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HISTÓRIA MODERNA

AULA 6

Profª Lorena Zomer


CONVERSA INICIAL

A palavra cidadania é conhecida pela nossa sociedade, pois ela faz parte
de nossa constituição e, portanto, dos nossos direitos e deveres como pessoas
que vivem na nação brasileira. Temas como o direito à liberdade de pensamento,
o direito à liberdade de expressão e associação, o estado laico e representantivo
são recorrentes nas discussões políticas e sociais de nosso contexto, cujo
objetivo maior é dar dignidade aos brasileiros.
E estes estão relacionados também à Revolução Francesa (e à Tomada
da Bastilha em 14 de julho de 1789), embora este seja um acontecimento de
outro local. O que tem em comum com a realidade brasileira é o marco temporal
que representa, visto que a ideia de revolução política e social cristalizou outras
perspectivas de organização para o mundo ocidental ao longo dos últimos dois
séculos. A pintura abaixo é de Eugène Delacroix e representa esse processo:

Figura 1 – Delacroix, E. A Liberdade guiando o povo, 1830. Museu do Louvre.

Crédito: CC-PD

É possível observar inúmeros cadáveres abaixo da liberdade, esta como


uma alegoria de uma deusa. Considerem ainda que para que ela fosse
conquistada as mortes foram necessárias. O mastro com a bandeira na mão está
com a liberdade, uma república (mais tarde) que se ergueria em nome da
igualdade de todos.

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Apesar de a liberdade parecer um aspecto natural para o cotidiano das
sociedades do século XXI, ela é o principal elemento na tela e de reivindicação
desse processo político e era também desconhecida pelas massas. Isso porque,
até aquele período, as desigualdades sociais baseadas na ideia de classe, de
nascimento, entre outras, eram naturalizadas, ou seja, não havia um princípio
regulador dentro das leis dos Estados que proporcionasse igualdade entre as
pessoas.
É nesse sentido que a Revolução Francesa, um acontecimento europeu,
é importante para o mundo, embora mais para o Ocidente. Sobre o que significa
a Revolução, ela:

é reconhecida como o nascimento da democracia moderna, pois


enquanto a sociedade do Antigo Regime se fundamentava na
desigualdade entre os homens, surgiu pela primeira vez na História
uma revolução que tinha como bandeira a igualdade, a soberania do
povo, a liberdade, a ideia de Direitos do Homem. Segundo François
Furet e Mona Ozouf, essa ruptura já exprime a natureza ao mesmo
tempo política e filosófica do movimento. E não é por acaso que a
Revolução Francesa é considerada o marco da transição da Idade
Moderna para a Idade Contemporânea. (Silva; Silva, 2009, p. 366)

Assim, tanto a Revolução Francesa, quanto a independência dos Estados


Unidos, em 1776, foram tentativas – bem-sucedidas de maneira geral, de
implantar princípios políticos ligados a um pensamento mais liberal para o
período, bem como, influenciados pelo Iluminismo.
Não obstante, frisamos o que entendemos como revolução, já que esse
acontecimento transformou todo um contexto. Para Hannah Arendt:

O conceito moderno de revolução, inextricavelmente ligado à noção de


que o curso da História começa subitamente de um novo rumo, de que
uma História inteiramente nova, uma história nunca antes conhecida
ou narrada está para se desenrolar, era desconhecido antes das duas
grandes revoluções no final do século XVIII. (Arendt, 1988, p. 23-24)

Além disso, é preciso salientar que esses aspectos, mesmo que já


adquiridos, são constantemente ameaçados e negociados devido a processos
reacionários e autoritários que ocorrem em todo o mundo, especialmente como
consequência dos interesses econômicos e por disputas por zonas de influência.
Portanto, resumimos esse tema ligado à Revolução Francesa do seguinte
modo: luta pelo direito à liberdade de pensamento, de expressão e de
associação. Para entendermos isso, é preciso considerar os antecedentes
políticos, econômicos e sociais da Revolução Francesa que durou 10 anos (1789
– 1799), assim como, as fases da revolução e, a fim de desconstruir uma

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perspectiva homogeneizante trazemos também a participação decisiva das
mulheres.

TEMA 1 – REVOLUÇÃO FRANCESA: CONTEXTO POLÍTICO

O último dos reis da Dinastia dos Bourbons na França foi Luís XVI, um
governo conturbado por conflitos internos e problemas econômicos, os quais
foram agravados pela participação francesa na Independência dos Estados
Unidos. Isso porque o país, devido a conflitos com a Inglaterra, apoiou a
independência da colônia norte-americana, sem ter um retorno financeiro para o
seu investimento.
No absolutismo francês, a corte, composta pela nobreza, também tinha
gastos exorbitantes, com base em uma sociedade estamental, em que as
diferenças de classe eram justificadas e naturalizadas. Os nobres formavam o
Segundo Estado e eram por voltar de 350 a 400 mil membros, não pagavam
impostos e ainda usufruíam de tributos feudais no século XIX.
Junto a esse grupo estava o clero (formando o primeiro estado), também
com privilégios, entre eles, a posses de terras, o recebimento de rendas e o
pagamento de impostos inexistente. Além disso, o clero, que era formado por um
grupo de cerca de 130 mil membros, mantinha a posse da maior parte das terras
francesas e cobrava o dízimo.
Assim, o pagamento de impostos era algo específico do Terceiro Estado,
que era composto pela alta e média burguesia, camponeses e proletários. Cerca
de 20 milhões compunham esse grupo, ou seja, 80% da população francesa era
responsável por todos os gastos da França e eram alijados de direitos sociais e
políticos.
Com essas considerações, percebemos que os camponeses, os
proletários e a burguesia estavam insatisfeitos com a política francesa. Uma das
formas de se entender como a falta de liberdade afetava o povo francês era a
presença das lojas maçônicas, porque estas eram as únicas que aceitavam
igualmente a todos (em relação à burguesia especialmente).
Com base também nessas experiências, segundo Hobsbawm, os ânimos
foram alterados e diversos princípios foram construídos na Declaração dos
Direitos do Homem e do Cidadão, posteriormente, como:

Este documento é um manifesto contra a sociedade hierárquica de


privilégios nobres, mas não um manifesto a favor de uma sociedade

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democrática e igualitária: “os homens nascem e vivem iguais perante
as leis”, mas ela [a Constituição] também prevê a existência de
distinções sociais. (Hobsbawm, 2009, p. 106)

São essas distinções sociais que incentivaram a vários desses grupos a


exigirem mais representação política. A tomada da Bastilha é o que representa
esse momento, em que grupos diferentes tomaram uma instituição que
simbolizava o poder absolutista do período, demonstrando que o poder também
estava com ele.

Figura 2 – Tomada da Bastilha, 1789

Créditos: Jean-Pierre Houël.

Os dias da Tomada da Bastilha são também conhecidos como a fase do


Grande Medo, na qual os direitos começaram a mudaram. Nesse período, foi
votada a Assembleia Nacional Constituinte, que iniciou o que seria promulgada
no ano de 1791: a Constituição Francesa. Esta incluía a Declaração dos Direitos
do Homem e do Cidadã, documentos próprios do Clero com novas funções e
menos direitos, a abolição de qualquer prática feudal, desde os direitos e
deveres, bem como a distribuição de terras.

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Figura 3 – Símbolo da Assembleia Nacional (França)

É perceptível que o entendimento das diferenças sociais e políticas deixa


de ser naturalizado para ser compreendido como algo classista ou mesmo
cultural. Entretanto, essa mesma declaração traz desigualdades após à
Revolução Francesa quando frisou o direito à propriedade privada, sem
questionar o acesso e as condições que os cidadãos, especialmente os
camponeses e operários têm a esse direito. A historiadora francesa Lynn Hunt
faz essas observações ao analisar fontes dos conselhos municipais do período:

As autoridades revolucionárias eram os proprietários dos meios de


produção; eram comerciantes com capital, profissionais liberais
qualificados, artesãos com oficinas próprias ou, mais raramente,
camponeses com terras. Não foram encontrados homens sem
qualificação ocupacional, trabalhadores diaristas e camponeses sem
terra em posições de liderança e nem sequer sua representatividade
foi expressiva entre as bases militantes. (Hunt, 2007, p. 207)

As ideias de Hunt confirmam que a falta de participação política se tornou


um dos principais motivos para que a burguesia promovesse – junto a outros
grupos – a Revolução Francesa. Os ideais de Liberdade, de Igualdade e
Fraternidade eram o objetivo, para que assim especialmente a burguesia
pudesse votar e decretar novas leis. Camponeses, proletários embora
estivessem junto tiveram menos poderes após o fim da Revolução, isto é, a ideia
de Fraternidade não foi a mais exigida e aplicada após a tomada de poder.

TEMA 2 – REVOLUÇÃO FRANCESA: CONTEXTO ECONÔMICO

As motivações políticas não eram as únicas que deixavam insatisfeitos os


camponeses, proletários e os burgueses. Desde o início da década de 1780,
havia uma forte inflação, carestia e diminuição da renda do povo de modo geral.

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Esses acontecimentos se deram especialmente por problemas ou intempéries
climáticas, com ênfase a períodos de seca, porém de inundações também. As
más colheitas intensificaram a disputa pelos alimentos e, consequentemente, a
inflação, além de enfraquecer os pequenos comerciantes e o comércio interno
da França.
Junto a isso estavam os gastos de duas guerras com alimentação, armas,
soldados, além de questões diplomáticas. A primeira guerra era a travada com
a Inglaterra (Guerra dos Sete Anos) e, a segunda, a da independência dos
Estados Unidos. Apesar dos rendimentos baixos, a monarquia não exigiu ou
baixou os impostos pagos pelo Terceiro Estado. Os gastos com nobres – e seus
privilégios – se mantiveram – gerando um déficit de cerca de 100 milhões de
libras.
Além disso, é preciso considerar que a França, embora fosse apontada
mais como um país camponês e com resquícios feudais, vivia em meados do
século XVIII acontecimentos envolvendo trabalhadores urbanos. Robert
Darnton, historiador francês, narra sobre a vida do operário Nicolas Contat e o
seu estágio em uma gráfica na rua Saint-Séverin em Paris (1750):

A vida de aprendiz era dura, ele explicou. Havia dois aprendizes [...]
dormiam num quarto sujo e gelado, levantavam-se antes do
amanhecer, saíam para executar tarefas o dia inteiro, tentando furtar-
se dos insultos dos oficiais (assalariados) e os maus-tratos do patrão
(mestre) e nada recebiam para comer [...] pior ainda, o cozinheiro
vendia, secretamente, as sobras, e dava aos rapazes comida de gato
– velhos pedaços de carne podre que não conseguiam tragar, e, então,
passavam para os gatos, que os recusavam. (Darnton, 2006, p. 103-
104)

O que é possível afirmar é que naquele contexto, mesmo que de forma


pequena e nem sempre organizada, havia operários que questionavam as
condições sociais e de trabalho. Quando Nicolas Contat percebe que animais
poderiam ser mais bem tratados que os próprios seres humanos, entende parte
de sua desigualdade e a questiona e mostra sua ira, ao matar o bichano. Falta
de condições ideais de trabalho, de alimento, somadas às insatisfações pelas
condições econômicas da França, darão a esse grupo voz e resistência durante
o processo revolucionário, mesmo que subestimados pela burguesia.
Desse modo, a Revolução Francesa não abalou apenas a estrutura do
Antigo Regime, mas ofereceu outras perspectivas para o futuro. É uma revolução
social de massa que gerou uma transformação econômica-social, além de

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práticas políticas como o liberalismo e a democracia (no decorrer do século XIX
(Silva; Silva, 2006, p. 367).
Apesar das condições inviáveis destinadas à maior parte da população, o
rei convocou os Estados Gerais para efetivar uma solução, que foi justamente o
aumento de impostos.

Figura 4 – Salle des Menus Plaisirs in Versailles. Bibliothèque nationale de


France

Fonte: CC-PD.

É importante ressaltar que as cadeiras ocupadas por nobres e o clero


somavam menos que as ocupadas pelo Terceiro Estado, porém, a contagem era
feita por categoria de Estado e, normalmente, Primeiro e Segundo Estado
votavam nas mesmas posições. Essa reunião ocorreu em maio de 1789, porém,
a burguesia (maioria no Terceiro Estado) exigiu a votação por membros e não
por categoria. Naquele período, o Terceiro Estado convocou os demais a
votarem com eles e da forma proposta. Com a recusa e a ausência de muitos, o
Terceiro Estado nomeou a Assembleia de Nacional e Constituinte, isto é, um
instrumento que questionava o próprio Absolutismo.
Após desentendimentos entre membros dos dois primeiros estados com
o Terceiro, a Assembleia ou a reunião convocada foi cancelada, sendo proibida
qualquer reunião dentro daquele espaço. Deste modo, membros desejosos de
votar em novas medidas econômicas, com a representação política de uma
forma mais igualitária, se reuniram em um local conhecido como de “jogo da
Péla”, em 30 de junho de 1789.
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Este constitui-se como um acontecimento marcante para que a Revolução
se tornasse mais concreta. O espaço estava fora da Assembleia Nacional, no
entanto, deputados representantes da burguesia e uma parcela do clero
decretaram que não mais aceitariam os Três Estados e atuariam juntos por uma
nova Constituição.

TEMA 3 – FASES DA REVOLUÇÃO FRANCESA

Os Três Estados, portanto, reuniam grupos diversos. No entanto, não


eram diferentes apenas entre os três, mas dentro dos grupos havia diversidade.
No Terceiro Estado, havia entre seus membros desde mendigos e prostitutas até
banqueiros e grandes empresários, embora o número de burgueses fosse maior.
Apesar de terem pontos comuns, diferenças estabeleceram três grandes grupos
dentro do Terceiro Estado, sendo eles: Girondinos, Jacobinos (este com a
influência de Moderados e Exaltados) e Pântanos.
É importante considerar que todos os grupos dentro do Terceiro Estado
tiveram destaque dentro de algum momento revolucionário francês. No caso dos
Girondinos, eles conduziram o período da Monarquia Constitucional ou da
Assembleia (1789 – 1792).
Esta ficou caracterizada como o tempo em que ocorreu: a Tomada da
Bastilha, o fim dos privilégios feudais, a formação da Assembleia Nacional
Constituinte e, em especial, a aprovação de declaração dos Direitos do Homem
e do Cidadão. No trecho abaixo, é possível perceber o quanto se inovou com tal
documento:

Art. 6º. A lei é a expressão da vontade geral. Todos os cidadãos têm o


direito de concorrer, pessoalmente ou através de mandatários, para a
sua formação. Ela deve ser a mesma para todos, seja para proteger,
seja para punir. Todos os cidadãos são iguais
a seus olhos e igual- mente admissíveis a todas as dignidades, lugares
e empregos públicos, segundo a sua capacidade e sem outra distinção
que não seja a das suas virtudes e dos seus talentos.
Art. 7o. Ninguém pode ser acusado, preso ou detido senão nos casos
determinados pela lei e de acordo com as formas por esta prescritas.
Os que solicitam, expedem, executam ou mandam executar ordens
arbitrárias devem ser punidos; mas qualquer cidadão convocado ou
detido em virtude da lei deve obedecer imediatamente, caso contrário
torna-se culpado de resistência.
(https://www.parismuseescollections.paris.fr)

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Figura 5 - Jean-Jacques-François Le Barbier (1738–1826). Déclaration des droits
de l'homme et du citoyen. Musée Carnavalet. Paris. França

Fonte: CC-PD.

Percebemos que a ideia de humanidade e de igualdade parecem ser mais


próximas a todos, bem como uma perspectiva de justiça para todos. Os Direitos
Humanos eram entendidos como naturais (a partir do nascimento), iguais (para
todos) e universais (aplicável em qualquer situação). Nessa fase, é possível dizer
que há um rompimento com uma prática autoritária, que era o caso do
absolutismo. No entanto, direito como à propriedade, à segurança embora
importantes para todos, permaneceram destinados a poucos.
Para acalmar a população e como resposta aos anseios revolucionários,
foi aprovada uma nova Constituição que trazia o voto universal, além de
conquistas sociais. É desse contexto os primeiros debates da Assembleia
Legislativa, a qual além de ter as suas diferenças internas entre os políticos,
precisava ainda enfrentar a recusa da aristocracia e de Luís XVI em aceitar as
novas leis e acordos políticos. Junto a isso, a França também se encontrava em
guerra com a Inglaterra, período em que Bonaparte começou a ter destaque
como general.
Não obstante, as fugas constantes de clérigos, nobres e girondinos
permitiram que eles também se organizassem e pensassem em uma
contrarrevolução. Isso ocorreu após o confisco e nacionalização de todos os
bens da Igreja, bem como pela pressão para que esta rompesse com o papado

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e se tornassem funcionários públicos (Constituição Civil do Clero), fazendo com
que padres aderissem à contrarrevolução.
Isso gerou um período conturbado que, como tal, presenciou a falta de
produção de alimentos e, por isso, de uma forte inflação; revoltas camponesas
e no espaço urbano. Aliás, os camponeses também se recusavam em pagar pela
extinção das leis feudais.
A pequena e média burguesia também viu alguns direitos votados e
aprovados, porém não eram efetivados no cotidiano. Além disso, leis
relacionadas a direitos trabalhistas e até sobre a existência de sindicatos não
eram consideradas, o que minava os direitos de um público significativo, porém
com pouca representação legislativa.
A insegurança e a pouca presença na prática de igualdade para todos fez
com que os jacobinos tivessem mais espaço no campo político, com promessas
de alcançar as propostas da Revolução Francesa: a de Liberdade, a de
Igualdade e a de Fraternidade. Esse período ficou conhecido como o de
Convenção Nacional ou do “Terror”, no qual os Exaltados coordenaram inúmeras
execuções, isso depois da prisão e morte de Luís XVI e Maria Antonieta. que
foram presos em 1792 e 1793, respectivamente.
Foram muitos os motivos que levaram os girondinos a perder o poder.
Uma das influências desse processo foi de Jean Paul Marat, médico, escritor,
jornalista e político. Marat fazia inúmeras críticas aos girondinos especialmente
por meio de seu jornal, fundamental para que a opinião pública já marcada pelas
crises e instabilidade política também se colocasse contra a monarquia. Em seus
jornais, incentivou a crítica aos grupos dominantes, como também dava voz aos
movimentos populares.
É importante ressaltar que é principalmente pela presença popular que
esse período ficou conhecido como o mais radical. O governo era conduzido pelo
que chamavam de Comitê de Salvação Pública, o Comitê de Segurança Geral e
o Tribunal Revolucionário, que reunia nomes como o de Robespierre, de Marat
e de Danton.
No entanto, apesar das conquistas sociais importantes, a tática de
racionar comida devido à própria crise e a não aceitação de qualquer crítica
fizeram com que esse grupo fosse amplamente questionado. Um dos jornais em
que mais se disputava sobre o entendimento das ações daquele contexto era

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também de Marat, O Amigo do Povo. Uma cópia abaixo é dele com o sangue do
próprio Marat, assassinado no ano de 1793:

Figura 6 – O amigo do Povo

Fonte: CC-PD.

No fim de 1792, Marat foi eleito na Convenção Nacional, ao tempo em que


também publicava sobre temas republicanos em seu Journal Le République
Fraçaise. Marat chegou a ser processado quando defender que Luis XVI deveria
ser morto apenas se recusasse a aceitar a constituição e, por isso, tem grande
apoio popular. E foi em 1793 que ele, como uma figura importante da resistência,
foi assassinado por Charlotte Corday, provavelmente por influências dos
girondinos, a quem ajudou a derrubar do governo:

Figura 7 – Cruikshank, Isaac (–1811). A Second Jean d'Arc, Or, The


Assassination Of Marat By Charlotte Cordé Of Caen In Normandy On Sunday.
1793. Lewis Walpole Library, Farmington, Connecticut-EUA

Fonte: CC-PD.

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TEMA 4 – REVOLUÇÃO FRANCESA: DO “TERROR” AO DIRETÓRIO

O “período do terror” é considerado o mais tenso do processo


revolucionário francês. Isso porque um grupo mais radical, chamado de
jacobinos, estavam à frente no poder durante a Convenção Nacional.
É desse período também transformações significativas que dão sentido
ao caráter revolucionário do processo, tais como: fortalecimento do Estado Laico
como expressão principal do governo republicano, sufrágio universal aprovado,
entre outros. Nesse tempo, o general Napoleão Bonaparte comandava incursões
internacionais contra inimigos dos franceses, mesmo com inovações
significantes, o grupo dos jacobinos mostrou-se contrário a qualquer reação
negativa às suas ações ou decisões, o que fez com que centenas de opositores
fossem mortos ou condenados à prisão.
Assim, grupos se reuniram, em especial o que era chamado de pântano
ou planície tomou o poder, em julho de 1794, ou 9º Termidor. Essa fase ficou
conhecida como Reação Termidoriana e terminou com a morte de Robespierre
e o fim da Convenção.
O governo que se deu foi um composto por cinco diretores da alta
burguesia, o Diretório, que outorgou uma nova constituição cancelou diversas
medidas sociais que haviam sido conquistadas, como o voto que voltou a ser por
renda. Essa fase finalizou cinco anos depois com Napoleão Bonaparte, com o
golpe de 18 de Brumário. Bonaparte havia conquistado o apoio de parte da
burguesia e do povo com suas expedições. Em 1799, novamente, o processo
revolucionário passa por um golpe de Estado, a partir do qual é criado o
Consulado.
O Diretório permaneceu como forma de governo por cinco anos, cujo
poder central estava nas mãos da Alta Burguesia, embora o legislativo
permanecesse com duas câmaras diversificadas. Diversos golpes ocorreram,
tanto da direta (monarquistas), quanto da esquerda (jacobinos), entre eles o
movimento da Conjuração dos Iguais.
Ele foi liderado por François Noël Babeuf, que tinha como pauta principal
o que ressaltamos nesse texto: era preciso mais que ter direitos, era preciso
colocá-los em prática de forma universal. O movimento não chegou a acontecer
porque foi denunciado antes. Mas seus ideais foram importantes para os
levantes operários no século XIX.

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TEMA 5 – PARTICIPAÇÃO DAS MULHERESAS E A REVOLUÇÃO

Foram muitas as participações das mulheres naquele processo, mesmo


sendo aquela sociedade bastante patriarcal e excludente. De classes sociais
diversas e atuando em frentes diferentes, mulheres aristocratas, de todos os
segmentos burgueses e de família proletárias e de camponeses.
Ressaltamos os limites da sociedade do período, porque os lugares
dessas mulheres eram em casa, nas indústrias, no campo e nas ruas, entretanto,
apenas para trabalhar. A rua, como um espaço em que suas vozes seriam
ouvidas, não era algo pensável nas décadas anteriores.
Além de Maria Antonieta, odiada pelo povo por suas decisões absolutistas
e autoritárias havia outras, as quais lutaram pela burguesia ou os mais
marginalizados. Entre elas, estavam Charlotte Corday, a qual assassinou o
deputado radical Jean Paul Marat, assim como Théroige de Méricourt, atriz e
cantora de origem pequeno-burguesa, que incentivou as mulheres a
caminharem até Versalhes, em outubro de 1789.

Figura 8 – Marcha das mulheres a Versalhes. Autor desconhecido. Gravura.


Século XVIII. Paris: Biblioteca Nacional da França

Fonte: CC-PD.

Estas, entre outras, exigiram o fim do absolutismo e, em especial, que


todos tivessem acesso ao mínimo de igualdade social. Importante lembrar que a

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nossa historiografia foi uma profissão de homens e sobre homens por longos
séculos, o que silenciou inúmeras mulheres.
Não menos importante e que também questionava a invisibilidade de
mulheres foi Olympe de Gouges. Esta contestou a Declaração dos Direitos do
Homem e do Cidadão, pois, segundo ela, o documento ignorava as mulheres
como cidadãs. Gouges escreveu e discursou no ano de 1791, logo após à
promulgação do documento. Além disso, a feminista também exigia que as
mulheres tivessem o direito de votar e de serem votadas. Embora Gouges tenha
acabado guilhotinada, ela (como outras) incentivou para que muitas buscassem
a conquista de direitos sociais, políticos e culturais.

NA PRÁTICA

Ao longo da aula, podemos perceber como a iconografia revela muito de


um período. O destaque ocupado pelos elementos que compõe uma
pintura/aquarela etc., bem como devemos ver como um discurso sobre algo. Se
uma pintura é feita durante ou depois do acontecimento, qual é o sentido que ela
defender? Em uma disputa de memória sobre aquele acontecimento, qual é a
perspectiva reafirmada.
O trabalho do historiador e da historiadora não é decretar a mais ou menos
verdadeira, mas entender o jogo de disputa que ocorra entre as relações de
poder variadas de uma sociedade. Assim, para saber mais a respeito de como o
movimento foi representado em obras do período, acesse o acervo do Museu
Carnavalet, de Paris: <http://www.carnavalet.paris.fr/>. Acesso em: 21 set. 2021.

FINALIZANDO

Vimos, nesta aula, como a maior parte da população francesa de meados


até o fim do século XVIII buscou se organizar para mudar a realidade social em
que se encontravam. Mais que isso, desejavam transformações políticas que
não eram conhecidas na França até aquele período, ou seja, a ideia de igualdade
em todos os segmentos, embora de uma maneira que não atingia a todos, como
as mulheres, as crianças, negros e idosos.
Para isso, precisaram experimentar o direito de ter a voz ouvida, fosse por
meio de manifestações sangrentas ou mesmo pelos jornais populares. Ideais
relacionadas à República, aos Direitos Humanos, à Constituição ou mesmo à

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Assembleia Legislativa precisaram ser debatidas, construídas e também foram
contestadas. Para entender esse contexto complexo que forma de fato um
processo revolucionário, buscamos compreender parte dos antecedentes
políticos, econômicos e sociais da Revolução (1789 – 1799), suas fases e a
participação da burguesia, de camponeses e de mulheres.

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REFERÊNCIAS

ARENDT, H. Da revolução. São Paulo: Ática, 1988.

COMPARATO, F. K. A afirmação histórica dos direitos humanos. 3. ed. São


Paulo: Saraiva, 2003.

DARNTON, R. O grande massacre de gatos: e outros episódios da História


cultural francesa. São Paulo: Graal, 2006.

HOBSBAWM, E. J. A era das revoluções: 1789-1848. Rio de Janeiro: Paz e


Terra, 2009.

HUNT, L. A invenção dos direitos humanos: uma História. São Paulo:


Companhia das Letras, 2009.

MICHELET, J. História da Revolução Francesa: da queda da Bastilha à festa


da federação. São Paulo: Companhia das Letras, 1989.

_____. Historie de France au seizième siècle. Renaissance. Paris: Chamerot,


1855.

SILVA, K. V.; SILVA, M. H. Dicionário de conceitos históricos. São Paulo:


Contexto, 2009.

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