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Relações públicas, movimentos populares e

transformação social ∗
Cicilia M.Krohling Peruzzo

Índice convertendo-se também em Instrumentos


úteis às classes trabalhadoras. Este ensaio
1 Resumo . . . . . . . . . . . . . . 1 inventaria os usos sociais das Relações
2 Movimentos Populares e Relações Públicas nos movimentos populares contem-
Públicas . . . . . . . . . . . . . . 1 porâneos, particularmente no Brasil.
3 Princípios das Relações Públicas
Populares . . . . . . . . . . . . . 5 Palavras-chave: Relações Públicas; co-
3.1 Interdisciplinaridade . . . . . . . 6 municação popular; movimentos sociais.
4 Campos de Ação . . . . . . . . . 6
5 Relações Públicas Populares no Abstract
Nível das Possibilidades . . . . . 6 In spite of its origin as a communication
6 Dos objetivos . . . . . . . . . . . 7 tool used by the entrepeneurs, Public Rela-
7 Relações Públicas Populares no tions developed its profile according to the
Nível da Prática . . . . . . . . . . 8 fast changes of the capitalistic society, being
8 Bibliografia . . . . . . . . . . . . 9 also converted into a mechanism usefull
for the working class. This paper recovers
the social uses of Public Relations In the
contemporary popular movements, mainly
1 Resumo In Brazil.
Embora tenham surgido como atividades Key Words: Public Relations; popular
comunicacionais vinculadas ao patronato, communication: social movements.
as Relações Públicas acompanharam as
transformações da sociedade capitalista, Resumen

Publicado na Revista Brasileira de Comunica- Aunque su origen este a vincula a las ac-
ção, v.XVI, n. 2, p.125-133. São Paulo: Intercom tividades comunicativas de los empresarios,
- Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares las Relaciones Públicas cambiaran su fisio-
da Comunicaçaõ, 1993. Versão revista e ampliada
nomia de acuerdo a las transformaciones de
do texto “Relações públicas nos movimentos popula-
res” publicado na Revista Brasileira de Comunicação, la sociedad capitalista, convertiendose tam-
n.60, p.107-112, 1989. bién en herramienta útil a las clases obreras.
2 Cicilia Peruzzo

Este artículo hace un inventario de los usos concreta e com as necessidades e interesses
sociales de las Relaciones Públicas en los majoritários da população sofrida, impossi-
movimientos populares contemporáneos, bilitada de usufruir dos direitos plenos de ci-
particularmente en Brasil. dadania.
Portanto, as relações públicas populares
Palabras clave: Relaciones Públicas; co- implicam num olhar inconformado do status-
municación popular; movimientos sociales. quo, e ao mesmo tempo, implicam num
"apostar"na transformação social. Ou seja, é
um olhar inconformado no sentido de não se
2 Movimentos Populares e
conformar, não aceitar a realidade de opres-
Relações Públicas são a que está sujeita a maior parte da po-
Há aproximadamente uma década vêm se pulação brasileira. Opressão essa que está
desenvolvendo de forma mais visível, no refletida nas condições de miséria, na ca-
Brasil, novas possibilidades às relações pú- rência de moradia digna, na subnutrição de
blicas. Elas transcendem, com mais vigor, um terço da população brasileira, na falta de
dos mundos empresarial e governamental - saúde, no aumento do número de meninos
embora estes continuem seus campos de atu- e meninas de rua e tantas outras coisas que
ação predominantes, para o mundo das orga- afetam a vida. Um dado que reflete bem essa
nizações e movimentos sociais populares. situação: Segundo pesquisa da ONU - Orga-
Assim, até há mais ou menos dez anos nização das Nações Unidas, o Brasil ocupa
relações públicas eram concebidas teori- a 51a posição mundial em termos de desen-
camente e praticadas majoritariamente en- volvimento humano (considerando a expec-
quanto um instrumental a serviço do capital, tativa de vida, grau de alfabetização e poder
dos governos e da hegemonia das classes do- de compra básica da população), seguido do
minantes. Mas, a sociedade é dinâmica e, Paraguai que está em 52a posição.
acompanhando as mudanças que vêm ocor- Mas, na dinamicidade da sociedade ela vai
rendo no interior da sociedade brasileira, as criando mecanismos de negação, a antítese à
relações públicas também chegou a vez de situação de desigualdade social. No decor-
deixarem-se mudar. Hoje, teórica e prati- rer dos anos, vários expoentes (pessoas, mo-
camente, é possível falar de relações públi- vimentos sociais, organizações não governa-
cas populares, ou comunitárias, orgânicas às mentais, segmentos da Igreja Católica, seg-
classes subalternas. Ou seja, de um traba- mentos universitários, alguns partidos políti-
lho de relações públicas comprometido com cos, alguns órgãos públicos etc.) vão se agre-
os interesses dos segmentos sociais subalter- gando em tomo de lutas em defesa da vida.
nos organizados, ou num sentido mais amplo No bojo desse processo é que se forjam
com o interesse público. os movimentos sociais populares, os quais
Falar de relações públicas populares, vão desenvolvendo ações coletivas em favor
ou comunitárias, significa falar de "no- do interesse público, dos interesses da maior
vas"relações públicas. "Novas"no sentido parte da população.
de estarem comprometidas com a realidade Estes movimentos, em última instância,
lutam pelo acesso a bens de consumo co-

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Relações públicas, movimentos populares e transformação social 3

letivo (no campo da educação, da saúde, população empobrecida e se organizam por


da moradia etc.), bens necessários à própria fora e independente dos canais tradicionais
vida, aos quais todo cidadão tem direito. Em de participação como os sindicatos e os par-
suma, significa a reivindicação ao direito de tidos políticos, bem como de outras institui-
participação da população na riqueza soci- ções privadas e públicas. De fato, ocupam
almente produzida, bem como no direito de um espaço diferente daquele ocupado pelos
participação política. partidos e sindicatos enquanto canais abertos
Aliás, manifestações em defesa da vida à canalização dos interesses da sociedade.
vem ganhando amplitude mundial. Por Porém, lembramos que para alguns, fa-
exemplo, a defesa da preservação do meio lar de movimentos sociais, atualmente, se-
ambiente, da paz, dos direitos da mulher, ria algo ultrapassado porque tais movimen-
dos direitos à individualidade, de participa- tos teriam acabado etc. A nosso ver essa
ção política etc. São valores antigos, mas questão envolve toda uma complexidade.
que voltam a ser atuais. São valores emer- A sociedade civil continua viva em seu
gentes e não predominantes nem hegemôni- movimento. O que ocorre é que os movi-
cos, mas que convivem e estão ajudando a mentos populares têm passado por momen-
compor uma nova realidade. No fundo há tos diferenciados. Numa primeira fase ocu-
uma rejeição a tudo que afronta a vida, a pam espaços públicos para denunciar e rei-
dignidade e o bem comum (violência, cor- vindicar. Foi o momento de grandes ma-
rupção, autoritarismo político,. destruição da nifestações públicas. Depois se dedicaram
natureza, degradação das condições de exis- muito à sua própria organização. Centenas
tência e outros). de associações, grupos, comissões etc. fo-
No Brasil, estes e outros valores também ram criados. As atividades são mais loca-
estão presentes. Várias instituições, pes- lizadas e são feitos esforços para a fortifi-
soas, movimentos populares estão inseridos cação ao nível interno que envolve consci-
em todo um processo contra as várias for- entização, formação política, ações coletivas
mas de negação à vida. Entre essas forças para solução de problemas ou carências nos
destacamos os movimentos sociais popula- bairros etc. É mais ou menos por essa fase
res por representarem "novas"organizações. que alguns se apressam a decretar a deca-
Novas não no sentido de não terem exis- dência e até o fim dos movimentos popula-
tido antes, claro. Movimentos dessa natureza res. No entanto, há indicações de que es-
existiram ao longo da história da humani- tava havendo uma mudança de atuação e de
dade. Mas, novos para aquele momento his- qualidade, refletida até pelas circunstâncias
tórico, ou seja final da década de 70, durante de um momento político que já possibilitava
a fase final de um período marcado por mais mais liberdade de expressão e de organiza-
de duas décadas de um regime militar auto- ção. Enquanto se. discutia a retração dos
ritário que bloqueara qualquer iniciativa crí- movimentos populares, em algumas partes,
tica e organizativa da sociedade civil, e por como no caso do Estado do Espírito Santo,
outro lado porque aos poucos vão forjando Brasil, eles estavam se articulando em orga-
estruturas sociais e valores inovadores. Nas- nizações mais amplas. Ou seja, não pararam
cem a partir "dos de baixo", das bases, ou da nas micro-organizações. Sentiram a necessi-

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dade de articulação e assim foram surgindo produção e de gestão coletiva e/ou experi-
as federações, Federação de Associações de ências autogestionárias de unidades produ-
Moradores no nível de município, por exem- tivas. c) Núcleos políticos (associações de
plo. E mais do que isso. Em 1987/88 foi moradores, federações de associações etc.)
constituída a FAMOPES-Federação de As- Neste nível se gestam e se administram pro-
sociações de Moradores e de Movimentos cessos reivindicatórios coletivos. São expe-
Populares do Espírito Santo, formada pelas riências que além de exercitarem uma certa
próprias organizações de base que congre- "administração local"(bairro), também favo-
gam associações e movimentos populares de recem o aprendizado de relacionamento com
todo o Estado do Espírito Santo. o Poder Público, a Prefeitura por exemplo.
Todo este m o v i m e n to tem uma ter- Mas, o que é mais importante, o fazem atra-
ceira fase, bastante candente no início dos vés de suas entidades representativas (e não
anos 90, quando os movimentos procuram mais através de indivíduos isoladamennte) e
adquirir mais competência, se aperfeiçoar’ introduzindo práticas participativas coletivas
em campos de sua atuação. Por exemplo, co- e pluralistas. d) Núcleos culturais (Grupo de
nhecer os mecanismos de elaboração do or- teatro, Movimento Negro etc.). Nesse nível
çamento municipal ou da planilha de custos há todo um movimento de recuperação da
para o transporte coletivo. . história e de identidades, bem como de cri-
Os movimentos populares procuram ad- ação e recriação de valores no campo da cul-
quirir mais competência para poderem par- tura.
ticipar mais efetivamente discutindo proje- Quanto aos "novos"valores: Uma socie-
tos, pressionando e, possivelmente, se pre- dade cerceada em sua liberdade de expres-
parando para passarem a propor projetos, ou são e organização, de repente desenvolve va-
seja buscam adquirir competência para me- lores como a noção de participação direta.
lhor negociar com o Poder Público, para me- A população introduz uma forma direta de
lhor interferir no processo de construção da atuar, sem intermediários, no âmbito das as-
realidade. . sociações, nos bairros e nos municípios. Ad-
Voltamos à questão das "novas"estruturas ministra suas próprias organizações através
sociais que estão sendo gestadas no âmbito de diretorias eleitas democraticamente, com
dos movimentos populares, segundo Pira- mandato temporário e poder delegado pela
gibe Castro Alves (sd). Essas se caracteri- base. Em suas organizações todos podem fa-
zam em: a) Núcleos de socialização (Clu- lar, discutir, propor, voltar, decidir e ajudar
bes de Mães, Grupos de Jovens etc.). É um a executar. Os vereadores, parece, passam
espaço onde as pessoas se encontram. Por a não dar conta de todos os reclamos e ne-
exemplo, a partir daí as mulheres passam a cessidades da população, e ela passa a agir
extrapolar sua ação dentro dos limites do lar. diretamente, passa a se relacionar de forma
Passam a conviver, discutir e procurar solu- direta com o Poder Público.
ções para seus problemas de ordem familiar Um outro valor muito presente diz res-
e comunitária. b) Núcleos econômicos (co- peito à noção de direito. O direito à mora-
operativas, associações de produtores etc.). dia, o direito à saúde, o direito à educação,
Onde se gestam experiências de trabalho, de enquanto direito coletivo e público. A satis-

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fação de certas carências passa da percepção ções mais gerais de vida, como o do meio
enquanto direito individual, à direito cole- ambiente, movimentos mais voltados para a
tivo, da pessoa humana e de todas as pessoas defesa dos direitos da pessoa humana, movi-
que estão naquela situação. mentos em tomo das desigualdades mais ex-
Há ainda valores como o da participação plicitados no tocante à etnia e ao sexo, como
da mulher (que quebra o tabu de sua "voca- o movimento negro e o feminista.
ção"/obrigação restrita ao lar), da rejeição à É este um dos campos no qual as relações
violência contra às mulheres, da autonomia públicas populares podem contribuir para a
(que significa a busca por grande parte dos transformação social.
movimentos em caminhar de forma indepen- Sob o ponto de vista teórico não basta
dente, sem a tutela de órgãos públicos, parti- transpor para o campo popular o instrumen-
dos e de outras instituições), de solidariedade tal das Relações Públicas "tradicionais". Há
e da gratuidade. Apesar do mundo competi- que se fazer adaptações, repensar seus prin-
tivo e individualista onde se inserem, os mo- cípios. Implica sobretudo numa opção polí-
vimentos populares evidenciam que existe tica e numa opção metodológica fundamen-
muita gente que faz muita coisa em beneficio tadas na democracia e na dialogicidade (na
do seu semelhante ou do interesse público, perspectiva de Paulo Freire).
sem ser por dinheiro nem poder. Pelo con-
trário chegam a gastar do próprio bolso pres-
3 Princípios das Relações
tando serviços durante o seu tempo livre.
Estas são alterações emergentes no plano Públicas Populares
dos valores culturais, da sensibilidade e do Relações Públicas populares, ou comuni-
estilo de ação no âmbito da sociedade civil. tárias, são aquelas comprometidas funda-
Não são hegemônicos, como não o são os mentalmente com a transformação da socie-
movimentos populares, mas estão aí lutando dade e com a constituição da igualdade so-
pela participação, liberdade, igualdade e so- cial. Elas têm a ver com uma concepção
lidariedade, em outras palavras, pelo direito de mundo e com uma concepção de homem
à vida. que: a) Acredita no homem, na sua poten-
Todavia, os movimentos populares recen- cialidade de construir uma sociedade justa e
tes no Brasil, apesar de fragmentários e não livre. b) Que enxerga a desigualdade social,
predominantes no conjunto da sociedade, as contradições de classes e quer o bem es-
evidenciam uma luta não só pela democrati- tar, a plenitude dos direitos da cidadania as-
zação política e cultural, a qual aliás vão con- segurados para todos os seres humanos. c)
quistando na prática, mas fundamentalmente Acredita nas possibilidades de mudança. E
pela democratização econômica. Eles co- na sociedade civil como gestora de mudan-
locam muito claramente reivindicações pelo ças e de nova hegemonia. d) Implica na inter-
acesso ao consumo das riquezas socialmente disciplinaridade entre vários campos do co-
produzidas, na forma de acesso a bens de nhecimento e da ação político-educativa. e)
consumo coletivo, como a escola, o posto Que se realizem de modo orgânico ao inte-
médico, o transporte etc. Porém, também resse público e preferencialmente inseridas
existem movimentos mais ligados as condi-

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em experiências concretas e alicerçadas na ver e a trabalhar o real de forma fragmentá-


metodologia de uma educação popular liber- ria.
tadora. f) Favoreça a ação coletiva, a auto-
nomia, a partilha do poder de decisão, a co-
4 Campos de Ação
responsabilidade (tanto pelas práticas parti-
cipativas como pela implantação de políticas Enquanto cidadãos, nós profissionais de re-
públicas em conformidade com as necessida- lações públicas, também temos o direito e o
des e interesses da comunidade) e, claro, res- dever de contribuir para a realização da cida-
peitando a dinâmica própria, dos movimen- dania de todas as pessoas do nosso país, ou
tos onde se inserem. de todos os países que ainda não a tem asse-
No movimento comunitário, ou em outras gurada. E, entendemos cidadania não apenas
organizações populares e sindicais, as rela- como ter os direitos de participação política
ções públicas se concretizam de modo inse- assegurados legalmente, de ter o direito de ir
rido. Não é algo externo, de fora e indepen- e vir, mas também como o direito de partici-
dente, mas como parte intrínseca do movi- par da feitura da sociedade e de usufruir, com
mento. Neste sentido elas vão estar, nem na igualdade, das benesses dessa mesma socie-
frente nem atrás do movimento, mas juntas e dade.
sendo constituídas em sua dinâmica. Nesta perspectiva as relações públicas po-
dem ser concretizadas numa abrangência
3.1 Interdisciplinaridade grande de instituições. Vamos precisar três
campos. Primeiro: seja qual for a organi-
Uma vez inseridas no processo dos movi- zação para a qual trabalhamos (seja empresa
mentos populares e sindicais as relações pú- privada, órgão público ou qualquer outra ins-
blicas se realizam de modo interdisciplinar, tituição) podemos ocupar espaços abertos
ou seja, correlacionadas com outras áreas da pelas contradições. Apesar das limitações,
comunicação e com outras áreas do conheci- previsivelmente existentes, sempre existem
mento. No campo do comunitário, do sin- atividades, projetos e programas nos quais
dical etc. é difícil isolar as atividades de podemos fazer algo em prol do interesse ge-
comunicação em relações públicas, em jor- nuíno de públicos ou do interesse público.
nalismo, em propaganda etc. Aí se fala e Segundo: nas organizações que se pautam
se pratica comunicação. Do mesmo modo é pelos interesses do bem comum e/ou orgâni-
difícil também separar comunicação do ser- cas aos movimentos sociais populares, como
viço social, da sociologia, da política etc. Es- nas ONGs (Organizações não Governamen-
tas áreas, na prática concreta, se constituem tais), por exemplo. Terceiro: dentro dos pró-
reciprocamente. Não se sobrepõem umas às prios movimentos ou organizações sociais
outras, mas se complementam e necessitam- populares e sindicais1 . Aí enquanto membro
se reciprocamente, numa ação conjugada. Se (sem vinculo empregatício), assessoria (vo-
observamos bem, veremos que o real não se
1
constitui fragmentariamente. É uma totali- Associações de Moradores, Centro de Defesa
dos Direitos Humanos, Sindicatos, Grupos de Mulhe-
dade. Por vezes nós é que somos educados a
res etc.

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Relações públicas, movimentos populares e transformação social 7

luntária ou remunerada) ou como profissio- d) Na obtenção de informações para os


nal contratado, é possível fazer um trabalho movimentos populares e sua efetiva demo-
engajado colocando seus conhecimentos e as cratização dentro dos mesmos.
técnicas de RRPP a serviço dos mesmos. e) No relacionamento adequado com orga-
nismos da sociedade civil: meios de comu-
nicação de massa, igrejas, entidades de as-
5 Relações Públicas Populares
sessoria, ONGs etc., bem como especialistas
no Nível das Possibilidades individualmente, tais como engenheiros, jor-
As relações públicas populares, ou na con- nalistas, advogados e pedagogos4 .
tramão2 , podem ser efetivadas em ações que f) No relacionamento adequado com os
visem a conscientização, mobilização, ade- partidos políticos, Câmara de Vereadores,
são, organização e coesão no nível interno Assembléia Legislativa e outros órgãos do
dos movimentos; que contribuam no planeja- Parlamento, com as Prefeituras e outros ór-
mento das atividades e na realização de even- gãos dos poderes Executivo e Judiciário.
tos, pesquisas, produção de instrumentos de g) Na elaboração de cartazes, faixas, jor-
comunicação etc.; que facilitem a conquista nais murais, boletins, programas
de aliados, através de uma comunicação efi- radiofônicos, releases, correspondência,
ciente com os públicos e com a sociedade vídeos etc.
como um todo; que favoreçam a conquista de h) Na organização de eventos educativos,
espaços nos grandes meios de comunicação culturais e de lazer (cursos, seminários, ex-
de massa; que estabeleçam relacionamento posições artísticas, festivais, torneios, festas
adequado com os órgãos do Poder Público e etc.), os quais podem favorecer a organiza-
com outras instituições da sociedade. ção e ação coletivas.
Explicitando melhor, no âmbito do popu- i)Na preparação e aplicação de pesquisas
lar, as relações públicas podem contribuir3 : de opinião.
a) No levantamento do conjunto da situa- j) Na escolha de meios adequados para en-
ção, ou diagnóstico, para subsidiar a ação a caminhamento das reivindicações juntos aos
ser implementada. órgãos competentes.
b) No planejamento, de preferência par- 1) Na preparação de reuniões e entrevistas
ticipativo, das atividades das entidades sem coletivas.
fins lucrativos, inclusive para a implementa- m) Na documentação da história do movi-
ção de programas ou políticas públicas. mento.
c) No incremento da comunicação e arti- Essas são algumas das possibilidades do
culação dentro do próprio movimento e dele emprego de técnicas de relações públicas no
para com outros movimentos similares. campo popular e serão viabilizadas, é claro,
sempre de acordo com os objetivos e neces-
2
Expressão usada no último capítulo do nosso li- sidades de cada caso especifico.
vro "Relações Públicas no Modo de Produção Capita-
lista", publicado em primeira edição em 1982. 4
Aqui, como no item a seguir, significa a busca de
3
Tratado originalmente em Peruzzo (1988) e aliados, muito importante no processo de conquista de
(1989). apoio e espaços para atingir os objetivos.

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8 Cicilia Peruzzo

6 Dos objetivos mental dentro dos movimentos coletivos, no


entanto, não vem sendo utilizadas em todo
Os objetivos globais das relações públicas,
o seu potencial. De fato há uma carência
ao participarem das batalhas dos setores or-
de utilização, pelos movimentos populares
ganizados das classes subalternas, vão estar
e sindicais, de técnicas de relações públi-
no patamar dos objetivos dos próprios movi-
cas e de comunicação de uma maneira geral.
mentos, os quais neste momento da conjun-
Mais que isso, muitas vezes são utilizadas de
tura, se apresentam como: a) satisfação das
forma incompetente. Valoriza-se mais a co-
necessidades imediatas do acesso à riqueza
municação grupal do que os meios de maior
da sociedade, seja a melhoria das condições
alcance. Com isso às vezes fala-se só para
de moradia, a instalação do posto médico e
os já convencidos, só para aqueles que já es-
acesso aos demais bens de consumo coletivo,
tão engajados nos movimentos. Falta ousa-
como maiores salários. b) A conquista da ci-
dia em incrementar a comunicação, em expe-
dadania: participação política, econômica e
rimentar novas formas e meios comunicati-
cultural. c) A ampliação de sua hegemonia
vos. Por vezes os instrumentos de comunica-
no conjunto da sociedade.
ção produzidos são desinteressantes. Os es-
paços possíveis nos meios massivos são sub-
7 Relações Públicas Populares utilizados, nem se cultiva boas relações com
no Nível da Prática a imprensa. Faltam ações que visem a for-
mação de conceitos favoráveis às organiza-
No inicio dos anos de 1990 já podemos olhar ções populares na sociedade, bem como para
criticamente a prática das relações públicas a conquista de aliados.
no âmbito dos movimentos sociais, visto que Terceiro: as dificuldades advindas das re-
várias experiências vêm sendo realizadas, lações de conflito de interesses, às vezes até
com ou sem a presença de um profissional de confronto, por exemplo entre organiza-
de relações públicas. ções populares e órgãos do poderes público
Uma primeira constatação é a carência de ou entre segmentos dentro das próprias or-
relações públicas comprometidas com os in- ganizações. A partir de motivações que po-
teresses dos segmentos subalternos organi- dem ser de ordem pessoal, partidária, econô-
zados da sociedade. Existem experiências, mica, de posição política-ideológica etc., po-
mas não são predominantes. Fazendo uma dem se estabelecer relações de conflitos, nas
correlação com a medicina preventiva, a qual quais predominam tais tipos de interesses em
nos parece ser uma saída, algo extremamente detrimento dos interesses e necessidades co-
benéfico à sociedade, que no entanto não é munitárias. Porém, também existem experi-
majoritária porque no jogo de interesses, na ências nas quais se respeita o pluralismo e as
forma como o sistema de saúde e a sociedade diferenças, se negocia, se faz lobby visando
estão estruturados não a favorecem. Algo se- avançar na conquista de realizações de inte-
melhante pode estar ocorrendo com as rela- resse coletivo.
ções públicas. Quarto: Quando as relações públicas po-
Segundo, as relações públicas, e a comu- pulares se realizam de modo inserido nos
nicação como um todo, têm um papel funda- movimentos, tomando parte de sua dinâmica

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Relações públicas, movimentos populares e transformação social 9

e cujas ações estão em conformidade com 8 Bibliografia


os objetivos, táticas e estratégias dos pró-
ABRANCHES, Sergio H. Nem cidadãos,
prios movimentos, não há uma absolutiza-
nem Seres Livres: o Dilema Polí-
ção do profissional de relações públicas. Ele
tico do Individuo na Ordem Liberal-
se torna mais um dos facilitadores da ação
Democrática". Dados, Revista de Ciên-
coletiva e que democratiza seu saber espe-
cias Sociais. Rio de Janeiro, IUPERJ,
cializado, do que o porta-voz, negando a fi-
1985.
gura do relações públicas como mediador
isolado. Quinto: Atualmente, no Brasil, se ALVES, Piragibe Castro. Observações sobre
ampliam as possibilidades de um trabalho de movimentos de bairros. Rio de Janeiro,
relações públicas comprometidas com os in- CEDAC, (mimeo), [s.d.].
teresses das organizações populares, ou num
sentido mais amplo, com o interesse público. ESCUDERO, Regina Célia. "Relações Pú-
Por que? Pelo processo de democratização blicas Comunitárias". Revista Comu-
crescente da sociedade. Por exemplo, as ex- nicação & Sociedade. S. Bernardo do
periências de gestão democrática do Poder Campo - SP, Instituto Metodista de En-
Público local, ou seja de Prefeituras dirigi- sino Superior, Novembro de 1987. N˚
das por pessoas de tendências progressistas, 15, p. 145-163.
bem como outros órgãos públicos, que favo-
GRAMSCI, Antonio. Os intelectuais e a or-
recem a participação popular e são compro-
ganização da cultura. Rio de Janeiro,
metidos com um trabalho sério, não cliente-
Civilização Brasileira, 1978.
lístico, nem paternalista, visando atender as
necessidades das comunidades e colocando GRUPPI, Luciano. O conceito de hegemo-
o interesse público acima de tudo. nia em Gramsci. Rio de Janeiro, Graal,
Assim, os desafios estão lançados. Es- 1978.
tão colocados pela própria sociedade em sua
dura realidade, e ao mesmo tempo, pelo pro- KUNSCH, Margarida M. K. "Relações Pú-
cesso de negação dessa mesma realidade que blicas Comunitárias: um Desafio". Re-
ela própria constrói. Bem no centro de toda vista Comunicação & Sociedade. S.
esta temática está a questão da cidadania. Bernardo do Campo - SP, IMS, junho
Uma cidadania que realize a participação da de 1984. N˚ 11, p, 131-150.
pessoa humana enquanto sujeito, que pensa, KUNSCH, Margarida M. K. "Propostas Al-
propõe, discute, decide, constrói e usufrui. ternativas de Relações Públicas". Re-
E, os profissionais de relações públicas, até vista Brasileira de Comunicação. São
enquanto cidadãos, com seu saber especiali- Paulo, INTERCOM, 1987. N˚ 57, p.
zado, podem dar sua parcela de contribuição 48-58.
na construção de uma sociedade que supere
a degradação humana e a desigualdade so- PERUZZO, Cicilia M. K. Relações públicas
cial, e desenvolva uma cultura democrática no modo de produção capitalista. S.
e a própria democratização econômica, polí- Paulo, Summus Editorial, 1988. 3a edi-
tica e cultura1. ção.

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10 Cicilia Peruzzo

PERUZZO, Cicilia M. K. "Relações Públi-


cas nos Movimentos Populares". Re-
vista Brasileira de Comunicação. São
Paulo, INTERCOM, 1989. N˚ 60, p.
107-112.

PERUZZO, Cicilia M. K. A participação


na comunicação popular. São Paulo,
ECA-USP, 1991. (Tese de doutora-
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MG. Belo Horizonte, UFMG, 1988 (mi-
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VECA, Salvatore. Cittadinanza – riflessioni


filosofiche sull’idea di emancipazione.
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WENDHAUSEN, Eugenia S. Projeto de


Vida para a Ilha Grande dos Marinhei-
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1990. (Tese de mestrado ).

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