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GLOBALIZAÇAO E DEMOCRACIA ­

',,:

Professora do Departamento de Política e do Programa de Estudos Pós­Graduados em Ciências Sociais da PUC/SP.

agenda política nos anos 90 so- uma dinâmica mundial, à programas econô-

A fre profundas alterações. Não se


trata mais de discutir questões
como a transição e nem a viàbilidade ou ne-
micos pré­estabelecidos pelas agências finan-
ceiras internacionais. Tal redefinição dos Es-
tados repercute diretamente no funcionamento
cessidade de um regime democrático. O gran- do regime democrático.
de tema que orienta tanto as discussões cien- A democracia para aqueles que assu-
tíficas, quanto as propostas de governo, é mem a perspectiva deste processo e que in-
dado pela adoção de projetos de desenvolvi- corpOl'aram a ideologia neoliberal, é conside-
mento econômico, face ao processo de globa- rada como um regime político causador do
lização. Na área da Ciência Política, aparecem crescimento dos gastos do Estado, devido às
discussões que tem como objetivo, entre ou- pressões de setores organizados da sociedade,
tras questões, a de rever as funções do Esta- que querem ver suas demandas incorporadas
do, dos partidos políticos e de outras institui- pelo Estado.
ções, diante desta nova etapa de desenvolvi- Quais são as conseqüências da globali-
mento do capitalismo internacional. zação para o regime democrático? Com rela-
O termo globalização vem merecendo ção à essa questão, pode­se arrolar a reflexão
vasta produção bibliográfica e discussões de alguns autores: David Held, Perry Ander-
acaloradas no meio acadêmico e intelectual. 'son, Atilio Boron, Bolivar Lamounier, José
De forma geral, tendo em vista avaliar os Luís Fiori, Carlos Estevan Martins.
efeitos sobre a Democracia, pode­se sintetizar David Held, em seu artigo "A Demo-
a globalização como um processo de interna- cracia, o Estado­nação e o Sistema Global",
cionalização da produção capitalista, de des- afirma que vivemos um paradoxo, pois ao
envolvimento das comunicações e tecnologia, mesmo tempo em que o regime democrático
de redefinição da divisão internacional do tra- ganha novos adeptos no sistema mundial, pre-
balho, do aumento exacerbado do poder das senciamos o questionamento da eficácia da
agências financeiras internacionais, das em- democracia: "As nações proclamam­se demo-
presas transnacionais, processo esse acentua- cráticas no momento em que mudanças no
do principalmente a partir dos anos 70. âmbito da ordem internacional comprometem
Convém atentar para o fato de que este a possibilidade de um Estado­nação demo-
processo não deve ser compreendido como se crático independente" (HELD, 1991: 146).
desenvolvendo em um único sentido, uma vez As premissas da Teoria da Democracia,
que coexistem a valorização das especificida- na avaliação de David Held, são as seguintes:
des locais, quanto a manifestação do fenôme- existência de unidades auto­suficientes, sepa-
no da segmentação, da produção. radas umas das outras, e as mudanças ocorri-
Este processo de globalização, especifi- das num regime democrático responderiam
camente ocidental, entendido enquanto ex- aos requisitos de ordem interna, expressando
pansão do capitalismo à vários cantos do pla- a atuação dentro do Estado­nação. Porém es-
neta, provoca novos arranjos nos Estados- sas premissas começaram a ser questionadas,
nação, alterando funções, atribuições e a au- pois vive­se em um período de predomínio
tonomia destes Estados, agora subordinados à da dinâmica da economia mundial, que en­

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volve mudanças no plano do direito internaci- tanto, consideram necessano o estabeleci-
onal e no crescimento das ligações transnaci- mento de uma disciplina orçamentária, priori-
onais. zando a diminuição com os gastos sociais.
O autor tem como preocupação mostrar Nesta concepção, as reformas estruturais (fis-
que apesar das mudanças ocorridas nas demo- cal, tributária, administrativa) seriam funda-
cracias hoje, decorrentes do processo de glo- mentais para enxugar a máquina administrati-
balização, não existem reflexões sobre as im- va do Estado. Com esses mecanismos estrutu-
plicações deste processo e uma teorização ne- rados, e com o livre jogo do mercado, a eco-
cessária para analisar estas alterações. nomia capitalista voltaria a crescer, às custas
A nova ordem internacional pressupõe do aumento da desigualdade, avaliada como
um sistema econômico global, uma rede de necessária para quebrar o poder dos sindica-
relações transnacionais e de comunicações, tos, e frutífera para dinamizar as economias.
crescimento de organizações e regimes inter- Segundo Perry Anderson, uma conse-
nacionais, desenvolvimento de uma ordem qüência direta desta política é o aparecimento
militar global, elementos esses que ignoram, de altas taxas de desemprego, considerado
ou escapam dos Estados-nação. Na avaliação como 'natural', pois este seria concebido
de David Held: " ... a significação dos proces- como um mecanismo necessário de qualquer
sos atuais de decisão democrática tem de ser economia de mercado. Portanto, nesta pers-
considerada no contexto de uma sociedade pectiva, o Estado deixaria de exercer um pa-
multinacional, multilógica e internacional, e pel de interventor, restringiria sua atuação às
no contexto de um enorme elenco de institui- áreas de educação, saúde, segurança e trans-
ções já existentes ou em vias de nascer, regio- portes. Para isso, deveria enxugar ao máximo
nais e globais, políticas econômicas e cultu- sua administração, promovendo as privatiza-
rais, instituições essas que transcendem e me- ções de suas empresas, e se caracterizando
diam as fronteiras nacionais" (HELD, 1991: como um Estado mínimo.
160). Na avaliação de Atilio Boron, as críti-
Apesar destas mudanças, Held afirma cas feitas contra o Estado interventor pelos
que o processo de globalização não é homo- neoliberais são infundadas, pois as economias
gêneo e, a inserção dos Estados-nação é dife- capitalistas dos países europeus só cresceram
renciada a este processo, o que pressupõe a graças à intervenção do Estado e ao aumento
persistência de sua capacidade de formular com os gastos sociais. Falar hoje da crise das
orientações políticas nas ordens interna e ex- democracias e da ingovernabilidade é fazer
terna. Portanto, o que prevalece é uma sobe- um discurso conservador, visando destruir os
rania afetada e uma autonomia estatal limita- regimes democráticos. Será necessário dimi-
da. nuir o Estado? Mudanças são necessárias, re-
Esse processo de globalização tem uma formas devem ser executadas, mas não às
ideologia, o neoliberalismo, que segundo Per- custas da contenção indiscriminada dos gastos
ry Anderson, é uma reação teórica e política sociais.
contra o Estado interventor e de bem-estar. As Boron defende o fortalecimento do Es-
idéias neoliberais começam a ganhar destaque tado, o aprofundamento das reformas sociais,
com a crise do sistema capitalista, a partir dos porém não nega que a democracia na América
anos 70. As críticas dos neoliberais são dirigi- Latina possui sérios problemas, como: au-
das ao aumento do poder do Estado, ao poder mento da violência e criminalidade; decom-
dos sindicatos e do movimento operário, e ao posição social e anornia; crise e fragmentação
crescente gasto público com questões sociais. dos partidos políticos; ineficácia do Estado;
A saída apontada pelos neoliberais co- poder maior do Executivo; isolamento da
meça pela estabilidade monetária, visando classe política; impunidade aos crimes sociais
conter os altos índices inflacionários. Para políticos e econômicos efetuados pelas elites;

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ressentimento e frustração das massas; cor- Lamounier acredita que num futuro
rupção do aparelho estatal e de certas esferas próximo predominarão países com regimes
da sociedade civil; submissão do Congresso democráticos, com sistemas partidários menos
ao Executivo; problemas com a Justiça. ideológicos e menos coesos, partidos mais
A concepção de democracia para Bo- pragmáticos, com menos antagonismos ideo-
ron, envolveria não só uma democracia políti- lógicos. Apesar do otimismo do autor, o que
ca, mas social e econômica, e neste sentido o se presencia é uma crescente dependência dos
papel do Estado seria fundamental, enquanto "Estados-nação" ao sistema financeiro inter-
redistribuidor de rendas, visando minimizar as nacional, a vigência de uma democracia polí-
desigualdades sociais. tica, sem a eliminação das desigualdades eco-
Se existe esta proposta de enxugamento nômicas e sociais. A busca do "consenso" e a
da máquina estatal e a contenção dos gastos eliminação das diferenças ideológicas, avalia-
sociais para os países da América Latina, e das positivamente pelo autor, provocará a
todas as conseqüências decorrentes deste pro- destruição da democracia, pois esta pressupõe
cesso, o mesmo se pode afirmar sobre o paí- a divergência, a convivência das diferenças,
ses que fazem parte da União Européia. O ou como afirma José Luís Fiori, devemos
Tratado de Maastricht tem como objetivo buscar o "dissenso", pois o desaparecimento
prescrever uma política para os estados euro- das diferenças significa o desaparecimento da
peus se adequarem às normas estabelecidas democracia.
por este tratado, implicando em austeridade, Deve-se concordar, no entanto, que
estabilidade e contenção dos gastos públicos. ocorreu, com esse processo de globalização,
Um outro dado a ser acrescentado neste uma alteração no funcionamento dos partidos
processo é o significado da globalização para políticos. Os partidos de massa, de militantes,
a democracia representativa. As autoridades deixou de existir, predominando o partido que
eleitas estão perdendo o seu poder em decor- disputa as eleições, dentro do ciclo parla-
rência da hegemonia dos planos econômicos mentar/eleitoral, e o político pré-fabricado por
traçados pelas grandes agências financeiras uma indústria de marketing político.
internacionais. Na avaliação de Bolivar La- "Nas democracias contemporâneas, di-
mounier o resultado desta processo de globa- versificam-se e multiplicam-se os canais
lização leva: ao fortalecimento de Executivo, abertos a essa participação (política), fenôme-
com aclamação plebiscitária para os executi- no que atesta a sua vitalidade. Dentre tais ca-
vos que promovam reformas liberais; tendên- nais, destacam-se alguns meios de comunica-
cia à existência do "govemo por decreto", si- ção de massa" (TÓTORA e CHAIA, 1993:
gnificando existir o uso e abuso de instru- 40). Além da proliferação de ONOs (Organi-
mentos excepcionais - decretos-leis, medidas zações não Govemamentais), de Igrejas, pre-
provisórias -, utilizados devido à relativa ine- senciamos, portanto, o fortalecimento da mí-
gociabilidade das propostas de reforma. No dia, que ocupa um espaço da esfera política,
entanto, Lamounier reconhece que a globali- antes restrita aos partidos políticos.
zação produzirá dois efeitos benéficos para a No atual período democrático, frente ao
democracia, no médio prazo: "1) a conver- processo de globalização, deve-se avaliar o
gência (ou pelo menos a redução do antago- impacto do fortalecimento dos meios eletrôni-
nismo) nas ideologias econômicas; 2) a con- cos de comunicação de massa.
vergência de países engajados em processos A preocupação com a relação entre de-
de integração supranacional no sentido de mocracia e sociedade de massa foi apontada
uma mesma forma político-constitucional, originariamente, de maneira significativa, por
que sem dúvida será a democracia" Alexis de Tocqueville no final do século XIX,
(LAMOUNIER, 1996: 7). preocupado então em detectar os obstáculos
ao funcionamento da Democracia, expressos

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tanto na tirania da maioria, quanto na valori- lação de complementariedade entre a esfera
zação da igualdade em detrimento da liberda- da política e o sistema de mídia, também
de, entre os norte-americanos. A escola de pode-se perceber a existência de tensões, à
Frankfurt, na primeira metade do século XX, medida em que a mídia pode desqualificar, ao
politiza também essa discussão situando a in- generalizar ou informar parcialmente, a ativi-
dústria cultural no interior das relações capi- dade política, ao investir contra parlamentares
talistas. Nos anos 60, Marshall Mcluhan cha- e outros agentes políticos, sejam eles indiví-
ma a atenção para o caráter revolucionário da duos ou organizações.
mídia ao afirmar que o mundo é uma "aldeia Não se quer com isso afirmar que o
global", com a comunicação eletrônica e a desprestígio, ou a rejeição aos políticos e à
produção de informação circulando sem algumas instituições democráticas seja decor-
fronteiras. rente diretamente do poder manipulador da
Recentemente, Paul Virilio contribui mídia, mas problematizar os limites que equi-
para essa discussão, conceituando a "guerra libram críticas e manutenção de valores ou
eletrônica total", no interior do qual a veloci- instituições democráticas. Uma pergunta pode
dade absoluta fundamenta uma nova situação ser feita: quem controla a mídia? O peso polí-
autoritária, onde a produção e o consumo dos tico dos meios de comunicação é muito gran-
produtos da mídia colocam em risco a demo- de nesta etapa da globalização, assim se toma
cracia, uma vez que impede a reflexão, a par- importante debater o sentido das transforma-
ticipação, sendo que os valores são impostos ções experimentadas pelo sistema político e
pelos meios de comunicação. pelo sistema midiático, tendo em vista a pre-
Também Regis Debray ao propôr a mi- servação e fortalecimento da sociedade demo-
diologia como disciplina afirma que no atual crática.
"Estado-Sedutor", que deu lugar ao "Estado- As reflexões aqui propostas sobre a rela-
Educador", a política passa a depender da tec- ção Globalização e Democracia, embora inci-
nologia, reduzindo assim o papel desempe- pientes, são importantes para se compreender
nhado pelos políticos na atual sociedade, uma a relação entre a política e a nova ordem
vez que deve sujeitar-se às máquinas de co- mundial.
municação.
Neste cenário contemporâneo, busca-se
então abordar o poder da mídia - estruturador
de um campo simbólico, com enorme signifi-
cação no âmbito das conjunturas ou disputas Professora do Depto. de Ciências Sociais da DEL
políticas -, sob condições de vigência da De-
mocracia em uma época de globalização in-
tensiva. A mídia deve ser compreendida en- , 'Globalização e democracia:
quanto fonte geradora de sistemas de repre- novos desafios à mídia
sentação da realidade, utilizados seja para brasileira", foi uma mesa
compreender a sociedade ou para acionar di- que você coordenou na 48 3 SBPC. Segundo
ferentes formas de ações. reportagem publicada na Folha de São Paulo,
Mesmo ao se considerar a impor- era detectável uma visão pessimista sobre as
tância da mídia no controle dos poderes polí- possibilidades da democracia em uma socie-
ticos e, portanto, sua contribuição para a ma- dade globalizada. Isto era visível nas falas de
nutenção de experiência democrática e para a Venício Lima, da UNB e de Gabriel Cohn, da
liberdade, um ponto fundamental a ser assi- USP.
nalado refere-se ao fato de que a mídia, em Havia um consenso entre os debatedores
determinados momentos, reforça as críticas às de que a mídia ocupa hoje um papel de van-
instituições políticas democráticas. Numa re- guarda no processo de globalização, por isso,

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Gabriel Cohn afinnava que seria preciso in- riam, assim, continuamente, incompatíveis

I
verter a agenda liberal. Ou seja, teríamos de com um mundo globalizado?
"criar algum mecanismo público ou governa- N as economias globalizadas os Estados
mental capaz de controlar esses meios de nacionais e as instituições políticas estão pas-
comunicação que tinham a tarefa de controlar sando por severos reajustes, isto leva, sem
os governos". dúvida, a alterações substanciais, tendo em
Você considera que a nova configuração vista que se caminha para um processo de
da mídia (como afinnava neste mesmo debate perda das possibilidades de se tornar decisões
o jornalista Marcelo Coelho, a mídia "por um políticas no âmbito destes Estados. Nestas
lado impulsiona o processo de desterritoriali- condições, quais seriam as possibilidades de
zação e, por outro, cria uma 'democracia de se falar em democracia, enquanto publiciza-
supermercado"'), na economia globalizada é ção das relações sociais, ou seja, enquanto
uma ameaça à democracia? processo contínuo de expansão do espaço pú-
A idéia de democracia que emerge na blico?
sociedade moderna com Rousseau, Montes- Qual o prognóstico para a democracia
quieu, por exemplo, se consubstancia com a que poderíamos fazer no mundo atual? A
idéia de liberdade e de igualdade. No entanto, democracia supõe a existência de um debate
o processo de globalização e de expansão de público. No entanto, assiste-se a um processo
um mundo de alta tecnologia leva a um pro- de crescimento da impossibilidade de que
cesso de implosão desta consubstancialidade? uma grande camada da população de inúme-
(Isto seria ligado, também, ao processo ros países (do chamado 3° mundo, por exem-
de quem controla a infonnação, nesta socie- pIo) tenha acesso e compreensão de questões
dade. A liberdade de controlar a infonnação complexas que interferem quotidianamente
está nas mãos de alguns, e isto não implodiria em suas vidas?
a consubstancialização entre democracia e (Por ex. a política neoliberal, o chamado
liberdade, por exemplo?) consenso de Washington, etc.. Qual a per-
Christopher Lash em A rebelião das centagem da população que sabe do que isto
elites e a traição da democracia nos diz que se trata? E são questões que interferem dire-
"as novas elites, que incluem não só gerentes tamente em suas vidas).
de empresas, mas todos os profissionais que Para falar em democracia no mundo
produzem e manipulam infonnações - a alma globalizado é preciso deixar claro de qual
do mercado global - são migratórias. A sua perspectiva estamos falando, ou seja, a qual
visão de mundo é essencialmente a de um tu- democracia nos referimos . Se é de uma de-
rista" . Ele afirma que não há por parte desta mocracia elitista (aquela que se desenvolveu
elite qualquer dedicação à questão da demo- desde o início do século XX com Pareto,
cracia. Mosca, etc. e depois seguiu com Schumpeter,
Você concordaria com isso, ou seja, de Sartori, Lipset, Dahl, etc ..), poderíamos con-
que estas novas elites, no mercado global; es- ceber que o mundo globalizado geraria ou in-
tariam contribuindo no sentido de soterrar a ventaria uma nova democracia de elite, ou
possibilidade de democracia? seja, urna democracia somente para alguns
Numa economia de mercado global há que estivessem incluídos, de alguma forma,
uma tendência em acentuar o consumo supér- inclusive como consumidor, no mercado glo-
fluo entre algumas camadas da população. bal. Seria, então, a elitização da democracia
Em países como o Brasil, por exemplo, em elitista. Dentro desta perspectiva o prognósti-
que este consumo supérfluo é combinado com co para a democracia é um.
uma crescente miserabilidade de uma enorme Qual é o prognóstico da democracia no
maioria, os ideais democráticos não se torna- mundo globalizado que podemos fazer, se
pensannos a democracia dentro de uma outra

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perspectiva que se desenvolveu também no A primeira, diz respeito à possibilidade
século XX, e que tem como fundamento a pu- de autonomia dos Estados nacionais nessa
blicização das relações sociais, ou seja, uma nova realidade globalizada. A meu ver, um
democracia não-elitista na medida em que ela ponto essencial na discussão sobre democra-
significa a criação das possibilidades para a cia, diz respeito aos possíveis graus de auto-
constituição de atores sociais capazes de bali- nomia dos Estados nacionais na atualidade,
zar a ação do outro na arena política. Certa- pois, se compreendermos a democracia como
mente, nestas condições, é absolutamente o modelo político que possibilita a interven-
pessimista o prognóstico que podemos fazer ção da sociedade mais ampla nas instâncias
da democracia num mundo globalizado. decisórias do poder e considerarmos que a
Há no caso do Brasil uma ironia, ou organização representativa nos moldes atuais
seja, vivemos uma ditadura durante 20 anos. já apresenta dificuldades sérias à intervenção
Quando finaliza esta ditadura, todas as ex- da maioria, poderemos imaginar o que acon-
pectativas em torno da democracia passam a teceria se o processo decisório se internacio-
conviver com os limites impostos por um pro- nalizasse. Sem dúvida, a democracia tornar-
cesso de ajustes internacionais, ou seja, não se-ia inviável. Parece-me que esse é um pro-
resolvemos os problemas internos de nossa blema impOltante que merece ser até concei-
fragilidade democrática (c1ientelismo, coro- tualmente melhor colocado. Sendo assim, em
nelismo eletrônico, etc) e sofremos um amplo primeiro lugar, eu gostaria de conhecer a po-
processo de ajustes que fragiliza, continua- sição da Vera sobre um tema que é extrema-
mente, nossas esperanças em torno da demo- mente polêmico e sobre o qual não tenho
cracia. Nestas condições, não se estaria repe- ainda uma resposta.
tindo algo muito presente em toda a história Para ela, essa nova relação social glo-
política brasileira, ou seja, teríamos a preva- balizada provoca novos arranjos nos Estado-
lência de uma retórica democrática ou de Nação, o que é uma realidade. Contudo, pare-
uma promessa de democracia, enquanto as ce-me importante distinguir, no caso da Amé-
condições de violência, miserabilidade, de- rica Latina e países periféricos, em que medi-
semprego, etc. indicam para uma impossibili- da essas relações apresentam-se como verda-
dade de efetivação da democracia? deiramente novas, ou são apenas o aprofun-
damento de um processo capitalista que já
tem séculos e que, pelo menos a partir do sé-
culo XX, tornou-se profundamente internaci-
onalizado.
No caso da América Latina, e do Brasil
mais especificamente, se nos reportarmos à I
República, veremos que o processo de indus-
Professora do Depto. De Ciências Sociais da UEL
trialização brasileiro esteve visceralmente
ligado à importação do capital financeiro e à

O
exportação do capital mercantil-café. Ou seja,
tema proposto é amplo demais
e eu teria inúmeras perguntas. esta relação já acontecia na I República. Se
Como neste espaço de tempo avançarmos para o período Vargas, que foi a
fase mais fechada de nossa economia, cons-
não é possível abordar muitas questões, vou
fazer apenas uma pergunta, que se desdobra tataremos que, apesar disso, as empresas es-
em outra e que, a meu ver, são essenciais para tatais foram construídas com empréstimos
internacionais que aconteceram após uma sé-
a compreensão daquilo que a Vera entende
por possibilidade de democracia no processo rie de negociações políticas internacionais que
são do conhecimento de todos. No pós-guerra,
de globalização.
quando se iniciou o chamado período da "in-

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temacionalização da economia", as empresas novo neste final de século. Claramente, é pre-
multi nacionais instalaram­se no país e uma ciso reconhecer que há mudanças: por exem-
literatura sociológica enorme, vastíssima, in- plo, a constituição dos mercados comuns en-
cumbiu-se de nos apresentar os dilemas polí- tre Estados-Nacionais, como o Mercosul ou a
ticos de um período caracterizado como de União Européia. Outra novidade importante a
dependência e exploração da sociedade brasi- ser considerada é o surgimento dos capitais
leira em relação ao capital internacional. internacionais meramente especulativos, que
Bem, durante a década de 80 parece são extremamente perigosos e que levaram à
que, de fato, houve um estancamento neste quebra da economia do México no ano passa-
processo. Em 1982 houve o colapso econômi- do. Esse exemplo do México é interessante
co do México e depois, em cascata, os países para nossa discussão, porque ele mostra que o
da América Latina foram entrando em mora- Estado brasileiro ofereceu na época uma res-
tória. Esse processo econômico gerou uma posta, com mudanças na política econômica
crise de tal proporção, que durou uma década, do governo, objetivando controlar os chama-
hoje conhecida como "a década perdida". dos capitais voláteis e evitando, desta forma,
Ontem ouvíamos a professora Marlyse que o país entrasse em uma crise econômica
falando sobre a imigração italiana no Brasil e semelhante àquela vivida pelo México.
sobre o enriquecimento cultural que nos foi Parece-me, portanto, que essa questão
propiciado pela vinda desses imigrantes ao não está suficientemente clara. Qual é, afinal,
país I. Sua fala nos faz lembrar que, durante a posição do Estado nacional frente a esses
décadas, vigoraram no Brasil altos índices de novos problemas que se apresentam? As no-
crescimento econômico e o país tomou-se ca- vas perspectivas mundiais nos indicam o ca-
racteristicamente importador de mão de obra. minho da "desterritorialização" (repetindo o
Comparativamente, durante a década de 80, o termo utilizado pela Maria José neste debate)
Brasil se transformou em um país exportador e a internacionalização de todas as relações?
de mão de obra. Nos anos 80, o Brasil empo- Ou não: o Estado e os governos nacionais
breceu tanto que se tomou incapaz de garantir continuarão sendo um mecanismo de inter-
emprego aos brasileiros em idade de ingressar mediação e controle dentro das nações? Essa
no mercado de trabalho. seria a primeira questão, pois, embora ela não
Somente na transição para os anos 90 esteja diretamente ligada à discussão sobre
essa crise sofreu uma mudança, com o surgi- democracia, indiretamente ela está.
mento dos planos de estabilização econômica. A segunda questão é um desdobramento
É sabido que esses planos obedeceram a uma da primeira. Na verdade, sempre que se fala
dinâmica internacional. Mas é igualmente nesses novos tempos, a tônica destas discus-
verdadeiro que foi a partir desses planos que sões - e isso foi dito aqui pela Vera e repetido
os capitais internacionais, que haviam aban- pela Maria José - é enfatizar o caráter neolibe-
donado a América Latina, regressaram. Na ral dessas mudanças, com uma política de en-
realidade, a partir da década de 80 houve um xugamento do Estado, ou seja, com um pro-
afrouxamento das relações de dependência grama de governo que vai da privatização das
porque diminuíram os investimentos interna- empresas estatais à negação das políticas pú-
cionais na América Latina, e a questão que se blicas de cunho social-democrata. Segundo
coloca, é em que medida podemos afirmar essa ótica, a educação e a saúde, só para citar
que isso foi bom para o desenvolvimento des- um exemplo, seriam totalmente abandonadas,
ses países. em função de um projeto de estabilização da
Assim, parece-me importante determi- moeda.
nar o que está ocorrendo de verdadeiramente Minha dúvida, neste caso, é compreen-
der até que ponto essas coisas encontram-se
verdadeiramente ligadas. Ou seja: esse pro-
1 Palestra da prof.a Marlyse Meyer, nesta edição.
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cesso de globalização encontra­se necessari- autonomia dos Estados nacionais e, relaciona-
amente relacionado a um projeto neoliberal, do a isso, em que medida a dita democracia
ou uma coisa se distingue da outra? A meu formal mantém sua enorme importância?
ver, uma coisa é o desenvolvimento do capi-
talismo, que está passando por um processo
de globalização; outra coisa, é a política que
irá implementar essa transformação.
Este ano, foi traduzido para o português
um livro publicado em 1993 pela Universida-
de de Cambridge, escrito a seis mãos, que
trata exatamente deste problema. Seus autores Professora do Depto. de Política e do Programa de Es-
são Luiz Bresser Pereira, um economista bra- tudos Pós-Graduados em C. Sociais da pue/sp.
sileiro, que trata da América Latina; José Ma-
ria Maravall, espanhol, que fala sobre a tran-

A
slçao democrática espanhola; e Adam chei muito instigante as dúvidas
Przeworski, que é polonês, e discute a questão da Maria José e da Luzia e não
do Leste Europeu. Começando pelo título, sei se serei capaz de responder
Refonnas Econômicas em Democracias No- a todas. Muitas das questões que vocês colo-
vas: uma proposta social democrata, que caram são dúvidas minhas, também, porque,
lembra nossa discussão neste seminário, o li- como eu disse, estamos vivendo um momento
vro é interessante por apresentar uma visão de transição e, nesse sentido, fazer uma análi-
diversa do problema. Segundo esses autores, se é alTÍscado.
de fato, as políticas neoliberais são extrema- Com relação à mesa que coordenei na
mente perversas, contudo, elas não se apre- SBPC sobre Globalização e Democracia - os
sentam como um caminho necessário, uma desafios à mídia brasileira, acredito que foi
vez que é possível haver propostas alternati- uma experiência muito interessante porque
vas capazes de atender aos interesses da maio- mostrou que os três participantes, prof. Gabri-
ria da população. E, no que se refere a esse el Cohn, Marcelo Coelho e prof. Vinício
atendimento, são os Estados nacionais os res- Lima, da UnB - claro que apresentando posi-
ponsáveis pela adoção ou pela não-adoção, ções um pouco diferentes entre si - pondera-
destas políticas públicas democratizadoras. ram sobre o momento em que vivemos, ou
Dentro desta ótica, cabe ao Estado tomar a seja, sobre um momento complicado, relati-
frente dessas mudanças. Então, neste debate vamente à democracia numa era globalizada,
sobre esquerda versus direita, que também foi em que a mídia tem uma preponderância
mencionado neste seminário, ou sobre a capa- muito grande para o agendamento dos temas
cidade decisória dos Estados nacionais nesse políticos. E por atuar como vanguarda do pro-
novo · contexto sócio-político, a questão da cesso de globalização, a todo momento ve-
democracia e da liberdade de voto tomam-se mos, principalmente na imprensa escrita, uma
cruciais, pois na democracia a opção por tal discussão em tomo dessas temáticas.
ou qual política é entregue à escolha popular. A Veja, no semestre passado, publicou
Quando existe um sistema de eleições funci- uma revista em cuja capa estava escrito "Glo-
onando regularmente, é o resultado eleitoral balização", apresentando um enfoque interes-
que determinará o projeto a ser implantado. sante porque embora mostrasse vários pro-
Desta forma, a liberdade de voto continuará blemas, o que predominava era uma avaliação
fazendo grande diferença. altamente positiva do processo de globaliza-
Em resumo, são essas as questões que ção. Mostrava muitos problemas, como o de-
eu colocaria para a professora Vera desenvol- semprego, etc., mas o saldo era muito positi-
ver: em sua opinião, qual seria o atual grau de vo. Nesse ponto falta exatamente especificar -

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como a Maria José frisou ­ que o processo é ca. Acho que isso não é positivo de nenhum
positivo para determinados setores. O que lado.
nós vemos hoje é uma desresponsabilização Com relação à questão da liberdade e da
do Estado em relação a certas atividades que igualdade e do controle da informação, acho
seriam essenciais que fossem cumpridas por que é uma discussão complexa, mas o que
ele. Existe uma terceirização das ONGs, que vemos hoje é uma liberdade restrita a deter-
estão assumindo determinadas funções que minados setores. Quando se fala que vivemos
caberiam principalmente ao Estado, como uma época de globalização e que os cidadãos
responsável por determinados setores da soci- são cidadãos do mundo, é preciso perguntar,
edade. afinal, quem são esses cidadãos. Efetivamen-
O que nós vemos é que a questão da te, nós somos cidadãos, mas somos uma mi-
democracia, neste momento em que a mídia noria. E isso, com muitas restrições, pois não
assume poderes muito grandes, é complicada. podemos passar por uma fronteira sem a per-
Existe a necessidade de controle sobre esse missão do país; não podemos entrar pelo sis-
processo dos meios de comunicação de mas- tema da Internet, sem dinheiro. Esse processo
sa. As TVs a Cabo e o rearranjo de empresas apresenta limites à própria liberdade. A ques-
que vão se aglutinando e se fortalecendo, faz tão da liberdade é complexa e a questão da
com que não exista uma democratização dos igualdade é ainda mais complexa. Um dado,
meios de comunicação. Temos, sim, controles que pode ser comprovado empiricamente, é o
absolutos desses meios de comunicação e que aumento da desigualdade, do desemprego, da
transmitem sistemas simbólicos, sistemas de miséria, da exclusão social. Certos conceitos
representação. Além disso, são eles que agen- utilizados nos anos 70, como marginalidade,
dam determinadas questões que serão debati- estão reaparecendo. Isso é sintomático, é pro-
das pela sociedade e pelos governantes. duto deste momento. Efetivamente, existe
Outro aspecto que pode ser levantado, é uma apropriação desta democracia, que é uma
a força e a ganância de detefllÚnados setores democracia limitada por detefllÚnados seto-
em deter esses meios de comunicação. Estou res, setores que não fazem parte da maioria
me referindo a determinadas igrejas que bus- da população. Nossas elites não estão preocu-
cam ampliar seus espaços na mídia. Falo es- padas com a democracia. Claro, existe um
pecificamente no caso dos evangélicos. No aspecto instrumental da democracia. O pró-
estado de São Paulo, existe um avanço muito prio estudo que fiz de Jânio Quadros mostrou
grande das rádios livres, ou seja, elas não têm que embora ele fosse uma liderança autoritá-
a concessão, mas abrem o som e se comuni- ria, sempre ascendeu ao poder assumindo os
cam com determinados segmentos da socie- cargos públicos através dos partidos, porém
dade ou com determinados bairros. E já exis- usando a democracia como um instrumento e
tem estudos sobre essa questão, mostrando não por acreditar na democracia em toda sua
que essas rádios não são mais aquelas rádios substância.
com espírito revolucionário, que se contra- Com relação à elitização da democracia
põem ao Estado, ou que apresentam uma pro- e da democracia neste contexto de desigual-
gramação alternativa, mas são justamente rá- dade, acho que a democracia se constrói com
dios com preocupações comerciais e doutri- participação política. E nossa história política
nárias. O que predomina em termos de rádios é marcada pela não-participação. Fica difícil
livres são as rádios evangélicas. O que esta- pensar em espaços democráticos sem a vivên-
mos presenciando, portanto, não é uma demo- cia democrática. Isso provoca uma visão de
cratização dos meios, e sim a utilização da ineficácia e de questionamento da democra-
mídia como processo de doutrinação, seja cia. Outro aspecto que é importante ressaltar,
doutrinação religiosa, seja doutrinação políti- refere-se à democracia, não só democracia a
uma democracia política, como também a

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democracia social e democracia econômica. E de autonomia do Estado e a grande interferên-
cada vez mais estamos vendo uma separação cia do capital internacional. A presença do
entre essas esferas, com determinados setores capital internacional é hoje muito forte, não
sendo privilegiados. dá para desconsiderar. É uma nova realidade.
Com relação às perguntas da Luzia, No momento atual a questão da autonomia do
concordo que muitos dos momentos relatados Estado é muito mais complexa.
mostram a dependência do Estado em relação Se tomarmos como exemplo os casos do
ao capitalismo internacional. Mas penso, por Peru, Argentina, Brasil, todos lutaram ou es-
exemplo, no governo JK e em toda uma dis- tão lutando pela reeleição. Peru exacerbou seu
cussão que se fazia na época sobre a abertura poder fechando o Congresso Nacional, o que
dos capitais estrangeiros e qual deveria ser o não deve acontecer no Brasil, mas aqui estão
controle sobre esses capitais . Agora não se sendo preservadas negociações que envolvem
pergunta mais. A diferença é que atualmente práticas clientelísticas. Estamos presenciando,
esses capitais já estão aí e já não existe essa efetivamente, o comprometimento da auto-
preocupação econômica sobre onde esses ca- nomia. Na minha avaliação, o Estado ainda
pitais irão se instalar. Hoje existe uma visão teria muito a fazer, principalmente na redistt1-
muito objetiva do que é necessário para que buição de renda e nas áreas mais prejudicadas
uma empresa transnacional se implante no por este processo de globalização.
país. Já não são mais as empresas que procu- Quanto às políticas neoliberais, vemos
ram os governos oferecendo determinadas propostas de reformas que visam enxugar a
condições, mas são os governos que oferecem máquina do Estado, reformas que são basea-
todas as condições para a implantação destas das em uma política neoliberal mas, é claro,
empresas. Cito o exemplo do Paraná, que vai ninguém seria ingênuo de pensar que esta po-
implantar a Renault, São Paulo com a Honda lítica poderia ser implantada em sua toda sua
e o Rio de Janeiro, com a Fiat. O que vimos plenitude. O que observamos são ações do
nesses casos foram os governantes tentando Estado, ora beneficiando determinados seto-
persuadir as empresas a se instalarem em res, ora retirando subsídios, ora o Estado in-
seus respectivos estados, dando-lhes todas as tervindo no mercado, ora deixando de intervir.
garantias. No passado havia uma preocupação Presenciamos uma mudança na atuação dos
em limitar sua atuação, com a lei de remessas partidos políticos, ao invés de predominar o
de lucro para o exterior; havia uma preocupa- debate em tomo de plataformas políticas e
ção em preservar a Soberania Nacional. Atílio idéias, existe a indústria do marketing político
Boron, sociólogo argentino, reforça a idéia da e a criação da imagem de determinados políti-
necessidade do Estado intervir na sociedade cos, o que é tremendamente prejudicial para a
atual. Os países europeus só conseguiram democracia.
crescer com a intervenção do Estado. Nós Nós não acompanhamos debates em
nem sequer passamos por esta fase, nem se- tomo de idéias, mas sim agressões mútuas,
quer passamos por uma distribuição de renda. bem montadas pela rrúdia. Citando o exemplo
No caso, o governo Fernando Henrique de São Paulo, vemos que nessas eleições, em
não se enquadra num modelo neoliberal puro. primeiro lugar está o Pitta, em segundo a
Isso não existe. Presenciamos momentos de Erundina e, em terceiro, o Serra. Mas em de-
abertura total para o capital, para as importa- terminado momento havia interesse na mídia
ções, como carros importados, ocorrendo uma em mostrar que o Serra poderia subir nas pes-
avalanche de consumo. Daí as empresas na- quisas (porque era seu candidato preferido) e
cionais questionam, dá-se uma reversão com a ir para o segundo turno, com Pitta. Então, o
aumento das taxações mas, depois, as empre- que ocorreu? Vimos então uma artilharia bra-
sas estrangeiras entram em ação contra essas va entre dois pesos pesados da política brasi-
taxações. Essas idas e vindas mostram a falta leira, tentando mostrar uma postura muito

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crítica entre ambos os candidatos e suas res-


pectivas origens, Maluf e Fernando Henrique
Cardoso. Isso fez com que o Serra ganhasse
um espaço colossal na mídia, enquanto a ANDERSON, Perry. Balanço do Neoliberalismo. In:
Erundina era ignorada. Hoje foi publicada a SADER, Emir e GENTILI, Pablo, Pós-
neoliberalismo: As Políticas Sociais e o Estado
pesquisa do Data-Folha e também do Ibope,
Democrático. São Paulo : Paz e Terra, 1995.
em que reconhecem que, possivelmente, será BORON, Atilio. Estado, Capitalismo e Democracia na
a Erundina a candidata que irá para o segundo América Latina. São Pulo: Paz e Terra, 1994.
turno. Ou seja, houve a tentativa de puxar um CHAlA, Vera. Globalização e Democracia: Novos De-
candidato para o segundo turno. É claro que safios à Mídia Brasileira. Mesa Redonda apresenta-
da na 48 a Reunião Anual da Sociedade Brasileira
isso é complexo, pois a idéia de democracia
para o Progresso da Ciência, PUC-SP, jul. 1996.
envolve a idéia de responsabilidade, não ape- FIORI, José Luís. A Governabilidade Democrática na
nas entre os cidadãos como também da mídia. Nova Ordem Econômica, Cadernos do IEA/USP,
E é muito difícil haver um controle sobre esse nov.1995 .
processo. _ _ . Em Busca do Dissenso Perdido, Insight Edito-
rial, Rio de Janeiro, 1995.
HELD, David. A Democracia, o Estado-Nação e o
Sistema Global, Lua Nova, n.o 23, 1991.
LAMOUNIER, Bolivar. Crise ou Mudança? O Futuro
da Política na Era da Globalização, Papers da Fun-
dação Konrad-Adenauer, n.o 24, São Paulo, 1996.
LASH, Christofer. A Rebelião das Elites e a Traição da
Democracia. Rio de Janeiro: Ediouro, 1995.
MARTINS, Carlos Estevan. Globalização versus De-
mocracia. A decadência da fonna partido. Comuni-
cação apresentada no IV Congresso Luso-Afro Bra-
sileiro, IFCS-UFRJ, Rio de Janeiro: set. 1996.
PEREIRA, Luiz Carlos Bresser; MARAV ALL, José
Maria; PRZEWORSKI, Adam. Refonnas Econômi-
cas em Democracias Novas: uma proposta social-
democrata. São Paulo: Nobel, 1996.
TÓTORA, Silvana e CHAlA, Vera. Democracia e Par-
ticipação Popular: a imprensa de São Paulo, Revista
São Paulo em Perspectiva, v. 7, n. o 2, Fundação
SEADE, São Paulo, abr./jun. 1993.

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