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CARDOSO, F. H.; SERRA, J. “As desventuras da dialética da dependência”. Estudos Cebrap, n.

23,
1978.

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Já se disse em outra oportunidade, mas convém repetir: se os modelos científicos de
interpretação não são capazes de identificar processos sociais novos ao mesmo tempo em que
explicam como e por que os antigos se repetem, seu alcance é curto. [...] Se, ao contrário, o
pensamento for capaz de apontar para processos emergentes, mesmo que nasça tímido e
balbuciando palavras heterodoxas, pode abrir um horizonte à prática transformadora.

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1. DESENVOLVIMENTO NACIONAL E ESTAGNAÇÃO ECONÔMICA
A partir de meados dos sessenta passou a considerar-se como evidente a frustração dos chamados
“projetos de desenvolvimento nacional”, segundo os quais o desenvolvimento das forças
produtivas na periferia latino-americana poderia e deveria, de acordo com o padrão capitalista
“clássico”, ser realizado sob a condução de uma burguesia nacional hegemônica. A esta
burguesia caberia aliar-se com as massas trabalhadoras para promover a industrialização do seu
país, mediante a “internalização dos centros de decisão” — isto é, a ruptura ou significativo
enfraquecimento dos laços de dependência — e a realização da reforma agrária, com vistas a
ampliar o mercado interno e baratear a produção de alimentos.

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Entre os formuladores das teses do “desenvolvimento nacional” estava a chamada esquerda
ortodoxa, para a qual a revolução nacional-democrático-burguesa representava uma etapa a ser
cumprida e um caminho fundamental a ser percorrido antes de que se pudesse pensar no
socialismo. Uma versão mais acadêmica do referido projeto, retoricamente mais moderada ou
menos explícita em certos pontos, atribuída a setores da intelectualidade considerados
“reformistas”, veio a denominar-se “desenvolvimentismo”.

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(mas apesar das séries de erros inerentes ao proejto) Implicitamente compartiu a visão de que,
dentro dos marcos do sistema capitalista, a alternativa ao nacional desenvolvimentismo era a
estagnação, realidade que a desaceleração do crescimento em várias economias da América
Latina
entre meados dos cinquenta e dos sessenta parecia confirmar. Confundiu-se assim a inviabilidade
do projeto nacional-desenvolvimentista com frustração do desenvolvimento capitalista. [...]
“queimada”, pela inexistência, a etapa nacional democrático-burguesa, a alternativa imediata que
se colocava para as classes exploradas era a de elas mesmas tomarem em suas mãos a tarefa de
promover o desenvolvimento, removendo os obstáculos da estrutura agrária tradicional e da
dominação externa e abrindo caminho ao socialismo.

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ao longo da década de 1960 e começo dos anos de 1970, esse tipo de análise ajudou a
racionalizar os argumentos que defenderam a “luta armada” [...] outros (como Hélio Jaguaribe)
se conformaram com a ideia de estagnação e se preocuparam com proposições alternativas, nem
todos concluindo que o socialismo estava a porta. [...] agora em termos de “autonomia
desenvolvimentista”, defenderam cujo principal ator a classe média, sobretudo a representada
pela oficialidade militar.

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II. O intercâmbio que não é bem igual
A deterioração dos termos de intercâmbio

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(Prebisch), nos países industrializados os ganhos de produtividade que decorrem do progresso
técnico são apropriados pelos capitalistas e pelos trabalhadores, os primeiros por dirigirem
empresas com elevado grau de monopólio e os segundos por disporem de sindicatos fortes, que
lhes permitem defender seus salários e forçar seu aumento (acompanhando os incrementos da
produtividade). Já nos países periféricos, exportadores de produtos primários, não se dão nas
mesmas condições, entre outras coisas, porque os trabalhadores não dispõem de instrumentos
político-sociais, e da capacidade para impor níveis salariais mais elevados.

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Foi o processo segundo o qual os ganhos de produtividade se repartem desigualmente entre os
dois países (ou grupos de países) que comerciam que se denominou intercâmbio desigual.” É
óbvio, mas não custa sublinhar (dada a frequente confusão a respeito), que o intercâmbio
desigual em prejuízo de um país não necessariamente implica deterioração do seu IRT e vice
versa.

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Ruy Mauro Marini: a inserção da economia periférica latino-americana resolveria, de golpe e
contraditoriamente, duas dificuldades da explicação relativa às relações centro-periferia; as
exportações desta última ao mesmo tempo em que tenderiam a baixar a taxa de lucro dos países
centrais graças às reduções da composição de valor do capital variável (sic), contrabalançariam
esta tendência porque também barateariam, em valor, o capital constante empregado pelas
economias centrais.

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