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MACBETH DE SHAKESPEARE
Resumo: Este trabalho objetiva apresentar as ideias de vilania e moral, a fim de correlacioná-las a
personagem Lady Macbeth, da tragédia de Shakespeare, Macbeth. As motivações que guiam este
estudo partem da riqueza de temas presentes na peça shakespeariana, como também da associação
comum da personagem Lady Macbeth à figura de vilania da história. Trata-se de uma pesquisa
bibliográfica e fundamenta-se nos estudos de Lewis (1990), Bloom (1998) e Sauerbronn e Heffner
(2016). Dessa maneira, o objetivo da pesquisa é de analisar a personagem e conferir se a categoria
de vilã se adéqua a ela ou não.
Abstract: This paper aims to present the ideas of villainy and morality, to correlate them to Lady
Macbeth's character, from Shakespeare's tragedy, Macbeth. The motivations that guide this study start
from the richness of themes present in the Shakespearean play, as well as from the common
association of the character Lady Macbeth to the figure of the villainy of history. This is bibliographical
research and is based on the studies of Lewis (1990), Bloom (1998), and Sauerbronn and Heffner
(2016). Thus, the aim of the research is to analyze the character and verify whether the category of
villain defines it or not.
INTRODUÇÃO
Com a forte influência do Renascimento, o teatro começa a explorar novos
formatos de histórias, em que o indivíduo, com sua singularidade, passa a ser
considerado importante, sendo o centro do seu próprio mundo. Por se tratar de um
período de transição, nas obras de Shakespeare é possível observar tanto aspectos
do teatro medieval (STEVENS; MUTRAN, 1988), quanto do teatro renascentista.
Dessa forma, segundo Frye (1999, p.), as peças de Shakespeare centravam-se
apenas em buscar aspectos da vida social que fossem inteligíveis à audiência e que
pudessem dialogar com as convicções dos espectadores.
Nesse contexto, Macbeth, a menor das tragédias shakespearianas, aborda
temas extremamente subjetivos e profundos, como a ganância, o mal e a força do
desejo. Sob esse viés, é notória a persistência dessas temáticas na sociedade
moderna, respaldando-se nesse fato então a necessidade de estudar clássicos
como Macbeth mesmo após 400 anos depois de sua criação. Assim, em razão da
1 Aluna do quinto semestre do curso de Letras da Universidade Estadual Vale do Acaraú, Sobral/CE.
narasena4@gmail.com.
2 Doutor em Romanistik / Lusitanistik. Docente do curso de Letras da Universidade Estadual Vale do
Acaraú, Sobral/CE. marton_tamas@uvanet.br.
complexidade das personagens de Shakespeare, Macbeth tem sido utilizado como
guia para entender premissas modernas, principalmente a relação entre desejo e
consequência.
Nessa perspectiva, em uma história cercada pelo sobrenatural e por
bastante violência, é natural que o tema vilania, entre em discussão. Em face do
contexto contemporâneo, o imaginário social sempre busca um vilão e um herói
dentro da ficção para embasar sua tomada de escolha sobre o que é bom e o que é
mau. Logo, dentro da peça Macbeth, dois importantes personagens são comumente
apontados como vilões: Macbeth e sua esposa, Lady Macbeth.
Diante disso, o presente estudo centra-se na análise da personagem Lady
Macbeth. Ademais, realiza uma breve apresentação das ideias de vilania e moral,
além de verificar se a personagem pode ou não ser rotulada com o estigma de vilã.
1. A IDEIA DE VILANIA
A busca por um inimigo tem sido tema do imaginário social, da literatura até
os jogos eletrônicos. A invocação de um inimigo comum se torna ainda mais
atraente quando se resgata deste imaginário a trama que conquista a atenção, a
emoção e o coração do indivíduo, partindo da disputa entre o bem e o mal; o belo e
o feio; o herói e o vilão.
Segundo Heffner (2016, p. 3), frequentemente o termo vilania é associado a
práticas violentas, se assemelhando à crueldade e se caracterizando por um fundo
moral, religioso e filosófico. Em face disso, o autor ressalta que:
Certamente, a vilania compartilha ou mistura-se a violências de toda
ordem, e reveste-se de um entendimento negativo em muitas
circunstâncias. No entanto, é preciso indicar que a vilania não é só
um comportamento desviante, exacerbado quase sempre a um grau
máximo, e trazendo consigo uma implícita escala de valores,
traduzida em atitudes físicas e morais e consagrada, inclusive, no
domínio do direito – a tortura e o preconceito estariam, por exemplo,
entre as maiores vilanias. E nem uma ação necessariamente nefasta,
o que introduz a questão do ponto de vista que julga e atribui a
alguém ou a um grupo uma caracterização vilanesca. HEFFNER
(2016, p. 3)
Logo, o termo vilão, que era designado para se referir aos camponeses,
passou a ser utilizado para caracterizar o comportamento desses indivíduos, o qual
era considerado rude e grosseiro, quando comparado a polidez da aristocracia.
Assim, os comportamentos e atos extremos dessa parcela da população, passaram
a ser compreendidos como vilanescos.
Contudo, a ideia de vilão segue se atualizando. Primeiro, porque as
características das mídias estão mudando, levando a um ajuste do vilão. Depois,
porque os conceitos de moral da sociedade mudaram. E, por fim, ainda que não seja
comum a transgressão, é evidente que no papel do vilão já se vê algum
questionamento, tornando a figura mais complexa, às vezes, mais ambígua,
aproximando-a da atualidade.
2. A MORAL
Diante das definições de “vilão” já citadas, é possível inferir que o termo
mencionado é utilizado para definir aquele em que há ausência de caráter, ou moral.
Assim, faz-se necessário a compreensão dessa nova ideia, a moral.
Conforme o dicionário Michaelis (2019), o termo é apresentado como
sinônimo de ética. A moral, então, estaria ligada a um conjunto de princípios pré-
determinados para regular a conduta dos indivíduos em sociedade. Portanto, o vilão
seria aquele que não tem suas ações guiadas por normas ou disciplinas, ou seja,
não age em consonância com aquilo que a sociedade espera dele.
Para Abbagnano (2007, p. 308), a ciência do fim é aquela que diz respeito a
natureza do ser humano e os ideais para o qual ele caminha. Já a ciência do móvel
aponta para as causas da conduta adotada pelo indivíduo e as forças que a
determinam. No que lhe concerne, Aristóteles (1991), afirma que a felicidade é o fim
que a conduta humana visa, defendendo que as ações em busca desse estado
deveriam ser virtuosas, evitando os extremos. Desse modo, no que tange à “vilania”,
o princípio de Aristóteles é rejeitado, uma vez que para atingir o fim (felicidade) que
deseja, o vilão conseguiria executar qualquer prática, até mesmo imoral. A máxima
de “os fins justificam os meios” se aplica a esse pensamento.
Por sua vez, Lady Macbeth, assim como o marido, são vítimas de suas
próprias ações ambiciosas. Embora ela tenha más intenções e possua
características de vilã, a personagem tem consciência e se torna extremamente
culpada por suas ações. Portanto, infere-se como os personagens de Shakespeare
são construídos com profunda complexidade, caracterizando-se como pessoas
reais, onde um rótulo como “vilão” não é o suficiente para defini-los.
Desse modo, é possível observar como a peça de Shakespeare se torna
atual, tendo em vista que todos os seres humanos têm em si a ganância. O erro de
Macbeth e de sua esposa, porém, foi o de deixar que esse sentimento os levassem
a agir de forma imoral e até mesmo cruel para alcançar seus objetivos. Tal qual as
parábolas que Jesus contava aos seus discípulos, a peça Macbeth tem o papel de
mostrar as consequências de quando a ordem é desobedecida.
Perante o exposto, a culpa vivida pela personagem revela a consciência de
seus atos, o que não é visto nos vilões da literatura e do cinema que rotineiramente
encontramos.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A partir das ideias apresentadas anteriormente, foi possível analisar e
associar conceitos como moral à vilania. Por esse prisma, percebeu-se a mudança
semântica da palavra vilão, que, no passado, era utilizado para se referir aos
camponeses que viviam nas vilas. Dessa maneira, com o passar do tempo, em
detrimento das mudanças que ocorreram no corpo social, a palavra ganhou um novo
sentido, sentido esse carregado de um valor depreciativo.
Nesse contexto, devido à influência da cultura pop, somos cercados por
figuras vilanescas, as quais constroem no imaginário popular uma visão quase
sempre limitada do que é um vilão. É fato que a caracterização desse personagem
vem evoluindo, no entanto, sua performance, na grande maioria das vezes, ainda é
baseada em clichês. Assim, esse personagem ganha pouco desenvolvimento, uma
vez que a história está focada no herói.
Em face disso, ao ler uma peça como Macbeth, um leitor inexperiente pode
facilmente determinar Lady Macbeth como a vilã da história. Contudo, quando a
personagem é analisada mais profundamente, percebe-se que Lady Macbeth é tão
humana quanto qualquer outro, afinal todos nós nos constituímos através do desejo.
Atentando-se a esse parâmetro, é perceptível o quanto a peça, apesar do tempo em
que foi escrita, é moderna. Diante disso, Shakespeare nos apresenta uma
personagem complexa, que se deixa levar pela ambição, mas que se vê paralisada
pela culpa. Logo, limitar a personagem de Lady Macbeth a uma simples vilã, é
desconsiderar todo o seu potencial e história.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. Trad Alfredo Bossi e Ivone Castilho
Benedetti. São Paulo: Martins Fontes, 2007. Disponível em: <ABBAGNANO, Nicola.
Dicionário de Filosofia.pdf - Google Drive>. Acesso em: 21 out. 2022.
BLOOM, Harold. Shakespeare: the invention of the human. New York: Riverhead
Books, 1998.