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História do Direito - 1º teste

2 Disciplinas Formativas e Disciplinas Informativas


 Formativas: de caráter epistemológico, zetético. Têm como objetivo formar o jurista e o
seu pensamento crítico.
 Informativas: de caráter dogmático e tecnicista. Conteúdo do direito positivo, das regras,
da sua aplicação e da sua interpretação.

A história do direito é a história da cultura jurídica e é uma disciplina essencialmente formativa,


pois pretende formar o espírito do jurista. As disciplinas formativas procuram estruturar o
pensamento que possamos ter sobre as normas e regras. Pretende-se compensar as introduções
ao direito para o estudo do direito positivo, sobretudo o direito civil (que regula o direito privado
e o direito público – um dos agentes do Estado). Isto acontece ao contrário das disciplinas
informativas (o direito fiscal, o direito do trabalho, o direito da família…) que pretendem o estudo
técnico jurídico do Direito.

Caráter Zetético – abertura para o questionamento, sabendo que a zetética é o ramo da filosofia
que investiga sobre a razão e a natureza das coisas.

3 História da História do Direito


1. A tendência pró civilista das Introduções ao Direito

A História do Direito mostra-nos a relatividade do direito absoluto do presente. Hoje, o interesse


real da história jurídica não é tanto o domínio cognoscitivo das épocas passadas, num plano
desinteressado e puramente contemplativo, mas a apreensão do sentido do presente, com o
auxílio do entendimento do passado. Por isso, as disciplinas de Introduções ao Direito adquirem
um pendor pró-civilista e pró-positivista.

2. Direito positivo e Direito vigente


 Direito positivo: é conjunto de leis e comandos postos pelo Homem. O direito positivo é
fruto da vontade do Homem (Dura lex, sed lex). É o direito que está escrito, legislado.
Representa as regras e normas legais que foram promulgadas e são reconhecidas como
vinculativas numa jurisdição específica.
 Direito vigente: é o conjunto das normas pelas quais se rege uma sociedade e que é
valido nesse momento ou em validade num determinado período de tempo; é o direito
que não está escrito na lei (norma consuetudinária).

3. Unidade na mutabilidade jurídica


O direito é um mundo para além da lei, sendo que a lei é apenas uma das fontes da jurisdição. O
direito é uma realidade una, coerente. É uma realidade comunitária, pois existe onde há um
agrupamento de pessoas. Porém, o direito é uma realidade mutável e em evolução, dada uma
sociedade.

4. Natureza cultural do Direito

O Direito é algo cultural. Apesar de existir por todo o mundo e parecer absoluto que sempre
existiu e sempre há de existir, o direito é algo de natural, uma vez que surge no seio de uma
sociedade.

 O Direito é um artefacto (construção) cultural;


 O Direito faz parte de uma cultura de argumentação;
 Juspositivismo e jusnaturalismo;
 Evolução do Código.

5. Escola Histórica do Direito: o direito pátrio e o intemporal direito romano-canónico

A Escola Histórica do Direito foi um movimento jurídico que surgiu na Alemanha e teve grande
influência nos séculos XIX e XX.
Esta escola procurava compreender o direito por meio do estudo da história, enfatizando a
importância da análise de textos legislativos e da evolução histórica das instituições jurídicas. Os
membros desta escola acreditavam que o conhecimento do passado era essencial para entender
e interpretar corretamente as leis. Eles argumentavam que as normas jurídicas deveriam ser
interpretadas à luz da história do povo, refletindo as suas tradições e desenvolvimento cultural.
A Escola Histórica rejeitava abordagens mais abstratas e dedutivas para a interpretação do direito,
em favor de uma interpretação contextualizada e historicamente fundamentada das leis. Ela abriu
caminho para o desenvolvimento do positivismo jurídico na Alemanha, no entanto, é importante
ressaltar que a Escola Histórica do Direito e o positivismo não são idênticos, pois o autor principal
dessa corrente, Friedrich Carl Von Savigny, tinha uma posição distinta em relação à codificação
do direito. Rejeita o direito consuetudinário, por ter como base o irracionalismo da tradição,
contrário aos princípios da civilização, defendendo a positivação do direito natural por meio de
códigos estabelecidos pelo Estado.
O direito pátrio refere-se ao direito consuetudinário de uma sociedade, desenvolvido a partir das
práticas e tradições locais ao longo do tempo. Este valoriza a importância das leis e costumes
específicos de uma determinada comunidade ou região na formação do ordenamento jurídico.
Relativamente, ao direito romano-canônico, este é um termo que se refere à fusão e interação
entre o direito romano e o direito canônico (ou eclesiástico) na Europa medieval. Essa
combinação de influências legais teve um impacto significativo no desenvolvimento dos sistemas
jurídicos europeus e influenciou a formação do direito moderno.
O direito romano era o sistema jurídico desenvolvido durante o Império Romano. Ele era
caracterizado pela sua ênfase em princípios gerais, razão e equidade.
O direito canônico refere-se ao conjunto de leis e normas desenvolvidas e promulgadas pela
Igreja Católica. Ele abrange questões como o direito eclesiástico, disciplina clerical, casamento,
sucessão, e outros assuntos ligados à vida da Igreja e dos fiéis. As decisões dos concílios
ecumênicos e as bulas papais eram fontes importantes do direito canônico.
Durante a Idade Média, o direito romano foi redescoberto e estudado, principalmente através das
obras de juristas romanos clássicos. Ao mesmo tempo, a Igreja Católica exercia uma influência
significativa sobre a sociedade europeia, e seu direito canônico desempenhava um papel crucial
na organização e governação da Igreja.
A interação entre o direito romano e o canónico ocorreu em várias formas:

 Receção do Direito Romano: Muitas das ideias e princípios do direito romano foram
incorporados nos sistemas jurídicos locais à medida que o direito romano foi redescoberto
e estudado.
 Influência do Direito Canônico: O direito canônico também influenciou as práticas legais e
as instituições em muitas regiões, especialmente através de tribunais eclesiásticos que
lidavam com questões matrimoniais, sucessões e outras.
 Universidades e Escolas de Direito: As universidades e escolas de direito medievais
desempenharam um papel central na fusão dessas tradições legais, promovendo o estudo
tanto do direito romano quanto do canônico.

Essa fusão de influências legais contribuiu para a complexidade e diversidade dos sistemas
jurídicos europeus e teve um impacto duradouro no desenvolvimento do direito moderno.

4 Interesse Prospetivo da História do Direito


1. Importância de um pensamento crítico
 Impugnar o reducionismo normativista que supõe a existência de um “mero jogo de
disposição e organização metodológica” do Direito, ou seja, o Direito deve transcender
a teoria, envolvendo um certo apelo pela dimensão social, que deve ser observada, e
aqueles que procuram apenas justificar de modo normativo estão limitados, assim
superamos o sentido normativista para conhecer melhor a lei.
 Dar conta das condições históricas do surgimento do discurso da lei, bem como da
sua própria produção, circulação e apropriação, logo, a origem importa para julgar
melhor a lei (como vai ser aplicada, como se forma o discurso da lei, como se
institucionaliza a interpretação da lei sem reduzir o fenómeno jurídico à lei).
 Dar atenção à análise dos elementos estruturais do Direito, partindo de uma matriz
expectativa multi e transdisciplinar, visto que não podemos fechar-nos no normativismo
ou vamos perder-nos e não veremos a complexidade do fenómeno jurídico.
 Reconhecer a necessidade de uma epistemologia para a construção da crítica, uma
crítica obriga solução da teoria estabelecida.
 Possibilitar o aparecimento do invisível (exercício de abstração intelectual, evocando
coisas, ou realidades diante da sua ausência). Mas o que é esse invisível? Aquilo que é
ocultado pelos discursos, graças à crítica, deve ressurgir, submetendo a uma capacidade
de reflexão.
 Desbloquear o estudo do direito do seu isolamento, projetando-o “no mundo real
onde ele encontra o seu lugar e a sua razão de ser e, ligando-o a todos os fenómenos
da realidade. O mundo dos livros e o mundo das pessoas e da cultura tem que ter ligação,
pois o Direito envolve vida, não se pode isolar como ciência teórica e este conhecimento
deve ser visto com um sentido metafórico, ao que se deve alcançar um sentido prático, ou
seja, deve ser projetado na vida real.
 Buscar respostas jurídicas mais condizentes com a complexidade social
contemporânea.

2. O presente como futuro do passado

A História do Direito não “deve cingir-se aos domínios tradicionais do seu labor, parecendo-nos
que a investigação do passado, mesmo em sociedades que aparentemente vivem num eterno
presente, é ainda domínio histórico” (Cap. I-III). “O interesse real da história jurídica, hoje, não é
tanto o domínio cognoscitivo das épocas passadas, num plano desinteressado […] mas a
apreensão do sentido do presente, com o auxílio […] do transcorrido” (Cap. I-IV).

3. O direito contemporâneo como ponto de partida

Em 1789, com a Revolução Francesa, dá-se o início da Idade Contemporânea. Com ela surge uma
nova modernidade jurídica: a força/poder do código civil, fortemente influenciado pelo código
civil francês de Napoleão (1804). O Direito Contemporâneo será o ponto de partida para o estudo
em História do Direito. Procura-se saber quem o elaborou, quem é o responsável por ele, quem
visa alcançar, etc.

5 História do Direito como tarefa de indagação


A História do Direito é um percurso de indagação. Indagação é o estudo empenhado, em que o
próprio objeto resulta de uma construção, de uma elaboração de algo que ainda está por
descobrir e se procura pôr a descoberto.
A história obriga um papel primordial de interrogação, envolve ponderação, rigor científico e
cuidado, pois a indagação obriga a um caráter teorético, ou seja, à elaboração de uma teoria por
trás, procurando resolver questões epistemológicas. É termos consciência que ao investigar o
passado estamos a contribuir para os seus contornos. A indagação só poderá ser feita através de
factos transcorridos e passados, logo a história é uma indagação passada, "mas preocupação e
labor datados, e nela não falta mesmo, apesar de todas as críticas, um pendor conselheiral,
ideológico ou programático, a espreitar o futuro".

"O interesse real da história jurídica, hoje, não é tanto o domínio cognoscitivo das épocas passadas,
num plano desinteressado e puramente contemplativo, mas a apreensão do sentido do presente,
com o auxílio do entendimento do transcorrido. A indagação histórica é indagatio, investigação
cuidadosa, e o historiador [é] um indagator, [aquele que] reconstitui a verdade seguindo as pistas
(os documentos históricos […]). O objeto desta pesquisa, indago, é simultaneamente ela mesma,
os seus instrumentos” (Cap. I)

1. Perspetivismo histórico e judicial


 Ponto de vista: remete a uma experiência pessoal, visto que aquilo que vivemos e
passamos condiciona a nossa visão.
 Perspetivismo: propõe que quantos mais pontos de vista foram levados em consideração,
mais completo será o conceito, mas o resultado nunca poderá ser afirmado como
verdadeiramente completo. Nenhuma perspetiva sobre o mundo e os seus objetos é
exaustiva, embora ela seja tão ou mais completa quanto for o leque de perspetivas
alternativas consideradas, mas nunca poderemos dizer que é definitiva. É possível que uma
perspetiva seja a melhor para mim, mas não seja a melhor para o geral, surgindo assim
uma perspetiva mais epistemológica e mais ético/política.

O perspetivismo histórico envolve uma multiplicidade de pontos de vista, eles são levados em
conta à composição de um trabalho muito amplo narrativo.
Não há perspetivas absolutas.
A fusão de pontos de vista é o que envolve o papel do historiador e do jurista, os dois estão
envolvidos na composição de uma determinada história, cujo discurso deve ser coerente e
marcado pela linearidade e sequencialidade, ambos obedecem a critérios temporais.
Os juristas partem de diferentes narrativas sobre o mesmo facto - perspetivas diferentes sempre
colocadas na forma de texto.
O ordenamento jurídico é um texto que constitui uma grande perspetiva textual sobre o mundo
jurídico.
O perspetivismo é uma visão externa e interna:
 Ordenamento jurídico, do ponto de vista interno, lança um olhar sobre própria
atividade/narrativa jurídica, que é um olhar interno sobre o sistema.
 O sistema lança um olhar externo quando o ordenamento jurídico tenta uma
concordância sobre aquilo que esta textualizado dentro dele.
É um olhar paradoxal, simultaneamente externo e interno: olha-se dentro do sistema e, ao mesmo
tempo, para a conjuntura social e política do momento histórico, como forma de traçar um
determinado quadro sobre o tema que eles podem indagar. - Perspetiva zetética jurídica;
história do direito também atravessa questões filosóficas;
2. História e Estórias: a contingência da narração histórica

 História: tem uma perspetiva mais ampla, mas também uma dimensão narrativa; apresenta
factos e menções do passado, mas também pode preocupar-se com factos relativamente
recentes, o que obriga a uma sensibilidade para definir o que é importante à história e o
que não é; é um dos discursos propostos para a compreensão, interpretação e ação, tendo
um carácter mais dinâmico, reflete sobre o passado, orienta-nos o futuro e faz isso no
presente; tem um carácter de contingência.
 Estória: É uma narrativa, que pode tanto ser ficcional como real. Poderá ser um facto
passado da minha vida (ex.: algo que aconteceu há x anos) ou, por exemplo, os Contos dos
irmãos Grimm, fábulas, etc. Trata-se de uma referência menor. Esta ideia em termos
linguísticos foi abolida, no entanto para o professor Paulo ainda pode ser interessante.

A história é mais do que uma mera reflexão, ela propõe instrumentos, não é apenas uma
transmissão, mas sim uma transformação, através da compreensão, das palavras por via de uma
narrativa e com um carácter contingencial (algo que não é impossível, mas também não é
necessário).
O historiador não espera que as contingências desapareçam, então pretende contorná-las,
envolvendo um caracter criativo e especulativo lançando a mão uma série de recursos. À história
não falta um pendor ideológico e pragmático e é esse toque mais pessoal, que é marcado pela
contingência, ou seja, exige uma perspetiva própria. As contingências dependem da
perspetiva, podem ser vistas por um historiador e não por outro.

A história é uma ciência que investiga o passado da humanidade e o seu processo de evolução,
tendo como referência um lugar, uma época, um povo ou um indivíduo específico. Toda a história
é fruto de uma construção, de uma perspetiva. A palavra “História” tem origem no termo grego
historie, que significa “conhecimento através da investigação”. Neste âmbito podemos distinguir
estória de história. Enquanto a primeira designa narrativas populares ou tradicionais não
verdadeiras, a segunda refere-se à História como ciência, ou seja, como história baseada em
acontecimentos reais. Na compreensão de estória podemos invocar a obra de Heródoto que ao
relembrar dá-nos peças geográficas, etnográficas, descritivas e fantasias. Por sua vez, Tucídides, é
um dos fundadores da História pois concentra-se na investigação temática unitária, no espaço e
no tempo.

3. Heródoto (História da invasão persa da Grécia): compromisso do historiador

Geógrafo e historiador grego (séc. V a.C.), considerado o pai da história, mas também um “grande
mentiroso”, com pouco afeto pela verdade. Heródoto tinha a noção de que o historiador está
implicado na construção que faz. O que o historiador conta depende do que ele sabe, do que ele
sente, da sua opinião, etc. Esta história, apesar de narrada subjetivamente, era fundamental para
compreender as condutas das pessoas em sociedade. As narrativas de Heródoto contam História,
histórias e estórias. A ideia de indagação surge muito ligada a Heródoto, pois este pretendia
deixar registos para o futuro com um certo rigor, demonstrando uma ideia muito embrionária de
História, procura, então, apresentar os resultados das suas investigações e expor os factos por aí
pesquisados.
Professor Paulo Ferreira da Cunha afirma que este pretendeu deixar os feitos dos homens daquela
época para a posterioridade — Evasão de Persa. A obra de Heródoto é fundadora de uma história
como as estórias, ou seja, criou uma ficção à volta de factos verídicos, isto pois Heródoto afirma:
“Eu devo contar aquilo que se conta, porém, de algum modo, eu devo acreditar em tudo e essa
advertência não vale só para mim, mas também para toda a minha narrativa”. Heródoto não esta
preocupado com critérios de verdade, ou melhor, com garantir a verdade, apresenta diferentes
perspetivas do mesmo acontecimento, mesmo sendo contraditórias.

4. Tucídides (História da guerra do Peloponeso): história analítica

Crítica Heródoto e caracteriza-o como um contador de mitos. Tucídides tem uma abordagem
diferente à história, é um historiador preocupado com a verdade, mas não tanto com os detalhes
individuais, como Heródoto, apesar de muitos considerarem que Tucídides veio continuar o
trabalho de Heródoto. Tucídides procurava fazer um estudo mais neutro e menos comprometido.
Ele vai narrar a guerra entre os espartanos e os atenienses.

As principais diferenças entre Tucídides e Heródoto são que o primeiro:


 Preocupa se muito mais com a história política (contemporânea — narra eventos muito
recentes para a época);
 Não pretende agradar o publico ou embelezar a história, apenas quer recolher os factos e
os dados de modo a criar uma narrativa verosímil. Historiador bastante científico e
criterioso, queria saber da verdade.

5. História como projeto de fusão das duas anteriores perspetivas


Como assim fusão?
Ideia de verdade na história é bastante complicada, então decidiu tentar-se uma ideia de fusão
destas duas perspetivas de modo a tentar evitar os extremismos, tanto do
romantismo/embelezador como da frieza/rigorosidade científica.
A História é fruto destas duas intenções: por um lado quer-se que ela seja objetiva e imparcial;
por outro lado ela é também sempre falível e comprometida por quem a escreve. Os
acontecimentos chegam-nos com a marca de quem os escreveu. A linguagem constrói a
realidade, uma vez que pensamos linguisticamente. Todos os factos são frutos de construções.
Enquanto Heródoto usava a força do estilo e a magia das palavras para seduzir os leitores,
Tucídides apoiou-se nos factos e na sua análise, limpando-a de interpretações mitológicas e da
influência de comentário e rumores. Ao explicar o seu método, torna claro que o fundamental
deveria estar no cuidado na recolha de todos os documentos, de todos os testemunhos e na
reunião de tudo o que contribuísse para maior aproximação possível da verdade. Para Tucídides
era mais importante “servir a verdade” do que “agradar aos ouvidos”, daí que Tucídides afirme
com clareza que “deve pensar-se que as minhas informações provêm das mais seguras fontes e
apresentam uma certeza suficiente, considerando a sua antiguidade”. Mais importante do que o
primeiro relato ouvido ou do que a opinião do historiador, deveria haver uma grande
preocupação de rigor, pelo que Tucídides ou se baseia naquilo que viu e de que foi testemunha
ou no que sabe por informações tão exatas quanto possível. A ausência do maravilhoso pode
tornar menos atraentes as descrições, mas permite um conhecimento dos acontecimentos para
além das preocupações com a satisfação do momento.

6. As pretensões de verdade da História e o clássico problema filosófico da possibilidade de


conhecimento

São preocupações de foro epistemológico. Alguns historiadores, como acham que não há um
consenso e que são que são questões mais teóricas, não tão práticas, desvalorizam o uso do
conhecimento histórico para esse fim.
Carlos Reis, assim como outros autores cita um dos argumentos usados na perspetiva de um
observador externo e cético: “Pensamento histórico não podia ser verdadeiro porque ele é
empático, compreensivo, afetivo”. Como pode ser verdadeiro se é um acesso indireto aos feitos
dos antepassados, visto que é baseado em testemunhos, relatos e vestígios, não é o vivido ao vivo.
A História é uma reconstrução, não pode ser tida como uma verdade absoluta.

7. A existência de prazos de segurança para a construção da história: virtudes e deméritos

Para tal é necessário dar certos prazos/períodos de segurança para permitir dar um certo
distanciamento relativamente ao acontecimento e aos seus protagonistas, evitando, assim, que as
pessoas que viveram certo acontecimento deem testemunhos parciais. Tenta-se com estes prazos
fortalecer a isenção do historiador, apesar de isso ser difícil. Tenta-se evitar as deturpações da
história (vantagens).

Prazos de segurança aos arquivos históricos (regra tradicional): devem passar 50 anos dos factos
terem acontecido para se ter acesso aos arquivos e depois da investigação feita deve-se esperar,
pelo menos 9 anos para o facto poder ser apresentado ao público. Isto para evitar que as pessoas
façam histórias sobre os seus próprios interesses. Somos pessoas e, por isso vamos implicados no
trabalho. Deve-se preservar a isenção e a imparcialidade. Mas há um perigo em deixar passar estes
anos: há gente mal-intencionada que abafa acontecimentos e há testemunhas que, entretanto,
morrem (desvantagens). Os prazos de segurança impedem de fazer a história a quente.

8. História e Historiografia: res gestae e studium rerum gestarum

A verdade, ainda, é que toda a história acaba por ser o testemunho do tempo em que foi escrita.
As res gestae (factos puros, o que realmente aconteceu - história) acabam por ser retratadas pelo
studium rerum gestarum (estudo da história - historiografia).

 História (res gestae): factos; acontecimentos puros e objetivos; aquilo que aconteceu.
 Historiografia (studium rerum gestarum): discurso científico sobre o passado; união do
objetivo (factos) e do subjetivo (estudo dos factos); tem como pretensão final a verdade; o
sujeito cria uma forma como os opera, ou seja, uma metalinguagem, as regras, uma espécie
de ciência da História, que envolve uma metodologia uso de um plano discursivo de índole
científica; é forma de contar a história; aquilo que se conta que aconteceu (cada um tem
uma visão diferente do mesmo acontecimento).

“Não é toda a indagação de índole histórica: apenas a de factos transcorridos. Toda a História é
inelutavelmente testemunho do tempo em que foi escrita. De forma que a res gestae acabam por
ser sempre refratadas pelo studium rerum gestarum. A História é, sem dúvida, indagação do
passado, mas preocupação e labor datados, e nela não falta mesmo, apesar de todas as críticas,
um pendor conselheiral, ideológico ou programático, a espreitar o futuro.” (Cap. I).

6 Para uma história constitucional do direito português e para uma


história do direito constitucional português
1. Exemplos históricos de constitucionalismo: entre moderno e tradicional

7 Diferentes âmbitos temáticos em que se pode focar a História do


Direito: delimitações tradicionais (e inerentes problematizações críticas)

7.1 Fontes do Direito


O Direito é composto e identifica-se com normas jurídicas gerais e abstratas. Quando falamos em
História do Direito, estamos a falar do nascimento destas fontes. O Direito é um corpo em que se
consagram as normas jurídicas gerais e abstratas, é uma aceção/instrumentalização das fontes do
Direito. O primeiro a falar em “Fontes do Direito” foi Cícero na sua obra De Legibus.

1. Em sentido filosófico ou metafísico

Há uma autónoma inspiração filosófica das normas e dos sistemas. É a razão do Direito, a causa
última do Direito. Hobbes diz que a fonte do Direito, o porquê de o Direito existir é o desejo de
autoconservação do Homem em sociedade, o que obriga à necessidade de uma ordem jurídica.
2. Em sentido orgânico

Pretende saber-se quem (quais órgãos e entidades), na comunidade política, tem competência
para atribuir um carácter normativo e vinculante a uma regra – ou seja, quais as entidades
competentes para criar o Direito. Basicamente estamos perante fontes existendi do Direito, órgãos
que dão vida às normas jurídicas como tais. Normalmente, a fonte de uma determinada regra
jurídica é o parlamento, governo, autarquia ou povo.

3. Em sentido instrumental

São os textos a partir da qual se materializa o Direito. Permitem-nos saber os locais, a


documentação, as formas materiais de positivação do que é o Direito. São as fontes cognoscendi,
os meios de conhecimento jurídico.

4. Em sentido material (sociológico) e formal (técnico - jurídico)

Em sentido material ou sociológico, estão em causa os aspetos sociais, culturais, ideológicos, etc.,
que dão origem e justificam o Direito – necessita-se de apreender o sistema social para entender
a génese de dados normativos nesse contexto. Em sentido formal ou técnico-jurídico, fala-se nas
formas ou processos pelos quais se forma e se revela o direito normativo, objetivo e positivo. São
as fontes manifestandi, os meios de formação ou produção jurídica. As fontes formais dividem-se
em três:

 Modos de criação de norma jurídicas;


 Modos de revelação de normas jurídicas;
 Modos de criação e revelação de normas jurídicas.

Sendo que os modos de criação e de revelação das normas jurídicas mais usados são:

 Costume: também conhecido por direito consuetudinário.

Os usos são o costume, mas sem a convicção de obrigatoriedade. É um costume ao qual lhe falta
o animus. Atualmente, o costume já não é fonte de normas do nosso ordenamento jurídico, mas
foi até há bem pouco tempo.

 Jurisprudência: conjunto de decisões tomadas pelos tribunais ao longo dos tempos,


composto por sentenças (decisão saída de um tribunal singular) e por acórdãos (decisão
saída de um tribunal coletivo). A jurisprudência já foi fonte do direito: já não são mais os
tribunais a criar as leis, mas o próprio Estado – é uma questão de tripartição de poderes:
compete aos tribunais julgar e não legislar. Segundo Montesquieu, o poder judicial é um
poder nulo.
 Doutrina: são os aspetos, pareceres, interpretações para melhor entender a lei. É o trabalho
teórico dos direitos. Há uns séculos atrás, a doutrina era fonte imediata do nosso
ordenamento jurídico – OJ – (com a opinião comum dos demais doutores em direito
canónico e romano).
 Equidade: é a flexibilização que se faz da lei para atender a um caso concreto, ou seja, é a
justiça do caso concreto (adaptação do geral ao concreto; suavização e adequação das
normas). Perante um determinado caso concreto, é o julgador que vai decidir, pondo em
segundo lugar as normas.
 Leis: são instrumentos de criação de regras jurídicas através de um ato de uma autoridade
pública competente para esse efeito (AR e o GOV). A lei pode ser sinónimo de Direito;
identificar-se com a autoridade do Estado ou com o OJ; referir-se a certas normas
enquanto fonte de Direito. A regra jurídica é regra legal.
 Instituições: são organizações, princípios que se encontram estabelecidos na sociedade
que têm uma natureza estrutural e estruturante dessa sociedade. Visam a satisfação de
interesses coletivos e individuais. A Lei é uma instituição e, por tal, o Direito pode ser visto
como um grande quadro institucional. Antes falava-se em “instituições-pessoa” – Tribunais,
PR, PM – e “instituições-coisa” – Casamento, Família, Propriedade. Hoje fala-se mais em
“instituições-organização” e “instituições-comportamento”.

5. Em sentido imediato e mediato

 Fontes Imediatas: Valem por si mesmas e não precisam da medição de outra fonte; Lei;
Costume (ainda que poucos).
 Fontes Mediatas: Valem pela medição de outra fonte; Equidade; Usos; Jurisprudência;
Doutrina.

6. História do Direito como história da evolução e domínio relativo das fontes de Direito

A História do Direito visa a explicação dos fenómenos jurídicos do passado, apurando os diversos
momentos históricos em que vigoraram e prevaleceram determinados princípios, instituições e
métodos jurídicos. Ora, ao mesmo tempo, a História do Direito estuda a história das fontes do
direito, a fim de verificar, ao longo da história de um povo, onde é que esse povo foi contruindo a
sua lei: se a partir do costume, da doutrina, dos usos… pretende-se ver qual foi a fonte que teve
mais peso no ordenamento jurídico.

7.2 Pensamento Jurídico


1. A História do Direito como fruto da evolução das grandes correntes através das quais se
pensou e se viveu o Direito
Alquimia entre História e Direito:
A alquimia entre história e direito no contexto da história do direito refere-se à interação complexa
e interdependente entre essas duas disciplinas. A compreensão do desenvolvimento do direito
ao longo do tempo muitas vezes requer uma análise histórica para contextualizar as mudanças
legais, institucionais e sociais.
A história do direito é uma disciplina que se concentra no estudo da evolução das instituições
legais ao longo do tempo. Ela examina como as leis, normas e sistemas jurídicos se desenvolveram
e influenciaram as sociedades. Compreender o contexto histórico por trás de uma lei ou sistema
legal específico é crucial para interpretar corretamente suas disposições e entender por que essas
leis foram estabelecidas.

Em que é que o historiador pode contribuir para um jurista?


O jurista não conta uma coisa que o historiador conta: ele pode oferecer a um jurista um “chão do
passado”.

O Direito trabalha predominantemente com o passado.


Não será o Direito, de certa forma, história por dela carregar alguns elementos?
O Direito é História, um tipo de “história congelada” - O direito faz uma espécie de um retrato de
um certo momento e isso fica gravado. - Questão de controlar o tempo.
O termo "congelado" sugere que, uma vez estabelecido, o direito tem uma estabilidade relativa e
não muda rapidamente. Isso não significa que o direito seja imutável, mas sim que ele reflete um
certo ponto no tempo, capturando as condições, valores e relações sociais predominantes em um
momento específico. A expressão implica que os fundamentos e a estrutura do sistema legal têm
raízes profundas na história da sociedade. Normas culturais, valores, tradições e eventos históricos
podem deixar uma marca duradoura nas leis e instituições jurídicas. Assim como o processo de
congelamento implica que algo muda gradualmente antes de alcançar um estado estável, o
desenvolvimento do direito ao longo do tempo é um processo gradual, com mudanças e
adaptações ocorrendo de maneira evolutiva.
Embora a expressão sugira uma estabilidade relativa, ela não nega a dinâmica do direito. O
contexto histórico pode influenciar mudanças no direito, mas essas mudanças são vistas como
parte de um processo mais amplo de desenvolvimento histórico.
Portanto, ao dizer que o direito é "história congelada", a ênfase está na interligação íntima entre o
direito e o contexto histórico, sugerindo que as leis e instituições legais são moldadas por fatores
históricos e refletem as condições sociais de um determinado momento.

O jurista vive entre o passado congelado, presente dinâmico e o futuro complexo e contingente
(impressibilidade).
O Direito é um mecanismo de redução de complexidade.
Como se desliga o Direito do passado?
O Direito perdoa. Perdoar é uma forma de desligar.
Como é que ele liga com o futuro?
Promete através de contratos. A promessa é futuro.

7.3 Instituições do direito


 Instituições sociais e instituições jurídicas: noções e características;
 Instituições coisa e instituições pessoa;
 Direito como quadro institucional.
8 Classificações: História interna e externa; História geral e particular;
História narrativa, pragmática e genética

8.1 História interna e história externa


 História Interna: constitui o que genericamente se designa por história do direito, ou seja,
ocupa-se dos sistemas jurídicos que vigoraram no passado em todos os seus aspetos;
procura o conhecimento do próprio sistema jurídico em si; ramo da história jurídica que se
ocupa das instituições.
 História Externa: tem como objeto o estudo dos fatores metajurídicos de ordem política,
social, económica, religiosa, cultural…, que exerceram influência na formação do direito das
várias épocas; analisa os elementos exteriores a um sistema jurídico, mas que repercutem
nele direta ou indiretamente; traduz uma faceta da história da civilização; incide sobre as
fontes de direito do passado.

8.2 História geral e particular


A história geral procura fornecer uma visão de conjunto do direito de um povo, em cada época
da sua evolução, sendo que se deve ocupar do ambiente histórico em que o direito desse povo
se desenvolveu, das suas ideias e instituições sociais, políticas, económicas e culturais, atendendo
à influência que as mesmas exerceram no mundo jurídico. A história particular visa conhecer
concretamente o regime jurídico de uma determinada época, num determinado sistema jurídico.

8.3 História narrativa, pragmática e genética


 História Narrativa: Tem como finalidade a descrição dos factos e personagens do passado.
O que interessa é transmitir o seu conhecimento às gerações futuras;
 História Pragmática: Procura extrair do passado, ensinamentos para orientação dos
homens;
 História Genética: Visa a compreensão dos factos, ideias e instituições do passado. É uma
história científica que obedece a métodos rigorosos de investigação e análise.

A História do Direito deve revestir natureza essencialmente genética - científica. Mais do que uma
mera descrição, pretende-se, sobretudo, a explicação dos fenómenos jurídicos do passado: há
que apurar por que nos diversos momentos históricos vigoraram e prevaleceram determinados
princípios, instituições e métodos jurídicos em vez de outros.

9 Metodologias e eixos de trabalho das ciências jurídicas- históricas


Metodologia: etimologicamente, significa o caminho/percurso que temos que percorrer para
alcançar o fim a que nos propomos. As metodologias do direito são processos que visam alcançar
o direito prático. É a leitura de textos que visa ser prático. É o que está entre o geral e o prático do
direito; é o que permite a passagem do geral para o prático.
1. Enquanto ciência jurídica, a História do Direito convoca o método hermenêutico-
compreensivo

Hermenêutica é a filosofia que estuda a teoria da interpretação, a linguagem, compreensão e


comunicação, que pode referir-se tanto à arte da interpretação quanto à prática e treino de
interpretação.

Conhecimento hermético (fechado) ≠ Hermenêutica (diferentes; aberto; compreensão).

A História tem uma dimensão humanista: é o Homem que a faz e está comprometido nela. Para
um trabalho sério de investigação é necessário seguir determinados métodos que são
condicionados pelo objeto da minha investigação. A História do Direito é essencialmente jurídica
e apresenta uma metodologia especificamente jurídica da História do Direito: o método
hermenêutico-compreensivo – método essencial para um jurista que lê e interpreta. Ou seja, a
metodologia hermenêutico-compreensiva jurídica é a leitura como interpretação empenhada da
própria realidade jurídica (normas e fontes) – realidade textual.

Há dois instrumentos de trabalho para o Historiador de Direito: o primeiro é o mito (conhecer o


que faz parte do imaginário de um povo) e o segundo é a originalidade/ influência.

2. Relevo da mitosofia para a autognose (jurídica) nacional; o mito como história de


completude que oferece medidas de comportamento; mito e constitucionalismos (a título
de exemplo)

Para conhecermos a juridicidade de um povo é necessário conhecer esse povo, ou seja, a


autognose nacional precede a autognose jurídica nacional. Conhecer faz parte do imaginário de
um povo (MITO – análise mítica (mito análise) > mitosofia). A carga mítica é forte e importante num
povo. O direito está carregado de imagens míticas e é uma atividade ritualista (por exemplo,
a forma como se dirige a um juiz, a forma como um juiz se veste, etc.). Os mitos são histórias que
fazem parte do imaginário coletivo de completude, de perfeição. Não é possível estabelecer uma
compreensão da história se não apelarmos para as raízes sociais e tal pressupõe ao estudo dos
mitos:

 Explicam e legitimam a origem;


 Fomentam certos comportamentos;

São narrativas dos princípios, que nos tentam explicar como tudo começou. Estes podem carregar
duas perspetivas de análise:

a. Mitos positivos
b. Mitos negativos
Os mitos, mais que as histórias, trazem uma caracterização da sociedade a que o mito pertence.
Todas as sociedades carregam os seus mitos.
A história nacional e a história do direito estão carregadas de mitos e isto repercute-se nos textos
constitucionais modernos. Esta carga mítica tem um efeito precursor nas constituições materiais,
dando asas para uma organização social perfeita, através dos mitos que caracterizam uma cultura,
a alma nacional, o direito… A Constituição portuguesa manifesta este misticismo.

Na Constituição o que é o mito?


O mito é aquilo que é sagrado, aquilo que está ligado às raízes mais profundas da cultura.
Constituição no estatuto jurídico do sistema e texto constitucional é realizar uma alquimia na
medida em que ela comunga uma dupla essência que é a política e a jurídica. - Constituição como
“Repositório Mítico”

Análise Mítica:
O mais impressionante são os políticos, porque eles vão tentar de algum modo cristalizar a
política. Estão organizados e moldados no texto constitucional, faz-se isso a partir da narrativa, só
que há que entender que não é o texto em si, mas as narrativas primordiais com caráter messiânico
que pretende promover o bem.

Série de mitos que envolvem a Constituição:


 Mito dos Fundadores: Este mito geralmente se refere à narrativa que envolve os
"fundadores" ou os arquitetos principais da Constituição. Pode envolver uma idealização
do processo constitucional e dos indivíduos que desempenharam papéis-chave na sua
elaboração. Esse mito destaca a importância desses fundadores na criação da ordem
constitucional e pode influenciar a maneira como a constituição é percebida.
 Mitos de Renovação- Fundação: Estão relacionados à ideia de que a Constituição
representa uma renovação ou fundação simbólica da ordem social e política. Pode haver
uma narrativa em torno da superação de desafios anteriores ou de uma mudança
significativa na estrutura política do país. Esses mitos destacam a importância da
constituição como um marco de mudança e renovação (ex: Democracia).
 Mitos rituais de passagem: Referem-se a narrativas que acompanham momentos
significativos de transição ou transformação. No contexto constitucional, isso pode se
relacionar com eventos como a promulgação da Constituição, marcando uma transição
simbólica de um regime para outro. Esses mitos destacam o papel da Constituição como
um elemento-chave em um processo de mudança social e política.

O preâmbulo da Constituição portuguesa de 1976 contém elementos que podem ser


interpretados à luz de alguns desses mitos, especialmente os "Mitos dos Fundadores" e os "Mitos
de Renovação-Fundação": O preâmbulo faz referência à Assembleia Constituinte como
representante do povo português e destaca a luta contra a ditadura e a opressão. A menção à
Assembleia Constituinte, que desempenhou um papel fundamental na elaboração da
Constituição, pode ser considerada um elemento associado ao "Mito dos Fundadores", onde
esses fundadores são vistos como arquitetos do novo sistema político. Expressa o desejo de
"assegurar o desenvolvimento de um Estado de direito democrático", destacando a aspiração a
uma nova ordem política baseada em princípios democráticos. Esse elemento do preâmbulo
pode ser interpretado como uma expressão dos "Mitos de Renovação-Fundação", sugerindo uma
renovação ou fundação simbólica da ordem política e social.

Mito não quer dizer ilusão, mentira ou ficção, mas sim uma narrativa, que segundo o professor
Paulo envolve ideologia.

 Mito da Idade do Ouro;


 Mito da cidade ideal;
 Mito da fundação;
 Mito da renovação;
 Mito do inimigo (Fascismo, Colonialismo);
 Mito do Salvador – Sebastianismo – Mito do V Império.

3. As categorias da originalidade / influência e da rutura / continuidade como instrumentos de


trabalho ao serviço da História do Direito. A noção de afinidades eletivas no contexto das
ciências sociais (papel decisivo que é reconhecido ao influenciado no modo como ‘recebe’
do suposto influente)
Eixos de Leitura da História Jurídica:
 Originalidade/Influência - Evolução da História do Direito mostra o constante processo
de influências, pois os factos históricos fornecem experiências que são selecionadas e a
seleção pressupõe escolha. As influências não são puras. Então onde entra a originalidade?
É original na forma como adaptamos/transformamos essas influências, criando
movimentos de juricidade originais.
 Política/Direito - Os legisladores, juristas e constitucionalistas são criadores de realidades,
demonstrando uma grande liberdade no plano de influências. O constitucionalista
consegue criar mudanças no mundo real.
 Continuidade/Rutura - Quando é que há uma rutura? Onde é que começa o velho e acaba
o novo? Quando há um rompimento com a ordem passada.
 Incorporação/Adequação.

Lentes de leitura da história jurídica:


 Movimentos de juridicidade originais - há criação de algo novo.
 Movimentos de influência - receção de outras ideias que não são próprias.
 História Comparada/Comparativa - comparação entre vários ordenamentos - afinidades
entre vários ordenamentos - afinidades eletivas.

“Afinidades eletivas”: Definida por 3 pontos:


 Afinidade; parentesco espiritual, envolvimento, atração;
 Ideia de união de partes opostas;
 Seleção; escolha que se dá pelo meio de uma aceção recíproca;
O nosso constitucionalismo moderno é continuidade do constitucionalismo tradicional, não
escrito, material. Poesia e constitucionalismo comungam profundamente da característica
utopista, da leitura de mundos ideais (o professor Paulo diz que os constitucionalismos são todos
utopistas, como os poetas por exemplo). Há originalidade quando há rutura
(Iluminismo/Pombalismo; 25 de Abril...). O constitucionalismo moderno vem recuperar a Idade de
Ouro perdida com o Absolutismo. A originalidade acaba por ser, afinal, um golpe de asa quase
inefável, um salto qualitativo inexprimível, que transforma a acumulação de variadas influências ou
múltiplos contributos pessoais num novo. Onde acaba o velho e começa o novo é uma questão
de sensibilidade. Para fundar algo, não pode ser numa base “velha”. A fundação remete para
a rutura do passado. Também não há completa e exclusiva influência, privada de toda a
originalidade e, também, o puro permanecer de uma velha constituição pode constituir
originalidade.
No domínio das Ciências Sociais, não há elementos/processos de pura originalidade/influência,
mas “afinidades eletivas”, escolha das influências e apropriação dessas influências; o que é
originário dos outros transformamos em nosso. O processo de influência nunca é puro; o influído
altera a própria receção de influência. A influência de algo em nós depende daquilo que somos,
da cultura em que vivemos. Tem a ver com a nossa capacidade de compreensão, de aceitação, de
transformação. Ninguém é influenciado da mesma forma. Os conceitos de
originalidade/influência são ainda muito úteis. A polémica “influência ou originalidade” é histórica,
existe, persiste, e nenhuma crítica conceitual conseguirá esbatê-la. Aceitar os antigos dados do
problema, sem mais, jamais contribuiria para esclarecer a questão de forma minimamente
rigorosa. Haverá sempre que convocar elementos modeladores da questão, outras luzes que nos
permitam encarar o problema de nova forma. Ganhar-se-ia em ver o problema sob o prisma da
comparação de experiências jurídicas. Procurando as causas dos fenómenos, adiantando
hipóteses, e perseguindo a sua verificação documental, no intuito de perceber as formas que
assumiram contatos e paralelismos, confluências e acasos. Outros conceitos poderíamos ter em
conta o de “fecundidade” e o de “adequação”.

Continuidade Vs. Rutura:


Onde começa o novo e acaba o velho?
É uma questão de sensibilidade.

O que há de continuidade ou de rutura numa norma jurídica? Rompimento de uma experiência


A experiência é a lembrança dos erros retificados. A rutura só é útil, na medida em que saímos
melhores das experiências anteriores. Quanto mais complexo for o erro, mais rica é a experiência.
Também, acontece no direito. Temos que adequar o erro.
Ao historiador cabe estudar esta dicotomia (continuidade e rutura).

Qual é o papel da realidade jurídica?


O termo "realidade jurídica" refere-se à existência prática e concreta das normas jurídicas de uma
determinada sociedade. A realidade jurídica é o fenómeno pelo qual as leis e regulamentos são
aplicados e vivenciados na prática, moldando as relações entre os indivíduos e instituições. A
realidade fundamental é a política, então a realidade jurídica é moderadora, a institucionalizada
ou domesticadora.

10 Inserção sistemática da História do Direito nas ciências jurídico-


humanísticas
(questão que contende diretamente com a das metodologias próprias da História do Direito, mas
que goza de autonomia epistemológica)

1. As áreas disciplinares de que se compõe a formação de um jurista: ciências jurídicas positivas /


técnicas, ciências jurídicas humanísticas, ciências ditas puras (não jurídicas)

A disciplina de História do Direito enquadra-se nas ciências jurídico-humanísticas. Jurídicas


porque é feita por juristas e para juristas, tendo o jurídico como centro fundamental do estudo.
Humanísticas como culta das humanidades, pois permite que outras disciplinas das humanidades
(filosofia, sociologia, psicologia, etc.) contribuam para um melhor trabalho nesta cadeira.

 Ciências jurídicas positivas ou técnico-jurídicas: procuram explicitar a essência do


direito; são ciências que, como o Direito Constitucional, integram tradicionalmente uma
boa parte de História e Filosofia (ex.: direito constitucional, direito civil, direito penal).
 Ciências puras, exatas ou não-jurídicas: concorrem para a formação do jurista (por
exemplo: economia política e finanças).
 Ciências jurídicas humanísticas: são disciplinas jurídicas de característica zetética; são
aquelas disciplinas do “saber-que” que se debruçam sobre o Direito, que assume o objeto
principal, e, normalmente, exercidas por juristas ou especialistas com sólida formação
jurídica. Ciências jurídicas que não são pragmáticas, isto é, não visam dar solução imediata
aos problemas, mas contribuem para a resolução das questões concretas. Tentam
esclarecer o ser mais profundo do Direito na sua unidade e diversidade e contribuir, pela
sua lição, para um Direito mais justo, podendo colher métodos e inspirações em áreas não
especificamente jurídicas, mas humanísticas – por exemplo, História do Direito, Filosofia do
Direito, Sociologia do Direito, Direito Comparado, Direito Romano.
Importância: os juristas que beberam das disciplinas humanísticas, foram aquelas que mais se
destacaram (atingiram o mais alto nível). Muitos juristas têm falta de abstração.

Qual é a diferença entre uma disciplina humanística e uma disciplina social? O Direito seria
uma disciplina humanística ou social? Depende da perspetiva.
 Humanística: Coloca o direito num campo de maior preocupação filosófica, etc.; Graças
às ciências jurídico-humanísticas há uma humanização dos juristas e, consequentemente,
do Direito.
 Social: O direito é um fenómeno social, uma estrutura da sociedade, afastando das
discussões a nível filosófico. O debate fica mais frio.
O Direito é uma construção humana.
2. Identificação e traços distintivos das ciências jurídicas humanística
As ciências jurídicas humanísticas são disciplinas que não têm uma vocação pragmática e, por isso,
não estão votadas para uma resolução imediata de casos práticos, mas ajudam a resolvê-los. São
ciências que querem tratamento de conceitos, de ideias e de metodologias de outra disciplinas
humanísticas como a literatura, a sociologia, etc. As ciências jurídicas humanísticas são, por
exemplo:
 Filosofia do Direito: é aqui que se colocam as questões fundamentais relativas à razão de
ser do direito;
 História do Direito: indaga sobre o modo como o dever ser e o ser do direito foram
evoluindo ao longo dos tempos, como é que se viveu e realizou o direito, os objetivos, etc.
 Sociologia do Direito: analisa se o direito resulta do social, se os frutos da jurisprudência
são vividos pela sociedade, se as sentenças são vistas como corretas, se o direito é efetivo
ou não, como são vividos os resultados da jurisprudência, etc.
 Direito Comparado: vê como estas questões universais do direito foram tratadas no
mesmo em territórios/civilizações diversas.

As áreas humanísticas têm a ver com o que há de mais fundamental no direito – o Homem, a sua
liberdade e a sua dignidade. Estas áreas propõem o Homem enquanto pessoa. Quando dizemos
que as ciências jurídicas são humanísticas, queremos dizer que o que há de mais fundamental no
direito é o Homem. Porém, ao dizermos que as ciências são humanísticas, estamos a aceitar que
todas as ciências o são. A verdade é que todas as ciências pressupõem o Homem, quer como
agente, quer como objeto. Caracterizam-se por colher métodos que não são jurídicos e de não
estarem dotadas para a resolução imediata de casos práticos, mas contribuem para a sua
resolução (ciências jurídicas humanísticas = não pragmáticas)

Ciências jurídico-humanistas postulam o Homem-Pessoa em toda a sua liberdade,


responsabilidade e dignidade, assim dizem que o que há de mais fundamental no direito é o
homem enquanto pessoa, ou seja, o titular de cada objeto jurídico, mas não um mero possuidor,
um Homem, uma irrepetível pessoa, com a sua autónoma dignidade.
Todas as ciências pressupõem o homem ou como agente ou como objeto, assim qualquer ciência
pode ser vista como humanística.
Um Direito que pretenda viver no seio de uma sociedade tem que se mostrar flexível porque é
característica do próprio homem em sociedade. Se temos áreas jurídico-humanísticas que
flexibilizam o Direito, que têm em conta a perspetiva humana, que permitem compreender a
perspetiva humana, então, não pode haver só ciências técnicas.
Não chega uma ciência positiva, técnica para resolver os problemas do Homem é necessário um
conhecimento da natureza humana, logo, o que permite flexibilizar o direito ao ser humano são
as ciências jurídico-humanísticas: ciências mais técnicas, mais positivas vão buscar a reflexão das
ciências humanísticas.
3. Críticas oitocentistas e novecentistas à cientificidade do Direito em geral, e das ciências
jurídicas humanísticas em particular

As ciências nem sempre foram bem vistas: Cardeal de Luca (XVIII) questionava como era possível
chamar ciência a um saber que não é absoluto: como é que podemos chamar ciência se resolve
de forma diferente os mesmos casos. Contudo, os verdadeiros ataques à ciência jurídica surgem
no século XIX com Von Kirchmann, com o cientismo. O cientismo defendia que uma ciência para
ser ciência tinha de produzir resultados universais, inequívocos. Assim, só as ciências naturais
poderiam ser consideradas verdadeiras porque são dedutivas, permitem um grau de certezas
elevado, certezas absolutas, gerais, abstratas, universais.
Formou-se a tendência para tirar todas as ciências ditas humanísticas (que não são práticas) dos
planos curriculares do curso de Direito;

4. Procedência da designação: o contributo de Francisco Puy e de Sebastião Cruz para a


elaboração das chamadas proto-teses de Paulo Ferreira da Cunha. Análise sumária das
mesmas proto-teses

As ciências jurídicas humanísticas foram as mais atacadas, pela falta de cientificidade. Destacam-
se dois defensores das ciências jurídico-humanísticas: Francisco Puy (Espanha, 1970) e Sebastião
Cruz (Portugal, 1972). Em 1970, dava-se em Espanha a Reforma Curricular que compreendia a
quase eliminação destas disciplinas formativa e, então, Francisco Puy toma uma atitude de defesa
em prol do carácter científico e jurídico destas disciplinas, argumentando que estas áreas
formativas oferecem maior êxito. Em Portugal, no ano de 1972, previa-se um novo plano curricular
nas faculdades de direito – pretendia-se colocar estas disciplinas humanísticas e formativas no
último ano de licenciatura, mas Sebastião Cruz defendia que deveriam estar exatamente no início
porque pretendem enformar e formar juristas. A designação que os dois autores escolhem é a
mesma: Ciências Jurídicas Humanísticas. Neste contexto, Paulo Ferreira da Cunha apresenta as
Proto-teses em defesa das Ciências Jurídicas Humanísticas:

 O jurista, com uma formação sólida básica deste grupo disciplinar, consegue resolver
melhor os problemas que a atividade jurídica lhe impõe. Profissionais com uma sólida
formação ao nível destas ciências mostraram uma maior capacidade de resolução dos
problemas suscitados na sua atividade jurídica.
 Em resposta às acusações de falta de cientificidade (e juridicidade) destes saberes,
responde-se agora que não só eles constituem verdadeiras ciências, como são até muito
anteriores às ciências jurídicas técnicas ou positivas.
 São estas disciplinas que permitem a depuração/problematização dos pressupostos das
disciplinas ditas técnicas.
 Qualquer jurista, ao longo da sua vida profissional, vai ter oportunidade de questionar a
justiça de uma ou outra decisão.

Se estas disciplinas fossem postas de lado, assistir-se-ia a uma desumanização do direito.

5. Apreciação crítica das áreas disciplinares jurídico- humanísticas


“Ciências jurídicas Humanísticas são, pois, aquelas disciplinas do saber em geral que,
debruçando-se sobre o Direito como objeto principal visam esclarecer o ser mais profundo do
Direito e contribuir, para um Direito mais justo, podendo colher métodos e inspirações em áreas
não especificamente jurídicas, mas humanísticas”.

11 Problemas epistemológicos levantados pela historiografia jurídica


1. Regime de mútua influência em que vivem a História e o Direito

O Direito é uma fotografia da História. O Direito é a criação de futuro e transformação do presente


em passado. Ao legislar, vemos que o que hoje nos regia, deixa de nos governar para que
possamos ser submetidos ao novo. Estar consciente desse ato de “criação de história” é de grande
responsabilidade de quem detenha esse poder, uma vez que o que era vigente “passa para a
História”. Ainda, o trabalho jurisprudencial tem muita indagação histórica: interessa apurar os
factos reais e não factos míticos e ficcionais. É necessário conhecimento histórico da sua época,
do seu contexto, da sua mentalidade para que o Direito possa responder às exigências do seu
tempo e para que esteja preparado para enfrentar as do futuro. Assim, o juiz e o legislador são
historiadores do passado e do presente jurídico, propondo novas soluções. O jurista sabe do
passado através dos factos e dos textos de modo a saber fazer a justiça, e o historiador procura a
verdade histórica, antes da justiça, pelo que não deve fazer juízos de valor (de modo a não
influenciar a história). A História não é só Direito, nem sobretudo Direito, mas tem muito a ver com
o Direito; e o Direito, não se identificando com a História, tem muito dela, igualmente. Não há
como desligar História de Direito.

Há um regime de mútua influência em que vivem a História e o Direito:

 Para compreendermos uma sociedade temos que compreender o seu direito;


 Direito e História possuem o mesmo objeto: os factos jurídicos passados;
 Há que ter dimensões historiográficas para melhor compreender e aplicar o direito.
Carácter histórico da lei - os estudos da lei prossupõem o conhecimento da dada
sociedade e época, pelo facto de que há "uma estabilização temporal do sentido jurídico”.
O jurista, partindo do Direito, pode fazer análises históricas - relação entre os dois
discursos.

Várias perspetivas quanto às relações estabelecidas entre o regime discursivo da História e do


Direito:

 Direito é História: É "história congelada" (Friedrich); Direito cristaliza o passado por meio
das leis;
 A lei é fundada no presente, olhando para o passado de modo a não se cometer os
mesmos erros no futuro: procura assim alterar o futuro. O direito é capaz de desligar o
passado e ligar o futuro. O Direito perdoa. Perdoar é uma forma de desligar.

As várias esferas de manifestação e realização jurídica e respetivas dimensões de historicidade:


 O Direito "encarna" a História, manifestando-a em diferentes esferas, sendo a principal a
justiça (pois a manifestação do direito é na justiça), assim há esferas da manifestação e
realização jurídica e dimensões da historicidade.
 O Direito e a História têm um papel principal em dar sentido à realidade humana e social -
isto é feito através de normas, em dar regularidade à sociedade, permitindo a paz, a
previsibilidade de comportamentos, a segurança e a coerência (como é que a história faz
isso? através de exemplos).

Pontos de ligação entre História e Direito:

 A legislação é produto histórico e insere-se numa continuidade histórica;


 Toda a atividade jurisprudencial (questão de facto/questão de direito) apresenta
dimensões históricas fundamentais;
 A História, o texto (gramática) que permitem interpretar o direito;
 Questão de facto/questão de direito ou matéria de facto/matéria de direito - no tratamento
destas matérias estamos a fazer indagação histórica e a possibilidade de real separação
entre matéria de facto e matéria de direito é muito remota.

2. Perspetivas várias quanto às relações estabelecidas entre o regime discursivo da História e


do Direito; as posições, nomeadamente, de Carl Friedrich, Hegel e José Mattoso

Carl Friedrich:

História e Direito ligam-se, porque ambos os saberes se dedicam ao estudo de factos históricos;
O objeto de estudo da história são os factos passados, logo também se estuda a normatividade
jurídica de uma sociedade;
Qualquer teoria jurídica é uma tentativa de reposição de factos e de comportamentos históricos.

Hegel:

História e Direito são criação da eticidade estadual, sendo que se aproximam através do Estado.
Quem cria o Direito é o Estado e quem é o protagonista da História é o Estado. O Estado, então,
assume-se como sujeito quer da História, quer do Direito, por isso ambos estão dependentes de
si.

José Mattoso:

História de Direito têm uma função comum: quer o Direito, quer a História têm como função dar
sentido e ordem à realidade exterior. São ordem dadoras de sentido ao mundo;
São ambas ciências que nos permitem dar coerência, estabilidade e segurança ao mundo e à
sociedade;
O Direito dá regularidade à sociedade, permitindo a paz, a previsibilidade e segurança. A História
permite o mesmo através de exemplos históricos e da evolução.
3. Convocar dimensões historiográficas com o objetivo de melhor compreender e aplicar o
Direito
4. As várias esferas de manifestação e realização jurídica e respetivas dimensões de
historicidade

5. História e Direito como ordens dadoras de sentido à realidade humana e social: História
como Direito natural de substituição
A História funciona mesmo como um Direito Natural de substituição, uma vez que estabelece o
dualismo, a comparação, e decorre do peso dos séculos que lhe confere uma certa autoridade.
Ambas dão ao homem o conhecimento da humanidade, transmitindo-lhes subtileza,
magnanimidade e segurança. Dão ao Homem eixos de orientação, sentido de vida e ordem.
No Direito Natural a técnica do jurista é a justiça/ problema do justo. No contexto do Direito
Natural, a justiça é frequentemente considerada como uma norma superior que deriva da natureza
humana ou de princípios éticos universais. A técnica do jurista, nesse contexto, envolve a busca
pelo "justo" de acordo com esses princípios naturais. Os juristas que seguem essa perspetiva
muitas vezes argumentam que existem princípios de justiça que transcendem as leis positivas e
que devem ser descobertos e aplicados pelos juristas.

O Direito Natural está num plano/ mundo organizado por entidades superiores (forças como por
exemplo Deus). - Dimensão que transcende o Homem.
Aqui, as normas não são positivas, vinculam sem derivar. O Direito Natural teve, historicamente,
capacidade de vincular as decisões, mas por forças superiores (não pela vontade humana).

A positivação (ato e vontade dos Homens) vai servir para mostrar o direito é construído e moldado
pela vontade dos legisladores e pela aceitação social dessas normas. As leis positivas não são
vistas como derivadas de princípios naturais, mas sim como criações humanas que refletem as
escolhas e valores da sociedade em um determinado momento. Portanto, a positivação, ao
contrário do Direito Natural, coloca a ênfase na vontade humana e na criação social das normas
jurídicas. Ela influencia a forma como o direito é concebido, aplicado e modificado ao longo do
tempo, destacando a importância da aceitação social e da autoridade legislativa na determinação
do que é considerado "justo" numa sociedade específica.

O Direito positivo tem de ser válido - validade jurídica.

12 Jusnaturalismo e juspositivismo
Ao longo da História das várias correntes, procura-se averiguar o que dá validade ao Direito,
contrapondo-se duas perspetivas: jusnaturalismo e o juspositivismo.

1. Jusnaturalismo

É uma perspetiva do Direito caracterizada pela sua vocação dualista e não-monista. É a conceção
do Direito que reconhece a existência e a validade de dois mundos no Direito. Nele existe a esfera
do Direito Natural, uma instância do Direito superior e que vai permitir a validade/legitimidade de
outra instância – o Direito Positivo.

 Direito Natural: o Direito Natural está diretamente relacionado com o considerado justo.
Alguns autores consideram-no estático ou estável, outros acham-no evolutivo, isto é, o
Direito transforma-se em função da época em que se vive, uma vez que o que pode ser
justo hoje pode não o ser amanhã. O Direito Natural é algo imanente ao Homem e às coisas
da Natureza e não à razão. Está na Natureza e é independente da vontade do Homem. É a
instância de legitimação do direito positivo.
 Direito positivo: é o direito que o homem estabelece para satisfazer as necessidades da
coletiva, sendo o fruto da vontade humana, maleável, inconstante, adaptado às
necessidades concretas de uma coletividade humana. O direito positivo só é legítimo se
os seus conteúdos estão de acordo com o direito natural: uma lei injusta não é lei porque
se a lei do direito positivo vai contra os conteúdos do direito natural não é lei.

Correntes do Jusnaturalismo:

 Realismo Clássico

Corresponde ao modo de compreensão do direito em que não existe uma verdadeira separação
entre direito positivo e direito natural. Este último é entendido como fundamento e medida de
uma ordem jurídica unitária, que comporta uma dupla face: natural e positiva. Aristóteles é o pai
do Realismo Clássico, mas outros são importantes como Ulpiano e Cícero (juristas romanos), S.
Tomás de Aquino, na Idade Média e Michel Villey, Luigi Vallami ou Gustav Rodbruch, mais
contemporâneos. Para a doutrina aristotélica da justiça há um elemento fundamental: a natureza.
A justiça organiza se em geral e particular: a geral é a justiça de acordo com a igualdade e a
particular é a jurídica. Deste modo, Aristóteles considerava que o que é justo é tratar o igual de
modo igual e o diferente de modo diferença, mas na medida dessa diferença. Para Ulpiano, o
Direito é uma constante e perpétua vontade de atribuir a cada um aquilo que é seu- descrição
sumária do que é a justiça. Para S. Tomás de Aquino, para o bem da sociedade não bastam os
princípios da Lei Natural, mas são necessárias leis humanas (positivas), as quais se baseiam sempre
nestes princípios -importância da laicização do Direito (“A César o que é de César, a Deus o que
é de Deus”. É aqui que se dá a autonomização do Direito, que surge como ciência autónoma.

 Jusracionalismo

Surge com o Iluminismo, nos séculos XVII e XVIII, por autores como Grotius, Hugo Grócio, Hobbes,
Kant. Contudo, com o desenvolvimento do conhecimento é necessário ver as coisas de outra
maneira. Nos séculos XVII e XVIII há uma ascensão da razão. Ela surge como capaz de revelar todas
as coisas. Há um endeusamento da razão humana. Há princípios na Natureza que são
fundamentais (princípios de Direito Natural), mas que só pela razão humana é possível atingir
esses princípios. À razão compete retirar da natureza os princípios de Direito Natural. Quem os
traduz é o déspota esclarecido. Nascem, assim, os primeiros códigos – surgem na égide do
jusracionalismo. Os princípios do primeiro código são retirados da Natureza através da razão. O
déspota esclarecido está encarregue de positivar o Direito Natural. Teoricamente, o monarca
esclarecido quer o bem do povo (demofilia), mas o que acaba por acontecer é que esta
consagração positiva dos princípios do Direito Natural acaba por servir os interesses de quem está
no poder. Esta demofilia acaba por desvanecer e chegamos ao Juspositivismo.

2. Juspositivismo

Corrente doutrinal que se desenvolve ao longo dos séculos XIX e XX (cientismo). É fruto de várias
conjunturas, de influências variadas. A sua característica principal é uma dura lex sed lex- a lei é
dura e má, mas tem que se cumprir. É dura, mas é lei. Quando falta cultura, moral e princípios, só
nos resta a lei para nos orientar. Assim, o juspositivismo apareceu em muitos períodos históricos,
principalmente naqueles em que não havia criatividade e jurídica, cultura, moral, etc. O
juspositivismo define o Direito como “um conjunto de normas e regras, impostas por uma
autoridade, dotadas de coercibilidade, que visam assegurar a paz social”. Se pensarmos que as
regras, em determinadas situações, podem ser mais ou menos justos, esse pensamento não faz
parte da ciência jurídica. O objeto de estudo da ciência jurídica é o estudo das “regras e normas
jurídicas, emanadas por uma autoridade, dotadas de coercibilidade que visam a paz social”.
Enquanto jurista, é este o objeto de estudo. Todas as considerações metafísicas, naturalistas,
valorativas não fazem parte do Direito, porque se tenta alcançar a autonomia do Direito. Toda a
apreciação que o jurista pode fazer do Direito, fá-la enquanto cidadão. É uma corrente monista,
que reconhece que só há uma instância jurídica – o Direito Positivo. O Direito Positivo é o direito
que o Homem estabelece para satisfazer as necessidades do coletivo. Adapta-se às necessidades
de uma concreta coletividade humana e é imposto por uma autoridade. Se a lei do Direito Positivo
vai contra os conteúdos do Direito Natural não é lei.

Correntes do Juspositivismo:

 Juspositivismo legalista: Conjunto de normas ou regras emanadas por uma autoridade


pública (Estado), dotadas de coatividade e que visa a manutenção da segurança numa
dada coletividade. Basicamente, o Direito identifica-se com as leis ditadas pelo legislador
estadual. Assim, se o objeto do Direito é este, o da História do Direito é a evolução da
legislação. O Direito é o que está na lei. Dura lex sed lex.
 Juspositivismo sociologista: O Direito é, grosso modo, o que uma sociedade acha que é
justo. O Direito está intimamente dependente dos factos sociais (vai a reboque das
convenções, das mudanças, do progresso social). O Direito tem que acompanhar o
progresso social. O Direito tem que acompanhar os movimentos sociais. Mas é esta a
melhor forma de Direito? Por exemplo, o furto tende a tornar-se generalizado e não tende
a diminuir e se o direito vai a reboque com os movimentos sociais, logo o direito tem de
tornar o furto legal. Caímos numa falácia naturalista (retira-se o dever ser do ser).
 Juspositivismo historicista: O Direito é, essencialmente, derivado de um materialismo
histórico. Marx conclui que todo o processo histórico está intimamente relacionado com
os conflitos entre sociedade de classes, devido a uma desigual repartição dos meios de
produção dos seus materiais. Se houvesse mais igualdade, terminariam as sociedades de
classes. Para Marx qualquer manifestação social (Direito, literatura, arte, …) estão na
dependência de infraestruturas económicas. O direito serve as classes dominantes (quem
detém os meios de produção), logo se as classes deixarem de existir, o Direito não faz
sentido e a história também não.

13 Evolução histórica e sistemática da corrente jusnaturalista


1. O corte epistemológico e o nascimento do Direito com a cultura (jus filosófica e política)
romana. O legado grego e o ius redigere in artem

Os Romanos deram ao Direito um contributo decisivo. Em grande parte, limitaram-se a adotar as


doutrinas helénicas e muitas vezes simplificando-as. O Direito era visto como Ius Redigere in Artem
(direito escrito como arte – direito prático que assenta em pilares filosóficos fundamentais). Um
dos grandes divulgadores, nomeadamente da doutrina jusnaturalista, foi Cícero. O legado de
Roma para a filosofia jurídica revelou as bases do direito com “filosofia prática”. Criaram um
sistema: transformaram em juiz a magistratura do Pretor (antes chefe militar), rodeando-se de
jurisconsultos e jurisprudentes (consultores jurídicos). O Pretor julgava as questões em concreto e
um outro elemento ocupava-se das questões de facto. Primeiro, julgava-se a questão em teoria e
depois aplicava-se o decidido à prática. Ao contrário do que se pensa, o Direito Romano não era
rígido. Aos romanos seguiu-se, com a queda do Império, um longo secretismo normativo até ao
aparecimento de S. Tomás Aquino.
Nascimento do direito com a cultura romana: floresce o direito como entidade epistémica
autónoma. Surgimento que para alguns está associado à positivação em leis (lei das 12 tábuas) do
direito anteriormente oral e por isso dito incerto. Afirma-se que há um conjunto de princípios
superiores às normas. Este pensamento deriva da corrente naturalista e defende a uma ideia inata
de justiça. O direito tem muito a ver com a justiça. Para Aristóteles, o direito é a própria coisa justa,
aquilo que se deve atribuir a alguém. A Grécia é tomada por Roma e surge um processo de
aculturação, com características peculiares. Os romanos partem da ideia de aplicação da norma
jurídica criada por pessoas que saibam de direito, aplicada a pessoas normais. O objetivo do
direito é a justiça, pelo que é fundamental a existência do ius. A norma jurídica é dirigida a quem
a cumpre, para quem tem um comportamento normal. Pensamento eminentemente prático,
racional, entendia que o direito tinha como objetivos principais a realização social e a pacificação
dos anseios humanos.
Legado grego e o Ius Redigere in Artem: tudo começa na Grécia. A ideia do nascimento
epistemológico do direito, do ius redifere in artem, começa na Grécia e surge ligado à retórica.

2. Os tria praecepta iuris: honeste vivere, altere non laedere e suum cuique tribuere

Toda a lei e norma têm de estar de acordo com a justiça.


Os três preceitos do Direito Romano são:

 Honeste vivere – viver de acordo com os seus direitos, viver honestamente


 Altere non laedere – respeitar os direitos dos outros, não prejudicar os outros
 Suum cuique tribuere – dar a cada um o que é seu
3. Aristóteles e a filosofia jurídica: delimitação do objeto e do método jurídicos. O Livro V das
Éticas a Nicómaco

Aristóteles deu um grande contributo para a determinação da natureza do Direito, procurando


esclarecer ou, até mesmo fundar, a sua ideia. Para ele, o Direito faz a distinção entre uma visão
mais ampla de justiça: a justiça geral, virtude moral e a justiça particular, que é a que atribui a cada
um o que é seu. Aristóteles diz-nos mesmo que o Direito só existe em sociedade e, portanto, surge
como resultado da cultura e como criação epistemológica, sendo diferente de todas as outras
ordens sociais normativas, uma vez que era autónomo e específico. Segundo o filósofo, o Direito
Natural é imanente aos homens e às coisas da natureza e não à “razão”. O Direito Natural decorre
do que é naturalmente aceite como juridicamente justo em cada sociedade concreta. Até
Aristóteles, não existia o Direito enquanto ciência, dotado de um método, função e objeto próprio,
o que havia era uma síntese de elementos como religião e moral. Aristóteles, ao verificar um certo
caos (sobretudo injustiça) que na Grécia reinava na justiça (o uso da demagogia - sofísticos - e a
ausência de especialistas em Direito), pensou que se deveria encontrar um campo de ação do
Direito, em função do seu objeto (campo epistemológico), preconizando igualmente a adoção de
um método: o método dialético. Este método consiste numa espécie de duelo entre dois
argumentadores (advogados) que através de todo um processo de persuasão tentam convencer
um terceiro elemento (o juiz) da veracidade das suas razões, através da retórica que tem regras
especiais decorrentes da cientificidade da nova “arte”, a jurídica. Era necessário um corpo de
especialistas em Direito que seriam uma classe especialmente preparada para resolver os
problemas jurídicos

4. As noções de justiça geral e de justiça particular


 Justiça particular (ou justiça legal em sentido estrito): Esta justiça é dita do homem, as leis
são estabelecidas mediante a lei humana. É fruto da convenção que o homem teve que
consagrar para viver em sociedade. nomos ≠ physis;
 Justiça geral (ou comum): É comum a todos, não varia de sociedade para sociedade. É
universal. Virtude > Ética > Moral

Esta distinção ente justiça geral e particular mostra que nem tudo o que é permitido é bom.

14 Os realismos jurídicos e a sua inserção nas diversas orientações jus


filosóficas
1. Realismo jurídico clássico

Após a queda do Império Romano, apenas com a reabilitação de Aristóteles, por S. Tomás de
Aquino, no séc. XIII, se pode falar de Direito em sentido epistemologicamente rigoroso. Neste
autor, a primeira grande distinção a considerar é entre Lei Natural e Direito Natural. A primeira é
um fundo ou resíduo de moralidade e retidão que existe em todas as épocas e povos, é uma certa
consciência moral universal. As propriedades essenciais da Lei Natural são universalidade, a
imutabilidade e, por último, a cognoscibilidade (todos os homens têm a possibilidade e a
conhecer). A Lei Natural é o fundamento do Direito Natural; não é o próprio Direito, nem,
obviamente, constitui uma lei escrita. Por outro lado, o Direito Natural não é o Direito ideal por
oposição a Direito positivo, embora haja complementaridades: não bastam os princípios da Lei
Natural, mas são necessárias leis humanas (positivas), as quais se baseiam sempre nestes
princípios. Além disto, S. Tomás de Aquino laicizou o Direito, ou seja, iniciou um período de
separação entre o religioso e o temporal – constituindo este processo um elemento fundamental
para a compreensão do conjunto da cultura e da política ocidentais. No entanto este processo não
demorou muito porque o religioso e o secular haveriam de se misturar novamente. No realismo
jurídico clássico, o Direito parte do princípio de que existem fins e valores próprios do Direito, que
aceita outros valores, os quais também contribuem para a organização social. O Direito é, então,
apenas a concretização da justiça jurídica. O “seu de cada um”, defendido pelo Realismo Clássico,
do Direito é aquilo que pertence a cada um de acordo com uma certa consciência de juricidade e
com um título jurídico válido. Quem é apto a manter ou transmitir propriedade, tem Direito; quem
não possui, não tem Direito.

2. Realismo jurídico norte-americano

Surge no início do século XX e os principais autores desta subcorrente são: Oliver Wendell
Holmes, Roscoe Pound, Jerome Frank, entre outros. Dedicam-se ao estudo do funcionamento dos
tribunais em detrimento do sistema. O palco preferencial de vivência do Direito são os tribunais.
Este estudo abrange tudo aquilo que determina a decisão dos tribunais, ou seja, o Direito assume-
se como a previsão daquilo que os tribunais fazem. No procedimento jurídico norte-americano,
as leis não são únicas e as mais importantes na tomada de decisão: existem outros elementos
extrajurídicos (externos ao direito positivo) cujo valor que assumem na decisão é maior que o valor
das fontes de direito e o valor das leis - a origem socioeconómica do magistrado, a saúde, a
educação. É todo um conjunto de elementos que nada têm a ver com o Direito, mas que
influenciam a decisão do juiz. É destes elementos que nasce o Direito. Isto gera incerteza e
indeterminação do mundo jurídico e um pluralismo de resultados judiciais igualmente legítimos.

3. Realismo jurídico escandinavo

Desenvolveu-se nos países escandinavos e teve com representantes: Olivercrona (Suécia) e Alf
Ross (Dinamarca). Direito como fator social: É a necessidade de ver o direito como facto social que
é, tal como é aplicado na sociedade - estudo do direito objetivo, lógico e anti-metafísico. O Direito
é uma realidade social. Não negando as influências do realismo norte-americano, o escandinavo
introduz um novo elemento, o psicológico. Assim, o direito depende da interiorização psicológica
das pessoas da noção de obrigatoriedade de certas normas. Sem esta condição, o direito não
seria uma ordem eficaz. O que se pretende é encontrar causas psicológicas e sociais que estão na
génese dos factos sociais com que se identificam o Direito.

4. Relevo histórico e epistemológico das conceções sociológicas do direito

O carácter normativo desaparece das correntes do juspositivismo. Só contam os factos, a análise


empírica. Há dois mundos fundamentais: ser e dever ser. O direito é dever ser, é norma; as
correntes sociológicas pretendem tirar o direito daquilo que é. Estamos a tirar a norma do facto.
Falácia naturalista em que podem incorrer as correntes sociológicas do direito - risco de tirar o
dever ser do ser, a norma do facto.

15 O jusnaturalismo positivista/titularista como corruptela dos


pressupostos do realismo jurídico clássico
Surge como uma deturpação/corrupção dos princípios do realismo clássico, e até é normal,
devido às dificuldades do realismo clássico. A dificuldade do jusnaturalismo está na determinação
do suum/o seu de cada um. Uma solução para o problema da distribuição é a justiça. Mas quais
são os limites da justiça? Uma pessoa pode ser feliz se matar outrem. A noção de justiça é muito
indeterminada, logo não pode servir de critério para a determinação do suum. Aquilo que surge
como menos arbitrário na atribuição do suum a seu dono e que tenta resolver a aporia
(dificuldade) do suum são os Títulos Jurídicos, meramente formais. Os títulos jurídicos são lei, os
contratos, as fontes de direito. Se eu tenho um título, tenho aceção e posso defender judicialmente
os meus direitos. Se não há um título, não há direito. Partimos de pressupostos naturalistas e
realistas (atribuir o seu a seu dono), mas acabamos por ter de fazer essa distribuição por meio de
títulos que são formais e que se não estiverem totalmente corretos, deixam de existir. Caímos
assim num formalismo e a única salvação para este formalismo é colocar como título jurídico a
natureza e a dignidade humana. A ideia de que a natureza humana é um título jurídico veio mostrar
um conjunto de direitos universais, inalienáveis e fundamentais - os direitos humanos. Só por
pertencermos a essa natureza humana, não precisamos de um Estado que nos conceda direitos,
nós já os temos sem precisarmos de intermediários. A Constituição consagrou-os, mas na prática
eles não são respeitados. Por exemplo, temos direito à habitação, mas existem pessoas que
moram na rua. Isto leva a uma inflação de “direitos de letra pequena”, que, por isso mesmo, levam
ao descrédito do Direito. São direitos fundamentais que partem da nossa natureza humana como
título jurídico, mas que na prática são de difícil realização, como o direito à saúde (quando existem
doenças), o direito ao trabalho (quando existem desempregados), etc. Estes são direitos muito
violados e não há modo de garantir o seu valor, porque muitas vezes esse mesmo varia de
sociedade para sociedade.

16 O jusracionalismo oitocentista: abandono dos postulados


metafísicos e ascensão da razão científica moderna
Surge com o iluminismo no séc. XVII, XVIII e XIX. Há uma ascensão da razão. Esta surge capaz de
revelar todas as coisas, há um endeusamento da razão humana. Há princípios da natureza que são
fundamentais (do direito natural) mas que só pela razão humana é possível atingi-los. A razão
compete retirar da natureza os princípios do direito natural. Quem vai introduzir estes princípios
de direito natural? Aqui surgem os códigos. Período áureo da codificação, onde os princípios dos
códigos são retirados da natureza através da razão. Direito natural com origem na razão. Difere
do realismo clássico porque aceita o direito natural como proveniente da razão e não da natureza
das coisas.
17 Jusracionalismo como antecedente próximo de conceções
juspositivistas modernas e nominalismo jurídico occamista (a
desenvolver mais tarde) como antecedente remoto
O antecedente mais próximo dos juspositivismo é o jusracionalismo. Assim, o pensamento jurídico
do século XIX caracteriza-se por ser racionalista, anti metafísico, pela existência de normas
universais e pela modelação das ciências naturais (são elas que permitem um conhecimento
absoluto). O antecedente mais remoto do juspositivismo é o nominalismo occamista de Guilherme
de Ockham. Ele desenvolve uma doutrina fundamental que se opõe à doutrina vigente na altura -
o realismo. Para os realistas (S. Tomás de Aquino) há uma realidade exterior ao nome, ou seja, as
palavras que se dizem universais têm algo mais que o nome. São realidades que existem antes do
nome - o nome aparece depois (ex. o Homem, Deus, Mundo). Contudo, para Guilherme Ockham
é o nome que cria as realidades, que não existem sem o nome. É a linguagem que cria a realidade,
que cria os mundos, é a casa do ser. Uma vez que só conhecemos entidades palpáveis, concretas,
os nossos conceitos não passam de meios linguísticos para expressar uma ideia e, portanto,
precisam da realidade física para as comprovações. O juspositivismo representa a inserção do
jurista no Estado Moderno. No Estado Moderno, o poder está no centro e é ele que promulga as
normas universais do direito. É o Estado que produz uma máquina repressiva que permite o
respeito pelo Direito:

 Poder centralizado e centralizador;


 Dispõe de um aparelho repressivo, capaz de sancionar os comportamentos desviantes e
obrigar ao cumprimento das normas.
 O criador do Direito no Estado Moderno é o legislador e imposto por ele. O Direito serve
o Estado e o jurista assume-se como um mercenário ao serviço do Estado. O jurista não
tem moral, estuda as leis e aplica-as, em nome do Estado.

18 Objeto da História do Direito: paradigmas definitórios e descritivos


As agruras de uma definição de Direito são de sempre. Parece que a primacial função de uma
definição deveria ser captar um objeto, objetivar uma realidade, expô-la aos olhares gerais. Há
quem defenda, contra esta situação de rigidez, o procedimento alternativo de não definir, mas
antes descrever o Direito. A defesa de uma definição de Direito tudo tem a ver com uma
perspetiva positivista do mundo jurídico, designadamente, com as suas aspirações cientistas. Os
que privilegiam a descrição, propiciam uma abertura para alguma subjetividade. Definição
“canónica de direito”: conjunto de regras e normas impostas coativamente pelo Estado para
disciplina das relações sociais. Ora, enquanto as descrições servem para obter uma compreensão
do objeto descrito, as definições servem para delimitar as fronteiras do mesmo. O positivismo
legalista pretendeu reduzir o Direito a uma visão de imperatividade, estadualidade,
coercibilidade. O Direito, nesta visão, é só a forma de legitimar e revestir com belas palavras de
justiça e/ou de ciência o nu poder. Alinhamos com aqueles que afirmam que norma não é tudo,
que a norma provém do direito e não este daquela. A coercibilidade jurídica não faz parte do ser,
mas do modo de ser do direito. Ulpiano, entendia o Direito como uma “constante e perpétua
vontade de atribuir a cada um o que é seu”. Daqui se pode retirar uma noção assente na ideia de
que a primeira “coisa” designada pela palavra ius (Direito) é “uma coisa justa devida a outrem
segundo uma certa relação de igualdade”. Acreditamos que no pequeno texto de Ulpiano se
consubstancia uma tópica que nos remete para uma teologia, reveladora de uma ontologia
jurídica e da sua correspetiva axiologia. A Justiça não é palavra muito usual nos escritos dos juristas
romanos. Tem um conteúdo mais filosófico que jurídico. Não é a ciência que se define a si própria,
ela precisa de um elemento filosófico, é sempre a filosofia dessa ciência. A História do Direito abre
mão de um rigoroso conceito de Direito de modo a abarcar as realidades que o circundam ou
que o indiciam. Vamos então, em suma, estudar a História não do Direito tal como a concebemos,
mas do Direito como a imprecisão que tem vindo a mostrar ser. É precisamente através do estudo
de realidades imperfeitas e naturalmente injustas que cresce o conceito de justiça.

19 A tópica definitória do Direito: entre suum, ius e persona


O professor Paulo Ferreira da Cunha descreve o Direito a partir de uma tríade clássica, sendo que
o Direito estará entre:

 persona: elemento fulcral do Direito. Persona enquanto pessoa humana, dotada de toda
a sua responsabilidade, liberdade e dignidade. Pessoa para quem o Direito é feito e pessoa
como próprio agente do Direito.
 ius (justiça) - É uma permanente preocupação, o direito justo é uma constante e perpétua
vontade de atribuir a cada um o que é seu;
 suum (o seu) - objeto da justiça, o devido, que é algo de titulado por um título jurídico. Os
jusnaturalistas vão dizer que são direitos inalienáveis, são nossos por natureza.

20 Relevância do senso comum na identificação de uma delimitação


instrumenta de Direito
O senso comum reflete as noções e entendimentos compartilhados pela sociedade em geral.
Essas percepções podem influenciar a forma como as normas jurídicas são interpretadas e
compreendidas, contribuindo para a identificação de princípios jurídicos aceitos pela
comunidade.
O senso comum muitas vezes está enraizado em valores morais e éticos compartilhados. Esses
valores desempenham um papel importante na formação e aplicação do Direito. A identificação
de delimitações instrumentais no Direito pode, em parte, derivar das concepções morais e éticas
que são amplamente aceitas pela sociedade.
O Direito, para ser eficaz, muitas vezes requer legitimidade na percepção da sociedade. O senso
comum pode contribuir para a legitimação das normas legais se elas estiverem alinhadas com as
expectativas e valores comuns.
O senso comum também pode refletir um consenso social sobre o que é justo, equitativo e
aceitável. Isso pode influenciar a delimitação instrumental do Direito, ajudando a identificar áreas
em que as normas legais podem ser mais eficazes ou necessárias.
No entanto, é importante ter em mente que o senso comum tem suas limitações, e a aplicação
cega do senso comum ao Direito pode ser problemática. O senso comum pode ser influenciado
por preconceitos, estereótipos e falta de informações precisas. Além disso, o Direito muitas vezes
envolve complexidades e nuances que podem não ser totalmente compreendidas pelo senso
comum.
A delimitação instrumental do Direito também deve levar em consideração princípios jurídicos
fundamentais, interpretação legal precisa, jurisprudência consolidada e análise crítica das normas
em relação aos objetivos do sistema jurídico. Em última análise, enquanto o senso comum pode
ser um fator a ser considerado, ele não deve substituir uma análise jurídica rigorosa e
especializada.

21 Direito positivo e juspositivismo


1. Características subjacentes a uma atitude jurídica
2. Relativismo ético imputável a conceções juspositivistas voluntaristas

22 Juspositivismo: legalista/exegético, historicista (o materialismo


histórico marxista) e sociológico (a falácia naturalista de David Hume)
 Juspositivismo legalista – devemos obediência à lei. Identifica o direito com as leis. O
direito é o que o poder manda; lei é a lei e não há mais nada a fazer a não ser cumpri-la.
Acredita na lei, apenas no que ela dita. Obediência cega às ordens, mesmo sob forma de
leis injustas.
 Juspositivismo sociológico – dependência do direito face aos factos sociais e parece
considerar valorativamente a tal imbricação como positiva, tendo lugar no direito posto.
Não é correta uma rendição jurídica ao puramente social, sociológico ou sociologista.
 Juspositivismo historicista – materialismo histórico marxista. Marx pretende fazer uma
história, história que é feita pela luta de classes porque há uma distribuição desigual dos
meios de produção. Há uns que controlam e outros nada têm. Deveria acabar o Estado, o
Direito, as classes. O Direito é fruto do modo de organizar socialmente a produção de bens
sociais. As sociedades humanas caminhariam para o fim do Direito. Já tem pouca
expressão nas sociedades atuais. Para Marx, o Direito é um instrumento ao serviço dos mais
poderosos. Desaparecendo as classes desaparece a necessidade do Direito.

23 Embaraços históricos enfrentados pelas conceções juspositivistas e


análise crítico-sistemática dos seus fundamentos- os julgamentos de
Tóquio e de Nuremberga
A II guerra mundial deu um abanão a determinadas conceções jurídico-políticas. Elaborou-se uma
ordem jurídica que, independentemente dos conteúdos, era válida, porque o que interessa é que
formalmente são leis.
O judeu, os ciganos eram diferentes, por isso, assim deveriam ser tratados. Como se pode julgar
funcionários que se limitam a obedecer a uma ordem estatal? Outro ponto de vista: os vencedores
não ganharam a guerra? > Retórica dos Vencedores. O Juspositivismo sofreu um revés com a II
guerra mundial e os julgamentos de Nuremberg. Há valores que transcendem uma ordem jurídica
positiva. A “lei seca” trouxe comportamentos perversos; a máfia alargou-se. Não há conteúdo
jurídico e qualquer ordem jurídica tem conteúdo desde que o Estado assim tenha força para isso,
mesmo conteúdos que não tenham tanta força jurídica, como foi a “lei seca”, que era uma lei mais
de ordem moral. Habitualmente o direito é definido como um conjunto de normas e regras... Uma
definição tem sempre limitações e deixa de fora aspetos ou características fundamentais. Esta
caracterização do Direito apresentada pelo Juspositivismo tem desde logo esta limitação ao
definir o Direito. Crítica detalhada à definição positivista do Direito:

 limitação da sua definição. E só por ser uma definição limita o direito; contudo existem
outras formas para mostrar o que é o direito – descrição.
 redundância entre regras e normas. Ou se diz regras ou normas, porque querem dizer a
mesma coisa;
 O direito não é apenas essas normas/ regras. O Direito não se resume às leis criadas por
um legislador. Há outras fontes do Direito que estão contempladas por esta definição: o
uso, o costume, a jurisprudência, etc.;
 O direito é muito anterior ao Estado. O direito é uma realidade mais ampla do que o
Estado. Se formos aos primórdios, quando ainda não havia Estado, já havia Direito. O
Direito não é uma realidade estadual como noz crer o séc. XVIII e o séc. XIX. Há direito
antes de existir Estado. E há Direito acima do Estado (como por ex.: Comunidade Europeia
que impõe regras ao Estado Português) e ao lado do Estado (como os tratados
internacionais), a baixo e dentro do Estado;
 coercibilidade faz parte da morfologia (modo-de-ser) do Direito, mas não da sua ontologia
(ser). Caso o direito não seja cumprido, há sanções, e há quem diga que só isso permite
que o direito seja cumprido; mas pode-se perguntar até que ponto é que as sanções fazem
parte da essência do direito. Ora se formos juspositivistas defendemos que o direito só é
eficaz se for coercível. Contudo, esta coercibilidade não faz parte da natureza do direito, é
algo acessório que serve para garantir a sua eficácia. Logo é uma característica externa do
direito.
 Por fim, o direito não é único que assegura a paz social. Teoricamente, temos uma série de
ordens normativas/ regulativas que contribuem para esta paz social, como a moral, a
religião, o trato social.

24 Interesse prospetivo da História do Direito e análise reflexiva sobre o


estado contemporâneo do Direito
Para entendermos melhor o nosso presente jurídico, é importante fazer um estudo retrospetivo
da nossa história jurídica. Porém, neste momento temos um direito decadente, em que a justiça
não funciona e os Tribunais estão entupidos com processos sem interesse jurídico. Enfrenta uma
crise de alma e de identidade que afeta todos os domínios sociais.
Características desta crise que afeta a sociedade:

 Desenraizamento/ isolamento do indivíduo, cada vez mais desgarrado de convicções e de


mundos normativos alternativos, que antes protegiam o homem e eram o seu refúgio;
 Crescente falta de Fé e ausência de vínculos religiosos, fruto de uma generalizada
descrença em tudo aquilo que não seja de fácil apreensão.
 Hedonismo que caracteriza as sociedades contemporâneas. Existe uma procura do prazer
e de felicidade individuais, sociedades de consumo (preocupação de ascender social e
economicamente). O homem busca o prazer e bem-estar individual que acaba por desfazer
o espírito de ajuda entre as pessoas. O Hedonismo caracteriza o homem atual. Por todas
estas caraterísticas podemos caracterizar a nossa sociedade como procuradora da
conflitualidade. Verifica-se uma falência das instituições sociais (família, igreja, escola,
trabalho, etc.). E os Tribunais acabam por ser a única instância capaz de resolver estes
problemas. Por tudo isto, o Direito perde a sua especialidade. O desenraizamento do
individuo priva-o da sensação de integração e pertença (o lugar que ocupa na sociedade
obrigando-o a cumprir determinadas regras e integrando-se em grupos, ou seja, permite
que o Homem se sinta integrado), possibilitando a ascensão social, a celeridade dos
mecanismos económicos, dessacralização da vida social e política e a laicização da
sociedade. Tudo isto vai ter o seu impacto na jurisdicidade, porque sem valores, princípios,
religiões o direito vai-se deparar com questões para as quais não estava preparado,
perdendo a sua especialidade.

25 A trifuncionalidade social dos povos indo-europeus e o tecido social


e normativo subjacente à criação epistemológica do Direito em Roma
1. As funções mágico-soberana, de defesa e de proteção de riqueza. Persistência histórica no
imaginário social deste compasso ternário

O que aconteceu na sociedade greco-romana permitiu a criação epistemológica do Direito. O


Direito consegue ganhar especificidade científica numa altura em que as outras ordens normativas
funcionavam, deixando para o direito apenas questões realmente jurídicas. A família, a religião, a
educação tinha as suas próprias regras e resolviam os seus casos. A criação epistemológica do
Direito acontece num quadro social distinto. Povos indo-europeus em que há características que
se repercutem noutros povos.

Nestes povos há uma trifuncionalidade social, proposta pelo mitólogo Georges Dumézil (cada
um sabe a que grupo pertence e qual a sua função):

 função mágico-soberana ou sacerdotal: função mais importante e que reúnem três níveis
fundamentais (política, religião e direito); pertencia aos mais eruditos (controlo de
sociedade); responsável pela esfera religiosa e ritualística. Os sacerdotes ocupavam uma
posição elevada na sociedade e eram responsáveis por manter a ordem cósmica e as
relações com os deuses.
 função guerreira ou defesa: Encarregada da proteção e defesa da sociedade. Guerreiros
e líderes militares desempenhavam um papel crucial na segurança e na expansão
territorial.
 função de produção de riqueza, de fecundidade: Associada à produção econômica,
agricultura, comércio e gestão da riqueza. Agricultores, comerciantes e artesãos eram
parte dessa função.

A influência dessas funções persistiu no imaginário social ao longo da história, refletindo-se em


mitos, tradições e, em alguns casos, nas estruturas sociais subsequentes. Mesmo após o declínio
de Roma, essas conceções moldaram o pensamento medieval e, indiretamente, contribuíram para
as estruturas sociais e normativas das sociedades posteriores na Europa.
Hoje, todos estes domínios parecem diluir-se uns nos outros. Quem resolve os conflitos é o Direito.
Hoje há uma certa promiscuidade entre o Direito e o Estado. A política tem que obedecer ao
Direito. O direito isola-se na sociedade como única instância capaz de resolver a conflitualidade.
Antigamente, a ideia de penas eternas, remorso, funcionavam como elemento persuasor de
condutas. Hoje em dia por tudo e por nada se legisla porque as pessoas não conseguem resolver;
entrega-se à lei a tarefa de resolver. Perigo do sociologismo jurídico. Há cedências éticas quando
é a sociedade que exige nova legislação. Os grupos económicos é que controlam o exercício da
função política. Legislação como resposta aos grandes grupos de poder. Surge uma legislação
desarticulada.

26 Modernidade e pós-modernidade jurídicas


Esgotamento do paradigma moderno?
A ideia de perfeição, a fé na razão e no processo foi abalada, houve um esgotamento das ideias
modernas, e o século XX apresentou-se como uma experiência trágica, porém a crise foi diferente
consoante o local e o tempo.
Castanheira Neves, Crise da Razão:
O pensamento moderno foi forjado em dicotomias (a crise começa por ignorarmos os chamados
opostos duplos, ou seja, a ideia de caos e ordem; contingência e necessidade) e a crise pode ser
sintetizada em 7 pontos escritos por Castanheira Neves, que apresenta a ideia de opostos duplos
(A pós-modernidade - contornos gerais):
 Verdade em si e por si não é mais acessível à razão.
 O acesso da verdade pertenceria não só à razão, mas também noutras formas de vida (arte,
religião).
 No lugar ocupado anteriormente pela razão, temos agora a linguagem.
 A própria verdade da ciência tradicional cede o seu lugar a outras intencionalidades e
ideias mais importantes (solidariedade).
 Em oposição ao humanismo da razão moderno-científica temos um pluralismo de
racionalidades, efervescência em termos de teorias que surgem e que problematizam o
mundo de um modo singular.
 Por trás da aparente vontade de verdade do pensamento moderno e realidade
intersubjetiva há uma verdade oculta, verdade verdadeiramente real (a vontade de poder).
 O próprio logos não seria mais do que um contingente de manifestação e ocultação de um
ser temporalizado.

Vivemos na Pós-Modernidade - movimento que afeta todas as manifestações culturais. Muitas


manifestações do pensamento têm o cunho da pós-modernidade com uma superação dos
aspetos da modernidade.
No Direito, pretende-se trazer na pós-modernidade, o restauro das incertezas, a segurança.
Recuperar dimensões que a modernidade - pensamento moderno e iluminista, séc. XV - deixou
cair. A nível cultural, na modernidade, identifica-se o pensamento moderno com o pensamento
iluminista, com a Revolução Francesa e com a modernidade jurídica. Descanonização na pós-
modernidade > ir contra as regras, contra os cânones.
A modernidade jurídica caracteriza-se por: positivismo jurídico, individualismo, crença ilimitada
nas capacidades do indivíduo, racionalismo (crença na razão), crença na capacidade de alcançar
a felicidade e segurança burguesa.
Características da pós-modernidade no pensamento jurídico: pluralismo normativo: o
pensamento moderno identifica a criação normativa com um legislador. O criador das normas era
o Estado e o Direito era as leis. Contudo, o direito não está só nas leis. Este pluralismo reflete:
indeterminação, informalidade, fragmentação, indeterminação, incerteza no Direito, hibridação,
informalidade, descanonização, desregulamentação.
A Modernidade tem haver com um projeto (uma visão de mundo) na relação que existe entre
passado e presente.
Modernidade e Modernização (marca do modernismo): confusão que existe no senso comum.
Mundo da técnica (Modernização)
1. Processo
2. Razão
3. Sujeito
4. História
5. Humanismo

Ligação entre globalização, confiança, risco e perigo.


Risco e perigo distinguem-se através do controlo da situação.
As pessoas vivem num cenário de incentivo. É a partir da confiança que vencemos o incentivo.

Conceção do Direito- Jusnaturalista- Justiça


1º Pré-História
2º Proto-História
3º História

Pós-Modernidade não é uma nova época- É UMA REESCRITA DA MODERNIDADE; A pós-


modernidade não é uma nova era. Reescrita de alguns traços que foram reivindicados pela
Modernidade. Esforço dos intelectuais para medir a temperatura da época em que vivemos.
27 A tardo-modernidade e ausência de um projeto alternativo ao da
modernidade
1. Modernidade tardia ou crise de modernidade?
Técnica, modernização e modernidade (Barcellona):
 O saber muda na era pós-moderna, que não é nova, é reescrita de alguns traços do
passado.
 A pós-modernidade é o anúncio da crise do pensamento moderno.

2. As Consequências da Modernidade (Giddens):


 Vivemos numa sociedade de risco, imprevisível, insegura e globalizada, uma das formas
de enfrentar isso é através da confiança e segurança. Risco está associado à pessoa que
pratica a ação.
 Não vivemos a pós-modernidade, vivemos uma modernidade tardia, as consequências da
modernidade.

3. Pós-Modernidade, liquidez e Direito


 Modernidade “grávida” do seu pós-modernismo (Lyotard)- conceito de continuidade;
 Liquidez dos laços sociais (Bauman) e jurídicos: Modernidade líquida apresentada por
Bauman (liquidez dos laços sociais e jurídicos); viveríamos talvez uma modernidade
tardia, ao observar que não há um projeto alternativo a essa modernidade.

28 Pulverização jurídico-concetual característica do pensamento


contemporâneo
O pensamento jurídico contemporâneo muitas vezes incorpora insights de várias disciplinas,
como ética, sociologia, economia e tecnologia, resultando em uma abordagem mais ampla e
interdisciplinar.
A rápida evolução da tecnologia e o aumento da globalização podem levar a desafios legais
complexos que exigem uma abordagem mais ampla e adaptável.
A globalização também destaca a diversidade de sistemas jurídicos e tradições culturais, o que
pode levar a uma multiplicidade de abordagens e interpretações jurídicas.
O direito precisa se adaptar rapidamente a novas realidades, como mudanças climáticas,
inteligência artificial, direitos digitais, entre outros, levando a uma ampla gama de conceitos e
abordagens.
Questões jurídicas contemporâneas, como as relacionadas à privacidade na era digital, mudanças
climáticas ou responsabilidade legal em tecnologias emergentes, podem ser intrincadas e
requerem uma análise detalhada e multifacetada.
Em alguns contextos, há uma coexistência de sistemas jurídicos, incluindo sistemas tradicionais,
sistemas baseados em religião e sistemas legais modernos, contribuindo para uma multiplicidade
de conceitos.
A crescente ênfase em considerações éticas e morais no direito pode levar a uma ampla gama de
perspetivas e conceitos.

29 Início do estudo da História do Direito


Um povo que não conhece a escrita, é capaz de ter direito? É difícil chegar a qualquer conclusão.
Quando foi inventada a escrita?

Os egípcios, 3300 anos a.C. já conheciam a escrita, os romanos, séc. V séc. a.C., os germanos, 5
séc. d.C. Direito sem escrita: pré-história do direito. Direito com escrita: história do direito.

Na arqueologia do jurídica é muito difícil estudar a pré-história e a proto-história do direito. É


difícil, mas não é impossível.
Há método para o seu estudo:

 Metodologia das reminiscências: análise de documentos escritos para chegar ao que


teria sido o direito antes desses povos conhecerem a escrita.
 Metodologia proto-história: Fazer os estudos do direito em povos que vivem na proto-
história (não tem acesso, ou ainda não conhecem a escrita), e partir daí para chegar ao
conhecimento histórico, de como seria o direito antes da escrita. Há uma visão
etnocentrista na HD que chama aos ordenamentos jurídicos dos povos sem escrita, direito
dos povos primitivos. Deve-se por isso referir que estamos perante direito de um povo
sem escrita. Já se demonstrou que há povos sem escrita, nomeadamente em África, que
tem leis, organização social devidamente hierarquizada e com direito bem desenvolvido.
Em Madagáscar, numa tribo sem escrita, verifica-se a existência de verdadeiras leis onde
se respeita o seu líder. A fonte de direito mais comum nestes povos é o costume jurídico.
O direito dos povos sem escrita tem algumas características em comum: direito não escrito,
direitos muito numerosos ou diversificados e direitos em nascimento (não fazem distinção entre
normas jurídicas, religiosas ou outras; distingue-se pré-direito e direito; no pré-direito as normas
jurídicas estão absolutamente confundidas com outros ordenamentos normativos). O direito dos
povos sem escrita tem algumas características nas fontes do direito em comum: costume jurídico,
leis, usos, ditados populares, tipo de penas. Nos povos sem escrita também há estudos que
referenciam o direito comercial: comércio mudo (sem contacto direto entre as várias tribos, mas
com trocas comerciais) e Portacht (troca comercial comum na América do Norte, com um
elemento fundamental que é a superioridade militar de uma das tribos intervenientes).

30 História, pré-história e proto-história: diferenças conceituais e


respetivo relevo funcional
 Pré-História: Habilidade no uso das pedras, Idade da Pedra; Direito primitivo.
 Proto-História: Habilidade no uso de metais; Período do desenvolvimento da humanidade
entre a pré-história e a história; Idade dos Metais.
IDADE DOS METAIS: Idade do Cobre (4000 - 3000 a.C. a 1000 a.C.) ➞ Idade do Bronze ➞ Idade
do Ferro

1) Direito Primitivo, caracteres gerais:


É na pré-história que se apresenta a origem do direito e a principal diferença entre a pré-história
do direito e a história do direito é a ausência de escrita. O direito que rege uma sociedade na
sua forma mais primitiva, que intercede à criação de um Estado. As presenças dos caçadores
coletores demonstram a existência de um direito primitivo. Na Idade do Cobre começa a surgir a
primeira ideia, muito embrionária, de Estado e assim surgem os caracteres de uma vida urbana. É
um direito muito oral, muito informal e sem bases escritas. A realidade social ordenada gerava à
volta dos graus de parentesco, das ideias de famílias e de pequenos grupos.

A partir do momento em que possuímos registos escritos é que podemos falar de História. Os
primeiros escritos datam de 3500/3000 a.c. O Direito nasce com a escrita? A escrita não surge em
todos os lados ao mesmo tempo. Muitos domínios de um povo estavam vedados à escrita.

31 Civilizações arcaicas: estádio intermédio da evolução civilizacional


Direito Arcaico ≠ Direito Primitivo (Pré-História)

O Direito primitivo sabemos através das práticas, costumes, e falamos em parentesco. Enquanto,
no Direito arcaico dá-se o surgimento da escrita, nasce a figura de autoridade política (órgãos
políticos) e a noção embrionária de território.

Ordem cronológica, do mais antigo para o mais recente:


1. Direito Primitivo
2. Direito Arcaico
3. Direito Antigo

A relação de parentesco entre Direito Antigo e o Direito Moderno é muito maior, que o grau de
parentesco entre o Direito Primitivo e o Direito Arcaico.

É importante observar que o termo "arcaico" não implica necessariamente uma falta de
sofisticação ou importância. Pelo contrário, essas civilizações desempenharam papéis
fundamentais no desenvolvimento da sociedade humana, fornecendo as bases para as civilizações
mais complexas que se seguiram.

PRÉ-DIREITO NAO QUER DIZER LEIS PRIMITIVAS. Se referimos a leis primitivas ou formas iniciais
de regulação social, é mais comum utilizar termos como "direito primitivo" ou "direito primitivo".
Esses termos indicam sistemas legais ou normativos que existiam em sociedades antigas ou
menos desenvolvidas.

32 Características das normatividades pré-históricas


 ausência de Escrita: Direitos não são escritos, logo surge a necessidade de estudarmos
outra coisa: os costumes. Cada comunidade tem o seu próprio costume, pois ela vive
isolada, quase sem contacto com outras.

 ligação com a religião: exemplo dos Ordálios. Ordálio é um tipo de prova judiciária,
apenas possível pela sua dimensão religiosa. Eram provas puxadas em que o
acusado/acusador ou animais, estavam dependentes da crença divina para saber o
resultado da questão, era uma decisão sobrenatural; bilaterais podiam ser duelos cuja
pessoa a sobreviver deverá ser a inocente; juramento purgatório ou auto maldição (“se
estiver a mentir que caia um raio na minha cabeça”; invocação de uma divindade. O Direito
nasce do subnatural.

 fontes primordiais: normatividades largamente condicionadas pela fonte donde


dimanam. A fonte do Direito principal é o costume (prática reiterada de certos
comportamentos com carácter obrigatório). Modo tradicional de viver em comunidade. A
forma de assegurar a obediência a estas práticas ancestrais: medo do sobrenatural; o
medo da censura pública (a vida depende muito da coesão do grupo); a exclusão social.
O chefe já ditava certas prescrições do que hoje chamamos direito positivo aproximado ao
direito legal. Havia já uma manifestação de jurisprudência: quem resolvia litígios tinha já
um certo precedente (padrão de resolver certos litígios); relevo do precedente judiciário
(onde os que julgam têm tendência para aplicar aos litígios soluções dadas
precedentemente a conflitos do mesmo tipo.); provérbios e adágios.

 complexidade: As sociedades começaram a desenvolver-se através da agricultura e das


trocas de mercado, surgindo uma nova forma de organização social e assim uma vida
pública.
A própria religião acabou por unificar a comunidade.
Há uma evolução social, cuja ideia, de acordo com Gilissen não era tão linear, era mais lógica, pois
é difícil conhecer se o patriarcado sucedeu ao matriarcado:
1. Formação de laços entre 2 sexos que seriam uniões de grupo
2. Ideia de matriarcado onde a mãe era o laço jurídico que unia os filhos e os irmãos. -
Estrutura de linhagem
3. Ideia de patriarcado onde o laço jurídico era entre o pai, a mãe e os filhos, há a instituição
do casamento. - Estrutura de linhagem
4. Qualquer que seja a estrutura de linhagem chega quase sempre à criação de grupos
relativamente extensos, os clãs, ou seja, grupos de famílias que tinham um antepassado
comum e praticavam o culto desse antepassado. Já demonstra uma certa complexidade,
pois há um reforço dos laços para fazer frente a inimigos comuns. É nestes grupos que se
consegue alcançar uma certa segurança. Os clãs têm geralmente um nome, mitos e rituais
próprios e interdições alimentares (adoção de um “totem”).
5. Etnia/povos, que pode ser identificada por vezes como tribo, que constitui a estrutura
sociopolítica superior, agrupando um número indeterminado de clãs. A etnia tem também,
apesar de nem sempre, uma língua comum, um território e costumes próprios.
 importância do grupo: Os grupos permitiram a criação de uma figura política, permitiram
o início da evolução e deram as bases para a modernidade.
É nos grupos que poderia haver uma certa segurança, visto que é enquanto membro de um grupo
que ele age e existe, logo todos estão ligados entre si pela solidariedade (ativa/passiva). Só é
possível a sobrevivência de um grupo se houver coesão entre os seus membros. Foram os grupos
que criaram uma ideia embrionária de um contrato nas trocas.

 direitos em nascimento ou verdadeiros direitos?: Os direitos dos povos sem escrita são
direitos em nascimento: porque os costumes dos povos sem escrita garantem o
constrangimento para assegurar o respeito das regras de comportamento, a
regulamentação não resulta senão da tendência dos grupos sociais a conformarem-se com
a tradição, a aderirem às maneiras de viver do grupo sobretudo das forças sobrenaturais.
Demonstrando assim a ligação entre o direito (caráter não positivo) e a religião.

33 Normatividades arcaicas: as sociedades pré-clássicas ocidentais (ex.:


civilização micénica) e as sociedades pré-colombianas (ex.: incas, maias,
aztecas)
1) Soluções de continuidade
2) Relevo da doutrina do dom e da dádiva: a troca como facto social
Modos de detenção de bens? Devido há falta de moeda havia trocas:
A ideia de individualidade que ultrapassa o corpo físico já demonstra uma complexidade. Do
mesmo modo que o ser existe por si e possui-se, aquilo que foi separado fisicamente continua a
identificar se com ele e, por extensão, tudo aquilo que ele colhe, fabrica para se defender e a
canoa que possui para pescar é sua. As pertenças não dizem só respeito ao indivíduo, mas
também às linhagens e têm um carácter inviolável e sagrado.
Os chefes dos clãs, quando morrem, muitas vezes, os seus pertences enterrados ao seu lado ou
incinerados.

3) As potlach dos índios americanos

O potlatch demonstra a doutrina do dom e da dádiva, onde o chefe da família que doar mais bens
ganhava, invés de entrarem em guerra. Esta doutrina acaba por ser um desafio/ obrigação e
divide-se em aspeto triplo (dar, receber, retribuir).
Havia ainda o comércio mudo: um grupo que depõe num dado lugar onde outros grupos vão
passar os bens que deseja trocar e abandona o lugar; o outro grupo vai examinar o que lá está e
põe outras mercadorias ao lado, depois retira-se; o 1º grupo volta e examina a mercadoria e daí
tem duas opções ou leva e retira-se ou continua nesta operação de troca.
Há ainda a ideia de propriedade imobiliária, ou seja, a ideia de que o solo é sagrado, mas certas
etnias permaneceram nómadas, pois o nomadismo favorece o desenvolvimento da propriedade
comum, apesar da sedentarização permitir lugar à colheita.
34 As grandes culturas (jurídicas) do Oriente antigo e o seu legado para
as culturas clássicas greco-latinas: o dualismo jurídico-normativo
As grandes culturas do Oriente antigo desempenharam um papel significativo na formação do
pensamento jurídico e normativo, deixando um legado que influenciou as culturas clássicas greco-
latinas. Um aspeto importante desse legado foi o dualismo jurídico-normativo, que se refere à
presença de sistemas legais e normativos distintos dentro de uma sociedade. Aqui estão alguns
exemplos e como esse dualismo impactou as culturas clássicas:

 Mesopotâmia (Código de Hamurabi): O Código de Hamurabi, um dos primeiros


conjuntos escritos de leis na Mesopotâmia, é um exemplo notável. Estabeleceu princípios
de justiça e punição, contribuindo para a ideia de uma estrutura legal escrita. O dualismo
estava presente na distinção entre leis civis e penais, indicando a coexistência de normas
regulatórias para a sociedade e leis punitivas para crimes. - Direito babilónico.

 Egito Antigo: O Egito também tinha uma tradição legal bem desenvolvida, com textos
como o Código de Ur-Nammu, que abordava aspetos contratuais e de responsabilidade
civil. O dualismo era evidente na distinção entre normas para assuntos civis e
regulamentações para casos criminais.

 China Antiga (Códigos de Qin): Na China antiga, os Códigos de Qin durante a Dinastia
Qin enfatizavam a autoridade central e as penalidades rigorosas para manter a ordem
social. O dualismo estava presente na distinção entre leis regulamentares que governavam
a sociedade e leis penais destinadas a punir comportamentos prejudiciais.

 Direito Hebraico: está principalmente contido no Antigo Testamento da Bíblia. As leis


hebraicas foram dadas por Deus a Moisés no Monte Sinai, conforme a tradição religiosa.
Os Dez Mandamentos, incluindo princípios como não matar, não roubar e não adulterar,
são uma parte central do Direito Hebraico. Eles formaram a base moral e ética da
sociedade hebraica. Além dos mandamentos morais, o Direito Hebraico incluía leis
cerimoniais, que regulavam práticas religiosas, e leis civis, que abordavam questões como
propriedade, comércio e responsabilidade criminal. Os hebreus tinham um sistema judicial
que incluía anciãos e líderes locais, com julgamentos sendo realizados nas entradas das
cidades. O sistema também incorporava práticas de arbitragem.

35 Direito egípcio do Império Antigo (sécs. XXVIII-XXIII a.C.)


1) Sociedade, poder e religião

Evolução geral:

 Antigo Império
 Médio Império
 Novo Império
Sociedade mais avançada, onde as mulheres e os homens tinham os mesmos direitos.
O Egito foi a primeira organização racional, que contemplava a economia, sociedade e o Estado.
Vivia-se numa monarquia absoluta do Direito Divino, onde o Faraó surgia como uma figura
complexa por ser o chefe tanto de um ponto de vista social como religioso, o Faraó era a porta
para a espiritualidade. O poder estava centralizado no rei, no Antigo Império, que governa com
os seus funcionários e todos estes são nomeados por um djet, uma ordem real, os tribunais são
organizados pelo rei e a lei teria sido a principal fonte do direito, ainda que não se tenham
encontrado exemplos desta, suplantava os costumes e era promulgada pelo rei.

2) A Maat: justiça e poder


No Egito havia uma ligação do racional com o aspeto mágico, ou seja, era um direito religioso. A
justiça era assegurada por Maât, que aparece como uma noção suprassensível. É o objetivo a
prosseguir pelos reis, ao sabor da circunstância. Tem por essência ser o equilíbrio, o ideal, de
modo a fazer com que as duas partes saiam do tribunal satisfeitas. Ao Faraó cabe a ideia de realizar
o ideal de verdadeira justiça, de ser a ponte entre os seus súbditos e o divino, “vivendo Maât nas
suas leis”, ou seja, inspirando se na visão que tem deste princípio em benefício dos homens.
Maât é a Deusa da verdade e da justiça, é a fonte de toda a normatividade.
Como foi possível conhecer a política do Egito? Através daquilo que está registado nas pirâmides.
Não há nada com o sentido de lei, apenas gravuras com um pouco da vida no Egito, as leis têm o
sentido de condutas a ser seguidas, mas não são escritas.

3) O julgamento das almas: dualismo jurídico-normativo


Dualismo normativo teleológico: não há separação entre o mito e a realidade normativa.
O julgamento das almas: demonstra perfeitamente a ligação com a religião, sendo Maât a Deusa
da Verdade e da Justiça, era esta que intimidava e constrangia as ações do povo, pois a conduta
depende desta divindade, através desta ideia de julgamento. Mas como era este julgamento? Se
o coração fosse mais pesado que a pluma então não ia para o “descanso”.

36 Antiguidade jurídica no Próximo Oriente: civilizações e direitos


cuneiformes
“Dá-se o nome de 'direitos cuneiformes' aos conjuntos de direitos da maior parte dos povos do
Próximo Oriente da antiguidade que se serviram de um processo de escrita, parcialmente
ideográfico, em forma de cunha ou de prego” “Não há um direito cuneiforme único, mas um
conjunto de sistemas jurídicos, de períodos e de regiões diferentes (…).” -Glissen

37 A civilização babilónica e o Código de Hammurabi


1) A origem divina e esforço de secularização
“Chama-se-lhes geralmente “códigos”, erradamente, aliás, pois não contêm senão um pequeno
número de disposições (30 a 60 art.), relativas a questões de detalhe, e não uma exposição
distemática e completa do direito ou de parte do direito. São antes recolhas de textos jurídicos
agrupados de uma maneira ilógica, mas seguindo aquilo que parece ser o mecanismo instintivo da
associação de ideias. … não parecem terem sido leias, mas antes, … julgamentos de direito….
““constituem, no entanto, os primeiros esforços da humanidade para formular regras de direito.”
- Glissen

Não são, portanto, códigos, são registos bastante primitivos, com os julgamentos e ensinamentos
dirigidos aos juízes.
O código mais antigo atualmente conhecido é o de Ur-Nammu, que depois de desmembrado,
leva ao surgimento do código de Esnunna. Porém o monumento jurídico mais importante deste
período é o de Hammurabi.
 Código de Ur-Nammu (2040 a.C.)
 Código de Hammurabi (1694 a.C.; código da civilização babilónica): Este código apresenta
na sua estela (Coluna monolítica ou pedra comemorativa destinada a ter uma inscrição) o
Deus-Sol Samas, “o grande juiz dos céus e da terra”, que ditava a Hammurabi as regras do
direito que aí estão gravadas (muito violentas, sanções punitárias). São assim leis de
inspiração divina, inspiradas numa lei numa lei que é dada por Deus, contrariamente ao
direito de Israel e do Islão. Hammurai não é um código religioso, é um regulamento de paz.
Aplicado a uma civilização bastante heterogénea e com questões contratuais, sociais, que
demonstram uma evolução. Não é código real, pois não está organizado.

Princípio da Imputação (Kelsen) e Gênese da Normatividade (“Se… Então…”). Mas como era o
direito nesta época? Sistema muito desenvolvido, que já pratica a venda, mesmo a crédito, o
arrendamento, depósito, empréstimo a juros, título de crédito a ordem e o contrato social, assim
como já faziam operações bancárias e financeiras de grande escala. Atualmente este código pode
ser encontrado no Louvre e foi apenas descoberto em 1901 ao que há pouco a se falar.

2) Progresso representado pela lei de talião e recurso a sanções pecuniárias

3) As figuras de Kettu e mesharu: dualismo jurídico-normativo


 Kettu - princípio estático; - começa a surgir o conceito de equidade.
 Mesharu - princípio mais dinâmico; adaptação da lei.

38 Direito hebraico: fase sedentária e legislativa entre 1400 e 1300 a.C.


“Os Hebreus são Semitas que viviam em tribos nómades, conduzidas por chefes. Eles atravessam
a Palestina na época de Hammurabi, penetram no Egito, retornam (o Êxodo) à Palestina e instalam-
se entre os Hititas e os egípcios, provavelmente nos inícios do século XII, talvez mais cedo.”
- Glissen

1) Natureza religiosa
 Hebreus são semitas que viviam em tribos nómadas conduzidas por chefes.
 O Direito hebraico tem um carácter estritamente religioso, cuja religião é monoteísta. Este
direito é dado por Deus ao seu povo, estabelecendo uma aliança entre Deus e o povo que
ele escolheu, assim é desde logo um direito imutável, onde só Deus o pode modificar. Os
rabinos deveriam interpretar o Direito, MAS não o mudar.
 O rei torna-se assim o representante de Deus no Estado.
 Chegam até ao direito moderno devido ao Direito Canônico.
2) Fontes
 Bíblia: livro sagrado; contém a lei revelada por deus aos israelitas e compreende a sua parte
pré-cristã (Antigo Testamento), com a génese, o êxodo, o levítico, os números e o
deuteronómio.
 A lei “oral” e a Michna: qualquer interpretação do direito hebraico apoia-se num versículo
da Bíblia, mas foi necessário adaptá-la à evolução da sociedade hebraica. Isso foi feito por
padres, chamados rabinos, comentadores da lei escrita. As suas interpretações e
adaptações formaram a lei oral. A Michna é a obra de um rabino, chefe espiritual da
comunidade judaica na palestina no começo do séc III. Não é um código é apenas uma
recolha de opiniões dos rabinos sobre matérias religiosas e jurídicas.
 Guémara e Talmude: comentário (guemara ou seja ensino tradicional) e interpretação da
Michna. Houve mais tarde a junção dos comentários, ou seja, guemara com o michna, que
originou no talmude, inicialmente em Jerusalém e posteriormente na Babilónia, que seria
mais completo e claro e que por fim prevaleceu no judaísmo.
 Codificações medievais e modernas: Talmude carecia de uma síntese e de uma
sistematização, parecia mais uma enciclopédia assim foram necessários esforços de
codificação.

3) Importância dos comentadores da lei escrita: dualismo jurídico-normativo

39 Direito chinês da antiguidade


1) Alternância histórica entre as ordens normativas do li e do fá

O direito chinês não é um direito estritamente religioso, é antes um sistema jurídico numa
conceção filosófica, o Confucianismo, apesar de ter também uma base religiosa.
O direito tradicional chinês é caracterizado pela diferenciação das classes sociais, tendo cada uma
estatutos morais e jurídicos próprios, e a importância da família como base nas relações sociais.
Há, no entanto, uma analogia com a teia de aranha, aqueles que tem mais conhecimento do
sistema furam a teia, são assim tendenciosos na aplicação da lei daqueles que se encontram mais
acima na hierarquização.
As classes privilegiadas, às quais repugna conhecer uma lei uniforme, vivem segundo os códigos
de honra; o povo estava submetido a um direito penal muito severo.
Mais deveres do que direitos.

Divisão das classes sociais chinesas:


 Funcionários letrados – eram diferenciados, Regime Feudal
 Camponeses
 Artesãos
 Comerciantes
Dentro da hierarquia haviam clãs que eram a base dessa classe social, mas sempre respeitando a
hierarquia como um todo.

2) Assimilação do li pela filosofia confucionista no séc. VI a.C.: a crença nas virtudes naturais
do homem
 Confucionismo: Fundado por Confúcio, que viveu 550-549 a.C.
O seu pensamento filosófico é deduzido da conceção religiosa contida nos 5 livros sagrados.
Confúcio deduziu daqui uma doutrina de sabedoria prática, baseada sobretudo no respeito de
numerosas regras de etiqueta. Todos os homens têm o dever de cultivar o seu espírito de
desenvolver em si as virtudes essenciais:
▫ prudência/sabedoria;
▫ humanidade/benevolência;
▫ fidelidade;
▫ veneração;
▫ Coragem/fortaleza
Que podiam ser resumidas em amar o próximo como a si mesmo.
Para Confúcio o papel do soberano consistia em descobrir a lei natural que o céu pôs no seu
coração, para bem governar deve sobretudo velar pela harmonização constante do homem e da
natureza. O Homem é bom por natureza, mas a sociedade corrompe.
Confúcio defende o resgate da sabedoria antiga, olha para o passado e daí vai buscar os rituais
ancestrais. Mencio segue os seus ensinamentos e desenvolve/idealiza a sua doutrina. O homem
possui aquelas virtudes mais o li, ou seja, a ordem social e o tche, o conhecimento do bem e do
mal.

 Li: direito/etiqueta/rito/moral

Noção que se aproxima da nossa noção de direito. É o conjunto de regras de conveniência e


bom comportamento impostas ao homem honesto, uma espécie de código moral. São regras não
gerais, por isso diferem de acordo com as pessoas entre as quais existem relações (há ritos para
cada tipo de relações).
Que relações são estas? O príncipe e os súbditos, o marido e a mulher, os pais e os filhos, os
irmãos mais velhos e os irmãos mais novos e os mais velhos e os mais novos.
Há mais deveres (seus semelhantes, superiores e sociedade) do que direitos. A base da
organização social é a família.
O li era algo que devia ser respeitado, devia haver harmonia perante a ordem natural estabelecida.
Embora não tivesse nenhuma consequência pedia-se que o li fosse respeitado. A justiça é
administrada segundo o li, mas evitava-se o processo por ser desonroso e contra a paz social, ou
seja, a ordem natural. É o governo pelos homens.
Conservou-se quase imutável durante dois milénios o direito de base filosófica que se exterioriza
no respeito dos ritos (li), mas, por si só, não bastava em relação a todos os homens, para o povo é
necessário leis severas, os soberanos tentaram, com a ajuda dos legistas, impor um sistema
jurídico baseado na lei (fa), sobretudo na lei penal. - Dinastia Ch´in - para que os legisladores
imponham uma punição eles teriam de partir de uma premissa: os seres humanos são conflituosos
por natureza, e o conflito é algo inevitável.
3) Ascensão da escola legalista no séc. IV a. C.: o fá e a descrença na bondade natural do
homem

O fa é forjado sob o direito penal.


A partir desta época tem se uma ideia contraria a de Confúcio, de que o ser humano, acredita-se
que no seu core o ser humano é mau, é egoísta e entra em conflito com os outros, assim para o
povo cumprir leis surge a necessidade de sanções, como forma simbólica de intimidação. O
indivíduo tem obrigação para com o estado de denunciar todo aquele ato incorreto (mesmo que
seja família), mesmo não sendo vítimas, o interesse estatal é mais importante que a família.
É um direito do estado, com um cariz mais normativo e rígido, não tão religioso é o direito dos
legisladores. É o governo pelas leis, oposto do governo dos homens.

Mais tarde viu se que o fa não era também a melhor opção, surge a ideia de conciliação do li com
o fa (confucianização das leis), de modo a permitir uma maior aplicação, um direito mais dinâmico.
Ainda com classes: funcionários letrados vs. não letrados (camponeses, artesãos, comerciantes),
cada homem está submetido aos homens das classes superiores.
Confucianização das leis: Li + fa = poucas leis de matéria civil; deixa se isso inteiramente ao li,
que tem que ser respeitado.

40 Direito Muçulmano
É o direito do Islã.

O direito da comunidade religiosa islâmica é diferente de um direito estatal, pois é um direito que
rege todos os comportamentos do grupo religioso, independentemente de uma conceção
territorial, pois não depende do lugar, depende da fé.
622 dC é o ano em que Maomé foge de meca e desenvolve este direito, mais pretende
reconquistar, através da guerra santa.
Alã é a figura moral, o Deus e Maomé é o grande e último (ao que a religião islâmica toma muitos
empréstimos do judaísmo e do cristianismo) enviado de Alã, é a representação de Deus na Terra,
é um profeta, a figura central.

Distinção entre Châ’ria e Figh: demonstra a dimensão da religião, confunde-se com o direito.

 Châ’ria - prescreve o que se deve ou não fazer no quotidiano, a via a seguir, a lei revelada,
num plano religioso é a manifestação do direito. A sanção é o estado do pecado.
 Figh - conjunto das soluções enunciadas para obedecer a Châ’ria; as penas e sentenças;
ciência dos direitos e dos deveres dos homens, das recompensas e penas espirituais;
ciência das normas que podem ser deduzidas por um processo lógico.

Não se admite outras fontes do direito se não as Figh, apesar de que o costume e a legislação
desempenharam um papel importante que se deve ter em conta. O costume é admitido sobre a
adaptação de ritos ou por necessidade social e a lei existiu em todos os estados muçulmanos, são
os qãnoum, regulamentos promulgados pelos soberanos, são validas e obrigatórias desde que
não contradigam a Châ’ria.

4 fontes (árvore):
 Corão;
 Tradição;
 Acordo da Comunidade;
 Analogia.

Apesar da sua aparente unidade da unanimidade requerida pelo idjmã, o mundo muçulmano está
dividido pelo menos em 4 grandes regiões que aplicam sistemas jurídicos mais ou menos
diferentes, devido as diferentes interpretações deste direito (4 ritos analógicos):

Todos estes ritos ortodoxos têm afinidade de Maomé e a pretensão de alcançar aquilo que
Maomé pretende transmitir.

QUE TIPO DE INTERPRETAÇÃO SE DÁ DA SUNNA?

 Hanifita, caráter + racional; em especial das regiões como o Egito, o Paquistão e a Turquia;
 Maletita que é talvez o mais próximo de Maomé; presente nas regiões da Tunísia,
Marrocos e Argélia;
 Chafeita que sintetiza os outros 2 ritos. Mais presente na Síria e Indonésia;
 Hanbalita que é mais estrito e mais localizado na Arábia.

Há ainda ritos heréticos que não seguem a sunna.

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