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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO

CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS E ECONÔMICAS

DEPARTAMENTO DE DIREITO

SOCIOLOGIA DO DIREITO

REFLEXÕES SOBRE DOGMÁTICA E DOMINAÇÃO

PROFESSOR Ms. HIAGO ROCHA DE OLIVEIRA

ALUNO: ENZO GOMES KOHLERT

Vitória
2023
ENZO GOMES KOHLERT

REFLEXÕES SOBRE DOGMÁTICA E DOMINAÇÃO

VITÓRIA 2023

Trabalho apresentado à
disciplina Sociologia do
Direito do curso de
Direito da Universidade
Federal do Espírito
Santo, como requisito
para avaliação.

Orientador: Prof. Ms. Hiago Rocha de Oliveira


SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................... 4
2 DIREITO: ENTRE O SER E O DEVER-SER ........................................................ 5
3 ZETÉTICA E DOGMÁTICA: A TÉCNICA DA PREVISIBILIDADE ...................... 9
4 CONCLUSÃO …………………………………………………….;............................ 11
REFERÊNCIAS ………………………………………………….…….………… 13
INTRODUÇÃO

O que deve contar como estudo científico do Direito? Em outros termos, o


que pode ser dito, dando-se conta dos qualificativos de rigor e confiabilidade
proporcionados pela ciência, acerca deste objeto — o Direito? Uma concepção
acerca do que conta como estudo científico pressupõe, por definição, concepções
específicas acerca do objeto sobre o qual se labora. Assim, a partir de uma
perspectiva teórica primária acerca do que define o objeto, é que se pode avançar
na definição dos métodos analíticos que sejam sensíveis às idiossincrasias daquilo
que se pretende conhecer. É bem sabido que, quando o objeto em disputa é o
Direito, todas as pretensões de definição, por mais historicamente influentes que
tenham sido, falham no critério de aceitação geral. Conforme explica Carlos
Santiago Nino [2010, p. 2]1, “a onipresença do direito e a circunstância de que ele se
manifesta como parte ou aspecto de fenômenos complexos faz com que seja muito
difícil isolá-lo conceitualmente para explicar sua estrutura e funcionamento”. Não é
de se estranhar, por tal, a população de definições que avançam entendimentos
teóricos precisos e falham na aceitação da comunidade de juristas; também não é
de se estranhar a quantidade de definições que sejam aceitáveis, mas vagas
demais para avançar qualquer conhecimento. A disputa permanece e permanece
porque, aparentemente, não é possível equacionar todas as pretensões destoantes
sobre o que deve ser entendido como Direito.
Não poderia ser diferente, de certa forma. É do Direito que se retiram os
parâmetros pelos quais conflitos sociais centrais são resolvidos, desembocando ora
no conforto, alívio, liberdade e segurança de uns, ora na desgraça, privação e medo
de outros. Ser livre é estar no Direito, mas o Direito também pode ser (e é) opressor.
O corolário desse cenário é o de que uma perspectiva não ingênua não pode
esperar que a investigação do fenômeno jurídico esteja cingida à mera estruturação
conceitual lógica de uma límpida, neutra e higienizada pesquisa científica. Se o que
é Direito é uma questão disputada por pretensões distintas acerca do que dele se
pode retirar, então a Ciência do Direito é ela mesma uma questão de disputa — e,
mais do que a disputa teórica normal presente em qualquer trabalho de
investigação, aqui se trata do reflexo de lutas e confrontos de interesse que não
1
Retirado do livro “Introdução à Análise do Direito”
podem ser naturalmente arbitrados por investigadores desinteressados. Em outras
palavras, as técnicas desenvolvidas pela Ciência do Direito não são um “em si”
meramente revelado por cientistas sem qualquer interesse que não o da fruição do
conhecimento pela fruição do conhecimento. Delas sairão os critérios pelos quais
serão geridos muitos dos encontros e desencontros sociais, do que se segue a
responsabilidade inegável dos juristas teóricos quando de suas tomadas de posição
por determinadas opções científicas.
Tendo em vista a importância incontornável da dogmática jurídica na
operacionalização das técnicas de dominação, este trabalho tem por intuito apontar
como qualquer concepção específica acerca do papel da Ciência do Direito é
também uma escolha prévia acerca de que tipo de critérios para resolução de
conflitos contam, sendo, portanto, também uma escolha entre dominações
justificáveis e não justificáveis. É, precisamente, uma reflexão sociológica sobre a
teoria (e os teóricos) do direito.

DIREITO: ENTRE O SER E O DEVER-SER

Hans Kelsen, em sua Teoria Pura do Direito, defendeu que não existe
propriamente uma sociologia do direito, senão uma sociologia dos fenômenos
paralelos que conformam o jurídico [1998, p. 113]2. Isso se dá porque o “Direito”,
tomado propriamente enquanto objeto distinto de estudo, é de conhecimento
exclusivo da Ciência do Direito, não cabendo ao sociólogo dar inteligibilidade e
coerência ao material bruto dos textos normativos e decisões judiciais esparsas,
transformando-o em um sistema unitário e coerente. De igual modo, questões sobre
como os grupos de interesse influem na produção legislativa ou sobre como é o
acesso efetivo — visto desde um ponto de vista endo-social — dos pobres à Justiça
não são questões propriamente jurídicas, isto é, dadas ao conhecimento do jurista
enquanto jurista. Essas questões são, antes, questões de sociologia, e o são por se
ocuparem da realidade social efetiva, isto é, das coisas tal como são e não das
coisas meramente postas como devidas. Kelsen se insurgia, com isso, contra o que
se pode chamar de concepção sociologista da Ciência do Direito, isto é, contra a

2
Retirado do livro “Teoria Pura do Direito”.
concepção de que, uma vez que as normas jurídicas são normas socialmente
gestadas, o Direito só pode ser cientificamente estudado desde um ponto de vista
abarcado pelo sociológico.
Essa concepção sociologista da Jurisprudência, como posto por Ramón
Soriano em seu livro Sociología del Derecho [1997, p. 118]3, emergiu no final do
século XIX, com a nascente ciência social, e já se encontrava plenamente
desenvolvida no início do século XX. Emergindo em uma posição antagônica ao
positivismo legalista do século XIX, teve como principais representantes três
importantes escolas: a sociológico-jurídica francesa liderada por François Gény; o
movimento de direito livre cujos mais notáveis teóricos foram E. Ehrlich e H.
Kantorowicz; e o realismo jurídico, seja o escandinavo capitaneado por Llewellyn ou
o norte-americano capitaneado por Alf Ross. Se o positivismo legalista se
caracterizava sobretudo pelo primado da lei — entendida como fonte autossuficiente
e perfeita do direito — e da vontade do legislador e pela concepção de aplicação
mecânica do direito positivo pelo juiz por meio do ato de subsunção, a “revolta
sociológica” apareceu justamente como uma revolta contra o formalismo e a
insensibilidade deste para a própria realidade social que conforma e vivifica o
Direito. A despeito das pretensões teóricas distintas das escolas que estavam nesse
bojo de desenvolvimento teórico da Jurisprudência, o denominador comum entre
elas era a proposição de uma análise do fenômeno jurídico que não fosse cingida às
normas abstratas deslocadas do seu entorno, mas que, antes, se desse conta da
realidade social efetiva, ou seja, do que se pode chamar de dinâmicas sociais do
direito.
Cabe já perguntar o porquê da tomada de posição contrária a esse
movimento tomada por Kelsen. A resposta pode ser vista na introdução escrita por
Mario Losano ao ensaio O Problema da Justiça, escrito pelo famoso positivista
austríaco [1998, p. 13]4: “a pureza metodológica perseguida por Kelsen baseia-se na
ausência de juízos de valor [...] e na unidade sistemática da ciência; volta-se,
portanto, para a nova noção de ciência fundada em pressupostos filosóficos da
escola neokantiana”. Aqui, Kelsen tomava partido de Max Weber e Werner Sombart
na discussão acerca da ausência ou não de juízos de valor nas ciências sociais,
discussão vivíssima na Alemanha dos primeiros anos do século XX. Acreditando na

3
Retirado do livro “Sociología del Derecho”
4
Retirado do livro “O Problema da Justiça”
cisão entre o dever científico de conhecer a verdade e o cumprimento do dever
prático de defender seus ideais e baseando-se numa noção neokantiana de ciência,
Kelsen não poderia ser um sociologista. De suas premissas teóricas, conhecer o
Direito é conhecer o que lhe é distintivo, isto é, as normas jurídicas das quais se
extraem quais os atos de coação a serem tomados, de modo que a retórica da
observação da “realidade social” e da “justiça” pode ser encarada no máximo como
política do Direito e não como labor gnoseológico/teorético de reconstruir o material
bruto das normas esparsas em um sistema unitário e coerente. Qualquer coisa além
disso, de sua perspectiva, seria avançar em concepções políticas particulares como
se proposições científicas dotadas de autoridade o fossem. Ficaria, assim, o jurista
realmente científico restrito ao conhecimento das normas e do que delas se retira;
qualquer outra exigência, como os pedidos de moralidade na confirmação do
Direito, seria tomar valores morais relativos como se absolutos o fossem,
valendo-se do escudo da ciência para isso.
Em sua busca pela superação da jurisprudência sociológica, Kelsen teve em
alta conta a noção da divisão entre “ser” e “dever-ser” como ordens distintas da
realidade. A ordem do ser, como uma ordem específica, aparece como a ordem
daquilo que é, dos acontecimentos fáticos, das coisas tal como se desenrolam em
efetivo no mundo dos fatos. Os fenômenos paralelos ao Direito, como fenômenos da
ordem do ser inseridos em um contexto social específico, são de conhecimento do
sociólogo. Já ao jurista, por sua vez, caberia conhecer propriamente o Direito como
um sistema de normas estatuidoras de atos de coação que funcionam como
sanções. Dado que a norma jurídica é uma estrutura enunciativa de um dever-ser,
trata-se aqui de condutas a serem observadas, dispostas pelo direito positivo como
devidas. Ainda que a conduta devida não se verifique na ordem dos fatos — isto é,
que o sujeito desrespeite a norma —, ela continua como devida, e essa é
precisamente a diferença da ordem do dever-ser. As proposições jurídicas
produzidas pelos juristas científicos, assim, só poderão ser construídas segundo a
fórmula “de acordo com determinada ordem jurídica, se sobrevierem determinados
pressupostos, então deverão ser determinadas consequências”.
Não é difícil ver as implicações de toda essa posição teórica: o direito como
restrito à norma; a solução jurídica possível, à luz da ordem jurídica positiva, como
depreendida necessariamente de uma norma jurídica positiva; a neutralidade
axiológica no conhecimento do Direito, isto é, o trabalho científico sobre o fenômeno
jurídico como um trabalho descritivista; e, vale notar, a certeza e a previsibilidade do
direito que é a partir da apreciação dos atos normativos positivos.
Enquanto posição teórica, o positivismo kelseniano é plenamente adequado
às formas políticas da democracia liberal e às exigências do sistema capitalista. Sua
posição é profundamente relativista do ponto de vista moral, pelo qual não existem
valores e Justiça absolutos, senão valores e Justiça que, no todo, são relativos a um
sistema moral possível dentre vários outros possíveis que não podem ser
hierarquizados. Não há espaço, por exemplo, para a virtude, entendida, no sentido
aristotélico, como um padrão de comportamento e sentimento, uma tendência para
agir de determinada maneira e para sentir e desejar certas coisas em certas
situações. A ideia de virtude aparece, no emergir da democracia liberal, como um
paternalismo, ou seja, como um padrão de caráter que é insensível aos desejos e
possibilidades dos diferentes indivíduos. Se a liberdade no sentido liberal é a
liberdade negativa [2000, p. 100]5, a liberdade como ausência de obstáculos à ação,
então um conceito positivo de liberdade que comporte algo como a virtude não é
comportado pelo liberalismo estrito. Nesse sentido, o positivismo kelseniano, ao se
negar a concepções positivas de moralidade, propugna uma antropologia e uma
moral compatíveis com as do liberalismo. Ademais, a perspectiva de que a validade
jurídica se depreende única e exclusivamente da conformação a processos
legislativos previamente estabelecidos é igualmente adequada ao credo capitalista e
à sua necessidade de previsibilidade. Como preleciona Fábio Konder Comparato
[2010, p. 352]6: “Os grandes princípios morais da ideologia liberal-capitalista [...]
sempre foram a ordem e a segurança das relações privadas, sobretudo as de
conteúdo econômico. Para tanto, os sacerdotes do credo capitalista não cessam de
enfatizar a necessidade de vigência de um sistema jurídico estável, no qual haja
previsibilidade de aplicação efetiva de suas normas, tanto pela administração
pública, quanto pelos tribunais”. Por fim, a legitimação que oferece àqueles que
detêm o poder político de sancionar as normas por eles editadas faz do “sistema
jurídico uma simples técnica da manifestação da vontade dominante, no meio social,
quaisquer que sejam as finalidades perseguidas pelos que exercem essa
dominação”.7

5
Página 10o do livro “Teoria Geral da Política de Norberto Bobbio”
6
Retirado do livro “Ética: Direito, Moral e Religião no Mundo Moderno”
7
Página 353 do livro “Ética: Direito, Moral e Religião no Mundo Moderno”
Do exposto, segue-se que, na atuação efetiva do positivismo como
metodologia da Ciência do Direito, não se verifica a tão propalada neutralidade.
Enquanto técnica efetiva no trato com o Direito, é a forma perfeita para as
pretensões dos capitalistas. Se uma perspectiva jurídica que se mostra defensora
do conhecer o Direito que é sem ajuizar valores morais quanto a ele já é, ela
mesmo, mais adequada a uma determinada perspectiva político-econômica, então,
por consequência, não é difícil ver que outras teorias, quanto mais avançam na
exigência de certas concepções morais para o seu conceito de Direito, são elas
também próprias de determinadas “ideologias”, em sentido lato. Em outros termos,
sempre se verificará, nas dinâmicas de disputa social acerca do que é o Direito,
uma predileção por determinadas concepções antropológicas, morais e econômicas
que não poderão ser neutramente arbitradas e que são, ato contínuo, tomadas de
posição política.
Avancemos no entendimento da dominação operada na dogmática jurídica.

ZETÉTICA E DOGMÁTICA: A TÉCNICA DA PREVISIBILIDADE

É bem conhecida, no mundo acadêmico jurídico, a distinção entre disciplinas


zetéticas e disciplinas dogmáticas. De um modo geral, como ensina Tércio Sampaio
Ferraz Jr [2019, p. 49]8, “temos [...] duas possibilidades de proceder à investigação
de um problema: ou acentuando o aspecto pergunta, ou acentuando o aspecto
resposta”. Quanto mais se acentua o aspecto pergunta, mais se dirige à zetética; ao
contrário, quanto mais se acentua o aspecto resposta, mais se dirige à dogmática.
Essa divisão acontece porque investigações zetéticas não tem compromisso outro
que não o entendimento da realidade que se pesquisa, podendo, a qualquer tempo,
rever premissas e arquiteturas conceituais quando se entender que não são
adequadas à compreensão do objeto e podendo, por isso, investir em novas
perguntas e ponderações sempre que se considere útil ao conhecimento — que é,
portanto, tomado como um fim em si mesmo; as investigações dogmáticas, por sua
vez, além do caráter gnosiológico, têm também um caráter diretivo, dado que as
informações a que chegam, entendidas como suas respostas, estão subordinadas à

8
Retirado do livro “Introdução ao Estudo do Direito: Técnica, Decisão e Dominação”
possibilitação de ação, uma vez que fornecem os critérios pelos quais alguém pode
tomar uma decisão. Assim, uma investigação zetética pode estender-se
indefinidamente, revendo suas próprias bases quando bem lhe apetecer, enquanto
uma investigação dogmática tem que partir de um ponto estabelecido por
algo/alguém a que se confie na autoridade. Uma vez que se confie nessa
autoridade, a série investigativa é reduzida, as premissas não podem ser revistas a
bel-prazer e a resposta pode ser mais rapidamente dada, atendendo ao imediatismo
da decisão que se tem de tomar.
No contexto de uma gerência capitalista dos interesses e necessidades
humanos, a dogmática, com sua prontidão e previsibilidade, é a técnica adequada
por definição. Ela se dá com prontidão na medida que, partindo dos dogmas
definidos do direito positivo, reduz muito as perguntas fazíveis e o quanto se pode
discutir; e se dá com previsibilidade na medida que parte de dogmas bem
estabelecidos e conhecidos previamente, quais sejam, as definições e normas
depreendidas dos textos legais e dos precedentes vinculantes. De fato, Max Weber9
já apontava para a relação entre o desenvolvimento do capitalismo e o direito de
tipo formalmente racional — com seus qualificativos de construção de maneira
deliberada, com emprego de critérios de decisão intrínsecos ao sistema,
propugnando regras prévias de aplicação universal e proporcionando a
previsibilidade e segurança para os negócios capitalistas. As conformações da
dogmática jurídica não se dão no vácuo; são, assim, atreladas às especificidades
sistêmicas.
Aqui, vale pontuar a historicidade inerente à técnica dogmática como
conhecida nos países de organização capitalista. De fato, sua “idolatria” da norma
posta e sua inflexibilidade quanto aos pontos de partida é, conforme Fábio Konder
Comparato10, contrária à “tradição multissecular de todas as civilizações” e de suas
tendências a considerar os grandes valores éticos na tomada de decisões. A técnica
dogmática, como posta hoje, não é a técnica “natural” de conhecimento de qualquer
Direito; antes, é a técnica específica e própria do sistema capitalista. Há muitas
formas de se conceber Jurisprudências possíveis e de se conceber formas
possíveis de trabalho dos jurisconsultos. Há mesmo muitas formas historicamente
distintas desses trabalhos.

9
Página 9 do artigo “Max Weber Sobre Direito e Ascensão do Capitalismo”
10
Página 353 do livro “Ética: Direito, Moral e Religião no Mundo Moderno”
Como exemplo, citamos aqui a época áurea dos jurisconsultos romanos e do
exercício da prudentia. Conforme preleciona Tércio Sampaio Ferraz Jr [2018,
p.67]11, a prudentia romana era a virtude moral do equilíbrio e da ponderação no ato
de julgar. Essa virtude moral de modo algum pode ser assemelhada à dogmática
estrita visualizada em muitas sociedades capitalistas e propugnada na teoria do
direito, entre outros, pelo positivismo kelseniano. De fato, a formação mesma do
direito romano — orgânica, lentamente acrescida por toda a imensidão de casos
que iam aos poucos pedindo decisões dos jurisconsultos, voltada para critérios
práticos equilibrados — é distinta da formação do direito capitalista e de suas
predileções outras — que são a previsibilidade e a segurança jurídica, não o
equilíbrio de julgamento moral. Ademais, há experiências outras de Direito e de
conhecimento jurídico que não se igualem à experiência da técnica dogmática dos
juristas em sistemas capitalistas: é só lembrar, por exemplo, do Direito islâmico e do
sincretismo nele havido entre as esferas da religião e do jurídico12. Frente a uma
manifestação jurídica claramente distinta como essa, que retira sua legitimidade
justamente desse sincretismo com relação à moral religiosa, como continuar a
defender como um dado “natural” o tipo dogmático de direito racional ocidental?

CONCLUSÃO

Este trabalho pretendeu fornecer elementos para que se historicize a técnica


dogmática típica da Ciência do Direito praticada em muitos países ocidentais,
vendo-a não como a única opção possível ou como a conformação científica
necessária a qualquer empreendimento investigativo do Direito. Apontou, assim,
para o fato de que qualquer opção teórica acerca do fenômeno jurídico terá já
predileções propriamente políticas. Ademais, apontou para o caráter social
específico da técnica dogmática e de sua adequação às necessidades e às formas
de dominação capitalistas. Portanto, desde um ponto de vista sociológico, evitou-se,
aqui, a ingenuidade de uma teorização descomprometida sobre algo tão central
quanto o Direito, o que significa dizer que propugnou-se uma análise realista na
medida em que não se entendeu credível modos de conhecer o mundo jurídico que

11
Retirado do livro “Introdução ao Estudo do Direito: Técnica, Decisão e Dominação”
12
Página 399 do livro “Os Grandes Sistemas Jurídicos”
não tenham eles mesmos comprometimentos teóricos acerca do que é o homem, de
qual a política se seguir ou do que deve ser de Direito. Tratou-se, aqui, de apontar,
pela sociologia, para o que é insidiosamente escondido e de torná-lo observável,
fazendo das premissas que fundamentam o pensamento dogmático conhecidas.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Nino, Carlos Santiago. Introdução à análise do Direito. 1º edição. São Paulo:


Martins Fontes, 2010.
Kelsen, Hans. O problema da justiça. 3º edição. São Paulo: Martins Fontes, 1998.
Kelsen, Hans. Teoria Pura do Direito. 6º edição. São Paulo: Martins Fontes, 1998.
Júnior, Tércio Sampaio Ferraz. Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão
e dominação. 10º edição. São Paulo: Editora Atlas, 2018.
Comparato, Fábio Konder. Ética: direito, moral e religião no mundo moderno. 2º
edição. São Paulo: Companhia das Letras, 2010.
Bobbio, Norberto. Teoria geral da política. 1º edição. Rio de Janeiro: Editora
Campus, 2000.
Soriano, Ramón. Sociología del derecho. 1ª edição. Barcelona: Editora Ariel, 1997.
Truebeck, David. Max Weber sobre direito e ascensão do capitalismo. In.: Revista
Direito GV, São Paulo, V. 5, p. 151-185, jan./jun. 2007.
Losano, Mario Giuseppe. Os grandes sistemas jurídicos. 1º edição. São Paulo:
Martins Fontes, 2007.

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