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A questão de Taiwan sob as perspectivas realistas

1) Considerando a teoria do realismo neoclássico, explique o impacto que a


gestão de Biden (ele próprio e outros membros do governo) tem na postura
em relação à Taiwan e, consequentemente, nas relações com a China.
Considere: as informações limitadas, a perspectiva individual e o reflexo no
comportamento do Estado.
2) A partir da teoria do neorealismo estrutural, explique a reação chinesa às
mudanças na postura dos EUA. Considere: o papel da estrutura, o
comportamento defensivo e o comportamento ofensivo.

1) Em uma das vertentes do realismo na teoria das relações internacionais,


abrindo algumas brechas para os princípios liberalistas, surge a teoria do realismo
neoclássico. Estruturando-se em autores como Fareed Zakaria e Paul Kennedy, o
realismo neoclássico responde a algumas das lacunas deixadas pelo realismo
ofensivo de Mearsheimer, o qual se questionava o motivo pelo qual alguns Estados
ao longo da história não “aproveitaram” as oportunidades nas conjunturas da época
para expandirem seu poderio. Alegando que para fazer uma análise do sistema
internacional é necessário incluir também alguns fatores domésticos, como por
exemplo a capacidade interna do Estado e a percepção dos tomadores de decisão,
o realismo neoclássico preza pela avaliação geográfica, histórica e cultural em
análises conjunturais, além das questões realistas clássicas do dilema de segurança
e da anarquia do sistema internacional. Desse modo, tendo em vista as recentes
tensões envolvendo a ilha de Taiwan, a China e os Estados Unidos, o presente
trabalho busca explicar o impacto que a gestão do governo Biden produz em Taiwan
e em suas relações com a China sob a ótica do realismo neoclássico.
A questão de Taiwan apesar de bastante atual, tem um passado enraizado
nos ideais da Guerra Fria e na Guerra Civil Chinesa em 1949. Em um mundo
bipolarizado e em busca de poder, dois partidos buscavam controlar o grande
gigante chinês: o Partido Comunista Chinês e o Partido Nacionalista, de ideologias
comunista e capitalista, respectivamente. Em uma alternância histórica de luta pelo
poder, em 1949, os também intitulados Kuomintang não resistiram ao avanço do
PCC e acabaram fugindo para a ilha de Taiwan, instaurando seu próprio regime
democrático sob o comando de Chiang Kai-chek, enquanto o líder Mao Tsé-tung
realizou as reformas necessárias na China sob os moldes do comunismo, com a
estatização das empresas e a socialização das terras. Desde então, Taiwan se
reconhece como “a verdadeira China” e busca por sua independência e
reconhecimento por parte dos outros países, assim como sua entrada e participação
em instituições internacionais como a ONU e a OMC, enquanto a China comunista
condena e ameaça qualquer país que ouse reconhecer Taiwan como um Estado
independente ou manter relações diplomáticas e comerciais com Taipei, pois
considera a ilha como uma província rebelde e que é apenas uma questão de tempo
até que o controle do território seja retomado.
Nesse contexto, a posição internacional que é adotada é o princípio de “uma
só China", o qual reconhece a existência de apenas uma só China no mundo,
apesar de Taiwan possuir tudo o que é necessário para a formação de um Estado
independente: um território, uma nação, um governo, além de forças armadas e
uma moeda nacional. Essa postura adotada internacionalmente, apesar de isolar
politicamente Taiwan de forma relativa, serve para evitar um novo conflito mundial e
a provável reação chinesa, que já deixou clara sua posição. Entretanto, não é
novidade que a potência que vem desafiando os limites chineses é os Estados
Unidos, que adota um comportamento bastante ambíguo, o qual apesar de não
reconhecer formalmente Taiwan, faz questão de fornecer proteção militar e
financeira à ilha, tal qual explicitado na Estratégia de Segurança Nacional dos
Estados Unidos publicada pelo governo de Joe Biden em outubro de 2022:

“We have an abiding interest in maintaining peace and stability across the Taiwan
Strait, which is critical to regional and global security and prosperity and a matter
of international concern and attention. We oppose any unilateral changes to the
status quo from either side, and do not support Taiwan independence. We remain
committed to our one China policy, which is guided by the Taiwan Relations Act,
the Three Joint Communiques, and the Six Assurances. And we will uphold our
commitments under the Taiwan Relations Act to support Taiwan’s self-defense and
to maintain our capacity to resist any resort to force or coercion against Taiwan”
(BLINKEN, 2022, p.24).

Aliado a isso, recentemente duas movimentações repercutiram e provocaram


novas tensões entre os chineses e americanos: a visita de Nancy Pelosi à Taiwan e
a assinatura de um acordo de US$78 milhões entre Taiwan e os EUA para a
manutenção e o investimento no serviço de defesa aérea Patriot. Como reação a
esses atos, o ministro das Relações Exteriores da China, Wang Yi, se manifestou
alegando que caso os Estados Unidos tentem impedir a reunificação ele “será
esmagado pelas rodas da história” (FOLHA DE S.PAULO, 2022).
Segundo Paul Kennedy (1989, p.1):

“A força relativa das principais nações no cenário mundial nunca permanece


constante, principalmente em virtude da taxa de crescimento desigual entre as
diferentes sociedades, e das inovações tecnológicas e organizacionais que
proporcionam a uma sociedade maior vantagem do que a outra.”

No viés dessa ideologia, por mais que o objetivo máximo das potências seja
alcançar a hegemonia ou o alto poder coercitivo no sistema internacional, essa
posição relativa nunca será permanente e sempre será cobiçada por outros
Estados, que farão o possível para alcançar tal posto, onde é possível fazer uma
analogia com as apreensões decorrentes de Taiwan entre a China e os EUA, que
pressionam esse ponto de tensão por se tratar de um fator que pode ser
determinante na luta de poder entre as duas potências. Ademais, o autor também
ressalta o dilema de segurança atrelado à força relativa variável:

“O mundo tornou-se um lugar mais competitivo, e as fatias do mercado estão


sendo corroídas. Os observadores pessimistas falam de declínio; os estadistas
patriotas clamam pela “renovação”. Nessas circunstâncias mais perturbadas, a
grande potência pode ver-se gastando mais com a defesa do que há duas
gerações, e ainda assim descobrir que o mundo se transformou num ambiente
menos seguro - simplesmente porque outras potências cresceram mais depressa
e se estão tornando mais fortes.” (KENNEDY, 1989, p.8)

As intervenções estadunidenses no apoio à defesa de Taiwan, assim como a


reação chinesa com a visita de Pelosi com a ocorrência de exercícios militares no
litoral e arredores da ilha, demonstra essa preocupação de ambos os países com os
gastos com a defesa de seus respectivos interesses. Nessa conjuntura, na posição
em que se encontra, Zakaria já previa em sua obra que:

“The United States must come to recognize that it faces a choice -- it can
stabilize the emerging world order by bringing in the new rising nations,
ceding some of its own power and perquisites, and accepting a world with a
diversity of voices and viewpoints. Or it can watch as the rise of the rest
produces greater nationalism, diffusion, and disintegration, which will slowly
tear apart the world order that the United States has built over the last 60
years.” (ZAKARIA, 2008, p.14)

A “ascensão do resto”, onde pode se enquadrar a ascensão chinesa dos


últimos anos, de fato, hoje, representa um desafio a ser superado pelos americanos,
também ressaltado no documento de Estratégia de Segurança Nacional:

“In the competition with the PRC, as in other arenas, it is clear that the next ten
years will be the decisive decade. We stand now at the inflection point, where the
choices we make and the priorities we pursue today will set us on a course that
determines our competitive position long into the future. Many of our allies and
partners, especially in the Indo-Pacific, stand on the frontlines of the PRC’s
coercion and are rightly determined to seek to ensure their own autonomy,
security, and prosperity. We will support their ability to make sovereign decisions in
line with their interests and values, free from external pressure, and work to
provide high-standard and scaled investment, development assistance, and
markets. (BLINKEN, 2022, p.24)

Portanto, adotando uma visão realista neoclássica, a postura


norte-americana apresenta as variáveis determinantes e independente, aderindo
uma conduta em que se preocupa com o dilema de segurança e sua posição no
sistema internacional e logo, trata a China como um inimigo a ser derrotado, apesar
de criticar o inimigo comunista pelas mesmas ações que o próprio Estados Unidos
adota, ação a qual, entretanto, é necessária para continuar garantindo sua
capacidade de influência e coerção mundial. Todavia, essa postura, incluindo a
postura adotada em relação a Taiwan, segundo o realismo neoclássico, também é
variável por fatores domésticos que interferem no resultado da análise, como por
exemplo a atitude dos líderes governamentais. As questões históricas e políticas por
trás dos interesses estratégicos dos Estados Unidos em Taiwan - envolvendo a
bipolarização da Guerra Fria, a luta contra o comunismo, os interesses econômicos
e os valores compartilhados - são permanentes, mas o grau de avanço nesses
interesses na Ilha Formosa mudam de acordo com as posições e estratégias
governamentais. O foco de expansão da área de influência estadunidense em
direção ao Pacífico, por exemplo, iniciou com o governo de Barack Obama, passou
pela retórica de Donald Trump e agora avança com o governo de Joe Biden. Nancy
Pelosi também pode ser citada nessa relação, pois além de influenciar
diplomaticamente na questão taiwanesa, a presidente da Câmara de
Representantes também é influenciada por suas próprias questões ideológicas, já
que ela é reconhecida por seu ativismo em políticas progressistas e por suas duras
críticas ao regime chinês. Dessa forma, o avanço vagaroso de Biden em relação à
Taiwan se disfarça nas ideologias liberalistas de apoio democrático, mas nada mais
é do que uma garantia do poder de influência e de seus interesses no território. Em
relação à China, essa postura e as recentes movimentações deterioram ainda mais
as relações entre as duas potências e promovem uma escalada de tensão no que
muitos teóricos afirmam ser a futura terceira guerra mundial.

2) Baseando-se nos teóricos realistas clássicos, os teóricos do neorealismo


estrutural replicaram os pilares do realismo e incrementaram alguns conceitos,
como as vertentes defensivas e ofensivas. O neorealismo defende que a natureza
humana não mais é a responsável pela postura na tomada de decisões no sistema
internacional, mas a racionalidade dentro da anarquia desse conjunto, que faz as
unidades buscarem a mesma coisa - a sobrevivência - as obrigando a agir
imcubindo à auto-ajuda, não tendo outra alternativa para seguir. Além disso, essa
corrente defende que as questões internas de um Estado não irão interferir em sua
tomada de decisão, levando em conta a racionalidade, diferentemente da teoria
realista neoclássica. Kennedy Waltz (2002), um dos maiores representantes do
realismo defensivo, alega que por essas razões a postura mais racional a ser
adotada em um sistema onde tudo se pode perder é a de maximização da
segurança e manutenção do status quo. Já para John Mearsheimer (2001), a
resposta mais apropriada é a assegurada pelo realismo ofensivo, em que para
garantir sua sobrevivência e conquistar a hegemonia, as grandes potências devem
maximizar o possível o seu poder global.
De acordo com essa teoria, a reação chinesa às recentes movimentações
ocorridas por parte dos Estados Unidos em relação à Taiwan delimita que os
americanos são uma ameaça à sua soberania e sobrevivência no sistema
internacional, logo, ela deve agir à altura, garantindo seus interesses e a
manutenção do status quo com o príncipio da “uma só China”. Sob essa
perspectiva, dependendo da interpretação, a China pode ser vista tanto como
defensiva, por querer defender e manter o poderio que ela exerce sobre Taiwan e
seu status quo, assim como ofensiva, por fazer ameaças militares aos EUA e estar
disposta a “partir para o ataque” com qualquer Estado que ouse interferir nos
assuntos chineses.

“Offensive realism [...] believes that the international system forces great
powers to maximize their relative power because that is the optimal way to
maximize their security. In other words, survival mandates aggressive behavior.
Great powers behave aggressively not because they want to or because they
possess some inner drive to dominate, but because they have to seek more power
if they want to maximize their odds of survival.”

Como dito por Mearsheimer (2001, p.21) a garantia de sobrevivência exige


das potências um comportamento agressivo, não porque elas querem, mas porque
é necessário nessa competição por poder. Por essa razão, o comportamento
agressivo da China em tudo que se refere à Taiwan faz parte de seu mecanismo de
sobrevivência para lutar por sua permanência na estrutura do sistema internacional,
mesmo que isso signifique iniciar uma guerra contra uma das maiores potências
mundiais.

Natália Novacoski Silva


2110102804

REFERÊNCIAS
A Guerra Civil que deu origem às tensões entre China e Taiwan. Guia do
Estudante, 24 de ago. de 2022. Disponível em:
https://guiadoestudante.abril.com.br/atualidades/a-guerra-civil-que-deu-origem-as-te
nsoes-entre-china-e-taiwan/. Acesso em: 05 de nov. de 2022.

BLINKEN, Anthony J. National Security Defense of the United States of America.


Washington, 12 de out. de 2022.
China diz em recado velado que EUA serão 'esmagados pela história' devido a
Taiwan. Folha de São Paulo, 24 de set. de 2022. Disponível em:
https://www1.folha.uol.com.br/mundo/2022/09/china-diz-em-recado-velado-que-eua-
serao-esmagados-pela-historia-devido-a-taiwan.shtml. Acesso em: 05 de nov. de
2022.

KENNEDY, Paul. Ascensão e queda das grandes potências: transformação


econômica e conflito militar de 1500 a 2000. Rio de Janeiro: Campus, 1989.
MEARSHEIMER, John J. The Tragedy of Great Power Politics. W. W. Nanon &
Company, Inc., 500 Fifth Avenue, New York, 2001.

Taiwan e EUA assinam acordo de US$78 milhões para manter sistemas Patriot
da ilha. Sputnik News Brasil, 20 de out. de 2022. Disponível em:
https://sputniknewsbrasil.com.br/20221020/taiwan-e-eua-assinam-acordo-de-us-78-
milhoes-para-manter-sistemas-de-defesa-aerea-da-ilha-25484457.html. Acesso em:
05 de nov. de 2022.

WALTZ, Kenneth N. Teoria das Relações Internacionais. Gradiva, 2002.

ZAKARIA, Fareed. The future of american power: how America can survive the
rise of the rest. Foreign Affairs, mai/jun. de 2008. Disponível em:
http://www.foreignaffairs.org/20080501facomment87303/fareed-zak. Acesso em: 05
de nov. de 2022.

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