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Escola da Exegese

Com Código de Napoleão publicado em 1804, nasce junto com este a Escola
da Exegese. Segundo essa doutrina, o papel do juiz estava restrito a reconhecer na lei
a vontade do legislador e aplicá-la ao caso concreto. O juiz não elabora, não questiona,
não investiga a lei, apenas a aplica, como em um sistema dedutivo.
Essa ordem exige que o juiz admita sua tarefa como a de mero reconhecedor
e aplicador da lei ao caso concreto, sem qualquer necessidade de interpretação ou
investigação criativa. Nesse contexto, encontramos o advento de métodos que se
coadunam com tal modo de pensar, a saber: o exegético, o literal (ou gramatical), e em
certo sentido, o lógico-sistemático.
O juiz apenas deduz racionalmente alei à realidade dos fatos que lhe é exposta,
sem ao menos poder se questionar a respeito da justiça e sensatez da decisão alcançada.
Essa fidelidade estrita ao espírito do legislador e apego à letra da lei durou até os finais
do séc. XIX, quando a doutrina jurídica começa a questionar este modelo silogístico
formal, que não resolve as situações não legisladas, ou aqueles que foram, mas geravam
dúvidas em sua aplicação. A completude do sistema falhara, e era preciso reconhecer tal
fato.
Assim, foi sendo cada vez mais sentida pelos juristas a impossibilidade do
legislador regulamentar todas as condutas humanas e relações sociais, e aqueles
passaram a formular meios alternativos de se encontrar uma decisão à matéria lacunosa.
É nos pandectista alemães que encontramos uma compreensão progressiva da lei,
baseada em uma dogmática jurídica fortemente influenciada pela concepção de usos e
costumes presentes no Direito Romano.
O Código Francês, assim como as Escrituras Sagradas, eram obras divinas, e
como tais, não podiam ter seu sentido alterado. Ao homem, cabia apenas à percepção do
texto tal como ele se apresentava. No limite, permitiam-se as considerações de ordem
sintática, morfológica e semânticas do enunciado da norma. De acordo com a corrente
gramatical, a linguagem era apenas um meio de comunicação, sendo imparcial e
objetiva em sua essência. Por isso, há uma distinção entre o método gramatical com seu
apego aos enunciados literais da lei e o método exegético que apura a vontade do
legislador, sem impedir que os dois dialoguem.
Método lógico-sistemático

Os pressupostos da Escola da Exegese resultaram na aceitação pelo intérprete


do culto à lei, tanto em razão de seu valor gramatical quanto pela possibilidade de sua
condução à mens legislatoris.
Os métodos criados propor O método lógico-sistemático visa justamente a
resolver esses dois problemas e a manter a integridade e coerência da legislação, na
medida em que exige uma interpretação de cada norma particular em conjunto com o
todo do ordenamento. No caso da lacuna, a metodologia lógico-sistemática visará a
encontrar uma norma no ordenamento que a preencha sob uma ótica pragmática. Já na
antinomia, a metodologia avaliará as leis incompatíveis e excluirá uma delas.
A leitura do Direito como um sistema lógico exige que cada artigo de lei esteja
em consonância com o ordenamento como um todo. A despeito de seu conteúdo ser
válido ou não do ponto de vista formal, o artigo só será aplicável se estiver em harmonia
com as demais disposições legais, caso contrário, outro artigo igualmente válido, mas
mais adequado e coerente, será aplicado.
Aparentemente, essa leitura lógico-sistemática resolveria os problemas da
antinomia elencando critérios objetivos para o afastamento de uma norma em favor de
outra. Se uma lei diz que matar cachorros é permitido, e outra, posteriormente,
estabelece o crime daqueles que matarem cachorros, basta aplicar o critério temporal
para afastar a primeira e mais antiga e favorecer a mais recente.

Escola Histórica/ Método histórico

A Escola Histórica nasceu na Alemanha pré-unificada sob os ensinamentos de


Savigny, para quem o Direito só poderia ser explicado a partir da história do povo que o
construiu. O fato de a Alemanha somente ter publicado seu primeiro código em
princípios do séc. XX, conferiu a seus estudiosos uma visão menos legalista do que
aquela apresentada pelos franceses da Escola Exegética.
O Direito Romano, largamente estudado pelos alemães, influenciou deveras a
valoração que estes concederam aos usos e costumes como fonte do Direito. É a história
de um povo que constrói e atribui sentido ao sistema jurídico, não podendo este se
descolar daquele. O Direito, assim como o Estado, somente são explicados e
justificados a partir da História que prescinde a ambos. Os costumes, mais do que meros
hábitos, traduzem a consciência coletiva da Nação que se quer ver refletida nas leis.
Dessa forma, o método histórico prega um retorno do homem às suas tradições para
nelas encontrar o sentido de sua existência atual. É preciso encontrar qual é o fio
condutor que nos transporta do passado ao presente e nos conduz ao futuro. Existe uma
lógica, uma razão pela qual as coisas são de uma forma e não de outra, e este
fundamento é histórico e deve ser evidenciado.
Essa linha histórica, na doutrina de Savigny, deveria ser entendida de acordo
com os sentimentos coletivos da Nação, os quais explicam e justificam o sentido do
Direito. Apesar dos avanços aferidos por tal método, não se pode dizer que ele tenha
desamarrado a hermenêutica de seus traços exegéticos. Como já dissemos, a percepção
histórica permitiu a introdução de um novo elemento interpretativo, mas ainda não
deixava que este se instalasse como uma força livre e criativa, como sua doutrina faria
supor.
Há uma comunicação muito forte entre as Escolas Exegéticas e Históricas,
quando ambas concebem a interpretação como uma atividade realizável somente por
meio do texto legal. A História, por mais que tenha significativa importância, deverá ser
encontrada unicamente pelo texto da lei, e nunca além dele. O próprio pai da escola,
Savigny, considera que a hermenêutica deve ser realizada por meio dos métodos literal,
sistemático e histórico. A força do texto exegético, portanto, continua presente, o que se
perde é à força do legislador como única fonte autêntica de interpretação da lei.
Os ideais da Escola Histórica foram trazidos para os códigos modernos por
meio da interpretação da lei com apoio nos usos e costumes. Isso não significa a
consagração do método propostos por Savigny, com todas as suas peculiaridades,
apenas admite-se a importância da historicidade do Direito e a construção de valores
culturais de uma nação ao longo dos anos.
Escola da livre pesquisa (libre recherche) e o método

Nas últimas décadas do séc. XX, o jurista francês François Geny construiu uma
doutrina que visava a estabelecer, de forma razoável, uma integração entre os ditames
da Escola da Exegese e as indagações propostas pelo método histórico-evolutivo.
Geny cautelosamente reconheceu que o trabalho do intérprete ocorre dentro de
uma dinâmica aparentemente inconciliável: o Direito que deve a tudo legislar, mas não
consegue, e o juiz que não pode se esquivar de julgar nem pode ser criativo. As
concepções de Geny só não se tornaram revolucionárias porque, aliada à sua doutrina
sociológica e ideológica, ele se mostra extremamente cauteloso quando se trata de
interpretação da lei.
Para ele, o trabalho do jurista é aplicar a norma jurídica da forma como ela está
positivada, sem recurso à pretensa vontade do legislador, nem às considerações
histórico-evolutivas de se adaptar a norma aos ambientes sociais em formação.
Entretanto, sabe Geny que o Direito possui uma eterna inferioridade frente às ciências
da natureza, haja vista não conseguir estabelecer um sistema fechado, completo e
unívoco de conhecimento. Sendo assim, quando o intérprete se deparar com uma lacuna
no ordenamento, deverá primeiro aplicar os métodos sistemático e histórico para que a
unidade do ordenamento seja mantida.
O que Geny não percebeu em sua teoria foi que as duas dimensões por ele
analisadas, a lei estrita e as valorações extras sistemáticas, não conseguem ser tratadas
de uma forma estanque como a proposta. A hierarquização do recurso ao gramatical em
superioridade ao ideológico, não funciona a partir de uma avaliação objetiva da lei. As
lacunas que se encontram no ordenamento, muitas vezes não se referem à ausência de
uma norma aplicável ao caso concreto, mas sim, a uma desaprovação de cunho
valorativo que impede o intérprete de aplicar tal dispositivo. As ideologias não atuam
apenas como forma de se complementar ou preencher os espaços vazios da lei, atuam
antes na própria elaboração desta e determinam o sentido da interpretação.
Escola do direito livre (Freies Rechts)

A Escola da Libre Recherce ecoava por meio dos ensinamentos de Geny, cujo
sopro de romantismo científico dava asas cada vez maiores ao operador jurídico. Foi
nesse quadro que Erlich e Kantorowicz desenvolveram a chamada Escola do Direito
Livre (Freies Rechts) na qual, em linhas gerais, pregavam a liberdade do julgador para,
mediante um caso concreto, buscar no Direito Livre a decisão mais justa, podendo a
mesma estar de acordo ou não com os ditames do Direito estatal vigente.
Dada à importância de tal Escola - que se refletirá principalmente quando da
análise dos métodos hermenêuticos utilizados pela jurisprudência moderna deteremos-
nos um pouco mais neste tópico e analisaremos detalhadamente o pensamento de
Kantorowicz. Em sua obra Der Kanipf um die Rechtswissenchaf? \ publicada em 1906
sob o pseudônimo de Gnaeus Flavius, Hermann U. Kantorowicz descreve com lucidez e
agudo poder crítico sua concepção de Direito, combatendo de forma assaz os mitos e
ideais falaciosos que habitam a ciência do Direito e a interpretação jurídica, pregando
uma visão transparente e honesta das verdadeiras relações e intenções existentes entre o
intérprete e a lei.
Dessa forma, o autor alemão crê que é dever do jurista reconhecer a finitude e
imperfeição do Direito estatal, assumindo, por decorrência lógica, a existência de suas
lacunas. Kantorowicz se coloca em clara oposição aos ditames famigerado art. 4o do
Código Civil francês que permite a condenação do juiz por negação de justiça caso este
se recuse a julgar em razão do silêncio da lei.
Ao mesmo tempo em que sustenta a imperfeição do Direito estatal,
Kantorowicz reconhece a existência de outro Direto, aquele que resolveu chamar de
Direito Livre (Freies Rechts). Em sua concepção, o Direito Livre é uma releitura do
Direito Natural no séc. XX, uma vez que se opõe ao Direito estatal de contornos formal
e legalista. Nesse ínterim, o mestre faz questão de afastar sua doutrina dos autores
jusnaturalistas clássicos como Pufendorf, Wolff e Beccaria. Entretanto, não é preciso ao
enunciar qual seria o conteúdo e onde exatamente residiria a fonte de seu novo Direito
Natural, o Direito Livre.
Em um primeiro momento, deve o julgador pesquisar se há solução no direito
consuetudinário. Caso este não apresente resposta suficiente deve proceder a uma
razoável ponderação do caso como se legislador fosse, atingindo uma decisão com base
em seu senso de justiça (Rechtsgefiihl). É nesse momento que se torna célebre a
doutrina da Escola do Direito Livre, justamente por pregar a liberdade do julgador em
proferir uma decisão com base em sua própria consciência.

Escola da Jurisprudência de Interesses /Método teleológico

Nos finais do séc. XIX, o jurista alemão Rudolf Von Ihering escreveu as obras
Der Kampf ums Rechte e Der Zweck im Recht'\ nas quais realiza uma incisiva crítica ao
modelo lógico-dedutivo e apresenta uma concepção de Direito com forte apego à
finalidade de suas normas.
De acordo com Ihering o Direito nasce da luta cotidiana que a sociedade trava
em seu interior, sendo a lei uma conquista árdua do homem que visa à preservação da
paz no seio da comunidade. Desse modo, o Direito deve ser concebido a partir de sua
realização prática, do resultado que visa a produzir empiricamente. Contrapõe-se assim
à ordem de comandos abstratos que impregnava o pensamento jurídico vinculado à
Jurisprudência Conceitual. A norma jurídica não é um fim em si mesma, mas uma
disposição que conduz a uma finalidade. Esta finalidade, no limite, é sempre a da
preservação social.
Para a teoria de Ihering, um componente que condiciona a teleologia da lei são
as condições sociais existentes em determinado momento histórico. Por exigir uma
aplicação legal atrelada aos efeitos concretos na realidade, a interpretação deveria
necessariamente conhecê-las, sendo elas de três tipos: extrajurídicas, jurídicas e mistas.
Posteriormente, com base no método teleológico, surgiu a Escola da Jurisprudência de
Interesses, cujo expoente maior foi Philipp Heck, jusfilósofo alemão que abraçou a
concepção jurídico-pragmática. Para essa escola, o Direito é construído para a
concretização de interesses, vistos estes como desejos e aspirações existentes na
sociedade.
Desse modo, toda norma também possui um interesse em seu bojo, sendo
trabalho do jurista realizar uma hermenêutica de cunho metodológico histórico que
encontre o sentido que orientou a lei, não como uma vontade subjetiva do legislador,
mas como seu elemento prático determinante, seu interesse causal.

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