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Introdução

Renildo Souza

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RENILDO, S. Introdução. In: Estado e capital na China [online]. Salvador: EDUFBA, 2018, pp. 15-25.
ISBN 978-85-232-2002-0. https://doi.org/10.7476/9788523220020.0002.

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Introdução

As grandes transformações contemporâneas na China são o ob-


jeto da avaliação crítica exposta neste livro. A crítica à viragem
sistêmica em favor do capital, independentemente do desejo e das
intenções proclamadas pelos dirigentes chineses, não empana o 15

brilho dos impressionantes êxitos do desenvolvimento econômico


e tecnológico, bem como o crucial papel do Estado chinês na rever-
são da dominação geopolítica unipolar dos Estados Unidos. Neste
sentido, a ascensão da China na ordem internacional engendrou
possibilidades, alternativas e oportunidades de relação internacio-
nal para os países periféricos em contraste com a agressividade po-
lítica e militar do imperialismo estadunidense.
O Partido Comunista da China, na III Sessão Plenária do 11º
Comitê Central, em dezembro de 1978, justificou o lançamento da
assim chamada reforma econômica como uma modernização socia-
lista. A hegemonia do projeto de reformas dependeu de crenças,
expectativas e pragmatismo. Assim, a empreitada modernizadora
seria levada à prática pelo capital (nacional, inclusive da diáspora
chinesa, e estrangeiro) e pelo Estado (política econômica desenvol-
vimentista, crédito, subsídios, infraestrutura), que atuariam como

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parceiros e protagonistas. Em vez de restauração ou renovação


do capitalismo na China, entendeu-se que a estratégia seria usar
o capitalismo, aproveitar seu capital, tecnologia e mercados, para
construir seu antípoda, o socialismo. Forjou-se a compreensão
de que sem a rigidez importada do velho modelo soviético e sem
o voluntarismo dos grandes planos maoístas tratava-se de respei-
tar as condições particulares da China, construindo-se aquilo que
veio a receber o título de “socialismo com características chinesas”.
Na medida em que avançava a reforma chinesa, o título foi mudan-
do, cada vez mais, para “socialismo de mercado”.
A ideia, simplista, é que o grande erro da economia do socia-
lismo real foi a oposição entre plano e mercado, ou dito de outra
forma, socialismo sem mercado. Afora essas questões, no período
recente da China também se mantém o importante e justo apelo
da unidade nacional, com o retorno já conquistado de Hong Kong
e Macau e a exigência de reunificação com Taiwan. A restauração
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da integridade nacional forçou, de certa forma, ao recurso de habi-
lidade política manifestada no modelo de “Um país, dois sistemas”.
A integridade, a soberania e o desenvolvimento da grande nação
chinesa têm especial importância na resistência à globalização neo-
liberal desejada e imposta ao mundo pelo imperialismo norte-ame-
ricano. Nesse processo, transparece a retórica nacionalista do res-
gate do papel grandioso da China, em seu passado milenar, como
o famoso e poderoso Império do Meio.
Do ponto de vista do contexto internacional, há uma coinci-
dência conjuntural interessante: as reformas chinesas começaram
em 1979, no mesmo ano em que Margareth Thatcher torna-se a
governante da Inglaterra, e no ano seguinte, 1980, Ronald Reagan
elege-se presidente da República dos Estados Unidos. Ambos go-
vernantes – Thatcher e Reagan – apareceram como campeões da
doutrina política e ideológica do neoliberalismo e líderes da reno-
vada cruzada anticomunista.

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As mudanças na China ocorrem em uma época mundial em


que são marcantes a derrota do socialismo real na União Soviética
e nos países do Leste Europeu, a hegemonia do capitalismo neoli-
beral e as diversas facetas da mundialização do capital. Há domi-
nação esmagadora da finança de mercado no mundo, expansão de
conglomerados financeiros e produtivos globalmente, recusa vee-
mente do papel do Estado na regulação da busca do desenvolvi-
mento econômico e social. Predominam, sobretudo, preconceitos
e negação referentes aos direitos democráticos e sociais dos traba-
lhadores. Persiste a intolerância em face da legitimidade das lutas
sociais concretas.
O ambiente político predominante deixa visível a noção he-
gemônica de que já teria sido provada cabalmente a inviabilidade
do socialismo em substituição ao capitalismo. O socialismo seria
uma página virada. Seria ociosa e anacrônica a discussão sobre mo-
delos de renovação social radical. Nessas circunstâncias, avalia-se
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que seja uma audácia propor, no mundo de hoje, o debate sobre a
China, do específico ponto de vista da questão da preservação ou
não do socialismo. Nesses tempos difíceis, é preciso voltar a dizer
que a liberdade de pesquisa, a abertura para o debate e a exposição
das divergências, considerando o exame realista e o reconhecimen-
to das contradições e evolução econômica e social do capitalismo,
são fatores indispensáveis para o avanço do conhecimento. Se essa
perspectiva epistemológica é negada, mergulha-se, então, no dog-
matismo, estagnação teórica, preconceitos, vulgarização científica,
pensamento único pró-capital.
Portanto, tratando-se da China, seria impossível renunciar
à discussão do socialismo. É inaceitável qualquer tipo de subes-
timação do debate sobre a questão do socialismo chinês. O pano
de fundo das reformas chinesas, chamadas por Deng Xiaoping
de modernização socialista, consiste no exame das contradições e

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fracasso do socialismo na China, como projeto e como experiên-


cia, em associação com as visões sobre o mercado.
Como se sabe, não há, nem nunca houve, mercado sem Estado
no capitalismo. A rigor, o conceito de intervenção do Estado na
economia não faz muito sentido. O Estado e as lutas sociais já são
parte integrante do funcionamento da economia, sempre. O capi-
tal tem suas leis de movimento, tem sua dinâmica própria de acu-
mulação, lucro, competição e crises, tem sua determinação sobre
o caráter da sociedade. Mas não há ordem natural. É tudo social e
histórico. É claro que, na economia, a forma institucional e a for-
ça da regulação do Estado são cruciais, mudam muito e ajudam a
configurar os distintos momentos históricos. Nesse sentido, o pro-
cesso de modernização chinês retoma e atualiza os debates sobre
plano e mercado como princípios de regulação da economia. Em
vez da integral alocação administrativa de recursos, no sentido das
decisões centralizadas no Estado, avança, passo a passo, a alocação
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mercantil dos mesmos.
Além da instrumentação da relação entre Estado e mercado, na
China contemplam-se os extraordinários feitos da bem-sucedida
modernização econômica em curso. Assim, na trajetória chinesa
contemporânea, as reformas pretendem, aparentemente, combinar
socialismo e nacional-desenvolvimentismo, cujas lógicas têm natu-
rezas distintas, com variadas configurações de interesses sociais, e
representam formas organizacionais da sociedade com diferentes
níveis de complexidade e abrangência. O nacional-desenvolvimen-
tismo foi um modelo da periferia capitalista, no período de 1930 ou
1950 até 1980, que almejou o desenvolvimento econômico e social
em rivalidade com o capitalismo periférico dependente, que se vin-
culava ao imperialismo norte-americano e aos interesses oligárqui-
cos nativos em cada país. É claro que ainda hoje o grande capital,
a partir das suas matrizes nos Estados Unidos e Europa Ocidental,
opõe-se ao projeto do nacional-desenvolvimentismo. No contexto

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histórico contemporâneo, desde a década de 1980 e no curso do sé-


culo XXI, o grande capital força sua liberdade global de movimento
e acumulação e rivaliza com a regulação de poderosos estados na-
cionais, como é o caso da China.
No clima político de liberalismo mundial, a partir dos anos 1980,
surgiram posições extremadas em defesa do mercado. Pretende-se
que, nas novas condições do mundo, bastaria contemplar o dia a dia
da administração econômica, regida pelo espontaneísmo mercantil,
e colher seus resultados naturais e inelutáveis. Propaga-se uma
compreensão simplista e equívoca de que a instituição mercantil,
como condutora da economia, comprovou-se como inarredável
e absoluta, sem mediações. O mercado – imaginário e imaginado
– é apresentado como a chave pura, perfeita e exclusiva para a
alocação de recursos, eficiência, incentivos, progresso técnico e
satisfação da soberania e preferências dos consumidores. Essa visão
bloqueia questionamentos sobre a irracionalidade da finalidade
19
do lucro, com subordinação do atendimento das necessidades
sociais. A atual exaltação da ideologia do mercado e do capital
amplia a subestimação ou negação do desperdício de recursos e
dos perigos ambientais, do consumismo, das desigualdades sociais
e da exploração da força de trabalho, da oligarquia nas estruturas
de poder nos estados e nas empresas, da volta dos preconceitos e
conflitos raciais, étnicos, religiosos etc.
Diante disso tudo, cabe se conformar com uma visão de mundo
apologética do capitalismo, com uma interpretação de simplicida-
de e de estado estacionário e de quietude do mundo, sem conflito
entre classes, interesses, aspirações? E como se situa a China nesse
contexto? O que é, essencialmente, a transformação chinesa hoje?
O que se passa ali, como se desdobram seus processos políticos e
econômicos? Quais as suas implicações e perspectivas, nesse con-
texto mundial de capitalismo de mãos desembaraçadas? Em que
a China contesta ou confirma os movimentos hegemônicos, nas

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suas atuais formas, no mundo? O que significa capitalismo e so-


cialismo para a China hoje? O prazo decorrido de quatro décadas
de reformas na China já oferece amplas possibilidades, evidências,
para a investigação sobre a natureza, as tendências e as implicações
desse importantíssimo processo de mudanças.
As reformas na China e, sobretudo, seu prolongado e acelerado
crescimento econômico, atraem cada vez mais a atenção do mun-
do, inclusive, obviamente, do Brasil.1 “A irrupção da China como
potência econômica e política é fator de primeira ordem na con-
figuração das relações sistêmicas mundiais”. (CHESNAIS, 2005,
p. 21) Esse autor chega a afirmar que a China, juntamente com os
Estados Unidos, conforme seus interesses, impôs novas condições
econômicas mundiais, que devem ser observadas pela maioria dos
países. Robert Skidelsky (2006, p. 22) exaltava a grandiosidade do
fenômeno econômico chinês:

20 A ascensão da China se transformou no principal tó-


pico de discussão sobre o futuro do planeta. O século
XXI será o século da China? O avanço chinês ocorre-
rá de modo pacífico ou violento? A China já fazia por
merecer essa atenção há algum tempo. Nos últimos
25 anos, a economia do país cresceu mais de 9% ao
ano, tornando-se oito vezes maior. Mas não é só essa
enorme cifra que impressiona e assusta. É o tama-
nho de uma economia em crescimento. A economia

1
Esse interesse, despertado pelo processo econômico chinês, além de sua
emergência como polo de poder regional e internacional, ficou patenteado,
entre nós, no Brasil, por exemplo, pela missão brasileira à China, encabeçada
pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, com um recorde de comitiva, que
contou com mais de 400 empresários, sete governadores, cinco ministros,
parlamentares e representantes diplomáticos, em maio de 2004.

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chinesa, em termos de poder de compra, chega a dois


terços do tamanho da americana.

Quase tudo que se diz das reformas da China refere-se, sobre-


tudo, (i) à admiração mundial diante de seu extraordinário cres-
cimento econômico, (ii) à natureza de sua política econômica em
contraste com o neoliberalismo, ou (iii) ao papel da China como
protagonista político mundial, inclusive como contenção potencial
da dominação unilateral dos Estados Unidos, globalmente. Tudo
isso é muitíssimo importante. Reconheça-se que a apreciação sobre
a “política econômica” do Estado chinês, o denominado Consenso
de Pequim, em contraste ao Consenso de Washington, é um tema
que, com justiça, suscita muita atenção no mundo às voltas com
as tragédias do neoliberalismo. A questão da positiva contribuição
chinesa para a construção sistêmica do multilateralismo nas rela-
ções internacionais, hoje, também deve ser reconhecida, porque: i)
a China é um Estado que poderá ajudar, mundialmente, na busca 21

da paz e de melhores condições para a luta pelo desenvolvimento


econômico e o progresso social, ao favorecer a interdição do unila-
teralismo e do belicismo dos Estados Unidos; e ii) a China já é um
dos principais protagonistas do século XXI em todas as dimensões
do sistema mundial.
Contudo, não obstante a relevância desses temas, o livro que
ora se apresenta tem como foco uma questão de fundo, no que diz
respeito à China: as reformas do Estado e da economia referentes
à negação do socialismo e à expansão da dominação do capital.
Nessa perspectiva, é preciso não se limitar, por exemplo, à variação
espetacular do Produto Interno Bruto (PIB), mas debater a questão
sistêmica acerca do capitalismo e do socialismo na China hoje.
Incorrer-se-ia em uma manifestação de pensamento metafísico,
uma avaliação do crescimento econômico chinês, ou de sua
política econômica, isoladamente, em si mesmos, em separação e

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ESTADO E CAPITAL NA CHINA

descolamento do seu passado revolucionário e da disputa entre


socialismo e capitalismo na sociedade chinesa.
No estudo sobre as transformações atuais na China é preciso
ter como ponto de partida a experiência do socialismo real, com
suas contradições e impasses. Mao Zedong (2003c, p. 83), o principal
dirigente da revolução chinesa, sempre repetia, insistentemente:
“Só o socialismo pode salvar a China”. Nesse sentido, há que se ter
em conta que a China hoje, através das autoridades do Estado, se
proclama como um país de socialismo de mercado.2 Esse mesmo
Estado adota reformas que repõem o debate sobre a natureza do
sistema social no país. Há um processo mais geral de estruturação
da pluralidade de capitais chineses e estrangeiros dentro da
economia chinesa. Além da superfície do mercado e do fenômeno
do crescimento econômico, é preciso compreender a essência e a
profundidade do enraizamento crescente de todas as extensas e
múltiplas determinações características da dominação do capital,
22
com o recrudescimento da divisão da sociedade em classes sociais.
A complexidade das transformações na China exige a inves-
tigação com visão de totalidade e flexibilidade interdisciplinar,

2
Este presente estudo tem como foco a experiência da China e não adentra o
chamado socialismo de mercado da Hungria e da Polônia, nas décadas de 1970
e 1980 com características muito distintas (por exemplo, forte restrição à ex-
ploração de trabalho assalariado alheio) do atual curso chinês. (FERNANDES,
2000, p. 46) Apesar da importância das citadas experiências e ainda das tenta-
tivas de reformas na URSS, com o programa de Kossiguin nos anos 1960, ou a
perestroika, com Mikhail Gorbachev, esclareça-se que o objeto deste estudo
foi delimitado e circunscrito às experiências da própria China. No caso da
apreciação da Nova Política Econômica (NEP) na URSS, para o estudo com-
parado, cabe observar os contextos muito distintos, no debate sobre as con-
tribuições fundamentais e profundas na teoria sobre a transição socialista e
os problemas do plano, mercado, desenvolvimento econômico, propriedade,
Estado, democracia, economia mundial e revolução mundial.

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articulando os aspectos históricos, políticos, econômicos e sociais


na explicação das políticas e das formas das mudanças institucio-
nais e gestoriais do Estado e da economia chinesa.
Ralph Miliband advertia que os “marxistas e socialistas em
geral sempre tenderam a subestimar os problemas decorrentes da
organização e da administração de uma sociedade pós-capitalis-
ta”. (2000, p. 101) Lênin percebeu, amargamente, depois, o erro em
simplificar a administração da economia socialista. Essa simplifi-
cação apareceu, na véspera da Revolução de Outubro, em seu livro
O Estado e a Revolução, nos seguintes termos,

[...] a imensa maioria das funções do velho ‘poder


de Estado’ simplificou-se de tal maneira, e pode ser
reduzida a operações de registro, inscrição, controle
tão simples, que essas funções estão completamente
ao alcance de qualquer pessoa alfabetizada”. (LÊNIN,
1980b, p. 251) 23

Organizaremos a grande produção partindo do que


já foi criado pelo capitalismo, [...] reduziremos o pa-
pel dos funcionários públicos à simples execução
de nossas instruções, como ‘chefes de seção e con-
tadores’ com obrigação de prestar contas, em cargos
revogáveis e modestamente pagos (naturalmente
com técnicos de todos os gêneros e níveis). (LÊNIN,
1980b, p. 255)

O modelo da Comuna de Paris explicitava a democracia direta,


cargos revogáveis, ínfima diferença salarial, unificação no mesmo
corpo estatal das tarefas executivas e legislativas. A ruptura com a
burocracia no poder e a criação de um novo Estado, sob controle
dos trabalhadores, seriam, na prática, no entanto, um desafio e
uma empreitada de extrema complexidade. Mostrou-se muito
mais difícil, na prática, a previsão acerca da extinção, gradual, do

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“governo sobre as pessoas”, restando apenas a administração das


coisas, da produção.
No caso da China, Yiching Wu (2005, p. 62) defende que

[...] uma dupla crítica coerente – uma crítica tanto do


capital quanto do Estado, tanto da acumulação econô-
mica quanto do poder burocrático, e uma compreen-
são ampla das suas conexões estruturais e históricas
– é uma tarefa imperiosa e possível.

Nessa linha, então: quais são as principais relações entre a re-


forma do Estado e a dominação do capital na China pós-1978? O
que mudou? Por quê? Como? Quais implicações? “Mais de um
quarto de século depois que a China se lançou no caminho do
mercado, é hora de uma avaliação rigorosa e de fazer algumas per-
guntas cruciais”, já enfatizava Yiching Wu, em 2005.
24
Portanto, o caso chinês pode ser enfocado segundo dois eixos:
o Estado – no que diz respeito à sua reforma econômica, ao recuo
de um tipo socializante da planificação (na suposta e explícita for-
ma da tentativa de construção socialista), à mudança do tipo de
regulação estatal na economia, ao declínio relativo do setor pro-
dutivo estatal, à evolução das suas relações internacionais; e a
dominação do capital – examinando as novas relações sociais de
produção, geradas a partir: da liberdade e poder decisório empre-
sarial; do avanço das variadas formas de privatização, em seu peso
e relevância na estrutura produtiva e no desempenho econômico;
das mudanças no mercado de trabalho, na gestão e disciplina da
força de trabalho; da exploração dos trabalhadores e aumento das
desigualdades sociais e regionais; e da hegemonia da ideologia bur-
guesa na sociedade.
A ideologia, a teoria e o método combinam-se significativa-
mente nas apreciações sobre as transformações de fundo por que

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passa a China. Carlos Medeiros (1999, p. 92) reconhece que: “Como


não poderia deixar de ser, o debate sobre a China é realizado com
altas doses de ideologia”. Ressalve-se que, a despeito da alegação
geral comum, da concordância, entre alguns autores marxistas,
sobre a justeza do emprego do instrumental do materialismo his-
tórico para o estudo da China, constatam-se apreciações muito
divergentes. Por exemplo, Martin Hart-Landsberg e Paul Burkett
(2004) apontam a restauração capitalista na China. Mas Domenico
Losurdo (2004, p. 194) assevera, categoricamente, a natureza socia-
lista da transição chinesa atual, e diverge radicalmente dos críticos
de esquerda:

Para estimular a malevolência, a esquerda, em rela-


ção à República Popular da China, contribui com a
tese, largamente difundida, segundo a qual naquele
país já se teria verificado uma completa restauração
do capitalismo. 25

Para compreender a China contemporânea, não se pode per-


der de vista a comparação entre o período maoísta e a fase das re-
formas pós-1978. Nesse sentido, é a própria China – sua história,
economia, sociedade e instituições – que constitui o material de
contraste e esclarecimento entre dois períodos históricos diferen-
tes, mas intimamente relacionados. Sheying Chen (2002, p. 199)
considera que: “Os problemas políticos, econômicos e sociais da
China, portanto, precisam ser estudados nos termos de suas duas
principais fases de desenvolvimento, isto é, antes e depois de 1978”.

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