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Resumo
O trabalho discute a Teoria da Ação Social e sua apropriação por diferentes correntes
teórico metodológicas na análise das ações coletivas presentes nos movimentos sociais.
Investiga-se sobre as teorias clássicas e as teorias comtemporâneas sobre os movimentos
sociais. O trabalho tem dois objetivos: mapear e localizar as teorias e o teóricos assinalados,
localizando seu surgimento histórico, e apresentar as questões centrais destas abordagens
nos últimos anos, em relação ao tema dos movimentos sociais.
Apresentação
Este texto aborda uma das formas de ação coletiva fundamental na sociedade civil
há vários séculos: os movimentos sociais. Para alguns analistas os movimentos sociais são
fenômenos chaves neste novo século. Para outros eles são parte de uma problemática já
equacionada por meio da institucionalização de praticas sociais, um tema do passado e não
mais do futuro. Estes analistas esquecem-se da História e confundem movimentos sociais
com ações coletivas contra regimes militares etc. Alguns outros analistas, mais idealistas,
afirmam que os movimentos não teriam realizado o papel que lhe atribuíram, de
transformadores de relações sociais, de agentes do processo de mudanças sociais. E entre o
passado, o presente e o futuro, como podemos analisar de fato os movimentos sociais?
Sabemos que partir dos anos 60, em varias regiões acadêmicas do mundo, o estudo
dos movimentos sociais ganharam espaço, visibilidade e status de objeto cientifico de
analise, inscreveram-se ou produziram-se varias teorias- aqui entendida como a
preocupação de conceituar, de delimitar limites dentro de alguns marcos referenciais
explicativos sobre as ações sociais dos seres humanos- entre si e com a sociedade. A
preocupação recente com a teorização sobre os movimentos sociais ocorreu porque, em
parte, eles ganharam visibilidade na própria sociedade, enquanto fenômenos históricos
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concretos. De outra parte, o desenvolvimento das teorias sobre o social colocou as ações
coletivas num outro patamar, num universo mais amplo, reconstruindo e construindo novas
teorias sobre a sociedade civil. Simultaneamente, o Estado, objeto central de investigação
de uma grande parcela de cientistas sociais, passou, no plano da realidade concreta, com a
globalização, a ser deslegitimado, criticado, destacando-se a perda de sua importância como
agente regulador de fronteiras nacionais, controles sociais, etc. Ocorreu um deslocamento
de interesse para a sociedade civil, e nesta os movimentos sociais são citados como as ações
sociais por excelência.
Em nosso ponto de vista, para analisar os diferentes movimentos sociais no
Brasil atual deve-se, inicialmente, destacar quatro pontos fundamentais no contexto sócio-
político, econômico e cultural, a saber:
Primeiro: a necessidade de qualificação do tipo de ação coletiva que tem sido
caracterizado como movimento social. Na atualidade, os movimentos sociais são distintos
daqueles que levaram a sua emergência na cena pública no século XIX e primeiras décadas
do século XX (movimento operário e movimentos revolucionários desde a Revolução
Francesa), assim como são distintos dos movimentos que emergiram nos Estados Unidos
nos anos 60 (Direitos Civis, feminismo, contra guerra Vietnã, estudantes etc). Na América
Latina, especialmente no Brasil, os atuais movimentos sociais são distintos também dos
movimentos que ocorreram no final da década de 70 e parte dos anos 80 (movimentos
populares reivindicatórios de melhorias urbanas articulados com pastorais, grupos políticas
de oposição ao regime militar etc.), embora sejam seus herdeiros.
Segundo: o cenário e as relações desenvolvidas entre os diferentes sujeitos sócio-
políticos na cena pública alteraram-se muito neste novo milênio. Houve uma ampliação dos
sujeitos sócio-políticos em cena (protagonistas de ações coletivas), alterações na forma de
atuação -agora em redes; e o alargamento das fronteiras dos conflitos e tensões sociais em
função da nova geopolítica que a globalização econômica e cultural tem gerado. A difusão
do uso das novas tecnologias e a expansão dos meios de comunicação, os conflitos étnicos
provocados pelos processos imigratórios e pelos deslocamentos migratórios no interior das
nações, as novas políticas sociais de caráter compensatório dos governos – central e local,
as demandas multi e inter-culturais, tudo isto têm refletido na conjuntura sociopolítica onde
atuam os movimentos, no associativismo existente etc.
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1
Programa de Pós Doc que resultou no livro “Teorias dos Movimentos Sociais-Paradigmas Clássicos e
Contemporâneos” (2007, 6a ed). Ao completar dez anos de elaboração deste livro, em fevereiro de 2007
retornamos a New School para novo estágio de pesquisa. Foi possível levantar e mapear as produções dos
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autores e teorias tratados naquele livro, publicadas nestes últimos dez anos, assim como registrar algumas
novidades.
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também tem sido denominada como uma abordagem clássica. Podemos datar seu inicio nas
primeiras décadas do século XX, nos estudos de R. Park e Burgess (1921) e seus colegas
da Escola de Chicago, e nos trabalhos da escola do interacionismo simbólico de Simmel.
Blumer, em 1939, foi o primeiro a utilizar o termo movimento social na produção
teórica dividindo-os em gerais e específicos, abordando sua estrutura e funcionamento,
refletindo sobre o papel de suas lideranças e, para surpresa daqueles que desconhecem-ou
teimam desconhecer sua produção- ele tratou do movimento das mulheres, dos jovens, pela
paz etc. Nos primórdios foi muito relevante a abordagem dos movimentos sociais no
universo dos processos de interação social dentro da "Teoria do Conflito e Mudança
Social", como nos demonstrou os estudos de T. Bottomore (1976). Herbele (1951) foi um
dos primeiros pesquisadores a publicar um livro intitulado-o como “movimento
social”(Social Movements: An introduction to Political Sociology), sob o prisma da
abordagem dos interacionistas. Ele amplia o leque dos tipos de ações coletivas a serem
denominadas como movimentos chamando a atenção para os movimentos dos camponeses,
dos negros, dos socialistas e dos nazi-fascistas. Ele separava os movimentos em sociais e
políticos, segundo seus objetivos.
As doutrinas do interacionismo simbólico norte-americano, nas décadas de
1920/30/40 e 50 do século XX analisaram inicialmente os movimentos como problemas
sociais, um fator de disrupção da ordem. (vide Simmel, Adolf Schultz e Blumer). Elas se
preocupavam em entender o comportamento dos grupos sociais. A idéia de "progresso"
estava no centro das atenções de Park, da Escola de Chicago (1922) e de Blumer.
Será Goffman que, anos mais tarde, retoma o interacionismo e elabora contribuições
sobre a importância dos vínculos sociais para explicar solidariedades construídas -
abordagem resgatada em muitos estudos na atualidade, assim como se tem resgatado Wirth
também..
Nos anos 50 do séc. XX destacaram-se ainda os trabalhos de Turner e Killiam (
1957) sobre o "Comportamento Coletivo"; eles publicam um livro onde se dedica uma
sessão com 208 páginas ao estudo dos movimentos sociais. O grande ponto de destaque
nos estudos clássicos norte-americanos foi a ênfase na abordagem sócio - psicológica.
Herdada da Escola de Chicago, ela formou uma tradição ao explicar o comportamento
coletivo das massas por meio da analise das reações dos indivíduos, enquanto seres
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Touraine localiza-se nesta matriz também e produziu dos anos 60 até a atualidade, assim
como Melucci (1980) Offe(1983 ), ( Scott, 1985), Geertz(1989) etc.
A terceira corrente, aqui denominada de institucional, organizacional ou
comportamentalista desenvolveu-se basicamente nos Estados Unidos, mais ela tem muitos
adeptos na Europa, principalmente na Inglaterra. Na teoria sociológica, ela está na sua
história desde seus primórdios. Esta corrente tem raízes nas teorias liberais do século XVII
e XVIII (Adam Smith, John Locke etc.), nos utilitaristas; na antropologia e na sociologia de
R. Merton, Radclifle Brown e Parsons. Na atualidade, a corrente institucional expressa-se
no pragmatismo como suporte de suas análises.
Nas abordagens fundadas no paradigma marxista, até os anos 50, o conceito de
movimento social sempre esteve associado ao de luta de classes e subordinado ao próprio
conceito de classe, que tinha centralidade em toda análise. Os estudos críticos, associados à
perspectiva marxista, inseriam sempre o conceito dos movimentos sociais na questão
reforma ou revolução (Hobsbawm,1970). Como decorrência os movimentos eram
analisados como reformista, reacionários ou revolucionários. O paradigma teórico mais
amplo era o dos processos de mudança e de transformação social. Havia a crença, fundada
em análises objetivas da realidade social, quanto à existência de um sujeito principal
daqueles processos, dado pela classe trabalhadora. Conseqüentemente, a maioria dos
estudos empíricos teve como objeto o movimento operário ou camponês, os sindicatos e os
partidos políticos. Como as categorias da organização da classe e o processo de formação
da consciência social, eram centrais no modelo de projeto de sociedade que se desenhava e
aspirava-se como ideal, não havia muita preocupação quanto a diferenciação entre
movimento social ou político, ou quanto a movimento ou organização. Essas últimas eram
suportes dos movimentos e, de certa forma, um movimento atingia seus objetivos quando
se transformava numa organização institucionalizada. Na linha das teorias marxistas, Piven
e Cloward (1977) publicam um estudo que influenciou vários analistas do mundo todo
sobre os movimentos sociais: Poor People's Movement's. Na mesma direção, T. Skocpol
foi outra analista importante dos movimentos operários, assim como E.P.Thompson, H.
Hobsbawm etc..
O surgimento de novas modalidades de movimentos sociais como dos direitos civis
nos Estados Unidos ainda nos anos 50; dos estudantes em vários países europeus nos anos
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60; das mulheres, pela paz, contra a guerra do Vietnã, etc. contribuiu para o surgimento de
novos olhares sobre a problemática. No paradigma acionalista, onde localizam-se as teorias
culturalistas e identitárias, passou-se a destacar o lado positivo dos movimentos, como
construtores de inovações culturais e fomentadores de mudanças sociais. Amplia-se o
número de estudos específicos sobre movimentos.
O paradigma comportamentalista norte – americano, onde localizam -se as teorias
institucionais, passa por uma revisão critica dando origem a uma nova teoria: a da
Mobilização de Recursos destacando-se os trabalhos de Olson(1968), Oberschall(1973) e
Mayer e MacCarthy(1972/74 e1979), Gamson (1975), Snow (1986). Charles Tilly( 1978)
se diferencia deste grupo um pouco por sua abordagem histórica, preocupado com os ciclos
de protesto que os movimentos constroem, mas ele também acentua o aspecto da
institucionalização das práticas sociais.. Todos esses trabalhos foram desenvolvidos nos
Estados Unidos e na Inglaterra sob o enfoque das teorias sobre os comportamentos ou ações
coletivas, tendo Weber e Parsons como fundamentação teórica. As teorias da ação social
coletiva de Parsons tiveram, na sociologia norte-americana, vários desdobramentos no
campo da análise dos movimentos sociais concretos. As mobilizações coletivas foram
analisadas segundo uma ótica econômica, (Olson,1971), onde os fatores tidos como
objetivos são a organização, os interesses, os recursos, as oportunidades, e as estratégias; ou
sob uma ótica sócio-psicológica, a partir das análises estrutural-funcionalistas
(Smelser,1963). Na Inglaterra também realizaram-se estudos sobre os movimentos neste
período com Willinson (1971), Banks (1972), e Wilson (1972).
3- A Arquitetura das Teorias Contemporâneas sobre os Movimentos Sociais
Na Europa, a onda dos novos movimentos sociais, a partir dos anos de 1960 e 70,
foi a responsável pelo surgimento de abordagens que elegeram os movimentos sociais
como tema central de inúmeras investigações. Destacaram-se os trabalhos de
Castells(1974) e Borja (1972) – com ênfase nas contradições sociais no urbano e o
surgimento de movimento de pobladores, de cidadãos/moradores etc., fazendo uma
releitura da Questão Urbana tal como tinha sido tratada pela Escola de Chicago. Touraine,
Melucci, Pizzorno, desenvolvem a abordagem culturalista, destacando a questão da
identidade dos movimentos sociais. Estes autores, juntamente com C. Offe (1983,87),
criticaram as abordagens ortodoxas que se detinham excessivamente na análise das classes
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bibliografia geral sócio-política incorporará a temática dos movimentos sociais com grande
destaque. N. Bobbio, N. Matteucci e G Pasquino (1986) criaram um espaço no "Dicionário
de Política" para o verbete movimentos sociais que tem sido um dos mais citados nos
estudos que definem ‘o que é um movimento social`.
Nos anos 80 deve-se destacar ainda a revisão ocorrida nas teorias focadas na análise
institucional, especialmente a da Mobilização de Recursos e o debate que ele trava-por
meio de analises comparativas- com as teorias da identidade coletiva. Os trabalhos que se
destacam nesta fase serão de Cohen (1985), Gamson (1974 ), e dois outros que foram
publicados nos anos 90- Muller (1992) e Tarrow (1994).
Nos anos 90 altera-se o cenário das lutas sociais e o quadro de análises sobre os
movimentos sociais. A produção teórica. desloca sua atenção para um outro sujeito social
que esteve meio oculto durante a fase de apogeu dos movimentos sociais no Terceiro
Mundo, em especial na América Latina. São as ONGs: as Organizações Não-
Governamentais e as organizações do Terceiro Setor. Alguns autores passam a tratar os
novos sujeitos como sinônimo dos movimentos, ou manifestação ampliada; outros,
aproveitaram a emergência das ONGs para desqualificar os movimentos, como uma
manifestação de grupos do passado e só tratar do Terceiro Setor como a forma moderna e
hegemônica de associativismo na sociedade. Outros ainda, de forma criativa e inovadora,
retomam os estudos sobre os movimentos sociais de forma distinta, enquanto fenômenos de
uma nova sociedade civil que passa por processos de institucionalização - Cohen e Arato,
(1992) e J.Hall (1995), retomando premissas de Habermas (1981, 1983,1985) construídas
portanto já nos anos 70 e desenvolvidas posteriormente dentro da Teoria da Ação
Comunicativa onde a comunicação é entendida como um processo de interação
compartilhada. O conceito de ação social recuperado a partir de Habermas baseia-se em
suas elaborações sobre o mundo da vida e as normas práticas discursivas. Estas práticas,
voltadas para o entendimento e a formação do consenso, do entendimento e da cooperação,
são formuladas no agir comunicativo, por meio da linguagem,. Estas práticas contém certas
estruturas de uma racionalidade comunicativa, que remete a noção de ação social
emancipatória. A construção de uma racionalidade emancipatória se dá no contexto de
antagonismos entre o mundo da vida- orientado pelo agir comunicativo, e o mundo
sistêmico- orientado pelo agir instrumental.
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Os paradigmas e teorias que foram se tornando hegemônicos a partir dos anos 90,
com a crise das esquerdas, do marxismo e dos modelos socialistas do leste europeu, deixam
como saldos um certo abandono das teorias macro estruturais que enfatizavam a
problemática das contradições sociais, e viam nas lutas e movimentos em geral, e no
operário/sindical em especial, um dos fatores de acirramento daquelas contradições. As
referências passam a ser não os sujeitos históricos pré determinados, com alguma vocação
ou missão a desempenhar - como a categoria dos operários, por seu lugar na estrutura de
produção- ou a categoria das classes populares-coletivo socialmente heterogêneo em termos
da inserção no mercado de trabalho mas homogêneo em termos de demandas sociais, modo
de vida e consumo restrito. As novas referências serão os pobres e os excluídos, apartados
socialmente pela nova estruturação do mercado de trabalho. A grande tarefa política será
incluí-los – tarefa que se desdobrará ao longo da década de 90 e no novo milênio, via
políticas sociais compensatórias ou práticas que destacam a justiça social, equidade e
substituindo a ênfase da exclusão para a inclusão social.
Habermas, Claus Offe, Bobbio e Adam Przeworski passam a ser os autores
que influenciam as novas análises sobre os movimentos sociais. A questão do agir
comunicativo presente nas ações dos movimentos, e suas possibilidades de geração de
novas formas de relações e de produção, contribuindo para resolver problemas de
produtividade ou de impasses em áreas econômicas em crise apontados por Habermas ; e as
possibilidades que os "novos"movimentos sociais encerram em termos de novas propostas
que incidem numa nova qualidade de vida , analisados por Offe, passam a se constituir em
matrizes explicativas fundamentais. Bobbio será a fonte mais citada sobre as formas da
democracia e o debate que ganhará um corpo maior no novo milênio-a esfera pública,
também tratado por Arendt e Habermas. As mudanças operadas no seio da sociedade
capitalista no após guerra, e o novo papel do Estado, com suas políticas de cunho neo-
liberais, são as contribuições de Przeworski que os analistas utilizarão como quadro
referencial para entenderem as mudanças nos cenários onde os movimentos se
desenvolvem.
No plano das análises, os anos 90 enfatizarão duas categorias básicas: a cidadania
coletiva e a exclusão social. A primeira, já presente na década anterior, apresentará como
novidade o pensar em relação ao exercício da cidadania em termos coletivos, de grupos e
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instituições que se legitimaram juridicamente a partir de 88, e que têm que desenvolver um
novo aprendizado pois não se trata apenas de reivindicar, de pressionar ou demandar. Trata-
se agora de fazer, de propor, de ter uma participação qualificada já que o lugar da
participação está inscrito em leis, é uma realidade virtual. A segunda, relativa à exclusão,
decorre das condições socioeconômicas que passam a ser imperativas, causadoras de
restrições e situações que Durkheim caracterizaria como anomia social: violência
generalizada, desagregação da autoridade estatal, surgimento de estruturas de poderes
paralelos, etc. As análises enfatizarão os efeitos destes sistemas de desagregação social
sobre as estruturas organizativas da população. A globalização econômica e o novo cenário
que desenha no mundo será o grande pano de fundo das análises.
Na literatura internacional, entretanto, nos anos 90 o tema dos movimentos
sociais continuou a ser fonte de produção contínua. Encontrarmos títulos de livros
específicos sobre os movimentos sociais, como Eyerman e Jamaison (1991), Eckstein
(1989); os temas se deslocam para os "protestos sociais" (Jenkins e Klandermans,1995)
(Adrian, Charles; Apter, David.1995) e (Fillieulle, 1993), Tarrow (1994); "grupos
políticos e políticas públicas" (Pross,1992); "grupos de pressão"( Richardison,1993) e (
Offerlé, 1994). Formulam-se teorias sobre a questão dos "direitos sociais"(Ingram, 1994).
A categoria da "Ação Social"volta a ter centralidade nos estudos, gerando simpósios
internacionais (vide Anais: Les Formes de L'Action. Paris.Ëcole des Hautes Ëtudes en
Sciences Sociales. vol 1 e 2. 1993); assim como redefinindo o nome de grupos de estudo e
pesquisa, como o da ANPOCS-Associação Nacional de Pesquisa e Pós graduação em
Ciências Sociais. Paralelamente, a teoria elaborada pelas feministas sobre as mulheres e as
relações de gênero, passam a ter espaço demarcado na produção mais geral sobre os
movimentos sociais (vide Fraser (1999) e Young, (2000), assim como os ambientalistas e
categorias sociais em busca de reafirmar processos de diferenciações sociais, como as
identidades étnicas, também emergem no cenário das reflexões teóricas.
A ciranda de estudiosos sobre os movimentos sociais também se altera. no
plano internacional, alguns autores abandonam o tema ou deixam de influenciar os
estudantes do assunto, ou o redefinem segundo a nova ordem de um mundo globalizado,
tratando das redes sociais, como foi o caso de Castells (1997). Outros tornam-se mais
pessimistas em relação aos movimentos e revêem posições como foi o caso de Habermas, e
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democracia em escala global, dominada pelo “império”- nova forma global de soberania, é
tratado por Hardt e Negri (2000 e 2005), para recriar o conceito de multidão- uma
possibilidade de criar uma sociedade global alternativa, autônoma. Negri e Cocco (2005)
irão tratar de uma nova forma de luta social-o biopoder.
Laclau torna-se referência na perspectiva pós-estruturalista retomando a
discussão sobre a teoria da hegemonia, questionando a questão da homogeneidade e
reafirmando o papel da heterogeneidade para um discurso emancipatório que reafirma as
identidades culturais. Em todas estas perspectivas, o sujeito da ação coletiva é destacado. O
movimento é um sujeito coletivo. Segundo Burity, as abordagens pós-estruturalistas
“assumiram com força a importância da linguagem, da produção de sentido, do simbólico,
do discurso, para a constituição e transformação da realidade social” (2006: 57). Mas há
também as abordagens que adotam a perspectiva dos indivíduos, da subjetividade dos
mesmos como eixos explicativos das ações coletivas; aqui a questão do sujeito-coletivo ou
individual, não se coloca. O que importa é a ação dos indivíduos enquanto atores sociais.
São correntes que bebem, de certa forma, na mesma matriz- a da análise psico-social.
Como exemplos, vários estudos atuais baseados no interacionismo simbólico.
Axel Honneth torna-se uma referência importante no estudo dos novos movimentos
sociais relacionados a temática da identidade. Ele está mais preocupado em entender os
conflitos sociais e não os movimentos sociais propriamente ditos. Tendo como base uma
abordagem psicossocial, ele desenvolve uma teoria da luta por reconhecimento a partir de
premissas de Hegel e do interacionismo simbólico de George Mead. (1976, p. 218-225).
Para Mead, a autoconsciência de um sujeito ocorre quando ele consegue perceber a sua
própria ação, na perspectiva do outro. Este outro deve reconhecê-lo também de forma a
estabelecer um reconhecimento mútuo. Quando isto ocorre, aprende-se os direitos e deveres
do grupo, internalizam-se as normas morais de condutas. A partir de Mead, e das formas de
reconhecimento de Hegel (amor, direito e solidariedade), Honneth elabora o que denomina
forma de reconhecimento recusado(no âmbito físico, moral e social dos indivíduos), e
constrói uma teoria sobre os efeitos do não-reconhecimento, que leva a ações coletivas de
protesto ou resistência. Portanto, bases cognitivas, decorrente de experiências práticas, no
plano da moral, que resultaram em sofrimento, punição e/ou desrespeito, estariam nos
fundamentos explicativos das ações coletivas. Barrigton Moore já tinha publicado no século
22
XX nesta mesma linha, ao escrever sobre as injustiças como base das revoltas sociais.
(Moore, 1976). A teoria das privações dos interacionistas simbólicos das primeiras décadas
do século XX, é retomada com todo vigor.Honneth diz que o que é aceito como justo entre
os indivíduos expressa-se por meio da linguagem, que cria uma gramática moral. Esta
gramática determina quais são os direitos de um grupo.
Honneth supera J. Rawls (1997) que localizou o reconhecimento a partir de
instituições políticas. Ele também vai muito além das explicações dos teóricos da
Mobilização de Recursos- embora tenham matrizes originárias próximas (ao destacar o
campo psico-social). Honneth considera que no caso das revoltas e conflitos, não se trata de
simples cálculo racional baseado na lógica custo-benefício, para atingir interesses negados
ou não-acessíveis. Não se trata de uma perspectiva utilitarista das lutas sociais. Há
sentimentos de pertencimentos compartilhados que unem aqueles que não foram
reconhecidos. As motivações para a participação ou identidade com conflitos e lutas
sociais decorrem da memória de experiências morais de desrespeito, de privação de
direitos, criando fraturas morais. Os conflitos sociais provêem também de experiências
morais, e não somente de relações de poder ou interesses divergentes. Estes conflitos têm
portanto um papel educativo na sociedade-eles indicam as áreas e problemas onde não há
respeito ao outro, não há reconhecimento do outro como um igual. O reconhecimento seria
uma luta por ampliação de direitos, os indivíduos- ao lutarem pela sua auto-realização e
reconhecimento, estão trabalhando sobre e com os conflitos existentes. Os movimentos
sociais surgem dessas relações de conflito. Eles são parte da luta por reconhecimento.
Z. Bauman (2000,2003) é outro autor que trata da questão do reconhecimento e que
passou a ter grande influência nas análises sobre as ações coletivas no Brasil, a partir dos
anos 90. Bauman considera que as demandas por reconhecimento devem ser analisadas sob
o prisma da justiça social e não a partir de indivíduos ou grupos isolados, em luta por auto-
reconhecimento e realização de uma identidade. Juntamente com N. Fraser, Bauman
articula a questão do reconhecimento ao campo da justiça redistributiva. Estes dois autores
chamam a atenção para o perigo dos particularismos dos grupos sociais, e a perda da
universalidade dos direitos sociais em tela, nas suas demandas.
Klandermans, teórico da corrente institucional/culturalista sobre os movimentos
sociais retoma a clássica questão que preocupou muitos analistas norte-americanos no
23
espaços de ação sócio-política e cultural (ver entre outros, Arato, (1992); Gohn, (1995);
Alexander (1994,2006), Olvera(1999). Observa-se neste longo parágrafo sobre a
democracia deliberativa que se trata de um modelo combinado, entre o liberalismo e o
republicanismo, voltada para processos decisórios no âmbito de esferas públicas.
Há um agir coletivo e um processo de aprendizado nas ações da sociedade
civil. Há também um processo de construção de saberes na luta cotidiana e de formação
para a cidadania (e mesmo formação de quadros para os partidos e para a burocracia
estatal). Pois bem, na democracia deliberativa a sociedade civil joga um papel ambíguo por
ser fonte de pressão e ter que responder também por um ativismo propositivo, organizado,
ordenado segundo regras institucionalizadas, nos conselhos e fóruns participativos criados
pelo Estado, por exemplo. Isto explica parte das contraditoriedades que trataremos a seguir.
4- Novas abordagens na América Latina
O novo milênio nos apresenta um conjuntura social e política extremamente
contraditória na América Latina. Ao mesmo tempo que vários movimentos sociais tiveram
mais condições de organização-tanto interna como externa-dado o ambiente político
reinante, eles perderam muito sua força e credibilidade junto a população, dado a decepção
e não credibilidade em geral da sociedade civil para com os políticos e a arena político-
partidária. Ao mesmo tempo que houve na América Latina a radicalização do processo
democrático e u surgimento de movimentos étnicos (indígena ) na Bolívia e no Equador-,
associados a movimentos nacionalistas como os Bolivarianos (Venezuela)- vários deles
elegeram como representantes supremos da nação líderes vindo dos movimentos populares
(Brasil, equador, Bolívia e Venezuela), ocorreu também que os movimentos perderam força
política enquanto agentes autônomos e se tornaram, em vários casos, meios de
institucionalizar práticas sociais em formas de controle e regulação da população.
A conquista do poder político em aparelhos do Estado levou a ampliação de
políticas sociais voltadas para os excluídos, a criar redes de proteção aos chamados bolsões
humanos de vulnerabilidade social, mas isto tudo não significou fortalecimento das
organizações populares. Ao contrário, elas enfraqueceram-se. Seus líderes foram cooptados
pelos aparelhos estatais e suas políticas compensatórias. Francisco de Oliveira chega a
afirmar que o movimento social foi capturado pelo Estado. A resistência social ocorre -ou
nos atos de desobediência civil, em atividades “de costas para o Estado”. O que era tido
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nos anos 90 como eixo de construção de uma nova sociedade, nova economia etc, passa a
ser assediado por políticos e pelas políticas públicas, tornando-se elos de uma cadeia de
economia alternativa de sobrevivência ao padrão geral imposto- mecanizado e redutor do
uso de mão-de-obra. A sociedade civil torna-se no imaginário popular o centro de
referência do bem e passa a ser reduzida, por muitos, a esfera das ONGs e entidades do
Terceiro Setor.
As analises fundadas nas narrativas que estabeleciam uma clara conexão entre
classes sociais e movimentos sociais, a centralidade da classe operária como sujeito
fundamental das transformações sociais dão lugar às análises que ampliam o espectro dos
sujeitos em cena, não só no meio das camadas populares, mas entre outras camadas sociais;
e focalizam outros atores sociais na cena pública, como as ONGs. Neste cenário
contraditório, a CLACSO- e seus investigadores passou a representar um dos poucos pólos
de produção de conhecimento sobre os movimentos sociais, que ainda segue uma
abordagem teórica marxista ou próxima das teorias críticas( Borón, Seone, Taddei (2001). .
A CLACSO criou um “Observatório Social da América Latina” para registrar e fazer
avaliações periódicas das lutas e movimentos da região.Christian Adel Mirza é um dos
pesquisadores que analisou os movimentos sociais AL sob a perspectiva de novas formas
de dependência que foram construídas com e pelos Estados Unidos, e as novas relações dos
movimentos sociais com o sistema político vigente. O autor destaca a questão da autonomia
como um problema-a debilidade da autonomia face às estruturas de poder porque existiria,
segundo Mirza, um vínculo histórico entre os movimentos sociais e os partidos políticos.
Do ponto de vista metodológico Mirza faz uma contribuição ao analisar a relação entre os
movimentos sociais e os sistemas políticos. Ele investiga nos movimentos o grau de
organicidade, capacidade de proposta, capacidade de mobilizar vias suas convocações, o
discurso político, o grau de autonomia e taxa de afiliação (número de
militantes/participantes ou adeptos dos movimentos). Essas dimensões são analisadas em
perspectiva histórica. O não fortalecimento dos movimentos sociais não tem sido possível
devido a esta cultura política existente, herdada desde século XX. Concordamos com Mirza
e como exemplo citamos o caso da herança do populismo para com as Sociedades Amigos
de Bairros, no Brasil; e o caso do MST e suas relações com o PT, na contemporaneidade.
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deles fragmentou-se e perdeu ou redefiniu sua identidade, idéias e pontos de vistas centrais,
alterando projeto e cultura política existentes. Outros redefiniram-se segundo as mudanças
de outros atores sociais em cena. Outros ainda aproveitaram brechas e se conectaram com
as possibilidades dadas pela globalização, econômica (geradora de resistências e protestos)
e cultural (geradora de novas sociabilidades, novas interações e aprendizagens baseadas na
pedagogia do exemplo- aprender via observação - nos grandes eventos transnacionais, ou
via conexão na rede Internet).
No plano mais geral, tanto nas políticas públicas de inclusão dos movimentos
sociais, pelo alto, como na análise da maioria dos cientistas sociais na atualidade que
trabalham com o tema dos movimentos sociais, a dimensão do político foi esquecida ou
negada. É esta dimensão é o espaço possível de construção histórica, de análise da tensão
existente entre os diferentes sujeitos e agentes sócio-políticos em cena. A ação coletiva
entre estes sujeitos abre e fecha horizontes. O tema da consciência histórica não pode ser
abandonado-o que deve ser abandonado é a visão de uma consciência histórica, fixa e
determinada, a ser incorporada por sujeitos inertes e passivos. Ao contrário-a consciência
histórica é processual, elabora-se no jogo das tensões, trocas e posições dos sujeitos em
cena.
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