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UNIVERSIDADE FEDERAL DE ALAGOAS

CENTRO DE EDUCAÇÃO

Currículo Professora: Carolina Nozella Gama


Discentes: Larissa da Rocha Dias
Maria Fernanda Pereira da Silva Data: 02/03/2023
Mariana de Oliveira Gomes

Fichamento “Documentos de Identidade - uma introdução às teorias do


currículo”

O currículo como construção social: a “nova sociologia da educação”

Diferente dos Estados Unidos, cujo a crítica sobre currículo tinha como referência as abordagens
tradicionais, por outro lado, na Inglaterra, a crítica sobre currículo se dava a partir da sociologia.
Nesse sentido, Michael Young organiza o livro "Knowledge and control", publicado em 1971, que
marcou o início da crítica do currículo que passou a ser chamada de “Nova sociologia da
educação”, além de conter críticas de outros autores, também continha críticas de Bourdieu e
Bernstein. Inspirado nas concepções de Marx, Weber e Durkheim, Young se voltou para as formas
de organização do currículo.

O livro tinha como ponto de partida o desenvolvimento da sociologia do conhecimento, estudando


as relações sociais, institucionais e econômicas, preocupado em saber o que conta como
conhecimento, a partir do caráter histórico, social, contingente e arbitrário, tendo como referência a
antiga sociologia da educação, que por sua vez não questionava a natureza do conhecimento escolar
ou o papel do currículo da produção das desigualdades, preocupava apenas com resultado. Outra
tradição que a nova sociologia da educação criticava era a filosofia educacional analítica, que
defendia um currículo racionalista, centrado no desenvolvimento, conhecimento universalista,
conceitual e abstrato. Portanto, a questão de estudo da nova sociologia da educação era conexões
entre currículo e poder, entre a organização do conhecimento e a distribuição do poder, como afirma
o autor: "Young concentra-se nas formas de organização do currículo. A questão, para Young,
consiste em analisar quais os princípios de estratificação e de integração que governam a
organização do currículo." Silva, (1999, pág 67)

Por outro lado, tiveram autores que abordaram uma sociologia mais fenomenológica, os autores
dessa abordagem falam que o currículo não pode ser separado do ensino e da avaliação, o
conhecimento é construído intersubjetivamente pela interação entre professor e aluno, ou seja, a
nova sociologia da educação tem o currículo baseado na ideia de construção social, atualmente os
estudos sobre currículo são feitos nos estudos culturais e no pós-estruturalismo.

Códigos e reprodução cultural: Basil Bernstein


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Ainda no contexto da sociologia crítica, Basil Bernstein tem um destaque com a obra Class, codes
and control, publicado em 1975. Ele divide o conhecimento educacional em três sistemas de
mensagem, e não pode haver uma separação entre esses sistemas, são eles, o currículo, o que conta
como conhecimento válido; a pedagogia, o que conta como transmissão válida do conhecimento e
avaliação, que conta como realização válida do conhecimento e quem é ensinado.
Bernstein se preocupou com as relações estruturais e os diferentes tipos de conhecimento que
compõem o currículo, para ele a forma como currículo está organizado está ligado com os
princípios de poder e controle, há exemplo de duas formas de organização estrutural do currículo,
que pode ser tipo coleção e integrado, no currículo coleção, não há permeabilidade entre as
diferentes formas de conhecimento; no currículo integrado, ocorre uma inter-relação entre as
diferentes áreas de conhecimento.
Bernstein aborda a questão de poder e controle, ele diz que pode estar ligado à classificação, que
escolhe o que incluir ou não no currículo, portanto, está ligado à questão do poder; o controle, está
ligado ao enquadramento, ritmo, tempo, espaço e transmissão.
Outro conceito importante é o de “código”, um conjunto de regras implícitas, faz uma ligação entre
as estruturas macrossociológicas da classe social, a consciência social e as interações sociais de
nível microssociológico. Bernstein define dois tipos de código, em o elaborado, independe do
contexto local, produzido pela pessoa e o restrito, dependente do contexto, produzido na interação
social, como cita o autor: "O código é implicitamente aprendido através da maior ou menor
classificação do currículo ou através do maior ou menor enquadramento da pedagogia. É a estrutura
do currículo ou da pedagogia que determina quais modalidades do código serão aprendidas." Silva,
(1999, pág 75)
O código pode ser aprendido por diversas interações sociais, família, escola, dessa forma é o
currículo que determina quais modalidades do código serão aprendidos, portanto o currículo tem um
papel importante no processo de reprodução cultural e social e a sociologia de Bernstein traz uma
compreensão em que se consiste esse papel.

Quem escondeu o currículo oculto?


A noção de currículo oculto está presente em algumas perspectivas críticas, como por exemplo:
Bowles e Gintis, que tratavam do princípio da correspondência, faziam uma crítica ao currículo,
mostrando que as próprias relações da escola, relações entre professor e aluno já ensinavam coisas,
eles mencionam que um dos comportamentos ensinados por essa relação professor aluno eram
comportamentos desejáveis para a situação trabalhista dentro do sistema capitalista, ou seja
questões de obediência.

Althusser, ao descrever ideologia, fala bastante em rituais, gestos e práticas, vivências que
transmitem noções, comportamentos e valores que são ensinados.

Bernstein sobre a estrutura do currículo e da pedagogia, analisa como o currículo oculto está
presente nessa estrutura do currículo e na própria pedagogia, na transmissão dos saberes.

Esses autores dentro da sociologia funcionalista já tratavam do currículo oculto, mostrando


características estruturais da sala de aula, quem ensinava, como por exemplo a relação de autoridade
a organização espacial, organização do tempo, os castigos e recompensas existentes dentro da
escola.
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De acordo com Silva, (1999, p. 78) o currículo oculto é constituído por todos aqueles aspectos do
ambiente escolar que não fazem parte do currículo oficial, explícito, contribuem de forma implícita
para aprendizagens sociais relevantes. Ou seja, é tudo aquilo que está na implementação de um
currículo mas não está definido em sua documentação, não está implícito mas que também ensina
coisas que devem ser observadas e que são relevantes para o espaço escolar.

A perspectiva crítica avalia alguns elementos que são ensinados, exemplificando comportamentos
relacionados ao conformismo, obediência e ao individualismo. Seu comportamento são
valores/atitudes de ajustamento às estruturas da sociedade capitalista, que na discussão crítica surge
como injusta, antidemocrática e indesejável. Uma perspectiva mais ampla estaria preocupada em
questionar, duvidar e mostrar que também existem outros aspectos ligados à nacionalidade,
relacionados à sexualidade, gênero e raça, na própria organização do currículo, muita coisa ensinada
de forma implícita.

O autor termina essa parte do livro analisando e avaliando o porquê dessa ideia ter sido retomada e
discutida, estando presente em diversos autores críticos. Ele mostra que primeiro é importante
tomar consciência de algo até então oculto, que há uma necessidade, então os autores que
discutiram o currículo oculto, viram como é relevante essa atitude de (desocultar o currículo oculto)
porque ao desocultá-lo, ao revelar ele se tornará menos eficaz, enfraquecendo os seus efeitos pela
única razão de ser oculto, deixando de funcionar como oculto e o fato de discutir isso cria a
possibilidade de uma modificação nesse currículo.

As teorias pós-críticas

Diferença e identidade: o currículo multiculturalista

O multiculturalismo é um movimento legítimo de reivindicação dos grupos culturais dominados no


interior daqueles países, para terem suas formas culturais reconhecidas e representadas na cultura
nacional. Silva, (1999, p. 85). Eles querem estar presentes e uma das ideias defendidas ou uma das
lutas é acabar com a proposta, o entendimento de que existe uma hierarquia entre as culturas, como
se uma cultura fosse superior a outra, e a ideia não é tratar de uma forma hierárquica, mas tratar
como diferentes, pois cada cultura tem suas particularidades.

O multiculturalismo humanista apela pelo respeito, tolerância e convivência pacífica entre as


diferentes culturas. Silva, (1999, p. 86). Para o currículo é um instrumento importante de luta
política, para que no espaço educacional, as múltiplas culturas tenham seus espaços garantidos, é
uma relação entre saber e poder, onde não há uma hierarquia entre as culturas humanas. Ela é
baseada no princípio de que somos todos iguais apesar das diferenças, colocando as diferenças
culturais como consequência dos diferentes processos de formação dessas culturas, sem levar em
conta as relações de poder que fizeram com que esse lugar se estruturasse dessa determinada forma.

A perspectiva crítica do multiculturalismo, está dividida entre uma concepção pós-estruturalista e


uma concepção que poderia ser chamada de materialista. Na perspectiva pós-estruturalista todo
conhecimento se baseia num processo linguístico e discursivo, a diferença não é uma característica
natural, ela é discursivamente produzida. Silva, (1999, p. 87). Já na perspectiva materialista também
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faz uma crítica, mas olhando para outros aspectos, os processos institucionais, econômicos, a base
da produção de descriminação e desigualdades da diferença cultural, como por exemplo a
descriminação nos postos de trabalho ou no acesso à educação.

Nos Estados Unidos, o multiculturalismo originou-se exatamente como uma


questão educacional ou curricular. Os grupos culturais subordinados - as mulheres,
os negros, as mulheres e os homens homossexuais - iniciaram uma crítica àquilo
que consideravam como o cânon literário, estético e científico do currículo
universitário tradicional. Eles caracterizavam esse cânon como a expressão do
privilégio da cultura branca, masculina, európeia, heterossexual. O cânon do
currículo universitário fazia passar por “cultura comum” uma cultura bastante
particular - a cultura do grupo culturalmente e socialmente dominante. Na
perspectiva dos grupos culturais dominados, o currículo universitário deveria incluir
uma amostra que fosse mais representativa das contribuições das diversas culturas
subordinadas. Silva, (1999, p. 88)

Outra questão que esses estudos trazem, é a de que não se trata apenas de estimular ou desenvolver
um sentimento de tolerância e de respeito às outras culturas, pois quando se fala em tolerância, a
gente fala de aceitar uma diferença, mas ainda se coloca numa situação de superioridade, a disputa é
pra não se falar apenas em intolerância e respeito, mas sim, buscar um entendimento dos processos
que geram as diferenças, entender as diferenças em sua origem, porque foram criadas, para dessa
forma serem desconstruídas.

As relações de gênero e a pedagogia feminista

No texto, as relações de gênero e a pedagogia feminista, Silva, (1999, p. 91), pontua no começo
que o termo "gênero" começou a ser usado em relação a diferenciação do sexo relativamente a
pouco tempo (1955), onde de alguma forma só serve para se referir a "aspectos socialmente
construídos do processo de identificação sexual".

Dentro das críticas referentes ao currículo e seu desenvolvimento/organização, as questões de


gênero e classe social andam de mãos dadas, onde ambos não são levados em conta no processo de
construção do currículo, causando um grande problema e atraso social.

Essa desigualdade começou há muito tempo, a partir do momento que a sociedade vê o homem
como um ser dominante, onde assim ele rebaixa a mulher, sua força, inteligência, habilidade e
tantas outras coisas pelo simples valor histórico do homem forte, da guerra, caçador e a mulher na
cozinha, cuidando dos filhos.

Essa grande desvalorização começa dentro de casa, mas também dentro das escolas pela simples
falta de um bom planejamento curricular, sendo então um dos principais motivos disso o estereótipo
historicamente enraizado do homem ser visto como merecedor e "sabe tudo", onde mulheres não
podiam se vestir da forma que queriam, estudar, estar em certos locais e realizar certos trabalhos
vistos como de "homens".

No texto, o autor Tomaz Tadeu da Silva pontua que essa desvalorização não estava apenas
espalhada por toda sociedade, mas também na própria formação da educação, onde os professores
reproduziam e disseminavam ainda mais tais estereótipos, por meios dos livros, falas e concepções
dos próprios, tendo os livros como formas de afirmação dessa desvalorização principalmente ao não
colocar mulheres em postos de poder e valor.
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Ao pensar sobre o que fazer para resolver tal problema, o autor deixa claro que o simples fato das
mulheres terem mais direitos e acessos não é o suficiente, pois o mundo ainda é definido pelos
homens, onde, por mais que se pareça ser, algumas vezes, um mundo com visão neutra, ainda há
muito o que mudar, precisando rever suas necessidades, prioridades e até mesmo seu olhar
científico sobre o homem ser dominante, sem inverter os valores, mas sim equilibrando-os, com a
intenção não apenas de transformar, mas incluir.

Ele fala sobre a pedagogia feminista querer trazer uma nova forma de ver o mundo, com o objetivo
de transformar a pedagogia tradicional, trazendo mais diversidade para o currículo e trazer mais
igualdade apagando as limitações nelas enraizadas, criticando qualquer outra perspectiva e currículo
que ignore e não leve em conta tal tema ao serem produzidas e reproduzidas.

O currículo como narrativa étnica e racial

O autor começa esse tópico com a discussão sobre o fato de não levarem em conta o histórico
étnico-racial ao realizar a construção do currículo, sem se importarem com a qualidade de ensino e
questionando os resultados ao invés dos meios que tais grupos têm para viver e estudar, onde assim
como a questão gênero e classe, deve-se primeiro priorizar o acesso à educação e o currículo que ela
possui.

Silva, (1999, p. 99-100), cita um debate que aconteceu em uma revista estadunidense "Harper's
Magazine", entre Cornel West e Jorge Klor de Alva, um intelectual e um antropólogo de
descendência mexicana, respectivamente, para deixar claro que a questão de etnia e raça é muito
ampla e muito maior do que se identificar ou não como negro ou qualquer outra etnia ou raça, é
necessario estar ciente ao caráter tanto histórico quanto o construído, saber a dor, as dificuldades, as
lamentações e superações, mostrando que tais assuntos tem importância não só histórica e
construtiva, mas também a sentimental e politica.

Então, apesar de ser um assunto de importância e de seus termos serem utilizados dentro do
currículo os assuntos sobre raça e etnia são "rebaixados" apenas a assuntos de colonizações e
folclóricos, onde querem ainda reduzir as diferenças étnicas- raciais a um processo de construção de
diferenças, pois segundo a sociedade "A diversidade tampouco é um fato ou uma coisa. Ela é o
resultado de um processo relacional - histórico e discursivo - de construção de diferenças" - Silva
(1999, p. 101), tornando ambos os termos apenas um processo de construção de diferenças.

Com a etnia e a raça vistas como uma "central de conhecimento, poder e identidade" não iria bastar
apenas adicionar assuntos ao currículo, mas também reconstruir e trazer indagações para que assim
haja um verdadeiro aprendizado para a sociedade, tornando a abordagem essencialista pouco
eficiente e necessitando assim de um estudo mais profundo e eficaz.

Tal currículo deve ter e trazer mais informações sobre a "minoria" ou também classificados como
"identidades marcadas", pois, a partir do momento que estudamos em maioria sobre as "identidades
invisíveis" cada vez mais a questão do racismo e afins vão se tornar normais. É preciso dar ênfase
na gravidade do assunto, com o intuito de atingir não apenas um mas a sociedade como um todo.

Uma coisa "estranha" no currículo: a teoria queer

A pedagogia queer tem como objetivo ressignificar, introduzir e incentivar o questionamento do


"normal" e "anormal" e o porque de serem socialmente denominados assim, trazendo indícios desse
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assunto já na teoria feminista, ao problematizarem o conceito de gênero, tanto biológico, quanto


social.

O autor cita então que "não tem nada de fixo, de essencial ou de natural" pelo simples fato das
diversas definições sofrerem variações ao longo de toda a historia, trazendo a grande
problematização sobre a sexualidade e o gênero ao fato de uma ser minoria e a outra maioria , onde
os homossexuais e outros grupos, minoria, serem considerados anormais por causa da cultura
heterossexual ser dominante, ou seja, se torna uma definição que dependente da existência de quem
tem mais ou menos poder, podendo sempre sofrer a variação do aceitável ou não.

Questionamentos sobre gênero e sexualidade se dá principalmente por ser algo construído


socialmente e não biologicamente, Silva (1999, p. 106) faz o seguinte comentário "A identidade não
é uma coisa da natureza; ela é definida num processo de significação: é preciso que, socialmente,
lhe seja atribuído um significado" o que trás ainda mais força para a problematização do assunto,
onde tal teoria quer muito além da aceitação, mas a livre transição entre os diversos "gêneros" e o
fim de tais denominações.

Ao querer desconstruir tais denominações, ela não quer apenas tornar tudo mais "aceitável", ou
estimular apenas o respeito ou tolerância, mas trazer um maior entendimento sobre a identidade em
geral, trazendo questionamentos e contestações, pondo em questão principalmente a eterna
mudança de pensamentos, ações e gostos que passamos pelo longo dos anos, fazendo com que o
rótulo que possuímos se torne algo sem sentido e dispensável.

Como exemplo de uma pedagoga que apoia a teoria queer, Silva (1999, p. 108) cita Deborah
Britzman, que fala justamente sobre a questão do que essa teoria quer, que não é apenas trazer a
introdução, aceitação ou tolerância de tais minorias, mas sim ressignificação de tal conceito e o
porquê de se tê-lo, se tornando uma pedagogia não apenas das indagações, mas que faz as pessoas
pensarem o porquê de tais indagações, fazendo assim ela ser mal vista pela maioria/conservadores
como algo ruim.

Referências:

Silva, Tomaz Tadeu da. Documentos de identidade: uma introdução às teorias do currículo. Belo
Horizonte: Autêntica, 1999.

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