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EDUCAÇAO PARA A CIDADANIA'

O acelerado desenvolvimento tecnológico e a informatização da vida


moderna indicam que a ação educativa deve ser desenvolvida
sem perder de vista todos os referenciais de análise, capacitando
os homens para uma abordagem global da realidade

Desde a Grécia está presente na cons- um grande país sem uma grande obra de
trução da pólis a idéia da formação do cida- educação.
dão. Como o lugar que ultrapassa o mundo
natural, a pólis se impõe pelo trabalho dos Não pode haver acesso à modernidade
homens como espaço cultural. Portanto, es- sem instrução pública universal, gratuita
paço de transformação, de criação, de orga- e obrigatória.
nização e ação humanos, onde todos têm
uma função a cumprir e cada um se torna Não pode uma nação avançar em seu
responsável pelo desenvolvimento dapólis. processo civilizatório nem reduzir seu défi-
O mundo ocidental, erigido sobre os va- cit tecnológico sem escola básica de quali-
lores do mundo grego. preserva esse concei- dade para todos. É na escola básica que nos
to de cidadão - o homem preparado para instrumentalizamos para passar do mundo
viver napcíli.5, para conviver com os demais natural, no qual nascemos e onde estamos
- contribuindo, assim, para o seu próprio submetidos a condições herdadas, ao mun-
aperfeiçoamento (cultural) e para o desen- do cultural, onde nos transformamos em
volvimento (político e social). su.ieitos históricos, autores e partícipes da
Sem nos alongarmos na história dos po- construção social.
vos, o que se observa é que não se constrói O primeiro direito humano do qual deri-
vam todos os outros é, segundo Hannah
O AUTOR Arendt, o direito a ter direitos e o acesso
pleno a essa condição é assegurado pela ci-
Walfrido Silvino dos Mares Guia Neto dadania. Ser cidadão é, pois, ter um lugar no
Engenheiro Químico pela Escola de Engenharia mundo, conquistado e legitimado na relação
da UFMG e Administrador de Empresas pela do homem com outros homens. A educação
FUMEC. Foi Secretário Municipal de Planeja- é o processo que permite ao indivíduo "nas-
mento de Belo Horizonte, Secretário do Estado da cer de novo", tornando-se cidadão e, portan-
Reforma Administrativa e Desburocratização, Se- to, tendo direitos tanto em sua nação quanto
cretário de Estado de Ciências e Tecnologia - internacionalmente.
Governo Hélio Garcia e Secretário de Estado da
Educação de Minas Gerais. Atualmente é Presi- Nessa perspectiva, assegurar educação
dente do Sistema Pitágoras de Ensino. para todos é fazer justiça social, garantir o
direito a ter direitos.

1. Conferência apresentada no Instituto de Estudos Avançados (IEA) da Universidade de São Paulo, em 22 de junho de 1994.
MARES GUIA NETO, Walfrido Silvino dos. "Educação para a cidadania - O cenário da pós-modernidade". Coleqão
Documentos. São Paulo: Instituto de Estudos Avançados - IEAKJSP, n.1I, julho, 1994. (N.E.)
Comunicação e Educação, São Paulo, (31: 18 a 25, mai./ago. 1995 19

Aconstrução da cidadania ganha contor- decomposição o regime de partido único


nos renovados no cenário da pós-moderni- do Leste Europeu, culminou um processo
dade, onde os horizontes foram ampliados e de mudança que já tinha se iniciado com a
as possibilidades humanas se multiplicaram. reorganização política e econômica de ou-
tros países. Desde os anos 70 a quebra do
isolacionismo de cada país anunciava a
emergência de blocos internacionais como
a CEE (Comunidade Econômica Euro-
A última década do século XX tem ~ é i a )o~NAFTA
, (North America Free Tra-
constituído um período de inovações tecno- de Agreement - Tratado de Livre Comércio
lógicas, alterações econômicas sem prece- da América do N ~ r t e ) algumas
~, organiza-
dentes, reformas políticas e renascimento ções latino-americanas como a ALALC
cultural. As tendências que ora se manifes- (Associação Latino-Americana de Livre
tam tiveram início nos anos 60170 e caracte- Comércio)4 e até a emergência dos Tigres
rizam o que se tem denominado a pós-mo- Asiáticos.
dernidade. Mesmo considerando-se que os novos
blocos internacionais de poder não repre-
Essas megatendências influenciarão ele- sentam, ainda, uma integração formal, jurí-
mentos importantes da vida de cada pes- dica e política, pois estão em processo de
soa: suas decisões relativas ao trabalho, estruturação, é evidente que a marca do mo-
seus negócios e investimentos, suas esco- mento atual é a perspectiva planetária, ca-
lhas em termos de onde viver e como vi- racterizada pela globalização da economia,
ver, sua própria educação e a educação pela guerra do isolacionismo, pelo surgi-
de seus filhos. mento de blocos internacionais de poder.

Para compreendermos a educação nesta O quadro de constelação econômico-polí-


nova era, passaremos em revista algumas tica existente não significa, em absoluto,
dessas megatendências, que compõem o ce- uma tendência à eliminação universal das
nário da pós-modernidade. fronteiras, caminhando a humanidade
em direção à aldeia global.
A perspectiva planetária
Ao contrário, a concorrência e a tensão
O modelo político-econômico caracterís- entre os blocos existem e no interior de cada
tico do final da segunda grande guerra, que um os conflitos tornam incerta e problemá-
se traduzia na luta pela hegemonia travada tica a continuidade de sua existência.
entre os dois grandes blocos - o socialista e
o capitalista - tornou-se totalmente obsole-
A universalização da informação
to. Durante mais de 40 anos o sistema inter-
nacional se organizou em torno das duas su- Na década de 60, Andy Warhol, um dos
perpotências, Estados Unidos e União Sovié- ideólogos da Pop Art, anunciou: "No futuro,
tica, pólos do poder político e militar. todo mundo vai ser famoso por 15 minu-
Quando em 1989 um vendaval varreu a tos". A frase provocadora de Warhol des-
Europa Oriental, fazendo entrar em rápida vendava uma dimensão crucial do mundo

2. A CEE a partir do Tratado de Maasirich passou a ser União Européia - UE. (N.E.)
3. Acordo econômico entre os EUA, Canadá e México. (N.E.)
1.Esta associação foi criada em 1960 e hoje não existe mais. A nova Associa~ãoé a ALADI -Associação Latino-Americana
de Integração. (N.E.)
20 Comunicação e Educação, São Paulo, (31: 18 a 25, mai./ago. 1995

contemporâneo. A instantaneidade dos meiro computador E N I A C ~em 1946, tem


meios eletrônicos de comunicação bombar- sua culminância no computador de quarta
deia continuamente os sentidos de cada in- geração, criado em 1982. Esta revolução da
divíduo, transformando rapidamente em informação se fez em apenas 36 anos. Não é
passado a informação que acabamos de re- de espantar que a hegemonia do Império
ceber e tomando presentes acontecimentos Romano tenha durado quatro séculos, en-
que ocorrem do outro lado do mundo. quanto a hegemonia dos Estados Unidos
Graças à universalização da informa- não ultrapassou 50 anos e o Estado Socialis-
ção, assistimos a uma guerra de videogame ta Soviético, iniciado em 1917, tenha se
que incendiou as areias do deserto, sem nos desfeito em 1989. Em nossos dias, as mu-
apercebermos de que suas vítimas são bem danças se dão rapidamente, a ponto de não
reais; vimos milhões de pessoas saírem às nos ser possível assimilá-las.
ruas nas cidades da Europa para dizerem
não ao socialismo; acompanhamos guerras Cada vez mais, as mudanças se proces-
civis que desmancharam fronteiras que pa- sam com maior rapidez e fatos marcantes
reciam eternas e presenciamos a vitória de hoje se tornam obsoletos amanhã, per-
Mandela como se fosse um dos nossos. dendo o vínculo com o processo de desen-
volvimento como um todo.
A expansão inédita da massa de notícias,
proveniente de todos os pontos do plane- Isso nos obriga a rever a produção e
ta, se faz acompanhar de um esvaziamen- apropriação do conhecimento, uma vez que
to crescente do sentido e do significado o conhecimento produzido perde rapida-
dessas mesmas notícias. mente sua atualidade e, se não houver um
sistema bem ágil de informação, a apropria-
Despidos de história, banalizados por ção de cada conhecimento estará sempre em
um estilo narrativo que suprime os contex- defasagem.
tos, os fatos podem ser apreendidos, mas di-
ficilmente compreendidos. O desenvolvimento auto-sustentado
A distância que separa os países desen-
A rapidez das mudanças
volvidos dos chamados subdesenvolvidos,
As alterações econômicas que resulta- tornou-se, nos últimos anos, gigantesca, a
ram na queda do regime feudal e na ascen- ponto de esses últimos se darem conta de
são da burguesia levaram séculos; a inven- que esforços têm que ser feitos para promo-
ção da imprensa, do rádio e de outros mar- ver seu desenvolvimento. Um país que não
cos da modernidade foram construídos em desenvolva sua capacidade científica e tec-
longo espaço de tempo. nológica será, inevitavelmente, dominado
A Revolução Industrial iniciada em pelos países mais avançados. Há um risco
1708 com a máquina de Newcome só foi de que as empresas e outras unidades produ-
realmente consolidada em 1937, com o tivas de um país, obrigadas a adquirir tecno-
avião a jato, portanto 229 anos após; em logia de fontes estrangeiras, se tornem eco-
contrapartida, a Revolução da Informação, nomicamente dependentes dessas fontes e
cujo momento inicial é marcado pelo pri- sejam dominadas por elas. Ultrapassado

5. Eletronic Numeric Integrator And Calculator: primeiro computador de válvulas. Foi projetado pelos engenheiros J. Presper
Eckert e John Mauchli, chefes da Area de Projetos do Exército dos EUA. Tinha 18 mil válvulas e seu objetivo era o de cal-
cular a trajetória de projéteis com maior precisáo. Idealizado no início dos anos 40, ficou pronto apenas em 1946, após o tér-
mino da Segunda Guerra mundial. (N.E.)
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-

cerlo limite, a independência política e cul- A internacionalizaçãodas empresas


m a l do país se verá ai-neaçadàpor estas for-
O rniindo pós-nioderno convive hoje
mas de dependência e dorninaç2io. Dai a ne-
com um iiovo tipo de empresa, aquela que
cessidade de plane,jamento.
não é exclusiva de uin país, mas que se ex-
O planejamento estratégico pode ser vis- pandiii pelo mundo. Quando uma empresa
to como processo de tomada de decisões se desenvolve no plano internaciorial, co-
orientado pela priorização dos objetivos meça por exportar o material produzido pela
que, por sua vez, se baseia na listagem matriz e se esforça para eslender suas iedes
desses objetivos a partir da identificação comerciais criando filiais estrangeiras. Nuin
dos problemas e necessidades do país. segundo momento, cria fiíbi-icas destinadas
a pi:oduz.ir peças para responder ideinanda
Os ci-ilérios para [ornar tais decisões de- do mercado nacional onde se implantar. Nu-
rivam das polílicas públicas que refletem, ma rerceira fase, é possível que as filiais es-
por sua vez, a vontade política dos grupos trangeiras estejam a ponto de realizar a
que eslão no poder. inaior parte da produção com a qual assegu-
Ao privilegiar ciência e lecnologia co- ram a comercialização, ndquirindo assim
ino aspectos do planejamento estratégico uma autonomja relativa de funcionamento
com vistas ao desenvolvimento auto-susten- Portanto, a hse atual do cayiralismo das
tado, está se estabelecendo um vínculo entre multinacionais se caacleri~a1130 apenas pela
o desenvol\limenlo econômico e o desen- interiiacionaliza~ãodo capilal finar-iceiroe das
volviinei-ito científico e tecnoldgico que trocas, mas pçla inteinaciondização da produ-
passa, necessai-iarnente, pela educaçáo. ção. Por islo, convive-se hoje com uina nova
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divisão internacional do trabalho, fundamen- Assegurar a abordagem global da rea-


tal para o tipo de produção que se estabeleceu lidade, através de uma perspectiva holísti-
e assiste-se também ao nascimento de novos ca, transdisciplinar.
modelos de gestão. As organizações tradicio-
nais baseavam-se na imposição concreta de No mundo pós-moderno, culturas e et-
ordens e proibições, que impunham restrições nias desconhecidas entre si tornaram-se pró-
no nível do cumprimento de tarefas. ximas. Apesar das divergências existentes
entre elas, há um projeto de desenvolvimen-
As empresas modernas são gerenciadas a to cuja dimensão é planetária.
partir de um sistema de princípios cuja Uma importante função da educação é,
aplicação concreta requer a adesão dos in- pois, preparar cada cidadão para uma parti-
divíduos e a interpretação das diretrizes. cipação responsável nesta comunidade pla-
netária.
Essa passagem da gestão através da or- A tendência a isolar aspectos da reali-
dem para a gestão através da busca do con- dade para compreendê-la melhor não é
senso representa a substituição da obediência mais a prática defendida em nossos dias. A
ao chefe pela adesão a uma lógica. abordagem mais adequada ao momento
atual é aquela que envolve todas as áreas do
conhecimento para análise do mesmo pro-
A ênfase a produtividade blema. Esta abordagem, denominada holís-
e a competitividade tica ou transdisciplinar, caracteriza-se por
A necessidade de garantir a produção ser científica e cultural. Diz respeito ao que
com qualidade, assegurando espaço no mer- "cruza" todas as disciplinas e se encontra
cado interno e garantindo a possibilidade de além de qualquer uma delas. Trata-se de
concorrência com outros países, deixou de uma reconciliação entre o homem exterior
ser preocupação exclusiva dos países desen- e interior, uma busca que nos conduz a uma
volvidos e passou a ser exigência também nova atitude espiritual, intelectual e social.
para os países subdesenvolvidos. Nesta nova perspectiva, qualquer ação
A produtividade e a competitividade educativa, seja ela formal ou informal, deve
passaram a constituir necessidade primária ser planejada e desenvolvida sem perder de
das empresas em todo o mundo e inclusive vista todos os referenciais de análise.
no Brasil. Isto implica desde a dotação de A visão holística evita a dicotomia
medidas relativas à mão-de-obra e aos re- teoria-prática, subjetivo-objetivo, indivi-
cursos naturais até a modernização das ins- dual-social, psicológico-sociológico, espi-
talações e razoável competência em tecno- ritual-corporal, entre outras. Deste modo,
logia de processo e produto. qualquer projeto de educação deve incluir
Conseqüência das megatendências ante- sempre a análise do problema em todas as
riores, a ênfase à produtividade e à competi- suas dimensões. Graças ao concurso de to-
tividade está indissoluvelmente ligada à qua- das as áreas do conhecimento este desafio
lificação do trabalhador, fenômeno que obri- pretende atingir a totalidade do ser huma-
ga os empresários a revisitarem a educação. no, integrando-o numa ordem planetária.

DESAFIOS DA EDUCAÇÃO Transformar-se em processo contínuo


de desenvolvimento.
A educação para o nosso tempo, proces- Até meados do século, a educação era
so que se desenvolve neste cenário, encon- reservada a um período limitado da vida e a
tra-se face a alguns desafios: conclusão do curso universitário (e para al-
Comunicaçáo e Educaçáo, São Paulo, 13):

guns do curso técnico) fechava o ciclo edu- partida, surgiram os gerentes e supervisores,
cacional. Lançado no mercado de trabalho, responsáveis respectivamente pelo planeja-
o homem educado utilizava, por muitos mento e pela supervisão, enquanto cada tra-
anos, as informações e os recursos adquiri- balhador individual dava sua contribuição
dos ao longo de sua formação. parcelar para a execução.
A primeira evidência de que o modelo Foi graças a esta perspectiva que a edu-
estava falido se manifestou através do reco- cação americana nos anos 20 concentrou
nhecimento da necessidade dos cursos de seus esforços no ensino universitário, na
pós-graduação. A institucionalização dos qual formou os gerentes e investiu pouco na
cursos de aperfeiçoamento, atualização e educação básica: o resultado, ainda que ade-
especialização tornou clara a consciência de quado àquele momento, é inviável hoje. A
que o conhecimento em nossos dias se torna entrada da microeletrônica na produção das
obsoleto muito rapidamente e a educação, empresas já permite que processos repetiti-
em nenhum momento, pode ser compreen- vos sejam executados por equipamentos es-
dida como um produto acabado. peciais, dispensando-se o empregado sem
Mesmo quando se está fora do mercado qualificação. Armazenagem de informa-
de trabalho, viver e conviver exigem de nós ções, de regras e fórmulas, que era compe-
um preparo para lidar com a mudança. Isso tência do engenheiro, já pode ser feita pelos
deu origem aos cursos destinados à terceira computadores, dispensando o cérebro hu-
idade, às mulheres dedicadas à vida domés- mano. Cada vez mais, contudo, se faz ne-
tica e outros. cessária a competência para operar instru-
Educação passa a constituir, pois, um mental complexo como as máquinas com
processo contínuo de desenvolvimento, uma controle numérico e os sistemas computa-
preparação constante para os desafios que se dorizados e para utilizar, de maneira criati-
apresentam. A educação escolar passou a ser va, as máquinas disponíveis, criando produ-
denominada formação inicial e, complemen- tos novos, capazes de atender às exigências
tando-a, estende-se, ao longo do ciclo da vi- de fluxo do mercado.
da humana, a educação continuada. Atualmente, a garantia de emprego fica
condicionada à qualificação para operar de
Estabelecer um diálogo com o mundo
maneira criativa o instrumental que se reno-
do trabalho, assegurando qualificação
va a cada dia.
para todos através de uma educação bási-
Os empresários percebem, hoje, a im-
ca de qualidade.
portância da educação básica, de caráter ge-
Quando em meados do século XVIII ral, para assegurar essa qualificação. Não se
aconteceu a J Revolução Industrial, o con- pode confundir qualificação com profissio-
tingente de trabalhadores necessário para nalização, pois, ao concluir uma habilitação
operar as máquinas não necessitava de qua- profissionalizante, o jovem já tem, de ime-
lificação. Já no século XIX, por ocasião da diato, uma formação obsoleta, que não o ha-
I1 Revolução Industrial, deparamos com bilita a encarar o instrumental que o aguarda
profissionais qualificados, conhecedores do na empresa nem a enfrentar, com flexibili-
seu ofício. Ao estabelecer, no início do sé- dade, as situações emergenciais.
culo XX, a racionalização da produção, o
Acompanhar, de perto, os avanços
taj~lorismoteve como conseqüência a divi-
científicos e tecnológicos.
são parcelar do trabalho. Desse modo, cada
trabalhador dominava apenas uma pequena Quase todos os setores da sociedade
parte do processo de produção e perdia, têm se beneficiado do desenvolvimento da
com isto, a visão da totalidade. Em contra- ciência e da tecnologia: salvando vidas, es-
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treitando distâncias, melhorando a qualida- forçadas as respostas estereotipadas, repe-


de de vida da população, facilitando nego- titivas, anticriativas. Geralmente, ao con-
ciações. A educação é, provavelmente, um cluir o curso universitário, ele perdeu total-
dos últimos setores a absorver os avanços mente a originalidade e confunde saber
da ciência e da tecnologia; confirmando is- com erudição.
to, pode-se lembrar a sala de aula típica, que Esse modelo de educação já não serve
permanece inalterada há quase um século. ao momento atual. A reprodução do conhe-
Absorver o avanço científico é um dos cimento, através do ensino, será cada vez
grandes desafios que se apresenta, por reque- mais absorvida pelo instrumental eletrônico
rer uma mudança no perfil do educador, na e o professor, com a prática que tem hoje,
concepção de sala de aula e no próprio con- será facilmente substituído pelo vídeo, pelo
ceito de educação. De informante, expositor, computador e por outros recursos.
o professor passa a animador, provocando a Para enfrentar a rapidez das mudan-
capacidade de criação do aprendiz e seu aces- ças e o conseqüente obsoletismo do co-
so a informação. Em lugar da sala de aula tra- nhecimento disponível, o homem educa-
dicional, pode-se ter acesso a teleclasses, a te- do deve desenvolver uma atitude de in-
lebibliotecas e a todo um sistema de multimí- vestigação. O processo de "aprender a
dia que cria salas "virtuais", onde o aluno se aprender" é, sem dúvida, a maneira de se
transforma em verdadeiro cidadão global. efetivar essa atitude; graças a ele, apren-
Videotextos, videodiscos, CD h (Com- de-se a buscar informações em diversas
pact Discs), gráficos tridimensionais são re- fontes e a analisá-las antes de aceitá-las
cursos que familiarizam a escola com o de- acriticamente.
senvolvimento das mais diversas áreas do Trata-se de assumir uma atitude de pes-
saber. Softwares de alta qualidade, produzi- quisa diante da realidade e de desenvolver
dos em outros países, já se encontram dis- competência para nela intervir, com base
poníveis no mercado especializado, enquan- em conhecimento atualizado. Instituir a pes-
to no Brasil se inicia a produção nacional de quisa como princípio educativo exige que se
softwares educativos. desenvolva na criança, no jovem e no adulto
A simples absorção do computador não a capacidade de questionamento, a curiosi-
representa resposta a esse desafio se ele for dade, a busca criativa da solução para os
usado na perspectiva instrucionista. O que problemas do cotidiano.
se pretende é que, ao invés de ser ensinado, O papel que se reserva à educação no
o aprendiz seja o agente que "ensina" ao cenário da modemidade é essencialmente
computador; explicitando seu pensamento, dinâmico e consiste em desenvolver nos
ele pode propor problemas ao computador alunos a capacidade de "aprender a apren-
e, através da resposta, analisar seu próprio der". A atitude construtiva, crítica e criativa
pensamento. que é própria do "aprender a aprender"
substitui a percepção do aluno como objeto
Desenvolver a capacidade de apren- passivo de aprendizagem pela concepção do
der a aprender. aluno como sujeito histórico.
Os sistemas educacionais sempre valo-
rizam a transmissão do conhecimento e O HOMEM EDUCADO SEGUNDO OS
ainda hoje se considera bem educado aque- CÓDIGOS DA MODERNIDADE
le que repete o que aprendeu e acumula a
maior quantidade possível de informação. Os cenários que descrevemos não afetam
Por isto, à medida que avança através dos apenas o sistema produtivo; eles influenciam
níveis de escolarização, o aprendiz vê re- o conjunto da vida social e cultural.
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A modernização tecnológica e o ideário No plano cognitivo e atitudinal, a fun-


político contemporâneo orientaram um am- ção básica da escola é restabelecida quando
plo processo, no qual a escola parece sucum- ela responde aos desafios que este momento
bir. A modernização tecnológica promoveu a lhe apresenta e busca desenvolver no aluno
difusão da informação através da descoberta algumas capacidades e competências para
de novas formas de linguagem e de novos participar da vida social:
meios de comunicação muito ágeis, seduto- a) competência em leitura;
res e brilhantes. A modernidade criou um b) competência em escrita: precisão pa-
mundo cada vez mais plural e democrático. ra descrever, analisar, comparar e expressar
A questão que nos colocamos é: como o próprio pensamento;
construir a cidadania num mundo cada vez c) competência em cálculo matemático
mais plural, onde a informação é mercado- e resolução de problemas;
ria de fácil consumo e de baixo rendimen- d) capacidade de analisar a realidade
to?; onde tudo é certo?; onde tudo é dito e social;
nada explicado?; onde o que era verdade e) capacidade de avaliar criticamente as
ontem se torna mentira hoje? informações pela mídia;
É inegável que estamos hoje mais infor- f) capacidade de trabalhar e tomar deci-
mados: os meios de comunicação de massa sões em grupo;
informam e, nesse sentido, concorrem cres- g) capacidade de localizar, acessar e usar
centemente com o papel tradicionalmente informações acumuladas.
desempenhado pela escola. Porém, ao mes- A escola poderá recuperar seu papel se-
mo tempo que estamos mais informados, dutor quando for capaz de recriar seus saberes
estamos mais superficiais, mais acríticos, antigos: ler, escrever, falar corretamente, va-
mais influenciáveis. O espaço da reflexão e ler-se desse recurso para analisar e compreen-
da análise é a escola. É através dela que se der o mundo, para produzir e criar informa-
deverá construir esta capacidade de inter- ções, bem como para discernir entre elas.
pretar, de criticar a informação. O novo, agora, é que o papel da escola.
na construção da cidadania, vai se tornando
Cabe a escola ensinar o aluno a lidar com cada vez mais crítico.
a informação e não a consumi-la apenas. Nós, educadores, teremos cumprido
Por isso é necessário que os meios técni- nossa função se conseguirmos vencer o de-
cos de informação estejam a disposição safio de tornar público o saber.
da escola; que a ciência e a tecnologia fa- A educação básica de qualidade é o fun-
çam parte do seu cotidiano reflexivo. damento da construção da cidadania, é onde
se constrói o direito a ter direitos.

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