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Introdução à participação e acção colectiva

ISCISA
Disciplina de Educação, Saúde e Desenvolvimento
Comunitário
Aula do dia 5 de Março de 2018
Conteúdo:
 A Acção Colectiva: como se constrói, as suas várias formas e sua
complexidade;
 A procura de novas formas de pensar e agir na construção da
acção colectiva;
 Quem são os actores na acção colectiva;
 Diferentes escalas e lógicas da estrutura dos actores políticos,
sociais, individuais, locais, globais, públicos e privados;
 O uso de matrizes para a identificação de actores;
 A importância da negociação, resolução de conflitos e criação de
consensos;
 Concertação e negociação como formas de construção da acção
colectiva;
 A identidade local e as formas de acção colectiva, incluindo o
papel das comunidades.
Literatura:
 Guerra, Isabel Carvalho, “Participação e Acção
Colectiva – interesses, conflitos e consensos”
“QUANTO MAIS FORTE É A PARTICIPAÇÃO

CÍVICA DOS MEMBROS DAS COMUNIDADES,

MAIS EFICAZ É O GOVERNO NA RESOLUÇÃO

DOS PROBLEMAS DOS POBRES.”

PAULO FREIRE EM A “PEDAGOGIA DO OPRIMIDO”


Do que estamos a tratar quando
falamos sobre Acção Colectiva?
Contextualização:,
 Complexidade sempre crescente da sociedade e um
ambiente sempre em constante mudança, com conflitos
inerentes a essas mudanças;
 A liberalização e globalização e o seu impacto nas relações
de poder;
 As profundas desigualdades na sociedade e a forma como
essas desigualdades ameaçam a coesão interna das
Sociedades, a paz, a democracia e a estabilidade social;
 A multiculturalidade nos modos de vida nem sempre bem
compreendida e aceite;
 A necessidade permanente de negociações para minimizar
conflitos e conseguir resultados mutuamente vantajosos
para os diferentes actores da sociedade.
• Ao longo dos anos se foi verificando que, nenhum
Estado pode, por si só, resolver todos os problemas que
afectam os povos e que as Sociedades são constituídas
por muitos e diferentes actores que, na sua
multiplicidade de necessidades, interesses e visões,
consciente ou inconscientemente, interagem entre si e se
influenciam directa ou indirectamente, de forma
positiva ou negativa contribuindo de um ou outro modo
para as transformações sociais.
• Com as rápidas mudanças que se têm verificado ao
longo dos últimos tempos, verificou-se também uma
mudança naquilo que são as estruturas e funções dos
Estados, tendo a sociedade civil assumido um papel
cada vez mais importante e uma maior responsabilidade
na resolução dos problemas dos povos.
• As democracias, com o estímulo à participação e
à expressão de manifestações de cidadania, têm
criado um espaço cada vez maior para esta
intervenção da sociedade civil.
• Hoje em dia argumenta-se que os países mais
estáveis e que conseguem oferecer um maior
bem-estar aos seus cidadãos, são aqueles que
melhor lidam com as questões da Acção
Colectiva, sendo esta também entendida como
participação democrática.
Pureza, José M., no seu texto “Quem
governa Portugal?”, 2002 e citando James
Rosenau (1990) diz que o momento que
vivemos à escala global, é caracterizado
por uma bifurcação em que coexistem, de
um lado uma lógica estadocêntrica e, de
outro lado, uma nova lógica institucional,
que é a de um mundo multicentrado em
que se cruza um número práticamente
infinito de actores.
 Estes processos, cada vez mais complexos, de participação
colectiva (um grupo ou grupos) estão ligados à própria
complexidade crescente da necessidades dos povos de
fazerem face a um ambiente em constante e rápida mutação,
e à necessidade de garantirem, de algum modo, um relativo
equilíbrio social.
 Tal significa partir-se da tese, hoje comumente aceite, de
que “a evolução da sociedade dá-se a partir de conflitos,
que a fazem desenvolver capacidades e processos de os
gerir e resolver” (Guerra, Isabel C.)
 Impõe-se pois a necessidade de se criar equilíbrio,
planeando acções com base em negociações e resolução de
conflitos, planeando mudanças baseadas em consensos, nas
diferentes áreas afectadas, nomeadamente ao nível da
produção e distribuição de bens e serviços, ou mesmo a
outros níveis simbólicos mais estruturantes.
O que é acção colectiva:
Pode dizer-se que existe uma Acção Colectiva
quando um grupo de cidadãos ou vários grupos,
toma consciência de que enfrenta/m
necessidades e problemas comuns e
reconhecem que têm interesses comuns e, a
partir desses interesses comuns se organizam e
planejam uma actuação coordenada tendo em
vista o alcance de objectivos que vão ao
encontro desses interesses.
As formas de Acção Colectiva podem ser
múltiplas e variadas.
Exemplos recente `a escala global:
 Movimentos ambientalistas e que alertam para os
perigos das mudanças climáticas;
 Movimento “Black lives matter” que começou nos
EU contra a violência policial contra negros, mas
que rapidamente se acabou transformando num
movimento `a escala global contra o racismo;
 “Greve das Mulheres” na Polonia que começou
por ser uma manifestação de mulheres contra a
penalização do aborto e que se acabou
transformando num movimento mais forte que luta
pela defesa dos direitos democráticos.
Alguns exemplos recentes em Moçambique
A campanha “Mulheres com Vida”,
levada a cabo por uma plataforma que
uniu 36 organizações de todo o País no
empoderamento das mulheres para
responderem aos desafios que a COVID
19 lhes trouxe;
Campanha dos “16 dias” de activismo
contra a violência baseada no género.
O que têm em comum?
O seu “carácter colectivo”;
E ainda, de acordo com Melucci, 1996, as
seguintes características sociais:
◦ São acções que envolvem simultaneamente um ou
mais grupos de indivíduos;
◦ Têm características semelhantes no que diz
respeito ao tempo e espaço (hoje, com a
globalização pode ser o espaço planetário) ;
◦ Implicam um campo de relações sociais;
◦ As pessoas envolvidas atribuem um sentido à
acção em causa.
ParaOlson, Mancur (1999), os indivíduos
podem ver que estão perante a necessidade de
uma acção colectiva
◦ (i) quando partilham interesses e objectivos, mas os
custos para os alcançar, não compensam a acção;
◦ (ii) ou nem todos têm ainda consciência do
interesse comum;
◦ (iii) ou os benefícios da acção são maiores que os
custos.

Esta seria, na sua opinião a explicação para os


movimentos sociais.
Assim, algumas ideias sobre AC
 São formas de cooperação entre indivíduos de um grupo ou entre
grupos que têm como objecto a superação de barreiras ou
dificuldades que, a nível do grupo ou grupos, os impedem de
alcançar um interesse comum, que vise o desenvolvimento pleno
do homem entanto que ser colectivo;
 É uma estratégia orientada para o alcance de objectivos que
correspondem ao interesse público;
 Podem ainda ser movimentos sociais orientados para novas
formas de organização social;
 Existem ainda formas de acção colectiva que têm em vista defesa
de interesses corporativos (exemplo: greves de transportadoras
para parar o aumento dos preços de combustível ou conseguirem
autorização para aumentar o preço das tarifas) ;
 É um processo racional de mobilização e organização de recursos
para resposta aos interesses colectivos de um grupo ou de grupos.
Podem considerar-se propósitos da Acção Colectiva:

 Melhoria do bem estar imediato dos indivíduos de um


grupo ou de grupos envolvidos;
 Modificar relações sociais no interior da população (em
particular modificar o impacto das relações de poder);
 Influenciar políticas públicas para ampliar as
oportunidades de desenvolvimento e enfraquecer ou
superar os sistemas de exclusão ou discriminação;
 Pode ainda ter como propósito o desenvolvimento de
capacidades de indivíduos, o fortalecimento
organizacional, a construção de redes e alianças sociais,
e o aprofundamento de normas e valores que
contribuam para o alcance do bem comum.
 Para Francisco, A. , no seu “Manual de
Desenvolvimento Comunitário”, considera que existem
diferenças entre a Acção Colectiva vista como um
processo técnico-metodológico, e a Acção Colectiva
como um processo espontâneo.
 Assim, enquanto na AC como processo espontâneo,
esta se vai articulando na comunidade à medida que os
desafios vão surgindo, levando os indivíduos a
procurarem formas de reacção adequada a estes, já
como processo técnico - metodológico, a AC parte de
um reconhecimento de um conjunto de interesses por
um ou alguns indivíduos, ou por um grupo, que depois
levam a cabo todo um sistema de garantir a
participação colectiva na busca da acção.
A Acção Colectiva e a sua relação com o
Estado:
◦ Muitos estados democráticos encaram a Acção
Colectiva como uma forma de alargamento da
base democrática da sociedade e consideram-
na importante para aprofundamento das
dinâmicas de mudança, rentabilização de
recursos e a necessidade política de garantir a
legitimidade pública.
◦ Já os Governos mais conservadores nem
sempre vêem a AC como um beneficio, mas
antes como uma ameaça a combater.
Exemplos de acção colectiva:
 Movimentos associativos ou cooperativistas de camponeses para garantir acesso à
terra, facilidades de mercado, etc.;
 Movimentos sindicalistas em luta pela defesa dos interesses dos trabalhadores;
 Marchas e manifestações contra o poder instituído por se considerar que este não
serve os interesses da maioria;
 Acções para empoderamento de determinados grupos (de jovens, de mulheres, de
pessoas com deficiências ou com doenças crónicas, etc.);
 Acções tendo em vista a garantia da melhor qualidade de serviços essenciais
oferecidos aos cidadãos com o envolvimento e participação de todos os
interessados (exemplo do CEP- Cidadania e participação);
 Movimentos de defesas dos direitos humanos (por exemplo, defesa de minorias,
defesa da comunidade “gay”);
 Movimentos em defesa do meio ambiente (exemplo: Campanha Lixo no Chão
Não);
 Movimentos pela Paz;
 Grupos de interesse (os chamados “lobbies”)
 Grupos de interesse da esfera económica (por exemplo, acções levadas a cabo pela
CTA para fortalecer pequenas e médias empresas) ou grupos de pressão de uma
determinada produção;
 Etc.
A construção da Acção Colectiva:
 A democracia participativa que está implícita na AC constrói-se a partir
da criação de consensos de grupos de actores que nem sempre têm
exactamente as mesmas motivações e interesses, ou lógicas de
intervenção;
 Ela surge a partir de acontecimentos, conflitos ou dificuldade que fazem
partes das mudanças e que se vão alterando eles próprios;
 Portanto, a construção da AC exige um processo de negociação e
estabelecimento de consensos permanente, para que se possam alcançar
aquilo que são os interesses colectivos.
 A participação dos actores baseia-se numa adesão voluntária e na
disponibilidade do indivíduo/s para comunicarem, partilharem ideias,
interesses e oportunidades.
 Nesta construção, tem também que se tomar em conta o resultado
daquilo que é a relação entre o individual e o colectivo, já que “um
homem nunca é totalmente indivíduo e um grupo de homens não é
verdadeiramente colectivo” (Dartiguenave e Garnier, 2008)
Pólos constitutivos da Acção Colectiva

Actor Acção

 Acções geradas a partir


 Diferentes
de acontecimentos,
motivações e circunstâncias que se
interesses;
Dife Dinâmicas vão alterando;
 Diferentes lógicas e tensões
 Modelo dedutivo
de acção; (linear) ou indutivo
 Indivíduo com
( dinâmico)
vários papéis.

Actor / Acção
Exemplo: Melhoria dos Serviços de Educação com o uso do CPC

Quem sente o
problema?
. Estudantes
Análise dos .Pais
resultados e
Negociação Comunidade em
impacto
geral;
Responsáveis da
Educação;
CE
Problema sentido: Professores
baixa qualidade do ONGs
serviço de educação

Mudança
Definição da
acção e
procura dos
meios

Acção colectiva
Características sociais que podem levar à
denominação de uma acção como colectiva:
Acções que envolvem simultaneamente
um grupo de indivíduos ou grupos;
Acções que exibem características
similares em contiguidade no espaço e no
tempo;
Acções que implicam um campo de
relações sociais;
As pessoas envolvidas atribuem sentido à
acção em causa.
O envolvimento das pessoas pode ter
significados muito diversos.
Melucci organiza-os em duas oposições:
◦ Consenso- versus- conflito e
◦ Solidariedade- versus - agregação de
interesses.
Conflito
Rompimento dos
limites do sistema

Solidariedade Agregação

Manutenção dos
limites do sistema
Consenso
A importância da negociação, resolução
de conflitos e criação de consensos:
As sociedades hoje caracterizam-se por uma
grande diversidade de crenças e valores muitas
vezes antagónicos (nos indivíduos ou nas
organizações);
Numa interacção entre pessoas com valores e
crenças diferentes, é necessário que se construam
compromissos, tendo em conta os seus interesses,
experiências e valores;
Deve procurar-se um consenso em nome do bem
comum (desde os interesses económicos até às
formas de ver a vida, a sexualidade, a família).
Isto significa:
A possibilidade de fabricar e manter laços
sociais sem os quais, viver em conjunto
deixa de fazer sentido;
E remete para a capacidade de o sistema
de actores dar um sentido, uma visão de
conjunto considerada por todos como
legítima, apesar das diferenças existentes
em cada um dos actores.
Quem são os actores na AC – análise da
estratégia dos actores:
 Esta estratégia para a análise dos actores na AC (que muitas vezes
designamos pela palavra inglesa “stakeholders”) é a estratégia
levada a cabo para identificar pessoas, instituições ou grupos,
envolvidos nas diferentes fases de uma Acção Colectiva (desde o
planeamento à intervenção), visando compreender melhor as suas
características, as suas motivações e o que as mobiliza para a
Acção, tendo em conta os objectivos desta.
 Esta estratégia pode ser designada de diferentes formas: análise
de actores, análise de poder e influência de actores, participação
ou dinâmica de parceria, etc.
 Parte do princípio, de que os grupos sociais, organizações e as
autoridades aos diferentes níveis, têm perspectivas e expectativas
diversificadas e múltiplos interesses e que é fundamental analisar
o seu posicionamento face aos projectos de intervenção.
(cont.)

 A intenção é aumentar a capacidade de participação dos


vários actores e fazer corresponder os projectos aos vários
interesses e expectativas existentes;
 Esta estratégia de análise é um instrumento que ajudará a
clarificar como se deve processar a motivação e
mobilização colectiva, e pode ser usada em diferentes
momentos do desenho da intervenção, embora seja
usualmente mais usada nas fases preliminares que
antecedem a planificação ou planeamento, tendo em vista a
incorporação dos diferentes interesses e expectativas;
 A análise dos actores, visa também aprofundar as relações
de poder que afectam o sistema de acção por forma a
construir a acção colectiva a partir de um conjunto
diversificado de actores.
Então, quem são os actores?
Não existe uma definição única, mas o que é
importante reter, é que não são apenas
indivíduos, mas também grupos ou
instituições;
A análise tem que ser feita com base nas
relações de interesse ou implicação nas
acções e nos seus atributos face a uma dada
questão ou a um recurso, mas também nas
relações de poder e como é que estes
diferentes actores interagem entre si.
Como fazer a análise estratégica dos actores?

Não existem técnicas que se possam aplicar de


forma mecânica em todas as situações, mas deve
analisar-se caso a caso. O importante é responder
às seguintes questões:
◦ Que técnica de participação deve ser usada para cada
momento?
◦ Para cada técnica: quais são os objectivos? Quem
participa e porquê? Os interesses estão todos
representados? Os interesses dos mais desprotegidos
estão representados? Como pode a técnica de
participação melhorar o que está a ser feito? Que riscos
existem na sua utilização? Quais são as suas limitações?
As técnicas existentes:
Para identificação da caracterização dos
actores;
Da interacção e relações de poder;
Análise processual de referência aos
objectivos do programa e de adesão ao
programa por parte dos actores.
O objectivo fundamental é caracterizar cada
actor e o seu lugar no programa, bem como a
influência que cada um pode ter e a sua
importância no interior da rede de actores.
Matriz de identificação dos actores com base nas
carateristicas:

Problemáticas Problemática 1 Problemática 2 Problemática 3

Actores

Actor 1
Actor 2
Actor 3
Matriz de identificação dos actores pelos seus
interesses e envolvimento
Interesses Impacto Prioridade e
potencial no mobilização face
projecto ao projecto
Primários:
Actor 1
Actor 2
Actor 3
Secundários:
Actor 1
Actor 2
Actor 3
Terciários:
Actor 1
Actor 2
Actor 3
Matriz da identificação dos recursos dos
actores

Competências Impacto Legitimidade e Recursos Pontuação


do aceitação no meio total
projecto
Público
Serviços
públicos, etc

Eleitos
Municípios,
etc

Associa
-ções

Outros
Matriz da relação entre actores e entre actores e os
problemas identificados

Modo como é Capacidade e Relação com


afectado pelo motivação para outros actores
problema participar na
resolução do
problema
Actor 1
Actor 2
Actor 3
Matriz de análise organizacional

Tipo de Envolvimento/ Capacidade Importância


entidade adesão de liderança dos objectivos
Actor 1
Actor 2
Actor 3
Matriz de actores motores e actores freio

Actor motor Actor freio Actores sem


classificação
Actor 1
Actor 2
Actor 3
Matriz sumária da análise da participação
Informação Consulta Parceria Controle
Identificação
Planeamento
Implementação
Monitoria e
avaliação

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