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INTRODUÇÃO AO DIREITO II (2ª FREQ)

INTRODUÇÃO À METODOLOGIA JURIDICA

INTERPRETAÇÃO E INTEGRAÇÃO

O sistema jurídico é a ordem garantida por unidade de significações categoriais, repetidas pelas normas. Normas estas que
pressupõe um sistema comum de corpus jurídicos, institutos de conceitos que a ciência dogmática do direito deverá
descobrir/construir. Duas grandes escolas do método jurídico, nascem no sec.18/19:

1. ESCOLA FRANCESA DA EXEGESE

Surge no sec. 19 e prolonga-se durante todo este século, baseando-se na metodologia do legalismo da codificação pós-
revolucionária. Numa 1ª fase, temos Proudhon, Relvincourt, Duranton. Já numa 2ª fase, aparece Gony:

∂ Entendia o direito como um conjunto de textos legais, sistematizado em códigos, sobretudo no código civil. Esta escola é
então fruto do legalismo pós-revolucionário e de um jusnaturalismo moderno ou iluminista que fundava as leis em
axiomas, dos quais se deduzia o direito natural racional.
∂ A ideia dos códigos era fundamental, mas ao mesmo tempo, entendia-se que um código não podia ser uma mera
coletânea de normas, tendo de ser antes, um corpus legislativo elaborado, de forma a apresentar-se sistematizado,
uniforme e racional com o objetivo final de fornecer regulamentação total, exclusiva e definitiva, de um certo domínio
jurídico - ou seja, a elaboração de um código para cada ramo de direito.
Assim, o objeto do direito era exclusivo por normas gerais e abstratas, prescritas pelo legislador. Verificava-se pois, uma
identificação da juridicidade e da normatividade com a racionalidade abstrata.

- Nesta escola, utilizava-se como método: a subsunção dos códigos a uma interpretação exegética do tipo lógico-dedutivo.
Isto por outras palavras, tudo se retirava do texto e era assim que se realizava o direito.
No entanto, os autores desta escola percebiam que os códigos eram incompletos, e por isso, assumiam-nos como
lacunosos, sendo necessária a remissão para fontes subsidiárias de integração.

Identificação do direito com a lei (resposta à pergunta sobre as fontes do direito)

O Direito responde à lei e assim manifesta-se apenas na lei, não havendo outro direito fora daquele que estivesse na lei. O
legalismo do sec. 19, admitia uma compreensão jusnaturalista do Direito, não obstante, esta ideia foi perdendo importância a um
tal ponto que passa a relevar, unicamente o que estava na lei. Daqui resulta uma concessão estática do direito.

A exclusividade da lei como critério jurídico (entendimento quanto à teoria da normatividade


jurídica)

Esta escola não só vê a lei como fonte de direito, como considera que só no conteúdo normativo oferecido pela lei, se
encontravam os critérios de juízos jurídicos decisórios.
Ou seja, recusa-se a validade e a necessidade de apelo a outros critérios – a lei é a única fonte do direito, e o único critério
normativo jurídico. Por isso, esta forma de compreender a lei, fundamenta este método de interpretação seguinte:

- “é da lei que, em exclusivo, se retiram critérios normativos jurídicos”.

A suficiência da lei (maioritariamente do CC, para dar resposta e solução a todos os casos
jurídicos) - o postulado da exclusão das lacunas, no sistema da lei civil codificada.

Este sistema é completo e fechado, mas se assim é, como haveria então de resolver a escola exegese, o problema das lacunas?
Qual o método jurídico utilizado por esta escola?

- Estamos perante um positivismo exegético, estrito positivismo hermenêutico composto pelos seguintes princípios:
1) Fidelidade total à lei no momento da sua aplicação - sendo apenas necessária a sua interpretação, e verificando-se
assim a anulação do juiz.
2) A interpretação é objeto hermenêutico, dedutivo formal e lógico dogmático.
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Tendo estes princípios em conta, os elementos a interpretar são:
a) A letra da lei - o método remetia para o elemento complementar da vontade do legislador e a ele se chegava
através dos trabalhos preparatórios.
Deve-se ainda atender ao espírito da lei, que seria chamado a restringir, estender ou completar o seu sentido.
b) O outro elemento seria a lógica dogmática/logica formal – não há invocação de valores, nem há uma perspetiva
axiológica normativa, em que se procurassem fundamentos.

Tendo em conta estes 2 princípios/elementos, este método seria capaz de servir a segurança jurídica e a certeza do direito, mas
ao mesmo tempo, era indiferente a justeza normativa e a adequação material ao mérito dos casos a decidir.

Para decidir os casos omissos,

Procurava-se dentro do código uma norma, uma vez que o juiz estava obrigado a encontrá-la (de acordo com esta escola,
proclamava-se que estes códigos fossem acabados/fechados). Fazia-se então uma auto-integração da lei, usava-se uma analogia
legis e analogia iuris, e se não se encontrasse solução no código, o caso seria considerado juridicamente irrelevante.

- A interpretação, sendo lógico dedutiva, implicava que a aplicação/realização do direito fosse igualmente assim.
A norma legal era a premissa maior e um silogismo, em que o caso a decidir era a premissa menor, e com elas se obtia a
decisão/solução.

2. ESCOLA HISTÓRICA ALEMÃ DO DIREITO

Esta escola foi a precursora do positivismo normativista. Um dos seus pontos essenciais, é a afirmação da natureza histórica, se
não mesmo uma historicidade nacional do direito ou seja, o fundamento histórico seria um fundamento constitutivo do direito.
Este direito nascia então, do povo. Um outro autor relevante para a escola alemã, foi Savigny. As coordenadas apresentadas por
este autor eram as seguintes:

1) Uma critica e repudio do jusnaturalismo iluminista que via o legislador como pleno titular do direito – com Savigny não
há uma conceção estatal do direito. Na verdade, a conceção do direito era espiritual e cultural, não política.
2) A critica e repudio da codificação do direito que se sustentava na tese da natureza histórica do direito - a historicidade
era constitutiva do direito. Para este autor, a história de um povo é a continuação e o desenvolvimento de todos os
momentos passados. A matéria do direito será dada pelo passado da nação, não através de um arbítrio, mas da
existência mais íntima da nação. O direito está submetido ao mesmo movimento/evolução que todas as tendências
comunitárias.
3) A tesada natureza histórica do direito, implica que ele se ofereça como já dado, nas especificas objetivações culturais em
que existia, e por tal é considerado como direito objetivo e como objeto de conhecimento.

FONTES DO DIREITO

Todo o direito nasce como direito consuetudinário, sendo originado pelo costume e crenças posteriormente pela jurisprudência.
Mas, isto não quer dizer que a legislação seja exclusiva.

- Savigny recusava um papel dominante e atribuía antes um papel residual. Por este motivo, era necessária uma
elaboração determinante daquele direito originário, função esta atribuída aos juristas.
O direito resultaria da sua elaboração doutrinal, ou seja, a principal fonte desta escola seria a doutrina.
∂ Por sistema jurídico, entendia-se uma racional unidade com carácter formal/estrutural. Os institutos e instituições
jurídicas são alheias aos fins, isto é, têm uma existência em si mesmas, independentemente do reino dos fins. Esta
dimensão científica sistemática não convergia com esta dimensão histórica.
Esta escola desaparece, dada a exigência do científico.

A interpretação nesta escola têm em conta os seguintes elementos:

- Elemento gramatical.
- Elemento histórico.
- Elemento logico.
- Elemento sistemático.
- E o elemento teleológico (mais tarde com Ihering).

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Momento científico ou construção

- sistematização conceitual apoiada em tarefas de análise e concentração.


Momento intencional de redução do jurídico

- Neste momento, não interessa ao direito as considerações morais ou éticas, políticas ou económicas, o que significava
que a conceção jurídica era equivalente a uma consideração não teleológica do direito.
Eram elaborados então, conceitos e institutos jurídicos de índole abstrato/funcional que permitia a criação de um
sistema unitário e racionalmente autossuficiente – um sistema autónomo que sustentasse a própria autonomia do
jurídico.
Momento (exterior) de aplicação lógica dedutiva

- Um momento estritamente metódico de identificação do pensamento jurídico, em correlação com uma operação lógica
em que a racionalidade se identifica com esquemas lógico-dedutivos.
- Neste momento, traduzia-se uma conceção e tratamento do direito positivo, independentemente de fins ou valores. Ou
seja, fundava-se unicamente da validade absoluta e de categorias formais, e na eficácia da argumentação lógica.

Por um lado, temos a Escola do Legalismo Exegético em que o código é uma espécie de regulamentação total, exclusiva e
definitiva de um setor da vida social e em que a lei é a única fonte de direito. Assim:

∂ Os momentos do método são: interpretação, integração, construção + aplicação = hermenêutica exegética.


Ou seja, culmina numa determinação dogmática de índole lógico-analítica, dedutiva.

Por outro lado, o método da Escola Histórica Alemã corresponde à mobilização de materiais dados, que emergem da experiência
consuetudinária e da experiência legislativa, mas também de textos de direito. Portanto, nesta escola, vemos um direito mais
completo.

Enquanto da Escola da Exegese se coloca acento tónico no primeiro momento do método jurídico (interpretação, integração,
construção) já nesta Escola Histórica, o acento tónico é colocado na construção e conceitualização – o Direito possui uma
natureza histórica, repudiando-se assim a codificação.

Quer para ambas as escolas, o Direito é pressuposto e leva a que, de acordo com uma perspetiva metodológica, seja sempre
necessário distinguir entre constituição ou criação do direito e conhecimento desse mesmo direito.

MOMENTO CONCEITUAL

O sistema conceitual reduzia-se aos conteúdos jurídicos obtidos no direito positivo, através de uma interpretação jurídica e
através da qual se operava a tarefa da construção jurídica.

Através da assimilação do direito positivo pela conceitualização sistemática, e com o desenvolvimento lógico que ela permitia,
atingir-se-ia a totalidade racional do sistema jurídico - a plenitude lógica do sistema que levaria à exclusão de lacunas.

- Através desta determinação sistemática conceitual, podia orientar-se a própria aplicação concreta do direito, mediante a
subsunção dos casos aos conceitos normativos das normas aplicáveis, convertendo-se esta operação numa operação
lógico dedutiva.

Há, por conseguinte, uma tarefa prévia confiada ao pensamento jurídico que é considerado um pensamento jurídico inferior,
tarefa essa traduzida na análise jurídica e concentração lógica, e que corresponde à conversão de interpretação que chamaremos
jurisprudência inferior.

A outra tarefa corresponde à grande tarefa de construção e realização do direito – aqui teremos a jurisprudência superior. Neste
plano, trabalhamos com materiais dados que, graças à intervenção dos princípios gerais do direito, se transformam em
proposições jurídicas ou em direito-objeto, ou direito imposto. No plano de jurisprudência superior, procedemos à criação de
institutos e conceitos, e fazemos do direito não um objeto dado, mas sim um direito dogmático. Não há aqui, como na primeira,
uma análise jurídica, mas sim uma concentração lógica.

O mundo da jurisprudência superior é um autêntico sistema de corpus jurídicos em sentido estrito que, embora não constituindo
direito positivo, mostra-se apto a conferir ao mundo do direito, a sua transparência racional, isto é, a que nos permite
compreender o direito como um sistema unidimensional de normas.

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Momento Hermenêutico (momento da interpretação)
Este momento é absolutamente indispensável para o método jurídico, pois trata do momento de determinação do sentido da
norma, seja ela uma lei ou uma proposição normativa.

De acordo com a Escola Exegese e com o sistema conceitual, este momento é uma tarefa da jurisprudência inferior - a
interpretação é um passo epistemológico e é ratio cognoscendi dos processos científicos da análise da concentração e da
construção.
Mas é também ela um momento metódico sustentado em abstrato, postulando e pressupondo o sistema de conceitos e o seu
decidendo lógico.

Por fim, a aplicação enquanto momento já exterior ao método jurídico, pressupõe que o mesmo é ciência. É por isso que o
justificamos como, uma operação técnica lógico-dedutiva: uma operação que se irá aplicar aos casos concretos de direito e que
graças ao momento científico do sistema conceitual como aumento hermenêutico, nos impõe soluções pré-determinadas em
abstrato.

- No fundo, o que está em causa, é o esquema lógico dedutivo do silogismo subsuntivo, que garante a relação entre o
geral e o particular.
O juiz, neste caso, é um juiz-arbitro com poder neutro, limitado a pronunciar em concretas palavras prescrevidas pela
norma em abstrato. Há um pressuposto entre a norma e o resultado de aplicação, sendo que este nada acrescenta à
norma.
Portanto, a aplicação como momento técnico exterior, não constitui qualquer problema (premissa maior + menor +
conclusão).

O método jurídico isola a tarefa de interpretação da tarefa de aplicação, isola-as em compartimentos distantes e
cronologicamente diferenciado. O objetivo é de que a interpretação em abstrato nos conduza à determinação rigorosa de um
único sentido possível do direito.

TEORIA TRADICIONAL DA INTERPRETAÇÃO DA LEI

- ENQUANTO ELABORAÇÃO DE JUÍZOS ABSTRATOS

Qual é o objeto da interpretação?

Para a teoria tradicional, o objeto é o texto da norma. Na base desta compreensão, está o positivismo legalista aliado ainda a um
positivismo normativista. Este texto é então, o conteúdo das significações ou os conteúdos significativos imanentes à própria
norma-lei, conteúdo esse autossuficiente.

Tal como nos dizia Savigny, estas significações textuais eram compostas por:

- um elemento gramatical (a letra, o teor verbal, o texto na sua relevância gramatical).


- um elemento histórico (o texto na sua relevância histórica, vinculado a circunstâncias passadas).
- um elemento lógico e sistemático (preocupado com a unidade lógico-estrutural da norma jurídica, mas sobretudo
preocupado, com a sua localização num sistema de normas e pirâmide de conceitos).

Para a teoria tradicional, ainda que tenha um caracterismo positivista legalista, ainda é normativista. Ou seja, aqui estão em causa
elementos materiais, como interesses, valorações, decisões e intenções valorativas.
Ou seja, por um lado temos uma interpretação metodológica dogmática, que não recorre ao elemento racional teleológico, pois
entende-se que o texto da lei é suficiente, mas depois mais tarde, assume excecionalmente a opção de uma metodologia
excecional teleológica, pois percebe que o texto-norma não se apresenta no seu estado puro mas sim num estado defeituoso e
imperfeito, e dado esse seu estado da norma, é nos permitido mobilizar elementos extratextuais.

- O texto norma / letra da lei tem uma função prescritiva e esta função impõe-se como prioridade analítica e cronológica
que vai condicionar todo o processo interpretativo. Porque ela se impõe como esta prioridade e porque têm força
prescritiva (valor normativo), ela vai condicionar, de forma negativa, pois têm uma função de exclusão em todo o
momento interpretativo. Trata-se aqui de assumir a relevância negativa da letra da lei ou função de exclusão, que
atribuem a esta conceção da letra da lei a teoria da alusão.

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Teoria da alusão
A teoria da alusão diz-nos que tem de haver uma correspondência verbal mínima entre a relevância gramatical da lei e o
pensamento legislativo determinado pela interpretação. Ou seja, esta teoria reduz a importância do sentido literal, mas ao
mesmo tempo, impõe que ele seja um limite da interpretação.

- Apesar desta teoria, dar prioridade absoluta ao elemento verbal, só podem ser admitidos resultados que tenham uma
ligação estreita com a letra da lei. Isto é, esta teoria da alusão exige que, quando duvidoso ou pouco claro, só sejam
admitidos resultados que consigam encontrar na própria letra da lei, uma qualquer expressão (mesmo que seja mínima).

Decisão judicial

Fora disto, o que encontramos é a decisão judicial.


O interprete, começa por pedir ao elemento gramatical que exclua todos os sentidos incompatíveis com a eventual relevância
jurídica do texto-norma. Para efetuar esta tarefa, vão ser fixadas as fronteiras dentro das quais, o processo interpretativo se vai
desenvolver. Por isso é que se diz que, nesta fase de interpretação do elemento gramatical, há uma relevância negativa
(candidatos negativos), pois é excludente - retira-se com ele aquilo que seja irrelevante à interpretação final.

Seleção de sentidos possíveis

Além desta fase, a letra da lei vai também ter função de seleção de sentidos possíveis. Ou seja, dentro dos elementos relevantes,
vão-se selecionar os sentidos mais naturais ou imediatos (os que correspondem aos usos comuns ou jurídicos mais habituais
dentro das palavras e expressões contidas no texto norma).

Este momento tem por função: descobrir os candidatos positivos, os valores indicativos para uma resolução de controvérsia
jurídica, tendo em conta uma presunção de justeza (pretendida com a jurisprudência).
Não obstante, o teor literal do texto-norma contém em si, conteúdos e sentidos possíveis permitidos por este texto que
correspondem a resultados menos comuns. Ou seja, nesta tarefa de interpretação encontramos aquilo que chamamos os:

- Candidatos neutros: os menos comuns, mas que são ainda permitidos pela letra da lei.
São os objetos, os factos, casos em que o teor do elemento literal só por si não permite adotar uma posição definitiva de
inclusão ou exclusão na interpretação.

1ºMomento

Neste primeiro momento, tiramos os sentidos possíveis da norma. Mas, porque precisaremos de ter em conta o caso concreto.
Aqui, entram em conflito duas formas de abordar a interpretação do objeto: o subjetivismo dogmático e o objetivismo dogmático.

Subjetivismo Dogmático

O que está em causa para esta teoria, é a reconstituição da vontade histórico-psicológica. Para o subjetivismo dogmático, o que
interessa é o pensamento real do sujeito legislador e assim, o conteúdo da norma/da lei será aquele que é desejado pelo seu
criador - o que se pretende com a interpretação da lei é averiguar a vontade do legislador, expressa na letra da lei.

No âmbito do subjetivismo, a interpretação é então, colocar-se no pensamento ou do ponto de vista do legislador, reproduzindo-
se o que este quis dizer (reconstituição da vontade real do legislador real).

Objetivismo dogmático

O que se defende, é abstrair da vontade do legislador real e concentrar no sentido que o texto da norma encerra.
A interpretação é apenas a exposição do sentido possível que está na lei.

- No subjetivismo temos então a mins legislatoris (a vontade do legislador).


- No objetivismo temos a mins legis (o sentido da letra).
É preciso procurar resolver a indeterminação transmitida pelo texto-norma, seja através do que está no próprio texto da
lei (mins legis) ou através daquilo que entendemos ser o que o legislador entendeu (mins legislatoris).

Atualmente,

Falamos de um objetivismo atualista/moderado e de um subjetivismo moderado – art. 9º nº1 C.C. (solução de compromisso).
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O interprete deve procurar o sentido histórico que o legislador quis dar ao texto-norma, sendo certo que este artigo nos remete
para a necessidade de recorrer a outros elementos, orientando-se, em última análise, pela interpretação de presunção, pelo
entendimento do legislador. Assim, este artigo, tem um caráter misto - podemos fazer uma interpretação dogmática ou
teleológica racional.

- Interpretação dogmática: âmbito de interpretação que tem como objetivo um sentido que já está pressuposto no
próprio sistema jurídico e que, por isso, vê o direito como uma ordem em si mesma que se auto-subsiste, tendo a
interpretação o mero papel de explicitar essa ordem.
- Interpretação teleológica racional: deve ser exigido que a fonte a ser interpretada, nos indique um sentido
teleologicamente funcional, privilegiando-se deste modo a presunção de justeza através da qual, o direito vai
compreender pelos seus resultados. Ou seja, concebe-se o direito como uma intenção prática.

RESULTADOS DA INTERPRETAÇÃO
Tendo em conta a teoria tradicional da interpretação, tendo em conta o método jurídico e as duas assunções, principalmente a
teoria da alusão, conseguimos encontrar vários resultados de interpretação, que ainda hoje são enunciados e são ndos em conta.

Comecemos por salientar que em todos os resultados da interpretação, consagrados pelo método jurídico, o interprete deverá
chegar sempre a um senndo admindo pela letra da lei. Ou seja, para não violar a teoria da alusão, os senndos selecionados pelo
intérprete terão sempre de ser senndos possíveis, admindos pela letra da lei.

Os resultados possíveis da interpretação serão então, uma interpretação:

- Declarativa
- Enunciativa
- Restritiva
- Extensiva
1. declarativa

A interpretação declaranva é aquela em que o resultado a que o interprete chega, corresponde à escolha do candidato posinvo,
isto é, do senndo mais natural, mais habitual à letra da lei.
2. enunciativa

A interpretação enuncianva é aquela em que o resultado a que o interprete chega, corresponde à escolha de um senndo que, não
sendo o mais natural, é ainda o possível. Ou seja, trata-se de um senndo lógico, virtualmente conndo nas palavras da lei, e obndo
mediante os seguintes argumentos:

∂ “A maiori ad minus” – a lei que permite o mais também permite o menos, sendo um exemplo: se um determinado
sujeito pode alienar um bem, também o pode onerar.
∂ “A minori ad maius” – a lei que proíbe menos, também proíbe o mais. Se a lei proíbe a oneração de um determinado
bem, então eu não poderei vender ou doar esse bem. Se não posso o menos, também não posso o mais.
∂ “A contrario sensu” - a lei que estabelece uma disciplina para certas situações excecionais, afirma implicitamente um
principio-regra oposto para todos os casos nela não incluídos. Para ser um argumento deste tipo, tem de se tratar de
uma norma excecional.
Por ex: o art. 875 do Código Civil, propõe uma exceção à norma geral da liberdade de forma do art. 219º, pois diz que
todos os outros contratos de compra e venda que não envolvam bens imóveis, não necessitam obrigatoriamente de ser
celebrados por escritura pública/documento particular autenticado, gozando as partes de liberdade de escolha na forma.
No entretanto, por motivo de segurança jurídica, há normas excecionais relativamente à norma geral. A interpretação
deste artigo, exige uma forma escrita solene, e assim permite afirmar, ao contrário, que todos os contratos de compra e
venda não abrangidos por esta norma, não estão sujeitas às exigências de tal forma.
3. EXTENSIVA

A interpretação extensiva é aquela em que o resultado a que o interprete chega, corresponde à escolha de um senndo que não
sendo o mais natural é ainda possível, mas é mais extenso que o natural. Os argumentos unlizados para sustentar os resultados
desta interpretação são os seguintes:

∂ Argumento de identidade de razão – argumento a pari: o sentido possível é aquele onde a razão de decidir é a mesma,
então a mesma deve ser a decisão.

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∂ Argumento da maioria de razão – argumento a fortiori: se a lei explicitamente contempla certas situações, então há de
forçosamente abranger outras, que, com base em sérios e justificados motivos, exigem ou justificam a aplicação de um
regime estabelecido por tal norma.
O legislador utilizou na norma, o conceito de “venda”, e o interprete, socorrendo-se dos elementos históricos e
sistemáticos, conclui que o sentido a imputar a essa norma é aquele que privilegia significações mais amplas, ou seja,
alienação. O argumento utilizado para sustentar este resultado é aquele de que: o legislador disse menos do que aquilo
que queria dizer, pois ao utilizar a palavra “venda” referia-se a uma espécie quando, na realidade, pretendia referir-se ao
género, ou seja, à alienação.

4. RESTRITIVA
A interpretação restrinva é aquela em que o resultado a que o interprete chega, corresponde à escolha de um senndo que, não
sendo o mais natural, é ainda possível e é menos extenso que o senndo natural. O argumento utilizado para sustentar este
resultado da interpretação é o de que: o legislador disse mais do que aquilo que queria dizer.

- Encontramos o exemplo na palavra “nulidade”: o interprete, socorrendo-se dos elementos históricos e sistemáticos,
conclui que o sentido a imputar à norma onde encontra a palavra, será o de uma invalidade relativa ou anulabilidade.
Com efeito, o legislador ao utilizar o conceito “nulidade”, remete para a invalidade do negócio jurídico, sendo certo que,
este instituto comporta a invalidade absoluta ou nulidade, a invalidade relativa ou anulabilidade.
Assim, a anulabilidade será o sentido menos natural, mas ainda assim possível e menos extenso que o sentido natural.
5. CORRETIVA - CRITICA A ESTES RESULTADOS, APRESENTADA PELA ESCOLA DA JURISPRUDENCIA

Percebendo este resultado que tem em conta a teoria tradicional do método jurídico, a escola da jurisprudência dos interesses
vem-nos apresentar uma crinca a estes resultados e apresenta um resultado que é a interpretação correnva.

A jurisprudência dos interesses é uma escola do direito, que contribui decisivamente para aquilo que se chama a viragem
finalísnca da interpretação e que, sucintamente se traduz, por uma compreensão do direito na perspenva dos fins ou interesses.

- Esta compreensão é radicalmente oposta à sustentada pelo normativismo do sec.19, que se caracterizava por um
formalismo, ou seja, caracterizava-se por compreender o direito como um sistema de leis que tinham por finalidade
exclusiva, coordenar os vários arbítrios individuais, sem intervir quanto aos fins e interesses subjacentes à vontade
concreta de cada sujeito interveniente.
Em clara oposição a esta compreensão do direito, a jurisprudência dos interesses vêm afirmar que os interesses são os
fatores causais, isto é, os fatores consntunvos do direito.
Assim sendo, os interesses que para a jurisprudência dos interesses se manifestam sempre sob a forma de conflito,
seriam a genética determinante do direito e a função do direito, e ao mesmo tempo, o objetivo final do direito seria o de
arbitrar os interesses conflituantes e em simultâneo proteger esses interesses.

Ora, desta compreensão, resultará uma nova e especifica compreensão da lei, que será decisiva para o modo como esta conceção
vai perceber a interpretação da lei. Assim, tendo presente o problema dos resultados compreendido como momento da
interpretação, e tendo presente o respeito pelos limites da relevância negativa da letra da lei e ainda a distinção essencial entre
letra da lei vs. espirito da lei, poder-se-ão verificar algumas hipóteses de interpretação.

HIPÓTESES DE INTERPRETAÇÃO

1. A letra da lei e o espirito da lei correspondem naturalmente - o significado gramaticalmente enunciado pelo texto da lei,
exprime adequadamente o sentido que é imputado ao texto, pelos outros elementos da interpretação. Parece estarmos
perante uma interpretação declarativa. O texto admite no seu significado correto ou mais natural, o sentido
determinável pelo espirito da lei e o interprete apenas se fixa nesse sentido que o texto exprime natural e corretamente.
O interprete encontra o significado mais correto ou natural a que correspondem os candidatos positivos.
Em suma, é aquela que fixa a norma como o seu verdadeiro sentido, o seu sentido ou um dos seus sentidos literais e aqui
o interpreto limita-se a escolher um dos sentidos que o texto direta ou indiretamente comporta.
O certo é que também pode acontecer que o interprete tenha selecionado um sentido que não sendo o mais natural,
seja ainda assim possível, embora mais ou menos extenso e aqui estamos no âmbito dos candidatos neutros, aparecendo
outras hipóteses.

2. A letra da lei, o imediato ou o significado natural, é mais amplo do que o espirito isto é, o sentido determinável pelos
outros elementos de interpretação. Neste caso, estaremos perante uma interpretação restritiva em que se restringe
então, o sentido naturalmente textual da lei a fim de que o façamos coincidir. No fundo, o legislador aqui, adotou um

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texto que atraiçoou o seu pensamento na medida em que diz mais do que aquilo que queria dizer. O resultado da
interpretação será então mais restrito do que o sentido que resulta do texto da lei.

3. A letra da lei, é menos ampla do que o espirito, sendo certo que aqui temos de alargar ou fazer uma interpretação
extensiva, alargar o sentido naturalmente textual da lei mas dentro dos seus significados possíveis. É portanto fixado à
norma, um sentido mais amplo do que aquele que resulta do texto da lei e isto porque, o interprete chega à conclusão
de que a letra da lei fica aquém do espirito da lei, isto é, a formula verbal peca por defeito, diz menos do que aquilo que
queria dizer.

4. Interpretação ad rogante ou revogatória: permite concluir que a lei interpretada não tem sentido. Isto é, a conciliação
entre a letra da lei e o espirito da lei, enquanto elementos essenciais da normalidade, não é possível, seja porque a
expressão é absolutamente incorreta seja porque o texto enuncia um sentido absolutamente incompatível com o
pensamento normativo (quando concorrem normas contraditórias).

5. Interpretação enunciativa: quando se infiram do preceito, conclusões normativo-jurídicas que ele virtualmente admita
porque foram obtidos através da utilização de argumentos lógico-jurídicos e aqui, ao contrário da interpretação
extensiva utilizada pelo método jurídico da teoria tradicional, é na interpretação enunciativa que se utilizam os
argumentos à pari e à fortiori.
- Argumentos associados a uma forma de argumentação jurídica que estabelece que o que é permitido ao menos é
necessariamente proibido ao mais (ad minori ad minus), aliados aos elementos de interpretação da teoria tradicional
extensiva, tal como associado ao argumento do ad maiori ad minus - o que permite o mais permite o menos - e ainda, ao
argumento do contrarium sensu.
Esta interpretação, de acordo com a jurisprudência dos interesses, assume-se as demais das vezes como interpretação
extensiva na medida em que o sentido da lei vai para além da sua letra.

Todos estes resultados cabem num quadro de interpretação dogmática seja ela de orientação subjetivista, quando o
espirito da lei se identifica com o seu legislador, seja ela de orientação objetivista. O certo é que a determinada altura,
vai-se abandonar esta corrente dos candidatos possíveis, e o que se passa a ter presente é a correção do texto, fundada
teologicamente isto é, na razão de ser da norma, no objetivo da norma. Aqui percebe-se a superação da teoria
tradicional, da interpretação jurídica.

SUPERAÇÃO DA TEORIA TRADICIONAL


Com a interpretação teleológica enriqueceram-se os resultados da interpretação, aceitando-se a preterição do texto a favor do
cumprimento efenvo da intensão pránco-normanva da norma. É isto que se vai passar com a interpretação correnva, inicialmente
proposta pela jurisprudência dos interesses, entre nós aceite pelo professor Manuel Andrade.

- Com a interpretação corretiva, admite-se que o interprete sacrifique ou corrija o texto da lei para realizar a intenção
prática da norma. Porquê?
Porque se depara com a alteração de circunstâncias relativamente àquelas em que a norma foi prevista e a lei formulada.
A cumprir-se na interpretação, o teor verbal da lei, tal significaria a frustração daquela intenção prático-normativa.

Semelhante a esta interpretação correnva, analogamente se passam as coisas com os modos interpretanvos que se designam por
redução teleológica e extensão teleológica:

1) Redução: ir-se-á reduzir ou excluir do campo de aplicação de uma norma, casos que estão abrangidos pela letra da lei
com fundamento na teleologia imanente à mesma norma.
2) Extensão: alarga-se o campo de uma norma definido pelo texto com fundamento na sua imanente teleologia a casos que
estariam abrangidos pelo texto.

Estas não se confundem com a interpretação extensiva/restritiva.


Quer em qualquer uma destas, já não se procura a adequação ou correspondência entre o texto da lei e o espírito da lei.
O que se trata agora, é de uma correção do texto, fundada teleologicamente, prosseguindo-se uma interpretação para
além dos possíveis sentidos, ou sacrificando-se o seu formal sentido impositivo.
Ultrapassa-se agora o limite da interpretação tradicional, o que nos mostra que a acentuação do elemento teleológico,
implica o abandono de um senndo puramente hermenêunco exegénco com a correspondente assunção de um
verdadeiro senndo normanvo, ou seja, pránco-normanvo na interpretação jurídica.

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CASOS PRÁTICOS

1. Um mordomo recebeu instruções para obrigar os convidados da festa a deixarem as suas bengalas à porta. Caso contrário, não
os podia deixar entrar. Houve um convidado, que chegou sem bengala, e o mordomo não o deixou entrar. Que interpretação
fazemos?

- Se considerarmos a hipótese de que este convidado foi recusado à entrada numa festa para a qual ele nnha recebido um
convite, e que não nnha sido especificado nesse convite nenhuma obrigação dos convidados trazerem consigo uma
bengala, então aqui devemos fazer uma interpretação correFva. Isto porque estamos perante uma alteração de
circunstâncias que a norma nnha previsto (isto é, a norma que presumia os convidados trazerem bengala), e além disto, o
espírito da norma (de os convidados entrarem sem bengala) não foi violado, apesar da mudança de circunstâncias -
extensão teológica.

2. Um doente está a dormir e uma enfermeira tem de o acordar para lhe dar um comprimido para dormir. Que interpretação
devemos aqui fazer?

- Quid iuris: interpretação correFva. O efeito que é “o sono” já está a ser cumprido naturalmente.

3. Tendo em conta os resultados das interpretações jurídicas estudados, tanto no âmbito da teoria tradicional como na
jurisprudência dos interesses, analisando os critérios-norma que se irão indicar, qual parece ser o resultado da interpretação
jurídica a apresentar?

a) Art. 875º e 219º do Código Civil: interpretação enuncianva, a contrarium sensu - a lei estabelece uma disciplina para
certas situações excecionais, afirmando implicitamente um principio-regra oposto, para todos os casos nela não incluídos.
Apesar do art. 219º classificar-se como uma norma geral, por razões de certeza jurídica, o nosso legislador criou algumas
normas que se classificam como normas excecionais, é o caso do art. 875º.
b) Art. 877º Nº1 do Código Civil: interpretação extensiva (deve-se estender aos géneros e ao grau de parentesco). A letra da
lei fica aquém do senndo, do espirito da lei e unlizar-se-ia aqui o argumento a fornori, por maioria de razão. Ou seja, se
esta lei prevê certas situações, por maioria de razão, terá de contemplar outras.
Hipótese pránca: a minha avó vendeu-me um carro, o meu irmão não deu o devido consennmento (também é neto da
avó). Interpretação possível: podemos argumentar que a venda é válida, dizendo que o arngo só se refere a pais e netos,
isto é, apenas ao género masculino.
c) Art. 127º Nº1 B) do Código Civil: interpretação extensiva, a fornori - posso exercer mais direitos do que o previsto no art.
127º, por exemplo, ir ao médico/fazer doações/(...).
Hipótese pránca: tenho um cartão de crédito e vou comprar uma pen no valor de 8€ (tenho 16€). Este negócio é válido.
d) Art. 5º do Código Civil e 119º da CRP: interpretação extensiva, maioria de razão (a fornori).

ARTIGO 9 Nº1

ELEMENTOS PREVISTOS

- O elemento literal significa ter em conta a letra da lei, o que está escrito no enunciado linguístico.
O art. 9º é claro: não nos podemos afastar da letra da lei, esta não só é o ponto de partida da interpretação, como é um
elemento irremovível. No entanto, se ela for elástica, é possível argumentar em vários sentidos e afastarmo-nos de uma
interpretação unicamente literal.
Por outro lado, se prescindirmos totalmente do texto, não podemos afirmar que há interpretação da lei pois, já não
estaremos a pesquisar o sentido que se encontra numa dada exteriorização conceitual.

Apesar de tudo, é necessário ter um certo cuidado com a polissemia, com a ambiguidade dos termos da letra da lei.
Veja-se o exemplo da palavra “direito”: em inúmeras vezes, vêm referenciada nos textos legislativos com diferentes
significações. Ou seja, a literalidade só por si é insuficiente, para encontrarmos o sentido claro da norma.
A letra da lei não permite mais do que traçar um catálogo de sentidos, à partida possíveis.
O que podemos afirmar é que o entendimento literal será, tendencionalmente, aquele que virá a ser aceite. Isto porque,
iremos presumir que o legislador terá consagrado através daquele enunciado linguístico, a solução mais acertada,
exprimindo-se através dos termos mais adequados (art.9º nº3).
Dito isto, o processo interpretativo não termina aqui, sendo necessária uma tarefa de interligação e valoração que vai
exceder o domínio literal. Ou seja, o interprete ir-se-á socorrer de elementos extra literais.

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- O elemento sistemático/extra literal, significa pensar o direito como um sistema uno.
A interpretação de uma fonte não se pode fazer isoladamente. Toda a fonte integra-se numa ordem.
Este elemento tem um alcance latíssimo, e é muito valorizado, obrigando-nos a fazer um exercício de relação normativa
que, na estratificação hierárquica-normativa, nos orienta num sentido ascendente, já com elementos suficientes para
conseguirmos interpretar corretamente.
Dentro deste elemento sistemático vamos ter de perceber 3 tipos de relações:

1) Uma relação de subordinação.


Trata-se de ligar a proposição a princípios mais vastos e gerais, que irão atribuir um conteúdo, enquadrando-se
aqui o princípio da interpretação, conforme a constituição.
De facto, um sistema jurídico está travejado por orientações fundamentais do qual resulta justamente a sua
unidade. Estes princípios correspondem às grandes coordenadas do ordenamento jurídico, merecendo o
mesmo respeito e obrigatoriedade que merece a lei.
Não sendo normas, tem um carater mais flexível (por exemplo, princípio da boa-fé na conservação dos negócios
jurídicos) - um princípio é algo que encontramos a meio caminho entre uma regra e um valor.
O princípio é um passo na concretização dos valores, subdividindo-se em matéria e forma.

2) Uma relação de conexão.


Trata-se de uma interligação de vários preceitos, situados no mesmo plano valorativo com o objetivo de obter
um sentido útil.
Cada número de um artigo só é compatível se o situarmos perante todo o texto do artigo - cada artigo perante
os que antecedem e/ou os que o seguem.

3) Uma relação de analogia.


Esclarecimento de um preceito através da comparação com outros normativos sobre questões similares.
Procuram-se as semelhanças entre preceitos, independentemente do sistema da própria fonte em causa.
Aqui encaixa-se a possibilidade do argumento por analogia, em que se estabelecem relações de afinidade,
identidade, similaridade. É uma analogia como categoria mental, mas não ainda como integração de lacunas.

Elemento histórico

O interprete deve atender ao contexto histórico, às circunstâncias económicas e socias que estiveram subjacentes à elaboração
da norma.

- Este elemento não vincula o interprete a um exercício interpretativo originalista, isto é, de acordo com a vontade do
autor da lei.
Este elemento vai perdendo alguma importância porque a norma vai evoluindo, distanciando-se do seu contexto inicial.

Dentro deste elemento, encontramos precedentes normativos como por exemplo: regras que vigoraram no passado, textos
legais, textos doutrinais, textos comparativos, regras estrangeiras que vigoraram na altura da elaboração da norma.

Além destes encontramos também, os trabalhos preparatórios como: estudos prévios, anteprojetos de lei, propostas de
alterações de projetos de lei, as próprias atas de comissões - estes trabalhos são fundamentais para percebermos a ratio legis.

Todos estes servem para nos alertar e para percebemos, a atitude final e a opção última do legislador. Afastando-se pois, as
opções que o próprio legislador rejeitou.

- Temos também de ter em conta, para além do ratio legis, a ocatio legis - isto é, o circunstancialismo social que rodeou o
aparecimento da lei.

Elemento teleológico

Este elemento tem em consideração: a finalidade, os fins cognoscíveis, as ideias fundamentais das normas - isto faz com que a
norma evolua em função das circunstâncias.

Este elemento tem a ver diretamente com a ratio legis. Enquanto não se descobrir o “para que” de uma lei, não se detêm ainda a
chave da interpretação.
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- O art.9º nº1, quando refere “condições especificas do tempo em que foi é aplicado” consagra um atualismo.
Mas igualmente daqui, podemos inferir que a justificação social da lei, é tida em conta como elemento de interpretação.
- O art.9º nº2, concluí que não há hierarquia entre todos estes elementos. Aliás, a letra da lei é o princípio e o fim da
interpretação.

PROBLEMA DA INTEGRAÇÃO DE LACUNAS

As leis são gerais e abstratas, como já estabelecemos, para poderem regular todas as situações da vida que exigem disciplina
jurídica. Por isso, surgiram hipóteses, mais ou menos numerosas, que não são previstas nem são objeto de qualquer especifica
determinação. É neste caso que estamos perante uma lacuna legal.

- Uma situação diferente é quando temos a própria lei a indicar subsidiariamente a aplicação de um outro direito.
Aqui não temos uma lacuna na lei, é apenas uma questão de uma “poupança legal” (por ex. escrever/remeter para uma
norma do código comercial para resolver um problema do direito civil).

Uma lacuna é então, uma situação que carece de regulação jurídica, e quando falamos deste problema estamos a referir-nos ao
problema da interpretação em sentido lato.
É um problema que se trata de um enquadramento jurídico, e é em sentido lato porque, muitas vezes, não estamos perante uma
lacuna legal mas sim uma lacuna que é aparente - porque se pode resolver através da interpretação extensiva ou restritiva.

Para termos uma lacuna, temos de facto um esvazio jurídico, uma falha para a qual é imprescindível encontrar regulação. Há
lacuna legal quando a lei e o direito consuetudinário, não contêm uma regulação exigida e consagrada na ordem jurídica.

Ø Não basta dizer que a lacuna é o caso não previsto pelo direito ou não regulado normativamente - muitas situações do
dia a dia, não estão reguladas normativamente nem previstas pelo direito, porque não tem relevância jurídica. Não são
questões de direito.

A existência de lacunas será uma fatalidade que tem em conta 3 fatores:

1) Deficiência de previsão - é impossível prever todas as situações vindouras.


2) Intenção de não regulação - há matérias ainda em evolução e, por isso, o legislador opta por não regular
determinados aspetos.
3) Situações novas - a evolução das circunstâncias faz com que a lei elaborada hoje, se aplique amanhã em
condições adversas.
Por exemplo, não se pode aplicar o regime jurídico dos automóveis aos aviões. Logo, ao surgirem os aviões,
surgiu uma lacuna.

TIPOS DE LACUNAS LEGAIS

1. Lacunas voluntárias vs. involuntárias

Ø Voluntárias: lacunas que o legislador não quis resolver e deixou o problema para a jurisprudência. É o caso ainda hoje,
por exemplo, das barrigas de aluguer e da morte medicamente assistida.
Ø Involuntárias: lacunas que o legislador não previu e como tal, não elaborou adequadamente a lei ou a norma jurídica.

2. LACUNAS INICIAIS VS. POSTERIORES

Ø Iniciais: surgem na altura em que o legislador faz a norma.


Ø Posteriores: surgem como consequência de evoluções técnicas, económicas e socias.

3. Lacunas de previsão VS. ESTATUIÇÃO vs. regulamentação

Ø Previsão: surgem por falta de previsão (estrutura estatuição / previsão da norma) de uma certa situação ou
comportamento ou facto.
Ø Estatuição: revelam a ausência das consequências a que o direito faz corresponder, a verificação de uma certa situação
de factos ou comportamentos. Ou seja, não estatuíram os efeitos jurídicos correspondentes.
Ø Regulamentação: revelam quando a lei prevê um caso, mas remete a estatuição para critérios de equidade

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4. Lacunas manifestas vs. ocultas vs. de colisão

Ø Manifestas: revelam quando a lei não contém norma jurídica propriamente dita, embora se perceba a sua teleologia.
Ø Ocultas: revelam quando a lei contém norma jurídica aplicável a uma certa categoria de casos, mas desconsiderou certas
situações especiais. Ou seja, a lacuna vai-se traduzir por ausência de disposição excecional ou especial conforme os
casos.
Ø De colisão: acabam elas próprias por ser lacunas ocultas, e surgem quando há várias normas contraditórias que
disciplinam uma mesma situação. Estas lacunas vão-se associar à interpretação ad rogante - resolve-se atribuindo a
preferência de um por outra das normas conflituantes. Estando em colisão de direitos pessoais e direitos patrimoniais,
prevalecem os patrimoniais.

PREENCHIMENTO DAS LACUNAS

A solução vai ser forjada para cada caso concreto, não podendo ser, no entanto, esquecido o sistema jurídico na sua globalidade.

- Não podemos esquecer que a solução que será encontrada, apesar de tudo, irá ser utilizada em casos futuros.
Este trabalho que se irá realizar é feito através do pensamento das consequências, relacionando-se com a cinética.
Fazemos um exercício de ponderação de consequências sistemáticas.

Podemos desde logo dizer que há 2 tipos de processos de integração de lacunas: intersistemáticos & extra sistemáticos.

1. Processo extra-sistemático

- Processo normativo.
Vai-se eliminar a dificuldade das lacunas através da elaboração de uma regra que vai prever a situação em apresso.
É o órgão com competência legislativa que visa a regra faltosa à medida que os casos omissos se vão verificando.

- Processo discricionário.
Estamos perante a presença de duas soluções possíveis, o que quer dizer que não existe propriamente uma lacuna - o
que existe é na realidade uma opção.
Há, portanto, o poder discricionário de resolver a situação em apresso, sendo que a solução encontrada só irá valer para
o caso em concreto - não existe aqui uma preocupação normativa.

- Processo equitativo.
Aqui, o juiz não decide segundo uma norma, mas segundo as circunstâncias do caso concreto, o que nos leva a concluir
que não se visa aqui criar uma norma, mas sim uma solução casuística, valorando-se então, as circunstâncias de cada
ocorrência.
Mais uma vez não podemos dizer que existe uma verdadeira integração das lacunas, pois neste processo, a lacuna não
desapareceu.

Concluímos que destes 3 processos extra sistemáticos, na prática, parece-nos que apenas o processo normativo, irá
responder ao problema da integração de lacunas.

2. Processo intersistemático

- Se o facto x é semelhante ao facto y, então a norma que se aplica ao facto x também se aplica ao facto y.
No entanto, temos de olhar sempre para a justificação do regime que se encontra definido para o facto x, para vermos se
cobre ou não, a razão de ser da sua aplicação para o facto y.
Só se houver esta identidade de razão, é que então a relação da analogia irá ser legítima.

ARTIGO 10º DO CÓDIGO CIVIL - INTEGRAÇÃO DAS LACUNAS DA LEI

Art. 10º nº1: diz-nos que o que interessa é a analogia da norma, e não a analogia do caso.
Temos de discernir a mesma ratio decidendi, a mesma razão de decidir – isto é, estabelecer um núcleo fundamental entre ambos
os casos.

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- O que o interprete irá fazer, é pensar na regra que criaria, se fosse ele o legislador.
Nesta primeira fase o que temos é então, a analogia legis, ou seja, o recurso a uma regra determinada pela aplicação de
uma outra regra legal.

Ø Exigência de tratamento igual para casos semelhantes: se uma regra estatui de certo modo para um
determinado caso, é natural que um caso análogo seja resolvido do mesmo modo, apesar de lacunoso
legalmente.
Determinar, porém, onde há verdadeiramente ou não, uma analogia, acaba por se tornar uma tarefa difícil. Isto
porque não basta perceber a semelhança de descrição exterior - é necessário que se verifique a semelhança
sobre o ponto de vista do efeito jurídico, isto porque, o caso omisso, é o facto omisso, porque há diversidade –
é diferente de outros casos previstos.
- É relativamente semelhante, mas relativamente diverso: o que a analogia supõe é que as semelhanças são
mais relevantes do que as diferenças.

Dois casos são análogos quando neles se verifique: um conflito de interesses paralelo, de modo a que o critério valorativo
adotado pelo legislador para resolver esse conflito de interesses num dos casos, seja por igual ou maioria de razão aplicável ao
outro.

ANALOGIA LEGIS VS. IURIS

« A analogia não se confunde com a interpretação extensiva - nesta, ainda estamos a extrair a própria regra que está
implícita num texto imperfeito.
No caso da analogia, nada encontramos implícito no texto, porque há uma lacuna. E, quando tal não é possível, passa-se
então para a chamada analogia iuris:
- Não existindo regra especificamente desenhada para resolver situações análogas, recorremos aos princípios jurídicos –
mormente aos princípios gerais de direito, ou aos princípios específicos de determinadas áreas de direito que estão, por
regra, positivados. Estes podem ser positivos como transpositivos.

Concluímos então que há 2 tipos de analogia – legis e iuris.


A distinção deve fazer-se consoante a forma como a analogia funciona, pelo recurso a uma precisa solução normativa
que pode ser transposta para o caso omisso, ou quando supõe a mediação de um princípio elaborado, a partir de várias
regras singulares, só ele permitindo a solução daquela hipótese.
Assim, no primeiro utilizaremos uma disposição normativa, e no segundo caso, um princípio.

Art.10º nº3: aqui faz-se um apelo ao espírito geral do sistema jurídico. O que se vai elaborar é a chamada norma ad hoc.
O legislador não remeteu o interprete para juízos de equidade – o que aqui se faz é empunir o interprete de elaborar uma norma
(regra geral e abstrata) que contemple o tipo de casos em que se irá integrar o caso omisso.

- No entanto, sendo uma norma geral e abstrata, não tem caráter vinculativo para casos futuros, ou para outros julgadores
(este poder de criar lei não cabe ao poder judicial).
Nos termos do art.10º nº1, o interprete deverá aplicar por analogia aos casos omissos, as normas que diretamente
contemplem casos análogos, e só na hipótese de não encontrar no sistema uma norma aplicável a casos análogos é que
deverá proceder de acordo com o artigo 10º nº3.

O critério decisivo nesta última fase do processo de integração de lacunas, é a conformidade ao sistema jurídico de uma norma
que o interprete deve determinar e que irá permitir resolver o caso em apresso.

« A integração de lacunas supõe uma interpretação em sentido restrito, mas não é ela própria interpretação. Dizemos que
supõe a interpretação, porque só após termos apurado qual o sentido das fontes existentes, é que podemos concluir que
o caso não está especificamente regulado.
Mas, mesmo depois, no momento de preenchimento de lacuna legal, será necessário fazer um trabalho de interpretação
das fontes que analogicamente se possam considerar aplicáveis.
Dito isto, nem sempre há situações em que não é possível o recurso a analogia.

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PROIBIÇÕES DO USO DA ANALOGIA

1. Matérias sensíveis, como a área dogmática do direito penal.

As regras penais são um obstáculo à integração de lacunas por meio de analogia. As regras que definem crime e estabelecem
penas, e os respetivos efeitos, não podem ser aplicadas por analogia.

Quais são as razões apresentadas?

- A defesa do cidadão contra eventuais abusos de poder.


- A proteção da autonomia individual.
- O princípio da legalidade e o princípio da tipicidade.

2. normas excecionais

São elas um obstáculo à integração de lacunas uma vez que estabelecem um regime oposto ao regime-regra.

Estando delimitados em razão do núcleo de situações para as quais se encontram especificamente previstas – não há razão para
hipotecar uma eventual lacuna legal.

Ø Quanto muito, o artigo 11º do CC, diz-nos que o que as normas excecionais admitem é uma interpretação extensiva.

3. REGRAS RESTRITIVAS

Não é possível o recurso à analogia, na integração de lacunas de regras restritivas de direitos, liberdades e garantias.

APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO

O princípio principal da aplicação da lei no tempo é o da lex posteriori derrogat legi priori, isto é, o princípio da não retroatividade
da lei. Não obstante, a entrada em vigor de uma lei nova não pode, no entanto, provocar um corte vital na continuidade da vida
social.

Há factos e situações, que se tendo verificado antes da entrada em vigor da lei, tendem a continuar no futuro, ou a projetar-se
nele. A função social do direito é essencialmente estabilizadora, ordenadora de condutas, ordenadora de expetativas, em que se
exige ao direito um entendimento justo da aplicação temporal da lei.

Ø O direito não pode orientar as condutas antes de ser colocado em vigor, daí que o princípio da não retroatividade da lei
seja a essência do direito (já entendido por Savigny).
Este problema coloca-se na época contemporânea, quando se entende que o direito não é estático, mas antes que é
dinâmico, como as outras ciências, como as conceções socias e por isso evolui com estas. Por tal motivo é que são tão
numerosas, as alterações e inovações legislativas.
A lei nova aplica-se por regra, imediatamente, para evitar a estagnação da evolução social, e também por razões de
igualdade.

DETERMINAÇÕES CONSTITUCIONAIS

Proíbe-se a retroatividade na nossa constituição, relativamente ao caso julgado – artigo 282º nº3 CRP.
Caso contrário, o poder legislativo estar-se-ia a ingerir no poder judicial, significando isso, um ataque ao princípio da separação de
poderes. Portanto, o fundamento para a consagração deste princípio que afetaria o caso julgado, é o da segurança e certeza
jurídica.

Ø Proíbe-se igualmente a retroatividade da lei, que venha a agravar penas ou medidas de segurança anteriores – artigo 29º
nº1/3/4 CRP.
Mas, admite-se a retroatividade, a leis penais de conteúdo mais favorável ao arguido, porque se entende que seria
absurdo, ver dois autores, de um mesmo facto, serem punidos com penas diferentes. Neste caso, o legislador decide a lei
mais favorável ao arguido, o mesmo se passando também, em matérias disciplinares ilícitas de mera ordenação social.

Ø As leis restritivas de direitos liberdades e garantias, não podem ter um caráter retroativo: artigo 18º nº3.

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A proibição é apenas expressa para estas matérias. Contudo, a jurisprudência constitucional vai mais longe e não admite
que possa ser atingido um direito anteriormente conseguido, quando isso afete um princípio de confiança do próprio
estado de direito (doutrina da proteção do direito da confiança).

Ø Proíbem-se ainda as leis que criem impostos com efeitos retroativos – artigo 103º nº3.

QUESTÃO DO DIREITO TRANSITÓRIO

O legislador utiliza o chamado direito transitório que é a solução que a lei nova oferece, para resolver o seu conflito com a lei
antiga - são soluções casuísticas, visam as hipóteses que se coloquem na fronteira entre uma e outra lei.

- Quando não existem disposições transitórias, teremos de recorrer então, ao artigo 12º do CC.

Direito transitório formal vs. material

1. Formal

Quando se limita a determinar se é lei antiga ou a nova, aplicável à situação - o próprio legislador oferece a solução
estabelecendo-a através de uma remissão.

Ou seja, a lei nova revoga a antiga, mas há uma extensão para o tipo de situações que o legislador refere no direito transitório,
isto é, aquelas que o legislador diz que serão resolvidas pela lei antiga.

2. Material

Também aqui temos uma solução oferecida pela lei nova. Mas, trata-se de uma solução que não corresponde nem à aplicação da
nova lei nem à aplicação da antiga lei. Aqui, trata-se de uma terceira solução - isto é, uma nova disciplina que fornece uma
solução nova para aquele conjunto de situações que foram “apanhadas com a entrada em vigor da lei nova”, adaptando-se o
regime da lei nova e criando-se uma regulamentação própria para (e só para) essas situações.

DOUTRINAS

1. Doutrina dos direitos adquiridos

Defendida por Savigny: o critério de solução baseava-se na ideia de que os direitos adquiridos à sombra de uma determinada lei
deveriam ser respeitados pelas leis posteriores.
Não poderia haver lei posterior que alterasse, limitasse ou extinguisse, um direito adquirido constituído à luz de uma lei anterior.

- É importante para esta doutrina distinguir os direitos adquiridos das faculdades legais e ainda das simples expectativas.
Os direitos adquiridos são aqueles que entraram na nossa esfera jurídica e que já não podem ser retirados.
As faculdades legais são poderes que são conferidos por lei e existem sempre que o seu exercício os converte em direitos
adquiridos.
As simples expectativas são esperanças que se podem converter em direitos adquiridos quando surge ou se verificam
determinados pressupostos.
Savigny dizia que a lei nova deve respeitar os direitos adquiridos, mas não as faculdades legais ou as simples
expectativas.

PRINCIPAIS CRITICAS

« Não é fácil distinguir direito subjetivo de simples expectativa – as expectativas, e mesmo faculdades legais, são direitos
em formação, em estado embrionário.
« Nem todos os direitos devem ser indefinidamente sujeitos a uma disciplina vigente aquando da sua constituição. Não se
pode confundir direitos adquiridos com direitos subjetivos.
Por ex.: sendo a propriedade um direito subjetivo, não é ele por si só um direito adquirido, e, portanto, não pode ser
indiferente às novas leis.

2. Doutrina dos factos passados

Todo o facto jurídico é regulado pela lei vigente aquando da produção desse facto.
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- Já não estamos, portanto, no âmbito dos direitos, mas sim dos factos. Isto implica que a lei nova não possa ser retroativa.
Implica que a lei nova seja aplicada aos efeitos jurídicos já consumados, aos efeitos jurídicos ainda pendentes quando a
lei nova surge, e a efeitos jurídicos que ainda não se produziram, mas podem ocorrer como consequências mais ou
menos longínquas de um facto passado.

Em relação a esta doutrina, surge uma mais mitigada de Nipperdey - entende que a lei nova se vai aplicar aos efeitos
jurídicos já consumados, aos pendentes aquando a entrada em vigor da lei nova, mas não relativamente aos que se
produzem depois da entrada em vigor da lei nova – a estes aplicar-se-á a lei nova.
Falamos não de uma retroatividade de lei nova, mas sim de um efeito imediato da lei nova.

PRINCIPAIS CRITICAS

« Os efeitos jurídicos são uma consequência imediata dos factos jurídicos – esses efeitos existem, portanto, desde a
ocorrência desses factos.
Por ex.: com um contrato surgem direitos e obrigações para as duas partes e o facto desses direitos e obrigações serem
exercidos imediatamente, ou em momento posterior, é irrelevante para saber se se aplica a lei nova ou não. A doutrina
que se irá aplicar é aquela que inspira o artigo 12º do C.C.

ARTIGO 12º

Nº 1: Professor Oliveira Ascensão – encontra-se aqui uma imprecisão. A lei não dispõe só para o futuro, mas também para o
presente. Atinge as situações que se verifiquem no momento da sua entrada em vigor.

- Com a sua entrada em vigor atinge as situações que defronta, mas não atinge sobre o passado, alterando valorações já
produzidas (é a regra geral).

Primeira parte: nos termos da não retroatividade na teoria do facto passado, distinguem-se dois tipos de norma: as que dispõe
sobre os requisitos de validade de quaisquer factos ou sobre os efeitos de quaisquer factos.

Segunda parte: aquelas que dispõe sobre o conteúdo de certas situações jurídicas e o modelam sem olhar aos factos que tais
situações deram origem. Funciona como uma interpretação a contrarium sensu do nº1 do art.12º.

« A diferença substancial aqui, entre aplicar a primeira e segunda parte do nº2, reside no facto de a lei (estamos a falar da
LN), regular efeitos com expressão de uma valoração dos factos que lhes deram origem (1ª parte) ou regular
diretamente a situação seja qual for o facto que a tiver originado (2ª parte).
« O critério para se aplicar ou não a lei nova ao passado ou a casos futuros, reside na abstração do facto: se a lei dispõe
sobre a relação jurídica, abstraindo-se do facto que lhe deu origem, então a lei nova aplicar-se-á a essa relação jurídica.

CASOS PRÁTICOS

CASO 1

A, a mais recente vencedora do Euromilhões decidiu realizar um dos sonhos da sua vida – adquirir um automóvel da marca
Porsche. Para tal, dirigiu-se ao stand de automóveis e escolheu o descapotável vermelho, Porsche Baxter S.
O vendedor do automóvel (C), insistiu na necessidade de escritura pública para a concretização da venda, atendendo a que os
automóveis são bens sujeitos a registo e que também muitos deles são bem mais caros que alguns bens imóveis.
A, considera haver um excesso de forma se a celebração deste contrato de compra-venda, for feita através de escritura publica,
atendendo ao disposto nos artigos 875º e 219º do CC.

Quid iuris? O que que C pretende? E em que medida é que A argumenta para se opor a essa necessidade de escritura publica?

Resposta: C, ao defender a necessidade de escritura publica pretende a aplicação do artigo 875º do CC a este contrato.
Todavia, a previsão de tal artigo não está preenchida, dado que se refere a bens imóveis, e por isso, a sua aplicação teria por base
uma analogia legis.

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- C prossupõe a existência de uma lacuna quanto à forma do contrato para a venda de bens móveis sujeitos a registo –
lacuna essa que vai integrar a aplicação da norma que disciplina a forma dos bens imóveis prevista no artigo 875º CC.
Chega a apresentar uma suposta ratio do preceito para justificar a tutela de negócios que envolvam valores elevados e o
facto de estes estarem sujeitos a registo, o que evidencia uma similitude entre os casos. De facto, a ratio do 875º seria a
de promover a segurança de tráfico do jurídico e levar as partes a ponderar devidamente se querem celebrar aquele
negócio.
Ora, o 875º é uma norma excecional, pois contém uma disciplina oposta ao regime-regra. Enquanto que, para o comum
dos negócios jurídicos, o legislador prescreve a regra da liberdade de forma, como consta do 219º, para a compra e
venda de bens imóveis, exige-se uma forma especial.
O 875º é material ou substancialmente excecional, pois contraria o princípio geral consagrado no artigo 219º.
Por isso, não pode ser aplicado analogicamente tal como decorre do artigo 11º do CC - esta proibição significa que todos
os casos que não sejam idênticos aos previstos pela regra excecional devem ser considerados opostos e por isso incluídos
na regra geral.
Impedindo o artigo 11º do CC, a aplicação analógica do artigo 875º aplica-se, ao contrário da compra e venda do
Porsche, o princípio geral da liberdade de forma do artigo 219º do CC, e como tal, C não tem razão.

CASO 2

T entrou sem autorização na garagem de R, apoderando-se do seu automóvel. Duas semanas mais tarde, arrependido, devolveu o
veículo ao proprietário, embora com algumas amolgadelas. R procedeu à queixa terminal pelos factos descritos e um ano mais
tarde, em julgamento, T foi condenado pela prática de furto. Porém, o juiz atenuou especialmente a pena, nos termos do artigo
206º nº3 do Código Penal, que prevê tal possibilidade se ocorrer uma restituição parcial da coisa furtada até ao início da audiência
de julgamento em primeira instância.
Na sentença, admitia-se que se verificara uma restituição da coisa inteira, ainda que com perda de qualidades, e não uma
restituição parcial como prescreve a lei. Mas, consideraram-se as situações equivalentes.
R pretende recorrer da decisão com fundamento em que houve uma aplicação analógica da lei penal, o que é proibido no nosso
ordenamento jurídico.
Quid iuris?

RESPOSTA: Apesar de que R tem razão, ao constatar que a integração de regras penais é proibida, podíamos argumentar que a
decisão do juiz não foi baseada numa analogia iuris, mas sim numa interpretação extensiva da norma do artigo 206º nº3 do CP.
O interprete admitiu a aplicação desta norma ao caso, com base em que:

- A integração de lacunas legais por analogia é proibida no domínio do DP.


Mas somente quanto às normas penais positivas, ou seja, aquelas normas que definem os comportamentos que são
crimes e que estabelecem as respetivas penas ou medidas de segurança (artigo 1º nº3 do CP).

Com este regime visa-se prevenir os abusos de poder ,em matéria sancionatória particularmente publicada, por dizer respeito a
direitos e liberdades fundamentais dos cidadãos. Ora, esta proibição da aplicação analógica vale apenas para as normas
incriminadoras, isto é, desfavoráveis ao arguido. O mesmo não se passa então, quanto às normas penais negativas, isto é, as que
prevejam causas de exclusão da ilicitude, bem como todas as normas cujo conteúdo seja favorável ao arguido.
Por este motivo, R não tem razão: a norma aplicada analogicamente permite uma atenuação especial da pena, ou seja, tem um
conteúdo mais favorável para o arguido e em tais casos a analogia é permitida (legis, neste caso).

OS GRAUS DE RETROATIVIDADE

« Grau máximo: a lei aplica-se a todas a situações do passado independentemente de o caso já ter transitado em julgado.
« Grau agravado: a lei nova aplica-se a todas as situações do passado, mas salvaguarda as que estão definitivamente
fixadas e transitadas em julgado ou que sejam objeto de título formal equivalente.
« Grau ordinário: a lei nova respeita todos os efeitos já produzidos ao abrigo da lei antiga.

A regra geral é a aplicação do grau ordinário (corresponde a princípio da não retroatividade) – desde logo o grau máximo
é constitucionalmente proibido, com exceção da figura da aplicação da lei penal mais favorável ao arguido.

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GUIA DAS LEIS APLICÁVEIS

RELATIVAMENTE A RELAÇÕES JURÍDICAS CONTRATUAIS

O estatuto do contrato é determinado em face da lei vigente ao tempo da conclusão desse mesmo contrato. Porém, sempre que
as claúsulas de um contrato celebrado na vigência de uma lei antiga, e por esta consideradas válidas, conflituem com as
disposições de uma lei nova com incidência sobre os efeitos de contratos similares, sendo o teor de tais disposições ditado por
razões atinentes ao estatuto das pessoas e bens, atinentes ainda a princípios estruturadores da ordem social e económica, tais
disposições irão prevalecer sobre aquelas clausulas - ou seja, enquanto ordenadores do estatuto legal das pessoas e dos bens, as
disposições consagradas na lei nova regulam os problemas para os quais esta lei é agora competente.

situações jurídicas pessoais: Quando estamos perante regulação incidente de um estatuto pessoal, aplica-se a lei em vigor
nesse momento. Ou seja, a lei antiga. Já relativamente ao conteúdo desse estatuto pessoal, e a regulação desse mesmo conteúdo
aplica-se a lei nova.

Situações jurídicas reais (direitos reais, direitos das coisas – propriedade etc.)

Quando estamos perante a regulação incidente de estatuto real, e relativamente à constituição de tal estatuto, aplica-se a lei em
vigor nesse momento. Quanto ao seu conteúdo, aplica-se a lei nova.

« Relações jurídicas sucessórias: aplica-se a lei em vigor no momento, no termo da abertura da sucessão (isto será, quando
o individuo morre).

lei aplicável ao facto ilícito: Aplica-se a lei ao tempo da ocorrência do facto ilícito.

leis interpretativas: Artigo 13º - a lei interpretativa integra-se na lei interpretada, o que quer dizer que materialmente
estamos perante uma única lei. Ou seja, relativamente a leis desta natureza, não há que aplicar propriamente o princípio da não
retroatividade, previsto no artigo anterior.

- Autores como Antunes Varela, dizem-nos que este artigo manifesta que, retroagem os efeitos da lei interpretativa até à
data da entrada em vigor da antiga lei, tudo ocorrendo como se tivesse sido publicada na data em que a lei foi
interpretada.
Há, no entanto, determinados efeitos que devem ser ressalvados. Desde logo, se entretanto tiver havido um caso julgado
que tenha implicado uma interpretação diferente daquela que trouxe a lei interpretativa.
O que a lei interpretativa faz é aplicar-se a factos e situações anteriores, porque consagrando e fixando uma das
interpretações possíveis da LA, seria aquele com que os destinatários deveriam contar - não é suscetível de frustrar
legitimas expectativas.

Para uma lei interpretativa poder ser qualificada como tal tem de obedecer a alguns pressupostos:

Ø Tem de ser posterior à lei interpretada.


Ø Ter finalidade de interpretar uma lei antiga.
Ø Formalmente, não pode ser inferior à lei interpretada.

leis confirmativas: Isto é, as leis novas que vêm de certa forma, aligeirar formalidades demasiado pesadas e que são
suportadas pela lei antiga.

« Por ex.: determinados requisitos de negócios jurídicos, para que os mesmos sejam válidos, impostos por uma LA, que
com a entrada de uma LN, vêm a ser dispensados, não desconsiderando a validade e eficácia desses mesmos negócios
jurídicos. Se assim não fosse, à luz do artigo 12º nº2, tais negócios jurídicos não seriam considerados válidos.
Contudo, é frequente que uma lei nova mais favorável à validade de um determinado negócio jurídico, confirme
expressamente a validade desse mesmo negócio que à luz de uma lei antiga, seria considerado inválido.

Concluindo, agarrarmo-nos cegamente ao princípio da não retroatividade em circunstâncias como estas (em termos de tráfico
jurídico, negócios jurídicos), afigurar-se-ia inútil e demasiado formalista, bloqueando a vida e os negócios e o tráfico jurídico e a
dinâmica de toda a sociedade.

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