Partindo do senso comum de que um texto literário é de essência ficcional, Iser
destaca que isto se enquadra no que ele chama de saber tácito. Isto é, que a oposição entre ficção e realidade é deveras objetiva e elementar sob a perspectiva geral. A partir deste ponto, ele levanta um questionamento um tanto quanto pertinente que vem a problematizar esse saber tácito ao dizer que o mesmo não leva em consideração o que existe de real dentro do fictício. “Transgressão de limites”, é este o termo que Iser se utiliza para designar o processo de construção do texto ficcional e o ato de leitura do mesmo. E é aí que entram a “seleção” e a “combinação”, onde se torna importante tanto o que se seleciona quanto aquilo que se decide deixar de fora, e a combinação de tais elementos do real permeia para o âmbito ficcional, que só é possível através do real, fictício e imaginário. Como exemplo, pode-se analisar a obra “Dom Quixote” de Miguel de Cervantes. Este é um exemplo quase que extremo de ficção mesclando-se à realidade e vice-versa, pois, como é sabido, o personagem principal “absorve” tantos livros de ficção sobre cavalarias que isso acaba por corromper sua sanidade e a realidade e a ficção já não podem mais ser distinguidas. E sendo uma obra de ficção que fala, em seu texto, sobre ficção, essa transgressão de limites mostra-se mui evidente. Ainda sobre o Dom Quixote, outro fato digno de nota é a forma com que o autor tece a narrativa do texto, no que concerne o modo com que o narrador se expressa, de forma a sugerir a veracidade de sua narração como sendo fato histórico – mesmo sendo ficção. Evidencia-se isso em um exemplo, entre muitos, onde o narrador faz uma digressão gritante no meio da história para contar como veio a encontrar relatos sobre a mesma, dando a entender que de fato ocorreu. Outra obra a servir de exemplo é o filme “dentro da casa”. Onde os elementos da realidade de uma família são selecionados para serem usados na compilação de um romance que fala da mesma, mas que não se limita apenas ao real. E como o que ocorre no real interfere na ficção, o contrário também é notório, quando a ficção passa a intervir na realidade até que se chega a um ponto onde é difícil dizer o que de fato aconteceu e o que apenas foi inventado. Agora cabe uma pergunta no mínimo relevante; e o oposto? Se um texto ficcional é tecido pela combinação de elementos selecionados a partir do real, então seria possível que um texto de não-ficção pudesse ter elementos ficcionais? Um sim como resposta seria iminentemente plausível, pois, mesmo que um texto se apresente apenas como instrutivo, didático ou como relato histórico, ele foi, evidentemente, redigido por um individuo que, mesmo que sem perceber ou querer, acaba por adicionar ao que narra elementos pessoais que remetem ao seu conhecimento de mundo e à perspectiva que detém do mesmo. Ou seja, seu ponto de vista, e influências afins, acabam por muitas vezes distorcendo a realidade ao passar a mesma para o papel podendo conter, até mesmo, elementos que nunca sequer ocorreram. Assim sendo, um texto de não-ficção pode muito bem estar repleto de ficcionalidade.