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f-
j
DO DIREITO
1
1
TRADIÇÃO NO OCIDENTE
1
E NO BRASIL
revista,
atualizada e
reformulada
FORENSE
Capítulo VI 1
ESTADO, ELITES E CONSTRUÇÃO
DO DIREITO NACIONAL
C'.. BOBBIO, Norberto. O Futuro ria Democracia: uma Defesa das Regras do Jogo.
Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1986, p. 116.
MACRlDlS, Roy. Ideologias Políticas Contemporâneas. Brasília: UnB, 1982, p. 38-41.
Parte Ili• Cap. VII• ESTADO, ELITES E CONSTRUÇÃO DO DIREITO NACIONAL 1 251
etc.), desd e fins do_ século_ XV~II, poi~ tais movimen tos não chegaram a
ter grande alcance 1d eo l~g1co. ra_l rea lid ade é comprov ada porque a nova
doutrina era _de conh ec 1111e nlo lt m~la~o entre dete rminados segmento s
revolucionános, uma vez qu e a maioria da população era mantida anal-
fabe ta e ali enada para qu e não viesse a ter verdadei ra consciên cia das
concepções importad a s ..1
o que sobretud o importa ter em vista é esta clara distinção entre 0
liberalismo europeu, como ideologia revolucio nária articulad a por novos
st'tores emergent es e forjados na luta contra os privilégio s da nobreza, e
0 liberalismo brasileiro canalizad
o e adequado para servir de suporte aos
interesses das oligarqui as, dos grandes proprietá rios de terra e do clien-
tehsmo vinculado ao monarqu ismo imperial. Essa faceta das origens de
nosso liberalismo é por demais reconhec ida, indubitav elmente, porque a
falta "de uma revolução burguesa no Brasil restringiu a possibilid ade de que
se desenvolvesse a ideologia liberal nos moldes em que ocorreu em países
como Inglaterra , França e Estados Unidos': Nesses países, o liberalism o
4
_v:'~ )LKM ER, Anton io Ca rlos. Jdeologi(I, J:'stndo e Dirl'ilo. Súo Paulo: Revista dos
Inbun ais, 1989 , p. 97.
CANDIN J, Raquel e. 'J'ewocmcia, capitalismo e cd 11 wção em Anísio Teixeira. Rio de
Jane ir() : e~·v1·11zação
,1 · ílrasi leira, 1980, p. 134 .
WEFFORT, Franc isco. O Populismo nn Polítirn Bmsileira. Rio de Janeiro: Paz e Terra,
198 0, p. l08- l 12.
252 1 HISTÓRIA DO DIREITO - Antonio Carlos Wolkmer
enci a
•
, o
)
15
SCHWARZ, Roberto. Op. cit., p. 160.
16
NOGUEIRA, Marco Aurélio. As Desventuras do Liberalismo. Rio de Janeiro: Paz e
Terra, 1984, p. 67.
17
Cf. ADORNO, Sérgio. Os Aprendizes do Poder. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988, P·
34-35, 45; SALDANHA, Nelson. "Rui Barbosa e O Bacharelismo Liberal': ln: CRIPPA,
164 ·
Adolfo (Coord.). As Ideias Políticas no Brasil. São Paulo: Convívio, 1979, v. L P·
18
Cf. ADORNO, Sérgio. Op. cit., p. 66 e 71.
Parte Ili• Cap. VII• ESTADO' ELITES E CONSTRUÇA- O DO DI REITO NACIONAL 1 255
NEDER, C izl ene. "O Direito no Rrasil. História e Ideolog ia''. ln : Desordem e Proi·t'sso
,
01
(~rg. Doreodó Araújo Lim a). Porto Alegre: Se rgio Fa bris, 1986, p. l SJ.
SALJ)A. Nl!A , Nelson. O p. cit. , p. 164; VENÂN C IO FIU 10, A lhcr lo. D,1s Arcadas
11 no Bacl ,arc/i s1110 . Sã o Paulo: Perspcc t iva, s/d, p. 27 1-JJ~ .
LACOMBE, Américo Jacob in a. "A Cultu ra Jurídi ca''. ln : 1IOL. AN DA , Sérgio Buarque
~e (dir.)._ ~-fislórin Gem i r/n Civiliwç rio Hm silcim, 1. 11 - O Brasil monárq u ico. São
aulo: Ddel, 1976, v. 3, p. 356.
256 1 HISTÓRIA DO DIREITO - Antonio Carlos Wo/kmer
dade básica não era formar advogados, mas, isto sim, atender as prioridades
burocráticas do Estado".22 Assim, as escolas de Direito foram destinadas a
assumir duas funções específicas: primeiro, ser polo de sistematização e ir-
radiação do liberalismo enquanto nova ideologia político-jurídica capaz de
defender e integrar a sociedade; segundo, dar efetivação institucional ao libe-
ralismo no contexto formador de um quadro administrativo-profissional.23
Contudo, essas funções distintas, mas interligadas, não deixam de revelar
certa contradição, que, como demonstra Joaquim de A. Falcão, comprova-
-se na pretensão de serem, de um lado, defensoras dos princípios liberais,
de outro, de fomentadoras da emergência de uma elite burocrática para 0
controle do poder. Ademais, fácil é perceber o paradoxo revelado quando
"os ideais liberais, usados para a libertação da tutela colonial e emancipação
nacional, pretendem legitimar e assegurar os privilégios herdados pela elite
na sociedade estratificada, oriunda do período colonial': 24
As primeiras faculdades de Direito, inspiradas em pressupostos for-
mais de modelos alienígenas (particularmente das diretrizes e estatutos de
Coimbra), contribuíram para elaborar um pensamento jurídico ilustrado,
cosmopolita e literário, bem distante dos anseios de uma sociedade agrária
da qual grande parte da população encontrava-se excluída e marginalizada.
Pela importância que essas duas escolas (Recife e São Paulo) exerceram como
redutos encarregados de formar atores jurídicos e influenciar estratégicas
"estruturadoras do Estado-Nação brasileiro':2 5 cabe sublinhar algumas di-
ferenciações.
A Faculdade de Direito pernambucana expressaria tendência para a
erudição, a ilustração e o acolhimento de influências estrangeiras vinculadas
ao ideário liberal. 26 Em seu processo de desenvolvimento, a Faculdade de
22
FARIA, José Eduardo. Sociologia Jurídica: Crise do Direito e Práxis Política. Rio de
Janeiro: Forense, 1984, p. 158. Consultar ainda, neste aspecto: AGUIAR, Roberto
A. R. de. A Crise da Advocacia no Brasil. São Paulo: Alfa-Omega, 1991, p. 78-79;
VENANCIO FILHO, Alberto. Op. cit., p. 28-74.
23
FALCÃO, Joaquim de. Os Advogados: Ensino Jurídico e Mercado de Trabalho . Recife:
FIN/Massangana, 1984, p. 32; FARIA, José E. Op. cit., p. 159.
24
FALCÃO, Joaquim de A. Op. cit., p. 32.
25
SILVA, Mozart Linhares. O Império dos Bacharéis. O Pensamento Jurídico e a Orga-
nização do Estado-Nação no Brasil. Curitiba: Juruá, 2003, p. 185.
26
Cf. NEDER, Gizlene. "O Direito no Brasil. História e Ideologia': ln: Desordem e Pro-
cesso. Org. Doreodó Araújo Lima. Porto Alegre: Sergio Fabris, 1986, p. 155; Idem.
Discurso Jurídico e Ordem Burguesa no Brasil. Porto Alegre: Sergio A. Fabris, 1995,
p. 99-130.
Parte Ili· Cap. VII· ESTADO, ELITES E CONSTRUÇÃO DO DIREITO NACIONAL 1 257
30
SCHWARCZ, Lili a M. O p. ci t., p. 150- 151.
31
Cf. ADORNO, Sérgio. O p. cit. , p. 92-95.
32
Ibidem, p. 96, 98 -100.
33 SCHWARCZ, Lilia M . Op. cit., p. 174.
Parte Ili . Cap. VII • ESTA
DO, ELITES E CONSTRUÇÃO
DO DIREITO NACIONAL 1 259
das divergências
- intelectuais
• , que d e fato e ·
está um eer to proJeto.
de inserçao, este . . sim, bastante d'iverso De Rxistem, ·e
11
1110
delos - cnticados
, . em seus exc essos ·pelos ·uec . e vinha a teoria , os novos
partiam as praticas políticas convertidas emJ r_istas paulistas; de São Paulo
um modelo ela ramente detleis e .medidas. (... ) Enqua nto
na Escola do . Recife . .
paulo um hberahsmo de fachada t- _e:mmista dominava, em São
..1 . . , car ao de visita a -
oficia , convivia com um discurso rac1a . P ra questoes de cunho
1, prontam t .
se tratava d e d efender hierarquias e 1. d . en e acionado quando
· ' xp icar esiguald d
cumpria o papel, quando .
utilizada de d e1xar
,
.
1 com0
caro
ª es. A teoria. racial
.
falar em d emocracia não significava d'iscorrer sobre a para esses Junstas
. - d .
(... ) Em Recife, um público mais desvi·n cu1ad o d o dom' noçao · r ,e cidadania.
·
passava a dominar as fileiras dessa faculdade or o i~i~ o igarqmc? rural
paulista caracterizada pelo perte . ' P . posiçao a uma clientela
. . nc1mento a uma elite econômica de ascensão
recente. De Recife partiam mais claramente os gn·tos de descontentamento
_ ld ad os pela clara mudança do eixo p ol't·
(respa " · ), enquanto
1 1eo-economico
Sao Paulo passava aos poucos de contestador a de1ensor e e responsave , 1 por
. .
uma
, fala oficial. Guardadas as diferenças
< , O que se po d e d'izer, no entanto,
e que para ambas as faculdades o Brasil tinha saída'. Por meio de uma mes-
tiçagem modeladora e uniformizadora , apregoada por Recife. Por meio da
ação missionária de um Estado liberal, como tanto desejavam os acadêmicos
paulistanos': 34
Uma vez descrita a criação e o papel relevante das primeiras Escolas
Jurídicas, passa-se, agora, para o segundo fator nuclear que iria contribuir
para consolidar a emancipação da cultura jurídica no Brasil, ou seja, o
desencadeame nto do processo de elaboração e desenvolvimento de legis-
lação própria no Público e no Privado. Inegavelmente, o primeiro grande
documento normativo do período pós-independê ncia foi a Constituição
Imperial de 1824, imbuída de ideias e instituições marcadamente liberais,
originadas da Revolução Francesa e de doutrinas do constitucionalismo
francês, associadas principalmen te ao publicista Benjamin Constant.
Tratava-se de uma Constituição outorgada que institucionalizo u ~~a
monarquia parlamentar, impregnada por um individualismo ec?no~i-
co e um acentuado centralismo político. Naturalmente, essa Lei Mawr
afirmava-se idealmente mediante uma fachada liberal que ocultava ª
. _ . . - d O aís A contradição entre
escrav1dao e excluía a ma1ona da popu 1açao P · lidade soe1al , .
. agrana
e . . • 1
0 10 rmahsmo retórico do texto constituc10na eª rea
não preocupa va nem um pouco a elite dominan te, que não se cansava de
proclama r teoricam ente os princípio s constituc ionais (direito à proprie-
dade, à liberdade, à segurança), ignorand o a distância entre o legal e a
vida brasileira do século XIX.
Como deixa antever Sérgio Adorno, a Carta Constitucional de 1824 não
só consagrava o «compromisso entre a burocracia patrimonial, conservadores
e liberais moderados': como igualmente instrumentalizava "fórmulas conci-
liatórias para ajustar o Estado patrimonial ao modelo liberal de exercício do
poder (... )': 3s A comprovação de que o texto assumia teor liberal-conservador,
expurgando traços mais radicais e democráticos, e projetando preceituações
legais que se transformavam em meras ilusões discursivas, era revelada quando
retoricamente se proclamavam e ao mesmo tempo anulavam-se as liberdades,
ainda, quando se asseguravam direitos, mas os tornavam ((passíveis de serem
suspensos; e a igualdade suscitada era frequentemente remetida à existência
de desigualdades naturais entre os indivíduos': 36 Se a Constituição de 1824
- incluindo as célebres disposições de sua reforma, como o Ato Adicional
de 1834 e a Lei de Interpretação de 1840 - inscreveu-se como a principal
criação do governo imperial sob o ponto de vista da formulação político-
-adminis trativa do Estado, não menos significativo para a implementação
das instituições nacionais foi o processo de codificação das leis ordinárias.
O segundo arcabouç o legislativo pós-indep endência , que, na verdade, cor-
responde u à primeira codificação positiva do país, foi o Código Criminal do
Império, de 1830, advindo das Câmaras do Império e de árdua realização. Tal
estatuto era não só redigido segundo a melhor doutrina clássica penal, como
também, se afinava com o espírito liberal da época. Representava um avanço,
se compara do aos processos cruéis do Livro V das Ordenaçõ es Filipinas. 37
Ainda que tenha conserva do a pena de morte - mais tarde transformada
em prisão perpétua - orientava-se, de um lado, pelo princípio da legalidade
(inspirado no Iluminism o legal do século XVIII), ou seja, a proporcionalidade
entre o crime e a pena; de outro, pelo princípio da pessoalidade das penas,
devendo a aplicação da pena incidir exclusivamente no condenad o, não se
estenden do aos descendentes. 38
35
ADORNO , Sérgio. Op. cit., p. 61.
36
Ibidem, p. 63.
37
Ver, Ordenaçõe s Filipinas. V. Capítulos 15 (art. 1) e 17.
38
Cf. NASCIME NTO, Walter V. do. Lições de História do Direito. 3. ed. Rio de Janeiro:
Forense, 1984, p. 229-231; MACHAD O NETO, A. L. Sociologia Jurídica. São Pa~l~:
Saraiva, 1979, p. 326-327; LACOMBE, Américo J. Op. cit., p. 356-357; BICUDO, Heho
P. O Direito e a Justiça no Brasil. São Paulo: Símbolo, 1978, p. 53-54; PIERANGELL
Parte 111 · Ca p. VII. ESTADO ELITES E CONSTRUÇÃO D 1
• · O DIREITO NACIONAL 261
Jose Henrique. Códigos Penais do Brasil. Evolução Histórica. 2. ed. São Paulo: ReviS tª
dos Tribunais, 2001, p. 65- 74. ,.
39
NEDER, Gizlene e CERQUEIRA FILHO, Gisálio. Criminologia e Poder Polzt,co. Sobre
Direitos, História e Ideologia. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 200 6, P· l l l.
10
Expressão usada por Carlos F. Marés de Souza Filho. . .
11 MARÉS DE SOUZA FILHO, Carlos F. "O Direito Envergonhado (O Direito e os
.
fnd10s . .b PUC nº 1 1993 p 29 Constatar:
no Brasil)". ln: Estudos Jurídicos. CuntI a: ' ' '. .· · 1)"
WEHLING Arno "O Escravo ante a Lei Civil e a Lei Penal no lmpeno (1822 -l 87 . ·
' · • .- ·d d · R' de Janeiro·
ln: Op. cit., p. 373-395; GRINBERG, Keila. Código CIVIi e Cz a ama. 10 .
42
NEDER, Gizlene e CERQUEIRA FILHO, Gisálio. Op. cit., p. 113.
43
Cf. FLORY, Thomas. El Juez de Paz y el Jurado en el Brasil imperial. México: Pondo
de Cultura Económica, 1986, p. 175- 176. A importância do papel do Juiz de Paz na
história do Direito no Brasil pode ser vista na pesquisa detalhada de Rosa Maria T.
M. Vieira, O Juiz de Paz do Império a Nossos Dias. 2. ed. Brasília: UnB, 2002.
44
LIMA, Roberto Kant de. "Tradição Inquisitorial no Brasil, da Colônia à República:
da Devassa ao Inquérito Policial". ln: Revista Religião e Sociedade, 16/ 1-2, p.96-113,
1992.
Parte Ili· Cap. Vil· ESTADO, ELITES ECO
NSTl<UÇAO UO IJIREITO NACIONAL 263
1
Camara Municipal
• •
45
FLORY, Thomas. Op. cit., p. 175. Observar também: versão adaptad~ _da Jteds~ ?e1
u 1cia
5_
. H b Corpus Pratica
Doutorado em Ciência Política de Andre1 Koerner. ª eas p
1
osto
e Controle Social no Brasil (1841-1920). Monografia Ed. IBCCRIM. ao au o, ag
de 1999.
46
LIMA, Roberto Kant de. Op. cit., p. 102.
47
Cf. LACOMBE, Américo J. Op. cit., p. 257-258.
48
ADORNO, Sérgio. Op. cit., p. 66, 72-73.
49
LACOMBE, Américo J. Op. cit., p. 359.
264 I HISTÓRIA DO DIREITO - Antonio Carlos Wolkmer
5
° Cf. MACHADO NETO, A. L. Op. cit., 1979, p. 327; BICUDO, Hélio P. Op. cit., p.
155-160.
51
Cf. NASCIMENTO, Walter V do. Op. cit., p. 234.
52
Cf. VIOTTI DA COSTA, Emilia. Da Monarquia à República. Mom entos Decisivos,
p. 139-161; LOPES, José Reinaldo D. L. Op. cit., p. 357-360; SODERO, Fernando P.
Esboço Histórico da Formação do Direito Agrário no Brasil. Rio de Janeiro: AJUP/
FASE, 1990, p. 49-78.
53
Cf. BUENO, Eduardo. Brasil: uma História. São Paulo: Ática, 2003, p. 218-229. Sobre
0 abolicionismo e suas influências: NABUCO, Joaquim. O Abolicionismo. Rio de
Janeiro: Nova Fronteira; São Paulo: Publifolha, 2000.
Parte Ili. Cap. VII • ESTADO, ELITES E CONSTRUÇÃO DO DIREITO NACIONAL 1 265
poderia ter se transfor mado em Código Civil, foi, até 1917, a fonte de Direito
Privado que serviu constan temente a juízes e a advogados.
d) Código Penal de 1890: neste cenário jurídico de final do Império,
cabe mencion ar que a Reform a Judiciária de 1871, mesmo prevalecendo as
54
BUENO, Eduardo. Op. cit., p. 227.
~ara o exame dessa legislação abolicionista, consultar: FREITAS, Décio: Escmvidâo ~e
55
1
lndios e Negros no Brasil. Porto Alegre: EST /1 CP, 1980, p. 25 e segs. Amda sobre le s
e projetos da época, ver apêndice da obra de PERDIGÃO MALHEIR?, A~ostinho
M. A Escravidão no Brasil. Ensaio Histórico, Jurídico e Socinl. 3. ed. Petropohs: Vozes;
Brasília: INL, l 976, 2 vs.
sr, Cf. AMARAL , Francisco. "H istori cidade e Ra cionalidade na Construç ão do Direito
Brasileiro': ln: DIN rz, Maria H. e LISBOA, Roberto S. (orgs.). O Direito Civil rw Século
3 2
XXI. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 186-188; LOPES, José Reinaldo de L. Op. cit., P· 0 -
303; PINHEIRO, Waldomiro V. Teoria Geral do Direito Civil. F. Westphalem: URI,
199 7, p. 43-62. Consulta r a biografia clássica: MEIRA, Silvio. Teixeira de.Freitas~-º
Jurisconsulto do Imp ério. Vida e Obra. 2. ed. Rio de Janeiro: José Olympio; Brasiha:
MEC, 1983.
266 1 HISTÓRIA DO DIREITO - Antonio Carlos Wolkmer
~7
Cf. KOE RN ER, Andrci. Judiciário e Cirlndrmin '"1 Constituiçiio ritl República Brasilei-
ra . São Paulo: Hu citec/U SP, 1998, p. 96 - 11 6. Vide, igualmente: KOERN ER, Andrei.
Habeas Corpus, Prá tica Judicio/ e Co ntrole Social 110 Bm sil (1841-192). Op. cit.
58
PIERANGEU , José H. Op. cit., p. 74 -77.
59
CARVALHO, José Murilo. A Constru ção da Ordem. A elite política imperial. Rio de
Janeiro: Campus, 1980, p. 136-137.
Parte Ili• Cap. VII· ESTADO, ELITES E CONSTRUÇÃO DO DIREITO NACIONAL 1 267
çao superior, dos valores e das ideias que incorporava, a camada profissional
60
Cf. FLORY, Thomas. El Juez de Paz y el Jurado en el Brasil Imperial. México: Pondo
61 de Cultura Económica, 1986, p. 63-65.
Cf. FLORY, Thomas. Op. cit., p. 67-68.
268 1 HISTÓRIA DO DIREITO - Antonio Carlos Wolkm er
dos juízes se co nstituiria num dos se tores esse nciais da unidade e num d
·1 os
p1 ares para construção da o rgan ização políti ca nacional. O que distingue a
magistratura de toda s as outras oc upações é o fato de que ela representava e
d esenvolvia formas de ação rígidas, hi e rarquizadas e di sciplin adas que melhor
revct wa m o padrão qu e favorec ia práticas burocráticas para o exe rcíci o do
poder públi co e para o fortalecim e nto do Estado. No dizer de José Murilo de
C arvalho, dos seg m entos principais como Judiciário, Clero e Militares, que
teriam papel importante na formação das instituições brasileiras na primeira
metade do século XIX, a "espinha dorsal do governo" foi, indiscutivelmente, a
m agistratura. 62 De todos os setores burocráticos herdados de Portugal é o que
dispunha de n1elhor organização profissional com estrutura e coesão internas
superiores a todos os outros segmentos, o que a legitimava como força para
a negociação. Tratava-se de uma camada privilegiada "treinada nas tradições
do mercantilismo e absolutismo portugueses", unida ideologicamente por
valores, crenças e práticas que em nada se identificava à cultura da população
do país. Entretanto, por sua educação e orientação, os magistrados estavam
preparados para exercer papel de relevância nas tarefas de governo. Daí que,
marcados por um sentido mais ou menos político, sua homogeneidade social
e ocupação projetava-os não só como os primeiros funcionários modernos
do Estado nascente, mas sobretudo como os principais agentes de articulação
da unidade e da consolidação nacional. 63
Temos, assim, a montagem de uma estrutura em que, no dizer de José
M. de Carvalho, "pareceu pacífico supor que o emprego público seria a ocu-
pação que mais favorecia uma orientação estatista e que melhor treinava para
as tarefas de construção do Estado na fase inicial de acumulação do poder.
A suposição era particularmente válida em se tratando dos magistrados
que apresentavam a 1nais perfeita combinação de elementos intelectuais,
ideológicos e práticos favoráveis ao estatismo. Na verdade, foram os mais
completos construtores do Estado no Império, especialmente os da geração
coi mbrã. Alé m das ca racterísticas de educação( .. .), eles tinhan1 a experiênci~1
da apli caçã o cotidiana da lei e sua ca rreira lh es forne cia elementos adici0nai:-
d e tre in ame nto p a ra o exe rcício do pod er público". 6•1
O q uadro d essa elite d e se rvidores le trados, autênti co s represcntantc'S
<lo es ta m c nto burocrúli co es tat al, com pap el d ec isivo na nrgani z,1çào e na
unidade da ~ in stitui çôes nac ionai s, som ent e se co mpleta quand o St' leva em
65
Cf. LEAL, Victor Nunes. Coron elismo, Enxada e Voto. 4. ed. São Paulo: Alfa-Omega,
1978, p. 197.
66
67
LOPES, José Reinaldo de L. Op. cit., p. 335-336.
Cf. GRAHAM, Richard. Cliente/ismo e Política no Brasil do Século XIX. Rio de Janeiro:
68
UFRJ, 1997, p. 98-1 O1.
Cf. KOERNER, Andrei. "O Poder Judiciário na Constituição da República". Dis-
sertação de Mestrado em Ciência Política. São Paulo: USP, 1992, p. 39. Igualmente,
69 con sultar: FLORY, Thomas. Op. cit., p. 285-286.
KOERNER, Andrei. Op. cit., p. 41 -42; FLORY, Thomas. Op. cit. , p. 285- 286.
270 1 HISTÓRIA DO DIREITO - Antonio Carlos Wolkmer
7()
KOERNER, Andrei. Op. cit., p. 42.
71
Ibidem.
72
ZANCANARO, Antonio Frederico. A Corrupção Político-Administrativa no Brasil.
São Paulo: Acadêmica, 1994, p. 146-147.
73
Ibidem.
~o~~ po~to de ~ista _ins~itucional,,uma sucinta e genérica descrição da organização
74
. . 01tocent1sta
JUd1cial . , . Jose Murilo de Carvalho (op. c1·t ., p. 136)·. ''Ap ós 1841
d ' . por
e. feita
d efmIU -se o sistema JU JCiano que duraria con, peq - at,e o final
, . . . , uenas mo d'f'1 1caçoes,
do Impeno.
. _Permaneceu
_ o JUIZ. de paz eleito , 111 as com a n mçoes mm·to re d uz1·das •
t 'b · -
A magistratura togada abrangia desde os J·ui'zes mumc1pa1s · ·
· · · ate, os m1mstros d o Su -
Parte Ili • Cap. VII• ESTADO, ELITES E CONSTRUÇÃO DO DIREITO NACIONAL 1 271
Por sinal, certo está Andrei Koerner ao apontar que a Reforma de 1871,
nascida de propostas advindas do programa liberal com O aval _ na sua exe-
cução - dos conservadores, nada mais foi do que a tênue estratégia legal de
transição do escravismo para a produção laboral livre, ou seja, efetivou-se em
razão do estágio de desenvolvitnen to das forças econômicas e sociais, «que
exigiam uma crescente profissionalização dos magistrados, e de transição
para o trabalho livre, no qual os fazendeiros defendiam leis que obrigassem
ao trabalho, ao aumento do controle policial sobre os homens livres e pobres,
aos libertos e aos imigrantes': 75
Entretanto, autores como Thomas Flory entendem que as modificações
realmente importantes, pelo teor inovador, surgem por pressão da filosofia
liberal na criação dos juízes de paz em 182 7, e no estabelecimento do sistema
participativo de jurado (júri popular), introduzido pela Carta Imperial de
1824 e consagrado pelo Código de Processo Criminal de 1832. 76
De fato, no período que sucede à Independência do país, a junção de
forças liberais com grupos de aliados nativos determinou alguns avanços
político-jurídicos, como o sistema de júri popular e o de juízes locais eleitos,
aptos para a conciliação prévia de causas cíveis em geral. Ainda que os juízes
de paz não fossem juízes pagos e exercessem funções de menor importância,
tratava-se de alteração importante na organização de um judiciário reconhe-
cidamente exclusivista e centralizador. Em seu clássico estudo sobre o Juiz de
Paz durante o Império, Thomas Flory escreve que "os reformadores liberais
fizeram do Juiz de Paz o porta-estandarte de suas próprias preocupações
filosóficas e práticas: formas democráticas, localismo, autonomia e descen-
tralização. Por outro lado, (... ) os conservadores viram no magistrado local
(... ) uma ameaça ao controle social no vasto Império.( ... ) A nova instituição
estava desenhada idealmente para funcionar dentro de uma estrutura legal
liberal compatível; porém, de fato, o Juiz de Paz começou a sua existência
isoladamente, sem o benefício de nenhuma legislação que o apoiasse.( ... ) O
Juiz de Paz encontrou-se, desde o início, à deriva da estrutura incompleta e
hostil de uma judicatura colonial sem mudanças': 77 Ademais, como reconhece
ainda Thomas Flory, a relevância da figura do Juiz de Paz estava muito mais
no que representava em termos de independência distrital, do que propria-
mente como potencial de melhoramento do sistema legal.78 Depois de 1832,
os poderes do Juiz de Paz foram estendidos à jurisdição penal, adquirindo
um perfil mais coercitivo e de controle. Contudo, se a Reforma de 1841
limitou e reduziu em muito as funções do Juiz de Paz, a Reforma Judiciária
de 1871 alargou-as novamente, atribuindo à sua esfera o chamado processo
sumaríssimo, menos formal e mais simplificado. 79
Além dessa experiência renovadora de "magistratura popular" escolhida
pela participação da comunidade, merece atenção, igualmente, a instituição
do Tribunal do Júri, que representou as aspirações de autonomia judicial
e localismo, em maior grau do que as decisões do Juiz de Paz. Sobre sua
organização técnica e sua função, cabe trazer à luz o comentário de Andrei
Koerner, de que esses tribunais do júri eram presididos por juízes de Direito,
sendo, até o final do Império, competentes "para o julgamento da maior parte
dos crimes. A reforma de 1841 criou restrições para a escolha dos jurados,
como o requisito da alfabetização, e estabeleceu diferenças na renda mínima
para a sua qualificação de acordo com a sua origem, de modo que as rendas
provenientes de atividades industriais e comerciais teriam que ser o dobro
daquelas derivadas de empregos públicos ou da propriedade de terras. Ao
mesmo tempo, a qualificação dos jurados deixou de ser atribuição dos juízes
de paz, passando aos delegados de polícia, com recurso para uma junta de
revisão, composta pelo juiz de direito, promotor público e o presidente do
conselho municipal. O juiz de direito, presidente do tribunal do júri, podia
77
FLORY, Thomas. Op. cit., p. 81-82.
78
Cf. FLORY, Thomas. Op. cit., p. 84. Constatar: VIEIRA, Rosa Maria T. M., O Juiz de
Paz do Império a Nossos Dias. 2. ed. Brasília: UnB, 2002.
79
Vide: KOERNER, Andrei. Op. cit., p. 92; CARVALHO, José Murilo de. Op. cit., p.
136; LEAL, Victor Nunes. Op. cit., p. 193.