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E A PRODUÇÃO DA DEMOCRACIA
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O fato de os governos latinoamericanos estarem rigorosamente enquadrados nas constituições vigentes não impediu
as correntes golpistas de acusarem seus modelos de desenvolvimento nacional de não se enquadrarem nos projetos do
capital internacional e, em decorrência, estarem comprometidos com as teorias socialistas. Raciocínio maniqueísta
próprio dos tempos da Guerra Fria.
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A constituição mexicana e a constituição alemã, a Constituição de Weimar, ambas de 1919, incluíram em seus
artigos direitos sociais e econômicos como direitos fundamentais.
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Aqui nos referimos especialmente aos estados nacionais europeus da segunda metade do século passado. Na
América Latina ocorreu exatamente o contrário. Mesmo tendo assinado a Declaração Universal de 1948, os estados
latino-americanos, especialmente ao longo das ditaduras militares, recusaram os direitos civis e políticos de suas
populações, e impuseram um modelo de concentração de riquezas que, ainda agora, destina um imenso contingente
da população a condições de vida que nega os direitos sociais e econômicos.
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Segundo Löwy (2000, p. 99) “A grande contribuição da ecologia foi – e continua sendo – levar-nos a tomar
consciência dos perigos que ameaçam o planeta em conseqüência do atual modelo de produção e de consumo: o
crescimento exponencial da poluição do ar, do solo e da água.”
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Dados do Mapa da Violência 2010 do Instituto Sangari, disponível em: <http://www.institutosangari.org.br/
mapadaviolencia/MapaViolencia2010.pdf>. Acesso em: 11 ago. 2010.
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de Janeiro apresenta uma taxa de 35,7 homicídios; São Paulo, 17,4; Vitória,
75,4; Porto Alegre, 47,3; Recife 87,5 e, em Maceió, a taxa alcançada é de 97,4
homicídios. Números que, considerando a América latina como parâmetro, só
são inferiores aos da Colômbia, país que vive uma longa guerra civil declarada
desde meados do século passado6.
Em um quadro de disparidades econômicas intenso, as diferenças
sociais ampliam-se, produzindo tipos diferenciados de cidadania. Em um
extremo, 23% das famílias vivem com uma renda mensal de até dois salários
mínimos, o que lhes coloca em condição infra-humana. No Brasil, 1% dos
mais ricos se apropria do mesmo valor que os 50% mais pobres. A renda de
uma pessoa rica é 25 a 30 vezes maior que a de uma pessoa pobre7. Obrigada a
viver com baixos salários, ou sem salários, com serviços públicos insuficientes
e submetidos a frequentes humilhações, esta população passa a ser tratada,
preconceituosamente, como se compusesse as novas “classes perigosas”, típicas
da passagem do século XIX para o século XX.
Essa parte da população é composta por 63% das famílias que ganham
entre 2 a 20 salários mínimos. Olhada com desconfiança e preconceito pelo
restante da população, inclusive pela que divide com ela os mesmos espaços
urbanos, as mesmas angústias cotidianas e a mesma expropriação do trabalho:
[...] podem ser brancos, pardos ou negros, tem educação fundamental
completa e o segundo grau em parte ou todo. Essas pessoas nem sempre têm
noção exata de seus direitos e, quando a têm, carecem dos meios necessários
para fazê-los valer, como o acesso aos órgãos e autoridades competentes,
e os recursos para custear as demandas judiciais. Freqüentemente, ficam
à mercê da polícia e de outros agentes da lei que definem na prática que
direitos serão ou não respeitados. (CARVALHO, 2001, p. 216).
6
Para compreender a história da guerra civil colombiana, sugere-se a leitura de Cem Anos de Solidão, clássico da
literatura latino-americana e que deu a seu autor, Gabriel Garcia Marques, o Prêmio Nobel de Literatura.
7
Segundo dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), disponível em: <http://www.ipea.gov.br/>.
Acesso em: 11 nov. 2010.
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Uma política pública pressupõe a participação tanto da sociedade civil, em sua concepção, planificação, execução
e avaliação, como do Estado, em sua execução, recursos e fiscalização (VIOLA 2010).
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dos movimentos sociais em defesa dos direitos sociais para todos como
forma de construir novas culturas políticas, tanto na dimensão dos estados
nacionais como em reivindicações internacionais por igualdade. A cidadania
e, principalmente, a democracia compreenderam ao longo do século XX que
não poderiam se restringir a um modelo único de representação, precisavam
construir um projeto de sociedade capaz de aliar diferentes formas de
manifestações políticas, entre elas as clássicas formas de representação política
que segundo Bobbio (2000) são indispensáveis para a democracia.
Os limites da representação, quando reduzida aos processos eleitorais,
e da luta dentro das “regras do jogo”, como defende Bobbio, pode se constituir
em um obstáculo à participação. Muitas destas regras são contestadas quando
ocorrem crises econômicas e setores sociais antes incluídos passam a ter seus
direitos sociais colocados em discussão como tem ocorrido a partir da crise
de 2008 resultando no ressurgimento de movimentos sociais no México e
na organização de movimentos antirecessão na Grécia e nos movimentos
antireformas liberais na França, na Espanha e em Portugal.
Estes movimentos preservaram conquistas do movimento operário
clássico do século XIX e da primeira metade do século XX, e dos movimentos
feministas e de defesa dos direitos civis. Ao longo de todo o século XX,
movimentos que fizeram avançar a universalização dos direitos humanos,
alterando e refazendo as “regras” do jogo hegemonizadas pelo liberalismo
clássico. Estas lutas, que estabeleceram os direitos de segunda geração ressurgem
na medida em que a crise atual coloca em risco as conquistas dos séculos
passados e que retornam na medida em que a economia recoloca obstáculos
resultantes de uma ordem internacional injusta (ALTVATER, 1999).
Produz-se, assim, a ilusão de que só é possível um tipo de solução
para os problemas sociais, aquela que é fornecida, não mais pelo Estado, mas
pela liberdade de mercado. Ilusão política que se torna quase absoluta quando
faz crer que “[...] a economia é séria e moderna; o social perdulário e arcaico.”
(RIBEIRO, 2000, p. 21).
O quadro político, acima descrito, tem remetido a população para
novas formas de construção da cidadania, que se caracterizam por lutas parciais
em busca de solução de questões imediatas, como as lutas por transporte,
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A grande mídia tem permanentemente discutido a questão constitucional do voto obrigatório. Nas eleições de
outubro de 2010 o percentual de votos nulos no primeiro turno 5,51% (6,1 milhões aproximadamente), os votos
em branco foram 3,13% (3,4 milhões aproximadamente) foi de enquanto o percentual de abstenção alcançou 18,12
(24,6 milhões aproximadamente) resultando num total de 26,76%. No segundo turno foram 4,40% (4,6 milhões
aproximadamente) de votos nulos, 2,30% (2,4 milhões aproximadamente) de votos brancos e 21,36% (29 milhões
aproximadamente) de abstenções, num total de 28,06% de eleitores. Fonte: Tribunal Superior Eleitoral. Disponível
em: http://www.tse.jus.br/eleicoes-2010/estatisticas. Acesso em 11 nov. 2010. O percentual de abstenção é o maior
desde que se restabeleceram as eleições para os cargos do poder executivo.
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AS LEITURAS POSSÍVEIS
O paradoxo em relação aos Direitos Humanos encontra-se na
estrutura socioeconômica que, em nome da prioridade absoluta do mercado,
elimina direitos historicamente conquistados em mais de um século de lutas na
medida em que transforma direitos sociais em mercadorias convertidos em bens
ou serviços: “A saúde, a educação e a seguridade social, por exemplo, deixaram
de ser componentes inalienáveis dos direitos de cidadão e se transformaram
em simples mercadorias intercambiadas entre “fornecedores” e compradores à
margem de toda a estipulação política.” (BORON, 2000, p. 9).
Por fim, há o dilema entre os movimentos sociais e os Estados na
luta pela garantia e efetivação dos direitos já legalmente reconhecidos e pela
implantação de novos direitos que precisam ser conquistados em processos de
lutas sociais que se travam nos espaços tencionados entre os direitos de alguns
ou os direitos de todos.
As ameaças aos Direitos Humanos, cada vez mais constantes e
vigorosas, precisam ser enfrentadas com a lembrança permanente de suas
origens e de sua constituição como espaços de lutas sociais e políticas que
renovam sua abrangência e seus objetivos,
[...] os direitos humanos tradicionais – da “primeira” e da chamada
“segunda” gerações - têm que ser complementados pelos de “terceira”
geração, reivindicação que vem ganhando cada vez mais força. Portanto,
direitos humanos compreendem também direitos de indivíduos (e povos)
em relação à integridade da natureza, isto é, do meio ambiente em que os
seres humanos vivem. (ALTVATER, 1999, p. 115).
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REFERÊNCIAS
ALTVATER, Elmar. Os desafios da globalização e da crise ecológica para o
discurso da democracia e dos direitos humanos. In: HELLER, Agnes et al. A crise
dos paradigmas em ciências sociais e os desafios para o século XXI. Rio de Janeiro:
Contraponto, 1999. p. 109-153.
BLACKBURN, Robin. O capitalismo cinzento e o problema do Estado. In:
SADER, Emir; GENTILI, Pablo. Pós-neoliberalismo II: que Estado para que
democracia. Petrópolis: Vozes, 2000. p. 108-119.
BOBBIO, Norberto et al. Dicionário de política. Brasília, DF: Ed UNB, 2000. v. 2.
BORON, Atílio A. Os novos leviatãs e a pólis democrática: neoliberalismo,
decomposição estatal e a decadência da democracia na América Latina. In: SADER,
Emir; GENTILI, Pablo. Pós-neoliberalismo II: que Estado para que democracia.
Petrópolis: Vozes, 2000. 2. ed. p. 7-67
BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral. Disponível em:http://www.tse.jus.br/
eleicoes-2010/estatisticas. Acesso em 11 nov. 2010.
CARVALHO, José Murilo de. Cidadania no Brasil: o longo caminho. Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira, 2001.
EAGLETON, Terry. Depois da teoria: um olhar sobre os estudos culturais e o pós-
modernismo. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005.
ELIAS, Norbert. A sociedade dos indivíduos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1994.
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