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DESAFIOS CONTEMPORÂNEOS

SOMOS TODOS
CIDADÃOS?
Autoria: Dra. Luísa Maria Silva Dantas
Revisão técnica: Dr. Marcelo Flório
Introdução

Ao ouvir as palavras cidadão e cidadania, é comum nos remetermos às ideias de cidade


participação dos indivíduos em sua sociedade. Além disso, cidadania também está associ
concepção de direitos que conformam uma vida digna, ou seja, o cidadão vive em
coletividade, a sociedade, participa dela e possui direitos e deveres que lhe garantem uma
digna. Essa poderia ser uma maneira de definir o que é cidadania, ligada à um coletiv
pessoas que atuam na sociedade de forma democrática e igualitária. Contudo, ao olh
nosso redor, será mesmo que todos os indivíduos de nossa sociedade participam ativam
das decisões que envolvem suas cidades, estados e a nação brasileira? Ou ainda, todas e
pessoas, que poderiam ser consideradas cidadãos, exercem de fato a cidadania? Em o
palavras, possuem as condições necessárias a uma vida digna? A igualdade, tão clama
defendida pela sociedade moderna está de fato sendo defendida e praticada em n
sociedade?
Neste capítulo, vamos estudar as origens dessas ideias que parecem tão naturalizada
nosso dia a dia, entender como foram instituídas e quais são os principais desafios para
sociedade justa e igualitária na contemporaneidade. Acompanhe esse capítulo com atençã
Bons estudos!

Tempo estimado de leitura: 51 minutos.

1.1 Construção da cidadania

A palavra cidadania ou o que ela representa, nem sempre existiu ou teve o mesmo signifi
em diferentes lugares e ao longo do tempo. A concepção de cidadania a qual nos referim
localizada no mundo ocidental e teve sua consolidação com o surgimento do mundo mod
pautado nos ideais da razão, da ciência e da ampliação da participação política, que motiv
importantes revoluções, inicialmente, no contexto europeu, nos séculos XVIII, XIX e XX.
Outra ideia e valor importante, também surgido na modernidade, é o próprio concei
indivíduo, entendido enquanto um sujeito de direitos e envolto aos ideais de igualdad
liberdade que configuraram os Estados democráticos e capitalistas, com a formaçã
sociedade civil e a proteção da propriedade privada. O antropólogo francês Louis Du
(1911-1998) identifica o individualismo como a ideologia da modernidade, ou seja, o con
de ideias em que o indivíduo é colocado como um valor central, posto que a ideologia é o
como diferentes grupos sociais atribuem sentido às suas experiências no mundo. Vam
seguir, apresentar uma breve história da cidadania no contexto mundial.
1.1.1 Breve história da cidadania
As possíveis origens da cidadania remetem à antiguidade e aos contextos de Roma e G
posto que nas cidades-estados desses países foram identificadas as primeiras forma
participação da população nas decisões da cidade. Apesar de cada integrante ter direito d
e voto, apenas os considerados como cidadãos tinham este privilégio. Cidadãos eram ap
os homens, livres e com propriedades. Mulheres, escravos, artesãos e comerciantes est
excluídos dessa classificação.
Contudo, um conjunto de transformações ocorridas desde o século XV com a Expa
Marítima, Reforma Protestante no século XVI, além da Revolução Científica (século
Independência dos Estados Unidos (1776), Revolução Francesa (1789), Revolução Indu
(final do século XVIII) e urbanização do mundo ocidental, provocaram mudanças profunda
promoveram o fim da Idade Média e o advento da Modernidade.

Figura 1 - Revolução Francesa, quando burgueses e camponeses uniram-se para depor o Estado Absolutista
Fonte: Oleg Golovnev, Shutterstock, 2021.

#PraCegoVer
Na figura, temos a fotografia de uma pintura retratando
uma mulher segurando uma bandeira e uma arma. Há
homens caídos no chão, enquanto outros estão ao redor,
também armados. Trata-se de uma cena de guerra e
conquista.

O momento que instaura a modernidade pode ser caracterizado pela consolidação da burg
enquanto grupo central, pois além do poder econômico acumulado com a expansão marít
a posterior compra de fábricas, este grupo também conquistou o poder político,
concentrado na aristocracia rural e na igreja católica. A mudança de gestão e organiz
política trouxe o surgimento do Estado Moderno, que concentrou o aparato administr
jurídico e de segurança das novas Nações. E também os ideais de liberdade e igualdade
todos os indivíduos inseridos em cada território.

VOCÊ O CONHECE?
Os filósofos ingleses Thomas Hobbes (1588-1679) e John Locke (1632-1704), e o franco-
suíço Jean-Jacques Rousseau (1712-1778) são conhecidos como contratualistas por
defenderem que o surgimento do Estado Moderno é resultado de um contrato social, em que
os homens viveriam em um estado de natureza e decidiram abrir mão de sua total liberdade
para a constituição da sociedade civil. Contudo, estes filósofos divergiam quanto ao estado
de natureza e a função do Estado. Para Hobbes, esta instituição viria para evitar uma guerra
de todos contra todos; para Locke, atuaria como um juiz, já para Rousseau foi a instituição da
propriedade privada que provocou o surgimento do Estado, posto que o estado de natureza
seria o Éden, da felicidade plena.

Então, desde a noção de cidadania que apenas abarcava homens abastados em Roma e G
passando por quase nenhuma incidência no período feudal, é na modernidade, principalm
com a elaboração da Declaração de Independência dos Estados Unidos da América (1776
Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (1789), elaborada na França, que a cidad
na forma como é pensada e vivenciada por nós atualmente, foi inaugurada.
Juntamente às transformações políticas, a sociedade e a economia também foram bas
abaladas com a possibilidade de participação nas decisões que envolviam estados, regi
países e com a industrialização e urbanização que o mundo ocidental experimentava a par
século XVIII. O modo de produção capitalista, pautado pela formação de um grupo que ven
sua mão de obra para os donos das máquinas e fábricas em troca de um salário, gerou a c
trabalhadora, primeiro grupo que passou a organizar-se coletivamente para a conquis
direitos visando melhorar suas condições de vida e trabalho. Portanto, praticando uma
dimensões da cidadania, que é a luta por direitos civis, políticos e sociais.
O sociólogo britânico Thomas Humphrey Marshall (1893-1981), em sua obra “Cidadania, c
social e status”, de 1950, (ARAÚJO, BRIDI e MOTIM, 2013), focada no contexto industrial i
defendia que a busca pela efetivação dos direitos era a condição principal para a cidada
os classificou em três grupos:

1
Direitos civis
Relacionados à liberdade de expressão, de prática religiosa
e direito de propriedade.

2
Direitos políticos

Relacionados à possibilidade de opinar e de ocupar cargos


políticos.

3
Direitos sociais

Voltados para a garantia de dignidade de cidadãos à


margem da sociedade.

Com isso, temos uma pequena contextualização da cidadania de modo global, mas e quan
Brasil? Acompanhe no próximo tópico.

1.1.2 Cidadania no Brasil


A cidadania no Brasil é um assunto bastante delicado, mas como em qualquer outro conte
importante saber a história de nosso país e os caminhos que foram e continuam s
traçados a favor ou contrários à ampliação da cidadania dos brasileiros. Diferentemen
contexto europeu, em que as revoluções burguesas, a valorização da ciência e da razão
movimentos operários contribuíram para a consolidação da igualdade e participação políti
sua população desde o século XVIII, por aqui o percurso se deu posteriormente, influen
pelos acontecimentos do além-mar, ou seja, pela expansão marítima europeia.

Se a cidadania diz respeito à participação popular na vida política de um


Estado- Nação e o exercício de direitos civis, políticos e sociais, nosso
país esteve bastante aquém de alcançá-la. Primeiro, porque africanos e
indígenas foram escravizados durante pelo menos três séculos, tendo a
escravidão abolida apenas um ano antes da Proclamação da República, e
1888. Além disso, para ficarmos apenas no exemplo de direitos políticos
no Brasil, apenas em 1934 foi permitido às mulheres votar e somente co
a Constituição de 1988 os analfabetos conquistaram este direito.

Desde a primeira Constituição (1891) até a atual (1988), o Estado brasilei


assumiu várias feições, de ser sustentado e ocupado apenas por ruralista
quando o voto era aberto e vigiado (“voto de cabresto”), passando pela E
Vargas (1930-1945), uma iniciante democracia, 20 anos de ditatura milita
(1964-1984), até alcançarmos o retorno ao regime democrático de direit
(1985). Nesse percurso, os direitos políticos foram conquistados por
grande parte da sociedade, mas os direitos civis e sociais ainda se
manifestam como um grande desafio para os movimentos sociais e os
indivíduos que defendem uma ampla cidadania como condição para um
mundo mais justo e igualitário.

Vamos tomar como exemplo a população negra. Apesar da liberdade de culto religioso se
direito civil garantido pela Constituição de 1988, é comum as mídias registram caso
assassinatos e violências a líderes e casas de religião de matriz africana. Quanto aos di
sociais, institutos de pesquisa, como o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (I
divulgam dados que comprovam o assassinato de grande parte da juventude, o encarceram
da população negra e a violência contra as mulheres, principalmente negras.

VOCÊ SABIA?
Educação, saúde, moradia, trabalho, lazer, esporte e segurança são direitos garantidos a
todos os cidadãos brasileiros pela Constituição Federal de 1988. Ainda que na teoria isso
seja de conhecimento, na prática, esses direitos estão longe de serem garantidos pelo
Estado, fazendo com que uma parcela da população recorra aos serviços privados, e a
maioria simplesmente viva cotidianamente sem acessá-los, ainda que a existência dos
impostos seja justificada para garanti-los.

Na resistência a favor da vida e da dignidade da população excluída dos meios de subsist


e integração social, o Brasil conta com extenso número de movimentos sociais, sindic
associações e organizações não governamentais, que atuam questionando e pression
projetos e leis aprovados e postos em prática pelos poderes legislativo, executivo e tam
judiciário, visando a efetivação de políticas públicas e sociais que de fato reconheç
cidadania da maioria da população brasileira.

Figura 2 - Exemplo de ocupação irregular muito comum no Brasil devido à falta de moradia em melhores condiçõ
Fonte: De Visu, Shutterstock, 2021.

#PraCegoVer
Na figura, temos a fotografia de um lugar precário. Trata-
se de uma casa construída de maneira arranjada com
cortinas e toalhas forrando o telhado. Há lixo ao redor e
um varal com roupas estendidas. Um homem está
agachado na entrada do local. Ao fundo, pode-se observar
vegetação.

Ao longo do tempo, os movimentos sociais também foram mudando sua organização e f


de atuação. Se na metade do século XX se proliferou grande número de sindi
representativos da classe trabalhadora, com forte estrutura hierárquica e prática
panfletagem para a organização de passeatas e greves, atualmente, com o desenvolvimen
novas tecnologias, os movimentos encontram-se cada vez mais horizontais e abarc
maiores escalas via mídias digitais que tem capacidade para conectar pessoas nos
distantes lugares do globo. As manifestações de junho de 2013, bem como outra
contemporaneidade, foram articuladas e disseminadas de tal modo. Vamos continuar no
estudos com o tema direitos humanos.

1.2 Os Direitos Humanos


Para entender o que são e como surgiu os direitos humanos, precisamos contextu
historicamente de qual momento e local estamos falando. Vimos que o conceito de cidadã
se transformando, pois nem sempre abarcou todas as pessoas que compunham determ
sociedade, já que durante muito tempo apenas eram considerados cidadãos os homens, liv
com propriedades.
A concepção de direitos humanos, que nos referimos com tanta naturalidade, foi desenvo
na modernidade, quando as revoluções burguesas depuseram os regimes absolutistas
democracia, caracterizada pela soberania popular, foi estabelecida. O surgimento dos Es
Democráticos, a partir do século XVII no contexto europeu, institucionalizou a sociedade c
impulsionou o surgimento de direitos e deveres para a manutenção e organização da socie
A ideia de cidadania está atrelada a este cenário de ampliação da participação política
conquista de direitos: “na sua acepção mais ampla, cidadania é a expressão concret
exercício da democracia” (PINSKY; PINSKY, 2010, p.10).
Historicamente, os direitos foram associados e restritos aos grupos dominantes e a ampl
para o conjunto maior da sociedade está ligada à modernidade e suas transformações pol
sociais e econômicas. Os direitos humanos da contemporaneidade se pretendem unive
indivisíveis, interdependentes e inter- relacionados.
A seguir, vamos apresentar e discutir alguns aspectos históricos e sociológicos dos di
humanos.

1.2.1 Aspectos históricos e sociológicos dos Direitos Humanos


A Declaração Universal dos Direitos Humanos, publicada originalmente em 10 de dezemb
1948, pela Organização das Nações Unidas (ONU, 2009), é considerada o marco regula
decisivo para a implementação e fiscalização dos direitos humanos no mundo ocid
moderno. A ONU surgiu em 1945, ano em que terminou a Segunda Guerra Mundial, c
intuito de incentivar o diálogo entre as nações e evitar novas catástrofes mundiais. N
sentido, a declaração dos direitos humanos foi um documento importante para enfati
caráter universal dos direitos, levando em consideração a pluralidade dos povos, bem co
sub- representatividade de determinados grupos nas esferas de poder e prestígio.
A defesa pela igualdade e liberdade dos indivíduos foi uma das principais bandeiras aind
revoluções liberais-burguesas nos séculos XVII e XVIII. Àquela época, o grupo que cons
acumular renda, mas que ainda era desprovido de poder e participação política, uniu-se ao
os desprovidos de privilégios, mas obrigados a pagar altos impostos para os nobres, para o
para a igreja, para ter mais forças e conseguir realizar tais revoluções. Ao garantirem sua v
a burguesia aos poucos foi agindo contrariamente à consolidação de direitos para o povo,
que não mais precisava de seu apoio, mas agora da exploração de suas vidas e trabalho
desenvolver o sistema capitalista.
Nesse período, começaram a ser disseminadas as correntes do socialismo e do comun
entre a classe trabalhadora, que passou a organizar-se na forma de partidos e sindicatos e
por melhores condições de trabalho A primeira metade do século XX foi marcada então
divisão do globo entre países capitalistas e socialistas, culminando no surgimento de es
fascistas e totalitários e na Segunda Guerra Mundial.
VOCÊ QUER VER?
No filme Norma Rae (FRANK JR; RAVETCH, 1979), a protagonista vem de uma família com
gerações de trabalhadores da indústria têxtil e a partir do contato com um ativista passa a
questionar as condições de trabalho e propor a organização de um sindicato.

Nas práticas de colonização promovidas pela Europa na América Latina, África e Ásia tam
podemos identificar a desumanização dos povos dominados, que tiveram sua cultura, lí
economia e religião negligenciados e combatidos em prol da ocidentalização do mundo.
exemplo de violência contra a universalidade da humanidade pôde ser observada no re
nazista alemão que, baseado em uma ideia de supremacia racial, também dizimou milhõ
pessoas e implementou os campos de concentração.

VOCÊ SABIA?
No Brasil foi instituída uma Comissão Nacional da Verdade (CNV), em 2011, durante o
governo de Dilma Rousseff, para investigar violações aos direitos humanos cometidos entre
18 de setembro de 1946 e 5 de outubro de 1988, abarcando o primeiro período democrático
do país (1946-1964), a ditadura militar (1964-1984), o retorno à democracia (1985) e a
instituição da atual Constituição Federal (1988).

Outro desafio a partir da Declaração Universal dos Direitos Humanos é de que todo
indivíduos “são iguais perante a lei”, além de livres para expressarem suas opini
cultuarem a religião que escolherem. Bom, basta olharmos qualquer reportagem e/ou rela
cotidiano para percebermos que a justiça não se aplica de maneira igualitária, independen
cor/etnia, classe social, gênero, nacionalidade, orientação sexual, opção política-ideológic
Também temos os casos de “prisioneiros da consciência”, ou seja, pessoas que foram p
por se manifestarem contrariamente a governos totalitários, como durante a ditadura milit
Brasil. E quanto à religião, casos de repressão às suas manifestações, como o uso no v
França por muçulmanas, que foi repreendido, ou os casos de depredação de casas de re
de matriz africana no Brasil.
Figura 3 - Praticante de religião de matriz africana, que apesar de estar garantida pela constituição brasileira, contin
sofrendo violência
Fonte: Vitoriano Junior, Shutterstock, 2021.

#PraCegoVer
Na figura, temos a fotografia de uma mulher de vestido
volumoso branco e turbante, também branco. Ela está de
costas, à direita. Ao fundo, pode-se observar uma
construção de madeira, com um pano florido pendurado e
uma bandeira com um anjo pintado.

Então, é pertinente nos determos na afirmação de John Dewey que o historiador M


Mondaini (2009, p. 159) nos traz à tona: “Se você quer estabelecer a concepção de
sociedade, descubra quem está na prisão”. Essa afirmação é importante para que poss
avaliar se os ideais de justiça social, paz, diversidade cultural e respeito aos direitos hum
estão sendo exercidos nos diferentes países.
No próximo tópico, vamos discutir as assimetrias entre o Brasil de direito, caracterizado
leis, e o de fato, fundamentado na prática cotidiana.

1.2.2 Brasil Legal x Brasil Real


O caminho percorrido pelos Estados Unidos, Inglaterra e França, é de conquista de direitos
– as liberdades individuais (século XVII e XVIII), depois direitos políticos – igualdade po
(século XIX), e direitos sociais – igualdade social (século XX). No Brasil, houve inicialm
alguns ganhos sociais, como a consolidação das leis trabalhistas (CLT), em 1943, dura
governo de Getúlio Vargas, para que posteriormente fossem conquistados direitos c
políticos, principalmente após a ditadora militar, em 1984, quando foi (re)instituído no Br
Estado Democrático de Direito.
Em termos legais, o Brasil se coloca como um dos países com legislação mais avançad
América Latina, contudo percebemos grande contradição entre o campo “legal” e o “rea
seja, apesar de uma constituição e leis que garantem a igualdade, liberdade e dignidad
todos os cidadãos, os direitos fundamentais como saúde, moradia, segurança, transporte,
e educação são escassos a ampla parcela da população.
A dinâmica social contemporânea, ainda que imbuída em um cenário de direitos e no
jurídicas estabelecidas, se passa como se ainda vivêssemos na idade média, quando o
econômico e político eram determinados pelo nascimento, já que mesmo com a igua
presente nas leis, não há meios adequados para que pessoas de diferentes estratos so
alcancem os lugares mais prestigiados da sociedade. Mesmo que a justificativa não seja
os “desígnios de deus”, a estratificação ou desigualdade social é uma das características
evidentes de nosso país.

VOCÊ QUER LER?


Quarto de Despejo – Diário de uma Favelada (JESUS, 2014) é um livro em que são editados
os diários de Carolina Maria de Jesus, uma mulher negra, migrante de Minas Gerais,
papeleira e moradora de uma favela em São Paulo, na década de 1950. O livro retrata o
cotidiano de miséria, privações e a sociabilidade da escritora, sua família e vizinhos,
explicitando as trajetórias de pessoas à margem da cidadania e dos direitos fundamentais
no Brasil.

Pessoas são tratadas de forma distinta conforme os marcadores de diferença, classe,


gênero, por exemplo. O aparato público é utilizado com fins privados e o coronelismo ain
apresenta como uma das principais práticas políticas. Esse clientelismo que dever
acabado com a instituição da democracia e ampliação da cidadania ainda não foi extermi
já que os políticos atuais são os mesmos ou, então, descendentes dos antigos coronéis. A
os direitos humanos ainda não conseguiram garantir a emancipação real da maior
população brasileira.
VOCÊ QUER VER?
No filme Quanto Vale ou é por Quilo? (BIANCHI; BENAIM; CANITTO, 2005) é retratado os
trâmites entre política e filantropia, além de fazer uma analogia entre o comércio de escravos
e a atual exploração da miséria por vários agentes sociais.

É inegável que desde a abertura política já tivemos inúmeros avanços, mas infelizmente
também chegam acompanhados por retrocessos. A reforma agrária que possibilita
permanência dos agricultores no campo, a manutenção de identidade e cultura de quilom
e indígenas ainda não foi realizada. Ao mesmo tempo em que houve a universalizaçã
crianças nas escolas, também enfrentamos uma taxa de mais de 10 milhões de brasi
desempregados (GOMES, 2018). Vivemos, então, em um Brasil em que uns são mais hum
do que outros? Enfrentar essas disparidades se constitui como um desafio urgente
construirmos um lugar realmente plural e digno para todos, onde a paz, a segurança colet
desenvolvimento e os direitos humanos sejam indissociáveis.
Agora, vamos apresentar a situação de grupos que permanecem à margem de part
integralmente dos direitos humanos.

1.3 Mulheres e minorias

Este tópico diz respeito aos avanços, desafios e entraves para o exercício da cidadania
respeito aos direitos humanos de grupos subalternizados, também chamados de minori
primeiro ponto que precisamos elucidar se relaciona justamente a palavra minorias. Quan
ouvimos, a primeira ideia que nos vem a cabeça tem a ver com um número reduzido, ou
com quantidade. No entanto, essa imagem pode gerar equívocos quando a palavra min
está associada a políticas públicas ou direitos humanos. Isso porque grupos composto
milhões de pessoas – que, muitas vezes, podem constituir a maioria em termos numéric
população de determinada sociedade -, mas que, contrariamente à sua presença num
estão sub-representados em espaços de poder, prestígio, educação, renda, saúde e lazer.
disso, são hiper-representados entre o grupo com menor poder aquisitivo, ocupand
empregos menos valorizados e prestigiados, deficitários de saúde, educação, mo
segurança, lazer e respeito aos direitos humanos.
Nesse sentido, as mulheres e outros grupos como homossexuais, transexuais e transgên
deficientes, idosos, jovens e crianças, são estratos da sociedade considerados min
justamente por estarem mais vulneráveis a violências e carentes de respeito aos seus di
humanos mais fundamentais. Em contraponto às minorias, está o grupo hegemônico, pr
de privilégios e vantagens historicamente perpetuadas. Esse lugar é ocupado por hom
brancos, heterossexuais, que moram nos lugares mais caros das cidades, ocupam profis
bem remuneradas e respeitadas e estão menos sujeitos às violências criminos
institucionais, fazendo com que pessoas que não correspondem a este perfil sejam vis
tratadas como não tão “humanas” assim.
Será que diferenças são o mesmo que desigualdades? É o que vamos abordar no pró
tópico.

1.3.1 (Des)naturalização das desigualdades


Enquanto seres coletivos, vivendo em sociedade, nossa socialização desde a infância se d
meio de instituições sociais, como família, escola, igreja e Estado, que, frequentem
disseminam o modelo hegemônico sobre o que é normal ou anormal para a contribuiçã
ordem social. Entretanto, nesta “ordem”, normalmente alguns grupos são privilegi
enquanto outros são inferiorizados.
Portanto quem detêm o poder político e econômico não pretende perder seus privilégios e
isso, faze uso do aparato ideológico para manter a estrutura social no modelo que mantém
posição de dominação sobre outros.
Isso acontece, por exemplo, em relação ao conceito, características e significados de mu
homem em nossa sociedade. Somos ensinados que quem nasce com uma vagina é do
feminino e devem ser socializados como mulheres, enquanto quem nasce com pênis, d
aprender a ser homem. Essa associação, que durante tanto tempo foi vista como natu
disseminada pelas instituições sociais, atualmente começa a ser tensionada por estudioso
irão defender que a própria biologia é uma construção cultural (MARILYN STRATHERN,
apud CARVALHO, 2012), portanto não é natural ou imutável.

Seguindo o modelo sexo-gênero (GAYLE RUBIN, 1975 apud CARVALH


2012), tão difundido ao longo dos tempos, a genitália determinaria
comportamento social das pessoas e também o papel que estas deveria
desempenhar nos seus contextos sociais. Podemos perceber que ess
estrutura binária contribuiu para a dominação masculina e a opressão da
mulheres.

Alguns autores vão justificar que as mulheres estariam ligadas à naturez


e à reprodução da família e do lar, enquanto os homens estariam atrelado
à cultura, ao espaço público e ao sustento de suas famílias e lares, com
se homens e mulheres estivessem limitados a apenas um destin
estabelecido pela natureza.

Várias pesquisas em diferentes sociedades (MARGARETH MEAD, 2000 apud CARVALHO, 2


contrapuseram este quadro, demonstrando que existem vários modelos sobre o que
homem ou mulher e nem sempre ligados à constituição biológica dos seres. Além disso, ho
sabe que a maneira dicotômica de classificar o mundo em macho/fêmea, alto/b
mente/corpo, é apenas uma das possibilidades de entendimento, dentre várias outras, cad
mais múltiplas.
Em relação especificamente às mulheres, que se constitui como uma minoria por não goz
plena cidadania e respeito aos direitos humanos, foi justamente durante as revoluções lib
que elas passaram a questionar sua ausência no grupo dos cidadãos. A Declaração dos Di
do Homem e do Cidadão, por exemplo, não incluía as mulheres. Desde o início da moderni
as mulheres passaram a lutar por sua efetiva inserção na sociedade civil, reclamando
direito de voto e também de poderem assumir cargos políticos.

VOCÊ SABIA?
A Arábia Saudita é um país em que as diferenças entre os direitos e papéis de homens e
mulheres é bastante desigual, visto sob o contexto dos direitos humanos. As mulheres
precisam da autorização de um parente masculino para viajarem, trabalharem ou casarem.
Foi o último país no mundo a negar as mulheres o direito de voto, conquistado apenas em
2015, e ainda assim, a representatividade das mulheres é irrisória, apenas 1 em cada 10
eleitores.

A luta pelo direito do voto, quando da consolidação dos Estados democráticos no ociden
constituiu como a “primeira onda” na história oficial do feminismo – movimento acadêm
ativista que atua em prol das mulheres. Posteriormente, com a industrialização e urbaniz
as mulheres também passaram a se organizar para exercerem direitos iguais aos dos ho
como o de ocupar o emprego que lhes desse vontade e ter a mesma remuneração que
pares masculinos. Além disso, também passaram a questionar seus papéis sexuais enq
apenas esposas, mães e responsáveis pelos afazeres domésticos, e a reivindicar por libe
sexual, o que foi facilitado com a invenção da pílula anticoncepcional na década de 19
prática sexual não mais estaria atrelada somente à reprodução.
Figura 4 - Dilma Rousseff foi, até o momento, a primeira e única mulher presidente do Brasil (2011 a 2016)
Fonte: Shutterstock, 2021.

#PraCegoVer
Na figura, temos a fotografia de Dilma Rousseff. Ela está
sorrindo para a câmera, vestindo terno claro e a faixa da
presidência. Esta é verde nas laterais e amarela no centro,
com um emblema no meio.

Enquanto ferramenta de produção de conhecimento científico, após o conceito de p


sexuais, na década de 1980, a feminista estadunidense Joan Scott (1985) introduziu o con
de gênero para estudar o caráter cultural dos papéis de homens e mulheres. Partindo d
ferramenta analítica, muitas pesquisas foram desenvolvidas, mas inicialmente ap
chamando atenção para as trajetórias sociais e dificuldades que as mul
enfrentavam/enfrentam em seus cotidianos.
Depois, houve o entendimento de que a categoria gênero seria relacional, se trataria
relações sociais constituídas por homens e mulheres e suas peculiaridades. Nesse mom
surgem trabalhos que também interpelam e manifestam a existência de masculinidad
feminilidades no plural.
Isso significa que de categorias que antes foram determinadas biologicamente, home
mulheres passaram a ser constructos sociais e, portanto, passíveis de mudanças, já q
cultura está em contínua transformação.

VOCÊ QUER LER?


O livro O Conto da Aia (ATWOOD, 2017), em inglês The Handmaid’s Tale, é um romance da
canadense Margaret Atwood lançado originalmente em 1985. A partir de uma cidade fictícia
dos Estados Unidos, a história retrata um golpe em que um grupo conservador toma o poder,
destruindo o país e impondo papéis sexuais para diferentes grupos de mulheres, que
remetem às ideias de natureza e submissão.

Além das recentes discussões sobre o caráter cultural da natureza, as perspectiva


feministas afro-estadunidenses, desenvolvidas pelos menos desde os anos 1960, juntam
com as abordagens de mulheres do “terceiro mundo”, passaram a ter maior visibilidade a
dos anos 1990. Autoras como Angela Davis, Bel Hooks, Kimberlé Crenshaw, Chandra Moha
Lélia Gonzalez chamaram atenção para a heterogeneidade da categoria mulher, defend
que as experiências e opressões variam de acordo com o lugar que determinada mulher oc
da sociedade em que está inserida. Desse modo, salientam que classe social, cor, orien
sexual e religião não podem ser entendidas de forma separada ou hierarquizada, pois, m
vezes, atuam de forma simultânea nas trajetórias de diferentes mulheres. Então, levant
críticas a respeito de apenas um discurso feminista, pautado nas experiências de mul
brancas, heterossexuais, norte-americanas e europeias.
Figura 5 - Mulher protestando em ato público pela garantia de direitos civis, políticos e sociais
Fonte: arindambanerjee, Shutterstock, 2021.

#PraCegoVer
Na figura, temos a fotografia de uma mulher com um lenço
preto na cabeça e uma bandeira amarrada ao pescoço
falando em um megafone. Ao fundo, pode-se observar uma
multidão, como em um movimento. Todos estão ao ar livre.
Ao redor, há prédios.

Para enfrentar as desigualdades e violências que diferentes mulheres ainda enfrentam


movimentos sociais, organizações não governamentais e partidos sensibilizam a op
pública por meio de campanhas e protestos, visando o estabelecimento de leis de prote
políticas afirmativas para que as mulheres possam ser respeitadas em seus direitos huma
ocupem diferentes espaços sociais.
No Brasil, em 7 de agosto de 2006, foi sancionada a Lei Maria da Penha - Lei 11.340 (BR
2006) que visa criminalizar e punir a violência contra as mulheres. Há também a L
Feminicídio – Lei 13.104 (BRASIL, 2015) – que classifica como crime os assassi
cometidos em razão de serem mulheres.
Qual seria o outro seguimento social que também permanece em desigualdade em n
sociedade? Veja a resposta no tópico a seguir.

1.4 A questão étnica racial


Para justificar a colonização, exploração e dominação de povos e países, os euro
ancoraram-se em teorias pseudocientíficas que abalizavam diferenças étnico-raciais enq
desigualdades intelectuais e morais. Isto é, utilizaram a teoria da evolução das esp
desenvolvida por Charles Darwin (1809-1882) para explicar a manutenção e proliferaçã
certos tipos de animais e vegetais, e construíram a teoria da evolução social, pautando-se
argumento de que povos também deveriam passar por estágios evolutivos para progred
Iriam da selvageria, passando pela barbárie, até chegar na civilização, que seria a c
ocidental europeia.
Assim, o argumento moralmente defendido para a colonização era de que os europeus
“civilizar” o novo mundo, enquanto uma “missão de ajuda humanitária”. Não é preciso adiv
que para tal intento, no caso brasileiro, trataram como selvagens e bárbaros indíg
africanos e seus descendentes. Era preciso tornar inferior estes grupos, juntamente às
culturas e religiões, para que o projeto “civilizatório” desse certo. Com isso, foram aplicad
sociedade brasileira teorias raciais que surgiram na Europa desde o século XIX, e pregav
ideia de supremacia e pureza raciais. Então, além do genocídio da população indígen
escravização de africanos, também foram postos em práticas políticas públicas pa
embranquecimento da população, sob o argumento que o desenvolvimento da nação e
diretamente relacionado com o fim da população negra e indígena.

VOCÊ O CONHECE?
O psiquiatra e flósofo martinicano, de ascendência francesa e africana, Franz Fanon (1925-
1961), escreveu sobre os efeitos do racismo na subjetividade de homens racializados e lutou
pela independência da Argélia. Suas obras “Pele negra, máscaras brancas” (1952) e “Os
condenados da terra” (1961) são referências dos estudos culturais e pós-coloniais.

Como você pode subentender, durante muitos séculos o conceito de cidadão brasileiro
incluía a população negra ou indígena. Por serem considerados “menos humanos” qu
brancos, não eram reconhecidos como sujeitos dos direitos humanos, logo, o país
perpetuando uma dívida com esses grupos, que podem ser considerados minorias, e
infelizmente, apesar de alguns direitos já reconhecidos, continuam tendo que resistir aos e
da discriminação racial que estrutura a sociedade brasileira.
Surge, então, a pergunta: como consolidar a cidadania e a democracia plena em um
fundado na desigualdade social e no preconceito racial? A resposta passa por uma g
revolução em todas as esferas da vida social, com a prioridade dos direitos hum
universais. Com isso, poderemos pensar em nos desenvolvermos e constituirmos em um
harmônico e miscigenado de fato, enquanto isso, ainda temos muita estrada pela frente.
Já no próximo tópico, vamos estudar a sociedade brasileira, posto que a partir da identific
é possível buscar soluções para os problemas.
1.4.1 Enxergando a sociedade brasileira
A década de 1930 ficou conhecida como o período em que surge a sociologia no Brasil. O
foi marcado por perguntas que buscavam entender a sociedade e a cultura brasileira, “afi
que faz o Brasil, Brasil?”. Nesse momento, surgiram obras importantes com o intui
responder tal questionamento como “Casa Grande e Senzala” (FREYRE, 1992 [1933]
pernambucano Gilberto Freyre (1900-1987), em que podemos perceber uma crítica à suprem
racial das teorias raciais do século XIX. O autor aborda a miscigenação entre euro
africanos e indígenas como o traço central da sociedade brasileira, mas defende o que
conhecido como o “mito da democracia racial”, como se no Brasil não existisse conflitos ra
e todos os povos vivessem com respeito, igualdade e harmonia. Desse modo, o mit
democracia racial corresponde à ideia de que no Brasil não existem conflitos raciais e tod
segmentos sociais tem a mesma oportunidade de acesso a direitos, bens e serviços, ou
uma falácia.

Figura 6 - A capoeira é uma arte marcial brasileira, desenvolvida por africanos e brasileiros escravizados e durante m
tempo sua prática foi proibida
Fonte: Val Thoermer, Shutterstock, 2021.

#PraCegoVer
Na figura, temos a fotografia de um grupo de pessoas
formando um círculo ao ar livre. Há duas pessoas no
centro, jogando capoeira. Atrás, há outras pessoas
tocando instrumentos, como o berimbau. Ao redor, pode-se
observar prédios e outras construções.

Por décadas e mesmo nos dias atuais, o mito de que no Brasil não existem conflitos ra
ainda é disseminado quando se deseja discorrer sobre a sociedade brasileira. O problema
ele mascara e invisibiliza a realidade de grupos brasileiros (negros e indígenas), contrib
assim para a perpetuação de violências, desigualdades e segregações.
VOCÊ QUER LER?
O livro Um Defeito de Cor (GONÇALVES, 2006), escrito por Ana Maria Gonçalves, é a história
de uma africana trazida à força para ser escravizada no Brasil, seus antepassados e os
eventos que vivencia no “novo mundo”. É uma obra prima que reflete o horror da escravidão e
do racismo na sociedade brasileira, mas também um documento histórico sobre resistência,
solidariedade e espiritualidade.

No Brasil, metade da população é negra ou não branca (SARAIVA, 2017), mas estes estão
representados nos locais de prestígio e poder da sociedade e hiper- representados
profissões de menor valorização e remuneração, como o trabalho doméstico, de porta
segurança. Ocupam os bairros menos valorizados, distantes do centro das cidades, m
vezes, com falta de saneamento básico e serviços. Assim como as mulheres, a população
ou não branca, sobretudo, mulheres negras, ganham menos que os homens branco
realizarem o mesmo serviço.

ESTUDO DE CASO
No Brasil, existem aproximadamente 6 milhões de trabalhadores domésticos. Destes, mais
de 95% são mulheres, e em torno de 70% mulheres negras. Apenas 30% destas
trabalhadoras possuem a carteira de trabalho registrada e contribuem para a previdência
social. Isso quer dizer que durante décadas essas mulheres trabalharam sem a garantia de
um salário mínimo, uma jornada de trabalho estabelecida e a garantia de aposentadoria.
Somente em 2015, foi regulamentada a “lei das domésticas”, LCP 150 (BRASIL, 2015), que
visa equiparar os direitos das trabalhadoras domésticas aos demais trabalhadores. A lei
abarca somente trabalhadoras mensalistas, enquanto cresce o número de diaristas, que
trabalham várias vezes por semana. Algumas trabalhadoras preferem o trabalho na forma de
diaristas, pois podem flexibilizar seus horários, porém com isso apenas recebem quando
estão trabalhando, além de que os danos para a saúde a longo prazo podem ser bem
maiores.

Atualmente, o Ministério do Trabalho busca fiscalizar e punir os empregadores que não estão
obedecendo a lei 150/15. Os movimentos sociais continuam se organizando para
conseguirem mais direitos para as diaristas, que já representam aproximadamente 30% do
grupo.
Os indígenas são os povos originários de nossas terras e bastantes heterogêneos, organiz
em diferentes etnias, com língua e cultura próprias. De acordo com o censo de 2010 (BR
2012) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), existem aproximadam
817.963 indígenas, falando 274 línguas distintas e divididos em torno de 305 povos.
É comum achar que eles fazem parte do passado, de uma cultura selvagem e que vivem ap
na Floresta Amazônica. Essas ideias etnocêntricas foram disseminadas durante a coloniz
justamente para colaborar com a exploração e dizimação dos povos indígenas e, atualm
são usadas por empresários que visam o uso ilimitado das terras para fins privad
comerciais.
Como o número do censo em relação à diversidade nos mostra, os índios persistem e
cada vez mais ocupando diferentes lugares na sociedade sem perderem suas identidades.
As culturas indígenas são parte constitutiva da sociedade brasileira, seja no vocabulário
práticas alimentares ou medicinais, e suas influências estão presentes no cotidiano de qua
cidadão, bem como a influência das culturas africanas, europeias e, em menor me
asiáticas.

Figura 7 - Exemplo do sincretismo que forma a sociedade brasileira, mulher negra performatiza uma dança com influ
indígenas
Fonte: ostill, Shutterstock, 2021.

#PraCegoVer
Na figura, temos a fotografia de uma mulher negra vestida
com uma fantasia de carnaval. Esta traz penas pretas,
vermelhas, amarelas e roxas. Ela também está de cocal,
este com penas das mesmas cores.

Como mecanismo para promover a igualdade de segmentos sociais historicam


discriminados, políticas públicas diferenciadas começaram a ser desenvolvidas, de a
afirmativas, com intuito de implantar mecanismo de cotas para que os grupos minori
possam alcançar de maneira mais rápida igualdade de oportunidades nas sociedades.
De acordo com a antropóloga Ana Paula Comin de Carvalho (2012), citand
o etnólogo Carlos Moore Wedderburn (2005), diferentemente da ideia de
que as políticas de ação afirmativa surgiram nos Estados Unidos, na
década de 1960, no contexto da luta pelos direitos civis de afro-
americanos, as ações afirmativas teriam sido originadas na Índia, já no
pós-Primeira Guerra Mundial, quando as castas inferiores começaram a
clamar por mais representatividade nas esferas de poder.

Esse movimento teria se intensificado após a Segunda Guerra Mundial,


com as lutas de independência dos países da África e Ásia, para então
servirem como forte instrumento em busca de igualdade pelas mulheres
norte-americanas e europeias, pelas populações negras diaspóricas
(populações oriundas da África que se estabeleceram em outros lugares
do globo), e também na América Latina.

Em especial no Brasil, as políticas de ação afirmativas, que visam resgatar a equidad


segmentos sociais de maneira rápida e eficaz, passaram a ter maior incidência a partir dos
2000, quando não apenas a representação feminina foi estimulada na esfera governam
mas outras minorias organizaram-se na luta pela igualdade de direitos. Desse m
atualmente existem cotas para diferentes grupos nas esferas da política, do trabalho
educação. Porém, estão em risco quando grupos conservadores põem em cheque
importância, como acontece em relação à política de cotas para negros e indígenas
universidades brasileiras.

CONCLUSÃO

Concluímos a unidade introdutória aprendendo que o conceito de cidadão nem sempre ab


todos os indivíduos de uma determinada sociedade, assim como a consolidação dos di
humanos continua sendo um desafio diário, sobretudo, para minorias sociais.
Nesta unidade, você teve a oportunidade de:

aprender que a Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948)


constitui como o documento de referência para a implementação d
direitos humanos nas constituições dos mais diversos países;
estudar os percursos históricos para o surgimento da cidadania e a
garantia dos direitos humanos no contexto brasileiro, chamando
atenção para os desafios que persistem na consolidação da iguald
e justiça social em nosso país.

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