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Introdução

Filosofia do Direito é a atitude de pensar, crítica e metodicamente o Direito.


Segundo Eduardo C. B. Bittar:

“A Filosofia do Direito é um saber crítico a respeito das construções jurídicas erigidas


pela Ciência do Direito e pela própria práxis do Direito. Mais que isso, é sua tarefa buscar
fundamentos do Direito, seja para cientificar-se de sua natureza, seja para criticar o assento
sobre o qual se fundam as estruturas do raciocínio jurídico, provocando, por vezes, fissuras
no edifício que por sobre as mesmas se ergue.” (Curso de Filosofia do Direito, 2004, p.50).

Distinção entre Filosofia do Direito, Sociologia Jurídica e Teoria Geral do Direito

Importante, em um primeiro momento, distinguir a Filosofia do Direito da Sociologia e


da Teoria Geral do Direito, a fim de compreender sua relação ao fenômeno jurídico.

De início, já podemos aceitar, enquanto premissa de trabalho, que poderia ser


considerado ciência qualquer teoria acerca do “Ser” passível de refutação, esse critério, que
identifica a ciência, já a afasta da filosofia.

A filosofia vai além da ciência, ou melhor, chega onde a ciência não ousa.

O certo é que se acatarmos como correta a formulação supra acerca da ciência,


poderíamos realmente considerar como sendo domínio da filosofia não somente os juízos
de valor, para os quais se requer persuasão que nos convença a aceita-los, ou mesmo juízos
de fato para os quais é impossível a comprovação empírica.

Analisar o Direito a partir dessa perspectiva, como o faz a Filosofia e a Sociologia, é


analisá-lo tomando-o como algo externo a quem o analisa.

No universo da ciência, ou sociologia jurídica, o Direito surge como fato, não como
valor, será considerado como um conjunto de fatos, de fenômenos ou de dados sociais em
tudo análogos àqueles do mundo natural.

O jurista, portanto, deve estudar o direito do mesmo modo que o cientista estuda a
realidade, isto é, abstendo-se absolutamente de formular juízos de valor.
O estudo científico do Direito é uma tentativa de compreender e descrever o fenômeno
jurídico, assim como o estudo científico da Física é uma tentativa de compreender e
descrever o fenômeno da gravitação universal;

Neste sentido, o elemento preponderante dele é a norma jurídica que, para ser tal,
necessita prescrever, sancionar e ser oriunda do Estado,diferenciando-
sedeoutrasquenãotêmestaúltimacaracterística.

Já em relação à Teoria Geral do Direito, poder-se-ia afirmar que seu objeto é o mesmo
da Filosofia do Direito e da Sociologia Jurídica, que é o olhar da ciência sobre o fenômeno
jurídico, circunscrito ou limitado, por assim dizer, pelo Direito positivado.

Melhor dizendo: a teoria geral do Direito estuda o Direito a partir do Direito.


Objeto

Como estudo reflexivo, que aspira à compreensão do Direito dentro de uma visão
harmônica da realidade, a Filosofia Jurídica dispõe de um plano temário de análise que se
divide em dois grandes planos de reflexão:

Um de natureza epistemológica, onde se pesquisa o conceito do Direito e assuntos


afins;
E outro de caráter axiológico, no qual se submetem as instituições jurídicas a um
exame crítico-valorativo.

A primeira grande tarefa atribuída à Filosofia do Direito é a de esclarecer a noção do


Direito.
Ocorre que, uma reflexão segura sobre temas jurídicos requer uma ampla noção do
ius.
Tal estudo envolve o exame de numerosas questões, sendo que a posição a ser
assumida pelo jurisfilósofo fica na dependência de suas inclinações ideológicas.

De certo que a elaboração de um conceito de Direito é ato complexo, que impõe


opções doutrinárias de longo alcance na problemática jurídica.

Daí porque o exercício dessa liberdade cultural pressupõe a experiência jurídica e o


conhecimento das alternativas filosóficas.

Outra tarefa da Filosofia do Direito, de natureza axiológica, é de alcance mais prático


e consiste na apreciação valorativa das leis, institutos ou do sistema jurídico.

A pesquisa pode situar-se no plano de lege lata (nos moldes da Lei), com a crítica ao
Direito vigente, ou no de lege ferenda (da Lei a ser criada), em um ensaio do Direito ideal a
ser criado.
Esta segunda parte está mais ligada aos imperativos da vida social e visa ao
enriquecimento da Ciência do Direito, pois julga os critérios da lei em função dos valores
humanos esociais.
Ademais, alguns autores também apontam como parte do objeto, a pesquisa histórica,
que teria a missão de averiguar os fatores determinantes da elaboração do Direito e o seu
desenvolvimento.
Conceito do Direito

O Direito norteia a conduta social, ocupando-se de questões polêmicas, que exigem


reflexão e juízo de valor.

Não há como se elaborar Direito, ou mesmo aplicá-lo, sem a Filosofia.


O Jurista deverá ser receptivo a Lei, mas ao mesmo tempo sensível à Teologia do
Direito, e o fim deste é sempre o bem-estar dos homens em sociedade ou a organização do
Estado.
Além da influência que a Filosofia exerce no Direito por meio de suas linhas de
pensamento, há de se destacar que ela também o faz pela contribuição direta de alguns
filósofos que inseriram reflexões sobre o fenômeno jurídico em seus sistemas.

Direito e Moral

O Direito se distingue dos demais instrumentos de controle social sob vários aspectos;
em primeiro lugar, apenas irá subordinar-se ao comando estatal.

Embora nem todas as normas jurídicas sejam criadas pelo Estado, haja vista as de
procedência consuetudinária, o fato é que ele exerce o controle do Direito, definindo-lhe o
sistema, além de promulgar leis.

De todos os instrumentos de controle social, apenas o Direito apresenta atributividade,


que é a sua prerrogativa de conferir exigibilidade.

As normas jurídicas, tanto quanto as demais espécies, impõem deveres, mas apenas
elas possuem estrutura imperativo-atributiva.

Quem desrespeita a norma moral ou a uma regra de trato social não pode ser
compelido autarquicamente a promover reparações.

A experiência moral e a norma moral são anteriores, sobretudo tendo-se em vista o


cronológico surgimento das regras de direito relativamente às regras da moral.

A norma moral é interior, prescindindo de qualquer fenômeno exterior, como


geralmente sói ocorrer com o fenômeno jurídico.
A norma moral não é cogente, pois não pode dispor do poder punitivo de uma
autoridade pública para fazer valer seus mandamentos, recorrendo-se normalmente a
sanções diferenciadas das jurídicas (consciência, rejeição social, vergonha…).

A norma moral não é sancionada nem promulgada, pois essas são características de
normas estatais que se regulamentam dentro de um procedimento formal, complexo e rígido,
com o qual se dá publicidade aos mandamentos jurídicos.

O Direito pode caminhar em consonância com os ditames morais de uma sociedade,


assim como andar em dissonância com eles.

Na primeira hipótese está-se diante de um direito moral, e na segunda, está-se diante


de um direito imoral. O Direito imoral é tão válido quanto o Direito moral.

Este, no entanto, é mais desejável, pois em sua base de formação se encontra o


consentimento popular, ou seja, o conjunto de balizas morais de uma sociedade, refletindo
anseios e valores cristalizados de modo expressivo e coletivo.

Direito Positivo e Direito Natural

Entre o direito positivo e o direito natural há notáveis diferenças. Uma delas diz
respeito à origem de ambos: enquanto o direito positivo tem sua origem no estado, o direito
natural emana da natureza espiritual do homem.

Em sua dimensão positiva, Direito é o conjunto de normas de conduta social, imposto


coercitivamente pelo Estado, para a realização da segurança, segundo os princípios de
justiça.

Assim definido, o Direito reúne três elementos primordiais: fato, valor enorma.

O Direito positivo será, portanto, um ordenamento jurídico específico, numa certa


época e local. Ao passo que o Direito Natural é eterno, absoluto e imutável, sendo constituído
por princípios superiores e invariáveis.

Ademais, devemos saber que a lei positiva tem sempre a possibilidade de ser injusta,
bastando para tanto, que seja elaborada em desacordo ou contrariando os princípios
superiores de direito natural.
Diferenças entre o Direito Positivo e o Direito Natural:

- Positivo: Emana do estado; é histórico variando no espaço e no tempo; é coativo; pode


ser injusto; e pressupõe sua própria cognoscibilidade]

- Natural: Tem origem na natureza humana; é a-histórico, eterno, absoluto e imutável; nunca
pode ser coativo; jamais pode ser injusto; só pode ser conhecido através de um
contatobilateral.

Direito e Valor

O ato de viver implica em valorar; estabelecendo planos de vida, o homem atribui valor
às coisas, na medida em que, por suas prioridades, satisfaçam aos seus interesses.

A ação humana é a busca permanente do positivamente valioso, do que atende às


necessidades do ser racional. Nem sempre se logra êxito na procura. De certo que os objetos
culturais, que resultam do trabalho do homem, realizam sempre valores.

Muito embora estes possam ser negativos, o empenho do homem é no sentido de


concretizar os valores positivos, aqueles que suprem as suas necessidades.

Como o Direito é processo elaborado, não produto espontâneo da natureza, o valor é


um de seus componentes básicos.

Além de realizar valores, o Direito dispõe sobre valores, isto porque ao disciplinar as
relações de convivência procura exercer a proteção dos bens que possuem significado para
o ser racional.

A vida, a liberdade, o patrimônio são valores exponenciais e alvo da maior atenção


dohomem.

Teoria Pura do Direito

Os sistemas normativos concretos, necessariamente, não são relativistas, mas


fundados em valores hierarquizados, expressos em normas, cabendo aos magistrados
interpretar, logicamente, essas normas, sem introduzir juízos de valor e princípios de sua
subjetividade.
A Teoria Tridimensional de Miguel Reale mostra como o Direito se
constituiesetransformahistoricamente, semlimitaroseuestudoànorma do direito positivo.

O Direito é, simultaneamente, fato, valor e norma; ele, portanto, não é só valor, como
no direito natural, não é só fato, como para os marxistas, e não é apenas norma.

A Teoria Pura do Direito é, evidentemente, limitada em face das transformações do


direito, ao passo que a Teoria Tridimensional dinâmica oferece um modo de entendimento
de como o direito se transforma concretamente.

Kelsen não admite a articulação da realidade extra-jurídica com o direito, com o


propósito de entender a constituição e a lógica interna do “mundo do dever ser”.

Não há uma moral universal, como no âmbito do jusnaturalismo, ou como nas


filosofias de Kant e Hegel, não é possível afirmar uma justiça universal e necessária.
Exceto se houver um consenso entre os povos e assim a elaboração de uma
legislação comum; mas será sempre uma convenção, e não algo entendido como inscrito na
natureza ou no plano metafísico.

Ademais, podem alegar os jusnaturalistas que o direito natural é, de certo modo,


observável, na descrição da natureza humana.

A distinção é que o direito natural emerge de fatos que são codificados em normas
pela sociedade, como expressão de algo natural ao homem, ao passo que o direito positivo
é a própria norma escrita por um ato de deliberação livre da vontade racional do legislador.

Kelsen identifica o Estado com o Direito positivo; onde há Estado, há direito positivo,
e onde há direito positivo há Estado.

Todo Estado, portanto, é Estado de Direito, a Teoria Pura não exclui regimes
autocráticos do seu escopo de estudos ereflexões.

A função do magistrado é julgar conforme a lógica interna do ordenamento jurídico.

Ou seja, sem inserir juízos de valor.


Atuando, apenas, de forma lógica em relação à adequação do caso ao tipo e na
aplicação da pena prevista, conforme à culpabilidade.

Ao legislador, por seu turno, cabe obedecer às regras anteriores, no momento da


elaboração normativa.

Para Kelsen, a norma válida é aquela criada segundo procedimento anterior e que
passa a ser aplicada e obedecida pelos indivíduos no plano empírico.

Kelsen não possui uma teoria como Reale e Luhmann, que permita pensar a
transformação do direito em sua conexão com a sociedade.

Para ele, o direito se explica com recurso a ele mesmo; sendo, portanto, plenamente
autônomo.

Teoria Tridimensional do Direito

A Teoria Tridimensional do Direito insere-se no âmbito do culturalismo jurídico. O culturalismo


jurídico foi uma corrente que nasceu com o pensamento kantiano.

Kant, em sua obra Kritik der Sitten, havia observado que “A produção, em um ser racional, da
capacidade de escolher os próprios fins em geral e, consequentemente, de ser livre, deve-se à
cultura.”

Como marco da Filosofia do Direito latino-americana, a Teoria Tridimensional parte do


pressuposto de que o fenômeno jurídico deva ser analisado e compreendido sob uma visão que
englobe os três aspectos epistemológicos mais utilizados pelos juristas e filósofos ao longo da
História: o fato jurídico, o valor e a norma propriamente dita.

O problema crucial, segundo Reale, é a questão de que o Direito sempre foi visto ou analisado
sob enfoque unilateral, priorizando-se apenas um dos aspectos supracitados.

Reale critica que no decorrer da Era Contemporânea o Direito ora era restringido às normas
outorgadas pelo Estado como pensavam os positivistas na linha de Kelsen ou como fenômeno social,
na corrente historicista e sociológica, na qual o fenômeno jurídico era fruto das relações sociais ou do
espírito cultural de determinada época.
A teoria tridimensional rebate esses enfoques unilaterais.

Para Reale, o Direito não é apenas a norma ou a letra da lei, é muito mais do que a mera
vontade do Estado ou do povo, é o reflexo de um ambiente cultural de determinado lugar e época,
em que os três aspectos (fático, axiológico e normativo) se entrelaçam e se influenciam mutuamente
numa relação dialética na estrutura histórica, o que nos faz lembrar um pouco de Hegel.

Nesse sentido, Reale também rebate qualquer tipo de idealismo que faz do Direito um corpo
abstrato de teorias, geralmente omissos em relação à sua realidade sócio-cultural.

Em suma, nas palavras do jusfilósofo brasileiro: “Direito não é só norma, como quer Kelsen,
Direito, não é só fato como rezam os marxistas ou os economistas do Direito, porque Direito não é
economia.

Direito não é produção econômica, mas envolve a produção econômica e nela interfere; o
Direito não é principalmente valor, como pensam os adeptos do Direito Natural tomista, por exemplo,
porque o Direito ao mesmo tempo é norma, é fato e évalor”.

Como processo dialético, o Direito para Reale não é algo acabado, está sempre em formação.

Ao contrário do historicismo tradicional que via alguma condicionante histórica, a concepção


realeana é aberta, como ele próprio diz: “O Direito é um processo aberto exatamente porque é próprio
dos valores, isto é, das fontes dinamizadoras de todo o ordenamento jurídico, jamais se exaurir em
soluções normativas de caráter definitivo”.

Apesar desse historicismo, a teoria de Reale não pode ser considerada relativista como muitos
podem pensar a princípio.

Fundada na própria condição humana o Direito tem como fator essencial a liberdade com
todas suas nuances e aventuras, aos moldes de Ortega y Gasset.

Nesse sentido, o aparente relativismo da teoria de Reale é suplantado pela constatação de


uma espécie de direito natural, a que o autor prefere chamar de “constante axiológica”, ou seja,
valores inerentes ao ser humano como a vida, a liberdade, a igualdade, inerentes à condição
humana.
Como diz o autor: “A vida do direito não pode, efetivamente, ser concebida senão como uma
realidade sempre em mudança, muito embora, a meu ver, se possa e se deva reconhecer a
existência de certas ‘constantes axiológicas’, ou, por outras palavras, de um complexo de condições
lógicas e axiológicas universais imanentes à experiência jurídica”.

O grande mérito de Miguel Reale para a Filosofia do Direito é o saber tratar o fenômeno
jurídico como parte do fenômeno cultural, alicerçado na própria postura humana, no vir a ser histórico,
ciente de que as epistemologias da Fenomenologia e da Axiologia possam contribuir sobremaneira
para o estudo mais acurado do fenômeno normativo, ao invés das visões unilaterais ainda
predominantes no pensamento jurídico contemporâneo.

A partir daí, o magistrado poderá ampliar sua visão e contemplar o mundo por trás da letra da
lei.
Dignidade da Pessoa Humana - Pensamento de Kant

Kant foi o primeiro teórico a reconhecer que ao homem não se pode atribuir valor
(assim entendido como preço), justamente na medida em que deve ser considerado como
um fim em si mesmo e em função da sua autonomia enquanto ser racional.

É na liberdade inerente aos seres humanos, enquanto entes racionais submetidos a


leis morais, ou seja, na personalidade humana, que se funda todo o sistema internacional de
proteção aos direitos humanos, e é por essa razão que se identifica na obra de Kant, o mais
radical dos pensadores da Modernidade, a base para a construção da contemporânea
filosofia dos direitoshumanos.

O sistema internacional de proteção dos direitos humanos nada mais é do que uma
tentativa de restauração do paradigma da modernidade jurídica diante da irrupção do
fenômeno totalitário.

Por isso, a concepção kantiana a respeito da dignidade é essencial à atribuição de


significado jurídico ao termo e, logicamente, para a determinação do sentido do alcance do
princípio da dignidade da pessoa humana.

Para Kant, a dignidade é o valor de que se reveste tudo aquilo que não tem preço,
ou seja, não é passível de ser substituído por um equivalente.

Dessa forma, a dignidade é uma qualidade inerente aos seres humanos enquanto
entes morais: na medida em que exercem de forma autônoma a sua razão prática, os seres
humanos constroem distintas personalidades humanas, cada uma delas absolutamente
individual e insubstituível.

Consequentemente, a dignidade é totalmente inseparável da autonomia para o


exercício da razão prática, e é por esse motivo que apenas os seres humanos
revestem-se de dignidade.

O grande legado do pensamento kantiano para a filosofia dos direitos humanos,


contudo, é a igualdade na atribuição da dignidade.
Na medida em que a liberdade no exercício da razão prática é o único requisito
para que um ente se revista de dignidade, e que todos os seres humanos gozam dessa
autonomia, tem-se que a condição humana é o suporte fático necessário e suficiente à
dignidade, independentemente de qualquer tipo de reconhecimentosocial.

O pensamento kantiano acerca da dignidade da pessoa humana, quando


confrontado com suas concepções acerca das regras de direito, parece não refletir com
exatidão aquilo que hoje se entende como tal, ainda que provavelmente por conta das
circunstâncias de tempo e espaço em que viveu o filósofo alemão. Deve-se partir da
premissa de que na "Fundamentação da metafísica dos costumes" Kant visou à formulação
de raciocínios no campo da filosofia moral, para compreender como os seres humanos
formulam seu arcabouço axiológico, ainda que não dotado de coerção.

Já na "Doutrina do direito" Kant buscou demonstrar como e porque devem ser


formulados preceitos jurídicos, estes sim dotados de coerção para viabilizar a convivência
social.

Kant, negando o fundamento metafísico de todas as morais transcendentes, tira


a regra moral da vontade autônoma dos homens.

Assim, segundo ele, a moral procede apenas da ‘voz interior’ de cada qual e não
de um mandamento exterior, enquanto o direito é uma regra de vida traçada e aplicada sob
a coerção social.

Do mesmo modo, para Kant, o direito se interessaria apenas pelas ações, pelo
‘foro exterior’, e não pelos móbeis que as inspiram, ao passo que a moral só se concentraria
nas intenções e nos motivos do homem, em seu ‘foro interior’ e não em suas ações.

Há, no entanto, no universo kantiano, uma separação de caráter meramente


formal entre moral e direito, já que essencialmente idênticos os seus fundamentos, que se
resumem na autonomia racional.

Pois, na teoria kantiana, processa-se a separação entre direito e moral, sob o


prisma formal e não material, isto é, a distinção depende do motivo pelo qual se cumpre a
norma jurídica ou moral.
No ato moral, o ato só pode ser a própria idéia do dever, mesmo que seja
diretamente dever jurídico e só indiretamente dever moral.

Porém, no mesmo ato jurídico, o motivo de agir pode ser, além do motivo moral
de cumprir o dever, o da aversão à sanção, seja ela pena corporal ou pecuniária.

Kant identifica o direito com o poder de constranger.

Para o jusnaturalismo de Kant, sendo racional e livre, o homem é capaz de impor


a si mesmo normas de conduta, designadas por normas éticas, válidas para todos os seres
racionais que, por sua racionalidade, são fins em si e não meios a serviço de outros.
Logo, a norma básica de conduta moral que o homem se pode prescrever é que
em tudo o que faz deve sempre tratar a si mesmo e a seus semelhantes como fim e nunca
como meio.

Aplicada à conveniência jurídico-social, essa norma moral básica transmuda-se em


norma dedireito natural.

A obediência do homem à sua própria vontade livre e autônoma constitui, para


Kant, a essência da moral e do direito natural.

As normas jurídicas, para tal concepção, serão de direito natural, se sua


obrigatoriedade for cognoscível pela razão pura, independente de lei externa ou de direito
positivo, se dependerem, para obrigarem, de lei externa.

Mas, nesta hipótese, deve-se pressupor uma lei natural, de ordem ética, que
justifique a autoridade do legislador, ou seja, o seu direito de obrigar outrem por simples
decisão de sua vontade.

Tal lei natural, que é o princípio de todo direito, deriva da liberdade humana,
reconhecida por intermédio do imperativo moral categórico.

Ainda que essencialmente idênticos os pilares do universo moral e do universo


jurídico para Kant, a constatação de que, em matéria de dignidade da pessoa humana, nem
sempre se mostram afinadas a "Fundamentação da metafísica dos costumes" e a "Doutrina
do direito", se mostra instigante.

Serve a sua análise, pois, à revisão das bases teóricas do princípio da dignidade
da pessoa humana, tendo por premissa o sempre oportuno reconhecimento da primazia do
ser humano para o universo jurídico, como acentua MIGUEL REALE, ao dizer que “a pessoa
humana é o valor-fonte de todos os valores.

O homem, como ser natural biopsíquico, é apenas um indivíduo entre outros


indivíduos, um animal entre os demais da mesma espécie.
O homem, considerando na sua objetividade espiritual, enquanto ser que só se
realiza no sentido de seu dever ser, é o que chamamos de pessoa.

Só o homem possui a dignidade originária de ser enquanto deve ser, pondo-se


como razão determinante do processo histórico.”

Kant dizia: "Sê uma pessoa e respeita os demais como pessoas", dando ao
mandamento a força de um imperativo categórico, de máxima fundamental de sua Ética,
estava reconhecendo na pessoa o valor por excelência.

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