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UNIVERSIDADE DE CABO VERDE

FACULDADE DE CIÊNCIAS SOCIAIS, HUMANAS E ARTES

Unidade Orgânica Faculdade de Ciências Sociais, Humanas e


Artes

Curso Filosofia Política e Ano: 2022-2023 3º


Relações Ano
Internacionais
Unidade Teorias Geral do Semestre 1º
Curricular Estado
Nome do Victor Viti Morais dos Reis
estudante

Resumo HELD, D. Sistema global e democracia-A


democracia, o Estado e o Sistema global. São
Paulo, 1991.
Data 03 de fevereiro de 2023
A democracia tem sido amplamente abraçada como a melhor forma de governo nos
últimos séculos. Ela tem sido saudada como um meio para garantir os direitos
fundamentais, os direitos políticos e econômicos, e um meio de inclusão política e
social. No entanto, a era da globalização tem colocado à prova essa crença em diversos
aspectos.
Os avanços tecnológicos da globalização permitem que as leis e políticas nacionais
sejam afetadas pela interseção de forças internacionais e ações governamentais, o que às
vezes pode significar pouca ou nenhuma participação dos cidadãos em processos de
tomada de decisão. Além disso, o crescimento econômico e a consequente diminuição
das divisões entre os países significam que os Estados-nações estão cada vez mais
dependentes uns dos outros. A inclusão de novos membros na economia global e o
aumento da ligação entre a economia global e a política nacional também colocam em
questão o papel da democracia em proteger as liberdades civis.
Assim, o futuro da democracia e a eficácia dos governos democráticos estão em dúvida.
Para garantir que a democracia permaneça saudável, os Estados-nações precisam
encontrar uma maneira de alinhar suas políticas com as tendências globais - por
exemplo, investindo em educação para ajudar a alcançar esse objetivo. Além disso, é
importante enfatizar a importância de manter o nível de participação dos cidadãos.
Na teoria da democracia liberal, há a crença em uma relação simétrica e congruente
entre políticos e eleitores. Isso significa que os políticos são responsáveis por prestar
contas aos eleitores e as decisões políticas devem ser coerentes com os desejos da
população. Esta relação é representada graficamente como uma ligação entre cidadãos
eleitores e governantes.

No século XX, a teoria da democracia se concentrou nos aspetos organizacionais e


culturais da democracia e na influência desses aspetos na operação da "regra da
maioria". Desde teóricos conservadores como Max Weber e Joseph Schumpeter,
passando pelo pluralismo clássico de Robert Dahl, até críticos contemporâneos como
marxistas, a teoria da democracia tem se concentrado nas condições que promovem ou
prejudicam a democracia em uma nação. É aceito que o destino de uma comunidade
nacional está em suas mãos e que a teoria da democracia pode ser desenvolvida
examinando as relações entre "atores" e "estruturas" no Estado-nação. As premissas
subjacentes à teoria da democracia são que as democracias podem ser tratadas como
unidades autossuficientes, separadas umas das outras, e que as mudanças políticas
podem ser explicadas pelas estruturas internas e dinâmica das sociedades democráticas
nacionais.
A nova direita critica o modelo liberal-democrático, argumentando que o crescimento
da burocracia pública distorceu as relações entre decisores e recebedores de decisões.
Eles acreditam que a congruência entre governantes e cidadãos pode ser aumentada se
se dá maior espaço ao mercado, se os cidadãos têm mais autonomia para regularem suas
próprias atividades, e se o Estado mínimo fornece um quadro estável de leis. Alguns
pensadores da nova direita, incluindo Friedrich Hayek, defendem uma ordem de

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mercado baseada em livre comércio e regulamentação mínima em nível internacional,
em vez de nacional.
A crítica da esquerda à democracia liberal se concentra na falta de congruência entre os
representantes políticos e os cidadãos comuns. Eles argumentam que o Estado não é
independente e imparcial, mas está comprometido com a manutenção de desigualdades
sociais. Em vista disso, a democracia deve ser mais responsiva, transparente e sensível
aos desejos e necessidades da sociedade. Isso pode ser alcançado através da democracia
participatória, conceções republicanas da cidadania e maior democratização do Estado e
da sociedade civil.
A teoria da democracia liberal é centrada na conceção inquestionada da soberania do
Estado-nação. Essa teoria presume que o Estado tem o controle sobre seu próprio
destino, sujeito apenas a compromissos e limites impostos por outros atores. A teoria dá
pouca atenção ao impacto do mundo externo ao Estado-nação na democracia. Isso é
evidenciado pelos limites do princípio da "regra da maioria". Decisões tomadas por
Estados-nação ou organizações transnacionais podem afetar outros que não participam
do processo decisório, criando problemas de legitimidade. Exemplos incluem a
localização de aeroportos internacionais, construção de usinas nucleares e indústrias
tóxicas, e suspensão de ajuda alimentar. Essas decisões podem ter consequências
ecológicas, econômicas e humanitárias além das fronteiras nacionais.
A teoria moderna do Estado soberano sugere a existência de uma comunidade nacional
autogovernada, mas essa ideia é questionada pelas interconexões globais e desafios
enfrentados pelo Estado moderno. As comunidades nacionais não controlam
exclusivamente as ações de seus governos, e não determinam o que é certo ou errado
apenas para seus cidadãos. A democracia tradicional sugere que o consenso legitima o
governo, mas as relações políticas não são simétricas ou congruentes. As versões mais
radicais da democracia apontam para um processo participativo de criação de leis, onde
os cidadãos só se obrigam a um sistema de regras e decisões que eles mesmos
estabeleceram.
O pensamento liberal e democrático se preocupa em descobrir as condições para que os
indivíduos possam regulamentar a sua própria associação e é baseado no consenso
voluntário de pessoas livres e iguais. No entanto, as interconexões nacionais, regionais e
globais questionam a noção de consenso e a relevância da comunidade relevante. A
questão de quem deve participar nas decisões e a responsabilidade política são
profundamente afetadas pelo processo de governo que escapa às categorias do Estado-
nação. As implicações são profundas para todas as ideias-chave da democracia,
incluindo a base política-territorial, a responsabilidade das decisões políticas, a
participação política e a relevância do Estado-nação como guardião dos direitos e
deveres dos cidadãos.
O argumento é de que não há nada de novo nas interconexões globais e que a
importância dessas interconexões para a teoria da democracia é clara há muito tempo. O
padrão denso de interconexões globais começou a se formar desde o início da expansão
da economia mundial e da formação do Estado moderno. As políticas internas e
internacionais sempre estiveram entrelaçadas, e para entender a política, é necessário
considerar tanto fatores locais quanto internacionais.

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A teoria política da democracia já considerou por muito tempo as interações entre
Estados e a importância dessas interações. Pensadores como Grottius e Kant já
exploraram a coexistência e cooperação entre Estados e o papel das relações reguladas
por lei. No entanto, ao longo dos séculos XIX e XX, esses conceitos perderam espaço
na teoria do governo democrático. O texto argumenta que, apesar de haver elementos de
continuidade na formação e estrutura do Estado e da sociedade moderna, há também
mudanças fundamentais na ordem internacional. Isso inclui a emergência de um sistema
econômico global que escapa ao controle de um único Estado, a expansão de redes
transnacionais e de comunicações, o crescimento de organizações e regimes
internacionais, o desenvolvimento de uma ordem militar global e a edificação de meios
de guerra "total". Todas essas mudanças integram povos através de redes de transação e
coordenação, redefinindo a própria noção de distância. O termo "globalização" sugere
que a atividade política, econômica e social tem alcance mundial e que a interação e
interconexão entre os Estados e sociedades está se intensificando. A intensificação
crônica dos padrões de interconexão é nova no sistema global moderno, e é mediada por
fenômenos como a indústria moderna de comunicações e a nova tecnologia da
informação. A globalização ocorre através de novas dimensões de interconexão,
incluindo tecnológica, organizacional, administrativa e legal, cada uma com sua própria
lógica e dinâmica de mudança. O processo político se desenvolve em um mundo
permeado e transcendido pelo fluxo de bens, capital, pessoas, comunicações e tráfego
aéreo.
O argumento transformacionista ou modernista na literatura sobre globalização sugere
que a crescente interconexão global pode levar ao declínio da autonomia do Estado e à
necessidade de cooperação e colaboração entre Estados-nação. Esse argumento baseia-
se em cinco pontos principais:
1) Declínio na eficiência dos instrumentos políticos devido ao desaparecimento de
controles de fronteira;
2) Redução das opções para os Estados devido a forças e interações transnacionais;
3) Necessidade de colaboração internacional para realização de atividades tradicionais
do Estado;
4) Aumento da integração política entre Estados ou negociações e instituições
multilaterais para controlar os efeitos desestabilizadores da interconexão;
5) Crescimento de instituições, organizações e regimes que formam a base do governo
global. Este argumento não endossa a emergência de um governo mundial integrado,
mas sim a possibilidade de cooperação e colaboração na sociedade internacional.
O argumento sugere que a democracia atual precisa ser vista no contexto de uma
sociedade global e multinacional, que é influenciada por uma série de instituições, tanto
regionais quanto globais, que transcendem as fronteiras nacionais. Isso levanta questões
importantes sobre a natureza dessas instituições e sua dinâmica política, bem como
sobre para quem elas são responsáveis. A teoria da democracia do século XIX e XX,
que vê o Estado-nação como uma realidade e os processos democráticos como restritos
às fronteiras do Estado-nação, não é suficiente para compreender as questões

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fundamentais enfrentadas pela democracia moderna e o futuro da democracia no mundo
atual.
A soberania e a autonomia dos Estados podem ser limitadas pela sua posição no sistema
global de Estados, caracterizado pela existência de grandes potências e blocos de poder.
A capacidade de um Estado tomar decisões políticas, estratégicas e militares é
restringida pela sua posição no sistema internacional de relações de poder. Por exemplo,
a OTAN é uma organização internacional de segurança coletiva que cria vínculos entre
a soberania dos Estados e uma organização internacional, que opera com sua própria
lógica de decisão. A OTAN envolve a integração de burocracias nacionais de defesa em
organizações internacionais de defesa e pode criar sistemas trans governamentais de
decisão que escapam ao controle de um Estado individual. A associação à OTAN
qualifica a soberania dos Estados de maneiras diferentes, e aspetos da soberania são
negociados através da aliança. A ordem internacional está mudando, com uma
intensificação das atividades globais e um aumento dos processos de decisão
internacionais, o que está debilitando o poder do Estado-nação moderno. A soberania é
dividida entre várias agências e limitada pela pluralidade, e a democracia precisa se
adaptar a esses desenvolvimentos e suas implicações para o poder nacional e
internacional. Embora a teoria da democracia não possa ser elaborada apenas como
teoria de uma comunidade política territorialmente delimitada, o Estado-nação ainda é
um ponto de referência importante. Além disso, a globalização não pode ser exagerada a
ponto de eclipsar completamente o sistema de Estados e deve ser qualificada com
relação aos padrões de desenvolvimento local e regional.
A teoria da soberania surgiu como uma forma de pensar o poder político e governo de
maneira diferente. Desenvolvida por Jean Bodin, ela se tornou uma teoria sobre o
exercício legítimo do poder político, com duas preocupações principais: a sede da
autoridade e as formas e limites da ação estatal. No debate sobre a soberania, existem
duas posições estabelecidas: a soberania do Estado e a soberania popular, ambas com
implicações tirânicas. Uma alternativa é a conceção da comunidade política
independente, que busca modalidades de mediação e equilíbrio entre Estado e
sociedade. O princípio da autonomia, que enfatiza a determinação das condições da vida
pelo povo, com limites específicos para o poder do público, é uma abordagem aceitável.
O princípio da autonomia afirma que indivíduos devem ter direitos iguais e ser livres e
iguais na determinação das condições da sua própria vida.
O princípio da autonomia é um conceito fundamental do projeto liberal democrático
moderno que se concentra na capacidade dos indivíduos de determinar e justificar suas
ações e de participar de forma livre e igual em deliberações sobre questões públicas
importantes. Este princípio se apoia na luta pelos direitos de participação igualitária nas
comunidades políticas e na proteção dos direitos individuais. A base do princípio da
autonomia é ao mesmo tempo normativa e empírica, derivada tanto do desenvolvimento
histórico da luta pelo reconhecimento da condição de membro da comunidade política,
quanto de uma reflexão sobre as condições para a autonomia ser possível. O texto trata
sobre o princípio da autonomia e sua relação com o poder legítimo. A exposição sobre o
princípio precisa incluir uma reflexão sobre sua base organizacional e institucional para
ter um significado completo. A realização desse princípio requer uma reforma do poder
do Estado e da sociedade civil, com o reconhecimento de que é necessário um "duplo

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processo de democratização". Isso é alcançado através do modelo de "autonomia
democrática", que envolve a inscrição do princípio na constituição, a reforma do poder
do Estado e a experimentação de mecanismos democráticos na sociedade civil. Em um
mundo interconectado, as condições para a autonomia democrática também precisam
incluir a estrutura internacional da política e da sociedade civil. O desafio atual é
especificar como o princípio pode ser inscrito e garantido em um sistema de centros
interconectados de poder e autoridade. A autonomia democrática precisa ser garantida
nos centros nacionais e internacionais de poder para ser possível, requerendo
democracia tanto no interior do Estado-nação quanto nas agências e organizações
internacionais. O alargamento da base política territorial é necessário para incluir
setores e grupos afetados pela interconexão e a autonomia democrática requer uma
federação de Estados e agências democráticas.
A perspetiva da globalização sobre o Estado liberal democrático é que ele é
frequentemente visto como um Estado capturado pela teia da interconexão global,
permeado por forças supranacionais, intergovernamentais e transnacionais e incapaz de
determinar seu próprio destino. A globalização é apresentada como uma força
homogeneizadora que reduz a "diferença" e a capacidade dos Estados-nação de agir
independentemente. No entanto, mesmo com a rápida expansão das conexões
intergovernamentais e transnacionais, a era do Estado-nação ainda não terminou, e é um
processo desigual e restrito aos Estados-nação dominantes do Ocidente e do Leste. A
importância do Estado-nação e do nacionalismo, da independência territorial e da
soberania não parece ter diminuído. Além disso, o equilíbrio nuclear entre as
superpotências abriu novos espaços para a afirmação de potências e povos não-
nucleares, o que contribui para a pressão em direção a um mundo multipolar e a uma
ordem internacional fragmentada. A globalização reforçou a importância da identidade
e da diferença, estimulando a "nacionalização" da política, o que leva a conflitos de
interesses e ideologias entre nações. Em suma, a globalização tem impactos tanto
positivos quanto negativos na posição e no papel do Estado liberal democrático, e seu
futuro ainda é incerto.
A persistente vitalidade do Estado-nação indica mudanças em padrões de poderes e
restrições, mas não significa que a estrutura soberana dos Estados-nação não tenha sido
afetada pelas interações entre as forças e relações nacionais e internacionais. A
autoridade soberana de um Estado-nação pode ser afetada por diversos fatores,
incluindo partidos políticos, organizações burocráticas, corporações e redes de poder
corporativo, bem como restrições impostas pelo sistema econômico global,
organizações mundiais, instituições regionais e globais, direito internacional e alianças
militares. A globalização de certas dimensões centrais pode limitar a decisão política e
alterar a possibilidade de uma sociedade democrática. A soberania é a autoridade
política de um Estado-nação para definir as normas e governar em seu território,
enquanto a autonomia refere-se à capacidade do Estado de agir independentemente das
restrições internacionais. As disjuntivas externas mostram que a soberania e a
autonomia dos Estados-nação estão sendo alteradas, mas a pergunta é se a soberania é
mantida ou se o Estado moderno está perdendo em soberania. Neste trabalho, a maioria
dos exemplos serão dos processos e relações dos Estados europeus.

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Existe uma disjuntiva entre a autoridade formal do Estado e o sistema econômico
vigente que limita o poder das autoridades políticas nacionais. A globalização da
produção e das operações financeiras é organizada principalmente por grandes
corporações multinacionais que priorizam a lucratividade global, tornando as políticas
econômicas nacionais menos efetivas. O progresso tecnológico nas comunicações e
transportes reduziu as fronteiras entre mercados que antes eram separados e a
possibilidade de políticas econômicas nacionais independentes. As políticas monetária e
fiscal de governos são frequentemente influenciadas por movimentos nos mercados
financeiros internacionais e decisões de corporações multinacionais. Além disso, a
globalização das relações econômicas tornou mais difícil para os governos administrar
suas economias e resistir às tendências econômicas internacionais. O contexto atual é
muito diferente do quadro econômico pós-guerra, onde a administração da economia era
mais fácil e o consenso liberal prevaleceu.
A teoria do Estado soberano e o sistema global contemporâneo têm uma segunda grande
área de disjunção na presença de uma vasta gama de organizações e regimes
internacionais estabelecidos para lidar com setores da atividade transnacional. O
crescimento dessas novas formas de associação política reflete a rápida expansão das
ligações transnacionais e leva a mudanças na estrutura das decisões políticas mundiais.
Algumas dessas agências são técnicas e não envolvem controvérsia política, enquanto
outras, como o Fundo Monetário Internacional, são altamente polêmicas e envolvem
uma "consolidação da autoridade". A intervenção do FMI pode causar tensão entre a
idéia do Estado soberano e a natureza das decisões no plano internacional, levantando
questões sobre as condições necessárias para que uma comunidade defina suas próprias
políticas e orientações.
O direito internacional tem desenvolvido sistemas de regulação legal para governos,
organizações não governamentais e indivíduos. Há duas regras jurídicas tradicionais que
protegem a soberania nacional, mas essas regras têm sido questionadas por tribunais
ocidentais. A tensão entre soberania e direito internacional é atualmente clara. A
Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos Humanos e das Liberdades
Fundamentais (1950) é uma iniciativa legal importante que permite aos cidadãos
europeus acionarem seus próprios governos. Embora o sistema ainda tenha problemas, é
uma inovação importante no direito internacional.

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