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Iluminismo e Revolução Francesa

Tema: O Abade Sieyès e os Estados Gerais

Na aula anterior nós passamos pelo aparato geral do que foi a


Revolução Francesa de acordo com Modesto Florenzano, no seu livro As
revoluções burguesas. Ou seja, a Revolução Francesa não deve ser
considerada APENAS como uma revolução burguesa, embora esta tenha
sido a ideologia e a sua forma dominante. Ela foi o produto da união de
quatro movimentos distintos: uma revolução aristocrática (1787-1789), uma
revolução burguesa (1789-1799), uma revolução camponesa (1789-1793) e
uma revolução do proletariado urbano (1792-1794).

Então, O recorte feito para essa aula, antecede o processo


revolucionário. E hoje vamos discutir o período dos Estados Gerais, focando
em um panfleto que circulou intensamente na França, às vésperas da
Revolução de 1789. Escrito pelo Abade Sieyes em janeiro daquele ano.
Vamos focar nesse personagem e no seu panfleto.

Com pouco mais de 100 páginas, e traduzido para o português como,


A constituinte burguesa, esse panfleto apontava a grande contradição entre a
força numérica e econômica do Terceiro Estado e o não reconhecimento
desta situação pelo Primeiro e Segundo Estado, ou seja, os privilegiados.

Slide 2 - Nessa aula, vamos analisar os motivos que levaram o Abade


a produzi-lo, como ele interpretava a sociedade do seu tempo, o seu papel na
Revolução, e como ele ajudou a construir a teoria do Poder Constituinte
muito importante até os dias de hoje.

Slide 3 - Para a aula utilizaremos a seguinte bibliografia:

 GRESPAN, Jorge. Revolução Francesa e Iluminismo. São Paulo:


Contexto, 2003.
 FLORENZANO, Modesto. As revoluções burguesas. São Paulo:
Editora Brasiliense, 1981.

 LEFEBVRE, Georges. O surgimento da Revolução Francesa. Rio de


Janeiro: Paz e Terra, 1989.

 SIEYÈS, Joseph Emmanuel. A constituinte burguesa. São Paulo:


Martin Claret, 2007.

Historiografia da Revolução

Antes, uma pequena recapitulação sobre a historiografia da


Revolução, analisada na aula anterior.

A Revolução Francesa é reconhecida como o nascimento da


democracia moderna. Segundo Modesto Florenzano, enquanto a sociedade
do Antigo Regime se fundamentava na desigualdade entre os homens, surgiu
pela primeira vez na história uma revolução que tinha como bandeira a
igualdade, a soberania do povo, a liberdade, a ideia de Direitos do Homem,
a justiça social e o constitucionalismo moderno.

Existem diferentes visões historiográficas sobre a revolução.

A definição clássica, de fundamentação marxista, é uma das mais


utilizadas. Segundo ela, a Revolução Francesa foi uma revolução política da
burguesia. E essa classe, economicamente pujante no século XVIII, mas
politicamente excluída no Antigo Regime, teria assumido o poder político
formal pela revolução e, por meio dela, construído uma nova sociedade
baseada na ideologia liberal. Nesse sentido, a Revolução Francesa teria
posto fim às estruturas do Absolutismo e do Feudalismo e inaugurado a nova
ordem capitalista.

Para Eric Hobsbawm, a Revolução Francesa foi um fato de


consequências mais fundamentais para a contemporaneidade do que
qualquer outro, visto que foi uma revolução social de massa. Para ele foi a
França que deu às transformações econômico-sociais do período uma
linguagem política, com o liberalismo e a democracia. O próprio conceito de
nacionalismo é resultado da Revolução Francesa.

Outro historiador marxista da Revolução Francesa é Albert Soboul.


Que caracterizou a Revolução Francesa como uma revolução campônio-
burguesa. Soboul percebeu a importância das massas camponesas nesse fato
histórico e o fato de que sem elas o Feudalismo não teria sido abolido. Tal
afirmação hoje parece ser um consenso entre os pesquisadores. Para ele, FOI
a revolução camponesa que impôs uma revolução burguesa no campo,
abrindo assim caminho para o Capitalismo.

Nessa interpretação, o Iluminismo é a ideologia da burguesia. O


Iluminismo, para os marxistas, tem relação evidente com a Revolução
Francesa. Ele configura um estágio historicamente importante no
desenvolvimento do pensamento burguês ocidental, SENDO QUE as
principais categorias mentais da sociedade burguesa estavam presentes no
pensamento iluminista: o individualismo, a ideia de contrato, a igualdade, a
universalidade, a tolerância, a liberdade e a propriedade.

Haveria, portanto, estreita correlação entre a revolução burguesa


ocorrida na França e o ideário iluminista.

Para esses pensadores, a Revolução Francesa não foi uma revolução


comum, mas uma revolução que sacudiu as instituições vigentes e propôs
novas instituições e valores ao mundo.

Contra essa interpretação, surgiram vários especialistas chamados de


revisionistas, muitos dos quais de origem anglo-saxã.

Os revisionistas negam que a Revolução Francesa resultou da luta de


classes entre nobreza e burguesia e entendem que o Antigo Regime ruiu pela
influência de duas crises distintas ocorridas no final da década de 1780: a
crise política oriunda da falência financeira da monarquia e a crise
econômica agravada pelas más colheitas. Para os revisionistas, a crise se
tornou revolução.

Esses revisionistas foram contrários também ao papel dos pensadores


iluministas na Revolução. Afirmam que a associação rápida entre ideologia
burguesa e ideologia iluminista perde de vista a heterogeneidade social e
ideológica dos próprios pensadores do Iluminismo.

Não se poderia, portanto, fazer, como alguns marxistas,


generalizações do tipo: toda a burguesia é iluminista, ou a nobreza é avessa
ao Iluminismo. Segundo eles muitos pensadores iluministas eram nobres, e
não burgueses, e muitos leitores desses pensadores eram também nobres.

Porém, as duas interpretações parecem concordar que o ambiente era


bastante propício para que as ideias iluministas se disseminassem e
ganhassem força, chegando a influenciar a revolução, e configurando uma
das forças que desestabilizaram o Antigo Regime.

Por fim, de acordo com Jorge Grespan, não devemos separar de modo
absoluto ambos os terrenos, como se o Iluminismo se limitasse a uma
elaboração teórica e a Revolução Francesa, por sua vez, fosse apenas um
movimento prático. Segundo ele, “A relação entre Iluminismo e revolução é
bem mais complexa do que a via unilateral que vai dele a ela.

A pergunta mais adequada e fértil não é SE, E COMO, as ideias


iluministas conduziram aos acontecimentos de 1789 [...]. Trata-se de saber
como os revolucionários leram, interpretaram, aplicaram e desenvolveram
os autores iluministas, apropriando-se de seus conceitos e os modificando.
P. 106
E é a partir destas reflexões de Grespan, que vou basear a aula. Ou
seja, que o Iluminismo e a Revolução Francesa não são coisas separadas.
Como se uma fosse a Teoria e a outra Prática. Elas se intersecionam-se e
relacionam-se.

E por isso, vamos analisar o personagem histórico Abade Sieyès, que


criou a sua teoria, com base na sua interpretação sobre o Iluminismo.

Período Pré-Revolução – Os Estados Gerais

Slide 4 - Devido a uma série de fatores econômicos e políticos (Entre


esses fatores principalmente uma grave crise econômica marcada pela fome
do povo por culpa de uma péssima safra dos anos 1787 e 1788 e da ajuda da
França à Revolução de Independência das ex‐colônias inglesas que
formariam os Estados Unidos da América, e também devido a uma revolta
da aristocracia mais tradicional), o Rei Luis XVI resolve convocar no final
de 1788 os chamados Estados Gerais, a Assembleia Nacional que reuniria as
três ordens ou três Estados sociais existentes na França do período: o clero,
a nobreza e o terceiro Estado (que correspondia a aproximadamente 98% da
população).

Os Estados Gerais não eram convocados desde 1614, e sua


convocação levou as três ordens a organizarem as questões que
representavam os desejos de reformas que antecedem a Revolução, já que
esta era uma época marcada pela tentativa de reorganização e discussão dos
problemas da sociedade francesa.

Como por exemplo, a revogação dos benefícios que nobreza e o clero


possuíam, principalmente os privilégios tributários.
Durante a campanha eleitoral para escolher os deputados das três
ordens que fariam parte dos Estados Gerais, surgiram muitas obras rápidas,
os chamados panfletos e libelos pré‐revolucionários, escritas na
efervescência das questões que levaram a Revolução.

O mais famoso deles (O que é o Terceiro Estado), do abade Emmanuel


Joseph Sieyès, contou com trinta mil exemplares vendidos em alguns dias
em janeiro de 1789, teve projeção nacional. A obra do abade Sieyès marcou
o futuro do próprio movimento por discutir as regras de funcionamento da
Assembleia dos Estados Gerais, na tentativa de abolir as reivindicações das
ordens ainda estamentais que formavam a sociedade francesa do Antigo
Regime.

É nesse contexto que surge a figura do Abade Sieyés, que era um


membro do clero, sem muito apoio em sua classe. Esse fato o levou a criar
uma teoria em favor do 3º estado, buscando representatividade nos Estados
Gerais.

Biografia – Slide 5

- O Abade Sieyes nasceu na França em 3 de maio de 1748, e faleceu


em Paris, 20 de junho de 1836 aos 88 anos. Foi um político, escritor e
eclesiástico francês.

- Recebeu uma educação fortemente marcada pelo ideário iluminista,


quando teve contato com a filosofia política de John Locke, Russeau e dos
enciclopedistas franceses como Diderot e D’Alembert.

- Teve um papel de extrema importância nos Estados Gerais, Foi um


dos participantes mais ativos na criação da Assembleia Nacional de 1789.

- Votou a favor da morte do soberano Luís XVI,


- Junto com Napoleão Bonaparte, teve participação decisiva no Golpe
do 18 de Brumário. Foi cônsul junto com Napoleão. Conflitado com o
regime, ficou exilado entre os anos de 1816 e 1830 por questões políticas.

Parece meio estranho um membro do clero fazer uma obra para


legitimar o Terceiro Estado, mas o abade tinha aspirações políticas
gananciosas, o que o levou a fazer concessões desde que pudesse ascender
na estrutura da igreja. Isso fez com que o chamado baixo clero o
repreendesse, já que ele sempre queria agradar os chefes para ter uma
indicação política, pois queria participar dos Estados gerais.

Mesmo com essa política, ele não conseguiu uma indicação para
compor o Estado Geral representando o clero. Tanto o alto clero e o baixo
clero não o apoiaram, o repreendia por essa prática de concessões.

Slide 6 - Querendo participar do Estado Geral, Sieyés buscou apoio


do Terceiro Estado. Para isso o Abade escreveu a obra “O que é o Terceiro
Estado?”, considerado como um manifesto político, para conseguir apoio
dessa classe na representação dos Estados Gerais. Contudo, isso foi uma
consequência, o Terceiro Estado, leia-se burguesia, buscou esse manifesto
para embasar a sua vontade, dando base para a Revolução Francesa.

Na obra, Sieyès, com base na doutrina do contrato social (John Locke,


Jean-Jacques Rousseau), transforma a palavra nação na síntese do desejo
de mudança. Assumindo-se contra os privilégios que o Ancien
Régime atribuía aos estados do clero e da nobreza, ele procurou nesse
documento, defender a predominância do terceiro estado com o qual
identifica a nação, além de legitimar a ascensão do Terceiro Estado (o povo)
ao poder político.

Slide – 7 – Podemos observar o tom de manifesto logo nos slogans


iniciais da introdução, onde Sieyès levanta e responde a três questões:
Que é o Terceiro Estado? Tudo. O Que tem sido até agora na ordem
política? Nada. O Que deseja? Vir a ser alguma coisa...

Slide 8 - Desde o começo da obra o autor vai expondo seu


pensamento, com influências do racionalismo iluminista, e nos
contratualistas. Isso, para compor um cenário de enaltecimento dos cidadãos
comuns, sem privilégios, como protagonistas na construção de um Estado
com soberania legítima, ou seja, fundada na vontade da Nação.

Segundo o abade, apenas o Terceiro Estado poderia ser considerado


como tal, como Nação. As outras ordens (nobreza e clero) seriam apenas
parasitas da Nação, se aproveitando e se apropriando daquilo que deveria
ser de todos, sem possuir mérito algum. Então, o abade Sieyés pregava que
apenas o Terceiro Estado, representado por ele mesmo, tinha legitimidade
para discutir e elaborar aquilo que seria o documento jurídico
fundamental: A Constituição. Que seria a representação da vontade da
Nação.

SLIDE 9 – Na perspectiva de Sieyès,

O Terceiro Estado é encarregado de tudo o que existe de


verdadeiramente penoso, de todos os trabalhos que a ordem
privilegiada se recusa a cumprir. Os lugares lucrativos e
honoríficos são ocupados pelos membros da ordem privilegiada.
Quem, portanto, ousaria dizer que o Terceiro Estado não tem em
si tudo o que é necessário para formar uma nação completa? Ele
é o homem forte e robusto que tem um dos braços ainda
acorrentado. Se suprimíssemos a ordem privilegiada, a nação não
seria algo de menos e sim alguma coisa mais. Assim, o que é o
Terceiro Estado? Tudo, mas um tudo livre e florescente. Nada
pode caminhar sem ele, tudo iria infinitamente melhor sem os
outros.
O abade demonstra a utilidade do Terceiro Estado, afirmando que o
mesmo suportava todos os trabalhos particulares – desde a atividade
econômica, a exercida na indústria, no comércio, na agricultura, nas
profissões científicas e liberais e até nos serviços domésticos.

Ainda exercia a quase totalidade das funções públicas, excluídos


apenas aquelas cargos que eram injustamente reservadas aos
privilegiados, ou seja, os lugares lucrativos. Para o Abade, o alto clero e a
nobreza – eram privilegiados sem méritos.

Ainda nessa passagem, podemos observar que Sieyés se apoia no


conceito de nação para distinguir aqueles que representam a nação
francesa e os que eram os seus usurpadores. Ou seja, a nação francesa era
o próprio terceiro estado.

E consequentemente, quem não pertence à nação francesa é


considerado como usurpador, o parasita (a nobreza e o clero). Para Sieyès os
privilegiados membros da nobreza e do alto clero constituíam um corpo
estranho, que nada faziam e poderiam ser suprimidos sem afetar a essência
da Nação. As coisas poderiam andar melhor sem o estorvo desse conjunto
de parasitas.

Slide 10- Mas Sieyès afirma que a força produtiva está concentrada na
atividade da classe burguesa, identificada com o terceiro estado. Natural,
portanto, que seja a classe burguesa – identificada como nação – a titularizar
o poder legítimo, pois o terceiro estado alcança tudo o que pertence à nação;
e tudo que não faz parte do terceiro estado não pode ser considerado como
pertencente à nação. O que é o terceiro estado? Tudo (SIEYÈS, 1789:14).

Podemos observar que, afirmando ser o Terceiro Estado a nação, o


objetivo do abade era legitimar a classe burguesa como sendo a nação e não
todos que pertenciam a esse Estado.
Slide 10/2 - Segundo o raciocínio de Sieyès, a condição de liberdade
dos indivíduos é a previsão de direitos e não de privilégios, que era
tradicionalmente associados à nobreza aristocrática (SIEYÈS, 1789:18).
De acordo com o abade:

Sigamos o nosso argumento. Entenda-se por terceiro estado o


conjunto de cidadãos que pertencem à ordem comum. Todo
aquele que é privilegiado pela lei, de qualquer modo que o seja,
sai da ordem comum, fazendo-lhe exceção, e, consequentemente,
não faz parte do terceiro estado (SIEYÈS, 1789:18).

Aspecto interessante na teoria do Abade, é que o usurpador, por sua


vez, são todos que possuem privilégio desigual, e que não seguem a linha
sanguínea franca. Assim, a verdadeira nação, para ele, tem relação com os
antigos conquistadores francos, e a dinastia que reinava à época (Bourbon)
não tinha linha sanguínea com os francos, tentando tirar, com isso, a
legitimidade do rei.

Então, o 3º Estado está ligado aos francos, e, por consequência, tem


legitimidade sobre o território, não deixando a França para “estrangeiros”
usurpadores (o clero e a nobreza).

Slide 11 - De acordo com Patrick Geary, no livro O mito das nações:


a invenção do nacionalismo. São Paulo: Conrad Editora do Brasil, 2005.

Sieyès reconhecia a origem germânica da nobreza, mas alegava


que isso fazia deles estrangeiros e conquistadores na França. O
verdadeiro povo francês, de ascendência gaulesa, havia muito
tolerava a opressão estrangeira, primeiro a dos romanos, depois,
a dos francos. Já era hora de mandar aquela raça forasteira de
volta para as florestas da Francônia e devolver a França ao
terceiro estado, a única nação verdadeira.
Esse argumento era muito convincente na época e permitia o terceiro
estado se achar no dever, poder e obrigação de ditar as regras do estado
francês. Pois se não tiver 3º estado, a França não funcionaria, pois não teriam
impostos, médicos, advogados, roupas, etc.

Todavia, o 3º estado, mesmo sendo a nação, não impunha regras


algumas na época pré-revolucionária, e Sieyés dizia que o 3º estado não era
nada, mas podia e tinha que ser tudo. Essa classe era amplamente
discriminada pelo clero e pela nobreza, e mesmo seus membros mais ricos
tinham acessos à cargos públicos limitados, visto que os cargos de maior
importância (como juízes) ficavam para à nobreza.

Slide 12 – Na sua teoria, Sieyés divide a cidadania em ativa e passiva,


que se relaciona com o conceito de nação. Se somente 3º estado é nação,
somente eles possuem poder de representação política, logo somente eles
possuem a cidadania ativa, tendo capacidade de representar a nação. Ao
passo que a nobreza e clero tinham a cidadania passiva, que é ser
representado, mas não representar.

Podemos observar até aqui que a retórica de Sieyès tenta fundamentar


a mudança na ordem política, representada pela destituição da monarquia
e pela consolidação do governo republicano. Naquele período da história,
o abade reconhece que o terceiro estado não teve verdadeiramente
representantes nos poderes estatais, razão pela qual seus direitos políticos
são nulos (SIEYÈS, 1789:27), ineficazes.

É uma grande contradição da vontade de Sieyés com a proposta de


permitir somente membros do 3º Estado, pois ele era do clero, não tendo
mobilidade social para se transferir à outra casta. Mesmo assim, ele foi
indicado pelo 3º Estado para a sessão dos Estados Gerais, contrariando sua
própria proposta.
A teoria do Poder Constituinte a partir da obra do Abade Emmanuel
Joseph Sieyès

Chegamos em uma parte importante da teoria de Sieyes, sobre o


poder constituinte.

Slide 13 - Em sua obra de 1789, o abade Sieyès reafirma a doutrina


da soberania da Nação, dizendo que “Em toda nação livre – e toda nação
deve ser livre – só há uma forma de acabar com as diferenças, que se
produzem com respeito à Constituição. Não é aos notáveis que se deve
recorrer, é à própria nação. Se precisamos de Constituição, devemos fazê-la.
Só a nação tem direito de fazê-la.” (SIEYÈS, 2001, p. 113).

Foi com essa posição que Sieyès confirma, desde uma posição
racional, o princípio da soberania da Nação como instrumento de legitimação
para a instituição de um Estado baseado no Direito estipulado em um
contrato social, que deverá ser o estabelecimento prévio das regras de
viver em sociedade. Que será uma constituição escrita pelos representantes
da nação.

Neste sentido, o cidadão deve substituir o súdito, e os direitos do


cidadão devem substituir os privilégios das ordens superiores, assim
declarando a igualdade entre todos. Sieyès pede também o fim das
diferenças entre os seres humanos, nada mais racional, nada mais iluminista.

As origens intelectuais das chamadas revoluções liberais burguesas


foram os movimentos individualista, racionalista, iluminista, contratualista
dos autores que influenciaram as transformações da sociedade feudal para
uma sociedade moderna e que levaram também às chamadas revoluções
liberais.
O abade Sieyès seguiu essas concepções racionalistas, individualistas
e um dos seus grandes méritos foi se voltar de maneira original, naquele
momento pré‐revolucionário, para a realização de um documento
jurídico, no sentido de dar à nação o direito de produzir sua norma jurídica
fundamental: uma Constituição que contenha suas regras prévias da
organização e limitações do poder do Estado.

Dito de outra forma, o grande mérito de Sieyès foi traduzir para o


momento (pré) revolucionário a discussão da forma de funcionamento
ainda medieval e estamental dos Estados Gerais e sua transformação em
uma Assembleia de homens livres, formada por representantes da nação, do
povo, na qual cada representante tenha direito a um voto. Resumidamente é
a luta do povo pelo voto per cabeça/capita.

Na defesa do voto per capita, Sieyès argumenta que a vontade


nacional é o resultado das vontades individuais, assim como a Nação é o
conjunto dos indivíduos e não de uma pequena parcela de nobres e
sacerdotes. A força da nação, do povo, está no número, já que todos os
representantes, burgueses, nobres ou sacerdotes, teriam somente um voto (é
o voto per capita: cada homem um voto) (SIEYÈS, 2001, p. 67).

Para alcançar tais objetivos, propõe Sieyès que era preciso fazer uma
constituição, já que toda nação deve ser livre e tal liberdade é assegurada
pela preservação do direito de eleger o representante.

A burguesia não queria ser tudo, mas queria, no mínimo, escolher


seus próprios representantes no Terceiro Estado, ter igual número de
deputados que os outros dois estados e ter as votações nos Estados Gerais
por cabeça, não por ordem.

Sieyès (2001 p 78) escreveu que o povo “quer ter verdadeiros


representantes nos Estados Gerais, ou seja, deputados oriundos de sua
ordem, hábeis em interpretar sua vontade e defender seus interesses”. Assim,
Sieyès conclui que “o Terceiro Estado pede, que os votos sejam emitidos por
cabeça e não por ordem”.

Slide 14 - Quem interpreta essa não absorção de Sieyès é Aurélio


Wander Bastos na introdução brasileira da obra de Sieyès (2001, p xxiii):

“Sendo um ativista político e, quem sabe, por isto mesmo, Sieyès


está muito mais preocupado com a pragmática eleitoral do que
com as teorias sobre formas de organização de um novo Estado.
Para ele o que importa é definir meios e alternativas eleitorais que
transfiram o controle do poder das ordens privilegiadas – o clero
e a nobreza (os notáveis) – para o Terceiro Estado, ou o estado
plano como também à época se denominou.”

O pensamento de Sieyès desenvolveu‐se nos moldes do racionalismo


iluminista, do contratualismo e da ideologia liberal da época. Ele dedicou‐
se a construir um conceito racional de Poder Constituinte.

Sua construção teórica concorreu para o surgimento de um


movimento inspirado nos princípios revolucionários da igualdade,
liberdade e fraternidade, mas também, para implantação do estado da
legalidade e do regime democrático, essenciais ao estabelecimento de
regimes constitucionais, cuja característica maior seria a limitação legal
da atuação dos governos, em favor de direitos individuais.

Sinteticamente, o poder político, o poder constituinte seria devolvido


à Nação, detentora legítima dos seus destinos, digna de elaboração da
Constituição, originariamente.
Slide 15 – Segundo Furet, Ozouf, foi Sieyès o responsável pela
construção de um conceito positivo de constituição, diferente do conceito
puramente histórico utilizado até então:

Sieyès, em verdade, atacou o sentido tradicional de constituição


entendida como uma ordem social e política inerente à natureza
das coisas e o substituiu pela noção de instituição de um governo.
Em sua refutação aos argumentos dos privilegiados em favor do
uso tradicional do termo, Sieyès foi levado a afirmar a existência
da nação como o cerne da realidade política, imediatamente
presente e anterior a toda forma constitucional (FURET; OZOUF,
2007:185).

Portanto, a função da constituição, dentro do processo revolucionário


francês, era de criação de um novo modelo de organização do poder,
motivado pela transformação vivida na estrutura social.

Assim, após as primeiras reuniões dos Estados Gerais no dia 5 de maio


de 1789, ficou claro que o Terceiro Estado sempre perderia por dois a um
pelas regras de 1614 do voto por ordem.
No dia seguinte, 6 de maio, os representantes do Terceiro Estado
começam a campanha pelo voto por cabeça. Após semanas de conversações
e discussões, os deputados da burguesia conseguiram o apoio da maioria do
baixo clero – e de parte da nobreza liberal para o voto por cabeça. Diante
desse fato, declaram‐se representar a 98% dos franceses, e por isso no dia 17
de junho se proclamaram, levando em conta as ideias de Sieyès, uma
Assembleia Nacional.

Os eventos ocorridos depois desse fato culminaram com a queda da


Bastilha no dia 14 de julho de 1789 e a consequente Revolução Francesa.

Conclusão – Slide 16
A abordagem dele está totalmente voltada em um viés jurídico; ele se
absteve de argumentar visões econômicas ou sociológicas, propondo
soluções materializáveis, pois Sieyés se manteve preocupado com a
problemática da operacionalização da representação da vontade da Nação,
sem sobreposição das outras classes.

Portanto, devemos considerar que a obra de Sieyès foi utilizada como


importante ferramenta ideológica do processo revolucionário. Sendo o
seu autor um ator engajado da revolução, deixa claro o uso político de seu
próprio texto na difusão de um ideário que se autoproclamava libertador
das antigas estruturas de organização do poder.

O teor panfletário de “O que é o terceiro estado?” torna evidente o seu


uso político como uma espécie de carta de estimulo à classe burguesa, na
busca de uma adesão intelectual ao empreendimento revolucionário.

Sieyès desenvolveu uma teoria do poder constituinte, pensada para


legitimar politicamente o estado de direito burguês.

E para finalizar, zssim como afirma Grespan, devemos entender como


os revolucionários leram, interpretaram, aplicaram e desenvolveram os
autores iluministas, apropriando-se de seus conceitos, os modificando, os
Resignificando. E esse foi o caso do Abade Sieyes.

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