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Introdução à Ciência do Direito II – Metodologia Jurídica

1. Identificação das Fontes


1.1 O modelo científico da Escola Histórica;
1.2 O papel da legislação ante a codificação;
1.3 Cientificidade do direito no sistema continental e no Common Law;

2. Uso das Fontes


2.1 Métodos de interpretação das fontes;
2.2 Certeza Jurídica, arbítrio e legalidade;

1.1 O modelo científico da Escola Histórica;


Trabalhos de Savigny: Curso de Inverno de 1802-1803; Vom Beruf – Da vocação de nosso século; Sistema de direito romano atual;
Metodologia Jurídica;

Metodologia de Savigny (in: Metodologia Jurídica) LIVRO DE MÉTODO; subdivisão em três partes:

A- METODOLOGIA ABSOLUTA

A.(1) Elaboração FILOLÓGICA (INTERPRETATIVA) da Jurisprudência

A INTERPRETAÇÃO (reconstrução do pensamento que é expresso na lei, na medida em que seja cognoscível a partir da lei) é constituída
por três dimensões:

 LÓGICA - correlação de uma norma com todas as outras que com ela se articulam, a fim de compreendê-la. Íntima relação com a
natureza orgânica dos institutos jurídicos de que já falava Savigny:
O instituto jurídico é, pois, um todo, pleno de sentido e que se transforma no tempo, de relações humanas consideradas como
típicas, nunca logrando, por isso, ser exposto inteiramente pelo somatório das normas que lhe dizem respeito. Não são as regras
jurídicas que, no seu complexo, produzem os institutos jurídicos, antes são essas regras que, por abstração, se extraem
artificialmente da intuição global dos mesmos institutos.
intuição imediata - sentimento: reside nesses a origem do direito positivo. Está na comum convicção jurídica do povo, no espírito
do povo (Volksgeist), nas típicas formas de conduta observadas pelo conjunto de cidadãos em função da consciência de sua
necessidade intrínseca.
 GRAMATICAL (LITERAL) – decodificação; atribuição de significados a enunciados lingüísticos constantes de textos legais.
 HISTÓRICA – consideração da occasio legis; traçam-se a proposição legislativa, suas razões, esclarecendo fatores políticos,
econômicos e sociais verificáveis quando da elaboração da norma legal. A lei é dada em momento determinado, para povo
determinado. É preciso conhecer as condições históricas para captar a substância da lei.

Princípio fundamental interpretativo: “ao mesmo tempo, deve a interpretação ser individual e universal”.
Individual: todo texto de uma lei deve expressar uma parte do todo, de modo que tal não esteja contida em nenhuma outra parte; quanto
mais individual for, mais rica a contribuição do texto à totalidade da legislação; assim, o hermeneuta deve descobrir o particular de cada
texto, se valendo do recurso de expressões técnicas singulares, das quais está repleto o direito romano.
Universal: a legislação expressa um todo; a interpretação do particular tem de se amoldar ao todo, uma vez que as partes não são
inteligíveis sem o todo; devem ser concebidas em relação com o todo.

Historia da Interpretação
início: séculos XII/XIII
-Glosadores: in Bolonha. Interpretação do direito de Justiniano. Irineu/Accursio.
-Comentadores: in Sec. XIV-XV. Piores que os glosadores. Bartolo/Baldo.
-Humanistas Franceses: in Sec. XVI-XVII. Elaboração da jurisprudência de forma científica pela 1ª vez. Não se procurava sistema algum.
Método de digressões, não puramente exegético. Cujacio.
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-Holandeses: in final sec. XVII-XVIII. Formação de filólogos eruditos. Método raramente melhor que o dos franceses.
-Escola Alemã: imitava em muito os holandeses, mas se perdeu em minúcias. Pouco se preocupou com a interpretação.

A.(2) Elaboração HISTÓRICA da Jurisprudência

Da jurisprudência, muitos aspectos não podem ser compreendidos sem certo conhecimento histórico prévio. Toda legislação é, mais ou
menos, o resultado da sua história anterior (tal o caso da legislação justiniana). Justiniano nunca teve a intenção de elaborar código
próprio, mas de formar compilação do material já existente. Converteu-se, portanto, o todo histórico em lei. A elaboração histórica deve
ser realizada a partir de uma vinculação e de uma separação históricas.
vinculação histórica: pesquisa de respostas distintas, para uma questão especial de direito, de acordo com a época de legislação, tomando
o sistema na sua totalidade e o considerando progressivo; busca das fontes.
separação histórica: a jurisprudência deve ser tratada com uma separação completa de suas fontes. Na seara do direito penal, por
exemplo, tanto o direito romano como o alemão (legislação) são apresentados historicamente como uma mesma linha, de tal sorte que se
acredita ter o legislador alemão prosseguido a partir do ponto em que o romano se deteve. Essa compreensão enseja confusões e
impossibilita uma pesquisa mais profunda. Os civilistas erraram por considerar o estudo histórico como mera preparação à elaboração
jurisprudencial, não obstante acreditassem na sua necessidade.

A jurisprudência pode, ainda, servir como ciência auxiliar para outras ciências, a exemplo da política e da própria história. O Espírito das
Leis, de Montesquieu, tipifica o primeiro caso: o estudo histórico de toda a legislação é utilizado de modo original e profundo para as
opiniões e objetivos políticos. Quanto à própria história, procede a afirmação de que a legislação pode ser considerada uma parte da
história (dir. romano, p.ex.).

A.(3) Elaboração SISTEMÁTICA (FILOSÓFICA) da Jurisprudência (‘filosófica’ como orientação no sentido de unidade imanente
pressuposta)

Crítica dos intentos de sistematicidade (desvios):


a) que ficam por baixo do verdadeiro sistema: não há uniformização das multiplicidades. Num sistema, deve ser dado o conteúdo do todo e
não o do particular. Recaem em compilações de fontes.
b) que ficam por cima do verdadeiro sistema: busca-se a unidade, mas carecem de diversidade. Elaborados por ‘juristas filósofos’, deixam-
se orientar demasiadamente pela arbitrariedade, uma espécie de revolução contra a legislação.

O conteúdo do sistema é a legislação, isto é, os princípios do Direito. Necessitamos de um meio lógico da forma, ou seja, da condição lógica
do conhecimento de todo o conteúdo da legislação para conhecer estes princípios, em parte de forma particular, em parte na sua conexão.
Tudo o que é formal tem por objetivo @1 desenvolver a determinação dos princípios particulares do direito – geralmente isto é
denominado de definições e distinções -, @2 ordenar a vinculação de vários princípios particulares e sua conexão - habitualmente
denominado de verdadeiro sistema.

@1- DESENVOLVIMENTO DE CONCEITOS


os conceitos estão contidos nos princípios; para conhecer estes, devem ser desenvolvidos aqueles (=dar definições); nenhum conceito deve
ser tratado sem que esteja referido a algum princípio; ademais, por estar o sistema determinado pelos conceitos, se falsos implicarão
interpretações falsas.

@2- ORDENAMENTO DOS PRINCÍPIOS


vinculação interna dos princípios de direito; a relação dos direitos particulares entre si determina o que se deve separar e o que se deve
unir.

Interpretatio restritiva e extensiva = interpretação material (não é uma verdadeira interpretação); “aperfeiçoamento da jurisprudência pela
sua forma”
operação formal, acidental, em que o sistema é completado pela mera forma ou quando é muito amplo e algo deve ser retirado dele; a
regra expressa da lei se considera como conclusão final, sendo a razão da lei (fim) premissa por meio da qual se modifica a conclusão final,
de modo que esta deve ser mais ampla ou menos ampla (interpretatio extensiva e restritiva, respectivamente). Raras vezes a razão da lei
está na própria regra; geralmente, o hermeneuta descobre e adiciona a razão de uma maneira artificial (=arbitrária). Daí advém a rejeição

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de Savigny a esse tipo de operação, bem como à interpretação teleológica, já que o juiz deve atender não ao que o legislador busca atingir,
mas só ao que na realidade preceituou; ou mais precisamente: ao que nas palavras da lei, segundo seu sentido lógico, gramatical e a extrair
da conexão sistemática, verdadeiramente encontrou uma expressão como conteúdo da sua determinação.

Savigny admite a operação de analogia, ao contrário da interpretação material, que rejeita; naquela, a legislação completa-se a si mesma;
nesta, algo estranho e arbitrário é adicionado. Portanto, a analogia se resume em descobrir na própria lei, quando haja um caso não
especialmente regulado por ela, uma regra especial que proveja a um caso semelhante, e reduzi-la a um a ‘regra superior’ que decidirá o
caso não regulado. Neste ponto, verifica-se uma influência do direito natural (racionalista-moderno ou jusnaturalismo tardio), uma vez
que tal entendimento pressupõe que a regra especial estatuída na lei pode ser vista como expressão de uma regra geral não estatuída
nessa lei, mas nela contida segundo seu espírito. No direito penal, uma ação é um delito desde que a legislação a declare punível; logo,
nessa seara do direito em caso nenhum pode existir uma determinação por analogia.

Influência da filosofia na jurisprudência


todo sistema nos leva à filosofia. A apresentação de um sistema meramente histórico conduz a uma unidade, a um ideal no qual se
fundamenta. E isto é filosofia. A jurisprudência pôde florescer em épocas nas quais não se estudou filosofia alguma, demonstrando que
nem sequer como conhecimento prévio a filosofia é absolutamente necessária para o jurista.

B- METODOLOGIA DO ESTUDO LITERÁRIO DA JURISPRUDÊNCIA

Aplicação do estudo dos livros jurídicos ao estudo geral da jurisprudência. Duas regras: deve-se ler criticamente; deve-se ler historicamente.
Leitura crítica: significa ler de modo tal que seja possível formular, concomitantemente, um juízo; devem-se ler as obras mestras: não é o
caso de ler muito ou pouco, mas de ler o melhor, o excelente, e de ter prática para julgá-lo.
Leitura histórica: significa ler em conexão com o todo; deve-se ler tudo, isto é, no mínimo conhecer todas as obras; só de posse de um
panorama geral de todo o campo da literatura é que se pode estudar um determinado autor, e só assim será possível uma leitura crítica.
Estas duas regras de ler, crítica e historicamente, estão em perfeita relação. Segundo a primeira, pensa-se o livro como parte de um todo
ideal e, conforme a segunda, como parte de um todo real, o que indica que o estudo metodológico deve estar relacionado com a
elaboração histórica da literatura.
entre cada período científico e o seu anterior, sempre existe uma íntima relação; tudo o que existe anteriormente permanece, adicionando-
se nova classe de conhecimentos ao todo, de modo que nunca se deve supor uma revolução absoluta. Em cada período, deve-se buscar o
ponto de vista que se tinha.
além da história da elaboração científica, é fundamental o conhecimento de livros: bibliografia, repertório geral de todos os escritos
jurídicos. Assim, Savigny inicia a indicação detalhada de uma ‘biblioteca’ jurídica, dividindo os livros em literatura da interpretação, da
história e do sistema, correspondendo, portanto, à mesma tripartição verificada na metodologia absoluta.

C- METODOLOGIA DO ESTUDO ACADÊMICO

Idade Média: comunicação científica e acadêmica eram unas, a mesma coisa.


popularização da imprensa: universidades perdem prestígio e o monopólio do conhecimento.
Possibilidade de, sem estudos acadêmicos, se alcançar o objetivo de todo o estudo cientifico? Há possibilidade, mas remota, dada a
dificuldade que se apresentará. Se alguém aprender uma ciência só por meio dos livros, sem assistir às aulas, e, além disso, estudar por
conta própria, estará sujeito, em grande medida, só àquilo que acontece acidentalmente, adotará opiniões alheias, terá um
comportamento totalmente passivo perante as mesmas, não tendo uma visão livre da ciência. No estudo, existem muitas dificuldades,
especialmente para o iniciante, que não se podem superar facilmente sem consultar alguma outra pessoa que já tenha estudado
profundamente toda a ciência, que dela tenha uma visão geral e que tenha atingido certo aperfeiçoamento.
O objetivo das universidades é mal interpretado, e tanto teórica quanto praticamente, opõe-se à opinião generalizada de que consiste em
ensinar os conhecimentos mais indispensáveis na forma mais breve e simples possível. Isto pode ser conseguido muito mais facilmente por
meio dos livros. O verdadeiro objetivo da universidade é o de nos introduzir no estudo científico, de forma tal que nenhuma parte deste seja
estranha para nós, ou, pelo menos, que estejamos em condições de aprender o que faltar de modo mais fácil e profundo.

Plano do curso jurídico acadêmico:


1. Introdução às fontes através da história do direito – pesquisa
2. Conhecimento dos resultados das fontes, o sistema, de forma não demonstrada: deve-se descobri-lo, ao mesmo tempo em que se
vincula à exegese, de modo que o sistema surgisse evidente em cada momento da interpretação.

Cada livro é um fato particular da série de elaborações da ciência. Ao invés, a palestra acadêmica não é assim. Não se espera que ela
contenha algo de novo, porque dela se espera que nos conduza diretamente ao estudo da ciência e da literatura.

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Sistema de Savigny (in: Sistema de direito romano atual) LIVRO DE ICD II

Direito romano atual: direito romano resgatado da legislação justiniana, que constitui o direito comum de grande parte da Europa.
Especificamente na Alemanha, o direito romano atual (com poucas modificações) constituía o direito comum alemão, pois que cada
Estado alemão (reunidos todos pela dominação imperial) estava sujeito a um duplo direito positivo: direito territorial + direito comum.

Instituições de direito: todas formam um vasto sistema, cuja harmonia na qual se reproduz sua natureza orgânica permite compreendê-las.
É falsa a opinião que considera a teoria e a prática do direito como coisas diversas e opostas: sem dúvida têm cada uma suas funções e a
aplicação que fazem do conhecimento é diferente; porém seguem uma mesma ordem de idéias, seus estudos devem ser os mesmos. O
procedimento para conhecer o caso concreto é o mesmo para conhecer o ordenamento.

Definição de fontes de direito: bases do direito geral, e, por conseguinte, as instituições mesmas e as regras particulares que separamos
delas por abstração. Erros sobre os quais alerta Savigny:
- confusão da origem da relação de direito com a origem das regras de direito. Para Savigny, p.ex., o contrato não é fonte de direito.
-confusão das fontes de direito com as fontes históricas do direito (científicas), que, às vezes, coincidem (como ocorre com o corpus juris).

ORIGEM DO DIREITO
O direito positivo é o direito do povo, porquanto está na consciência dele. Sai do espírito geral que anima a todos os membros de uma
nação. Ao começar a história fundada em documentos, se encontra em todos os povos um direito positivo já existente, cuja origem
remonta a tempos ainda mais primitivos. Não é a casualidade nem a vontade dos indivíduos, senão o espírito nacional que cria o direito, a
língua. A diferença é que por sua natureza sensorial, a origem da língua se verifica mais compreensível que a do direito, porém é a mesma.

Tempo = aumenta a força do direito (as idéias jurídicas ficam cada vez mais arraigadas na consciência popular por força da aplicação) e o
modifica. As transformações por que passa o direito, assim como a língua, procedem do mesmo princípio de sua origem, estão submetidas
à mesma necessidade e são igualmente independentes do acaso e das vontades individuais. Na infância dos povos, o laço que une a nação
é mais estreito, já que as manifestações do espírito ocorrem com mais força e liberdade. Com o desenvolvimento das relações, ao passo
que mais conhecimentos e ocupações isolam os indivíduos, mais dificilmente se desenvolve o direito, necessitando assim da legislação e da
ciência do direito.

O POVO
O povo não cria o direito, não o inventa. Se há homens reunidos, há estabelecimento de relações intelectuais, o que se percebe com a
língua comum. O direito e o espírito nacional têm origem no conjunto real. Dentro da nação, se encontram, algumas vezes, subdivisões,
que sem estar desligadas da nação, têm, não obstante, uma existência individual e distinta. Nessas subdivisões se criam direitos
particulares, que se colocam ao lado do direito comum da nação.
Entendimento do povo como unidade intertemporal, no seio do qual se sucedem gerações. Assim, o direito se conserva pela tradição.
O direito de cada nação tem certas características particulares à nação, e outras comuns a todos os povos; isto se dá pelo espírito humano
comum a todos os grupos (os elementos gerais comuns, para os romanos, estavam compreendidos na noção de jus gentium). Todavia, os
grupos não são iguais, o que permite a existência de características singulares.

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1.2 O papel da legislação ante a codificação;

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