de que um agente em particular (neste
caso, o Bendectin) cause um efeito adverso. A afirmativa absoluta de segurança completa não é apropriada. Por outro lado, quando as evidências
são relativamente conclusivas, como no caso do Bendectin, é clinicamente apropriado discutir com tranquilidade a exposição gestacional.
Curiosamente, no Canadá, a forma genérica do Bendectin foi recentemente liberada para comercialização.

COMENTÁRIO CLÍNICO 15-5


Síndrome Alcoólica Fetal
Entre os teratógenos humanos, uma das exposições mais comuns e potencialmente evitáveis é o consumo excessivo de álcool. Mulheres
alcoolistas crônicas correm risco significativo de gerar crianças com a síndrome alcoólica fetal (SAF). Tal condição consiste em deficiência de
crescimento pré e pós-natal, microcefalia (cabeça pequena), ampla gama de deficiências do desenvolvimento e uma variedade de alterações
faciais (Fig. 15-4). Os aspectos faciais mais característicos e comuns incluem fissuras palpebrais estreitas, filtro naso-labial liso e lábio superior fino
(veja a referência Elements of Morphology no final do capítulo para uma definição precisa destes termos). Embora a maioria desses sinais não seja
específica da SAF, sua coocorrência em um contexto do uso de álcool pela mãe permite que o clínico faça o diagnóstico. Além destes achados, os
lactentes e as crianças com a SAF podem apresentar vários outros defeitos estruturais, incluindo cardiopatia congênita, defeitos de tubo neural e
renais. A maioria das crianças com SAF apresenta atraso leve do desenvolvimento, variando de deficiência intelectual leve até dificuldades
acentuadas de aprendizagem. Além disso, muitas crianças com SAF têm problemas comportamentais significativos.
Há muitas questões ainda não respondidas com relação ao uso do álcool na gravidez, como a predisposição genética para a SAF, o risco do
etilismo, o papel do etilismo moderado e social, e a quantidade segura de álcool na gestação. Embora não haja evidências conclusivas de que a
ingesta reduzida de bebidas alcoólicas no início da gravidez seja um fator de risco, evitar o álcool durante toda a gravidez é a atitude mais
prudente.
FIGURA 15-4 Uma criança com dois anos de idade com a síndrome alcoólica fetal. Observe a raiz nasal baixa, as fissuras palpebrais estreitas, o
filtro liso e o lábio superior fino.

COMENTÁRIO CLÍNICO 15-6


Folato e Prevenção dos Defeitos de Tubo Neural
A prevenção primária dos defeitos congênitos é um objetivo importante da genética clínica. Como a causa exata da maioria das anomalias
congênitas geralmente é desconhecida, há relativamente poucas situações de prevenção primária. Uma estratégia atual de prevenção de defeitos
congênitos é o uso periconcepcional de folato (ácido fólico) e de regimes multivitamínicos para evitar a ocorrência ou a recorrência dos defeitos
do tubo neural (DTNs).
Os DTNs consistem em alterações do desenvolvimento do tubo neural e se manifestam como anencefalia, encefalocele e espinha bífida
(Capítulo 12). Seu impacto é grande: a anencefalia invariavelmente é fatal e as complicações médicas da espinha bífida (paralisia dos membros
inferiores, hidrocefalia e obstrução urinária) são significativas. Por causa da influência potencial dos elementos nutricionais na embriogênese,
uma série de estudos epidemiológicos foi realizada nos anos 1970 e nos anos 1980. Com apenas uma exceção, foi demonstrado que o uso de
vitaminas e de folato no período pré-concepcional nas famílias que tiveram crianças com espinha bífida e anencefalia reduziu o risco de
recorrência dessas afecções. Em 1991, o Medical Research Council of the United Kingdom publicou um estudo duplo-cego* no qual 4 mg de folato
foi administrado, junto com ou sem outras vitaminas, a mulheres que tiveram uma criança com DTN. O grupo que recebeu apenas folato teve
70% de redução na recorrência desses defeitos em suas crianças. Em 1992, um grupo húngaro demonstrou a utilidade das vitaminas e do ácido
fólico na prevenção da ocorrência inicial dos DTNs. Neste estudo, dois grupos de mulheres, um que recebeu vitaminas e ácido fólico e outro que
não recebeu, foram acompanhados durante as gestações. O regime de vitaminas e ácido fólico diminuiu significativamente a ocorrência de DTNs.
Vários estudos adicionais confirmaram esses resultados.
Embora ainda não esteja claro se o efeito protetor relatado é causado pelo ácido fólico ou por uma combinação do mesmo com outras
vitaminas, esses dados indicam que o uso periconcepcional de vitaminas é uma estratégia efetiva de prevenção. O mecanismo biológico desse
efeito ainda é desconhecido. Independente desse fato, os resultados encorajadores dos estudos levaram os Centers for Disease Control and
Prevention a publicar duas recomendações relativas ao uso de folato. A primeira é que todas as mulheres que tiveram uma criança com DTN
devem tomar 4 mg/dia de ácido fólico se estiverem planejando uma gravidez. A segunda recomendação é que todas as mulheres em idade
reprodutiva devem tomar 0,4 mg/dia de ácido fólico (a quantidade disponível em um comprimido típico de multivitamínicos) durante todos os
seus anos reprodutivos. Essa última recomendação é adequada porque se baseia no fato de que aproximadamente metade das gravidezes nos
Estados Unidos não é planejada. Essas recomendações levaram à fortificação do trigo e de outros grãos com ácido fólico nos Estados Unidos e
em outros países. Na última década, estudos em vários países do mundo mostraram uma diminuição na ocorrência de DTNs após o início dos
programas de fortificação de alimentos.

*Um estudo duplo-cego é aquele no qual durante a fase de tratamento nem os indivíduos, nem os pesquisadores sabem quem está recebendo o
ingrediente ativo e quem está recebendo o placebo.

BIOÉTICA E GENÉTICA MÉDICA


As novas descobertas e avanços tecnológicos na medicina trouxeram novas opções para os pacientes, famílias e para a sociedade em geral. À
medida que a genética médica passou a ser definida como uma especialidade médica durante as últimas décadas, também emergiram muitos novos
tópicos na bioética. Por causa da significância e complexidade desses tópicos, uma parcela expressiva do orçamento do Human Genome Project
foi destinada às implicações éticas, legais e sociais da genética humana. Algumas dessas implicações foram abordadas previamente neste livro (p.
ex., exames genéticos, terapia gênica e pesquisas com células-tronco embrionárias). Nosso objetivo aqui é oferecer uma ideia das principais
questões bioéticas atuais enfrentadas pelas comunidades médica e genética.
A combinação dos avanços no diagnóstico pré-natal (p. ex., ultrassom e amniocentese), a capacidade de determinar o cariótipo humano e a
opção pela interrupção da gestação definiram o contexto para o surgimento do diagnóstico pré-natal como um serviço clínico nos anos 1970.
Naquela época, a maioria dos centros médicos terciários das nações desenvolvidas oferecia amniocentese para várias indicações, mais comumente
para casos de idade materna avançada (Capítulo 13). As discussões iniciais da ética do diagnóstico pré-natal envolviam principalmente a
controvérsia sobre o direito da mulher (ou do casal) de interromper a gravidez. Nos anos 1990, a questão assumiu uma nova dimensão com a
preocupação de que pessoas com deficiências podem ser desvalorizadas pela sociedade pelo fato de o diagnóstico pré-natal poder levar à
eliminação seletiva de fetos alterados. Preocupações semelhantes envolvem o cancelamento do suporte que é dado para recém-nascidos com
defeitos congênitos graves (p. ex., trissomia do 13 e alguns defeitos de tubo neural). Os principais princípios que podem guiar as decisões sobre
esses temas envolvem considerar os interesses da criança e oferecer aconselhamento genético para que os pais possam tomar uma decisão
consciente.
Muitas preocupações éticas também têm surgido quanto a outros tipos de exames genéticos, incluindo testes de portadores e testes pré-
sintomáticos (Capítulo 13). Os exames genéticos diferem dos outros tipos de exames porque os genes (inclusive mutações que predispõem a
doenças) podem ser compartilhados nas famílias. Assim, um exame genético feito em uma pessoa pode revelar uma informação de risco sobre um
parente que pode ou não querer saber sobre seu risco (p. ex., o exame de um adulto jovem para uma doença autossômica dominante pode indicar
que um dos pais deve ter transmitido a mutação que causou a doença). Além disso, muitas pessoas consideram que sua herança genética é muito
mais uma parte intrínseca delas mesmas (e de suas famílias). Em muitos casos, o risco genético é erroneamente considerado como “inalterável”.
Todos esses fatores podem levar a uma estigmatização injusta de indivíduos, de famílias e até mesmo de populações inteiras. Para ajudar a
combater tais situações, os profissionais da saúde devem ser sensibilizados quanto às necessidades e preocupações dos indivíduos e de suas
famílias. Eles devem evitar fazer julgamentos que possam causar ou reforçar a estigmatização. Também devem afastar ideias de determinismo
genético, tornando claro para as famílias que os genes são apenas uma parte da causa da doença. Fatores não genéticos, que frequentemente podem
ser alterados, também podem desempenhar um papel importante. Como em toda informação de saúde, a privacidade e a confidencialidade devem
sempre ser respeitadas.
Os exames genéticos também geram um espectro da discriminação pelas companhias de seguro e empregadores. As companhias de seguro há
muito tempo vem coletando informações sobre a história familial como uma maneira de avaliar riscos. Em alguns casos (p. ex., um indivíduo com
o risco de herança de uma mutação no BRCA1), um exame genético pode oferecer uma medida muito mais precisa do risco da doença. As pessoas
em risco estão compreensivelmente preocupadas com a possibilidade de perder seus benefícios do seguro, ou seus empregos, por causa do
resultado de um exame genético. Um resultado paradoxal é que alguns escolhem não fazer o exame, mesmo que ele possa levar a uma intervenção
potencialmente salvadora de sua vida. As seguradoras e os empregadores argumentam que negar a cobertura (ou aumentar o valor dos prêmios)
dos indivíduos em risco serve ao interesse geral de minimizar custos. Outros respondem que, ao contrário das escolhas sobre estilo de vida, como
o tabagismo ou o exercício, não se pode escolher os genes, de forma que é injusto discriminar com base em exames genéticos.
Por causa das preocupações, nos Estados Unidos, com relação à discriminação no emprego e no seguro de saúde, a comunidade genética e os
legisladores de apoio trabalharam juntos no início dos anos 2000 para aprovar uma legislação que assegurasse a confidencialidade dos resultados
dos exames genéticos. O Genetic Information Nondiscrimination Act (GINA) foi formulado para evitar o uso discriminatório dos resultados dos
exames genéticos pelos empregadores ou pelos seguros de saúde. O GINA se tornou uma lei federal em 2008, com validade a partir de 2009.
O diagnóstico genético pré-implantacional (Capítulo 13) também é um dos focos do debate ético. Por exemplo, essa forma de exame pode ser
usada para determinar o sexo de um embrião. Na verdade, uma de suas aplicações iniciais foi evitar o implante de embriões do sexo masculino
com o risco aumentado de serem portadores de uma mutação recessiva ligada ao X. Muitos cientistas e eticistas não aprovam o diagnóstico
genético pré-implantacional com a finalidade de seleção de sexo, e a prática está atualmente banida do Reino Unido. O diagnóstico genético pré-
implantacional também poderia ser usado para selecionar preferencialmente embriões que podem ser portadores de mutações causadoras de
doenças. Por exemplo, um embrião homozigoto para mutações da surdez autossômica recessiva poderia ser selecionado para coincidir com os
fenótipos de pais surdos (há relato de um caso de pais surdos que deliberadamente conceberam uma criança surda por fertilização artificial). Essas
aplicações podem colocar os interesses dos pais e os interesses da criança em conflito. Outra aplicação controversa desse tipo de diagnóstico
genético está na seleção de um embrião pela compatibilidade do antígeno leucocitário humano (HLA), que mais tarde pode ser doador de células
da medula óssea para um irmão mais velho com anemia de Fanconi, conforme já foi descrito. Pode-se argumentar que essas pessoas poderiam
sentir que suas vidas foram desvalorizadas por terem sido selecionadas convenientemente, em parte, com base no seu potencial para ser doador de
medula óssea.
Muitas questões também emergem dos exames genéticos em crianças. Quando os testes podem levar a medidas diagnósticas ou intervenções
úteis, eles são necessários. Um exemplo seria o teste genético de crianças em risco de herdarem uma mutação no gene da polipose adenomatosa do
cólon (PAC). Como discutido no Capítulo 11, é indicado que os portadores da mutação iniciem a colonoscopia com 12 anos de idade, que
potencialmente salva vidas. Ao contrário, o diagnóstico da doença de Huntington na infância não oferece, até o momento, qualquer benefício
preventivo ou terapêutico e aumenta o potencial para ansiedade e estigmatização. É consenso que exames genéticos não devem ser realizados na
infância, a menos que ofereçam um caminho para uma intervenção clinicamente benéfica.
Com o advento do sequenciamento do exoma e do genoma completo na esfera clínica (Capítulo 13), surgiu muita controvérsia envolvendo a
comunicação dos achados incidentais (ou secundários) geralmente detectados no processo desses testes. Tais achados representam variações não
relacionadas com a indicação original para o estudo, mas tem valor potencial nos cuidados ao paciente. Alguns geneticistas defendem que todas as
variações devem ser relatadas ao paciente (ou à família), enquanto outros argumentaram que somente aquelas “medicamente úteis” devem ser
comunicadas. Um Grupo de Trabalho da ACMG convocado em 2012, após um processo de um ano de duração, chegou a um consenso e forneceu
um conjunto de recomendações que atualmente são amplamente adotadas na área (Green et al.; veja em Leituras Sugeridas). O protocolo
recomendou que os laboratórios que realizam esses novos testes analisem e relatem variantes de genes para um grupo específico de 56 doenças;
foi encorajado o desenvolvimento de um processo contínuo de atualização das orientações.
Muita controvérsia também surgiu da clonagem e da pesquisa com células-tronco embrionárias (Capítulo 13). É importante repetir a diferença
entre clonagem reprodutiva e clonagem terapêutica. Por causa da alta taxa de insucesso da clonagem reprodutiva em outros mamíferos e porque
os benefícios da clonagem reprodutiva não estão claros, a comunidade científica é quase unânime na sua posição contrária à criação de seres
humanos por clonagem reprodutiva. O uso da clonagem para criar células-tronco embrionárias com propósitos terapêuticos (p. ex., células das
ilhotas pancreáticas para pacientes com diabetes ou neurônios para aqueles com a doença de Alzheimer) é mais controverso e, como a interrupção
da gravidez, envolve questões muito contundentes sobre a definição de vida humana e sobre os limites da intervenção médica. Como se observou
no Capítulo 13, tais assuntos necessitam da participação séria e consciente da comunidade científica, dos grupos de apoio aos pacientes, de
bioeticistas, filósofos, juristas e religiosos, entre outros.
A ciência genética não está imune a controvérsias e nem mesmo a abusos. O movimento eugênico (do grego “bem nascido”), popular nos
Estados Unidos e em alguns países europeus no início do século XX, advogava tanto a “eugenia positiva” (reprodução preferencial daqueles
considerados geneticamente mais adequados), quanto a “eugenia negativa” (evitar a reprodução daqueles considerados geneticamente menos
adequados). A eugenia, em conjunto com o pensamento político da época, levou a uma série de abusos que culminou com as atrocidades do
nazismo. Esses eventos são uma lembrança trágica do potencial do uso inadequado das informações genéticas. Os geneticistas devem ajudar a
assegurar que sua ciência seja utilizada para o benefício máximo, aliado ao princípio consagrado pelo tempo do primum non nocere (“em primeiro
lugar não prejudicar”).

QUESTÕES DE ESTUDO
1. Allen, um homem de 40 anos de idade, vem ao seu consultório porque está preocupado com sua história familial de doença cardíaca. Seu pai
sofreu um infarto do miocárdio (IM) fatal aos 45 anos de idade e seu avô paterno também teve um IM fatal aos 47 anos de idade. O pai de
Allen teve dois irmãos e duas irmãs. Um dos irmãos teve um IM aos 44 anos e uma das irmãs aos 49 anos de idade. A mãe de Allen teve um
irmão e uma irmã, ambos ainda vivos. Os pais da mãe de Allen viveram até os 80 anos e morreram de “causas naturais”. Faça um heredograma
resumindo as informações que você obteve sobre a família de Allen e faça uma recomendação para um estudo mais detalhado e/ou um
tratamento.
2. Os dois irmãos de Mary e o irmão de sua mãe apresentaram distrofia muscular de Duchenne (DMD) e já faleceram. Com base apenas nessas
informações, qual é a probabilidade de Mary ser uma portadora heterozigota para essa doença? Qual é a probabilidade dela ter filhos afetados?
Suponha agora que Mary fez o exame da creatinoquinase (CK) sérica e que foi informada que seu nível está acima do percentil 95 para
indivíduos homozigotos normais. Aproximadamente dois terços dos portadores de DMD apresentam níveis de CK acima do percentil 95.
Considerando essas informações, use o teorema de Bayes para calcular a probabilidade de Mary ser uma portadora e a probabilidade dela ter
uma criança acometida pela doença.
3. O pai de Bob teve a doença de Huntington e faleceu. Bob tem 51 anos de idade e não apresenta sintomas da doença. As curvas da idade de
início mostram que em aproximadamente 85% dos indivíduos com o pai afetado, os primeiros sintomas surgem nessa idade (a percentagem é
ligeiramente menor, cerca de 80%, se a mãe for afetada). Com base nessas informações, use o teorema de Bayes para estimar a probabilidade
de Bob ter herdado a mutação da doença de Huntington de seu pai.

LEITURAS SUGERIDAS
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Fontes na Internet
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Genetic Alliance (descrições das condições genéticas, informações sobre seguros de saúde e links com grupos leigos de apoio) http://www.geneticalliance.org/
Gene Reviews (revisão atual e abrangente de muitas condições genéticas): http://www.genetests.org/resources/genereviews.php
Gene Tests (diretório de testes genéticos e laboratórios que os realizam): http://www.genetests.org
Grupo de Interesse Genético (aliança de organizações, com a participação de mais de 120 grupos que apoiam crianças, famílias e indivíduos acometidos pelas doenças
genéticas) http://www.gig.org.uk/
Institutos Nacionais do Escritório de Saúde das Doenças Raras (informações sobre mais de 6.000 doenças raras) http://rarediseases.info.nib.gov/
London Dysmorphology Database (diagnóstico com o auxílio de computador de doenças genéticas e outras síndromes; assinatura paga): http://www.lmdatabases.com
POSSUM (diagnóstico com ajuda pelo computador das doenças genéticas e de outras síndromes; é necessária subscrição paga) http://www.possum.net.au/
Site das Patologias Genéticas e Raras (links para grupos leigos de apoio para um grande número de distúrbios genéticos) http://www.kumc.edu/gec/support/
GLOSSÁRIO

NOTA: As palavras ou frases destacadas em negrito em uma definição já foram definidas em outra parte neste glossário.

α-fetoproteína Proteína semelhante à albumina, produzida pelo feto. O nível de α-fetoproteína é elevado em gestações com defeitos de tubo neural e pode estar reduzido em
gestações de conceptos com síndrome de Down.

α-fetoproteína sérica materna (MSAFP) α-fetoproteína está presente no soro de mulheres grávidas, usada na triagem pré-natal para doenças fetais como os defeitos de
tubo neural e a síndrome de Down.

acetilação A adição de um grupo acetil a uma molécula (como na acetilação de histonas).

achados incidentais Achados secundários obtidos em um teste que não se relacionam à razão pela qual ele foi solicitado (p. ex., um teste genético), mas cujos significados
interferem nos cuidados ao paciente.

ácido desoxirribonucleico Veja DNA.


ácido ribonucleico (RNA) Molécula de filamento único que consiste em um açúcar (ribose), um grupo fosfato e uma base nitrogenada (adenina, citosina, guanina e
uracila). Há três tipos básicos de RNA: RNA mensageiro (mRNA), RNA ribossômico (rRNA) e RNA transportador (tRNA).

aconselhamento genético O processo de comunicação de informações sobre doenças genéticas (riscos, história natural, tratamento, entre outras) e apoio aos pacientes e
suas famílias.

acrocêntrico Um cromossomo cujo centrômero fica próximo à região terminal do braço curto.

adenina Uma das quatro bases nitrogenadas do DNA (abreviatura: A).

adenovírus Vírus de DNA de cadeia dupla que pode ser utilizado em terapia gênica.

afinidade O poder de ligação de um anticorpo com um antígeno (baixa afinidade indica ligação insatisfatória; alta afinidade indica forte ligação).
alça de cromatina Uma unidade do enrolamento do DNA que consiste em um grupo de solenoides. Cada alça tem aproximadamente 100 kb.

alelo Abreviação convencional de “alelomorfo”. O termo se refere a formas ou sequên­cias diferentes de DNA, que um mesmo gene pode ter em uma população.

aminoácidos Os principais elementos de formação de polipeptídeos. Cada um dos 20 aminoácidos é codificado por um ou mais códons de mRNA.

amniocentese Técnica de diagnóstico pré-natal na qual uma pequena quantidade de líquido amniótico é retirada por via transabdominal, por volta de 16 semanas após o
último período menstrual. As células do feto presentes no líquido podem ser testadas para várias doenças genéticas.

amniocentese precoce Amniocentese realizada por volta de 12 a 14 semanas após o último período menstrual.
amniócito Célula fetal encontrada no líquido amniótico.

amostragem de vilosidades coriônicas (CVS) Técnica de diagnóstico pré-natal na qual uma pequena amostra das vilosidades coriônicas é aspirada. O procedimento é
realizado normalmente entre a 10a e a 12a semana de gestação, por via transabdominal ou cervical.
amostragem percutânea de sangue do cordão umbilical (PUBS) Técnica de diagnóstico pré-natal na qual se obtém uma amostra do sangue do feto por punção do
cordão umbilical. Também chamada de cordocentese.

anáfase Um dos estágios da divisão celular, no qual cromátides irmãs se separam e migram para polos opostos da célula.

análogo de uma base Substância que pode imitar o comportamento químico de uma das quatro bases do DNA. O análogo de base é um tipo de mutagênico.

ancestralidade genética As origens dos ancestrais de um indivíduo; termo usado com mais frequência para se referir às origens geográficas dos ancestrais de uma pessoa.

anemia Uma deficiência de células sanguíneas vermelhas ou de hemoglobina.

aneuploide Situação na qual o número de cromossomos não é múltiplo de 23, como na trissomia e na monossomia. Comparar com euploide (substantivo: aneuploidia).
angiogênese Formação de novos vasos sanguíneos.

anormalidade ou característica monogênica Aspecto ou doença causada por um gene isolado. Comparar com poligênico e multifatorial.

anormalidades cromossômicas Um grande grupo de doenças genéticas que resultam de alterações no número ou na estrutura cromossômica, visíveis ao microscópio
óptico.

antecipação Uma característica de genealogias nas quais uma doença é observada em idades mais precoces ou com o aumento da gravidade nas gerações mais recentes.

anticódon Sequência tripla de nucleotídeos do DNA de uma molécula de tRNA que faz o pareamento das bases complementares com um códon do mRNA.
anticorpo Molécula produzida por plasmócitos; os anticorpos se ligam a antígenos invasores.

antígeno Molécula que provoca a formação de anticorpos (de “antibody generator”, gerador de anticorpo).

antígeno leucocitário humano (HLA) Termo mais antigo para complexo principal de histocompatibilidade (MHC).

apoptose Morte celular programada.

array CGH (aCGH) Veja hibridização genômica comparativa.


associação Coocorrência de duas ou mais características ou eventos em frequências maiores do que as esperadas por acaso.

ativador Um fator de transcrição específico que se liga a coativadores e a intensificadores (enhancers) para ajudar a regular a atividade transcricional de certos genes.

autoimunidade A condição na qual o sistema imune de uma pessoa ataca suas próprias células.

autorradiograma Imagem produzida pela exposição de uma substância marcada radioativamente, como uma sonda (probe), a um filme radiográfico (p. ex., usado na
detecção de RFLPs e em algumas técnicas de hibridização in situ).

autossomos Os 22 pares de cromossomos, excluindo-se os cromossomos sexuais (X e Y).


bacteriófago Vírus que infecta bactérias. Na tecnologia do DNA recombinante, os bacteriófagos são usados como vetores para transportar sequências de DNA neles
inseridas.

bandamento C Tipo de coloração de cromossomos que destaca a heterocromatina constitutiva que se localiza nos centrômeros e, em alguns cromossomos, também
próximas a eles.

bandamento de alta resolução Análise por bandamento de cromossomos em prófase ou prometáfase, que são mais estendidos do que os obtidos em metáfase e, por isso,
apresentam mais bandas e permitem uma análise em maior resolução.
bandamento de cromossomos O processo de aplicação de corantes e outras substâncias específicas aos cromossomos para produzir padrões característicos de bandas
(p. ex., bandamento GTG).

bandamento G (giemsa) Tipo de coloração que produz as bandas G nos cromossomos.

bandamento por quinacrina (bandamento Q) Técnica de coloração de cromossomos na qual se adiciona um corante fluorescente (composto de quinacrina) aos
cromossomos, os quais são então visualizados em microscópio fluorescente.

bandamento reverso (bandamento R) Técnica de bandamento dos cromossomos na qual estes são aquecidos em um tampão fosfato; produz bandas escuras e claras em
um padrão reverso (oposto) daquele produzido pelo bandamento G.

bandas (1) Áreas visivelmente mais escuras nos autorradiogramas que representam a localização dos alelos em um gel. (2) Áreas mais escuras e mais claras alternadas,
visíveis nos cromossomos após o uso de certos tipos de corantes.
base Uma das quatro substâncias nitrogenadas (adenina, citosina, guanina e timina) que compõem parte da molécula de DNA. As combinações de bases especificam as
sequências de aminoácidos.

benigno Descreve uma neoplasia (tumor) que não invade o tecido circundante nem forma metástases para outras partes do corpo. Comparar com maligno.

biblioteca de cDNA Coleção de segmentos de DNA complementar (cDNA) clonados em veículos como fagos ou plasmídeos. Comparar com biblioteca genômica.

biblioteca específica de cromossomos Coleção de fragmentos de DNA de um determinado cromossomo.

biblioteca genômica Coleção de fragmentos de DNA do genoma completo de um organismo. Inclui tanto cDNA como DNA não codificador. Comparar com biblioteca de
cDNA.
bivalente Um par de cromossomos homólogos ligados que pode ser observado na prófase I da meiose. Sinônimo de tétrade.

bolha de replicação Estrutura de replicação que ocorre em locais múltiplos em um cromossomo, permitindo que a replicação seja realizada mais rapidamente.

cadeia antisense A cadeia (fita ou filamento) de uma molécula de DNA de cadeia dupla da qual o mRNA será transcrito. Veja cadeia sense.

cadeia leve Um dos componentes estruturais principais da molécula de anticorpo consistindo em uma cadeia κ ou uma cadeia λ. A cadeia leve tem peso molecular mais
baixo que o outro componente principal, a cadeia pesada.

cadeia pesada Um dos principais componentes estruturais de uma molécula de anticorpo, tendo peso molecular mais alto do que o outro componente também importante, a
cadeia leve. Há cinco tipos de cadeias pesadas no homem: γ, µ, α, δ e ε.
cadeia sense Em uma molécula de DNA de cadeia dupla, essa é a cadeia que não transcreve mRNA. Por causa do pareamento complementar de bases, a cadeia sense tem
sequência idêntica ao mRNA transcrito (exceto que o mRNA tem uracila em vez de timina). Veja cadeia antisense.

candidato posicional Abordagem de mapeamento gênico na qual se usa a análise de ligações para definir a localização aproximada de um gene. Genes candidatos
conhecidos na região são então avaliados quanto ao seu possível papel na manifestação da característica ou da doença sob análise.

cap 5’ Estrutura que se forma na extremidade 5’ do mRNA formada por nucleotídeos de guanina quimicamente modificados.

carcinogênese O processo de desenvolvimento do câncer.

carcinógeno Uma substância capaz de produzir câncer (adjetivo: carcinogênico).


carcinomas Tumores que se originam nas células epiteliais.

cariograma Uma apresentação dos cromossomos, ordenados de acordo com seu tamanho. Veja cariótipo.

cariótipo Constituição cromossômica característica de um indivíduo (algumas vezes é utilizado como sinônimo de cariograma).

cariótipo espectral Apresentação dos cromossomos (do cariótipo) em que cada par adquire uma cor uniforme específica; resulta da combinação de sondas fluorescentes
com câmeras de captura e softwares de processamento especiais de imagens.

caso-índice Veja probando.

catalisador Substância que aumenta o índice de uma reação química. As enzimas são um exemplo de catalisador.
cauda de poliadenilato (poli A) A adição de vários nucleotídeos de adenina à extremidade 3’ de um mRNA transcrito primário.

cDNA DNA complementar formado pela transcrição reversa de mRNA purificado (extraído) de uma amostra de células. Esse tipo de DNA corresponde somente à sequência
codificadora (éxons).

célula apresentadora de antígenos (APC) Célula que fagocita corpos estranhos, os digere e a seguir exibe os antígenos estranhos em sua superfície para serem
reconhecidos pelos linfócitos T.

célula natural killer Tipo de linfócito que está envolvido na fase precoce de defesa contra micro-organismos estranhos e tumores, e que não está restrito ao MHC.

célula somática Toda célula do organismo que não pertence à linhagem germinativa (de formação de gametas). Nos seres humanos, a maioria das células somáticas é
diploide.
célula T reguladora Tipos de célula T que funcionam para controlar outros componentes da resposta imune.

célula-tronco embrionária Células encontradas em embriões precoces que possuem potencial para se transformarem em qualquer tipo de célula do corpo (pluripotência).

células de memória Classe de células B de ligação de alta afinidade que permanecem no corpo depois do término de uma resposta imune; elas fornecem uma resposta de
alta afinidade relativamente rápida, caso o mesmo antígeno seja encontrado em uma segunda vez.

células dendríticas Um tipo de célula apresentadora de antígeno que processa o material dos patógenos, apresentando o material na sua superfície celular para ativar as
células T e B.

células filhas Células que resultam da divisão de uma célula progenitora.


células-tronco embrionárias Células, encontradas no embrião inicial, que têm potencial para se tornar qualquer tipo de célula (pluripotência).

centimorgan (cM) Unidade de medida da frequência de recombinação entre dois loci, conhecida também como unidade de mapa. Um cM corresponde a uma frequência
de recombinação de 1%.

centríolo Nas células, é a estrutura que ajuda a manter os cromossomos separados durante a meiose e a mitose.

centro de inativação do X A localização no cromossomo X a partir da qual é transmitido o sinal de inativação desse cromossomo (inclui o gene XIST).
centrômero A região de um cromossomo que separa os dois braços; os centrômeros são os sítios de anexação das fibras do fuso durante a divisão celular.

chips de DNA Veja microarrays.

ciclinas Proteínas que interagem com quinases dependentes de ciclina para regular o ciclo celular em estágios específicos.
ciclo celular A sequência alternada de fases entre mitose e interfase.

citocina Um fator de crescimento que provoca a proliferação das células (p. ex., interleucinas).

citocinese Divisão citoplásmica que ocorre durante a mitose e a meiose.

citogenética O estudo de cromossomos e de suas anormalidades, combinando citologia, o estudo das células e a genética.

citometria de fluxo Técnica de separação, classificação e avaliação de grupos individuais de partículas (como os cromossomos).

citosina Uma das quatro bases do DNA (abreviatura: C).


classe Veja isótipo.

clastogênico Um agente que induz quebras em cromossomos (exemplo: radiação).

clonagem funcional Método de isolamento de genes no qual um gene com função do seu produto proteico conhecida é avaliado como gene candidato responsável por
uma característica ou uma doença.

clonagem posicional O isolamento e a clonagem de um gene de doença após determinação de sua localização física aproximada; subsequentemente, o produto gênico é
determinado. Processo anteriormente denominado “genética reversa”.

clone (1) Uma série de fragmentos idênticos de DNA obtidos por técnicas de DNA recombinante. (2) Células idênticas que descendem de uma ancestral única em comum.
coativador Tipo de fator de transcrição específico que adere a ativadores e ao complexo do fator geral de transcrição para regular a transcrição de genes específicos.

código genético As combinações de códons do mRNA que especificam aminoácidos individuais.

codominante Alelos que quando herdados em conjunto no estado heterozigoto se expressam juntamente (p. ex., alelos A e B do sistema sanguíneo ABO).

códon Grupo de três bases do mRNA, cada um dos quais especificando um aminoácido quando traduzidos.

códon de parada (stop codon) Trincas de bases do mRNA que especificam o ponto de parada da tradução do mRNA.
coeficiente de consanguinidade (inbreeding) A probabilidade de que um indivíduo seja homozigoto em um locus como resultado da consanguinidade em seus pais.

coeficiente de correlação intraclasse Medida estatística que varia entre –1 e 1 e que especifica o grau de similaridade de duas quantidades em uma amostra ou
população.

coeficiente de relacionamento Dado estatístico que mede a proporção de genes compartilhados por dois indivíduos como resultado da descendência de um ancestral
comum.

coeficiente de seleção Medida numérica do grau de seleção natural contra um genótipo específico; medido tipicamente como o número de filhos produzidos por
indivíduos portadores do genótipo, em relação a outros genótipos no locus. O coeficiente 0 indica que não há seleção contra o genótipo e o coeficiente 1 indica letalidade do
genótipo.

cofatores Substâncias que interagem com enzimas para produzir reações químicas, como os vários processos metabólicos (p. ex., elementos de traço dietético e vitaminas).
colchicina ou colcemid Um veneno que destrói o fuso e interrompe a divisão celular na metáfase, tornando mais fácil a obtenção de cromossomos para análise ao
microscópio.

colinearidade espacial Correlação entre o arranjo 5’-3’ de genes ao longo dos cromossomos e sua expressão preferencial espacial, ou seja, por local (p. ex., anterior para
posterior) durante o desenvolvimento.

colinearidade temporal Correlação entre o arranjo 5’-3’ de genes ao longo dos cromossomos e o momento de sua expressão no desenvolvimento, ou seja, mais precoce ou
mais tardia.

combinação aleatória Veja panmixia.

combinação (união) não informativa Combinação na qual a fase de ligação não pode ser estabelecida.
compensação de dose A situação na qual, como consequência da inativação de um X, a quantidade de produto genético codificado pelo cromossomo X das fêmeas é
praticamente igual à dos machos.

complexo principal de histocompatibilidade (MHC) classe I Uma glicoproteína que se expande pela membrana, encontrada na superfície de quase todas as células
e que se liga a antígenos para que sejam reconhecidos por linfócitos T citotóxicos. Comparar com MHC classe II.

complexo principal de histocompatibilidade (MHC) classe II Uma glicoproteína que se expande pela membrana, encontrada na superfície de células
apresentadoras de antígenos, que se liga a antígenos para que sejam reconhecidos por células T auxiliares.

concordante O termo se refere a dois indivíduos com a mesma característica (p. ex., gêmeos monozigóticos podem ser concordantes para uma doença, como o diabetes).
Comparar com discordante (substantivo: concordância).

congênito Presente ao nascimento.


consanguinidade A união de indivíduos aparentados (adjetivo: consanguíneos).

conservação A preservação de sequências de DNA altamente similares entre organismos diferentes; sequências conservadas são geralmente encontradas em genes
funcionais.

conservada Veja conservação.

constitucional ou constitutivo Que pertence ao DNA das células normais do corpo, geralmente usado em contraste com o DNA alterado de um tumor (contrário de
adquirido).

cordocentese Veja amostragem percutânea de sangue do cordão umbilical (PUBS).


corpúsculo de Barr O cromossomo X inativo, visível como uma massa de cromatina de coloração densa nas células somáticas femininas normais. Conhecido também
como cromatina sexual.

corpúsculo polar Célula produzida durante a ovogênese que possui núcleo, mas com citoplasma muito reduzido.

correlação genótipo-fenótipo A relação entre genótipos possivelmente diferentes (isto é, de alelos diferentes) em um locus e o fenótipo do indivíduo. Por causa da
heterogeneidade alélica, alelos diferentes em um locus podem produzir a expressão mais ou menos intensa de um fenótipo de doença (p. ex., mutações de sentido trocado
vs. sem sentido).

cosmídeo Um híbrido de fagoplasmídeo capaz de aceitar inserções maiores de DNA (de até 40–50 kb) que o fago ou os plasmídeos.

cromátides irmãs As duas cadeias idênticas de um cromossomo duplicado, que estão unidas pelo centrômero.
cromatina A combinação de proteínas (p. ex., histonas) e ácidos nucleicos que forma os cromossomos.

cromossomo Estrutura filiforme (literalmente “corpo colorido”) constituída de cromatina. Os genes estão localizados ao longo dos cromossomos.

cromossomo artificial de levedura (YAC) Cromossomo de levedura sintetizado, capaz de transportar uma grande inserção de DNA (de até 1.000 kb).
cromossomo artificial do bacteriófago P1 (PAC) Vetor de clonagem que consiste em um bacteriófago P1 que é inserido em um plasmídeo; permite inserções de DNA
de até 100 kb.

cromossomo artificial humano Um cromossomo sintético composto de um centrômero e de telômeros artificiais, além de uma inserção de DNA humano que pode ser
de 5 a 10 Mb.

cromossomo bacteriano artificial (BAC) Plasmídeo recombinante inserido em bactérias que serve como vetor de clonagem; permite inserções de DNA de 50 a 200 kb.

cromossomo derivado Cromossomo que foi alterado como resultado de uma translocação (p. ex., derivado do 9, ou de [9]).

cromossomo em anel Cromossomo de estrutura anormal formado quando as duas extremidades de um cromossomo são perdidas e as novas extremidades se fundem entre
si.
cromossomo Philadelphia Cromossomo 22 que resulta da translocação recíproca entre seu braço longo e o braço longo de um cromossomo 9 em células somáticas;
característico de leucemia mieloide crônica.

cromossomos sexuais Os cromossomos X e Y em seres humanos. Comparar com autossomos.

crossing over (permuta) A troca de material genético entre cromossomos homólogos durante a meiose (essa troca também ocorre, raramente, durante a mitose); produz
recombinação gênica.

crossing over desigual Crossing over que ocorre entre sequências de DNA inadequadamente pareadas; produz deleções ou duplicações do material genético.

crossing over duplo A ocorrência de dois eventos de crossing overs (permutas) relati­vamente próximos um ao outro, de tal forma que os loci de lados opostos não sofrem
recombinação.
cruzamento Cruzamento entre organismos feito em estudos genéticos.

deformação Alteração provocada por forças mecânicas da forma, tipo ou posição de uma parte do corpo que originalmente estava normal (p. ex., a sequência do
oligodrâmnio).

degenerado Refere-se ao código genético – em que múltiplos códons podem codificar o mesmo aminoácido.

deleção A perda de material do cromossomo. Pode ser terminal ou intersticial. Comparar com duplicação.

deleção intersticial Deleção (perda) que remove alguma parte do interior do cromossomo.

deleção terminal Deleção (perda) cromossômica que remove parte que inclui um telômero (extremidade).
deriva genética Processo de evolução no qual as frequências genéticas se alteram como resultado de flutuações aleatórias na transmissão de genes de uma geração para a
seguinte. A deriva é maior em populações menores.

desequilíbrio de ligação Associação (ligação) não aleatória de alelos em loci ligados em populações. Comparar com equilíbrio de ligação.

diagnóstico direto Forma de diagnóstico de doença baseado no DNA, na qual a mutação por si mesma é examinada diretamente. Comparar com diagnóstico indireto.

diagnóstico do corpúsculo polar Técnica de diagnóstico pré-implantacional na qual o DNA de um corpúsculo polar é submetido à amplificação por PCR e investigado
por métodos moleculares.

diagnóstico genético pré-implantacional (PGD) Forma precoce de diagnóstico genético na qual uma ou duas células obtidas de um embrião (produzido por FIV) são
analisadas quanto a anormalidades cromossômicas (por FISH) ou quanto a presença de mutações gênicas (amplificação do DNA por PCR, seguida de técnicas
complementares).
diagnóstico indireto Forma de diagnóstico genético na qual a mutação que causa a doença não é observada diretamente; refere-se, normalmente, ao diagnóstico usando
marcadores ligados. Comparar com diagnóstico direto.

diagnóstico pré-natal A identificação de uma doença em um embrião ou feto.

diagnóstico pré-sintomático A identificação de uma doença antes que o fenótipo seja clinicamente observável.

diferenciação celular A localização e a função programadas das células durante o desenvolvimento embrionário.

difosfato de guanosina (GDP) Forma parcialmente desfosforilada do trifosfato de guanosina.


digestão de restrição Processo no qual o DNA é exposto a uma enzima de restrição, provocando sua clivagem (quebras) em fragmentos de restrição.

dímero Uma molécula que consiste em duas subunidades estruturais semelhantes.

dinucleotídeo Dois nucleotídeos sequenciais em uma sequência de DNA.

diploide Que possui duas cópias de cada cromossomo. Em seres humanos, o número diploide é 46. Comparar com haploide, polipoide.

discordante Termo que se refere a dois indivíduos que não compartilham a mesma característica. Comparar com concordante.
dismorfologia O estudo do desenvolvimento físico anormal.

dispermia Fertilização de um único óvulo por dois espermatozoides.

displasia Defeito no qual as células assumem organização anormal no tecido (p. ex., displasia óssea).

disrupção Defeito morfológico que resulta da interrupção de um processo de desenvolvimento originalmente normal (p. ex., defeito de redução de membro por
vascularização insatisfatória).

disrupção direcionada Disrupção de um gene específico de modo a eliminar sua expressão.


dissomia uniparental Condição na qual as duas cópias de um par cromossômico são herdadas de um único genitor, sem nenhuma outra cópia herdada de outro. A condição
pode ser uma heterodissomia ou uma isodissomia.

distribuição de suscetibilidade (ou de risco) Uma escala teórica de suscetibilidade à doença, que varia entre os indivíduos, dependendo dos fatores de risco genéticos
ou ambientais.

divisão equacional O segundo principal ciclo da meiose: meiose II. Comparar com divisão reducional.

divisão reducional O primeiro ciclo da meiose (meiose I), na qual o número de cromossomos é reduzido de diploide para haploide.

dizigótico Tipo de gêmeo originado da gestação na qual cada gêmeo resulta da fertilização de um ovócito diferente. Sinônimo de gêmeo fraterno. Comparar com
monozigótico.

DNA (ácido desoxirribonucleico) Molécula de hélice dupla que consiste em um esqueleto de açúcar-fosfato e quatro bases nitrogenadas (A, G, C e T). As bases do DNA
codificam o RNA mensageiro (mRNA) que, por sua vez, codifica as sequências de aminoácidos.
DNA alfa-satélite Um tipo de sequência de DNA repetitivo encontrado próximo aos centrômeros.

DNA de cópia única Sequências de DNA que ocorrem só uma vez no genoma. Comparar com DNA repetitivo.

DNA livre de células (cfDNA) Moléculas de DNA que não estão localizadas dentro das células.
DNA recombinante Molécula de DNA artificial que consiste de componentes de mais de uma molécula original (p. ex., DNA humano inserido em um vetor de plasmídeo).

DNA repetitivo Sequências de DNA encontradas em cópias múltiplas no genoma. Elas podem estar dispersas ou repetidas em tandem.

DNA repetitivo disperso Classe de sequências repetidas de DNA na qual repetições únicas estão espalhadas por todo o genoma. Comparar com repetições em tandem.

DNA satélite Porção do DNA que difere tanto em composição de bases que forma uma banda distinta na centrifugação de gradiente de cloreto de césio; geralmente contém
sequên­cias de DNA altamente repetitivo.

doença da imunodeficiência Classe de doenças caracterizadas por insuficiências na resposta imune (p. ex., deficiência imune combinada grave).
doença de imunodeficiência primária Desordem do sistema imune causada diretamente por defeitos (geralmente genéticos) em componentes ou células do sistema
imune.

doença de imunodeficiência secundária Desordem do sistema imune que é consequência de um agente ou defeito que se origina fora do sistema imune (p. ex.,
infecção, radiação e drogas).

doença dos cromossomos Doenças relacionadas aos cromossomos.

doenças mitocondriais Doenças das mitocôndrias.

doenças multifatoriais Veja multifatorial.

dominante Um alelo que se expressa tanto em cópia única (nos heterozigotos) como em cópia dupla (nos homozigotos). Comparar com recessivo.
dupla hélice O formato em “escada retorcida” da molécula de DNA de filamento duplo.

dupla hélice downstream (abaixo) Refere-se à orientação das sequências ao longo do gene – especificamente à direção 3’ do filamento codificador do DNA ou da
molécula de RNA. Compare com upstream (acima).

duplicação A presença de uma cópia extra de material cromossômico. Comparar com deleção.

efeito fundador Alteração significativa das frequências genéticas que ocorre quando uma população “fundadora” pequena contendo variação genética limitada deriva de
uma população maior. O efeito fundador pode ser considerado como um caso especial de deriva genética.

elementos genéticos móveis ou transposons Sequências de DNA capazes de se inserirem elas próprias (ou cópias delas mesmas) em outras localizações no genoma;
também conhecidos como elementos transponíveis.
eletroforese Técnica na qual moléculas com carga elétrica são colocadas em uma placa com meio e expostas a um campo elétrico que faz com que elas migrem pelo meio
em velocidades diferentes, de acordo com sua carga, tamanho ou outros aspectos. Veja também eletroforese de proteínas.

eletroforese de proteínas Técnica na qual se identificam as variações de aminoácidos com base em diferenças de carga que causam mobilidade diferencial de
polipeptídeos através de um meio carregado eletricamente.

endocitose Processo pelo qual as moléculas são transportadas para o interior das células.

endonuclease de restrição Enzima bacteriana que cliva o DNA em uma sequência específica (sítio de restrição).

engenharia genética Alteração de genes — o processo envolve, tipicamente, técnicas de DNA recombinante.
enzimas de restrição Enzimas que clivam o DNA em sequências específicas de nucleotídeos.

equilíbrio de ligação Falta de associação preferencial de alelos em loci ligados. Comparar com desequilíbrio de ligação.

equilíbrio entre mutação e seleção Estado no qual a taxa de eliminação de um alelo de uma população (por causa da seleção natural) é igual à taxa de introdução do
alelo na população (por causa da mutação). O equilíbrio mutação-seleção pode prognosticar a fre­quência gênica de um alelo em uma população.

escore LOD O logaritmo comum da proporção da probabilidade de ligação em uma fração de recombinação específica à probabilidade de ausência de ligação.

especificidade A porcentagem de indivíduos não afetados que são corretamente identificados por um teste (medida pelo número de verdadeiros negativos). Comparar com
sensibilidade.
espectrometria de massa Análise da proporção massa/carga de moléculas; pode ser usada para sequenciar DNA e detectar mutações.

espectrometria de massa em tandem Forma de espectrometria de massa na qual são usadas duas máquinas; a primeira separa as moléculas de acordo com a massa e a
segunda avalia a massa e a carga das moléculas após sua fragmentação.

espermátide Uma das quatro células haploides formadas de um espermatócito primário durante a espermatogênese. As espermátides amadurecem (se transformam) em
espermatozoides.

espermatócito primário A célula diploide da progênie de uma espermatogônia que sofre meiose I para produzir espermatócitos secundários.

espermatócito secundário Célula contendo 23 cromossomos de filamento duplo, produzida de um espermatócito primário após meiose I no homem.
espermatogênese Processo de formação do gameta masculino.

espermatogônia Células-tronco primordiais diploides, da linhagem germinativa da qual derivam as células do esperma (espermatozoides).

espermatozoides Células reprodutivas masculinas maduras.

esporádico Refere-se à ocorrência de uma doença em uma família sem padrão aparente de transmissão genética (com frequência, é o resultado de uma mutação nova).

estimativa de probabilidade máxima Procedimento estatístico no qual são estimadas as probabilidades de vários valores de parâmetros, os quais são posteriormente
comparados para se determinar a maior probabilidade. Usado, por exemplo, para avaliar os escores LOD para determinar a frequência de recombinação mais provável.
estria primitiva Estrutura formada durante a gastrulação dos mamíferos e que consiste em tecido espessado do epiblasto ao longo do eixo anterior/posterior.

estudos de associação genômica ampla (GWAS) Estudos nos quais as frequências de alelos em vários loci (tipicamente polimorfismos de nucleotídeo único, SNPs)
são comparadas entre casos de doença e controles não afetados. Os SNPs que mostram grandes diferenças de frequência entre casos e controles provavelmente estão
localizados dentro ou próximos dos genes responsáveis pela doença.

eucariotos Organismos cujas células possuem núcleos verdadeiros.

eucromatina Cromatina que se cora mais levemente durante a interfase e que tende a ser transcricionalmente ativa. Comparar com heterocromatina.

eugenia Uso de procriação controlada para aumentar a prevalência de traços genéticos “desejáveis” (eugenia positiva) e reduzir a prevalência de traços “indesejáveis”
(eugenia negativa).

euploide Refere-se às células cujo número de cromossomos é múltiplo de 23 (em seres humanos) (substantivo: euploidia).
exoma A porção do genoma que é usada para codificar proteínas.
éxons Porções de genes que codificam aminoácidos e que permanecem após o processamento do mRNA transcrito primário. Comparar com íntron.

expressão ectópica Expressão de um produto gênico em local ou tipo de tecido anormal.

expressividade variável Característica pela qual o mesmo genótipo pode produzir fenótipos de gravidade (ou expressividade) variável (p. ex., fenótipo da
neurofibromatose do tipo 1).
extensão do primer Parte do processo da reação em cadeia da polimerase, no qual a DNA polimerase forma a sequência de DNA a partir de um primer de
oligonucleotídeo.

fagócito Célula que digere partículas estranhas.

falha meiótica Meiose aberrante na qual um gameta diploide é produzido, em vez de um gameta haploide normal.

falso negativo Resultado de um teste no qual um indivíduo é incorretamente identificado como não sendo portador de uma doença testada. Comparar com falso positivo.

falso positivo Resultado de um teste no qual um indivíduo é incorretamente identificado como sendo portador de uma doença testada. Comparar com falso negativo.
família Veja família gênica.

família Alu Um grupo importante de sequências de DNA repetitivo disperso.

família gênica Grupo de genes com sequência de DNA similar e que evoluíram a partir de um único gene ancestral comum; esses genes podem ou não estar localizados na
mesma região cromossômica.

farmacogenética Estudo da variação genética na resposta individual a medicamentos.

farmacogenômica Estudo da variação genética na resposta individual a medicamentos usando dados de testes de muitos genes em todo o genoma (comparar com
farmacogenética).

fase de ligação O arranjo de alelos de loci ligados nos cromossomos.


fator de crescimento Substância capaz de estimular a proliferação das células.

fator de transcrição Proteína que se liga ao DNA para influenciar e regular a transcrição.

fator de transcrição específico Classe de fatores de transcrição que ativam apenas genes específicos em fases específicas ao longo do tempo.

fator de transcrição geral Classe de fatores de transcrição que são necessários para a transcrição de todos os genes estruturais.

fenocópia Fenótipo que lembra o que é produzido por um gene específico, mas que, ao contrário, resulta de um fator diferente, tipicamente não genético (p. ex., cabelo loiro
artificialmente produzido).
fenótipo As características observadas em um indivíduo, produzidas pela interação entre genes e fatores ambientais.

fertilização in vitro (FIV) Procedimento no qual a fertilização de um ovócito por um espermatozoide é realizada no laboratório. O embrião é, então, implantado no útero da
mãe.

fibra do fuso Um dos fios microtubulares que formam o fuso em uma célula.

fluxo genético A troca de genes entre populações diferentes.

fragmento de restrição Segmento do DNA que foi clivado por uma endonuclease de restrição.
frequência de genótipos É a fração de indivíduos portadores de um genótipo específico em uma população.

frequência de recombinação A porcentagem de meioses na qual são observadas recombinações entre dois loci. Usada para estimar as distâncias genéticas entre loci. Veja
também centimorgan.

frequência gênica O percentual de cromossomos contendo um gene específico em uma população.

G1 A fase de gap 1 da interfase.

G2 A fase de gap 2 da interfase.


gameta A célula primordial haploide (esperma e ovócito).

gametogênese O processo de formação de gametas.

ganho de função Classe de mutações que resulta em um produto proteico que tem sua função aumentada ou uma função nova. Comparar com perda de função.

gastrulação O estágio embrionário no qual as células da blástula são dispostas para se tornarem uma estrutura de três camadas consistindo em endoderma, mesoderma e
ectoderma.

gene A unidade fundamental da hereditariedade.

gene candidato Um gene que, com base em propriedades conhecidas ou no produto proteico, é considerado potencial causador de uma doença genética específica.
gene de fusão Um gene que resulta de uma combinação de dois genes ou de partes de dois genes (de fusão gênica).

gene modificador Gene que altera a expressão de outro gene, localizado em outro locus.

gene principal Um único locus responsável por uma característica (às vezes contrastado com um componente poligênico).

gene supressor de tumor Gene cujo produto ajuda a controlar o crescimento e a proliferação celular; mutações nos supressores de tumor podem causar câncer (p. ex.,
gene do retinoblastoma, RB1).

genes condutores (driver genes) Genes que podem oferecer uma vantagem de crescimento para os tumores, o que os define como causadores primários de câncer.
Compare com os genes passageiros.
genes de manutenção (genes housekeeping) Genes cujos produtos proteicos são exigidos para manutenção ou metabolismo celular básicos. Por causa de seu papel
central na vida celular têm atividade de transcrição em todas as células.

genes passageiros Genes que sofrem mutações somáticas durante a tumorigênese, mas não são os que dão origem à vantagem de crescimento. Compare com genes
condutores.

genética clínica Aplicações clínicas diretas da genética nos cuidados aos pacientes.

genética de população Área da genética que lida com a variação e a evolução genética das populações.

genética molecular Estudo da estrutura e função de genes no nível molecular.


genoma A totalidade do DNA de um organismo.

genótipo A constituição alélica de um indivíduo em um locus.

gliomas Tumores que se originam das células gliais.


globina Um componente essencial da molécula da hemoglobina. A globina é encontrada também na molécula de mioglobina dos vertebrados.

grupo sanguíneo Moléculas encontradas nas superfícies de eritrócitos, algumas das quais (ABO e Rh) determinam a compatibilidade para a transfusão sanguínea.

guanina Uma das quatro bases nitrogenadas do DNA (abreviatura: G).


haploide Refere-se a células que possuem uma cópia de cada cromossomo (um lote), o estado típico dos gametas. Em seres humanos, o número haploide é 23.

haploinsuficiência Descreve a situação em que 50% do nível normal de expressão gênica (isto é, em um heterozigoto) não é suficiente para a função normal.

haplótipo A constituição alélica de loci múltiplos em um único cromossomo. Derivado de “genótipo haploide”.

heme O componente da molécula de hemoglobina contendo ferro; liga-se ao oxigênio.

hemizigoto Refere-se ao gene que está presente em uma única cópia (hemi = “metade”). O termo se refere, mais usualmente, aos genes no cromossomo único X masculino,
mas pode se referir a outros genes no estado haploide, como os genes homólogos a uma região deletada de um cromossomo.
herdabilidade A porção da variância de uma característica na população que pode ser atribuída a fatores genéticos.

heredograma Um diagrama que representa parentesco, sexo, estado de doenças e outros aspectos de uma genealogia.

heterocromatina Cromatina de coloração escura que, em geral, está transcricionalmente inativa e é constituída principalmente de DNA repetitivo. Comparar com
eucromatina.

heterocromatina constitutiva A heterocromatina constituída de DNA satélite; localizada nos centrômeros de todos os cromossomos, próxima aos centrômeros em
alguns e nos braços curtos dos acrocêntricos.

heterodissomia A presença, em uma célula, de dois cromossomos derivados de um único genitor e de nenhum cromossomo do outro genitor (dissomia). Na heterodissomia,
os dois cromossomos são homólogos não idênticos. Comparar com isodissomia.

heterogeneidade alélica Descreve os quadros em que alelos diferentes em um locus podem produzir expressão variável de uma doença. Dependendo da definição do
fenótipo, a heterogeneidade alélica pode causar duas doenças distintas, como na distrofia muscular de Duchenne e de Becker.

heterogeneidade de locus Descreve doenças nas quais mutações em loci distintos podem produzir o mesmo fenótipo de doença (p. ex., osteogênese imperfeita; retinite
pigmentosa).

heteroplasmia A presença de sequências de DNA discordantes em um locus dentro de uma única célula. Quadro observado frequentemente em genes da mitocôndria.

heterotetrâmero Molécula consistindo em quatro (tetra) subunidades, com pelo menos uma diferente das outras. Comparar com homotetrâmero.

heterozigoto Indivíduo que possui dois alelos diferentes em um locus. Comparar com homozigoto.

heterozigoto composto Indivíduo heterozigoto para duas mutações diferentes causadoras de doença em um locus. Comparar com homozigoto. Os heterozigotos
compostos para mutações de doença recessivas são normalmente afetados pela desordem.
heterozigoto manifestante Indivíduo que é heterozigoto para um traço recessivo, mas que exibe o traço. Usado mais frequentemente para descrever fêmeas heterozigotas
para um traço ligado ao X e que exibem o traço.

hibridização genômica comparativa (CGH) Técnica na qual uma mistura de DNA de uma fonte de teste (p. ex., um tumor) e um controle normal são rotulados
diferencialmente, misturados e hibridizados com cromossomos de metáfase normal ou de um microensaio (array CGH). As diferenças na coloração revelam perdas ou
duplicações de cromossomos no DNA de teste.

hibridização fluorescente in situ (FISH) Técnica citogenética molecular na qual sondas marcadas de DNA são hibridizadas com cromossomos e então visualizados sob
microscópio fluorescente.

hipermutação somática Aumento extremo na taxa de mutação de células somáticas, observado em linfócitos B à medida que eles conquistam maior afinidade de ligação
a um antígeno estranho.

hipótese de Lyon Proposta (já verificada) de que um cromossomo X é aleatoriamente inativado em cada célula somática do embrião feminino normal (lyonização).
histona O núcleo de proteína ao redor do qual o DNA é enrolado em um cromossomo.

HLA-A, HLA-B, HLA-C Veja antígeno leucocitário humano.

holândrico Refere-se à herança ligada ao Y; transmissão exclusiva de pai para filho.

homeodomínio Porção de proteínas do fator de transcrição de ligação ao DNA envolvida no desenvolvimento embrionário.

homologia (1) Refere-se a sequências de DNA ou de aminoácidos altamente similares entre si. (2) Descreve cromossomos que formam pares durante a meiose, um derivado
do pai e outro derivado da mãe do indivíduo.
homólogos Cromossomos que apresentam homologia.

homotetrâmero Molécula que consiste em quatro (tetra) subunidades idênticas. Comparar com heterotetrâmero.

homozigoto Indivíduo cujos dois alelos em um locus são os mesmos. Comparar com heterozigoto.

hot spot (ponto quente) de recombinação Uma região de um cromossomo na qual a frequência de recombinação é elevada.

hot spots (pontos quentes) mutacionais Sequências de nucleotídeo nas quais a taxa de mutação é substancialmente elevada.
ilhas CG Sequências CG não metiladas e encontradas próximo às terminações 5’ de muitos genes.

imprinting genômico Descreve o processo no qual o material genético é expresso diferentemente quando herdado da mãe e quando herdado do pai.

imunogenética O estudo da base genética do sistema imune.

imunoglobulina Receptor encontrado na superfície das células B. Quando secretado na circulação por células B que tenham amadurecido em células do plasma, as
imunoglobulinas são conhecidas como anticorpos.

inativação do X Processo pelo qual genes de um cromossomo X em cada célula do embrião feminino se tornam inativos em termos de transcrição.
incesto O casamento de indivíduos intimamente relacionados, descrevendo geralmente a união de parentes de primeiro grau.

independência Um princípio, geralmente invocado em análise estatística, indicando que a ocorrência de um evento não tem efeito sobre a probabilidade de ocorrência de
outro (adjetivo: independente).

indução A influência ou determinação de desenvolvimento de um grupo de células por um segundo grupo de células.

influenciado pelo sexo Traço cuja expressão é modificada pelo sexo do indivíduo portador da característica.

inibidores de quinases dependentes de ciclina Proteínas que inativam quinases dependentes de ciclina. Muitas delas são supressoras de tumor.

inserção Sequência de DNA colocada em um vetor, como um plasmídeo ou cosmídeo, usando técnicas de DNA recombinante.
instabilidade genômica Quadro anormal no qual ocorre aumento substancial em mutações em todo o genoma. Isso pode ocorrer, por exemplo, quando um sistema de
reparação de DNA estiver incapacitado.
intensificador (enhancers) Sequência reguladora de DNA que interage com fatores de transcrição específicos para aumentar a transcrição dos genes. Comparar com
silenciador.

interação gene-meio ambiente Um efeito fenotípico mútuo de um gene e de um fator ambiental que é maior que o efeito isolado de cada fator envolvido (p. ex, o efeito
mútuo da deficiência de α1-antitripsina e do consumo de cigarros no enfisema pulmonar).

interfase Porção do ciclo celular que se alterna com meiose ou mitose (divisão celular). O DNA é replicado e reparado durante essa fase.

íntron Sequência de DNA encontrada entre dois éxons. Ele é transcrito em mRNA primário, mas é removido na formação do transcrito maduro do mRNA.
inversão Rearranjo estrutural de um cromossomo no qual ocorrem duas quebras, seguidas pela reinserção do segmento do cromossomo, mas em ordem inversa. A inversão
pode ser paracêntrica ou pericêntrica. Veja também inversão paracêntrica e inversão pericêntrica.

inversão paracêntrica Inversão que não inclui o centrômero.

inversão pericêntrica Inversão que inclui o centrômero.

isocromossomo Um rearranjo de cromossomos estruturais causado pela divisão de um cromossomo ao longo de um eixo perpendicular ao eixo usual de divisão; resulta em
cromossomos com dois braços curtos ou dois braços longos.

isodissomia A presença, em uma célula, de dois cromossomos idênticos, derivados de um dos genitores e nenhum do outro genitor. Os dois cromossomos são homólogos
idênticos. Comparar com heterodissomia.
isótipo Classe de moléculas de imunoglobulina (p. ex., IgA, IgE, IgG) determinada pelo tipo de cadeia pesada presente na molécula.

knockout Modelo animal no qual um gene específico foi inativado.

knockout condicional A inativação experimental de um gene (p. ex., em um modelo de camundongo) que está confinado a tecidos específicos, células ou a algum momento
do desenvolvimento do organismo.

lentivírus Tipo de retrovírus que pode invadir células que não estão se dividindo.

leucemias Tumores que se originam nas células hematopoiéticas.


ligação ou ligado Descreve dois loci localizados tão próximos no mesmo cromossomo que sua frequência de recombinação é inferior a 50%.

ligado ao sexo Característica determinada por genes localizados nos cromossomos sexuais (X ou Y).

ligado ao X Refere-se a genes que estão localizados no cromossomo X.

limiar de suscetibilidade Um valor de distribuição de suscetibilidade a uma doença (veja distribuição de suscetibilidade) abaixo do qual um indivíduo não é afetado e
acima do qual ele é afetado.

limitado pelo sexo Característica que ocorre apenas em um dos sexos.


LINEs (elementos nucleares intercalados longos) Classe de DNA repetitivo disperso no qual cada repetição é relativamente longa, de até 7 kb. Comparar com
SINEs.

linfócito B (também, célula B) Um componente do sistema imunológico adaptativo que produz anticorpos.

linfócito T auxiliar Tipo de linfócito T cujos receptores aderem a um complexo de moléculas MHC de classe II e de peptídeos estranhos nas superfícies de células
apresentadoras de antígenos. Faz parte do sistema imunológico celular.

linfócito T citotóxico Um tipo A do linfócito T que destrói uma célula quando ela apresenta um complexo de molécula MHC de classe I e um peptídeo estranho. Parte do
sistema imunológico celular. Também chamado de linfócito T killer.

linfócito T killer Veja linfócito T citotóxico.


linfócito T ou célula T Um componente do sistema imune adaptativo cujos receptores se aderem a um complexo de moléculas de MHC e de antígenos estranhos. Existem
duas classes principais de linfócitos T: os linfócitos T auxiliares e os linfócitos T citotóxicos.

linfomas Tumores que se originam nas células do sistema linfático.

linhagem germinativa Células responsáveis pela produção de gametas.

lipossomo Corpo gorduroso usado, às vezes, como vetor para a terapia gênica de células somáticas.

loci de caracteres quantitativos Genes responsáveis pela variação de características quantitativas, como estatura.

locus A localização de um gene específico no cromossomo (plural: loci).


macrófago Tipo de fagócito que fagocita corpos estranhos e os exibe em sua superfície para reconhecimento por receptores de células T.

malformação Defeito morfológico primário que resulta de um processo de desenvolvimento intrinsecamente anormal (p. ex., polidactilia).

maligno Descreve um tumor capaz de invadir tecido circundante e formar metástases para outros locais no corpo. Comparar com benigno.

mapeamento de dosagem Técnica para mapeamento de genes na qual o produto gênico em excesso ou deficiente é correlacionado com uma duplicação ou deleção
cromossômica.

mapeamento físico A determinação de distâncias físicas entre genes por meio de técnicas citogenéticas e moleculares. Comparar com mapeamento gênico, no qual se
estimam as frequências de recombinação.
mapeamento gênico A ordenação dos genes nos cromossomos de acordo com a frequência de recombinação. Comparar com mapeamento físico.

mapeamento multipontos Tipo de mapeamento genético no qual frequências de recombinação entre três ou mais loci são estimadas simultaneamente.

marcador de sequência expressa (EST) Várias centenas de pares de base (PB) de sequência conhecida de cDNA, flanqueadas por primers (iniciadores) de PCR. Por
serem derivadas de bibliotecas de cDNA, essas sequências representam porções de genes expressos.

marcadores Polimorfismos, como RFLPs (polimorfismo de tamanho de fragmento de restrição), VNTRs (polimorfismos de minissatélite), repetições de microssatélites e
grupos sanguíneos, que estão ligados ao locus de uma doença.

maturação de afinidade Fase do desenvolvimento das células B na qual a célula sofre hipermutação somática de modo que algumas células formadas podem atingir
ligação de alta afinidade a peptídeos de um patógeno.
medicina personalizada Abordagem de cuidados médicos nos quais o tratamento é proposto especificamente para um determinado paciente. Em genética, o objetivo é
incorporar o perfil genético do paciente nas decisões sobre o diagnóstico e o tratamento.

megabase (Mb) Um milhão de pares de bases.

meiose Processo de divisão celular no qual gametas haploides são formados a partir de células germinativas diploides.

mendeliana Diz respeito a Gregor Mendel. Descreve uma característica atribuível a um único gene.

mesênquima Tecido que forma o tecido conjuntivo, vasos linfáticos e sanguíneos durante o desenvolvimento embrionário.
metacêntrico Cromossomo no qual o centrômero está localizado aproximadamente no meio de sua estrutura.

metáfase Um estágio da mitose e da meiose no qual cromossomos homólogos estão dispostos ao longo do plano equatorial celular, ou placa metafásica. Esse é o estágio
mitótico no qual os cromossomos estão no máximo da condensação e são mais facilmente visualizados.

metástase A disseminação de células malignas de um local do corpo para outro (verbo: metastizar).
metilação A incorporação de grupos metil; em genética, refere-se especialmente à adição de grupos metil a bases de citosina, formando a 5-metilcitosina. A metilação está
correlacionada à transcrição reduzida de genes.

método de análise de pares de irmãos afetados Método de análise de ligação (linkage) no qual pares de irmãos, ambos afetados pela doença, são avaliados quanto à
extensão de compartilhamento de alelos em vários loci marcadores. Se o compartilhamento de alelos for significativo, com frequência maior do que os 50% esperados, a
ligação da doença com o marcador será indicada.

método dideoxi Técnica de sequenciamento de DNA na qual dideoxinucleotídeos, que terminam a replicação, são incorporados em filamentos de DNA em replicação.

microarranjos de DNA Veja microarrays.

microarrays Disposições de grandes quan­tidades de sequências de DNA, como oligonucleotídeos, consistindo de sequências normais e mutadas, sob lâminas de vidro ou
chips de silicone (chips de DNA). Esses oligonucleotídeos podem ser hibridizados com o DNA marcado dos indivíduos para investigar sequências variantes de sequenciar
DNA ou para analisar padrões de expressão gênica.
microdeleção (síndrome de) Deleção cromossômica pequena demais para ser visível ao microscópio (p. ex., síndrome de DiGeorge e síndrome de Prader-Willi). Veja
também síndrome de genes contíguos.

microRNAs (miRNA) Pequenas sequências não traduzidas de RNA que se ligam a, e regulam, sequências de RNA.

microssatélite Um tipo de DNA satélite que consiste em pequenas unidades de repetição (geralmente 2, 3, 4 ou 5 pb) que ocorrem em tandem.

minissatélite Tipo de DNA satélite que consiste em unidades de repetições em tandem, cada uma com cerca de 20 a 70 pb de comprimento. A variação no número de
repetições de minissatélites é a base dos polimorfismos de VNTRs.

mismatch A presença, em uma cadeia de DNA de filamento duplo, de uma base que não é complementar à base correspondente na outra cadeia. Conhecida também como
pareamento insatisfatório.
mitocôndrias Organelas citoplasmáticas impor­tantes na respiração das células. As mitocôndrias possuem seu próprio DNA específico.

mitose Processo de divisão celular no qual duas células filhas idênticas são produzidas a partir de uma única célula progenitora. Comparar com meiose.

modelo de carcinogênese two-hit (dois passos) Modelo de carcinogênese no qual as duas cópias de um gene devem ser alteradas para que uma neoplasia se
desenvolva.

modificação pós-traducional Vários tipos de adições e de alterações em um polipeptídeo que ocorrem após um mRNA transcrito maduro ser traduzido em polipeptídeo
(p. ex., hidroxilação, glicosilação e clivagem de porções do polipeptídeo).

molde ou template Uma cadeia de DNA que serve de molde para a replicação de uma nova cadeia. Refere-se, também, ao filamento do DNA do qual o mRNA é transcrito.
molécula coestimuladora Molécula da superfície celular que participa na ligação de receptores de células T a complexos de antígenos MHC.

monoclonal Refere-se a um grupo de células que consiste em um clone único (isto é, todas as células derivam de uma mesma célula ancestral).

monogênico Descreve uma característica resultante da ação de um gene único, ou mendeliano.

monossomia Condição aneuploide na qual um cromossomo específico está presente em apenas uma cópia, ficando o indivíduo com um total de 45 cromossomos.

monozigoto Descreve um par de gêmeos no qual os dois membros derivam de um zigoto único. Sinônimo de gêmeo idêntico. Comparar com dizigoto.

morfogênese O processo de desenvolvimento de uma célula, órgão ou organismo.


mosaicismo confinado à placenta Forma de mosaicismo observado apenas na placenta, não no feto.

mosaico A existência de duas ou mais linhagens celulares geneticamente diferentes em um mesmo indivíduo.

mosaico de linhagem germinativa Tipo de mosaico no qual a linhagem germinativa de um indivíduo contém um alelo ou cromossomo que não está presente nas
células somáticas.

mosaico de tecido específico Mosaico no qual o mosaicismo está confinado a tecidos específicos do corpo.

motivos de ligação ao DNA Porções dos fatores de transcrição que permitem sua interação com sequências específicas de DNA (p. ex., motivo hélice-alça-hélice e motivo
zinc finger).
multifatorial Descreve características ou doenças que são produto da interação de múltiplos fatores genéticos e ambientais (p. ex., defeitos de tubo neural).

múltiplos passos (multi-hit ) da carcinogênese Princípio pelo qual a maioria dos tumores surge de uma série de erros, ou “passos”, que ocorrem em uma célula.

mutação Alteração em uma sequência de DNA.

mutação de novo Veja mutação nova.

mutação de ponto ou pontual (1) Em genética molecular, a alteração de um único nucleotídeo em um nucleotídeo diferente. (2) Em genética clássica, uma alteração de
sequência de DNA muito pequena para ser detectada ao microscópio.
mutação do promotor Qualquer alteração na sequência de DNA que é encontrada na região promotora de um gene.

mutação espontânea Mutação não conhecida como resultado de um fator exógeno. Comparar com mutação induzida.

mutação frameshift Alteração de DNA na qual uma duplicação (inserção) ou deleção de pares de nucleotídeos de maneira não múltipla de três.

mutação gênica letal Uma alteração da sequência de DNA que impede que um indivíduo transmita seu DNA para a próxima geração.

mutação induzida Mutação causada por um fator exógeno, como a radiação. Comparar com mutação espontânea.
mutação missense (de sentido trocado) Tipo de mutação que resulta na alteração de um único aminoácido no produto gênico traduzido. Comparar com mutação
nonsense (sem sentido).

mutação nonsense (sem sentido) Tipo de mutação na qual um mRNA com um códon de parada (stop codon) é produzido, resultando em término prematuro da tradução,
ou remoção desse códon, resultando em um produto proteico alongado ou truncado. Comparar com mutação missense.

mutação nova Alteração na sequência do DNA que aparece pela primeira vez em uma família como resultado de uma mutação em uma das células germinativas de um dos
genitores.

mutação silenciosa Alteração na sequência de DNA que não altera a sequência de aminoácidos, por causa da degeneração do código genético.

mutações no sítio de corte (splicing) Alterações de sequência de DNA em sítios doadores ou sítios aceptores ou nos sítios de consenso próximos. Essa mutação
produz encaixe alterado de íntrons, de modo que porções de éxons são deletadas ou porções de íntrons são incluídas no mRNA transcrito maduro.
mutagênica Substância que causa mutação.

não diretividade Descreve a abordagem no aconselhamento genético na qual as informações são fornecidas a um paciente ou família, sem que o aconselhador interfira nas
suas tomadas de decisões.

não disjunção Falha na separação de cromossomos homólogos (na mitose ou na meiose I) ou de cromátides irmãs (na meiose II). Pode produzir aneuploidia.
não mendeliano Qualquer dos padrões não clássicos de herança, ou seja, que não foram estudados por Gregor Mendel (que não se refere a mutações em um único locus).

negativo dominante Tipo de mutação na qual o produto proteico alterado em um heterozigoto forma um complexo com o produto proteico normal produzido pelo gene
homólogo normal, incapacitando-o.

neoplasia ou tumor Grupo de células caracterizadas por proliferação desregulada (pode ser benigna ou maligna).

neurulação Formação do tubo neural durante o desenvolvimento do embrião.

Northern blotting Técnica para investigação de expressão gênica no qual o mRNA em um blot é hibridizado com uma sonda marcada.
nuclease efetora semelhante a ativador de transcrição (TALEN) Enzima de restrição construída artificialmente que consiste em um efetor tipo ativador de
transcrição (TALE) e uma nuclease (N). O TALE pode ser projetado para se ligar a uma sequência específica qualquer de DNA enquanto o componente nuclease cliva o
DNA. Como podem clivar o DNA em localizações precisas no genoma, as TALENs são usadas para modificar sequências-alvo de DNA para criar modelos animais de
doenças ou outros fenótipos.

nucleossomo Unidade estrutural de cromatina na qual 140 a 150 pb de DNA são enroladas ao redor de uma unidade central de oito moléculas de histonas.

nucleotídeo Unidade básica de DNA ou de RNA que consiste de uma desoxirribose (ou ribose no caso do RNA), um grupo fosfato e uma base nitrogenada.

oligonucleotídeo Sequência de DNA que consiste de um pequeno número de bases de nucleotídeo.

oligonucleotídeo alelo-específico Uma se­­quência curta de DNA, geralmente de 18 a 20 nucleotídeos, que se hibridiza com sequências de DNA normais ou causadoras
de doença. Usada em diagnóstico direto de mutações.
oncogene Gene que pode transformar células em um estado altamente proliferativo, levando ao câncer.

organizador de Spemann-Mangold Um grupo das células no embrião em desenvolvimento do anfíbio que inicia o desenvolvimento do sistema nervoso central.

organogênese A formação de órgãos durante o desenvolvimento embrionário.

origem da replicação Ponto no qual a replicação começa em um filamento do DNA; nos eucariotos, cada cromossomo tem várias origens de replicação.

ovócito primário O produto diploide de uma ovogônia. Todos os ovócitos primários são produzidos na mulher durante seu desenvolvimento pré-natal; eles sofrem meiose I
para produzir ovócitos secundários quando tem início a ovulação.

ovócito secundário Célula contendo 23 cromossomos de filamento duplo, produzida de um ovócito primário após meiose I na mulher.
ovogênese Processo de produção de óvulos.

ovogônia A célula primordial da linhagem germinativa diploide da qual derivam, por fim, os óvulos.

óvulo Célula reprodutiva feminina madura; ocorre após a fertilização e antes da fusão com o pronúcleo masculino.

padrão de formação O arranjo espacial de células diferenciadas para formar tecidos e órgãos durante o desenvolvimento embrionário.

padronização do eixo Definição, durante o desenvolvimento embrionário, dos principais eixos do embrião: ventral/dorsal e anterior/posterior.
palíndromo Sequência de DNA cuja sequência complementar é a mesma, se lida em sentido inverso (p. ex., 5’-AATGCG-CATT-3’).

panmixia Descreve uma população na qual indivíduos se casam aleatoriamente quanto a um genótipo específico.

parálogo Nas espécies, um membro de um conjunto de genes homólogos (p. ex., HOXA13 e HOXD13).

par de base (pb) Unidade de bases complementares de DNA em uma molécula de DNA de filamento duplo (A-T ou C-G).

pareamento de base complementar Processo fundamental no qual os pares de adenina só combinam com timina e os pares de guanina somente com citosina.
Conhecido também como pareamento de Watson-Crick.
pb Abreviação de par de base.

penetrância A probabilidade de expressar um genótipo, admitindo que um indivíduo herdou o genótipo predisponente. Se essa probabilidade for inferior a 1,0, diz-se que o
genótipo da doença teve penetrância reduzida ou incompleta.

penetrância dependente da idade Descreve fenótipos de doença que possuem probabilidade mais alta de ocorrência com o avanço da idade do indivíduo que apresenta
o genótipo de risco (p. ex., doença de Huntington e câncer de mama hereditário).

perda de função Classe de mutação na qual a alteração resulta em um produto proteico não funcional ou com redução de função. Comparar com ganho de função.

perda de heterozigosidade Descreve um locus ou loci em que uma deleção ou outro processo converteu o locus em heterozigosidade em um locus de homozigosidade ou
hemizigosidade.
perfil de DNA Série de polimorfismos de DNA (geralmente VNTRs ou microssatélites) identificados em um indivíduo. Uma vez que esses polimorfismos são altamente
variáveis, os genótipos combinados são úteis na identificação de indivíduos para objetivos forenses.

pirimidinas As bases (citosina e timina do DNA; citosina e uracila no RNA) que consistem em anéis únicos de carbono-nitrogênio. Comparar com purinas.

plano corporal O padrão e o arranjo dos segmentos corporais durante o desenvolvimento embrionário.

plano equatorial O centro do fuso celular, ao longo do qual os cromossomos homólogos estão distribuídos durante a fase da metáfase.

plasmídeo Molécula circular de DNA de filamento duplo, encontrada em bactérias e capaz de replicação independente. Os plasmídeos são usados com frequência como
vetores de clonagem em técnicas de DNA recombinante.
plasmócito Linfócito B maduro capaz de secretar anticorpos.

pleiotropia Descreve genes com efeitos fenotípicos múltiplos (p. ex., síndrome de Marfan e fibrose cística) (adjetivo: pleiotrópico).

pluripotência A habilidade de uma célula em se desenvolver em mais de um tipo de célula madura e diferenciada.

polaridade Direção (p. ex., definição de anterior versus posterior em padronização do eixo).

poligênico Descreve uma característica que resulta de efeitos aditivos combinados de múltiplos genes.

polimerase de DNA Enzima envolvida em replicação e reparação do DNA.


polimorfismo Locus no qual dois ou mais alelos possuem frequências genéticas superiores a 0,01 em uma população. Quando esse critério não é preenchido, o locus é
monomórfico.
polimorfismo de comprimento de fragmento de restrição (RFLP) Variações na sequência de DNA em populações, detectadas digerindo-se o DNA com
endonucleases de restrição, eletroforese dos fragmentos de restrição resultantes, transferência dos fragmentos para um meio sólido (blot) e hibridização do DNA no blot com
uma sonda marcada.

polimorfismo de nucleotídeo único (SNPs) Polimorfismos que resultam da variação em um único nucleotídeo. Comparar com microssatélites e VNTRs.

polimorfismo de repetição de microssatélites Veja repetições curtas em tandem (STRs).


polimorfismo de repetições curtas em tandem (STRs) Uma sequência de DNA que contém múltiplas sequências curtas repetidas, em tandem. Essas sequências são
polimórficas porque o número de repetições varia entre os indivíduos.

polipeptídeo Uma série de aminoácidos unidos entre si por ligações peptídicas.

poliploidia Anormalidade cromossômica na qual, embora o número de cromossomos em uma célula seja múltiplo de 23, ele é maior que o número diploide normal (p. ex.,
triploidia [69 cromossomos] e tetraploidia [92 cromossomos]).

ponto de quebra Em um cromossomo, o local em que ocorreu uma alteração, do tipo deleção ou translocação.

portador A pessoa que possui uma cópia de um gene causador de doença, mas que não expressa a doença. O termo é geralmente empregado para indicar heterozigotos para
um gene recessivo de doença. (não é recomendado para designar um afetado).
portador obrigatório Indivíduo confirmado como portador de um gene causador de doença (geralmente com base da análise do heredograma).

primer ou inicializador Sequência de oligonucleotídeos que flanqueia qualquer um dos lados do DNA a ser amplificada por reação em cadeia da polimerase.

princípio de Hardy-Weinberg Princípio que especifica uma relação de equilíbrio entre frequências gênicas e frequências genotípicas nas populações.

probabilidade A proporção de vezes em que um evento específico ocorre em vários ensaios clínicos.

probabilidade condicional A probabilidade de um evento ocorrer, admitindo que outro evento já ocorreu. As probabilidades condicionais são usadas, por exemplo, no
teorema de Bayes.
probabilidade conjunta A probabilidade de ocorrência conjunta de dois eventos.

probabilidade posterior Na análise bayesiana, a probabilidade final de um evento após a consideração das probabilidades anterior, condicional e conjunta.

probabilidade prévia Em análise bayesiana, a probabilidade de ocorrência de um evento, estimada antes que qualquer informação adicional, como um teste bioquímico de
portador, seja incorporada.

probando Em um heredograma, a primeira pessoa a ser identificada clinicamente como portadora da doença em questão. Sinônimo de propósito e de caso-índice.

procarioto Qualquer organismo que não possui um núcleo definido.

prófase O primeiro estágio da mitose e da meiose.


promotor Sequência de DNA localizada a 5’ de um gene ao qual a RNA polimerase se liga para iniciar a transcrição do DNA em mRNA.

propósito Veja probando.

proteína quinase Enzima que fosforila resíduos de serina, treonina ou de tirosina nas proteínas.

proto-oncogene Gene cujo produto proteico está envolvido na regulação do crescimento celular. Quando alterado, um proto-oncogene pode se transformar em um
oncogene causador de câncer.

pseudogene Gene que é altamente similar em sequência a outro gene ou genes, mas que ficou inativo, em termos de transcrição ou de tradução, em virtude de mutações.
pseudomosaicismo Indicação falsa de mosaicismo fetal, causado por um artefato de cultura celular.

purinas As duas bases de DNA (também do RNA), adenina e guanina, que consistem em anéis duplos de carbono-nitrogênio. Comparar com pirimidinas.

quadrado de Punnett Tabela que especifica os genótipos que podem surgir a partir dos gametas originados da união de um par de indivíduos.

quase dominante Padrão de herança que parece ser autossômico dominante, mas que na realidade é autossômico recessivo. Geralmente, é o resultado da união entre um
homozigoto afetado e um heterozigoto.

quebra cromossômica A quebra de cromossomos; sua frequência aumenta na presença de agentes clastogênicos.
quebras de DNA de filamento duplo Tipo de quebra de DNA na qual os dois filamentos são quebrados em um local específico.

quiasma A localização de um crossing over entre dois cromossomos homólogos durante a meiose.

quilobase (kb) Equivale a 100 pares de bases de DNA.

quinases dependentes de ciclina Enzimas que formam complexos com ciclinas específicas para fosforilar proteínas reguladoras (como a pRb) em estágios específicos
do ciclo celular.

raça Agrupamento de populações humanas com base em sua origem geográfica, idioma ou outros aspectos. De forma mais generalizada, as raças humanas correspondem
grosseiramente às origens continentais dos indivíduos.
radiação ionizante Tipo de emissão de energia capaz de remover elétrons de átomos, causando assim a formação de íons (p. ex., raios X).

radiação não ionizante Tipo de emissão de energia que não remove elétrons de átomos, mas que pode alterar suas órbitas (p. ex., radiação ultravioleta).

razão de probabilidade ou razão de verossimilhança Uma estatística que mede a probabilidade de um evento ou de uma série de eventos.

reação cruzada A ligação de anticorpos a um antígeno que não é aquele que estimulou originalmente a formação dos anticorpos. Esses antígenos são geralmente muito
semelhantes ao antígeno que gerou o anticorpo original.

reação em cadeia da polimerase (PCR) Técnica de amplificação de um grande número de cópias de uma sequência específica de DNA flanqueadas por dois primers
(ou iniciadores) de oligonucleotídeos. O DNA é alternadamente aquecido e resfriado em ciclos, na presença da DNA polimerase e de nucleotídeos livres, de modo que o
segmento do DNA especificado é desnaturado, hibridizado com primers e amplificado pela DNA polimerase.
reação medicamentosa adversa grave Uma reação clinicamente significativa à administração terapêutica de um medicamento.

rearranjos subteloméricos Alterações de cromossomos, principalmente deleções e duplicações que ocorrem próximas aos telômeros e que podem causar doença
genética.

receptor Estrutura celular de superfície que adere a partículas extracelulares.

receptor de fator de crescimento Estrutura existente na superfície das células, às quais os fatores de crescimento se ligam.

receptores de células killer semelhantes à imunoglobulina (KIR) Moléculas encontradas nas superfícies das células natural killer (veja célula natural killer); sua
função é inibir a ação das células killer quando elas se ligam a moléculas de MHC classe I nas superfícies de células normais.

recessivo Um alelo que é fenotipicamente expresso somente no estado homozigoto ou hemizigoto. O alelo recessivo é mascarado por um alelo dominante quando os dois
ocorrem juntos em um heterozigoto. Comparar com dominante.
recombinação A ocorrência, na prole, de novas combinações de alelos, resultando de crossing overs que ocorrem durante a meiose dos genitores.

recombinação somática A troca de material genético (crossing over) entre cromossomos homólogos durante a mitose em células somáticas; mais rara que a recombinação
meiótica.

recombinase Enzima que ajuda a efetuar a recombinação somática (especialmente importante em linfócitos B e T).
redundância genética A existência de mecanismos ou vias genéticas alternativos que podem compensar quando um mecanismo ou uma via normalmente utilizados forem
inviabilizados.

região constante Um componente da molécula da imunoglobulina que determina a classe principal da molécula.

região de controle de locus Sequência de DNA na região 5’ de aglomerados de genes de globina, envolvida na regulação da transcrição.

região pseudoautossômica A parte distal do braço curto do cromossomo Y, que pode sofrer crossing over com a parte distal do braço curto do cromossomo X durante a
meiose nos homens.

região variável Componente da molécula de imunoglobulina que reconhece e se liga a antígenos específicos.
regra da adição Lei da probabilidade que estabelece que a probabilidade da ocorrência de um ou de outro episódio deriva da adição das probabilidades dos dois episódios
juntos, assumindo-se que os episódios ocorrem independentemente um do outro.

regra da multiplicação Lei da probabilidade segundo a qual a probabilidade da ocorrência concomitante de dois ou mais eventos independentes pode ser obtida
multiplicando-se as probabilidades individuais de cada evento.

reparo de DNA Processo pelo qual os erros na sequência do DNA são corrigidos para representar a sequência original.

reparo de excisão de nucleotídeo Tipo de reparo de DNA no qual grupos alterados de nucleotídeos, como os dímeros de pirimidina, são removidos e substituídos por
nucleotídeos com funcionamento apropriado.

reparo de pareamento errado de DNA Um tipo de reparo de DNA no qual nucleotídeos errados (isto é, por violações da regra de pareamento complementar de bases
G-C e A-T) são corrigidos por enzimas especializadas. Ver reparo mismatch.
reparo mismatch Processo de reparo de DNA no qual nucleotídeos pareados erroneamente são alterados para se tornarem complementares.

repetição expandida Tipo de mutação na qual o número de sequências de repetições de trinucleotídeos em tandem está muito aumentado (p. ex., na doença de
Huntington).

repetições curtas em tandem (STR) Sequências de DNA que contém múltiplas sequências curtas repetidas, uma atrás da outra. Essas se­­quências podem ser polimórficas
porque o número de repetições varia entre os indivíduos.

repetições de poucas cópias Sequências repetidas de DNA no genoma cujo número é relativamente pequeno. Contraste com repetições Alu ou repetições curtas em
tandem.

repetições em tandem Sequências de DNA que ocorrem em múltiplas cópias próximas, imediatamente uma atrás da outra. Comparar com DNA repetitivo disperso.
repetições palindrômicas curtas agrupadas e regularmente interespaçadas (CRISPR) Um sistema de edição de genes que usa a enzima nuclease Cas9 e uma
molécula de RNA guia não codificadora para produzir quebra de dupla hélice em uma localização genômica específica. Uma vez produzida a quebra, pares de bases do DNA
podem ser deletados ou adicionados aos modelos animais projetados da doença ou para realização de terapia gênica.

replicação O processo no qual uma molécula de DNA de filamento duplo é duplicada.

restrição do MHC A limitação de funções da resposta imune às interações mediadas pelo MHC (p. ex., a ligação de receptores de células T está restrita ao MHC porque ela
requer a apresentação de antígenos pelas moléculas de classe I ou de classe II do MHC).

retrovírus Tipo de vírus de RNA que pode transcrever inversamente seu RNA em DNA para inserção no genoma de uma célula hospedeira; útil como vetor para a terapia
gênica.

revisão de prova (proofreading) Processo de revisão para correção de erros que ocorrem durante a replicação, a transcrição ou a tradução.
ribossomo O local de tradução do RNA mensageiro maduro em sequências de aminoácidos.

ribozima Uma molécula de mRNA com atividade catalítica. Algumas ribozimas podem ser usadas para clivar o mRNA em terapia gênica de células somáticas.

risco de recorrência A probabilidade de produção de outros filhos afetados em famílias com um ou mais filhos já afetados.

risco empírico Estimativa de risco baseada em observação direta de dados da população.

RNA de interferência (iRNA) Método pelo qual uma sequência de mRNA é reconhecida e destruída por um complexo de proteínas que existem naturalmente em células
eucariotas. O iRNA pode ser usado para bloquear a expressão de genes específicos ou, no contexto da terapia gênica, para bloquear mutações de ganho de função.

RNA mensageiro (mRNA) Uma molécula de RNA formada a partir da transcrição do DNA. Antes da remoção dos íntrons, o mRNA é denominado transcrito primário;
após essa remoção, o transcrito maduro (ou o mRNA maduro) migra para o citoplasma, onde é traduzido em uma sequência de aminoácidos.
RNA polimerase Enzima que se adere a um sítio promotor e sintetiza o RNA mensageiro a partir da cadeia molde do DNA.

RNA ribossômico (rRNA) Compõe o ribossomo, em conjunto com moléculas proteicas.

RNA transportador (tRNA) Classe de RNA que ajuda na formação das cadeias de polipeptídeos durante a tradução. O segmento do anticódon do tRNA se liga ao códon
complementar do mRNA, e a extremidade 3’ da molécula do tRNA adiciona o aminoácido específico.

S A fase de interfase da replicação do DNA.

salto de éxon Uma forma de terapia gênica em que um éxon contendo uma variante prejudicial, como uma mutação frameshift, é removido.
sarcomas Tumores que se originam em células de tecido conjuntivo.

segregação Distribuição de genes de cromossomos homólogos para gametas diferentes durante a meiose.

segregação adjacente Padrão de segregação meiótica no qual o pareamento de cromossomos translocados leva a gametas desequilibrados. Comparar com segregação
alternada.

segregação alternada Padrão de segregação meiótica no qual o pareamento de cromossomos translocados leva a gametas equilibrados. Comparar com segregação
adjacente.

segregação independente Um dos princípios fundamentais da lei de Mendel; estabelece que alelos em loci diferentes são transmitidos independentemente uns dos
outros.
seleção natural Processo evolutivo no qual os indivíduos com genótipos favoráveis produzem um número relativamente maior de descendentes que sobrevivem.

senescente Idoso (p. ex., uma célula velha ou senescente).

sensibilidade A porcentagem de indivíduos afetados e corretamente identificados por um teste (medida pelo número de verdadeiros positivos). Comparar com
especificidade.
sensibilidade de dosagem Condição na qual a alteração do nível de um produto gênico (p. ex., uma deleção resultando em 50% de expressão ou uma duplicação
resultando em expressão de 150% do produto genético) provoca alteração substancial do fenótipo (incluindo o da doença).

sequência (anteriormente anomalad) Defeito primário do desenvolvimento a partir do qual surgem alterações estruturais secundárias (p. ex., sequência do
oligodrâmnio e sequência de Pierre-Robin).

sequência de consenso Sequência que define as bases de DNA observadas com mais frequên­cia em uma região de interesse. As sequências encontradas próximas aos
sítios doadores e sítios aceptores são exemplos de sequências de consenso.
sequência de DNA A ordem das bases do DNA ao longo de um cromossomo.

sequência de terminação Sequência de DNA que sinaliza a cessação da transcrição.

sequência direcionada à doença Protocolo de sequenciamento de DNA em que o sequenciamento limita-se aos genes que sabidamente causam uma doença específica.

sequenciamento de DNA de alto rendimento Análise de DNA massivamente paralela em que milhões de sequências curtas de DNA são produzidas simultaneamente.

sequenciamento do exoma O sequenciamento de DNA em que somente os éxons codificadores de proteína (exoma) são sequenciados.
sequenciamento do RNA (RNA-seq) Determinação da sequência de uma molécula de RNA; geralmente realizada com tecnologia de sequenciamento de alto rendimento.
Veja também sequenciamento de DNA de alto rendimento.

silenciadora Sequência de DNA que se adere a fatores de transcrição específicos para reduzir ou reprimir a atividade de certos genes. Comparar com intensificadora
(enhancer).

sinapse Pareamento de cromossomos homólogos durante a prófase I da meiose.

síndrome Um padrão de malformações ou defeitos primários múltiplos independentes entre si, mas que resultam de uma única causa (p. ex., síndrome de Down e síndrome
de Marfan).

síndrome de genes contíguos Doença causada pela deleção ou duplicação de genes múltiplos consecutivos. Veja também microdeleção.
síndrome de instabilidade cromossômica Doenças caracterizadas pela presença de grandes quantidades de quebras ou trocas cromossômicas, como a troca de
cromátides irmãs (p. ex., síndrome de Bloom).

SINEs (elementos nucleares intercalados curtos) Classe de DNA repetitivo disperso no qual cada repetição é relativamente curta. Comparar com LINEs.

sintênico Descreve dois loci localizados no mesmo cromossomo; eles podem ou não estar ligados.

sistema do complemento Um componente do sistema imune codificado por genes na região MHC da classe III e que pode destruir organismos invasores. O sistema do
complemento interage também com outros componentes do sistema imune, como anticorpos e fagócitos.

sistema imune adaptativo Tipo de sistema imune capaz de alterar sua sequência de DNA para se ligar mais efetivamente a partículas estranhas. Esse tipo inclui
componentes humoral e celular. Comparar com o sistema imune inato.
sistema imune celular O componente das células T do sistema imune adaptativo.

sistema imune humoral O componente de células B do sistema imune adaptativo, denominado humoral porque os anticorpos são secretados na circulação.

sistema imune inato O tipo de sistema imune que não altera suas características para responder a infecções. Parte principal da resposta imune inicial. Comparar com
sistema imune adaptativo.

sítio aceptor Sequência AG que define o sítio de encaixe na terminação 3’ de um íntron.

sítio alternativo de splicing Variação na localização de sítios de encaixe de íntrons-éxons em alguns genes que permite que um gene produza múltiplos produtos proteicos
diferentes.

sítio críptico de splicing Local no qual pode ocorrer um encaixe íntron-éxon quando o sítio de encaixe usual for alterado.
sítio de restrição Sequência de DNA clivada por endonuclease de restrição específica.

sítio doador A sequência GT que define o sítio de encaixe na terminação 5’ de um íntron.

sítios de sequências alvo (STSs) Sequências de DNA de várias centenas de pares de bases que são flanqueadas por primers de PCR. Sua localização cromossômica já
está estabelecida, tornando-os úteis como indicadores de posições físicas no genoma.

solenoide Estrutura de um DNA enrolado consistindo em cerca de seis nucleossomos.

sonda Em genética molecular, uma substância marcada, como um segmento de DNA, usada para identificar um gene, um mRNA transcrito ou um produto gênico (geralmente
por hibridização da sonda com o DNA-alvo).
submetacêntrico Um cromossomo no qual o centrômero está localizado mais próximo da extremidade do seu braço curto do seu braço longo. Comparar com metacêntrico
e acrocêntrico.

substituição de par de base A substituição de um par de base por outro. Um tipo de mutação.

telófase O estágio principal final da mitose e da meiose, no qual cromossomos filhos estão localizados em polos opostos da célula, com a formação de novos envelopes
nucleares.

telomerase Uma enzima transferase que repõe as sequências de DNA dos telômeros durante a divisão celular.

telômero A terminação de um cromossomo.


teorema de Bayes Um procedimento estatístico no qual probabilidades anteriores e condicionais são usadas para derivar uma estimativa melhorada de probabilidade ou de
risco.

terapia antisense Tipo de terapia gênica de células somáticas na qual um oligonucleotídeo é sintetizado para se hibridizar com uma sequência mutante de mRNA,
bloqueando sua tradução em proteína.

terapia gênica A inserção ou alteração de genes para corrigir uma doença.

terapia gênica de células somáticas Terapia gênica que altera células somáticas, mas não as células da linhagem germinativa. Comparar com terapia gênica de
linhagem germinativa.

terapia gênica de linhagem germinativa Terapia gênica que altera todas as células do corpo, incluindo as da linhagem germinativa. Comparar com terapia gênica de
células somáticas.
teratógeno Substância do ambiente que pode causar um defeito congênito.

teratologia O estudo de fatores ambientais que causam defeitos ou malformações congênitos

teste da proteína truncada Teste de detecção de mutações no qual o produto proteico codificado é traduzido artificialmente para detectar a presença de mutações
causadoras do truncamento (p. ex., as mutações nonsense ou frameshift).

teste de carga Um teste estatístico de risco de doença em que os efeitos individuais de todas as variantes associadas à doença em um locus são somadas.
teste genético A análise de DNA, RNA ou proteínas para testar quanto à presença de diferenças que podem causar uma doença genética.

tétrade O conjunto de quatro cromátides homólogas (duas cromátides irmãs de cada cromossomo homólogo) observado durante a prófase meiótica e metáfase I. Sinônimo de
bivalente.

tetraploidia Condição de poliploidia na qual o indivíduo tem quatro cópias de cada cromossomo em cada célula, em um total de 92 cromossomos.
timina Uma das quatro bases nitrogenadas do DNA (abreviatura: T).

traço quantitativo Característica que pode ser medida em escala contínua (p. ex., estatura e peso).

tradução Processo no qual uma sequência de aminoácidos é produzida de acordo com o padrão especificado pelo mRNA transcrito maduro.

transcrição Processo no qual uma sequência de DNA é sintetizada a partir de um DNA molde.

transcriptase reversa Enzima que transcreve RNA em DNA (daí o termo “reversa”).
transcrito maduro Descreve o mRNA após a remoção dos íntrons. Antes dessa remoção, o mRNA é conhecido como transcrito primário.

transcrito primário A molécula de mRNA diretamente após a transcrição a partir do DNA. Um mRNA transcrito maduro é formado a partir do transcrito primário, quando
os íntrons são removidos.

transdução A transferência do DNA de uma célula para outra por um vetor como um plasmídeo ou um bacteriófago.

transdução de sinal Processo no qual mensagens bioquímicas são transmitidas da superfície da célula para o núcleo.

transfecção A transferência de uma sequência de DNA para uma célula.

transferência de Southern (também Southern blot) Procedimento de laboratório no qual fragmentos de DNA submetidos anteriormente à eletroforese em gel são
transferidos para uma membrana sólida, como a nitrocelulose. O DNA pode então ser hibridizado com uma sonda marcada e exposto a raios X (um autorradiograma).
transferência nuclear de célula somática A colocação de um núcleo derivado de uma célula somática em uma célula diferente (a última é tipicamente um ovócito do
qual o núcleo original foi removido).

transformação A conversão oncogênica de uma célula normal para um estado de crescimento desregulado (célula neoplásica).

transgênico Refere-se a um organismo no qual um gene de outro organismo de outra espécie foi introduzido (p. ex., um camundongo transgênico que contém um gene
humano inserido em seu organismo).

translocação A troca de material genético entre cromossomos não homólogos.

translocação recíproca Translocação resultante de quebras em dois cromossomos diferentes com troca subsequente do material. Os portadores de translocações recíprocas
mantêm o número normal de cromossomos e a quantidade normal de material cromossômico.
translocação robertsoniana Translocação na qual os braços longos de dois cromossomos acrocêntricos são fundidos no centrômero; os braços curtos de cada
cromossomo são perdidos. O portador dessa translocação tem 45 cromossomos em vez de 46, mas é fenotipicamente normal, pois os braços curtos não contêm material
genético essencial.

transpóson Veja elementos genéticos móveis.

triagem de recém-nascidos Verificação por testes realizados na população de recém-nascidos para uma determinada condição, como PKU (fenilcetonúria), que é
detectável logo após o nascimento. A triagem expandida de recém-nascidos se refere ao uso de técnicas, como a espectrometria de massa em tandem, que permite a
triagem de um número maior de condições nessa população.

triagem populacional A verificação de populações em larga escala com relação a uma doença.

triagem expandida de recém-nascidos Veja triagem de recém-nascidos.


triagem genética A verificação em larga escala de populações definidas para identificar quem está em risco aumentado de possuir um gene causador de doença.

triagem pré-natal não invasiva (NIPS) Formas de triagem ou teste pré-natal em que o tecido-alvo não é penetrado ou perturbado.

triagem quádrupla Teste de triagem para síndrome de Down no feto e para várias outras condições, que pode ser realizado no soro materno durante a gestação. A triagem
quádrupla testa os níveis séricos maternos de estriol não conjugado, gonadotrofina coriônica humana, inibina A e α-fetoproteína sérica materna.

trifosfato de guanosina (GTP) Molécula exigida para a síntese de ligações de peptídeos durante a tradução.

triploidia Uma condição polipoide na qual o indivíduo tem três cópias de cada cromossomo em cada célula, em um total de 69 cromossomos.
trissomia Condição aneuploide na qual o indivíduo possui uma cópia extra de um cromossomo, com um total de 47 cromossomos em cada célula.

trissomia parcial Anormalidade estrutural de cromossomos na qual uma porção de um cromossomo está presente em três cópias; pode ser produzida por translocação
recíproca ou crossing over desigual. Veja também translocação recíproca e crossing over.

troca de classe Processo no qual as cadeias pesadas de linfócitos B mudam de uma classe, ou isótopo, para outra (p. ex., IgM para IgG).

troca de cromátides irmãs Troca de material cromossômico entre cromátides irmãs; pode ocorrer entre cromátides irmãs de uma tétrade durante a meiose ou entre
cromátides irmãs de um cromossomo somático duplicado (raras).

tumor Veja neoplasia.


tumorigênese Formação ou produção de um tumor.

ultrassonografia Técnica para visualização fetal na qual ondas sonoras são transmitidas através do feto e seus padrões de reflexão são exibidos em um monitor.

upstream (acima) Refere-se à orientação da sequência ao longo de um gene – especificamente à direção 51 da cadeia codificadora do DNA ou da molécula de RNA.
Compare com downstream.

validade Grau de precisão com que um teste mede o que pretende ser avaliado.

valor preditivo negativo Em triagem de uma doença, a porcentagem de indivíduos com resultado de testes negativos e que realmente não têm a doença. Comparar com
valor preditivo positivo.
valor preditivo positivo Entre os indivíduos identificados por um teste como portadores de uma doença, a porcentagem dos que realmente têm a doença. Comparar com
valor preditivo negativo.

variação do número de cópias (CNVs) Sequên­cias de DNA de 1.000 ou mais pares de bases presentes em números variáveis em indivíduos diferentes.

variação no número de repetições em tandem (VNTRs) Tipo de polimorfismo criado por variações no número de repetições de minissatélites em uma região
definida.

variância Medida estatística da variação em quantidade (de dispersão ou variabilidade dos dados); estimada como a soma dos quadrados das diferenças (dos desvios) em
relação a média.

variantes de significado desconhecido Variações na sequência de DNA cujas consequências funcionais ou clínicas ainda não foram estabelecidas.
varredura genômica Abordagem por mapeamento genômico na qual marcadores de todo o genoma humano são testados quanto à ligação com um fenótipo de doença.

verdadeiro negativo Teste que identifica corretamente um indivíduo como não sendo portador de uma doença. Veja também especificidade.

verdadeiro positivo Teste que identifica corretamente um indivíduo como sendo portador de uma doença. Veja também sensibilidade.
vetor O veículo usado para carregar uma inserção de DNA (p. ex., fago, plasmídeo, cosmídeo, CABs ou YACs).

vírus adenoassociado Um tipo de parvovírus usado, às vezes, como vetor para terapia genética de células somáticas.

zigoto O ovócito fertilizado diploide.


RESPOSTAS DAS QUESTÕES DE ESTUDO

CAPÍTULO 2
1. A sequência do mRNA é: 5’-CAG AAG AAA AUU AAC AUG UAA-3’ (lembre-se de que a transcrição acontece na direção 3’-5’ da fita de
DNA, fazendo com que o mRNA seja sintetizado na direção 5’ para 3’). Essa sequência do mRNA é traduzida na direção 5’ para 3’ para
fornecer a seguinte sequência de aminoácidos: Gln-Lys-Lys-Ile-Asn-Met-STOP.
2. O genoma é a soma total de nosso material genético. Ele é composto de 23 pares de cromossomos nucleares e do cromossomo mitocondrial.
Cada cromossomo contém um número de genes, as unidades básicas da hereditariedade. Os genes são compostos por um ou mais éxons; os
éxons se alternam com os íntrons. Os éxons codificam os códons do mRNA, que consistem de três nucleotídeos cada. É importante lembrar
que os padrões de enovelamento do DNA também seguem uma hierarquia: os cromossomos são compostos por alças de cromatina de 100 kb,
que por sua vez são compostas por solenoides. Cada solenoide contém aproximadamente seis nucleossomos. Cada nucleossomo possui cerca
de 150 pares de base de DNA e pode ou não incluir material codificador.
3. Aproximadamente 55% do DNA humano é formado por sequências repetitivas cuja função em grande parte ainda é desconhecida. O DNA de
cópia única inclui genes que codificam proteínas, mas em sua maioria apresenta sequên­cias extragênicas e íntrons que não codificam proteínas.
Uma vez que cada célula apresenta uma função especializada, a maioria tem apenas um número limitado de produtos proteicos. Assim, apenas
uma pequena porcentagem do DNA codificador de uma célula está transcricionalmente ativo em um dado momento. Essa ativação é
controlada por elementos como fatores de transcrição, aumentadores (enhancers) e promotores.
4. A mitose é um processo de divisão celular em que uma célula diploide produz duas células filhas diploides. Na meiose, a célula diploide produz
células haploides (gametas). A meiose produz células haploides porque os centrômeros não são duplicados na meiose I e porque não existe
replicação do DNA na fase da interfase, entre a meiose I e a meiose II. Outra diferença entre a mitose e a meiose é que os cromossomos
homólogos formam pares e trocam material (crossing-over) durante a meiose I. Os cromossomos homólogos não se pareiam na mitose e o
crossing-over na mitose é extremamente raro.
5. Cada divisão mitótica dobra o número de células do embrião em desenvolvimento. Assim, o embrião prossegue de uma para duas células,
depois para quatro, para oito e assim por diante. Após n divisões, existem 2n células. Por exemplo, após 10 divisões existem 210, ou seja, 1.024
células. Nós solicitamos um valor de n que satisfaça a relação 2n = 1014. Uma forma de chegar a esse resultado é adicionar valores de n até
atingir 1014. A forma mais elegante é usar logaritmos comuns em ambos os lados da equação, formando nlog(2) = 14log(10). Uma vez que o
logaritmo de 10 é 1, nós chegamos à relação n = 14/log(2). Assim, n = 46,5. Esse resultado, aproximadamente 46 a 47 divisões celulares, é
apenas um valor médio. Algumas linhagens celulares se dividem mais vezes do que outras e muitas células são substituídas à medida que
morrem.
6. Um total de 400 espermatozoides e 100 ovócitos maduros serão produzidos. Cada espermatócito primário produz quatro espermatozoides
maduros e cada ovócito primário produz apenas um ovócito maduro (os outros produtos da meiose são corpúsculos polares que se degeneram).

CAPÍTULO 3
1. A mutação 1 é uma mutação sem sentido (nonsense) no quarto códon, que produz o término prematuro da tradução. A mutação 2 é uma
mutação da matriz de leitura (frameshift) no terceiro códon, e a mutação 3 é uma mutação de sentido trocado (missense) no segundo códon.
2. As mutações da transcrição geralmente reduzem a produção de um produto gênico, mas frequentemente não o eliminam por completo. As
mutações de transcrição no gene da β-globina geralmente produzem β+-talassemia, uma condição na qual há alguma produção das cadeias da
β-globina. A β+-talassemia tende a ser menos grave do que a β0-talassemia. As mutações de sentido trocado só alteram um único aminoácido
em uma cadeia de polipeptídios e, quando ocorrem na cadeia da β-globina, podem produzir β+-talassemia. (Entretanto, considere que a doença
das células falciformes, que é relativamente grave, também resulta de uma mutação de sentido trocado.) Em contraposição, as mutações na
matriz de leitura alteram muitos ou todos os códons a partir do ponto da mutação, de modo que um grande número de aminoácidos pode ser
alterado. Essas mutações também podem produzir um códon de parada. As mutações sem sentido produzem polipeptídios truncados, que
muitas vezes são inúteis (especialmente se a mutação ocorrer próximo à extremidade 5’ do gene, eliminando a maior parte da cadeia
polipeptídica). As mutações de doador e receptor podem eliminar éxons inteiros ou grandes porções deles. Essa deleção pode alterar
substancialmente a composição de aminoácidos do polipeptídio. As mutações sem sentido, da matriz de leitura e de doador e receptor tendem,
todas, a produzir β0-talassemia, na qual nenhuma cadeia de β-globina está presente.
3. Em condições talassêmicas, uma das cadeias, α ou β-globina, está reduzida em quantidade. A maior parte das consequências prejudiciais é
provocada pelo excesso relativo da cadeia que é produzida em quantidade normal. Se ambas as cadeias estiverem reduzidas em suas
quantidades normais, poderá ocorrer um equilíbrio acidental entre as duas, resultando em um menor acúmulo de cadeias em excesso.
4. SNPs são polimorfismos de nucleotídeo único, tipicamente detectados por microarrays ou sequenciamento de DNA. VNTRs consistem em
números variáveis de sequências de DNA repetitivo. Uma vez que as sequências repetidas em tandem podem variar consideravelmente, as
VNTRs podem conter muitos alelos diferentes nas populações. VNTRs são encontradas em regiões dos minissatélites. Os STRs consistem em
variações no número de repetições de minissatélites mais curtas (geralmente dinucleotídeos, trinucleotídeos e tetranucleotídeos). Elas são
detectadas pelo emprego da reação em cadeia da polimerase (PCR). SNPs e VNTRs também podem ser detectados com o uso da PCR, desde
que as sequências de DNA que flanqueiam o polimorfismo sejam conhecidas. O autorradiograma representa uma STR. Isso é indicado pelo
fato de existirem alelos múltiplos (o que o distingue de um SNP) e pelo fato de que os diversos alelos diferem em tamanho por apenas 4 pb
(lembrar do Capítulo 2, em que se observou que as unidades de repetição em tandem nas regiões dos minissatélites geralmente têm um
tamanho de 20 a 70 pb ).
5. Uma vez que a mutação deletéria destrói um sítio de reconhecimento, aqueles que possuem o alelo patológico apresentam um fragmento de
restrição mais longo. Esse fragmento migra mais lentamente sobre o gel e é observado em uma posição mais alta no autorradiograma. O
indivíduo A só possui o fragmento mais longo e, desse modo, é portador de duas cópias da mutação deletéria. Esse indivíduo apresenta
deficiência da α1-antripsina. O indivíduo B só possui o fragmento curto e não foi afetado genética ou fisicamente. O indivíduo C possui ambos
os fragmentos e, assim, é um heterozigoto clinicamente não afetado.
6. Nesta casuística de 100 indivíduos existem 88 × 2 HbA alelos nos homozigotos HbA e 10 alelos HbA nos heterozigotos. Existem, desse modo,
186 alelos HbA na população. A frequência de HbA, p, é 186/200 = 0,93, e a frequência de HbS, q, é 1 − 0,93 = 0,07. As frequências
genotípicas na população são 88/100 = 0,88, 10/100 = 0,10, e 2/100 = 0,02 para os genótipos HbA/HbA, HbA/HbS e HbS/HbS respectivamente.
Pressupondo as proporções de Hardy-Weinberg, as frequências genotípicas esperadas são dadas por p2, 2pq e q2, respectivamente. Isso produz
as frequências genotípicas esperadas de (0,93)2 = 0,865, 2 × 0,93 × 0,07 = 0,130 e (0,07)2 = 0,005, respectivamente. Nessa população, as
frequências genotípicas observadas e esperadas são bastante similares.
7. Em uma doença autossômica recessiva, a prevalência (1/10.000) é igual à frequência do genótipo recessivo, q2. Dessa forma, a frequência
genética da PKU, q, é dada por √q2 = √1/10.000 = 1/100 = 0,01. A frequência de portadores é dada por 2pq, que é, aproximadamente, 2q, ou
0,02 (isto é, 1/50).

CAPÍTULO 4
1. Por ser uma doença autossômica dominante, e pelo fato dos homozigotos afetados irem a óbito precocemente, o homem é heterozigoto e tem
50% de chance de transmitir o alelo causador da doença para cada indivíduo da sua prole. A probabilidade de que todos os seus quatro filhos
sejam afetados é dada pelo produto de cada probabilidade: (1/2)4 = 1/16. A probabilidade de nenhum dos seus filhos ser afetado (1/16) é obtida
exatamente da mesma forma.
2. A probabilidade de a prole herdar o alelo de susceptibilidade ao retinoblastoma é de 0,50, porque o retinoblastoma familial é uma doença
autossômica dominante. Entretanto, nós também devemos considerar a penetrância da doença. A probabilidade da ocorrência de ambos os
eventos herdar o alelo causador da doença (0,50) e expressar o fenótipo da doença (0,90) é dada pela multiplicação das duas probabilidades
juntas: 0,90 × 0,50 = 0,45.
3. Pelo fato da irmã da mulher ter a doença de Tay-Sachs, ambos os pais devem ser portadores heterozigotos. Isso significa que um quarto da prole
deles será afetada, a metade será portadora e um quarto será geneticamente normal. Note, entretanto, que a mulher em questão tem 30 anos de
idade. Ela claramente não pode ser homozigota porque indivíduos afetados vão a óbito em torno de seis anos de idade. Existem, assim, três
possibilidades igualmente possíveis: (1) o alelo da doença foi herdado de sua mãe e o alelo normal herdado de seu pai, (2) o alelo da doença
foi herdado do pai e o alelo normal herdado da mãe e (3) alelos normais foram herdados de ambos os pais. Uma vez que duas dessas três
possibilidades levam ao estado de portador, a probabilidade da mulher ser uma portadora heterozigota é de 2/3.
4. Porque a mãe tem neurofibromatose e poder-se assumir que ela seja heterozigota (homozigotos para essa condição não foram identificados), a
probabilidade de sua filha (a irmã do homem afetado) herdar o alelo causador da doença é de 1/2. A probabilidade de a irmã transmitir o alelo
causador da doença para sua filha é novamente ½. Então, a probabilidade de ambos os eventos ocorrerem é 1/2 × 1/2 = 1/4. Se nós
soubéssemos que a irmã do homem afetado era afetada, então, a probabilidade da filha dessa irmã ser afetada seria simplesmente 1/2.
5. A probabilidade do alelo causador da doença da mulher ser transmitido para sua prole é 1/2, e a probabilidade dessa prole transmitir o alelo
causador da doença para a sua prole (isto é, os netos) é novamente 1/2. Assim, a probabilidade de um neto ter herdado o alelo da doença é de
1/2 × 1/2 ou 1/4. Similarmente, a probabilidade de que o outro neto tenha herdado o alelo é 1/4. A probabilidade de ambos os netos terem
herdado o alelo é 1/4 × 1/4 = 1/16. Se a avó tem PKU, ela deve ser homozigota para o alelo causador da doença. Assim, ambos os filhos
devem ser portadores heterozigotos (probabilidade = 1). A probabilidade de um desses indivíduos transmitir o alelo causador da doença para
sua prole é 1/2. A probabilidade de ambos transmitirem o alelo causador da doença para a sua prole (isto é, de ambos os netos serem
portadores heterozigotos) é 1/2 × 1/2 = 1/4.
6. O coeficiente de relação é (1/2)6 ou 1/64. Isto dá a probabilidade do segundo indivíduo do casal ter o alelo da PKU. A probabilidade de dois
portadores terem uma prole afetada é 1/4. A probabilidade total desse casal ter um bebê afetado pela PKU é dada pela multiplicação da
probabilidade do parceiro também ter o alelo (1/64) pela probabilidade de ambos os indivíduos transmitirem o alelo para sua prole (1/4): 1/64
× 1/4 = 1/256. Isto mostra na verdade que o risco de prole afetada nesse casamento consanguíneo é muito pequeno.
7. A frequência do genótipo heterozigoto na população geral é dada por 2pq, de acordo com a Lei de Hardy-Weinberg. Assim, a frequência do
primeiro genótipo na população geral é dada por 2 × 0,05 × 0,10 = 0,01. Igualmente, para o segundo sistema, a frequência do heterozigoto na
população geral é 2 × 0,07 × 0,02 = 0,0028. O criminoso era homozigoto para o terceiro sistema; a frequência do genótipo homozigoto na
população geral é dada por p2, ou 0,082 = 0,0064. Se nós pudermos assumir a independência dos três loci STR na população geral, podemos
multiplicar as frequências dos três fenótipos juntos para ter a probabilidade de um indivíduo escolhido aleatoriamente na população geral ter os
mesmos genótipos do criminoso. Então nós multiplicamos 0,01 × 0,0028 × 0,0064 para obter uma probabilidade de 0,000000179, ou
1/5.580.357. Essa probabilidade pode ser menor pela tipagem de loci adicionais.
8. Assim como na questão 7, nós assumimos a independência dos quatro loci STR. Neste caso, nós multiplicamos as quatro frequências alélicas
para ter a probabilidade: 0,05 × 0,01 × 0,01 × 0,02 = 0,0000001 = 1/10.000.000. Note a diferença principal entre as questões 8 e 7: no caso de
paternidade, o pai contribuiu com somente metade do genótipo do bebê em cada locus; a mãe contribuiu com a outra metade. Assim,
examinamos somente um único alelo para cada locus. Por outro lado, o estuprador contribuiu com ambos os alelos de cada genótipo para a
amostra de evidência, então precisamos saber a frequência de cada genótipo na população geral. Nós usamos a Lei de Hardy-Weinberg para
estimar a frequên­cia de cada genótipo na população, com base nas frequências alélicas conhecidas.

CAPÍTULO 5
1. São quatro corpúsculos de Barr, sempre um a menos do número de cromossomos X.
2. Esse fenômeno ocorre mais provavelmente como resultado da inativação do X. As mulheres heterozigotas que desenvolvem fraqueza muscular
são aquelas com proporções relativamente maiores de cromossomos X ativos que contêm o alelo mutante.
3. A frequência da doença em indivíduos do sexo masculino é q; em indivíduos do sexo feminino é q2. Sendo assim, a razão homens/mulheres é
q/q2 (ou 1/q). Desta forma, conforme diminui o valor de q, a razão entre homens e mulheres aumenta.
4. O fato do avô do menino ter sido afetado pela doença, a sua mãe deve ser uma portadora. Seu pai é fenotipicamente normal e,
consequentemente, não tem o gene da doença. Então, o menino em questão tem 50% de chance de desenvolver hemofilia A. O risco de sua
irmã ser heterozigota para a doença também é de 50%. A chance da irmã do menino ser afetada pela doença é quase zero (excluindo uma
mutação nova no cromossomo X transmitida pelo pai).
5. A transmissão homem a homem é observada na herança autossômica dominante, mas não é observada na herança dominante ligada ao X.
Então, homens afetados por doenças dominantes ligadas ao X sempre têm mães afetadas, a menos que tenha ocorrido uma mutação nova.
Homens e mulheres são afetados em proporções aproximadamente iguais na herança autossômica dominante, mas existem duas vezes mais
mulheres afetadas do que homens afetados na herança dominante ligada ao X (a menos que o distúrbio seja fatal no período pré-natal no sexo
masculino, caso em que somente as mulheres seriam afetadas). Na herança dominante ligada ao X todos os filhos do sexo masculino de um pai
afetado serão normais e todas as filhas serão afetadas. Nas doenças dominantes ligadas ao X, mulheres heterozigotas tendem a ser mais
levemente afetadas do que os homens hemizigotos. Na herança autossômica dominante, geralmente não há diferença entre a gravidade de
expressão e entre homens e mulheres heterozigotos.
6. Na herança mitocondrial, a doença pode ser herdada somente de uma mãe afetada. Diferentemente de todos os outros tipos de herança, nenhum
descendente de pai afetado pode ser afetado pela doença. Note que os homens com doença recessiva ligada ao X, que têm filhos com mulheres
normais, não podem transmitir a doença para seus filhos e filhas, mas seus netos, do sexo masculino, poderão ser afetados.
7. Já que a distrofia muscular de Becker é relativamente rara, é razoável pensar que a mulher seja uma homozigota normal. Desta forma, ela só
pode transmitir cromossomos X normais para sua prole. Sua prole masculina não será afetada, por ter recebido um cromossomo Y do pai e um
X normal da mãe. Toda a prole feminina deste casal receberá um cromossomo X mutante do pai, o que as levará à condição de portadoras
heterozigotas da doença.
8. Se o homem for fenotipicamente normal, seu cromossomo X não terá a mutação para a distrofia muscular de Duchenne. A mãe transmitirá seu
cromossomo que leva a mutação para aproximadamente metade de sua prole. Assim, 50% dos filhos serão afetados pela doença e 50% das
filhas serão heterozigotas.
9. A mãe do menino deve ser uma portadora heterozigota para a mutação do fator VIII. Então, um dos avós maternos também deve ter a mutação.
Consequentemente, a probabilidade de que a irmã da mãe seja portadora é de 50%.
10. Isto pode ser explicado pelo imprinting genômico. Para o desenvolvimento normal, faz-se necessária a expressão diferenciada de genes
herdados do pai e da mãe. Se o padrão de expressão somente de um dos pais for herdado, o embrião não pode se desenvolver normalmente e
morre. O experimento só funciona nos anfíbios porque o imprinting genômico não acontece nesses animais.

CAPÍTULO 6
1. Células euploides têm um múltiplo de 23 cromossomos. Células haploides (n = 23), diploides (n = 46) e poliploides (triploides e tetraploides)
são todas euploides. As células aneuploides não têm um número de cromossomos múltiplo de 23 e incluem trissomias (47 cromossomos em
uma célula somática) e monossomias (45 cromossomos em uma célula somática).
2. A análise por FISH convencional envolve a hibridização de uma sonda marcada por fluorescência com cromossomos metafásicos desnaturados
e é mais útil na detecção de aneuploidias, deleções e rearranjos cromossômicos. FISH também pode ser estendida, usando sondas de
colorações diferentes, o que possibilita a detecção simultânea de várias aneuploidias. O cariótipo espectral é uma extensão da técnica de FISH,
pois cada um dos pares de cromossomos pode ser visualizado como uma cor diferente. Isto possibilita a caracterização mais fácil e precisa de
uma aneuploidia, de uma deleção ou duplicação de material cromossômico e (especialmente) de rearranjos cromos­sômicos, como as
translocações. CGH é particularmente útil na detecção de ganho ou perda de material cromossômico, mas não pode detectar rearranjos
equilibrados, como as translocações recíprocas. Isto ocorre porque, apesar do rearranjo, a amostra testada e a amostra de referência têm, cada
uma, a mesma quantidade de DNA para cada região cromossômica.
3. Um ovócito normal pode ser fertilizado por dois espermatozoides (dispermia, a causa mais comum de triploidia). O óvulo e o corpúsculo polar
podem fundir-se, criando um ovócito diploide que, então, é fertilizado por uma célula espermática normal. Espermatozoides ou ovócitos
diploides podem ocorrer a partir de falha meiótica; a união subsequente com um gameta haploide produziria um zigoto triploide.
4. A diferença na incidência de várias anormalidades cromossômicas reflete o fato de que os embriões e fetos com tais anormalidades são
espontaneamente perdidos durante a gravidez. A taxa e o momento da perda variam entre os diferentes tipos de anormalidades cromossômicas.
5. Um cariótipo estabelece se a condição é resultado de uma trissomia simples ou de uma translocação. Se a trissomia resultou de uma
translocação, o risco de recorrência em futuras gestações é muito elevado. Um cariótipo também ajuda a estabelecer se o paciente é um
mosaico, o que, às vezes, pode ajudar a prever e explicar a gravidade da expressão do distúrbio.
6. O risco, do menor ao maior, é: (1) mulheres de 25 anos de idade com um filho com síndrome de Down (aproximadamente 1%); (2) homem com
25 anos de idade, portador de uma translocação 21/14 (1%–2%); (3) mulher de 45 anos de idade sem história familial (aproximadamente 3%) e
(4) mulher com 25 anos de idade, portadora de uma translocação 21/14 (10%–15%).
7. Não disjunção do cromossomo X pode ocorrer tanto na meiose I como na meiose II. Se as duas não disjunções ocorrerem na mesma célula, um
ovócito com quatro cromossomos X pode ser produzido. Se este for fertilizado por um espermatozoide portador de um cromossomo X, o
zigoto terá o cariótipo 49,XXXXX.
8. O erro meiótico deve ter ocorrido no pai porque seu cromossomo X leva o gene para hemofilia A. Pelo fato de a filha ter atividade de fator VIII
normal, ela deve ter herdado seu único cromossomo X de sua mãe.
9. A perda de material genético geralmente produz consequências mais graves do que o ganho de material. Portanto, deve-se esperar que o
paciente com a deleção — 46,XY,del(8p) — seja mais gravemente afetado do que o paciente com a duplicação.
10. Uma translocação pode colocar um proto-oncongene próximo de uma sequência que o ativa, produzindo um oncogene causador de câncer.
Também pode alterar um gene supressor de tumor (Capítulo 11), inativando-o. Pelo fato desses genes codificarem fatores de supressão
tumoral, sua inativação também pode resultar em câncer.

CAPÍTULO 7
1. Em uniões consanguíneas, um percentual maior de genes na prole é idêntico por geração. A fração idêntica é medida pelo coeficiente de
relacionamento. A frequência de portadores de mutações para erros inatos do metabolismo autossômicos recessivos, como a alcaptonúria,
diminui à medida que a prevalência da doença diminui. Assim, a frequência de portadores de doenças muito raras é muito baixa. Quando a
alcaptonúria é diagnosticada em uma criança, é muito mais razoável suspeitar que genitores consanguíneos estão mais propensos a serem
portadores de um gene para a alcaptonúria, do que quando os pais são indivíduos escolhidos aleatoriamente da população.
2. Muitas reações metabólicas podem prosseguir na ausência completa de uma enzima. Por exemplo, um íon hidróxido pode combinar com
dióxido de carbono para formar bicarbonato. No entanto, essa reação ocorre muito mais eficientemente na presença de um catalisador, neste
caso, a enzima anidrase carbônica. Embora muitas reações no organismo humano continuem na ausência de um catalisador enzimático, elas
não o fariam a uma taxa alta o suficiente para suportar o metabolismo e a fisiologia normais.
3. Apesar da maioria dos erros inatos do metabolismo ser rara, juntos eles contribuem substancialmente para a morbidade e a mortalidade de
crianças e adultos. Além disso, a compreensão da base patogenética de doenças metabólicas raras tem o potencial para ajudar médicos e
cientistas a entender processos semelhantes que contribuem para as doenças comuns. Por exemplo, por entendermos como mutações na
glicoquinase causam hiperglicemia, podemos entender melhor a patogênese do diabetes melito.
4. As desordens metabólicas têm sido classificadas de muitas maneiras diferentes. No Capítulo 7 elas foram divididas pelos tipos de processos
metabólicos que afetam. São alguns exemplos: o metabolismo de carboidratos (p. ex., galactosemia, intolerância hereditária à frutose e
doenças de armazenamento de glicogênio); o metabolismo de aminoácidos (p. ex., PKU, MSUD e tirosinemia); o metabolismo de lipídios (p.
ex., MCAD e LCAD); as vias de degradação (p. ex., síndrome de Hurler, deficiência de OTC e doença de Gaucher); a produção de energia (p.
ex., desordens na OXPHOS) e os sistemas de transporte (p. ex., cistinose e cistinúria).
5. Mutações na Gal-1-P uridil transferase são a causa mais comum de galactosemia. No entanto, mutações nos genes que codificam outras
enzimas necessárias para o metabolismo de galactose, como galactoquinase e uridina difosfato galactose-4-epimerase, também podem resultar
em galactosemia. Esse é um exemplo de heterogeneidade genética. Ou seja, fenótipos semelhantes podem ser produzidos por mutações em
genes diferentes. Outros exemplos de doenças metabólicas que são geneticamente heterogêneas incluem hiperfenilalaninemia, MSUD e
cistinúria.
6. As taxas de prevalência para muitos erros inatos do metabolismo variam amplamente entre os grupos étnicos. Em muitos casos, isso é devido ao
efeito fundador e deriva genética (Capítulo 3). Por exemplo, na Finlândia, mais de 30 doenças autossômicas recessivas são encontradas em
uma prevalência extraordinariamente elevada em comparação com populações intimamente relacionadas. Um cenário semelhante explica em
parte a existência de apenas uma única mutação, ou poucas mutações causadoras de doenças em judeus asquenazes (doenças de
armazenamento lisossômico), menonitas (MSUD) e canadenses franceses (tirosinemia tipo 1). Em outros casos, parece que pode haver uma
vantagem seletiva de portadores de um alelo recessivo (lembre-se que heterozigotos para doenças recessivas não são afetados). Isto poderia
explicar a distribuição da frequência variável do LAC*P, que confere atividade de lactase permanente e pode ter sido vantajosa em populações
nas quais os produtos lácteos foram uma importante fonte de nutrição.
7. Embora o genoma mitocondrial seja herdado apenas da mãe, a maioria das proteínas na mitocôndria é codificada por genes do genoma nuclear.
Dessa forma, doenças relacionadas à oxidação de ácidos graxos mitocondriais são herdadas com padrão autossômico recessivo. Dada a idade
da jovem, é improvável que ela tenha uma doença na oxidação mitocondrial de ácidos graxos; assim, podemos assumir que ou ela é uma
portadora heterozigota, ou ela é homozigota para o alelo normal. Consequentemente, a probabilidade dela ser uma portadora é de 0,67. A

probabilidade de seu companheiro ser um portador é dada pela frequência de portadores da MCAD na população em geral: 1 em 70 ( 0,014).
Em um casal do tipo portador × portadora, há 25% de chance de se ter uma criança afetada (probabilidade de união entre dois gametas que
levam alelos mutantes); então o risco da mulher ter uma criança afetada é de 0,67 × 0,014 × 0,25 = 0,002 ou 1/500. Note que o risco da criança
ser portadora (0,67/0,014) é 48 vezes maior do que o da população em geral.
8. Cinco diferentes enzimas controlam o ciclo da ureia. Deficiências de quatro dessas enzimas (AS, ASA, arginase e CPS) são herdadas com
padrão autossômico recessivo. A deficiência na OTC é uma condição de herança recessiva ligada ao cromossomo X. A maioria das mulheres
que são portadoras de uma doença de herança recessiva ligada ao cromossomo X é não sintomática. No entanto, existem pelo menos duas
explicações para uma mulher sintomática. A primeira é que um dos cromossomos X é normalmente e aleatoriamente inativado (lionização) em
cada célula somática. Às vezes, a inativação é desequilibrada, com mais cromossomos X normais sendo inativados do que cromossomos X
alterados, e a mulher torna-se sintomática. Testes para a inativação preferencial do cromossomo X não são normalmente realizados em
laboratórios de diagnóstico. Uma segunda explicação possível é que apenas um cromossomo X está presente em cada célula somática
(síndrome de Turner; Capítulo 6). Assim, a inativação do X não ocorre, pois cada célula deve conter uma cópia funcional do cromossomo X.
Se este cromossomo X contém um gene mutado (p. ex., OTC), a mulher será sintomática. O teste mais simples para confirmar este diagnóstico
é um cariótipo.
9. Um sistema OXPHOS funcional é necessário para metabolizar o piruvato aerobicamente. Defeitos do sistema OXPHOS levam à metabolização
anaeróbica do piruvato em lactato, aumentando o nível de lactato circulante. Portanto, uma concentração elevada de lactato circulante poderia
sinalizar a presença de uma doença de produção de energia. O aumento dos níveis de lactato também é produzido pela diminuição da
oxigenação do tecido, devido à diminuição da circulação (p. ex., exercício extenuante e choque). Frequentemente, há outras anormalidades
bioquímicas que sugerem um defeito do OXPHOS, no entanto, o diagnóstico pode ser desafiador.
10. Polimorfismos nos genes que controlam o metabolismo de drogas (p. ex., CYP2D6) podem afetar a resposta terapêutica do paciente, bem
como o perfil de efeitos colaterais. Os alimentos naturais contêm milhares de compostos químicos, muitos dos quais com propriedades
farmacológicas similares, embora menos potentes, aos medicamentos contemporâneos usados pelos profissionais da saúde. Deste modo, os
polimorfismos gênicos podem também ter possibilitado a alguns grupos de caçadores-coletores utilizarem de recursos nutricionais que para
outros grupos não eram comestíveis. Ao longo do tempo, isso pode ter sido suficiente para gerar uma vantagem seletiva que estimulou o
desenvolvimento de um grupo muito mais rapidamente em relação aos outros.

CAPÍTULO 8
1. O homem afetado na geração II herdou o alelo da doença e o alelo marcador 1 de seu pai afetado, e herdou um alelo normal e o alelo marcador
2 de sua mãe. Portanto, o alelo da doença deve estar no cromossomo que contém o alelo marcador 1 nesse homem (fase de ligação). Já que ele
casou com uma mulher que é heterozigota para os alelos marcadores 3 e 4, nós esperamos observar o alelo 1 na prole afetada sob a hipótese de
ligação. O indivíduo III-5 possui o genótipo marcador 2,4, mas é afetado e o indivíduo III-7 possui o genótipo 1,3 e é normal. Ambos
representam recombinantes. Assim, existem duas recombinações observadas em oito meioses, dando uma frequên­cia de recombinação de 2/8,
ou 25%.
2. Para o marcador A, a mãe afetada na geração II deve ter o alelo 2 no mesmo cromossomo do alelo da doença de Huntington. Na hipótese de que
θ = 0,0, todos os seus filhos devem também herdar o alelo 2 se eles forem afetados. O marcador A mostra um recombinante com o alelo da
doença no indivíduo III-5 e então produz uma possibilidade de zero para uma frequência de recombinação de 0,0. O escore LOD é −∞ (o
logaritmo de 0). Para o marcador B, o alelo da doença está no cromossomo que transporta o alelo marcador 1 na mãe afetada da geração II.
Todas os filhos que herdarem o alelo 1 também herdarão o alelo da doença, então, não há recombinantes. Sob a hipótese de que θ = 0,0, a mãe
afetada pode transmitir somente dois haplótipos possíveis: o alelo da doença com o alelo marcador 1 e o alelo normal com o alelo marcador 2.
A probabilidade de cada um desses eventos é de ½. Assim, a probabilidade de observar seis descendentes com os genótipos marcadores
mostrados é (1/2)6 = 1/64. Este é o numerador da proporção de possibilidade. Sob a hipótese de que θ = 0,5 (sem ligação), quatro haplótipos
possíveis podem ser transmitidos, cada um com a probabilidade de ¼. A probabilidade observa seis crianças com esses haplótipos sob a
hipótese de não ligação que estão (1/4)6 = 1/4.096. Este é o denominador da razão de probabilidade. A proporção é então (1/64)/(1/4.096) =
64. O escore LOD é dado pelo logaritmo comum de 64, 1,8.
3. A tabela mostra um escore LOD máximo de 3,5, em uma frequência de recombinação de 10%. Assim, os dois loci são mais prováveis de
estarem ligados a uma distância de aproximadamente 10 cM. As probabilidades a favor da ligação neste valor de q, versus não ligação, são
3.162 (ou 103,5) para 1.
4. A fase de ligação pode ser estabelecida nas duas famílias e não são observados recombinantes em qualquer família. Assim, a frequência de
recombinação estimada é 0,0. O escore LOD para θ = 0,0 na primeira família é dado por log10(1/2)5 /(1/4)5 = log10(32) = 1,5. Na segunda
família, o escore LOD para θ = 0,0 é log10 (1/2)6/(1/4)6 = log10(64) = 1,8. Esses dois escores LOD podem, então, serem somados para se obter
o escore LOD total de 3,3.
5. Esses casamentos nos permitem estabelecer a fase de ligação nos indivíduos II-1 e II-2, os pais dos indivíduos da geração III. O alelo da doença
está no mesmo cromossomo do marcador 4 no indivíduo II-1 e no mesmo cromossomo do marcador 5 no indivíduo II-2. Na hipótese de
ligação, nós podemos predizer que a prole que herdou os marcadores 4 e 5 será homozigota para o alelo da doença, portanto, afetada; a prole
que herdou o marcador 4 ou o 5 será portadora heterozigota e a prole que não herdou nem o 4, nem o 5 será homozigota normal. Note uma
diferença-chave entre os heredogramas autossômicos recessivos e autossômicos dominantes na estimativa de frequências de recombinação:
aqui, ambos os pais na geração II contribuem com a meiose informativa porque ambos são portadores do alelo causador da doença. Assim,
podemos avaliar que todas as 10 meioses contribuíram na geração III para a recombinação entre os loci da doença e do marcador. Não são
observadas recombinações nas primeiras quatro proles, entretanto, o indivíduo III-5 é homozigoto normal e herdou o alelo 5 de sua mãe.
Assim, uma recombinação em cinco meioses ocorreu na mãe e no pai não ocorreram recombinações para essa mesma condição em cinco
meioses. Uma recombinação em 10 meioses produz uma frequência de recombinação de 1/10 = 10%.
6. Essas uniões nos permitem estabelecer a fase de ligação no indivíduo II-1. Na hipótese de ligação, ela tem o alelo causador da doença
(denominado D) no mesmo cromossomo do alelo marcador 1. Seus haplótipos são então D1/d2. Baseados nos seus haplótipos e em seu
parceiro não afetado, podemos predizer que a prole que herdou o genótipo 1,1 será afetada e a que herdou o genótipo 1,2 não será afetada. Nós
observamos que esse é o caso de todos, menos de um dos filhos (III-5). Isto significa que a possibilidade de θ = 0,0 é zero, então o escore
LOD para essa frequência de recombinação é − ∞. Para estimar o escore LOD para θ = 0,1, nós consideramos que a probabilidade de que o pai
transmita cada haplótipo recombinante (D2 ou d1) é θ /2 = 0,05. A probabilidade de que ele transmita cada haplótipo não recombinante (D1 ou
d2) é (1 – θ)/2 = 0,45 (ver Quadro 8-1 para detalhes desse processo). Existe um recombinante e sete não recombinantes entre os filhos. A
probabilidade de observar esses oito eventos é 0,05 × (0,45)7 = 0,00019. Este é o numerador da proporção de probabilidade. Para oito filhos, a
probabilidade de θ = 0,5 é (¼)8 = 0,000015. Esse é o denominador da proporção. O logaritmo da proporção de probabilidades é dado por
log10(12,2) = 1,09. Esse é o escore LOD para θ = 0,1.
7. O casamento na geração II não é informativo porque o pai é homozigoto para o alelo marcador. Será necessário tipar a família para outro
marcador proximamente ligado (preferencialmente um com mais alelos) antes de dar qualquer informação de risco. Neste ponto, a única
informação de risco que pode ser dada é que cada criança tem 50% de chance de herdar o gene da doença do pai afetado.
8. A sintenia se refere a loci que estão no mesmo cromossomo. Ligação se refere a loci que estão a menos de 50 cM de distância em um
cromossomo; alelos em tais loci tendem a ser transmitidos juntos nas famílias. Loci ligados são então sintênicos, porém loci sintênicos não
estão necessariamente ligados. Desequilíbrio de ligação é a associação não aleatória de alelos em loci ligados, observáveis quando haplótipos
de cromossomos são avaliados em populações. Associação indica que duas características são observadas mais frequentemente juntas em uma
população do que seria esperado pelo acaso, as características podem ou não serem genéticas. Então, associação não necessariamente tem a ver
com ligação, a menos que estejamos nos referindo ao desequilíbrio de ligação.
9. Desequilíbrio de ligação pode ocorrer quando a única mutação causadora de doença ocorre primeiramente em um elemento do par de
cromossomos que contém alelos marcadores específicos próximos. Primeiramente, a mutação será observada somente no cromossomo que
contêm os alelos marcadores específicos. Por outro lado, se há múltiplas mutações causadoras da doença em um locus como o NF1, elas
provavelmente ocorrerão em cópias de cromossomo com alelos marcadores diferentes, e pouca associação será observada entre o genótipo da
doença (que na verdade consiste de uma coleção de diferentes mutações no locus da doença) e um alelo marcador específico.

Í
CAPÍTULO 9
1. As moléculas classe I apresentam peptídeos nas superfícies de quase todas as células do corpo. O complexo peptídeo-molécula classe I é
reconhecido por células T citotóxicas que destroem a célula se as moléculas MHC classe 1 apresentarem o peptídeo invasor. As moléculas
MHC classe II também apresentam peptídeos em suas superfícies celulares, mas somente em células apresentadoras de antígenos do sistema
imunológico (p. ex., células dendríticas, macrófagos e células B). Se a molécula classe II apresentar peptídeos derivados de um micróbio
invasor, eles se ligarão aos receptores das células T helper; isto estimulará a proliferação de células B apropriadas e a produção de anticorpos
por essas células, a fim de auxiliar na destruição do micro-organismo.
2. As imunoglobulinas diferem entre as células B dos indivíduos, de modo que uma grande variedade de infecções pode ser combatida. As
moléculas MHC são idênticas em cada uma das superfícies celulares de um mesmo indivíduo, porém, variam bastante de um indivíduo para o
outro. Esta variabilidade entre indivíduos pode ter se desenvolvido com o objetivo de evitar que agentes infecciosos pudessem se espalhar com
facilidade em uma população.
3. Os receptores das células T e as imunoglobulinas apresentam a seguinte semelhança: ambos são receptores de superfície celular que se ligam
aos peptídeos estranhos ao corpo, como parte da resposta imune. A diversidade dos dois tipos de moléculas é gerada por múltiplos genes da
linhagem germinativa múltiplas, recombinação VDJ e diversidade juncional. A diferença entre eles é que as imunoglobulinas são secretadas na
circulação (como anticorpos) e podem se ligar diretamente ao peptídeo invasor, enquanto os receptores das células T não são secretados e
precisam “ver” os peptídeos invasores ligados às moléculas MHC, para reconhecê-los. Além disso, a hipermutação somática cria a diversidade
nas imunoglobulinas, mas não nos receptores das células T.
4. A recombinação somática é capaz de produzir, sozinha, 30 × 6 × 80 = 14.400 diferentes cadeias pesadas dessa classe.
5. A probabilidade de um irmão ser HLA-idêntico é 0,25. A probabilidade de dois irmãos compartilharem um gene ou haplótipos é 0,50 (o
coeficiente de correlação para irmãos; Capítulo 4). Consequentemente, a probabilidade de irmãos compartilharem dois haplótipos e serem
HLA-idênticos é 0,50 × 0,50 = 0,25.
6. Se um homem Rh-positivo homozigoto (DD) tiver um filho com uma mulher Rh-negativa, todos os filhos e filhas serão Rh-positivos
heterozigoto (Dd) incompatíveis com a mãe. Se o homem for Rh-positivo heterozigoto (Dd), metade das crianças (em média) será de Rh-
positivos heterozigotos incompatíveis. Entretanto, se os pais forem ABO incompatíveis, essa condição os protegerá amplamente contra a
incompatibilidade de Rh.

CAPÍTULO 10
1. Animais como nematódeos, Drosophila, rãs, zebrafish, pintinhos e camundongo são usados com frequência para o desenvolvimento de modelos
humanos. Cada um desses organismos tem tempo de geração relativamente curto e podem ser alimentados seletivamente; e grandes
populações podem ser mantidas em cativeiro. Além disso, os embriões de cada um desses animais podem ser manipulados ou in vitro ou in
vivo usando uma variedade de técnicas (p. ex., ablação cirúrgica ou transplante de células ou de tecidos, expressão ectópica de genes ou de
transgenes nativos e knockouts). Naturalmente, cada organismo tem vantagens e desvantagens que devem ser levadas em consideração ao se
escolher um modelo apropriado. Em alguns animais, cepas mutantes que ocorrem naturalmente já provaram ser modelos valiosos de doenças
genéticas humanas. Por exemplo, as mutações no Pax6 murino produzem um olho de tamanho anormalmente pequeno. As mutações no PAX6
homólogo humano causam hipoplasia ou ausência de íris. A maior parte do que compreendemos sobre a determinação do eixo e a formação do
padrão foi aprendida dos estudos de modelos animais não humanos.
2. Embora mutações idênticas em um gene de desenvolvimento possam produzir diferentes defeitos congênitos, eles são geralmente os mesmos
dentro de cada família. Como uma das explicações possíveis, cogita-se que outros genes possam estar modificando o fenótipo de modo
diferente em cada família. Em outras palavras, a mesma mutação está ocorrendo em contextos genéticos diferentes, resultando em fenótipos
diferentes. Até o momento, são conhecidos somente alguns exemplos de condições humanas diferentes causadas por mutações idênticas.
Entretanto, os efeitos fenotípicos dependentes da linhagem são bem descritos em outros organismos como camundongos e Drosophila.
3. É comum que fatores de transcrição ativem ou reprimam mais de um único gene. Com frequência, eles afetam a transcrição de muitos genes que
podem ser membros de diferentes vias de desenvolvimento. Isso mantém a flexibilidade de desenvolvimento e a economia genômica. Essas
vias de desenvolvimento são usadas para construir muitos tecidos e órgãos diferentes. Por isso, uma mutação em um fator de transcrição pode
afetar o crescimento e o desenvolvimento de muitas partes do corpo. As mutações em TBX5, por exemplo, causam defeitos dos membros e do
coração em uma doença pleiotrópica denominada de síndrome de Holt-Oram.
4. Padrão de formação é o processo pelo qual arranjos espaciais ordenados de células diferenciadas criam tecidos e órgãos. Inicialmente, é
estabelecido o padrão geral do plano corporal do animal. A seguir, são formadas regiões semiautônomas que formarão o padrão de órgãos e
apêndices específicos. Por isso, o padrão de formação exige que informações complexas de tempo e de espaço estejam disponíveis para
populações diferentes de células em períodos diferentes durante o desenvolvimento. Tais informações são transmitidas entre as células por
moléculas de sinalização. As mutações nos genes que codificam essas moléculas podem romper as vias de sinalização, levando à formação de
padrões anormais. Por exemplo, o Sonic hedgehog (SHH) é amplamente usado em muitos processos diferentes de padrões de formação,
incluindo o do cérebro. As mutações em SHH podem causar falha na divisão do cérebro anterior (holoprosencefalia). Os defeitos de
padronização também são produzidos por mutações em genes que codificam fatores de transcrição (p. ex., Hox e T-box), que são ativados em
resposta a sinais provenientes de outras células.
5. Por causa das limitações rígidas nos programas de desenvolvimento, o papel de alguns elementos nas vias do desenvolvimento pode ser
exercido por mais de uma molécula. Esse fenômeno é conhecido como redundância funcional. Os parálogos Hox parecem agir exatamente
assim em algumas vias de desenvolvimento. Por exemplo, camundongos com mutações em Hoxa11 ou Hoxd11 apresentam apenas anomalias
menores, enquanto os mutantes duplos Hoxa11/Hoxd11 apresenta redução acentuada no tamanho do rádio e da ulna. Por isso, Hoxa11 e
Hoxd11 podem ser capazes de se compensar parcialmente em alguns padrões do desenvolvimento.
6. Há várias razões pelas quais não é possível utilizar um organismo para estudar mutações de perda de função criando-se knockouts. Por exemplo,
os babuínos possuem famílias nucleares pequenas e tempo longo entre gerações, sendo dispendioso mantê-los em cativeiro. Um tempo curto
de geração é essencial, pois a perda completa de função é obtida com quimeras de retrocruzamento e, subsequentemente, pelo cruzamento
entre heterozigotos com a modificação genética para produzir animais com a modificação em homozigose (isto é, um knockout). Uma forma
de contornar o problema dos tempos longos de geração seria produzir espermatozoide do modelo animal (p. ex., babuíno) em um organismo
com tempo de geração curto (p. ex., camundongo). Nessa técnica, as células imaturas produtoras de esperma de um babuíno em fase de
lactação seriam colocadas nos testículos de camundongos para produzir espermatozoides maduros. Esses espermas poderiam ser usados para
fertilização in vitro de ovócitos cultivados de fêmeas de babuíno com modificação genética (isto é, quimeras ou heterozigotos). Dessa maneira,
o tempo de geração seria substancialmente reduzido. Este tipo de experiência ainda não foi concluído com sucesso, embora a tecnologia esteja
disponível.
7. As células se comunicam entre si por meio de muitas vias de sinalização diferentes. A sinalização exige que um ligante se una a uma molécula
receptora. Isso gera uma resposta que pode ativar ou inibir vários processos dentro de uma célula. As mutações nos genes dos receptores dos
fatores de crescimento de fibroblastos (FGFR) causam várias síndromes de craniossinostose e mutações nos genes desses fatores já foram
associadas com fissura de lábio e/ou de palato. As mutações nos genes que codificam a endotelina-3 e seu receptor, a endotelina-B, causam
defeitos nas células entéricas do trato gastrointestinal, levando à constipação crônica grave (doença de Hirschsprung). Isso demonstra que uma
mutação em um ligante ou em seu receptor pode produzir o mesmo fenótipo.
8. Há muitos obstáculos para o tratamento de defeitos congênitos com a terapia gênica. Muitos genes do desenvolvimento são expressos em fases
muito precoces. Por isso, o fenótipo teria de ser identificável em idade muito precoce. Certamente, isso poderia ser viável (p. ex., por meio de
testes pré-implantacionais) nos gametas ou zigotos de um portador conhecido. Uma vez que muitos desses genes codificam eixo, padrão ou
informações específicas de um órgão, a terapia gênica teria de ser iniciada o mais precocemente possível no processo de desenvolvimento.
Além disso, poderia ser direcionada a áreas específicas, em momentos críticos do desenvolvimento e nos níveis apropriados exigidos para a
interação com outros genes do desenvolvimento. Consequentemente, desenvolver estratégias que possam ser úteis para o tratamento de
defeitos congênitos com a terapia gênica será um grande desafio.

CAPÍTULO 11
1. G6PD está em uma porção do cromossomo X que é inativada em uma das cópias de mulheres normais. Assim, qualquer célula irá expressar
apenas um alelo G6PD. Se todas as células tumorais expressam o mesmo alelo G6PD, isso indica que todas surgiram de uma única célula
ancestral. Essa evidência foi usada para apoiar a teoria de que a maioria dos tumores é monoclonal.
2. A probabilidade de uma única célula sofrer duas mutações é dada pelo quadrado da frequência da mutação por célula (isto é, a probabilidade de
uma primeira mutação e de uma segunda mutação na mesma célula): (3 × 10−6)2 ≈ 10−11. Em seguida, multiplica-se essa probabilidade pelo
número de retinoblastos para obter a probabilidade de um indivíduo desenvolver retinoblastoma esporádico: 10−11 × 2 × 106 = 2 × 10−5.
Portanto, poderíamos esperar que dois em cada 100.000 indivíduos desenvolvessem retinoblastoma esporádico, o que é consistente com os
dados de prevalência observados (isto é, o retinoblastoma é observado em cerca de 1/20.000 crianças e cerca da metade desses casos são
esporádicos). Se um indivíduo herdou uma cópia de um gene para retinoblastoma mutante, então, o número de tumores é dado pela frequência
de mutações somáticas (segundo evento) por célula, vezes o número de células-alvo: 3 × 10−6 × 2 × 106 = 6 tumores por indivíduo.
3. Os oncogenes são produzidos quando os proto-oncogenes, que codificam elementos que afetam o crescimento das células, são alterados. Os
oncogenes geralmente agem como genes dominantes no nível celular e ajudam a produzir a transformação de uma célula normal em uma que
pode dar origem a um tumor. Os genes supressores de tumor também estão envolvidos na regulação do crescimento, mas eles geralmente agem
como genes recessivos no nível celular (ou seja, as duas cópias do gene devem ser alteradas para que o tumor se desenvolva). Pelo fato de
apenas um único oncogene precisar ser alterado para iniciar o processo de transformação, os oncogenes têm sido detectados por meio de
experimentos de transfecção e retrovirais, e pela observação dos efeitos das translocações cromossômicas. Esses métodos são menos eficazes
para a identificação de genes supressores de tumor, porque duas cópias alteradas desses genes devem estar presentes antes que seus efeitos
possam ser observados em uma célula. Como consequência, a maioria dos genes supressores de tumor tem sido detectada pelos estudos das
síndromes relativamente raras associadas ao câncer, nas quais uma cópia mutada de um gene supressor de tumor é herdada e a segunda
mutação ocorre durante o desenvolvimento somático.
4. A síndrome de Li-Fraumeni é causada por uma mutação herdada no gene TP53. A mutação herdada está presente em todas as células do
organismo e aumenta a predisposição à formação de tumores. No entanto, por causa da característica de vários passos da carcinogênese, esse
evento herdado não é suficiente para produzir um tumor. Ele se soma a outros eventos que devem ocorrer nas células somáticas. Esses eventos
somáticos adicionais são raros, então, a probabilidade de ocorrerem em uma determinada célula é pequena, explicando a baixa frequência de
um tipo específico de tumor. O aparecimento de diferentes tipos de tumores na síndrome de Li-Fraumeni é explicado pelo fato de que a
atividade da p53 normal é necessária para a regulação do crescimento em muitos tecidos diferentes. Assim, a probabilidade do indivíduo
desenvolver pelo menos um tumor primário, em um dos muitos tecidos, é muito elevada.

CAPÍTULO 12
1. Uma vez que a característica é mais comum em mulheres do que em homens, podemos inferir que o limiar é mais baixo entre as mulheres. Por
isso, o pai afetado está em risco muito maior de ter uma prole afetada do que a mãe. O risco de recorrência é mais alto nas filhas do que nos
filhos.
2. Para uma característica multifatorial, o risco de recorrência diminui acentuadamente para os parentes mais distantes de um probando (como
mostrado na Tabela 12-2). Em contrapartida, para um gene autossômico dominante, o risco de recorrência é 50% menor em cada grau de
parentesco, refletindo o coeficiente dessa relação (Capítulo 4). Devemos lembrar que os parentes em primeiro grau (pais, prole e irmãos)
compartilham 50% de seus DNAs por serem descendentes dos mesmos ancestrais; os parentes em segundo grau (tios, sobrinhos, avós e netos)
compartilham 25% de seus DNAs e assim por diante. Por isso, para um genótipo causador de doença com 10% de penetrância, o risco de
recorrência é obtido multiplicando-se o valor da penetrância pela porcentagem do DNA compartilhado entre os parentes: 5% (10% × 50%)
para parentes em primeiro grau; 2,5% (10% × 25%) para parentes em segundo grau; 1,25% (10% × 12,5%) para parentes de terceiro grau e
assim por diante. Além disso, se a doença for multifatorial, o risco de recorrência aumentará nas populações onde ela for mais comum.
Obviamente, não existe relação entre frequência da doença e risco de recorrência para uma doença autossômica dominante.
3. (1) O genótipo causador de doença pode ter penetrância reduzida em virtude, por exemplo, de fatores ambientais. (2) Uma mutação somática
pode ter ocorrido após a clivagem do embrião, de modo que um gêmeo é afetado pela doença e o outro não.
4. Estes resultados indicam que fatores ambientais compartilhados estão aumentando as correlações entre irmãos, pois irmãos tendem a
compartilhar mais um ambiente comum do que pais e filhos. A correlação com o cônjuge reforça a interpretação de um efeito do ambiente
compartilhado, embora também seja possível que pessoas com determinados níveis de gordura corporal se casem preferencialmente com
aquelas com níveis semelhantes aos seus.

CAPÍTULO 13
1. A sensibilidade do teste é de 93% (93 dos 100 casos realmente afetados pela doença foram detectados). A especificidade é de 99% (98.900 dos
99.900 neonatos não infectados foram corretamente identificados). O valor preditivo positivo é 8,5% (93 dos 1.093 neonatos com testes
positivos realmente tinham a doença). O índice de falso positivo é 1% (1 – especificidade, ou 1.000 de 99.900) e o índice de falso negativo é
7% (1 – sensibilidade, ou 7 de 100).
2. Como o indivíduo 3 é homozigoto para o alelo de 5 kb, inferimos que o gene da doença está no mesmo cromossomo que o alelo de 5 kb em
ambos os pais. Assim, o indivíduo 6, que herdou as duas cópias do alelo de 5 kb, também herdou as duas cópias do gene para PKU e é afetado.
3. O gene da doença, o NF1, está no mesmo cromossomo que o alelo 1 no pai afetado. Assim, o indivíduo 6, que herdou o alelo 2 de seu pai, não
deve ser afetado. Note que nosso grau de confiança nas respostas às questões 2 e 3 depende de quão intimamente ligados estão o marcador e os
loci da doença.
4. A união na geração I não é informativa, então não podemos estabelecer a fase de ligação na mulher da geração II. Assim, a estimativa de risco
para sua filha não pode ser acurada em relação ao usual 50% dado para genes de doenças autossômicas dominantes. A precisão do diagnóstico
pode ser melhorada analisando-se outro marcador, mais polimórfico (p. ex., um STR, que provavelmente permitiria uma melhor definição
precisa da fase de ligação).
5. As principais vantagens da amniocentese envolvem um risco menor de perda fetal (aproximadamente 0,2% a 0,3% versus 1% a 1,3% para
AVC) e a possibilidade de realização de testes, como da AFP para detectar defeitos do tubo neural. A AVC oferece as vantagens de diagnóstico
mais precoce da gestação e um diagnóstico laboratorial mais rápido. O diagnóstico por AVC pode ser complicado pelo mosaicismo confinado
à placenta, e há algumas evidências de associação entre AVC precoce (antes de 10 semanas pós-LMP) e defeitos de redução de membros.
6. A doença de Huntington (DH) não é uma boa candidata para terapia de substituição gênica porque é causada, pelo menos em parte, por uma
mutação com ganho de função. Assim, é improvável que a simples inserção de um gene corrija o distúrbio. Ela seria uma candidata melhor
para a terapia antisense, com ribozima ou RNAi, em que o produto gênico defeituoso seria silenciado. Uma consideração adicional é que essa
doença afeta principalmente neurônios, que são relativamente difíceis de manipular ou alcançar. O fato de a DH ter idade de início tardio,
contudo, é animador, porque a identificação da ação do gene da DH pode levar à terapia com drogas para bloquear os efeitos do produto
gênico antes que ocorra dano neuronal.

CAPÍTULO 14
1. A informação genética pode ser utilizada para estimar o risco de uma pessoa desenvolver uma doença e de sua resposta à terapia. Pessoas em
risco alto para uma doença podem ser, portanto, encorajadas a mudar seus procedimentos de cuidados com a saúde para reduzir seu risco. De
modo semelhante, a informação genética pode ser usada para predizer a resposta de uma pessoa à terapia e se ela está em risco elevado para
uma resposta adversa grave à droga. As drogas preditas como menos eficazes ou prováveis de causar um efeito colateral podem ser evitadas.
Por exemplo, uma pessoa dada como em risco alto para diabetes poderia ser testada para hiperglicemia mais frequentemente, submetida a uma
dieta médica mais precocemente e tratada de forma mais efetiva para intolerância à glicose.
2. Pessoas com o mesmo tipo de câncer podem responder diferentemente à terapia porque as alterações genéticas em seus tumores podem ser
diferentes, ou por causa das formas diferentes que elas, por exemplo, metabolizam as drogas quimioterapêuticas.
3. Raça é um conceito que foi tradicionalmente usado para categorizar grandes grupos de indivíduos e reflete a origem geográfica, língua e várias
características culturais que definem um grupo (p. ex., americanos nativos ou sul-asiáticos). A ancestralidade se refere às origens geográficas,
históricas ou biológicas dos ancestrais de um indivíduo e, para alguns indivíduos, pode ser complexa.
4. A informação genética acerca da ancestralidade de uma pessoa pode influenciar a própria percepção de sua identidade biológica e/ou cultural.
Por exemplo, algumas pessoas que se autodefinem como afro-americanas têm buscado encontrar as regiões geográficas específicas da África
subsaariana onde alguns de seus ancestrais viveram. Em alguns casos, essa informação sugere populações específicas e, portanto, ligações
culturais, com as quais um indivíduo pode se identificar. Por outro lado, a informação genética às vezes sugere que uma pessoa tem pequena,
se alguma, ancestralidade biológica das populações com as quais ela se autoidentifica. Enfim, todo indivíduo é membro de muitas populações
diferentes e tem múltiplas identidades — social, econômica e religiosa — e a informação da ancestralidade genética fornece uma pequena
descoberta sobre quem elas são, mas fornece, mais do que isso, alguma informação acerca de onde elas vieram.
5. Exemplos de polimorfismos que influenciam o metabolismo de drogas incluem variantes de CYP2C9 e VKORC1, que influem no metabolismo
de varfarina, uma droga anticoagulante, variantes de CYP2D6, que afetam a biotransformação de antagonistas do receptor β-adrenérgico,
neurolépticos e antidepressivos tricíclicos, variantes de NAT2, que afetam a inativação da isoniazida, uma droga comumente usada para tratar a
tuberculose, e a G6PD, que influencia a sensibilidade à primaquina, uma droga antimalárica. A resposta a β-bloqueadores anti-hipertensivos
foi associada a variantes em genes que codificam subunidades do receptor β-adrenérgico.
6. Obstáculos potenciais ao uso da informação genética na medicina de precisão incluem: a incapacidade de identificar fatores de risco genéticos e
ambientais (e suas interações), que possibilitam a predição exata do risco clinicamente significativo; falta de evidência demonstrando que a
estimativa do risco individual melhora a precisão do diagnóstico e o resultado do tratamento; falta de tecnologias para avaliação do genoma de
um indivíduo com boa relação custo-benefício; construção de uma infraestrutura para que os médicos possam acessar os dados de risco,
interpretar a informação de risco e explicar as estimativas de risco aos pacientes e a necessidade de diretrizes e políticas acerca de como a
informação da avaliação de risco deve ser usada na clínica e em pesquisas.
7. O uso de variantes genéticas individuais para predizer risco de doença e/ou resposta a agentes farmacológicos pode ser considerado típico da
prática da medicina genética, enquanto a avaliação da ação de muitos genes simultaneamente para predizer o risco de doença ou a resposta às
drogas distingue a medicina genômica.
8. Usos potenciais de dados do genoma completo de um indivíduo incluem triagem para erros inatos de metabolismo em recém-nascidos (isto é,
triagem de recém-nascidos), testes para portadores de distúrbios genéticos (p. ex., anemia falciforme e fibrose cística), estimativa do risco para
doenças comuns, predição de resposta adversa grave a drogas e identificação forense.

CAPÍTULO 15
1. A família de Allen inclui vários membros que apresentaram infarto do miocárdio em idades relativamente baixas. O heredograma sugere que
um gene autossômico dominante que predispõe os familiares à doença cardíaca pode estar segregada nessa família. Isto poderia ser causado
pela hipercolesterolemia familiar autossômica dominante ou ainda por outro distúrbio do metabolismo lipídico. Allen deve ser estimulado a
dosar seus níveis séricos de lipídios (colesterol total, LDL, HDL e triglicerídios). Se seu nível de LDL for anormalmente alto, pode ser
necessária uma intervenção (p. ex., modificação dietética e fármacos redutores de colesterol).

2. Com base no fato de que os dois irmãos e um tio de Mary foram acometidos, nós podemos ter quase certeza de que sua mãe é uma portadora da
mutação causadora da doença DMD. (Se apenas um dos irmãos de Mary fosse acometido, nós teríamos que considerar a possibilidade dele ter
apresentado uma mutação nova.) Se a mãe é uma portadora, então há uma probabilidade de 1/2 de que Mary também seja uma portadora.
Como vimos no Capítulo 5, uma mulher portadora transmitirá o gene da doença para a metade de seus filhos, em média. Assim, a
probabilidade de que um de seus filhos seja acometido pela DMD é 1/2 × 1/2 = 1/4. O exame da creatinoquinase contribui com informações
adicionais. Nós podemos montar os cálculos bayesianos como se segue:

Mary é uma Mary não é uma


portadora portadora
Probabilidade a priori 1/2 1/2
Probabilidade condicional da CK estar no 2/3 0,05
percentil 95
Probabilidade conjunta 1/3 0,025
Probabilidade a posteriori 0,93 0,07

Deve ficar claro que a probabilidade condicional de ser uma portadora, dado que o nível de CK está acima do percentil 95, é 2/3. A
probabilidade condicional de não ser uma portadora com este nível de CK deve ser 0,05, porque apenas 5% das pessoas normais apresentam
valores de CK acima do percentil 95. Assim, a informação fornecida pelo exame da CK aumentou a probabilidade de Mary ser portadora, de
1/2 para 0,93. Como a probabilidade dela transmitir o gene da DMD para seu filho é 1/2, a probabilidade de ter um filho afetado aumentou de
0,25 para 0,47. (No total, lembrando que DMD só afeta homens). Atualmente, é provável que exames adicionais, como a triagem para
mutações no DMD e a realização de um ensaio para distrofina, ofereçam informações ainda mais precisas.
3. A probabilidade a priori de Bob ter herdado o gene de seu pai é de 1/2. Como 85% dos portadores do gene já manifestam sintomas aos 51 anos
de idade se eles herdam o gene do pai afetado, a probabilidade condicional de Bob ter 51 anos de idade e não estar acometido, caso ele tenha
herdado o gene, é 0,15. As probabilidades podem ser ajustadas como na tabela a seguir. Neste exemplo, a informação adicional sobre a idade
do início dos sintomas diminui a chance de Bob ter herdado o gene da doença, de 50% para apenas 13%. Com a identificação do gene da
doença de Huntington, Bob poderia realizar um exame diagnóstico do DNA para determinar com certeza se ele herdou ou não de seu pai a
mutação de repetição expandida.

Bob é portador do Bob não é portador do


gene DH gene DH
Probabilidade a priori 1/2 1/2
Probabilidade condicional de Bob ser normal com 0,15 1
51 anos de idade
Probabilidade conjunta 0,075 1/2
Probabilidade a posteriori 0,13 0,87

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