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TRAVESSIAS, ENCONTROS,

DIÁLOGOS NOS ESTUDOS


GERMANÍSTICOS NO BRASIL

Mônica Maria Guimarães Savedra


Ebal Sant’Anna Bolacio Filho
Mergenfel A. Vaz Ferreira (orgs.)
Universidade Federal Fluminense
REITOR
Antonio Claudio Lucas da Nóbrega
VICE-REITOR
Fabio Barboza Passos

Eduff – Editora da Universidade Federal Fluminense


CONSELHO EDITORIAL
Renato Franco [Diretor]
Ana Paula Mendes de Miranda
Celso José da Costa
Gladys Viviana Gelado
Johannes Kretschmer
Leonardo Marques
Luciano Dias Losekann
Luiz Mors Cabral
Marco Antônio Roxo da Silva
Marco Moriconi
Marco Otávio Bezerra
Ronaldo Gismondi
Silvia Patuzzi
Vágner Camilo Alves
TRAVESSIAS, ENCONTROS,
DIÁLOGOS NOS ESTUDOS
GERMANÍSTICOS NO BRASIL

Mônica Maria Guimarães Savedra


Ebal Sant’Anna Bolacio Filho
Mergenfel A. Vaz Ferreira (orgs.)
© 2021 Mônica Maria Guimarães Savedra, Ebal Sant’Anna Bolacio Filho e Mergenfel Andromergena Vaz
Ferreira (orgs.)
É proibida a reprodução total ou parcial desta obra sem autorização expressa da editora.

A publicação do livro contou com o apoio da Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado
do Rio de Janeiro (Faperj).

Equipe de realização
Editor responsável: Renato Franco
Coordenador de produção: Ricardo Borges
Revisão: Sonia de Onofre
Normalização: Camilla Almeida
Projeto gráfico, capa e diagramação: Thomás Cavalcanti

Dados Internacionais de Catalogação-na-Publicação – CIP


T781 Travessias, encontros, diálogos nos estudos germanísticos no Brasil [recurso eletrônico] / Mônica Maria
Guimarães Savedra, Ebal Sant’Anna Bolacio Filho e Mergenfel Andromergena Vaz Ferreira (organizadores).
– Niterói : Eduff, 2021. – 5.150 Kb. ; ePUB.

Inclui bibliografia.
ISBN 978-65-5831-088-4
BISAC FOR009000 FOREIGN LANGUAGE STUDY / German

1. Língua alemã. 2. Ensino. 3. Tradução. 4. Estudos germanísticos. I. Savedra, Mônica Maria Guimarães. II.
Bolacio Filho, Ebal Sant’Anna. III. Ferreira, Mergenfel Andromergena Vaz. IV. Título.

CDD 430.8
Ficha catalográfica elaborada por Márcia Cristina dos Santos (CRB7-4700)

Direitos desta edição cedidos à


Eduff - Editora da Universidade Federal Fluminense
Rua Miguel de Frias, 9, anexo/sobreloja - Icaraí - Niterói - RJ
CEP 24220-008 - Brasil
Tel.: +55 21 2629-5287
www.eduff.uff.br - faleconosco.eduff@id.uff.br

Publicado no Brasil, 2021.


Foi feito o depósito legal.
SUMÁRIO

Prefácio, 7
Paul Voerkel (Universidade Friedrich Schiller, Jena, Alemanha)

Introdução , 15

O ensino de variedades germânicas em contextos de contato


linguístico: conceitos, princípios e diretrizes, 18
Mônica Maria Guimarães Savedra (UFF/CNPq)
Karen Pupp Spinassé (UFRGS)

Alemão como língua estrangeira e multilinguismo no Brasil:


panorama de estudos psicolinguísticos, 36
Bernardo Kolling Limberger (PUC-RS)
Ângela Inês Klein (UFPel)

A sala de aula invertida no ensino de Alemão como língua


estrangeira: reflexões sobre uma proposta, 53
Cibele Cecilio de Faria Rozenfeld (Unesp/Araraquara)
Gabriela Marques-Schäfer (Uerj)

Ensino de Alemão e extensão universitária:


um breve panorama , 72
Mergenfel V. Ferreira (UFRJ)
Luciane Leipnitz (UFPB)
Rogéria Costa Pereira (UFC)
Roberta Sol Stanke (Uerj)

O ponto cego da autonomia: reflexões sobre o ensino


de Alemão no curso de Letras, 95
Dörthe Uphoff (USP)
Poliana Coeli Costa Arantes (Uerj)
Por uma ética na tradução literária: uma concepção entre
Zurique, Fortaleza e Maputo, 111
Tito Lívio Cruz Romão (UFC)

Dicionários bilíngues Português-Alemão: desdobramentos


de um projeto de tradução em projeto lexicográfico, 133
Magali dos Santos Moura (Uerj)
Ebal Sant’Anna Bolacio Filho (UFF)

Aspectos prosódicos na interpretação Português-Alemão:


apontamentos iniciais e caminhos de pesquisa, 150
Anelise F. P. Gondar (ILE/Uerj)

Minibiografias, 162
PREFÁCIO

PA U L V O E R K E L
( U N I V E R S I DA D E F R I E D R I C H S C H I L L E R , J E N A , A L E M A N H A )

Desde a virada do milênio, um desenvolvimento se tornou


evidente na Germanística no Brasil, o qual está levando a uma
maior profissionalização e visibilidade dessa área acadêmica,
tanto interna, quanto externamente. Há ampla evidência desse
fenômeno, que é visível principalmente nas extensas atividades
dos Departamentos de Alemão nas universidades brasileiras, e
que será brevemente delineado a seguir.
Em um total de 17 universidades no norte, nordeste, su-
deste e sul do Brasil, especialistas em língua e cultura alemãs
são formados no âmbito de programas de bacharelado e licen-
ciatura, assim como – em todos os locais mencionados, sem ex-
ceção – professores de Alemão. Além disso, existem outras uni-
versidades com programas de graduação relacionados à língua e
cultura alemãs e a possibilidade de realizar estudos de mestrado
ou doutorado com temas específicos de estudos alemães em três
universidades (VOERKEL, 2017). No que tange à pesquisa, pode-
-se notar um aumento na atividade de publicação, na qual, além
de assuntos genuinamente específicos, as próprias atividades
acadêmicas são cada vez mais abordadas, como, por exemplo,
nas antologias de Bohunovsky (2011), Uphoff et al (2017; 2019)
e Portinho-Nauiack, Bohunovsky e Wruck (2020). Brasil afora,
projetos de publicação como o de Soethe (2020) são notados, as-
sim como a crescente cooperação com parceiros internacionais
e organizações intermediárias (como exemplo, pode-se citar a

7
grande conferência Begegnungstagung mit dem Partnerland Brasili-
en, organizada pelo DAAD em 2013; DAAD, 2014).
Dada a riqueza das atividades, não é surpreendente que,
além da Associação Brasileira de Associações de Professores
de Alemão (Abrapa), que foi fundada em 1989 e representa os
mais de mil professores de Alemão ativos no país, a Associação
Brasileira de Estudos Germanísticos (Abeg) também tenha se
estabelecido no cenário acadêmico nos últimos anos. A Abeg
foi fundada em 2013 por iniciativa de um grupo de professores
universitários e, desde então, tem marcado sua presença prin-
cipalmente por meio dos congressos realizados a cada dois anos
(2015 em São Paulo, 2017 em Florianópolis e 2019 em Niterói).
Cada uma dessas conferências reuniu mais de uma centena de
germanistas, garantindo assim não só um ambiente vibrante de
congresso, mas também um intenso intercâmbio entre colegas,
que se reflete em uma cooperação cada vez mais estreita e que
ultrapassa as fronteiras institucionais.
O fato de o último congresso da Abeg ter sido realizado
em Niterói em 2019 pode parecer surpreendente à primeira vis-
ta, mas é consistente para observadores atentos da Germanís-
tica no Brasil. É possível que outros locais, mais tradicionais,
venham inicialmente à mente ao considerar os estudos alemães.
Por exemplo, a Universidade de São Paulo (USP), que abriga o
maior Departamento de Alemão do país e, desde o início dos
anos 1970, o primeiro Programa de Pós-Graduação em Alemão,
e onde a Pandaemonium Germanicum, a mais importante revis-
ta de Germanística do Brasil, é publicada continuamente há 25
anos (UPHOFF et al, 2015). Além disso, motivado, sobretudo,
pela forte imigração de língua alemã no sul do país, os Departa-
mentos de Alemão da Universidade Federal do Paraná (UFPR),
em Curitiba, e da Universidade Federal do Rio Grande do Sul
(UFRGS) existem há mais de 80 anos e são muito ativos até hoje.
No entanto, a Região Metropolitana do Rio de Janeiro ganhou
terreno nos últimos anos, pois abriga a Universidade do Esta-
do do Rio de Janeiro (Uerj), a Universidade Federal Fluminen-
se (UFF) e a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), três
universidades públicas que oferecem cursos de graduação em

8
Letras-Alemão e, portanto, um amplo portfólio de atividades no
campo da língua e cultura alemã e do alemão como língua mi-
noritária. Cada vez mais essa oferta é feita em coordenação e
cooperação conjunta, como mostram as numerosas publicações
dos colegas destas instituições ao longo dos últimos anos.
Esta antologia reúne oito contribuições do Congresso
da Abeg, realizado em agosto de 2019, na Universidade Fede-
ral Fluminense, em Niterói. São contribuições das áreas de Ale-
mão como língua minoritária, Alemão como Língua Estrangei-
ra (ALE) e da Mediação Linguística (tradução e interpretação) e
Formação de Professores de Alemão. As numerosas contribui-
ções do Congresso da Abeg sobre as áreas temáticas de litera-
tura e de estudos culturais serão publicadas oportunamente
em outro volume. Talvez a concentração em ALE e na Mediação
Linguística seja também um sinal de que a discussão é particu-
larmente urgente nessa área – sobretudo, tendo em conta os de-
safios da atual pandemia e a situação da política educacional no
país, que requerem novas formas de atividades e pensamentos.
A primeira contribuição é um trabalho conjunto de Mô-
nica Savedra (Universidade Federal Fluminense) e Karen Pupp
Spinassé (Universidade Federal do Rio Grande do Sul) sobre o
contato linguístico, usando o exemplo de duas variedades ger-
mânicas. Em primeiro lugar, alguns conceitos e definições bási-
cas – especificamente: línguas minoritárias, contato linguístico,
línguas de imigrantes, consciência linguística e língua-ponte –
são tratados, sendo alguns dos termos utilizados até agora na
discussão especializada, como “línguas alóctones” e “línguas de
herança”, criticamente questionados para a situação de contato
linguístico no Brasil. Em seguida, usando o Hunsrückisch no
Rio Grande do Sul e o Pomerano no Espírito Santo como exem-
plos, se mostram quais fenômenos de contato linguístico estão
presentes e como eles podem ser usados para o contexto escolar,
especialmente por meio de instrumentos da didática multilín-
gue e da intercompreensão. Finalmente, são formulados cinco
princípios que apelam para e apoiam o uso das línguas de ori-
gem no ensino institucional como línguas-ponte.

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No capítulo seguinte, Ângela Klein e Bernardo Limberger,
dois colegas da Universidade Federal de Pelotas, resumem vários
estudos psicolinguísticos sobre o tema do multilinguismo, cujos
resultados enriquecem significativamente o ALE. Em primeiro
lugar, justifica-se a relevância de lidar com o tema, e os termos
multilinguismo (em contraste com bilinguismo) e psicolinguís-
tica (no sentido dos seus amplos campos de atividade) são de-
finidos e exemplificados. A segunda parte do trabalho discute
sete estudos realizados no Brasil entre 2011 e 2020 que se rela-
cionam com o multilinguismo no contexto ALE. É dada espe-
cial atenção ao desempenho cognitivo de pessoas multilíngues,
às capacidades de processamento de texto e palavras e à cons-
ciência fonética; numa outra secção, são discutidos métodos e
instrumentos de pesquisa exemplares. Finalmente, são apon-
tadas possíveis referências ao ensino do Alemão como Língua
Estrangeira, tais como nas áreas de interação, processamento
da língua e compreensão de leitura, e o panorama é aberto para
possíveis campos de pesquisa adicionais.
Em sua contribuição, as colegas Cibele Cecilio de Faria
Rozenfeld (Universidade Estadual Paulista) e Gabriela Marques-
-Schäfer (Universidade do Estado do Rio de Janeiro) examinam
o potencial da Flipped Classroom (aula invertida) para o ensino do
Alemão, utilizando a experiência de uma aula. As autoras en-
fatizam em primeiro lugar o desafio – que se tornou claro não
apenas devido à atual pandemia – de uma formação contínua
e atualizada para professores de línguas estrangeiras, especial-
mente na área técnico-procedural. Segue-se uma discussão dos
conceitos de aprendizagem mista e de aula invertida, e elabo-
ra-se que estes devem ser bem estruturados por parte do pro-
fessor. Depois de explicar a metodologia e os instrumentos de
pesquisa do estudo, os resultados são apresentados e discutidos
mais detalhadamente: o conteúdo da intervenção pesquisada
foi bem recebido na fase de autoaprendizagem, e a maioria dos
alunos ficou satisfeita com a abordagem. Ao mesmo tempo, são
apontadas várias condições para o sucesso, tais como um insu-
mo variado e, sobretudo, explicações prévias, detalhadas sobre
o conceito de aula invertida.

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O próximo capítulo traz um aspecto bastante notável,
uma vez que se trata da união de forças de quatro colegas de
quatro universidades diferentes do Nordeste e Sudeste: Mer-
genfel Vaz Ferreira (Universidade Federal do Rio de Janeiro),
Luciane Leipnitz (Universidade Federal da Paraíba), Rogéria
Costa Pereira (Universidade Federal do Ceará) e Roberta Sol
Stanke (Universidade do Estado do Rio de Janeiro). As autoras
analisam o potencial das ofertas de extensão acadêmica para a
formação de professores de Alemão. Após uma introdução ao
contexto histórico e administrativo da Extensão, são apresen-
tados um total de nove projetos de Extensão dos Departamento
de Alemão das quatro universidades. Por meio da descrição dos
projetos e das atividades realizadas em seu escopo, fica eviden-
te a importância da participação ativa dos estudantes em pro-
jetos extracurriculares para sua formação como professores de
Alemão, principalmente, devido às experiências práticas neles
vivenciadas; isso aplica-se igualmente à prática do ensino e à
preparação para a pesquisa acadêmica.
Em seu artigo, as professoras Dörthe Uphoff (Universida-
de de São Paulo) e Poliana Coeli Costa Arantes (Universidade do
Estado do Rio de Janeiro) abordam uma questão central no en-
sino de línguas, a autonomia. Elas começam por contextualizar
os cursos de Letras-Alemão nas suas universidades, que pres-
supõem iniciativa própria e aprendizagem autônoma por parte
dos estudantes para a conclusão bem-sucedida dos seus estu-
dos, mas pouco se dedicam a estimulá-lo, por meio do currículo
e de suas ementas. Segue-se uma reflexão crítica sobre o con-
ceito de autonomia no ensino de línguas estrangeiras, com uma
divisão em concepções individuais e concepções sociais, onde se
torna claro que a aprendizagem não se realiza isolada de uma
realidade social. Por essa razão, os conceitos de autonomia e he-
teronomia, que se influenciam diretamente e dificilmente são
concebíveis por si mesmos, são tratados em outra seção do arti-
go. Para explicá-los com mais detalhes, um exemplo de um livro
didático é usado para mostrar a importância do pensamento
crítico em lidar com as heteronomias. O texto termina com um
convite a se incorporar o pensamento crítico na sala de aula.

11
A primeira de três contribuições sobre tradução e inter-
pretação vem de Tito Lívio Cruz Romão (Universidade Federal
do Ceará) e tem como foco a ética na tradução literária. No iní-
cio, é salientado que a discussão sobre a tradução “literária vs.
livre” não é, de forma alguma, nova, mas é de atualidade inin-
terrupta. A primeira seção identifica atores-chave nos contextos
internacional e brasileiro que influenciam a natureza e a ética
da tradução, como as associações acadêmicas e profissionais.
Ao mesmo tempo, o texto refere-se a diretrizes e leis que regu-
lam parte da ética profissional da tradução e aborda a violação
dos direitos dos autores. O artigo fornece um olhar fascinante
sobre a vida profissional diária dos tradutores ao revelar a co-
municação entre o autor suíço Peter K. Wehrli e seu tradutor
para o Português do Brasil. Pontos essenciais dessa troca de
ideias são relacionados a aspectos formais/estruturais dos tex-
tos, a acordos conjuntos entre autor-tradutor-revisor/editor e
aos desafios da tradução (não) literal e etnocêntrica.
No próximo artigo sobre o tema da tradução, os colegas
Magali dos Santos Moura (Universidade do Estado do Rio de
Janeiro) e Ebal Sant’Anna Bolacio Filho (Universidade Federal
Fluminense) discutem um projeto acadêmico que está em anda-
mento na Uerj desde 2013 e que combina os campos da tradução
e da interculturalidade. Primeiro, há uma descrição e contex-
tualização do projeto e dos textos que são utilizados para a rea-
lização deste trabalho, o que leva a uma extensa discussão sobre
diferentes gêneros de textos e provoca uma reflexão sobre as
diferentes disciplinas acadêmicas que precisam estar envolvi-
das em um projeto desse tipo. A segunda parte do trabalho trata
de uma ferramenta concreta e indispensável da prática de tra-
dução, o dicionário, tematizando os desafios a ele associados.
Após uma descrição histórica detalhada dos dicionários Portu-
guês-Alemão, os autores chegam ao ponto principal do projeto,
a transferência de um dicionário do fim do século XIX para um
formato eletrônico, para o qual se faz necessária uma revisão
abrangente das estruturas e uma pesquisa que acompanha todo
o processo translatório.

12
A antologia termina com a contribuição de Anelise Gon-
dar (Universidade do Estado do Rio de Janeiro) sobre a prosódia
na interpretação no Português-Alemão. Para isso, a autora trata
primeiro da história e do desenvolvimento da interpretação em
geral e depois concretiza isso com base na formação dos intér-
pretes no Brasil, ficando claro que as questões de prosódia têm
recebido (muito) pouca atenção na discussão acadêmica no país
até agora. Porém, estas são essenciais na medida em que a in-
terpretação é um processo oral em que o foco está numa narra-
ção bem-sucedida, ou seja, os aspectos da fala têm um efeito de-
cisivo na estruturação e na compreensibilidade da transmissão.
Após algumas considerações preliminares sobre o processo de
interpretação, esboça-se o cenário da pesquisa “Dicção contras-
tiva Português-Alemão”, que pode ajudar a otimizar a formação
dos intérpretes, especialmente no que diz respeito à prosódia.
As contribuições realizadas no último congresso da Abeg,
resumidas neste volume, podem evidenciar o quão ampla e di-
versificada é a Germanística no Brasil. Naturalmente, os atuais
desafios da pandemia e os efeitos da política nacional e global
também são sentidos aqui, tornando o trabalho no contexto
acadêmico cada vez mais complexo. Ao mesmo tempo, esse pa-
norama da dinâmica cena germanística no Brasil dá motivos de
esperança e aumenta a motivação para para que mais congres-
sos e atividades da Abeg sejam realizados em ocasiões futuras.

REFERÊNCIAS
BOHUNOVSKY, R. (org.). Ensinar alemão no Brasil: contextos e conteúdos. Curitiba:
Editora UFPR, 2011.
DEUTSCHER AKADEMISCHER AUSTAUSCHDIENST - DAAD (org.). Estudos alemães
no Brasil: desafios, rotas de comunicação, traduções. Göttingen: Wallstein, 2014.
PORTINHO-NAUIACK, C.; BOHUNOVSKY, R.; WRUCK, V. (orgs.). Ensinar alemão no
Brasil: percursos e procedimentos. Curitiba: Editora UFPR, 2020.
SOETHE, P. (org.). Weltgermanistik, Germanistiken der Welt: encontros na América
Latina. Bern: Peter Lang, 2020.
UPHOFF, D. et al. (orgs.). 75 anos de alemão na USP: reflexões sobre uma germanísti-
ca brasileira. São Paulo: Humanitas, 2015.

13
______. (orgs.) O ensino de alemão em contexto universitário: modalidades, desafios e
perspectivas. São Paulo: Humanitas, 2017.
______. (orgs). O ensino de alemão em contexto universitário: ensino, pesquisa e exten-
são. São Paulo: Humanitas, 2019.
VOERKEL, P. Deutsch als Chance: Ausbildung, Qualifikation und Verbleib von Absol-
venten brasilianischer Deutschstudiengänge. Jena: ThULB, 2017.

14
INTRODUÇÃO

Os estudos germanísticos no Brasil são marcados pela


diversidade de temas e objetos de interesse que atravessam di-
ferentes áreas do saber como a língua, a literatura, a tradução,
a música, o cinema e o teatro. A fundação da Associação Brasi-
leira de Estudos Germanísticos, em 2013, representou uma ini-
ciativa concreta de aproximação entre acadêmicos e estudiosos
dessas diversas áreas, viabilizando, por meio de seu principal
evento acadêmico – os congressos realizados bienalmente –,
uma maior visibilidade desses estudos e o intercâmbio entre
pesquisadores que se debruçam sobre variados temas da ger-
manística no Brasil.
Este livro se configura, portanto, como um importante
registro desse intercâmbio e como uma forma de publicização
das pesquisas que vêm sendo desenvolvidas no escopo da ger-
manística brasileira. Neste volume, estão reunidos trabalhos
concernentes à área de Estudos da Linguagem em seus vários
aspectos, tratando-se, naturalmente, de uma pequena mostra
do grande mosaico dos estudos realizados no nosso país nessa
área. Essa variedade de pesquisas pôde ser constatada na Uni-
versidade Federal Fluminense, na cidade de Niterói, entre os
dias 28 a 31 de agosto de 2019, durante o III Congresso da Asso-
ciação Brasileira de Estudos Germanísticos, cujo título “Traves-
sias, Encontros, Diálogos”, inspirou este livro.
Os trabalhos aqui apresentados têm como foco prin-
cipal três eixos temáticos: plurilinguismo e multilinguismo,
ensino de Alemão como língua estrangeira/adicional e tradu-
ção/interpretação.
No primeiro capítulo, Mônica Savedra e Karen Pupp
Spinassé discutem questões relacionadas ao ensino de varieda-
des germânicas em contextos de imigração no Brasil, focando o
Hunsrückisch e o Pomerano. Para tal, retomam conceitos e teo-

15
rias importantes para o ensino de línguas em situação minori-
tária com o intuito de fornecer subsídios para sua implantação
no sistema público escolar brasileiro dentro de uma proposta de
ensino plurilíngue.
Bernardo Limberger e Angela Klein, por sua vez, oferecem
uma visão panorâmica dos estudos psicolinguísticos na área de
Alemão como língua estrangeira e também tratam da questão
do multilinguismo no Brasil. Os autores propõem uma revisão
de estudos sobre o tema e apontam para vários contextos desse
tipo de ensino no país.
Com foco no ensino de Alemão em contexto acadêmico,
Cibele Rozenfeld e Gabriela Marques-Schäfer apresentam os
resultados de um estudo qualitativo realizado com estudantes
universitários de um curso de Letras de uma universidade bra-
sileira, com o intuito de analisar o uso da chamada aula inver-
tida (flipped classroom) em turmas de iniciantes do idioma. Seus
resultados mostram um grande potencial no uso desse recurso
inovador, o qual, segundo as autoras, pode ter um papel impor-
tante no ensino de Alemão no contexto estudado.
A extensão, um dos três pilares da universidade brasilei-
ra, e um importante espaço para a prática e a formação inicial de
professores, é o cerne do estudo apresentado por Mergenfel Vaz,
Luciane Leipnitz, Rogéria Costa e Roberta Stanke. Nesse artigo,
as autoras discutem o papel da extensão na formação didática,
pedagógica e linguística de futuros professores e professoras de
Alemão e o seu impacto para a comunidade, por meio da análise
dos principais projetos de extensão voltados para práticas com
foco no ensino de Alemão em suas respectivas universidades
(UFRJ, UFPB, UFC e Uerj).
Dörthe Uphoff e Poliana Arantes discutem criticamente
diversas concepções individuais e sociais de autonomia no ensi-
no de Alemão em cursos de Letras. As pesquisadoras argumen-
tam que aspectos heterônimos não são levados em consideração
nas concepções individuais de autonomia, o que levaria a uma
espécie de “ponto cego” que pode ser constatado nos métodos e
materiais mais utilizados hoje em dia no ensino de Alemão em
ambiente acadêmico.

16
A ética na tradução literária é o tema central do trabalho
desenvolvido por Tito Lívio Romão. Após discorrer sobre aspec-
tos objetivos que norteiam a ética profissional de tradutores em
geral, o pesquisador foca em um exemplo concreto de prática
tradutória e correspondência entre autor e tradutor, para deli-
near, no fim, aspectos de uma ética na tradução literária cons-
truída entre tradutor e autor.
No que tange à tradução literária e ao contexto universi-
tário, Magali Moura e Ebal Bolacio apresentam em seu trabalho,
inicialmente, um breve histórico de um projeto de tradução li-
terária no curso de Letras Português-Alemão na Uerj, para logo
em seguida apresentar seus desdobramentos em duas áreas: os
Estudos Culturais e os Estudos Lexicográficos. Discutem, a se-
guir, o projeto de digitalização e disponibilização ora em curso
de dois dicionários Português-Alemão do século XIX, os quais
são de grande importância para a tradução de obras em Alemão
daquele século e mesmo de períodos anteriores.
Finalizando os estudos desta obra, Anelise Gondar apre-
senta um panorama histórico da formação de intérpretes na
área de Alemão no Brasil e aponta para a relevância das pes-
quisas na área de prosódia na interpretação no par linguístico
Português-Alemão no Brasil, haja vista a necessidade de forma-
ção de profissionais para suprir a demanda de intérpretes do
idioma Alemão existente nos âmbitos governamentais e comer-
ciais em nosso país.
Acreditamos que os estudos e pesquisas que compõem
este compêndio retratam de forma bastante representativa o
papel da Germanística no Brasil, discutindo propostas para o
ensino de Alemão e suas variedades em diferentes contextos,
fortalecendo e ampliando o debate sobre a formação de intér-
pretes e tradutores de Alemão no Brasil, além do próprio debate
sobre as diferentes possibilidades para a tradução literária.
Convidamos, desta forma, todos a uma leitura crítica do
estado da arte dos estudos germânicos em nosso país.
Os organizadores

17
O ENSINO DE VARIEDADES GERMÂNICAS
EM CONTEXTOS DE CONTATO LINGUÍSTICO:
CONCEITOS, PRINCÍPIOS E DIRETRIZES

MÔ N I C A M A R I A G U I M A R Ã ES S AV E D R A ( U F F/C N P Q )
K A R E N P U P P S P I N A SS É ( U F R G S )

RESUMO
Este capítulo busca discutir questões pertinentes ao ensi-
no de variedades germânicas (standards ou substandards) em con-
textos de imigração. Trazemos, como recorte, o Hunsrückisch
e o Pomerano e, a partir de seus exemplos, revisitamos alguns
conceitos teóricos de base, que são relevantes para o contexto de
línguas de imigração em situação minoritária, a fim de apontar
princípios e diretrizes para o âmbito escolar.
Palavras-chave: Língua de Imigração; Cultura de Herança;
Língua-ponte.

ZUSAMMENFASSUNG
In diesem Kapitel sollen für den Unterricht germani-
scher (Standard- oder Substandard-) Varietäten in Einwande-
rungskontexten relevante Aspekte erörtert werden. Basierend
auf unseren Erfahrungen mit dem Hunsrückischen und dem
Pommeranischen wird hier auf einige grundlegende theoreti-
sche Konzepte eingegangen, die für den Kontext der Minder-
heiten-Migrationssprachen relevant sind, um Prinzipien und
Richtlinien für die schulische Praxis aufzuzeigen.

18
Schlüsselwörter: Migrationssprache; Heritage Culture;
Brückensprache.

INTRODUÇÃO
Como um país de fato pluri/multilíngue (MORELLO,
2015), temos, no Brasil, inúmeras línguas que são faladas pa-
ralelamente ao Português, seja em famílias, tribos, comuni-
dade ou até mesmo em situações oficiais. Entretanto, a partir
da visão monolinguista que temos arraigada no país (MARIA-
NI, 2004), que sempre pregou o Brasil como um país onde só
se fala o Português, essas línguas acabam sendo invisibilizadas
na esfera nacional, e seus falantes não conseguem exercer ple-
namente seus direitos linguísticos (OLIVEIRA, 2004). Trata-se
das assim denominadas línguas minoritárias, que recebem essa
denominação não por levar-se em conta o número de falantes
que cada uma tem, que pode ser bastante representativo, mas
por elas não usufruírem do mesmo prestígio e do mesmo espa-
ço que o Português, a língua majoritária. Ou seja, não se trata
absolutamente de línguas “menores”, faladas por uma minoria,
pois tal ranqueamento nem mesmo existe;1 trata-se de línguas
que são minorizadas por questões sociais e políticas.
O conceito de línguas minoritárias e/ou minorizadas vem
sendo discutido em estudos recentes. Savedra e Mazzelli (2020),
por exemplo, optam pelo uso dos termos “língua minorizada”
ou “língua em situação minoritária” para abordar as variedades
identificadas nos contextos de imigração. As autoras justificam
sua escolha, baseadas em Bagno (2017), o qual usa “língua mi-
noritária” para referir-se a uma língua que é falada em um ter-
ritório dentro de um Estado, por indivíduos que constituem um
grupo numericamente inferior ao restante da população des-
se Estado; e “língua minorizada” para caracterizar aquela que,
apesar de ser uma língua própria de um determinado território

1
Sobre a não presença de uma pergunta sobre as línguas faladas em casa no Censo de 2010,
cf. Oliveira e Altenhofen (2011).

19
(uma província, um estado, região autônoma etc.), “sofre uma
restrição de seus âmbitos e funções de uso nesse mesmo terri-
tório” (BAGNO, 2017, p. 239). Dentro de uma perspectiva seme-
lhante, Lagares (2018) também justifica a preferência pelo uso
do termo língua minorizada, e ainda sugere a terminologia “lín-
gua em situação minoritária” para aludir “aos idiomas que não
dispõem dos equipamentos a serviço das línguas hegemônicas;
ou bem às situações em que uma língua se encontra à margem
das estruturas de poder” (LAGARES, 2018, p. 121). Neste capí-
tulo, daremos preferência por empregar esse conceito para as
línguas abordadas.
No Brasil, temos diferentes categorias de línguas em si-
tuação minoritária: as línguas indígenas, que, segundo o Censo
2010 do IBGE, contabilizam 274 variedades de 305 diferentes et-
nias;2 as línguas de imigração, que, segundo Altenhofen (2013, p.
106), somam 56 variedades; as línguas dos surdos, sendo a Libras
a mais conhecida dentre elas; as línguas faladas em contextos de
fronteira; e as línguas faladas em comunidades quilombolas –
e, para alguns autores, somar-se-iam a elas ainda as varieda-
des desprestigiadas do próprio Português (VIANNA, 2015, p. 9).
Todas as variedades em questão são influenciadas pelo contato
linguístico com o Português ou mesmo entre si, o que leva a em-
préstimos, mas também, em alguns casos, à sua substituição.
Neste estudo, iremos nos ater à problemática das lín-
guas de imigração, usando, como recorte, exemplos relaciona-
dos a línguas de imigração de base germânica, em especial ao
Hunsrückisch e ao Pomerano, línguas com as quais as autoras
já trabalham há mais tempo. Acreditamos, contudo, que nos-
sa contribuição possa ser interessante também para o contex-
to de outras línguas em situação minoritária, já que discutire-
mos qual papel essas variedades podem ter em sala de aula, em
ambiente escolar.
Em situações de contato linguístico envolvendo línguas
de imigração, temos vivenciado atualmente, em nosso país, al-
gumas ações de políticas linguísticas e educacionais que pro-

2
Disponível em: https://cod.ibge.gov.br/3K96V. Acesso em: 29 ago. 2020.

20
movem o ensino dessas línguas, em especial nas séries iniciais,
em um movimento de prestígio da etnicidade linguística e cul-
tural de tais comunidades. Tais ações vêm se delineando como
relevantes para o desenvolvimento do plurilinguismo individual
e social, e abordam o ensino das línguas de imigração no âm-
bito da Didática do Multilinguismo (PUPP SPINASSÉ; KÄFER,
2017). Essa abordagem prevê, dentre outros elementos de rele-
vância para o tema, atividades que integrem as línguas presen-
tes ao repertório do aluno, com vistas não só ao aprendizado de
línguas, mas também à sensibilização para a diversidade lin-
guística da região onde é implementada, abordando, a partir de
um locus geográfico mais amplo, a perspectiva dos estudos sobre
“língua e espaço”.
Nesse sentido, discutiremos, aqui, diretrizes sob a pers-
pectiva de políticas linguísticas e educacionais já implemen-
tadas ou em fase de implementação, que envolvem o fomento
de línguas em situação minoritária em ambiente escolar, bem
como princípios didático-pedagógicos que foram observados a
partir da realização de atividades práticas em escolas de comu-
nidades de imigração de variedades germânicas no Brasil.

BALIZANDO CONCEITOS
Plurilinguismo/Multilinguismo

O uso dos termos plurilinguismo/multilinguismo não


encontra uma aceitação unânime na literatura sobre os estu-
dos de sociolinguística de contato. Com base na Carta europeia
do plurilinguismo, disponível no site do Observatório Europeu do
Plurilinguismo em 19 línguas diferentes,3 “plurilinguismo” é de-
finido como “a utilização de várias línguas por um indivíduo”.
Portanto, a acepção de plurilinguismo se distingue do conceito
de multilinguismo, que, segundo o mesmo documento, “signifi-
ca a coexistência de várias línguas num grupo social”.

3
A versão em Português está disponível em: https://www.observatoireplurilinguisme.eu/
images/Charte/Charteplurilinguisme_ptV2.13.pdf. Acesso em: 19 ago. 2020.

21
A Carta europeia é um documento que se alinha com o Qua-
dro europeu comum de referência para as línguas (QECR), influente
documento publicado pela União Europeia em 2001, que esta-
belece diretrizes para a descrição dos níveis de competência
linguística para o aprendizado e ensino de línguas. No quadro,
multilinguismo é definido como a “coexistência de diferentes
línguas em uma dada sociedade”, enquanto plurilinguismo, por
sua vez, seria “o conhecimento de um certo número de línguas”
pelo indivíduo (CONSELHO DA EUROPA, 2001, p. 23).
Sob a perspectiva do contato, entendemos, assim, que
as situações compostas majoritariamente por indivíduos que
são capazes de exprimir-se ou de interagir, em diferentes ní-
veis de competência, em mais de uma língua podem ser con-
sideradas uma situação de contato multilíngue e plurilíngue.
Entretanto, situações de contato multilíngue podem ser com-
postas também por indivíduos monolíngues que ignoram a(s)
língua(s) dos outros.
Ao tratar das práticas linguísticas de imigrantes brasilei-
ros no Suriname, antiga colônia holandesa de grande riqueza
cultural e linguística, Savedra e Perez (2017) ressaltam que pu-
blicações em línguas germânicas, como o Alemão e o Holandês,
por exemplo, não costumam adotar tal distinção, referindo-se a
ambas as situações pelos termos únicos Mehrsprachigkeit e meer-
taligheid, respectivamente. Os autores, então, optam por utilizar
os conceitos de plurilinguismo social, para definir situações onde
se falam muitas línguas, e plurilinguismo individual, para definir
situações nas quais indivíduos falam mais de uma língua.
Neste estudo, portanto, concordamos com a distinção
conceitual entre ambas as esferas, utilizando, sem diferencia-
ção, “plurilinguismo individual” e/ou apenas “plurilinguismo”
para a esfera individual, assim como usaremos “plurilinguismo
social” e/ou “multilinguismo” para a coexistência e o contato de
duas ou mais línguas.

22
Língua Alóctone/Língua Neoautóctone

“Língua alóctone” é um termo comumente utilizado para


denominar aquelas variedades decorrentes de processos migra-
tórios e, portanto, cujo local de origem difere daquele(s) onde
são faladas atualmente pelos descendentes dos indivíduos exó-
genes ao local – em contraposição ao termo “língua autóctone”,
que são aquelas variedades faladas por descendentes de povos
originários daquele local ou país (no caso do Brasil, costuma-se
empregar o temo para as línguas indígenas) (OLIVEIRA, 2002,
p. 83-84; ALTENHOFEN, 2006, p. 173).
Entretanto, Savedra e Mazzelli (2017) propõem classifi-
car o Pomerano falado no Espírito Santo como uma varieda-
de “neoautóctone” brasileira. As autoras consideram, para tal,
a vitalidade da língua e o seu uso contínuo nas regiões de fala
durante o longo período desde a imigração até a atualidade. A
discussão se desenvolve sob as perspectivas histórica e linguís-
tica, relacionando, a partir dos estudos de Tacke (2015) e Zenker
(2011), conceitos referentes à língua de imigração, à territoriali-
dade e à autoctonia (apud SAVEDRA; MAZZELLI, 2017).
A partir da ambientação sócio-histórica do Brasil à época
da imigração (segunda metade do século XIX), as autoras discu-
tem a vitalidade, o uso atual e a condição de língua cooficial do
Pomerano em oito municípios no país, propondo, então, o reco-
nhecimento da variedade como sendo uma língua neoautóctone
brasileira, ou seja, com o estatuto de uma língua brasileira.
Assim como o Pomerano, também outras línguas de imi-
gração, como o Hunsrückisch, afastaram-se da sua língua-teto,
desenvolvendo-se muito independentemente de sua variedade
de origem, em território brasileiro, sob condições apenas possí-
veis por estarem aqui. Não se está querendo, com isso, negar o
histórico dessas línguas na época pré-imigração e nem seu pro-
cesso de introdução no Brasil. Apenas pontuar que seu histórico
no país influenciou sobremaneira sua existência e configuração
atual, e essas variedades criaram raízes aqui, como também o
fizeram seus falantes – há gerações, todos já nascidos brasilei-
ros. Desta forma, tanto a noção de língua, quanto a noção de

23
território (e com ela, a de pertencimento) podem estar relacio-
nadas ao Brasil.
Assim, se o Pomerano, o Hunsrückisch, bem como outras
variedades de imigração, já cooficializadas atualmente no país,
são línguas brasileiras, devem deixar, a nosso ver, de ser reco-
nhecidas pela categoria de alóctone.

Línguas de Imigração/Línguas de Herança

No mesmo sentido que o defendido acima, assumindo


que as línguas de imigração, em especial, as já cooficializadas
no Brasil, como o Hunsrückisch, o Pomerano, o Talian e a va-
riedade local do Alemão (Hochdeutsch; ALTENHOFEN, 2013, p.
106),4 são línguas brasileiras, também nos parece inadequado
denominá-las como línguas de herança.
“Língua de Herança” (LH), como o próprio nome já pres-
supõe, é uma língua “herdada” dos pais (ALVAREZ, 2018, p. 779).
Trata-se, portanto, de uma língua materna herdada no seio fa-
miliar e usada primordialmente em casa, não sendo necessária
a inserção em uma comunidade externa para a interação na
mesma. Ao passo que, para o uso do conceito Segunda Língua,
por exemplo, é necessária uma situação de integração social
(PUPP SPINASSÉ, 2006, p. 6), a LH pode ser restrita, dentro de
uma sociedade, a apenas uma família, ou a apenas alguns mem-
bros de uma família, e atinge especialmente a segunda geração
de imigrantes, ou seja, os filhos dos imigrados (BENMAMOUN;
MONTRUL; POLINSKY, 2013, p. 132).

4
O Pomerano é cooficial em seis municípios do Espírito Santo: Domingo Martins, Laranja
da Terra, Itarana, Pancas, Santa Maria de Jetibá e Vila Pavão; em um município de Santa
Catarina: Pomerode; e em um município do Rio Grande do Sul: Canguçu. O Hunsrückisch
foi cooficializado em um município de Santa Catarina: Antônio Carlos. O Talian é cooficial
em um município de Santa Catarina: Nova Erechim, e em vários municípios do Rio Gran-
de do Sul: Antônio Prado, Bento Gonçalves, Camargo, Fagundes Varela, Flores da Cunha,
Guajibu, Ivorá, Nova Pádua (em fase de discussão), Nova Roma do Sul e Serafina Correa;
e segunda língua oficial em Caxias do Sul e Paraí. Também o Alemão Padrão local (Hoch-
deutsch) é língua cooficial em três municípios de Santa Catarina: Bela Vista, Pomerode e
São João da Boa Vista. Disponível em: http://ipol.org.br/lista-de-linguas-cooficiais-em-
-municipios-brasileiros/. Acesso em: 29 ago. 2020.

24
A título de ilustração, citamos a situação dos filhos de
uma brasileira com um islandês, que nasceram e residem na Is-
lândia, não precisando conhecer outros brasileiros no país para
que a língua portuguesa, na variedade brasileira, praticada em
casa pela e com a mãe, seja para eles uma língua de herança.
Eles a herdaram da mãe e interagem nela com a mãe para as
situações necessárias – ou, pelo menos, o fizeram até certa ida-
de (FLORES; MELO-PFEIFER, 2014, p. 17). A LH, portanto, é ca-
racterizada por uma exposição reduzida e, muitas vezes, pelo
desempenho desigual nas competências, se comparada à língua
da sociedade na qual o indivíduo está inserido (ou seja, língua
majoritária), que “geralmente é a língua dominante da criança
devido às situações de socialização mais frequentes” (FLORES;
MELO-PFEIFER, 2014, p. 17). E por mais que haja por perto ou-
tros falantes de Português e interações em língua portuguesa
(em diferentes variedades) fora de casa, a língua continua tendo
um caráter mais familiar e restrito a um grupo de falantes, sen-
do visto pelo país hospedeiro como uma língua estrangeira pre-
sente em seu território. Da mesma forma que, por exemplo, um
pai australiano que vive no Brasil e fala Inglês com seus filhos
está contribuindo para a diversidade linguística em território
nacional, mas não está conferindo ao Inglês, com essa ação, um
novo lugar na nossa sociedade.
Uma língua de imigração também é uma língua “herdada”
como L1 e também pode ser uma língua em situação minoritá-
ria, uma vez que, por meio do contexto de imigração, foi inseri-
da em uma sociedade na qual outra língua majoritária é falada e
detém o prestígio de língua nacional. Do mesmo modo, línguas
de herança, comumente em situação minoritária, podem estar
em contexto de imigração. Contudo, não vemos os dois concei-
tos como sinônimos e identificamos distinções entre ambas as
categorias, a partir do momento em que diferenciamos o pro-
cesso e o produto.
Em um primeiro momento na nova pátria, os filhos de
imigrantes/refugiados/diplomatas/etc., aprendem a língua dos
pais como uma língua de herança, ou seja, como uma bagagem
étnico-linguística e cultural de seus pais. Contudo, o que temos

25
no Brasil com as línguas de imigração, em especial, as aqui in-
troduzidas no contexto do século XIX, desenvolve-se em situa-
ção distinta. Tais línguas se afastaram de suas matrizes – como
é o caso do Hunsrückisch e do Pomerano, foco deste estudo –,
enquanto as crianças islandesas citadas acima terão o Português
standard brasileiro como referência para sua língua de herança,
e, caso parem de falar a língua na infância, podem facilmente
voltar a estudá-la em um ambiente formal de aprendizagem
mais tarde, pois a língua é ainda falada no país de origem. Já
os falantes das línguas de imigração aqui citadas, não possuem
essa referência, uma vez que a história de sua constituição e as
raízes socioculturais de tais variedades já estão no Brasil, e não
mais no local de origem dos imigrantes.
Assim, vemos que o caráter social das línguas de imigra-
ção é crucial, pois caracteriza uma comunidade pertencente ao
país onde se encontra, e não uma relação “indireta”, “passageira”,
distante ou até mesmo aleatória, como pode ser o caso das LHs.
Por isso, optamos, neste capítulo, por caracterizar as va-
riedades em questão como línguas de imigração e não como lín-
guas de herança, para poder diferenciar o contexto de contato
do Hunsrückisch e do Pomerano de outros contextos de pluri-
linguismo, tanto individual como social, quanto os exemplifi-
cados acima. Portanto, para nós, elas não configuram línguas
de herança no sentido conceitual, mas uma “cultura de herança”
(SAVEDRA; ROSENBERG, 2019).

Conscientização Linguística

Um dos conceitos mais cruciais quando tratamos de lín-


guas em situação minoritária no contexto de ensino é a cons-
cientização linguística, que, segundo a Association for Lan-
guage Awareness, é definida como um “conhecimento explícito
sobre a língua e uma percepção consciente e sensibilidade em
aprender a língua, ensinar a língua e usar a língua”.5 Ou seja, o

5
No original: “Explicit knowledge about language, and conscious perception and sensitivity in lan-
guage learning, language teaching and language use”. Disponível em: https://www.languagea-

26
indivíduo deve ser levado a fazer reflexões sobre sua(s) língua(s)
e sobre as demais línguas às quais esteja exposto, a fim de, tor-
nando o seu processo de aprendizado e o seu conhecimento lin-
guístico explícitos, conseguir estabelecer relações entre elas e
estar sensível à diversidade e às peculiaridades de cada idioma.
Para Hawkins (1999), em uma abordagem didática que
leve em consideração a conscientização linguística, deve-se le-
var o aluno a fazer questionamentos sobre o funcionamento e
sobre a função das respectivas línguas em sua vida, valorizando,
para tanto, aspectos sociais, culturais e políticos.
Em alguns casos, a implementação de abordagens plurais
(CANDELIER, 2010) para o ensino de línguas em situação mino-
ritária serve de ponte para o aprendizado de outras línguas, em
uma perspectiva que envolve a “intercompreensão linguística”
e a “translinguagem” (HUFEISEN; NEUNER, 2003; JESSNER,
2008; BAUR; HUFEISEN, 2011; GARCIA; WEY, 2014).
Como as línguas de imigração geralmente são marca-
das pelo desprestígio, sofrendo, em muitos casos, preconcei-
to linguístico, é muito comum que seus falantes a considerem
uma língua menor ou uma variedade “quebrada”, “feia”, “erra-
da” (PUPP SPINASSÉ, 2016; 2017a). Nesse sentido, trabalhar a
conscientização linguística e levar as crianças falantes de uma
língua minoritária a refletir sobre a relação desta com outras
línguas – principalmente com as tipologicamente próximas – é
uma estratégia didática que pode tanto fomentar o ensino de
línguas, por meio da valorização do plurilinguismo, quanto dar
sua contribuição social para a quebra de tabus e a desconstrução
de mitos relacionados a ela.
Deste modo, acreditamos que permitir a entrada da lín-
gua minoritária em sala de aula (seja ensinando-a, seja apenas
dando espaço para sua manifestação) é uma importante medida
a ser tomada. Como estudos já mostraram, é possível fazer uso
da língua minoritária como língua-ponte para o aprendizado de
outras línguas, conferindo-lhe mais uma função, a qual pode ser

wareness.org/?page_id=48. Acesso em: 20 ago. 2020.

27
reconhecida como vantajosa pelo senso comum (PUPP SPINAS-
SÉ; KÄFER, 2017).
Com o termo “língua-ponte”, entendemos o papel que de-
terminada variedade pode desempenhar como uma ferramenta
útil para que o aluno, em seu processo de aprendizado de outra
língua, trave paralelos entre ambos os sistemas, a fim de utilizar
os conhecimentos que tem em uma língua para construir seu
conhecimento e sua competência na outra, desenvolvendo, para
tanto, estratégias individuais de aprendizagem. Utilizar a lín-
gua de imigração como língua-ponte é, portanto, uma estraté-
gia linguística, uma estratégia de aprendizado e uma estratégia
política (PUPP SPINASSÉ, 2016).

CONTEXTUALIZANDO DIFERENTES REALIDADES


ESCOLARES
O Hunsrückisch no Rio Grande do Sul

Muitas escolas em contextos de contato Português-Huns-


rückisch oferecem ensino de Alemão standard como língua es-
trangeira no currículo regular, mas nem sempre instituição e
professores sabem lidar com o bilinguismo que as crianças tra-
zem de casa ou com o fato de que elas já possuem determinados
pré-conhecimentos da língua alemã, devido ao fato de falarem
uma língua tipologicamente próxima dessa língua-alvo. Ou seja,
essa capacidade, de forma geral, acaba não sendo nem aprovei-
tada e nem incentivada por parte da escola – e isso muito graças
aos preconceitos que cercam a língua minoritária, vista, em ge-
ral, como uma língua de menor valor. Assim, ela acaba excluída
do contexto escolar, o que acarreta impactos sociais diretos.
Nesse sentido, vemos na Didática do Multilinguismo
uma possibilidade de integrar melhor as línguas que cercam os
alunos, com o objetivo não só de tornar o processo de aprendi-
zado mais efetivo, mas também, com um propósito social, de
fomentar a língua minoritária, legitimando-a como integrante
do contexto escolar (PUPP SPINASSÉ, 2016; PUPP SPINASSÉ;

28
KÄFER, 2017). Como o Hunsrückisch não faz parte do currículo
escolar, legitimá-lo como língua-ponte para o aprendizado do
Alemão standard é a forma de garantir um espaço nesse contex-
to institucional.
Em nossas visitas a essas escolas, trabalhamos, no âmbito
de nossos projetos de pesquisa-ação, com as crianças do sexto
ao nono ano, falantes e não falantes de Hunsrückisch, no mo-
mento da aula de Alemão. Nosso intuito é abordar: 1) mitos e
crenças sobre a língua de imigração, a partir das reações de alu-
nos e alunas com a presença da língua em sala de aula, a fim de
questioná-los e confrontá-los criticamente e fornecer informa-
ções históricas sobre a língua e seu desenvolvimento; 2) a partir
de tarefas que fomentam a comparação entre as línguas, ativar
reflexões metalinguísticas sobre as línguas de seu repertório,
bem como a constatação de semelhanças sintáticas e lexicais en-
tre elas; e 3) fomentar o plurilinguismo dos alunos, levando-os
a refletirem sobre os diferentes papéis que diferentes línguas
desempenham para o indivíduo e sobre o fato de que o mundo
é multilíngue, e todas as línguas devem ocupar o seu espaço, já
que têm o mesmo valor.

O Pomerano no Espírito Santo

O Pomerano (Pommersch, Pommerschplatt ou Pommeranisch)


é uma variedade germânica, da subfamília do Baixo-Alemão, e
é reconhecido como língua cooficial em oito municípios do Bra-
sil, sendo, como já explicitado anteriormente, uma variedade
neoautóctone brasileira, a partir das noções antropológicas de
língua e território e da noção de vitalidade linguística (SAVE-
DRA; MAZZELLI, 2017).
Dentro da perspectiva de manutenção e a revitalização do
Pomerano, e ainda com o objetivo de desenvolver práticas edu-
cacionais diferenciadas para uma comunidade na qual a língua
é reconhecida como sendo preferencialmente a primeira língua
de uso em diversos domínios (familiar, social, administrativo,
dentre outros), foi implementado o ensino oficial da língua nos

29
municípios onde o Pomerano já estava cooficializado ou em
fase de cooficialização. Assim, no início do século atual, ou seja,
muito tempo após o início da imigração pomerana para o Brasil,
no século XIX, teve início a discussão oficial de um programa de
educação escolar que integrasse o Pomerano na matriz curricu-
lar das escolas públicas. Em 2005, foi implementado o Progra-
ma de Educação Escolar Pomerana (Proepo/Proepo-Schaulpro-
gram) nas escolas da rede municipal dos municípios de Santa
Maria de Jetibá, Domingos Martins, Laranja da Terra, Pancas e
Vila Pavão, no estado do Espírito Santo.
Como exemplo, tomamos a situação do município de
Santa Maria de Jetibá, onde o Pomerano é língua cooficial desde
2009, e, com o decreto de oficialização, é obrigatório “incentivar
o aprendizado e o uso da língua pomerana, nas escolas e nos
meios de comunicação”.6 Em estudos anteriores, já foi provado
que Santa Maria de Jetibá é um município reconhecidamente
bilíngue em Pomerano e Português (SAVEDRA; HÖHMANN,
2013; BREMENKAMP, 2014; FOERSTE; FOERSTE, 2017). En-
tretanto, devido a várias limitações (de cunho linguístico, de
gestão de conteúdos na grade oficial educacional, de formação
continuada de professores, dentre outras), em Santa Maria, as-
sim como na maioria dos municípios do estado, o Pomerano é
ensinado em poucas horas semanais, com uma metodologia de
ensino similar à do ensino de línguas estrangeiras, o que, para
a realidade do município, não procede. Desta forma, ampara-
dos por estudos já desenvolvidos, reforçados pela observação de
campo que realizamos no período de 2015 a 2019, propomos a
inserção de um projeto-piloto que possa privilegiar o ensino do
Pomerano, a partir da alfabetização.7 Tal projeto é inspirado em
uma experiência exitosa, desenvolvida em três países da Europa
de língua germânica – Alemanha, Áustria e Suíça –, onde 16 es-

6
Trecho da Lei n° 1136, de 26 de junho de 2009, que dispõe sobre a cooficialização da lín-
gua pomerana no município de Santa Maria de Jetibá. Disponível em: http://www.legisla-
caocompilada.com.br/santamaria/Arquivo/Documents/legislacao/html/L11362009.html.
Acesso em: 29 ago. 2020.
7
Tal proposta é fruto da pesquisa de pós-doutorado de Ismael Tressman, realizado no âm-
bito do projeto Probral existente entre a Universidade Federal Fluminense e a Europa-Uni-
versität Viadrina, e tem como título proposto: Projeto de Educação Multilíngue “Pommerisch
in der Schule? Sprachrevitalisierung und Transkulturalisierung”.

30
colas implementaram projetos-piloto, nas quais os(as) estudan-
tes, após serem alfabetizados(as) na língua materna (o Alemão),
adquirem/aprendem mais outras três ou quatro línguas, como
o Neerlandês, o Sueco, o Inglês e/ou o Islandês.
A proposta parte da premissa da inteligibilidade linguís-
tica (PUPP SPINASSÉ; SALGADO, 2019) e do conceito de língua-
-ponte, visando a três línguas germânicas: Pomerano, Alemão e
Inglês. Assim, pretende-se uma alfabetização bilíngue Pomera-
no-Português, havendo a introdução do Alemão no terceiro ano,
a partir do Pomerano, e, no quinto ano, do Inglês, a partir do
Pomerano e do Alemão.

AÇÕES PARA A SALA DE AULA


Como dito anteriormente, a existência de grande contin-
gente de alunos falantes de línguas de imigração de base germâ-
nica no Brasil nos levou à reflexão e à pesquisa empírica em re-
lação à metodologia de ensino utilizada para se ensinar Alemão
standard em escolas de região de contato linguísticos, visando
fomentar uma Didática do Multilinguismo.
Para tanto, a partir de nossas experiências em campo, lis-
tamos os seguintes princípios para nossos projetos de pesquisa:

– O Alemão standard não deve ser visto como língua es-


trangeira, mas como uma língua adicional – nos ter-
mos de Pupp Spinassé (2017b) –, para que a metodo-
logia empregada possa partir da realidade dos alunos,
da bagagem linguística que eles trazem consigo;
– o conhecimento da língua de imigração deve ser vis-
to como conhecimento prévio das estruturas-alvo no
caso do aprendizado do Alemão standard, já que são
línguas tipologicamente próximas;
– ela serve como língua-ponte, podendo ser ensinada e
aprendida como tal;
– compartilhar informações positivas sobre a língua de
imigração pode motivar ao seu uso e sua manuten-

31
ção, bem como aumentar o respeito em relação a ela
por parte de não falantes;
– estar “bem-resolvido” com suas línguas pode motivar
o falante ao aprendizado de outras.
Assim, devem-se desenvolver atividades didáticas que
procurem estar em consonância com esses princípios e enga-
jadas em pensar abordagens que contemplem a Didática do
Multilinguismo (CANDELIER, 2010; PUPP SPINASSÉ, 2016;
WÜRZIUS, 2018). O objetivo de nossas atividades é promover
a conscientização linguística e a contrastividade entre as crian-
ças e sensibilizá-las em relação ao plurilinguismo e à diversi-
dade linguística.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Foi nosso objetivo, neste capítulo, discutir conceitos re-
levantes para estudo e pesquisa sobre línguas de imigração no
Brasil, em especial, aquelas que são aqui introduzidas no século
XIX. Além disso, apresentamos diretrizes para a elaboração de
atividades pedagógicas, a partir de experiências já desenvolvi-
das e/ou propostas por nós, que trabalhem a conscientização
linguística e visem ao plurilinguismo social e individual e a di-
dática do multilinguismo como ferramenta de ensino, a fim de
legitimar a língua de imigração em situação minoritária como
língua-ponte para o aprendizado da variedade standard em es-
colas de contexto bi/plurilíngue de contato.

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35
ALEMÃO COMO LÍNGUA ESTRANGEIRA E
MULTILINGUISMO NO BRASIL: PANORAMA
DE ESTUDOS PSICOLINGUÍSTICOS

B E R N A R D O KO L L I N G L I M B E R G E R ( P U C- R S )
ÂNGELA INÊS KLEIN (UFPEL)

RESUMO
O objetivo deste capítulo é traçar um panorama dos es-
tudos psicolinguísticos sobre Alemão como língua estrangei-
ra (DaF) e multilinguismo conduzidos no Brasil. A revisão dos
estudos encontrados considera os métodos e as principais
contribuições para a aprendizagem de DaF. Embora o capítu-
lo apresente um conjunto ainda pequeno de estudos, evidencia
contribuições significativas e um campo de pesquisa totalmente
aberto no Brasil.
Palavras-chave: Alemão como Língua Estrangeira;
Multilinguismo; Psicolinguística.

ZUSAMMENFASSUNG
Ziel dieses Kapitels ist es, einen Überblick über die in Bra-
silien durchgeführten psycholinguistischen Studien zu Deutsch
als Fremdsprache (DaF) und Mehrsprachigkeit zu verschaffen.
Die Auswertung der ausgesuchten Studien berücksichtigt die
Methoden und die wichtigsten Beiträge zum DaF-Lernen. Ob-
wohl das Kapitel noch eine kleine Anzahl von Studien enthält,

36
verfügt es über relevante Beiträge und stellt ein völlig offenes
Forschungsfeld in Brasilien dar.
Schlüsselwörter: Deutsch als Fremdsprache;
Mehrsprachigkeit; Psycholinguistik.

INTRODUÇÃO
O multilinguismo individual é uma configuração linguís-
tica complexa e dinâmica que tem possibilitado uma gama de
investigações (psico)linguísticas e neurocientíficas sobre como
as línguas são processadas e aprendidas em seus diferentes
níveis e modalidades. Por meio da investigação do uso das lín-
guas por falantes de três ou mais línguas, é possível estudar
comportamentos linguísticos ainda mais complexos do que
os de bilíngues.
Na Europa, o multilinguismo é a regra e tem sido valo-
rizado na sociedade. A aprendizagem de uma segunda língua
estrangeira é incentivada pelo Conselho da Europa; por isso,
já há uma tradição de pesquisas sobre a aprendizagem de Ale-
mão como segunda língua estrangeira aprendida depois do
Inglês (HUFEISEN; NEUNER, 2003). Esse reconhecimento da
normalidade do multilinguismo fomenta pesquisas. Uma bus-
ca pela palavra German no periódico de referência da área In-
ternational Journal of Multilingualism1 apresentou 299 resultados
em julho de 2020.
Por possuir mais de uma revista especializada, particula-
ridades (DE BOT; JAENSCH, 2015) e, inclusive, uma associação,
o multilinguismo já pode ser considerado uma subárea de inves-
tigação da linguística. Nesse âmbito, destacam-se estudos psi-
colinguísticos, que dão conta da investigação do processamento
das línguas. No que tange aos estudos que envolvem a língua
alemã, uma busca mais específica no International Journal of Mul-
tilingualism, combinando as palavras German e Psycholinguistics,
1
Disponível em: https://www.tandfonline.com/action/doSearch?AllField=German&Series-
Key=rmjm20. Acesso em: 27 jul. 2020.

37
apresentou 65 resultados, um número considerável diante das
diversas abordagens possíveis.
No Brasil, estudos sobre o multilinguismo têm se concen-
trado na aprendizagem de Alemão após Inglês (FERRARI, 2014;
TANAKA; UPHOFF, 2019; WÜRZIUS, 2018). Embora os estudos
psicolinguísticos estejam em ascensão e contemplem cada vez
mais línguas, variedades linguísticas e configurações linguísti-
cas no nosso país, encontramos somente oito estudos que inves-
tigam o processamento de Alemão standard. Um desses estudos
(LAGE, 2005) envolve falantes de Alemão como língua materna,
grupo que não faz parte da discussão feita neste capítulo. Por-
tanto, o estudo não será detalhado, embora tenha um caráter
precursor, abrindo caminho para a investigação de outras lín-
guas, além do Português e Inglês no Brasil.
O objetivo deste capítulo é traçar um panorama da pes-
quisa psicolinguística sobre DaF e multilinguismo no Brasil.
Para tanto, reportamos e discutimos os estudos brasileiros so-
bre a temática. Este texto está estruturado da seguinte forma:
na primeira seção, apresentamos conceitos básicos sobre multi-
linguismo e psicolinguística. Em seguida, revisamos os estudos
psicolinguísticos que encontramos sobre DaF. Por fim, apresen-
tamos e discutimos os métodos psicolinguísticos utilizados nos
estudos e as contribuições dos estudos para a aprendizagem
de DaF no Brasil.

MULTILINGUISMO E PSICOLINGUÍSTICA
O grande interesse atual pelo multilinguismo individual
possibilitou a concepção de uma subárea de investigação lin-
guística, cognitiva, educacional e sociocultural com aspectos
teóricos e metodológicos específicos (DE BOT; JAENSCH, 2015).
O foco da pesquisa nessa área é uma configuração linguísti-
ca complexa e dinâmica que envolve sempre uma terceira lín-
gua (L3) e outras línguas adicionais, além do bilinguismo (DE
ANGELIS, 2007).

38
No multilinguismo, o foco não está no desenvolvimento
linguístico final, mas nas habilidades linguísticas que podem se
transformar e interagir constantemente (HERDINA; JESSNER,
2002). Além disso, fatores como capacidade cognitiva, aptidão
para línguas, condições institucionais e do ambiente de apren-
dizagem, níveis de proficiência, quantidade de línguas aprendi-
das, grau do domínio das línguas, influências translinguísticas,
frequência de code-swiching e code-mixing, dentre outros, tam-
bém são escopo de análise na área.
Algumas habilidades, segundo Cenoz (2013), são poten-
cializadas pelo multilinguismo. Como relata a autora, os fa-
lantes multilíngues possuem um repertório linguístico maior
e mais estratégias de aprendizagem; desta forma, eles podem
relacionar novas estruturas, novas palavras ou novos modos de
expressar-se a duas ou mais línguas, e não a somente uma. Ou-
tro benefício frequentemente encontrado é no desempenho em
tarefas de consciência metalinguística, que é fortalecido pela
aprendizagem e pelo uso de várias línguas (CENOZ, 2013; KEMP,
2009). Além disso, cada vez mais estudos têm encontrado efei-
tos do multilinguismo para construtos cognitivos (HIGBY; KIM;
OBLER, 2013). Contudo, tais benefícios precisam ser vistos com
cautela, uma vez que não são garantia de sucesso na aprendiza-
gem, pois muitos fatores podem influenciar a aprendizagem.
Salientamos que o multilinguismo não é uma mera exten-
são do bilinguismo. Os multilíngues não devem ser estudados e
descritos como bilíngues que falam línguas adicionais. Segun-
do Cenoz (2013), a visão holística do multilinguismo focaliza o
uso das línguas em diversos contextos. As várias concepções do
multilinguismo e os modos de descrevê-los mostram fenôme-
nos complexos e multifacetados que envolvem muitos fatores.
O uso de três ou mais línguas possibilita uma gama de
investigações psicolinguísticas. Conforme Carroll (1999), de
modo geral, esses estudos se caracterizam pela investigação
de processos mentais envolvidos em diferentes níveis da(s) lín-
gua(s) (fonético-fonológico, morfológico, semântico, sintático,
pragmático e textual), modalidades (escrita e oral) e habilidades
(produção e recepção). Na psicolinguística, podemos estudar

39
sobre a aprendizagem e o processamento de línguas em dife-
rentes populações.
Além disso, faz parte do escopo da psicolinguística do
multilinguismo a análise da interação no cérebro de uma lín-
gua com a outra, bem como os inúmeros fatores linguísticos e
extralinguísticos. Um dos principais intuitos das pesquisas psi-
colinguísticas sobre esse tema, em várias partes do mundo, é
encontrar os benefícios cognitivos do multilinguismo. No caso
deste texto, focalizamos estudos brasileiros envolvendo DaF e
multilinguismo, apontando perspectivas para o crescimento da
área e algumas das suas contribuições.

ESTUDOS PSICOLINGUÍSTICOS SOBRE DAF E


MULTILINGUISMO NO BRASIL
Encontramos sete estudos que se encaixam no escopo
deste texto (BRITO, 2011; LIMBERGER, 2014; TOASSI, 2016;
PICKBRENNER, 2017; LIMBERGER, 2018; VANSILER; KLEIN,
2019; KONRAD; LORANDI, 2020). Esses estudos são revisados
aqui considerando as suas temáticas. Os experimentos e as fer-
ramentas utilizadas nos estudos são discutidos mais detalhada-
mente na seção seguinte.
Os efeitos cognitivos do uso de várias línguas são uma
temática recorrente na pesquisa sobre multilinguismo. Inse-
rida nessa temática, a pesquisa de Limberger (2014) analisou
as funções executivas, um construto cognitivo que se refere às
habilidades envolvidas no planejamento, na iniciação, no se-
guimento e no monitoramento de comportamentos complexos,
muito necessárias no cotidiano. O objetivo geral do estudo foi
investigar o desempenho de participantes multilíngues falantes
de DaF, Hunsriqueano/Hunsrückisch2 e Português (dentre outras
línguas) em comparação a bilíngues (Português-Hunsriqueano)

2
Trata-se de uma língua minoritária brasileira de origem alemã. Ela se fundamenta num
contínuo dialetal formado pelos dialetos trazidos pelos imigrantes que vieram da região
do Hunsrück, a partir de 1824 (ALTENHOFEN, 1996).

40
e monolíngues,3 em dois experimentos de funções executivas.
A hipótese, amplamente discutida na literatura (BIALYSTOK et
al, 2009), é de que o uso de duas ou mais línguas “exercite” esse
construto cognitivo. O recrutamento das funções executivas
é necessário, porque temos apenas um sistema linguístico no
nosso cérebro com duas ou mais línguas que interagem entre
si, ativando-se conjuntamente e influenciando-se mutuamen-
te. No estudo de Limberger (2014), houve diferenças significa-
tivas entre o desempenho dos multilíngues e dos monolíngues
nos tempos de resposta de todas as condições experimentais da
tarefa não verbal. Os falantes de DaF foram significativamente
mais rápidos do que os falantes monolíngues para responderem
a todos os tipos de estímulos. A diferença entre bilíngues e mo-
nolíngues não foi onipresente. A vantagem multilíngue pode ser
explicada pela maior necessidade de controlar a influência das
línguas no multilinguismo, porque as demandas impostas pelo
número de línguas e pelos fatores de uso (inclusive na escrita de
DaF) são maiores nessa configuração linguística, o que impac-
taria positivamente as funções executivas.
Outra temática bastante profícua na pesquisa sobre o
multilinguismo é o acesso lexical, que pode ser definido, basi-
camente, pelo processo de recuperar informações relacionadas
às palavras, como, por exemplo, semânticas e gramaticais, por
meio da forma ortográfica ou fonológica (DIJKSTRA, 2003).
Quatro estudos encontrados investigam esse tópico (BRITO,
2011; PICKBRENNER, 2017; TOASSI, 2016; LIMBERGER, 2018),
considerando DaF.
O objetivo da pesquisa de Brito (2011) foi investigar as
influências interlinguísticas na leitura de multilíngues e suas
relações com fatores (psico)tipológicos das línguas envolvidas.
Participaram da pesquisa aprendizes de DaF residentes na Ale-
manha com diferentes backgrounds linguísticos, ou seja, não so-
mente brasileiros. Todos os participantes estavam aprendendo
Alemão como terceira, quarta ou quinta língua. O método da

3
Considerou-se como monolíngues aqueles falantes que não tinham nível de proficiência
superior a A1 em alguma língua estrangeira e/ou não tinha conhecimento de uma lín-
gua minoritária.

41
pesquisa consistiu na aplicação de questionários e entrevistas
semiestruturadas e na técnica de protocolo verbal durante a
leitura de textos em Alemão. Foram analisadas as ocorrências
das influências das línguas conhecidas na leitura em voz alta de
textos em Alemão e a verbalização de pensamentos sobre a lei-
tura em relação com a psicotipologia linguística (KELLERMAN,
1983). Essa noção está diretamente relacionada à percepção dos
indivíduos sobre a proximidade ou distância entre as línguas
que falam. Os resultados do estudo indicam que multilíngues
usam todo o seu repertório linguístico na aprendizagem de
DaF, e as percepções psicotipológicas e as relações tipológicas
influenciam as produções. No estudo, as línguas maternas in-
fluenciaram mais a produção em DaF, em comparação com as
línguas estrangeiras. O estudo mostrou a complexidade nas re-
lações entre as línguas do indivíduo multilíngue, considerando
a psicotipologia e outros fatores, como a proficiência.
Com foco no multilinguismo (Português-Inglês-Alemão),
o objetivo de Pickbrenner (2017) foi investigar efeitos de intera-
ção interlinguística no acesso lexical de multilíngues aprendi-
zes de DaF (n = 47). Um grupo menor de participantes (n = 19)
foi composto por falantes de Alemão como L4 e Espanhol como
L3. A tarefa aplicada foi uma tarefa de decisão lexical em Ale-
mão, na qual foram apresentadas palavras em Alemão, cognatas
com o Inglês (por exemplo, Winter) e não cognatas. A hipótese
era de que haveria um efeito de facilitação na leitura das pala-
vras cognatas, verificado por meio do menor tempo de proces-
samento e menor percentual de erros em comparação às pala-
vras não cognatas. Entretanto, a análise não mostrou esse efeito
nos dois grupos. A autora discute a ausência do efeito com base
no nível de proficiência dos participantes, que era maior em In-
glês. Conforme depoimentos de alguns participantes, o Inglês
influenciou o reconhecimento de palavras cognatas, porque em
alguns cognatos idênticos (por exemplo, na palavra Winter), eles
acreditavam que a palavra era do Inglês. Os resultados nos fa-
zem refletir sobre os efeitos do nível de proficiência no acesso
lexical e sobre a própria metodologia dos estudos.

42
Toassi (2016) também investigou o acesso lexical de mul-
tilíngues falantes de Português, Alemão e Inglês. Seu objetivo
geral foi investigar a influência dos cognatos duplos (Inglês-
-Alemão) e triplos (Inglês-Alemão-Português) no acesso lexical.
O estudo contou com a participação de três grupos, mas foca-
lizamos aqui o grupo dos multilíngues falantes de Português,
Inglês e Alemão. Para verificar influências translinguísticas no
acesso lexical em Inglês, a autora aplicou dois experimentos:
uma tarefa de compreensão de sentenças com rastreamento
ocular, contendo cognatos triplos (por exemplo, Autor, author,
autor) e um experimento de nomeação de figuras com priming.
Os resultados dos experimentos mostram que os cognatos tri-
plos facilitaram a compreensão das sentenças em Inglês, pois
houve efeito dos cognatos triplos nos movimentos oculares ana-
lisando a primeira fixação. No experimento de priming, houve
efeito da palavra prime em Alemão no processamento das pala-
vras em Inglês. De modo geral, os resultados dos experimen-
tos evidenciam que o léxico mental é integrado, ou seja, não há
compartimentos separados para cada língua na nossa memória,
e o conhecimento de uma língua influencia a produção e a com-
preensão das outras.
O objetivo geral da pesquisa de Limberger (2018) foi in-
vestigar o processamento da leitura multilíngue e as suas bases
neurais em multilíngues falantes de DaF e hunsriqueano em
comparação a não falantes da língua minoritária. Na pesquisa,
foram focalizadas três habilidades, investigadas por meio de
experimentos diferentes: consciência fonêmica, acesso lexical e
compreensão de sentenças. Devido à limitação de espaço, con-
centramo-nos aqui no acesso lexical, dialogando também com
os outros estudos (BRITO, 2011; PICKBRENNER, 2017; TOASSI,
2016). Foi investigado, por meio de uma tarefa de decisão lexi-
cal, o papel do conhecimento de hunsriqueano na leitura de pa-
lavras em DaF, Português e Hunsriqueano. O experimento foi
aplicado em nível comportamental, no qual foram mensuradas
a precisão e a velocidade de leitura. Além disso, a um subgrupo
de participantes, com alto nível de proficiência em DaF, o expe-
rimento foi aplicado durante um exame de ressonância magné-

43
tica funcional, para serem verificadas as respostas neurobioló-
gicas da leitura de palavras nas três línguas. Os resultados dos
testes mostraram efeitos de interação entre as línguas no léxico
mental, evidenciando que a língua minoritária oferece um su-
porte no processamento de palavras cognatas. Trata-se do efei-
to cognato, resultante do compartilhamento de representações
entre as duas línguas. O exame de neuroimagem mostrou uma
rede de ativação compartilhada entre as línguas. No entanto,
a leitura de palavras em Hunsriqueano demandou ativação de
mais recursos neurais do que a leitura de palavras em DaF, que
se aproximou do desempenho da leitura em Português.
Também investigando leitura, a pesquisa de Vansiler e
Klein (2020) analisou o processamento da leitura de estudantes
universitários em DaF. Para tanto, coletaram dados na frente
do rastreador ocular RED500 com 14 graduandos que frequen-
tavam curso livre de Alemão no Centro Acadêmico de Línguas
Estrangeiras Modernas na UTFPR. Os estudantes foram dividi-
dos em dois grupos: Iniciantes A1, que tiveram 60 horas-aula
de curso de Alemão; e Intermediários A2, com 250 horas-aula
de Alemão. A fim de verificar o processamento da compreensão
durante a leitura, foram comparados o número e a duração das
fixações dos movimentos oculares dos dois grupos. Por isso, na
frente do rastreador ocular, os alunos leram um texto de nível
A1 em Alemão, composto por 55 palavras sobre o tema comida.
Além disso, verificou-se a compreensão, solicitando a tradu-
ção do texto com o uso de caneta logo após concluída a etapa
no rastreador. Segundo as autoras, o teste de compreensão não
evidenciou uma diferença no nível de conhecimento de língua
alemã nos dois grupos; já por meio da análise dos movimentos
oculares, percebeu-se uma maior dificuldade de processamen-
to no grupo de nível A1, pois eles realizaram maior quantidade
e mais longas fixações e ainda processaram o texto ao nível de
palavra, enquanto os participantes do Grupo A2 usaram mais o
contexto, ou seja, não precisaram ler palavra por palavra. Tam-
bém os alunos do Grupo A2 recorreram mais à imagem para
compreender o texto. As autoras concluem afirmando que esses

44
resultados podem ser úteis para aprimorar testes de nivelamen-
to, que são exigência de entidades de fomento à pesquisa.
Por fim, o foco do estudo de Konrad e Lorandi (2020) foi a
consciência fonológica, também relacionado à leitura. O artigo
relata uma pesquisa cujos objetivos foram promover o desen-
volvimento da consciência fonológica em crianças aprendizes
de DaF e verificar a relação dessas atividades com o processa-
mento da leitura em DaF. Por consciência fonológica, as autoras
compreendem a habilidade de manipular, refletir e ter sensibi-
lidade sobre estruturas da língua, como os fonemas e sílabas.
Foram aplicados testes de consciência fonológica e leitura (teste
Cloze e leitura em voz alta) antes (pré-teste) e depois (pós-tes-
te) da instrução explícita sobre aspectos fonético-fonológicos a
alunos de DaF de 10 e 11 anos, para avaliar o efeito da instrução
como foco na forma. Os resultados revelaram que a instrução
explícita proporcionou uma melhora estatisticamente signifi-
cativa da consciência fonológica dos aprendizes. No entanto, a
instrução nem sempre melhorou a leitura em voz alta e com-
preensão em DaF.
É notório que o rol de pesquisas psicolinguísticas sobre
DaF e de pesquisadores vinculados a essa temática no Brasil é
singelo. Como é possível notar, as técnicas e os instrumentos de
pesquisa são muito característicos e importantes; por isso, a se-
ção a seguir é dedicada à metodologia comumente usada pelos
psicolinguistas, a fim de familiarizar colegas brasileiros da área
de DaF sobre o assunto e motivar a realização de pesquisas. Por
fim, são abordadas as contribuições da área para o entendimen-
to de aspectos relacionados à aprendizagem e ao ensino de DaF.

MÉTODOS DE INVESTIGAÇÃO: AS TÉCNICAS E OS


INSTRUMENTOS DE COLETA DE DADOS
Como a psicolinguística é uma área que interage com as
ciências cognitivas, tendo como objeto de investigação proces-
sos cognitivos relacionados a atividades de produção e com-
preensão da linguagem, necessita de métodos experimentais

45
para coletar dados e testar suas hipóteses de pesquisa. As téc-
nicas de coleta de dados usam medidas on-line ou off-line. En-
quanto a primeira procura aferir os processos cognitivos no mo-
mento em que estão ocorrendo (LEITÃO, 2015), a segunda capta
o momento reflexivo do participante, ou seja, logo após ele ter
executado a tarefa experimental.
Uma das técnicas de coleta de dados utilizadas nos estu-
dos revisados é a decisão lexical. Como relatado em Limberger
(2018), uma tarefa de decisão lexical consiste em solicitar que o
participante decida se a palavra apresentada existe ou não. Ou-
tra versão da tarefa solicita que o participante decida se a pala-
vra lida pertence ou não à língua-alvo do estudo. Por exemplo,
depois de visualizada a palavra, o participante deve apertar o
botão “SIM” se acredita que palavra é em Alemão ou “NÃO” se
acredita que se trata de uma pseudopalavra ou uma palavra em
outra língua. Esses experimentos medem, por meio de softwares,
tanto o tempo de resposta que o participante precisa para res-
ponder (medida de automaticidade e eficiência das operações
mentais), quanto a acurácia, ou seja, se sua resposta está corre-
ta ou não (medida de dificuldade de processamento). A tarefa de
decisão lexical também pode ser aplicada com priming. Nas tare-
fas com priming, há apresentação de um estímulo prévio (prime)
que pode ser uma dica para o processamento do estímulo-alvo.
Deste modo, um prime pode facilitar o processamento dos estí-
mulos subsequentes (por exemplo, a palavra Stuhl pode facilitar
o processamento da palavra Tisch, mas não da palavra Liebe).
O protocolo verbal é outro instrumento de pesquisa mui-
to utilizado pelos psicolinguistas. Ele possibilita a verbalização
dos pensamentos enquanto o participante realiza determinada
tarefa; é como se o investigado tivesse de pensar em voz alta
(TOMITCH, 2007). A verbalização dos protocolos pode ser con-
corrente, ou seja, no mesmo instante em que se executa a tare-
fa, ou retrospectiva, esta última podendo ocorrer segundos até
horas após a realização da atividade proposta pelo pesquisador.
A técnica de coleta de dados denominada Procedimento Clo-
ze inicialmente avaliava a leiturabilidade de um texto impres-
so; no entanto, passou a ser usada como uma alternativa para

46
medir o desempenho em compreensão em leitura (SÖHNGEN,
2002). Esse teste consiste em eliminar aleatoriamente ou siste-
maticamente as palavras de um texto para que o participante
tente preencher as lacunas, tomando como base o contexto. Os
escores são obtidos a partir da soma dos números de lacunas
preenchidas corretamente. Há duas opções para a correção:
aceitar o sinônimo ou somente a palavra que está no texto ori-
ginal. Porém, de acordo com Menegat (2007), como se percebeu
uma elevada correlação entre esses dois métodos de correção,
muitos pesquisadores têm optado pela palavra exata, pois torna
a correção mais fácil e a confiabilidade do teste é mantida. A
praticidade na elaboração, aplicação e correção, além da sua efi-
cácia em medir processos metacognitivos (SÖHNGEN, 2002),
tornam essa técnica bastante atraente.
O rastreamento ocular, utilizado nos estudos de Toassi
(2016) e Vansiler e Klein (2019), envolve o uso de um equipamen-
to específico: o rastreador ocular. Por requerer uma metodolo-
gia de coleta e análise bastante particular, bem como necessitar
de um espaço com várias adequações, não está tão difundido
entre os psicolinguistas brasileiros. Há cinco tipos de movi-
mentos oculares, de acordo com Rayner (1998), mas neste texto
apresentamos somente as sacadas e as fixações, que são os ti-
pos analisados em experimentos que analisam a compreensão
em leitura. Enquanto as fixações são os períodos de tempo em
que o olho examina uma pequena área da tela, as sacadas são os
pulos do olho para a esquerda (regressiva) ou direita (progressi-
vas) da palavra escrita na tela. Assim como nas sacadas, também
nas fixações se pode optar em analisá-las contemplando uma
área de interesse do psicolinguista. Tais podem ser as análises
(KLEIN, 2013), de acordo com: 1) a duração da primeira fixação;
2) a ocorrência de uma única fixação e a sua duração; 3) a dura-
ção e a quantidade de fixações (gaze), levando em consideração
a primeira leitura; 4) o número total de fixações e a duração das
mesmas, incluindo as releituras; 5) a revisita. Vale ressaltar que
a pesquisa a ser realizada envolvendo esse método está direta-
mente relacionada ao modelo e capacidade do rastreador, pois
atualmente existem no mercado rastreadores móveis, que têm a

47
aparência de uns óculos, cuja taxa de amostragem é de 60 Hz, o
que não é indicado para experimentos de leitura. A psicolinguís-
tica, em nível mundial, e a brasileira, de modo mais tímido, têm
aderido cada vez mais às técnicas da psicologia (como o rastrea-
dor ocular) e, também, da neurociência. Na pesquisa de Lim-
berger (2018), por exemplo, utilizou-se a ressonância magnética
funcional. Essa ferramenta de neuroimagem mede mudanças
no cérebro, enquanto os participantes executam alguma tarefa.
Como explicam Huettel, Song e McCarthy (2004), a ressonância
utiliza campos magnéticos para criar imagens do tecido neuro-
biológico, isto é, da organização da atividade funcional do cére-
bro com alta resolução espacial. Outra ferramenta neurocientí-
fica cada vez mais utilizada nos laboratórios de psicolinguística
é a eletroencefalografia, por meio da qual é possível mensurar a
atividade elétrica do cérebro. Conforme Huettel, Song e McCar-
thy (2004), mudanças muito rápidas nos potenciais elétricos e
no fluxo magnético são medidas por esse equipamento. Deste
modo, o método é utilizado para estudar o timing dos processos
cerebrais. Apesar de haver laboratórios que investiguem o pro-
cessamento temporal, não encontramos estudos que envolvem
DaF e brasileiros com essa ferramenta, somente com a partici-
pação de falantes de Espanhol e DaF (RONCAGLIA, 2009).
Salientamos que os instrumentos e ferramentas de pes-
quisa elencados foram descritos de maneira bastante resumida.
Os estudos citados podem servir para coletar referências e apro-
fundar conhecimento, pois usar um determinado método re-
quer conhecê-lo adequadamente. Cabe ao pesquisador determi-
nar, de acordo com o seu objetivo, qual método oferecerá dados
que servirão para corroborar ou não as hipóteses de pesquisa.

CONSIDERAÇÕES FINAIS: PRINCIPAIS


CONTRIBUIÇÕES E PERSPECTIVAS
Os estudos revisados contribuem para o entendimento
de alguns processos psicolinguísticos envolvidos na aprendi-
zagem de DaF. Uma contribuição proeminente nos estudos que

48
contemplam participantes multilíngues é a investigação sobre
a interação entre as línguas e os fatores que influenciam esta
interação: tipos de palavras (por exemplo, cognatos duplos e tri-
plos), tipologia e psicotipologia, níveis de proficiência, línguas
previamente aprendidas e, inclusive, o tipo de tarefa aplicada
nos estudos. Além disso, outro estudo apresentado mostra de-
mandas maiores de processamento da leitura, moduladas pela
falta de conhecimento de escrita, e efeitos do multilinguismo
na cognição. Por fim, há um estudo com rastreamento ocular
que evidencia diferentes estratégias de processamento da leitu-
ra de DaF, dependendo do nível de proficiência, e outro salienta
a efetividade do foco na forma para o desenvolvimento da cons-
ciência fonológica. De posse de tais conhecimentos, o professor
pode munir-se de instrumentos para aprimorar o trabalho com
DaF em sala de aula.
Os laboratórios de psicolinguística do Brasil, cada vez
mais numerosos, têm contribuído para desvendar os mistérios
do processamento da linguagem e do multilinguismo. O Labo-
ratório de Linguagem e Processos Cognitivos (LabLing), onde o
estudo de Toassi (2016) foi conduzido, é um exemplo de laborató-
rio de tradição e bem equipado. O Laboratório de Psicolinguís-
tica, Línguas Minoritárias e Multilinguismo (Laplimm), criado
no ano passado na Universidade Federal de Pelotas, espelha-se
nesses laboratórios e busca conduzir cada vez mais pesquisas
envolvendo DaF e outras variedades da língua alemã. Também o
Laboratório de Processamento Visual (LabPV) tem desenvolvido
diversas pesquisas interdisciplinares com foco no rastreamento
ocular. Alguns estudos em andamento foram apresentados no
III Congresso da Abeg e envolvem processamento de orações re-
lativas por multilíngues, processamento de sentenças influen-
ciadas pelo conhecimento em Hunsriqueano, acesso lexical em
Alemão e suas relações com psicotipologia, e processamento de
palavras em Inglês cognatas com o Pomerano e processamento
visual da leitura em DaF.
Apesar das contribuições, o campo de pesquisa psicolin-
guística sobre DaF e multilinguismo está totalmente em aber-
to, porque há lacunas no entendimento das especificidades do

49
processamento dessa língua por brasileiros, considerando o
indivíduo multilíngue holisticamente. Acreditamos que as pos-
sibilidades de pesquisa estejam relacionadas à investigação de
(1) efeitos do multilinguismo sobre diferentes construtos cog-
nitivos; (2) dificuldades de aprendizagem de aspectos específi-
cos da língua, analisando os diversos fatores que influenciam
essa aprendizagem; (3) relações entre as línguas (por exemplo,
Alemão, Inglês e Português) na mente, considerando diferentes
níveis e modalidades; (4) papel de uma língua minoritária para
o processamento de DaF; (5) investigação de aprendizagem de
DaF por populações clínicas; (6) uso de diferentes instrumentos e
ferramentas para investigar o mesmo fenômeno, dentre outras.

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52
A SALA DE AULA INVERTIDA NO ENSINO
DE ALEMÃO COMO LÍNGUA ESTRANGEIRA:
REFLEXÕES SOBRE UMA PROPOSTA

C I B E L E C EC I L I O D E FA R I A R OZ E N F E L D ( U N E S P/A R A R A Q U A R A )
G A B R I E L A M A R Q U E S -S C H Ä F E R ( U E R J )

RESUMO
Este texto tem como objetivo apresentar os resultados de
um estudo qualitativo realizado com alunos de Alemão de um
curso de Letras de uma universidade pública brasileira e buscou
verificar como utilizar a sala de aula invertida (flipped classroom)
para a aprendizagem de conteúdo linguístico novo em língua
alemã com uma turma iniciante. Os dados apontam para o po-
tencial da proposta e seu caráter inovador.
Palavras-chave: Sala de Aula Invertida; Flipped Classroom;
Ensino e Aprendizagem de Alemão; Tecnologias Digitais de
Informação e Comunicação.

ZUSAMMENFASSUNG
In diesem Text werden Ergebnisse einer qualitativen Stu-
die vorgestellt, die mit DaF- Studierenden einer brasilianischen
öffentlichen Universität durchgeführt wurde. In der vorliegen-
den Studie wurde überprüft, wie der umgekehrte Deutschun-
terricht (flipped clasroom) zum Erlernen neuer Sprachinhalte
mit einer Anfängerklasse genutzt werden kann. Die Daten wei-

53
sen auf das Potenzial des Vorschlags und auf seinen innovati-
ven Charakter hin.
Schlüsselwörter: umgekehrter Unterricht; flipped classroom;
Deutsch lehren und lernen; Digitale Informations- und
Kommunikationstechnologien.

INTRODUÇÃO
Estudiosos do campo da Educação e da Linguística Apli-
cada já há muito vêm discorrendo sobre a ineficácia do ensino
tradicional diante das novas demandas sociais e dos aprendi-
zes. No entanto, a pandemia da Covid-19,1 causada pelo vírus
SARS-CoV-2, e o decorrente isolamento social descortinaram
o fato de que grande parte dos professores de diferentes ní-
veis educacionais não estavam preparados para realização de
atividades remotas, que envolvem, tanto o conhecimento téc-
nico, quanto o pedagógico. Porém, antes que o(a) professor(a)
pudesse apropriar-se de novas práticas, ele(a) se deparou com
o grande desafio de ter de adequar-se à realidade da ausência
de interação presencial para, então, adaptar-se à situação (im)
posta da docência virtual.
Também já não é recente a afirmação de que é necessá-
rio incorporar nas práticas docentes novas formas de ensinar,
considerando que coexistem hoje, com a aprendizagem formal,
outras formas de aprender. Na esteira da busca por propostas
inovadoras de ensino e aprendizagem, surge o conceito de ensi-
no híbrido e de sala de aula invertida.
Nesse cenário, este texto tem como objetivo apresentar
os resultados de um estudo qualitativo realizado com alunos
de Alemão de um curso de Letras de uma universidade públi-
ca brasileira que buscou responder à seguinte questão de pes-
quisa: “como utilizar a sala de aula invertida para a aprendiza-

1
Pandemia que acomete inúmeros países no momento de elaboração desta investigação.

54
gem de conteúdo linguístico novo em língua alemã com uma
turma iniciante?”
Para respondermos a tal questão, organizamos o traba-
lho da seguinte forma: após esta introdução, apresentamos o
arcabouço teórico, seguido da metodologia e, então, da discus-
são dos dados. Encerramos o texto com as considerações finais,
ponderando sobre as possibilidades que a sala de aula inverti-
da pode representar, concretamente, para o ensino de Alemão
como língua estrangeira.

A MODALIDADE BLENDED LEARNING E A SALA DE


AULA INVERTIDA
A forte presença das Tecnologias Digitais de Informação e
Comunicação (doravante TDICs) na atualidade contribuiu para
a ressignificação de diversas práticas sociais, tanto no campo
pessoal, quanto profissional. Na Educação, a aprendizagem hí-
brida, também conhecida em Inglês como blended learning (do-
ravante BL), ganha força e é relacionada fortemente à combi-
nação de fases on-line com presenciais. March (2012) se refere a
essa modalidade como “qualquer combinação de diferentes mé-
todos de aprendizagem, diferentes ambientes de aprendizagem
e diferentes estilos de aprendizagem” (MARSH, 2012, p. 4).2
Valente (2014, p. 84), por sua vez, define o termo, com
base em Staker e Horn (2012), como
um programa de educação formal que mescla momentos em
que o aluno estuda os conteúdos e instruções usando recursos
on-line, e outros em que o ensino ocorre em uma sala de aula,
podendo interagir com outros alunos e com o professor.

Nota-se, assim, que Valente vincula as situações de


aprendizagem não presenciais a práticas que envolvem, neces-
sariamente, o uso de recursos tecnológicos, diferentemente de
2
No original: “Today blended learning can refer to any combination of different methods of
learning, different learning environments, different learning styles. In short, the effective
implementation of blended learning is essentially all about making the most of the learn-
ing opportunities and tools available to achieve the ‘optimal’ learning environment”.

55
Marsh, que entende o ensino híbrido como qualquer mescla de
recursos, espaços, estratégias e estilos. Esta última autora es-
clarece que o ensino híbrido, que envolve o uso de TDICs, é rela-
tivamente novo e, ainda, chama a atenção para o aspecto formal
das etapas on-line em relação às situações de aprendizagem, as
quais ocorrem, a priori, informalmente (MARSH, 2012, p. 4). Os
elementos essenciais para caracterizar o formato blended im-
plicam, portanto, que a parte que ocorre à distância seja sele-
cionada e disponibilizada pelo professor aos alunos, de forma a
atender aos objetivos pedagógicos esperados, e a parte presen-
cial ocorra em sala de aula, com o acompanhamento e a orien-
tação do professor.
No campo específico do ensino de línguas estrangeiras,
Marsh (2012, p. 5) identificou como principais aspectos do BL
favoráveis à aprendizagem de LE o fato de promover um apren-
dizado mais individualizado, o apoio e o incentivo ao aprendi-
zado independente e colaborativo e o aumento no envolvimento
do aluno na aprendizagem, que possibilitam a acomodação de
uma variedade de estilos de aprendizagem.
Diante dos estudos, fica evidente que a modalidade BL,
quando elaborada de forma criteriosa, permite um processo de
aprendizagem mais centrado no aluno, com maior participação
e engajamento dos aprendizes e descentralização da figura do
professor no momento da aula e da realização das atividades.
Valente (2014, p. 84) elenca quatro tipos de modelos que
caracterizam a modalidade híbrida no ensino superior: flex,
blended misturado, virtual enriquecido e rodízio. O modelo flex con-
siste na disponibilização de uma lista de conteúdos em platafor-
ma on-line, enquanto o blended misturado se refere àquela situa-
ção em que o aluno participa de um programa on-line (ou mais),
de caráter opcional, como forma de complementar o presencial.
O virtual enriquecido é uma disciplina on-line com algumas etapas
presenciais, como, por exemplo, o desenvolvimento de um expe-
rimento em laboratório etc. Por fim, no modelo rodízio, o aluno
realiza diferentes tipos de atividades, de acordo com a orienta-
ção do professor. Essa rotação pode ocorrer de quatro maneiras
distintas: no rodízio entre estações, dentro da sala de aula, no qual

56
o aluno circula por diferentes estações, sendo uma delas uma
estação de aprendizagem on-line; o rodízio entre laboratórios, no
qual o aluno circula em diferentes espaços dentro do campus;
o rodízio individual, no qual o aluno circula entre diferentes mo-
dalidades de aprendizagem e, por fim, a sala de aula invertida3
(doravante SAI), foco deste capítulo (VALENTE, 2014, p. 85).
Bergmann e Sams (2016) lançaram a proposta de inverter
a ordem da dinâmica da sala de aula, a partir da necessidade
de auxiliar alunos que perdiam aulas e passaram a gravá-las e
disponibilizá-las antecipadamente aos alunos. Segundo os au-
tores, um dos inconvenientes do modelo invertido é que os alu-
nos não podem fazer de imediato as perguntas que lhes vêm à
mente, como aconteceria em sala de aula presencial. Todavia,
os estudantes devem ser orientados a transcreverem pontos im-
portantes, anotarem as dúvidas e resumirem o conteúdo. Desta
forma, em sala de aula são tratadas questões pertinentes e são
abordados possíveis equívocos originados durante o estudo in-
dividual e autônomo realizado em casa.
Ainda conforme Bergmann e Sams (2016, p. 11), “um dos
grandes benefícios da inversão é o de que os alunos que têm
mais dificuldade recebem mais ajuda”. O papel do professor
passa a ser de “amparar os alunos e não de transmitir informa-
ções”, bem como de “fornecer feedback especializado” (BERG-
MANN; SAMS, 2016, p. 14).
No âmbito do conceito de sala de aula invertida, as ati-
vidades realizadas pelos alunos fora do espaço de sala de aula
comumente estão centradas no uso de recursos digitais con-
temporâneos, como as TDICs. No entanto, “a inversão nem
sempre usa a tecnologia mais recente”, pois são os objetivos pe-
dagógicos que levam à tecnologia, e não o oposto (BERGMANN;
SAMS, 2016, p. 18). Uma das vantagens da proposta, é que, além
de o aluno poder escolher o momento em que terá contato com
o conteúdo, ele pode “pausar” o professor nos momentos em que
precisar de um tempo maior para compreender determinado

3
O termo em Inglês usado para esse conceito é flipped classroom e em Alemão, umge-
drehter Unterricht.

57
assunto. Tal possibilidade confere maior flexibilidade de apren-
dizagem e respeito ao seu tempo individual de compreensão.
É importante destacar, assim, que, conforme Bergmann
e Sams (2016), inverter a sala de aula não significa substituir a
modalidade presencial pela instrução on-line, mas, ao contrário,
promover a combinação de ambas, ou seja, promover a Educa-
ção Híbrida, discutida anteriormente. Essa combinação não é
simples, pois exige um bom planejamento do professor, tanto
da atividade a ser realizada em casa, quanto de estratégias a
serem usadas em sala de aula, de forma a promover uma boa
interação entre os alunos e entre aluno-professor.
A sala de aula invertida já vem sendo bastante utilizada
em uma esfera internacional4 e no Brasil (CONSERVA; COSTA,
2020, p. 240), e já possui aplicações também no campo do ensi-
no e aprendizagem de línguas estrangeiras. Evseeva e Solozhen-
ko (2015), por exemplo, analisam o potencial da sala de aula in-
vertida como tecnologia para o ensino e a aprendizagem de In-
glês e concluem que ela permite um grande aprimoramento do
processo, tanto para professor, quanto para os alunos, mas que
ainda há obstáculos organizacionais a serem vencidos, como
problemas com a internet, falta de tempo para completar as ati-
vidades e dificuldades de autodisciplina dos alunos. Já Gregolin
(2016) reflete sobre as possibilidades de inverter a sala de aula de
Espanhol, a partir de conteúdos disponibilizados na platafor-
ma Currículo+. Também Ofugi e Figueredo (2017) evidenciam
as possibilidades de aprimoramento dos processos de ensino e
aprendizagem por meio da SAI.
Um dos poucos trabalhos encontrados no campo do ensino
e aprendizagem de Alemão é o de Jensen (2019), que tem foco na
área de Alemão como segunda língua (Deutsch als Zweitsprache),
e que discute a possibilidade de desenvolvimento da competên-
cia comunicativa intercultural (CCI) por meio da aprendizagem
invertida. A autora descreve algumas implicações práticas do

4
Resultados de trabalhos sobre sala de aula invertida no contexto de ensino de Inglês po-
dem ser encontrados em Egbert, Herman e Lee (2015), Lee e Wallace (2018) e Hung (2018).
Já no campo da Didática Geral, em Rojas Riether (2018), ou no campo do Espanhol como
LE, em Morón Garzarán, Hildenbrand e Korb-Devic (2018), Gloeckner (2017) e Morans-
ki e Kim (2016).

58
uso de tal metodologia e dá exemplos de um módulo que pode
promover o pensamento crítico transcultural como um meio de
chegar à dimensão da consciência cultural crítica da CCI.
Assim, destacamos a relevância deste trabalho no sentido
de contribuir para o preenchimento dessa lacuna e apresenta-
mos, na próxima seção, a metodologia de pesquisa utilizada.

METODOLOGIA
Esta investigação é de natureza qualitativa, tendo em
vista que “[...] envolve, primeiramente, estudar o significado
das vidas das pessoas nas condições em que realmente vivem”
(YIN, 2011, p. 29). Em nosso caso, trata-se de olhar para o uso do
conceito de sala de aula invertida em situação real de ensino e
aprendizagem dos participantes da pesquisa.
Em relação aos procedimentos metodológicos, trata-se de
um estudo de caso, que, segundo Yin (2001, p. 32), “investiga um
fenômeno contemporâneo em seu contexto da vida real, espe-
cialmente quando os limites entre o fenômeno e o contexto não
estão claramente definidos”.
O estudo foi desenvolvido no contexto de uma universida-
de pública, do interior paulista, com alunos do curso de gradua-
ção em Letras-Alemão do primeiro ano (Nível A1.1 do Quadro
Europeu Comum de Referência). Por ocasião do III Congresso
da Associação Brasileira de Estudos Germanísticos (Abeg), em
2019, a professora da turma, e uma das autoras do trabalho, op-
tou por utilizar a sala de aula invertida como alternativa para
que os alunos não ficassem sem uma das duas aulas regulares
da semana do evento. Assim, foram fornecidas instruções e ati-
vidades a serem realizadas em aproximadamente duas horas,
como forma de levá-los a cumprir a carga horária de uma aula
de forma assíncrona, e não presencialmente. Na aula seguinte a
essa, foram dadas atividades complementares.
Participaram da experiência um total de 32 alunos, sendo
12 do diurno e 20 do noturno. Na análise, não consideraremos a
diferenciação de turno, uma vez que esse aspecto não se mos-

59
trou relevante para a interpretação dos dados. Os alunos pos-
suem entre 17 e 20 anos de idade, sendo apenas um aluno mais
velho, na faixa entre 40 e 50 anos.
O objetivo das atividades assíncronas era, na primeira
aula, a introdução das formas de perguntar e expressar as horas
em Alemão, e a aula seguinte, presencial, teve como objetivos: a)
avaliar a compreensão e uso das formas linguísticas, em espe-
cial, a coloquial, que pode gerar mais dúvidas, b) esclarecer pos-
síveis questões, c) praticar as estruturas aprendidas e d) coletar
dados de pesquisa sobre a SAI. Para tanto, essas duas aulas fo-
ram organizadas a partir dos seguintes procedimentos: na Aula
1 (assíncrona), foram passadas as seguintes atividades: 1. visua-
lização de videoaulas disponíveis no YouTube5 e 2. realização de
três exercícios do livro didático. Na Aula 2 (presencial), foram
feitas as seguintes atividades: 1. avaliação escrita sobre o con-
teúdo (individual) e reflexão sobre a aula assíncrona; 2. correção
dos exercícios feitos em casa e esclarecimento de dúvidas sobre
o conteúdo e 3. desenvolvimento (em duplas) de diálogos para a
prática das formas coloquiais de expressar as horas em Alemão.
Nota-se, assim, que a Aula 2 foi dividida em três momen-
tos distintos: no primeiro (início da aula), os alunos responde-
ram a uma questão sobre o conteúdo Uhrzeit6 e fizeram uma
reflexão sobre a aula virtual.7 No segundo, foram corrigidos os
exercícios de casa, ao mesmo tempo que eram sanadas dúvidas
sobre o conteúdo. Por fim, os alunos fizeram práticas de per-
guntas e respostas sobre o horário, de maneira oficial e colo-
quial, em duplas.

5
Os vídeos indicados são de acesso livre e estão disponíveis nos seguintes endereços:
https://www.youtube.com/watch?v=44xYdQWki-M; https://www.youtube.com/watch?-
v=7mLVeEaUano; https://www.youtube.com/watch?v=DLtjctDp_ao; https://www.youtube.
com/watch?v=KtUsf6ctcmc; https://www.youtube.com/watch?v=9h-K4SPLgVU; https://
www.youtube.com/watch?v=46wWsmBIvJ4. Acesso em: 22 abr. 2021.
6
A questão sobre o conteúdo envolveu ao todo dez itens em uma questão: como
perguntar pelas horas (Wie spät ist es?) e como responder de forma coloquial
(8:10/3:30/5:45/10:50/7:25). A segunda questão sobre o conteúdo era um Uhrzeitdiktat
(8:15/2:10/9:30 e 7:40).
7
A questão colocada para reflexão foi: “Você acha que conseguiu aprender bem o conteúdo
Uhrzeit a partir dos links indicados? Você achou essa proposta de aula virtual interessan-
te? Justifique.”

60
Utilizamos como instrumento de coleta de dados as
questões propostas na Aula 2 (no primeiro momento) em for-
ma de questionário. As respostas foram analisadas e os dados,
tabulados e interpretados. Para verificarmos a compreensão do
conteúdo, quantificamos o número de respostas adequadas e
inadequadas sobre os horários, de acordo com critérios linguís-
ticos. Já para a avaliação da proposta da aula virtual, dividimos
as avaliações em positiva, negativa e regular. Em cada categoria,
analisamos as justificativas fornecidas e as discutimos com base
no nosso arcabouço teórico.

O ENSINO DE CONTEÚDO LINGUÍSTICO EM


ALEMÃO POR MEIO DA SALA DE AULA INVERTIDA
Nesta seção, apresentamos os dados que nos permitiram
responder à questão de pesquisa em duas etapas: na primeira,
expomos uma análise das respostas acerca da adequação das
respostas em relação aos exercícios respondidos na forma colo-
quial de expressar as horas em Alemão (Uhrzeit) e, na segunda,
discutimos a percepção dos alunos sobre as atividades assíncro-
nas. Por fim, finalizamos a seção tecendo reflexões sobre a pro-
posta e sobre a sala de aula invertida para ensino de conteúdos
linguísticos em Alemão.
Conforme expusemos na metodologia, começamos a se-
gunda aula com exercícios avaliativos sobre as formas coloquiais
de expressar as horas em Alemão, que, supostamente, deveriam
ter sido aprendidas à distância, na Aula 1. Essa atividade, de ca-
ráter avaliativo, teve duplo objetivo: em primeiro lugar, buscou-
-se garantir que os alunos, de fato, realizassem as atividades à
distância. Por outro lado, procurou-se entender se o conteúdo
foi compreendido pelos alunos, ainda que ele não tivesse sido,
naquele momento, devidamente fixado e praticado. No momen-
to posterior, foram tiradas as dúvidas, em sala de aula.
Para analisar esses dados, dividimos as respostas da ava-
liação em adequadas e inadequadas, quantificando o número de
alunos de cada categoria, sendo que as adequadas se referem

61
àquelas sem nenhum tipo de desvio linguístico e as inadequa-
das, àquelas com problemas a serem corrigidos pelo professor.
Tais inadequações foram, então, contabilizadas por aluno.
A primeira atividade se constituía na formulação da per-
gunta “Que horas são?” em Alemão (Wie spät ist es?). Dos 32 alu-
nos/participantes, 28 deles (87,5%) elaboraram a questão sem
nenhum tipo de inadequação.
Em uma segunda atividade, os alunos foram solicitados
a escrever nove horários distintos por extenso, em Alemão (por
exemplo, 10h15 = Viertel nach zehn). Dentre as respostas dadas pe-
los alunos, pudemos verificar que, dos 32 participantes, 13 (40%)
responderam de forma plenamente correta aos horários solici-
tados; 14 participantes (42,7%) responderam com apenas uma ou
duas inadequações e apenas cinco participantes, ou seja, 15,6%,
deram respostas com mais de dois problemas de adequação lin-
guística. Desta maneira, é possível concluir que a porcentagem
de alunos capazes de compreender o conteúdo visto, por meio
das atividades assíncronas, foi alta, considerando que 87,5% dos
alunos elaboraram a pergunta sem nenhum desvio linguístico e
82,7% foram capazes de responder às questões propostas sem
inadequações ou apenas com uma ou duas delas.
Salientamos que tais respostas não indicam a aprendi-
zagem efetiva do conteúdo, considerando que ele ainda seria
ainda, em uma próxima fase, fixado, praticado e as dúvidas dos
alunos seriam ainda esclarecidas. No entanto, os dados eviden-
ciam a real possibilidade de compreensão de um conteúdo novo
sem a presença do professor, de maneira autônoma, em um mo-
mento assíncrono, conforme previsto nos pressupostos da sala
de aula invertida.
Todavia, para que a SAI seja implementada de maneira
adequada, é importante avaliar, tanto as vantagens da meto-
dologia, quanto as dificuldades encontradas pelos alunos, para
que possam ser feitos os devidos ajustes em práticas futuras.
Assim, apresentamos as principais avaliações dos alunos
sobre a etapa assíncrona, divididas em avaliação positiva, regu-
lar e negativa, com as razões para as avaliações dos aprendizes.
Como justificativas para uma avaliação positiva, foram elenca-

62
das: o conteúdo pôde ser visto por meio de abordagem dife-
rente; a atividade constituiu um “desafio” (de acordo com um
aluno, “aprender em Alemão um conteúdo sozinho parecia algo
impossível”); tomada de conhecimento acerca de canais com vi-
deoaulas (alguns alunos começaram a seguir uma das youtubers);
prazer em aprender em casa; associação de vídeos e exercícios;
importância do estímulo visual; gosto pela aprendizagem por
meio de vídeos e, por fim, a boa organização feita pelos youtu-
bers e o pouco tempo de duração dos vídeos, de forma que eles
não se tornam cansativos. Um dos alunos considerou a ativi-
dade positiva, porém, condicionada à possibilidade de prática
posteriormente.
Já aqueles que consideraram a atividade regular, acham
a proposta interessante e positiva, porém, surgem muitas dú-
vidas que não podem ser esclarecidas; a explicação em Inglês
da youtuber atrapalhou; preferência por aulas presenciais para
esclarecer dúvidas que surgem; necessidade de mais exercícios.
Por fim, dentre as razões para avaliarem a atividade como
negativa estão: não apreço por atividades virtuais no ensino e
preferência pelo modelo tradicional; valorização da interação
face a face para fixação; dificuldade com a língua alemã leva a
obstáculos para a compreensão dos vídeos; falta de tempo para
assistir aos vídeos; excesso de dúvidas durante a atividade e di-
ficuldade para prestar atenção em aulas virtuais.
Os dados revelaram, no entanto, a predominância de uma
avaliação positiva em relação à aprendizagem assíncrona, por
diferentes motivos. Dentre elas, destacamos alguns excertos de
respostas dos alunos:
A1. [...] foi muito produtivo e deu para aprender e en-
tender muito bem.
A2: [...] foi minha atividade à distância favorita. A profª. Anja8
é ótima e tem uma super didática. Estou até hoje acompanhan-
do o canal dela.
A3: Eu acho que a partir desse primeiro contato com o conteú-
do Uhrzeit, foi possível estabelecer uma ideia concreta sobre o

8
A professora Anja é a youtuber de um dos vídeos selecionados.

63
conteúdo e de forma interessante por meio da autonomia do
aluno na aprendizagem [...].
A6: [...] gosto muito das propostas de autoaprendizagem,
mesmo que às vezes algumas dúvidas venham a surgir, eu me
sinto muito produtiva.
A7: Eu consegui aprender o conteúdo. Claro que necessito mais
prática, mas acredito que foi produtivo [...].

A partir dos excertos, nota-se que, embora A7 tenha ava-


liado a aprendizagem como positiva, o aluno afirma que ela não
é suficiente para a aprendizagem do conteúdo. No entanto, é
preciso salientar, o propósito da SAI não é que os alunos apren-
dam efetivamente a partir apenas da etapa virtual, mas que essa
seja associada também a uma fase presencial. Lembrando que
Bergmann e Sams (2016) enfatizam que inverter a sala de aula
não significa substituir a modalidade presencial pelo on-line,
mas promover uma combinação de ambas. Porém, as indicações
recorrentes dos alunos acerca da insuficiência da etapa virtual
dão indícios ao professor-pesquisador de que é necessário es-
clarecer melhor os propósitos da atividade e da SAI, algo que
parece não ter sido feito suficientemente bem pelo professor
nessa prática. Tal fato fica evidente também na avaliação de A11,
que menciona a falta da prática.
A11: [...] a aula virtual foi importante, faltando apenas no senti-
do de treinamento oral e troca de experiência com colegas, mas
bom para o primeiro contato com conteúdos.

Deste modo, recomendamos fortemente um bom escla-


recimento aos alunos quanto aos objetivos e propósitos da SAI
previamente à implementação da proposta.
Para além da insuficiência da fase virtual na construção
do conhecimento, A7 destaca a importância de combinar mate-
riais, fato que evidencia a relevância de um bom planejamento
do professor. Também A3 apontou para a importância de com-
binar diferentes materiais, a partir da justificativa de que con-
sidera apenas os vídeos insuficientes para a aprendizagem. Da
mesma forma, também A9 valoriza a diversidade de material
para a melhor compreensão do conteúdo.

64
A9: de maneira geral, sim [eu gostei da proposta]. Mas acho que
fiquei um pouco confusa com os usos dos horários de formas
diferentes. A proposta de aula virtual é interessante quando há
bastante material envolvido e associado a exercícios de fixação,
pois eu, particularmente, preciso treinar muito para fixar.

Assim, fica evidente a necessidade de diversificar mate-


rial na etapa assíncrona, a fim de contemplar os diferentes es-
tilos de aprendizagem dos alunos, vantagem já apontada por
autores que versam sobre a SAI (VALENTE, 2014; CONSERVA;
COSTA, 2020; BERGMANN, 2018; BERGMANN; SAMS, 2016).
Outro aspecto que aponta para a pertinência da SAI é a mu-
dança de espaço de aprendizagem, aspecto mencionado por A8.
A8: Achei muito interessante a proposta e consegui aproveitá-
-la muito bem, dado que realizá-la no meio doméstico foi uma
troca de ambiente saudável.

A SAI também pode ser uma forma de indicar aos alunos


conteúdo digital e multimodal relevante, conforme sinaliza A12
em sua avaliação.
A12: Sim [foi possível aprender o conteúdo]. Como ainda não
havíamos tido uma aula [sobre esse assunto], eu estava um
pouco insegura se eu realmente tinha entendido o conteúdo,
mas aparentemente, eu consegui aprender, sim. Achei bem
interessante, na realidade, eu normalmente tenho dificuldade
em encontrar videoaulas sozinha e, conhecer aqueles canais me
ajudou muito (grifo nosso).

Assim, nota-se que a atividade auxiliou A11 a conhecer


materiais pertinentes para a aprendizagem autônoma. Esse
fato também foi mencionado por A2: “[...] A profa Anja é ótima
e tem uma super didática. Estou até hoje acompanhando o ca-
nal dela”. Também A13 destaca a relevância da multimodalidade:
“Sim, [acho que consegui aprender] visto que há um estímulo
visual, ajudando na absorção do conteúdo”.
Embora tenhamos observado uma predominância de
avaliações positivas da etapa à distância, é importante salientar
também os alunos que afirmaram não gostar de atividades vir-

65
tuais ou preferir as presenciais, como foi o caso de A4: “[...] não
gosto muito do formato de aulas virtuais, visto que acho a inte-
ração entre alunos e a realização de atividades em grupo mais
eficientes para a fixação de conteúdos”.
Mais uma vez fica claro que talvez tenha faltado uma me-
lhor orientação por parte do professor, no sentido de enfatizar
que a etapa virtual seria apenas uma parte do todo, na medida
em que A4 não considerou que, após essa primeira etapa, ha-
veria atividades que previam interação. Tal fato nos remete a
Little, que enfatiza que a conscientização é um processo impor-
tante no desenvolvimento da autonomia (LITTLE, 1991). O des-
conhecimento da proposta da SAI levou alguns alunos a avaliar
negativamente a proposta, conforme notamos, por exemplo,
também no excerto de A5: “[...] eu consegui entender, mas não
acho que seja igual às aulas presenciais [...]”.
Nota-se que A5 também desconhece que a aula virtual foi
parte de um todo, ou seja, uma etapa que se interligaria à aula
presencial, e não uma forma de substituí-la. Novamente, fica
evidente a importância da conscientização do aluno em rela-
ção aos propósitos das atividades virtuais, fato que é percebido
também no excerto de A21 e A22 a seguir, que comparam a ativi-
dade com as aulas presenciais.
A21: Tive certo problema em relação à aprendizagem por vi-
deoaulas, não consegui absorver direito o conteúdo. Prefiro
aulas presenciais, são mais proveitosas.

A22: Achei os vídeos interessantes, mas não acho que somente eles
dão conta de ensinar perfeitamente, é preciso ter alguém para tirar
dúvidas (grifo nosso).

Todavia, houve alunos que afirmaram claramente não te-


rem gostado da atividade virtual, como A14 e A15.
A14: Não [acho que consegui aprender]. Acredito que a apren-
dizagem seja oportuna, mas também diz respeito ao aluno. No
caso do vídeo, não me ajudou, nem contribuiu, talvez por eu
ter muita dificuldade com a língua alemã.

66
A15: Não. Sou estudante que tem contato com a língua alemã
há pouco tempo. O fato de a professora só falar em alemão e em
inglês dificultou minha aprendizagem.

É importante destacar, porém, que A15, em outra questão


do questionário aplicado, afirmou preferir “métodos mais tra-
dicionais”, de forma que é possível encontrar justificativa para
o estranhamento da atividade na cultura de aprender do alu-
no (ALMEIDA FILHO, 1993). Também justificativas como falta
de tempo e estilo de aprendizagem foram indicadas para a não
aceitação da proposta, conforme A18 e A19:
A18: Não, pois não há tempo em minha rotina para revisar con-
teúdo e assistir vídeos.
A19: [...] os vídeos não tiraram todas as minhas dúvidas e ques-
tões, já que não tinha ninguém para perguntar, ou seja, fiz os
exercícios com muitas dúvidas, sem entender o que estava
fazendo. Prefiro esse estilo de aprendizagem depois de já ter
passado a matéria em sala de aula.

A justificativa de A19 para a não adequação da proposta


pela presença de muitas dúvidas durante o visionamento dos
vídeos, vai ao encontro dos pressupostos de Bergmann e Sams
(2016, p. 11), que chamam a atenção para o fato de que, um dos
inconvenientes do modelo invertido é que os alunos não podem
fazer, de imediato, as perguntas que lhes vêm à mente, como
aconteceria em sala de aula presencial. Todavia, devem ser
orientados a transcreverem pontos importantes, anotarem as
dúvidas e resumirem o conteúdo.
É importante salientar, ainda, que um aspecto que levou
vários alunos a avaliar a atividade à distância como negativa,
foi o fato de um dos vídeos apresentar as explicações em inglês,
conforme podemos verificar no excerto a seguir.
A5: eu consegui entender, mas não acho que seja igual as aulas
presenciais. Os vídeos eram em inglês e como não sou fluente,
pode ser que tenha perdido algo. Para estudar, acho super váli-
do, porém só as aulas ficariam vago o assunto.

67
Um dos vídeos apresentava as explicações em Inglês e in-
ferimos, assim, que esse é um cuidado que deve ser tomado ao
selecionar videoaulas. Porém, embora A5 pondere sobre a pos-
sibilidade de não ter compreendido tudo, devido ao fato de que
vídeo era em Inglês, ele afirma, logo no início de sua afirmação,
que conseguiu entender.
Também A10 menciona o fato de que o vídeo apresenta as
explicações em Inglês:
A10: Achei interessante, mas tive um pouco de dificuldade em
entender a explicação do alemão em inglês, por isso acabei
buscando outros vídeos de português também.

Nota-se que A10 reconhece ter tido certa dificuldade, no


entanto, isso não foi suficiente para invalidar a proposta, na me-
dida em que ele foi capaz de reconhecer essa limitação e buscar
outros materiais de forma autônoma para o auxiliar na tarefa.
Assim, podemos concluir que, embora muitos alu-
nos tenham declarado não se adaptar a aulas virtuais, ou te-
rem tido muitas dúvidas ao entrar em contato com o novo
conteúdo, a maioria foi capaz de responder corretamente às
questões propostas.
Diante dos dados e de nossa análise, é possível afirmar,
assim, que a proposta apresenta muitas vantagens, porém, há
também certos cuidados a serem tomados. Dentre as vanta-
gens, salientamos a possibilidade de diversificação de espaços
de aprendizagem, a promoção de trabalho autônomo do aluno e
o uso de textos multimodais como insumos pedagógicos. No en-
tanto, para que a proposta seja adequada, destacamos a impor-
tância de se diversificar material na apresentação do conteúdo,
de selecionar material que não apresente dificuldade secundá-
ria (como, no caso dessa proposta, um vídeo explicativo em lín-
gua inglesa) e de explicitar claramente aos alunos os propósitos
da atividades assíncronas, salientando que elas se articularão
com momentos presenciais subsequentes.

68
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A sala de aula invertida é uma modalidade educacional
que vem sendo amplamente utilizada em contextos de ensino
e aprendizagem. Nesta análise, partimos da seguinte ques-
tão de pesquisa: “como utilizar a sala de aula invertida para a
aprendizagem de conteúdo linguístico novo em língua alemã
com uma turma iniciante?” Trata-se de uma pesquisa qualita-
tiva, do tipo Estudo de Caso, realizada com um grupo de alunos
de Alemão de um curso de Letras-Alemão em uma universida-
de pública. Os alunos foram apresentados a um conteúdo lin-
guístico novo (Uhrzeit, ou horas) de forma assíncrona e em aula
subsequente presencial, praticaram e tiraram as dúvidas sobre
o insumo aprendido.
A partir da análise dos dados, ficou evidenciado o poten-
cial do conceito de sala de aula invertida para o ensino de Ale-
mão para alunos em nível iniciante. Como vantagens da aula as-
síncrona foram apontadas: a possibilidade de diversificação de
espaços de aprendizagem, a promoção de trabalho autônomo
do aluno e o uso de textos multimodais como insumos pedagó-
gicos. Os dados revelaram, porém, a necessidade de cuidados
quanto à importância: de diversificação do material na apre-
sentação do conteúdo, de selecionar material que não apresente
dificuldade secundária e de explicitar, claramente, aos alunos
os propósitos de atividades assíncronas, salientando que elas se
articularão com uma fase posterior presencial.
Assim, esperamos, com este capítulo, ter sido possível
contribuir para as pesquisas da área e para o crescimento de
formas inovadoras de ensino e aprendizagem de Alemão como
língua estrangeira.

REFERÊNCIAS
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71
ENSINO DE ALEMÃO E EXTENSÃO
UNIVERSITÁRIA: UM BREVE PANORAMA

M E R G E N F E L V. F E R R E I R A ( U F R J )
LU C I A N E L E I P N I TZ ( U F P B )
R O G É R I A CO STA P E R E I R A ( U FC )
R O B E RTA S O L STA N K E ( U E R J )

RESUMO
Considerando o princípio da indissociabilidade entre en-
sino, pesquisa e extensão nas universidades públicas brasileiras,
apresentamos neste artigo projetos de extensão na área de Ale-
mão como Língua Estrangeira (ALE) em quatro universidades: a
Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), a Universidade
do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), a Universidade Federal da
Paraíba (UFPB) e a Universidade Federal do Ceará (UFC). Discu-
timos ainda as contribuições desses projetos para a formação de
professores de Alemão e para a formação linguística continuada
de todos que deles participam.
Palavras-chave: Formação de Professores; Extensão; Alemão
como Língua Estrangeira.

ZUSAMMENFASSUNG
In Anbetracht des Prinzips der Untrennbarkeit von Leh-
re, Forschung und Third-Mission an öffentlichen brasilianischen
Universitäten stellen wir in diesem Artikel Third-Mission-Projek-
te im Bereich Deutsch als Fremdsprache (DaF) an vier Universi-

72
täten vor: Universidade Federal do Rio de Janeiro, Universidade
do Estado do Rio de Janeiro, Universidade Federal da Paraíba
und Universidade Federal do Ceará. Wir diskutieren auch die
Beiträge dieser Projekte zur Ausbildung von Deutschlehrer*in-
nen und zur sprachlichen Weiterbildung aller Beteiligten.
SCHLÜSSELWÖRTER: Lehrerausbildung; Third-Mission;
Deutsch als Fremdsprache.

INTRODUÇÃO
A formação universitária de professores de Alemão no
Brasil é realizada nos cursos de Letras, a maioria deles em du-
pla habilitação com a língua portuguesa, isto é, nos cursos de
Letras-Português/Alemão. Os ingressantes nesses cursos não
possuem, em geral, conhecimento prévio da língua-alvo, visto
que a língua alemã não é um pré-requisito para iniciar essa gra-
duação. Isso significa que temos um duplo desafio na formação
desses futuros professores: em primeiro lugar, a sua formação
linguística e, em segundo lugar, a sua formação didático-pe-
dagógica (STANKE et al, 2017). Os projetos de extensão univer-
sitária na área de ensino-aprendizagem de alemão têm, desta
forma, como papel central: 1) a formação do futuro professor, ao
iniciá-lo na prática docente e ao fomentar o desenvolvimento de
suas competências linguístico-comunicativas e interculturais, e
2) o compartilhamento do conhecimento gerado na universida-
de com a sociedade por meio da pesquisa e do ensino por meio
de serviços, no nosso caso, pela oferta de cursos de língua alemã
para a comunidade. Sendo assim, “[...] a extensão proporciona
a troca de saber e de experiências entre a comunidade acadêmi-
ca e o público externo: sociedade civil e poder público” e, deste
modo, “a Universidade tem colaborado para a construção de po-
líticas públicas por meio de projetos destinados a melhorar as
condições de vida da população”.1

1
Disponível em: https://www.uerj.br/extensao/extensao-na-uerj/. Acesso em: 07 jul. 2020.

73
Neste artigo, apresentamos os projetos de extensão uni-
versitária desenvolvidos na Universidade Federal do Rio de
Janeiro (UFRJ), na Universidade do Estado do Rio de Janeiro
(Uerj), na Universidade Federal da Paraíba (UFPB) e na Universi-
dade Federal do Ceará (UFC), que têm como ponto em comum a
oferta de cursos de língua alemã à comunidade e a formação de
professores desse idioma, apontando a contribuição acadêmica,
profissional e social desses projetos para suas comunidades lo-
cais e seus participantes.

EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA NO BRASIL: BREVE


HISTÓRICO E PRINCIPAIS DESAFIOS
O debate que envolve a extensão universitária remete a
uma discussão que o precede: quais são os elementos constitu-
tivos, as justificativas, os fundamentos e objetivos da própria
universidade? A universidade, instituição cujo surgimento no
Ocidente remonta à Idade Média, é concebida como espaço de
transmissão e difusão do conhecimento, tendo nessa fase um
forte caráter político, uma vez que representava, ora o poder
eclesiástico (Universidade de Cambridge, por exemplo), ora o
poder monárquico (como, por exemplo, a Universidade de Sa-
lamanca) (CARVALHO, 2017). Com o tempo, a instituição vem
passando por inúmeras transformações, predominando no sé-
culo XIX, de forma mais incisiva, sua missão como formado-
ra da consciência humana, preceito defendido por pensadores
como Ortega e Garret e Humboldt (SLEUTJES, 1999). Assim,
testemunhamos tanto seu papel de guardiã e promotora do co-
nhecimento e do pensamento filosófico, quanto, mais tarde, já
no século XX, sob inspiração de um modelo norte-americano,
um viés mais voltado ao mundo do trabalho.
Perpassados tantos caminhos e transformações, chega-
mos hoje a um ponto no qual sua missão é cada vez mais ques-
tionada. Sobretudo, a defesa de sua imbricação nas questões
concretas de sua comunidade, sendo um de seus papéis o de de-
senvolver propostas capazes de interferir qualitativamente nas

74
realidades postas pelo contexto político sócio-histórico. Ospina
(1990 apud SLEUTJES, 1999) resume esse entendimento, argu-
mentando que a missão da universidade seria a de promover
a transformação da sociedade por meio do conhecimento e do
potencial humano e, assim, define as funções das instituições
de ensino superior: “formar ou ensinar, investigar ou pesquisar
e servir ou exercer a atividade de extensão”.
A indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão
como um dever da universidade brasileira se torna um princí-
pio estabelecido por lei no artigo 207 da Constituição Federal de
1988, que prevê que
[a]s universidades gozam de autonomia didático-científica,
administrativa e de gestão financeira e patrimonial, e obe-
decerão ao princípio de indissociabilidade entre ensino, pes-
quisa e extensão.

Apesar de já ser praticada em muitas universidades, a


extensão foi, com a publicação do artigo 207, de fato, alçada
ao mesmo patamar do ensino e da pesquisa. Diversos estu-
dos (dentre eles, KOURGANOFF, 1990; MORIN, 1999; SANTOS,
2005; TAUCHEN; FÁVERO, 2011) vêm esmiuçando as relações e
papéis desempenhados por cada um dos pilares da tríade en-
sino-pesquisa-extensão, estando algumas discussões centradas
na dificuldade de implementar-se um modelo que escape à sim-
ples sobreposição (ou justaposição) desses três elementos, rei-
vindicando esforços para a integração entre eles.
No entanto, apesar dos mais de trinta anos da lei esta-
belecida na Constituição e dos intensos debates que vêm sendo
promovidos em diversas esferas universitárias, com destaque
para os fóruns de Pró-Reitores de Extensão (Forproex), a inte-
gração e vivência plena desse princípio ainda carece de entendi-
mento e articulação em muitas instituições superiores. Assim,
mesmo as diretrizes postas pelo Plano Nacional de Educação
2001-2010, que propôs a universalização da extensão univer-
sitária, por meio da obrigatoriedade de que 10% dos créditos
curriculares totais da graduação estivessem integralizados em

75
ações extensionistas, ainda não foram concretizadas (TAU-
CHEN; FÁVERO, 2011).
Em meio a tantas idas e vindas e às dificuldades enfren-
tadas para a implementação efetiva do princípio da indissocia-
bilidade entre a extensão, o ensino e a pesquisa, parece-nos que
a vinculação das ações extensionistas às atividades de ensino e
às de produção do conhecimento se apresenta como uma pers-
pectiva que permite o diálogo mais ativo da universidade com
os demais segmentos da sociedade.
Serão apresentados na próxima seção projetos de exten-
são2 e seu papel na formação de profissionais de língua alemã
em quatro universidades brasileiras. Ao mesmo tempo, discuti-
remos a oferta de língua estrangeira como espaço de formação
continuada a serviço da sociedade.

OS PROJETOS CLAC E PALEP DA FACULDADE DE


LETRAS DA UFRJ E A AMPLIAÇÃO DOS ESPAÇOS
DA PRÁTICA E DA REFLEXÃO
O Cursos de Línguas Abertos à Comunidade (Clac) é, des-
de seu início em 1987, um importante projeto de extensão da Fa-
culdade de Letras da UFRJ, com foco na formação de professores
de línguas. Os objetivos, desde sua criação, como apontado por
Zyngier e Azevedo (2002), priorizam a formação profissional e
científica dos estudantes de Letras e, ao mesmo tempo, a con-
tribuição ativa para o atendimento do interesse da sociedade na
formação linguística dos membros da comunidade. Desta for-
ma, os estudantes, denominados monitores de línguas, são os
responsáveis pelas aulas, sob a supervisão e orientação de do-
centes da Faculdade de Letras. No entanto, no início do projeto,

2
As ações de extensão se dividem em: cursos, que são ações com caráter pedagógico, teórico
ou prático, com carga horária mínima de oito horas; eventos, os quais se configuram em
ações ligadas à apresentação ou divulgação de conhecimento ou de produto cultural, ar-
tístico, esportivo, científico ou tecnológico; projetos, que são ações processuais e contínuas
com caráter educativo, social, cultural, científico ou tecnológico, com objetivo específico e
prazo determinado; e programas, entendidos como conjuntos articulados de projetos ou
outras ações de extensão.

76
o grupo de cursistas era formado, em sua maioria, por estudan-
tes da própria universidade, sendo a Sub-Reitoria de Graduação
e Corpo Discente (SR-1) a instância que respondia pelas bolsas
concedidas aos monitores. O Projeto Clac manteve esse modelo
de fomento, ou seja, com os recursos da universidade, de 1987
a 1995, quando foi interrompido justamente devido à falta de
verba. Todavia, em 1998, o projeto pôde ser reiniciado, estando
a cargo da recém-estabelecida Diretoria Adjunta de Cultura e
Extensão da Faculdade de Letras. O Clac passou, nesse perío-
do, por uma grande reestruturação que acarretou muitas mu-
danças no projeto, como a integração do público-alvo externo
à universidade e a cobrança de uma pequena taxa de inscrição
dos cursistas como forma de autofinanciamento (SOUZA, 2019,
p. 26). A partir do aumento no número de cursistas e do autoge-
renciamento dos recursos, o projeto teve um aumento expressi-
vo no número turmas, cursos oferecidos e, consequentemente,
de monitores de línguas e orientadores.
Ainda segundo Souza (2019, p. 27), no intervalo entre os
anos de 1998 e 2003, o projeto passou de dez a 201 monitores
de línguas, tendo o número de cursistas saltado de 200 para
5.900. Publicações mais recentes, como o Manual CLAC (2017),
apresentam uma versão reformulada do projeto, sendo seu
objetivo central:
contribuir para a formação dos alunos do Curso de Letras da
UFRJ, possibilitando que disponham de um espaço para a práti-
ca docente e para se exercitar como pesquisadores, correspon-
de, portanto, à motivação central do projeto (UFRJ, 2017, p. 8).

De acordo com informações da administração do projeto,


em 2018, o número total de cursistas chegou a 5.546, divididos
em 295 turmas, com aulas ministradas por 229 monitores de
línguas. Os números do Clac-Alemão também impressionam.
Segundo dados de 2018, estavam inscritos 627 cursistas, em 33
turmas (do Alemão 1 ao Alemão 5), para um total de 20 monito-
res de língua alemã. Se considerarmos o número médio de estu-
dantes de graduação do curso de Letras-Português/Alemão (em
torno de 80 estudantes), podemos observar com maior clareza o
impacto do projeto para o corpo discente do setor, uma vez que

77
cerca de 25% desses estudantes atuam ativamente no projeto.
Estão habilitados a participarem do projeto os estudantes que
concluíram o quarto semestre de Língua Alemã, apresentando
um bom rendimento, tanto no aproveitamento das discipli-
nas de língua, quanto nas demais disciplinas do curso, sendo
7,0 o coeficiente de rendimento (CR) mínimo para participa-
ção (UFRJ, 2019).
Em uma pesquisa com monitores de línguas egressos, que
investigou as contribuições do Projeto Clac para a sua formação
profissional, Souza (2019) sublinha que os resultados apresenta-
dos confirmaram o importante valor desse espaço para a prática
docente, destacando-o como o marco da primeira experiência
em sala de aula para a maioria dos monitores. A autora, a partir
dos apontamentos feitos pelos participantes da pesquisa, desta-
ca como pontos mais relevantes do Projeto Clac a oportunidade
de atuação e vivência em sala de aula como professores, a possi-
bilidade concreta de integração entre teoria e prática e a troca e
compartilhamento de saberes entre monitores, seus colegas e os
docentes orientadores.
Outro estudo recente, por sua vez, realizado com moni-
tores do Clac-Alemão (CATHARINA, 2019), apresentou resulta-
dos semelhantes aos obtidos por Souza (2019). Nessa pesquisa,
que buscou verificar o impacto do projeto na formação inicial
de professores de Alemão, também a maioria dos monitores
reconhece o papel fundamental do projeto em seu desenvolvi-
mento como professores de línguas adicionais. Nesse sentido,
os monitores de língua alemã participantes do projeto destaca-
ram quase unanimemente que sua formação acadêmica como
professores de ALE vem sendo marcada de maneira decisiva e
positiva pela sua experiência como monitores no Clac-UFRJ.
A criação e desenvolvimento do Projeto Aulas de Línguas
em Espaços Públicos (Projeto Palep) está diretamente ligado
ao surgimento de programas como o Programa Institucional
de Bolsas de Extensão (Pibex), iniciado em 2005. O Pibex teve
papel fundamental no estímulo à integração acadêmico-ins-
titucional, principalmente por meio do incentivo à vinculação
de projetos de extensão a programas, o que propiciou a articu-

78
lação de ações interdisciplinares, que envolveram professores,
alunos e técnicos de diferentes unidades e centros da UFRJ. O
aumento no número de bolsas Pibex, experimentado a partir de
2009, estimulou o surgimento de novas iniciativas, ampliando
as ações com vistas à formação profissional e cidadã dos estu-
dantes da graduação, por meio de sua participação efetiva no
desenvolvimento das ações de extensão: projetos, cursos e even-
tos, principalmente.
Assim, nesse contexto, surge o Projeto Palep, oficialmen-
te intitulado “Construção de uma prática democrática e alter-
nativa de formação de docentes de língua e culturas em língua
alemã em espaços públicos no Estado do Rio de Janeiro”, com os
objetivos principais de: (1) promover o diálogo entre a universi-
dade e a escola pública, por meio da elaboração, implementação
e administração de cursos de língua alemã nas dependências de
tais escolas; (2) contribuir para a formação de docentes de lín-
gua e culturas em língua alemã, forjada a partir da experiência
em espaços públicos no Estado do Rio de Janeiro; (3) estruturar
e implementar cursos de Alemão como língua adicional em es-
colas públicas de ensino fundamental no município do Rio de
Janeiro (conforme cadastro na plataforma Siga).
A partir dessa descrição do projeto, é importante ressal-
tarmos que a presença do Alemão na esfera pública de ensino é
ainda muito escassa no município do Rio de Janeiro (recente-
mente, em 2018, foram implantadas na cidade três escolas da
rede municipal com ensino de Alemão). A pouca presença do
ensino dessa língua na rede pública acarretava a pouca ou ne-
nhuma possibilidade de experiência na escola para os alunos
da licenciatura em Alemão formados na UFRJ. Assim, o Projeto
Palep também representou para muitos alunos licenciandos a
oportunidade de interagirem com o espaço da escola, estabele-
cendo a integração entre teoria e prática nas atividades exerci-
das no espaço escolar de ensino fundamental e médio. As trocas
e a interação entre universidade e escola suscitaram, por sua
vez, a necessidade de que novas pesquisas fossem realizadas no
âmbito do projeto, envolvendo principalmente temas como po-
líticas linguísticas, ensino de línguas adicionais, didática e me-

79
todologias de ensino, materiais didáticos, dentre outros. Nesse
sentido, faz parte das atividades do projeto o desenvolvimento
de atividades como colóquios, palestras e debates, para os quais
professores, estudantes e o público em geral de dentro e fora da
universidade são convidados. Desta maneira, pode-se também
dizer que a dimensão pesquisadora, reflexiva e crítica na forma-
ção inicial desses professores é incentivada, a partir da supera-
ção da fragmentação ou isolamento entre teoria e prática, tão
comuns ainda no universo acadêmico.

OS PROJETOS PLIC E OLEE DO


PROGRAMA DE EXTENSÃO LICOM DA UERJ:
INICIAÇÃO À DOCÊNCIA CRÍTICO-REFLEXIVA E
SERVIÇO À COMUNIDADE
A extensão universitária na Uerj tem uma longa tradição,
com sólida representação na área de ensino-aprendizagem de
línguas e formação de professores, dentre outras. “Em 1997, os
diversos projetos vigentes foram unificados no ainda denomi-
nado ‘Projeto de Ensino de Línguas para a Comunidade (LI-
COM)’ do Instituto de Letras da UERJ” (DANTAS, 2014, p. 14) e,
em 2009, o Licom se torna um programa de extensão, que conta
hoje com mais de dez projetos (UERJ, 2009), dentre eles, o Proje-
to de Línguas para a Comunidade (Plic) e o Oficinas de Línguas
Estrangeiras nas Escolas (Olee), que se baseiam em dois eixos
fundamentais à extensão universitária:
[...] o primeiro garante a integração entre Universidade e co-
munidade através do reconhecimento de demandas e da elabo-
ração de soluções. O segundo eixo assegura aos estudantes da
UERJ, futuros professores de línguas materna e estrangeiras,
grande diversificação de campos de estágio, visando o aprimo-
ramento de sua formação profissional.3

3
Disponível em: http://www.licomletrasuerj.pro.br/index.php/apresentacao. Acesso
em: 11 jul. 2020.

80
No que diz respeito ao primeiro eixo, os projetos em
questão vão ao encontro da demanda da comunidade externa
por cursos de línguas adicionais que contribuam para a sua for-
mação profissional e acadêmica. De forma geral, no estado do
Rio de Janeiro, e mesmo no Brasil, são escassos os espaços de
ensino de línguas adicionais, nos quais se desenvolvam compe-
tência linguístico-comunicativa, além da sensibilidade e cons-
ciência intercultural, principalmente na escola pública. Sendo
assim, aqueles que buscam suprir essa carência acabam tendo
de matricular-se em cursos de idiomas privados, no entanto,
não são muitos os aprendizes que dispõem de condições finan-
ceiras para tal.
Em relação ao segundo eixo, ligado à diversificação nos
campos de estágio, os projetos Plic e Olee se constituem como
base primordial para a formação dos professores de Alemão no
âmbito do curso de Letras da Uerj. Com exceção das três escolas
municipais com ensino de Alemão mencionadas anteriormen-
te, a língua alemã não faz parte do rol de disciplinas da grade
curricular das escolas públicas do Rio de Janeiro. Assim, os es-
paços de estágio para a prática docente na habilitação Alemão
são escassos, o que pode dificultar a formação do professor de
Alemão, uma vez que a articulação entre teoria e prática pode
ser considerada sua base fundamental. Reforçando esse pressu-
posto, de acordo com o parecer CNE/CP 9 (BRASIL, 2001, p. 29):
[...] a aquisição de competências requeridas do professor de-
verá ocorrer mediante uma ação teórico-prática, ou seja, toda
sistematização teórica articulada com o fazer e todo fazer arti-
culado com a reflexão.

No entanto, contornando essa situação adversa, “o Insti-


tuto de Letras busca possibilidades de oferecimento de estágios
diversificados que contemplem as situações de ensino de dife-
rentes naturezas” (UERJ, 2013, p. 93). Assim,
programas e projetos de extensão são de grande importância,
não apenas para garantir a diversificação de situações de ensi-
no-aprendizagem, mas também para estabelecer ligações fun-
damentais entre ensino, pesquisa e extensão (UERJ, 2013, p. 93).

81
Nesses projetos de extensão, assim como ocorre nos pro-
jetos da UFRJ descritos no tópico anterior, são os graduandos
em Letras-Português/Alemão, sob supervisão docente, que mi-
nistram as aulas nas oficinas de língua alemã nas escolas parcei-
ras, no caso do Projeto Olee, e nos cursos oferecidos no Instituto
de Letras da Uerj à comunidade interna e externa à universida-
de, no caso do Plic. Os estudantes participantes desses projetos
ganham o status de estagiários de iniciação à docência e passam
não só a vivenciar o fazer pedagógico, como são levados também
ao exercício da pesquisa, por meio de uma prática crítico-refle-
xiva de ensino informada e fundamentada por sólido embasa-
mento teórico de estudos oriundos da área de ensino de línguas
e formação de professores.
Em encontros regulares com o(s) docente(s) orienta-
dor(es), os estagiários de iniciação à docência debatem textos
teóricos, bem como apresentam seu plano de aula (com base
em uma abordagem linguístico-comunicativa de cunho inter
e transcultural) previamente elaborado e o discutem, conside-
rando aspectos como objetivos de aprendizagem, público-alvo
e material de ensino/didático, por exemplo. Além disso, esses
estudantes também são incentivados a participarem de diversos
seminários e cursos que contribuam para sua formação como
professores, tendo a oportunidade de apresentarem trabalhos
científicos em eventos acadêmicos, tanto internos da Uerj e do
próprio programa de extensão, como o Fórum de Estudos so-
bre Ensino de Línguas do Licom/Plic e o Encontro Licom, bem
como publicarem artigos em periódicos e anais de congressos
da área. Em 2014, o programa publicou os Relatos de Experiências
no LICOM, na qual não só professores orientadores, mas tam-
bém estagiários de iniciação à docência puderam divulgar seus
trabalhos de pesquisa, a partir da experiência em sala de aula
em forma de artigos. Observa-se, assim, que os Projetos Plic e
Olee, do Programa Licom, buscam
construir um espaço onde dialoguem os três pilares da Univer-
sidade: ensino, pesquisa e extensão. Preocupa-se, particular-
mente, em permitir que a prática pedagógica transforme-se
em teoria de ensino e aprendizagem e esta, por sua vez, retroa-

82
limente a prática para servir à formação docente de graduan-
dos e pós-graduandos (ANTUNES; SALIÉS, 2014, p. 5).

Os impactos de projetos de extensão na formação dos


graduandos em Letras-Português/Alemão da Uerj foram inves-
tigados em um breve estudo realizado por Stanke et al (2017).
Por meio de uma escala numérica de zero (0) a seis (6), sendo
esta última a gradação mais positiva, os participantes avaliaram
de que forma projetos de extensão, dentre eles, o Plic e o Olee,
contribuíram para seu desenvolvimento profissional, pessoal,
intercultural e de habilidades na língua-alvo. Cem por cento
dos participantes atribuíram grau máximo (6) ao impacto dos
projetos no seu desenvolvimento profissional. No tocante aos
impactos relacionados à vida pessoal, ao desenvolvimento de
sensibilidade intercultural e ao desenvolvimento de suas ha-
bilidades linguísticas, os participantes atribuíram grau muito
alto (5) ou máximo (6). “Este resultado ratifica a importância
dos Projetos aqui abordados na formação acadêmica, social e
profissional dos futuros professores de alemão” (STANKE et al,
2017, p. 113-114).

EXPERIÊNCIAS NA EXTENSÃO NA UFPB:


APRENDIZAGEM CONTINUADA PARA TODOS
Diferentemente dos projetos anteriormente descritos
(da UFRJ e da Uerj), a extensão na área de ALE na UFPB este-
ve, ao longo dos últimos anos, ligada ao curso de Bacharelado
em Tradução, visto que não há Licenciatura em Letras-Portu-
guês/Alemão em João Pessoa. A formação extensionista em DaF
na UFPB, entretanto, apresenta-se como capacitação discente
para as mais diversas graduações e para a participação dos estu-
dantes em seleções de intercâmbio, além de constituir-se como
formação continuada de discentes bolsistas para atuação como
tradutores e professores de Língua Alemã.
Dados do Fórum de Extensão do Centro de Ciências Hu-
manas Letras e Artes (CCHLA) evidenciam a significativa parti-
cipação de atividades extensionistas na UFPB. Somente no ano

83
de 2020, foram aprovados naquela universidade 851 projetos de
extensão, submetidos por meio dos editais Probex, UFPB no seu
município e Fluex.
Especificamente com relação ao ensino-aprendizagem de
Alemão na extensão da UFPB, as experiências têm se mostrado
positivas, inclusive como multiplicadoras no ensino de ALE, vis-
to que há discentes aprendizes, que, após formação específica
na área, tornaram-se professores de Língua Alemã.
Necessidades e demandas diversas dos e nos projetos ex-
tensionistas levaram a diferentes práticas no ensino de ALE na
UFPB. Algumas dificuldades na prática em sala de aula, relacio-
nadas aos materiais didáticos e à necessidade de adaptação a
novas ferramentas e mídias, redes sociais, línguas e linguagens
de uso entre os pares apontaram novos caminhos a percorrer.
Relatos anteriores apresentaram experiências extensio-
nistas na UFPB (LEIPNITZ, 2017; 2019). Citam-se as práticas
no Projeto CineTrad, que exibiu de 2015 a 2018 filmes em língua
alemã com o objetivo de divulgar a cultura e identificar diferen-
ças linguísticas e dificuldades tradutórias por meio da magia
da Sétima Arte.
Em 2019, apresentou-se uma nova proposta de ensino-
-aprendizagem de Alemão para fins específicos, por meio da
oferta de um curso de língua alemã em nível A1 do Quadro Eu-
ropeu Comum de Referência para as Línguas (QECR) (CONSE-
LHO DA EUROPA, 2001), com o objetivo específico de preparar
estudantes para provas de nivelamento em língua alemã de edi-
tais de mobilidade acadêmica da UFPB. O Projeto “A Caminho
da Alemanha” (PRAC-COEX, 2019) foi desenvolvido entre junho
e dezembro de 2019 em encontros semanais de quatro horas,
como curso-piloto, e buscou relacionar conteúdos e metodolo-
gias a necessidades, desejos e lacunas de ensino-aprendizagem
do grupo específico (HUTCHINSON; WATERS, 1987), de modo a
atender expectativas, fomentar motivações e desenvolver o nível
linguístico-comunicativo dos participantes, com apoio teórico-
-metodológico do ensino de línguas para fins específicos (CE-
LANI, 2009; DUDLEY-EVANS; ST JOHN, 1998).

84
O fim específico do curso de Extensão em Língua Alemã
A1 se constituiu na apresentação de conteúdos e avaliações no
formato da prova de nivelamento adotada pelo edital de mobi-
lidade acadêmica da UFPB para a Universidade de Vechta, que
disponibiliza anualmente cinco bolsas de intercâmbio para per-
manência de seis meses na Alemanha. Os discentes do projeto
de extensão – bolsista e voluntário, intercambistas do programa
de mobilidade em anos anteriores – utilizaram suas próprias
experiências na prova de nivelamento e na experiência na Ale-
manha para a organização das atividades do curso, buscando
priorizar conteúdos, exercícios de fixação e material de avalia-
ção de acordo com modelos de provas aplicadas na UFPB para a
seleção. Os conteúdos propostos para o nível A1 do QECR tam-
bém foram ajustados à duração do curso, à modalidade de um
ou dois encontros semanais somando quatro horas e às expec-
tativas do grupo específico. Algumas características específicas
foram norteadoras da proposta. Destaca-se a dificuldade na
adequação de conteúdos em nível A1 à duração do curso, desen-
volvido de junho a dezembro de 2019, com recesso de duas se-
manas no início do mês de outubro, acompanhando o calendário
acadêmico da graduação da UFPB. Foram adaptadas também as
formas de avaliação, exigidas para atribuição de notas e gera-
ção de certificados pelo sistema acadêmico da universidade. A
proposta do curso buscou privilegiar aspectos como dedicação,
participação em sala de aula e execução de Hausaufgaben, atri-
buindo-lhes peso maior no somatório das avaliações. Buscou,
assim, considerar que situações formais de prova interferem na
aferição de conhecimentos, devido ao estresse ao qual estão ex-
postos os participantes.
Concluíram o curso 16 participantes, cuja dedicação se
mostrou mais expressiva do que o nível de aprendizagem aferi-
do pelas avaliações formais, considerando-se os critérios acor-
dados pelos organizadores da ação extensionista. O projeto-pi-
loto, a partir do cruzamento de informações resultantes de um
questionário aplicado e do ensino de Alemão para fins especí-
ficos, deverá estimular novas práticas pedagógicas na extensão
universitária. É importante salientar a experiência de discen-

85
tes e docentes na condução dessas novas propostas de ensino-
-aprendizagem como formação continuada de todos os envol-
vidos. Cumpre, assim, a extensão o seu papel na triangulação
do ensino, a partir da aplicação de conteúdos desenvolvidos na
graduação à prática de ensino na extensão; cumpre na formação
continuada do professor/discente bolsista, assim como dos de-
mais participantes voluntários. Cumpre com relação à pesqui-
sa, pois abre portas para experimentação, aplicação, adaptação
de conteúdos e novas metodologias, visto ser da necessidade
que surgem as demandas para as práticas aplicadas. Cumpre
com relação ao empoderamento dos participantes, quando da
capacitação na formação em língua alemã, pelas experiências
compartilhadas pelos discentes bolsistas, como intercambistas
dos mesmos editais.
No ano de 2020, implementou-se um novo projeto, intitu-
lado Língua Alemã para a Comunidade (UFPB, 2020a). A neces-
sidade de isolamento social imposta pela pandemia de Covid-19
levou à adequação do formato dos cursos. Assim, foi ofertado,
a partir de junho de 2020, o curso Língua Alemã A1.1 (UFPB,
2020b), com atividades remotas em encontros semanais síncro-
nos por meio de plataforma para web-conferência. Ministrado
por discente bolsista, com suporte de coordenadora e discente
voluntário, o curso ofereceu encontros semanais até setembro de
2020, complementados por atividades de fixação, totalizando 30
horas/aula. A adaptação de atividades presenciais para modali-
dade híbrida, unindo atividades síncronas a atividades assíncro-
nas, exigiu capacitação específica da equipe do projeto. Os con-
teúdos programáticos do nível A1.1 do QECR foram adaptados ao
período de execução do curso, de acordo com a progressão dos
materiais didáticos de ensino da língua alemã e buscaram con-
templar o desenvolvimento das quatro habilidades, compreensão
e produção oral e escrita, considerando-se os limites impostos
pelo formato remoto. Os materiais de ensino e as atividades de
fixação são armazenados em plataforma virtual do sistema aca-
dêmico da UFPB. Fóruns buscam complementar as atividades de
ensino com espaços para esclarecimento de dúvidas e indicações
de ferramentas e plataformas para consulta pelos participantes.

86
Ao considerar a capacitação de discentes e docentes en-
volvidos na proposta, o desafio do trabalho remoto e da exe-
cução de atividades síncronas para o ensino-aprendizagem da
língua alemã com a utilização de novas mídias e tecnologias
tem se mostrado positivo, apresentando novas possibilidades
de atuação, com a adaptação de atividades presenciais para o
formato remoto.
Esta breve apresentação de atividades extensionistas em
língua alemã desenvolvidas na UFPB reforça o papel da extensão
universitária na formação acadêmica de docentes e discentes,
como possibilidade de aplicação do conhecimento adquirido
na graduação, para a sedimentação prática desse conhecimen-
to, para o despertar de novas possibilidade de pesquisa e para o
exercício da cidadania consciente.

CASAS DE CULTURA ALEMÃ DA UFC: EXTENSÃO


COMO LOCUS DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES
As Casas de Cultura Estrangeira, maior programa exten-
sionista de educação continuada no ensino de línguas estran-
geiras na UFC, atendem desde 19614 tanto a comunidade acadê-
mica, quanto a sociedade cearense. Tendo sua gênese nos cha-
mados Centros de Cultura Estrangeira da então Faculdade de
Filosofia, Ciências e Letras da UFC, foram, por 32 anos, admi-
nistrativamente ligadas ao Departamento de Letras Estrangei-
ras e ao Departamento de Letras Vernáculas do Centro de Hu-
manidades5 e sempre funcionaram como “cursos de aplicação”
para os respectivos estágios supervisionados das licenciaturas
do curso de Letras. Em março de 1981, no bojo de uma reestrutu-
ração administrativa, esses centros receberam a denominação
que carregam até hoje: Casas de Cultura Estrangeiras (doravan-
te CCE), que são, por ordem de fundação, as seguintes: Casa de

4
Disponível em: https://casasdeculturaestrangeira.ufc.br/pt/sobre-a-coordenadoria/histo-
rico-das-casas-de-cultura-estrangeira/. Acesso em: 03 jul. 2020.
5
Em uma adequação administrativa prevista na Reforma Universitária de 1968 (ME-
NEZES; SANTOS, 2001), houve a transformação da referida faculdade no atual Centro
de Humanidades.

87
Cultura Hispânica (1961), Casa de Cultura Alemã (1962), Casa de
Cultura Italiana (1963), Casa de Cultura Britânica (1964), Casa
de Cultura Portuguesa (1964) e Casa de Cultura Francesa (1968).
Além dessas, há também o curso de Esperanto (1965) e o curso de
Russo (1987), este último o único com as atividades encerradas.
Com a criação, em 1993, da Coordenadoria-Geral das Casas de
Cultura Estrangeiras, que congrega todas as Casas e as liga à
direção do Centro de Humanidades e à Pró-Reitoria de Exten-
são, esse projeto ganha a estrutura acadêmico-administrativa
que hoje apresenta.
Os docentes que atuavam nas diferentes Casas de Cultu-
ra eram, até 1981, professores contratados, professores horistas
ou estagiários do curso de Letras. Os professores das CCE são,
atualmente, admitidos por concurso público para a carreira do
Ensino Básico, Técnico e Tecnológico (EBTT), trazendo uma
maior aproximação destas com a carreira do ensino superior.
A carga horária de ensino dos atuais 49 docentes das CCEs deve
ser distribuída entre cursos de extensão em línguas estrangei-
ras (doravante LE) e quatro créditos em componentes curricula-
res de graduação. Com infraestrutura própria e estrutura admi-
nistrativa e pessoal dedicada à extensão e ao ensino continuado
de LE, as CCE são um caso único nas Ifes brasileiras.
Em pesquisa na qual investiga especialmente as dimen-
sões políticas para a extensão e a responsabilidade social das
CCE, Teixeira (2009) conclui que a maioria dos participantes
docentes e discentes das CCE avaliam como excelente/boa a in-
tegração da extensão com a comunidade local, mas consideram
regular a integração da extensão com o ensino e a pesquisa, de-
monstrando a dificuldade institucional de integrar o projeto às
outras ações do centro onde se encontram (TEIXEIRA, 2009, p.
86). O autor então conclui que:
As CCE desenvolvem a integração da extensão com o ensino por
meio da formação de professores de línguas estrangeiras do
Curso de Letras da UFC, como campo de estágio supervisio-
nado, e no aproveitamento de créditos como atividade comple-
mentar para os alunos de graduação da UFC (TEIXEIRA, 2009,
p. 92, grifo do autor).

88
O curso de Letras/Habilitação em Língua Estrangeira
e Respectivas Literaturas (Alemão, Espanhol, Francês, Inglês,
Italiano) se insere apenas no âmbito da licenciatura, formando
professores de LE. Aqueles licenciandos que optam por estagiar
nas CCE costumam ficar responsáveis pelos semestres mais bá-
sicos do curso, correspondendo atualmente aos dois semestres
do nível A1, ou o primeiro semestre do nível A2 do Quadro Co-
mum Europeu de Referência para as Línguas (CONSELHO DA
EUROPA, 2001). Além da possibilidade de estágio obrigatório,
são oferecidas bolsas de extensão para que graduandos em LE
atuem, sob orientação de um professor formador, em cursos
nas CCE, o que as torna um espaço no qual os professores em
formação podem ter a experiência de assumir uma sala de aula
e aprender na prática as demandas do ofício docente.
Cardoso e Netto (2018) investigam o papel da prática de
ensino como estágio supervisionado de língua inglesa na Casa
de Cultura Britânica (doravante CCB) e concluem que o estágio
na CCB foi considerado pelos participantes, de um modo geral,
como muito proveitoso e de grande relevância para a sua for-
mação profissional, resultado semelhante aos encontrados por
Stanke et al (2017) na Uerj e Souza (2019) e Catharina (2019) na
UFRJ. Além disso, cerca de 86% dos participantes concordam
com a afirmação de que houve aplicação do conhecimento teó-
rico adquirido em todo o percurso da graduação no estágio. As-
sim sendo, os autores defendem que a CCB deve ser reconhecida
como um importante centro de estágio na UFC, pois
essa instituição se apresenta como espaço adequado para
contribuir para a formação de professores oferecendo opor-
tunidades de articulação de conhecimentos a partir da prá-
tica, observada em diferentes dimensões (CARDOSO; NET-
TO, 2018, p. 351).

Em levantamento da quantidade de docentes estagiários


na Casa de Cultura Alemã no período de 2004 a 2019, consta-
tamos que, do total de 40 graduandos que estagiaram na CCA
nesses 15 anos, 17 egressos desempenham, no momento, a fun-
ção de professores de Alemão em universidades, escolas Pasch
ou escolas de idioma. Em uma região na qual a língua alemã

89
não é ofertada em escolas de ensino fundamental ou médio,6
reputamos ser positivo o percentual de pouco mais de 42% de
egressos que são professores de Alemão, fato que nos permite
defender que o estágio colaborou na construção da identidade
desses docentes.
Infelizmente, ainda há poucos estudos acerca do impac-
to dos estágios nas CCE na formação dos futuros docentes de
LE. Além do estudo de Cardoso e Netto (2018), podemos citar a
investigação em andamento de Pereira (2019), na qual a autora
explora, em um estudo de caso, as crenças sobre o processo de
ensino/aprendizagem em professores-graduandos em língua
alemã atuantes na CCA. Utilizando três instrumentos de pes-
quisa (um questionário, uma entrevista semiestruturada e uma
narrativa), a autora defende que o estágio supervisionado dos
participantes na CCA contribuiu para a sua formação, propor-
cionando o desenvolvimento da sua identidade como docente:
Evoluí bastante nesses últimos seis meses [...]. Os encontros
foram instrutivos e a orientação definitivamente contribuiu
para a minha formação. Percebi que estamos sempre apren-
dendo, ainda não estou pronta, porque essa é uma das surpre-
sas de lecionar: algo inesperado sempre acontece. A diferença
é que agora me sinto segura para lidar com o imprevisível. De-
pois de toda essa experiência, sigo lecionando e seguirei lecio-
nando, pois finalmente pertenço a um lugar (P1, narrativa).

Diante do exposto, podemos afirmar que a CCA funciona


como espaço híbrido, ou terceiro espaço, na formação de pro-
fessores (ELSTERMANN; SIQUEIRA, 2019; ZEICHNER, 2010).
Nesses terceiros espaços se encontram o conhecimento acadê-
mico, professores formadores e licenciandos de modo menos
hierárquico, criando oportunidades de conexão entre o conhe-
cimento teórico e a experiência docente (ZEICHNER, 2010),
por meio de uma prática na formação inicial, um aprendizado
acerca da prática docente e, por fim, um meio para que a UFC
cumpra sua missão na formação de professores de LE.

6
Excetuando-se as duas escolas Pasch. Disponível em: https://blog.pasch-net.de/paschno-
brasil/categories/2-Escolas. Acesso em: 17 jul. 2020.

90
Ao mesmo tempo que contribui na formação de profis-
sionais em LE, as CCE, como projeto extensionista, possuem o
compromisso de ofertar a formação continuada em LE de qua-
lidade para as comunidades interna e externa, levando a uni-
versidade para mais perto da sociedade e contribuindo para o
desenvolvimento da região.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este capítulo procurou mostrar, a partir da apresenta-
ção de projetos extensionistas, exemplos concretos nos quais
a indissociabilidade e a integração entre ensino, pesquisa e ex-
tensão puderam ser observadas. Podemos perceber, assim, que
cada um desses pilares do ensino universitário público susten-
ta e mantém uma estrutura que interliga conhecimentos e sa-
beres, retroalimentando-os. Trata-se de unidades que, juntas,
sustentam a estrutura mais ampla da produção e da expansão
do conhecimento. O ensino necessita de atividades que colo-
quem em prática teorias e sedimentem conhecimentos adqui-
ridos, o que pode ser alcançado por meio de atividades exten-
sionistas, como aqui relatadas. Nesse sentido, vimos que essas
atividades permitem a prática e a identificação de habilidades,
afinidades, interesses, aliados às necessidades da sociedade.
Essas práticas evidenciam caminhos para pesquisas e as levam
para o além-muros das universidades. E é a partir de todas es-
sas vivências, experiências e trocas de saberes que se consti-
tuem egressos qualificados, que têm como missão promover a
transformação dessa sociedade que lhes oportunizou a expan-
são do conhecimento.
Desta forma, para além da contribuição para a socieda-
de civil, as ações extensionistas apresentadas neste capítulo
demonstram também o impacto na formação docente dos gra-
duandos em Letras na habilitação Alemão. Por meio de um en-
sino embasado por teorias da área de ensino-aprendizagem de
línguas e afins, esses estudantes vivenciam o fazer pedagógico,
por meio de uma prática informada, crítica e reflexiva, sendo,
portanto, ao mesmo tempo: (1) apresentados às experiências

91
práticas da sala de aula e (2) instigados a construírem e amplia-
rem seu conhecimento sobre os temas de ensino e aprendiza-
gem a partir do desenvolvimento de pesquisas na área.
Esperamos com esta investigação contribuir para a divul-
gação e a ampliação da visibilidade dessas ações, incentivando
a criação e o desenvolvimento de novos projetos que visem for-
talecer a área de ensino e aprendizagem de ALE e a formação
profissional de seus estudantes.

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94
O PONTO CEGO DA AUTONOMIA:
REFLEXÕES SOBRE O ENSINO
DE ALEMÃO NO CURSO DE LETRAS1

D Ö RT H E U P H O F F ( U S P )
P O L I A N A CO E L I CO STA A R A N T E S ( U E R J )

RESUMO
O artigo apresenta uma discussão crítica de diversas con-
cepções individuais e sociais da autonomia que circulam na
educação linguística, com foco no ensino de Alemão no curso
de Letras. Argumenta-se que aspectos heteronômicos são pouco
abordados nas concepções individuais da autonomia, formando
uma espécie de ponto cego nos métodos e materiais que predo-
minam atualmente na área de Alemão como língua estrangeira.
Palavras-chave: Autonomia; Heteronomia; Teoria Crítica.

ZUSAMMENFASSUNG
In diesem Artikel werden verschiedene individuelle und
soziale Autonomiebegriffe der Sprachdidaktik einer kritischen
Analyse unterzogen, wobei insbesondere der Deutschunterricht
im Rahmen des Letras-Studiums in den Blick genommen wer-
den soll. Es wird argumentiert, dass heteronomische Aspekte in
individuellen Autonomiekonzeptionen kaum thematisiert wer-

1
Este artigo foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de
Nível Superior - Brasil (Capes) - Código de Financiamento 001.

95
den und daher eine Art blinden Fleck in Methoden und Materi-
alien darstellen, die zurzeit im Deutsch-als-Fremdsprache-Un-
terricht vorherrschen.
Schlüsselwörter: Autonomie, Heteronomie, kritische
Theorie.

INTRODUÇÃO
A discussão sobre autonomia tem ganhado muita impor-
tância no contexto de cursos de Letras-Alemão. A grande maio-
ria dos nossos estudantes inicia o curso sem conhecimentos pré-
vios do idioma, enfrentando a difícil tarefa de passar, em pouco
tempo, da aprendizagem das estruturas elementares do Alemão
à reflexão crítica sobre textos acadêmicos e literários, tarefa que
requer um repertório linguístico e cultural à semelhança da-
quele descrito pelos níveis B2 e C1 de competência leitora, de
acordo com o Quadro Europeu Comum de Referências para Lín-
guas (CONSELHO DA EUROPA, 2001; doravante QECR). Ainda,
se o(a) aluno(a) almejar uma carreira como professor(a), precisa
adquirir uma sólida fluência oral que demora para ser construí-
da, exigindo muita persistência e engajamento próprio. De fato,
não é possível vencer esses desafios sem uma postura proativa
e autônoma, tanto no que diz respeito ao estudo extraclasse,
quanto à responsabilidade de participar ativamente das aulas.
No entanto, não são poucos os nossos alunos que precisam lidar
com condições adversas na graduação, não apenas em termos
de apoio material e financeiro, mas também no que concerne ao
tempo disponível para o estudo autodirigido.
Como devemos então endereçar a questão da autonomia
em nosso contexto de Letras-Alemão, em especial nas discipli-
nas iniciais de língua alemã que formam a base para os conteú-
dos mais específicos do currículo, como literatura, linguística,
tradução e prática de ensino?
Para iniciar a reflexão sobre essa pergunta, averiguamos
como a autonomia aparece nas ementas das disciplinas de lín-

96
gua nas instituições em que atuamos como professoras – a Uni-
versidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) e a Universidade de
São Paulo (USP). Na Uerj, as ementas2 não fazem referência à
questão da autonomia e, também, não mencionam estratégias
de aprendizagem, que poderiam servir como catalisadoras da
autonomia. As ementas não fornecem, portanto, orientações
específicas de como entendem promover a autonomia dos alu-
nos. Nas ementas da USP, por outro lado, constam objetivos re-
lacionados ao desenvolvimento de estratégias nas três primei-
ras disciplinas de Língua Alemã.3 Ademais, a ementa da últi-
ma disciplina obrigatória, Língua Alemã V (FLM0310), propõe
“avaliar criticamente o conceito de autonomia do aprendiz”4 ao
longo do semestre e sua bibliografia inclui um título que versa
sobre o tema: Nodari e Steinmann (2010). Mesmo assim, as in-
dicações são escassas, considerando o caráter sintético do gêne-
ro textual da ementa.
De modo semelhante, nos livros didáticos – como, por
exemplo, no material DaF kompakt neu (BRAUN et al, 2016) que
está sendo usado em ambas as universidades –, a autonomia é
abordada de maneira um tanto superficial, em forma de dicas e
estratégias,5 e não contempla os desafios específicos que o aluno
de Letras enfrenta nos cursos brasileiros.
Desta maneira, acreditamos que seja melhor voltar à dis-
cussão teórica sobre a autonomia e investigar o assunto, a par-
tir dos diferentes ângulos sob os quais é abordado na literatura

2
Disponível em: http://www.ementario.uerj.br/cursos/letras_portugues_alemao_licencia-
tura.html. Acesso em: 06 jul. 2020. As ementas datam do ano de 2006, ano da última re-
forma curricular do curso.
3
FLM0300, Língua Alemã I (2015): “Apresentar estratégias gerais de aprendizagem de lín-
guas”. Disponível em: https://uspdigital.usp.br/jupiterweb/obterDisciplina?nomdis=&s-
gldis=flm0300. Acesso em: 02 jul. 2020; FLM0301, Língua Alemã II (2016): “Introduzir
diferentes estratégias de compreensão oral e escrita”. Disponível em: https://uspdigital.
usp.br/jupiterweb/obterDisciplina?nomdis=&sgldis=flm0301.Acesso em: 02 jul. 2020;
FLM0302, Língua Alemã III (2016): “Introduzir diferentes estratégias de produção textual”.
Disponível em: https://uspdigital.usp.br/jupiterweb/obterDisciplina?nomdis=&sgldis=-
flm0302. Acesso em: 02 jul. 2020.
4
A ementa data do ano de 2015. Disponível em: https://uspdigital.usp.br/jupiterweb/obter-
Disciplina?nomdis=&sgldis=flm0310. Acesso em: 02 jul. 2020.
5
Mais à frente, na parte da discussão, analisaremos um exemplo de estratégia apresen-
tada no material.

97
especializada. A produção bibliográfica é extensa e remonta às
décadas de 1980 e 1990, se consideramos apenas os títulos que
versam sobre o ensino de línguas (BENSON; VOLLER, 1997;
BIMMEL, 2012; BIMMEL; RAMPILLON, 2000; FEICK, 2016;
HOLEC, 1980; LITTLE, 1999; OXFORD, 2003; SCHMENK, 2005;
2008; 2016; 2018). Além disso, é importante destacar a obra de
Paulo Freire, Pedagogia da autonomia. Saberes necessários à prática
educativa (1996), que trata de forma mais ampla sobre questões
de autonomia e heteronomia na educação brasileira e que tam-
bém deve ser considerada para o nosso contexto específico.
A seguir, faremos um breve mapeamento das diversas
perspectivas pelas quais a autonomia é tratada na discussão
teórica. Nelas, haverá algumas visões já bastante conhecidas
no ensino de Alemão como língua adicional, mas também ou-
tras, mais críticas, que questionam a forma como o assunto é
abordado em nossa área. Na seção subsequente, examinaremos
como a relação entre autonomia e heteronomia, como condicio-
nantes que restringem a autonomia do aprendiz, é enquadrada
em algumas das concepções apresentadas. Por fim, teceremos
algumas reflexões sobre aspectos heteronômicos presentes no
ensino de Alemão no curso de Letras no Brasil que nos pare-
cem ainda pouco considerados, apontando para uma espécie
de ponto cego nas discussões atuais sobre autonomia no en-
sino de línguas.

CONCEPÇÕES DE AUTONOMIA
NA LITERATURA ESPECIALIZADA
Encontra-se, na literatura sobre o ensino-aprendizagem
de línguas, uma variedade considerável de conceptualizações
para a noção da autonomia. Benson (1997), por exemplo, dife-
rencia entre versões técnicas, psicológicas e políticas, enquanto
Oxford (2003) ainda acrescenta uma perspectiva sociocultural
do fenômeno. Em língua alemã, o mapeamento mais abrangen-
te foi realizado por Schmenk (2008), que propõe uma divisão
em seis categorias: concepções de autonomia vinculadas à teo-

98
ria da ação (1), concepções técnico-situacionais (2), técnico-es-
tratégicas (3), construtivistas (4), além de concepções ligadas à
psicologia do desenvolvimento (5) e à pedagogia geral (6). Para
os fins deste artigo, agrupamos as diversas definições de auto-
nomia em duas grandes categorias: as concepções individuais,
que descrevem o fenômeno como uma característica particular
do ser humano e/ou do contexto de aprendizagem, e as concep-
ções sociais, que analisam a autonomia, a partir da inserção
do sujeito em conjuntos sociais e das amarras e conflitos que
podem resultar dessa condição. A seguir, discutiremos as duas
categorias com mais detalhes.

CONCEPÇÕES INDIVIDUAIS DE AUTONOMIA


Um marco importante para o desenvolvimento de uma
concepção individual da autonomia no âmbito do ensino-
-aprendizagem de línguas foi a obra de Holec (1980). Voltando-
-se especificamente para educação de adultos, o autor define
autonomia como a capacidade de tomar conta da própria for-
mação linguística, responsabilizando-se por todas as decisões
referentes a objetivos, conteúdos e técnicas de aprendizagem
nela envolvidas, além de monitorar o seu progresso (HOLEC,
1980, p. 4 apud SCHMENK, 2008, p. 23). É importante observar
que a autonomia aparece aqui como requisito necessário para o
estudo autodirigido na vida adulta e não está vinculada ao ensi-
no escolar. No entanto, apesar desse enquadramento específico,
a definição de Holec foi rapidamente adotada também em ou-
tros contextos de ensino-aprendizagem de línguas. Ao mesmo
tempo, como explica Schmenk (2016, p. 368), ocorreu um acha-
tamento do conceito e, em vez de a autonomia ser considera-
da uma condição prévia para a aprendizagem autodirigida, as
duas noções são equiparadas e aparecem até como sinônimos.
No QECR, encontra-se um exemplo dessa visão, quando o estu-
do autodirigido, que ocorre após o término do ensino escolar, é
identificado como autônomo:

99
Os aprendentes são, evidentemente, em última análise, as pes-
soas interessadas na aquisição de línguas e nos processos de
aprendizagem. [...]. Todavia, relativamente poucos aprendem
de forma pró-activa, tomando iniciativas para planificar, es-
truturar e executar os seus próprios processos de aprendiza-
gem. A maioria aprende reactivamente, seguindo instruções e
realizando as actividades pensadas pelos professores e pelos
manuais. Todavia, logo que acabe o ensino, a aprendizagem que se
segue tem que ser autónoma (CONSELHO DA EUROPA, 2001, p.
199, grifo nosso).

O estudo autodirigido diz respeito à versão técnica da au-


tonomia, na concepção de Benson (1997), ou técnico-situacional,
na categorização de Schmenk (2008). Prevalece, nessa visão, o
aspecto de que o aprendiz estuda sozinho, sem o apoio de um(a)
professor(a) no âmbito de um ensino institucionalizado. Para
ser capaz de seguir estudando um idioma nesses moldes, os
alunos precisam “aprender a aprender”, como ressalta o QECR:
A aprendizagem autónoma pode ser encorajada se o “aprender
a aprender” for considerado parte integral da aprendizagem
da língua, de forma a que os aprendentes tomem progressiva-
mente consciência do modo como aprendem, das opções que
lhes são oferecidas e que melhor lhes convêm (CONSELHO DA
EUROPA, 2001, p. 199).

Para isso, a vertente técnico-estratégica da autonomia


defende que é preciso munir os alunos com estratégias de
aprendizagem, que devem ser apresentadas e ensaiadas duran-
te um curso de idiomas. Bimmel (2012), por exemplo, considera
o trabalho com estratégias no ensino de línguas como um com-
ponente essencial na promoção da autonomia. O autor define
estratégias como um plano de ação para alcançar determinado
objetivo de aprendizagem (BIMMEL, 2012, p. 5) e considera o
aprendiz como um “gerente mental” (mentaler Manager; BIM-
MEL, 2012, p. 5) que planeja, executa, monitora e avalia suas
próprias ações para aprender uma língua (BIMMEL; RAMPIL-
LON, 2000, p. 55).

1 00
Essa visão do aprendiz está em consonância com a con-
cepção construtivista da aprendizagem de línguas. De acordo
com Wolff (2002, p. 360), um dos expoentes dessa perspecti-
va teórica na Alemanha, o objetivo mais importante do ensino
construtivista de idiomas consiste no fomento das estratégias.
Conforme o autor, “a aprendizagem é um processo autônomo
que o aprendiz realiza em grande medida de forma indepen-
dente”6 (WOLFF, 1997, p. 48) e que é conduzido por ele por meio
de estratégias.
Benson (1997) considera a visão construtivista da auto-
nomia, denominado por ele também de “psicológica”, estreita
demais, uma vez que ela não capta suficientemente o contexto
sociopolítico da aprendizagem e seus condicionantes, que aca-
bam por influenciar o sujeito e cercear sua autonomia. Também
Pennycook (1997) se mostra crítico com relação a essa concepção
dominante da autonomia (mainstream autonomy; PENNYCOOK,
1997, p. 39), alertando para o fato de que essa perspectiva afasta
uma visão mais política e socialmente engajada do fenômeno.
Schmenk (2005) ainda vai mais longe e alega que tanto a ver-
são técnica, quanto a psicológica da autonomia homogenei-
zam o fenômeno, tornando-o um conceito universal e neutro,
passível de globalização por meio da exportação de materiais e
métodos. Na próxima seção, que versa sobre as concepções so-
ciais da autonomia, aprofundaremos os argumentos levantados
por esses autores.

CONCEPÇÕES SOCIAIS DE AUTONOMIA


Na visão de Schmenk (2005), a homogeneização, univer-
salização e suposta neutralidade do conceito de autonomia são
alguns dos resultados de conceber-se a autonomia como produ-
to travestido de estratégias de aprendizagem, a ser alcançado
individualmente por nossos aprendizes. Para que esse produto
seja percebido como um bem globalizável, ele vem sendo des-

6
Todas as traduções de citações originalmente formuladas em Alemão ou Inglês são
de nossa autoria.

1 01
tituído de contextos sociais, políticos e culturais, o que o torna
mais facilmente circulável ao redor do mundo.
Ainda segundo Schmenk (2005), a utilização do conceito
de autonomia para a construção de estratégias de aprendizado
difunde a falsa realidade de igualdade em sala de aula, como se
todos os alunos estivessem em condições iguais para adquirir
uma língua de modo eficiente. Para superar essa falsa realidade,
a teórica argumenta que há questões de fundo econômico e po-
lítico em sala de aula que devem ser considerados, pois influen-
ciam sobremaneira o conceito de autonomia.
Benson (1997) também defende uma versão política do
conceito de autonomia e a associa à teoria crítica. Apesar da
aparente proximidade com o construtivismo – por defender a
ideia de que conhecimento não é adquirido, mas construído –,
a teoria crítica vai além, imprimindo maior ênfase aos contex-
tos sociais, onde a aprendizagem ocorre. Ela aposta em uma
mudança da sociedade, a partir da reflexão crítica sobre a visão
tradicional, largamente difundida, de que o conhecimento se-
ria neutro, apolítico e, portanto, passível de transmissão sem a
consideração das particularidades do contexto social em que o
ensino se dá. Não obstante, para Benson (1997), a própria ideia
de que seria possível aprender uma língua de forma neutra e
apolítica constitui uma “construção ideológica” (BENSON, 1997,
p. 32). O autor procura expandir o conceito de política em sua
argumentação, sobretudo porque esse conceito estaria muito
relacionado, no senso comum, às práticas realizadas por cida-
dãos, tal como votar, por exemplo. Assim, Benson estabelece
que devemos considerar como políticos também o contexto ins-
titucional das práticas de ensino e aprendizagem, os papéis e as
relações dos envolvidos em sala de aula e fora dela, a metodo-
logia e as atividades desenvolvidas por eles, além do conteúdo
didático. Como afirma o autor, “as versões psicológicas da auto-
nomia evitam o político ao reduzir os problemas sociais ao nível
do indivíduo” (BENSON, 1997, p. 29).
Também Pennycook (1997) procura distanciar-se de uma
perspectiva psicológica da autonomia. De acordo com ele, há
problemas em considerar os indivíduos como criadores das

1 02
próprias decisões racionais, como a visão psicologista faz, mas
também há problemas em considerar que os indivíduos não
construiriam nada porque estão sempre submetidos à cultura,
ao social. Deste modo, o teórico busca compor uma proposta
que pretende proporcionar caminhos para que os aprendizes
lutem para serem autores de seus próprios mundos e estarem
aptos para criar seus próprios sentidos, encorajando-os a ter
voz e a lutar para perseguirem alternativas culturais em meio às
políticas culturais do dia a dia.
Gostaria de defender [...] que essas limitações tornam ainda
mais imperativo tentar entender como formas de autonomia
podem ser buscadas. A autonomia, nesse sentido, não é algo
alcançado pela entrega do poder ou pela reflexão racional; ao
contrário, é a luta para se tornar autor de seu próprio mundo,
ser capaz de criar seus próprios significados, buscar alternati-
vas culturais em meio às políticas culturais da vida cotidiana
(PENNYCOOK, 1997, p. 39).

Ter voz, nesse contexto, significa ser capaz de expres-


sar seu posicionamento político e crítico acerca das limitações
e possibilidades apresentadas pelas línguas e pelos discursos.
Pennycook (1997, p. 49) aponta que o interesse da aprendiza-
gem de línguas não se resume à gramática e vocabulário, mas
envolve igualmente lugares de fala para que os aprendizes exer-
citem vozes insurgentes que falem contra os discursos locais e
globais que limitam e produzem as possibilidades que enqua-
dram suas vidas.
No campo do ensino de Alemão, também Feick (2016) dis-
cute alternativas às concepções individuais da autonomia. A
autora propõe o conceito de autonomia de grupo que pode ser
desenvolvido por meio de atividades e projetos realizados cole-
tivamente no âmbito do ensino institucional. Assim, esse tipo
de autonomia é construído por meio de processos colaborativos
e decisões tomadas em grupo, promovendo uma sinergia que
ultrapassa a soma das autonomias individuais de seus membros
(FEICK, 2016, p. 32, 344).
É importante observar que todas as propostas de auto-
nomia, apresentadas nessa seção, estão em consonância com

1 03
as críticas de Paulo Freire com relação à “educação bancária”,
termo cunhado pelo autor, que denota uma situação de ensino
em que os aprendizes são tratados como meros depósitos, nos
quais os conteúdos vão sendo armazenados, empilhados. Con-
trário a essa visão mecanicista de transmissão de conhecimen-
tos, o pedagogo defende que “ensinar não se esgota no ‘trata-
mento’ do objeto ou do conteúdo, superficialmente feito, mas se
alonga à produção das condições em que aprender criticamente
é possível” (FREIRE, 2004, p. 26). Para isso, é necessária a su-
peração das heteronomias, como condicionantes que limitam a
ação pedagógica, a fim de que se possa promover uma atitude
autônoma no aluno. A seguir, examinaremos com mais detalhes
a relação entre autonomia e heteronomia nos processos de en-
sino-aprendizagem.

AUTONOMIA E HETERONOMIA
Como vimos na seção anterior, Paulo Freire destaca a
concepção bancária da educação como um dos principais obs-
táculos à autonomia. Em sua Pedagogia da autonomia, o autor
defende uma mudança profunda na forma como os professores
enxergam os alunos, a fim de superar o ensino nesses moldes.
Ao invés de concebê-los como simples receptores dos conteúdos
didáticos, os aprendizes devem ser considerados como sujeitos
complexos, influenciados pelas condições sociais e políticas que
os circundam, mas também por seu caráter inacabado, incon-
cluso, que os torna capazes de crescer e transformar-se. Como
formula Freire (2004, p. 53): “sei que sou um ser condicionado
mas, consciente do inacabamento, sei que posso ir além dele.
Esta é a diferença profunda entre o ser condicionado e o ser de-
terminado”. Para o pedagogo, a conscientização do aluno a res-
peito de sua própria inconclusão desencadeia um “permanente
processo social de busca” (FREIRE, 2004, p. 55) que constitui o
cerne da prática educacional. Assim, ao mesmo tempo que re-
conhece as heteronomias que marcam os alunos, Freire enfatiza
a possibilidade de superar essas amarras, ressaltando a vocação
do educando “para ser mais” (ZATTI, 2007, p. 62).

1 04
Também Schmenk (2008) defende que os aspectos hete-
ronômicos precisam ser considerados quando se fala da auto-
nomia do aprendiz no ensino de línguas, uma vez que “auto-
nomia e heteronomia sempre aparecem juntas” (SCHMENK,
2008, p. 287). De acordo com a autora, as versões individuais
da autonomia, em especial as de linha construtivista, partem
de uma visão idealizada (überhöht; SCHMENK, 2018, p. 21) do
sujeito, concebendo-o como um ser que já nasce com a capa-
cidade intrínseca de aprender por conta própria (LITTLE, 1999,
p. 13-15). No entanto, de acordo com Schmenk, essa visão acaba
gerando “pontos cegos” (blinde Flecken; SCHMENK, 2018, p. 17),
ao ocultar as heteronomias que existem em qualquer processo
de ensino-aprendizagem. A autora é taxativa ao enfatizar que
Autonomia não é uma característica das pessoas. Isso também
vale para aquelas que, nas salas de aula ou em casa, estudam e
empregam línguas com o apoio de materiais e mídias diversos.
[...] Caracterizar mesmo assim a condição dos aprendizes (ou
professores ou outros) com o termo da autonomia constitui,
por conseguinte, uma propaganda enganosa [Etikettenschwin-
del]. Usada dessa maneira enquanto rótulo, a palavra “autono-
mia” encobre e esconde as múltiplas heteronomias com as quais
todos nós – aprendizes, professores, pesquisadores etc. – esta-
mos confrontados incessantemente (SCHMENK, 2008, p. 287).

Assim, a autonomia individual postulada pelas concep-


ções técnico-estratégica e construtivista se revela uma “pseu-
doautonomia” (FEICK, 2016, p. 21), uma vez que nós, professo-
res e alunos, sempre temos de lidar com uma série de fatores
heteronômicos (conteúdos determinados por currículos e ma-
teriais, dentre outros) que direcionam a nossa prática e com os
quais precisamos nos arranjar.
Como alerta Schmenk (2018, p. 18), frequentemente nem
questionamos mais essas diretrizes, mas as internalizamos,
aceitando, por exemplo, as estratégias propostas em um ma-
nual de ensino como um guia para estudar que nós mesmos
escolhemos para aprender uma língua. Considerando esse me-
canismo, a autora defende a importância do pensamento crí-
tico, com vistas a tomar consciência da interdependência dos

1 05
aspectos autonômicos e heteronômicos no processo educativo
(SCHMENK, 2008, p. 289).
A seguir, discutiremos um exemplo em que a presença da
heteronomia se expressa no trabalho com estratégias, um cená-
rio que, a nosso ver, ainda é pouco considerado nas disciplinas
de Alemão no curso de Letras.

DISCUSSÃO: HETERONOMIA
NO TRABALHO COM ESTRATÉGIAS
Propomos discutir a heteronomia como ponto cego da
concepção técnico-estratégica e/ou construtivista da autono-
mia, a partir de um exemplo de atividade retirado do livro de
exercícios (Übungsbuch) do material DaF kompakt neu A1, utili-
zado atualmente nas disciplinas de língua alemã nos cursos de
Letras na USP e na Uerj. Trata-se de um livro didático produ-
zido para o mercado internacional, que tem como grupo-alvo
jovens adultos que pretendem estudar ou trabalhar em um país
de língua alemã (BRAUN et al, 2016, p. 3). O material indica es-
tratégias de aprendizagem por meio de um ícone representado
por duas engrenagens, às vezes, acompanhado de uma peque-
na nota explicativa na lateral de um exercício, como se pode
ver na Figura 1.
Figura 1 - Atividade retirada da lição 6 do Übungsbuch do material DaF kompakt neu A1

Fonte: Braun et al (2016, p. 119)

Na atividade da Figura 1, pede-se aos alunos para escre-


ver um texto a um(a) amigo(a), com um formato preestabeleci-
do que se assemelha ao de uma carta, mas cuja estrutura não
é sequer tematizada, explicando porque gostariam ou não de

1 06
morar em uma república. O enunciado da tarefa é redigido no
modo imperativo, como é comum em livros didáticos de Alemão
como língua estrangeira, e os alunos são orientados a planejar
seus textos antecipadamente por meio da seleção de argumen-
tos e palavras preestabelecidos (lista apresentada na atividade).
Apenas o ícone das engrenagens sinaliza que esse procedimento
constitui uma estratégia de produção escrita, que poderia ser
aplicada também na redação de outros textos. O livro didático,
portanto, não convida o aprendiz a refletir sobre a utilidade de
realizar a atividade dessa maneira, mas introduz a estratégia
como uma instrução a ser seguida, composta de três passos
predeterminados: recolhimento de palavras (Wörter sammeln),
organização das palavras (Wörter organisieren) e escrita do texto
(Text schreiben). Certamente o(a) professor(a) poderá decidir, por
conta própria, explicar melhor o propósito da tarefa e a estru-
tura do gênero, mas, para nossa discussão, é importante ressal-
tar que o material em si não fornece essa contextualização. A
estratégia é apresentada como uma atividade pré-estruturada
que o aluno deve seguir como tal. Observa-se, por exemplo, que
não há uma reflexão sobre a pertinência de escrever um texto a
um amigo que se inicia de forma totalmente descontextualizada
e artificial, como prevê o esquema pré-formulado: “Liebe(r) ...
ich möchte (nicht) gern in einer Wohngemeinschaft wohnen, denn ...”
Quem escreveria a um amigo começando assim? Qual o propó-
sito de escrever a um amigo um texto argumentativo com prós
e contras de morar em uma república sem que o contexto dessa
solicitação seja explicitado? Assim, a atividade se revela mais
como um elemento heteronômico do que um recurso que possi-
bilita a construção da autonomia.
Nossa análise exemplifica os riscos que a abordagem
de uma concepção estreita da autonomia, preocupada apenas
com a realização de tarefas pelo indivíduo e operacionalizada
por meio de estratégias apresentadas de forma resumida e sem
contextualizações em materiais globalizados, apresenta ao nos-
so contexto. Reproduzir essas atividades sem considerar o po-
tencial heteronômico delas, muito possivelmente não desperta-
rá nos alunos a vontade de manifestar sua voz (PENNYCOOK,

107
1997) e engajar-se criticamente na construção de sua competên-
cia linguístico-cultural. Mas como, então, endereçar a questão
da autonomia nas nossas disciplinas de Alemão no curso de Le-
tras, evitando o viés individualista e homogeneizado que domi-
na atualmente a área de Alemão? Na próxima seção, teceremos
algumas reflexões a esse respeito.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Apresentamos, ao longo deste trabalho, diversas visões de
autonomia, dividindo-as em duas grandes categorias: as con-
cepções individuais e as concepções sociais. Argumentamos que
as concepções individuais, ainda dominantes no ensino de lín-
guas, não permitem um diagnóstico acurado das heteronomias
existentes nos processos de ensino-aprendizagem, revelando
pontos cegos, ou seja, aspectos não refletidos na teoria que
tendem a tornar as propostas didáticas inócuas, dificultando o
engajamento dos alunos em prol de uma atitude mais autôno-
ma. Dada a extensão limitada do artigo, exemplificamos nos-
so raciocínio por meio da análise de uma atividade específica
do material DaF kompakt neu A1 (BRAUN et al, 2016), que visa à
apresentação de uma estratégia de produção escrita.
Inspirando-nos na Pedagogia da autonomia, de Paulo Frei-
re (2004), defendemos uma educação linguística que reconhe-
ça as heteronomias às quais tanto os alunos, quanto nós, como
professores, estamos sujeitos. Entretanto, conscientes também
do “inacabamento” dos seres humanos, no sentido freireano,
acreditamos que os condicionantes que influenciam no desem-
penho dos nossos alunos devem ser identificados e articulados
em sala de aula, por meio do diálogo aberto e sem a proposição
de receitas prontas e descontextualizadas, como aparecem, por
exemplo, em forma de estratégias, nos livros didáticos pautados
numa versão individualista da autonomia. Esperamos que, as-
sim, possamos fomentar a voz dos alunos, ao invés de emudecê-
-los, como é comum nas disciplinas iniciais de língua, com ma-
teriais importados nos quais os estudantes não se reconhecem.
Pois, como afirma Freire (2004, p. 68), “ensinar exige apreensão

1 08
da realidade” e essa apreensão não pode se dar em um ambiente
supostamente neutro.

REFERÊNCIAS
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v. 46, p. 3-10, 2012.
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sche Fremdsprachendidaktik. Frankfurt: Peter Lang, 2002.
ZATTI, V. Autonomia e educação em Immanuel Kant e Paulo Freire. Porto Alegre:
EDIPUCRS, 2007.

11 0
POR UMA ÉTICA NA TRADUÇÃO LITERÁRIA:
UMA CONCEPÇÃO ENTRE ZURIQUE,
FORTALEZA E MAPUTO

T I TO L Í V I O C R UZ R O M Ã O ( U FC )

RESUMO
Este artigo aborda a necessidade de uma ética na tradução
literária entre diversos atores. As ideias aqui postas baseiam-se,
por um lado, em aspectos objetivos que apontam para uma ética
profissional de tradutores em geral. Por outro lado, centram-se
num exemplo concreto de prática tradutória e correspondência
entre autor e tradutor. Por fim, delineiam-se aspectos de uma
ética na tradução literária construída entre tradutor e autor.
Palavras-chave: Ética; Tradução Literária; Autores;
Tradutores; Editores.

ZUSAMMENFASSUNG
In diesem Beitrag geht es um den Bedarf nach einer Ethik
in der Literaturübersetzung unter verschiedenen Akteuren. Die
hier aufgeworfenen Fragen basieren einerseits auf objektiven
Aspekten, die auf eine generelle Berufsethik von Übersetzern
hinweisen. Andererseits fokussiert man auf ein konkretes Bei-
spiel der Übersetzungspraxis und der Korrespondenz zwischen
Autor und Übersetzer. Schließlich lassen sich Aspekte einer
zwischen Übersetzer und Autor aufgebauten Ethik der Litera-
turübersetzung erkennen.

111
Stichworte: Ethik; Literarische Übersetzung; Autoren;
Übersetzer; Herausgeber.

INTRODUÇÃO
Desde as primeiras polêmicas sobre a dicotomia entre
“tradução literal” e “tradução livre”, como aquelas ensejadas, à
guisa de exemplo, por Marco Túlio Cícero (2011) e São Jerônimo
(1995), o patrono dos tradutores, jamais deixou de haver debates
sobre questões envolvendo a necessidade de uma ética na tra-
dução literária. E, embora sempre possa parecer atual a cada
momento em que ressurge, essa temática continua carecendo
de aprofundamento e delimitação. No afã de abordar-se esse
tema, é necessário, primeiramente, lembrar que vários são os
agentes – pessoas e/ou entidades – partícipes, direta ou indi-
retamente, da prática da tradução literária e, por conseguinte,
de uma ética da tradução literária: autores, tradutores, editoras,
revisores, associações de tradutores, teóricos da tradução, leito-
res etc.1 Neste artigo, nossa atenção estará voltada basicamente
para aspectos de uma ética na tradução literária, na qual tomem
parte autores, tradutores, editoras, revisores, associações de
tradutores e teóricos da tradução. Para ilustrar de modo prático
essa discussão neste artigo, recorreremos a duas situações con-
cretas: a) exemplos extraídos de uma ação tradutória, a saber,
a tradução de um texto do autor suíço Peter K. Wehrli para o
Português, prevista para ser publicada em Maputo (Moçambi-
que); e b) alguns trechos da correspondência entre o tradutor
literário (doravante: TL) e o autor, a fim de se dirimirem dúvidas
surgidas durante o processo de tradução. Nosso objetivo é de-
monstrar, mediante uma prática tradutória real, como se pode
construir uma ética na tradução literária, de maneira específi-
ca, na interação entre autor e TL.

1
Essa lista certamente não está completa, mas é suficiente para os propósitos deste artigo.

11 2
ÉTICA NA TRADUÇÃO LITERÁRIA: TRADUTORES
LITERÁRIOS, ASSOCIAÇÕES DE TL E EDITORAS
No Brasil, não existe uma associação voltada para tradu-
tores editoriais em geral, nem para TLs em particular. Por isso,
abordaremos aqui, em primeiro lugar, dados do Conselho Eu-
ropeu das Associações de Tradutores Literários (CEATL).2 Em
seguida, destacaremos alguns aspectos referentes à Associação
Brasileira de Tradutores e Intérpretes (Abrates) e ao Sindicato
Nacional dos Tradutores (Sintra), entidades que congregam tra-
dutores e intérpretes de todas as subcategorias no Brasil.
Em seu portal, o CEATL exibe, dentre outros documentos
e informações, um guia de boas práticas com estes seis manda-
mentos de fair-play3 em tradução literária, adotados na Assem-
bleia-Geral do CEATL em 14 de maio de 2011:
1. Cessão de direitos. A cessão de direitos referente ao uso da
tradução será restrita, quanto ao prazo, a um máximo de
cinco anos, bem como aos limites e à duração da cessão dos
direitos da obra original. Os direitos cedidos serão detalha-
dos no contrato.
2. Remuneração. A remuneração pelo serviço de tradução ajus-
tado deverá ser justa, permitindo ao tradutor levar uma vida
decente e produzir uma tradução de boa qualidade literária.
3. Termos de pagamento. Ao assinar um contrato, o tradutor de-
verá receber um adiantamento de pelo menos um terço dos
honorários. O valor restante deverá ser pago, o mais tardar, no
momento da entrega da tradução.
4. Obrigação de publicação. O editor deverá publicar a tradução
observando o prazo estipulado no contrato, no máximo dois
anos após a entrega do manuscrito.
5. Participação nos direitos autorais. O tradutor terá direito a
uma participação justa nos direitos autorais para a explora-

2
CEATL – Conseil Européen des Associations de Traducteurs Littéraires/European Council
of Translators’ Associations. O CEATL, que foi criado em 1993, obedece à legislação belga e
congrega cerca de 35 associações de 30 diferentes países europeus.
3
Preferimos manter o termo fair-play no original, por ser muito conhecido no âmbito dos
esportes, mas salientamos aqui alguns de seus significados: jogo limpo, jogo justo, lisura.

11 3
ção de sua obra, sob qualquer que seja a forma, a partir do
primeiro exemplar.
6. Nome do tradutor. Na qualidade de autor da tradução, o tra-
dutor deverá ser nomeado onde quer que também o seja o au-
tor do original.4

Esse hexálogo se centra em cláusulas voltadas para sal-


vaguardas profissionais de TLs: cessão de direitos, remune-
ração, modalidades de pagamento, obrigação de publicação,
participação nos direitos autorais, obrigação do uso do nome
do tradutor. Trata, mormente, de aspectos – obviamente úteis
– da responsabilidade que cabe às partes num contrato, mas
não abre espaço para questões de uma ética na tradução literá-
ria (que abrange aspectos também subjetivos), e, sim, apenas,
da ética profissional (que se atém a critérios objetivos). Não se
pode negar a importância da ética profissional na condução dos
trâmites entre tradutores e editoras. Em 1997, Pym já abordava
o tema em epígrafe:
Já existem alguns princípios que visam a regular as relações
entre o tradutor e os atores que o rodeiam: tem-se responsa-
bilidade perante os clientes, autores, leitores e outros interme-
diários. Tais princípios são sempre normativos, prescritivos,
como os que se encontram nos códigos de ética, nas declara-
ções informais, nos manuais escolares. Regulamentar as rela-
ções de forma prescritiva significa, em primeiro lugar, deter-
minar o que os outros têm o direito de exigir do tradutor: fide-
lidade, precisão, rapidez, preços razoáveis, solidariedade com
os outros tradutores, respeito pelo sigilo profissional. Esses

4
No original: “Les Six Commandements du « fair-play » en traduction littéraire, adoptés par l’As-
semblée générale du CEATL le 14 mai 2011. 1. Cession de droit. La cession des droits encadrant
l’usage de l’œuvre traduite sera limitée dans le temps à un maximum de cinq ans ainsi qu’aux
limites et à la durée de la cession des droits de l’oeuvre originale. Les droits cédés seront détaillés
dans le contrat. 2. Rémunération. La rémunération pour l’oeuvre commandée sera équitable; elle
permettra au traducteur d’en vivre décemment et de rendre une traduction de bonne qualité litté-
raire. 3. Modalités de paiement. À la signature du contrat, le traducteur recevra un à-valoir sur la
rémunération d’au moins un tiers. Le solde lui sera versé au plus tard à la remise du manuscrit. 4.
Obligation de publication. L’éditeur publiera la traduction dans les délais fixés dans le contrat, au
plus tard deux ans après la remise du manuscrit. 5. Participation aux droits d’auteur. Le traducteur
aura droit à une participation équitable aux droits d’auteur pour l’exploitation de son oeuvre sous
quelque forme que ce soit, à partir du premier exemplaire. 6. Nom du traducteur. Auteur de la tra-
duction, le traducteur sera nommé partout où le sera l’auteur de l’original” (CEALT, 14 maio 2011).

11 4
princípios relacionais constituem uma espécie de pensamento
ético. Afirmam o que o tradutor deve e não deve fazer. Mas será
que o “tradutor”, assim sujeito às prescrições, é realmente res-
ponsável? (PYM, 1997, p. 68).5

Entre os critérios elencados por Pym, desponta, ao lado


de fatores mais técnicos e objetivos, um aspecto bastante sub-
jetivo: a questão da fidelidade. Justamente ela, que sempre foi
uma das forças motrizes que inspiraram tradutores, escritores,
filósofos etc., a estudar e escrever sobre métodos de traduzir.
Alguns dos estudiosos, como os já citados Cícero e Jerônimo,
mas também os franceses das Belles Infidèles, Goethe, Schleier-
macher etc., prescreveram/descreveram como deveria(m) ser
o(s) caminho(s) do traduzir. Por vezes, a controvérsia até ganha
novos nomes, mas ainda se produz em torno da (in)fidelidade
na tradução: tradução literal x tradução pelo sentido, tradução
estrangeirizante x tradução domesticadora, tradução x recria-
ção etc. Em muitos debates, abordam-se esses temas, amiúde,
sob o lema de uma “tradução de boa qualidade literária” (como
também o faz o CEATL na cláusula “Remuneração”), o que pode
estar sujeito a critérios subjetivos. É claro que se deve ressaltar a
importância das rubricas destacadas no hexálogo do CEATL, se
entendidas como um farol para clarear os caminhos de TLs em-
penhados em assinar um contrato de tradução com uma editora.
Mas também é preciso haver espaço, em associações de classe,
para debates sobre uma ética na tradução literária, sabendo que
esta não pode ser prescrita de uma forma única e abrangente.
No Brasil, é comum que TLs firmem um “Contrato de Ces-
são de Direitos Autorais sobre Tradução” (doravante: CT), em
que costumeiramente constam estes itens: a) Objeto; b) Prazo;
c) Condições de prestação do serviço; d) Preço e pagamento; e)

5
No original: “Il existe déjà quelques principes qui entendent régler les relations entre le traduc-
teur et les figures qui l’entourent : on est responsable devant les clients, les auteurs, les lecteurs,
les autres intermédiaires. De tels principes sont toujours normatifs, prescriptifs, comme ceux que
l’on trouve dans les codes de déontologie, les déclarations officieuses, les manuels scolaires. Régler
les relations de façon prescriptive, c’est d’abord déterminer ce que les autres ont le droit d’exiger
du traducteur : fidélité, exactitude, rapidité, tarifs raisonnables, solidarité à l’égard des autres tra-
ducteurs, respect du secret professionnel. Ces principes relationnels constituent une sorte de pensée
éthique. Ils disent ce que le traducteur doit faire et ne pas faire. Mais le “traducteur” ainsi soumis
aux prescriptions, est-il vraiment responsable?”

11 5
Uso e serviço; f) Regime empregatício; g) Direitos autorais; h)
Transferência e cessão de direitos; i) Rescisão; j) Penalidades; k)
Sucessão; l) Foro. Também há CTs em que se estipulam certas es-
tratégias de tradução: tradução de nomes de personagens, topô-
nimos, uso de notas do tradutor, tradução de índice onomástico
etc. Por ser um instrumento legal, antes de ser assinado, o CT
deve ser analisado a fundo pelo tradutor. No Brasil, raros são
os TLs que auferem algum lucro sobre um determinado núme-
ro de exemplares vendidos da obra traduzida. É comum que se
inclua, nos termos sobre a remuneração, algum parágrafo [úni-
co] desta natureza: “A remuneração paga, nos termos do caput
deste artigo, não se confunde nem se vincula aos direitos auto-
rais pagos ao autor da obra original”. Como forma de reforçar
a questão dos direitos autorais, muitas editoras ainda se valem
de cláusulas em que conste este tipo de observação: “A editora
está autorizada a promover a obra, parcial ou inteiramente, em
língua portuguesa, em território nacional ou em quaisquer paí-
ses, bem como reproduzi-la, publicá-la, exibi-la, distribuí-la e
comercializá-la, nos mais distintos formatos”. Também são de-
finidos os diferentes formatos que a obra traduzida poderá as-
sumir: livro impresso, CD-ROM, DVD, vídeo, formatos digitais,
formatos eletrônicos, e-book, audio-book, enhanced book, formatos
acessíveis Libras, Mecdaisy e Braille, e demais mecanismos de
publicação on-line. Os CTs ainda podem prever tantas reimpres-
sões da obra quantas necessárias, sem que caiba ao TL qualquer
pagamento extraordinário pela reprodução da tradução. As edi-
toras procuram garantir seus direitos, restando ao TL analisar
os termos e, conforme seu entendimento de ética profissional,
decidir se quer assinar o CT. Num jogo com regras frias, a atua-
ção das associações de classe é fundamental para a conquista de
mais direitos, tais como melhores honorários e mais reconheci-
mento como autores da tradução. E havendo uma associação de
classe específica de TLs, também lhe caberá promover um diálo-
go com os associados, visando a discussões sobre uma ética de
natureza mais subjetiva. É essa ética na tradução literária que
procuraremos explicitar com a ajuda de excertos da correspon-
dência entre PKW e seu TL, decorrente da tradução de alguns
textos do autor.

11 6
No Brasil, quase não há referências formais a direitos dos
TLs em documentos de associações profissionais de tradutores.
No portal do Sintra, há indicações de preços de referência e a
menção, no Artigo 10º, item c), aos Estatutos (SINTRA, s.d.) e
ao Código de Ética do Tradutor. Todavia, tal código se dirige a
tradutores e intérpretes em geral. Quanto à Abrates, seu portal
traz, nessa data,6 o seguinte destaque:
Há muito tempo algumas editoras vêm praticando uma apro-
priação indébita dos direitos autorais de tradutores – não ape-
nas da remuneração, mas sim do direito moral até que, por lei,
é inalienável. A partir da tradução de um livro esgotado publi-
cam uma “tradução” nova de Fulano de Tal, totalmente isenta
de direitos autorais…
A professora e tradutora Denise Botmann (sic!) conduz há al-
guns anos uma luta incessante contra essa prática, e tem con-
seguido se fazer ouvir pelas autoridades do Ministério da Cul-
tura. Nos dias 9 e 10 de novembro ela estará em um evento do
MinC em São Paulo, defendendo suas propostas.
A ABRATES dá pleno apoio às iniciativas de Denise Botmann.
Para conhecer melhor, ou para adesão, visite http://naogosto-
deplagio.blogspot.com/ (ABRATES, s.d.).

Conforme seu art. 1º, a Abrates é “uma entidade que con-


grega profissionais e instituições que operam na área da tradu-
ção e/ou da interpretação, em todas as suas modalidades, com
ênfase no idioma nacional”. Há algumas décadas, houve na
Abrates um grande engajamento em prol da tradução literária.
Em 1982, foi publicado um número especial da revista Tradução
& Comunicação, capitaneada pela Abrates e pela antiga Faculdade
Ibero-Americana de Letras e Ciências Humanas (FIA). O dossiê
foi o registro impresso de um ciclo de conferências intitulado A
tradução da grande obra literária, realizado no Rio de Janeiro entre
maio e junho de 1980 (ROCHA et al, 1982, p. VII), do qual par-
ticiparam Paulo Rónai, Geir Campos, Lêdo Ivo, Eliane Zagury,
Helena P. Cunha, Noel Delmare e Robert L. Scott-Buccleuch. O
prefácio ficou a cargo de Erwin Theodor. Na apresentação, ao

6
14 de junho de 2020.

11 7
destacar o início dos trabalhos “da nova editora”, Julio G. García
Morejón, pela FIA, frisou que “nada seria mais gratificante do
que homenagear a ABRATES com a publicação de uma série de
depoimentos” (ROCHA et al, 1982, p. VI) prestados por repre-
sentantes ilustres da literatura e da tradução literária no Brasil.
Waldívia M. Portinho, então presidente da Abrates, sublinhou
que “a valorização do tradutor foi a principal meta visada pela
ABRATES ao promover no Rio de Janeiro [...] o ciclo de confe-
rências [...] que deu origem a este livro” (ROCHA et al, 1982, p.
VI). Com o tempo, a Abrates ganhou um caráter mais sindical,
empenhando-se em causas de interesse do amplo espectro de
tradutores e intérpretes nacionais, sem dirigir-se apenas a um
determinado campo de atuação.
Na mesma publicação, Daniel da S. Rocha escreveu o ar-
tigo intitulado “Aspectos legais da tradução” (ROCHA et al, 1982,
p. 121-125), no qual destacou aspectos relativos à legislação en-
tão vigente no Brasil sobre direitos autorais (Lei nº 5.988, de
14 de dezembro de 1973). Nesse ínterim, essa lei foi revogada e
substituída pela Lei nº 9.610, de 19 de fevereiro de 1998 (BRASIL,
1998). Da atual lei, destacamos que seu art. 7º, ao definir o que
são obras protegidas, afirma: “São obras intelectuais protegidas
as criações do espírito, expressas por qualquer meio ou fixadas
em qualquer suporte, tangível ou intangível, conhecido ou que
se invente no futuro [...]”. Ao elencar os tipos de obras protegi-
das, a lei inclui, no item XIX do art. 7º, “as adaptações, tradu-
ções e outras transformações de obras originais, apresentadas
como criação intelectual nova”. No art. 14, define:
É titular de direitos de autor quem adapta, traduz, arranja ou
orquestra obra caída no domínio público, não podendo opor-se
a outra adaptação, arranjo, orquestração ou tradução, salvo se
for cópia da sua.

No art. 29, dispõe que “depende de autorização prévia e


expressa do autor a utilização da obra, por quaisquer modali-
dades” e apresenta um rol de obras, no qual se inclui “a tradu-
ção para qualquer idioma”. Na mesma Lei nº 9.610, o Capítu-
lo V é todo voltado para a questão da transferência dos direi-
tos de autor, que

11 8
poderão ser total ou parcialmente transferidos a terceiros, por
ele ou por seus sucessores, a título universal ou singular, [...]
por meio de licenciamento, concessão, cessão ou por outros
meios admitidos em Direito [...].

O tema dos direitos autorais – tanto do autor do origi-


nal, considerando-se, por exemplo, a duração dos direitos patri-
moniais, quanto do tradutor – insere-se, inequivocamente, na
questão específica de uma ética na tradução literária. Trata-se,
sem dúvida, de uma particularidade técnico-profissional com
impactos decisivos sobre as ações – de cunho subjetivo – criati-
vo-tradutórias de TLs. No caso específico brasileiro, uma enti-
dade de classe que congregasse os TLs decerto contribuiria para
um debate sobre essas questões.
Na interface entre tradutores e editoras, abordar o tema
da ética na tradução literária se vincula diretamente ao com-
bate ao plágio e à utilização indevida da autoria de traduções.
Nesse contexto, saliente-se o trabalho da historiadora Denise
Bottmann, (re)conhecida não apenas como tradutora literária,
mas também como pesquisadora e defensora de uma ética na
tradução literária. Em postagem feita em seu blog no dia 25 de
maio de 2010,7 Bottmann traz uma lista de cotejos de tradu-
ções e originais:
segue-se a relação de cotejos publicados no nãogostodeplágio.
clique no nome da obra para ver a comparação entre a tradução
legítima e a tradução espúria. os posts trazem exemplos de al-
guns parágrafos, a título ilustrativo, de extensos cotejos feitos
entre as traduções, com outras traduções e/ou com o original
(BOTTMANN, 25 maio 2010).

Com suas pesquisas, Bottmann chama a atenção de TLs,


leitores, editores e demais interessados para a questão específi-
ca dos direitos dos TLs, um tema que durante muito tempo foi
relegado a segundo plano ou simplesmente ignorado. Em seu
blog, também traz uma rubrica intitulada “(anti)referências”,
assim explicada pela própria pesquisadora: “as obras estão clas-

7
No dia da consulta, 14 de junho de 2020, a lista apresentava atualizações até o dia 20
de abril de 2016.

11 9
sificadas por editoras, e entre parênteses constam os nomes a
que vem indevidamente atribuída a autoria das traduções, em
verdade da autoria de terceiros esbulhados” (BOTTMANN, 09
dez. 2009). O blog também contém uma lista intitulada “espolia-
dos” referente às pessoas cujas “traduções, notas, introduções”
(BOTTMANN, 08 jul. 2010) foram surrupiadas. Noutra posta-
gem, iniciada em 1º de janeiro de 2009 e intitulada “os nomes”,
Bottmann explica:
seguem abaixo os nomes aos quais foram indevidamente atri-
buídos os créditos de tradução constantes nas obras impressas
e nos cadastros da fbn [Fundação Biblioteca Nacional], con-
forme apontam os cotejos presentes neste blog (BOTTMANN,
01 jan. 2009).

Ao exibir uma extensa lista de links relacionados a “no-


tícias, artigos e comentários em jornais, sites e blogs sobre os
plágios de tradução e correlatos” (BOTTMANN, 04 jul. 2009), a
pesquisadora também apresenta uma fonte de informações so-
bre investigações feitas pelo Ministério Público sobre plágios de
traduções literárias.

A CONSTRUÇÃO DE UMA ÉTICA NA TRADUÇÃO


LITERÁRIA ENTRE AUTOR E TRADUTOR
Para muitos TLs, não é possível estabelecer quaisquer
contatos com os autores dos originais. Veem-se à mercê das
dificuldades existentes nos textos e somente podem recorrer
a comentadores, críticos literários, resenhas, estudos sobre os
autores, as obras e épocas. No caso de autores da Antiguidade
Clássica, a situação é ainda mais complexa. A possibilidade de
um contato entre autor e tradutor pode gerar bons frutos, como
atestam as cartas trocadas entre Guimarães Rosa e seu tradutor
alemão, Curt Meyer-Clason (ROSA, 2003a), e seu tradutor ita-
liano, Edoardo Bizarri (ROSA, 2003b). A seguir, mostraremos,
com base em alguns exemplos, como o contato entre autor e tra-
dutor pode deslindar dúvidas, evitar equívocos, esclarecer tre-
chos obscuros, aclarar neologismos e metáforas, compartilhar

120
experiências interculturais etc. A correspondência entre esses
dois atores, hoje facilitada pelas mídias digitais, contribui para
a recriação da obra literária de uma cultura estrangeira em ou-
tra. A disponibilidade de ambos para um contato desse porte
tem como base precípua uma ética que não só é profissional,
mas interpessoal, pois entrarão em jogo, com o trabalho artísti-
co-intelectual, as subjetividades de cada lado.
No caso específico aqui abordado, temos a seguinte situa-
ção: um escritor suíço de língua alemã, um tradutor brasilei-
ro domiciliado em Fortaleza, Brasil, e uma tradução literária a
ser publicada em Maputo (Moçambique). O escritor é Peter K.
Wehrli (doravante: PKW), jornalista e cineasta suíço com for-
mação em História da Arte; viajou por diversos países e se no-
tabilizou, sobremaneira, por fotografar o mundo – sem câmera
fotográfica – com palavras, produzindo pequenos textos-flash
ou instantâneos escritos sobre outras línguas e culturas. Seus
textos têm características bem particulares quanto à sintaxe, à
semântica, ao estilo, a recursos sinestésicos, aliterações, asso-
nâncias etc. Publica seus textos em forma de “catálogos”: há o
Katalog von Allem [Catálogo de Tudo] (1999; 2008), mas também
Der brasilianische Katalog [O Catálogo Brasileiro] (2000), Der neue
brasilianische Katalog [O Novo Catálogo Brasileiro] (2006), Der ce-
arensische Katalog [O Catálogo Cearense] (2003), El Catálogo Lati-
noamericano [O Catálogo Latino-Americano] (2005) etc. Escreveu
uma série de textos em prosa e produziu vários programas para
a TV suíça. Em 2016, esteve no Brasil para lançar o filme “Entre
Culturas – Julia Mann”, de que foi roteirista. O documentário,
produzido pela TV suíça, conta a vida da mãe de Thomas e Hein-
rich Mann, nascida em Paraty.
As reflexões a seguir serão feitas com base em excertos
originais e as respectivas traduções8 de um texto ainda inédito
em língua portuguesa,9 intitulado Der Mosambikanische Katalog

8
As traduções foram todas feitas pelo autor deste artigo, que já traduziu outros trabalhos
do escritor suíço. PKW tem o Alemão como língua materna e domina diversas línguas, in-
clusive o Português.
9
PKW autorizou a publicação de excertos na redação deste artigo.

1 21
[O Catálogo Moçambicano], que reúne uma série de números10
sobre situações vividas por PKW naquele país.

A CORRESPONDÊNCIA VIA CORREIO ELETRÔNICO


Essa não foi a primeira vez em que PKW e seu tradutor
brasileiro, que se conheceram pessoalmente em 2003, trocaram
mensagens eletrônicas sobre uma tradução. Em 2016, PKW pu-
blicou em Maputo um livro intitulado O quadrado e os cinco temas
(WEHRLI, 2016), uma tradução que gerou muitas discussões
bastante profícuas entre os dois. O livro traz um ensaio sobre
o “Cabaret Voltaire”, centro do dadaísmo na Zurique do início
do século XX. As alusões à cidade ensejaram o início da corres-
pondência (ROMÃO, 2013). A seguir, traremos alguns números
originais do Catálogo Moçambicano, acompanhados da tradução
e da respectiva troca de ideias entre TL e autor.

Aspectos formais e estruturais do


gênero textual “número de catálogo”

1482. das Gerumpel,


die Gewohnheit der Mosambikaner, in der Bezeichnung für alles, was
sich bewegt, immer auch mitzuformulieren, wie es sich bewegt (und so
in den Namen gleich das Gerumpel des ganzen Strassenverkehrs mit-
klingen zu lassen),

1482a. diese Gewohnheit, die mich nun veranlasst zu dem in Nummer


1478 erwähnten Machimbombo auch die Strassenbahn zu erwäh-
nen, die Gâ-Galhâ-Galhâ heisst und das Motorrad, das man hier
Xitututo nennt.11

10
Em seus catálogos, cada um dos textos é apresentado com uma entrada numerada,
um Katalognummer.
11
Os trechos citados vêm sem referências, pois os originais foram entregues pelo autor dire-
tamente ao tradutor sem uma publicação prévia em Alemão. Provavelmente farão parte,
em algum momento, de uma edição atualizada do Katalog von Allem [Catálogo de Tudo].
Quanto à edição moçambicana, ela ainda está sendo negociada com um editor suíço esta-
belecido em Maputo.

122
Os dois “números” acima mostram como se constituem
a estética e a estrutura desse gênero textual desenvolvido por
PKW. Em primeiro lugar, vem uma numeração que remete ao
Katalog von Allem [Catálogo de Tudo], seguida – ou não – de um
título. Em geral, os “números” são iniciados por um artigo de-
finido, um pronome possessivo ou um demonstrativo, a menos
que as primeiras palavras sejam citação do discurso de uma ter-
ceira pessoa. Em seguida, surge um substantivo cujo conteúdo
imediatamente é ampliado por uma oração relativa e/ou por
um encadeamento de orações subordinadas de qualquer tipo.
Quando o “número” tem uma sequência sobre o mesmo tema,
normalmente a numeração é a mesma, mas acompanhada da
respectiva letra do alfabeto como forma de enumeração. Nesses
casos, é comum não haver um novo título. A letra minúscula no
início de cada texto opõe-se ao que regularmente aparece no iní-
cio de um texto formal em Alemão. Por outro lado, PKW segue a
regra ortográfica da língua alemã que determina que todo subs-
tantivo – comum ou próprio – se escreve com inicial maiúscu-
la, aplicando-a, como em geral ocorre, inclusive, a substantivos
estrangeiros. Um primeiro desafio do TL que queira ser ético na
reprodução literária de PKW é entender, num sentido berma-
niano (BERMAN, 1999), ou seja, “ao pé da letra”, esses procedi-
mentos singulares recém-descritos como uma característica do
gênero textual e literário próprio do autor. O segundo desafio é
retextualizá-los no seio de uma outra língua-cultura. A bem da
verdade, os dois “números” acima elencados não geraram dúvi-
das que motivassem alguma indagação do tradutor ao escritor.
Servem, aqui, para demonstrar a estética, a construção frasal
e o ritmo normalmente encontrado nesse gênero textual típi-
co de PKW. Veja-se, agora, um cotejo desses trechos originais
com os traduzidos:
1482. os solavancos
o costume dos moçambicanos, ao designarem tudo o que se
movimenta, de sempre incluir o modo como as coisas movi-
mentam-se (e assim fazerem soar, já a partir do nome, os sola-
vancos de todo o tráfego urbano),

123
1482a. esse costume que agora me leva a mencionar, além do
já citado machimbombo no número 1478, também o carro eléc-
trico, que tem como nome gã-galhã-galhã, e a motocicleta, que
chamam de xitututo.

Como serão publicados em Moçambique, os textos ali de-


verão chegar às mãos do editor e do revisor, pelo menos, numa
ortografia e num vocabulário condizente com a norma lusitana.
Isso foi acertado entre as partes. Mas, sempre que possível, o
TL também deveria estar atento a especificidades vernaculares
daquele país. Se elaborar o texto em Português obedecendo à or-
tografia europeia não é tarefa das mais difíceis, o cuidado com
o vocabulário moçambicano já requer atenção redobrada. Isso
ocorre especialmente porque o autor utiliza, com frequência,
termos moçambicanos que precisam ser comprovados, pois o
tradutor precisa ter certeza de que a grafia está correta. Afinal
de contas, o que era estrangeirismo no texto em Alemão passa-
rá a ser vocabulário corrente em Português para o público mo-
çambicano. Ademais, é normal que o erro na língua de chegada,
muitas vezes, seja atribuído ao TL. Em sua tradução, o TL em-
pregou a mesma técnica de iniciar os trechos com letra inicial
minúscula, por reconhecê-la como um traço estilístico do autor.
Ao verificar a menção dos vocábulos machimbombo (ônibus) gã-
-galhã-galhã (bonde) e xitututo (motocicleta), o TL tratou de cer-
tificar-se de sua existência em contextos concretos e de sua cor-
reta grafia, pois precisavam ser mantidos na forma moçambica-
na original. Assim agindo, o TL evitou o risco de cometer lapsos.

Ética conjunta entre autor, tradutor e revisor

1499. der Kochherd


„… unglaublich, dass Klänge gleichzeitig lieblich und schrill
sein können“, diese meine erstaunte Bemerkung beim Anhö-
ren der Tindila-Klange, auf die Hans Schilt mit dem Einwurf
reagierte: „…aber nicht mehr lange!“

1 24
1499a. und der Zusammenhang zwischen beiden Feststellun-
gen, der nur dadurch gegeben ist, dass die Njenje-Bäume, aus
denen man die Tindilas fertigt, mittlerweile fast alle abgeholzt
sind, aber nicht wie ich meinte – aus Liebe zur Musik, son-
dern, weil das Holz, das so unvergleichlich lieblich und schrill
klingt (wenn man darauf schlägt), die am längsten glühende
Holzkohle für den Kochherd ergibt.

1499. o fogão da cozinha


“... incrível como sons podem ser ao mesmo tempo fascinan-
tes e também estridentes”, essa minha observação espantada ao
ouvir os sons da tindila, que fez Hans Schilt reagir exclaman-
do: “...mas isso não vai demorar muito!”

1499a. e a relação entre ambas as constatações, que somente se


dá porque as njenje, cuja madeira serve para fabricar as tindi-
las, já estão quase todas abatidas, mas não como eu acredita –
por amor à música, mas porque da madeira que soa tão incom-
paravelmente fascinante e também estridente (ao se bater nela)
obtém-se o carvão vegetal, cuja brasa resiste por mais tempo
no fogão da cozinha.

O primeiro “número” não começa com artigo definido


nem pronome possessivo ou demonstrativo, porque PKW traz
uma observação feita por uma outra pessoa. O TL teve duas dú-
vidas na grafia de duas palavras que supostamente são do reper-
tório moçambicano: tindila, que surge duas vezes, e njenje. Após
verificar as palavras supostamente moçambicanas, o TL expli-
cou a PKW não ter encontrado um instrumento com o nome
tindila, mas mbila (singular) e tindila (plural). O autor respondeu
que foi um erro de digitação, e a denominação correta é timbila,
plural de mbila, uma espécie de xilofone de madeira. A segun-
da palavra concernia ao nome de árvores (njenje) que, durante
a pesquisa do TL, não foi encontrado. Todavia, o TL deparou-se
com um texto num blog moçambicano em que estava escrito: “A
timbila, obra-prima e património cultural da humanidade, está
em risco de desaparecer porque o mwenje, árvore que fornece a
madeira para produzir a timbila, está em extinção” (MANJATE,
07 set. 2010). PKW respondeu que não tinha certeza da grafia

125
correta, e que talvez existam diferentes denominações regio-
nais, mas que a decisão ficaria a cargo do revisor/editor. Em res-
posta, o TL afirmou que deixaria o termo encontrado no original
e aguardaria a decisão a ser tomada em Maputo.
Os excertos acima mostram como o trabalho do revisor e
do editor serão decisivos para se resolverem os casos de termos
tipicamente moçambicanos, que por acaso escapem tanto ao
autor, quanto ao TL. Monta-se, assim, uma cadeia de trabalho
baseada numa ética que visa à reprodução de uma obra literária
estrangeira numa outra língua-cultura.

Nem “ao pé da letra” nem “etnocêntrico”

1504. die Flaggen


die in allen (fast schon festlichen) Farben flatternden Fahnen
aus Plastik, welche die Händler an langen Stangen über den
Schultern durch das Marktgewühl von Xicelé tragen mit Ru-
fen, die nicht die Nation, die Provinz, den Club oder den Verein
benennen, deren Flaggen sie über allen Köpfen flattern lassen,
sondern das Produkt, das sie so lauthals zum Kauf anbieten:
farbige Plastiktüten.

Ao ler o trecho acima em voz alta, o TL percebeu a alitera-


ção, com a repetição do “f ”, em palavras da primeira frase: “die
in allen (fast schon festlichen) Farben flatternden Fahnen aus
Plastik”. Atentou, sobretudo, para o significado concreto desses
vocábulos, pois, traduzidos literalmente, significariam: “as ban-
deiras de plástico em todas as cores (quase já festivas)”. A alite-
ração remete ao vento que certamente faz as bandeiras farfa-
lharem. Logo se deu conta de que uma tradução “ao pé da letra”
não traria o mesmo resultado, pois a palavra central – bandei-
ra – começa com uma consoante oclusiva, quando ali se exigia
uma fricativa. Farbe (“cor” ou “tinta”) seria um outro problema;
o mesmo problema valia para fast (“quase”). Quanto ao adjetivo
flatternd, formado a partir do verbo flattern (“tremular”, “revolu-
tear”, “esvoaçar”), seria possível utilizar flutuar [ao vento] ou far-
falhar. A palavra festlich não causaria tanto problema, pois tanto

126
significa solene, quanto festivo. O TL propôs trocar “bandeira” por
“flâmula”, pois, além de garantir a consoante fricativa inicial, o
sentido não sofreria grande mudança. Também ponderou que,
se a tradução de “fast” (quase) era um problema, o texto original
também trazia a palavra schon (“já”), que não trazia uma con-
soante fricativa inicial. A saída seria realizar pequenas mu-
danças de sentido, na tentativa de manter o jogo da aliteração.
Em vez de “plástico”, o TL propôs “formas flexíveis”, ganhando
mais fricativas. Em vez de apenas usar a palavra “cor”, optou por
“fontes de cor”. O vocábulo “vento” também traz uma consoante
fricativa, embora vozeada, e ajuda a manter os sons desejados.
Eis a proposta:
1504. as flâmulas
as flâmulas de forma flexível, infinitas fontes de cor (feições
quase festivas) farfalhando ao vento, que na algazarra da fei-
ra de Xicelé os vendedores portam em longas hastes apoiadas
nos ombros, a bradarem gritos que não nomeiam a nação, a
província, o clube ou a equipa das bandeiras que fazem flutuar
por sobre as cabeças de todos, mas o produto que apregoam a
plenos pulmões: sacolas plásticas coloridas.

PKW mostrou-se visivelmente grato pela percepção da


aliteração e feliz com o resultado. Em nenhum momento, con-
testou as leves mudanças de sentido. A estratégia de tradução
aqui empregada, por fugir a uma tradução literal, não pode,
pura e simplesmente, ser tachada de etnocêntrica, devendo ser
entendida, como preferimos ver, apenas como recriação lite-
rária. Poder compartilhar esses problemas com o autor e dele
receber um aval faz parte da busca de uma ética na tradução li-
terária. É exercer a responsabilidade profissional de um TL que
não está preocupado apenas com os caracteres que precisa so-
mar para alcançar o honorário, mas também com a qualidade
estética da tradução.

1 27
Neger, Schwarzer, negro, negro, preto etc.
e suas (não) correspondências

No número 1.512 do Catálogo Moçambicano, PKW apresen-


ta um texto em que surgem os vocábulos Neger e Schwarzer, que
inevitavelmente trouxeram uma questão que, na realidade, des-
pertou a possível existência de problemas linguístico-culturais
entre as diferentes culturas envolvidas: a suíço-alemã, a brasi-
leira e a moçambicana. Vê-se o tradutor diante de um problema
não só de caráter translativo, mas também de natureza ética no
que tange à escolha dos termos correspondentes que deverão
estar no texto de chegada em língua portuguesa para o público
moçambicano. Vejamos o trecho original:
1512. die Hemmung
meine irritierende Hemmung, das Wort „Neger“ auszuspre-
chen, die auch dann nicht schwand, als ich merkte, dass ich
hier in einem jener Länder bin, in denen sich die Schwarzen
selber – und mit Stolz – Neger nennen,

1512a. diese Hemmung, die sich weiter verhärtete auch nach-


dem mich der schwarze Pedro vorwurfsvoll gefragt hatte:
„Meinen Sie die Situation der Neger dadurch zu verbessern, dass Sie
sie Schwarze nennen?“

Perante esses dois números, o TL precisou refletir sobre


o peso das palavras Neger e Schwarzer, assim como sobre suas
potenciais correspondências por meio dos vocábulos “negro”
(em sentido “neutro”, ou seja, como expressão que designa a ori-
gem étnica de pessoas de pele negra) ou “preto”, termo que, no
Brasil, pode apresentar-se como concorrente. Não raro, vemos
afirmações do tipo “preto é cor, negro é raça” (SILVA JR., 21 dez.
2002), ao passo que o IBGE, por sua vez, usa uma classificação
que abrange cinco categorias étnico-raciais:
Em 2000, encontram-se, novamente, as cinco categorias atual-
mente utilizadas nas pesquisas, pela ordem em que figuram no
questionário – branca, preta, amarela, parda e indígena – as
quais também constam no Censo Demográfico 2010 (PETRUC-
CELLI; SABOIA, 2013).

128
Porém, essas discussões feitas no Brasil talvez não coin-
cidam com os debates em Moçambique, onde se discutem, por
exemplo, questões relacionadas a termos referentes aos india-
nos, que também têm pele escura.12 Em suas elucubrações, o
TL relatou ao autor a dificuldade de trazer para o Português a
nuança atualmente existente entre Neger e Schwarzer. O próprio
dicionário da língua alemã DUDEN traz uma explicação sobre o
tom pejorativo e discriminatório que o vocábulo Neger assumiu
ao longo do tempo (NEGER, s.d.). Já Schwarzer é um termo neu-
tro. Eis a proposta:
1512. o embaraço
o meu desconcertante embaraço ao pronunciar a palavra “ne-
gro”, pejorativa na forma alemã “Neger”, que também não di-
minuiu quando percebi que estou num país onde os próprios
negros – cheios de orgulho – chamam a si mesmos negros,

1512a. esse embaraço que ficou ainda mais grave após o negro
Pedro perguntar-me num tom repreensivo: “O senhor acha que
vai melhorar a situação dos negros chamando-os de outra forma?”

Observe-se que o TL optou por uma tradução explicativa


ao escrever “negro” na primeira frase do número 1.512, deixan-
do claro que há diferenças entre as palavras “negro” e “Neger”,
afinal de contas, o termo alemão é usado apenas em contextos
pejorativos. Quanto à última frase do número 1.512a, o TL ten-
tou superar o desafio de traduzir Schwarze (no plural), evitando
pôr uma palavra que denotasse cor (“de outra forma”). Em sua
resposta, PKW afirmou que aguardará a decisão do editor.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Como tentamos demonstrar neste artigo, estabelecer
uma ética na tradução literária vai além da busca por uma mera

12
Cf. Ribeiro (2012): “A melhor forma de se categorizar o objecto de atitude ‘mulato’ é as-
sociá-lo a outros segmentos raciais próximos, concretamente aos ‘monhés’, ‘baneanes’
ou ‘canecos’ (os ditos ‘indianos’). Face a um arco-íris de cores de pele que permitiria, em
Moçambique, constituir uma fronteira ampla e de muito difícil definição entre o negro e o
branco, torna-se inviável o recurso a categorizações rígidas”.

1 29
ética profissional baseada apenas nos aspectos objetivos – e ex-
tremamente necessários – que amparam a carreira profissional
de TLs. Dentre esses aspectos fundamentais, destacam-se, a
título de exemplo, a atuação de associações de classe que en-
videm esforços visando à melhoria das negociações de contra-
tos junto às editoras. Essas mesmas associações também têm
um papel importante como estimuladoras de mudanças – se e
quando necessárias – nos instrumentos legais que regem, por
exemplo, os direitos autorais de tradutores. Mediante os exem-
plos aqui mostrados, também se pôde demonstrar como uma
interação – quando possível – entre autor e TL se revela uma
fonte geradora de ética na tradução literária, ao envolver esses
dois atores. Viu-se, outrossim, que esse intercâmbio de ideias
também abrangeu a editora e o revisor, e que todos continuam
a trabalhar em prol de um texto traduzido que, conforme as di-
versas necessidades despertadas em seu bojo, possa atender aos
imperativos da língua-cultura de partida, mas igualmente não
perca de vista seu alvo agora principal: o público-alvo formado
pelos leitores moçambicanos.
Apontamos, aqui, para um ponto em que se cruzam dois
grupos de aspectos essenciais para a construção de uma ética na
tradução literária: há, por um lado, aspectos objetivos e técnicos
que abrangem cláusulas contratuais, artigos de lei sobre direitos
autorais, guias de boas práticas etc.; e, por outro, há aspectos de
natureza subjetiva e pessoais, tais como o respeito ao estilo pró-
prio do autor, aos detalhes estéticos, às aliterações, assonâncias,
ao gênero textual e/ou literário concebido pelo autor etc., iden-
tificados no texto-fonte, bem como a preocupação com o valor
que determinados termos assumem nesta ou naquela cultura.
Certamente, é no ponto em que esses dois feixes de aspectos ob-
jetivos e subjetivos se cruzam que se pode pensar a construção
de uma ética na tradução literária. Mas de sua construção, como
demonstramos, certamente não faz parte apenas o tradutor.

130
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1 32
DICIONÁRIOS BILÍNGUES
PORTUGUÊS-ALEMÃO: DESDOBRAMENTOS
DE UM PROJETO DE TRADUÇÃO EM
PROJETO LEXICOGRÁFICO

M AG A L I D O S S A N TO S M O U R A ( U E R J )
E B A L S A N T ’A N N A B O L A C I O F I L H O ( U F F )

RESUMO
Este artigo pretende apresentar brevemente o histórico
de um projeto de tradução em Letras Português-Alemão na Uerj
e mostrar seus desdobramentos atuais, destacando o entrecru-
zamento dos estudos culturais com os lexicográficos. Após um
panorama dos dicionários bilíngues Português-Alemão, são
discutidas duas obras do século XIX e sua importância para a
tradução de obras em Alemão daquele século e mesmo de perío-
dos anteriores, apresentando, então, o projeto de digitalização
dessas obras ora em curso.
Palavras-chave: Tradução Literária; Lexicografia Bilíngue;
Literatura Alemã.

ZUSAMMENFASSUNG
Der vorliegende Artikel möchte ein Übersetzungsprojekt
und dessen aktuelle Weiterentwicklungen vorstellen und dabei
die Verflechtung der Kulturwissenschaften mit der Lexikogra-
phie hervorheben. Nach einem Panorama der Lexikographie

133
Deutsch-Portugiesisch werden zwei Wörterbücher aus dem
XIX. Jahrhundert und deren Wichtigkeit für die Übersetzung
von älteren Werken näher diskutiert. Anschließend wird das
Digitalisierungsprojekt jener Werke präsentiert.
Schlüsselwörter: Literarische Übersetzung; zweisprachige;
Lexikographie; Deutsche Literatur.

PROJETO VICE-VERSA: TRADUÇÃO E


INTERCULTURALIDADE
O Projeto Vice-Versa: Relações Interculturais na Prática,
desenvolvido na Uerj pelos autores deste artigo e cujos desdo-
bramentos serão descritos e discutidos aqui posteriormente,
é um programa de cunho extensionista que teve seu início em
2013 e contou inicialmente com a participação de estudantes de
graduação da habilitação Português-Alemão da Uerj, bem como
docentes e discentes de duas universidades alemãs (Friedrich
Schiller Universität-Jena e Universität zu Köln).1
Primeiramente, o projeto foi pensado para suprir uma la-
cuna na formação dos alunos de graduação do curso Português-
-Alemão da Uerj, em relação ao exercício da prática tradutória.
Somado a isso, havia o interesse dos professores do programa
em estabelecer pesquisas nas quais se vinculam os estudos de
tradução com os estudos culturais; assim, nasceu o projeto,
cujo objetivo principal se configura não apenas pela tradução
de textos de língua alemã, mas, sobretudo, pela visão de que o
exercício da tradução deve ser interpretado como uma prática
de mediação de culturas. Esse norteamento está em consonân-
cia com a tipologia dos textos escolhidos como primeiro objeto
de tradução por serem representativos da cultura alemã. Tra-

1
O Projeto Vice-Versa já foi descrito em duas publicações, Bolacio Filho e Moura (2016) e
Bolacio Filho e Moura (2018), bem como seus possíveis desdobramentos para o ensino de
língua alemã em Bolacio Filho e Stanke (2014) e Stanke e Moura (2015). Além disso, como
resultados concretos do trabalho realizado por docentes e discentes, foram publicados
dois volumes bilíngues com uma seleta das lendas: edição bilíngue em Moura e Bolacio
Filho (2014) e edição bilíngue com notas e comentários em Moura e Bolacio Filho (2017).

1 34
ta-se das “Lendas alemãs” (Deutsche Sagen), coligidas pelos Ir-
mãos Grimm tanto por meio da recolha de testemunhos orais
(91 lendas), quanto de pesquisa em livros naquela época já con-
siderados centenários (494 textos) e já distantes da memória
cultural de então. A coletânea, que foi editada em dois volumes,
sendo o primeiro no ano de 1816 e o segundo em 1818, encon-
trava-se ainda inédita no meio cultural dos falantes de língua
portuguesa. Ela descortina um imaginário até então desconhe-
cido, pois apenas a coletânea dos Contos maravilhosos para crian-
ças e domésticos (Kinder – und Hausmärchen) foi traduzida e conta
com dezenas de edições e traduções distintas tanto no Brasil,
quanto em Portugal.
Tomando como objeto do trabalho um tipo de texto que
é tido como uma das “formas simples”, conforme estabelecido
por André Jolles (1976), o trabalho começou com uma questão
de tradução que refletirá a complexidade do tema escolhido.
Como subtítulo do livro, encontramos em alemão Einfache For-
men: Legende, Sage, Mythe, Rätsel, Spruch, Kasus, Memorabile, Mär-
chen, Witz, que foram traduzidos por Álvaro Cabral, tradutor
indicado na edição brasileira, como Formas simples: legenda, saga,
mito, adivinha, ditado, caso, memorável, conto, chiste. Em relação a
duas palavras, a tradução mereceria ser atualizada. A primei-
ra observação diz respeito ao vocábulo Märchen, que vem sendo
traduzido atualmente para o Português como “conto maravi-
lhoso”, expressão que intenta privilegiar a origem do termo ao
designar textos em prosa que contêm histórias com ações que
se subtraem da ordem do cotidiano, plenas de acontecimentos
extraordinários. A tradução brasileira, ao reduzir a um vocábu-
lo, parece privilegiar apenas a forma do texto, não abarcando,
contudo, a especialidade de seu conteúdo com textos plenos de
imaginação. O composto usado em traduções hodiernas pro-
cura distinguir-se de uma usual transposição para “contos de
fadas”, termo cunhado por Marie-Catherine d’Aulnoy, no fim do
século XVII, como título de um de seus livros, Les Contes des Fées
(1698). A partir de então, o termo “contos de fadas” é usado de
modo geral ao referir-se a narrativas de origem popular, quer
contenham ou não fadas em seu enredo. Além do Francês, al-

135
gumas outras línguas se valem desse composto como tradução
para o Märchen Alemão, como, por exemplo, cuento de hadas (Es-
panhol) e fairy tales (Inglês). Em consonância com a escolha do
tradutor de Jolles, podemos citar a edição feita por Monteiro Lo-
bato, como tradutor de algumas narrativas, intitulada Contos de
Grimm (1958). A reedição do título em 2020 em dois livros distin-
tos acaba por manter os dois termos. Assim, temos em um dos
livros recém-reeditados, 10 contos maravilhosos dos irmãos Grimm,
e, no outro, uma coletânea de três autores, Grimm, Perrault
e Andersen, O livro de ouro dos contos de fadas (LOBATO, 2020a;
2020b). Desta forma, o livro de Jolles, basilar para o estudo for-
mal das narrativas populares, apresenta o vocábulo ‘saga’ em sua
tradução brasileira como correspondente para o termo alemão
Sage, que é caracterizado em seu livro de forma pertinente com
o que se entende no Brasil por uma saga, em associação direta
com aventuras de cavaleiros ou heróis, ou seja, um gênero nar-
rativo que possui um caráter eminentemente épico, cujo efeito
é o da formação de uma certa identidade entre aqueles que se
encontram circunscritos ao mesmo espaço linguístico, contri-
buindo para a constituição de elos socioculturais por meio de
uma memória coletiva (JOLLES, 1999).
Entretanto, o livro intitulado pelos Irmãos Grimm como
Deutsche Sagen oferece uma coletânea de narrativas que abarcam
não só o gênero das sagas, como também um outro tipo, não
contido no livro de Jolles: as lendas, que são, por sua vez, bas-
tante próximas, em termos de gênero e estilo, às lendas brasi-
leiras. Nesse sentido, já na questão da escolha da tradução do
título, o trabalho foi direcionado para uma comparação com
traduções em outras línguas para que se pudesse ampliar as op-
ções tradutórias. Nesse ponto, deparamo-nos com a dificuldade
em função do fato de que o livro fora editado em pouquíssimas
línguas e com traduções recentes. Em Francês, a única tradu-
ção contemporânea aos Irmãos Grimm, a obra foi intitulada Les
veillées allemandes. Chroniques, contes, traditions et croyance popu-
laires (1838); em Inglês, The German Legends (1981) e em Espanhol,
Leyendas Alemanes (2000). Como se pode notar, com exceção da
antiga tradução francesa, que optou pelo vocábulo veillée (vigí-

136
lia),2 as outras traduções existentes se valem de vocábulos que
se assemelham à palavra ‘legenda’ em Português e que também
se referem a uma forma simples de narrativa. Todavia, nessa
forma narrativa prevalece a descrição de eventos relacionados à
vida de santos ou de ações religiosas exemplares, configurando
o que Jolles classifica como o “mundo da imitatio” (Welt der imita-
tio; JOLLES, 1999, p. 39). Não constatamos, no entanto, nenhuma
narrativa inclusa na coletânea estabelecida pelos Irmãos Grimm
que justificasse tal escolha, ‘legenda’, para o Português e, assim,
decidiu-se pelo uso do vocábulo ‘lendas’ que é a tradução mais
usual para o termo legends ou leyendas, e que nos pareceu mais
condizente com o conteúdo narrado, tendo essa opção encon-
trado suporte teórico nos estudos literários:
Originalmente, a palavra designava histórias de santos, mas
o sentido estendeu-se para significar uma história ou tradi-
ção oriunda de tempos imemoriais e popularmente aceita
como verdade. É aplicada hodiernamente a histórias fanta-
siosas ligadas a pessoas verdadeiras, acontecimentos ou luga-
res (GOÉS, 2009).

Além disso, cumpre ainda salientar que as características


desse tipo de narrativa – as lendas –, conforme descrito acima,
não se encontram descritas no livro de Jolles como pertencen-
te ao estilo de uma saga (Sage), nem mesmo em qualquer outro
dos tipos ali relacionados. Ou seja, o que entendemos por len-
das, embora sendo uma forma simples, por ser da tradição oral,
parece não ter sido contemplado em sua descrição no seminal
trabalho de Jolles. Portanto, embora o livro editado pelos Irmãos
Grimm (bem como outras coletâneas da época) tenha sido de-
nominado assim, as narrativas ali contidas de Deutsche Sagen
apenas em parte se coadunam com o que foi ali designado como
saga. Apenas as histórias que se encontram na segunda parte da
coletânea e que integram as chamadas Historische Sagen podem
ser entendidas como relatos similares às sagas, muito embora
a pequena extensão dos textos e a variedade de heróis ou per-

2
Vale mencionar o uso recente em língua francesa do vocábulo légende como tradução mais
geral para Sage em Alemão.

137
sonagens históricos não se assemelhem ao texto exemplar de
uma saga, como a Edda, por exemplo. Nesse sentido, manteve-
-se apenas a designação ‘lendas’ para o conjunto das narrativas,
ainda mais por não termos selecionado, nas edições publicadas
no âmbito de nosso projeto, pouquíssimas narrativas que pode-
riam assemelhar-se a uma saga. E, assim, iniciou-se o trabalho
com as lendas alemãs, transformando-as em objeto de estudo
por meio da tradução, com a finalidade de apresentá-las ao pú-
blico brasileiro, tomando-as como formas de interpretar fenô-
menos ou como registros históricos e como uma crônica de um
modo de ver o mundo que prescinde da racionalidade ou, ainda,
do que se poderia chamar de uma “visão culta” do mundo. Esse
tipo de narrativa pode muito bem ser considerado como uma
manifestação simbólica de tempos pré-industriais e pré-ilumi-
nistas, quiçá pré-modernos. São textos tidos hoje como mera-
mente ficcionais ou inventivos, mas considerados em sua época
como interpretação de uma verdade. Por meio dessas histórias,
plenas de fantasia e elementos fantásticos e que passavam de
boca em boca, propagava-se uma visão mágica do mundo. O real
era reinventado pela imaginação, construíam-se novos mundos
pela formação de uma comunidade imagética, propiciando uma
interpretação coletiva (BORDINI, 2006).
Essa pequena digressão em torno da melhor escolha vo-
cabular para a tradução do título da obra alemã já expressa a
marca do trabalho tradutório que se intentou realizar com esse
projeto, nomeadamente o entrecruzamento de áreas de saber. A
pesquisa linguística se fez em associação não somente com os
estudos literários, como também acabou por adentrar o terreno
dos estudos culturais, em conformidade com a acepção exposta
por Hall: “Os estudos culturais não configuram uma ‘disciplina’
mas uma área onde diferentes disciplinas interatuam, visando
o estudo de aspectos culturais da sociedade” (HALL apud BOR-
DINI, 2006). Por conseguinte, o projeto assumiu uma comple-
xidade prática que o tornou parente e condizente com o que se
entende pela disciplina de estudos culturais, sobretudo pelo as-
pecto de inclusão do estudo da cultura dita popular, marca ini-

138
cial da disciplina surgida nos anos 1950 na Grã-Bretanha, atenta
aos sinais da contemporaneidade fora do eixo das elites.
A questão proposta, a partir do Projeto Vice-Versa apon-
ta para mais um desafio que é a revalorização de um conteúdo
outrora popular, resgatando-o de uma vinculação a ideologias
nacionalistas totalitárias em distintos momentos históricos, in-
serindo-o no processo de aquisição de uma língua estrangeira
com uma proposta de diálogo intercultural. Além disso, é um
tipo de texto com marcas históricas, usado como forma de pre-
servação de um passado, mas que, justamente por isso, pode
ressignificar o presente pela potência imaginativa ali contida. O
apreço pelo contemporâneo, desenvolvido de forma geral no en-
sino de línguas, a partir da introdução da abordagem comuni-
cativa, e também como trend pós-moderno, transforma o traba-
lho com textos de passado pré-industrial em algo inovador e, ao
mesmo tempo, desafiador. Espera-se contribuir para o desen-
volvimento histórico das trocas literárias e culturais, a partir do
processo tradutório que, tomado em ampla acepção, era o que
faziam os coletadores de histórias da virada do século XVII para
ao XIX, pois, em sua grande maioria, as histórias lhes chegavam
sob a forma de relatos orais em dialetos que eram então vertidos
para o Alemão culto (isso se dava em qualquer lugar da Europa
onde havia ação de coletar histórias fora do eixo das cidades).
Filólogos por formação, os Irmãos Grimm mostravam profundo
apreço pelas palavras e pela manutenção do contexto oral das
narrativas, o que os levou não só a interferir nos textos coleta-
dos, como também a desenvolver um dicionário considerado até
hoje o fundamento dos estudos lexicográficos na Alemanha. De
modo similar, nosso projeto também acabou por desenvolver-se
e tecer um diálogo estreito com as palavras, conforme descre-
veremos a seguir.

1 39
O FAZER TRADUTÓRIO NO ÂMBITO DO PROJETO
VICE-VERSA: O PAPEL DOS DICIONÁRIOS
Os desafios que se apresentaram, tanto aos docentes,
quanto aos discentes, no âmbito do projeto em tela foram
muitos, e de porte. Ainda que os textos das lendas dos Irmãos
Grimm sejam, por vezes, muito curtos, contêm dificuldades de
entendimento muito grandes para aprendizes, futuros profes-
sores do idioma alemão. Não se trata apenas de questões relati-
vas à tradução de nomes próprios e topônimos, que obrigavam
os participantes a efetuarem extensas pesquisas e tomarem de-
cisões caso a caso, mas, sim, da língua alemã, cuja forma soava
muitas vezes bastante estranha aos ouvidos de quem apren-
de a língua em sua conformação contemporânea e de manei-
ra comunicativa.
Para efetuar as tarefas de tradução que, algumas vezes,
eram efetuadas individualmente e, posteriormente, discutidas
por todos, os participantes do projeto contavam com os dicio-
nários existentes para o par Português-Alemão – e que não são
muitos, seja em versão impressa, seja em versões on-line. Lan-
çou-se mão, obviamente, também de dicionários monolíngues
do Alemão – não só quando se tratava de vocábulo ou expressão
não constante dos dicionários bilíngues. Como último recurso,
eram utilizadas aquelas traduções das lendas para o Inglês e o
Francês. Cabe ressaltar que raramente se fez uso das traduções
para esses dois idiomas para dirimir dúvidas quanto ao sentido
de uma palavra, frase ou expressão.
Os maiores problemas encontrados pelos participantes
do Projeto Vice-Versa foram: a) não encontrar nenhuma tradu-
ção para a palavra ou expressão procurada ou b) achar uma tra-
dução que parecia não fazer sentido em um dado contexto. Cabe
aqui ressaltar o fato de os textos das lendas dos Irmãos Grimm
datarem do início do século XIX, isto é, terem sido escritos ou
compilados há mais de 200 anos e tidos por referência, muitas
vezes, textos ainda mais antigos. É claro que os significados das
palavras e das expressões podem mudar e que um dicionário
moderno de ambas as línguas, seja na forma Português-Alemão

140
ou monolíngue, muitas vezes não pode dar conta de palavras
que já não se usam mais ou cujos sentidos mudaram, não raro,
radicalmente. Para sanar dúvidas relativas ao vocabulário espe-
cífico da época da publicação das lendas, o único dicionário de
que dispúnhamos era o dicionário on-line dos próprios Irmãos
Grimm.3 Infelizmente, seu uso não se mostrou muito produtivo,
pois o manejo é bastante complexo, e mesmo os docentes preci-
savam de muita perseverança para encontrar o exato sentido do
vocábulo procurado.
Faltava-nos um dicionário que fosse mais próximo ao vo-
cabulário de ambas as línguas à época e acessível aos tradutores,
tanto docentes, quanto discentes. A busca de dicionários que fa-
cilitassem a tarefa de tradução das lendas levou à necessidade
de nos debruçar sobre a lexicografia bilíngue do par linguístico
Português-Alemão. Essa busca será descrita e discutida a seguir.

BREVE PANORAMA DA LEXICOGRAFIA BILÍNGUE


PORTUGUÊS-ALEMÃO
Segundo Verdelho (1995), o início da lexicografia europeia
pode ser datado na primeira metade do século XVI. Como àque-
la altura o Latim ainda continuava sendo a língua da ciência e do
conhecimento, é natural que os primeiros dicionários da época
fossem voltados para o ensino do idioma latino. Verdelho apon-
ta ainda que os primórdios da lexicografia na Europa, a rigor,
haviam começado, na verdade, na Idade Média, principalmente
na Itália, onde já no século XI aparecera “[...] uma espécie de
pré-lexicografia que foi rapidamente divulgada entre as escolas
monásticas de toda a Europa” (VERDELHO, 1995, p. 2). A lexi-
cografia das línguas vernáculas europeias surgiu a partir dos
vocabulários dessas línguas em contraste com o Latim. Pode-se
afirmar, portanto, que a lexicografia europeia nasceu bilíngue.

3
DWB – Deutsches Wörterbuch von Jacob und Wilhelm Grimm. 16 Bde. in 32 Teilbänden.
Leipzig 1854-1961. Quellenverzeichnis Leipzig 1971. Disponível em: http://dwb.uni-trier.de/
de/. Acesso em: 21 jun. 2021.

141
Ainda segundo Verdelho (1995), a lexicografia monolín-
gue em língua portuguesa só surgiria no século XVIII, quando
também teriam aparecido os primeiros dicionários portugue-
ses bilíngues que contemplavam outras línguas vernáculas eu-
ropeias, a saber
[...] os dicionários de José Marques de português-francês
(1764), de António Vieira Transtagano de português-inglês
(1773) e ainda de Joaquim José da Costa e Sá de italiano-portu-
guês (1773) (VERDELHO, 1991, p. 3).

Mühlschlegel (2011) lista outras obras que teriam surgido


no mesmo período:
A lexicografia bilíngue com o português e as línguas modernas
se estabelece apenas no século XVIII. O primeiro dicionário
português-inglês / inglês-português está a cargo do autor anô-
nimo A.J., de 1701. Este é seguido pelo de português-holandês,
de Alewyn/Collé (1714), pelo de português-francês, de Marques
(1758 e 1764), de Penegacho Brandão (1778) e de Costa e Sá (1785).
Inúmeros glossários português- asiáticos (sic), que geralmente
circulavam como manuscritos ou em pequenas tiragens, vêm a
lume no contexto das relações entre portugueses e asiáticos e
das missões (MÜHLSCHLEGEL, 2011, p. 6).

A citação acima traz mais uma informação interessante


sobre a história dos dicionários bilíngues com o Português: com
as empreitadas portuguesas na Ásia, houve vários trabalhos de
cunho lexicográfico com fins de facilitar a comunicação para o
comércio ou para a conversão das populações asiáticas. Nesse
contexto, é importante ressaltar que o primeiro dicionário bilín-
gue do Português com uma língua moderna não foi nenhum dos
acima citados, mas, sim, o chinês. Como afirma Messner (1999,
p. 58), essa obra foi escrita por dois jesuítas italianos entre os
anos de 1584-1588.
No que tange à lexicografia bilíngue no par de línguas Ale-
mão/Português, há estudos que mapearam seus inícios e abran-
gem até o fim do século XX. O primeiro trabalho de cunho lexi-
cográfico concernente às duas línguas surgiu no início do século
XIX. Mühlschlegel (2011, p. 5) aponta que a presença do Portu-

142
guês em obras poliglotas até o século XIX é bastante reduzida
e que o primeiro dicionário Português-Alemão foi publicado
em 1811, em Leipzig,4 por Johann Daniel Wagener “[...] ‘doutor
e professor de língua portuguesa e espanhola’ – conforme ele
mesmo se apresenta na folha de rosto do dicionário alemão-
-português de 1812” (MÜHLSCHLEGEL, 2011, p. 7). O primeiro
dicionário, de 1811, era intitulado Novo Diccionario Portuguez-Ale-
mão e Alemão-Portuguez – Diccionario Portuguez-Alemão que con-
tem muitas vozes importantisimas, que não se achão nos diccionarios
até agora publicados. O segundo volume publicado em 1812 teve
como título: Allgemeines Waaren-Lexikcon in spanischer, portugiesi-
scher, französischer, italienischer und englischer Sprache, in zwei Bän-
den, wovon der erste den deutschen Theil, und der zweyte die fünf Theile
in den fremden Sprachen enthält. Além desses dois dicionários,
Wagener também publicou obras para o ensino de Português e
livros daquilo que se denomina modernamente “Português para
negócios” (MÜHLSCHLEGEL, 2011, p. 8).
Ettinger (1991) afirma que os dicionários de Wagener não
ficam nem quantitativa, nem qualitativamente muito atrás dos
dicionários de bolso bilíngues do par Português-Alemão atuais,
resguardando-se, claro, a questão das mudanças ocorridas no
vocabulário de ambas as línguas após passados dois séculos.
Mais adiante, ainda no decorrer do século XIX, foram lançados
mais dois dicionários bilíngues Português-Alemão. Em 1844,
Anton Edmund Wollheim da Fonseca, erudito tradutor dos Lu-
síadas, lançou seu Diccionario portatil das linguas portugeza e alle-
man, em Leipzig, e em 1858 saiu o Neues vollständiges Taschenwör-
terbuch der portugiesischen und deutschen Sprache, de Eduard Theo-
dor Bösche, em Hamburgo. Ambos tiveram várias reedições na
segunda metade do século XIX (VERDELHO; SILVESTRE, 2011,
p. 64). Verdelho e Silvestre apontam ainda para a existência de
um “tout petit” dicionário Português-Alemão editado em Paris,
pela Editora Gallimard, por Arthur Enenkel e Souza Pinto.
A obra mais importante da lexicografia bilíngue do par
de línguas Português-Alemão é, sem dúvida, o dicionário Neu-
es Wörterbuch der portugiesischen und deutschen Sprache / Novo dic-
4
Lipsia em Português europeu.

143
cionario da lingua portugueza e allemã, de Henriette Michaelis,
publicado em Leipzig pela Editora Brockhaus no ano de 1887-
1896. Ettinger (1991, p. 3023) afirma que o dicionário de Hen-
riette Michaelis, irmã da famosa lusitanista Carolina Michaelis
de Vasconcellos, tornou-se sinônimo de sólido trabalho de le-
xicografia bilíngue. Seu dicionário teve 14 reedições pela Edi-
tora Brockhaus, em Leipzig, até 1934. Ainda segundo Ettinger
(1991, p. 3023), houve uma adaptação do dicionário de Michaelis
para o Inglês e foi publicado pela mesma editora, em 1893, em
Leipzig, e teria tido, ao todo, oito reimpressões até 1932. Após
isso, foi vendida pela Editora Ungar em Nova York, em 1943, ten-
do sido acrescida de uma lista de novos vocábulos e reeditada
em 1945 e 1955.
Essa versão em Inglês foi revisada pela editora brasileira
Melhoramentos em 1958 e 1961 e acrescida de imagens – segun-
do Ettinger, desnecessárias. Esse dicionário foi comercializado
sob o nome de Brockhaus Picture Dictionary e, ao mesmo tempo,
como Novo Michaelis da Editora Melhoramentos nas Américas e
pela Brockhaus em Wiesbaden na Europa e no resto do mundo.
As últimas edições são do ano de 1976.
Hoepner (2011, p. 181) relata que a editora alemã Langens-
cheidt lançou, no início do século XX, dois dicionários de bolso
com o par Português-Alemão (1904) e Alemão-Português (1909),
os quais foram organizados por Louise Ey e tiveram várias edi-
ções durante todo o século, organizadas por Albin Eduard Beau
e Friedrich Irmen (ETTINGER, 1991, p. 3023), e é publicado até
hoje. Hoepner (2011) e Ettinger (1991) mencionam também os di-
cionários da Porto Editora, empresa portuguesa cuja fundação
data de 1952. Seus dicionários têm tido edições e reimpressões
nos últimos anos, de acordo com o site da editora. Já na antiga
Alemanha Oriental, houve a publicação dos dicionários de bolso
de Werner Meister e Esaú Pereira Laus, em 1963 (Alemão-Por-
tuguês) e 1965 (Português-Alemão), bem como, duas décadas
depois, do Wörterbuch Portugiesisch-Deutsch, Deutsch-Portugiesisch,
de Johannes Klare, em Leipzig, em 1984 e 1986, todos pela edito-
ra Verlag Enzyklopädie.

144
A editora alemã Klett possui dicionários bilíngues Portu-
guês-Alemão por meio da marca PONS. A primeira edição foi
em 2002, em parceria com a Porto Editora, e a última edição
do PONS Praxiswörterbuch Portugiesisch: Portugiesisch-Deutsch /
Deutsch-Portugiesisch mit Online-Wörterbuch foi em 2014.
Hoepner (2011, p. 181) menciona ainda o Dicionário Ale-
mão-Português, de Leonardo Tochtrop (sem a contraparte Por-
tuguês-Alemão), aparentemente único legitimamente brasilei-
ro – já que o Dicionário Michaelis, da Editora Melhoramentos,
como dito anteriormente, teve por base a versão inglesa do
dicionário de Henriette Michaelis. Segundo Hoepner (2011, p.
181), o dicionário de Leonardo (ou Leohnhard) Tochtrop, profes-
sor, dicionarista e primeiro diretor do Goethe Institut de Porto
Alegre, teria sido lançado pela Editora Globo, em 1943,5 tendo
sido reeditado muitas vezes posteriormente. Sua última reedi-
ção foi em 2006.

OS DICIONÁRIOS DE HENRIETTE MICHAELIS


E JOHANN DANIEL WEGENER E OS
DESDOBRAMENTOS DO PROJETO VICE-VERSA
O dicionário de Henriette Michaelis é considerado até
hoje uma obra de excelência da lexicografia bilíngue. A autora
dedicou “uns bons” dez anos de trabalho, como consta do texto
introdutório ao dicionário, à confecção de sua obra. O dicioná-
rio tem um detalhamento inédito na parte da apresentação, por
exemplo, da morfologia, com várias entradas para cada radical.
Cabe ressaltar, como já foi dito anteriormente, que esse dicio-
nário ainda persiste em sua essência nos dicionários da Edito-
ra Melhoramentos, tanto no par Português-Alemão, quanto no
par Português-Alemão, haja vista a tradução da obra original
para o Inglês citada anteriormente neste artigo. O dicionário
de Wagener, já apresentado anteriormente, é importante para a
lexicografia Português-Alemão não só pelo fato de ter sido o pri-
meiro, mas também por ser uma obra reconhecidamente bem
5
De acordo com Bertaso (2012, p. 52), Tochtrop só teria se dedicado ao dicionário em 1946.

1 45
feita mesmo para padrões atuais. Ambos os dicionários serão
a base dos desdobramentos futuros do projeto por serem obras
bem produzidas, mas ainda por conterem um vocabulário mais
próximo do Alemão do século XIX.
Para o próximo ano e subsequentes, pretendemos inten-
sificar o trabalho iniciado com o Novo diccionario da lingua Portu-
gueza e Allemã, enriquecido com os termos technicos do commercio e da
industria, das sciencias e das artes e da linguagem familiar (1887), de
autoria de Henriette Michaelis. Nosso propósito maior será a
transposição do meio gráfico para o digital, transformando esse
dicionário em um E-dicionário a ser disponibilizado na internet
com acesso gratuito. Os passos desse processo estão planejados
e distribuídos em três etapas:
1. Efetuar a transcrição do dicionário, sendo que, por
transcrição, se entende um procedimento de trans-
formação de uma manifestação em outra, preservan-
do-se a expressão. O original (em papel) será captu-
rado com um programa de OCR. OCR é um acrônimo
para o inglês Optical Character Recognition, designando
uma tecnologia para reconhecer caracteres, a partir
de um arquivo de imagem, sejam eles escaneados, es-
critos à mão, datilografados ou impressos. Desta for-
ma, por meio do OCR, é possível obter um arquivo de
texto editável por um computador. Há vários tipos de
OCR. Para o dicionário, optou-se pelo Tesseract, pois
ele reconhece os caracteres do gótico alemão, utiliza-
do no dicionário de Michaëlis. Trata-se de um software
de uso ilimitado, gratuito e razoavelmente simples
de ser operado.
2. Apesar de ser um programa bastante eficiente,
ocorrem problemas de diagramação que têm de
ser corrigidos.
3. A última etapa está relacionada à correção de alguns
problemas de transposição, como, por exemplo, a
substituição de numerais e símbolos por letras e a
atualização da ortografia, tanto do Alemão, quan-
to do Português.

146
Nessa fase do projeto em andamento, o escaneamento e
a revisão pela sequência das letras página a página estão sendo
feitos, o que demanda bastante tempo e dedicação dos bolsistas
envolvidos. Até o momento, já foi realizado o escaneamento da
letra A e B do Dicionário de H. Michaelis. Resolvemos agora rea-
lizar uma comparação com as mesmas rubricas do dicionário
de J. D. Wagener, para realizar um trabalho comparativo entre
os verbetes. Cumpre também salientar que um desdobramen-
to dessa fase do projeto é a edição em separado das expressões
idiomáticas ali indicadas, como fonte para estudos contrastivos.

À GUISA DE CONCLUSÃO
Acreditamos ter demonstrado o processo de desdobra-
mento de um projeto pensado inicialmente como extensionis-
ta e de auxílio à formação linguística e intercultural de futuros
profissionais do idioma alemão, seja como professores de lín-
gua alemã ou tradutores, em um projeto de cunho lexicográfico,
cujo intuito é disponibilizar a pessoas interessadas e estudiosas
da área de língua alemã e literaturas de expressão alemã duas
obras que fornecem subsídios para melhor acessar obras literá-
rias ou não, escritas em idioma alemão no século XIX, e mesmo
anteriores a esse período.

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149
ASPECTOS PROSÓDICOS NA
INTERPRETAÇÃO PORTUGUÊS-ALEMÃO:
APONTAMENTOS INICIAIS E
CAMINHOS DE PESQUISA

A N E L I S E F. P. G O N D A R ( I L E / U E R J )

RESUMO
O trabalho de interpretação no par linguístico Português-
-Alemão permanece de grande importância em contextos gover-
namentais e comerciais, conquanto a formação de intérpretes
nesse par ainda não seja uma realidade no Brasil. Após breve
panorama histórico, esta contribuição apresentará aspectos que
atestam a relevância do estudo da prosódia na interpretação,
buscando evidenciar caminhos possíveis de pesquisa e análise
contrastiva do uso oral desses dois idiomas.
Palavras-chave: Interpretação de Conferências; Prosódia;
Estudos da Interpretação

ZUSAMMENFASSUNG
In Brasilien besteht trotz einer fehlenden formellen Aus-
bildung von Dolmetschern in diesem Paar hierzulande kontinu-
erlichen Bedarf für das Dolmetschen im Sprachenpaar Portu-
giesisch-Deutsch sowohl für öffentliche Auftraggeber als auch
im sogenannten privaten Sektor. Nach einem kurzen histori-
schen Überblick werden in diesem Beitrag Aspekte vorgestellt,

150
die die Bedeutung des Prosodiefoschung für das Dolmetschen/
die Dolmetschwissenschaft belegen. Ziel ist es, mögliche For-
schungspfade und kontrastierende Analysen des mündlichen
Gebrauchs dieser beiden Sprachen hiermit aufzuzeigen.
Schlüsselwörter: Konferenzdolmetschen; Prosodie;
Dolmetschwissenschaft

INTRODUÇÃO
A mediação linguístico-cultural remonta a tempos ime-
moriais: na Antiguidade, a história dos contatos linguístico-cul-
turais inter e intrassociais testemunham sobejamente acerca da
existência e necessidade de mediadores, fossem eles homens ou
mulheres, exercendo o papel de mediadores – de intérpretes –
dos desejos e vontades de autoridades, comerciantes, conquis-
tadores e clérigos (PÖCHHACKER, 2007; BAIGORRI-JALÓN,
2014). Ainda que frequentemente obliterados da História, po-
de-se afirmar que os(as) intérpretes e mediadores(as) culturais
são parte integrante da configuração social (e de poder) que
possibilitou arranjos comunicativos vários, tanto no Velho Con-
tinente, quanto no Novo Mundo (BAIGORRI-JALÓN, 2014). Na
Europa Continental, tida pela Historiografia da Interpretação
como o berço da interpretação de conferências, com as frontei-
ras dos Estados nacionais pós-Vestfália em constante disputa,
canais de diálogo e negociação foram sendo estabelecidos entre
potências no bojo de tratados e organizações internacionais até
e, sobretudo, durante o século XIX. Estes confeririam ao intér-
prete um papel de relevância ao lado de chanceleres e primei-
ros-ministros, legando à profissão seus grandes nomes, como
Paul Mantoux – representante de uma geração de intérpretes
que ficariam famosos, a partir de suas atuações na Conferên-
cia de Paz de Paris após a Primeira Grande Guerra (BAIGOR-
RI-JALÓN, 2014).
A interpretação de conferências, no entanto, será insti-
tucionalizada como profissão depois do Julgamento de Nurem-

151
berg (GAIBA, 1998) e, desde então, os contornos do ofício seriam
definidos em parte pela proatividade das associações profis-
sionais, dentre elas, a Associação Internacional de Intérpretes
de Conferência (AIIC), e pelas comunidades de prática criadas
em torno das instituições de formação nas diversas regiões do
mundo. Nas últimas décadas, com a ampliação dos nichos de
atuação da oferta de cursos de formação, o papel do intérpre-
te vem se transformando (BAIGORRI-JALÓN, 1999; DOWNIE,
2016). Não apenas questões de mercado influenciam o intérpre-
te: a democratização da formação terminaria por ocasionar uma
mudança paradigmática na compreensão acerca do perfil do
intérprete e das condições necessárias ao sucesso na profissão.
Se, inicialmente, as aptidões eram tidas como naturais, tanto
na percepção dos próprios intérpretes, quanto na da comuni-
dade externa, com o advento de instâncias de formação, a ideia
de que “interpreters are made, not (necessarily) born” passará a
ganhar contornos concretos.
A percepção de que seria possível ensinar a interpretar é
temporalmente concomitante ao esforço cada vez mais siste-
mático de compreensão da própria técnica da interpretação e
emerge a partir dos interesses de estudos de áreas afins, como
a psicologia cognitiva (PÖCHHACKER, 2007). Os primeiros for-
madores de intérpretes nas décadas de 1950 e 1960, eles mesmos
intérpretes atuantes, terão atuação-chave na iluminação de vá-
rios elementos relevantes para a realização de uma interpreta-
ção profissional: qualidade, domínio da ansiedade/do estresse,
preparação, desenvolvimento de expertise, dentre outros. Pas-
sados mais de 60 anos do advento da interpretação simultânea,
a pesquisa em interpretação emerge como um dos pilares na
formação de novos intérpretes (GONDAR, 2017).

INTERPRETAÇÃO NO BRASIL – DESAFIOS DA


PROFISSÃO E DA FORMAÇÃO
Atualmente, no Brasil, a formação de intérpretes de con-
ferência é realizada em diferentes loci e configurações: a profis-

1 52
são, que não é regulamentada, pode ser aprendida em universi-
dades, em nível de graduação ou pós-graduação, ou em cursos
livres (ARAUJO, 2017). A experiência mais antiga de formação
data do ano de 1968, com a criação de um bacharelado em re-
visão, tradução e interpretação na PUC-Rio (QUENTAL, 2018).
Conquanto a formação de intérpretes no Brasil tenha se insti-
tucionalizado ao longo do último meio século, há uma restri-
ta oferta de combinações linguísticas que reflete as demandas
mais massivas de mercado, pelos idiomas Inglês e Espanhol.
Ainda que não haja oferta formal de formação em interpreta-
ção de/para o Alemão no Brasil, no entanto, a demanda por in-
térpretes, seja no mercado privado, seja no contexto da inter-
pretação juramentada/comercial, é existente e se faz notória
em grandes eventos multilíngues como conferências/eventos
televisivos ou visitas de primeiro escalão ou técnicas.1 Se não
há possibilidade de instrução formal no par linguístico Portu-
guês-Alemão, tanto mais se faz necessário o estudo contrastivo
de aspectos dos dois idiomas com vistas a auxiliar na forma-
ção cruzada ou indireta de intérpretes no contexto dos cursos
existentes (GONDAR, 2019). É nesse contexto que os estudos de
prosódia ganham especial relevância. No âmbito dos Estudos da
Interpretação, muita atenção tem sido dispensada a temáticas
como expertise, línguas de trabalho e modalidades, estresse e
ansiedade etc., mas poucos estudos foram dedicados a aspec-
tos prosódicos, embora intérpretes sejam, para todos os efeitos,
oradores profissionais, para os quais, portanto, o aperfeiçoa-
mento de aspectos da oralidade assuma um papel fundamental
(AHRENS, 2005).2 Os estudos de prosódia em interpretação po-
dem ser compreendidos sob uma chave concreta de compreen-
são do que seja a qualidade em interpretação (COLLADOS-AÍS;
GARCÍA BECERRA, 2015). Entende-se aqui que a qualidade em

1
No Brasil, poucas experiências de formação no par linguístico Português-Alemão obtive-
ram êxito (CRUZ ROMÃO, 2001), e o mercado para Português-Alemão conta com poucos
profissionais, em parte formados no exterior e, em parte, em instituições brasileiras que
oferecem o par linguístico Português-Inglês.
2
Esta pesquisa é realizada no contexto da parceria (Probral) firmada entre a USP e a Univer-
sidade de Leipzig com a participação da UFF e da Uerj em torno da temática “Aspectos da
dicção em perspectiva comparada: Alemão/Português (Brasil)”.

153
interpretação é, a despeito da tentativa de definição de marca-
dores concretos, algo construído socialmente (GRIBĆ, 2008).
No entanto, pesquisas apontam que questões de conteúdo (por
exemplo, consistência com o original, coesão), forma (isto é,
gramática) e, também, delivery (por exemplo, voz, entoação) têm
figurado como critérios importantes para a interpretação pro-
fissional (ZWISCHENBERGER, 2010).

A PROSÓDIA E A INTERPRETAÇÃO –
APONTAMENTOS INICIAIS
Aspectos prosódicos são importantes na interpretação
(AHRENS, 2005, p. 1): eles auxiliam na “estruturação e organiza-
ção do processo comunicativo” como um todo, uma vez que con-
tribuem para a inteligibilidade do discurso-fonte e são também
fundamentais para a configuração de um discurso de chegada
linguística – e culturalmente compreensível aos ouvintes. A in-
terpretação é marcada pela oralidade (no caso da interpretação
de/para/entre línguas orais, objeto deste estudo), uma vez que
é realizada e apreendida oralmente por todos os participantes
do ato comunicativo, e pela situacionalidade, ou seja, pelo con-
texto situacional de comunicação que incide sobre oradores e
ouvintes (HERBERT, 1952). Schwitalla (2012), em Gesprochenes
Deutsch, chama a atenção para o que identifica como diferenças
basilares entre a língua escrita e falada – essa distinção tem es-
pecial relevância para o emprego da oralidade na interpretação.
Para ele, como para teóricos da interpretação, a oralidade está
intrinsecamente relacionada à mobilização de uma memória
de trabalho ativada pelo conteúdo, forma e som das unidades
comunicativas. Além disso, a comunicação falada evidencia ras-
tros da própria formulação dos pensamentos, o que confere in-
dicadores essenciais acerca dos “processos mentais e cognitivos
subjacentes à produção do discurso” (AHRENS, 2005, p. 1) e evo-
ca a multidimensionalidade dos estímulos aos quais o ouvinte/
interlocutor está sujeito. No contexto da interpretação de con-
ferências no geral e na modalidade de interpretação simultânea
em particular, os esforços empreendidos pelos intérpretes na

154
(re)produção conceptualmente fidedigna e adequada da mensa-
gem originalmente proferida por um orador resultam em uma
fala interpretada (PENHA, 2015), orientada por parâmetros téc-
nicos referentes ao saber-fazer da interpretação, mas também
informadas por aspectos prosódicos da língua de partida e da
língua de chegada. Segundo Ahrens (2005), a qualidade prosó-
dica na interpretação é tão importante quanto o uso de estraté-
gias ou técnicas de interpretação, uma vez que contribui direta-
mente para a melhor compreensão do texto de chegada. Sendo
a prosódia “[…] a series of individual suprasegmental phenomena of
a tonal, dynamic and durational nature, which are linked to their re-
spective acoustic parameters […]” (AHRENS, 2015, p. 326), elemen-
tos prosódicos são essenciais para o processamento do output
oral de um interlocutor e também são fundamentais para uma
interpretação tida de qualidade (PENHA, 2015). Considerando
as seguintes singularidades do ofício, que (1) a fala do intérpre-
te nem é espontânea (produzida livremente), nem laboratorial
(PENHA, 2015, p. 44); que (2) um intérprete processa e interpre-
ta uma quantidade enorme de informações – em média, 20 mil
palavras em uma jornada de trabalho (PENHA, 2015, p. 44), 20
vezes mais que um tradutor durante o mesmo período de tem-
po e (3) a pressão do processamento rápido de informações tem
efeito imediato sobre a produção do produto final, o chamado
delivery (GILE, 2009), o estudo das características prosódicas
desse tipo de discurso agrega densidade à compreensão do fun-
cionamento da interpretação.
Advogando a relevância dos estudos de fonética aplicada
à interpretação de conferências, será interessante determinar
inicialmente quais os aspectos prosódicos de maior relevância
para o aperfeiçoamento da prática profissional e para a forma-
ção de novos intérpretes. Em um trabalho pioneiro na avaliação
da prosódia da fala de intérpretes trabalhando para o Português
brasileiro, a intérprete e especialista Layla Penha (2015) definiu
alguns elementos prosódicos para comparação entre a fala es-
pontânea e a fala interpretada, quais sejam, pausa, entoação e
pitch accent. Estes três últimos elementos foram alçados de es-
tudos anteriores, como o estudo seminal de Miriam Shlesinger

155
(1994) que identificou que quanto às pausas, intérpretes tendem
a utilizar “um número desproporcional de pausas em posições
consideradas não ‘naturais’, quebrando as unidades de sen-
tido dentro de um mesmo grupo entoacional” (PENHA, 2015,
p. 47). Intrigante também é a marcação de sílabas específicas
com pitch accent (ou “o pitch de valor máximo”), não condizen-
te com a marcação natural. Da mesma forma, o pitch final de
fronteira seria caracterizado por uma entoação frequentemente
não concludente, diferente, portanto, da fala natural. Por fim,
a taxa de elocução variável indicaria padrões diferentes da fala
espontânea (PENHA, 2015, p. 47). Inspirada no estudo pioneiro
de Penha (2015) voltado ao delivery para o Português brasileiro,
discutirei, a seguir, alguns elementos norteadores para a pes-
quisa e análise prosódica da interpretação no contexto do par
linguístico Português-Alemão e, em seguida, trarei, baseada em
Yenkimaleki (2016) e Yenkimaleki e Van Heuven (2018), alguns
aportes para a reflexão acerca do benefício desta pesquisa para
o treinamento de intérpretes.

PREMISSAS, HIPÓTESES
E CAMINHOS DE PESQUISA
Inicialmente, é necessário elencar algumas premissas de
pesquisa que precedem uma incursão à área da prosódia con-
trastiva Português-Alemão na seara da interpretação. A partir
da experiência como pesquisadora e formadora de intérpretes,
bem como do conhecimento adquirido na prática interpretati-
va, avalio que a pesquisa voltada a aspectos prosódicos contras-
tivos entre o Português e o Alemão precisa, em primeiro lugar,
levar em consideração as discussões acerca da área de estudos
denominada ‘Qualidade’ na interpretação em geral e nesse par
linguístico em especial. A discussão referente à prosódia se per-
de na coleta de dados e levantamentos estatísticos se não estiver
intrinsecamente ligada à percepção do que seja a qualidade na
interpretação profissional e de que meios estariam disponíveis
para incrementá-la, ou já durante a formação ou mesmo ao lon-
go da carreira profissional. A subsunção dos estudos de fonética

156
aplicada à interpretação aos estudos de qualidade se constitui
chave fundamental para conferir relevância ao avanço das pes-
quisas nessa área e sua posterior divulgação entre pares. Nesse
sentido, o estudo de Penha (2015) indica um caminho frutífero
para a pesquisa no Brasil, atualizando a relevância do cotejo da
prosódia no contexto da ‘Qualidade’, temática multifacetada e já
amplamente tratada nos cursos de formação.
Em segundo lugar, é necessário cotejar elementos carac-
terísticos da fala interpretada conforme referido acima (SHLE-
SINGER, 1994; PENHA, 2015) com elementos da prática da in-
terpretação nesses dois idiomas. É necessário, portanto, não
apenas levar em consideração a literatura geral que analisa a
prosódia na interpretação, mas também identificar produções
acadêmicas voltadas para a fonética aplicada à elucidação de
questões prosódicas interessantes para o referido par linguís-
tico. Em minha prática como intérprete, percebo a relevância
dos achados mencionados por Penha (2015) no par linguístico
Português-Inglês, este com base no estudo seminal de Shlesin-
ger (1994), por sua vez realizado a partir do par linguístico In-
glês-Hebraico. Nos cursos de formação e na prática profissio-
nal, elementos periódicos referentes à introdução artificial de
pausas, à ênfase posta em sílabas de forma tampouco natural
(pitch accent), ao pitch final de fronteira inconcludente e à taxa
de elocução variável são, de fato, elementos perceptíveis e, con-
juntamente, compõem além de outros fatores para a percepção
geral da qualidade da interpretação. Tanto é assim que as fichas
de avaliação periódica, instrumento cada vez mais difundido
para avaliação e autoavaliação de desempenho em cursos de in-
terpretação, inclusive utilizado para feedback em aulas práticas,
têm como quesitos justamente elementos como entonação, rit-
mo e pausas (SANCHES, 2019). Esses elementos, portanto, são
alvo de aprimoramento constante da prática.
Em terceiro lugar, uma premissa de trabalho é justamente
a ideia de que, tanto no contexto da formação, quanto na prá-
tica profissional, a sensibilização para uma conscientização
prosódica (‘prosodic awareness’) pode contribuir decisivamente
para o aperfeiçoamento técnico de formandos e profissionais,

157
servindo também como catalisador para o aperfeiçoamento de
outras competências importantes como o domínio das línguas
de trabalho e também das chamadas ‘táticas e estratégias’ na in-
terpretação (JONES, 2002). A prática pedagógica ao longo dos
anos de experiência na formação de intérpretes, bem como a
oferta de formação continuada (por exemplo, no contexto dos
Training of Trainers - ToTs oferecidos pela associação internacio-
nal de intérpretes de conferência AIIC), têm corroborado para o
diagnóstico de Yenkimaleki (2016) de que, em geral, não há, no
contexto da formação, atividades especificamente dedicadas ao
desenvolvimento da conscientização prosódica contrastiva. Ele
também afirma que não haveria metodologia específica para o
ensino desse tipo de competência e que, em geral, o foco recai
em elementos segmentais em vez de suprassegmentais, tanto
no ensino de línguas estrangeiras, quanto na formação de intér-
pretes (YENKIMALEKI, 2016, p. 1). Em uma pesquisa empírica
experimental com estudantes de interpretação no par linguísti-
co Inglês-Farsi, Yenkimaleki e Van Heuven (2018) constataram
que estudantes expostos a exercícios explícitos de conscienti-
zação fonética como análise contrastiva de produções orais em
ambas as línguas e exercícios de feedback visual das curvas to-
nais, dentre outros, obtiveram melhora sensível na antecipação
semântica dos discursos proferidos na língua B, uma vez que
puderam identificar de maneira mais clara a alocação da proe-
minência (pitch accent)/estresse frasal/ prosódico e do acento ou
estresse lexical (stress) no discurso fonte.
Com base nisso, minhas hipóteses iniciais para o avanço
da pesquisa conjugado à experiência como intérprete e forma-
dora de intérpretes é que (1) dada a complexidade da prosódia
na fala interpretada simultaneamente, a combinação linguísti-
ca do intérprete (ou seja, que línguas figuram como línguas de
trabalho A ou B) terá menos informações a oferecer acerca dos
desafios da prosódia em interpretação do que a direcionalidade
no próprio ato da interpretação. Acredito, portanto, que há uma
correlação entre direcionalidade e efeitos prosódicos imediatos
sobre a produção do discurso que merece ser investigada. Acre-
dito também que (2) a acuidade prosódica pode ser ensinada/

158
treinada, levando-se em conta exemplos concretos e permitindo
aos alunos o treino da própria percepção prosódica. Por sua vez,
(3) o estudo aplicado de prosódia e seu aproveitamento em uni-
versidades e centros de treinamento pode fortalecer a oportuni-
dade de formação cruzada/adicional de intérpretes Português-
-Alemão em locais em que apenas a formação no par linguístico
Português-Inglês.
Os caminhos de pesquisa incluem a transcrição de dis-
cursos fontes e alvo em situações reais de interpretação, in-
cluem também a consideração das línguas A e B dos informan-
tes como informações relevantes para o caso ora tratado – seria
necessário ter acesso a áudios interpretados tanto para a língua
materna (A), fosse ela Português ou Alemão, e para a língua B
para confirmar ou rechaçar uma das premissas anteriormente
aqui estabelecidas. Os caminhos de pesquisa também incluem
definir uma área temática de onde extrair as amostras (Direito,
meio ambiente, política, economia, áreas técnicas etc.) de for-
ma a constituir um corpus mais robusto de informações prosó-
dicas que, por sua vez, possa ser analisado, didatizado e incor-
porado à formação. Os caminhos de pesquisa também deverão
incluir, além da análise estatística, entrevistas que vislumbrem
elucidar estratégias latentes e/ou manifestas de “preparação
prosódica” para a interpretação ou que indiquem a sensibiliza-
ção para aspectos a priori e a posteriori, antes e/ou depois da in-
terpretação realizada.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
A pesquisa sobre a interpretação no par linguístico Ale-
mão-Português tem muito a ganhar com a iniciativa de pesquisa
“Dicção contrastiva Português-Alemão”, contexto no qual essas
reflexões se inserem, uma vez que esta pesquisa reúne alguns
elementos singulares que contribuem para o refinamento do
olhar de pesquisa e para o próprio acesso e trato dos materiais
empíricos. Uma das singularidades emerge do olhar de pesqui-
sa estar informado pela experiência prática na área. A outra sin-
gularidade, adicionalmente, tem a ver com a possibilidade de

1 59
incorporação dos insumos de pesquisa voltados à fonética apli-
cada diretamente ao âmbito da formação. Ainda que não haja
formação, no Brasil, nesse par linguístico de que tratamos aqui,
o contexto da formação geral permite albergar essas reflexões
que certamente terão efeitos positivos para a ampla formação
de intérpretes no Brasil. Para além disso, o estudo do aperfei-
çoamento prosódico, a partir da elaboração de materiais e me-
todologias que se debrucem deliberadamente sobre essa área do
conhecimento e da prática fortalece a prática pedagógica em ge-
ral, com contribuições para outros aspectos da formação como
as estratégias e táticas de interpretação. A perspectiva do forta-
lecimento de um campo de estudos voltado à fonética aplicada à
interpretação parece, a meu ver, não apenas uma aventura pro-
missora, mas também necessária.

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1 61
MINIBIOGRAFIAS

Anelise F. P. Gondar

Professora adjunta do Departamento de Letras Anglo-


-Germânicas (Setor de Alemão) no Instituto de Letras da Uerj
onde leciona língua, cultura(s) e literatura(s) de expressão ale-
mã. É coordenadora do projeto de extensão Medialíngua, de-
dicado à comunicação intercultural e à tradução oral e parti-
cipa atualmente do projeto de pesquisa Capes/Probral (USP/
Universität Leipzig) intitulado Aspectos da Dicção em Pers-
pectiva Comparada: Alemão/Português/Brasil, desenvolvendo
pesquisa acerca da relevância de elementos prosódicos para a
ensino-aprendizagem de ALE, a tradução e a interpretação de
conferências. Suas principais áreas de interesse são mediação
linguística e didáticas de ALE, da tradução e da interpretação.
E-mail: anelise.gondar@uerj.br.

Ângela Inês Klein

Possui graduação em Letras pela Universidade do Vale do


Rio dos Sinos (2000), mestrado (2009) e doutorado (2013) em
Linguística pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande
do Sul, tendo realizado estágio de doutoramento no Programme
for Experimental and Clinical Linguistics da Universidade de
Potsdam (2012). Atualmente, é coordenadora do Curso de Licen-
ciatura em Letras - Português e Alemão da Universidade Federal
de Pelotas, realizando pesquisas que contemplam os seguintes
temas: aprendizagem, leitura, linguagem e cognição. Duran-
te o tempo em que atuou na Universidade Tecnológica Federal
do Paraná, fundou o Laboratório de Processamento Visual, no

1 62
qual se realizam pesquisas primordialmente com a metodolo-
gia de rastreamento ocular. Tem experiência na área de Letras
e Ensino, com ênfase em Língua Alemã. E-mail: angela.ines.
klein@hotmail.com.

Bernardo Kolling Limberger

Graduado em Letras Português-Alemão pela Universida-


de do Vale do Rio dos Sinos. Mestre e doutor em Letras (Psi-
colinguística) pela Pontifícia Universidade Católica do Rio
Grande do Sul, com pesquisa realizada no Instituto do Cérebro
e estágio de doutorado (modalidade: sanduíche) na Albert-Lud-
wigs-Universität Freiburg. Atualmente, atua como professor de
graduação e pós-graduação em Letras na Universidade Federal
de Pelotas. É líder do Laboratório de Psicolinguística, Línguas
Minoritárias e Multilinguismo (Laplimm), vinculado ao CNPq.
Seus principais interesses são bilinguismo e multilinguismo,
ensino, aprendizagem e processamento de línguas minoritárias
e adicionais, Deutsch als Fremdsprache, políticas linguísticas e
leitura. E-mail: limberger.bernardo@gmail.com.

Cibele Cecilio de Faria Rozenfeld

Licenciada em Letras (Português-Inglês), mestre em Lin-


guística pela Ufscar, doutora em Linguística e Língua Portu-
guesa pela Faculdade de Ciências e Letras da Unesp-Araraquara
(FCLAr) e possui pós-doutorado na Ufscar. Atua como docente
na Faculdade de Ciências e Letras (FCLAr) da Universidade Es-
tadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (Unesp) em Araraqua-
ra-SP, no Programa de Pós-Graduação em Linguística e Língua
Portuguesa (PPGLLP) e na graduação no conjunto de discipli-
nas Língua Alemã. É vice-coordenadora e coordenadora de área
no projeto de extensão Centro de Línguas e Desenvolvimento
Profissional (CLDP) e coordena o Projeto Treffpunkt: Língua e
Cultura Alemã para Alunos da Educação Básica, financiado pela
Fapesp. Tem experiência na área de Linguística Aplicada (com

1 63
ênfase em temas como Crenças, Ensino Intercultural, Ensino de
Línguas mediado por Tecnologias Digitais de Informação e Co-
municação, Ensino e Aprendizagem de Alemão, Ensino e Apren-
dizagem de Línguas Estrangeiras) e de Formação de Professores
de Línguas Estrangeiras. E-mail: cibele.rozenfeld@unesp.br.

Dörthe Uphoff

Professora de Língua Alemã e Metodologia de Ensino no


Departamento de Letras Modernas da Universidade de São Paulo
(USP). Atua também no programa de pós-graduação em Língua
e Literatura Alemã da mesma instituição, orientando pesquisas
de mestrado e doutorado na área do ensino-aprendizagem de
Alemão como língua adicional. Possui doutorado em Linguís-
tica Aplicada pela Universidade Estadual de Campinas (2009) e
realizou pesquisas de pós-doutoramento nas universidades de
Augsburg (2018) e Viena (2020). E-mail: dorthe@usp.br.

Ebal Sant’Anna Bolacio Filho

Professor adjunto da Universidade Federal Fluminense.


Professor da licenciatura e do bacharelado em Letras (Portu-
guês-Alemão) e do Programa em Estudos da Linguagem (UFF),
junto à linha de pesquisa História, Política e Contato Linguís-
tico. Doutor em Letras pela PUC-Rio e é membro do LabPec da
UFF. Participa atualmente do projeto de pesquisa Capes/Pro-
bral (USP/Universität Leipzig) intitulado Aspectos da Dicção
em Perspectiva Comparada: Alemão/Português/Brasil, desen-
volvendo pesquisa acerca da relevância de elementos prosódi-
cos para a ensino-aprendizagem de ALE. É membro da comis-
são científica do Programa Bilíngue das Escolas da Secretaria
Municipal de Educação da Prefeitura do Rio de Janeiro para o
ensino de Alemão e tradutor juramentado pela Jucerja. Áreas
de interesse: Ensino de Línguas Adicionais, Formação de Pro-
fessores de Línguas Adicionais, Tradução, Fonética, Linguística
Aplicada. E-mail: ebolacio@gmail.com.

1 64
Gabriela Marques-Schäfer

Possui Doutorado em Linguística Aplicada pela Jus-


tus-Liebig-Universität Gießen, Alemanha e Mestrado em Es-
tudos da Linguagem pela Pontifícia Universidade Católica do
Rio de Janeiro. Suas áreas de interesse e pesquisa são ensino de
línguas e o uso de tecnologias, autonomia, interculturalidade
e internacionalização da formação de professores. E-mail: ga-
brielamarques@yahoo.com.

Karen Pupp Spinassé

Professora associada da Universidade Federal do Rio


Grande do Sul, doutora em Deutsch als Fremdsprache (DaF)
pela Technische Universität Berlin e pós-doutora na área de Bi-
linguismo e Educação Bilíngue pela Universität Potsdam e pela
Friedrich-Alexander-Universität Erlangen-Nürnberg. Atua na
Graduação em Letras Português-Alemão (bacharelado e licen-
ciatura), principalmente nas disciplinas de língua e didática de
ensino de Alemão, e no Programa de Pós-Graduação em Letras
da UFRGS, sendo pesquisadora das linhas de Linguística Aplica-
da, com foco na didática de ensino de línguas estrangeiras, e de
Sociolinguística, com foco nas línguas minoritárias e nas políti-
cas linguísticas em contexto escolar. É pesquisadora-fundadora
do Centro de Estudos Europeus e Alemães (CDEA) e coordena-
dora pedagógica dos cursos de Alemão da extensão (Nele) na
UFRGS. E-mail: spinasse@ufrgs.br.

Luciane Leipnitz

Bacharel em Letras Alemão-Português e doutora em Le-


tras pela UFRGS (2010) e desenvolveu pesquisa de pós-douto-
rado em aquisição de competência tradutória no Institut für
Angewandte Linguistik und Translatologie da Universidade de
Leipzig (2018). Trabalhou como docente no curso de bacharela-
do em Tradução da UFPB de 2011 a julho de 2020. Atualmente, é

165
docente no curso de Letras Alemão-Português na UFPel/RS. De-
senvolve pesquisa sobre aquisição de competência tradutória.
Atua no ensino de Alemão em projetos de extensão universitária
desde 2002. E-mail: luciane.leipnitz@gmail.com.

Magali Moura

Professora associada da Universidade do Estado do Rio


de Janeiro (Uerj), atua na graduação e pós-graduação em Letras,
dedicando-se a estudos de literatura comparada e ao ensino de
Literatura Alemã, com diversas publicações na área. Desenvol-
ve o projeto de extensão Vice-Versa, Relações Interculturais na
Prática, com foco na tradução das Lendas Alemãs dos Irmãos
Grimm e no desenvolvimento de estudos lexicográficos. Seu
atual projeto de pesquisa, Literatura e Natureza. Estudo sobre
Dialéticas da Criação Poética, contempla estudos na área da
ecocrítica, com destaque para as teorias de Goethe. E-mail: ma-
gali.moura@uol.com.br.

Mergenfel A. Vaz Ferreira

Professora associada da Universidade Federal do Rio de


Janeiro. Coordena desde 2014, o projeto de extensão Palep (Pro-
jeto Aulas de Línguas em Espaços Públicos). É membro da co-
missão científica do Programa Bilíngue das Escolas da Secreta-
ria Municipal de Educação da Prefeitura do Rio de Janeiro para
o ensino de Alemão e atua na coordenação do Núcleo de Língua
Portuguesa em Perspectiva Intercultural no Programa Institu-
cional de Bolsas de Iniciação à Docência (Pibid UFRJ/Capes).
Também na UFRJ, atua no curso de Letras (Português-Alemão) e
no Programa Interdisciplinar de Pós-Graduação em Linguística
Aplicada (Pipgla). Doutora em Estudos da Linguagem pela Pon-
tifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. E-mail: megvaz-
ferreira@letras.ufrj.br.

1 66
Mônica Maria Guimarães Savedra

Professora associada da Universidade Federal Fluminen-


se. Atua no Departamento de Línguas Estrangeiras Modernas
(GLE) e no Programa de Pós-Graduação em Estudos de Lin-
guagem. Líder do grupo de pesquisa Laboratório de Pesquisas
em Contato Linguístico (Labpec). Coordenadora do Projeto
Print-Capes UFF Multilinguismo, Direitos Linguísticos e De-
sigualdade Social. Também é cientista do nosso estado (CNE)
pela Fundação Carlos Chagas de Amparo a Pesquisa do Estado
do Rio de Janeiro-Faperj e bolsista de produtividade do CNPq.
E-mail: msavedra55@gmail.com.

Poliana Arantes

Professora adjunta de Língua e Literatura Alemã da Uni-


versidade do Estado do Rio de Janeiro e atua no Programa de
Pós-Graduação em Letras (mestrado e doutorado em Linguísti-
ca) da Uerj. É bolsista do Programa de Produtividade em Pesqui-
sa Prociência (Uerj/Faperj). Doutorou-se em Linguística (2013)
pelo Programa de Estudos Linguísticos da UFMG, com período
de doutorado-sanduíche (bolsa Capes/DAAD) na Albert-Lud-
wigs-Universität Freiburg. É líder do grupo de pesquisa do
CNPq Zeitgeist: Alemão em Contextos Universitários. É mem-
bro do Forschungsgruppe Medienkultur do Freiburg Institut of
Advanced Studies (Frias), integrante do Núcleo de Análise do
Discurso da UFMG(NAD-UFMG), coordenadora do Grupo de
Trabalho da Anpoll Discurso, Trabalho e Ética, membro-funda-
dor da Associação Brasileira de Estudos Germanísticos (Abeg)
e coordenadora da cátedra Sérgio Vieira de Mello, em convênio
de cooperação entre o Alto Comissariado da ONU para Refugia-
dos (ACNUR/ONU) e a Uerj. Orienta pesquisas de mestrado e
doutorado em Linguística Aplicada e possui produção acadêmi-
ca nas seguintes áreas: ensino e aprendizagem de Alemão como
Língua Estrangeira (ALE) e de Português com Refugiadas(os),
elaboração e análise de materiais didáticos para ensino de lín-

1 67
guas, análise do discurso com base em estudos enunciativos e
foucaultiano. E-mail: polianacoeli@yahoo.com.br.

Rogéria Costa Pereira

Professora na Casa da Cultura Alemã da Universidade


Federal do Ceará (UFC) desde 1994, onde atua em disciplinas
de Língua e Cultura Alemãs. Coordenadora de diversos proje-
tos de extensão, também possui pesquisas na área de aquisição
da pronúncia do Alemão como língua estrangeira por alunos
brasileiros, assim como sobre a motivação para o aprendizado
do Alemão em contexto acadêmico. É doutora em Linguística
pela Universidade Federal do Ceará (UFC). E-mail: rogeria_
pereira@ufc.br.

Roberta Cristina Sol Fernandes Stanke

Professora adjunta da Universidade do Estado do Rio de


Janeiro (Uerj), atuando nas áreas de Língua Alemã e Formação de
Professores. Especializou-se em Ensino de Alemão como Língua
Estrangeira pela Universidade Federal da Bahia (UFBA) em coo-
peração com a Universität Kassel, na Alemanha, e o Goethe-In-
stitut. É mestre em Linguística Aplicada pela Universidade
Federal do Rio de Janeiro. Desta universidade também obteve
seu título de doutora em Linguística Aplicada, com bolsa-san-
duíche por um semestre na Friedrich-Schiller-Universität Jena,
na Alemanha. Suas principais áreas de interesse e pesquisa são
ensino-aprendizagem de línguas/culturas, interculturalidade e
transculturalidade. E-mail: roberta.stanke@yahoo.com.br.

Tito Lívio Cruz Romão

Doutor em Estudos da Tradução (UFSC), mestre em Lin-


guística Aplicada/Tradução (Universidade de Mainz, Alemanha),
especialista em Interpretação de Conferências (Universidade de

1 68
Heidelberg, Alemanha), graduado em Letras (Francês, Inglês e
Português na Uece). Desde 1993, é professor do curso de Letras
(Alemão) da Universidade Federal do Ceará (UFC). Entre 1997 e
2001, foi leitor brasileiro no Centro de Estudos da Tradução da
Universidade de Viena. Desde 2017, é membro permanente do
Programa de Pós-Graduação em Letras/Literatura Comparada
da UFC. É tradutor público e intérprete comercial pela Jucec e
tradutor editorial. E-mail: cruzromao@terra.com.br.

1 69

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