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Introdução ao Direito

O que é que o Direito diz? -pergunta em que culminam os exames- dizer o direito é atuá-lo

Lição 1

Perspetivas
Não é possível refletir o Direito sem ter em conta realidade social em que está inserido. Assim,
é natural que nos ofereçam várias perspetivas de abordagem à realidade do Direito.

Perspetiva sociológica

Esta perspetiva tende a tratar o Direito como um facto social e estuda os efeitos que o Direito
provoca. Não está diretamente relacionada com a ação efetiva e quotidiana de um jurista.
Embora seja importante para os juristas ter uma visão social do Direito, esta não é a perspetiva
adotada, pois é uma mera descriação de como um jurista deve interpretar o Direito. “o direito
não é exclusivamente co considerado como fenómeno social- embora também o seja” - pag.14

Perspetiva filosófica

O direito impõe-nos exigências uns perante os outros/ perante a sociedade, logo “se o direito
nos dirige deveres e imputa responsabilidades, podemos sempre perguntar-nos com que
fundamento é que o faz”. “nem como puro objeto de especulação- não obstante igualmente o
poder ser” - pag.14

Perspetiva epistemológica/literária

O direito é um objeto que está efetivamente aberto ao nosso conhecimento e, por isso, é
natural estudá-lo e tentar conhecê-lo. “nem como um simples dado cognoscível- sem que,
todavia, deixe de se apresentar como tal” - pag.14

Law as literature?

Law as narrative?

Law in Literature: três exemplos

a) A Antígona de Sófocles

b) O Mercador de Veneza, de William Shakespeare

c) O Processo, de Franz Kafka


Perspetiva histórica

Interessa-nos saber a história do direito para o compreendermos.

Perspetiva adotada (todas as passagens anteriores)

 O direito é o fundamento/critério de muitos dos nossos comportamentos na medida


em que diz a validade/invalidade, da licitude/ilicitude de muitos das nossas ações
segundo as quais interagimos comunitariamente
 O direito não é exclusivamente considerado um fenómeno social (embora também o
seja); nem como puro objeto de especulação (não obstante igualmente o poder ser),
nem como simples dado cognoscível (sem que deixe de se apresentar como tal)
 É a única perspetiva que se adequa à tarefa do jurista---» colocar em causa o próprio
direito, olhar para a realidade e adaptar as regras que existem, questionando-se sobre
as mesmas. Contrariamente ao sociólogo, (O olhar do sociólogo (sobretudo descritivo e
analítico, mais do que normativo e crítico)), que se distancia do objeto que estuda (é-
lhe heterónomo); ao filósofo, que reflete especulativamente o sentido da
normatividade jurídica, e ao epistemólogo, que elabora uma “ciência do direito…..sem
direito”; o jurista assume as valências constitutivas e o compromisso prático da
normatividade do direito.

O direito normativamente perspetivado, pode ser considerado de dois modos diferentes:

Quid iuris?

O direito aparece como um critério de solução. “O que de direito se pode dizer neste caso?”
No fundo, o direito é pressuposto, mas não é ele próprio interrogado, problematizado. (ex:
situação controversa do arrendatário de um quarto, ou a de um herdeiro, ou a de um arguido
em processo penal,…). O que é que o direito estabelece?

Para responder a estes problemas de modo criticamente comprometido, há um problema


prévio fundamental a ter em conta:

• problemas DO direito: vendo o próprio direito como problema (fundamento/critério


normativo da intersubjetividade a que nos referimos) e aquele onde nos iremos concentrar em
IAD (“o que é do direito?”)

Quid ius?

O direito é questionado, sendo ele próprio um problema. “O quê direito? O que é isso a que
chamamos direito?”.

Existem três questões fundamentais:

1. Porque é que há Direito?


2. O que é o Direito?
3. Para que serve o Direito?

Em suma:

O direito é uma das dimensões normativas mais importantes da nossa vida social. Assim, a
perspetiva que vamos adotar é a prático-normativa, podendo dizer que optamos por uma linha
problemático-cultural, em detrimento de uma orientação analítico-descritiva. Desta forma, o
curso será uma introdução ao mundo dos problemas e às preocupações culturais que marcam
o universo da juridicidade em vez de ser uma análise da estrutura, dos conceitos ou linguagens
desse universo. Por fim, é importante referir que os comportamentos humanos como surgem
das interações entre nós, atribuímos significados intersubjetivos, a cultura (referida
anteriormente) e, ainda, referirmos que é prático-normativo criado nas interações entre as
pessoas, onde se atribui um certo valor (“validade, invalidade, licitude, ilicitude”) dando-nos
fundamentos e critérios de como agir ou não agir.

Que ideia de jurista vai estar associada a esta situação?

O jurista é um mediador profissional a que se atribui legitimidade para ajuizar de alguns dos
nossos direitos e deveres recíprocos. “(…) o jurista é aquele que assume a intenção nuclear do
direito para a projetar regulativamente na realidade social” (pag.15). Pode adotar duas
atitudes:

 Atitude técnico-profissional
O jurista não pode ser entendido como se fosse um cientista, pois este seria o mais
objetivo possível, algo que o jurista não pode ser, já que o mesmo está ligado às
interações humanas.
O jurista tem de ser entendido como um técnico, alguém que aprende a fazer coisas. O
jurista procura conhecer as leis para as aplicar às controvérsias que surgirem (através
de juízos de valor), sem qualquer compromisso cultural com o direito e exercendo um
ofício puramente técnico, alguém que aprende a fazer as coisas, pelo que só deveria
atender aos meios sem problematizar os fins. Na verdade, mobiliza o direito como um
objeto.

 Atitude criticamente comprometida com os próprios objetivos práticos do direito


Para o jurista é uma tarefa que o toca, levando-o a procurar a sua intencionalidade
prático-normativa, sendo assim uma vivaz tarefa reflexiva. A tarefa que lhe vai ser
pedida não será meramente cognitiva, ele terá que julgar controvérsias, através de
juízos de valor. Ele atua, torna real um determinado sentido do que vale ou não vale.
(?)

Por qual optar?

Por ambas, pois o jurista só poderá ajuizar do mérito jurídico dos problemas concretos com
que se veja confrontado se tiver pré-compreendido o particular sentido das exigências que
inervam o direito. A racionalidade exigida no pensamento jurídico é prático-analógica,
dialógica, não radica em premissas, mas em argumentos com reconhecida validade.

As formas de saber:

● sophia- saber por querer saber (sapientia)


● techné- saber fazer, implica um resultado/uma obra (ars)
● phronesis-saber agir, o que é a ação correta (prudentia)

Tese de IAD:

 1ª proposição: o direito integra o universo da prática


 2ª proposição: tanto estes macrocosmos englobantes, como aquele microcosmo
englobado, se reconstituem analogicamente

Os três grandes núcleos temáticos:

1.compreensão tanto do sentido geral como do sentido específico da normatividade jurídica


(partindo sempre da experiência para os problemas)

2.estudo do fenómeno que é o direito, ou seja, os importantes problemas do sistema jurídico e


das fontes do direito

3.questões de metodologia jurídica

Lição 2- O problema do Direito

O problema do Direito prende-se com o problema da delimitação das relações que


estabelecemos com os outros---» ordem jurídica (ordem de regulação social)--» ordena
a sociedade, existe uma diferença em relação às restantes ordens, pois ordem jurídica
é um sistema de normas que regula a conduta humana, que, diferentemente das
restantes ordens, contém o elemento de coação. “A ordem jurídica é uma criação
cultural com uma certa racionalidade” (pag.40). Assim, a ordem jurídica dirige-se aos
sujeitos cujas interações visa regular.
Sujeitos jurídicos- são as pessoas humanas e entidades criadas pelo homem
(entidades/pessoas coletivas):
 as associações (substrato sociológico)
 as fundações (substrato patrimonial)
 sociedades de direito público e privado.

Estas três diferenciam se pelos seus substratos distintos.

Associações- assentam num substrato sociológico/ humano


Fundações- assenta no conjunto de sócios -substrato patrimonial ex: herança de alguém que é
usada para certas finalidades próprias, Fundação Gulbenkian)
Sociedades- traduzem uma participação económica na criação de uma entidade de Direito
nova, na qual os sócios têm uma parte

Sendo nós muitos e sendo o mundo um só, estamos compelidos a repartir esse mundo no
nosso encontro. Todas as nossas relações sociais são regulamentadas por um estatuto de
direito, que define as faculdades, as responsabilidades, os deveres e os ónus (obrigações) de
cada um dos seus intervenientes. Há atos na nossa vida que se subtraem a um estatuto
jurídico, pois o direito não consegue resolver todos os problemas do Homem. As relações
familiares, de amor ou de amizade são relações de pessoa a pessoa, sem mediação do mundo.
Em suma, diremos ter direito a ver com as relações intersubjetivas suscitadas pela
problemática da partilha do mundo, enquanto que a fé religiosa, a amizade, ... têm a ver com
as relações que estabelecemos imediatamente como pessoas que somos. Portanto, o Direito
relativiza-nos, enquanto que nas relações pessoais a que aludimos o outro é sempre absoluto,
um incomparável.

Distinção entre Direito Privado e Público

Os juristas usam recorrentemente a imagem da árvore, que se ramifica em: Direito Público e
Direito Privado (base- estudo das relações que estabelecemos enquanto cidadãos).

Relação do direito privado- tribunal judicial

Relação do direito público- tribunal administrativo

Existe um problema ao realizar esta distinção pelo facto da realidade jurídica ser muito vasta e
abranger todos os domínios da vida social, porém a doutrina tem-la feito por uma razão
meramente pedagógica com base nos seguintes critérios:

Critério da Natureza dos Interesses: tipos de interesses que as normas visam regular (públicos
ou privados)

Direito Privado - nele estão integradas as normas que se dirigem à satisfação dos interesses dos
particulares

Direito Público - nele estão integradas as normas que asseguram a realização de interesses
próprios da comunidade, interesses públicos

Crítica: Existem normas de Direito privado e de Direito público que asseguram interesses
públicos e privado tais como as normas de direito penal de direito público, proíbem o
homicídio (regula o interesse da coletividade e protege o interesse pessoal)
Critério da qualidade: atende à qualidade pública ou privada dos sujeitos nas relações jurídicas

Direito Privado - disciplina as relações jurídicas que se estabelecem entre sujeitos particulares
(apenas). Em determinadas situações o Estado e as demais entidades públicas podem intervir
nestas relações. A qualidade dos sujeitos não interfere nas relações de Direito Privado.

Direito Público - disciplina relações jurídicas que o estado ou qualquer membro público
intervém. São relações onde intervém pelo menos uma entidade pública.

Este critério baseia-se nos sujeitos e não na entidade deles, sendo assim o critério mais
utilizado.

Critério da posição:

Direito privado - normas jurídicas que disciplinam as relações de coordenação, isto é, entre os
particulares entre si ou entre os particulares e o estado, existindo uma posição de igualdade
com os particulares- posição de paridade, ou seja, se o Estado ou outro ente público entrar
numa destas relações, este estará desprovido do seu poder de autoridade, apresentando-se,
assim, numa posição de paridade.

Direito público - normas jurídicas que disciplinam as relações de subordinação, constituição e


ordenação, ou seja, relações jurídicas que se estabelecem entre os entes públicos entres si e
entre entes públicos e um sujeito particular. Ex: Quando o Estado aplica uma coima ou quando
o estado cobra um imposto. Assim, assistimos a uma posição de supremacia, existem poderes
de autoridade.

Cada um destes ramos de Direito apresentam vários subramos:

 Direito Público: DC, Direito Penal, Direito Administrativo e Direito Fiscal


 Direito Privado: Direito Privado Comum ou Geral (Direito Civil) e Direito Privado
Especial que se divide em Direito Comercial, Direito do Trabalho e Direito Internacional
Privado

Estrutura formal da ordem jurídica

A estrutura da ordem jurídica reflete-se num triângulo que apresenta duas virtudes:

 1ª virtude deste esquema:

O triângulo tem a propriedade de ser adaptável, o que permite descrever sociedades distintas
em termos geográficos e culturais. Deste modo, consoante a sociedade se apresenta nas suas
relações, assim também o triângulo se adaptará.

 2ªvirtude deste esquema:


Propriedades interessantes para representar a maneira como o direito governa a sociedade ao
longo do tempo, mas também num mesmo tempo, permitindo construir uma perspetiva
histórica da intervenção do direito.

- evolução da estrutura triangular da ordem jurídica (pág. 56)

Na sua linha de base estamos uns perante os outros, como


pares.

Vimo-nos a seguir numa linha ascendente, perante a


sociedade.

Depois, é ela, numa linha descendente a atuar sobre nós- a


seu favor e/ou em nosso benefício- o respetivo programa
de fins.

A estrutura formal da ordem jurídica reflete tipos de relações que se observam e cabe a ela
regulá-las:
 Nível dos sujeitos das relações jurídicas
 Nível das áreas do Direito que regulam as relações jurídicas
 Nível das exigências valorativas
 Nível das dimensões de justiça

Assim podemos distinguir três linhas estruturais da ordem jurídica:

 Linha de base (ordo partim ad partes)- 1ª linha: linha da ordem jurídica que regula as
relações jurídicas entre sujeitos particulares (direito privado)
 Linha ascendente (ordo partium ad totum)- 2ª linha: ordem jurídica que regula as
relações dos membros da comunidade composta por bens e valores jurídicos
fundamentais- das partes para com o todo
 Linha descendente (ordo totius ad partes)- 3ª linha: ordem do todo para as partes-
ordem jurídica que regula as relações entre a sociedade politicamente organizada em
estados e os cidadãos

Linha de base

Nesta linha estão presentes as relações juridicamente relevantes que estabelecemos uns com
os outros na veste de sujeitos de direito privado, que todos pretendemos atuar a nossa
autonomia para realizar interesses, não há um interesse de coletividade. (ex.: contratos civis e
comerciais). Somos então particulares ante particulares e relacionamo-nos em termos de
paridade. A ordem jurídica define as nossas autonomias delimitando-as e permite a realização
dos nossos interesses, tutelando-os. É nesta linha que se consideram as relações das partes
para com as partes. A sociedade não é sujeito da relação, sendo os sujeitos das relações os
próprios particulares. Na linha de base situam-se as relações jurídicas entre sujeitos de direito
privado, os particulares, sendo por isso relações jurídicas privatísticas, estabelecidas entre os
particulares entre si ou os particulares e o estado ou outro ente público (desde que
intervenham nesta relação despidos do seu poder de soberania e autoridade, existindo assim
uma posição de igualdade ou paridade).

● Funções:
- garantir a atuação das autonomias reciprocamente delimitadas dos sujeitos
para a realização de interesses particulares (cada um dá-se a si próprio a
norma do seu comportamento)
- fornecer critérios e fundamentos de resolução dos conflitos de interesses que
possam surgir (função integrante, que tem, por sua vez, duas sub-funções que
se aplicarão na segunda linha)
 função de tutela de bens e valores jurídicos fundamentais
 função de garantia
- responsabilizar os sujeitos da autonomia que exercem
● Valores:

Valor da autonomia privada/ autodeterminação pessoal - No âmbito das relações


entre particulares avulta o princípio da autonomia privada que serve de base para o
direito privado. A autodeterminação de cada indivíduo ou o valor da autonomia
privada é a expressão do princípio da liberdade contratual (artigo 405º CC), que
confere liberdade para celebrar contratos e permite que as partes insiram as cláusulas
que entenderem nesses contratos. A liberdade é individual e relativa, “pois as
autonomias que se encontram, que se relacionam, relativizam-se mutuamente.

Valor igualdade/paridade

- Todos os sujeitos podem realizar os seus interesses através do exercício da sua


autonomia.
- Posição de igualdade não existindo qualquer relação de hierarquia ou subordinação

● Responsabilidade por reciprocidade comutativa e responsabilidade por equilíbrio da


integração (que vão ajudar a distinguir também os tipos de justiça associadas)

Tipos de justiça

Transações voluntárias: dois ou mais sujeitos de direito privado decidem segundo a


sua autonomia privada celebrar contrato entre si, ou seja, é uma relação jurídica
contratual. Dele emergem direitos e obrigações recíprocas, sendo que no âmbito
destas relações jurídicas os sujeitos são responsáveis pelas ações para garantir o
equilíbrio da relação contratual. Quando se dá uma celebração do contrato surge a
responsabilidade civil contratual, cujo fundamento é o princípio da justiça comutativa,
pois elimina os desequilíbrios entre as partes, no sentido em que estabelece a
igualdade que surgiu pela violação dos direitos de igualdade por uma ou ambas as
partes.

Transações involuntárias: associadas à responsabilidade pelo equilíbrio da integração.


Ora, no âmbito de relações jurídicas entre particulares, que não nasceram da vontade
desses particulares, o equilíbrio entre os sujeitos privados quebra-se, pois um dos
sujeitos causou a outro danos. A responsabilidade civil por atos ilícitos, cujo
fundamento é também um princípio da justiça corretiva, é chamada a restabelecer a
igualdade paritária que se verificava entre os sujeitos privados antes destas relações
provocarem danos ao outro.

● Justiça da troca ou comutativa: traduz o “que devemos aos outros e os outros nos
devem a nós para podermos ser, cada um de nós e todos, verdadeiramente pessoas”.
(ex.: Um comprador paga o preço e recebe o livro; dizemos que se realiza justiça
comutativa quando alguém reconhecer que o livre vale o dinheiro que por ele dá e
quando o livreiro aceitar que o preço que o comprador lhe paga vale o livro que se
transfere para propriedade do segundo.) Este tipo de justiça está associado às
transações particulares voluntárias. Artg. 728 C.C
● Justiça corretiva- associada às transações particulares involuntárias.
Artg. 483, nº1 C.C

Área do Direito

● Direito privado: é nesta linha que se situam as relações jurídicas que se estabelecem
entre sujeitos de direito privado. Ordo partium ad partes- relações jurídicas em que as
partes se encontram numa posição de paridade.

Ramos do Direito

● Direito civil- direito das obrigações, das coisas, da família e das sucessões

Nota: se privilegiamos analiticamente uma linha, nem por isso estamos a dizer que as outras se
apagam, pois, na realidade, elas estão sempre todas presentes, embora, consoante a
perspetiva, avulte mais uma ou outra.

Linha ascendente

As relações que se estabelecem entre cada um e a sociedade tomada no seu todo. “A


sociedade emerge como sujeito das relações que estabelecemos com ela”, pois ela própria tem
valores e interesses a garantir, que nos dirige e cujo comprimento nos impõe. Ao violarmos
certos interesses que a sociedade pretende preservar a mesma pede-nos responsabilidades.
Baseia-se nas relações entre os membros da comunidade e a sociedade enquanto coletividade
social personificada juridicamente pelo estado que visa tutelar valores fundamentais. São no
fundo as relações jurídicas entre cada um enquanto membro da comunidade (social) e a
sociedade no seu todo, isto é, enquanto coletividade social a sociedade composta por bens e
valores jurídicos fundamentais. São estabelecidas entre cada um já não enquanto sujeitos de
direito privado, mas enquanto soci e a sociedade no seu todo a sociedade enquanto
coletividade social. Os sujeitos que se relacionam são a sociedade no seu todo composta por
bens e valores jurídicos fundamentais que ela própria visa proteger por serem fundamentais
para preservar a própria comunidade e garantir a coexistência comunitária. (ordo partum ad
totum)

Funções:

● Regular as exigências que a sociedade enquanto comunidade de bens dirige aos soci
● Estabelecer critérios que podem ser mobilizados em caso de violação de bens ou
valores jurídicos que a sociedade visa proteger para garantir a preservação desse
mesmos bens e valores jurídicos e com isso garantir a preservação da própria
comunidade
● Tutela de bens e valores jurídicos em que se alicerça a sociedade- função de tutela
● Visa institucionalizar, legitimar, limitar o poder do estado enquanto representação
política da sociedade, através dos ramos que estão subjacentes a esta linha e que
estabelecem um conjunto de valores jurídicos
● Função de garantia
Valores/exigências:

● autonomia e liberdade no sentido de compossibilidade


Autonomia, pois os membros da comunidade são sujeitos livres e autónomos e ainda, porque
o exercício da autonomia de cada um dos membros tem de ser compatível com o exercício de
autonomia com todos os membros da comunidade mediante o respeito recíproco dos bens e
valores jurídicos fundamentais em que a comunidade se alicerça, ou seja, todos têm de
respeitar para a convivência.

● responsabilidade comunitária ou por preservação


Cada um dos membros tem de respeitar os bens e valores jurídicos fundamentais. Todos os
membros são responsáveis reciprocamente pela preservação desses bens e manutenção da
própria comunidade a que pertencem. Caso ocorra violação é responsável, ou seja, pode ser
sancionado ou punido pela violação de tais bens ou valores jurídicos fundamentais.

● exigência de garantia
O estado pode mobilizar para punir os membros da comunidade pela prática de violação a
determinar os bens para impedir a possibilidade de esses critérios serem mobilizados de forma
abusiva, logo são necessárias garantias para proteger os soci para evitar a repressão da
violação de bens e valores jurídicos relevantes na sociedade.

Como se manifestam estas relações entre a sociedade e os membros da comunidade

1) A sociedade tem ela própria valores ou bens jurídicos fundamentais que visa garantir
com vista a preservar a própria existência comunitária. Bens que dirige ao soci e cujo
cumprimento lhe impõe, podendo os membros da sociedade ser punidos violando
algum valor que alicerça a sociedade.

2) Os próprios membros podem dirigir à sociedade determinadas exigências, que derivam


da afirmação da sua autonomia, pois têm o direito de exigir que a sociedade lhe
garanta e respeite os seus direitos fundamentais.

O estado pode exigir aos membros da sociedade determinadas prestações e pode sancionar os
membros da comunidade caso violem bens ou valores jurídicos fundamentais. Porém, o estado
não pode fazer isso de forma arbitrária ou abusiva, logo os membros têm de ser protegidos
contra a eventual preponderância do estado.

Tipos de justiça

● justiça legal ou geral


Aquilo que cada membro da sociedade pode exigir à sociedade enquanto coletividade social
personificada juridicamente pelo estado ou aquilo que a sociedade em nome de todos os
membros da unidade pode exigir a cada um deles, ou seja, aquilo que em nome de todos se
pode exigir a cada um”(pág.50).
● justiça protetiva
Criar condições para que o estado enquanto representação política da comunidade na sua
relação com cada membro da comunidade atue garantindo que cada um dos membros da
sociedade não seja vítima da sua prepotência ou abuso do seu poder de autoridade, sendo
igualmente necessário institucionalizar formalmente, legitimar, limitar e controlar o poder do
estado.

Área do Direito

● Direito Público

Ramos do Direito

● Direito Constitucional, Penal, Fiscal e Militar, que visam regulamentar as exigências que
a sociedade nos dirige, institucionalizar, legitimar e limitar o poder.

Linha descendente

“A sociedade é considerada como uma entidade atuante, dinâmica, que tem um programa
estratégico que quer atuar para atingir os objetivos que se propõe” (pág.51). Esses objetivos
podem ser favoráveis ou visar o benefício da própria sociedade, sendo que o direito aqui
aparece como um estatuto de atuação, mas também de limitação. A sociedade vai atuar no seu
programa, mas nos termos em que o direito o permita. No fundo, baseia-se nas relações entre
a sociedade politicamente organizada em Estado (Estado Social ou de Providência Social) e os
cidadãos destinatários. A sociedade emerge como uma entidade pró-ativa, atuante e dinâmica
que tem um programa estratégico que quer realizar para alcançar finalidades que resultam da
definição de estratégias político-sociais que têm os sujeitos da sociedade como destinatários.

Desta forma, quando se elabora um regulamento existem sempre duas finalidades: racionalizar
a ação e limitar a própria ação.

Valores

● Liberdade (pessoal comunitariamente radicada)


● solidariedade, mas note-se que por vezes existe desigualdade para se atingir o fim da
igualdade, sendo que a igualdade aparece aqui como um objetivo e não um critério,
exemplos:

1) nem todos pagamos os mesmos impostos, cada um paga “na medida do que se tem”, ou
seja, podemos estabelecer dois tipos de igualdade: a igualdade vertical - tratar diferentemente
situações desiguais” - e a igualdade horizontal - tratar igualmente as situações iguais”

2) a desigualdades das propinas


3) no plano do comércio tem-se a ideia de que, por uma “igualdade formal”, deve existir a não
descriminação entre parceiros que apresentem níveis de desenvolvimento desiguais, mas na
verdade é uma “discriminação contra os mais fracos”

● Igualdade material- porque o objetivo da realização das estratégias político-sociais por


parte do estado é atingir uma igualdade material entre todos sujeitos e cidadãos
diminuindo as desigualdades sociais que se possam fazer sentir entre os cidadãos.
Pretende-se que todos os sujeitos e cidadãos tenham as mesmas condições de acesso
aos bens (saúde, educação, cultura,...) de tal modo para a realização de certas
estratégias poderá ser exigido um tratamento desigual , atuação de desigualdade para
que se atinja a igualdade, fundamento de responsabilidade por solidariedade

exemplo: princípio da tributação segundo a capacidade tributiva, nem todos os


cidadãos pagam exatamente os mesmos impostos, quem recebe mais paga
mais quem recebe menos paga menos

Tipos de justiça

● justiça distributiva: significa que o estado intervém recolhendo e redistribuindo


determinados meios para corrigir certos problemas na vida econômica e social. Trata-
se da específica modalidade jurídica que rege a repartição dos bens comuns pelas
sociedades segundo um critério de igualdade proporcional que atende às necessidades
dos sujeitos
● justiça corretiva: o estado intervém para corrigir desigualdades presentes na
sociedade, de forma a garantir que todos cidadãos tenham acesso aos mesmos bens
em condições de igualdade

Área do Direito

● Direito Público (em geral)

Ramos do Direito

● Direito Constitucional, Direito Administrativo, Direito da Previdência Social, Direito


Público da Economia e Direito do Ambiente

Em suma:
“As três linhas a que aludimos como que delimitam o espaço triangular da ordem jurídica: na
sua linha de base, estamos uns perante os outros, como pares, a seguir vemo-nos, numa linha
ascendente, perante a sociedade, e depois é ela, numa linha descendente, a atuar sobre nós- a
seu favor e/ou em nosso benefício- o seu programa de fins.” (pág.56). É importante ressaltar
que estas três linhas não se afirmaram em termos historicamente sincrónicos. “Durante
séculos, ao longo de toda a época pré-moderna, a ordem jurídica resumia-se à linha de base.
Apenas com o Estado de Direito pós-revolucionários (há cerca de dois séculos) se tematizou e
juridicizou (controlar-se e limitar-se) o poder e, decorrentemente, se autonomizou a segunda
linha. E a terceira linha da ordem jurídica, que traduz a deliberada assunção de uma atitude
mais pragmática e que se projeta no Estado Providência, é já do século XX.” (págs. 57-58).
Leitura comparada
Consoante a ênfase dada as estás linhas encontramos sociedades diferentes.
Sociedade com crenças políticas filosóficas muito liberais, a preocupação em que todos
respeitem determinados valores e bens jurídicos fundamentais. Uma sociedade liberal não
concorda que exista um projeto comum onde os cidadãos têm de intervir.
Numa sociedade autoritária a linha que cresce é a segunda, pois o poder organizado impõe se
para garantir um mesmo modelo de vida. A coletividade e o poder organizado usam o poder e
o Direito para que os cidadãos da sociedade respeitem uma vasta quantidade de regras e
valores. É lhes imposto um modelo de vida.
Uma sociedade é totalitária quando desenvolve um programa total para o seu próprio
desenvolvimento.

Lição 3- Funções da ordem jurídica

Função primária ou prescritiva: a ordem jurídica prescreve (escreve antes) critérios à ação,
dirigindo-nos esses modelos de comportamento. Assim, a ordem jurídica dirige-se aos sujeitos
jurídicos reconhecendo direitos e atribuindo deveres, conferindo faculdade e impondo
responsabilidade, ao determinar o que é válido ou inválido, o que é lícito ou ilícito, ordenando,
portanto, a sociedade e as nossas condutas.
Esta função aparece como princípio de ação ou como critério de sanção.

Noção de princípio: critério normativo, como um fundamento, razão de ser, ou seja, uma ideia
do que deve ser. Exemplo: princípios de igualdade, solidariedade, segurança, traduzem
exigências em normatividade neste sentido.

Princípio de ação-> a ordem jurídica define prescritivamente os nossos direitos subjetivos e as


nossas responsabilidades, valorando juridicativamente os nossos comportamentos como lícitos
ou ilícitos. Assim, a ordem jurídica visa influenciar através destes critérios, a nossa ação,
levando-nos a proceder licitamente, validamente e estabelecendo o nosso estatuto social
(pág.61).

Aquele que impedir, sem fundamento suficiente, o acesso dos outros ao mundo, está a abusar
da sua posição, está a colocar-se, no plano prático, como um obstáculo injustificado à fruição
do mundo por partes dos outros. Desta forma, a ordem jurídica prescreve critérios de fruição
do mundo e também concorre para que esses critérios se realizem praticamente através do:

Critério de sanção-> o direito tem um caráter sancionatório, justamente porque ele tem a ver
com o domínio das nossas relações sociais- com aquelas relações em que estamos uns perante
os outros mediados pelo mundo (ex: só posso fruir dos meus bens porque existe algo que
impede os outros de se apossarem/tomar posse/apoderar-se deles) (págs.69-70).
Noção de sanção: todo o meio de que a ordem jurídica se serve para tornar eficazes os seus
objetivos práticos/prescrições. No fundo, sancionar significa efetivar, consagrar, tornar sérios,
dignos de respeito e autênticos os imperativos jurídicos. (págs.63-64)

Sancionabilidade

O incumprimento das regras de cortesia não tem sanções nem regulação oficial de como se
processa, pois se eu for contra os meus padrões éticos apenas poderei ficar com remorsos (ex:
Por vezes, não matamos por Direto, mas sim por ética). Já uma norma de direito,
comparativamente a outras normas, estabelece meios de sancionamento para garantir a sua
efetividade e daí distinguir-se das restantes (principalmente da moral).

Estando nós uns com os outros numa relação de intersubjetividade social é razoável que se
instituam meios destinados a evitar ou a punir eventuais abusos.

O direito tem, portanto, um caráter societário o que implica a sanção, sendo que sem o recurso
à última a realização na prática das exigências da juridicidade resultaria ou de todo precludida
(?) ou significativamente diminuída. A sancionabilidade distingue o direito das restantes ordens
normativas, ou seja, distingue a ordem moral do direito, pois sem esta característica far-se-ia
apenas apelos à consciência.

mundanidade > socia(bi)lidade > intersubjetividade > exigibilidade > executabilidade >
sancionabilidade

(MUNDANIDADE: o direito e uma normatividade ligada a experiencia mundanal do homem, o


homem é um ser mundanal em sentido radical, o mundo e um só e nos somos muitos, todo e
qualquer acesso que e feito ao mundo envolve os outros, forma de sociabilidade muito
peculiar, marcada pela intersubjetividade, as nossas relações a propósito do mundo que temos
em comum baseadas na intersubjetividade, sendo cada um de nos um mediador positivo ou
negativo do acesso ao mundo dos outros, os outros permitem-me aceder ao mundo comum,
interdependência permanente, a nossa ação condiciona inevitavelmente os outros, posições
relativas uns face aos outros, posição potencial comprador ou vendedor, as regras de
relacionamento também tem de ser comum, os direito e deveres que emergem dessas
relações são dignas de sanção, ou seja são exigíveis uns perante os outros. isto e o que
diferencia o direito das outras normas jurídicas, a ética é por princípio limitada, a
responsabilidade jurídica não e infinita pois não aparece.)

Porquê que o direito exige sanções? A nossa experiência da partilha do mundo coloca-nos
numa posição de relação com os outros no seio da comunidade que partilhamos (relação de
bilateralidade atributiva na partilha da sociedade- relações estabelecidas com o outro a
respeito da partilha da sociedade- relações com carácter intersubjetivo- os direitos dos outros
acarretam deveres para mim e vice-versa, cada um de nós exerce os seus direitos por mediação
dos outros, e vice-versa, já no pano da moral estamos numa posição unilateral, pois tem haver
com os deveres da nossa consciência). Se de facto a relação jurídica exige sempre mais que um
sujeito, tem de se compreender sempre uma nota de exigibilidade, ou seja, quando um dos
sujeitos não cumpre os seus deveres o outro tem o direito de exigir o seu cumprimento,
podendo em última instância recorrer a um terceiro para efetivar o seu direito (tribunais),
falando se de executabilidade. Mas no âmbito das relações jurídicas podem existir conflitos de
interesses ou controvérsias jurídicas que exigem um tratamento adequado que estabeleça os
direitos e deveres. Implica sempre a mediação de um terceiro (tertium comparation(?)s), o que
se deigna por tercialidade do direito- exprime-se quer enquanto sujeito julgador imparcial
(juiz) quer enquanto sistema de fundamentos de critérios que os próprios tribunais vão
mobilizar, vai dar respostas a estas controvérsias jurídicas.

Assim, o direito tem um carácter sancionatório, exige sanções, porque a sociedade exige uma
relação de intersubjetividade, bilateralidade e tem uma natureza social das relações jurídicas
que envolve dois ou mais sujeitos que justifica o seu carácter social.

O direito pode mobilizar diversos tipos de sanções para tornar efetivo as suas
prescrições/modelos de comportamento:

Sanções positivas - sanções que nos beneficiam

exemplos:

- subsídios
- isenções fiscais
- bolsas de estudo
?Ex: Tanto posso punir as pessoas se poluírem muito como premia-las se comprarem carros
elétricos e são ambas sanções.

Sanções negativas - impõe sempre algo desagradável a quem as sofre, e poderão ser coativas
ou não coativas

exemplos:

- multas
- penas de prisão
- declaração de nulidade de um contrato
- exclusão de alguém de uma sociedade a que pertença
- dissolução de uma associação
- dissolução, liquidação e extinção de uma sociedade anónima
- indemnização
- divórcio

Noção de coação: suscetibilidade de impor determinados comportamentos ou condutas, forçar


alguém a fazer algo, ou seja, a fazer o que de outro modo não faria ou não queria, isto é, usar o
poder para se impor. (a ordem normativa do direito é coativa).

Sanções coativas - envolvem o recurso à força, à constrição física, à coação. Se alguém causa
injustificadamente danos a outrem tem que indemnizá-lo e se não o fizer voluntariamente os
seus bens podem ser executados.

exemplos:
- pena de prisão
- Alguém é sentenciado/condenado judicialmente a pagar a outra pessoa uma
determinada prestação/quantia pecuniária, ou seja, B é obrigado a pagar essa quantia
a A voluntariamente. Se o devedor, o B, não cumprir voluntariamente a sua prestação,
ele pode ser coagido a efetuar esse pagamento. A, o credor pode propor uma ação
executiva com vista à realização coativa.

Sanções não coativas - mero ato jurisdicional declarativo, que não envolve recurso à coação, o
recurso à força, à constrição física.

exemplo:

- Alguém celebra o contrato de compra e venda de bens imóveis (um prédio), outorgado
sem respeitar a forma especial que é prevista na lei (serem celebrados por meio de
uma escritura pública, segundo o princípio da consensualidade, ou um documento
autenticado). Se for celebrado sem respeitar esta condição é nulo, ou seja, o tribunal
faz um juízo meramente declarativo.

Sanções preventivas - Visam afastar futuras violações, cujo receio dessa prática futura é
justificado. São medidas preventivas destinadas a induzir o comportamento pretendente.

Exemplo: internamento de alguém com uma anomalia psíquica, tendo praticado um ato ilegal.

Sanções compulsivas/compulsórias - compelem alguém a conformar-se com uma norma,


quer-se compelir a pessoa a adotar o comportamento exigido o mais rápido possível. Têm
como objetivo que, apesar tardiamente, o infrator adote a conduta devida e a infração não se
prolongue.

Exemplo: aplicar-se uma pena de multa ou de prisão a quem não cumpra com a obrigação de
prestar alimentos (Artigo 250º CP)

Sanções reconstitutivas - pretendem reconstituir uma situação que foi alterada, como quando
alguém causa dano a outrem. Podem ser de 3 tipos:

➢ Em espécie ou “in natura”: pretende-se repor/restabelecer a situação que existia antes


da norma ter sido violada, sem o recurso a algum bem que não existia no momento da
sua violação. (Artigo 562º CC)

➢ Execução específica: aplica-se no âmbito do direito das obrigações e traduz-se pela


realização de uma prestação imposta pela norma violada, na qual o credor exige ao
devedor o cumprimento da execução (Artigo 827º CC)
➢ Indemnização específica: visam repor a situação anterior à violação da norma em
recurso a um bem que não tendo sido modificado permite a reconstituição do anterior.

Sanções compensatórias/rescisórias - quando a restituição não é possível dá-se a


compensação do dano causado, no entanto, existem dificuldades de apreciação quantitativa,
quando não se consegue medir a dor causada. Artigos 496º, 562º,566º CC.. ex: indeminizações.

Sanções punitivas - são as que implicam uma qualquer limitação de bens jurídicos das pessoas
(põem em causa a liberdade física ou patrimonial ou pagar uma multa). Classificam-se da
seguinte maneira:

➢ criminais: mais graves, direito penal, defendem bens jurídicos fundamentais


➢ disciplinares: infração de deveres de determinadas categorias profissionais e podem
ser as seguintes: advertência, censura, multa, suspensão temporária das atividades
praticadas, suspensão por um ano, suspensão por 5 anos
➢ civis: pertencem ao direito civil e ocorrem caso se verifiquem comportamentos
indignos
➢ contraordenacionais: aplicação de coimas, nascem da administração pública

Sanções de ineficácia em sentido amplo - atuam nas relações entre particulares, para garantir
que os deveres acordados entre os indivíduos têm efeitos jurídicos, para também tirar a
eficácia dos deveres. Pode ser total/absoluta (nulidade) ou relativa (anulabilidade). Esta é a
reação da ordem jurídica que impede que os atos jurídicos que sejam desconformes com a lei
produzam todos ou alguns efeitos que em condições normais não produziriam. Reporta a casos
de tal modo graves, que para a ordem jurídica é como se não tivessem existido.

Exemplo: casamento celebrado sem manifestação de ambos os nubentes (noivos) - articulação


de dois artigos 221º c) e 1615º do CC

Podem ser de 3 tipos:

➢ inexistência jurídica: o ato não existe juridicamente, ou seja, perante a gravidade do


ato a ordem jurídica reage como se não tivesse ocorrido. Artigo 246º e 1628º CC.

➢ invalidade jurídica: a validade de um ato materialmente existente é constituída por um


vício formal ou material, que justifica a não produção de efeitos jurídicos. Artigo 280º,
255º e 256º CC.
- nulidade/invalidade absoluta: quando ofender interesses públicos (Artigo
286º)
exemplo: um contrato de compra e venda tem de ser celebrado com uma
escritura pública (Art. 875º CC), caso não seja o art. 220º CC prevê a nulidade
desse contrato.
- anulabilidade/invalidade relativa: violação de interesses particulares (Artigo
287º CC)
exemplo: declaração negocial feito no decorrer de uma incapacidade acidental
(Artigo 257º CC)

➢ ineficácia em sentido restrito: o ato não produz total ou parcialmente os seus efeitos.
Um determinado ato é válido, mas viola alguma norma o que faz com que não produza
todos os seus efeitos jurídicos.

Auto e heterotutela

O direito necessita de ser garantido, ou seja, protegido (tutelado) e, no fundo, é isso que
significa a sancionabilidade. Não podem ser os próprios sujeitos jurídicos a ter o poder
reconhecido no direito, logo o princípio base é o da heterotutela. Há instâncias próprias e
meios adequados para pôr sanções a funcionar e fazer cumprir as regras de cumprimento. No
entanto, há igualmente um pequeno espaço para a autotutela, da seguinte forma: ação direta,
legítima defesa, estados de necessidade, direito de necessidade, desobediência e resistência.

Classificação jurídica

Quanto ao critério do regime sancionatório existem efeitos/consequências jurídicas que advém


das normas jurídicas. Esta classificação permite a subdivisão das normas jurídicas:

➔ Normas legis plus quam perfectae (Normas mais que perfeitas) - Determinam a
invalidade dos atos que as violam e emitem ainda uma pena aos infratores.
Exemplos:

❖ casamento celebrado por quem é casado, leva à anulação do segundo (Artigo


1601º alínea c CC)
❖ um contrato pelo qual alguém negoceia com outrem serviços sexuais de
determinada pessoa, leva à anulação do contrato (Artigo 280º/2 CC)
❖ Crime de lenocínio é previsto e punido no Código penal (Artigo 169º)

➔ Normas legis perfectae (Normas perfeitas) - Só determinam a validade dos atos que as
violam, de atos contrários, ou seja, há apenas uma sanção.
Exemplo:

❖ Contrato de compra e venda de bens imóveis sem escritura pública, se assim


for este é nulo (Artigo 220º CC)

➔ Normas legis minus quam perfectae (Normas menos que perfeitas) - Determinam uma
sanção diferente da invalidade.
➔ Normas legis imperfectae (Normas imperfeitas) - A violação não importa qualquer
sanção, pois são normas sem conteúdo normativo.
Exemplo:

❖ Norma relativa aos deveres conjugais, pois a lei não impõe diretamente
nenhuma sanção diretamente, apenas sanciona o incumprimento das ditas
obrigações naturais. (Artigo 1672º CC)

O que distingue as normas jurídicas de outras normas?

Segundo uma conceção positivista do direito, este é imposto pela vontade humana, sem
nenhum critério acima dessa vontade. No extremo oposto estão as conceções jusnaturalistas
que acham que o direito tem uma natureza que é indisponível para o Homem. Assim, as
relações no mundo têm de ser reguladas à luz de um padrão de regras comum, sendo que o
direito recorre a um critério de terceiridade. O direito considera os sujeitos absolutos na
partilha do mundo (empregados e empregadores, mutuantes e mutuários, senhorios e
inquilinos). O direito toma posição, o direito supõe o outro do outro, sendo que um terceiro
imparcial pondera e avalia a nossa posição face ao outro. Deste modo, o Dr. Bronze afirma que
o direito se distingue das outras normas jurídicas por ser sancionável, por tratar de relações
sociais das quais nascem exigências e que são precisas valer e são executáveis.

Função secundária ou auto-organizatória: a ordem jurídica manifesta-se numa


multiplicidade de orientações, logo podem existir conflitos entre os critérios que se dirigem às
pessoas. A ordem tem de se auto organizar e estabelecer prioridades entre regras, pois a
ordem só atua se tiver regras para resolver problemas de “sobreposição” das regras, ou seja,
visa resolver conflitos entre as regras.

A função secundária está organizada em 3 grupos:

- unidade sistemática: critérios que visam garantir que a ordem é coerente, ou seja, dar
unidade e sistematicidade à ordem. Assim evitam o que haja conflitos e contradições
entre os critérios jurídicos.
- desenvolvimento constitutivo: normas que estabelecem como é que a ordem jurídica
evolui no tempo
- realização orgânico-processual: quais os órgãos que têm a responsabilidade de fazer a
ordem jurídica funcionar e determinam o processo segundo o qual esses órgãos atuam

Como surge a função secundária?

Esta função secundária surge no âmbito da ordem jurídica se voltar para si própria a fim de se
auto-organizar e conseguir subsistir (pág.77), pois esta procura continuamente reorganizar-se.
Isto deve-se ao facto da ordem integrar uma multiplicidade de exigências e de elementos entre
os quais podem surgir incompatibilidades ou contradições. Esta função surge das antinomias
entre normas, ou entre normas e princípios, ou mesmo entre princípios. Assim, oferece-nos
meios de superar esta dificuldade (por exemplo, através de critérios formais como os de
hierarquia “lex superior derogat inferiori”).

O que é que a função secundária define?

- A competência dos órgãos (que problemas podem resolver);


- O modo determinado de ação (como é que eles devem proceder);
- O processo racionaliza a ação dos órgãos (torná-la mais eficiente na realização do seu
objetivo);
- Controla a própria ação (os temas da sua atuação).

Assim, a função secundária permite que a ordem jurídica se auto organize, visto que, tendo em
conta a multitude e a complexidade das normas existentes, é exigido que haja um esforço de
organização por parte da ordem jurídica. Estabelecem-se condições para a sua organização
interna, ou seja, critérios de segundo grau e regras organizatórias que visam estruturar a
ordem jurídica e garantir-lhe coerência.

Contributo de Hart nas regras secundárias

Segundo Hart, as regras secundárias podem ter os seguintes planos analíticos:

 Regras de reconhecimento (rules of recognition): regras que, não tendo de ser escritas,
combatem a incerteza que pode resultar da convocação de critérios primários. Assim,
identificam os critérios de comportamento que devem ser reconhecidos como jurídicos
e, portanto, dotados de autoridade-potestas; e Margarida Santos FDUC – Doutor Aroso
Linhares Página 13 de 15 hierarquizam e unificam esses critérios. Deste modo, as
regras de reconhecimento introduzem a ideia de sistema jurídico.
 Regras de mudança-transformação (rules of change): regras que conferem poderes a
um indivíduo ou a um conjunto de indivíduos para introduzir novas regras primárias e
eliminar as antigas, definindo também como o devem fazer. É à luz destas regras que
podemos compreender as ideias de ato legislativo, de revogação e do exercício da
autonomia privada (por exemplo, através de um contrato privado). Deste modo, estas
regras permitem que a ordem jurídica não seja estática, coincidindo, muitas vezes, com
o momento do desenvolvimento constitutivo.
 Regras de decisão-julgamento (rules of adjudication): regras que institucionalizam a
possibilidade de julgar, i.e., de responder autoritariamente ao problema de saber se
uma regra primária foi violada ou não, dando poder a certos indivíduos para o fazer e
determinando o processo a seguir. Assim, se estas regras não existissem, a ordem
jurídica seria ineficaz. Para além disso, estas abrem portas para inúmeros conceitos,
como o de juiz, tribunal, sentença…

Deste modo, para Hart as regras secundárias têm várias vantagens sociais: certeza e
confiabilidade (regras de reconhecimento); flexibilidade na capacidade de mudança (regras de
mudança-transformação); e eficácia (regras de decisão-julgamento).
Existem, assim, três momentos, tal como mencionado anteriormente, para a resolução de
problemas distintos:

1) MOMENTO DA UNIDADE SISTEMÁTICA

A coerência e a unidade sistemática tornam-se importantes na medida em que sem ela a


ordem jurídica não constituiria uma “segunda natureza” (de caráter natural) viabilizadora da
própria co-existência humana (págs.81-82). O direito é uma normatividade, no sentido em que
estabelece o que deve ser e exprime uma intenção prática. Os critérios normativos do direito
que nos fornecem essas informações são muitos a propósito de diversos problemas que
entram em conflito entre si: conflitos lógico-sistemáticos, no tempo e no espaço. Encontramos
aqui regras secundárias que visam evitar contradições entre regras secundárias e normas
primárias - visam evitar contradições

 Problema da concorrência sincrónica das normas: problema das antinomias entre


normas vigentes no mesmo período de tempo. Ocorre, portanto, nas situações em
que, para resolver uma determinada controvérsia jurídica existem duas ou mais
normas legais para resolver o problema jurídico em concreto. No entanto, quando
aplicadas, essas soluções conduzem a resultados diferentes.

★ Critérios de resolução de conflitos


Estes critérios dizem-nos como devemos atuar quando existem fundamentos do direito que se
apresentam de uma forma mais indeterminada comparativamente às normas. Por exemplo, os
princípios de igualdade, da dignidade de uma pessoa, são mais abertos e indeterminados do
que os critérios jurídicos. Daí resulta uma possível tensão entre os princípios como no exemplo
seguinte:

princípio da liberdade VS. princípio da vida privada/da privacidade

Podem apontar em sentidos contrários, pois não sabemos até onde poderá ir a nossa liberdade
de expressão sem afetar a privacidade do outro. Sendo assim, surgem critérios que visam
evitar este tipo de contradições lógicas, sendo as regras secundárias os mecanismos
necessários para suprir este problema:

Regras secundárias:

critério da hierarquia ou superioridade- a lei superior derroga a lei inferior, sendo que os
critérios que estão hierarquicamente inferiores estão subordinados aos superiores e devem ser
interpretados de acordo com os mesmos. (lex superior derogat legi inferior) Artigo 112º CRP

Exemplo: as normas previstas na constituição ocupam um patamar superior relativamente às


leis e decretos-lei (legislação ordinária).
critério da especialidade- as normas estabelecem regimes gerais (de pessoas, de situações em
geral), mas também podem estabelecer regras para tratar de uma parte especial destinada a
um grupo de pessoas e situações. Neste caso, prevalece a norma que está destinada à parte
especial, sendo que um regime especial define uma espécie dentro de um género global. Uma
exceção contraria ao regime geral. (lex specialis derogat legi generali) Artigo 7º/3 CC

Distinção entre norma geral e especial segundo o critério do âmbito espacial da validade:

 norma geral - define um regime regra para o setor de relações jurídicas que
disciplinam
 norma especial - consagra uma disciplina nova para círculos mais restritos de pessoas
ou coisas ou relações jurídicas por estas possuírem especificidades diferentes
relativamente ao regime regra, mas não se opõe diretamente ao regime regra

Exemplos: direito privado comum, direito do consumo especial, direito privado comercial,
direito do trabalho;

O CC consagra regras especiais sobre a locação (arrendamento - bens IMÓVEIS e aluguer - bens
MÓVEIS) as normas especiais prevalecem sobre as normas gerais sobre o arrendamento de
prédios urbanos.

Problema da concorrência diacrónica de normas/Problema da sucessão das leis no tempo


(pág.83)

★ Evolução das normas (conflitos no tempo)


As normas vão-se modificando e a sucessão dos critérios a que assim se alude pode não
coincidir com a sucessão das relações que aqueles são chamados a regular. No entanto, é de
notar que uma ordem jurídica será inadequada ao seu objeto se permanecer estática. Por
outro lado, se for excessivamente aberta não garantirá às pessoas a previsibilidade necessária,
ou seja, a ordem jurídica tem de ser aberta, mas não pode deixar de garantir segurança
(pág.84). A regra fundamental é a da prospetividade das leis, ou seja, só se aplicam para o
futuro (Art. 12º CC). Sendo que a lei nova derroga a lei antiga, segundo a expressão “lex
posteriori derogat legi priori”.

Exemplo:

- Um contrato celebrado na vigência de uma certa lei, que, entretanto, foi revogada e
substituída por outra, mas o contrato continua a produzir efeitos. Qual o critério que se
deve aplicar: o instituído pela lei nova ou o prescrito pela lei anterior?

- O sujeito A pratica um ato que no momento não era punível; antes do julgamento sai
uma norma que o pune com a prática desse ato; efeitos relevantes com a decisão: ele
ser punido ou não.
- Sujeito A e B celebram por documento particular, a lei nesse momento exigia esse
documento. Durante o contrato, entra em vigor uma lei que para que esse contrato
seja válido tem de ser celebrado por escritura pública.

respostas da ordem jurídica a estes problemas:

-> disposições transitórias/direito transitório - diretamente resolvidos pela lei nova. O direito
transitório é a disciplina que a lei nova apresenta. Não constitui a solução normal dos
problemas, pois nem sempre a lei nova contém disposições transitórias. Então a lei oferece
critérios secundários que se encontram tanto em disposições do CP como no CC.

-> disposições que regem sobre a aplicação da lei no tempo: artigo 2º CP

artigo 12º CC

1- a lei só dispõe para o futuro. No fundo, estabelece um critério geral que a lei nova só se
aplica a factos que ocorram depois da sua entrada em vigor. Em causa está o princípio da não
retroatividade - a lei nova só se aplica às situações jurídicas depois da entrada em vigor desta
lei

artigo 29º CRP

eficácia da lei no tempo:

princípio da não transconexão ou não transitividade- uma lei não se pode aplicar a
factos que com ela não tenham tido contacto, ou seja, os factos são puníveis com a lei
vigente no momento da sua prática.

princípio da legalidade criminal - ao proibir a lei penal desfavorável dita


consequências, determina a proibição da aplicação retroativa da lei penal mas apenas
da lei penal desfavorável. É proibida a aplicação retroativa de uma lei nova que venha a
agravar as penas previstas no momento da prática do ato punível.

princípio do tratamento mais favorável ao agente da prática do crime- regra da


imposição da lei penal mais favorável, devem aplicar o regime mais favorável ao agente
seja por excluir a sua responsabilidade penal, seja porque diminui a responsabilidade
penal

Problema das normas no espaço

★ Conflitos no espaço
Surgem por vezes situações jurídicas plurilocalizadas, ou seja, um conjunto de problemas que
nascem dos objetos das normas jurídicas, das causas que geram e das garantias que as
protegem terem ligação com territórios de ordenamento jurídicos diferentes.

Exemplo:

- Se alguém morre num país estrangeiro, podemos aplicar diferentes normas jurídicas ao
caso.
- Um nacional do estado A pretende casar com uma nacional do estado B, na capital do
estado C; por que lei se deve determinar a capacidade matrimonial de cada um?

A resposta ou o critério de resolução deste problema é o Direito Internacional Privado. No


entanto, existem normas ou regras previstas na secção II do CC que nos são permitidas aplicar
nestes casos.

2) MOMENTO DE DESENVOLVIMENTO CONSTITUTIVO

Tendo em conta que o direito visa dar respostas a problemas históricos, não pode deixar de se
reconstituir para se ajustar permanentemente ao dinamismo do objeto. Uma ordem será
inadequada ao seu objeto se permanecer estática. Todavia se ela for excessivamente aberta
não garantirá às pessoas a previsibilidade necessária. No fundo, a ordem jurídica tem que ser
aberta, mas não pode deixar de garantir a segurança. Existe no fundo uma dialética entre
estabilidade e evolução, permanecer e devir. É de notar que existem critérios que se mantêm
em vigor para além do tempo necessário, do seu tempo ótimo, isto é, insistem em permanecer
mesmo quando já não respondem, por razões normativas ou práticas, a problemas da vida
juridicamente relevantes (pág.85).

A sucessão de leis no tempo

Aqui surge a questão de como é que a ordem jurídica se desenvolve ao longo do tempo,
mantendo-se ordenada? No âmbito da função secundária, estão presentes critérios que
pretendem assegurar este momento de desenvolvimento constitutivo:

critérios sobre as fontes do direito - Artigo 1º a 4º

O nosso ordenamento jurídico estabelece um conjunto de fontes de direito admissíveis através


de critérios secundários que determinam o modo de constituição de direito. Traduz-se também
na questão de que modo se constitui o direito vigente numa determinada comunidade sendo
que as abordagens do positivismo apresentam duas perspectivas:

1) hermenêutica positiva (artigos 1º a 4º CC)


2) fenomenológica normativa (encontra seu porto na própria análise das normas em
razão da subsunção dos fatos perante o sistema normativo, mas antes disso, já se
envolve com a própria construção do Direito)
critérios de vigência do direito - Artigo 5º a 7º CC

- Início da vigência das leis


Artigo 5º CC:

Define a entrada em vigor dos diplomas legais, sendo que a publicação é um ato essencial para
que os diplomas entrem em vigor. Ainda neste artigo e segundo a legislação especial, a norma
nunca entra em vigor no dia em que é publicada no Diário da República, e se a lei nada disser,
entra em vigor no 5º dia após a publicação.

Entre a publicação e a entrada em vigor decorre um período de tempo (vacatio legis), que
pode ser mais longo ou mais curto (no mínimo só poderá entrar em vigor às 00h do dia
seguinte, nunca no dia da publicação), dependendo das características da norma e do que nela
está estipulada.

Artigo 2º e 3º, Lei nº74/98 de 11 de novembro:

Uma lei nunca pode entrar em vigor no mesmo dia em que foi publicada, porque é necessário
que as pessoas tomem conhecimento da mesma.

Em princípio, o período de vacatio legis estará definido na lei. Na falta de fixação do dia pela
própria lei, ela entra em vigor no 5º dia após a sua publicação (prazo supletivo). O próprio dia
da publicação não conta, só se passa a contar a partir do dia seguinte.

- Cessação de vigência das leis

Artigo 7º CC

nº1 - a vigência de uma lei cessa de duas formas:

caducidade - a lei deixa de vigorar quando ocorre o facto que ela própria prevê, isto é o
decurso do prazo que a lei fixou para a sua vigência trata-se de leis de vigência temporária.
Exemplo: situação de covid, diplomas com vigência temporária

revogação - por efeito de uma lei posterior que a revoga

nº2 - a revogação comporta diversas modalidades:

expressa - quando a nova lei declara expressamente que revoga a lei anterior

tácita - caso em que a revogação resulta da incompatibilidade entre a lei nova/lei revogatória e
a lei antiga/lei revogada, “incompatibilidade entre as novas disposições e as regras
precedentes”, sendo que a nova lei tem valor hierárquico igual ou superior à anterior

global - a lei nova regula complemente o instituto jurídico ou o ramo do direito e por isso ficam
revogados os preceitos legais da lei anterior, ou seja, revoga totalmente um ramo do Direito.

individualizada/específica - a lei nova/lei revogatória revoga especificamente a lei anterior ou


alguma das suas normas
total-caso em que a lei anterior cessa totalmente a sua vigência e quando a lei anterior cessa a
sua vigência dá-se o nome de ab-rogação.

parcial - só uma parte da lei deixa de vigorar o que se designa por derrogação

nº3 - a lei geral não revoga a lei especial exceto se outra for a intenção inequívoca do legislador

nº4 - a revogação da lei revogatória não importa o renascimento que esta lei havia revogado,
mas se por esta lei revogatória também ela for revogada isso não importa a
repristinação/renascimento da lei que ela própria revogou.

O problema das normas caducas e obsoletas Tratam-se de normas apenas formalmente


vigentes, uma vez que estão em vigor mas efetivamente perderam a sua vigência.

critérios de interpretação e integração do direito - Artigo 9º a 11º

Artigo 9º- interpretação da lei

Artigo 10º- integração das lacunas da lei

Artigo 11º- Normas excecionais

(?)

3) MOMENTO ORGÂNICO-PROCESSUAL

A ordem jurídica organiza os modos da sua própria organização, quer do ponto de vista
orgânico ou do ponto de vista processual.

Este momento subdivide-se em 2 momentos:

● estabelecer quais são os órgãos que têm como atribuição resolver os conflitos jurídicos
- orgânico
● definir um conjunto de normas sobre o modo como estes órgãos devem atuar quando
estão a resolver problemas jurídicos - processual

Resolução de litígios jurídicos

Mediação e Conciliação- as partes são convidadas a entenderem-se, sendo promovido um


terceiro como intermediário, escolhido através de um acordo entre as partes. A diferença entre
ambas é que na conciliação o conciliador tem mais poder que o mediador.
Arbitragem- existe um terceiro com o poder de decidir, ou seja, intervém no conflito para o
resolver estabelecendo a melhor solução para o caso. Os árbitros são escolhidos pelas partes.
Tendo em conta que os juízes não dominam certas matérias é necessário chamar um
especialista técnico para o ajudar - o árbitro.

Jurisdição- resolver um conflito por meio de um jurista imparcial. Iurisdicio - atividade em que
o jurista juiz surge em dizer qual é o direito para resolver o caso.

Nota: Em Portugal, todos os tribunais são “tribunais constitucionais”, pois têm a capacidade de
resolver questões constitucionais. (Título V pág. 76 CRP) Existe, portanto, o tribunal de primeira
instância, o tribunal da relação, o supremo tribunal de justiça e o supremo tribunal
administrativo.

O processo jurisdicional e direito processual

Noções essenciais:

processo- conjunto de atos encadeados com vista a determinado fim. É um modo de constrolar
um determinado poder.

processo jurisdicional- conjunto de atos com vista à solução de processos/conflitos

direito processual- conjunto de princípios que regulam o processo que tem de ser seguido para
se proferir uma sentença, sendo o mesmo importante para garantir a paz social, uma vez que
protege a autotutela.

Dimensão orgânica:

Considera-se os critérios secundários que criam órgãos, lhes atribuem competências e os


hierarquizam.

A ordem jurídica diz quem soluciona os mencionados problemas juridicamente relevantes. Na


verdade, a ordem jurídica compete a certos órgãos de cumprir certas funções como, por
exemplo, os tribunais, mas também os órgãos da Administração Pública podem ser chamados a
intervir nesse âmbito e até certas entidades privadas. Quando ao poder legislativo a atuação é
igualmente determinada pela ordem jurídica (limites da competência das Assembleias
Legislativas Regionais, face à Assembleia da República). Assim, esta dimensão da ordem
jurídica define os órgãos de constituição dotados de uma certa competência (que problemas
devem resolver?), que devem exercer de um determinado modo (como devem eles proceder?)
(pág.86).

Nesta dimensão, a ordem jurídica cria órgãos a quem estabelece competências, desde logo aos
tribunais.
artigo 202º CRP, os tribunais são os órgãos de soberania com competência para administrar a
justiça incumbindo-lhes a proteção dos direitos dos cidadãos, …

artigo 209º CRP, diversas categorias de tribunais

- Tribunal Constitucional
- Supremo tribunal de justiça(última instância) e os tribunais de segunda instância ou de
relação
- Tribunal de Primeira instância - tribunais de comarca e de competência territorial
alargada
- Tribunais administrativos e fiscais (o órgão superior é o Supremo Tribunal
Administrativo)
- Tribunal de contas
- Tribunais militares

Dimensão processual:

Tem a ver com o processo ao nível jurisdicional, ação em tribunal. Refere-se ao conjunto de
atos sequenciais e ordenados com vista a uma certa finalidade, ou seja, a resolução de conflito
de interesses, nos termos técnicos, a justa composição do litígio que opõe as partes.

O processo jurisdicional inicia-se com a propositura (ato ou efeito de propor) de uma ação
judicial num tribunal através da apresentação de uma peça processual que se denomina
petição inicial e termina com a prolação de uma sentença/decisão judicial pelo juiz que põe
termo ao conflito. Até o juiz proferir a sentença o processo desenvolve -se de acordo com as
ditas regras secundárias de procedimento, isto é, regras formais que definem as várias etapas
da tramitação.

exemplos de regras secundárias de procedimento:

- artigo 569º/1 Código de processo Civil


Réu ou Demandado - é a pessoa contra a qual a ação judicial é proposta

Demandante - pessoa que propõe a ação

Citação - é o ato pelo qual o réu toma conhecimento da ação contra si e tem um prazo de 30
dias para apresentar a sua defesa

Estamos diante de uma regra secundária de procedimento, que determina um prazo de ação
processual.

- artigo 607º/1 CPC


Encerrada a audiência final o processo é concluso/apresentado para ser proferida sentença no
prazo de 30 dias. Estabelece-se novamente um prazo.

Diferentes das regras secundárias de procedimento existem as regras secundárias de juízo


(visam orientar a construção da decisão quanto ao seu conteúdo. Estabelecer o conteúdo) ou
regras metodológicas/de processo (regras formais que determinam que tribunais existem, que
competências lhes são atribuídas, que tipo de ação existem, quem pode ser sujeito processual,
etc. Determinam o modo da construção da solução de um problema juridicamente relevante.
Estabelecem o modo operandi das entidades às quais compete a efetivação das normas )que
têm a ver com o modus operandi do juiz quando interpreta materiais jurídicos/normas legais.
Estas visam orientar a decisão judicial.

Exemplo:

- Artigo 9º CC : encontramos regras secundárias de juízo

O processo tem diversas funções das quais se destacam as seguintes:

- racionaliza a ação dos órgãos (torna-os mais eficientes na realização do seu objetivo)
- controla o próprio órgão (ao definir os termos da sua atuação)
- é um modo de controlar um determinado poder
- define posições relativas do tribunal e das partes
- determina quando e como, ou seja, em que termos procedimentais o tribunal deve
decidir

Surge então a pergunta: é mais importante a existência prévia de critérios de decisão ou de um


processo? (pág.88) A resposta é que podemos prescindir de critérios pré-escritos, mas não de
um processo. (o facto de o juiz ter precedido cronologicamente o legislador é prova disso
mesmo) Ora, na falta daqueles critérios as partes podem mobilizar valências que se afirmam no
horizonte do sistema do problema em questão. Então, podem haver ordens jurídicas sem
critérios pré-disponíveis, mas não sem um processo. No fundo, o processo não serve apenas
para racionalizar a ação como para garantir às partes com transparente visibilidade uma
adequada participação na respetiva obtenção, constitui uma garantia fundamental. (pág.89)

Em suma:

A ordem jurídica não define apenas uma normatividade (função primária). Ela auto organiza-se
através da sua função secundária, sendo esse o fator da sua própria subsistência como ordem.
(pág.90)

A ordem jurídica tem de estabilizar a sua dinâmica, pois só assim garantirá a sua subsistência (é
este o problema que a função secundária visa responder). A função primária é a mais visível,
mas a secundária é a mais importante, pois é por mediação desta que a ordem jurídica logra
subsistir como ordem, sendo que tenta encontrar um ponto de equilíbrio entre a subsistência e
a mutação. Associada à função secundária está a historicidade.

historicidade VS. historicismo


Historicismo - “Equipara a constituição da cultura às aluviões que vão sendo depositadas e se
acamam por estratos, soterrando as anteriores.” Dirige-se à cultura de um modo arqueológico.

Historicidade - “Compreende o desenvolvimento de uma cultura como um arco unitário em


que novas propostas (resultantes de uma crítico-reflexiva).” Obriga a que a cultura tenha de ser
refletida em termos prático-hermenêuticos para poder ser compreendida. Desta forma, o
historicismo é uma mera redução da historicidade.

Lição 4- Notas caracterizadoras da ordem jurídica

A ordem jurídica compreende 4 características:

1. ordem como cosmos cultural ou como chaosmos prático (chaos+cosmos)


2. caráter comunitário
3. objetividade no plano de autossubsistência institucional ou objetividade autárquica,
plano intencional, plano dogmático
4. autoridade

A ordem jurídica como “cosmos cultural”

A ordem jurídica é desde logo uma ordem. Esta afirmação é de certa forma tautológica no
sentido de reforçar essa ideia de ordem. O que parece ser banal não deixa de ser essencial. A
afirmarmos que a ordem jurídica é um cosmos, estamos a dizer que ela não é um puro caos
(pág.94). No fundo, a ordem jurídica é uma desordem ordenada, que segundo a qual se
pretende introduzir uma harmonia e uma ordem ordenante. Por ser ordem (esta ordem de
certa forma caótica, esta estabilidade dinâmica, esta unidade plural- invoca estabilidade,
dinâmica e unidade) evita e sana indesejáveis contradições.

Exemplo:

Não se pode julgar hoje um determinado caso de um certo modo e amanhã decidir um caso de
outro modo, sem terem ocorrido mudanças justificativas desta alteração. Isto significaria uma
insegurança, segundo a qual era impossível garantir a previsibilidade e a igualdade social.

A ordem apresenta-se como um todo coerente e um esforço cultural necessário para


compensar o inacabamento do Homem a nível biológico-instintivo (caráter anti geneticamente
deficiente). Sendo assim, a ordem jurídica acaba por ser uma “segunda natureza”, um “hábito
natural” que o ordena adequadamente.

Resumo: A ordem jurídica é simultaneamente um todo organizado (cosmos) e um caos, o que


garante a compossibilidade de vários fatores, correspondendo a uma exigência da realidade
prática (praxis). A ordem jurídica é estável e dinâmica e há uma tensão dialética entre a
estabilidade e o dinamismo. Apesar destas dimensões serem aparentemente contrárias, estão
em permanente interação dialética entre a estabilidade da ordem jurídica e a historicidade
(dinâmica histórica) do direito. A ordem jurídica vai se estruturando em função da mutação da
realidade prática, ou seja, vai-se densificando à medida que emergem novos problemas na
realidade concreta, em função do dinamismo e da realidade prática-social. Na verdade, tem de
se restituir para que seja capaz de responder aos problemas que vão surgindo.

O caráter comunitário (tanto do ponto de vista estrutural como intencional- materialmente)

A ordem jurídica constitui um esforço tendente a assegurar a integração comunitária (pág.96),


pois representa uma instância de controle da vida em comum. A nível estrutural, nós somos
uns com os outros (intersubjetividade social), logo a ordem jurídica tem a necessidade de
definir, desde logo formalmente, o comum normativo de uma comunidade concreta. Segundo
um ponto de vista intencional, os valores que fundamentam, revelam o caráter integrante
comunitário da ordem jurídica, pois são esses mesmos valores que os membros da
comunidade têm em conta. No fundo, apesar das diferenças e mundividências entre os
membros de uma sociedade, existe algo em comum, nomeadamente princípios e critérios que
são aceites e reconhecidos a longo prazo por se assentarem em fundamentos de valor comuns,
caso contrário seria impossível de ordenar.

Resumo: Visa a integração comunitária apresentando-se como uma instância de controlo da


vida em comum. Quer do ponto de vista estrutural, ou seja, a ordem jurídica, está integrada no
horizonte da cultura, quer do ponto de vista intencional, ou seja, a ordem jurídica, é uma
ordem social que se destina a ordenar a vida social e os comportamentos sociais, com a
finalidade de possibilitar a convivência entre os sujeitos. Esta nota, que a ordem jurídica visa
alcançar é fundamental, porque o Homem é um ser em relação com os outros, ou seja, um ser
social e esta, quer porque define um comum normativo de uma comunidade (conjunto de
modelos de conduta), quer porque assimila os valores que são partilhados por uma
determinada cultura, surge como um fator de integração e de regulação comunitária.

Objetividade

A ordem jurídica constitui para nós um mundo particular com que nos deparamos, ao lado de
outros, como o mundo biológico, sociológico ou cultural geral (pág.96). A ordem jurídica está
para nós como a natureza está, com a sua heteronomia, pois existe independentemente de a
querermos ou aceitarmos. A ordem jurídica constitui um dado objetivo, facto, é algo exterior,
vincula-nos independentemente de querermos aceitar a ordem jurídica ou não.

▪ Objetividade autárquica (plano de autossubsistência institucional/formal)

A objetividade da ordem jurídica apresenta desde logo uma autossubsistência (subsiste por si),
ou seja, classifica-se como autárquica (autarcia-autonomia) (pág.97). A exigência da sua própria
objetividade assenta nas suas próprias forças, subsistindo apoiada no seu próprio poder.
O problema da legitimidade

Este problema alude ao sentido que remete para uma validade. Surge então uma dialética
entre a ordem e nós próprios, enquanto membros da comunidade em que ela se afirma, pois
somos nós mesmos o demiurgo instituidor dos sentidos predicativos da sua validade. A
legitimidade jurídica consiste, afinal, na sua justificação prática para os respetivos destinatários,
pois nós não somos apenas objetos, mas sim autênticos sujeitos- razão pela qual o direito é um
modo de mediação de sujeitos com o mundo. A legitimação democrática é a forma como
legitimamos o mundo prático em que nos são dadas possibilidades e limitações.

Em suma: Na sua existência, a ordem jurídica apresenta uma objetividade autárquica que
define como auto-subsistente a si mesma e isto só acontece porque a ordem jurídica tem que
resolver o problema da legitimação.

Objetividade dogmática (plano intencional-material-conteúdo)

Noção de dogma: tudo aquilo que se nos impõe, ou seja, o que está imune à crítica- é
indiscutível.

Qualquer cultura tem uma irremissível dimensão dogmática, pois ela assenta em pressupostos
que se aceitam, sem os quais aliás não poderia existir. O homem está na história num
constante esforço crítico de superação e parte sempre de pressupostos que não se discutem, e,
na verdade, todo o universo prático-cultural tem pressupostos condicionantes da ação. No
fundo, era impossível (con)viver se tivéssemos de discutir tudo antes de agirmos. Esta
sabedoria está, então, gravada na nossa memória cultural. Tendo em conta, no horizonte da
prática, a urgência das ações-decisões está sempre implícita a postulação de pressupostos,
como apoio para as ações que o homem é obrigado a exercer. A base dogmática não se pode
radicalizar, não se pode cair num puro dogmatismo. A dimensão dogmática da OJ mostra que,
tal como a cultura, esta (por sendo constituenda) vai sendo constituída ao longo do tempo,
resultando todos os sentidos com que hoje nos deparamos de uma evolução anterior.

Por isso, concordando ou não com esses princípios, eles existem e estão consagrados na OJ sob
a forma de princípios e critérios. Desta forma, dizemos que a OJ é uma referência cultural
objetiva (porque existe realmente) e a sua objetividade é uma objetividade dogmática porque,
do ponto de vista histórico, é indiscutível.

A urgência de ação-decisão
O homem tem que agir, isto é, tomar decisões, apesar de esta necessidade ultrapassar as
possibilidades do conhecimento disponível. Assim, compreende-se a subsistência do dever-ser
mesmo que seja contrariado pelos factos. Como já referido anteriormente, na urgência de
ação-decisão está sempre implícita a postulação de pressupostos como apoio para as ações
que o homem é obrigado a exercer. Muitas das ações-decisões humanas são determinadas por
rotinas, por reações estereotipadas, e não se admite que elas sejam alteráveis.
Exemplo: as leis penais não perdem a sua vigência pelo facto de se cometerem crimes, pois
elas não descrevem imposições, elas exprimem exigências.

Dogmaticidade cultural
O homem vive inserido numa tradição cultural onde ele encontra muitos dos sentidos
mobilizáveis para o orientar no seu agir- herança cultural. É a partir dela, ou seja, dessa
permanente re-arrumação de coisas que não são só nossas que ele vai reconstituindo a sua
subjetividade e o seu mundo.

As objeções à dogmática
Existem razões para que esta dimensão seja contrariada:

a) A cultura de crítica racional (razões culturais)


Na verdade, o espírito científico empenhado em chamar as coisas ao tribunal da razão, visa a
crítica dos pressupostos dogmáticos que estão por detrás das ações do Homem.

b) A política democrática (razões políticas)


Por outro lado, vivemos num horizonte democrático que pretende instituir uma prática em que
todos são chamados a argumentar/ a dar as nossas razões para a elaboração do projeto
comunitário, e muitas vezes as nossas razões chocam com os dogmas já pré-estabelecidos, o
que se revela contra a aceitação de dogmas. Na democracia também é necessário a existência
de dogmas, porque sem esta base dogmática não estaríamos em condições de agir.

Para agir o homem mobiliza sempre pressupostos. Assim sendo, a ética consequencial
pretende aferir da validade do comportamento praticamente significativo através dos efeitos
ou consequência que produz.

Exemplo: se perguntarmos, em nome de certos valores que se aceitem pressupostos, ela é ou


não válida, estaremos a mobilizar uma ética de fundamentação, mas se tendo em conta os seus
conhecidos efeitos imediatamente sociais, a defendermos ou rejeitarmos, já estaremos a
operar uma ética consequencial.

A dogmática implica uma decisão e, no fundo, quando alguém decide não espera a resposta do
seu interlocutor, sendo que no direito passa-se do mesmo modo.

Nota:

Os próprios problemas determinam a evolução da ordem jurídica e do direito. Logo a base


dogmática de um juiz está em constante evolução pela experiência com os problemas. É um
constituindo, uma reconstituição analógica. Assim, visto que há uma evolução desses dogmas,
nunca podemos absolutizar o caso concreto, caso contrário estaríamos paralisados no tempo.

Resumo: A ordem jurídica está integrada no nosso horizonte cultural e isto significa que tal
como a cultura em geral a ordem jurídica existe independentemente de a querermos ou
aceitarmos. Ela é uma realidade, pois independentemente da consciência que tenhamos da
sua existência ela emerge nos mais básicos comportamentos que adotamos (compra e venda
ou um casamento). Esta objetividade é muito específica e, por isso, manifesta-se em dois
planos:

- no plano de autossubsistência institucional onde está expressa a ideia de objetividade


autárquica:
Esta ideia significa que a ordem jurídica é autossubsistente, subsiste por si mesma, portanto,
nota de autarcia, é autárquica. Esta ideia de autarcia da ordem jurídica é uma exigência da
própria objetividade da ordem jurídica, uma vez que a sua subsistência não carece da adesão
dos seus destinatários, os membros da comunidade.

- no plano intencional/material onde está expressa a ideia de objetividade dogmática:


analisamos o seu conteúdo.

O que é um dogma? É algo que se nos impõe, algo irrefutável, imune à crítica e que se aceita
como uma verdade absoluta.

Qual o sentido de se qualificar a ordem jurídica como dogmática? O Dr. Bronze diz que toda e
qualquer cultura, assim como o direito, apresenta necessariamente uma dimensão dogmática,
porque toda a cultura assenta em pressupostos que são aceites pelos membros na comunidade
concreta. Uma cultura só subsiste porque os membros da comunidade aceitam e regem-se
pelos pressupostos da cultura que partilham. Também o direito postula determinados
pressupostos para as ações e decisões dos sujeitos que condicionam as suas ações. Na
realidade prática, a necessidade de tomada de uma decisão pelo sujeito implica que se
postulem determinados pressupostos. Para agir o homem mobiliza os pressupostos. Há uma
necessidade de não esquecer que como membro de uma realidade histórica o homem vive
inserido numa tradição cultural, então dispõe de referentes de sentido que pode mobilizar para
orientar as suas ações, ou seja, pressupostos dogmáticos, sendo a existência deles que
possibilita a nossa convivência em comunidade, as nossas relações sociais, pois são
pressupostos comuns a todos os membros da sociedade.

Exemplo: O juiz é obrigado a decidir litígios. Para que os conflitos que emergem das relações
sociais se resolvam recorremos à proibição non liquet ou à obrigação de julgar legalmente ao
julgado - artigo 8º/1 CC.
Autoridade (decorre da objetividade dogmática)

A decisão, que está na base da dogmática, remete para um poder. Precisamente para agir
precisamos de pressupor essa base dogmática. A decisão remete para um poder, por isso
compreendemos a interferência necessária de uma autoridade na esfera do direito para
resolver problemas juridicamente relevantes. Daqui que a ordem jurídica apresente uma nota
de autoridade, manifestação de um poder. Há a necessidade de se decidir, sendo que o juiz
tem de decidir os problemas concretos que lhe cumpra institucionalmente resolver. Para que
uma decisão não seja arbitrária ela tem de ser fundamentada. No entanto, o direito exige que
se suspenda a preocupação fundamentante a um certo nível e se imponha uma pressuposição
de uma certa dogmática e de um poder com autoridade para decidir. O que tem autoridade é
aquele a quem se reconhece competência para dizer o que diz.

Lição 5- Efeitos da ordem jurídica

A ordem jurídica comporta quatro efeitos:

1. Racionalização
2. Institucionalização
3. Liberdade e Segurança
4. Paz

RACIONALIZAÇÃO

A ordem jurídica racionaliza a nossa ação intersubjetiva. Embora os seres humanos


tenham uma tendência natural para a sua socialização, manifestam sempre uma afirmação
individual (associal). Por isso, uma grande necessidade das relações sociais assenta numa
construção racional e na sua expressão. Significa, portanto, que, na sociedade, os seres
humanos não admitem permanecer na contingência (instinto) e na indefinição, querendo
racionalizar as suas ações e conferir à sua ação social um sentido, uma racionalidade. A
racionalização da ação é um momento característico do ser humano, quer subjetivamente quer
intersubjetivamente. Por exemplo, contrariamente ao ser humano, os insetos (como as
abelhas) têm o respetivo comportamento biológico-instintivamente codificado, pois são
especialistas, ou seja, só sabem fazer o que fazem (mel). Já o Homem não está programado
nem acabado, sendo um ser inespecializado, indeterminado e que se projeta numa “segunda
natureza”, destinada a substituir o caos por um cosmos e a indeterminação pela determinação.

Assim, o ser humano não se contenta com o caos das perceções subjetivas,
provenientes das perceções sensitivas, pois somos constantemente estimulados pelos 5
sentidos. Na verdade, o mundo não se apresenta completamente organizado, então é
necessário um esforço para atribuirmos racionalidade aos acontecimentos com que nos
deparamos.
Tipos de racionalização

- racionalização segundo um modelo de fundamentação ou axiológica/valor: esta


racionalização implica a convocação de fundamentos em que a ação será tanto mais
racional quanto maior for a concretização das referências axiológicas que a sustentam
– relação fundamento/consequência.
P.e.: “eu faço isto desta forma” porque tenho um fundamento material que me
legitima a fazê-lo e porque é justo, não sendo apenas para atingir um fim.

- racionalização como unidade-estratégica ou finalística: segundo este tipo de


racionalização uma ação é racionalizável em função de um objetivo que através dela
seja possível atingir, sendo mais racional quanto mais próximos os objetivos estivessem
– relação meio/fim, numa perspetiva de eficácia.
P.e.: visando a eficiência económica: admitir que a eliminação dos mais frágeis levaria a
essa eficiência – é uma relação meio/fim, que causa um óbvio desconforto nos nossos
princípios.

É de salientar que não existe racionalização finalística sem axiológica e vv.

Nota: Hoje em dia tende-se para uma racionalidade tecnológica, que privilegia os fins e/ou os
meios em detrimento dos fundamentos e que reduz a validade prática à mera eficácia
pragmática.

- racionalização sistémica: tem por objetivo a mera coordenação ou articulação dos


diversos comportamentos, em termos funcionais, com o propósito de reduzir efeitos
desagregadores resultantes da multiplicidade e complexidade de planos. Por outras
palavras, é a legitimação da ação que tem a ver com a pacificação e redução da
complexidade, sem o comprometimento com os fins ou os valores

Outra maneira de racionalizar fenómenos é através das condutas humanas, pois são
parte do que acontece no mundo natural. Note-se que isto não significa determinar se é válido
ou não. O que procuramos é estabelecer relações entre os fenómenos e a conduta humana,
que não é totalmente determinada por certas causas naturais. Os comportamentos livres
podem ser imputados a alguém, mas os factos naturais não são imputados, são apenas
causados pelas leis da natureza. Nós também estamos sujeitos às leis da natureza, mas não nos
imputam a adotar certos comportamentos. Nós podemos relacionar os comportamentos
humanos em termos de meio e fim e modelar a conduta para um certo propósito.

Como é que definimos se a pessoa adotou um comportamento racional? Tendo em


conta a relação da conduta com o fim em vista. É uma racionalidade finalística, pois descobre a
razão da conduta como um meio para atingir os fins. O comportamento humano, do ponto de
vista jurídico, considera-se racional se estiver em conformidade e fundamentado com os
valores jurídicos.

Existem várias modalidades de racionalidade, ou seja, várias formas de estabelecer


relações entre fenómenos, sendo que quando a ordem jurídica ordena a realidade, a mesma
racionaliza a realidade. A ordem jurídica, concebida como uma ordem de valores, que se realiza
como uma forma de resolução de problemas concretos, racionaliza a vida social em termos
axiológico-normativos. (Quando um jurista avalia o que as partes dizem, ele tenta desta forma
aferir qual delas tem mais valor. O juízo que ele profere deve resultar dos valores do direito,
que devem ser o fundamento do facto de decidir daquela maneira. O jurista não é racional por
ser um meio para atingir um fim. O que justifica a decisão do jurista é fundamentar-se em
determinados valores, pois a ordem jurídica está a ordenar os comportamentos humanos de
acordo com certos valores.)

O efeito de racionalização leva ao efeito de institucionalização.

INSTITUCIONALIZAÇÃO

Instituição – tem um valor intrínseco, bem como um padrão de comportamentos que se


estabilizou no tempo por assentar em valores que são reconhecidos e, portanto, são aceites e
postos em prática pelas pessoas.

 Status = aquilo que está organizado para subsistir/está estabilizado


 In status ou “institucionalizar” = garantir a subsistência e estabilidade

No fundo, institucionalizar significa criar parâmetros valorativos para os


comportamentos, que qualificam e estabilizam os modos de interação entre os sujeitos, tendo
em conta que existem códigos de comportamento que têm de ser minimamente respeitados.

A ordem jurídica constitui uma grande instituição que se desdobra em pequenas


instituições (DIP, Direito da Família, …).

O homem por ser livre tem de ser autor de si próprio, ou seja, tem que fazer o esforço
de se construir. Essa liberdade e constante necessidade de optar, faz com que o Homem tenha
angústias, isto é, um sentimento de vazio por preencher. Para que não tenha que começar
todos os seus atos sempre do zero, existem critérios que lhe dão apoio, fornecem-lhe uma
orientação, concedem-lhe segurança e são desoneradores.

Por ser um ser aberto ao mundo que o circunda, o homem é preenchido pela cultura,
que se objetiva em instituições. Estas por sua vez limitam o leque de possibilidades e evitam a
contradição das mesmas. Assim, o homem, com instituições pré-disponíveis não tem que fazer
tudo, porque as instituições correspondem exatamente a um esforço já feito.

A natureza do homem e de tal ordem que faz dele um ser cultural, que precisa de criar
cultura (uma segunda natureza que o homem coletivamente cria) que permite completar a sua
incompletude. Uma das manifestações mais evidentes desta criação cultural é a criação de
instituições, pois vão orientar o homem na sua liberdade e só existem, pois, o homem é livre
de as instituir. Cada cultura representa, portanto, uma restrição à liberdade do homem.

A existência de uma dialética necessária, ou seja, o homem é livre, cria instituições,


que limitam a sua liberdade e que nos garantem um conjunto de apoios aos mais diversos
níveis (sentidos, prestações, organização logística, etc.), que nos permitem encontrar um
sentido já estabilizado onde nos integramos e com o qual dialogamos.

As instituições judiciais (da OJ) constituem a nossa sociedade. A ordem jurídica é,


assim, uma instituição judicial que regula as relações jurídicas, estabelece padrões de
comportamento e critérios de juízo, delimita as liberdades (garantindo o exercício das mesmas,
em certo modo) e garante segurança, liberdade e paz.

Existem então, duas dimensões:

- a liberdade (e consequente autonomia do homem)


- a comunidade

A institucionalização limita a liberdade, mas sem ela a liberdade não poderia realizar-se pois
consumir-se-ia a si própria. Ou seja, as instituições garantem o exercício da liberdade ao
mesmo tempo que a delimita.

As instituições nunca se podem considerar definidas e acabadas, pois vivem da


dialética entre a invenção e a fixação, tendo de se sujeitar à crítica. Elas dão-nos referentes de
sentido e devem possuir elasticidade bastante para poderem responder aos apelos da
liberdade.

O mundo está de tal modo institucionalizado que parece impor uma superestrutura
que nada tem a ver connosco e, assim, o homem tende a refugiar-se no universo de uma
subjetividade hipercrítica, que não é capaz de transformar o mundo.

Exemplo: o terrorista é incapaz de viver no mundo que não aceita, se ele não acredita
na possibilidade de transformar argumentativamente o mundo ele destrói o mundo.

As instituições são necessárias ao ser humano, pois compensam as suas naturais


indeterminação, abertura e mutabilidade. Aquilo que somos ontogeneticamente, apenas o
alcançamos por mediação da comunidade, da cultura em que existimos, que herdámos e
reconstituímos.

Em suma: A ordem jurídica cria instituições que reconhecem e integram equilibradamente a


comunidade e a liberdade. Pelo facto de sermos mutáveis e indeterminados, e
simultaneamente sociais e associais, é necessária uma ordem jurídica com um efeito de
racionalização institucionalizada dos comportamentos interferentes.

SEGURANÇA

O direito condiciona cada um de nós e assim uns e outro para que possamos prever os
resultados dos comportamentos sócio-juridicamente interferentes. Sendo o Homem
indeterminado, a inserção numa ordem contribui sempre para reduzir os riscos dessa sua
ineliminável indeterminação.

A ordem institucionalizada diz-nos com o que podemos contar, transmitindo-nos


segurança. Permite que calculemos as consequências dos nossos atos, mesmo que optemos
pelo ilícito, adverte-nos antecipadamente para o que nos espera. Desta forma, conseguimos
organizar e programar a nossa vida.

A garantia da segurança implica restrições à liberdade no sentido mais direto, visto que
exige direitos, cria regras e meios para punir quem não respeita a liberdade dos outros. A
segurança que é preciso efetivar é aquela pela qual a liberdade fica condicionada.

Assim, a ordem jurídica produz o efeito da previsibilidade dos nossos comportamentos


interferentes e a possibilidade de, parcialmente, antevermos, teoricamente, os resultados das
nossas ações- previsibilidade do sentido das decisões, passamos, portanto, a saber,
parcialmente, o sentido geral dos nossos direitos e deveres, estabelecido pela ordem jurídica, o
que nos garante liberdade.

Exemplo: uma pessoa até pode ser livre de andar na rua, mas se não há segurança a
andar na rua essa liberdade não lhe vale de nada (uma condiciona a outra).

LIBERDADE

Numa primeira análise, a OJ apresenta-se como uma limitação da liberdade (estabelecendo


deveres a cumprir e impondo certos comportamentos). No entanto, a previsibilidade da OJ
garante-nos uma liberdade societariamente consonante (não a de fazermos aquilo que
quisermos, mas a de poder agir dentro dos limites definidos pela OJ), i.e., uma
proporcionalmente igual liberdade para todos.

Isto significa que:

1. a liberdade juridicamente relevante é sempre uma proporcionalmente igual


liberdade para todos
2. o direito deve ser um fator de oposição de obstáculos que se deparam na
realização de uma praticamente adequada liberdade geral

PAZ

A ordem jurídica apresenta-se como um fator essencial de paz.

Muitas vezes em sociedades opressivas há paz, pois os cidadãos das mesmas não se
insurgem. Em nome da pacificação existem injustiças e igualdades. O efeito que se quer
desencadear não é o da paz negativa. A paz deve ser em sentido positivo, a ordem jurídica não
quer pacificar a vida social, pois esta tem divergências. Assim, a ordem jurídica promove a paz
que resulta da justiça.
Nós estamos em constante conflito de interesses uns com os outros, por isso, o direito
define uma tábua de valores que nos integra, que limita o poder, impede o uso da força privada
para a realização dos direitos e garante uma convivência pacífica.

Enquanto a ordem jurídica se revelar válida e eficaz ela vai resolvendo adequadamente
os conflitos resultantes do nosso encontro no mundo e nessa medida é o fator paz.

Sendo a paz um regulativo orientador da ordem jurídica, estes critérios constituem-se


invocando uma fundamentação intersubjetivamente suficiente, pois no tribunal não é o poder
da força que vinga, mas a razão dos argumentos.

O direito será tanto mais logrado quanto mais prevenir (em vez de se limitar apenas a
resolver) os conflitos.

Aquando da prevenção de conflitos, nem sequer nos damos conta da existência do seu
conteúdo, assimilamos e interiorizamos muitos dos padrões culturais vigentes, pautamo-nos
naturalmente por esse “princípio de ação” (função secundária ou auto-organizatória) e
compreendemos que a ordem jurídica é um decisivo fator de paz, serve para ATENUAR
tensões, não as anula. O Direito obrigada as pessoas a enquadrarem juridicamente as próprias
desavenças entre elas, tentando mitigá-las.

Esta paz é referente a um direito com uma paz radicada na justiça, i.e., um conjunto de
valores materiais que se traduza numa justiça jurídica.

Justiça: o direito vigente implica que haja um conjunto construído intersubjetivamente


de valores materiais que traduzam uma ideia de justiça jurídica.

Desta forma, não confundiremos os seus fundamentos com outros sentidos de justiça
extrajurídicos, pois, muitas vezes, aquilo que empiricamente se considera (in)justo pode não
corresponder aquilo que intersubjetivamente (em termos societários) se considerará justo.

- Este é o sentido de justiça que iremos procurar compreender na análise do sentido


do direito, enquanto referência material (fundamento) e enquanto projeção prática (objetivo).

Lição 6- O problema do sentido do direito

1. Considerações gerais sobre o problema do sentido e a sua específica intencionalidade

O problema que agora se coloca é o da determinação do sentido do direito “para nós” e não o
de definir o seu sentido. A questão é: em que medida é que o direito pode atuar como
instância socialmente regulativa e intencionalmente humanizante do nosso encontro
mundanal?

O que dissemos até agora não basta para percebermos o sentido do direito. A circunstância de
a ordem jurídica ser uma ordem não garante/é insuficiente que se lhe deva reconhecer o
sentido predicativo do direito. Ora, não basta analisarmos a estrutura da ordem jurídica. Isto
porque o sentido material estará concretizado na OJ que opera como cristalização possível do
sentido constituendo evolutivo entre a realidade e juridicidade, ou seja, está para lá da
determinação da validade e eficácia da OJ porque é o horizonte de referência manifestado e
concretizado pela mesma.

Uma coisa é a explicação do direito a partir da mera enumeração horizontal e aditiva dos
fatores que formalmente o identificam e outra é a compreensão do seu sentido.

O sentido tem a ver com o homem e por isso é que a compreensão implica a mediação de
valores, pois tem de existir uma atitude de adesão ou de repulsa, sendo que essa tarefa nunca
o deixa indiferente.

Podem existir então duas perspectivas:

1. atitude descritiva - dianoia (ratio), com a inteligência teorético-analítica de um sujeito


fungível
2. empenho em compreender - nous (intelectus), em que se procura compreender o
fundamento das coisas e implica um compromisso pessoal

Ora, não há direito sem ordem, ou seja, sem estrutura, funções, características e
efeitos, mas essa é apenas uma condição necessária e não suficiente.

A ordem jurídica tem um óbvio sentido histórico, intemporal e universal. A ordem


jurídica sofreu, ao longo do século XX, várias modificações em termos formais e em termos
materiais, em função de diferentes perceções e reflexões críticas sobre o sentido do direito.
Problema do sentido do direito: qual o papel prático do direito? Se, por um lado, o direito é a
resposta aos problemas da vida prática (quid iuris?), por outro, é ele próprio um problema
(quid ius?). Mas então, será que temos, em termos estruturais e substanciais, o sentido do
direito? Não, porque a OJ vai sendo uma concretização possível do direito, que a Página 48
alimenta e fundamenta. Contudo, falando do positivismo jurídico do século XIX (aquele que
reduz o direito ao direito positivo), a resposta já seria sim, pois se o direito é positivo e se basta
com a sua concretização, não será necessário invocar mais nada para além disso – há uma
rejeição do naturalismo e idealismo do direito. E será que a OJ é fundamentada em si mesma?
Não, convoca um direito externo. Para um positivista sim, pois congrega o sentido do direito e
basta-se a si mesma. O positivismo continua a existir nos regimes de civil law e common law, o
que acabou por pôr em causa: existia a possibilidade de, no ponto de vista jurídico, a ação
humana ser analisada como objeto cognoscível e determinável através de teorias e hipóteses
explicativas? Não, pois a ação humana é suscetível de ser compreendida, mas não
verdadeiramente conhecida numa relação jurídica. As propostas de superação do positivismo
fizeram-se pela consideração do direito enquanto disciplina dirigida à vida social e ação
humana, que assume uma intencionalidade normativa prática e não apenas externa e formal.
Não iremos adotar uma perspetiva positivista (século XIX) nem naturalista. O sentido positivo
do direito não se fundamenta em si mesmo, mas também não é um naturalismo porque os
valores que o fundamentam, sendo metapositivos, são constituídos e constituendos, sendo a
comunidade histórica do direito o seu destinatário e simultâneo autor. Assim, não se apela a
um direito superior, considerando-se que a construção da juridicidade é de sujeito-sujeito
através de uma estrutura dialógica, sendo algo histórico e contruído numa comunidade
concreta, que mais tarde é projetado num ordenamento jurídico. Como chegamos a esta
conclusão? Tendo analisado a OJ (1), estamos em condições de dizer que concluímos o sentido
do direito? Desta perspetiva, não. Segundo Pinto Bronze, ao dizermos que a OJ é uma
cristalização temporária integrada num determinado contexto, sabemos que não é suficiente
para aferirmos o sentido do direito, sofrendo de insuficiências.

2. A insuficiência da ordem jurídica

A insuficiência objetiva resulta da forma como a ordem jurídica está objetivada, sendo que essa
objetivação não basta para aferir o sentido do direito. Quando consideramos a objetivação, a
ordem jurídica apresenta-se com um conjunto de características formais (“ser ordem”) que não
basta para saber o seu sentido.

Por duas razões:

 a ordem jurídica e outras ordens sociais

A ordem jurídica é uma ordem entre outras. Embora ser ordem seja fundamental, não é
suficiente para a ordem jurídica porque há outras ordens normas sociais vigentes que podem
ter estruturas análogas e fundamentações axiológicas e jurídicas mais próximas da mesma.

Por isso, procuramos distinguir o direito de outras ordens ético-morais, sociais e religiosas (que
são ordens normativas também).

Fundamentação material: distinguir o direito da ordem ético-moral

O direito relativiza-nos, colocando-nos em certas posições jurídicas mais próximas (p.e., credor
e devedor) ou mais longínquas (p.e., ordem jurídica estatal), surgindo estas relações sempre à
luz de um terceiro. A ordem ético-moral concorre com a ordem jurídica na dimensão das
posições jurídicas mais próximas, por tomar cada sujeito como único (p.e., numa relação de
amizade importa que seja a Ana e a Margarida). A ordem que regula a máfia ou outras relações
terroristas concorrem com a ordem jurídica na dimensão das posições mais longínquas, por
apresentarem fundamentos contrários/distintos, mas que estruturalmente são análogos
(critérios, órgãos instituídos para a realização desses critérios e efeitos) aos da ordem jurídica.
No entanto, quanto ao seu mérito material nunca a vamos considerar uma ordem de direito.

 a insuficiência ainda da complementar qualificação pela estadualidade

Essas ordens, mais próximas ou afastadas da OJ, não são instituídas pelo Estado – diferente da
OJ, a que corresponde a nota da estadualidade. A estadualidade legitima a ordem jurídica, pois
é uma nota absolutamente decisiva e essencial nos dias de hoje e que começou com a
institucionalização do Estado e com separação de poderes (2ª linha da ordem jurídica). Mas
basta isso para que a ordem jurídica seja suficiente? Não, pois temos ordem jurídica que
usufruem da nota da estadualidade mas que não são, para nós, ordem jurídica (p.e. ordens
jurídicas totalitárias). O Estado e o direito são entidades distintas do ponto de vista
históricointencional-material, de uma dimensão extensiva e ainda da expressão “estado de
direito” que implica que sejam dois conceitos em relação não confundíveis. Características de
distinção entre o Estado e o direito: Histórico Sendo o Estado uma institucionalização moderna
que nasce maioritariamente após as revoluções liberais (ainda que haja casos de experiências
na Grécia Antiga), sabemos que o direito é anterior à mesma (no DR, p.e., que mostra que os
modos de atuação são distintos). Devemos considerar que antes da institucionalização dos
Estados e do estado de direito havia já toda uma construção da experiência jurídica Página 50
pluridimensional que ao longo do tempo se vai modificando, o que nos leva a dizer que ambos
têm um passado lado-a-lado, mas que não se confundem. Intencional-material Intencional-
materialmente, o Estado é uma organização política e de poder, enquanto que o direito, por
dizer respeito à dimensão da vivência dos sujeitos na polis (político), não se reduzirá à política
enquanto racionalização estratégica dirigida à produção de fins. Assim, o Estado visa a
prossecução de fins e assenta a sua ação numa finalidade instrumental-mobilística (i.e.,
mobilização de meios para a realização dos fins). Já o direito, é uma ordem normativa de valor
que assenta numa validade material que estabelece os seus fundamentos e ação numa
racionalidade axiológica e não finalística, visando a fundamentação material das suas
prescrições e, portanto, numa relação de fundamento-consequência e não numa relação de
meio-fim. Há quem entenda que o direito deve ser um instrumento ao serviço das imposições
que externamente lhe sejam postas pelos outros domínios da sociedade (tecnologia,
economia, etc.), ou seja, que o direito seria melhor quanto mais se adaptasse aos objetivos
impostos por fora e permitisse obter os resultados mais próximos possíveis desses objetivos.

Dimensão extensiva

O Estado e o direito são também extensivamente distintos, pois nem todo o direito vigente
provém do Estado.

Tal aplicação verifica-se nos sistemas de common law e de legislação, aquele que herdámos
pela conjugação de criação do direito sob a forma de lei com o poder legislativo (influência do
século XIX).

Esta dimensão é visível nas fontes do direito: p.e., o direito privado (contrato que não tem de
ser assinado para que se crie direito, i.e., que vincule os sujeitos; ainda que não haja nenhuma
lei que o diga) ou o direito consuetudinário.

Assim, não se identificam direito e Estado quando temos fontes interestaduais – p.e., as
convenções internacionais são direito que não é criado pelo Estado, mas constituem direito
criado entre Estados.

Estado de direito

Ser Estado não é garantia de que estamos perante um Estado de direito (dado que existem
Estados de não direito). As dimensões conjugadas são distintas: O Estado de direito é um
Estado que se legitima/fundamenta no direito, que dialoga com ele e legitima a sua ação nele.
Não é o Estado que fundamenta o direito, pois assim o fundamento do direito seria o poder do
Estado (o que é falso, pois o fundamento material do direito é um acervo (em grande
quantidade) axiológico (contém valores predominantes) intersubjetivamente constituendo que
se vai precipitando institucionalmente).

P.e.: no art. 24º/1/2 da CRP (direito à vida), temos aqui um princípio fundamental por estar na
CRP (1) ou temos aqui uma consagração na CRP de algo que é fundamental (2)?

Temos a (2), pois o valor da vida é essencial.

Assim, os constitucionalistas falam, por vezes, de uma supraconstitucionalidade (acima da


constituição) autogenerativa – de facto, a lei constitucional é a lei fundamental, mas responde
a si própria quanto à sua legitimação. Delimitação recíproca e dialogante entre a legitimação
política do direito e a validade jurídica desse direito institucionalizado pelo Estado: o direito
fundamenta a atuação do estado, que escuda a sua atuação no direito (são interdependentes),
mas não é o Estado que fundamenta o direito – existe um controlo recíproco. Ou seja… Não
basta a forma, é necessário que o conteúdo seja uma manifestação no sentido do direito, pois
a OJ coexiste com outras ordens sociais e é proveniente do Estado (legitimada pela força do
poder político do Estado). No entanto, o direito assimila conteúdo e intenções normativas
específicas, logo, devemos ter em conta que Estado e direito não se identificam em termos
históricos, intencionais-materiais, extensão e Estado de direito.

EM SUMA

Para a ordem jurídica ser classificada como ordem de direito ➜ tem de ter uma manifestação
de direito, porém só por si não encerra globalmente o sentido do direito (que é algo que a
transcende, por ser um acervo material constituendo numa dimensão temporal e espacial
distintas da que a ordem jurídica estabelece).

A ordem jurídica é, só por si, insuficiente para definir/estabelecer o sentido do direito pois não
é nas suas funções e estrutura que encontramos esse sentido (que a ultrapassa) ➜
encontramo-lo no conteúdo que a ordem jurídica deve assumir, assumindo-o sempre de
maneira parcial e objetivada.

A ordem jurídica, do ponto de vista normativo, também é insuficiente para determinar o


sentido do direito:

• Não basta à ordem jurídica ser ordem

Como é uma ordem de direito, é-lhe característica uma dimensão normativa. Que dimensão
normativa? Uma referência de valor em que vai residir a sua validade e que é apenas a
afirmação de um ideal alheado à projeção prática ➜ é uma afirmação de valor que pretende
orientar a prática, conferindo o critério para a atuação intersubjetiva na OJ. São os critérios
operadores mobilizáveis para a resolução de problemas concretos e fundamentos de acervos
axiológicos que baseiam a criação dos critérios.

• Não basta à ordem jurídica provir do Estado

No nosso ordenamento jurídico (sistema de legislação), distinguimos, para lá da lei enquanto


critério, os critérios práticos que são diretamente convocáveis para a resolução de um
problema concreto e os critérios que, sendo atuação do poder legislativo, não são
autossuficientes do ponto de vista da sua validade normativa (problema da fundamentação
material, que lhes é conferida pelos princípios normativos em que se fundamentam*.

Sentido dos critérios = concretização do sentido dos princípios que os fundamentam.

Se todo o direito fosse estadual, o poder seria o seu fundamento.

Isso não acontece, mas o direito e o poder cruzam-se: o primeiro precisa de autoridade,
conferida atualmente pelo poder político.

Mas o poder político não é fundamento do Direito, porque, se o fosse, qualquer norma criada
pelo Estado, seria direito.

Há valores jurídicos que transcendem a legalidade - os direitos fundamentais do homem, que


são trans-estaduais – radicando numa transconstitucionalidade).

Ou seja, para a legislação constituir uma ordem de Direito, tem que se inserir no universo da
validade que lhe confere esse caráter (de norma).

Atualmente, dá-se dimensão de direito ao poder, i.e., juridiciza-se o Estado (que tende a ser,
hoje, um Estado de direito material), onde o direito é apenas o limitador do poder, mas o seu
verdadeiro fundamento legitimante.

Relação entre normas e entre normas e princípios

Critérios normativos (nomeadamente os normativo-legais) ➜ delimitação positiva e negativa


quanto ao seu conteúdo, a intencionalidade dos princípios em que se sustentam (se uma
norma legal contrariar um princípio consagrado na constituição e se se arguir essa
inconstitucionalidade, poderá ser fiscalizada e declarada como inconstitucional). * os princípios
não são critérios, são referentes axiológicos que traduzem compromissos práticos de realização
intersubjetiva e que assimilam valores: p.e., os princípios da legalidade, da igualdade, da
confiança, da autonomia privada, do Estado de direito, estão consagrados sob a forma de
norma legais na constituição/constitucional).

O que é que dá sentido de direito à ordem jurídica? Uma dimensão normativa.

Três momentos:

1. imanência intencional da ordem jurídica


2. identificar o sentido dessa ordem
3. intenção normativa fundamentante e de validade do direito

3. A insuficiência normativa

 a necessária consideração da dimensão normativa imanente, normativamente


substantivadora e sustentadora da vigência

O que implicou mencionar o sistema jurídico (abordado na IAD II)?

Permitiu compreender que uma norma legal, embora a sua legitimidade democrática, tem
de responder à questão da sua validade jurídica.
Ora, se a ordem jurídica é composta por critérios e por princípios, não é apenas composta por
normas legais – é pluridimensional. Uma ordem jurídica tem a sua dimensão prescritiva (válido
do inválido, lícito do ilícito, …) e esses critérios prescritivos levam imanentes um conjunto de
valores que lhes dão sentido. Um critério é então uma regra técnica. (O jurista pode ser um
técnico, mas o fundamento é aquilo que sustenta e justifica o seu critério (o “alicerce” que
intencionalmente o legitima). Os critérios são, portanto, os modelos técnicos de solução
imediatamente mobilizáveis, mas por detrás deles estão sempre, os valores/princípios que se
louvam.)

E se se pretende assumir como ordem de direito, há de afirmar um sentido normativo


material para a prática.

Porém, ainda que seja imanente à ordem jurídica essa intencionalidade normativa, a ordem
jurídica constitui uma concretização contextual de uma intencionalidade que a ultrapassa (o
sentido do direito), que é o acervo significativo historicamente construído, criticamente
refletido e que constitui o direito numa civilização.

Assim, é necessário considerar que a ordem jurídica, para ser de direito, assumirá uma
dimensão normativa que a constitui substancialmente e sustenta a sua vigência, pois a ordem
jurídica não se basta ser válida e politicamente legitimada.

Para ser direito, tem de ser eficaz.

A validade não existe sem a eficácia e vv.:

- validade sem a eficácia = afirmação ideal axiológica sem efetividade prática

- eficácia sem validade ⇒ imposição pela força de um conteúdo que, se não afirmar a validade
substancial contextualmente reconhecida como direito, não será como tal reconhecido.

Isto significa que, se uma norma for inválida, ela irá perder, provavelmente, a sua eficácia. P.e.:
se uma norma legal determinasse a ilicitude dos seres humanos mais frágeis, assumiríamos no
nosso contexto cultural essa norma como uma norma de direito? Não.

Logo, não basta à ordem jurídica ser eficaz por força da imposição em virtude da sanção (que
é uma característica que resulta da necessidade da efetivação prática), pois o direito tem de
afirmar uma axiologia e uma normatividade positivas, ou seja, aptas a que o sujeito que
compõe a comunidade jurídica em causa lhe dirijam uma referência positiva. P.e.: o facto de o
art. 24º da CRP determinar que, em caso algum, existirá pena de morte em Portugal manifesta
uma referência fundamental do nosso contexto cultural que leva àquela consagração
constitucional.

O direito refere uma validade e refere-se a uma validade, pois não resulta de uma ordem de ser
indisponível, da natureza das coisas ou de uma perceção de direito natural externamente
imposta.

Para ser direito, nesta perspetiva não-positivista ou não-jusnaturalista, assumirá e afirmará


uma validade material que é intersubjetivamente construída.
Não significa que seja contingente/fixa, porque a validade que vai sendo conferida ao direito
também traduz, enquanto aspiração à validade, uma vinculação como projeto a atingir (e cuja
construção está na autodisponibilidade dos membros da comunidade).

Assim, a axiologia que se vai manifestando/construindo está em contínua constituição e, ao ser


assumida como projeto de concretização, autoprojeta-se nos sujeitos que a originam –
compreenderemos a validade do direito na determinação vinculativa de comportamentos, em
nome da salvaguarda dos valores.

Não é a concordância individual que põe em causa a axiologia e a normatividade contra-fática


da norma, pois há uma concordância global da comunidade e que legitima/fundamenta essa
norma – i.e., podemos discordar individualmente da norma, mas isso não afetará o
fundamento axiológico-normativo dessa norma porque houve uma concordância social da
mesma que a legitima.

Logo…

À ordem jurídica cabe manifestar um sentido normativo imanente que substancia e sustenta a
sua vigência – essa normatividade imanente à ordem jurídica é a manifestação de uma
intenção normativa transpositiva, que a ultrapassa. A ordem jurídica é positiva, válida e eficaz.

Uma ordem de direito assimila valores que são os sentidos práticos da ordem, que nós
compreendemos e assimilamos e pela mediação dos quais ela comunica connosco, sendo eles
que permitem garantir a vigência da ordem.

Uma ordem jurídica vigente é sociologicamente eficaz e tem uma densidade material a que se
reconhece uma validade.

 a intenção normativa transpositiva e regulativa — o direito como princípio;

A intenção normativa transpositiva e regulativa da ordem jurídica = sentido do direito, na sua


manifestação enquanto princípio normativo.

Como a ordem jurídica é uma concretização que ultrapassa o sentido do direito (que é por sua
vez um “dever ser”), tem uma própria fundamentação num “dever ser” que o direito é.

Assim, o fundamento da construção dialógica dos valores que constituem o direito é o


reconhecimento recíproco dos sujeitos como pessoas, ou seja, sujeitos com dignidade ética,
autonomia e responsabilidade.

O que implica que a relativização que o direito faz (padronização equiparadora) seja uma
manifestação cultural, que tem como pressuposto um referente histórico que constitui a ideia
de dignidade humana.

Dizer que um “sujeito de direito” é um sujeito com uma inabilidade dignidade ética não
significa dizer que o direito é uma ética, mas sim que o direito é um pressuposto ético-
axiológico e cultural.
Partindo do princípio que temos um conjunto de referentes que auxiliem na compreensão do
que é a dignidade humana, pressupomos que o ser humano se assume como membro da
sociedade humana com um acervo cultural adquirido pelo contexto e que o constitui enquanto
pessoa – efetivação da dignidade e do valor da vida.

(Pretende-se afirmar que o direito não constitui uma normatividade absolutamente concluída
e acabada. Os valores transcendem o plano do já constituída. Os valores vão para além da sua
concretização efetiva num dado momento histórico. Os valores são transpositivos. O direito
vai-se constituindo em função dos valores assumidos pelo homem. Em função daquilo que o
Homem quer que seja o direito. O direito é o esforço humano. Dizer isto significa dizer que esta
ordem de direito nunca está acabada, mas sim em permanente reconstituição. O direito é, por
um lado, um conjunto de valores. Mas, também, evolui. É uma constituição já constituída
(plano do ser-valores já constituídos), mas evolui (é um projeto normativo- plano do dever-ser).
No fundo, o direito verdadeiramente não é, vai sendo.)

 fundamento da transpositividade

Os valores constituem e fundamentam a ordem de direito, mas o fundamento último dessa


validade é a pessoa humana, portadora de uma inviolável dignidade ética. O sujeito
simultaneamente livre e autónomo e responsável e chamado a participar comunitariamente
por outro. A matriz axiológica que justifica o direito naquilo que ele é e há de ser é o facto de
nos reconhecermos uns aos outros como pessoas, como sujeitos portadores de uma inviolável
dignidade ética. Quando consideramos as normas legais que uma norma que atente contra a
dignidade humana não é válida. Não sendo válida não é vigente, e assim não é direito. O
direito assenta em valores (plano do ser), mas essa validade é transpositiva (plano do dever-
ser). E o fundamento último dessa validade radica na pessoa humana (plano do dever-ser do
dever-ser). Permite-nos identificar o sentido geral do direito.

 a intenção axiológico-normativa fundamentante da validade do direito como direito


como alternativa, para lá da resposta idealista e da resposta positiva (remissão)

É precisamente a validade que constitui o direito como direito. A intenção normativa


fundamentante e instituinte de uma validade que nos permite reconhecermo-nos uns aos
outros como pessoas, sendo esta matriz axiológica que justifica o direito naquilo que é e há de
ser. No direito, a afirmação da autonomia vai sempre acompanhada de integração comunitária
sem o qual não faria sentido – temos de falar de direitos com a implicação de deveres.

Do ponto de vista jurídico, a dimensão de autonomia e responsabilidade estão presentes na


construção do sujeito de direito.

Tipos de responsabilidade

Nas linhas da ordem jurídica falámos dos tipos de justiça que o direito compreende:

• linha de base - a justiça comutativa corresponde à responsabilidade contratual - a justiça


corretiva corresponde à responsabilidade civil extracontratual
• linha ascendente - a justiça protetiva corresponde à corresponsabilidade (ex. da
responsabilidade penal)

• linha descendente - a justiça distributiva corresponde à responsabilidade de integração


comunitária

Ora, um sujeito de direito apenas é de direito pela integração comunitária – comunidade surge
como ponto de integração.

Sujeitos relacionam-se entre si na afirmação de autonomia e na afirmação de


responsabilidade, dentro da comunidade.

Até que ponto é um sujeito responsável por outro sujeito? Onde está a fronteira entre
autonomia e responsabilidade do sujeito? O que é juridicamente relevante?

Pressupondo a existência de um direito natural e assumindo que os valores que vinculam o


direito não são contingentes, mas sim projeto de realização, verificamos que não estamos
numa perspetiva idealista nem positivista, pois não admitimos que o direito seja direito por
estar sob a forma de direito.

O que é juridicamente exigível é o que está sedimentado, mas também o que está em corrente
discussão e dúvida.

As repostas a que chegamos são suscetíveis de revisão, fazendo evoluir uma comunidade.

No entanto, não significa que não tenhamos em consideração:

- a relação entre comunidades, pois cada vez mais dentro de uma comunidade nacional temos
diferentes comunidades (diálogo interno entre as comunidades da comunidade)

- a relação do diálogo intercomunitário, pois devemos falar do diálogo da conjunção de uma


determinada comunidade/sociedade com outras, dado que os referentes axiológicos não são
universais (leva-nos ao problema de saber da possibilidade de reconhecimento recíproco da
condição de pessoa e das características intrínsecas, bem como de uma proposta de respeito
recíproco que permita uma tradução e mútua compreensão das semelhanças e das diferenças
entre ambos)

No fundo, os interesses dividem-nos e é por isso que só conseguiremos atuar instituindo um


poder. Assim, a normatividade traduz a exigência de uma axiologia que empreste validade à
prática. Mas, numa sociedade estrategicamente organizada, o homem não é pessoa, surgindo
antes, diferentemente, como um elemento fungível. Por exemplo, num automóvel nenhuma
peça vale, em princípio, por si, pois pode ser substituída. Ora com o homem não pode ser
assim porque nenhuma pessoa é inútil. Por que será que mesmo aquele que entenderíamos a
qualificar como o mais ínfimo dos homens não é eliminável? Porque uma pessoa, por ter valor,
nunca é insignificante.

Ora só quando a ordem jurídica permitir que os homens a quem ela se dirige se reconheçam
uns aos outros como pessoas é que se poderá dizer que essa ordem manifesta uma autêntica
normatividade.
A ordem jurídica viabiliza sempre uma integração das nossas diferenças, pois são os valores
que ela compreende que, apesar de nos vincular e sancionar, distingue, revela e respeita a
autonomia ética de cada um.

A ordem de direito tem o seu fundamento nas valências éticas por mediação das quais nos
reconhecemos uns aos outros como pessoas, sendo igualmente esse o fundamento que
legitima a obrigatoriedade que ela nos dirige.

No fundo, há uma dialética de mútuo reconhecimento entre o direito e nós próprios.

4. Conclusão provisória: a reconstituição analógica da ordem jurídica

A ordem jurídica:

- localiza-nos, situa-nos uns com os outros num mesmo mundo, procurando fugir quer à
dissolução do individualismo, quer à massificação do coletivismo e tenta evitar a
instauração do igualitarismo em excesso e por isso é ordem;
- controla e regula, em termos de exigibilidade e de exequibilidade, as intersubjetivo-
comunicativamente reconhecidas relações válidas e por isso é de direito;
- é marcada pela intersubjetividade humana por uma irremissível historicidade, por isso
integra o horizonte da prática.

Lição 7- O direito e a sociedade

1. O direito na sociedade

Vivemos em sociedades heterogéneas, complexas e plurais em que as referências


agregadoras tendem a mudar e rarefazer-se em torno de um tronco central, o que significa que
a consideração da coesão social é crescentemente problemática.
Hoje, temos a expressão direta das diferenças que nos caracterizam.
Perante isto, cabe-nos perguntar qual é, afinal, o papel do direito.
É sobre isso que temos versado: perguntamos qual a função que o jurista encara e
como a desenvolve. Vimos, por outro lado, que mesmo não sendo juristas (e analisando a
ordem jurídica), fizemos a descrição à luz de um pressuposto fundamental, concluindo que o
problema do sentido não é meramente observável.
Assim, o direito seria sempre um fenómeno cognoscível: se o direito for, ainda, uma
dimensão normativa e crítica-reflexiva da prática social, que implique diferentes
intencionalidades e fundamentos, exige uma nova reflexão que procura pelo seu sentido.
Respostas plurais:
- construções ontologicamente assentes na determinação de um ser que o direito
assumiria e haveria de espelhar na realidade (com um sentido intemporal e universal)
- correntes mais pragmáticas, que veem no direito uma regulação ao serviço da
sociedade de modo acrítico (não crítico), isto é, uma regulamentação neutra à qual cabe
apenas cumprir os objetivos que as diferentes dimensões da sociedade se prepusessem atingir

Do ponto de vista por que olhamos para o direito (que tem a ver com uma linha de
evolução de pensamento e com a convicção direta e tomada de posição da professora),
significa que pensar no direito hoje nos obriga a dialogar com diferentes compreensões daquilo
que o direito seja e do pensamento que o pensa (em termos dogmáticos imediatamente ou
filosóficas mediatamente (relação indireta).

Falámos, assim, da ordem jurídica, que não é uma “ilha isolada”, não existe isolada. A
normatividade jurídica tem uma base societária e atua no seio da realidade social.

 Sociedade

A sociedade é o ponto comum/a realidade unitária da própria convivência humana, através da


qual os seus membros são conexionados entre si. Essa conexão resulta da
comunhão/preposição de certos fins ou de formas de convivência integrada ou conflituante. A
sociedade é o campo de atuação do direito, isto é, o direito atua sempre no âmbito de uma
determinada sociedade. Com isto, podemos distinguir duas dimensões relevantes:

o Dimensão comunitária- esta dimensão traduz a ideia de que a sociedade


implica sempre um projeto em comum, uma teia construída pela interferência
das nossas ações significativas/comunitariamente relevantes, sendo a
sociedade mais do que a mera soma aritmética dos seus membros, que poder
ser compreendida pelas relações intersubjetivas. (pág.208)

o Dimensão de autonomia- o comum social não pode jamais esmagar a


individualidade dos membros da sociedade (o nosso eu individual →
autonomia; o nosso eu social → onde interagimos com os outros), porque não
somos robots comunitários e temos a nossa autonomia que não pode ser
esmagada por uma forte estrutura comunitária.

Estas dimensões dão conta da dialética entre a autonomia (eu individual) e a comunidade
(eu social), que têm de estar em equilíbrio.
Nenhuma destas dimensões pode ser absolutizada, pois se absolutizarmos o eu social, as
pessoas deixam de ser pessoas e passam a ser objetos do projeto (eliminação da liberdade e
autonomia), caindo, assim, num totalitarismo, se absolutizarmos o eu individual viveremos
num ultraliberalismo que não considera a integração das pessoas na comunidade.
“Somos seres centrífugos (de liberdade e autonomia) a conviver num horizonte
centrípeto (porque a sociedade nos chama a si)” – Douto Bronze

Como é que a sociedade disciplina a forma como nos organizamos? Como enquadra a nossa
autonomia na comunidade?

Cada um de nós tem na sociedade um estatuto e desempenha, em função do mesmo, um


determinado papel. O que importa nas nossas relações comunitárias é o papel (status-
estatutos) que somos chamados a realizar. Os nossos estatutos condicionam-se reciprocamente
e projetam-se numa clara concordância de mútuas correspondências. O facto de atuarmos
segundo estatutos sociais definidos acaba por reduzir a complexidade inerente ao exercício da
nossa liberdade: qual será o papel do direito?

Os valores materialmente densificantes de uma determinada sociedade identificam o


consenso comunitário, isto é, funcionam como fator de coesão social e como elemento
fundamental e fundamentante da integração comunitária. Contudo, onde há relação humana
há conflito. O consenso e o conflito aparecem-nos, então, como complementares.

O direito aparece aqui como resolutor/que previne de conflito, que surge pelo facto de
interagirmos uns com os outros (na sociedade). O direito é um subsistema social destinado, por
um lado, a prevenir e, por outro, a resolver os conflitos que ocorram na sociedade, surgindo
como regulador, o que possibilita a nossa integração na sociedade. Nas sociedades
encontramos dois modelos: o espaço de equilíbrio e o espaço do conflito (é aqui que direito
aparece como regulador).

É este conflito que possibilita o dinamismo histórico da sociedade e a sua permanente


evolução.

 A sociedade: sentido geral e a problemática da sua conceção teórica (de um imediato,


mas muito esquemático, ponto de vista sociológico)

Até que ponto é que não nos guiamos por uma linha positivista (século XIX) ou por uma
linha jusnaturalista (antiguidade clássica e atualidade)?

No direito romano, há uma autonomia específica do pensamento jurídico que tem a ver
com a autonomização de magistrados próprios e de algumas actiones e, simultaneamente, um
direito enquanto sistema pluridimensional (fontes de direito para além da lei – doutrina,
jurisprudência, costumes).

Já a partir da idade moderna, tem a ver com a teoria da soberania popular e com o
princípio da separação de poderes.

Tanto o direito romano como a idade média ou não reconhecem ao direito um sentido
autónomo ou, reconhecendo-o, o recusam (não o entendem suscetível para a resposta da
intersubjetividade tal como ela hoje se apresenta), seguiremos outra perspetiva: ao direito
cumprirá olhar para a sociedade, que no fundo é a realidade em que se desenvolve, à qual se
dirigir e que procura regular.

Papel do direito na sociedade hoje:


- qual o papel que o direito desempenha na sociedade? Que relação se estabelece?

- será o direito função da sociedade? Será que deve ser aquilo que a sociedade lhe imponha e
deve sê-lo instrumentalizadamente?

- será a sociedade função do direito? (o que implica que o direito assuma um papel
constitutivo, sendo a sua função regular e constituir uma sociedade)

Devemos considerar diferentemente os modos por que o direito se relaciona com a


sociedade. Falar de sociedade é diferente de falar de comunidade: esta sistematização diz
respeito a uma proposta de um sociólogo do século XIX, Ferdinand Tönnies.

Este vê na comunidade uma agregação intersubjetiva espontânea e, portanto, não


convencionada, com o estabelecimento de laços/ligações entre os sujeitos, que estabelecem
uma interdependência de referenciação agregadora/construção comum de sentidos.

- Comunidade (comunitas): designação daquilo em que comunga, em que se toma


parte

Já a sociedade seria, diferentemente, o resultado de um acordo/contrato de sujeitos


individuais e livres, previamente a esse contrato, e que se vinculariam ao mesmo, se e quando
tal vinculação correspondesse à realização de interesses individuais que, por essa via, se
tornam interesses comuns.

- Sociedade (societas): como resultado da confluência de vontades de sujeitos que


pretendem realizar os seus interesses comuns

 A proposta de Max Weber na diferenciação entre coexistência e convivência (?)

Esta é uma nota fundamental para compreender que tipo de intersubjetividade se


pretender construir para/no direito.

De facto, numa construção societária procedimental formalista é possível coexistir sem


conviver. As construções individualistas mais extremadas propõem-no, defendem-no e
assumem-no.

No entanto, não podemos ter coexistência e convivência em extremos, pois as nossas vidas
intersubjetivas fazem-se de ambas.

O direito que queremos ter é uma opção, podendo ser um cimento agregador ou uma
mera construção procedimental para diminuir eventuais conflitos (reduzindo a sua influência
material).

 Coexistência – existência de elementos especialmente juntos, mas humanamente


separados
 Convivência – uma unidade integrada; faz sentido falar em “nós”
 Correlação – pluridependência, a minha situação condiciona a do outro e vice-versa
PERGUNTAR À GUIDA- CONTEXTO HISTÓRICO

 A sociedade (em perspetiva material)

O objeto principal das nossas preocupações não é a autonomia do direito no positivismo,


mas sim a posição relativa do direito face às outras dimensões da sociedade.

Dizer que o direito é um fator regulativo ao serviço da sociedade implicava reconhecer que
o direito seria tanto mais adequado quanto mais cumprisse as exigências das outras dimensões
da sociedade.

O direito não é alheio a nenhuma delas, mas também não se subordina a elas: hoje,
depara-se e dialoga com todas essas dimensões.

A proposta da procura da autonomia material (e não formal, como no positivismo) assenta,


segundo a perspetiva jurisprudencialista, no reconhecimento da permanência do direito na
história e do diálogo que faz com todas as dimensões.

Contudo, por ser direito e se assumir na história com um papel constitutivo que
culturalmente lhe foi sendo conferido, toma uma posição perante essas outras dimensões.

Nota:

Castanheira Neves salienta que o formalismo do século XIX gerou várias


instrumentalizações do direito, os chamados “funcionalismos materiais”, i.e., propostas de
instrumentalização do direito a dimensões que lhe são externas, no âmbito de uma
compreensão macroscópica da sociedade ➜ várias vertentes de atuação intersubjetiva
impõem-se ao direito como critério de construção, tornando o direito tanto mais adequado
quanto mais capaz de atingir esses objetivos for).

 Os interesses e o fator económico

Considera-se que é a economia que determina o direito é redutor.

Essa consideração transforma o direito:

o numa determinação de adequação entre meios e fins para a adaptação, colocação de


bens/recursos escassos às necessidades potencialmente infinitas

o num meio (sendo ele próprio, assumindo uma racionalidade finalística em nome da
eficiência económica, mais do que a eficácia, isto é, o direito era transformado num
instrumento ao serviço da eficiência económica)

Isto poderia implicar um sacrifício dos pilares fundamentais historicamente


constituídos do direito para chegar a conclusões/situações favoráveis economicamente.
P.e.: permitir-se a eliminação de alguns sujeitos (pessoas) em nome da eficiência
económica (os mais frágeis).
Ora, o direito não é imune à economia e, por isso, falamos aqui de uma autonomia
relativa, ou seja, o direito, por ser direito na nossa experiência cultural, dialoga/é
condicionado pela economia, mas não é determinado por ela.

O que acontece é que o direito, perante a realidade económica, reflete criticamente e


propõe soluções de realização de projetos económicos, no equilíbrio com os valores
fundamentais a que corresponde.

Assim, segundo o fator económico estamos interessados no mundo para satisfazermos


as nossas necessidades; manipulamo-nos devido aos interesses; a economia auxilia na
escolha de mobilização de bens de que há carência para dar satisfação às necessidades.

Nota:

Isto não foi sempre assim nem será, porque, tal como o Doutor Bronze nos diz, o
direito é uma opção que vai sendo construída e, no limite, se os sujeitos envolvidos assim
entenderem, pode ser substituída por outro modo de regulação.

 o poder e o fator político

Atualmente, a noção de Estado de direito mostra-nos uma interdependência: o direito


precisa do Estado para se impor e o Estado precisa do direito para se legitimar e fundamentar a
sua ação.

A legitimidade que herdamos e a legitimação democrática são coisas distintas.

A legitimação democrática é uma importante parte da fundamentação da atuação do


Estado e mostra, decisivamente, a tensão dialética entre Estado e direito.

Isto acontece porque, de facto, fazer residir as opções políticas na legitimação democrática
implica uma convocação do direito diretamente para construção dessa legitimidade (já que o
direito legitima e limita), isto é, o direito limita negativa e positivamente o poder, dialogando
continuamente com o poder.

Sempre existiram propostas de redução do direito à política (programa finalístico, levado a


cabo através de uma certa estratégia), o que é diferente de reduzir o direito ao político
(conjunto de valores que dizem respeito à ação numa determinada comunidade, à atuação na
polis). Conclui-se, assim, que o direito é uma atuação do político, mas não necessariamente
uma atuação da política, já que a política implica um plano estratégico de atuação com uma
racionalidade finalística associada.

Assim, este fator traduz a organização, em termos estratégicos, da sociedade, para esta
se afirmar como tal- institucionalização da dimensão política de uma sociedade. (?)

 os valores e o fator cultural (axiológico)

Falamos agora da relação que o direito estabelece com os valores e com a dimensão
cultural.

O direito é um fator cultural fundamental na nossa experiência/hemisfério civilizacional.


Manifesta-se como um referente autónomo da nossa cultura, uma autonomia cultural
dialogante com as outras dimensões da prática.

Assim, este fator é um sistema de valores, sentidos, referentes de significação humana


de uma sociedade, onde a ação pressupõe sempre uma fundamentalização e esses
fundamentos são dados pela nossa cultura (e valores).

 o direito como síntese seletiva dos fatores mencionados

Quando falamos do papel do direito na sociedade, consideramos que o direito tem um


papel social, por ser direito, por ter as características que comporta, por ter os fundamentos
que convoca e por ter as consequências que produz.

Este papel social é, simultaneamente, de regulação constitutiva e de reflexão crítica.

Visto que estas duas dimensões são a síntese contemporânea e os seus pilares de
regulação, poderemos considerar direito se não estivermos este ponto de vista crítico-
reflexivo?

Não.

O direito, sendo uma afirmação com um pressuposto ético e cultural (a partir da época da
idade moderna, pelo menos), vai-se separando da referenciação ético-moral à procura de uma
fundamentação própria. Chegando, inclusive, ao ponto de, numa perspetiva positivista, abdicar
dessa referência para uma fundamentação transpositiva/suprapositiva, vindo depois a ser
criticado exatamente por isso (recuperando-se, por sua vez, os referentes materiais
fundamentais para procurar conferir o conteúdo e intenção material ao direito, com o grande
contributo da filosofia existencialista, da história do direito, da sociologia jurídica, etc.).

Em suma…

Quanto à análise estrutura da sociedade e, assumindo uma perspetiva material, podemos


apresentar três tipos diferentes de elementos materiais irredutíveis aos constitutivos da
sociedade:

1. Os interesses que identificam a dimensão económica da sociedade;

2. O poder que define a dimensão política da sociedade;

3. Os valores que são a expressão da dimensão axiológico-cultural da sociedade.

Interesses Poder Valores


O interesse tem a ver com a Permite-nos compreender que Cultura = sistema de valores, dos
nossa relação com o mundo; é o a política traduz a organização, sentidos e referentes de
inter-est, o que está entre nós e em termos estratégicos, da significação humana de uma
o mundo e aquilo que nos liga a sociedade para que esta se sociedade
ele afirme como tal ↓
↓ ↓ É um particular “modo de vida”
Todos estamos no mundo Sociedade define, que se vai instituindo na sociedade
porque o mobilizamos para estrategicamente, os seus ↓
satisfazer as nossas objetivos fundamentais através A ação pressupõe sempre uma
necessidades e, em geral, para da sua dimensão política. fundamentação cujos fundamentos
nos realizarmos ↓ são fornecidos pela cultura
↓ O poder representa a ↓
O mundo é visto como objeto de encarnação da política Esta desenha um “arco
uma apetência P.e.: um livro ↓ hermenêutico”, porque constitui
serve-nos para alguma coisa, por Institucionalização da dimensão uma tradição
isso podemos dizer que nos política da sociedade ↓
ligamos a um livro com uma Os referentes culturais são, desta
determinada forma, herdados, embora estejam
apetência/interesse, porque sujeitos a uma permanente revisão
com o livro satisfazemos certas constitutiva derivada de inovadoras
necessidades experiências problemáticas que
↓ surgem
Isto significa dizer que os
interesses nos permitem
manipular o mundo (incluindo
os outros).

ECONOMIA
É o estudo da escolha dos
instrumentos de mobilização dos
bens em carência, para satisfazer
certas necessidades e, assim,
dar resposta aos interesses

Mas o que tem o direito a ver com estas dimensões?

Estas três dimensões são diferentes, mas estão coligadas.

Apresentam-se como fenomenologicamente distintas e irredutíveis, pois correspondem a


sentidos diferentes da nossa posição no mundo.

E sendo elas assim dimensões distintas, como é que se articulam reciprocamente?

O direito é um dos articulantes desta pluralidade de dimensões na sociedade:

- é critério sobre os interesses no quadro de um poder e, para cumprir essa tarefa, mobiliza
alguns dos valores que o fundamentam

- é um sintetizador seletivo de todas as dimensões, embora aí se afirme com uma intenção


própria (que veremos à frente)

O direito ajuíza do mérito relativo dos interesses, sendo a instância crítica do poder e que
mobiliza alguns valores para realizar estes objetivos, deixando outros de lado (sendo, por isso,
um critério seletivo).
Lição 8- O direito: função da sociedade?
Será o direito uma função puramente dependente da sociedade?

Por um lado, existem teses que defendem que o direito é, efetivamente, uma pura função da
sociedade e que dela depende.

Para essas orientações, o direito seria um mero resultado dos elementos materiais
irredutivelmente constitutivos da sociedade, sem qualquer autonomia.

Assim, estas correntes defendem que o direito depende, exclusivamente, da economia


(composta por interesses, necessidades subjetivas, expectativas sociais que se quer ver
satisfeitas) da política (composta pelo poder) e da cultura (composta pelos valores)➜ veem o
direito como uma realidade fraca, determinada pelas realidades mais fortes a que se aludiu.

Todavia, identificaremos três linhas de tendência que vão fazer com que, progressivamente,
consideremos o direito enquanto função da sociedade e não enquanto direito que assume
apenas um papel na sociedade (ou seja, que o direito é e deve ser aquilo que a sociedade
determine que seja direito).

São estas conceções redutivistas, pois têm o direito como variável dependente:

 redução do direito ao económico

▪ O economicismo defende que o direito é uma mera expressão normativa das relações
económicas.

▪ Karl Marx: defende que cada época histórica é determinada pelos modos de produção
dominante e o direito não passaria de um segregado da aludida infraestrutura.

▪ Law and economics: a economia é um elemento dominante e determinante na história.

▪ A racionalidade da economia é uma racionalidade de eficiência pragmática: dispomos de


poucos meios, temos de optar, e optamos pelo meio mais eficaz de satisfazer as nossas
necessidades e interesses.

▪ Se a realidade social fosse dominada apenas por uma racionalidade – a puramente técnico-
profissional – poderia resultar no perigo da instrumentalização do direito nos interesses.

▪ O direito não pode ser instrumentalizado em função da economia

Em relação à apreciação crítica da teoria redutivista do direito à economia:

• O jurídico também atua sobre o económico, como é reconhecido pelo próprio pensamento
marxista;

• O tipo de relação entre a esfera do económico e a esfera do jurídico tem variado de época
para época;
• Se a intencionalidade (que condiciona a racionalidade) de ambos é igualmente diferente (a
do económico centra-se na eficiência, enquanto que a do jurídico tem como núcleo a validade),
então vemos que económico não é o seu determinante exclusivo ➜ podemos concluir que o
económico não reduz, nem teoricamente nem ao nível da análise histórica, nem atendendo à
intencionalidade os dois domínios em controlo: o ético-jurídico, tendo, contudo, que contar
com ele.

 redução do direito ao político

▪ Nesta conceção o direito seria somente a concretização da vontade política.

▪ Distinção entre político e política:

▪ Político – conjunto de valores existentes numa determinada sociedade;

▪ Política – programa finalístico associado à realização estratégica de um determinado


programa; alimenta-se de valores que integram o político.

▪ Existem 2 planos:

a) Plano institucional (problema das relações direito/poder):

▪ Problema a resolver: a legitimidade do estado;

▪ O que fundamenta o poder não pode ser o próprio poder;

▪ Se reduzirmos o poder a um conjunto de leis criadas pelo estado, o fundamento do próprio


estado resultaria daquilo que ele próprio cria através da lei;

▪ O estado invoca o poder para se legitimar;

▪ O poder invoca a normatividade para se legitimar;

▪ O poder deve ser fundamentado pelos valores que são assumidos, protegidos e tutelados
pelo poder;

▪ No político, o poder encontra a sua legitimidade e o direito tira o fundamento da sua


validade;

▪ A normatividade precisa do poder para existir e subsistir.

➢ Estado de direito formal: a lei passa a ser vista como um instrumento de defesa dos
indivíduos face à atuação do estado. O poder estadual fundamentava a sua atuação na lei que
ele próprio criava. O estado só poderia interferir mediante a lei, quer isto dizer que o poder
estava limitado pela lei (poder legislativo era um supreme power): poder estadual só pode
intervir no âmbito daquela moldura definida e fundamentada na lei.

Princípio da separação de poderes: é necessário garantir a moderação e controlo recíproco dos


poderes → lei = instrumento de defesa dos indivíduos em face da atuação do Estado
(resistência à opressão do Estado).

➢ Estado de direito material: o direito passa a ser instrumento de atuação e não de defesa. O
fundamento material do poder estadual são os valores juridicamente tutelados. O direito não
se reduz à lei.
Será que direito está subordinado à lei criada pelo poder estadual? Não.

b) Plano intencional-material (intenções específicas do jurídico e da política)

▪ A política e o direito têm racionalidades distintas, isto é, são realidades historicamente


diferentes e visam objetivos diferentes.

▪ O direito distingue-se da legislação política, e o pensamento jurídico apresenta um auditório


argumentativo e dimensões materiais que impõem a sua distinção do poder político.

 Redução do direito ao axiológico-cultural

▪ O direito assimila valores que compõem a ordem axiológica da sociedade e é condicionado


pelos problemas concretos dessa mesma comunidade.

▪ O direito só se pode dizer vigente quando constituir uma dimensão real de uma prática
concreta.

▪ Vigência – validade e eficácia.

▪ O direito tem de estar conformado axiológico-intencionalmente e histórico-socialmente com


a pluralidade das manifestações de uma determinada comunidade.

▪ A cultura só será vigente se afirmar essas características.

▪ É nos valores que o direito radica a sua dimensão de validade, contudo não se pode reduzir a
eles.

▪ Para se afirmar não basta que o direito seja válido, tem de ser eficaz, pois só assim poderá ser
considerado vigente.

Contudo…

Mas o direito reduz-se a alguma destas dimensões? Será que é uma dimensão variável de
alguma delas? Não.

Porquê?

• O direito não se reduz à economia

Não se pode considerar apenas os interesses económicos (que são aquilo que nos separam).
Contudo, também não podemos desconsiderar a importância da economia do direito: o direito
tem de considerar os interesses económicos (dado que não é uma ilha isolada).

É esse distanciamento entre economia e direito que permite a este último valorar a atuação de
interesses nesse domínio.

• O direito não se reduz à axiologia

O direito fundamenta-se em valores, mas será que se reduz a esses valores? Essa dimensão de
validade é essencial, mas para ser direito vigente não pode ser apenas válido: é
importantíssimo que o seja, mas se o direito se reduzir à validade deixa de ser vigente (isto é, o
direito não se reduz aos valores, tem de ser eficaz na prática e ser socialmente efetivo).
• O direito não se reduz à política

Distinguimos, primeiramente:

- Político = conjunto de valores presentes numa determinada comunidade, substrato dos


valores, húmus axiológico da sociedade

- Política = realização estratégica de um determinado programa de fins (programa finalístico,


levado a cabo através de uma certa estratégia)

Desta forma, percebemos que a política se alimenta dos valores que integram o político, mas
não se confunde com eles.

São sempre possíveis várias políticas dentro do mesmo quadro político. O que faz sentido
porque, sobre o mesmo conjunto de valores, é sempre possível assumir-se várias políticas.

Lição 9- A sociedade função do direito

A sociedade função do direito

Não é o direito que irá reduzir-se à sociedade, pois é esta última que irá instituir-se naquilo
que o direito lhe pode transmitir.

Vivemos numa civilização de direito, o que é, por si só, uma opção.

Em vez de dizermos que o direito é funcionalizado à sociedade, o que está em causa é que
um certo sentido de sociedade é missão do direito – a sociedade que o direito constitui é uma
sociedade diferente daquela que seria constituída sem direito.

Poderá ser mais fácil que ubi ius ibi societas do que ubi societas ibi ius, mas tudo é rebatível
por depender do tipo de sociedade que o direito pretende criar.

A partir da sociologia, percebemos como são constituídas as relações intersubjetivas


juridicamente relevantes e sabemos que algumas construções da ideia de Estado implicam um
pressuposto de contrato como justificação para a vinculação jurídica.

Desta forma, excluímos boa parte das relações intersubjetivas (pois, sabendo que nem tudo
pertence ao direito, temos de perceber como o organizamos: num extremo estão os
comunitarismos, que entendem que cada sujeito só se compreende através da ligação à
comunidade, e no outro estão aqueles que não permitem que um sujeito se ligue à
comunidade; não estamos nem num extremo nem no outro).

Estamos perante a constatação de que há, de facto, relações intersubjetivas que podem gerar
relevância jurídica que não resulta de uma vinculação prévia, consciente e livre e há outras que
resultam do contrato.

Ora, claro que nem tudo aquilo que faz parte da nossa vida diz respeito ao direito: porque a
intenção normativa do direito pode não abranger essas dimensões ou porque nós não
admitimos que o direito interfira ➜ é um facto cultural e histórico, que mantém acesa a
consciência de que podia ter sido de outra maneira, mas não foi.
Procuramos, assim, compreender para discordar: existem quatro pontos fundamentais dado
que estamos perante um certo tipo de sociedade como resultado da atuação do direito
(“civilização de direito”):

Existem três condições fundamentais para a emergência do direito ou juridicidade:

1. Condição mundanal:

▪ O problema necessário da repartição por todos nós de um mundo, i.e., a organização do


acesso das pessoas ao mundo.

2. Condição antropológica:

▪ Ligado ao modo de ser e às características do homem;

▪ A nossa natural indeterminação deve ser compensada com uma determinação;

▪ A nossa natural divergência tem de ser compensada com uma convergência;

▪ A nossa natural mutabilidade tem de ser compensada com uma imutabilidade.

Estas duas condições exigem uma ordem social, politicamente disciplinadora, e são estáveis.
Mas não determinam que tenha de haver uma ordem de direito, sendo necessária uma
terceira condição.

3. Condição ética:

▪ Reconhecemo-nos como seres de autonomia/dignidade ética, como seres de liberdade que


trocam exigências, como reciprocamente responsáveis.

▪ Assim, já terá sentido dizer a necessidade de uma ordem de direito.

Estas três funções têm de se verificar cumulativamente para que o direito possa emergir.

 rápida alusão aos problemas do “por-quê?” (do fundamento originário) e do “para-


quê?” (da função humano-social) do direito

De facto, desde o início da reflexão das relações entre o direito e a sociedade (respeitantes à
7ª lição) que tem sido posto na conjugação entre o que é o direito e para que serve o direito.

A questão com que nos deparamos é essa.

“O que é o direito?” é a pergunta orientadora pelo sentido. “O quê direito?” / Quid ius?

“Por-quê direito?” é a pergunta que busca pelo fundamento originário (porque não o não
direito?). É realmente uma opção cultural e histórica.

Temos expressões de civilizações cuja organização não corresponde ao direito (cultural e


historicamente assim reconhecido), falando das expressões de um “Estado de não direito”: um
Estado cuja organização do ponto de vista axiológico, normativo e prático é contrária ao direito.

Quando perguntamos “O quê? Por-quê?” estamos à procura de saber do que falamos e


porque chegamos aqui: perguntamos à história sobre o direito com que nos deparamos.
E “Para-quê direito?” Qual a função do direito na sociedade?

O direito é uma regulação instrumentalizada? É isso que deve ser? Quais são os horizontes?
Quais são as fronteiras? Para que serve? Quem é que está em causa? O que é que está em
causa (nessa relação)?

No limite do “o quê”, “por-quê” e do “para-quê” implica que perguntemos que


normatividade, qual o seu fundamento e qual a sua intencionalidade prática?

Falar dos limites do direito é decisivo.

De facto, para quem inicia uma vida social adulta, existem muitos desafios apresentados no
ponto de vista das relações intersubjetivas, com o meio ambiente, com o outro, com os
projetos, com os ideais, etc. e está tudo em causa quando falamos do sentido e da
funcionalidade prática do direito.

Os sujeitos de direito, titulares de direitos e deveres.

Põem-se, então, questões para definir o que é ser sujeito de direito ➜ o referente axiológico
(não apenas antropológico) do sujeito de direito é a pessoa, num certo sentido cultural.

Ora, isto leva-nos a dizer que ser sujeito pode não corresponder ponto por ponto a ser
pessoa, tal como a ser indivíduo – do ponto de vista cultural.

O individualismo liberal assumia como sujeito de direito uma dimensão do ser humano que
não implicava toda a complexidade da construção da pessoa, estando em causa
fundamentalmente a relação de autonomia (e não a da referenciação axiológica da relação
entre essa autonomia e a responsabilidade).

Ser sujeito pode não implicar ser pessoa, por não lhe ir referido o juízo de dignidade e por se
considerar que o sujeito pode não ser livre.

Concluímos, então, que há duas dimensões fundamentais na construção da pessoa (jurídica):

• Dignidade

Uma ineliminável dignidade ética.

- ineliminável: não se pode eliminar? De facto, pode. Mas é juridicamente ineliminável? Sim,
pois é conferido ao sujeito humano, que é diferente de todos os sujeitos não humanos.

- dignidade: o que significa? É uma noção cultural. Podemos falar de dignidade no mesmo
sentido em todos os lugares? O que é ser digno? Ser digno é uma atribuição de mérito?
Estatuto? Valor? Direito? Que relação tem com o direito?

- ética: na relação intersubjetiva com o outro, que põe no outro um absoluto ético, i.e., o
“outro de mim” e “eu como o outro do outro”.

• Liberdade

Aquela que é societariamente consonante, comportando a autonomia e responsabilidade


próprias das pessoas jurídicas.

O direito não é um obstáculo para a realização da liberdade, mas sim um veículo para uma
liberdade que permita uma convivência pacífica.
LOGO…

A pessoa jurídica é uma especificação, que constrói uma comunidade jurídica a partir do
sentido global de pessoa: a pessoa jurídica como sujeito com ineliminável dignidade ética
(proposta decisiva: pressuposto ético da pessoa como sujeito de direito), autonomia e
responsabilidade.

Estes são os valores-horizonte de referenciação da axiologia na nossa construção cultural.

Logo, aquilo que o direito é hoje é resultado de uma evolução.

 a função específica do direito e a sua condicionalidade histórica: referência aos três


grandes ciclos histórico-funcionais (funções do direito)

Direito pré-moderno (antiguidade clássica- idade média)

O direito aparece com uma função legitimante e intenção declarativa de uma ordem natural
pressuposta, já ordenada, em que o ser humano se inscreveria ao nascer e da qual dependeria
para a sua própria identificação cultural – manifestação da inserção do ser humano numa
ordem natural pressuposta (por referência teológica, a lei eterna ou cosmológica),
independentemente da sua vontade.

O direito encontrava o seu critério na translegalidade da ordem natural. A função do direito


era explicitar declarativamente essa ordem pré suposta.

O direito natural com diversas sedes (referenciação cosmológica/ontológica e teológica) e


como fundamentação do direito positivo.

Direito moderno-iluminista

O direito surge com uma função constituinte de uma legalidade que nasce do pensamento
moderno, onde se abdica da influência divina na ação humana e se assume o modo de
estabelecimento das relações intersubjetivas dos sujeitos o seu nascimento livre e
desvinculado, mas que, por sua vontade racionalmente confluente, se relacionam entre si
juridicamente (a ordem política jurídica era produto de uma deliberação do próprio homem,
sendo que a autonomia do homem era o que constituía a sua própria ordem e dava a si
mesmo a lei e era legislador de si mesmo). A Função do direito era universalizar e racionalizar a
liberdade.

O pensamento moderno-iluminista conflui que o direito deve ser lei (a definição da posição
relativa dos sujeitos), assentando na racionalidade humana.

Aponta-se aqui para um Estado de direito demoliberal, cujo princípio da separação de


poderes é essencial.

Direito contemporâneo
Surge uma proposta de uma validade axiológico-normativa e reflexivamente crítica como
função do direito na sociedade – temos de salientar que esta não é a via única, necessária ou
maioritária, mas é a proposta considerada- ou seja, surge como função de validade axiológica
normativa e crítica num sistema político-jurídico.

Iremos, então, pensar no direito com uma função regulativa, constitutiva de um certo
sentido cultural, e com um papel de reflexibilidade prática que obriga a que se discutam os
seus fundamentos para se perceber qual o sentido normativo pretendido (para que seja
vigente e, com isso, quanto menos se der conta por ele mais eficaz seja, pois aí o direito
corresponderá à valoração intersubjetiva da convivência pacífica, havendo um consenso).

Criar direito é papel de uma entidade legitimamente formada para tal e que é criado para
todos.

 determinação da função contemporânea do direito (segundo o Dr. Bronze)

Temos cada vez mais sociedades complexas, heterógenas, plurais e desatualizadas, em que a
afirmação das diferenças vai cada vez mais tomando parte vs. um suposto tronco maioritário.
(pág.284)

Com isso, procuramos perceber, enquanto juristas, o que o direito pretende ser e como
queremos contruí-lo para o futuro.

Função Integrante

De facto, nestas sociedades heterogéneas, o direito surge como único referente integrante e
comum, que torna possível a clareza das relações intersubjetivas e a convivência de vários
seres diferentes num comum, o que só será possível se estivermos comunitariamente
integrados.

Existem, de facto, referentes muito mais valiosos nas relações intersubjetivas do que aqueles
que o direito estabelece, no entanto, quando estamos perante a ausência de outras notas
comuns de orientação ao sentido da ação e da orientação, temos o direito enquanto agente
integrante.

O direito é, assim, um apoio axiológico a um sentido de construção da intersubjetividade, o


que não significa a concordância individual das prescrições que o direito estabelece, mas sim
que o direito é uma expressão cultural em que se projeta o sentido das relações
intersubjetivas.

Reconhecemos a esta função três subfunções:

 subfunção de tutela de valores e interesses fundamentais

A ordem que o direito institui sanciona o respeito por certos valores, por certos bens jurídicos
e interesses fundamentais. (pág.285)

O direito estabelece, assim, os pilares fundamentais da intersubjetividade jurídica e, com


isso, a consagração dos princípios, direitos e deveres fundamentais no DC.
Não ficaremos pela referência ao DC: temos como horizonte fundamental da tutela de última
ratio que a ordem jurídica garante o direito penal, que surge como uma manifestação de última
ratio do ordenamento jurídico às agressões que lhe sejam dirigidas.

Ora, mas de que agressões trata o direito penal?

Nem todas as nossas relações intersubjetivas são jurídico-penalmente relevantes. Só é


jurídico-penalmente relevante aquilo que o direito penal determina através do princípio da
legalidade criminal, no art. 29º da CRP (depois de desenvolvidos nos art. 1º, 2º e 3º do CC).

Este implica que só seja jurídico-penalmente relevante/penalmente considerável como crime


e punido como tal a ação ou a omissão que estejam tipificadas em lei prévia e certa que torne
essa ação/omissão um crime.

Nota:

Isto mostra uma opção fundamental que advém do pensamento moderno-iluminista:


pressuposição de garantia da tutela de interesses e valores fundamentais mostra-nos as
fronteiras da relevância jurídica.

Desta forma, o direito, na sua função integrante, deve efetuar a proteção dos interesses e
valores fundamentais da comunidade (com dignidade constitucional), a projeção direta na
prática através do DC e a determinação do que seja jurídico-penalmente tutelável ou
tutelado e em que termos.

(Existência de uma corresponsabilidade atribuída pelo DC)

 subfunção de resolução de conflitos de interesses

Nesta subfunção o direito opera a distribuição de bens e serviços e oferece critérios de


resolução de conflitos de interesses que aí se podem suscitar. Apresenta uma Índole
preventiva (visa prevenir e evitar a ocorrência de conflitos no acesso aos bens) e fornece
critérios para a resolução de conflitos de interesses.

Se na dimensão anterior tínhamos um sujeito-cidadão, recuperando o que dissemos para a


linha ascendente da ordem jurídica, aqui temos um sujeito de direito que desenvolve a sua
autonomia e autodeterminação, sobretudo enquanto sujeito de direito privado.

Encontramos a tutela fundamental do direito civil e do direito comercial, pertencente à


função integrante na descrição da posição relativa dos sujeitos (conferindo o seu direito de
autonomia com a não interferência e a participação voluntária e a vinculação através dos
contratos).

 subfunção de garantia

Esta subfunção leva-nos a recuperar a questão da legitimidade do poder, conferida pelo


direito.

De facto, ao direito cabe a institucionalização, o que leva, por sua vez, a uma limitação do
poder. Porém, apesar de o limitar, não deixa menos de o possibilitar, visto que, define e
estabiliza os padrões da respetiva atuação, criando as condições para que ele realize as suas
potencialidades.

Vemo-lo na organização política (DC) e nas realizações (direito administrativo). Cabe-lhe,


assim, a garantia dos direitos e deveres fundamentais.

 o sentido negativo e dogmaticamente formal da intenção imediata da função


integrante

Estas funções possibilitam a convivência humana e dão-nos segurança, porém apresentam


um carácter negativo ao tutelar valores interesses proíbe a transgressão, ao fornecer critérios
para a repartição dos bens e resolver conflitos de interesses impede a perturbação injustificada
das posições jurídicas em que cada um esteja validamente investido e ao consagrar o princípio
da legalidade da incriminação, limita a legitimidade punitiva do poder. (pág.208)

Dizer unicamente que a função integrante tem um sentido negativo significa dizer que o
direito é integrante pela negativa – funcionando como uma delimitação externa (que não faria
sentido).

P.e., no art. 13º da CRP, temos o princípio da igualdade que não está apenas consagrado em
termos formais, dado que há várias dimensões materiais da igualdade que estão consagradas
na CRP. O sentido de igualdade formal (herdado pelo pensamento moderno-iluminista) foi
posteriormente temperado pela exigência da procura da realização de um certo nível de
igualdade material, que corresponde a uma “correção” daquilo que o formalismo liberal
propôs (i.e., constatando a condição do ser humano em concreto nas suas circunstâncias
específicas e conferindo uma igualdade formal, não bastaria para preencher aquilo que a
prática mostrou ser objetivo do direito).

Mas não é isso que está em causa: há uma tutela fundamental de discrição que o direito
garante – a não interferência indevida dos outros sujeitos e do próprio Estado, o que
anui/consente a autonomia a cada sujeito – permitindo uma convivência pacífica.

Então...

• Primeira dimensão da função integrante: garantia recíproca/tutela de discrição e de


participação (salvaguarda das subjetividades de cada um), correspondente ao sentido
negativo.

• Segunda dimensão da função integrante: sentido regulativo-constitutivo e função de validade


legitimante e crítica, correspondente ao sentido positivo.

 o sentido positivo específico do direito como validade

A integração que o direito confere também vale pela positiva.


Vamos considerar no direito a afirmação de um sentido material/de uma validade específica
na normatividade jurídica (a validade que conferimos ao direito e que é intersubjetivamente
construída com força normativa).

Portanto, o direito desempenha uma função materialmente positiva na realidade social, uma
vez que, participa ativamente na constituição da nossa realidade comunitária.

Encontraremos, assim, uma função regulativo-constitutiva e uma função crucial de reflexão


crítica (solução de validade legitimante e crítica de si próprio – do direito – e do poder do
Estado com que se relaciona).

 função regulativo-constitutiva

Aqui vai-se determinar a normatividade específica da validade jurídica. O direito constitui-se


com base nos princípios conformadores, normativos, através dos quais vão surgir depois os
critérios.

▪ Fundamentos – exigências de sentido, são valores, princípios onde o direito fundamenta a sua
validade e colhe a sua intenção material;

▪ Critérios – modelos operativos que antecipam a resposta a um problema

 função de validade legitimante e crítica: o Estado-de-Direito

A ideia de Estado de Direito: relação dialética (e não de submissão), onde existe o Estado cujo
poder é legitimado e limitado pelo direito e o direito que também necessita do Estado para
garantir a efetivação das suas prescrições.

O conjunto de princípios e valores que entretecem o direito funciona como instância de


validade e crítica da nossa convivência social. Esta é uma função de instância viabilizada de
uma efetiva comunicação intersubjetivamente significativa.

 o direito como normatividade jurídica vigente (o que significa hoje)

-direito e política

- direito e economia

-direito e cultura

Chegando aqui, devemos acrescentar que o direito se relaciona com a política, com a
economia, com a cultura, com a tecnologia e com as dimensões que quisermos acrescentar,
não se reduzindo a nenhuma delas.

O direito assume-se, antes, como uma afirmação de valores próprios, que implicam o
equilíbrio que a comparabilidade entre sujeitos à luz do direito (relativizando-os) lhes confere
e, portanto, que pressupõe sempre (nesta construção) direitos e deveres, orientando, também,
a construção da intersubjetividade juridicamente relevante.

 o problema do fundamento da validade do direito e a fundamentação dos direitos


humanos: as diversas gerações de direitos humanos; os direitos do homem e os
direitos fundamentais

Hoje, é comum verificar propostas que assentam a fundamentação do direito nos direitos
humanos.

Que relação existe entre o fundamento de validade do direito que falámos e a problemática
dos direitos humanos?

Na verdade, a construção histórica dos direitos humanos leva-nos ao período iluminista, à


DDHC (1789), em que se reconhece os direitos e deveres recíprocos entre todos os cidadãos.

A verdade é que há questões que se põe à DDHC: se, por um lado, ela traduz parte do ideário
liberal que a revolução francesa incorporou, por outro lado, há múltiplas dimensões daquilo
que hoje se consideram direitos humanos que não estão lá consideradas (não correspondendo
ao sentido com que esse reconhecimento recíproco de direitos e deveres é estabelecido hoje
em dia).

Hoje, temos a consideração não apenas do homem universalmente compreendido nos seus
direitos (DDHC) mas também uma compreensão do homem enquanto ser humano concreto,
nas suas circunstâncias específicas e vulnerabilidades intrínsecas (sendo, agora, objeto de
consideração e tutela – como foi estabelecido na DUDH, de 1948).

Por outras palavras, atualmente tem-se em consideração dimensões que, na perspetivação


liberal, não estavam incluídas na afirmação de direitos entre sujeitos e entre sujeitos e o
Estado.

Nota crucial:

O reconhecimento recíproco entre cidadãos entre si e entre cidadãos e o Estado é algo que
vimos corresponder à linha ascendente, com origem no Estado moderno (pensamento
moderno-iluminista, com a institucionalização do Estado demoliberal).

Esta afirmação é uma opção cultural e histórica, pois consideramos uma perceção jurídico-
política do ser humano e da sua manifestação em interação do que uma específica
fundamentação material para o direito que é historicamente anterior à
afirmação/institucionalização dos direitos humanos.

Surgem-nos, então, algumas questões quanto:

- às conceções dos direitos humanos

• Visão humanista: há quem entenda que os direitos humanos são direitos intrínsecos ao ser
humano por ser humano.

• Visão política/convencional: há quem entenda que os direitos humanos são o resultado de


estabelecimento intersubjetivo de um núcleo fundamental de proteção.
• Via da índole/natureza: “o que são direitos humanos?”

• Visão universalista: há quem entenda que direitos humanos são universais e intemporais

• Visão regionalista: há quem entenda que direitos humanos são resultado de uma afirmação e
evolução cultural que tendeu para o reconhecimento recíproco de uma específica qualidade e
de titularidade de certos direitos e deveres pelos seres humanos

- ao surgimento, do ponto de vista institucional, dos direitos humanos

Sabemos que o homem e o cidadão a quem se dirige a DDHC de 1789 é o homem que
corresponde à sociedade de final do século XVIII e à afirmação de uma classe que, não
cabendo na sociedade tripartida convencional (burguesia), emergia acedendo à afirmação dos
seus direitos e deveres jurídico-políticos.

É, por isso, fundamental o modo como evoluíram os direitos humanos, considerando o


horizonte referencial de 1789.

Para temos a ideia até onde a sequência nos traz, todas estes passos são decisivos na
constituição dos atuais direitos humanos.

P.e., para além da DUDH de 1948, temos a Convenção Europeia dos Direitos Humanos de
1950, que provém do Conselho da Europa (que não é um órgão da UE) e que institucionaliza o
Tribunal Europeu dos Direitos Humanos (que não é um tribunal da UE), onde estão 47 juízes de
cada país europeu e de onde provém as decisões sobre esta temática.

Ora, a existência de tantos documentos sobre direitos humanos implica reconhecer que ser
humano e ser titular de direitos humanos pode não significar o mesmo em todo o planeta – e
outras implicações também.

Nota para refletir:

O modo como a evolução do reconhecimento dos direitos humanos e a institucionalização


jurídico-política no Estado demoliberal europeu se faz não corresponde ao modo como ex-
nuovo a construção dos EUA institucionalizou o mesmo ideário iluminista → o “velho
continente” era mesmo velho!

Karel Vasak fala-nos das dimensões e características internacionais dos direitos humanos: em
1979 propõe uma divisão dos direitos humanos em gerações, ajudando a compreender esta
questão. Faz corresponder cada geração a um dos ideais da revolução francesa: liberdade,
igualdade e fraternidade.

• 1ª geração (liberdade): direitos liberdades, liberdades consagradas na DDHC de 1789 (ideário


modernoiluminista) – liberdade de expressão, de pensamento, de conhecimento, de trabalhar,
etc. São os direitos civis e políticos.

• 2ª geração (igualdade): liberdades definidas na DUDH de 1948, sendo que com estas
teríamos, não direitos liberdades (“liberdades de”), mas sim “direitos a” prestações e às
competências atribuídas ao Estado para conferir essas prestações (construção do Estado
Social). São os direitos económicos, sociais e culturais.
A institucionalização da linha descendente da ordem jurídica do 2º pós-guerra mostra-nos
que os acontecimentos históricos implicaram que houvesse uma diferente compreensão do
papel do Estado face aos seus cidadãos e, simultaneamente, uma evolução do pensamento
filosófico e jurídico (desde a arte à filosofia – ler lição nº 12 para a contextualização e para
compreender que a ação humana e a sua fundamentação não é suscetível de ser conhecida
como objeto/fenómeno, mas apenas de ser compreendida).

P.e., é diferente falar de liberdade de trabalhar e de direito ao trabalho/emprego –


verificamos diferença crucial entre a 1ª e a 2ª geração.

→ Mário Reis Marques autonomiza uma 2ª geração na viragem do século XIX para o XX, com
a afirmação dos direitos de participação política – “a transição para as democracias” (p.e., o
direito de sufrágio, em geral), encontrando na 2ª geração de Vasak uma 3ª geração:

• 3ª geração (fraternidade): diz respeito ao património comum da humanidade (p.e., o direito


ao ambiente ou à paz).

Com o nascer do século XXI, p.e., o direito ao silêncio, ao esquecimento das redes sociais, a
proteção de dados, a identidade genética, etc..

Ser humano e ser titular de direito humanos pode não significar o mesmo em todo o planeta.

Esses direitos humanos (de origem natural, política, etc.) são direitos morais ou direitos
jurídicos?

Há autores que consideram que são direitos morais, outros consideram que são direitos
jurídicos e outros consideram que são direitos conjugáveis (não sendo confundidos nunca).

Para a cultura anglo-saxónica, falar de moral rights não significa necessariamente falar de
moral substancial e referente a valores agregadores da sociedade, pois, embora inicialmente
seja a pressuposição objetiva de um sentido orientador dos valores em que assenta a
subjetividade, existem propostas sobre o que seja a morality (há autores que veem na
moralidade um referencial crítico unicamente procedimental, outros que veem a projeção
social e política através da political morality, etc.).

Portanto, dizer que human rights são moral rights pode ter significados diferentes.

Por outro lado, dizer que são direitos jurídicos implica outra reflexão: para direitos humanos
serem jurídicos, na pressuposição do sentido do direito que assumimos, aos direitos humanos
hão de corresponder deveres (diferente dos direitos morais, que não pressupõe deveres).

Isto coloca em dois planos diferentes os problemas: há várias construções ético-moral,


política e jurídica do que sejam os direitos humanos.

Por isso, ao associar os direitos humanos as diferentes noções de dignidade humana,


podemos estar a falar de múltiplas referências axiológicas sem um referente garantido e de
conteúdos discutíveis e muito discutidos hoje.

Na verdade, os direitos humanos são uma manifestação histórica daquilo que se assumiu
como um certo tipo de ser humano.

Lição 10- O sentido específico do Direito


(Falar de positividade (qualidade daquilo que é positivo, i.e., positividade jurídica não implica a
redução do direito ao direito positivo) não é sinónimo de falar de positivismo (redução ao que
é positivo -ismo reduz/leva ao limite, i.e., positivismo jurídico é a redução do direito ao
direitopositivo, identificando-o com o direito positivado – pode ser sob a forma de lei.)

Positivismo:

O positivismo surge no século XIX e trata o direito como estando pura e simplesmente
identificado como lei, era posto e imposto pelo poder legislativo. O direito era um dado pré
suposto.

O positivismo reduz o direito a uma única fonte.

Pensamento pré positivista → Filosofia prática

Época clássica romana:

▪ O direito radicava na prudência das situações concretas;

▪ Pensamento de tipo problemático-tópico, centrado na comparação de causas análogas;

▪ Diferentes fontes legais, mas poucas;

▪ Fundamentação cosmológica – ordem do ser.

Época medieval:

▪ O direito era uma iurisprudentia, mas agora radicava numa hermenêutica de textos;

▪ A hermenêutica dos textos era orientada pelo método escolástico;

▪ Mas, o texto era apenas a manifestação de algo que estava para além dele – os valores
fundamentais da filosofia prática;

▪ Ordem de criação divina.

Época moderna:

▪ Direito como uma construção dedutiva feita a partir de uma racionalidade axiomaticamente
afirmada;

▪ O homem libertou-se da transcendência da ordem teológica medieval e passou a pretender


construir uma ordem nova a partir de si mesmo;

▪ Racionalidade sistemática (substitui a tópica dialética);

▪ Valores da contingência humana como fundamentais;

▪ Verdade na estrutura racional do homem pensante;

▪ Passagem de um direito natural para um direito natural que a razão conhece;

▪ Contrapõe-se o jusnaturalismo com o jusracionalismo.


→ Até à época moderna, o direito não se distinguia da filosofia prática. O positivismo veio
afirmar uma concessão inovadora: imputou a constituição do direito à vontade política do
poder legislativo.

 fatores determinantes para o surgimento do positivismo

 Fator antropológico (o individualismo)

▪ Nova concessão do homem, nova antropologia;

▪ O homem liberta-se das entidades supra individuais;

▪ Passa a compreender-se autocentradamente, como ser de autonomia;

▪ Constrói uma nova ordem a partir de si mesmo – sociedade;

▪ Dá a si mesmo as normas da sua existência – legislação;

▪ Atua na sua liberdade racional;

▪ Hipertrofia a sua autonomia → dá lugar a um individualismo, que resulta da desvinculação do


ser humano face à transcendência.

 Fator cultural (o secularismo, o racionalismo e o historicismo)

Divide-se em três planos:

a) Plano da religião – secularismo (separação entre pensamento jurídico e forma do direito


natural, a transcendência e a sua radicalização):

▪ Os valores do mundo já não eram só projeções da vontade divina; o homem é responsável


pelos valores, pela sua história;

▪ Rutura com a transcendência;

▪ O homem é responsável pela sua própria história;

▪ O homem distancia-se de Deus;

▪ Hipertrofia (absolutização) da secularização → secularismo.

b) Plano racional – racionalismo (não a relevância da racionalidade, mas o progressivo


encaminhamento para uma racionalidade axiomático-dedutiva que se formalizará):

▪ A razão moderna basta-se a si própria, é autossuficiente, fundamenta-se a si mesma;

▪ Arranca de si mesma, para construir o mundo através dos seus axiomas (máxima);

▪ Elabora sistemas acabados para todos os domínios do conhecimento, incluindo o direito;

▪ O direito passou a ser puramente racional e só depois surgiu na prática;

▪ A razão moderna é legisladora da sua própria ordem;

▪ Surgem condições para a afirmação do legalismo;

▪ Hipertrofia (absolutização) da racionalidade → racionalismo.


c) Plano da historicidade- historicismo (não a historicidade do direito, mas a ideia de que a
progressão em planos que se superam uns aos outros encaminha o ser humano para um
estado de perfeição racional que apenas a modernidade lhe trouxe e que o pensamento
moderno-iluminista poderá assimilar e concretizar adequadamente):

▪ Anteriormente, com a historicidade compreendia-se a história com base numa visão de


conjunto, não se separa passado, presente e futuro;

▪ Com o historicismo, perde-se o fio condutor da evolução da história;

▪ Os acontecimentos passam a regular-se separadamente, como camadas que acabam por


se anular umas às outras; ▪ Hipertrofia (absolutização) da historicidade → historicismo

 Fator social (o capitalismo)

▪ O homem opta por revelar os seus interesses económicos, pretendendo satisfazê-los;

▪ Emerge um novo modelo de produção: o capitalismo (e o direito comercial);

▪ O homem pretende afirmar-se como homo económicos;

▪ O homem liberta os seus interesses individuais, uma vez que se libertou das teias ético-
religiosas que o “agarravam”;

▪ A sua libertação levou à autonomização dos seus interesses;

▪ Lucro e sucesso como realização pessoal, a acumulação de capital é o seu maior símbolo;

▪ Hipertrofia (absolutização) dos interesses → economicismo

Todo o movimento de desenvolvimento da idade moderna, começando no


renascimento/reforma, implica que do ponto de vista económico se vá instaurando o
liberalismo: o século XIX será o cerne dessa perspetiva.

Essa pressuposição será conjugada com a assunção racional de que o direito não se
compromete com a intenção de quem age dentro da forma/determinação formal que a lei
lhes concede.
 Fator político

Contratualismo:

▪ O homem é um ser livre, de vontade, racional, que prossegue os seus interesses. Como
consegue então construir um mundo de convivência social?

▪ Sociedade – criação humana com base no contrato social;

▪ Pensou-se o contrato social como uma vinculação das liberdades, por afirmação das próprias
liberdades, com o objetivo de gerir os interesses e resolver o problema da convivência social;

▪ Assenta na vontade, que afirma a liberdade e igualdade dos contratantes, onde cada um
satisfaz os seus interesses;

Para:

▪ Hobbes: o contrato visa assegurar a segurança individual (dimensão dos interesses);

▪ Locke: direitos naturais anteriores à constituição de sociedade, p.e., liberdade;

Falaremos da proposta de John Locke, onde se estabelece a organização política que vai
conferir ao poder legislativo o estatuto de the supreme power, o que estabelecerá uma
institucionalização segundo uma perspetiva liberal (diferente da institucionalização segundo
uma perspetiva liberal, mas mais democrática de Rosseau).

▪ Rosseau: assegurar autonomia individual e coletiva através de uma liberdade em condições


de igualdade;

▪ Como se garante que na passagem do estado de natureza para o estado social nós
permanecemos tão livres e iguais como éramos antes? Através da legislação – regras;

▪ Só é direito o que o contrato social determina – as regras de convivência que o definem são
leis;

▪ As regras eram pré-ordenadas a garantir e coordenar as liberdades. As leis tinham de ser:

▪ Gerais – iguais para todos, “atos de todo o povo para e sobre todo o povo”;

▪ Abstratas – somente na abstração pode haver dedução; tratam de matérias comuns ao


irrelevarem a individualidade e especificidade das situações; não considera casos concretos;
prevê tipos de problemas/situações em abstrato e responde-lhes em abstrato;

▪ Formais – a lei deve limitar-se a impor limites de ordem formal (formalidade em sentido
estrito) e não definir conteúdo sobre como poderemos usar esse direito.

Contexto ideológico (as ideologias liberal e democrática)

▪ Duas ideologias, que se conjugaram, pautaram o surgimento do positivismo;

▪ Liberalismo (ideologia liberal- afirmação da liberdade dos sujeitos) – afirma a liberdade


“acima” da igualdade, sobrevaloriza as garantias individuais, direitos naturais, direitos
fundamentais → Locke;
▪ Democracia (ideologia democrática- progressiva institucionalização da legitimação do poder
no povo)– afirma a igualdade “acima” da liberdade, sobrevaloriza a igualdade, vontade da
maioria, participação de todos na formação da vontade geral → Rosseau;

Estas duas ideologias mostram-nos que tudo se encaminha para que, por via do facto político
da Revolução Francesa, se estabeleçam as condições para a institucionalização do ideal
moderno-iluminista do Estado, que será o Estado de Direito de legalidade formal (Estado
demoliberal).

Esta transição, na medida em que representa uma cisão com o direito natural, vai acabar por
conduzir ao positivismo.

c) Facto político

▪ A Revolução Francesa é o facto político que acabou por instituir o estado de legalidade
formal.

 a conceção racionalista do direito, projetada na compreensão da legalidade: a norma


racionalmente geral, abstrata e formal

Que características tem a lei para que o seja, segundo a corrente moderno-iluminista?

✓ Generalidade

✓ Abstração
Ainda segundo Rosseau, estas duas traduzem a ideia de que a lei é um ato de todo o povo
para todo o povo sobre uma matéria comum, existindo uma conjugação do ideário liberal com
o ideário democrático.

Traduzem dois sentidos de universalidade racional da lei. Quais sentidos?

-A generalidade quanto aos sujeitos, pois a lei é geral porque se aplica a todos.

-A abstração quanto à matéria, pois a lei é universal quanto ao conteúdo, não versando casos
concretos (faz um padronização da realidade para determinar um certo tipo de situações a que
se dirige).

✓ Formalidade (em sentido estrito)


Em sentido estrito porque dizer que o direito é formal (descomprometido de conteúdo) dirá
pouco quando confrontado com este sentido estrito.

Neste sentido, falamos da formalidade que Kant faz corresponder à lei jurídica (para a
diferenciar da lei moral). Se para Rosseau a ideia de contrato social era tão fundamental para a
institucionalização dos poderes, para Kant era uma exigência racional que vai institucionalizar
os poderes de forma tripartida e, simultaneamente, considerar o poder legislativo o poder
superior que cria o direito.

Moralidade e Direito são conceitos presentes na teoria de Kant.

 a “Escola Histórica”
Falando apenas da Europa Central: ao confrontarmos o que se passa no contexto francês com
o que se passa no contexto alemão, verificamos que, se no contexto francês tudo se
encaminha para a revolução liberal e, após esta, a constituição e a codificação (CC), no
contexto alemão, por várias razões, a escola histórica do direito que domina o início do século
XIX empenha-se numa construção histórica/historicista da construção do direito europeu
desde a construção romana.

Portanto, temos a Escola Histórica na busca das origens romanas do direito germânico.

Na Alemanha (positivismo científico-dogmático (porque o direito parte também de normas


legais, mas não necessariamente delas, sendo a fonte de direito fundamental o costume)),
apareceu a escola histórica, que visava combater o legalismo emergente em França(positivismo
legalista (porque o direito parte da lei)).

▪ Contraria a racionalidade abstrata dominante em França, sustentando que o direito não era
um produto de uma vontade racionalizada em termos abstratos-universais;

▪ Para a EH, o direito é um produto da história cultural de cada povo, deve ser procurado nas
instituições do povo; é a expressão das tradições de um povo;

Na Escola Histórica vemos o direito enquanto normatividade, mas o modo e o pensar não é
tão diferente assim: como vimos, o pensamento jurídico para o positivismo quis ser ciência e
teve de seguir os métodos das outras ciências para isso – isto foi comum tanto em França como
na Alemanha.

▪ A EH vai trabalhar os materiais dispersos onde o direito está (corpus iuris civilis) e transforma-
os em normas, acabando por se afastar deles;

▪ Converte esses dados históricos num sistema de instituições jurídicas racionalmente


pensadas; ▪ Acaba por cair num conceitualismo;

▪ A fonte das fontes era o espírito do povo-matriz do direito;

▪ Como fontes auxiliares – legislação, costume e ciência do direito;

▪ É na segunda fase, em que cai num conceitualismo, que há um contributo para a afirmação
do positivismo.

 o positivismo epistemológico – os dualismos metodológico e intencional (sub specie


iuris- sob a forma de uma lei)

 Positivismo epistemológico

▪ Absolutização das ciências empírico-analíticas;

▪ Para o cientismo, a ciência é o domínio pela experiência de um objeto. Vivemos o momento


da explosão das ciências empírico-analíticas;

▪ O pensamento jurídico vai querer construir-se como ciência também, pelo que os juristas
teriam de ser cientistas e o seu objeto seriam as normas legais. Se o pensamento jurídico foi
prático durante todo o arco pré-moderno e durante boa parte da idade moderna, na transição
para o positivismo vai-se assumir o pensamento como uma determinação de verdade sobre um
objeto (ideia de que pensar é conhecer).

Dualismo metodológico:

▪ Por um lado, temos uma técnica: interpretação da lei e aplicação; decisão das questões de
quid iuris → tarefa do juiz, imediatamente prática;

▪ Por outro lado, temos a teoria da ciência do direito: o pensamento jurídico fornece, para
auxiliar, uma teoria da interpretação e aplicação das leis pré criadas pelo poder legislativo.

Dualismo intencional:

▪ A intenção/tarefa prática do direito era deixada ao poder legislativo;

▪ A intenção teorética do discurso decisório era deixada aos juristas que deviam apenas
conhecer esse direito objetivado nas leis, interpretá-lo segundo a teoria da ciência do direito e
aplica-lo depois lógico-objetivamente, de modo neutral.

Lição 11- Coordenadas caracterizadoras do positivismo jurídico

 Coordenadas caracterizadoras do positivismo

Encontramos na transição para o positivismo a institucionalização dos pressupostos que


analisámos, que irão permitir separar as suas características analiticamente.

Essa analítica será feita em função da compreensão da conjugação entre a dimensão político-
institucional e a dimensão científica.

Identificamos cinco coordenadas caracterizadoras do positivismo jurídico do século XIX. Aqui,


o que está em causa é a leitura pelas lentes positivistas das propostas moderno-iluministas,
isto é, como será a assimilação moderno-iluminista do direito pelo positivismo.

Sabemos que, do ponto de vista científico, opera o corte decisivo entre o direito positivo e
natural, que deixa de ser fundamento do positivo – o corte fundamental é a assunção definitiva
que o direito é uma regulação que deve abster-se de interferir materialmente na intenção com
que os sujeitos atuam e o pensamento jurídico é um pensamento teoréticocognitivo, sobre um
objeto dado que é esse direito objetivo vigente que é pressuposto ou criado (sobre a forma de
lei ou qualquer outra).

o coordenada político-institucional: o Estado-de-Direito de legalidade

O positivismo pressupunha o Estado representativo demoliberal, fruto do contratualismo,


que deu origem ao Estado de Direito de Legalidade formal, que se baseia em três princípios:

1. Princípio da separação dos poderes

Este vinha sendo construído por vários autores, nomeadamente John Locke, Montesquieu e
Kant, em sentidos diferentes. Agora, irá projetar-se numa efetiva atribuição de cada poder aos
sujeitos que o titulam de modo constitucionalmente consagrada e legislativamente
estabelecido.
▪ Para Montesquieu e Locke, a melhor forma de impedir o absolutismo régio é através da
repartição do poder.

▪ Os poderes divididos compensar-se-iam reciprocamente e controlar-se-iam uns aos outros.

▪ Pretendiam uma moderação do poder através da separação dos poderes, que seria a chave
do poder moderado.

▪ O poder legislativo pertencia ao parlamento e representava a aristocracia e o povo; o poder


executivo representava o rei; o poder judicial tinha apenas a função de aplicar as ordens
provenientes dos outros. Assim, não seria verdadeiramente representativo mas, de certo
modo, nulo.

▪ Portanto, o poder era exercido por vários titulares diferentes que se fiscalizavam, moderavam
e limitavam reciprocamente.

▪ Apesar da separação dos poderes, o poder legislativo (poder supremo) subordinava o


executivo e o judicial.

2. Princípio da legalidade

▪ A lei (geral, abstrata e formal) estava na base de todos os poderes, por isso, todos estes
tinham de atuar de acordo com o que está plasmado nela (supremacia da lei), sendo esta a
única fonte imediata de direito (reserva de lei).

Este determina que o direito é criado sob a forma de lei, o que nos traz as noções de reserva
de lei e de preferência de lei (i.e., em princípio o direito é preferencialmente criado sob a forma
de lei).

Há matérias sobre as quais só a lei pode criar direito – mantemos, em parte, essas matérias
na reserva de competência legislativa da AR (absoluta, no art. 164º da CRP, e relativa, no art.
165º da CRP).

E porquê? Porque a legitimação (democrática) é soberana na construção do direito sob a


forma de lei.

Existem momentos e movimentos positivistas que nem admitem sequer outra fonte de
direito que não a lei, p.e., o legalismo positivista centra o direito positivo na lei.

Nota:

- Não confundir o positivismo jurídico (identificação do direito com o direito positivo e a


ausência de fundamentação do direito noutras ordens normativas, como o direito natural) e o
positivismo legalista (identificação do direito com a lei);

- Não esquecer que há outros positivismos (p.e., o alemão que vimos anteriormente e que não
assenta exclusivamente na lei pois admite outras fontes de direito);

- Ser legalista não garante que estamos perante um positivismo como o do século XIX (p.e.,
existem legalismos finalistas

– reduções do direito económico, social, etc. que podem assumir como única fonte do direito a
lei que são legalistas e não positivistas no sentido do século XIX.
– se o direito for instrumento para a realização de objetivos externos, deixa de existir um
descomprometimento com o conteúdo, contudo podemos assumir que apenas a lei é fonte
desse direito);

- Os formalismos que o século XIX nos legou não foram apenas normativistas-legalistas (como o
positivismo francês), pois também há formalismos nos sistemas de common law, p.e.. Página
103

- Positivismo alemão não foi legalista mas foi normativista porque, do direito consuetudinário a
ciência do direito elaboraria proposições normativas gerais, abstratas, formais e com
hipótese/estatuição que eram objeto do direito.

- No positivismo legalista francês temos uma conjugação de normativismo, legalismo e


positivismo.

3. Princípio da independência judicial

Este leva-nos a considerar o poder judicial como um poder, de certo modo, nulo (como disse
Montesquieu). Ser nulo não significa que tenha a sua relevância reduzida, mas no sentido em
que, para além de não representar nenhuma classe social, assume a função de aplicação a lei
(i.e., ao juiz cabia apenas declarar direito através da sua aplicação lógico-dedutiva).

▪ A independência do poder judicial remete para o facto de que a função do juiz era uma de
mera obediência à lei.

▪ Pretende-se que o juiz aplique o direito, de forma neutra, pois está submetido a um
paradigma de aplicação, um silogismo lógico dedutivo.

▪ O juiz devia aplicar a lei, como expressão objetiva da vontade popular, aos casos concretos.

▪ Assim, garantia-se que o juiz não estaria a receber ordens de outro e que as suas decisões
eram efetivamente neutras e lógicas

Dizer que os juízes apenas estão submetidos à lei garante a sua independência e autonomia.

o coordenada especificamente jurídica: o direito identificado com a lei e o sentido


moderno-iluminista da lei (norma geral, abstrata, formal e imutável)

Esta coordenada diz respeito à compreensão da lei.

▪ Nesta coordenada verifica-se a identificação do direito com a lei.

▪ O direito surge quando os homens livres manifestam a sua vontade em constituí-lo, sendo
que este surge depois criado pelo poder legislativo.

▪ Esta lei era geral (igual para todos), abstrata (não considera casos concretos, prevendo
situações em abstrato e resolvendo-as como tal), formal (limita-se a impor limites formais e
não definia conteúdo sobre como se poderia usar esse direito), e imutável/estável (garante
previsibilidade e segurança).

Que lei é esta?

Poderemos dividi-la em dois sentidos:


• institucionalmente, é o resultado da atuação do poder legislativo (sendo imperativa)

• científica/dogmaticamente, é vista como uma norma (jurídica e legal)

Que norma?

Norma enquanto comando/orientação para a ação.

A norma jurídica e legal que é um enunciado de universalidade racional e cuja validade aí


reside e é composta por hipótese/estatuição, tendo por características fundamentais aquelas
que herdou do pensamento modernoiluminista (a generalidade, a abstração e a formalidade a
que vem associada a permanência e imutabilidade, que garante, por um lado, a manutenção
do Página 104 ideário que institucionalizou as revoluções liberais, e por outro lado, a certeza
das soluções jurídicas).

o Coordenada axiológica

▪ Esta coordenada pretende garantir certos valores: valor de igualdade e valor de certeza (ou
segurança).

▪ Através da universalidade racional das leis e do entendimento que se tem da liberdade


humana garantia-se a igualdade perante a lei, isto é, que não se apliquem leis diferentes a
casos iguais. Tal é possível se a lei for geral (igual para todos) e abstrata (responde às situações
em abstrato, sem atentar casos concreto, pelo que não faz diferenciações). Garante-se assim o
valor da igualdade perante a lei.

▪ O objetivo das leis de garantir o exercício das liberdades por parte de cada indivíduo garante
o valor de certeza, uma vez que essas liberdades seriam exercidas em termos previsíveis. A lei
definida como geral, abstrata, formal e imutável, garante o valor de certeza/segurança porque
permite a previsibilidade e a antecipação das consequências e ações.

▪ Nesta coordenada vemos uma axiologia puramente formal, que não oferece densidade
substantiva ou material à normatividade jurídica/direito (A validade concedida ao direito não
é, agora, substancial/material), reduzindo o direito a uma determinada forma (a forma legal),
nada adiantando sobre os valores que o direito deve preservar.

Segundo uma axiologia puramente formal, a validade do direito resulta da universalidade


racional das normas (uma norma é válida se for geral, abstrata, formal, imutável e composta
pela estrutura hipotético-condicional), que constitui o direito (sob a forma de lei) e lhe garante
validade.

▪ Comprova-se que o positivismo foi um pensamento formal até nos valores que defendeu.

Consolidando…

A formalidade da lei, segundo a distinção entre moralidade e direito de Kant, significa


genericamente a ausência de imposição de conteúdo e a mera delimitação de fronteiras onde
os sujeitos poderão agir conforme o seu arbítrio (opostamente à lei moral, onde existe uma
exigência de adesão da consciência ao imperativo categórico).
Esta formalidade é distinta da formalidade associada ao direito que trata da sua
exterioridade: a interioridade moral e a exterioridade do direito, que nos é imposto de fora e
se basta com a conformidade externa dos comportamentos às suas prescrições.

A lei jurídica é formal porque não faz relevar a intenção com que os sujeitos atuam; a lei
moral é autónoma porque é legisladora de si própria (o sujeito impõe à sua consciência o
cumprimento da norma moral), o direito é heterónomos porque não compromete a realização
da ação livre e moralmente boa mas apenas regular os arbítrios (e não o seu conteúdo),
consoante o horizonte da lei geral de liberdade.

A imutabilidade aparece-nos em dois planos: o plano ideológico-político e a garantia da


certeza das decisões jurídicas (lei ser imutável é um fator de segurança).

-a igualdade perante a lei e a certeza do direito

Neste ponto, os valores que estão em causa são a igualdade perante a lei, que é garantida por
essas características de universalidade que vimos (todos são iguais perante a lei, por isso esta
aplica-se a todos).

Simultaneamente, a igualdade perante a lei garante a segurança enquanto certeza do direito.

Estas são duas características cruciais para a compreensão desses dois valores aqui vistos
num sentido puramente formal.

Quanto à certeza do direito, veremos que falar de certeza/segurança do direito é falar,


sobretudo, da garantia da existência e estabelecimento de consequências para as questões
juridicamente relevantes. Contudo, em superação à perspetiva positivista, para lá da
construção da certeza/segurança do direito, é preciso pensar/falar/tratar do problema da
certeza/segurança dos sujeitos perante o direito.

-carácter formal desta axiologia

A axiologia é vista de um ponto de vista formal e até procedimental.

O direito é válido se for, primeiro, criado segundo o procedimento institucionalmente


estabelecido para tal e se for como lei geral, abstrata, formal e imutável porque isso garante a
igualdade perante a lei e a segurança do direito.

o Coordenada funcional (a cisão intencional entre direito e pensamento jurídico)

▪ Nesta coordenada verifica-se a distinção entre a intenção do direito e do pensamento


jurídico, ou seja, esta coordenada vai dirigir-se à função desempenhada pelo direito, por um
lado, e pelo pensamento jurídico, por outro.

▪ Durante todo o período pré-positivista, dominou uma compreensão de que o direito é uma
ordem normativa prática e o pensamento jurídico é um pensamento intencionalmente prático,
assim, não se verificava essa distinção.

▪ Contudo, quando a constituição do direito passa a ser feita pelo poder legislativo através da
lei, afasta-se a ideia que o pensamento jurídico tem a ver com a determinação do seu respetivo
conteúdo.
▪ Comprova-se uma cisão metódica entre o pensamento jurídico e o direito, distinguindo-se
dois momentos, o momento de criação do direito (normativo-intencional), do momento de
aplicação deste (metodológico), sendo que estes momentos cabiam a diferentes órgãos.

O dualismo normativo traduz-se na afirmação de que o direito é criado e pressuposto como


dado/objeto cognoscível, enquanto que o pensamento jurídico é o conhecimento desse direito.

▪ Neste caso, o jurista tem uma função meramente cognitiva do direito, ou seja, o jurista
apenas deve conhecer as leis para as aplicar, não se envolvendo no seu conteúdo normativo.

Se a intenção do direito é prática (porque regula a vida social), a intenção do pensamento


jurídico é teorética (porque é a construção de uma ciência do direito).

• Dualismo normativo: o direito é criado pelo poder legislativo e não pelo pensamento jurídico
ou pelo poder judicial

• Dualismo intencional: o direito é intencionalmente prático e o pensamento jurídico é


intencionalmente teorético

• Dualismo metódico: transitamos para a próxima coordenada

o Coordenada epistemológica-metodológica

▪ Podemos olhar para o direito como uma ciência uma vez que podemos identificar nele um
objeto e um método.

▪ No positivismo, que foi influenciado pela explosão das ciências empírico-analíticas, o direito
afirma-se também como ciência, sendo que os juristas serão os cientistas, cuja tarefa é
interpretar e aplicar as normas legais (objeto).

▪ Essa interpretação é feita através de um método: uma lógica silogístico-subsuntiva.

▪ Assim, o jurista estrutura os dados normativos em premissas, para chegar a conclusões.

▪ As normas são as premissas maiores, os casos concretos são as premissas menores e as


sentenças, que se inferem através das premissas, são as conclusões lógicas.

▪ Este método jurídico desenvolve-se em três momentos:

▪ Momento hermenêutico: de interpretação dos textos legislativos/âmbito da intenção


teorética do pensamento jurídico – a ele cabe pensar e interpretar

▪ Momento epistemológico/científico: de elaboração de conceitos a partir das normas jurídicas


positivadas. Teremos o direito objetivo enquanto direito cientificamente tratado em princípios
gerais de direito e em conceitos. (?)

▪ Momento técnico: de aplicação lógico-dedutiva das normas aos casos concretos.


Encontramos a aplicação do direito pré-constituído e já hermenêutico-cientificamente tratado.
(?)

Neste sentido, existe uma cisão lógica e cronológica entre o momento da


interpretação/construção conceitual e o momento da aplicação.

▪ Em suma, verificamos que o positivismo tem uma coordenada epistemológica porque a


ciência do direito visa uma construção conceitual e uma coordenada metodológica porque
trata de criar e aplicar o direito segundo um método.
A aplicação é tida como cientificamente aproblemática porque todas as questões referentes à
elaboração científica e sentido do direito já estão tratadas.

Isto não significa que a norma não seja interpretada e que o juiz ou outro operador jurídico)
não interpretasse a norma, mas sim que a interpretação era feita num momento anterior ao
momento da aplicação.

Que aplicação?

A aplicação lógico-dedutiva das normas no positivismo do século XIX, seja ele legalista ou
científico-dogmático.

Isto é, a aplicação é considerada como uma operação de lógica formal que é feita através da
convocação de um silogismo jurídico, onde teremos uma premissa maior, uma premissa menor
e a conclusão.

- A premissa maior é a norma jurídica.

- A premissa menor é a subfunção do facto à hipótese da norma (só faz sentido falar de uma
relação entre facto e norma se o facto for uma espécie em concreto do género que a norma
descreve em abstrato).

Temos, então, uma relação entre factos e normas que é ajuizada.

Isto significa que as características fundamentais do positivismo do século XIX se concentram


nestas cinco coordenadas caracterizadoras.

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