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LIÇÕES
PRELIMINARES
DE DIREITO
C A PÍTULO XXI
279
de geral, proc lamou Jean Jacqu es-Rous seau, fundando cri adoramente
o pensar po líti co de se u te mpo.
· ass. , i·,n , O Códi go C ivil , corno
S urgia, " express
. ão da vontade
co mum não admitind o qu alqu e r con corre nct a por parte dos usos e
cos turn ~s e, també m, por parte de elaboraç ões legi slativas particu-
lares.
A lei exsurgiu a plano tão alto que passou a ser como que a
úni ca fonte de direito. O problem a da Ciência do Direito resolveu -
se, de certa man eira, no problem a da interpre tação melhor da lei.
Havia duas verdade s paralela s: o Direito positivo é a lei; e,
urna outra: a Ciência do Direito depende da interpre tação da lei
segundo processo s lógicos adequad os.
Foi por esse motivo que a interpre tação da lei passou a ser
objeto de estudos sistemát icos de notável finura, corresp ondente s
a uma atitude analítica perante os textos segundo certos princípi os
e diretrizes que, durante várias décadas, constitu íram o embasam ento
da Escola da Exegese .
Sob o nome de "Escola da Exegese " entende -se aquele grande
movime nto que, no transcur so do século XIX, sustento u que na lei
positiva , e de maneira especial no Código Civil, já se encontr a a
possibil idade de uma solução para todos os eventua is casos ou
ocorrên cias da vida social. Tudo está em saber interpre tar o Direi-
to . Dizia, por exemplo , Demolo mbe que a lei era tudo , de tal modo
que a função do jurista não consisti a senão em extrair e desenvo l-
ver o sentido pleno dos textos, para apreend er-lhes o signific ado,
ordenar as conclus ões parciai s e, afinal , atingir as grandes siste-
matizaç ões .
Grandes mestres que obedece ram a essa tendênc ia achavam
que os usos e cos tum es não poderia m valer, a não ser quando a lei
lh es fizesse ex press a referê ncia. O dever do jurista era ater- se ao
tcx to, sem procura r solu ções estranha s a ele . Lançara m- se, assim,
as hases do que se costuma denomi nar Jurisp rudência conceituai,
po r dar mai s atenção aos preceito s jurídico s, esculpid o s na lei, do
qu e às es trutura s soc iais, aos ca mpos de interess e aos qu ais aque-
les conce itos se des tinam .
280
Era natural que, nesse quadro espiritual, a interpretação f , ,
. ,; . b . . . o~sc
vista, de 1n1c10, apenas so do1s prismas dominantes· ·· um P •
, nsma
.
literal ou gramattcal, de um lado, e um prisma ló Rico-sistemático
do outro. '
282
·ão das regras de cará ter exce pcio. nal (no imp ropr iame nte cham a-
~ "Direito Ex ce pcto . na ]" ) , serv iu , na rea 1·idad e, de instr ume nto
do
soci ais,
técni co que pe rmiti a a adeq uaçã o das norm as às rela ções
de es-
em fun ção da tábu a de valo res dom inan tes. Ente nden do-s e
rada
trila interpretação , coar ctav a-se a inci dênc ia de uma lei supe
nchi a-
pelos fatos ; interpre~and~ -se exte nsiv ~me nte uma outr a, pree
não ha-
se urn a falha da Ieg1slaçao. Isto oco rna sobr etud o quan do
uma de
via poss ibili dade de reco rrer à ana logia , que será obje to de
nossas próx imas aula s.
do
Era ine vitáv e l, poré m, que nova s form as de com pree nsão
, dada a
direito pass asse m a ser exig idas, com o deco rrer do temp o
ciên cia
mudança oper ada nos usos e cost ume s, e sob o influ xo da
o do
e da técnica. Essa pass agem para nova s form as de inte rpre taçã
a uma
Dire ito não se veri fico u, poré m, ex abru pto, mas obed eceu
elaboração grad ual , com o é próp rio da expe riên cia juríd ica.
de
É prec iso lem brar que, quan do foi prom ulga do o Cód igo
ia, e a
Napoleão, a Fran ça aind a era um país agrí cola por exce lênc
ação
Inglaterra apen as ensa iava os prim eiro s pass os na mec aniz
indispensável ao capi talis mo indu stria l.
o
Foi no deco rrer do sécu lo pass ado que se oper ou a revo luçã
o da
técnica, espe cialm ente atra vés dos gran des inve ntos no plan
ente
Física e da Quím ica e das aplicações de natu reza prática, nota dam
icid ade.
através da utili zaçã o da forç a a vapo r e, depo is, da eletr
maç ões
Com essa mud ança no siste ma de prod ução e as tran sfor
e pro-
conseqüe ntes em vári os outr os país es, a vida soci al alter ou-s
fundamente.
-
Veri fico u-se , entã o, com pree nsív el desa juste entr e a lei , codi
tas e
ficad a no iníci o do sécu lo pass ado, e a vida com nova s face
la de
novas tend ênci as. As pret ensõ es de "ple nitu de lega l" da Esco
n1 pro-
Exegese pare ceram pretensiosas. A todo insta nte aparecia
cogita-
blemas de qu e os ]eg islad ores do Cód igo Civi l não havian1
tex tos
do. Por mais qu e os inté rpre tes fo rcej asse m en1 ex trair dos
pre-
uma solu ção para a vid a, a vid a se mpr e de ixav a u111 resto. Foi
istên -
c!so , então , cx cog itar outr as forn1 as de adequ ação da lei à ex
cia con creta.
283
Foi especialmente sob a inspiração da Escola Hi stó ri ca de
Savigny que surgiu outro caminho, a chamada interpreta ção his-
tórica. Sustentaram vários mestres que a lei é algo que representa
uma realidade cultural , - ou, para evitarmos a palavra cultura
'
que ainda não era empregada nesse sentido, - era uma realidade
histórica que se situava, por conseguinte, na progressão do tempo.
Uma lei nasce obedecendo a certos ditames, a determinadas aspi-
rações da sociedade, interpretadas pelos que a elaboram, mas o seu
significado não é imutável.
Feita a lei , ela não fica, co1n efeito, adstrita às suas fontes
originárias, mas deve acompanhar as vicissitudes sociais. É indis-
pensável estudar as fontes inspiradoras da emanação da lei para
ver quais as intenções do legislador, mas também a fim de ajustá-
la às situações supervenientes.
Não basta, pois, querer descobrir a intenção do legislador através
dos trabalhos preparatórios da legislação, que é mera história ex-
terna do texto. pois é necessário verificar qual teria sido a intenção
do legislador. e a sua conclusão, se no seu tempo houvesse os fe-
nômenos que se encontram hoje diante de nossos olhos. Que teria
resolvido o legislador se, no seu tempo, já existissem tais e quais
fatos que hoje con stituem uma realidade indeclinável de nossa vida
social?
Uma compreensão progressiva da lei surgiu, em primeiro lu-
gar, entre os pandectistas alemães. Chamaram-se "pandectistas"
os juristas germ ânicos que construíram, na segunda metade do século
passado, uma poderosa Técnica ou Dogmática Jurídica tendo como
1
,
284
;\ " l ~scol; 1 do s Panc..k c t i sl:1 s" , 11 ;1 /\k111;11il1 :1, c o r1t·~ po1Jd r , íil t:
ccrio ponto , :1 "' l•'.sc ol:1 d,1 l ~x _1..·1. :s ~v",. ll t1 1•·r;111~::1 , r~ <, q 11 c -.,<.: ll'kr t· :,o
r iinad o da nonna k g, d l' ;,s IL:l·111 cas de s 11 ;1 111l c 1rn : t a~_-;1<, , ~111
1
~irtudc, porél1l , d:1 i11cxi sl C11 c i;1 de 11111 ( '<'> di go ( 'ivil , 0 ~ juri ~t<,1.,
nlcin ãcs niostrar:1111 - sc , por :1 ss i111 dizer, 111c11o s " lcg~di stti~", (bindo
,11:1is at cn<Ji o tlOS us os C COS IUIIH.:S C a cci l <lll<IO Lllll i l intcrpr
ct;1çuo
mais clíísl ica <lo tex to le ga 1.
h)i o pande cti st;1 Wind sc hc icl qu c cc, loco 11 o prohk1n;1 da in -
tcrprcta~ão cm l e rmo s de i11/<'11c1io J)o.,·sí1<' I do f<,g islodo r , não no
1
285
tanto como com a lógico -siste mátic a, o intérp rete semp re se situav a
no âmbit o da lei , não se admi tindo interp retaç ão criad ora, à mar-
oem da lei ou a des peito de la.
b
286
francês do século passado: "Toda lei, proclamava Aubry, tanto no
seu espírito co1no na sua letra, com uma aplicação ampla de seus
princípios e un1 _desenvolv_itnento co~pleto de suas conseqüências,
porém nada mais q:!~ ,ª le1, tal tem sido a divisa dos professores do
Código de Napoleao .
A revalorização do costu1ne co1no fonte complementar do Direito
Civil é devida, em grande parte, aos escritos de Gény. Mas, ele não
se li1nita a enaltecer o valor dos costumes, porquanto, muitas ve-
zes, faltam ao intérprete também os recursos do Direito costumei-
ro. Quando a lei silencia e não existe processo consuetudiná rio,
como deve agir o juiz? Sabem todos que o juiz não pode deixar de
sentenciar. A nossa lei é precisa quando veda ao juiz a escusa de
dar sentença, invocando lacuna ou obscuridade na lei. Se, porém,
a lei deve ser interpretada no seu sentido originário e os fatos e
aconteciment os da vida são novos, qual o caminho que deve seguir
o juiz? É nesse ponto que Gény declara que o magistrado deve
entregar-se a um trabalho científico, isto é, à livre pesquisa do
Direito, com base na observação dos fatos sociais.
Não se trata, como estão vendo, de procurar uma regra jurídi-
ca já escrita que possa, por analogia, ser invocada, mas, ao contrá-
rio, de descobrir, através da investigação científica dos fatos sociais,
a regra jurídica apropriada. Cada fenômeno social - diz Gény -
já traz em si mesmo, no seu próprio desenvolvim ento, a razão de
ser de sua norma. O social, no seu bojo, contém em esboço a solu-
ção jurídica que lhe é própria. A regra de direito não é algo de
arbitrário, imposto pelo legislador, mas, ao contrário, algo que obedece
a uma ratio juris, o que quer dizer à razão natural das cousas. A
natureza das cousas implica a apreciação de vários elementos,
demográficos, econômicos, históricos, morais, religiosos etc. O jurista,
quando a lacuna é evidente, transforma-se , dessa forma , em um
pesquisador do Direito, para determinar a norma própria concernente
ao caso concreto, de confonnidad e com a ordem geral dos fatos.
Segundo Gény, o Direito é formado de dois elen1entos funda-
mentais - qu e ele de no1nina o "dado" e o "construído" . O "dado'·
é aquil o q ue não é criado pelo legislador, 1nas é elaborado pela
próp ri a existência humana, no seu flu xo natural. Cada obra legislativa
287
est á con dic ion ada por um a sér ie de fato
res que se imp õe ao leg is-
lad or e ao inté rpr ete. São con d içõ es
eco nôm ica s , me sol ógi cas ,
his tór ica s, cu ltu rais , dem ogr áfi cas , rac
iais que ori ent am , em certo
sen tid o, o tra bal ho cie ntífi co daq u e les que
elabora111 um tex to ou 0
int erp ret am . Val endo-se dos dad os ofe rec
id os pel a nat ure za e pel a
exp eri ênc ia soc ia l, é qu e o jur ista co nst
rói o se u arc abo uço de re-
gra s ou nor ma s.
Há no Dir eito , por tan to, um a base pré via
de dad os ou pressu-
pos tos (le don né) e u111a par te de con stru
ção lóg ica e artí stic a, su-
bor din and o os fato s a um a ord em de
fin s (le con str uit ). En tre os
pre ssu pos tos que con dic ion am a con stru
ção nor ma tiv a, dir á de-
poi s Gény, na sua obr a Ciê nci a e Téc nic
a no Dir eito Pri vad o Po-
siti vo, est ão tam bém os val ore s do "ir red
utí vel Dir eito Na tur al".
A teoria de Gé ny traça, por ém , claros lim
ites à ind aga ção cientí-
fic a do fat o soc ial, por qua nto - diz ele
- ao rea liza r sua pesqui -
sa, dev e o jur ista ter sem pre pre sen te
que as leis exi ste nte s são
bal iza s ao seu tra bal ho. A fór mu la de Gé
ny é est a: Alé m do Có digo
Civ il, ma s atr avé s do Có dig o Civil. Seg
und o ess e pro fes sor, que é
um a das gló ria s da Jur isp rud ênc ia fra nce
sa con tem por âne a, o tra-
bal ho de pes qui sa, na rea lid ade , só ino
va na me did a em que int e-
gra ou com ple ta o sis tem a exi ste nte , ma
s sem lhe alte rar o sig nif i-
cad o fun dam ent al.
Ca da ord ena me nto jur ídi co tem a sua
lóg ica int ern a. Nã o é
pos sív el, por tan to, che gar -se a um a con
clu são cie ntí fic a de nat ure -
za col e ti vis ta, par a enx ert á-l a num sis
tem a que obe deç a a pri n-
cíp ios ind ivi dua list as. Na sua obr a de
con str uçã o sis tem átic a, o
jur ista dev e obe dec er à índ ole do sis tem
a pos itiv o em vig or, vis to
com o ele não tem a ple na lib erd ade de ind
aga ção , pró pri a do soc iólo -
go, ma s sim a ]ib erd ade de pes qui sa des
tin ada a edi tar nor mas com -
pat íve i s com o ord ena me nto jur ídi co,
aco rde s com est e, no fun do
e na for ma .
A con trib uiç ão de Gé ny alc anç ou in1e
nsa rep e rcu ssã o en1 v~-
rio s paí ses , me s mo por qu e e la co in c idi
a co m u1n pro ces so par ale lo
no mu ndo cu lt ural a le mã o , es pec ialm
e nte atr a vés de um a ind aga -
ção mu ito pro fun da a res pe ito da ex is
tê nci a, o u não . de lac un as no
Dir eit o pos itiv o.
288
. passado,
Já no decorrer do século . alguns juristas havia m, na
Ale~anha , se oposto ao n~onsmo da tes~ segundo a qual O jui z
devia se subordina r mecanica mente aos ditames da lei, no ato de
interpretá-la. Vários autores haviam já falado da necessida de de
verificar-se o elemento teleológic o ou finalístico , para interpretar
0 Direito com certa autonomi a e objetivida
de.
Mas, deixando de lado esses anteceden tes, devemos le1nbrar
que um momento fundamen tal na história da interpreta ção do Di-
reito, na Alemanh a, segundo as novas tendência s, foi a obra de
Zitelmann, intitulada As Lacunas no Direito. Esse trabalho de ex-
traordinária penetraçã o científica firmou uma tese expressai nente
consagrada no Direito positivo brasileiro , de que não existe pleni-
tude na legislação positiva, visto corno, por 1nais que o legislador
se esforce para sua perfeição , há sempre un1 resto sem lei que o
discipline.
Na obra de Ziteln1ann , ficou provada a existência de lacunas
na legislação , n1a s ta1nbén1 ficou reconheci do que o Direito, en-
tendido como ordenan1ento, jamais pode ter lacunas. Como conci-
liar, pois , essas duas afirmaçõe s que são dois aforismos do Direito,
em nossos dias?
Nosso legis lador já tomou conhecim ento, em 1942, desse pro-
blema, quando mandou recorrer ao costume, à analogia e aos prin-
cípios gerais do Direito, havendo lacunas na lei, e ao proclama r,
logo a seguir, que o juiz não pode deixar de sentencia r mesmo em
face de lacunas ou obscurida de no texto legal. Quer dizer: o Direi-
to não se confunde mais com a lei, não se confunde com os textos
escritos, como se verificava na Escola de Exegese. A lei é apenas
instrumento de revelação do Direito, o mais técnico, o mais alto,
mas apenas um instrumen to de trabalho e assim mesmo imperfei-
to, porquanto não prevê tudo aquilo que a existência oferece no
seu desenvolv imento histórico. A lei tem lacunas, tem claros, mas
o Direito interpreta do como ordename nto da vida, este não pode
ter lacunas, porque deverá ser encontrad a, sempre, uma solução
para cada conflito de interesses . O trabalho de Zitelmann já acon-
selhava a procurar-se, fora da lei, meios e modos técnicos para se
preencherem as lacunas verificada s. Ele o fazia, entretanto , com
aquela mesma cautela e equilíbrio que distingue m a obra de Gény.
289
Pode-se dizer que, apesar de algumas manifesta ções iniciai s
que pecavam por excesso, tan1bém a obra de Eugen Ehrlich se
manteve numa linha de relativo equilíbrio , ao instaurar ele uma
corrente hermenêu tica que , sob a denomina ção de " Livre Indaga-
ção do Direito" (Freies Recht) ia lograr imensa ressonânc ia.
O pensamen to de Ehrlich desenvolv eu-se no sentido de uma
compreen são sociológic a do Direito, tendo profunda repercu ssão
a sua tese de que é facultado ao juiz estabelec er livrement e uma
solução própria (com base em estudos sociológic os , é claro) toda
vez que dos textos legais não seja possível inferir-se uma solução
que efetivame nte correspon da ao fato em apreço , de maneira ade-
quada e justa. A exigência de um Direito justo, postulada pelo
grande renovador da Filosofia do Direito contempo râneo, Rudolf
Stammler , abria, assim, caminho à atividade criadora do intérpre-
te, liberto do artifício de recorrer sempre à interpreta ção extensiva
ou à analogia, mesmo quando incompatí vel a norma com o fato.
Essa tese logrou ter consagraç ão no famoso art. 1. º do Código Civil
suíço e, até certo ponto, no art. 114 de nosso Código de Processo
Civil de 1939.
Uma orientação , porém, bem mais ousada, foi a de Hermann
Kantorow icz, que, em 1906, publicou uma obra polêmica intitulada
A Luta pela Ciência do Direito, sob o expressivo pseudônim o de
Gneus Flavius, o escriba e depois tribuno romano, a quem Pomponiu s
atribui o feito de ter subtraído as leis das actiones, ou formulári o
judicial, até então do conhecim ento exclusivo dos pontífices , para
torná-las conhecida s do povo.
Para Kantorow icz, haja ou não lei que reja o caso, cabf ao
juiz julgar segundo os ditames da ciência e de sua consciênc ia,
deven do ser devidame nte preparado , por conseguin te, para tão
delicada missão . O que deve prevalece r, para eles, é o direito jus-
to , quer na falta de previsão legal (praeter legem) quer contra a
própria lei ( contra legeni).
Se ass im fo sse, apesar de todas as cautelas cotn que Kantorow ic z
cerca, Lécnica e e ti ca mente, a escolha dos 1nagistrad os e a sua atua-
ção, a que se reduziria a seg uran ça do Dire ito ? Pode-se adn1itir a
tese de um _ju lgamc nlo ao arrepio, a des peito da le i?
290
Para nós o Direito não pode prescindir de sua estrutura for-
mal, tampouco de sua função normativa ou teleológic a, de manei-
ra que a conduta hurnana, objeto de uma regra jurídica, já se acha
qualificad a de antemão por esta, tal como o exigem a certeza e a
segurança.
Segundo os adeptos do Direito Livre, o juiz é como que legis-
lador nun1 pequenino don1ínio, o domínio do caso concreto. Assim
como o legislador traça a nonna genérica, que deverá abranger
todos os casos futuros , concernen tes à matéria, caberia ao juiz le-
gislar, não apenas por eqüidade, mas, toda vez que lhe parecer, por
motivos de ordem científica , inexistent e a lei apropriad a ao caso
específico: estamos, pois, no pleno domínio do arbítrio do intér-
prete.
O Direito Livre, que ainda se debate e se discute, foi, como
disse o jurista italiano Max Ascoli, "uma ventania romântica que
assolou os domínios da Jurisprudê ncia". O que se queria era ante-
por o valor do caso concreto à previsão racional da generalida de
dos casos. Não se poderá dizer que o assunto já esteja superado:
uns sustentam ainda hoje que a lei é lei e deve ser interpreta da na
sua força lógica, ao passo que outros pretendem transform ar a lei
em meras balizas na marcha da liberdade do intérprete .
291
A teoria da interpretação, que prevaleceu até poucos anos atrás,
procedia como a antiga Psicologia, que explicav~ _as idéias como
"uma associação de imagens" : começava pela analise de cada pre-
ceito para, paulatinamen te, reuni-los e obter o sentido global da
lei. Cumpre, ao contrário, reconhecer que o processo interpretativo
não obedece a essa ascensão mecânica das partes ao todo, mas
representa antes uma forma de captação do valor das partes inse-
rido na estrutura da lei, por sua vez inseparável da estrutura do
sistema e do ordenament o. É o que se poderia denominar
Hermenêutica estrutural.
Já o nosso genial Teixeira de Freitas, inspirado nos ensinamentos
de Savigny, nos ensinara, em meados do século passado, que basta
a mudança de localização de um dispositivo, no corpo do sistema
legal, para alterar-lhe a significação. Esse ensinamento , antes de
alcance mais lógico-forma l, passou, com tempo, a adquirir impor-
tância decisiva, porque ligado à substância da lei, que é o seu sig-
nificado, em razão de seus fins.
A compreensão finalísica da lei, ou seja, a interpretaçã o
teleológica veio se afirmando, desde as contribuiçõe s fundamen-
tais de Rudolf von Jhering, sobretudo em sua obra O Fim no Direi-
to. Atualmente, porém, após os estudos de teoria do valor e da
cultura, dispomos de conheciment o bem mais seguro sobre a es-
trutura das regras de direito, sobre o papel que o valor nela repre-
senta: o fim, que Jhering reduzia a uma forma de interesse, é visto
antes como o sentido do valor reconhecido racionalmen te enquan-
to motivo determinante da ação.
Fim da lei é sempre um valor, cuja preservação ou atuali zação
o legislador teve em vista garantir, armando-o de sanções, assim
como também pode ser fim da lei impedir que ocorra um desvalor.
Ora, os valores não se explicam segundo nexos de causalidade,
mas só podem ser objeto de um processo compreensivo que se reali-
za através do confronto das partes com o todo e vice-versa, ilun1i-
nando-se e esclarecendo-se reciprocamente, con10 é próprio do estudo
de qualquer es trutura social.
Nada ma is errôneo do que, tão logo pron1ulgada un1a lei,
pinçarmos u111 de seus artigos para aplicá-lo isoladan1ent e, sern
292
nos darmos conta de seu papel ou funçã o no contex to do diploma
legislativo. Seria tão precip itado e ingên uo co1no dissertarmos sobre
uma lei, sem estudo de seus prece itos, basea ndo-n os apenas en1
sua ement a ...
Estas consid eraçõ es inicia is visam pôr e1n realce os seguintes
pontos essen ciais da que denom inamo s herme nêutic a estrutural:
Pois ben1, dessa compr eensã o estrut ural do probl ema result a,
em prime iro lugar, que o trabal ho do intérp rete, longe de reduz ir-
se a uma passiv a adapt ação a um texto, representa um trabal ho
constr utivo de natur eza axioló gica, não só por se ter de capta r o
signif icado do prece ito, correl acion ando- o com outros da lei, mas
também porqu e se deve ter presen tes os da mesm a espéc ie existe n-
tes em outras leis: a sistem ática jurídi ca, além de ser lógico -for-
mal, como se susten tava antes, é també m axioló gica ou valorativa.
Não pode absol utame nte ser conte stado o caráte r criado r da
Herm enêut ica Jurídi ca nesse árduo e pacien te trabal ho de cotejo
de enunc iados lógico s e axioló gicos para atingi r a real signif ica-
ção da lei, tanto mais que esse cotejo não se opera no vazio, mas
só é possív el media nte contín uas aferiç ões no plano dos fatos , em
função dos quais as valora ções se enunc iam.
Mais do que qualq uer outro autor, Emíli o Betti soube dar
realce ao papel da interp retaçã o jurídi ca, distin guind o-a cuida do-
samente de outras formas de interpretação, como a histórica, a literária
2. Para maiore s esclare ciment os, vide nosso estudo intitula do "Para urna
herme nê utica jurídic a es trutura l" , em nosso livro Estudo s de F;/oso jia e
Ciênci a do Direito , cit.
293
ou a musi cal. O intérp rete do Direi to, conso ante demo nstra ções
conv incen tes daqu ele mestr e, não fica preso ao texto , como o his-
toriad or aos fatos passa dos , e tem mes1no mais liber dade do que o
piani sta diant e da partit ura. Se o execu tor de Beeth oven pode dar-
lhe uma interp retaç ão própr ia, atrav és dos valor es de sua subje ti-
vidad e, a músi ca não pode deixa r de ser a de Beeth oven . No Direi -
to, ao contr ário, o intérp rete pode avan çar mais, dand o à lei um:1
sionificação imprevista, comp letam ente diver sa da esper ada ou queri da
p:io legisl ador, em virtu de de sua corre lação com outro s dispo si-
tivos, ou então pela sua comp reens ão à luz de nova s valor ações
emer gente s no proce sso histó rico.
Não é apena s a natur eza criad ora do proce sso herm enêu tico-
juríd ico que se salien ta, em nossa époc a, mas tamb ém o seu cará-
ter unitário.
Cont esta- se, em prim eiro lugar , que se deva partir , prog ressi-
vame nte, da análi se gram atica l do texto até ating ir sua comp reen-
são sistem ática , lógic a e axiol ógica . Enten de-se , com razão , que
essas pesqu isas, desde o início , se imbr icam e se exige m recip ro-
came nte, mesm o porqu e, desde Sauss ure, não se tem mais uma
comp reens ão analí tica ou assoc iativa da lingu agem , a qual tam-
bém só pode ser enten dida de mane ira estru tural , em corre lação
com as estru turas e muta ções socia is.
Adm itido , porém , esse carát er unitá rio ou estru tural da inter -
preta ção juríd ica, não nos parec e que assis ta razão a Betti quan do
exclu i se possa falar em interp retaç ão gram atica l ou em inter pre-
tação lógic a, cond enan do tamb ém a distin ção entre a inter preta ção
exten siva e a estrit a: a seu ver, a interp retaç ão só pode ser una e
conc reta. Talve z haja aqui mais quest ão termi nológ ica. Se se afir-
ma que a interp retaç ão gram atica l, a lógic a e a sistem ática não
podem , cada um de per si, dizer -nos o que o Direi to signi fica, estam os
de pJeno acord o, mas não crem os que a neces sidad e de unida de
nos impe ça de aprec iar, por exem plo, um texto à luz de seus valo-
res gram atica i s: o essen cial é que se tenha prese nte a corre lação
daqu elas interp re taçõe s partic ulare s con10 simp les mom entos do
proce sso g ]oba] inte rpre tativo , e111 si uno e conc reto.
Por outro Jado, não nos parec e desti tuída de se ntido a distin -
ção e ntre a inte rpre ta ção e xte nsiva e a es trita , sob a alega ção de
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que o hermeneuta só pode extrair o sio nificado que a 1e1· tem , sem
. . , . º
restnng1-lo
_ ou alarga-lo.
. , Na reahdade porém , O que .se c h-ama Ln
. -
ter~re~açao extensn'a e exatamente o resultado do trabalho criador
do 1n~erprete, ao acrescer algo de novo àquilo que , a ri gor, a lei
deven a norma!n:iente enunciar, à vista das novas circun stâncias ,
quando a elast1c1dade do texto nonnati vo co mportar o ac résc imo .
Desse modo, graças a um trabalho de exte nsão. reve la-se alüo de
implícito na significação do preceito, se m quebra de sua estr~tura.
Pela interpretação restriti va, dá-se o co ntrário, porque o intér-
prete, limitando a in cid ência da norma , impede qu e a mes ma pro-
du za efc itos danosos.
Se bem anali sa rmo s. por~m. tal assunto , veremos qu e, no fun -
do, as chamadas interpretações extensiva e estrita se referem mais
à apli cação do direit o do que à sua interpretação.
São amb Js fo rm as prudentes de correção de defici ências e
excesso s da s normas lega is. sem que para tanto se adote a tese
ex tremada da interpretação contra legem, a não ser quando o acúmulo
dos fato s e ex igências soc iai s se colocar em aberto e permanente
co ntras te co m um texto estiol ado e esquecido. A Ciência do Direi-
to con temporânea não se deixou seduzir pelo canto de sereia do
Direito Livre, co ntinu ando , em linhas gerais, a preferir as imper-
feições de um Direito predeterminado ao risco de um Direito
determi náve l, cm cada caso, pelo juiz. Prevaleceu, em suma, o
valor da certeza , que é irmã gê mea da segurança, muito embora
não se exclua, de maneira absoluta, se possa recusar aplicação a
mna lei caída em evidente des uso , como a seu tempo assinalamos .
Mas, se a Hennenêutica Jurídica atual não consagra as teses
extre n1adas do Direito Livre, desenvolve, de maneira mai s orgâni-
ca, a compreensão hi stórico-evolutiva, entendendo a norma jurídi-
ca, con10 temos ensinado ultimamente, em termos de:
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e) implicand o a apreciaçã o dos fatos e valores que, origina-
ria111ente, o constituíra111;
d) assim co1110 em função dos fatos e valores superveni entes.