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CONCEPTUALIZAÇÃO DA MEDIAÇÃO SOCIAL EM TRABALHO EM REDE

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Helena Almeida
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CONCEPTUALIZAÇÃO DA MEDIAÇÃO SOCIAL
EM TRABALHO EM REDE

HELENA NEVES ALMEIDA 1

O conceito de mediação deriva etimologicamente do latim

mediare (interpor-se) e foi empregue através dos tempos

para designar uma oferta de interposição muitas vezes

imposta a dois beligerantes. Actualmente o termo

ultrapassa largamente essa concepção, e assume-se como


2
um modo de gestão de um "sistema de transacções" no

quadro da acção social. A prática de mediação surge nos

anos 70 nos Estados Unidos da América principalmente no

sentido de regular litígios sem recurso a instancias

jurídicas, como uma prática decorrente da insatisfação

sentida pelas pessoas devido à lentidão dos processos

judiciais, aos seus custos e por vezes à falta de respeito

1
Professora auxiliar do Instituto Superior Bissaya-Barreto (Coimbra), Doutorada em Trabalho Social pela
Faculdade de Letras da Universidade de Fribourg (Suiça).
2
BONDU D., Nouvelles pratiques de médiation sociale. Jeunes en difficultés et travailleurs sociaux, Paris, ESF,
1998, p.14.

3
Conceptualização da Mediação Social em Trabalho em Rede » Helena Neves Almeida

pelas decisões. A mediação emerge como um Existem sobretudo duas concepções de

modo de resolução de conflitos entre mediação: uma ligada à cultura americana que

particulares e entre estes e os serviços a encara como um meio alternativo de

públicos e como "um modo de regulação resolução de conflitos, embora com contornos

social"3 de que as "boutiques de droit" e os próprios, e uma outra, mais universalista,

"community board" são exemplo4. europeia, herdeira da Declaração dos Direitos

do Homem e do Cidadão de 1789, em que “o


3
Cf. BONAFÉ-SCHMITT J.P., “Plaidoyer pour une
sociologie de la médiation” in Annales de outro” é um ser diferente mas igual, e para a
Vaucresson, 29, 1988, pp.19-44, et BONAFÉ-
SCHMITT, J.P. & al., Médiation et régulation qual as semelhanças são mais importantes do
sociale, GLSI -Université Lyon II, 1992.
4 que as diferenças. Neste contexto, a mediação
As boutiques de droit, associações de informação
jurídica, surgiram em França (1975) por iniciativa
de advogados e militantes associativos. Instalaram- está centrada sobre a regulação constante das
se nos bairros para dar resposta à procura social
das populações mais desfavorecidas e facilitar- relações sociais. Ela opera novos laços, de
lhes o acesso ao “direito a ter direito”. O projecto
de mediação sobre o qual as "boutiques de droit" forma criativa, renovando laços cortados,
assentam, baseia-se na criação de estruturas de
proximidade e na implicação activa dos habitantes. gerindo a sua ruptura. Enquanto os
Por tudo isto, Bonafé-Schmitt considera a
mediação, uma justiça doce. Nos termos da "Carta
americanos têm o culto da negociação, os
da mediação e das boutiques de droit" (divulgada
por Philippe Turrel, Vers un droit d'ingérence
sociale , 1995, in SIX, J.F., Dynamique de la europeus têm o da lei. Bonafé-Schmitt (1999,
médiation, Paris, Desclée de Brower, 1995, p.147)
o conceito parece como percursor de um direito de 18) está convencido de que “as formas e o
ingerência social (“ Le choix d’action des Boutiques
de Droit procède d’un droit d’ingérence sociale de
certains acteurs de la Société Civile qui permettrait
à des habitants des quartiers, désignés comme permitiu dar voz aos conflitos existentes, tendo
médiateurs, d’être porteurs d’une certaine sido criado um espaço onde as pessoas podiam
légitimité” in TURREK, op. cit., p.8.) de certos falar dos seus problemas e resolvê-los com a ajuda
actores da sociedade civil, direito que daria de terceiros e extra-judicialmente. Nesta
legitimidade aos habitantes dos bairros designados perspectiva, mediação é também entendida como
como mediadores. O domínio da sua acção é o uma acção preventiva da marginalidade. A
contencioso do quotidiano, é a regulação de litígios experiência de San Francisco é diferente de outros
menores (pequenos furtos, querelas verbais, maus modelos de mediação, uma vez que: a) a
cheiros na via pública). No que respeita as mediação é concebida como um meio de
Community Boards, a mais conhecida é a de San solucionar assuntos penais, como uma acção de
Francisco que funciona independente dos prevenção de criminalidade, e b) visa a regulação
tribunais. Esta iniciativa visava humanizar o tecido pacífica de conflitos menores pela revitalização do
social em que se manifestam conflitos espírito comunitário nos bairros urbanos. Neste
interpessoais e pretendia implicar cada cidadão contexto, a mediação ultrapassa a resolução de
através da sua responsabilização na procura de conflitos: os cidadãos procuram a paz social pela
uma solução. O trabalho de base consistiu no redução de tensões sociais e raciais, pelo
estabelecimento de contactos com a população e desenvolvimento de solidariedades , pela
com as instituições. O clima de confiança criado prevenção de conflitos de vizinhança. Neste caso, a

4
Investigação e Debate (17)

desenvolvimento da mediação nos diferentes equipamentos domésticos e das

países são directamente influenciadas pelos comunicações. Porém, à crescente

sistemas de regulação social”. Uma análise institucionalização das relações sociais

comparada desenvolvida pelo autor e seus associou-se uma burocratização dos serviços

colaboradores sobre a medição penal que tem contribuído para o arrastamento do

existente em França e nos Estados Unidos, processo de resolução das situações,

evidencia diferentes modelos de integração sobretudo no âmbito da justiça, da saúde e

social subjacentes aos modelos de medição. O da protecção social.

modelo francês é universalista e republicano e Apesar de os princípios da igualdade de

o modelo americano é diferencialista ou direitos sociais e da universalidade da

comunitário. Estas diferenças de modelos protecção social pública fazerem parte da

explicam porque nos Estados Unidos se fala nossa memória colectiva recente, o direito à

mais de “mediação comunitária” e que em indignação começa a ter eco junto das

França se realce “a mediação de bairro, social populações, sempre que as decisões políticas

ou intercultural”. Após os anos oitenta, inibam ou contrariem a aplicação de tais

começou-se a falar de práticas de mediação direitos. Surgem queixas individuais e até

fortemente influenciadas pelas correntes movimentos sociais de contestação 5 e de

americanas. reivindicação, que exigem o desenvolvimento

Numa Europa cujo desenvolvimento se de processos que facilitem a resolução dos

processa a ritmos diversos, Portugal é um dos conflitos emergentes. Nesse sentido, a

países da União Europeia cuja modernização administração pública instituiu nos diversos

económica e social se tem vindo a processar serviços gabinetes para a recepção de queixas

sobretudo nas últimas três décadas, com


informação, educação e acção”.
5
indicadores positivos a nível dos padrões de É disso exemplo, o movimento de contestação à
política de co-incineração dos resíduos tóxicos,
desenvolvida pelo Governo Português, que tem
consumo, dos costumes, do acesso aos
mobilizado a população em grupos de contestação
social no sentido de encontrar alternativas que
respeitem as preocupações da população em
mediação "é uma incitação cívica e pessoal pela relação ao meio ambiente e à saúde pública.

5
Conceptualização da Mediação Social em Trabalho em Rede » Helena Neves Almeida

individuais relativas aos conflitos que possam povos. Face ao exposto, pode-se afirmar que

existir entre utentes e serviços, mas a sua em Portugal o conceito e a prática de

resolução é demorada. A nível de pequenos mediação estão em construção, pelo que se

conflitos entre cidadãos, e a nível de torna imperioso aprofundar conhecimento

consumo, foram instituídos tribunais de neste domínio.

arbitragem, tentando diminuir os custos que De facto, a prática de mediação expandiu-se

acarretam processos judiciais demorados. Em por diversos campos de intervenção e foi

qualquer destes recursos utilizam-se assumindo diferentes perfis no quotidiano.

processos alternativos de resolução de Hoje assiste-se à proliferação da diversidade

conflitos, como a conciliação, a negociação ou de mediadores e de práticas de mediação

a arbitragem. Porém, tais processos não se como resposta criativa a conflitos inscritos nas

confundem com a mediação6. A mediação relações inter-pessoais ou decorrentes de

social tem sido assegurada por profissionais mudanças sociais, designadamente, a

que trabalham nas organizações sociais, mas institucionalização das relações sociais,

está desprovida de uma concepção clara e alterações a nível do perfil e funções da

orientada por finalidades específicas. Se a família, a mundialização da economia, a

nível europeu a mediação está presente no expansão da sociedade da informação e a

discurso político e na prática institucional, em crise do Estado-Providência. Defende-se o

Portugal tem sido essencialmente utilizada a processo de mediação em áreas diversas,

nível político, designadamente no plano quando o conflito assume um papel

internacional e no caso de conflitos entre predominante nas relações a nível familiar,

6
penal, administrativo, escolar, político, social,
Constituem excepções algumas práticas
comunitárias onde se começa a fazer intervir a ou a nível empresarial, e sempre que a
figura de mediador (por exemplo, no quadro das
políticas de integração das minorias étnicas) e na
procura de alternativas exigir a intervenção de
área familiar que, neste momento, possui
instâncias de mediação, designadamente o
Instituto Português de Mediação Familiar (1993) e uma terceira pessoa que valorize a
a Associação Nacional para a Mediação Familiar
(1997), dando corpo a uma prática de mediação, já comunicação entre as partes e a capacidade
instituída na Europa há alguns anos.

6
Investigação e Debate (17)

de tomada de decisão por parte dos litigantes intervenção de uma terceira pessoa exterior à

no estabelecimento de um acordo mútuo. O sua rede de relações. Porém, a dispersão e

conflito, o equilíbrio e a mudança constituem difusão acometida a tal diversidade poderão

pólos referenciais da expansão de práticas constituir um indicador de insuficiente

mediadoras; a mediação é utilizada em reflexão que descapitaliza o conhecimento a

situações de conflito, no sentido de o nível da intervenção.

controlar ou prevenir, estabelecer ou A primeira exigência que se coloca é a

reestabelecer laços sociais, e deste modo, clarificação conceptual.

regular relações sociais ou impulsionar

mudanças a nível pessoal, inter-individual e 1 – CARACTERÍSTICAS CONCEPTUAIS DA

social. MEDIAÇÃO

No quadro da diversidade da produção escrita

sobre a mediação, são predominantes as 1.1 - A mediação é frequentemente

abordagens sociológicas reflexivas, raramente confundida com conciliação, arbitragem,

de base ontológica. Ora, a diversidade de negociação e resolução de conflitos, mas

práticas profissionais constitui um factor de constitui um processo distinto.

dinamização do saber fazer, dada a

criatividade permanente que a complexidade  A conciliação é um processo formal ou

das situações-problema coloca ao processo de informal pelo qual as partes, com a

procura de alternativas. Este tem sido um intervenção ou não de uma terceira

factor valorizador do saber profissional pessoa, tendem a aproximar os seus

daqueles que diariamente contactam com pontos de vista visando uma solução para

utentes de serviços sociais, com populações o seu litígio. Quando existe uma terceira

socialmente excluídas ou com pessoas que no pessoa, compete-lhe propiciar a discussão

seu dia-a-dia se debatem com do assunto entre as pessoas,

conflitos/problemas cuja solução passa pela restabelecendo a comunicação e

7
Conceptualização da Mediação Social em Trabalho em Rede » Helena Neves Almeida

ajudando as partes em litígio a encontrar conjunto com as partes envolvidas. Deste

soluções através de um processo de modo, conciliação e mediação são de natureza

sucessivas aproximações. O conciliador semelhante apesar de a conciliação ser de

organiza o encontro entre dois ou mais natureza judiciária8 e a mediação de natureza

parceiros em conflito e promove a extra-judiciária (Six, J.P., 1995). Uma

realização de um acordo verbal ou escrito. característica da mediação é o facto de ela ser

A conciliação é ainda um estado de "non-procedure", como refere Paul Paclot9,

espírito, que caracteriza todos os que Presidente honorário do Tribunal de Comércio

privilegiam as relações humanas, a atitude de Paris, num colóquio realizado em 1986.

de escuta e diálogo, e que os adquirem Com efeito, as partes estão livres do

depois de uma reflexão seriamente constrangimento processual, e tal facto

conduzida tanto a nível teórico como contribui para que aqueles que a ela recorrem

prático. Não se improvisa e é um não a percebam como uma justiça. O

"suplemento de alma" 7 ao procedimento mediador não está investido de qualquer

clássico da justiça. A prática da conciliação poder, nem tem o imperium do juiz. "Esta

confronta-se com os limites da prática da forma de mediação por conciliação é muito

palavra inerentes a qualquer reencontro utilizada tanto nas interacções privadas (no

inter-subjectivo (Martin & Masson, 1986).

Le Bulletin, 8, 1986.
8
Pierre Estoup num artigo publicado em 1986
Aquilo que separa a mediação da conciliação é considera que os tribunais não são forçosamente o
local único de solução de todos os conflitos. É
uma questão de peso e duração. A mediação necessário que para pequenos litígios sejam
favorecidas soluções rápidas e pouco onerosas ,
aplica-se a questões de maior importância, fundadas sobre a equidade. Porém, salienta que o
desenvolvimento de procedimentos de conciliação
e de composição amigável exige uma mudança de
sendo o tempo utilizado no processo maior do mentalidades de todos os participantes na acção
judiciária (cf. ESTOUP P., “Conciliation et amiable
que na conciliação. Em todo o caso a proposta composition” in Le Bulletin, 8, 1986, pp. 9-12).
9
Presidente honorário do Tribunal de Comércio de
de solução formulada resulta de um trabalho
Paris. Comunicação feita no âmbito do colóquio
organizado pela Associação Francesa de
Arbitragem, consagrado à arbitragem e à
7
MALIGNE P., “De la conciliation aux arbitrages” in mediação, 20 Jan.86, 21-30 (citado por SIX J.F., Le

8
Investigação e Debate (17)

seio da família e das redes de sociabilidade) está presente nos modos juridiscionais de

como nas interacções públicas (grupos de regulação de conflitos, sejam eles

pares, sociabilidades profissionais)” (Macé, familiares, de consumo ou de outra

1996). ordem. A arbitragem não é um modo de

conciliação. É um modo de justiça que

 A arbitragem é um processo formal pelo chega a uma decisão arbitral e tem todas

qual as partes, de comum acordo, aceitam as características de uma decisão

submeter o seu litígio a uma terceira judiciária. A arbitragem é caracterizada

pessoa que terá por missão resolvê-lo por ser: a) - uma acção institucionalizada :

depois de os ter ouvido e estudado os a decisão é pronunciada por uma terceira

seus respectivos argumentos (Bonafé- pessoa que não representa nenhuma das

Schmitt, J.P., 1999). O árbitro tem por partes e de forma independente, apenas

missão resolver o litígio e a sua decisão tendo em consideração os dados

obriga as partes. No caso da arbitragem as apresentados por cada uma das partes; b)

duas partes colocam nas mãos de um - uma acção rápida: o tempo requerido

terceiro o poder de impôr uma decisão reduz-se ao necessário para a análise da

que se propõem aceitar. A mediação situação, após ouvir os intervenientes na

considera os direitos daqueles cujos contenda, e uma tomada de decisão.

interesses são contraditórios e solicita um

posicionamento activo. Neste caso, os Mas é necessário distinguir ainda mediação,

antagonistas não podem nem devem negociação e resolução de conflitos.

abdicar da sua possibilidade de agir, eles  A negociação é um processo que permite

devem participar tão activamente quanto que duas ou mais partes em presença,

possível na procura de uma solução, criá- com interesses opostos, estabeleçam um

la e decidir em conjunto. A arbitragem acordo através de contactos directos

temps des médiateurs, Paris, Éditions du Seuil, 1990).

9
Conceptualização da Mediação Social em Trabalho em Rede » Helena Neves Almeida

entre os representantes das partes. Na este perfil não se ajusta ao de mediador.

sua origem a negociação não se Os dois processos são autónomos mesmo

desenvolvia sobre um conflito, mas sobre que por vezes se articulem. A mediação

as condições de uma mudança. Hoje a não se reduz à negociação nem esta

negociação estendeu-se aos conflitos implica sempre uma mediação e vice-

sociais. A negociação pressupõe uma versa, uma vez que implica uma terceira

confrontação directa entre as duas partes, pessoa não pode ser assimilada à

podendo cada uma ser assistida por negociação e não pode ser considerada

advogados ou peritos. " A negociação não como uma serva da negociação, um

é mais do que um jogo estratégico entre o facilitador da tarefa de negociação como

conflito e a cooperação" (Simonet,J. & defende H.Touzard. De facto a mediação

Simonet, R., 1987, 50). A negociação tem sido considerada uma serva da

repousa sobre um fundo de interesses negociação. Porém, convém assinalar que

comuns e interesses opostos que a mediação não é uma parte de um

permitem estabelecer um acordo a fim de conjunto mais vasto chamado negociação,

se poder cooperar. Touzard (1977, 400) ela tem a sua própria autonomia.

considera que compete ao mediador  A mediação também não se confunde

"facilitar a realização de um acordo entre com a resolução de conflitos. Na

as partes", inserindo a mediação no linguagem corrente a mediação surge

quadro da negociação. Mas significará isso associada à resolução de conflitos, e seria

que o mediador seja um negociador? um modo não violento de os resolver. O

Segundo este autor, o mediador regula as conflito é em si mesmo uma realidade útil

relações interpessoais e seria uma mais e um factor de desenvolvimento. Apenas

valia para o processo de negociação. A a violência perverte o conflito e

terceira pessoa assumiria um papel de transforma os adversários legítimos e

"agente de facilitação na negociação". Ora normais em inimigos que em vez de

10
Investigação e Debate (17)

procurarem encontrar um equilíbrio nas conciliação e a negociação podem constituir

suas relações pretendem tirar a "pele" do orientações práticas a considerar no decurso

outro. O conflito em si próprio não é bom de uma mediação. Ou seja, se por razões que

nem mau, ele é a pior e a melhor das se prendem com a natureza e as finalidades

coisas. A melhor quando o seu confronto da mediação, a prática de arbitragem e de

permite encontrar soluções inovadoras resolução de conflitos não se podem

adaptadas aos interesses das partes em confundir com aquela, já no que respeita à

presença e pior quando a forma de o negociação e à conciliação elas podem ser

ultrapassar faz recurso à violência. Deste integradas no processo de mediação como

modo, pode-se fazer uma boa ou má estratégias, uma vez que dão alguma margem

gestão do conflito. A mediação não é um de manobra ao mediador. O objectivo da

meio de dissolução dos conflitos, pois mediação não é o de promover a conciliação

assim não seriam salvaguardadas as ou a negociação, mas estes podem ser

diferenças entre os adversários, objectivos-meio importantes no decurso da

mantendo-as através de acordos; pelo acção.

contrário, essas diferenças seriam Se a mediação não se confunde com nenhum

apagadas no sentido de alcançar uma dos processos referidos, o que entendemos

espécie de "ideal de fachada". por mediação?

Embora diferentes, os conceitos traduzem

práticas que sendo diversas se articulam e 1.2 - A mediação é um mecanismo de

imbricam umas nas outras. Poder-se-á regulação a nível societal e

encontrar no processo de mediação interindividual.

procedimentos próximos da negociação ou da

conciliação. O conceito de mediação está Por toda a Europa têm emergido mediadores

totalmente desligado dos conceitos de diversos. Cada país adoptou a mediação como

resolução de conflitos e de arbitragem, mas a um modo alternativo de resolução de

11
Conceptualização da Mediação Social em Trabalho em Rede » Helena Neves Almeida

conflitos e como um modelo de regulação mediação interindividual é entendida como

social, sabendo que “a regulação social é o um modo não contencioso de regulação de

conjunto de mecanismos através dos quais se litígios, sob a égide de uma terceira pessoa.

criam, se transformam e se anulam as regras. Em qualquer mediação poder-se-á considerar

A regulação social toma a forma de mediações a existência de uma micro-mediação (inter-

sociais e interindividuais. Elas preenchem uma individual) e de uma macro-mediação

dupla função, latente e manifesta: “fazer (societal) que formam um contínuum variável

sociedade” e “regular conflitos””( De Briant e segundo a representação que os actores têm

Palau, 199,43). do processo.

A mediação define-se como o A mediação “faz sociedade” na medida em

“relacionamento entre dois termos e dois que ela cria laços sociais fundados em

seres” (ibid, 43). Ora, na perspectiva das representações culturais e históricas da

ciências sociais, a mediação é mais do que o sociedade. Mas ela é igualmente um processo

estabelecimento de relação entre a sociedade alternativo de resolução de conflitos, um

e o indivíduo. Ela é simultaneamente societal modo que permite a sua transformação

e interindividual, mesmo que os diferentes partindo de um compromisso.

actores sociais não tenham consciência dessa

dualidade. A mediação é societal na medida 1.3 - A mediação assenta num conjunto de

em que esse relacionamento visa “constituir “estruturas fundamentais”10,

ou desenvolver laços sociais e tratar ou designadamente uma terceira pessoa, uma

prevenir conflitos” (ibid, 118) . Inserem-se ausência de poder de decisão, uma mudança

nesta categoria as mediações da linguagem, por catálise e a comunicação.

do direito, da escola, enquanto operações de

construção da realidade, de laços sociais, a) Uma terceira pessoa

“vectores de sensibilidades e matrizes de

sociabilidades” (Debray, 1991, 15) . A 10


Cf. Six, J.F., Le temps des médiateurs, op.cit. 165-
193.

12
Investigação e Debate (17)

A primeira condição para que haja mediação é necessariamente um terceiro elemento

a interposição de um terceiro elemento. Essa independente dos dois protagonistas ou

terceira pessoa pode ser uma instituição a que antagonistas. Esta condição é essencial para

uma das partes de um conflito faz apelo. Se o não se pensar que estamos perante uma

terceiro se encontra implicado num dos dois mediação quando ainda nos encontramos

campos, não se poderá falar de mediação. O numa situação dual, em que o "mediador"

lugar mediano que ocupa na relação permite- ocupa uma posição de interventor com poder

lhe quebrar a dualidade em que se encontram de decisão. Numa mediação surgem

as partes e assumir uma posição de referência acusações entre os dois antagonistas num

central comum às mesmas. No contexto da processo de culpabilização mútua. Ora a

mediação a linguagem opera um mediação consiste em fazer passar a ideia que

distanciamento em relação aos não há ganhadores nem perdedores e que o

acontecimentos imediatos e permite sucesso de um não significa a morte ou a

expressar o significado desses rejeição do outro.

acontecimentos. Tal distanciamento é um

trabalho de liberdade. Quando ocorrem trocas b) Ausência de poder

que permitem estabelecer um contrato entre O não poder constitui a segunda condição

as partes, mais do que uma partilha, tal para que se considere que a acção é de

significa um desprendimento em relação a mediação. A interposição de um mediador

interesses considerados relevantes por cada não significa que ele exerça um poder

uma delas. Pelo contrato cada uma das partes decisório, apesar de por vezes lhe poder ser

liga-se à outra por livre vontade. dado um estatuto de árbitro ou de juiz.

Ao contrário de um julgamento , de uma Mesmo que o requerente o deseje, mais ou

arbitragem ou de uma negociação, que são menos conscientemente, mesmo que o

situações duais , a mediação é uma situação mediador o deseje, mais ou menos

no mínimo "trial". Ela implica secretamente, não pode ser exercido nenhum

13
Conceptualização da Mediação Social em Trabalho em Rede » Helena Neves Almeida

poder de decisão durante a mediação. O dar. Ao mediador reconhece-se uma

mediador não toma o lugar das partes autoridade moral, que também é uma forma

envolvidas: ele deve suscitar a sua liberdade, de poder mas não de influenciar directamente

criar condições para que estabeleçam uma o curso dos acontecimentos, não um poder

relação efectiva que permita encontrar uma judiciário ou legislativo. A procura de uma

solução imaginada ou inventada por iniciativa terceira pessoa deve-se a essa autoridade

e esforço das duas partes, e possam moral que se exerce num clima de confiança e

implementá-la concretamente. A mediação respeito pela liberdade de cada um, sem o uso

processa-se por livre consentimento e da força, coerção ou qualquer meio de

envolvimento das partes, com liberdade de pressão11. No entanto, no espaço da relação

escuta das sugestões do mediador, libertos movimentam-se energias que se traduzem em

até de qualquer poder de sedução. poderes, porventura menos claros, que

Quando o poder superior designa um analisaremos mais tarde.

mediador, ele é visto pelas partes como

alguém que , mais tarde ou mais cedo, vai c) Processo catalítico

aplicar as decisões projectadas pelo poder em Etimologicamente derivado do grego Katalysis

questão. Mas para se ser mediador a acção o termo catálise é utilizado na química para

tem de ser desenvolvida com autonomia, com designar a "modificação da velocidade de uma

uma determinada margem de manobra. O


11
Geneviève Pelpel (1982) no artigo "La médiation
espaço de evolução do mediador é estreito e
au risque de la dépendance" publicado na revista
Informations Sociales, 4 , chama a tenção para a
frágil: ele deve ser criado por cada um dos possibilidade de a relação entre mediador e
mediado se poder vir a transformar numa relação
intervenientes e não imposto do exterior. Esta de dependência, dada a fragilidade com que as
partes se apresentam no processo, e acrescenta: "
característica de ausência de poder confere às numa relação de ajuda ninguém pode fazer
economia de um período de dependência. A
duas partes a possibilidade de melhor dependência é um dos motores da autonomia"
(71). Porém, dado que a intervenção do mediador
é uma intervenção a prazo, no caso de se tratar de
analisarem o seu problema e de escolher
uma mediação junto de uma população carenciada
a vários níveis, a dimensão afectiva torna-se
livremente a solução que eles lhe pretendem importante, podendo vir a criar-se problemas de
interdependência.

14
Investigação e Debate (17)

reacção química condicionada pela presença terceira pessoa (um mediador), considerada

de substâncias que não aparecem nas como um actor desarmado e sem poder, a

equações finais daquela reacção, isto é , a sua mediação é uma acção por catálise.

presença faz acelerar a reacção sem nela A mediação parece ser, à primeira vista, um

tomarem parte, reacção esta que se paradoxo na sociedade actual: as descobertas

produziria mesmo sem a sua presença, científicas e tecnológicas apresentam soluções

embora mais lentamente. A catálise ou acção para grande parte dos problemas, a

catalítica exerce-se por intermédio de multiplicação de leis em todos os domínios

substâncias especiais , os catalisadores"12. parece dar resposta a todos os litígios, sem

Ainda a propósito refira-se que os esquecer as redes de comunicação que

catalisadores são " como o óleo com que se propiciam laços e soluções variadas. Ora, ao

lubrifica uma máquina e que permite a esta o mesmo tempo que se foi construindo o

melhor rendimento, sem que contudo lhe mundo moderno, estabelecendo contactos e

forneça a mínima quantidade de energia de ligações de toda espécie, federações, uniões

que aquela é capaz"13. O papel dos monetárias, convenções, foram também

catalisadores é duplo: por um lado são aparecendo os catalisadores. Como refere

agentes que determinam reacções por quebra Paule Paillet (1982, 9) "quando os modos de

de equilíbrio instável e por outro lado são protecção do cidadão, quando a regulação das

simples aceleradores da reacção. Ora, a suas relações com a lei, com a norma e com a

catálise constitui uma condição que reforça as instituição se encontram perturbadas ou

duas anteriormente enunciadas. A mediação pervertidas, é necessário encontrar um elo de

resulta a maior parte das vezes numa ligação. Seja de natureza política, associativa,

transformação, sem ser o iniciador ou o motor sindical, jurídica ou social, ele terá sempre por

dessa mudança. Pela presença de uma missão o estabelecimento das conexões

necessárias. Neste sentido, a mediação


12
Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira,
(ilustrada com cerca de 15000 gravuras), Volume
VI, Lisboa, Editorial Enciclopédia, Lda, p.274. 13
Ibid., p.273.

15
Conceptualização da Mediação Social em Trabalho em Rede » Helena Neves Almeida

representa uma constatação de imperfeição outras mediações; a mediação mais

do nosso mundo e uma abertura á conseguida, a melhor sucedida, é aquela que

esperança”. produz uma verdadeira comunicação entre as

O mediador como catalisador é desprovido de partes, uma comunicação que trará realmente

poder coercivo, decisório e legislativo. Ele não frutos na vida de cada uma das duas pessoas

toma o lugar dos protagonistas, não absorve ou de cada um dos dois grupos" (Six, 1991,

os seus diferendos, não promove a sua fusão 185). A mediação deve produzir, não uma

através da acção. Pelo contrário, o mediador simulação de comunicação, mas uma troca

reúne as partes em conflito, pede-lhes que real; mesmo quando não é alcançada deve

tomem em mãos o curso das suas vidas, dos provocar em cada um a consciência de que

seus projectos, e que enveredem por um novo não existe apenas a sua verdade, e que o

caminho, adoptando uma nova dinâmica outro também possui uma parte dela. Com

entre si. efeito, um dos benefícios da mediação é

comunicar a cada um que o isolamento são

d) Comunicação nefastos à construção de uma saída e que a

O fim principal da mediação reside no abertura em relação ao outro só valoriza a sua

estabelecimento ou restabelecimento da posição.

comunicação entre as partes, facilitando o Na mediação, a produção da comunicação

diálogo entre si. Mesmo quando não se compreende três etapas14: a escuta, o tempo

estabelece um acordo entre as partes e cada e a conclusão. A escuta permite compreender

uma assume uma posição radical, o insucesso a situação, os argumentos, e os significados

da mediação é relativo porque se estabeleceu


14
A questão metodológica é tratada por diversos
uma comunicação parcial transformando as autores: BONAFÉ-SCHMITT J.P., “La médiation
sociale et penale” in BONAFÉ-SCHMITT J.P. & al.,
duas partes. " Não há uma mediação perfeita; Les médiations, la médiation, op.cit.; DAHAN J.,
“La médiation en matière familiale” in BONAFÉ-
toda a mediação é um momento de catálise, SCHMITT J.P. & al., Les médiations, la médiation,
op.cit.; SIX J.F., Dynamique de la médiation, op.cit.;
mas ainda terá de avançar com a ajuda de DE BRIANT V. & PALAU Y., La médiation. Définition,
pratiques et perspectives, op.cit.

16
Investigação e Debate (17)

atribuídos por cada uma das partes ao assunto quando suscita laços benéficos entre pessoas

em análise; o tempo permite gerir os ou grupos que não os tinham; 2 - Mediação

diferendos e favorece a tomada de posição renovadora quando permite melhorar os

em liberdade, sem precipitações e de forma laços já existentes entre as pessoas e os

consciente pelas partes envolvidas; a grupos;

conclusão é o produto do trabalho efectuado II - Mediações destinadas a parar um conflito:

até ao momento, num esforço de respeito 3 - Mediação preventiva que antecede um

pela identidade dos agentes em presença. “ conflito ainda em gestação entre pessoas e

Cada mediação é diferente e exige um tempo grupos e consegue evitar a sua explosão; 4 -

específico, diferente de mediação para Mediação curativa que responde a um

mediação, com o seu ritmo próprio. Compete conflito existente ajudando as pessoas e os

ao mediador fazer com que a mediação seja grupos envolvidos a encontrar uma solução.

bem sucedida no tempo; o prolongamento ou A mediação é uma acção realizada por uma

a diminuição dos intervalos entre os terceira pessoa, entre pessoas e grupos que o

reencontros de mediação resulta de uma consentem livremente e aos quais caberá a

adaptação contínua; tudo isto para conduzir a decisão final, e destina-se a fazer nascer ou

mediação ao seu termo” (Six, 1995, 144). renascer entre eles novas relações, a prevenir

ou a gerir relações perturbadas em si .

1.4 - A mediação pode ter finalidades e Por todo o lado, hoje fala-se de mediação,

objectos diversos. uma prática que foi adquirindo diversas

facetas consoante o seu objecto: mediação

Quanto às suas finalidades, a mediação política, familiar, social, penal, cultural, muitas

enquadra-se em dois grupos e quatro tipos de vezes apelidada como tal sem o ser. Hoje é um

mediação ( Six, 1991, 164): conceito banalizado porque responde a uma

I - Mediações destinadas a fazer nascer ou necessidade que se foi construindo e

renascer um laço social: 1 - Mediação criadora difundindo: a interposição de uma terceira

17
Conceptualização da Mediação Social em Trabalho em Rede » Helena Neves Almeida

pessoa que permita encontrar alternativas e relações que cada um pode ter com as

saídas para impasses que surgem do choque instituições e com a sua administração,

de interesses entre as partes. Ao lado dos podendo ser associada a uma melhoria da

mediadores do quotidiano, existem relação entre os serviços públicos e os seus

mediadores políticos ao serviço da cidade, da utentes. A mediação tem uma dupla função:

sua evolução e transformação e que são por um lado evitar as dificuldades entre

mediadores na medida em que são actores utentes e serviços e por outro lado apreender

concretos que a nível local constroiem o os factores de insatisfação do público. A

referencial de uma política. São mediadores mediação surge como uma resposta às

que ocupam uma posição estratégica no dificuldades de comunicação.

sistema de decisão pois formulam o quadro

intelectual em que se desenvolvem 1.5 - A mediação pode ser de natureza

negociações, conflitos ou alianças que levam à institucional, profissional ou cidadã.

decisão, como refere Pierre Muller. A sua

visão do mundo vai influenciar a percepção Quanto à sua natureza, a mediação pode

daqueles que intervêm no sistema de decisão. apresentar-se segundo diversas tipologias. Por

Este autor distingue a este nível de mediação, exemplo, para colocar em evidência a

três categorias de mediadores: os complexidade das diferentes abordagens

profissionais, os eleitos e as elites conceptuais, Six define duas concepções -

administrativas. Os utentes dos serviços mediação institucional e mediação cidadã,

sentem-se por vezes sufocados na sua relação enquanto De Briant & Palau defendem outras

com as instituições. Aos mediadores nomenclaturas - mediação tradicional, nova

profissionais compete-lhes traduzir a procura mediação; mediação pública e mediação

de forma a encontrar resposta para o privada.

problema. A mediação não se exprime apenas A mediação institucional está ligada a um

nas relações interpessoais, mas também nas poder, que provém de uma instância superior,

18
Investigação e Debate (17)

e que resulta de um qualquer organismo, e a Uma outra forma de distinguir as novas

mediação cidadã é uma mediação mediações resulta da distinção entre

independente, suscitada pela vida quotidiana mediações públicas e mediações privadas. A

em livre associação, é a mediação cidadã. mediação pública é uma mediação legal. O

A mediação tradicional « met en relation estabelecimento de relações é um produto da

deux termes ou deux êtres et la société ou intervenção de uma terceira pessoa com

l’institution transcendante qui en tient lieu » poder público para tratar de conflitos sem a

(De Briant e Palau, 1999,50), ela regula e dá imposição de uma solução. São mediações

visibilidade ao social, ou como referem os públicas : a) as que se desenvolvem no quadro

autores citados “ uma mediação social da relação entre o público e a administração,

consciente” que estabelece a relação entre o pelo Mediador da República, pelos

individual e o universal. Esta mediação mediadores culturais, mediadores educativos,

tradicional recorre à figura de sábio-mediador. as mediações que ocorrem em colectividades

As mediações tradicionais apoiam-se na locais ligadas a problemas do ambiente ou a

vontade de estabelecer relações sociais, actividades inter-culturais); b) as que são

ultrapassando a dimensão individual. A organizadas pela administração (mediações

simples presença do mediador “amador” jurídicas, civis, penais); c) as que se

representa e forja o laço social. Cabem neste estabelecem no quadro da relação entre

tipo de mediação, a mediação religiosa, a Estados, designadamente a mediação

mediação de vizinhança e a mediação política. europeia e internacional.

A nova mediação pressupõe a acção de uma A mediação privada implica igualmente a

terceira pessoa neutra e imparcial. Trata-se de acção de uma terceira pessoa no processo de

uma mediação interindividual, resolução de conflitos ou no estabelecimento

simultaneamente societal, mesmo quando de laços sociais entre duas partes que se

coloca em evidência a dimensão micro no opõem, mas trata-se de uma acção fundada

quadro de uma acção profissional. na construção de um acordo pelas partes

19
Conceptualização da Mediação Social em Trabalho em Rede » Helena Neves Almeida

implicadas, sem o recurso a qualquer tipo de segunda favorece a aproximação entre

pressão. As mediações privadas traduzem a empresas e é considerada como um modo de

vontade dos actores em construírem laços regulamentação das diferentes estratégias

sociais ou regularem conflitos sem o recurso a existentes. De Briant & Palau estabeleceram

instâncias públicas. As mediações privadas uma grelha de análise comparativa entre as

podem ser qualificadas de “mediações políticas públicas tradicionais e as novas

comunitárias” baseadas na organização da políticas públicas, salientando que “ les

“sociedade civil”, isto é , os indivíduos, as premières sont imposées quand les secondes

famílias, as associações e as empresas. São sont négociées avec l’ensemble de la

exemplo deste tipo de mediação, as gouvernance locale ou sectorielle, sur la base

“Community Boards” e as “Boutiques de de relations principalement contractuelles ou

Droit” anteriormente referidas. A mediação non unilatérales “. Neste contexto, a

privada desenvolve-se entre particulares. Ela é mediação participa e valoriza a redefinição do

vista como a acção de uma terceira pessoa papel dos actores tradicionais. Até aqui

que favorece o relacionamento entre competia ao Estado tomar a seu cargo os

indivíduos ou grupos de indivíduos, partindo destinos individuais, mas hoje os apoios são

de regras definidas por eles próprios. A incertos, pelo que é necessário que cada um

mediação social, familiar e cidadã são conte consigo próprio e construa com outros

variantes que correspondem à vontade de novas solidariedades. E isto é verdade tanto

auto-regulação ou de eliminação da ao nível dos indivíduos como a nível das

intervenção pública na regulação dos conflitos nações. Para diminuir a angústia que tal

interindividuais. A mediação empresarial e a incerteza provoca, são necessárias mediações.

mediação negocial são igualmente privadas: a Em suma, existem duas correntes para

primeira é requerida pela direcção da tipificação da mediação quanto à sua

estrutura para regular os conflitos internos natureza: uma mais institucionalizada que

pela via do diálogo e extra-judicialmente, e a provém de um poder estabelecido (a

20
Investigação e Debate (17)

mediação institucional) e outra que pretende enfraqueceram o papel desses mediadores

uma autonomia, que encara a mediação como tradicionais, tendo sido substituídos pelas

produto da relação quotidiana dos cidadãos (a associações que foram surgindo de forma

mediação cidadã). Os mediadores explosiva em todos os domínios. Os membros

institucionais permitem que a instituição a de tais associações são mediadores cidadãos.

que pertencem dialogue com os seus utentes, Do ponto de vista dos modos de acção, o que

prestando reais serviços aos que se distingue estes dois tipos de mediadores? Aos

confrontam e se sentem perdidos na máquina mediadores institucionais é solicitado que

administrativa e que vêm nesses mediadores resolvam problemas de alojamento, de

um recurso. Eles fazem o acolhimento e emprego, de assuntos sociais. São peritos com

escuta das pessoas, humanizam a sua função formação técnica orientada para o tratamento

e a instituição, como refere Jean-François Six . de problemas na área em que é solicitada a

No entanto, as instituições correm o risco de sua intervenção e que se tornaram em

burocratizarem a mediação institucional se ao intermediários obrigados, que desempenham

criarem serviços de mediação para responder um papel indispensável. Enquanto os

a problemas institucionais estes se tornarem mediadores institucionais representam um

locais onde se administram de forma certo poder, os mediadores cidadãos são

impessoal assuntos administrativos. Os cidadãos entre cidadãos. A sua procura faz-se

mediadores cidadãos têm uma origem de igual para igual, não para lhes solicitar

diferente: eles não são criados pelas respostas para os problemas mas para

instituições, eles são mediadores naturais que assumir o papel de terceira pessoa, de alguém

nascem nos grupos sociais para tratar de que não seja um árbitro. Espera-se que pela

problemas da comunidade. Eles não têm sua presença, acolhimento e escuta se crie um

poder, apenas têm autoridade moral. O espaço para análise de um problema em

desenvolvimento urbano, a dispersão da relação ao qual se precisa de tomar uma

família, os movimentos de população decisão. Mesmo que eles não resolvam os

21
Conceptualização da Mediação Social em Trabalho em Rede » Helena Neves Almeida

conflitos, devido à ausência de recursos não formuláveis, especialmente nos casos de

técnicos para o efeito, espera-se que a relação stress, exclusão, ansiedade e doença”.

estabelecida com o(s) cidadão(s) permita a Durante muito tempo os conflitos e as

construção de uma alternativa para o conflito. discórdias eram apaziguados no quadro de

Apoiam-se nos recursos que as pessoas uma auto-regulação posta em prática por

dispõem, transmitem confiança, confortam, actores que provinham de espaços de

ajudam-nas a encontrar uma solução que não mediação natural, como as famílias alargadas,

é imposta do exterior. Por isso, ser mediador paróquias, vilas. O recurso à mediação

cidadão é uma arte da relação pessoal e social exterior a este quadro ocorria apenas em

e quando se procura um mediador cidadão situações graves e complexas, pelo que era

sabe-se que o seu trabalho permite suscitar entendida como o último recurso. Com a

elos e é capaz de mostrar uma luz ao fundo do urbanização acelerada, essas estruturas de

túnel. "Mediador é todo aquele que utiliza o regulação foram-se esbatendo, as relações

seu direito de participar, todo aquele que não sociais foram-se institucionalizando e

se remete para o Estado para regular todos os começou a fazer-se recurso à denúncia,

assuntos da cidade mas quer praticar actos queixa para os casos de pequenos e médios

cívicos; a mediação faz parte deles” (ibid, litígios. É neste quadro que surgem práticas

198). O mediador cidadão promove a diversas, mas frequentemente confundidas

esperança. Ora, toda esta filosofia de agir com a mediação.

exige tempo, sem pressões institucionais de

encontrar uma solução ou de chegar à solução

quase no imediato. A mediação permitiria 2– MEDIAÇÃO, SERVIÇO SOCIAL E

aproximar pontos de vista, pôr em questão TRABALHO EM REDE

certezas e atenuar mal entendidos e como

refere Paillet (ibid, 136) "É necessário estar Hoje a acção social é partilhada e

cada vez mais atento às procuras implícitas, implementada por organismos centrais e

22
Investigação e Debate (17)

periféricos, novos parceiros sociais numa rede. Apenas uma rede de actores sobre um

lógica de partenariado e de trabalho em rede, território (uma equipa de pessoas referentes

dando, deste modo, corpo a um modo numa instituição) pode desempenhar

alternativo de articulação entre o público e o plenamente um papel de mediação social

privado, o global e o sectorial. A articulação (Bondu, 1998). A rede tem um efeito

entre protecção pública, privada e sistema multiplicador de esforços, e cria condições

informal constitui a referência central do novo para uma abordagem global, rompendo com a

modo de protecção social. O Estado oferece à lógica do "ping-pong institucional". Por isso, o

comunidade um novo papel através da conceito de rede pode ser entendido como

descentralização e da participação, da um paradigma necessário à compreensão de

valorização das redes comunitárias e um novo princípio de organização da

informais, esbatendo desse modo o seu papel sociedade. Nesta modalidade de trabalho

no domínio da política social15. descobre-se a força dos laços, a

Uma das modalidades de organização de uma estruturalidade e funcionalidade do

intervenção de base territorial é o trabalho de quotidiano em relação à globalidade da

organização social (Sanicola, 1994). O trabalho


15
Badie (1996, apud Martin, 1998) sugere que o
poder político se exerce através da mediação do de rede é a configuração mais ou menos
solo e do lugar, ele não é inato. Existem razões de
ordem económica e social capazes de fazer estável e permanente de interacções entre
compreender as tendências contemporâneas de
"retorno ao local", embora com uma nova indivíduos que se conhecem e reconhecem
roupagem. Assinale-se a mundialização do espaço
económico, que exige cada vez mais a regulação
como actores, e que privilegiam as relações
local dos problemas económicos e sociais, e os
fenómenos actuais de precaridade, de mobilidade
espacial das populações que caracterizam a crise sociais primárias. Consiste num conjunto de
social em que vivemos. Os custos que as situações
de precaridade acarretam são elevados a nível intervenções que permitem que os recursos
social e económico, e implicam a descentralização
de esforços. Por outro lado, a sociedade civil reage estabeleçam conexões entre si e que
às situações de precaridade, mobilizando as
solidariedades primárias (família, vizinhança,... ) na desenvolvam estratégias capazes de produzir
luta contra os efeitos desestabilizadores do
crescimento do espaço económico. Hoje assiste-se
relações significativas num dado território.
à emergência de um processo de reacção social
contra a precarização e a insegurança que se
traduz no retorno ao local e à procura de novas
solidariedades.

23
Conceptualização da Mediação Social em Trabalho em Rede » Helena Neves Almeida

Através da cooperação voluntária entre de laços sociais que está associada à exclusão

actores, a rede assegura a conjugação de social. É a autonomia técnica e um sentimento

energias individuais, o que exige um confronto de identidade de interesses partilhado tanto

de lógicas profissionais. A necessidade de uma pelos profissionais como pelas instituições

acção global exige que tais lógicas sejam que anima e impulsiona um trabalho de rede

trabalhadas de forma interactiva, e lhe confere eficácia. Por vezes é necessário

promovendo o conhecimento interpessoal e construir uma dupla rede de actores locais,

uma dinâmica de mudança: mudança de mobilizadas sobre a inserção dos sujeitos:

atitudes, de perspectivas e de acção16.

 uma rede de actores económicos que

Porquê trabalhar em rede? Quais as suas representam o mundo do trabalho

vantagens? (empresas, associações) e que permitem o

Aquilo que mobiliza uma rede não são os enquadramento e o apoio a uma mão de

objectivos institucionais strito sensu mas uma obra com características distintas (por

lógica de qualidade de serviços e rapidez de exemplo, os deficientes)

acção, articulando esforços entre os vários  uma rede de actores (políticos,

parceiros formais ou informais. Não são os económicos, sociais, associativos)

compromissos formais que ligam os diversos susceptíveis de serem pessoas-recursos e

intervenientes, mas a vontade de encontrar que tenham em vista o acompanhamento

alternativas de forma criativa para ultrapassar social e profissional dos sujeitos, e que ao

problemas vivenciados no particular mas com mesmo tempo sejam capazes de dar

uma expressão colectiva, tais como a ruptura respostas práticas aos problemas que se

16
colocam no quotidiano. Estes actores
Podem identificar-se três tipos de redes: a) rede
de actores institucionais, como recursos
locais são diversificados: eleitos locais,
mobilizáveis - a lógica do partenariado; b) rede de
inter-conhecimentos - rede de actores no terreno
para assegurar uma abordagem global e aberta dos trabalhadores sociais, formadores,
problemas; c) rede informal tecida pelos sujeitos
num dado território. professores, médicos, entre outros.

24
Investigação e Debate (17)

transformações dos problemas sociais e à

Esta dupla rede de actores locais potenciam o transformação da sociedade global. A política

trabalho de apoio e inserção social e criam pública é um processo de mediação social

condições para um protagonismo social dos uma vez que se centra nos desajustamentos

utentes dos serviços. No entanto, pressupõe que podem surgir entre sectores e entre um

um acordo tácito entre as partes , que permita sector e a sociedade global, ou seja tem por

rentabilizar serviços e assegurar uma objecto a gestão da relação global-sectorial.

sinalização atempada das situações de risco Neste sentido, os assistentes sociais são

social. O trabalho em rede permite reavivar a considerados como mediadores, ocupando

esperança na construção de um futuro um lugar central nessa articulação. Sem o

diferente ou renovado. recurso a actores que assumam o referencial18

As instituições funcionam com profissionais da política pública e procedam à construção

cuja tarefa é efectuar a transacção entre ou transformação da relação entre sectorial e

aquilo que se faz a nível sectorial e global, e os global o sistema de decisão não funciona. Isso

assistentes sociais são profissionais determina a importância que têm os

capacitados para lidar com um problema mediadores no domínio das políticas públicas.

individual ou de grupo de forma inserida na A função de mediação resulta da conjunção de

dinâmica do conjunto das políticas. Os dois pares de dimensões: a dimensão

problemas têm de ser tratados de forma cognitiva-dimensão normativa e a dimensão

integrada, e neste contexto os assistentes


18
Este conceito elaborado por analogia com a
sociais (entre outros profissionais) assumem- noção matemática de "sistema de referência" é
uma estrutura de sentido que permite pensar a
se como artesãos do desenvolvimento de uma mudança nas suas diferentes dimensões.
Compreende quatro factores: os valores (ex. as
política pública17 que se adapta às noções de igualdade e equidade), as normas que
separam o real percebido do real desejado, os
algorítmos (relações causais que exprimem
teorias de acção) e imagens (cada política traduz
17
Gérard Martin (1998, 124) considera que se uma imagem do problema a tratar, uma
pode falar de política pública quando uma ou representação sobre o grupo de referência do
mais autoridades locais tentam modificar o meio problema e uma concepção de mudança). O
sócio-cultural e económico dos actores através de referencial é o quadro intelectual que baliza a
um programa de acções coordenadas. intervenção.

25
Conceptualização da Mediação Social em Trabalho em Rede » Helena Neves Almeida

intelectual-dimensão de poder. O primeiro par dão visibilidade e que se forem consideradas

designa a relação entre o desejável e o real e de forma singular, independentes e

o segundo a estruturação do campo de força descontextualizadas constituem constantes na

da mediação (através da linguagem e da diversidade de práticas profissionais no

produção de sentido). Uma política pública domínio social. A mediação social processa-se

produz sentido e também poder. Os através de acções como a prestação de

mediadores são actores que decodificam o informação-formação de competências, o

mundo, o interpretam, o tornam inteligível, encaminhamento social, a gestão e

lhe dão sentido definindo objectivos e acções administração de recursos e o

concretas que visam transformar os acompanhamento psico-social.

problemas. Num trabalho de rede o mediador Subjacente às modalidades de acção, que

desempenha um papel de pivot. Para tal terá constituem as unidades visíveis da mediação

de ser reconhecido socialmente pelos outros social protagonizada pelos Assistentes Sociais,

actores locais. Tal é o resultado de um desenvolvem-se processos de trabalho com

trabalho paciente de identificação, sinalização componentes técnicas associadas ao “saber

e conhecimento dos diferentes recursos fazer administrativo-relacional” (Mondolfo,

existentes. 1997, 32), mas que não se restringem a essa

É no local que se vive, mas é no particular que dimensão. Eles revelam competências sócio-

se intervem. Nesse particular existe uma profissionais capitalizadas na prática

interdependência de factores que implicam a quotidiana, invisíveis aos olhos do cliente, mas

articulação entre aquilo que é singular e que constituem uma fonte de legitimidade da

individual e aquilo que é global e colectivo. A mediação social efectuada. Mais ainda, eles

mediação revela-se como uma das vinculam as práticas profissionais de mediação

concepções valorizadas recentemente no e sinalizam a diferença com outro tipo de

domínio do serviço social. Ela implica um práticas como o voluntariado. Os processos de

conjunto de modalidades de acção que lhe trabalho também não se confundem com

26
Investigação e Debate (17)

etapas metodológicas da mediação. Estas solicitações. Se é verdade que é necessário

correspondem a momentos distintos e que cada profissional perceba os seus limites,

sequenciais no desenvolvimento da acção, também é verdade que o exercício da

enquanto os processos de trabalho se mediação implica uma avaliação permanente

confinam aos saberes e às competências da sua posição e o desenvolvimento de uma

operacionalizadas no decurso da mediação, acção estratégica com avanços e recuos, num

sejam elas de carácter teórico, técnico ou processo de conquista permanente. Ora a

relacional (Autès, 1999, 229). Como refere o trajectória de afirmação dos assistentes

autor, por referência ao contributo de Guy le sociais tem passado pelo reconhecimento do

Boterf (1994), a competência corresponde à valor da estratégia em brechas e momentos

capacidade prática de mobilizar recursos em oportunos. A relação de poder que se exerce

função do utente e da interpretação que o no contexto institucional é diferente em cada

profissional faz da situação. situação e cada momento, pelo que a

O uso de estratégias revela-se importante estratégia assume relevo inclusive na

tanto a nível da conquista do espaço conquista de espaço profissional.

profissional como na procura de alternativas à Por vezes é necessário negociar papéis,

situação-problema, elas potenciam a delimitando fronteiras e complementaridades,

mediação. Em termos profissionais, para além (re)estabelecendo espaços de troca. O Serviço

dos constrangimentos contextuais ao Social, embora seja dependente de instâncias

desenvolvimento da acção, há a considerar a superiores a nível administrativo, possui uma

posição activa do profissional na construção autonomia técnica que lhe confere alguma

do seu quotidiano. Quer isto dizer, que a margem de manobra no processo de

prática não se impõe ao técnico, como se de mediação. Quando existem litígios no plano

um ritual pragmático se tratasse, mas que lhe das competências profissionais, torna-se

compete participar, criar ou inovar imperativo clarificar as funções e os papéis

constantemente face à variedade de que lhe são reservados, definir os momentos

27
Conceptualização da Mediação Social em Trabalho em Rede » Helena Neves Almeida

de intervenção e de articulação com outros e do potencial humano dos recursos que

profissionais, determinar as responsabilidades utiliza. Deste modo, quando se fala em

de cada actor no processo. Por vezes estratégias de mediação faz-se apelo ao

verificam-se resistências e representações da conjunto de atitudes que permitem ao

profissão de Serviço Social que dificultam a profissional fazer a gestão dos poderes que

acção. Mas quando as dificuldades são contextualizam a acção e proporcionar a

estruturais, a procura de alternativa não mudança não apenas na situação mas

depende nem da vontade nem do também nos sujeitos. Tal faz com que elas

empenhamento individual do técnico ou do sejam diversificadas e sinalizadoras de

sujeito. É necessário que isso seja esclarecido, concepções de prática profissional. O

porque isso permite ponderar os limites e em problema coloca-se quando o Assistente

função dessa avaliação unir esforços (em Social se prende a concepções teóricas em

termos de equipa ou a nível institucional) para detrimento do discernimento das

prosseguir o trabalho, contornando ou oportunidades e do potencial humano na

enfrentando as barreiras que intervêm no resolução das situações, ou quando a sua

processo. prática quotidiana se processa de forma

Na mediação não existem receitas e uma rotineira. Surgem então discursos

atitude com resultados positivos num dado desculpabilizadores da (in)acção, de

momento e situação poderá não ser eficaz vitimização, de dúvida e interrogação face às

num outro contexto. Os referenciais teóricos dificuldades, tais como: " não existem

orientam e potenciam as práticas, não as respostas para os problemas", " o serviço

substituem nem limitam. O profissional ao social não dispõe de modelos teóricos

tomar conhecimento da situação-problema alternativos a outras ciências sociais", ou " foi

intervém, integrando os quadros teóricos para isto que tirei o curso?". É obvio que este

referenciais, os objectivos institucionais, a tipo de argumentos surge algumas vezes após

representação que faz da prática profissional tentativas variadas de solução para o

28
Investigação e Debate (17)

problema diagnosticado, mas também é opportunités et des disponibilités; c'est utiliser

verdade que em algumas ocasiões au plus vite toute information afin de saisir,

subentende uma ausência de questionamento dans l'intérêt de la clientèle, des moyens

sobre o percurso profissional : "o que é que eu réduits; c'est encore recourir à des passe-

fiz para ultrapassar a situação?". droits ou obtenir des concessions grâce,

Apesar de as estratégias poderem ser justement, à la force de son réseau

interdependentes e complementares entre si relationnel; c'est autant créer l'occasion de la

durante o processo de mediação, e saisir" (Soulet, 1997, 55).

abrangerem também o campo do imprevisto, O principal instrumento de trabalho do

uma vez que embora racionais surgem no Assistente Social é a palavra, e esta permite

contexto da emergência do novo, a prática do deslocar o conceito “estratégia” para o

Serviço Social evidencia-as como um leque de domínio do cliente. No processo de mediação

opções organizadas em torno do contexto a estratégia consiste muitas vezes em fazer

(situação) e da representação que o técnico adquirir por parte do cliente um pensamento

faz do seu perfil profissional. O termo estratégico de antecipação do curso dos

"bricolage " utilizado pelos autores acontecimentos e em relação a essa previsão

francófones reflecte esta incessante atitude reorientar o seu comportamento.

criativa no processo de descoberta de Quando um mediador institucional tem à sua

soluções inovadoras. "Bricoler, c'est donc responsabilidade todo o trabalho de relação

savoir tisser des liens, mais c'est également com o exterior, organização de projectos,

composer, en utilisant d'ailleurs ces rélations estabelecimento de protocolos, pressupõe-se

privilégiées, toujours individuelles, avec les que esse trabalho se baseie num trabalho de

possibilités et les impossibilités; c'est trouver equipa. Neste quadro, emerge uma nova

des solutions aux problèmes que rencontre la dimensão da mediação que é a supervisão

clientéle en apportant des réponses para acompanhamento de todas as diligências

ponctuelles construites en fonction des administrativas e técnicas associadas à

29
Conceptualização da Mediação Social em Trabalho em Rede » Helena Neves Almeida

divulgação e avaliação das acções. O comprometida com experiências

acompanhamento dos projectos e da equipa transformadoras (Bronfenbrenner, 1996),

permite uma avaliação permanente das configura-se como um elemento central da

acções e o enquadramento dos casos mediação. Ela surge na sequência do

concretos na lógica do projecto ou da acção movimento de procura existente e no

promovida. O desenvolvimento deste trabalho envolvimento dos diferentes agentes e

favorece a reflexão, estimula a tomada de actores no processo. É esta dinâmica que

decisões com base nas necessidades permite que a mediação seja reconhecida

quotidianas, favorece a autonomia, permite como um processo de construção de

organizar o tempo e estabelecer prioridades e alternativas e que se traduz na criação de

contribui para assegurar a articulação entre novas necessidades e questionamento da

técnicos. Para além de se mostrar útil à gestão situação. Enquanto mediador, compete ao

do quotidiano, a coordenação desenvolve o Assistente Social promover o envolvimento de

espírito de equipa e promove a expressão de outros agentes, estimular a entrada de novos

sentimentos por parte das equipas ou dos actores formais e informais no processo (por

actores envolvidos no processo. Aqui a exemplo outras empresas, serviços,

mediação assume também um perfil profissionais, familiares, vizinhos, amigos) até

complexo e global, envolvendo diversos ao limite do possível. Porém, nem sempre o

técnicos ou profissionais complementares na confronto de lógicas e interesses é assegurado

lógica do projecto e da acção. Por isso, a e quando o é a construção de alternativas

coordenação assegura uma articulação e esbarra com frequência em barreiras

cooperação entre serviços e técnicos na institucionais associadas à burocracia e à

prossecução das suas finalidades e objectivos. normalização e funcionamento dos serviços

A procura de alternativa, entendida como ou dos profissionais. Fazer mediação

rejeição de um modelo de “déficit” em favor pressupõe autonomia técnica, um

de uma pesquisa política e prática posicionamento aberto, não cristalizado, uma

30
Investigação e Debate (17)

capacidade de diálogo e de acção que nem hipoteca a mediação e o consequente

sempre os diversos actores são capazes de envolvimento dos diversos actores sociais.

assegurar. A ausência destes elementos

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