DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS HUMANAS – DCH I BACHARELADO EM DIREITO
Nome: Lorena Mariane Araújo Cirqueira
Turma: 1° Semestre, 2023.1 Disciplina: História do Direito Professor: Leonardo Vinicius Santos de Souza Texto: Os aprendizes do Poder – O Bacharelismo Liberal na Política Brasileira – Sérgio Adorno. Considerações:
O texto discute a influência do pensamento ilustrado e liberal no movimento da
independência brasileira, com reivindicações gerais como abolição do sistema colonial, libertação gradual dos escravos e fim da discriminação social. O livro resulta de uma tese acadêmica que analisa o liberalismo e a profissionalização dos bacharéis na academia de direito de São Paulo. O autor busca simplificar as referências bibliográficas para atender tanto padrões acadêmicos quanto leitores pouco familiarizados, esperando contribuir para o debate sobre os limites e impasses do liberalismo no Brasil. No século XIX, o Brasil passou por intensas lutas políticas entre grupos conservadores e democratizantes, que resultaram na militarização da sociedade e na criação de um forte aparato repressivo. As contradições entre a propensão à democracia e o exercício autoritário do poder eram evidentes, e as tentativas de burocratização e racionalização da administração pública foram obstadas pela prebendalização dos cargos públicos e pela herança patrimonial militarizada. A luta entre patrimonialismo e liberalismo se manifestou nas tensões entre conservadores e liberais moderados e exaltados, embora as reivindicações tenham significado coisas diferentes para as elites proprietárias rurais e os grupos urbanos pauperizados. A formação do Estado Nacional permitiu a autonomização política e o surgimento de instituições monárquicas, mas também enfrentou sucessivas agitações sociais que contestavam o poder central e lutavam contra a discriminação racial e social. A economia colonial brasileira passou por transformações, mas não resultaram em melhorias significativas para as populações livres. A luta pela independência uniu diferentes camadas sociais contra o colonialismo português. A economia não se consolidou como nacional, com diversidade regional. O pensamento liberal teve limitações para entender e solucionar os problemas econômicos, políticos e sociais do país. A própria elite contestou o modelo jurídico-político do Império, assim como as camadas populares buscaram mais participação nas decisões. A cisão entre conservadorismo e radicalismo postergou a solução da crise hegemônica até a República.
As raízes do dilema democrático
No último quartel do século XVII, a produção agroexportadora cresceu na Colônia do Brasil,
apesar da crise econômica e da pobreza da população. Os grandes proprietários rurais reconheceram que o estatuto colonial tirava a riqueza de suas mãos e o povo participou do movimento de independência para acabar com a miséria e privilégios. A sociedade colonial era diversa e estratificada, com diferentes tipos humanos. A anarquia monetária e a precariedade das finanças públicas causaram crise nas demais províncias, enquanto as dificuldades de intercomunicação impediram o crescimento do mercado interno. O renomado José Honório Rodrigues sustenta que no período pré-independência, a distinção entre grupos sociais não se baseava em renda, ocupação, capital ou meios de consumo. Além disso, a posição social não era claramente definida em relação à posse dos meios de produção e não havia convergência entre a competição pelo poder e a proteção dos interesses econômicos. Por isso, a estratificação social da época era relativamente indefinida, e o conceito moderno de classe social não se aplica à estrutura da sociedade colonial brasileira. Embora as diferenças sociais existissem naquela época, elas se refletiam principalmente em estilos de vida, costumes, hábitos e linguagem, e não nas condições materiais de existência. A luta pela emancipação política uniu indivíduos de todas as cores, ricos e pobres, de classe média e proletária. O agravamento da opressão colonial não era algo abstrato, uma vez que a presença do aparato burocrático-militar da metrópole identificava claramente o inimigo a ser combatido. Enquanto a autoridade das Câmaras Municipais declinava em favor do governo régio, os grandes proprietários rurais se sentiam cada vez mais acuados. Isso colocava os colonos frente a frente com os agentes sociais que lhes minavam o controle do poder local, o que certamente eliminou as resistências que porventura ainda existiam à época. Cabe destacar que as camadas populares urbanas conviviam com a opressão lusitana há bastante tempo. O cotidiano dessas camadas foi marcado pelo arbítrio e pela violência do poder real. Os agentes da repressão colonialista, que possuíam poder quase irrestrito e desfrutavam de imunidades, apresentavam frequentemente conflitos partindo de pequena minoria de senhores, profissionais liberais, caixeiros ou até mesmo a massa de homens livres habilitantes das cidades. As divisões de classe foram ignoradas, uma vez que a identificação precisa do inimigo mascarou as lutas intestinas em lutas pela emancipação política e pela construção de uma sociedade nacional. A diversidade da economia colonial, a relativa flexibilidade da estratificação social e o recrudescimento da repressão política no fim do século XVII alimentaram a emergência do “espírito revolucionário”. Os princípios iluministas e liberais burgueses foram introduzidos, difundidos e absorvidos na cultura política brasileira por meio de movimentos como a formação dos intelectuais brasileiros em Coimbra, a participação das sociedades secretas no movimento emancipatório, o envolvimento dos clérigos com a maçonaria e a proliferação dos movimentos separatistas. Nesse sentido, é possível afirmar que a sociedade colonial brasileira apresentava uma estratificação social relativamente fluida, e as divisões de classe eram marcadas principalmente por diferenças culturais. O movimento emancipatório brasileiro uniu uma ampla gama de indivíduos de diferentes classes sociais, que lutavam juntos para se tornarem livres do poder opressivo da metrópole.
Liberalismo e democracia
O liberalismo pode ter fornecido os fundamentos ideológicos para a superação do estatuto
colonial em nossa sociedade, mas isso não significa que tenha influenciado diretamente os diferentes modos de conceber a luta pela descolonização no Brasil e a construção do Estado Nacional. Os movimentos emancipatórios também envolveram camadas urbanas empobrecidas e desprivilegiadas, como alfaiates, cabeleireiros, sapateiros, soldados, entre outros, que viam neles uma estratégia para mudar as condições de vida limitantes impostas pela Colônia e garantir sua liberdade e igualdade. Apesar de alguns movimentos terem sido predominantemente elitistas ou populares, a ideia de liberdade e igualdade já estava disseminada entre a população mais pobre, o que tornou a adesão à revolução armada uma questão delicada para as elites dominantes, preocupadas com a proteção de sua propriedade escrava. Mesmo assim, as resistências foram superadas e a elite nativa consolidou-se no poder após a independência. No entanto, não se pode pensar que a presença de pressupostos liberais na estrutura jurídico- política do Estado tenha amenizado os conflitos entre as classes sociais durante a formação do Estado Nacional. Pelo contrário, a insurgência armada ocupou toda a vida provincial, do Nordeste ao Sul, durante a Regência e parte do Segundo Império. O povo, subordinado e desconfiado, não aceitou facilmente as fórmulas universalizantes e abstratas propostas pelo liberalismo e compreendeu, à sua maneira e de acordo com sua cultura, os princípios de liberdade e igualdade. Com a formação do Estado Nacional, o liberalismo brasileiro assumiu um caráter essencialmente instrumental e promoveu uma dissociação marcada entre seus princípios e os princípios democráticos. A eleição dos constituintes era restrita e a maioria dos cidadãos não participava das decisões políticas, o que comprometia a vontade geral e a soberania do povo. Prevalecia a desigualdade na liberdade. Porém, nesse contexto de lutas políticas, o "liberalismo heróico" foi gradualmente substituído por um liberalismo regressista, que acabou suprimindo a luta pela igualdade de muitos em favor da liberdade de poucos. Na crise do sistema colonialista-mercantilista, a decisão entre princípios liberais e democráticos já se fazia presente, conforme mostrou Carlos Guilherme Mota em seu estudo sobre as principais inconfidências brasileiras no final do século XVIII. No início do século XIX, surgiram diversos movimentos revolucionários no Brasil, como a Mineira (1789), Carioca (1704), Baiana (1798) e Pernambucana (1801). Embora diferissem em seus objetivos políticos, esses movimentos compartilhavam uma problemática de raízes populares que não se manifestava ideologicamente de modo uniforme e unívoco. A crítica ao regime colonial e a busca por uma revolução para sua superação envolviam uma complexa relação dialética entre liberdade e igualdade, liberalismo e democracia, dependência e autonomia. Esse terreno movediço deu origem aos principais debates político-ideológicos da sociedade brasileira durante a vigência do regime monárquico. Entretanto, essas divergências tornaram-se também um dilema para a vida política nacional e regional no império, reproduzido pelas agitações sociais que ocorriam, independentemente de sua inspiração liberal. Em meio a tantos conflitos, a reivindicação por direitos civis e políticos era predominante sobre outras demandas democráticas, especialmente nos setores dominantes da sociedade. A busca por lei e ordem era a alternativa para restabelecer a tranquilidade pública, mas as ideias federalistas inspiradas em princípios liberais tendiam a suplantar as pretensões democráticas das camadas sociais populares. É um período muito rico em termos históricos e ideológicos, que exige uma análise profunda e detalhada para entender suas implicações na formação da sociedade brasileira atual.
Liberalismo e patrimonialismo a dupla face do Estado
Ao analisar as complexas relações entre o Estado e a sociedade no Brasil durante o século
XIX, estudiosos de diversas áreas costumam se referir a uma estrutura de poder que se desenvolveu a partir de uma forma de dominação tradicional. Esta dominação se caracteriza por uma organização jurídica e administrativa que se opõe a uma dominação burocrático- legal, típica das sociedades modernas e inerente à formação do capitalismo ocidental (Weber, 1974: 173-180). É bastante conhecida a hipótese de que este tipo de dominação foi sustentado por uma forma de legitimidade que, infelizmente, impediu a evolução da democracia na sociedade brasileira. Esta situação criou impasses na formação de uma ordem social competitiva, levando a consequências inadequadas. Em suma, podemos afirmar que as influências do passado continuaram a moldar o futuro do Brasil, em detrimento da evolução de uma ordem democrática e progressista. É nosso papel como profissionais de diferentes áreas continuar debatendo e refletindo sobre estas questões, para que possamos encontrar soluções e caminhos que levem a uma sociedade mais justa e igualitária. Nos debates parlamentares, podemos observar exemplos marcantes da influência das teses liberais. Diversos constituintes defenderam a ausência de restrições à liberdade de comércio, de expressão, de indústria, religiosa e pessoal, enraizados em princípios liberais que celebravam o individualismo possessivo e consideravam a sociedade como uma soma de interesses particulares. Estes constituintes acreditavam que os fundamentos jurídico- políticos do Estado brasileiro deveriam transformá-lo em uma comunidade de direito, livre de coerção, com respeito a leis e direitos iguais para todos. Apesar de a maioria dos constituintes ter uma voz liberal, houve algumas vozes que se manifestaram contra o liberalismo nos debates parlamentares. Para eles, não havia como assegurar a liberdade individual sem definir com precisão os seus limites, ou então, colocar o indivíduo contra o Estado e o poder do príncipe. Por sua vez, os argumentos contra os pressupostos liberais apelaram frequentemente para a tradição e a ordem estabelecida. Enquanto os liberais moderados e os parlamentares mais tradicionais divergiram em algumas questões, isto não foi suficiente para comprometer o pacto constitucional que estava sendo elaborado. Os liberais moderados acreditavam que a autonomia política exigia a extinção das instituições remanescentes do colonialismo, a criação de um legislativo forte e soberano, e a proteção dos direitos individuais e políticos, com base no princípio jurídico de que o poder público deveria se submeter às leis. Por outro lado, os parlamentares mais próximos da burocracia patrimonial não discordavam desses princípios, mas esperavam que as conquistas liberais não restringissem seus privilégios adquiridos e conter a vontade do príncipe. No fim, a questão política residia em saber como as coisas ficariam uma vez rompidos os laços coloniais. A solução veio com uma aliança entre os agentes da burocracia patrimonial e os grandes proprietários rurais, que dividiam interesses divergentes, mas concordavam com a distribuição de poder que deveria existir entre eles. Foi essa aliança que garantiu um acordo mútuo e uma Carta outorgada em 1824, que durou longos setenta anos.