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RESENHAS

BRASIL: A CONSTRUÇÃO INTERROMPIDA


CELSO FUIITADO
Rio de Janeiro, Editora Paz e Terra, 1992,87 páginas.

• Por Rosa Maria VIeira, Professora do Departamento de Fundamentos Sociais e Jurídicos da EAESPIFGV.

eórico do desenvolvimento e um dos nanceiros para os Estados Unidos" {página 16).

T "explicadores" clássicos do Brasil, ao la-


do de Gilberto Freire, Sérgio Buarque
de Hollanda e Caio Prado Jr., Celso Furtado
Nos anos 80, a economia americana, entran-
do num quadro de debílídade Institucional,
tornou-se quase ingovernável, conhecendo o
construiu ao longo de sua vida uma respeitá- ~endividamento externo e a desordem fiscal,
vel obra teórica, levando o mundo subdesen- perdendo a liderança tecnológica e a capaci-
volvido à condição de objeto privilegiado de dade interna d~e gerar poupança para finan-
estudo. Seus trabalhos em muito inspiraram ciar a sua própria reprodução,
políticas concretas de governos latino-ameri- Concomitantemente ao declínio da tutela
canos que, após a Segunda Guerra, procura- norte-americana, desenhou-se uma multipola-
ram romper o círculo da pobreza e do subde- ridade no sistema de poder a partir do debili-
senvolvimento através da industrialização. tamento dos sistemas econômicos nacionais e
Hoje, porém, o ideólogo otinústa do desen- da emergência de mecanismos de decisões
volvimento industrial do Terceiro Mundo ce- descentralizados e transnadonais.
deu lugar ao intelectual indignado e, ao mes- Nessa situação, em que o poder das empre-
mo tempo, cético. Celso Furtado teme agora sas transnacionais tendem a tornar obsoleta a
pelo futuro incerto do Brasil, cuja construção idéia de nação, perdem eficácia as políticas
do sistema econônúco nacional foi interrompi- macroeconômicas e atrofiam-se os mecanis-
da e o projeto de desenvolvimento, com base mos de intervenção estatal.
na expansão do mercado interno, liquidado. Em verdade, o que preocupa Celso Furta-
Frente à hegemonia da onda neo-liberal e à do, frente a este quadro global, é o futuro in-
ofensiva contrária a toda e qualquer concep- certo dos países subdesenvolvidos, especial-
ção social que não esteja tão somente subordi- mente do Brasil, onde o processo de formação
nada à lógica de mercado, ele propõe a resis- do Estado Nacional se interrompeu precoce·
tência lúcida. mente. Isto, conforme sua linguagem, signifi-
O seu livro Brasil: a construção interrompida, ca que aqui não se realizou a difusão dos ní-
lançado recentemente pela Editora Paz e Ter- veis de produtividade e das técnicas produti-
ra, faz parte desta resistência. vas características das nações desenvolvidas,
São cinco ensaios que tratam da nova or- persistindo, também, profundas disparidades
dem mundial emergente ao fim da Guerra regionais de renda.
Fria, passando pela discussão da armadilha Sem a referência do sistema econômico na-
histórica do subdesenvolvimento, pela reto- cional o que se tem é o império do mercado
mada de algumas das teses de Raul Prebisch e em estado puro. E, para além disto, no caso
por uma nova concepção de desenvolvimento. brasileiro, a possibilidade da inviabilização do
Um elemento comum une estes ensaios: a bus- país como projeto nacional pois, "a partir do
ca do entendimento das mudanças na ordem momento em que o motor do crescimento deixa de
econômica internacional, manifestada a partir ser a formação do mercado interno para ser a inte-
da crise dos anos 70, e do lugar que caberia ao gração com a economia internacional, os efeitos da
Brasil na lógica capitalista emergente. sinergia gerados pela interdependência das distin-
Para Celso Furtado o que se assiste hoje, no tas regiões do país desaparecem, enfraquecendo
plano econômico global, é a "'degradação sem consideravelmente os vínculos de solidariedade en-
precedentes dos termos de intercâmbio dos países tre elrls" (página 32).
exportadores de produtos primários, (a) exorbitan- Segundo as análises de Furtado, os sistemas
te elevação das taxas de juros, que fez crescer des- econônúcos dos grandes países subdesenvol-
medidamente as dívidas dos países do Terceiro vidos dificilmente sobreviverão ao perderem
Mundo e (as) vastas transferêncías de recursos fi- a força coesiva gerada pelo mercado interno.

122 Revista de Administração de Empresas São Paulo, 33(1):122-125 Jan./Fev. 1993


E, no caso concreto do Brasil, o predomínio in- tenda! produtivo interno e da integração dos
discriminado dos interesses das empresas mercados regionais à formação de uma vonta-
transnacionais, na ordenação das atividades de política coletiva e transformadora.
econômicas, conduzirá a tensões inter-regio- Resta saber: quais serão os agentes efetivos
nais em nível explosivo, a rivalidades corpo- deste processo de resgate nacional? Até onde
rativas, a bolsões de miséria. Em suma, à invi- pode-se pensar num projeto de desenvolvi-
bialização do país como projeto nacional. mento autônomo, nesta quadra do século, que
Daí a sua angústia em saber "se temos um leve em consideração as efetivas necessidades
futuro como nação que conta na construção do de- das maiorias e que, mesmo não estando sim-
venir humano. Ou se prevaleceríio as forças que se plesmente sob a égide das forças de mercado,
empenham em interromper o nosso processo histó- subordina-se à lógica do capital?
rico de formação de um Estado-nação" (página Passageiro da Utopia, Quixote, lúcido (co-
35). mo ele mesmo se vê), Celso Furtado não res-
fazendo frente à lógica perversa das forças ponde a estas questões, mas alerta que "como a
dominantes, Celso Furtado coloca como impe- História ainda não terminou, ninguém pode estar
rativo a articulação de uma estratégia de resis- seguro de quem será o último a rir ou a chorar"
tência que, no Brasil, iria da ativação do po- (página 9). U

THE GOOD SOLDIER: A TALE OF PASSION


FORO MADOX FORO
Londres, Peng!Jin Books, 194€1.

• Por Roberto Venosa, Engenheiro, Mestre em Administração Pública pela Universidade de Pittsburgh, Doutor em
Sociologia pela EHESS. Paris, Prole$$0r Titular do Departamento de Administração Geral e Recursos Humanos da
EAESPIFGV e Professor Visitante da University of St. Andrews, Escócia.

C
ambridge reinicia seu ano letivo. Lem- que conta a saga de Edward Ashbumham, va-
bra um pouco algumas cenas do filme mos penetrando a alma britânica. O que mais
"A Sociedade dos Poetas Mortos". Pais impressiona é a lucidez de Ford. Neste ponto,
orgulhosos carregam os apetrechos de seus fi- chega muíto próximo do proustiano mergulho
lhos para os diversos colleges. É muito bonito na alma humana. Ao longo da narrativa, o au-
poder ver e sentir a dose de emoção que cada tor mostra que a saída está aí: mesmo assim,
novo aluno traz junto com sua bagagem. En- as personagens optam pelo convencional. Sob
quanto me dirigia para a Faculdade de Ciên- este aspecto, lembra um pouco Foster, princi-
cias Sociais e Políticas, observando este !ufa- palmente o Foster de A room with a view pessi-
Iufa, reparei que dois carros estacionados em mamente traduzido como: Uma janela para o
frente ao Clare College tinham chapas de dife- amor. Ford não é o que de mais recente se pu-
rentes países. Um era francês e o outro era in- blicou no Reino Unido porém, para se enten-
glês. No francês havia um adesivo escrito em der organizações brasileiras, pode-se dispen-
francês que dizia o seguinte: Se você bater no sar a leitura de um Machado de Assis?
meu carro eu amasso a sua cara! No carro inglês Em alguns cursos que conduzi na
estava escrito no pára-choque: N6s provavel- EAESP /FGV introduzi a leitura de romances.
mente nos encontraremos por acidente. Existe melhor auia de sucessão em pequenas
É exatamente esta pretensa descontração do empresas que Os Buddenbrook de Thomas
inglês que Ford derruba, página após página. Mann? O Mundo se despedaça do nigeriano
O estilo de Ford tem um quê de preguiçoso e Chinua Achebe não pode ser lido como um
bastante lento, porém corta como bisturi. Seria dos melhores ensaios sobre processo de mo-
muito querer compará-lo a iun Proust. Certa- dernização? E o olhar antropológico de Yvon-
mente não o é. Mas, atravês da lentidão com ne Maggie em Guerra de Orixá não é urna exce-

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