Em “Poética”, Aristóteles (1990, p. 19) definiu “mímese” como uma forma
de imitação ou representação da realidade que é produzida pelas mais diferentes categorias de expressões artísticas como a escultura, a pintura e a literatura. Em oposição a esse conceito está o da “poiesis”, que consiste na capacidade de criar algo que antes não existia, afastando-se, dessa maneira, da verossimilhança que concerne a mímese. Apesar disso, ambas as ideias operam em conjunto e se encontram na concepção de ficcionalidade.
Em primeira análise, entende-se por ficcionalidade o universo virtual que
o autor cria dentro de sua obra. Dessa forma, tendo como base a realidade, a literatura cria o seu próprio mundo, paralelo ao do autor, com seus seres ficcionais, seu meio imaginário e sua própria verdade, que pode dispor de pessoas transmutadas em animais, animais falantes, cidades fantásticas e viagens no tempo. Contudo, por mais distantes que essas obras possam ser da realidade, todas se assemelham minimamente com essa uma vez, que tal relação funciona como um fio condutor para o leitor, permitindo que ele se identifique com a trama.
Tendo em vista o exposto, constantemente pode-se encontrar
personagens que passam por experiências tão humanas que são até mesmo reconhecíveis aos receptores, causando a sensação de proximidade. No entanto, segundo o pensamento de Danziger e Johnson (1974, p. 25), por mais semelhante que esse universo ficcional seja da verdade, tais personagens não se deslocam em um mundo real, mas sim em um ambiente que lhes é próprio. Além disso, até mesmo a obra mais realista advém da imaginação já que, se houvesse uma correspondência total entre o texto e a realidade, o objeto perderia seu caráter artístico e seria considerado história.
Em consonância ao assunto, está a ideia de suspensão da descrença,
cunhada por Samuel Taylor Coleridge (1817), que diz que quando são usados elementos sobrenaturais na literatura, o leitor precisa voluntariamente suspender a sua incredulidade no sobrenatural para ter uma experiência de leitura satisfatória, ter “fé poética”. Nessa conjuntura, em alguns casos a suspensão da descrença pode acontecer com facilidade, por a obra apresentar situações do cotidiano, e em outros, pode exigir um esforço maior por parte do leitor, já que o universo proposto pelo autor é completamente fora do comum.
Analogamente ao assunto, no conto “A fila”, de Murilo Rubião, apesar de
não haver fatos propriamente sobrenaturais, há sinais de ficcionalidade ao longo do texto. Assim, tais sinais estão presentes materializados no absurdo da condição de Pererico, em decorrência da chocante desproporção entre seu simplório objetivo, falar com o gerente, e a dificuldade em conseguir fazê-lo, a fila interminável.
No que diz respeito aos universos fantásticos, a responsabilidade do
autor é imensa, tendo em vista que cabe a ele a criação de um universo coeso e coerente, que permita que o leitor, mesmo que seja momentaneamente, acredite que aquela é a realidade. Por fim, é indubitável a capacidade que a ficção tem de moldar o imaginário sobre coisas reais, haja vista que ao ler ou assistir alguma obra, o receptor está formando ideias que posteriormente, serão aplicadas em contextos reais.
Referências bibliográficas
COLERIDGE, Samuel Taylor. Biographia Literaria (1817) Editado por Nigel
Leask. (Londres: JM Dent, 1997) ISBN 0-460-87332-6.
DANZIGER, Marlies K. e JOHNSON, W. Stacy. Introdução ao Estudo Crítico
da Literatura, São Paulo, Cultrix, 1974.
RUBIÃO, Murilo. Obra Completa. São Paulo. Companhia das Letras, 2010.