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Ozymandias

Shelley, Percy Bysshe (1792 - 1822)


- Lilia Nara Santos Sena

A poesia romântica se concretizou sendo marcada por uma série de


convenções, como a aversão a vida na cidade e aceitação do mundo natural, o
amor pelo sobrenatural, além do uso de uma linguagem comum utilizada no dia
a dia (VIZIOLI, 1978). Contudo, a que mais se destaca em Ozymandias é a
oposição dos poetas românticos ao controle imposto pelas figuras que estavam
no poder. Desse modo, Shelley, um dos principais poetas românticos da
segunda geração, tinha uma grande repulsa à monarquia e a religião.

Em primeira análise, o rei que governava a Inglaterra na época em que o


poema foi escrito era George III, e este estava envolvido em um grande
número de conflitos militares em todo o mundo (JORGE, 2013). Analogamente,
Ramssés II, também conhecido por Ozymandias, foi um faraó egípcio, que para
muitos estudiosos era o faraó que estava no comando durante o êxodo bíblico
de Moisés (RAMESSÉS II, 2020). Entretanto, o crucial sobre Ramssés II é que
ele liderou muitas batalhas para proteger o Egito, assim como conquistar novas
terras, se assemelhando então com o rei George III. Diante disso, Shelley,
através de seu poema, faz uma crítica velada ao governo e a sua ganância por
poder.

Em Ozymandias, de Percy Shelley, o eu lírico encontra um viajante, que


lhe conta sobre uma estátua que viu quando estava no deserto. O viajante
notou primeiro duas enormes pernas de pedra sem corpo. Perto das pernas, na
areia e parcialmente enterrada no chão, estava a cabeça da estátua. Em seu
rosto, apesar de estilhaçado e rachado, havia um olhar desagradável e
arrogante. No pé da estátua estavam gravadas as seguintes palavras: “Meu
nome é Ozymandias, rei dos reis: olhe para minhas obras, ó Poderosos, e se
desesperem!”.

Por esse prisma, claramente a estátua já esteve no meio de um vasto e


impressionante império. No entanto, a ironia se efetiva no momento em que o
viajante vê a estátua e ela não apenas está desmoronada e quebrada, mas
também está isolada no meio do deserto solitário. Logo, a mensagem
subjacente no poema é que o poder é transitório, pois não dura para sempre e
está sujeito a mudanças à medida que o tempo passa.

No que diz respeito a forma, Ozymandias é um soneto, e Shelley usa


essa forma para destacar como Ozymandias está apaixonado por si mesmo e
por seu senso delirante de poder e supremacia. Por sua vez, o poema é
composto por catorze versos, dividido em um grupo de oito versos que
apresentam detalhes sobre a estátua quebrada, e um grupo de seis versos que
apresentam uma mensagem irônica sobre o poder total. Outrossim, o modelo
de rima é ABAB ACDCEDEFEF. Todavia, apesar de ser um soneto, o poema
não se encaixa completamente nem no modelo petrarquiano, nem no
shakespeariano (BURGESS, 1996).

Nessa conjuntura, não há consistência no esquema de rimas do poema,


uma vez que ele não segue um padrão como os modelos existentes de
sonetos, mas vai se modificando à medida que o poema se desenvolve. Em
face disso, o esquema de rimas pode ser utilizado como instrumento que se
relaciona com a ideia geral do texto sobre a transitoriedade do poder, uma vez
que está se transformando. Assim, é possível observar que a forma reflete o
conteúdo para representar o poder humano, tendo em vista que apesar de
seus detentores se sentirem invencíveis, ele está em constante mudança.

Ademais, há também no poema, um termo usado na linguagem bíblica,


sendo possível notar a crítica de Shelley à religião. No pedestal de sua estátua,
Ozymandias se auto denomina “rei dos reis”. Do mesmo modo, na bíblia em I
Timóteo 6:15, o título “rei dos reis” é dado à Deus, refletindo assim, como
Ozymandias se vê como Deus, em seu poder, mas também trazendo a ideia de
crítica à religião organizada, ressaltando que o poder da igreja um dia
desmoronará como a estátua. Outrossim, é possível observar também o som
/k/ produzido pelas palavras “king of kings”, assim como em “cold command”,
criando um tom agressivo e áspero, que pode indicar a crueldade de
Ozymandias como um governante poderoso e opressor.

Nesse âmbito, Ozymandias esperava ser detentor do poder para


sempre, entretanto o que restou de seu vasto império foi a sua estátua em
ruínas, o que nos leva a interpretar como um dos temas presentes no poema, a
grandeza da arte. Embora o poder e a majestade do rei não durem, a
habilidade do artista em capturar o seu escarnio arrogante ainda é visível. De
fato, junto com a estátua, ainda que desmoronada, o artista vive. Por sua vez, o
verso “The hand that mocked them, and the heart that fed” se refere ao
escultor, o colocando acima do rei, pois esse não percebeu a ideia de zombaria
por trás da grandiosidade da estátua. Portanto, parece que o artista está
atacando satiricamente sua obra e talvez Shelley esteja usando o escultor
como metáfora para si mesmo, haja visto que a poesia também consegue
sobreviver aos poderosos.

É conveniente destacar ainda a graphic novel Whatchmen, de Alan


Moore. Na história em quadrinhos, um dos heróis que compõe o grupo de
vigilantes, Adrian Veidt, se intitula Ozymandias. Ao longo da história o
personagem revela como o faraó egípcio foi utilizado por ele como modelo de
força e sabedoria, sendo todos os seus passos pensados para serem iguais
aos que Ozymandias trilhou. Ao final da história, o herói executa seu plano
perverso de sacrificar a vida de milhões de pessoas para salvar a humanidade
de uma guerra iminente, fazendo referências ao próprio poema de Shelley.
Diante disso, Adrian se questiona se no fim fez a escolha certa, e recebe como
responda de outro personagem que “nada chega ao fim” (MOORE, 1999).
Assim, o Ozymandias em Watchmen, queria que seu ato “heroico” perdurasse
eternamente, contudo eventualmente a história passou, e o poder, e glória que
uma vez ele detinha também.
Referências

BURGESS, Anthony. A versificação inglesa. In: Idem. A Literatura Inglesa.


Trad. DudaMachado. São Paulo: Ática, 1996, p. 275-87.

JORGE III do Reino Unido. In: Wikipedia, a enciclopédia livre. Flórida:


Wikimedia Fundation, 2013. Disponível em:
https://pt.wikipedia.org/wiki/Jorge_III_do_Reino_Unido. Acesso em: 04 de jun.
2022.

MOORE, Alan. GIBBONS, Dave. Watchmen (HQ em 12 partes). São Paulo:


Abril / DC Comics, 1999.
RAMESSÉS II. In: Wikipedia, a enciclopédia livre. Flórida: Wikimedia
Fundation, 2020. Disponível em: < https://pt.wikipedia.org/wiki/Ramess
%C3%A9s_II#cite_note-1>. Acesso em: 04 de jun. 2022.

VIZIOLI, Paulo. O sentimento e a razão nas poéticas e na poesia do


romantismo. In: J Guinsburg (org.). O Romantismo. São Paulo: Perspectiva,
1978, p. 137-56.

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