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Resumo: O presente trabalho possui como tema o estudo acerca do confronto político entre
esquerda e direita através dos signos ideológicos, como proposto pelo Círculo de Bakhtin.
Valendo-se de signos verbais como esquerda, direita, socialismo, comunismo – e suas
variantes morfológicas esquerdista, comunista, socialista, etc – busca-se compreender com
este tudo o processo de luta de classes através destes signos ideológicos-verbais. Além do
mais, quer-se analisar os índices socais em confronto, com o objetivo de compreender quais
os sentidos estas palavras assumem quando inseridas em enunciados de políticos de diferentes
posicionamentos políticos-ideológicos. Todas essas reflexões e proposições buscam ainda
verificar se estes enunciados estão ativamente participando de uma cadeia dialógica de
interações e se essas palavras são empregadas efetivamente em enunciados de esquerda e de
direita. Valeremos nos aqui de conceitos próprios da Análise do Discurso Dialógica (ADD)
para fomentar toda a nossa reflexão, tais como: sentido, significação, tema, índices de valor,
acentuação, enunciado concreto e valoração.
É imperativo ressaltar que esse elo entre eu e o outro repercute nos diversos textos do
círculo, uma vez que para os membros do círculo esta relação está pautada na
indissociabilidade. Como afirmamos anteriormente, os enunciados conversam entre si, ora
como respostas a enunciados anteriores, ora suscitando uma réplica que pode ser de apoio ou
de recusa. E é justamente essa atitude responsiva vigente entre os enunciados que nos
possibilita observar a relação indissociável entre o eu e o outro, reflexão pertinente e assídua
nos escritos de Bakhtin, Volóchinov e Medviédev.
A seguir esmiuçaremos algumas das proposições as quais integram o pensamento dos
intelectuais russos aqui citados acerca da linguagem. Nas seções seguintes conceitos como
signo ideológico, enunciado concreto e dialogismo serão detalhados a partir da perspectiva de
Bakhtin e Volóchinov, a exposição desses conceitos fomenta e integra o aporte teórico desta
pesquisa acerca do discurso. Os seguintes tópicos comporão as próximas seções:
Comunicação verbal e enunciado concreto, gêneros discursivos e signos ideológicos.
Para o Círculo de Bakhtin a linguagem possui uma natureza social, portanto, toda a
nossa comunicação efetiva-se no ato da interação discursiva entre os membros participantes
de uma dada comunidade linguística. Além disso, o Círculo defende ser a linguagem o lugar,
em que as mais diversas diferenças e divergências, convivem. Faria e Silva (2013) corrobora
com essa ideia ao afirmar que “[...] os enunciados estão sempre ligados a uma atividade
humana, desempenhada por um sujeito que tem lugar na sociedade e na história, ou seja, um
sujeito que sempre está em interação com outros sujeitos.” (FARIA E SILVA, 2013, p. 51)
Para Bakhtin (2016) a comunicação social realiza-se por meio de enunciados
concretos, sejam eles orais ou escritos, enunciados esse que são gerados no interior de uma
das ideologias. Tem-se então nas palavras de Bakhtin: “O emprego da língua efetua-se em
forma de enunciados (orais e escritos) concretos e únicos, proferidos pelos integrantes desse
ou daquele campo da atividade humana.” (BAKHTIN, 2016, p. 11)
Sendo assim, o mesmo ocorre com os enunciados-concretos, como afirma Faria e
Silva (2013) e também Volóchinov (2017) esses enunciados são gerados no seio das relações
sociais, na comunicação discursiva e entre interlocutores socio-político-historicamente
situados e organizados, nas palavras de Volóchinov (2019b, p.267) “É na comunicação
discursiva (um dos aspectos da comunicação mais ampla: a social) que são elaborados os mais
variados tipos de enunciados, correspondentes aos diferentes tipos de comunicação social.”
É justamente pelo fato de nascerem a partir de relações socialmente mediadas que todo
enunciado é orientado socialmente para o outro, espera e suscita uma resposta bem como já
são uma resposta a enunciados anteriores, sobre isso afirma Faria e Silva (2013) “[...] quando
falamos, sempre nos dirigimos a outro, ainda que não saibamos quem esse outro é; ao mesmo
tempo, sempre estamos retomando o que outros já disseram.” (FARIA E SILVA, 2013, p. 52).
Ademais, essa orientação social do enunciado possui importante papel, já que atua como uma
força reguladora/organizadora que juntamente com a situação do enunciado influencia
diretamente no estilo e estrutura gramatical dos enunciados (VOLÓCHINOV, 2019b).
O enunciado é justamente essa unidade real da língua e da comunicação verbal que é
formado por uma parte verbal (os signos verbais, as palavras) e uma parte extraverbal que
corresponde ao contexto de produção, ao espaço, ao tempo, ao tema e as relações que os
interlocutores possuem com determinado fato.
Volóchinov (2019a) afirma que os atos valorativos compreendem junto com a palavra
todos os aspectos extraverbais. Todos esses aspectos extraverbais configuram a situação do
enunciado. Situação essa a qual é estritamente determinada pelo contexto que se encontra fora
dos aspectos linguísticos, ou seja, além da língua. Para a melhor compreensão da situação de
um enunciado concreto completo, é fundamental o entendimento de quem são os
interlocutores e como eles preenchem o auditório do qual participam, bem como é necessária
a compreensão do contexto socioeconômico de que faz parte essa coletividade.
Além do mais, são exatamente esses enunciados e a troca que ocorre entres que acaba
por acarretar o que Volóchinov determina como interação discursiva, o que por sua vez
resulta em um discurso dialógico. Em seu texto “A construção do enunciado” Volóchinov
(2019b) aponta os dois momentos intrínsecos à comunicação discursiva, temos então nas
palavras de Volóchinov (2019b, p. 272) “a comunicação discursiva [...] é composta por dois
momentos: o enunciado do falante e a compreensão desse enunciado pelo ouvinte.”
Dando continuidade à sua reflexão Volóchinov (2019b) nos apresenta à atitude
responsiva presente na troca de enunciados. Ou seja, os enunciados concretos completos
esperam ser respondidos, aceitos, criticados ou ainda ironizados.
Refletindo acerca da linguagem Bakhtin (2016, p. 11) nos guia ao seguinte raciocínio
“Todos os diversos campos da atividade humana estão ligados ao uso da linguagem”. Para
Bakhtin (2016) é através dos enunciados concretos que ocorre de maneira efetiva o uso da
língua. Justamente porque os enunciados são essas unidades reais da língua, e por serem reais
refletirão as condições das esferas da atividade humana de onde eles advêm.
Dessa forma os enunciados são reflexos dos campos em que estão inseridos. Cada
campo da atividade humana elabora seus respectivos enunciados, acerca disto refletem
Volóchinov “Em condições e em um ambiente diferente, esse enunciado sempre terá sentidos
distintos.” (VOLÓCHINOV, 2019, p. 283) e Bakhtin:
Ainda nesta reflexão, como já mencionamos anteriormente, cada uma das esferas da
criação da atividade humana apresentará sua forma específica de olhar para a realidade
através de seus signos e seus enunciados concretos produzidos por membros dessas esferas
ideológicas. É justamente na ideologia do cotidiano que estão presentes os gêneros primários,
é essa ideologia do cotidiano que atua como ponto de partida para a formação das esferas
ideológicas, de onde surgem os gêneros secundários. E ao mesmo tempo que age como esse
ponto de partida, a ideologia do cotidiano sofre também a influência dessas esferas
ideológicas constituídas e sistematizadas.
O signo tal como compreendido por Bakhtin e Volóchinov é um fenômeno que nasce e
se desenvolve no interior das esferas ideológicas, isto porque como afirma Volóchinov “O
campo ideológico coincide com o campo dos signos. Eles podem ser igualados. Onde há
signo há também ideologia.” (VOLÓCHINOV, 2017, p. 93). É necessária também a
compreensão do surgimento dos signos no meio social. Os signos existem mediante uma
coletividade social inteiramente organizada, ou seja, os signos surgem a partir de indivíduos
que estejam socio-historicamente inseridos em uma dada coletividade, somente dessa maneira
os signos emergem como um fator externo, vinculado à realidade social na qual eles surgem,
assim:
Faraco (2009) também reflete sobre este aspecto social do signo e corrobora com a
visão do círculo no que tange a realização dos signos e sua posição social. Acerca deste
aspecto, Faraco nos aponta o seguinte:
[...] os signos são intrinsicamente sociais, isto é, são criados e interpretados no
interior dos complexos e variados processos que caracterizam o intercâmbio social.
Os signos emergem e significam no interior de relações sociais, estão entre seres
socialmente organizados; não podem, assim, ser concebidos como resultantes de
processos apenas fisiológicos e psicológicos de um indivíduo isolado; ou
determinados apenas por um sistema formal abstrato. Para estudá-los é
indispensável situá-los nos processos sociais globais que lhes dão significação.
(2009, p. 48)
Outro fator a ser abordado, é o fato de Volóchinov (1929) ter dado especial atenção ao
signo ideológico verbal (palavra). Isto porque para o autor a palavra caracteriza-se como o
signo ideológico por excelência, tendo em vista a sua flexibilidade ideológica, marcada por
sua onipresença social. Isto quer dizer que dentre a diversidade de signos existentes (verbais e
não-verbais) a palavra é a única capaz de preencher as inúmeras esferas ideológicas
existentes. Sejam elas religiosa, política, cientifica, moral, estética etc. Em outras palavras, as
esferas ideológicas existentes possuem seus signos específicos, cumprindo funções também
específicas dentro da ideologia da qual fazem parte. De acordo com Volóchinov:
Enquanto signo ideológico par excellence (VOLÓCHINOV, 2017, p. 99) ela (a palavra) não
se transforma em signo, a palavra já nos é dada como signo por sua essência. Nas palavras de
Volóchinov (2019c, p. 312):
O corpus desta pesquisa conta com 95 postagens coletadas na rede social Twitter. A
escolha da rede social justifica-se pelo fato de a rede em questão oferecer uma ferramenta de
pesquisa a qual facilita a coleta dos dados para a análise deste estudo. A rede social em
questão nos deu uma maior facilidade no que diz respeito a coleta de dados, já que ao acessar
o perfil de cada um dos candidatos o Twitter apresenta uma ferramenta de pesquisa indicada
por uma lupa, isto nos permitia pesquisar no perfil de cada um dos candidatos escolhidos para
esta pesquisa, as palavras que compõem o corpus deste trabalho. Além dessa ferramenta, o
Twitter nos possibiliza fazer um recorte temporal, tornando assim o nosso trabalho de coleta
de dados mais prático e fácil.
Assim, usamos a rede social para que pudéssemos coletar enunciados concretos
completos de políticos de esquerda e de direita em que constassem os signos verbais a serem
analisados nesta pesquisa. Em relação ao recorte de tempo, os enunciados coletados deveriam
corresponder ao período de 2019 a 2022, período no qual tínhamos como presidente do Brasil
o deputado Jair Messias Bolsonaro.
Justifica-se este recorte temporal pelo fato de que neste período os signos verbais que
compõem o corpus desta pesquisa, tais como: polarização, esquerda, direita, comunismo,
socialismo, etc. Passam a circular de maneira assídua nos enunciados de diversos políticos
brasileiros. Como o nosso objetivo pretende analisar a construção de enunciados por políticos
de esquerda e de direita que possuam essas palavras mencionadas anteriormente, fez-se
necessário que nós estipulássemos alguns candidatos que bem representassem ambos os
espectros políticos-ideológicos, bem como fossem candidatos assíduos nas campanhas
eleitorais. Dessa forma, dividimos os políticos em espectro da direita com os seguintes
candidatos: Jair Messias Bolsonaro, Eduardo Bolsonaro, Kim Kataguari, Joice Hasselmann, e
Abraham Weintraub e espectro da esquerda com os políticos a seguir: Guilherme Boulos,
Manuela d’Ávila, Lula e Fernando Haddad.
A escolha destes candidatos e destas palavras deu-se também pelo fato de estes
políticos em questão representarem a intensa polarização que se inicia nesse contexto político
e social a partir de 2018 entre esquerda e direita, quando o deputado Jair Messias Bolsonaro
demonstrava grande interesse em concorrer ao cargo de maior representação política brasileira
e também pelo fato de o deputado em questão, com um discurso conservador e
anarcocapitalista, começar a despontar nas redes e nas mídias sociais como um possível
salvador da pátria brasileira.
Nesse contexto, imediatamente a ideologia política de esquerda encontrava como seu
maior representante o professor e advogado Fernando Haddad, que irrompia como uma
grande força de oposição ao deputado Bolsonaro. Assim, a esquerda brasileira naquele
momento de grande tensão e efervescência política insurgia-se para combater os discursos
conservadores, pautados na moral e na ética, postulados por Bolsonaro e seus seguidores.
Partindo destas questões acima mencionadas, buscamos com este estudo responder
alguns questionamentos pertinentes à nossa pesquisa, nomeadamente: Políticos de ambos os
partidos empregam efetivamente as palavras estipuladas aqui para análise? Em caso positivo,
há índices contraditórios nelas, isto é, acentuação distinta quando empregadas nos enunciados
concretos de um e de outro partido? Há um sentido homogêneo nessas palavras conforme o
partido (uma única acentuação) que as emprega ou há variações dentro do mesmo grupo
social? Ou estas palavras compõem os enunciados de um grupo bem mais que de outro? Os
sujeitos dos partidos de esquerda e de direita estabelecem relações dialógicas, por meio de
seus enunciados, em relação aos acentos/índices sociais de valor que imprimem nas palavras
em questão?
A pesquisa justifica-se, por um lado, pela contribuição que pode fornecer acerca da
configuração ideológico-discursiva do discurso político brasileiro atual e, por outro, pela
contribuição à teoria bakhtiniana acerca do sentido. Esperamos que os problemas encontrados
no corpus conduzam a questões para a teoria de modo que ela possa ser colocada à prova.
MIOTELLO, Valdemir. Ideologia. In: BRAIT, Beth (org.). Bakhtin: conceitos-chave. 2. ed.
São Paulo: Contexto, 2005.
______. A palavra e sua função social. In ______. A palavra na vida e a palavra na poesia:
ensaios, artigos, resenhas e poemas. Organização, tradução, ensaio introdutório e notas de
Sheila Grillo e Ekaterina Vólkova Américo. São Paulo: Editora 34, 2019c.