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PARTICIPAÇÃO E MOVIMENTOS SOCIAIS

LÍDICE APARECIDA PONTES MADURO·

1. Introdução; 2. Participação social; 3. Movimentos


sociais urbanos; 4. Movimentos sociais e cidadania; 5.
Movimentos sociais urbanos: o caso do Rio de Janeiro;
6. As Constituições e a representação social; 7. Con-
clusão.

1. Introdução

A idéia da realização desse estudo deve-se ao interesse demonstrado pelo


Diretor do Indipo, Prof. Afonso Arinos, com a crescente mobilização dos
movimentos sociais e principalmente as recentes manifestações populares ocor-
ridas por ocasião do lançamento do Plano Cruzado e a conseqüente adesão p0-
pular, fiscalizando o cumprimento das medidas adotadas pelo Governo.
A intenção deste trabalho é observar como funcionam os movimentos forma-
dos pelas associações de moradores, tanto as representativas de classe média
até as que defendem os interesses dos moradores das favelas, através das suas
federações representadas pela Famerj e a Faferj. Além da sua organização, foi
feito um levantamento dos principais temas que são objeto de suas reivindica-
ções, algumas conquistas já obtidas pelo movimento junto aos órgãos do gover-
no, e por fim procuramos verificar como estas associações de interesses estão
inseridas nas Constituições modernas.
O material para esse trabalho foi conseguido junto às secretarias da Famerj
e da Faferj, sendo que na Faferj as informações foram dadas pelo seu presi-
dentes e diretores.
A importância do tema estudado é verificado no dia-a-dia com a crescente
participação da sociedade como um todo, que veio à tona na ânsia de defender
os seus direitos básicos de cidadania. Entretanto, observa-se que enquanto cres-
ce a organização desses movimentos e entidades representativas dos interesses
da sociedade, os partidos políticos, que através dos seus parlamentares, como
representantes do povo, deveriam defender os seus interesses, estão cada vez
mais diminuindo de importância e transferindo o seu "papel" para outras for-
mas de representação.

2. Participação social
Em toda a história da humanidade tem sido uma constante a busca pelos
direitos individuais e a conseqüente participação na sociedade. Nos tempos

• Socióloga e pesquisadora no Instituto de Direito Público e Ciência Política da Fundação


Getulio Vargas.

R.
'"
c. poI..
,
Rio de Janeiro. 29(4):49-66, out./dez. 1986
modernos essa participação vem crescendo, e para esse crescimento vanos são
os motivos apresentados; entre eles podemos citar a maior concentração de
pessoas nas cidades, ocasionando sérios problemas para a comunidade; o aper-
feiçoamento das técnicas de comunicação, a situação econômica de certa par-
cela da população, e também a Declaração Universal de Direitos, onde é as-
segurado o mesmo direito de participação política a todos os cidadãos.
Entretanto, para alcançarem os seus objetivos, é necessário uma organiza-
ção, pois como afirma Dallari,! "toda proposta de modificação na vida social
encontra a resistência dos interesses estabelecidos, dos acomodados ou dos
que têm medo de toda transformação".
Essa necessidade de se organizar para defender os seus interesses deu início
às "organizações comunitárias girando em torno de interesses comuns e agindo
em função de problemas concretos e imediatos". Ainda segundo Dalmo Dallari,
"a associação é uma forma de participação política das mais convenientes, pois
permite a conjugação de esforços, garante a continuidade das atividades e as-
segura a proteção legal para os participantes, já que o simples registro dos es-
tatutos lhe dá existência legal e lhe confere direitos que as autoridades são
obrigadas a respeitar".
Os movimentos populares tendem a refletir os problemas políticos, sociais
e econômicos de determinados períodos da sociedade, como os referentes a mo-
radia, desemprego, e, mais recentemente, as manifestações ocorridas em todo o
país a favor das eleições diretas e posteriormente o apoio aos candidatos da
Aliança Democrática à Presidência da República, culminando com o apoio ma-
ciço em todo o país à reforma econômica do governo.
Essa mobilização da sociedade vem demonstrar que a população brasileira
está resgatando aos poucos o seu direito de cidadania, entretanto é importante
que esse nível de participação social seja elevado através do fortalecimento da
sociedade civil, dos partidos políticos, das diversas associações de interesses e
dos organismos representativos de classes.

3. Movimentos sociais urbanos

Existem algumas divergências dos autores quanto à definição de movimentos


urbanos e movimentos sociais urbanos e a sua abrangência.
Alain Touraine, diz que "movimento social é simplesmente a mobilização e
organização de um grupo social para atingir seus objetivos imediatos ou não";
enquanto Manuel Castells faz diferença entre movimentos urbanos e movimen-
tos sociais urbanos. Ele considera que "movimentos urbanos são suscitados pe-
las contradições urbanas, aqueles que se referem à produção, distribuição e ges-
tão dos meios de consumo, em particular dos meios de consumo coletivo", e
que produzem "efeitos sociais qualitativamente novos nas relações entre as clas-
ses, em um sentido contraditório à lógica estrutural dominante".
Para Jordi Borja2 os movimentos sociais urbanos brangem todo e qualquer
movimento urbano na medida em que se referem às ações populares, às "ações
coletivas da população enquanto usárias da cidade, isto é, de habitações e

1 Dallari. Dalmo de A. O que é participação política? Brasiliense, 1983.


2 Borja, Jordi. Movimentos sociales urbanos. Ediciones Siap-Planteos, 1975.

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serviços, ações destinadas a evitar a degradação de suas condições de vida,
a obter a adequação destas às novas necessidades ou perseguir um maior nível
de equipamentos".
Ainda segundo Borja, esses movimentos sociais urbanos são conseqüências
das contradições existentes nas cidades, e as principais contradições são:

"1. Criação constante, pelo desenvolvimento da produção e da divisão do tra-


balho, de novas necessidades quanto à reprodução da força de trabalho e, si-
multânea e antagonicamente, de novas exigências para a acumulação de capital.
Como conseqüência, a força de trabalho tem a satisfação das necessidades de
'meios de conSumo coletivo' nas sociedades capitalistas, sempre deficiente. O
grau da deficiência é definido pelas condições históricas das formações sociais,
sendo particularmente grave nos países dependentes."

"2. O Estado aparece cada vez mais como responsável pelas condições de vida
de uma população com exigências legitimadas socialmente e forças social e po-
lítica crescentes. Isso porque o Estado tem suas funções econômicas, entre as
quais o de produzir e gerar os meios de consumo coletivo necessários à reprodu-
ção da força de trabalho, cada vez mais ampliadas pelo desenvolvimento capi-
talista. Mas este desenvolvimento também traz consigo, historicamente, o de-
senvolvimento da força social e política das classes populares, particularmente a
operária. O progresso do movimento operário e democrático, por sua vez, legi-
timou e tende a legitimar cada vez mais, inclusive perante a ideologia dominante,
muitas das exigências de melhores condições de vida."

Esses movimentos de interesse surgem como um processo de articulação rei-


vindicatória e vão adquirindo uma crescente importância nos centros urbanos,
constituindo-se em forma de pressão. As reivindicações dos movimentos urba-
nos surgem em decorrência das contradições urbanas que não permitem que
suas necessidades básicas sejam realizadas pelo Estado, que é em última instân-
cia o agente a ser pressionado, enquanto produtor, controlador e gerenciador
dos equipamentos coletivos urbanos.
Verifica-se que o objetivo final dos movimentos sociais urbanos, na prática,
é o incremento dos direitos de cidadania, tanto ao nível dos direitos sociais, co-
mo no de direitos políticos, quando pretendem uma maior participação dos ci-
dadãos na gestão da coisa pública.
No Brasil essa articulação vem crescendo juntamente com a mobilização da
sociedade civil, que procura conquistar seu espaço de cidadania de uma forma
generalizada, e que estava oprimida pelo Estado nos últimos tempos, ressurgin-
do assim com mais ênfase as reivindicações em tomo de melhores condições de
habitação, saúde, educação, saneamento, transportes, e todas as necessidades
básicas que proporcionem o bem-estar da comunidade.

4. Movimentos sociais e cidadania

O desenvolvimento dos movimentos sociais neste século despertou grande in-


teresse e atenção de vários autores, tendo inclusive Alain Touraine defendido
a importância de uma sociologia dos movimentos sociais.

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A eclosão desses movimentos é creditada em grande parte aos fatores estru-
turais "que condicionam a emergência desses movimentos aliados a uma situa-
ção autoritária reinante no país".
Contudo, a sua importância para o aperfeiçoamento da democracia, depende
tanto da força que puderam ter para defender o interesse das classes populares
como da capacidade, do novo sistema político, de ouvir as suas reivindicações.
Os vários trabalhos realizados a respeito de movimentos sociais e movimen-
tos sociais urbanos têm observado uma análise teórica mais profunda, tanto sob
uma ótica marxista como em relação às teorias soiológicas contemporâneas.
Alguns autores, ao analisarem esses movimentos, fazem inicialmente uma re-
lação entre classes e movimentos sociais, sem abandonar entretanto elementos
como "memória histórica, tradições, processo subjetivo de formação e desenvol-
vimento dos movimentos sociais e as suas organizações próprias" .
.Qutros aspectos observados referem-se à subordinação desses movimentos a
"processos sociais concretos e à dinâmica em que estão situados, num país,
numa região ou numa época histórica, é necessário identificar e considerar ele-
mentos mais profundos". Ainda no que se refere à análise desses movimentos,
eles devem ser observados no "contexto do desenvolvimento do capitalismo em
geral e do capitalismo brasileiro em particular, que determinam o caráter e o
funcionamento dos movimentos sociais".
Aliado ao estudo de todos esses fatores históricos, verifica-se que estes movi-
mentos sociais estão buscando a transformação das estruturas sociais atuais pa-
ra uma sociedade que ofereça novas e melhores formas de vida à comunidade,
aumentando assim a participação da comunidade em todas as atividades da
vida política.
Com a busca da transformação social e política passou a ser dada uma aten-
ção especial ao problema da cidadania. E é essa participação do cidadão em
todos os setores e atividades de um aís e a sua capacidade de defender seus
interesses que tomam um país verdadeiramente democrático.
Um estudo realizado por Almond e Verba 3 revela que "a maior parte dos ci-
dadãos que pertencem a uma organização religiosa, social, comercial ou cutra
qualquer sente-se mais capacitada politicamente do que os que não são membros
de nenhuma organização". Também Jorgen Rasmussen4 afirma que, "as demo-
cracias têm maior probabilidade de sucesso quando seus cidadões são autocon-
fiantes. Dos principais sistemas políticos geradores de tais cidadãos estão os
modernos de cultura consensual, alto nível de educação, numerosas oportunida-
des de participar efetivamente de relações sociais e pessoais e associações em
grupos voluntários - especialmente a ativa em grupos políticos".
De acordo com alguns estudos, entre eles o de Pedro Jacobi,5 os movimentos
conquistaram sólidas posições e vêm contribuindo para a conquista de espaços
de participação direta, propondo uma nova qualidade de participação na gestão
da coisa pública, onde a representatividade não resume todo o esforço de orga-
nização, mas o envolvimento direto no processo de fiscalização e funcionamen-

3 In: Rasmussen, Jorgen. O processo político - estudo comparado. Rio de Janeiro, FGV,
1973.
4 Id. ibid.
5 Jacobi, Pedro. Movimentos sociais urbanos e a crise: da exploração social à participação
popular autônoma. Política e administração. Fesp, jul./set. 1985.

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to dos serviços públicos. O desenvolvimento reivindicatório de bairro vem ge-
rando uma rede coletiva e de organização social que configura uma possibilida-
de concreta de relacionamento com o Estado ampliando os espaços de partici-
pação.

5. Movimentos sociais urbanos: o caso do Rio de Janeiro

Os movimentos sociais urbanos a partir da década de 70 vêm apresentando


um desenvolvimento muito grande, e esse crescimento vem se caracterizando
principalmente na busca por direitos de cidadania. As reivindicações desses
movimentos estão intimamente relacionadas com o seu cotidiano, a sua mora-
dia, o envolvimento direto no processo de "fiscalização" e funcionamento dos
serviços públicos.
Os movimentos sociais urbanos, segundo L.F. de Queiroz,6 "referem-se em
sua acepção mais ampla a reivindicações, bases sociais e níveis organizativos di-
versos". Ainda de acordo com essa classificação, eles podem ser agrupados da
seguinte forma:

1. "Os movimentos mais espontâneos, às vezes descaracterizados como movi-


mento devido à sua 'organização', se limitam ao entendimento da massa a um
apelo no momento da manifestação; são exemplos: quebra-quebras de transpor-
tes públicos (trens, ônibus etc.)". Esse tipo de movimento se constitui em "de-
monstrações de insatisfação das massas ante a prestação daquele serviço; esses
movimentos conseguem alcançar muitas vezes o seu objetivo, contribuindo para
influenciarem de alguma forma os setores populares organizados em suas en-
tidades de luta por melhores condições de vida".
2. "Outro tipo de movimento seria o que exige um maior nível organizacional,
e que pode até ocorrer em bairros residenciais de classe média e populares; os
atores desses movimentos são os moradores que têm acesso semelhante aos
'meios de consumo' coletivos. Esses movimentos geralmente surgem pela dete-
rioração ou ameaça de deterioração do nível de equipamentos, ou ainda por
um déficit permanente ou crescente dos serviços urbanos. Colocam suas reivin-
dicações ao responsável pela gestão desses serviços - o Estado, ou mais pre-
cisamente, a uma de sua faces: o Governo."
3. "Ainda outro tipo de movimento urbano é o dos favelados, as suas reivin-
dicações são peculiares e diferem de certa forma dos movimentos de bairros
populares. Os favelados procuram a posse da terra, ou seja, reivindicam a trans-
formação das leis elaboradas pelo Estado dando posse da terra invadida em
função das necessidades sociais. As reivindicações dos moradores dos bairros
populares têm, entre suas exigências mais imediatas, a infra-estrutura básica
como água, esgoto, iluminação pública, postos de saúde, calçamento, escolas
públicas. Enquanto as reivindicações dos bairros de classe média referem-se à
melhoria do trânsito, áreas de lazer, condições ecológicas."

6 Oueiroz, Lêda L. dos Reis Falcão de. Movimentos amigos de bairro de Nova Iguaçu:
o povo pede passagem. Tese de pós-graduação. Rio de Janeiro, Coppe/UFRJ, 1981.

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Como vimos, qualquer que seja a reivindicação ou o grupo que a faz, o ob-
jeto de reivindicação desses movimentos é, em último grau, o Estado.
Com relação ao Rio de Janeiro procuramos verificar como atuam esses mo-
vimentos representativos de associações de moradores e de favelados, e até que
ponto a máquina governamental responde às suas aspirações.
No estado do Rio de Janeiro a associação de favelas é representada pela Fe-
deração das Associações de Favelas do Estado do Rio de Janeiro (Faferj) e as
Associações de Moradores de Bairro estão representadas pela Federação das
Associações de Moradores do ·Estado do Rio de Janeiro (Famerj).

5.1 Funcionamento e reivindicações das Associações de Moradores (AMs)

A entidade representante dos movimentos das favelas surgiu no Rio de Ja-


neiro em 1954, com o objetivo de encaminhar as lutas dos favelados, através
da União dos Trabalhadores Favelados. Seu objetivo principal desde o início é
fortalecer a luta contra as remoções, barrar a especulação imobiliária e funda-
mentalmente urbanizar as favelas.
Na década de 60, devido à política de desfavelização do governo do estado,
foi constituída a Faferg (Federação das Associações de Favelas do Estado da
Guanabara), fundada em 6 de julho de 1963. Com a fusão dos estados do Rio
de Janeiro e Guanabara, sua sigla passou a Faferj.
Durante certo período, a Faferj passou a trabalhar na clandestinidade, devi-
do a pressões, perseguições e intimidação, até que em 78 o trabalho foi retoma-
do com alguns problemas internos devido a uma partidarização da entidade.
Em maio de 1985, com a eleição do novo presidente, os favelados assumiram
novamente a diretoria, passando a defender os interesses de uma verdadeira fe-
deração dos favelados.
De acordo com seu Estatut0 1 a Faferj tem como finalidades:

- Congregar todas as Associações de Moradores de favelas, parques e vilas


proletárias do Rio de Janeiro;
11 - Fundar Associações de Moradores nas favelas a fim de dar-lhes represen-
tatividade reivindicatória e social, promover a união e solidariedade entre as
Associações de Moradores das favelas;
IH - Reivindicar junto aos poderes público e privado a realização das me-
lhorias para as comunidades quando solicitada pelas Associações de Moradores;
IV - Elaborar anteprojetos de leis de interesse dos favelados, encaminhá-los
aos poderes Executivo e Legislativo tanto na área estadual como municipal;
V- Promover o intercâmbio social e cultural entre as comunidades;
VI - Defender os interesses morais e econômicos das associações.

A direção da Faferj é composta por Diretoria Executiva (13 membros), um


Conselho de Representantes (6 membros) e um Conselho Fiscal (6 membros).

7 Dados fornecidos pela Faferj.

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A Faferj está dividida em oito zonais: zonal centro-norte, zonal norte, zonal sul,
zonal Jacaré/Barra da Tijuca, zonal Suburbana,zonal Leopoldina, zonal oeste,
zonal Ilha do Governador. Cada uma das zonais é dirigida por diretores que
moram nessas áreas. A diretoria da Faferj deverá acompanhar as atividades
das associações, registrar problemas internos da comunidade, manter as associa-
ções organizadas, trocar experiências, transmitir as informaões da diretoria e
preparar os diretores das associações a fim de que estejam capacitados a exerce-
rem suas funções.
A Faferj, além da reivindicação de posse da terra, de títulos de propriedade,
ela defende a necessidade de se fazer saneamento básico, de áreas de lazer,
posto médico, escola, creche etc. Para tanto estão divididos em departamentos
que têm por fim o estudo e debate dos temas de interesse da comunidade e
que abrangem as áreas: cultural, feminino, saúde, habitação e a área jurídica
que atua junto com a diretoria executiva.
Atualmente ela é composta por cerca de 440 Associações de Moradores de
favelas no município do Rio de Janeiro, alcanando um total de 530 asso-
ciações em todo o estado do Rio de Janeiro. A divulgação de suas atividades
é feita através de boletins, havendo entretanto um projeto para editar o jornal
da entidade.
Para atender à comunidade que representa, a Faferj possui vários projetos,
contando em alguns casos com o apoio dos órgãos governamentais. Esses pro-
jetos visam principalmente a condições de moradia (habitação e saneamento),
alimentação (que contribuiria para a melhoria da saúde da populaão) e edu-
cação. Entre eles temos:

1. Projeto Mutirão - Ué uma conquista do povo e executado pelo governo


com o fim específico de melhorar as condições de vida nas comunidades caren-
tes". Este projeto tem o apoio da Prefeitura, que paga os trabalhadores e for-
nece o material; a mão-de-obra utilizada é da própria comunidade e tem por
finalidade executar obras de saneamento, creches e outras necessidades básicas
da comunidade. Em 1985 foram realizados 165 projetos; em 1986 pretendem
chegar a 200.

2. Projeto João de Barro - segundo a Faferj, este projeto depende de discus-


sões mais aprofundadas a fim de que corresponda às reais necessidades dos mo-
radores. Foi citado o caso do projeto do Morro de Santa Marta, que tem um
plano de urbanização feito pela Prefeitura que não ouviu a comunidade; esta,
por sua vez, elaborou um projeto alternativo. Não houve ainda solução para
o caso.
3. Programa de Suplementação Alimentar - já se encontra em funcionamento,
não atingindo porém mais de 5 % das favelas do município. Esse projeto forne-
ce lkg de arroz, de feijão, de fubá e 1 litro de leite para cada criança na faixa
de O a 4 anos.
4. Projeto do leite - vem sendo realizado com certa dificuldade devido à es-
cassez do produto; crianças até 7 anos têm direito a um litro diariamente.
5. Projeto de Alimentação Popular (PAP) - está em fase de aprimoramento
pelas autoridades, conta com o apoio do governo federal. No Rio de Janeiro
ainda não foi implantado.

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Com relação à Pastoral de Favelas, ela exerce uma atividade paralela à Faferj
apesar de seus quadros não serem formados por favelados (a Faferj enfatiza
muito a necessidade de que sua direção seja composta por representantes autên-
ticos dos favelados).
A Pastoral de Favelas, além de atender às comunidades, oferece os seguin-
tes serviços: serviço jurídico, departamento técnico composto por engenheiro e
arquitetos, serviços comunitários e o jornal comunitário (Favelão) para divul-
gar notícias das comunidades como esporte, lazer, eleição, cultura, trocas de ex-
periências com outras comunidades, e levar as suas lutas e reivindicações.
A Federação das Associações de Moradores do Estado do Rio de Janeiro
(Famerj) tomou forma jurídica em janeiro de 1978, com 14 associações. Entre-
tanto, a idéia de sua criação começou em 1977, durante a realização da I Se-
mana de Debates sobre o Rio de Janeiro, que reuniu representantes de 40 en-
tidades comunitárias. Surgia assim a idéia de se criar uma forma permanente
de intercâmbio entre as Associações de Moradores, sem fins lucrativos, que
buscasse uma unidade de atuação entre o movimento de moradores.
Atualmente8 a Famerj congrega 583 Associações de Moradores na cidade do
Rio de Janeiro e no interior do estado, com 13 federações municipais (Nova
Iguaçu, Niterói, São Gonçalo, Magé, Caxias, São João de Meriti, Petrópo-
lis, Itaguaí, Valença, Volta Redonda, Angra dos Reis, Nova Friburgo e Cam-
pos), duas sedes próprias (uma no centro da cidade e outra em Campo Grande)
e um corpo de funcionários.
Um dos pontos fundamentais da sua proposta é estimular a organização da
população onde ela mora e trabalha com o fim de atingir uma vida melhor para
os bairros, municípios, estados e o país.
De acordo com seu estatuto, a Famerj é uma sociedade civil, sem fins lucra-
tivos, política, apartidária, sem discriminação religiosa ou racial, autônoma
em suas decisões com sede e foro na cidade do Rio de Janeiro.
Os seus objetivos na defesa de melhores condições de vida para a população
e no interesse de suas filiadas, estão contidos no art. 3.° do seu estatuto, e são
os seguintes:

"a) congregar as Associações de Moradores nos bairros e municípios de todo


o estado;
b) promover palestras, debates, seminários, encontros e outras iniciativas;
c) organizar e manter serviços de assistência e apoio no interesse do mo, imen-
to comunitário;
d) realizar levantamentos, pesquisas, estudos e outras iniciativas;
e) estimular e ajudar a formação de Associações de Moradores e seus organis-
mos de articulação;
f) promover, desenvolver, junto com as diversas organizações da população,
atividades que visem interesses comuns;
g) encaminhar as lutas das Associações de Moradores aprovadas em Congresso;

a Abril de 1986.

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Parágrafo único. No cumprimento de seu objetivo, a federação representará
suas filiadas perante as autoridades e órgãos municipais, estaduais e federais;
ou perante quaisquer entidades públicas ou privadas, e poderá promover, em
juízo ou fora dele, as ações e medidas que se tomem necessárias."
A determinação das metas de atuação da federação, atualização dos seus prin-
cípios e avaliação e reformulação da estrutura da federação é de competência
do Congresso estadual, que é o órgão de decisão máxima da federação e que se
reúne ordinariamente de dois em dois anos.
A Famerj possui diversas comissões de trabalho, como a de uso do solo, lo-
teamento, saúde, abastecimento, educação, comunicação, habitação, transpor-
tes, saneamento, violência, posse da terra, dívida externa, cultura etc.; e que
tem por finalidade estudar e analisar os diversos temas e procurar soluções pa-
ra as necessidades da comunidade, tentando chegar até as autoridades COm as
suas reivindicações quando for o caso.

5.1.1 Medidas defendidas pela Famerj

1. Encampação de empresas de ônibus - "essa medida veio ao encontro das


expectativas da federação que desde 1983 faz esta reivindicação, porém o gran-
de objetivo da Famerj é a estatização de todas as empresas". Defende também
a adoção da tarifa única, um novo regulamento de transportes que regularize a
concessão de linhas de ônibus por tempo e local determinados, terminando com
o controle de certas áreas. Pretende também a formação de uma Câmara Me-
tropolitana de Transportes e a formulação de novo regulamento para o trânsito.
Permanece também a proposta de criação de um grupo de trabalho para con-
trole dos reajustes de tarifas; esse grupo teria em sua composição entidades
como a Famerj, Faferj, Sindicato dos Economistas, entre outros, e suas funções
seriam técnicas e políticas.

o metrô, as barcas e o sistema ferroviário também têm sido tema de debates


das associações.
Consideram necessária a "participação das federações no poder decisório,
centralizado nas mãos do Executivo, e ainda na fiscalização às empresas de
ônibus".

2. Abastecimento - as feirinhas da Famerj surgiram em 1981, organizadas pe-


las Associações de Bairros. Esse movimento foi intensificado e hoje é totalmente
administrado pela Comissão de Abastecimento da Famerj, que dispõe de três
boxes na Ceasa.
Entretanto, consideram que o problema do abastecimento é bastante amplo,
incluindo "a responsabilidade do governo no abastecimento popular através da
Cobal como seu órgão regulador, a Reforma Agrária, como única forma de de-
mocratizar o uso da terra improdutiva, cessar a especulação, fornecer trabalho
no campo, garantir uma maior produção agropecuária". Afirmam ainda que "a
participação da população teria que acontecer ao nível de fiscalização e de con-
sulta".
Participação e movimentos sociais 57
Afirmam que é necessário:
" - que seja evitada a especulação imobiliária nas regiões produtoras;
- que os estados desenvolvam programas do tipo varejão, sacolão e comboios
de abastecimento sob o controle de cooperativas e das Associações de Morado-
res para que se possa atender aos consumidores com preços abaixo do mercado;
- que os estados, sobretudo a União, usem os estoques reguladores para com-
bater a especulação e que a carga fiscal sobre os produtos alimentícios seja di-
minuída, sendo a perda tributária compensada por uma maior taxação de produ-
tos supérfluos e ganhos de capital;
- que o governo federal tome obrigatório que nas embalagens de todos os pro-
dutos alimentares haja a data de fabricação e de validade, tal como nos re-
médios;
- que as prefeituras coloquem balanças públicas aferidas nas feiras livres e
supermercados para que os consumidores possam conferir o peso dos produ-
tos comprados e que haja uma efetiva fiscalização destas medidas."

3. Saúde - "o problema da saúde tem sua causa maior na falta de saneamen-
to básico". A Comissão de Saúde da Famerj apresenta algumas propostas deba-
tidas pelo movimento:

" - que a Constituinte tenha participação de todos os segmentos da sociedade,


sendo a saúde um dos eixos fundamentais, enquanto direito de todos e dever
do Estado;
- saúde não deve ser objeto de lucro; faz-se necessária a extinção de convê-
nios com empresas privadas;
- aumentar os investimentos de recursos para melhoria e ampliação da rede
pública;
- criação de uma lei que estipule um percentual real do orçamento da União,
dos estados e municípios para a saúde, assim como é feito na educação;
- participação popular no planejamento, fiscalização e decisão da política de
saúde em todos os níveis, principalmente na gestão da Previdência;
- maior integração dos órgãos públicos prestadores de serviços de assistên-
cia médica em todos os níveis (municipal, estadual e federal) através de um
plano unificado de saúde;
- efetivo funcionamento da Cerne, com distribuição gratuita dos medicamen-
tos e a retirada urgente dos remédios à venda no mercado nacional que já foram
proibidos em outros países;
- atenção à saúde da mulher, garantindo o conhecimento sobre a gravidez e
os métodos contraceptivos e seus efeitos colaterais, para que melhor informadas
não sejam manipuladas por políticas oficiais que não atendem a seus interesses.
Repúdio ao controle da natalidade exercido pela Benfam e Cpaimc;

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- estímulo ao aleitamento matemo, cuidado à gestante, criação de alojamentos
conjuntos mãe-filho nas maternidades e a criação de banco de leite devem ser
medidas prioritárias;
- obras de saneamento básico; os recursos do Planasa devem ser entregues aos
governos estaduais e municipais para serem aplicados a fundo partido nas obras
de saneamento básico."

4. Saneamento - o problema do saneamento é visto como muito seno pelas


Associações de Moradores. Para a Baixada Fluminense foi liberada verba atra-
vés de um convênio do BNH com a Secretaria Estadual de Obras e Meio Am-
biente, entretanto, afirmam que a luta agora é garantir a qualidade e prioridade
dessas obras. Outro problema refere-se ao emissário submarino que dá saída ao
esgoto da zona sul do Rio e que vem poluindo a praia. O esgoto vem sendo
lançado na praia em vários pontos, sem qualquer tratamento. Outro caso mais
recente é o tratamento do esgoto da Barra da Tijuca e Jacarepaguá, onde duas
soluções são apresentadas - lagoas de estabilização ou emissário submarino.

5. Posse da terra e loteamentos irregulares e clandestinos - apesar de já terem


conseguido algumas vitórias como o fortalecimento do Núcleo da Procuradoria
do Estado para legalização dos loteamentos e criação da Procuradoria Munici-
pal, a participação de vários órgãos como a Secretaria Municipal de Obras, do
Iplan-Rio, da Cedae, da Secretaria de Habitação e Trabalho, do Ministério PÚ-
blico e da Assistência Judiciária nas discussões do Núcleo da Procuradoria-Ge-
ral, não existe um programa global para loteamentos por parte da prefeitura.
As principais reivindicações referentes aos loteamentos irregulares e clandesti-
nos são:

" - legalização e urbanização definitiva dos loteamentos clandestinos e irregu-


lares;
- definição de uma política e estabelecimento de condições através da criação
de órgão que centralize, em todos os municípios, a aplicação e execução da lei
federal n.O 6.766/79;

a) suspender os pagamentos das prestações de loteamentos aos lote adores e


depositá-lo numa conta em um banco estatal;
b) processar criminalmente os loteadores inescrupulosos; e que se priorizem
verbas no município para a urbanização (saneamento) dos loteamentos con-
comitantes com a legalização;
c) cadastramento das áreas de loteamentos irregulares e clandestinos em todos
os municípios do país;

- cobrança, pelas prefeituras, de impostos progressivos sobre os lotes ociosos


(terrenos baldios);
- maior controle por parte das prefeituras na cobrança de impostos aos lotea-
dores e controle da população organizada para que esse imposto não seja re-
passado aos moradores;
Participação e movimentos sociais 59
- realização de discussões sobre loteamentos pelas Associações de Moradores
em cada município;
- criação de programas para aumentar a oferta de moradia para a população
que ganha abaixo de cinco salários mínimos;
- criação, pelos estados, de bancos de material de construção, com a partici-
pação das asscoiações, dando prioridade de atendimento às populações de baixa
renda;
- fim do arbítrio e da violência policial aos casos de desentendimento nas
questões da terra;
- mobilização constante dos que sofrem o problema para fortalecer a luta e
do conjunto das associações de cada município para pressionar os governos mu-
nicipais, em atos públicos e encontros com as autoridades;
- que na luta pela legalização dos loteamentos irregulares e clandestinos con-
siderem-se todas as situações de posseiros existentes dentro e na periferia dos
loteamentos, com o objetivo de garantir o direito de moradia;
- que os índices do IPTU em todos os municípios sejam adequados à reali-
dade sócio-econômica dos moradores de loteamentos."
Quanto às propostas relacionadas com a posse da terra, temos:
"- posse da terra, através de títulos de propriedade, para quem nela more ou
trabalhe;
- cadastramento, em todo o país, das áreas de posse;
- participação efetiva nas instâncias federais, estaduais e municipais do exe-
cutivo, legislativo e judiciário no tocante ao problema da posse da terra;
- desenvolvimento de lutas pela modificação da lei de uso do solo para reduzir
para um ano o prazo do direito da leí do usucapião;
integração na campanha pela modificação da lei do usucapião;
realização de estudos aprofundados sobre os aspectos políticos da questão
da posse da terra;
estreitamento de relações com as entidades da sociedade civil engajadas na
luta pela posse da terra (OAB, CUT, Conc1at e pastorais);
- desapropriação das áreas onde existam posses no interesse social e como
parte efetiva dos planejamentos estaduais e municipais;
- urbanização e saneamento das favelas;
- estruturar o setor jurídico dos estados e municípios para atender às neces-
sidades da população na luta pela legalização da posse da terra;
- que se lute pelo financiamento de material de construção para as áreas de
posse da terra;
- que o movimento ocupe áreas desocupadas e passe a exigir do governo de-
sapropriação destas."

60 R.C.P. 4/86
6. Habitação - a proposta defendida pela Famerj é de que a política gover-
namental atenda às necessidades básicas da população em termos de moradia.
Quanto aos mutuários do SFIH deve ser exigido "o respeito aos direitos garan-
tidos nos contratos como a equivalência salarial, a anualidade - nunca mais
de um reajuste por ano - e o fim dos pagamentos no prazo estipulado no con-
trato, mesmo que exista um saldo devedor. A principal reivindicação é quanto
à reformulação total do Sistema Financeiro da Habitação."
7. Educação e cultura - pretendem criar "frentes culturais em colégios, as-
sociações recreativas e outras existentes, principalmente esporte e lazer, nos
diversos bairros;
- incentivar a preservação da cultura brasileira e denunciar a invasão desen-
freada de culturas estrangeiras;
- preservação dos espaços culturais já existentes e conquista de novos;
- incentivar a participação cultural nas comunidades sob a forma de festivais,
encontros musicais etc."
Com relação aos órgãos oficiais, defendem:
"- manifestar-se contra a censura à liberdade de criação e expressão;
- exigir dos órgãos públicos a participação das Associações de Moradores nas
decisões sobre projetos culturais e suas prioridades;
- mais abertura nos órgãos oficiais para colaborarem com os trabalhos cultu-
rais das comunidades."
Defendem também "uma escola pública democrática, comprometida com as
camadas populares, não servindo de instrumento de reprodução dos valores e
da ideologia da classe dominante;
- que o proces~o educacional esteja voltado para a construção de uma sociedade
justa e livre, onde a educação não seja instrumento de dominação, de interesses
particulares, planejada por uma minoria e voltada para uma elite;
- participação da comunidade no debate sobre a democratização do ensino,
na formulação dos currículos e conteúdos, e pelo acesso de todos à escola;
- melhoria do ensino, reciclagem dos professores: reformulação dos currículos
e programas de 1.° grau de acordo com a realidade do aluno, com a participa-
ção dos pais, alunos e associações de moradores;
- reivindicação de maiores verbas para a educação;
- eleição de diretores de escolas com a participação de pais, alunos, professo-
res, funcionários e associações de moradores; que os donos de colégios parti-
culares não possam assumir o cargo de diretor ou coordenador de escolas pú-
blicas;
- apoiar a luta dos professores por melhores salários e condições de trabalho;
- reforma universitária, possibilitando o acesso do operário ao ensino supe-
rior;

Participação e movimentos sociais 61


- ampliação da rede pública de 1.0 e 2.° graus;
- criação de creches comunitárias para a educação pré-escolar, de cursos pro-
fissionalizantes com o adequado aparelhamento e de escolas para excepcionais."

8. Democratização da comunicação - "pela democracia nos campos político,


social e econômico sem a qual não haverá a democratização da política de co-
municação;
- que a comunicação seja colocada a serviço do povo e da eliminação das
desigualdades, injustiças e preconceitos;
- garantir o acesso e o direito à informação e à participação de todos os setores
da sociedade na definição de política nacional de comunicação;
- que a Constituinte contenha os resultados de uma ampla discussão sobre a
redemocratização da comunicação, lutando-se prioritariamente pela criação de
um organismo democrático e representativo que delibere e decida sobre a con-
cessão de lideranças para a operação de canais de rádio e televisão."

Estes são alguns dos grandes temas que as associações, através de sua federa-
ção, têm mantido em permanente discussão, procurando chegar a um consenso
em relação às suas reivindicações e as formas de conseguir junto às autoridades
constituídas a sua execução. Grande parte das reivindicações relacionadas são
as conclusões do 11 Congresso da Famerj, propostas para a Constituinte.
Para a divulgação das Associações de Moradores e dos eventos por elas prO-:
gramados, bem como a comunicação de todas as atividades em desenvolvimen-
to, a Famerj conta com o Jornal da FAMERJ, além do programa Comunidade
em Movimento da rádio Roquete Pinto, divulgando as atividades da comuni-
dade.
Entretanto, o que consideram mais importante tanto para a Famerj, a Faferj
e a Pastoral das Favelas foi o espaço conseguido para divulgação através do
programa Espaço Comunitário na TVE. Esse programa é realizado todos os
domingos e consta de reportagens, informações e debates sobre formas de or-
ganização comunitária de diferentes setores e movimentos, ao nível político,
cultural e esportivo. O programa Espaço Comunitário "é feito não apenas para,
mas pela própria comunidade". Essa experiência da TVE do RJ atende a uma
recomendação expressa do Ministério da Educação no sentido de se avançar
no caminho da TV comunitária, cuja experiência já existe em outros países
como EUA, Japão e fambém na :Europa.
Como vimos, o movimento das Associações de Moradores através de suas
federações, está bastante organizado, principalmente no que se refere à Famerj,
que possui uma estrutura bastante ampla e uma organização que abrange os
mais variados temas de interesse das comunidades por ela representadas.
Entretanto, apesar de toda a sua abrangência e organização, estes movimen-
tos não têm força legal na medida em que eles não participam formalmente do
poder; a sua influência se faz informalmente, através de "pressão" sobre os
vários órgãos da administração, e dessa forma eles têm conseguido obter algu-
mas vitórias.
Uma dessas vitórias é a carta-compromisso dos candidatos à prefeitura com
a população carioca, que entre outros pontos salienta o fato de que dará ênfase

62 R.C.P. 4/86
à participação popular em relação a qualquer decisão que afete a comunidadé,
e que qualquer decisão só será tomada e executada com a participação da co-
munidade através das Associações de Moradores; participarão também dos de-
bates para a elaboração dos orçamentos anuais; o prefeito e sua equipe se reu-
nirão mensalmente com a diretoria da Famerj e suas coordenações zonais; as
administrações regionais ganharão poder decisório local entrosadas com os ór-
gãos governamentais, e os administradores atuarão a partir das orientações de um
conselho onde as associações terão um papel importante ao lado de outras en-
tidades; a prefeitura "respeitará sempre a indepedência da organização popular
e compreenderá as críticas das associações ao desempenho dos governantes co-
mo uma ocorrência normal da vida democrática e essencial à criação de uma
sociedade que busca a justiça, a alegria e a fraternidade". Além dessa partici-
pação da comunidade, a carta-compromisso dos "prefeitáveis" se comprometia
a uma efetiva atuação nos setores de transporte, moradia, urbanização, sanea-
mento, saúde, educação e cultura, política tributária, segurança, desenvolvi-
mento urbano, alimentação e direito à informação.
O objetivo deste estudo não é verificar em profundidade até que ponto esses
compromissos pré-eleitorais estão sendo realmente cumpridos, entretanto, cita-
remos algumas atividades divulgadas através da imprensa, que fazem parte do
compromisso assumido e que estão seendo realizadas, COmo o encontro do pre-
feito e sua equipe com representantes da Famerj (9.3.86 - Jornal da Famerj,
fev.jmar. 1986), o Projeto Cidadão ligado à secretaria de governo com o ob-
jetivo de fornecer informações acerca da estrutura municipal, ao mesmo tempo
em que serão veiculadas sugestões e reclamações que os cidadãos tenham a
fazer para o executivo, sendo que uma segunda etapa do Projeto Cidadão con-
siste na organização do banco de dados com informações sobre a máquina ad-
ministrativa do município. -
A Faferj por sua vez participou de um encontro (4.5.86) com o prefeito e
seu secretariado, e segundo seu presidente, em 21 anos de existência, é a pri-
meira vez que a associação de favelas do Rio de Janeiro discute seus problemas
com a prefeitura.
No seminário realizado na PUC-RJ sobre As demandas sociais e as finanças
municipais do Rio de Janeiro, com entidades representativas que incluíam des-
de a Câmara de Vereadores e a ABI, até a Associação de Empregados de Furnas,
do IBGE, do Serpo, a CGT e a CUT e diversos sindicatos, os representantes
comunitários conseguiram junto ao prefeito a redução do índice de reajuste do
IPTU.
Verifica-se que, de certa forma, os movimentos representativos têm conse-
guido que algumas das suas reivindicações junto aos órgãos governamentais no
Rio de Janeiro sejam atendidas, mas para que essas entidades tenham uma par-
ticipação mais efetiva na administração elas pretendem que a sua existência e
atividades constem da próxima Constituição, como já ocorre nas Constituições
mais modernas, e para que isso se concretize as entidades têm mantido em
constante discussão todos os temas sobre os quais pretendem oferecer suas su-
gestões aos futuros constituintes.
Ao constatar a preocupação desses movimentos representativos, fizemos o
levantamento de algumas Constituições elaboradas mais recentemente, e onde
já estão previstas formas de atuação dos movimentos de representação das co-
munidades. Relacionaremos a seguir alguns dos artigos dessas Constituições.

Participação e movimentos sociais 63


6. As Constituições e a representação social

A crescente preocupação com os movimentos soclals e as suas formas de


representação veio se refletir mais recentemente nas Constituições9 de vários
países que tiveram seus textos revistos a partir da década de 70.
Nessas modernas Constituições foram inseridos textos referentes, entre ou-
tros, a agrupamentos econômicos, como na Constituição suíça (de 1874, atua-
lizada em 1973) que diz em seu art. 32:

"Os agrupamentos econômicos interessados serão igualmente ouvidos na ela-


boração das leis de execução e poderão ser chamados a colaborar na sua apli-
cação."

A Constituição belga (de 1831, revisada em 1967 e 1971), por sua vez, prevê
no art. 107, quater, "da criação por lei de organismos regionais", e pela lei de
15 de julho de 1970 foram criados Conselhos Econômicos Regionais da Valô-
nia, de Flandres e de Brabant, na composição dos quais integram organizações
representativas da indústria, das classes médias, da agricultura e dos trabalha-
dores.
A Constituição de Portugal de 1976 e revista em 1982 diz em seu art. 57 que
"constituem direitos das associações sindicais":

a) participar na elaboração da legislação do trabalho; b) participar na gestão


das instituições de segurança social e outras organizações que visem satisfazer
os interesses dos trabalhadores; c) participar no controle de execução dos
planos econômico-sociais". Também o art. 54 da Constituição portuguesa pre-
vê a criação da Comissão de Trabalhadores para a defesa dos seus interesses
e intervenção democrática na vida da empresa, e os membros das comissões
têm proteção legal reconhecida aos delegados sindicais.

Já em outras Constituições a referência é mais genérica, como ocorre na da


Grécia (1975), que no art. 102 fala que "uma lei poderá prever a participação,
na administração, das entidades locais de segundo grau (abaixo de· município),
de representantes eleitos por organizações profissionais, científicas e culturais,
assim como de representantes da administração estatal até um terço do número
total dos membros"; também da Constituição holandesa (revista em 1972) no
art. 87 consta que "terá lugar, em virtude de lei, a instituição de órgãos cole-
giados permanentes de conselho e assistência ao governo. Esta lei regulará a
designação, composição, modo de funcionamento e competência dos referidos
organismos". A regulamentação foi dada pela lei de 27 de janeiro de 1950.
A Constituição da Espanha (1978) no art. 131.2 prevê que "o governo
elaborará os projetos de planificação de acordo com as previsões que sejam
ministradas pelas comunidades autônomas, e com o assessoramento e cola-
boração dos sindicatos e outras organizações profissionais, empresariais e
econômicas. Para esse fim, será constituído um conselho, cuja composição

o Os dados sobre as Constituições da Suíça, Bélgica. Grécia, Holanda e Espanha foram


fornecidos pela pesquisadora Ana Lúcia de Lyra Tavares.

64 R.C.P. 4/86
e função serão desenvolvidas em lei". Também no art. 105 é feita referência a
"regulamentação por lei de: a) a audiência dos cidadãos diretamente, ou através
de organizações e associações reconhecidas pela lei, no proceso de elaboração
de disposições administrativas que lhes afetem".
Das Constituições mais recentes verifica-se que a de Portugal (de 2.4.76 e
revista em 1982) é bastante detalhista. Lá encontramos, no art. 110, referência
à proteção ao consumidor, no que se refere "ao direito à formação" e à infor-
mação, à saúde, segurança dos seus interesses econômicos e à reparação de
danos. As associações de consumidores e as cooperativas de consumo têm
direito, nos termos da lei, ao apoio do Estado e a serem ouvidas sobre as
questões que digam respeito à defesa do consumidor".
As organizações populares de base também estão previstas na Constituição,
que em seu art. 118 refere-se às formas previstas na lei para o exercício do
poder local.
Foi previsto também, no art. 254, a criação, pelos municípios, de associações
e federações para a administração de interesses comuns ...
No Conselho Regional (art. 261), que é o órgão consultivo da região, estão
garantidas as representações das organizações culturais, sociais, econômicas e
profissionais existentes na respectiva área.
As organizações populares de base territorial constam do art. 263.1 que diz:
"A fim de intensificar a participação das populações na vida administrativa
. local, podem ser constituídas organizações populares de base territorial cor-
respondentes a áreas inferiores à da freguesia". No segundo item consta que
"a Assembléia de freguesia, por sua iniciativa ou a requerimento de comissões
de moradores ou de um número significativo de moradores, demarcará as
áreas territoriais das organizações referidas no número anterior, solucionando
os eventuais conflitos daí resultantes".
Quanto à estrutura dessas organizações, o art. 264 diz que a estrutura será
afixada na lei e compreende a Assembléia de Moradores e a Comissão de
Moradores. Essas organizações populares de base territorial têm direito: a) de
petição perante as autarquias locais relativamente a assuntos administrativos
de interesse dos moradores; b) de participação, sem voto, através de represen-
tantes seus, na assembléia da freguesia. A essas organizações populares com-
pete ainda realizar as tarefas que a lei lhes confiar ou os órgãos de freguesia
a elas delegarem.

7. Conclusão

Os movimentos sociais de bairro, apesar da sua organização e mobilização


cada vez mais intensa, não têm poder de influir de forma mais objetiva no
poder público a fim de desenvolver uma gestão mais eficaz em prol dos anseios
populares.
Esse desenvolvimento dos movimentos de reivindicação de bairro está criando
uma organização social com condições de propiciar uma maior interação com
os órgãos governamentais e a sua conseqüente participação nas decisões públicas.
Entretanto, os meios que esses movimentos de interesse possuem para pres-
sionar o Estado são muito limitados, podendo ou não ser ouvidos ou mesmo
recebidos pelos representantes dos órgãos decisórios. Seria necessário, e essa

Participação e movimentos sociais 65


é uma das suas reivindicações, buscar formas legais para que esses movimentos
possam atuar de modo a atingir seus objetivos. E. preciso que as instituições
se modernizem e se adequem à nova realidade do país, pois o povo, ao formar
esse poder paralelo na luta contra a inflação, pode agora usar esse poder para
buscar outras reivindicações. Para isso é necessário que ele tenha uma orien-
tação, que essas aspirações se façam através de organizações legalmente reco-
nhecidas, mas também com poder legal de exercer as suas atividades reivindi-
catórias. E. aspiração dessas associações de interesse que na nova Carta Consti-
tucional, como já existe em outros países, esteja prevista a existência legal dessas
associações representativas dos movimentos populares, assim como as formas
de seu desempenho junto aos órgãos do governo.

Negociacões
Mundo Afora I
Os autores foram movidos pelo 'pr~pósit~ de
preencher a necessidade de bibliografia
específica, em língua po~ug~esa, sobre te~a c?e
importância crescente, prinCipalmente no amblto
latino-americano. r---:--;JE-;:..----:--....,
De cunho prático e did?tíco, abord~
sucessivamente: uma slntese extensiva da
evolução econômica da América Lc;nin~;
as bases metodológicas das negoclaçoes
internacionais; sete estudos de casos, que
analisam os aspectos formais das diversas
modalidades de negociações e indicam
possibilidades de negociações de vários
produtos primários e manufaturados, bem
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