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A Qualidade da Democracia – José Álvaro Moisés

No século XX a emergência da Democracia foi o evento político mais importante. Amplificado pelo
que Samuel P. Huntington chamou de “Terceira Onda” pós a década de 1970, ganhou força
consolidada com o fim do socialismo real. De lá pra cá novos movimentos ainda podem vir a
acrescentar ou não nova energia a este fato.

Mas afinal de contas o que de fato caracteriza propriamente a natureza do fenômeno democrático?
Seria a celebração da Democracia ao final do século XX um ato de ingenuidade? A vitória sobre os
demais regimes não fora total?

Uma enorme diversidade de resultados permite observar uma evidencia: mesmo em países que se
democratizaram e se consolidaram em modelos eleitorais frequentemente se nota certa deficiência
em estabelecer-se o governo da Lei. Não raro a Lei vale mais pra uns ou alguns do que para outros.
E se pela Lei, direitos civis estão expandindo a igualdade ainda não se pode afirmar se isto se dá em
condições equânimes.

Assim temos um paradoxo em que uma série de limitações fazem com que os regimes democráticos
apresentem falhas em seu funcionamento. A expansão dos direitos sociais se deu de forma irregular
e cheia de diversidades. Em algum momento pareceu para alguns autores que a derrocada dos
regimes autoritários significaria o triunfo final da democracia, mas talvez eles tenham se enganado.

Contudo o que se pode observar é que existe uma diversidade de situações intermediárias, que por
deficiência do primado da Lei ou por uma não ampliação dos direitos da cidadania ou ainda pela
ausência dos mecanismos de fiscalização e controle (Account Habilits), a realização do plano
Democrático não se completa.

Isto cria uma necessidade de pesquisa que nos leve a entender ou criar mecanismos de medição
dessa diversidade permitindo-nos saber onde estão os países, do mundo atual, nos diversos
cenários intermediários acima citados. E ainda, saber em que direção o fenômeno Democracia está
indo.

O´Donnell em “Why the rule of laws Matter?” busca compreender a dinâmica em que atores
autoritários e democráticos passaram a definir suas estratégias levando em consideração a ação um
do outro. Mas o fato é que mudar para o modelo democrático não garantiu transição para uma
democracia de qualidade em muitos Estados. O século XXI emergiu sob novos acontecimentos que
nos leva a avaliar o surgimento de novos olhares sobre a Democracia.

Eventos, como a Primavera Árabe, acrescentaram novos questionamentos aos temas da


Democracia. E permite ao cientista social da atualidade reavaliar nossos ensaístas clássicos como
Gilberto Freire e Sergio Buarque de Holanda. O fato é que alguns movimentos sociais, em dados
momentos históricos, conseguiram colocar sob judice, talvez até mesmo contestar, a ideia da
herança ibérica. Sob esta teoria nossas raízes portuguesas não permitiriam que nossa sociedade
brasileira se democratiza-se, afirmando que o Estado se organizou de forma a obliterar a
organização da sociedade civil.

Novas visões podem acrescentar novos olhares sobre nossa transição democrática (Governo
militar/civil), entre elas, a ideia de que o arranjo político inusitado do regime autoritário que permitia
um certo e limitado revezamento de poder foi o motor de sua própria destruição. Este detalhe, nada
desprezível, permitiu a criação de uma situação plebiscitária que estimulou manifestações que por
sua vez contestaram a legitimidade do governo.
Outra discrepância de nosso regime autoritário foi a manutenção da estrutura partidária, ainda que
inicialmente controlada, logrou a existência de espaços de ação que foram sendo ampliados, ainda
mais pela oposição, e acabaram por criar novas situações e possibilidades. Por ali surgiram
nódulos/elementos que representavam os avanços para os valores da democracia, mas se
estruturavam voltados para o passado.

Historicamente isto acabou por reforçar preconceitos teóricos sobre a cultura política brasileira.
Neles os elementos políticos seriam tão fortes e determinantes que impediriam os avanços do país.
O desenvolvimento ou não desses preconceitos, segundo Huntington, não se separa da herança
social – mas ainda que eles existam, outro grupo teórico acredita que as instituições são mais fortes
que a sociedade, podendo se formar através de movimentos endógenos a si mesmas, neste caso a
despeito da sociedade.

Isto denota que nós não nos armamos para entender a diversidade da transição democrática.

A Qualidade da Democracia – parte II

Robert Dahl afirma que sem oposição não há democracia. Buscando diferenciar a Poliarquia da
democracia, ele a define como o governo de muitos com regras democráticas. Se um governo que
se permite ser democrático quer incluir o maior número possível de indivíduos dentro dela – precisa-
se reconhecer a oposição de forma que ela tenha espaço institucional para que se expresse,
organize e comunique-se – estabelecendo assim alternativas para o poder.

A contestação é um grande fator que denota a participação, uma vez se as mínimas condições são
mantidas é elementar que ela se fará presente. O fato é que precisamos entender as implicações
das escolhas que fazemos. Aqueles que são representados precisam ter a possiblidade de fiscalizar
e controlar a agenda de governos. Em democracias representativas se dá através do voto (escolha).

A qualidade de uma democracia está em assegurar que todos os adultos tenham direito a votar e ser
votado – é a igualdade no direito de expressão no sufrágio. Por isso ter acesso a informações
alternativas do funcionamento básico do sistema nos leva a discutir o papel da cidadania como uma
obra aberta. Assim o sistema democrático nunca pode estar fechado – ele deve estar sempre aberto
a ampliação.

Bobbio/Dahl elaboram sete pontos para se averiguar a qualidade de uma democracia.


1. O Regime democrático é o regime da lei (Estado de direito baseado na lei consensuada) –
neste regime a submissão dos indivíduos a lei é voluntária.
2. Autogoverno: o cidadão de maneira geral governa, mas sob procedimentos pré-estabelecidos
através de instituições e mecanismos de mediação.
3. Divisão de poder (tradição liberal) – como atributo da governabilidade a tripartição de poder
deve neutralizar o confronto.
4. Direitos políticos: escolher governos através de eleições livres, abertas, regulares, irrestritas e
significativas – com resultados reconhecidos.
5. Direito de expressão, reunião, organização – garantia a existência de partidos em
possibilidade de igualdade de concorrência.
6. Acesso a fontes alternativas de informações.
7. Direito de reivindicar a expansão sobre a cidadania (direitos sociais e econômicos)

A qualidade da democracia é o que garante o direito da cidadania.


Mas por que democracia? Por que ela afasta a tirania (antídoto) garantindo a convivência pacifica
que reduz a possibilidade de violência. Os valores democráticos impendem o abuso de poder,
assegura liberdade irrestrita dos cidadãos e não apenas de um grupo. A democracia garante o
acesso a direitos fundamentais como vida e sua melhoria, capacitando o cidadão a explorar suas
potencialidades. Ela é a que garante melhor os interesses individuais. É o regime da autonomia
moral, da responsabilidade e das transparências dos atos. A democracia cria a igualdade política.

O problema da representação: em que medida ela pode resguardar a possibilidade de se fazer o


bem comum? A escolha de bons governantes implica que este seja capaz de gerir seus técnicos no
objetivo de se fazer o bem. O bom governante depende de virtude cívica, o que muitas vezes é uma
construção geracional. É aqui que a Educação é fundamental em seu papel – a educação tem o
dever que demonstrar que escolhas são vinculantes – por isso pessoas precisam ser empoderadas
na participação.

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