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5 Positivação do Direito a partir do século


XIX: o Direito como norma posta
O século XIX representa, ao mesmo tempo, a destruição e o triunfo do pensamento
sistemático legado pelo jusnaturalismo, que era pautado na razão. Dos séculos XVI ao
XVIII o direito tornou-se cada vez mais escrito, que ocorreu por causa:

 Crescimento rápido do número de leis


 Redação oficial e decretação da maior parte das regras costumeiras
O Direito escrito se referia do jus commune, o direito comum a todas as cidades e vilas,
em oposição ao jus propium. A fixação do direito escrito aumenta a segurança e a
precisão do seu entendimento e aguça a consciência dos limites. Há o aparecimento da
diversidade das fontes, que acarreta no aumento das hierarquias, e a possibilidade do
confronto normativo.
Além disso, a recepção do direito romano veio propiciar a hierarquia de fontes: leis,
costumes, direito romano.
Com o aparecimento do Estado Absolutista e a concentração do poder legislar pelo
monarca, cresce a percepção da necessidade de regras interpretativas, fazendo-se
necessário o aparecimento de duas condicionantes:

 Natureza política: noção de soberania nacional e o princípio da separação de


poderes
 Natureza técnico-jurídico: caráter privilegiado da lei como fonte do direito e a
concepção do direito como sistema de normas postas
Assim, em 1789 com a Declaração do Homem e do Cidadão, passa-se o princípio da
soberania – que sempre residira no senhor territorial ou no rei – para a nação, que
entra em acordo com o princípio da divisão dos poderes, com o poder judiciário com
caracteres próprios e autônomos e com possibilidade de atuação limitada. Essa
separação iria garantir, de certa forma, uma progressiva separação entre política e
direito, regulamentando a legitimidade da influência da política na administração, que
se torna:

 Aceitável no Legislativo
 Parcialmente no Executivo
 Neutralizada no Judiciário
A neutralização política do Judiciário será a canalização da produção do direito para o
endereço legislativo, onde a lei é fonte principal do direito. Assim, como as leis
mudam, o direito muda – em total diferenciação com o passado, que apresentava o
direito como algo imutável. A mutabilidade do direito passa a ser usual, a ideia de que
todo direito muda torna-se a regra, e que algum direito não muda, a exceção. A
institucionalização da mutabilidade do direito é o fenômeno de positivação do direito.
Os sentidos da positivação:

 Filosófico: todas as valorações, regras e expectativas de comportamento na


sociedade têm de ser filtradas através de processos decisórios antes de adquirir
validade jurídica. Direito positivo não é só aquele que é posto por decisão, mas
também aquele cujas premissas da decisão também são postas por decisão. (O
fato de ser posto + seu conteúdo são colocados por decisão)
 Sociológico: valorização dos preceitos legais no julgamento dos fatos. A
redução do jurídico ao legal foi crescendo durante o século XIX até culminar no
chamado legalismo, o que não foi apenas uma exigência política como também
econômica (Revolução Industrial e a velocidade das transformações
tecnológicas). O direito reduzido ao legal fazia crescer a disponibilidade
temporal sobre ele, cuja validade foi sendo percebida como algo maleável.
O direito instrumentaliza-se, exige uma técnica, um know-how. Deixa de ser uma
atividade que não tinha um adimplemento a ela e mesmo ao agente, que visava
apenas o agir ético do próprio agente; este é o núcleo da positivação do direito.
A mutabilidade do direito trouxe uma perplexidade: o civilista Hugo, segundo o
paradigma kantiano, propôs uma divisão tripartida do conhecimento científico do
direito, correspondente a três questões fundamentais:

 Dogmática jurídica: que deve ser conhecido como de direito? (PRESENTE) -


histórica
 Filosofia do direito: é racional que o reconhecido como do direito assim o seja?
(PRESENTE)
 História do direito: como aquilo que é reconhecido como de direito se tornou
tal? (PASSADO) – histórica
Nasce uma visão do direito não como um fenômeno que ocorreu na história, mas que
é histórico em sua essência. Assim, a História do Direito para Hugo é uma ciência
propriamente dita, enquanto que a dogmática jurídica faz usa dela e de outros
instrumentos. A historicidade do direito foi uma resposta à perplexidade causada pela
mutabilidade do direito, mostrando que mesmo se ele muda, isto não invalida todo o
conhecimento científico conquistado até ali.
Para Savigny, não será a lei escrita, norma racionalmente postulada e positivada pelo
legislador, o objeto de ocupação do jurista, mas a convicção comum de um povo, os
valores – este sim a fonte originária do direito – que dá sentido histórico ao direito em
constante transformação. A organicidade deve ser buscada no caráter complexo e
produtivo do pensamento conceitual da ciência jurídica elaborada pelos juristas desde
o passado.
Direito dos professores: aparece quando o direito passa para as Faculdades de Direito
e seus mestres. A doutrina passava a ter um lugar mais importante que a prática e os
doutrinadores a terem precedência sobre os profissionais do direito. Savigny: senso
intuitivo do trabalho dos profissionais, voltavam-se para o direito vigente além da
História do Direito. Estilização sistemática da tradição, como seleção abstrata das
fontes históricas, sobretudo as romanas. Reaparecia, desse modo, a sistemática
jusnaturalista numa roupagem nova. Assim, a Escola Histórica aumentou o abismo
entre a teoria e a práxis, que vinha do jusnaturalismo, com influências até hoje no
ensino universitário e na prática dos juristas. Os professores tinham um senso intuitivo
do trabalho prático dos profissionais, seus livros voltavam-se para o direito vigente. A
proposta metodológica da Escola Histórica acabou se dissolvendo com o próprio
Savigny, numa estilização sistemática da tradição, como seleção abstrata das fontes
históricas, sobretudo as romanas. Reaparecia a sistemática jusnaturalista numa
roupagem nova. A ênfase depositada na intuição do jurídico nos institutos cedia lugar
a um sistema de construções conceituais das regras de direito.
Para Putcha, o direito surgia da convicção íntima e comum do povo, mas o modo pelo
qual se formava essa convicção não interessava. Há uma simbiose entre o direito posto
e o direito formado na consciência histórica, fazendo do legislador seu máximo
representante. A Dogmática jurídica assumiu o caráter principal, enquanto a
investigação histórica ficava em segundo plano, tornando-se uma disciplina capaz de
estabelecer o que era ainda utilizável do Direito Romano. Em resumo, aquilo que a
razão representou para os jusnaturalistas, passou a ser substituído pelo fenômeno
histórico, surgindo a fundamentação da mutabilidade do Direito e a moderna
dogmática jurídica.
Arendt: História passa a ser vista como um processo feito pelo homem cuja existência
tinha sido exclusivamente realização humana. Exigia objetividade. Embora a Escola
Histórica insistisse na historicidade do direito, ao cabo da pesquisa o resultado se torna
mais importante do que a própria investigação que o precedera.
A tarefa do jurista se torna tipicamente dogmática: unificação construtiva dos juízos
normativos e do esclarecimento dos seus fundamentos, descambando por fim para o
positivismo legal, com uma autolimitação do pensamento jurídico ao estudo da lei
positiva e ao estabelecimento da tese de estatalidade do direito.
A Ciência Dogmática do Direito

 Sistema fechado que exige a ausência de lacunas.


 Elaboração filosófica ou sistemática do direito: o direito constitui uma
totalidade que se manifesta no sistema de conceitos e proposições jurídicas em
íntima conexão
 O sistema jurídico é necessariamente manifestação de uma unidade imanente,
perfeita e acabada, que a análise sistemática, realizada pela dogmática, faz
mister explicitar.
 Caráte lógico-dedutivo do sistema jurídico
 Procedimento construtivo e dogma de subsunção; o saber jurídico se
caracteriza tanto pelo estabelecimento de uma premissa maior a qual conteria
a diretiva legal genérica, quanto a premissa menor, que expressaria o caso
concreto. Esses dois procedimentos marcam significativamente o
desenvolvimento da dogmática no século XIX.

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