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O que é que o Direito diz? -pergunta em que culminam os exames- dizer o direito é atuá-lo
Lição 1
Perspetivas
Não é possível refletir o Direito sem ter em conta realidade social em que está inserido. Assim,
é natural que nos ofereçam várias perspetivas de abordagem à realidade do Direito.
Perspetiva sociológica
Esta perspetiva tende a tratar o Direito como um facto social e estuda os efeitos que o Direito
provoca. Não está diretamente relacionada com a ação efetiva e quotidiana de um jurista.
Embora seja importante para os juristas ter uma visão social do Direito, esta não é a perspetiva
adotada, pois é uma mera descriação de como um jurista deve interpretar o Direito. “o direito
não é exclusivamente co considerado como fenómeno social- embora também o seja” - pag.14
Perspetiva filosófica
O direito impõe-nos exigências uns perante os outros/ perante a sociedade, logo “se o direito
nos dirige deveres e imputa responsabilidades, podemos sempre perguntar-nos com que
fundamento é que o faz”. “nem como puro objeto de especulação- não obstante igualmente o
poder ser” - pag.14
Perspetiva epistemológica/literária
O direito é um objeto que está efetivamente aberto ao nosso conhecimento e, por isso, é
natural estudá-lo e tentar conhecê-lo. “nem como um simples dado cognoscível- sem que,
todavia, deixe de se apresentar como tal” - pag.14
Law as literature?
Law as narrative?
a) A Antígona de Sófocles
Quid iuris?
O direito aparece como um critério de solução. “O que de direito se pode dizer neste caso?”
No fundo, o direito é pressuposto, mas não é ele próprio interrogado, problematizado. (ex:
situação controversa do arrendatário de um quarto, ou a de um herdeiro, ou a de um arguido
em processo penal,…). O que é que o direito estabelece?
Quid ius?
O direito é questionado, sendo ele próprio um problema. “O quê direito? O que é isso a que
chamamos direito?”.
Em suma:
O direito é uma das dimensões normativas mais importantes da nossa vida social. Assim, a
perspetiva que vamos adotar é a prático-normativa, podendo dizer que optamos por uma linha
problemático-cultural, em detrimento de uma orientação analítico-descritiva. Desta forma, o
curso será uma introdução ao mundo dos problemas e às preocupações culturais que marcam
o universo da juridicidade em vez de ser uma análise da estrutura, dos conceitos ou linguagens
desse universo. Por fim, é importante referir que os comportamentos humanos como surgem
das interações entre nós, atribuímos significados intersubjetivos, a cultura (referida
anteriormente) e, ainda, referirmos que é prático-normativo criado nas interações entre as
pessoas, onde se atribui um certo valor (“validade, invalidade, licitude, ilicitude”) dando-nos
fundamentos e critérios de como agir ou não agir.
O jurista é um mediador profissional a que se atribui legitimidade para ajuizar de alguns dos
nossos direitos e deveres recíprocos. “(…) o jurista é aquele que assume a intenção nuclear do
direito para a projetar regulativamente na realidade social” (pag.15). Pode adotar duas
atitudes:
Atitude técnico-profissional
O jurista não pode ser entendido como se fosse um cientista, pois este seria o mais
objetivo possível, algo que o jurista não pode ser, já que o mesmo está ligado às
interações humanas.
O jurista tem de ser entendido como um técnico, alguém que aprende a fazer coisas. O
jurista procura conhecer as leis para as aplicar às controvérsias que surgirem (através
de juízos de valor), sem qualquer compromisso cultural com o direito e exercendo um
ofício puramente técnico, alguém que aprende a fazer as coisas, pelo que só deveria
atender aos meios sem problematizar os fins. Na verdade, mobiliza o direito como um
objeto.
Por ambas, pois o jurista só poderá ajuizar do mérito jurídico dos problemas concretos com
que se veja confrontado se tiver pré-compreendido o particular sentido das exigências que
inervam o direito. A racionalidade exigida no pensamento jurídico é prático-analógica,
dialógica, não radica em premissas, mas em argumentos com reconhecida validade.
As formas de saber:
Tese de IAD:
Sendo nós muitos e sendo o mundo um só, estamos compelidos a repartir esse mundo no
nosso encontro. Todas as nossas relações sociais são regulamentadas por um estatuto de
direito, que define as faculdades, as responsabilidades, os deveres e os ónus (obrigações) de
cada um dos seus intervenientes. Há atos na nossa vida que se subtraem a um estatuto
jurídico, pois o direito não consegue resolver todos os problemas do Homem. As relações
familiares, de amor ou de amizade são relações de pessoa a pessoa, sem mediação do mundo.
Em suma, diremos ter direito a ver com as relações intersubjetivas suscitadas pela
problemática da partilha do mundo, enquanto que a fé religiosa, a amizade, ... têm a ver com
as relações que estabelecemos imediatamente como pessoas que somos. Portanto, o Direito
relativiza-nos, enquanto que nas relações pessoais a que aludimos o outro é sempre absoluto,
um incomparável.
Os juristas usam recorrentemente a imagem da árvore, que se ramifica em: Direito Público e
Direito Privado (base- estudo das relações que estabelecemos enquanto cidadãos).
Existe um problema ao realizar esta distinção pelo facto da realidade jurídica ser muito vasta e
abranger todos os domínios da vida social, porém a doutrina tem-la feito por uma razão
meramente pedagógica com base nos seguintes critérios:
Critério da Natureza dos Interesses: tipos de interesses que as normas visam regular (públicos
ou privados)
Direito Privado - nele estão integradas as normas que se dirigem à satisfação dos interesses dos
particulares
Direito Público - nele estão integradas as normas que asseguram a realização de interesses
próprios da comunidade, interesses públicos
Crítica: Existem normas de Direito privado e de Direito público que asseguram interesses
públicos e privado tais como as normas de direito penal de direito público, proíbem o
homicídio (regula o interesse da coletividade e protege o interesse pessoal)
Critério da qualidade: atende à qualidade pública ou privada dos sujeitos nas relações jurídicas
Direito Privado - disciplina as relações jurídicas que se estabelecem entre sujeitos particulares
(apenas). Em determinadas situações o Estado e as demais entidades públicas podem intervir
nestas relações. A qualidade dos sujeitos não interfere nas relações de Direito Privado.
Direito Público - disciplina relações jurídicas que o estado ou qualquer membro público
intervém. São relações onde intervém pelo menos uma entidade pública.
Este critério baseia-se nos sujeitos e não na entidade deles, sendo assim o critério mais
utilizado.
Critério da posição:
Direito privado - normas jurídicas que disciplinam as relações de coordenação, isto é, entre os
particulares entre si ou entre os particulares e o estado, existindo uma posição de igualdade
com os particulares- posição de paridade, ou seja, se o Estado ou outro ente público entrar
numa destas relações, este estará desprovido do seu poder de autoridade, apresentando-se,
assim, numa posição de paridade.
A estrutura da ordem jurídica reflete-se num triângulo que apresenta duas virtudes:
O triângulo tem a propriedade de ser adaptável, o que permite descrever sociedades distintas
em termos geográficos e culturais. Deste modo, consoante a sociedade se apresenta nas suas
relações, assim também o triângulo se adaptará.
A estrutura formal da ordem jurídica reflete tipos de relações que se observam e cabe a ela
regulá-las:
Nível dos sujeitos das relações jurídicas
Nível das áreas do Direito que regulam as relações jurídicas
Nível das exigências valorativas
Nível das dimensões de justiça
Linha de base (ordo partim ad partes)- 1ª linha: linha da ordem jurídica que regula as
relações jurídicas entre sujeitos particulares (direito privado)
Linha ascendente (ordo partium ad totum)- 2ª linha: ordem jurídica que regula as
relações dos membros da comunidade composta por bens e valores jurídicos
fundamentais- das partes para com o todo
Linha descendente (ordo totius ad partes)- 3ª linha: ordem do todo para as partes-
ordem jurídica que regula as relações entre a sociedade politicamente organizada em
estados e os cidadãos
Linha de base
Nesta linha estão presentes as relações juridicamente relevantes que estabelecemos uns com
os outros na veste de sujeitos de direito privado, que todos pretendemos atuar a nossa
autonomia para realizar interesses, não há um interesse de coletividade. (ex.: contratos civis e
comerciais). Somos então particulares ante particulares e relacionamo-nos em termos de
paridade. A ordem jurídica define as nossas autonomias delimitando-as e permite a realização
dos nossos interesses, tutelando-os. É nesta linha que se consideram as relações das partes
para com as partes. A sociedade não é sujeito da relação, sendo os sujeitos das relações os
próprios particulares. Na linha de base situam-se as relações jurídicas entre sujeitos de direito
privado, os particulares, sendo por isso relações jurídicas privatísticas, estabelecidas entre os
particulares entre si ou os particulares e o estado ou outro ente público (desde que
intervenham nesta relação despidos do seu poder de soberania e autoridade, existindo assim
uma posição de igualdade ou paridade).
● Funções:
- garantir a atuação das autonomias reciprocamente delimitadas dos sujeitos
para a realização de interesses particulares (cada um dá-se a si próprio a
norma do seu comportamento)
- fornecer critérios e fundamentos de resolução dos conflitos de interesses que
possam surgir (função integrante, que tem, por sua vez, duas sub-funções que
se aplicarão na segunda linha)
função de tutela de bens e valores jurídicos fundamentais
função de garantia
- responsabilizar os sujeitos da autonomia que exercem
● Valores:
Valor igualdade/paridade
Tipos de justiça
● Justiça da troca ou comutativa: traduz o “que devemos aos outros e os outros nos
devem a nós para podermos ser, cada um de nós e todos, verdadeiramente pessoas”.
(ex.: Um comprador paga o preço e recebe o livro; dizemos que se realiza justiça
comutativa quando alguém reconhecer que o livre vale o dinheiro que por ele dá e
quando o livreiro aceitar que o preço que o comprador lhe paga vale o livro que se
transfere para propriedade do segundo.) Este tipo de justiça está associado às
transações particulares voluntárias. Artg. 728 C.C
● Justiça corretiva- associada às transações particulares involuntárias.
Artg. 483, nº1 C.C
Área do Direito
● Direito privado: é nesta linha que se situam as relações jurídicas que se estabelecem
entre sujeitos de direito privado. Ordo partium ad partes- relações jurídicas em que as
partes se encontram numa posição de paridade.
Ramos do Direito
● Direito civil- direito das obrigações, das coisas, da família e das sucessões
Nota: se privilegiamos analiticamente uma linha, nem por isso estamos a dizer que as outras se
apagam, pois, na realidade, elas estão sempre todas presentes, embora, consoante a
perspetiva, avulte mais uma ou outra.
Linha ascendente
Funções:
● Regular as exigências que a sociedade enquanto comunidade de bens dirige aos soci
● Estabelecer critérios que podem ser mobilizados em caso de violação de bens ou
valores jurídicos que a sociedade visa proteger para garantir a preservação desse
mesmos bens e valores jurídicos e com isso garantir a preservação da própria
comunidade
● Tutela de bens e valores jurídicos em que se alicerça a sociedade- função de tutela
● Visa institucionalizar, legitimar, limitar o poder do estado enquanto representação
política da sociedade, através dos ramos que estão subjacentes a esta linha e que
estabelecem um conjunto de valores jurídicos
● Função de garantia
Valores/exigências:
● exigência de garantia
O estado pode mobilizar para punir os membros da comunidade pela prática de violação a
determinar os bens para impedir a possibilidade de esses critérios serem mobilizados de forma
abusiva, logo são necessárias garantias para proteger os soci para evitar a repressão da
violação de bens e valores jurídicos relevantes na sociedade.
1) A sociedade tem ela própria valores ou bens jurídicos fundamentais que visa garantir
com vista a preservar a própria existência comunitária. Bens que dirige ao soci e cujo
cumprimento lhe impõe, podendo os membros da sociedade ser punidos violando
algum valor que alicerça a sociedade.
O estado pode exigir aos membros da sociedade determinadas prestações e pode sancionar os
membros da comunidade caso violem bens ou valores jurídicos fundamentais. Porém, o estado
não pode fazer isso de forma arbitrária ou abusiva, logo os membros têm de ser protegidos
contra a eventual preponderância do estado.
Tipos de justiça
Área do Direito
● Direito Público
Ramos do Direito
● Direito Constitucional, Penal, Fiscal e Militar, que visam regulamentar as exigências que
a sociedade nos dirige, institucionalizar, legitimar e limitar o poder.
Linha descendente
“A sociedade é considerada como uma entidade atuante, dinâmica, que tem um programa
estratégico que quer atuar para atingir os objetivos que se propõe” (pág.51). Esses objetivos
podem ser favoráveis ou visar o benefício da própria sociedade, sendo que o direito aqui
aparece como um estatuto de atuação, mas também de limitação. A sociedade vai atuar no seu
programa, mas nos termos em que o direito o permita. No fundo, baseia-se nas relações entre
a sociedade politicamente organizada em Estado (Estado Social ou de Providência Social) e os
cidadãos destinatários. A sociedade emerge como uma entidade pró-ativa, atuante e dinâmica
que tem um programa estratégico que quer realizar para alcançar finalidades que resultam da
definição de estratégias político-sociais que têm os sujeitos da sociedade como destinatários.
Desta forma, quando se elabora um regulamento existem sempre duas finalidades: racionalizar
a ação e limitar a própria ação.
Valores
1) nem todos pagamos os mesmos impostos, cada um paga “na medida do que se tem”, ou
seja, podemos estabelecer dois tipos de igualdade: a igualdade vertical - tratar diferentemente
situações desiguais” - e a igualdade horizontal - tratar igualmente as situações iguais”
Tipos de justiça
Área do Direito
Ramos do Direito
Em suma:
“As três linhas a que aludimos como que delimitam o espaço triangular da ordem jurídica: na
sua linha de base, estamos uns perante os outros, como pares, a seguir vemo-nos, numa linha
ascendente, perante a sociedade, e depois é ela, numa linha descendente, a atuar sobre nós- a
seu favor e/ou em nosso benefício- o seu programa de fins.” (pág.56). É importante ressaltar
que estas três linhas não se afirmaram em termos historicamente sincrónicos. “Durante
séculos, ao longo de toda a época pré-moderna, a ordem jurídica resumia-se à linha de base.
Apenas com o Estado de Direito pós-revolucionários (há cerca de dois séculos) se tematizou e
juridicizou (controlar-se e limitar-se) o poder e, decorrentemente, se autonomizou a segunda
linha. E a terceira linha da ordem jurídica, que traduz a deliberada assunção de uma atitude
mais pragmática e que se projeta no Estado Providência, é já do século XX.” (págs. 57-58).
Leitura comparada
Consoante a ênfase dada as estás linhas encontramos sociedades diferentes.
Sociedade com crenças políticas filosóficas muito liberais, a preocupação em que todos
respeitem determinados valores e bens jurídicos fundamentais. Uma sociedade liberal não
concorda que exista um projeto comum onde os cidadãos têm de intervir.
Numa sociedade autoritária a linha que cresce é a segunda, pois o poder organizado impõe se
para garantir um mesmo modelo de vida. A coletividade e o poder organizado usam o poder e
o Direito para que os cidadãos da sociedade respeitem uma vasta quantidade de regras e
valores. É lhes imposto um modelo de vida.
Uma sociedade é totalitária quando desenvolve um programa total para o seu próprio
desenvolvimento.
Função primária ou prescritiva: a ordem jurídica prescreve (escreve antes) critérios à ação,
dirigindo-nos esses modelos de comportamento. Assim, a ordem jurídica dirige-se aos sujeitos
jurídicos reconhecendo direitos e atribuindo deveres, conferindo faculdade e impondo
responsabilidade, ao determinar o que é válido ou inválido, o que é lícito ou ilícito, ordenando,
portanto, a sociedade e as nossas condutas.
Esta função aparece como princípio de ação ou como critério de sanção.
Noção de princípio: critério normativo, como um fundamento, razão de ser, ou seja, uma ideia
do que deve ser. Exemplo: princípios de igualdade, solidariedade, segurança, traduzem
exigências em normatividade neste sentido.
Aquele que impedir, sem fundamento suficiente, o acesso dos outros ao mundo, está a abusar
da sua posição, está a colocar-se, no plano prático, como um obstáculo injustificado à fruição
do mundo por partes dos outros. Desta forma, a ordem jurídica prescreve critérios de fruição
do mundo e também concorre para que esses critérios se realizem praticamente através do:
Critério de sanção-> o direito tem um caráter sancionatório, justamente porque ele tem a ver
com o domínio das nossas relações sociais- com aquelas relações em que estamos uns perante
os outros mediados pelo mundo (ex: só posso fruir dos meus bens porque existe algo que
impede os outros de se apossarem/tomar posse/apoderar-se deles) (págs.69-70).
Noção de sanção: todo o meio de que a ordem jurídica se serve para tornar eficazes os seus
objetivos práticos/prescrições. No fundo, sancionar significa efetivar, consagrar, tornar sérios,
dignos de respeito e autênticos os imperativos jurídicos. (págs.63-64)
Sancionabilidade
O incumprimento das regras de cortesia não tem sanções nem regulação oficial de como se
processa, pois se eu for contra os meus padrões éticos apenas poderei ficar com remorsos (ex:
Por vezes, não matamos por Direto, mas sim por ética). Já uma norma de direito,
comparativamente a outras normas, estabelece meios de sancionamento para garantir a sua
efetividade e daí distinguir-se das restantes (principalmente da moral).
Estando nós uns com os outros numa relação de intersubjetividade social é razoável que se
instituam meios destinados a evitar ou a punir eventuais abusos.
O direito tem, portanto, um caráter societário o que implica a sanção, sendo que sem o recurso
à última a realização na prática das exigências da juridicidade resultaria ou de todo precludida
(?) ou significativamente diminuída. A sancionabilidade distingue o direito das restantes ordens
normativas, ou seja, distingue a ordem moral do direito, pois sem esta característica far-se-ia
apenas apelos à consciência.
mundanidade > socia(bi)lidade > intersubjetividade > exigibilidade > executabilidade >
sancionabilidade
Porquê que o direito exige sanções? A nossa experiência da partilha do mundo coloca-nos
numa posição de relação com os outros no seio da comunidade que partilhamos (relação de
bilateralidade atributiva na partilha da sociedade- relações estabelecidas com o outro a
respeito da partilha da sociedade- relações com carácter intersubjetivo- os direitos dos outros
acarretam deveres para mim e vice-versa, cada um de nós exerce os seus direitos por mediação
dos outros, e vice-versa, já no pano da moral estamos numa posição unilateral, pois tem haver
com os deveres da nossa consciência). Se de facto a relação jurídica exige sempre mais que um
sujeito, tem de se compreender sempre uma nota de exigibilidade, ou seja, quando um dos
sujeitos não cumpre os seus deveres o outro tem o direito de exigir o seu cumprimento,
podendo em última instância recorrer a um terceiro para efetivar o seu direito (tribunais),
falando se de executabilidade. Mas no âmbito das relações jurídicas podem existir conflitos de
interesses ou controvérsias jurídicas que exigem um tratamento adequado que estabeleça os
direitos e deveres. Implica sempre a mediação de um terceiro (tertium comparation(?)s), o que
se deigna por tercialidade do direito- exprime-se quer enquanto sujeito julgador imparcial
(juiz) quer enquanto sistema de fundamentos de critérios que os próprios tribunais vão
mobilizar, vai dar respostas a estas controvérsias jurídicas.
Assim, o direito tem um carácter sancionatório, exige sanções, porque a sociedade exige uma
relação de intersubjetividade, bilateralidade e tem uma natureza social das relações jurídicas
que envolve dois ou mais sujeitos que justifica o seu carácter social.
O direito pode mobilizar diversos tipos de sanções para tornar efetivo as suas
prescrições/modelos de comportamento:
exemplos:
- subsídios
- isenções fiscais
- bolsas de estudo
?Ex: Tanto posso punir as pessoas se poluírem muito como premia-las se comprarem carros
elétricos e são ambas sanções.
Sanções negativas - impõe sempre algo desagradável a quem as sofre, e poderão ser coativas
ou não coativas
exemplos:
- multas
- penas de prisão
- declaração de nulidade de um contrato
- exclusão de alguém de uma sociedade a que pertença
- dissolução de uma associação
- dissolução, liquidação e extinção de uma sociedade anónima
- indemnização
- divórcio
Sanções coativas - envolvem o recurso à força, à constrição física, à coação. Se alguém causa
injustificadamente danos a outrem tem que indemnizá-lo e se não o fizer voluntariamente os
seus bens podem ser executados.
exemplos:
- pena de prisão
- Alguém é sentenciado/condenado judicialmente a pagar a outra pessoa uma
determinada prestação/quantia pecuniária, ou seja, B é obrigado a pagar essa quantia
a A voluntariamente. Se o devedor, o B, não cumprir voluntariamente a sua prestação,
ele pode ser coagido a efetuar esse pagamento. A, o credor pode propor uma ação
executiva com vista à realização coativa.
Sanções não coativas - mero ato jurisdicional declarativo, que não envolve recurso à coação, o
recurso à força, à constrição física.
exemplo:
- Alguém celebra o contrato de compra e venda de bens imóveis (um prédio), outorgado
sem respeitar a forma especial que é prevista na lei (serem celebrados por meio de
uma escritura pública, segundo o princípio da consensualidade, ou um documento
autenticado). Se for celebrado sem respeitar esta condição é nulo, ou seja, o tribunal
faz um juízo meramente declarativo.
Sanções preventivas - Visam afastar futuras violações, cujo receio dessa prática futura é
justificado. São medidas preventivas destinadas a induzir o comportamento pretendente.
Exemplo: internamento de alguém com uma anomalia psíquica, tendo praticado um ato ilegal.
Exemplo: aplicar-se uma pena de multa ou de prisão a quem não cumpra com a obrigação de
prestar alimentos (Artigo 250º CP)
Sanções reconstitutivas - pretendem reconstituir uma situação que foi alterada, como quando
alguém causa dano a outrem. Podem ser de 3 tipos:
Sanções punitivas - são as que implicam uma qualquer limitação de bens jurídicos das pessoas
(põem em causa a liberdade física ou patrimonial ou pagar uma multa). Classificam-se da
seguinte maneira:
Sanções de ineficácia em sentido amplo - atuam nas relações entre particulares, para garantir
que os deveres acordados entre os indivíduos têm efeitos jurídicos, para também tirar a
eficácia dos deveres. Pode ser total/absoluta (nulidade) ou relativa (anulabilidade). Esta é a
reação da ordem jurídica que impede que os atos jurídicos que sejam desconformes com a lei
produzam todos ou alguns efeitos que em condições normais não produziriam. Reporta a casos
de tal modo graves, que para a ordem jurídica é como se não tivessem existido.
➢ ineficácia em sentido restrito: o ato não produz total ou parcialmente os seus efeitos.
Um determinado ato é válido, mas viola alguma norma o que faz com que não produza
todos os seus efeitos jurídicos.
Auto e heterotutela
O direito necessita de ser garantido, ou seja, protegido (tutelado) e, no fundo, é isso que
significa a sancionabilidade. Não podem ser os próprios sujeitos jurídicos a ter o poder
reconhecido no direito, logo o princípio base é o da heterotutela. Há instâncias próprias e
meios adequados para pôr sanções a funcionar e fazer cumprir as regras de cumprimento. No
entanto, há igualmente um pequeno espaço para a autotutela, da seguinte forma: ação direta,
legítima defesa, estados de necessidade, direito de necessidade, desobediência e resistência.
Classificação jurídica
➔ Normas legis plus quam perfectae (Normas mais que perfeitas) - Determinam a
invalidade dos atos que as violam e emitem ainda uma pena aos infratores.
Exemplos:
➔ Normas legis perfectae (Normas perfeitas) - Só determinam a validade dos atos que as
violam, de atos contrários, ou seja, há apenas uma sanção.
Exemplo:
➔ Normas legis minus quam perfectae (Normas menos que perfeitas) - Determinam uma
sanção diferente da invalidade.
➔ Normas legis imperfectae (Normas imperfeitas) - A violação não importa qualquer
sanção, pois são normas sem conteúdo normativo.
Exemplo:
❖ Norma relativa aos deveres conjugais, pois a lei não impõe diretamente
nenhuma sanção diretamente, apenas sanciona o incumprimento das ditas
obrigações naturais. (Artigo 1672º CC)
Segundo uma conceção positivista do direito, este é imposto pela vontade humana, sem
nenhum critério acima dessa vontade. No extremo oposto estão as conceções jusnaturalistas
que acham que o direito tem uma natureza que é indisponível para o Homem. Assim, as
relações no mundo têm de ser reguladas à luz de um padrão de regras comum, sendo que o
direito recorre a um critério de terceiridade. O direito considera os sujeitos absolutos na
partilha do mundo (empregados e empregadores, mutuantes e mutuários, senhorios e
inquilinos). O direito toma posição, o direito supõe o outro do outro, sendo que um terceiro
imparcial pondera e avalia a nossa posição face ao outro. Deste modo, o Dr. Bronze afirma que
o direito se distingue das outras normas jurídicas por ser sancionável, por tratar de relações
sociais das quais nascem exigências e que são precisas valer e são executáveis.
- unidade sistemática: critérios que visam garantir que a ordem é coerente, ou seja, dar
unidade e sistematicidade à ordem. Assim evitam o que haja conflitos e contradições
entre os critérios jurídicos.
- desenvolvimento constitutivo: normas que estabelecem como é que a ordem jurídica
evolui no tempo
- realização orgânico-processual: quais os órgãos que têm a responsabilidade de fazer a
ordem jurídica funcionar e determinam o processo segundo o qual esses órgãos atuam
Esta função secundária surge no âmbito da ordem jurídica se voltar para si própria a fim de se
auto-organizar e conseguir subsistir (pág.77), pois esta procura continuamente reorganizar-se.
Isto deve-se ao facto da ordem integrar uma multiplicidade de exigências e de elementos entre
os quais podem surgir incompatibilidades ou contradições. Esta função surge das antinomias
entre normas, ou entre normas e princípios, ou mesmo entre princípios. Assim, oferece-nos
meios de superar esta dificuldade (por exemplo, através de critérios formais como os de
hierarquia “lex superior derogat inferiori”).
Assim, a função secundária permite que a ordem jurídica se auto organize, visto que, tendo em
conta a multitude e a complexidade das normas existentes, é exigido que haja um esforço de
organização por parte da ordem jurídica. Estabelecem-se condições para a sua organização
interna, ou seja, critérios de segundo grau e regras organizatórias que visam estruturar a
ordem jurídica e garantir-lhe coerência.
Regras de reconhecimento (rules of recognition): regras que, não tendo de ser escritas,
combatem a incerteza que pode resultar da convocação de critérios primários. Assim,
identificam os critérios de comportamento que devem ser reconhecidos como jurídicos
e, portanto, dotados de autoridade-potestas; e Margarida Santos FDUC – Doutor Aroso
Linhares Página 13 de 15 hierarquizam e unificam esses critérios. Deste modo, as
regras de reconhecimento introduzem a ideia de sistema jurídico.
Regras de mudança-transformação (rules of change): regras que conferem poderes a
um indivíduo ou a um conjunto de indivíduos para introduzir novas regras primárias e
eliminar as antigas, definindo também como o devem fazer. É à luz destas regras que
podemos compreender as ideias de ato legislativo, de revogação e do exercício da
autonomia privada (por exemplo, através de um contrato privado). Deste modo, estas
regras permitem que a ordem jurídica não seja estática, coincidindo, muitas vezes, com
o momento do desenvolvimento constitutivo.
Regras de decisão-julgamento (rules of adjudication): regras que institucionalizam a
possibilidade de julgar, i.e., de responder autoritariamente ao problema de saber se
uma regra primária foi violada ou não, dando poder a certos indivíduos para o fazer e
determinando o processo a seguir. Assim, se estas regras não existissem, a ordem
jurídica seria ineficaz. Para além disso, estas abrem portas para inúmeros conceitos,
como o de juiz, tribunal, sentença…
Deste modo, para Hart as regras secundárias têm várias vantagens sociais: certeza e
confiabilidade (regras de reconhecimento); flexibilidade na capacidade de mudança (regras de
mudança-transformação); e eficácia (regras de decisão-julgamento).
Existem, assim, três momentos, tal como mencionado anteriormente, para a resolução de
problemas distintos:
Podem apontar em sentidos contrários, pois não sabemos até onde poderá ir a nossa liberdade
de expressão sem afetar a privacidade do outro. Sendo assim, surgem critérios que visam
evitar este tipo de contradições lógicas, sendo as regras secundárias os mecanismos
necessários para suprir este problema:
Regras secundárias:
critério da hierarquia ou superioridade- a lei superior derroga a lei inferior, sendo que os
critérios que estão hierarquicamente inferiores estão subordinados aos superiores e devem ser
interpretados de acordo com os mesmos. (lex superior derogat legi inferior) Artigo 112º CRP
Distinção entre norma geral e especial segundo o critério do âmbito espacial da validade:
norma geral - define um regime regra para o setor de relações jurídicas que
disciplinam
norma especial - consagra uma disciplina nova para círculos mais restritos de pessoas
ou coisas ou relações jurídicas por estas possuírem especificidades diferentes
relativamente ao regime regra, mas não se opõe diretamente ao regime regra
Exemplos: direito privado comum, direito do consumo especial, direito privado comercial,
direito do trabalho;
O CC consagra regras especiais sobre a locação (arrendamento - bens IMÓVEIS e aluguer - bens
MÓVEIS) as normas especiais prevalecem sobre as normas gerais sobre o arrendamento de
prédios urbanos.
Exemplo:
- Um contrato celebrado na vigência de uma certa lei, que, entretanto, foi revogada e
substituída por outra, mas o contrato continua a produzir efeitos. Qual o critério que se
deve aplicar: o instituído pela lei nova ou o prescrito pela lei anterior?
- O sujeito A pratica um ato que no momento não era punível; antes do julgamento sai
uma norma que o pune com a prática desse ato; efeitos relevantes com a decisão: ele
ser punido ou não.
- Sujeito A e B celebram por documento particular, a lei nesse momento exigia esse
documento. Durante o contrato, entra em vigor uma lei que para que esse contrato
seja válido tem de ser celebrado por escritura pública.
-> disposições transitórias/direito transitório - diretamente resolvidos pela lei nova. O direito
transitório é a disciplina que a lei nova apresenta. Não constitui a solução normal dos
problemas, pois nem sempre a lei nova contém disposições transitórias. Então a lei oferece
critérios secundários que se encontram tanto em disposições do CP como no CC.
artigo 12º CC
1- a lei só dispõe para o futuro. No fundo, estabelece um critério geral que a lei nova só se
aplica a factos que ocorram depois da sua entrada em vigor. Em causa está o princípio da não
retroatividade - a lei nova só se aplica às situações jurídicas depois da entrada em vigor desta
lei
princípio da não transconexão ou não transitividade- uma lei não se pode aplicar a
factos que com ela não tenham tido contacto, ou seja, os factos são puníveis com a lei
vigente no momento da sua prática.
★ Conflitos no espaço
Surgem por vezes situações jurídicas plurilocalizadas, ou seja, um conjunto de problemas que
nascem dos objetos das normas jurídicas, das causas que geram e das garantias que as
protegem terem ligação com territórios de ordenamento jurídicos diferentes.
Exemplo:
- Se alguém morre num país estrangeiro, podemos aplicar diferentes normas jurídicas ao
caso.
- Um nacional do estado A pretende casar com uma nacional do estado B, na capital do
estado C; por que lei se deve determinar a capacidade matrimonial de cada um?
Tendo em conta que o direito visa dar respostas a problemas históricos, não pode deixar de se
reconstituir para se ajustar permanentemente ao dinamismo do objeto. Uma ordem será
inadequada ao seu objeto se permanecer estática. Todavia se ela for excessivamente aberta
não garantirá às pessoas a previsibilidade necessária. No fundo, a ordem jurídica tem que ser
aberta, mas não pode deixar de garantir a segurança. Existe no fundo uma dialética entre
estabilidade e evolução, permanecer e devir. É de notar que existem critérios que se mantêm
em vigor para além do tempo necessário, do seu tempo ótimo, isto é, insistem em permanecer
mesmo quando já não respondem, por razões normativas ou práticas, a problemas da vida
juridicamente relevantes (pág.85).
Aqui surge a questão de como é que a ordem jurídica se desenvolve ao longo do tempo,
mantendo-se ordenada? No âmbito da função secundária, estão presentes critérios que
pretendem assegurar este momento de desenvolvimento constitutivo:
Define a entrada em vigor dos diplomas legais, sendo que a publicação é um ato essencial para
que os diplomas entrem em vigor. Ainda neste artigo e segundo a legislação especial, a norma
nunca entra em vigor no dia em que é publicada no Diário da República, e se a lei nada disser,
entra em vigor no 5º dia após a publicação.
Entre a publicação e a entrada em vigor decorre um período de tempo (vacatio legis), que
pode ser mais longo ou mais curto (no mínimo só poderá entrar em vigor às 00h do dia
seguinte, nunca no dia da publicação), dependendo das características da norma e do que nela
está estipulada.
Uma lei nunca pode entrar em vigor no mesmo dia em que foi publicada, porque é necessário
que as pessoas tomem conhecimento da mesma.
Em princípio, o período de vacatio legis estará definido na lei. Na falta de fixação do dia pela
própria lei, ela entra em vigor no 5º dia após a sua publicação (prazo supletivo). O próprio dia
da publicação não conta, só se passa a contar a partir do dia seguinte.
Artigo 7º CC
caducidade - a lei deixa de vigorar quando ocorre o facto que ela própria prevê, isto é o
decurso do prazo que a lei fixou para a sua vigência trata-se de leis de vigência temporária.
Exemplo: situação de covid, diplomas com vigência temporária
expressa - quando a nova lei declara expressamente que revoga a lei anterior
tácita - caso em que a revogação resulta da incompatibilidade entre a lei nova/lei revogatória e
a lei antiga/lei revogada, “incompatibilidade entre as novas disposições e as regras
precedentes”, sendo que a nova lei tem valor hierárquico igual ou superior à anterior
global - a lei nova regula complemente o instituto jurídico ou o ramo do direito e por isso ficam
revogados os preceitos legais da lei anterior, ou seja, revoga totalmente um ramo do Direito.
parcial - só uma parte da lei deixa de vigorar o que se designa por derrogação
nº3 - a lei geral não revoga a lei especial exceto se outra for a intenção inequívoca do legislador
nº4 - a revogação da lei revogatória não importa o renascimento que esta lei havia revogado,
mas se por esta lei revogatória também ela for revogada isso não importa a
repristinação/renascimento da lei que ela própria revogou.
(?)
3) MOMENTO ORGÂNICO-PROCESSUAL
A ordem jurídica organiza os modos da sua própria organização, quer do ponto de vista
orgânico ou do ponto de vista processual.
● estabelecer quais são os órgãos que têm como atribuição resolver os conflitos jurídicos
- orgânico
● definir um conjunto de normas sobre o modo como estes órgãos devem atuar quando
estão a resolver problemas jurídicos - processual
Jurisdição- resolver um conflito por meio de um jurista imparcial. Iurisdicio - atividade em que
o jurista juiz surge em dizer qual é o direito para resolver o caso.
Nota: Em Portugal, todos os tribunais são “tribunais constitucionais”, pois têm a capacidade de
resolver questões constitucionais. (Título V pág. 76 CRP) Existe, portanto, o tribunal de primeira
instância, o tribunal da relação, o supremo tribunal de justiça e o supremo tribunal
administrativo.
Noções essenciais:
processo- conjunto de atos encadeados com vista a determinado fim. É um modo de constrolar
um determinado poder.
direito processual- conjunto de princípios que regulam o processo que tem de ser seguido para
se proferir uma sentença, sendo o mesmo importante para garantir a paz social, uma vez que
protege a autotutela.
Dimensão orgânica:
Nesta dimensão, a ordem jurídica cria órgãos a quem estabelece competências, desde logo aos
tribunais.
artigo 202º CRP, os tribunais são os órgãos de soberania com competência para administrar a
justiça incumbindo-lhes a proteção dos direitos dos cidadãos, …
- Tribunal Constitucional
- Supremo tribunal de justiça(última instância) e os tribunais de segunda instância ou de
relação
- Tribunal de Primeira instância - tribunais de comarca e de competência territorial
alargada
- Tribunais administrativos e fiscais (o órgão superior é o Supremo Tribunal
Administrativo)
- Tribunal de contas
- Tribunais militares
Dimensão processual:
Tem a ver com o processo ao nível jurisdicional, ação em tribunal. Refere-se ao conjunto de
atos sequenciais e ordenados com vista a uma certa finalidade, ou seja, a resolução de conflito
de interesses, nos termos técnicos, a justa composição do litígio que opõe as partes.
O processo jurisdicional inicia-se com a propositura (ato ou efeito de propor) de uma ação
judicial num tribunal através da apresentação de uma peça processual que se denomina
petição inicial e termina com a prolação de uma sentença/decisão judicial pelo juiz que põe
termo ao conflito. Até o juiz proferir a sentença o processo desenvolve -se de acordo com as
ditas regras secundárias de procedimento, isto é, regras formais que definem as várias etapas
da tramitação.
Citação - é o ato pelo qual o réu toma conhecimento da ação contra si e tem um prazo de 30
dias para apresentar a sua defesa
Estamos diante de uma regra secundária de procedimento, que determina um prazo de ação
processual.
Exemplo:
- racionaliza a ação dos órgãos (torna-os mais eficientes na realização do seu objetivo)
- controla o próprio órgão (ao definir os termos da sua atuação)
- é um modo de controlar um determinado poder
- define posições relativas do tribunal e das partes
- determina quando e como, ou seja, em que termos procedimentais o tribunal deve
decidir
Em suma:
A ordem jurídica não define apenas uma normatividade (função primária). Ela auto organiza-se
através da sua função secundária, sendo esse o fator da sua própria subsistência como ordem.
(pág.90)
A ordem jurídica tem de estabilizar a sua dinâmica, pois só assim garantirá a sua subsistência (é
este o problema que a função secundária visa responder). A função primária é a mais visível,
mas a secundária é a mais importante, pois é por mediação desta que a ordem jurídica logra
subsistir como ordem, sendo que tenta encontrar um ponto de equilíbrio entre a subsistência e
a mutação. Associada à função secundária está a historicidade.
A ordem jurídica é desde logo uma ordem. Esta afirmação é de certa forma tautológica no
sentido de reforçar essa ideia de ordem. O que parece ser banal não deixa de ser essencial. A
afirmarmos que a ordem jurídica é um cosmos, estamos a dizer que ela não é um puro caos
(pág.94). No fundo, a ordem jurídica é uma desordem ordenada, que segundo a qual se
pretende introduzir uma harmonia e uma ordem ordenante. Por ser ordem (esta ordem de
certa forma caótica, esta estabilidade dinâmica, esta unidade plural- invoca estabilidade,
dinâmica e unidade) evita e sana indesejáveis contradições.
Exemplo:
Não se pode julgar hoje um determinado caso de um certo modo e amanhã decidir um caso de
outro modo, sem terem ocorrido mudanças justificativas desta alteração. Isto significaria uma
insegurança, segundo a qual era impossível garantir a previsibilidade e a igualdade social.
Objetividade
A ordem jurídica constitui para nós um mundo particular com que nos deparamos, ao lado de
outros, como o mundo biológico, sociológico ou cultural geral (pág.96). A ordem jurídica está
para nós como a natureza está, com a sua heteronomia, pois existe independentemente de a
querermos ou aceitarmos. A ordem jurídica constitui um dado objetivo, facto, é algo exterior,
vincula-nos independentemente de querermos aceitar a ordem jurídica ou não.
A objetividade da ordem jurídica apresenta desde logo uma autossubsistência (subsiste por si),
ou seja, classifica-se como autárquica (autarcia-autonomia) (pág.97). A exigência da sua própria
objetividade assenta nas suas próprias forças, subsistindo apoiada no seu próprio poder.
O problema da legitimidade
Este problema alude ao sentido que remete para uma validade. Surge então uma dialética
entre a ordem e nós próprios, enquanto membros da comunidade em que ela se afirma, pois
somos nós mesmos o demiurgo instituidor dos sentidos predicativos da sua validade. A
legitimidade jurídica consiste, afinal, na sua justificação prática para os respetivos destinatários,
pois nós não somos apenas objetos, mas sim autênticos sujeitos- razão pela qual o direito é um
modo de mediação de sujeitos com o mundo. A legitimação democrática é a forma como
legitimamos o mundo prático em que nos são dadas possibilidades e limitações.
Em suma: Na sua existência, a ordem jurídica apresenta uma objetividade autárquica que
define como auto-subsistente a si mesma e isto só acontece porque a ordem jurídica tem que
resolver o problema da legitimação.
Noção de dogma: tudo aquilo que se nos impõe, ou seja, o que está imune à crítica- é
indiscutível.
Qualquer cultura tem uma irremissível dimensão dogmática, pois ela assenta em pressupostos
que se aceitam, sem os quais aliás não poderia existir. O homem está na história num
constante esforço crítico de superação e parte sempre de pressupostos que não se discutem, e,
na verdade, todo o universo prático-cultural tem pressupostos condicionantes da ação. No
fundo, era impossível (con)viver se tivéssemos de discutir tudo antes de agirmos. Esta
sabedoria está, então, gravada na nossa memória cultural. Tendo em conta, no horizonte da
prática, a urgência das ações-decisões está sempre implícita a postulação de pressupostos,
como apoio para as ações que o homem é obrigado a exercer. A base dogmática não se pode
radicalizar, não se pode cair num puro dogmatismo. A dimensão dogmática da OJ mostra que,
tal como a cultura, esta (por sendo constituenda) vai sendo constituída ao longo do tempo,
resultando todos os sentidos com que hoje nos deparamos de uma evolução anterior.
Por isso, concordando ou não com esses princípios, eles existem e estão consagrados na OJ sob
a forma de princípios e critérios. Desta forma, dizemos que a OJ é uma referência cultural
objetiva (porque existe realmente) e a sua objetividade é uma objetividade dogmática porque,
do ponto de vista histórico, é indiscutível.
A urgência de ação-decisão
O homem tem que agir, isto é, tomar decisões, apesar de esta necessidade ultrapassar as
possibilidades do conhecimento disponível. Assim, compreende-se a subsistência do dever-ser
mesmo que seja contrariado pelos factos. Como já referido anteriormente, na urgência de
ação-decisão está sempre implícita a postulação de pressupostos como apoio para as ações
que o homem é obrigado a exercer. Muitas das ações-decisões humanas são determinadas por
rotinas, por reações estereotipadas, e não se admite que elas sejam alteráveis.
Exemplo: as leis penais não perdem a sua vigência pelo facto de se cometerem crimes, pois
elas não descrevem imposições, elas exprimem exigências.
Dogmaticidade cultural
O homem vive inserido numa tradição cultural onde ele encontra muitos dos sentidos
mobilizáveis para o orientar no seu agir- herança cultural. É a partir dela, ou seja, dessa
permanente re-arrumação de coisas que não são só nossas que ele vai reconstituindo a sua
subjetividade e o seu mundo.
As objeções à dogmática
Existem razões para que esta dimensão seja contrariada:
Para agir o homem mobiliza sempre pressupostos. Assim sendo, a ética consequencial
pretende aferir da validade do comportamento praticamente significativo através dos efeitos
ou consequência que produz.
A dogmática implica uma decisão e, no fundo, quando alguém decide não espera a resposta do
seu interlocutor, sendo que no direito passa-se do mesmo modo.
Nota:
Resumo: A ordem jurídica está integrada no nosso horizonte cultural e isto significa que tal
como a cultura em geral a ordem jurídica existe independentemente de a querermos ou
aceitarmos. Ela é uma realidade, pois independentemente da consciência que tenhamos da
sua existência ela emerge nos mais básicos comportamentos que adotamos (compra e venda
ou um casamento). Esta objetividade é muito específica e, por isso, manifesta-se em dois
planos:
O que é um dogma? É algo que se nos impõe, algo irrefutável, imune à crítica e que se aceita
como uma verdade absoluta.
Qual o sentido de se qualificar a ordem jurídica como dogmática? O Dr. Bronze diz que toda e
qualquer cultura, assim como o direito, apresenta necessariamente uma dimensão dogmática,
porque toda a cultura assenta em pressupostos que são aceites pelos membros na comunidade
concreta. Uma cultura só subsiste porque os membros da comunidade aceitam e regem-se
pelos pressupostos da cultura que partilham. Também o direito postula determinados
pressupostos para as ações e decisões dos sujeitos que condicionam as suas ações. Na
realidade prática, a necessidade de tomada de uma decisão pelo sujeito implica que se
postulem determinados pressupostos. Para agir o homem mobiliza os pressupostos. Há uma
necessidade de não esquecer que como membro de uma realidade histórica o homem vive
inserido numa tradição cultural, então dispõe de referentes de sentido que pode mobilizar para
orientar as suas ações, ou seja, pressupostos dogmáticos, sendo a existência deles que
possibilita a nossa convivência em comunidade, as nossas relações sociais, pois são
pressupostos comuns a todos os membros da sociedade.
Exemplo: O juiz é obrigado a decidir litígios. Para que os conflitos que emergem das relações
sociais se resolvam recorremos à proibição non liquet ou à obrigação de julgar legalmente ao
julgado - artigo 8º/1 CC.
Autoridade (decorre da objetividade dogmática)
A decisão, que está na base da dogmática, remete para um poder. Precisamente para agir
precisamos de pressupor essa base dogmática. A decisão remete para um poder, por isso
compreendemos a interferência necessária de uma autoridade na esfera do direito para
resolver problemas juridicamente relevantes. Daqui que a ordem jurídica apresente uma nota
de autoridade, manifestação de um poder. Há a necessidade de se decidir, sendo que o juiz
tem de decidir os problemas concretos que lhe cumpra institucionalmente resolver. Para que
uma decisão não seja arbitrária ela tem de ser fundamentada. No entanto, o direito exige que
se suspenda a preocupação fundamentante a um certo nível e se imponha uma pressuposição
de uma certa dogmática e de um poder com autoridade para decidir. O que tem autoridade é
aquele a quem se reconhece competência para dizer o que diz.
1. Racionalização
2. Institucionalização
3. Liberdade e Segurança
4. Paz
RACIONALIZAÇÃO
Assim, o ser humano não se contenta com o caos das perceções subjetivas,
provenientes das perceções sensitivas, pois somos constantemente estimulados pelos 5
sentidos. Na verdade, o mundo não se apresenta completamente organizado, então é
necessário um esforço para atribuirmos racionalidade aos acontecimentos com que nos
deparamos.
Tipos de racionalização
Nota: Hoje em dia tende-se para uma racionalidade tecnológica, que privilegia os fins e/ou os
meios em detrimento dos fundamentos e que reduz a validade prática à mera eficácia
pragmática.
Outra maneira de racionalizar fenómenos é através das condutas humanas, pois são
parte do que acontece no mundo natural. Note-se que isto não significa determinar se é válido
ou não. O que procuramos é estabelecer relações entre os fenómenos e a conduta humana,
que não é totalmente determinada por certas causas naturais. Os comportamentos livres
podem ser imputados a alguém, mas os factos naturais não são imputados, são apenas
causados pelas leis da natureza. Nós também estamos sujeitos às leis da natureza, mas não nos
imputam a adotar certos comportamentos. Nós podemos relacionar os comportamentos
humanos em termos de meio e fim e modelar a conduta para um certo propósito.
INSTITUCIONALIZAÇÃO
O homem por ser livre tem de ser autor de si próprio, ou seja, tem que fazer o esforço
de se construir. Essa liberdade e constante necessidade de optar, faz com que o Homem tenha
angústias, isto é, um sentimento de vazio por preencher. Para que não tenha que começar
todos os seus atos sempre do zero, existem critérios que lhe dão apoio, fornecem-lhe uma
orientação, concedem-lhe segurança e são desoneradores.
Por ser um ser aberto ao mundo que o circunda, o homem é preenchido pela cultura,
que se objetiva em instituições. Estas por sua vez limitam o leque de possibilidades e evitam a
contradição das mesmas. Assim, o homem, com instituições pré-disponíveis não tem que fazer
tudo, porque as instituições correspondem exatamente a um esforço já feito.
A natureza do homem e de tal ordem que faz dele um ser cultural, que precisa de criar
cultura (uma segunda natureza que o homem coletivamente cria) que permite completar a sua
incompletude. Uma das manifestações mais evidentes desta criação cultural é a criação de
instituições, pois vão orientar o homem na sua liberdade e só existem, pois, o homem é livre
de as instituir. Cada cultura representa, portanto, uma restrição à liberdade do homem.
A institucionalização limita a liberdade, mas sem ela a liberdade não poderia realizar-se pois
consumir-se-ia a si própria. Ou seja, as instituições garantem o exercício da liberdade ao
mesmo tempo que a delimita.
O mundo está de tal modo institucionalizado que parece impor uma superestrutura
que nada tem a ver connosco e, assim, o homem tende a refugiar-se no universo de uma
subjetividade hipercrítica, que não é capaz de transformar o mundo.
Exemplo: o terrorista é incapaz de viver no mundo que não aceita, se ele não acredita
na possibilidade de transformar argumentativamente o mundo ele destrói o mundo.
SEGURANÇA
O direito condiciona cada um de nós e assim uns e outro para que possamos prever os
resultados dos comportamentos sócio-juridicamente interferentes. Sendo o Homem
indeterminado, a inserção numa ordem contribui sempre para reduzir os riscos dessa sua
ineliminável indeterminação.
A garantia da segurança implica restrições à liberdade no sentido mais direto, visto que
exige direitos, cria regras e meios para punir quem não respeita a liberdade dos outros. A
segurança que é preciso efetivar é aquela pela qual a liberdade fica condicionada.
Exemplo: uma pessoa até pode ser livre de andar na rua, mas se não há segurança a
andar na rua essa liberdade não lhe vale de nada (uma condiciona a outra).
LIBERDADE
PAZ
Muitas vezes em sociedades opressivas há paz, pois os cidadãos das mesmas não se
insurgem. Em nome da pacificação existem injustiças e igualdades. O efeito que se quer
desencadear não é o da paz negativa. A paz deve ser em sentido positivo, a ordem jurídica não
quer pacificar a vida social, pois esta tem divergências. Assim, a ordem jurídica promove a paz
que resulta da justiça.
Nós estamos em constante conflito de interesses uns com os outros, por isso, o direito
define uma tábua de valores que nos integra, que limita o poder, impede o uso da força privada
para a realização dos direitos e garante uma convivência pacífica.
Enquanto a ordem jurídica se revelar válida e eficaz ela vai resolvendo adequadamente
os conflitos resultantes do nosso encontro no mundo e nessa medida é o fator paz.
O direito será tanto mais logrado quanto mais prevenir (em vez de se limitar apenas a
resolver) os conflitos.
Aquando da prevenção de conflitos, nem sequer nos damos conta da existência do seu
conteúdo, assimilamos e interiorizamos muitos dos padrões culturais vigentes, pautamo-nos
naturalmente por esse “princípio de ação” (função secundária ou auto-organizatória) e
compreendemos que a ordem jurídica é um decisivo fator de paz, serve para ATENUAR
tensões, não as anula. O Direito obrigada as pessoas a enquadrarem juridicamente as próprias
desavenças entre elas, tentando mitigá-las.
Esta paz é referente a um direito com uma paz radicada na justiça, i.e., um conjunto de
valores materiais que se traduza numa justiça jurídica.
Desta forma, não confundiremos os seus fundamentos com outros sentidos de justiça
extrajurídicos, pois, muitas vezes, aquilo que empiricamente se considera (in)justo pode não
corresponder aquilo que intersubjetivamente (em termos societários) se considerará justo.
O problema que agora se coloca é o da determinação do sentido do direito “para nós” e não o
de definir o seu sentido. A questão é: em que medida é que o direito pode atuar como
instância socialmente regulativa e intencionalmente humanizante do nosso encontro
mundanal?
O que dissemos até agora não basta para percebermos o sentido do direito. A circunstância de
a ordem jurídica ser uma ordem não garante/é insuficiente que se lhe deva reconhecer o
sentido predicativo do direito. Ora, não basta analisarmos a estrutura da ordem jurídica. Isto
porque o sentido material estará concretizado na OJ que opera como cristalização possível do
sentido constituendo evolutivo entre a realidade e juridicidade, ou seja, está para lá da
determinação da validade e eficácia da OJ porque é o horizonte de referência manifestado e
concretizado pela mesma.
Uma coisa é a explicação do direito a partir da mera enumeração horizontal e aditiva dos
fatores que formalmente o identificam e outra é a compreensão do seu sentido.
O sentido tem a ver com o homem e por isso é que a compreensão implica a mediação de
valores, pois tem de existir uma atitude de adesão ou de repulsa, sendo que essa tarefa nunca
o deixa indiferente.
Ora, não há direito sem ordem, ou seja, sem estrutura, funções, características e
efeitos, mas essa é apenas uma condição necessária e não suficiente.
A insuficiência objetiva resulta da forma como a ordem jurídica está objetivada, sendo que essa
objetivação não basta para aferir o sentido do direito. Quando consideramos a objetivação, a
ordem jurídica apresenta-se com um conjunto de características formais (“ser ordem”) que não
basta para saber o seu sentido.
A ordem jurídica é uma ordem entre outras. Embora ser ordem seja fundamental, não é
suficiente para a ordem jurídica porque há outras ordens normas sociais vigentes que podem
ter estruturas análogas e fundamentações axiológicas e jurídicas mais próximas da mesma.
Por isso, procuramos distinguir o direito de outras ordens ético-morais, sociais e religiosas (que
são ordens normativas também).
O direito relativiza-nos, colocando-nos em certas posições jurídicas mais próximas (p.e., credor
e devedor) ou mais longínquas (p.e., ordem jurídica estatal), surgindo estas relações sempre à
luz de um terceiro. A ordem ético-moral concorre com a ordem jurídica na dimensão das
posições jurídicas mais próximas, por tomar cada sujeito como único (p.e., numa relação de
amizade importa que seja a Ana e a Margarida). A ordem que regula a máfia ou outras relações
terroristas concorrem com a ordem jurídica na dimensão das posições mais longínquas, por
apresentarem fundamentos contrários/distintos, mas que estruturalmente são análogos
(critérios, órgãos instituídos para a realização desses critérios e efeitos) aos da ordem jurídica.
No entanto, quanto ao seu mérito material nunca a vamos considerar uma ordem de direito.
Essas ordens, mais próximas ou afastadas da OJ, não são instituídas pelo Estado – diferente da
OJ, a que corresponde a nota da estadualidade. A estadualidade legitima a ordem jurídica, pois
é uma nota absolutamente decisiva e essencial nos dias de hoje e que começou com a
institucionalização do Estado e com separação de poderes (2ª linha da ordem jurídica). Mas
basta isso para que a ordem jurídica seja suficiente? Não, pois temos ordem jurídica que
usufruem da nota da estadualidade mas que não são, para nós, ordem jurídica (p.e. ordens
jurídicas totalitárias). O Estado e o direito são entidades distintas do ponto de vista
históricointencional-material, de uma dimensão extensiva e ainda da expressão “estado de
direito” que implica que sejam dois conceitos em relação não confundíveis. Características de
distinção entre o Estado e o direito: Histórico Sendo o Estado uma institucionalização moderna
que nasce maioritariamente após as revoluções liberais (ainda que haja casos de experiências
na Grécia Antiga), sabemos que o direito é anterior à mesma (no DR, p.e., que mostra que os
modos de atuação são distintos). Devemos considerar que antes da institucionalização dos
Estados e do estado de direito havia já toda uma construção da experiência jurídica Página 50
pluridimensional que ao longo do tempo se vai modificando, o que nos leva a dizer que ambos
têm um passado lado-a-lado, mas que não se confundem. Intencional-material Intencional-
materialmente, o Estado é uma organização política e de poder, enquanto que o direito, por
dizer respeito à dimensão da vivência dos sujeitos na polis (político), não se reduzirá à política
enquanto racionalização estratégica dirigida à produção de fins. Assim, o Estado visa a
prossecução de fins e assenta a sua ação numa finalidade instrumental-mobilística (i.e.,
mobilização de meios para a realização dos fins). Já o direito, é uma ordem normativa de valor
que assenta numa validade material que estabelece os seus fundamentos e ação numa
racionalidade axiológica e não finalística, visando a fundamentação material das suas
prescrições e, portanto, numa relação de fundamento-consequência e não numa relação de
meio-fim. Há quem entenda que o direito deve ser um instrumento ao serviço das imposições
que externamente lhe sejam postas pelos outros domínios da sociedade (tecnologia,
economia, etc.), ou seja, que o direito seria melhor quanto mais se adaptasse aos objetivos
impostos por fora e permitisse obter os resultados mais próximos possíveis desses objetivos.
Dimensão extensiva
O Estado e o direito são também extensivamente distintos, pois nem todo o direito vigente
provém do Estado.
Tal aplicação verifica-se nos sistemas de common law e de legislação, aquele que herdámos
pela conjugação de criação do direito sob a forma de lei com o poder legislativo (influência do
século XIX).
Esta dimensão é visível nas fontes do direito: p.e., o direito privado (contrato que não tem de
ser assinado para que se crie direito, i.e., que vincule os sujeitos; ainda que não haja nenhuma
lei que o diga) ou o direito consuetudinário.
Assim, não se identificam direito e Estado quando temos fontes interestaduais – p.e., as
convenções internacionais são direito que não é criado pelo Estado, mas constituem direito
criado entre Estados.
Estado de direito
Ser Estado não é garantia de que estamos perante um Estado de direito (dado que existem
Estados de não direito). As dimensões conjugadas são distintas: O Estado de direito é um
Estado que se legitima/fundamenta no direito, que dialoga com ele e legitima a sua ação nele.
Não é o Estado que fundamenta o direito, pois assim o fundamento do direito seria o poder do
Estado (o que é falso, pois o fundamento material do direito é um acervo (em grande
quantidade) axiológico (contém valores predominantes) intersubjetivamente constituendo que
se vai precipitando institucionalmente).
P.e.: no art. 24º/1/2 da CRP (direito à vida), temos aqui um princípio fundamental por estar na
CRP (1) ou temos aqui uma consagração na CRP de algo que é fundamental (2)?
EM SUMA
Para a ordem jurídica ser classificada como ordem de direito ➜ tem de ter uma manifestação
de direito, porém só por si não encerra globalmente o sentido do direito (que é algo que a
transcende, por ser um acervo material constituendo numa dimensão temporal e espacial
distintas da que a ordem jurídica estabelece).
A ordem jurídica é, só por si, insuficiente para definir/estabelecer o sentido do direito pois não
é nas suas funções e estrutura que encontramos esse sentido (que a ultrapassa) ➜
encontramo-lo no conteúdo que a ordem jurídica deve assumir, assumindo-o sempre de
maneira parcial e objetivada.
Como é uma ordem de direito, é-lhe característica uma dimensão normativa. Que dimensão
normativa? Uma referência de valor em que vai residir a sua validade e que é apenas a
afirmação de um ideal alheado à projeção prática ➜ é uma afirmação de valor que pretende
orientar a prática, conferindo o critério para a atuação intersubjetiva na OJ. São os critérios
operadores mobilizáveis para a resolução de problemas concretos e fundamentos de acervos
axiológicos que baseiam a criação dos critérios.
Isso não acontece, mas o direito e o poder cruzam-se: o primeiro precisa de autoridade,
conferida atualmente pelo poder político.
Mas o poder político não é fundamento do Direito, porque, se o fosse, qualquer norma criada
pelo Estado, seria direito.
Ou seja, para a legislação constituir uma ordem de Direito, tem que se inserir no universo da
validade que lhe confere esse caráter (de norma).
Atualmente, dá-se dimensão de direito ao poder, i.e., juridiciza-se o Estado (que tende a ser,
hoje, um Estado de direito material), onde o direito é apenas o limitador do poder, mas o seu
verdadeiro fundamento legitimante.
Três momentos:
3. A insuficiência normativa
Permitiu compreender que uma norma legal, embora a sua legitimidade democrática, tem
de responder à questão da sua validade jurídica.
Ora, se a ordem jurídica é composta por critérios e por princípios, não é apenas composta por
normas legais – é pluridimensional. Uma ordem jurídica tem a sua dimensão prescritiva (válido
do inválido, lícito do ilícito, …) e esses critérios prescritivos levam imanentes um conjunto de
valores que lhes dão sentido. Um critério é então uma regra técnica. (O jurista pode ser um
técnico, mas o fundamento é aquilo que sustenta e justifica o seu critério (o “alicerce” que
intencionalmente o legitima). Os critérios são, portanto, os modelos técnicos de solução
imediatamente mobilizáveis, mas por detrás deles estão sempre, os valores/princípios que se
louvam.)
Porém, ainda que seja imanente à ordem jurídica essa intencionalidade normativa, a ordem
jurídica constitui uma concretização contextual de uma intencionalidade que a ultrapassa (o
sentido do direito), que é o acervo significativo historicamente construído, criticamente
refletido e que constitui o direito numa civilização.
Assim, é necessário considerar que a ordem jurídica, para ser de direito, assumirá uma
dimensão normativa que a constitui substancialmente e sustenta a sua vigência, pois a ordem
jurídica não se basta ser válida e politicamente legitimada.
- eficácia sem validade ⇒ imposição pela força de um conteúdo que, se não afirmar a validade
substancial contextualmente reconhecida como direito, não será como tal reconhecido.
Isto significa que, se uma norma for inválida, ela irá perder, provavelmente, a sua eficácia. P.e.:
se uma norma legal determinasse a ilicitude dos seres humanos mais frágeis, assumiríamos no
nosso contexto cultural essa norma como uma norma de direito? Não.
Logo, não basta à ordem jurídica ser eficaz por força da imposição em virtude da sanção (que
é uma característica que resulta da necessidade da efetivação prática), pois o direito tem de
afirmar uma axiologia e uma normatividade positivas, ou seja, aptas a que o sujeito que
compõe a comunidade jurídica em causa lhe dirijam uma referência positiva. P.e.: o facto de o
art. 24º da CRP determinar que, em caso algum, existirá pena de morte em Portugal manifesta
uma referência fundamental do nosso contexto cultural que leva àquela consagração
constitucional.
O direito refere uma validade e refere-se a uma validade, pois não resulta de uma ordem de ser
indisponível, da natureza das coisas ou de uma perceção de direito natural externamente
imposta.
Logo…
À ordem jurídica cabe manifestar um sentido normativo imanente que substancia e sustenta a
sua vigência – essa normatividade imanente à ordem jurídica é a manifestação de uma
intenção normativa transpositiva, que a ultrapassa. A ordem jurídica é positiva, válida e eficaz.
Uma ordem de direito assimila valores que são os sentidos práticos da ordem, que nós
compreendemos e assimilamos e pela mediação dos quais ela comunica connosco, sendo eles
que permitem garantir a vigência da ordem.
Uma ordem jurídica vigente é sociologicamente eficaz e tem uma densidade material a que se
reconhece uma validade.
Como a ordem jurídica é uma concretização que ultrapassa o sentido do direito (que é por sua
vez um “dever ser”), tem uma própria fundamentação num “dever ser” que o direito é.
O que implica que a relativização que o direito faz (padronização equiparadora) seja uma
manifestação cultural, que tem como pressuposto um referente histórico que constitui a ideia
de dignidade humana.
Dizer que um “sujeito de direito” é um sujeito com uma inabilidade dignidade ética não
significa dizer que o direito é uma ética, mas sim que o direito é um pressuposto ético-
axiológico e cultural.
Partindo do princípio que temos um conjunto de referentes que auxiliem na compreensão do
que é a dignidade humana, pressupomos que o ser humano se assume como membro da
sociedade humana com um acervo cultural adquirido pelo contexto e que o constitui enquanto
pessoa – efetivação da dignidade e do valor da vida.
(Pretende-se afirmar que o direito não constitui uma normatividade absolutamente concluída
e acabada. Os valores transcendem o plano do já constituída. Os valores vão para além da sua
concretização efetiva num dado momento histórico. Os valores são transpositivos. O direito
vai-se constituindo em função dos valores assumidos pelo homem. Em função daquilo que o
Homem quer que seja o direito. O direito é o esforço humano. Dizer isto significa dizer que esta
ordem de direito nunca está acabada, mas sim em permanente reconstituição. O direito é, por
um lado, um conjunto de valores. Mas, também, evolui. É uma constituição já constituída
(plano do ser-valores já constituídos), mas evolui (é um projeto normativo- plano do dever-ser).
No fundo, o direito verdadeiramente não é, vai sendo.)
fundamento da transpositividade
Tipos de responsabilidade
Nas linhas da ordem jurídica falámos dos tipos de justiça que o direito compreende:
Ora, um sujeito de direito apenas é de direito pela integração comunitária – comunidade surge
como ponto de integração.
Até que ponto é um sujeito responsável por outro sujeito? Onde está a fronteira entre
autonomia e responsabilidade do sujeito? O que é juridicamente relevante?
O que é juridicamente exigível é o que está sedimentado, mas também o que está em corrente
discussão e dúvida.
As repostas a que chegamos são suscetíveis de revisão, fazendo evoluir uma comunidade.
- a relação entre comunidades, pois cada vez mais dentro de uma comunidade nacional temos
diferentes comunidades (diálogo interno entre as comunidades da comunidade)
Ora só quando a ordem jurídica permitir que os homens a quem ela se dirige se reconheçam
uns aos outros como pessoas é que se poderá dizer que essa ordem manifesta uma autêntica
normatividade.
A ordem jurídica viabiliza sempre uma integração das nossas diferenças, pois são os valores
que ela compreende que, apesar de nos vincular e sancionar, distingue, revela e respeita a
autonomia ética de cada um.
A ordem de direito tem o seu fundamento nas valências éticas por mediação das quais nos
reconhecemos uns aos outros como pessoas, sendo igualmente esse o fundamento que
legitima a obrigatoriedade que ela nos dirige.
A ordem jurídica:
- localiza-nos, situa-nos uns com os outros num mesmo mundo, procurando fugir quer à
dissolução do individualismo, quer à massificação do coletivismo e tenta evitar a
instauração do igualitarismo em excesso e por isso é ordem;
- controla e regula, em termos de exigibilidade e de exequibilidade, as intersubjetivo-
comunicativamente reconhecidas relações válidas e por isso é de direito;
- é marcada pela intersubjetividade humana por uma irremissível historicidade, por isso
integra o horizonte da prática.
1. O direito na sociedade
Do ponto de vista por que olhamos para o direito (que tem a ver com uma linha de
evolução de pensamento e com a convicção direta e tomada de posição da professora),
significa que pensar no direito hoje nos obriga a dialogar com diferentes compreensões daquilo
que o direito seja e do pensamento que o pensa (em termos dogmáticos imediatamente ou
filosóficas mediatamente (relação indireta).
Falámos, assim, da ordem jurídica, que não é uma “ilha isolada”, não existe isolada. A
normatividade jurídica tem uma base societária e atua no seio da realidade social.
Sociedade
Estas dimensões dão conta da dialética entre a autonomia (eu individual) e a comunidade
(eu social), que têm de estar em equilíbrio.
Nenhuma destas dimensões pode ser absolutizada, pois se absolutizarmos o eu social, as
pessoas deixam de ser pessoas e passam a ser objetos do projeto (eliminação da liberdade e
autonomia), caindo, assim, num totalitarismo, se absolutizarmos o eu individual viveremos
num ultraliberalismo que não considera a integração das pessoas na comunidade.
“Somos seres centrífugos (de liberdade e autonomia) a conviver num horizonte
centrípeto (porque a sociedade nos chama a si)” – Douto Bronze
Como é que a sociedade disciplina a forma como nos organizamos? Como enquadra a nossa
autonomia na comunidade?
O direito aparece aqui como resolutor/que previne de conflito, que surge pelo facto de
interagirmos uns com os outros (na sociedade). O direito é um subsistema social destinado, por
um lado, a prevenir e, por outro, a resolver os conflitos que ocorram na sociedade, surgindo
como regulador, o que possibilita a nossa integração na sociedade. Nas sociedades
encontramos dois modelos: o espaço de equilíbrio e o espaço do conflito (é aqui que direito
aparece como regulador).
Até que ponto é que não nos guiamos por uma linha positivista (século XIX) ou por uma
linha jusnaturalista (antiguidade clássica e atualidade)?
No direito romano, há uma autonomia específica do pensamento jurídico que tem a ver
com a autonomização de magistrados próprios e de algumas actiones e, simultaneamente, um
direito enquanto sistema pluridimensional (fontes de direito para além da lei – doutrina,
jurisprudência, costumes).
Já a partir da idade moderna, tem a ver com a teoria da soberania popular e com o
princípio da separação de poderes.
Tanto o direito romano como a idade média ou não reconhecem ao direito um sentido
autónomo ou, reconhecendo-o, o recusam (não o entendem suscetível para a resposta da
intersubjetividade tal como ela hoje se apresenta), seguiremos outra perspetiva: ao direito
cumprirá olhar para a sociedade, que no fundo é a realidade em que se desenvolve, à qual se
dirigir e que procura regular.
- será o direito função da sociedade? Será que deve ser aquilo que a sociedade lhe imponha e
deve sê-lo instrumentalizadamente?
- será a sociedade função do direito? (o que implica que o direito assuma um papel
constitutivo, sendo a sua função regular e constituir uma sociedade)
No entanto, não podemos ter coexistência e convivência em extremos, pois as nossas vidas
intersubjetivas fazem-se de ambas.
O direito que queremos ter é uma opção, podendo ser um cimento agregador ou uma
mera construção procedimental para diminuir eventuais conflitos (reduzindo a sua influência
material).
Dizer que o direito é um fator regulativo ao serviço da sociedade implicava reconhecer que
o direito seria tanto mais adequado quanto mais cumprisse as exigências das outras dimensões
da sociedade.
O direito não é alheio a nenhuma delas, mas também não se subordina a elas: hoje,
depara-se e dialoga com todas essas dimensões.
Contudo, por ser direito e se assumir na história com um papel constitutivo que
culturalmente lhe foi sendo conferido, toma uma posição perante essas outras dimensões.
Nota:
o num meio (sendo ele próprio, assumindo uma racionalidade finalística em nome da
eficiência económica, mais do que a eficácia, isto é, o direito era transformado num
instrumento ao serviço da eficiência económica)
Nota:
Isto não foi sempre assim nem será, porque, tal como o Doutor Bronze nos diz, o
direito é uma opção que vai sendo construída e, no limite, se os sujeitos envolvidos assim
entenderem, pode ser substituída por outro modo de regulação.
Isto acontece porque, de facto, fazer residir as opções políticas na legitimação democrática
implica uma convocação do direito diretamente para construção dessa legitimidade (já que o
direito legitima e limita), isto é, o direito limita negativa e positivamente o poder, dialogando
continuamente com o poder.
Assim, este fator traduz a organização, em termos estratégicos, da sociedade, para esta
se afirmar como tal- institucionalização da dimensão política de uma sociedade. (?)
Falamos agora da relação que o direito estabelece com os valores e com a dimensão
cultural.
Visto que estas duas dimensões são a síntese contemporânea e os seus pilares de
regulação, poderemos considerar direito se não estivermos este ponto de vista crítico-
reflexivo?
Não.
O direito, sendo uma afirmação com um pressuposto ético e cultural (a partir da época da
idade moderna, pelo menos), vai-se separando da referenciação ético-moral à procura de uma
fundamentação própria. Chegando, inclusive, ao ponto de, numa perspetiva positivista, abdicar
dessa referência para uma fundamentação transpositiva/suprapositiva, vindo depois a ser
criticado exatamente por isso (recuperando-se, por sua vez, os referentes materiais
fundamentais para procurar conferir o conteúdo e intenção material ao direito, com o grande
contributo da filosofia existencialista, da história do direito, da sociologia jurídica, etc.).
Em suma…
- é critério sobre os interesses no quadro de um poder e, para cumprir essa tarefa, mobiliza
alguns dos valores que o fundamentam
O direito ajuíza do mérito relativo dos interesses, sendo a instância crítica do poder e que
mobiliza alguns valores para realizar estes objetivos, deixando outros de lado (sendo, por isso,
um critério seletivo).
Lição 8- O direito: função da sociedade?
Será o direito uma função puramente dependente da sociedade?
Por um lado, existem teses que defendem que o direito é, efetivamente, uma pura função da
sociedade e que dela depende.
Para essas orientações, o direito seria um mero resultado dos elementos materiais
irredutivelmente constitutivos da sociedade, sem qualquer autonomia.
Todavia, identificaremos três linhas de tendência que vão fazer com que, progressivamente,
consideremos o direito enquanto função da sociedade e não enquanto direito que assume
apenas um papel na sociedade (ou seja, que o direito é e deve ser aquilo que a sociedade
determine que seja direito).
São estas conceções redutivistas, pois têm o direito como variável dependente:
▪ O economicismo defende que o direito é uma mera expressão normativa das relações
económicas.
▪ Karl Marx: defende que cada época histórica é determinada pelos modos de produção
dominante e o direito não passaria de um segregado da aludida infraestrutura.
▪ Se a realidade social fosse dominada apenas por uma racionalidade – a puramente técnico-
profissional – poderia resultar no perigo da instrumentalização do direito nos interesses.
• O jurídico também atua sobre o económico, como é reconhecido pelo próprio pensamento
marxista;
• O tipo de relação entre a esfera do económico e a esfera do jurídico tem variado de época
para época;
• Se a intencionalidade (que condiciona a racionalidade) de ambos é igualmente diferente (a
do económico centra-se na eficiência, enquanto que a do jurídico tem como núcleo a validade),
então vemos que económico não é o seu determinante exclusivo ➜ podemos concluir que o
económico não reduz, nem teoricamente nem ao nível da análise histórica, nem atendendo à
intencionalidade os dois domínios em controlo: o ético-jurídico, tendo, contudo, que contar
com ele.
▪ Existem 2 planos:
▪ O poder deve ser fundamentado pelos valores que são assumidos, protegidos e tutelados
pelo poder;
➢ Estado de direito formal: a lei passa a ser vista como um instrumento de defesa dos
indivíduos face à atuação do estado. O poder estadual fundamentava a sua atuação na lei que
ele próprio criava. O estado só poderia interferir mediante a lei, quer isto dizer que o poder
estava limitado pela lei (poder legislativo era um supreme power): poder estadual só pode
intervir no âmbito daquela moldura definida e fundamentada na lei.
➢ Estado de direito material: o direito passa a ser instrumento de atuação e não de defesa. O
fundamento material do poder estadual são os valores juridicamente tutelados. O direito não
se reduz à lei.
Será que direito está subordinado à lei criada pelo poder estadual? Não.
▪ O direito só se pode dizer vigente quando constituir uma dimensão real de uma prática
concreta.
▪ É nos valores que o direito radica a sua dimensão de validade, contudo não se pode reduzir a
eles.
▪ Para se afirmar não basta que o direito seja válido, tem de ser eficaz, pois só assim poderá ser
considerado vigente.
Contudo…
Mas o direito reduz-se a alguma destas dimensões? Será que é uma dimensão variável de
alguma delas? Não.
Porquê?
Não se pode considerar apenas os interesses económicos (que são aquilo que nos separam).
Contudo, também não podemos desconsiderar a importância da economia do direito: o direito
tem de considerar os interesses económicos (dado que não é uma ilha isolada).
É esse distanciamento entre economia e direito que permite a este último valorar a atuação de
interesses nesse domínio.
O direito fundamenta-se em valores, mas será que se reduz a esses valores? Essa dimensão de
validade é essencial, mas para ser direito vigente não pode ser apenas válido: é
importantíssimo que o seja, mas se o direito se reduzir à validade deixa de ser vigente (isto é, o
direito não se reduz aos valores, tem de ser eficaz na prática e ser socialmente efetivo).
• O direito não se reduz à política
Distinguimos, primeiramente:
Desta forma, percebemos que a política se alimenta dos valores que integram o político, mas
não se confunde com eles.
São sempre possíveis várias políticas dentro do mesmo quadro político. O que faz sentido
porque, sobre o mesmo conjunto de valores, é sempre possível assumir-se várias políticas.
Não é o direito que irá reduzir-se à sociedade, pois é esta última que irá instituir-se naquilo
que o direito lhe pode transmitir.
Em vez de dizermos que o direito é funcionalizado à sociedade, o que está em causa é que
um certo sentido de sociedade é missão do direito – a sociedade que o direito constitui é uma
sociedade diferente daquela que seria constituída sem direito.
Poderá ser mais fácil que ubi ius ibi societas do que ubi societas ibi ius, mas tudo é rebatível
por depender do tipo de sociedade que o direito pretende criar.
Desta forma, excluímos boa parte das relações intersubjetivas (pois, sabendo que nem tudo
pertence ao direito, temos de perceber como o organizamos: num extremo estão os
comunitarismos, que entendem que cada sujeito só se compreende através da ligação à
comunidade, e no outro estão aqueles que não permitem que um sujeito se ligue à
comunidade; não estamos nem num extremo nem no outro).
Estamos perante a constatação de que há, de facto, relações intersubjetivas que podem gerar
relevância jurídica que não resulta de uma vinculação prévia, consciente e livre e há outras que
resultam do contrato.
Ora, claro que nem tudo aquilo que faz parte da nossa vida diz respeito ao direito: porque a
intenção normativa do direito pode não abranger essas dimensões ou porque nós não
admitimos que o direito interfira ➜ é um facto cultural e histórico, que mantém acesa a
consciência de que podia ter sido de outra maneira, mas não foi.
Procuramos, assim, compreender para discordar: existem quatro pontos fundamentais dado
que estamos perante um certo tipo de sociedade como resultado da atuação do direito
(“civilização de direito”):
1. Condição mundanal:
2. Condição antropológica:
Estas duas condições exigem uma ordem social, politicamente disciplinadora, e são estáveis.
Mas não determinam que tenha de haver uma ordem de direito, sendo necessária uma
terceira condição.
3. Condição ética:
Estas três funções têm de se verificar cumulativamente para que o direito possa emergir.
De facto, desde o início da reflexão das relações entre o direito e a sociedade (respeitantes à
7ª lição) que tem sido posto na conjugação entre o que é o direito e para que serve o direito.
“O que é o direito?” é a pergunta orientadora pelo sentido. “O quê direito?” / Quid ius?
“Por-quê direito?” é a pergunta que busca pelo fundamento originário (porque não o não
direito?). É realmente uma opção cultural e histórica.
O direito é uma regulação instrumentalizada? É isso que deve ser? Quais são os horizontes?
Quais são as fronteiras? Para que serve? Quem é que está em causa? O que é que está em
causa (nessa relação)?
De facto, para quem inicia uma vida social adulta, existem muitos desafios apresentados no
ponto de vista das relações intersubjetivas, com o meio ambiente, com o outro, com os
projetos, com os ideais, etc. e está tudo em causa quando falamos do sentido e da
funcionalidade prática do direito.
Põem-se, então, questões para definir o que é ser sujeito de direito ➜ o referente axiológico
(não apenas antropológico) do sujeito de direito é a pessoa, num certo sentido cultural.
Ora, isto leva-nos a dizer que ser sujeito pode não corresponder ponto por ponto a ser
pessoa, tal como a ser indivíduo – do ponto de vista cultural.
O individualismo liberal assumia como sujeito de direito uma dimensão do ser humano que
não implicava toda a complexidade da construção da pessoa, estando em causa
fundamentalmente a relação de autonomia (e não a da referenciação axiológica da relação
entre essa autonomia e a responsabilidade).
Ser sujeito pode não implicar ser pessoa, por não lhe ir referido o juízo de dignidade e por se
considerar que o sujeito pode não ser livre.
• Dignidade
- ineliminável: não se pode eliminar? De facto, pode. Mas é juridicamente ineliminável? Sim,
pois é conferido ao sujeito humano, que é diferente de todos os sujeitos não humanos.
- dignidade: o que significa? É uma noção cultural. Podemos falar de dignidade no mesmo
sentido em todos os lugares? O que é ser digno? Ser digno é uma atribuição de mérito?
Estatuto? Valor? Direito? Que relação tem com o direito?
- ética: na relação intersubjetiva com o outro, que põe no outro um absoluto ético, i.e., o
“outro de mim” e “eu como o outro do outro”.
• Liberdade
O direito não é um obstáculo para a realização da liberdade, mas sim um veículo para uma
liberdade que permita uma convivência pacífica.
LOGO…
A pessoa jurídica é uma especificação, que constrói uma comunidade jurídica a partir do
sentido global de pessoa: a pessoa jurídica como sujeito com ineliminável dignidade ética
(proposta decisiva: pressuposto ético da pessoa como sujeito de direito), autonomia e
responsabilidade.
O direito aparece com uma função legitimante e intenção declarativa de uma ordem natural
pressuposta, já ordenada, em que o ser humano se inscreveria ao nascer e da qual dependeria
para a sua própria identificação cultural – manifestação da inserção do ser humano numa
ordem natural pressuposta (por referência teológica, a lei eterna ou cosmológica),
independentemente da sua vontade.
Direito moderno-iluminista
O direito surge com uma função constituinte de uma legalidade que nasce do pensamento
moderno, onde se abdica da influência divina na ação humana e se assume o modo de
estabelecimento das relações intersubjetivas dos sujeitos o seu nascimento livre e
desvinculado, mas que, por sua vontade racionalmente confluente, se relacionam entre si
juridicamente (a ordem política jurídica era produto de uma deliberação do próprio homem,
sendo que a autonomia do homem era o que constituía a sua própria ordem e dava a si
mesmo a lei e era legislador de si mesmo). A Função do direito era universalizar e racionalizar a
liberdade.
O pensamento moderno-iluminista conflui que o direito deve ser lei (a definição da posição
relativa dos sujeitos), assentando na racionalidade humana.
Direito contemporâneo
Surge uma proposta de uma validade axiológico-normativa e reflexivamente crítica como
função do direito na sociedade – temos de salientar que esta não é a via única, necessária ou
maioritária, mas é a proposta considerada- ou seja, surge como função de validade axiológica
normativa e crítica num sistema político-jurídico.
Iremos, então, pensar no direito com uma função regulativa, constitutiva de um certo
sentido cultural, e com um papel de reflexibilidade prática que obriga a que se discutam os
seus fundamentos para se perceber qual o sentido normativo pretendido (para que seja
vigente e, com isso, quanto menos se der conta por ele mais eficaz seja, pois aí o direito
corresponderá à valoração intersubjetiva da convivência pacífica, havendo um consenso).
Criar direito é papel de uma entidade legitimamente formada para tal e que é criado para
todos.
Temos cada vez mais sociedades complexas, heterógenas, plurais e desatualizadas, em que a
afirmação das diferenças vai cada vez mais tomando parte vs. um suposto tronco maioritário.
(pág.284)
Com isso, procuramos perceber, enquanto juristas, o que o direito pretende ser e como
queremos contruí-lo para o futuro.
Função Integrante
De facto, nestas sociedades heterogéneas, o direito surge como único referente integrante e
comum, que torna possível a clareza das relações intersubjetivas e a convivência de vários
seres diferentes num comum, o que só será possível se estivermos comunitariamente
integrados.
Existem, de facto, referentes muito mais valiosos nas relações intersubjetivas do que aqueles
que o direito estabelece, no entanto, quando estamos perante a ausência de outras notas
comuns de orientação ao sentido da ação e da orientação, temos o direito enquanto agente
integrante.
A ordem que o direito institui sanciona o respeito por certos valores, por certos bens jurídicos
e interesses fundamentais. (pág.285)
Nota:
Desta forma, o direito, na sua função integrante, deve efetuar a proteção dos interesses e
valores fundamentais da comunidade (com dignidade constitucional), a projeção direta na
prática através do DC e a determinação do que seja jurídico-penalmente tutelável ou
tutelado e em que termos.
subfunção de garantia
De facto, ao direito cabe a institucionalização, o que leva, por sua vez, a uma limitação do
poder. Porém, apesar de o limitar, não deixa menos de o possibilitar, visto que, define e
estabiliza os padrões da respetiva atuação, criando as condições para que ele realize as suas
potencialidades.
Dizer unicamente que a função integrante tem um sentido negativo significa dizer que o
direito é integrante pela negativa – funcionando como uma delimitação externa (que não faria
sentido).
P.e., no art. 13º da CRP, temos o princípio da igualdade que não está apenas consagrado em
termos formais, dado que há várias dimensões materiais da igualdade que estão consagradas
na CRP. O sentido de igualdade formal (herdado pelo pensamento moderno-iluminista) foi
posteriormente temperado pela exigência da procura da realização de um certo nível de
igualdade material, que corresponde a uma “correção” daquilo que o formalismo liberal
propôs (i.e., constatando a condição do ser humano em concreto nas suas circunstâncias
específicas e conferindo uma igualdade formal, não bastaria para preencher aquilo que a
prática mostrou ser objetivo do direito).
Mas não é isso que está em causa: há uma tutela fundamental de discrição que o direito
garante – a não interferência indevida dos outros sujeitos e do próprio Estado, o que
anui/consente a autonomia a cada sujeito – permitindo uma convivência pacífica.
Então...
Portanto, o direito desempenha uma função materialmente positiva na realidade social, uma
vez que, participa ativamente na constituição da nossa realidade comunitária.
função regulativo-constitutiva
▪ Fundamentos – exigências de sentido, são valores, princípios onde o direito fundamenta a sua
validade e colhe a sua intenção material;
A ideia de Estado de Direito: relação dialética (e não de submissão), onde existe o Estado cujo
poder é legitimado e limitado pelo direito e o direito que também necessita do Estado para
garantir a efetivação das suas prescrições.
-direito e política
- direito e economia
-direito e cultura
Chegando aqui, devemos acrescentar que o direito se relaciona com a política, com a
economia, com a cultura, com a tecnologia e com as dimensões que quisermos acrescentar,
não se reduzindo a nenhuma delas.
O direito assume-se, antes, como uma afirmação de valores próprios, que implicam o
equilíbrio que a comparabilidade entre sujeitos à luz do direito (relativizando-os) lhes confere
e, portanto, que pressupõe sempre (nesta construção) direitos e deveres, orientando, também,
a construção da intersubjetividade juridicamente relevante.
Hoje, é comum verificar propostas que assentam a fundamentação do direito nos direitos
humanos.
Que relação existe entre o fundamento de validade do direito que falámos e a problemática
dos direitos humanos?
A verdade é que há questões que se põe à DDHC: se, por um lado, ela traduz parte do ideário
liberal que a revolução francesa incorporou, por outro lado, há múltiplas dimensões daquilo
que hoje se consideram direitos humanos que não estão lá consideradas (não correspondendo
ao sentido com que esse reconhecimento recíproco de direitos e deveres é estabelecido hoje
em dia).
Hoje, temos a consideração não apenas do homem universalmente compreendido nos seus
direitos (DDHC) mas também uma compreensão do homem enquanto ser humano concreto,
nas suas circunstâncias específicas e vulnerabilidades intrínsecas (sendo, agora, objeto de
consideração e tutela – como foi estabelecido na DUDH, de 1948).
Nota crucial:
O reconhecimento recíproco entre cidadãos entre si e entre cidadãos e o Estado é algo que
vimos corresponder à linha ascendente, com origem no Estado moderno (pensamento
moderno-iluminista, com a institucionalização do Estado demoliberal).
Esta afirmação é uma opção cultural e histórica, pois consideramos uma perceção jurídico-
política do ser humano e da sua manifestação em interação do que uma específica
fundamentação material para o direito que é historicamente anterior à
afirmação/institucionalização dos direitos humanos.
• Visão humanista: há quem entenda que os direitos humanos são direitos intrínsecos ao ser
humano por ser humano.
• Visão universalista: há quem entenda que direitos humanos são universais e intemporais
• Visão regionalista: há quem entenda que direitos humanos são resultado de uma afirmação e
evolução cultural que tendeu para o reconhecimento recíproco de uma específica qualidade e
de titularidade de certos direitos e deveres pelos seres humanos
Sabemos que o homem e o cidadão a quem se dirige a DDHC de 1789 é o homem que
corresponde à sociedade de final do século XVIII e à afirmação de uma classe que, não
cabendo na sociedade tripartida convencional (burguesia), emergia acedendo à afirmação dos
seus direitos e deveres jurídico-políticos.
Para temos a ideia até onde a sequência nos traz, todas estes passos são decisivos na
constituição dos atuais direitos humanos.
P.e., para além da DUDH de 1948, temos a Convenção Europeia dos Direitos Humanos de
1950, que provém do Conselho da Europa (que não é um órgão da UE) e que institucionaliza o
Tribunal Europeu dos Direitos Humanos (que não é um tribunal da UE), onde estão 47 juízes de
cada país europeu e de onde provém as decisões sobre esta temática.
Ora, a existência de tantos documentos sobre direitos humanos implica reconhecer que ser
humano e ser titular de direitos humanos pode não significar o mesmo em todo o planeta – e
outras implicações também.
Karel Vasak fala-nos das dimensões e características internacionais dos direitos humanos: em
1979 propõe uma divisão dos direitos humanos em gerações, ajudando a compreender esta
questão. Faz corresponder cada geração a um dos ideais da revolução francesa: liberdade,
igualdade e fraternidade.
• 2ª geração (igualdade): liberdades definidas na DUDH de 1948, sendo que com estas
teríamos, não direitos liberdades (“liberdades de”), mas sim “direitos a” prestações e às
competências atribuídas ao Estado para conferir essas prestações (construção do Estado
Social). São os direitos económicos, sociais e culturais.
A institucionalização da linha descendente da ordem jurídica do 2º pós-guerra mostra-nos
que os acontecimentos históricos implicaram que houvesse uma diferente compreensão do
papel do Estado face aos seus cidadãos e, simultaneamente, uma evolução do pensamento
filosófico e jurídico (desde a arte à filosofia – ler lição nº 12 para a contextualização e para
compreender que a ação humana e a sua fundamentação não é suscetível de ser conhecida
como objeto/fenómeno, mas apenas de ser compreendida).
→ Mário Reis Marques autonomiza uma 2ª geração na viragem do século XIX para o XX, com
a afirmação dos direitos de participação política – “a transição para as democracias” (p.e., o
direito de sufrágio, em geral), encontrando na 2ª geração de Vasak uma 3ª geração:
Com o nascer do século XXI, p.e., o direito ao silêncio, ao esquecimento das redes sociais, a
proteção de dados, a identidade genética, etc..
Ser humano e ser titular de direito humanos pode não significar o mesmo em todo o planeta.
Esses direitos humanos (de origem natural, política, etc.) são direitos morais ou direitos
jurídicos?
Há autores que consideram que são direitos morais, outros consideram que são direitos
jurídicos e outros consideram que são direitos conjugáveis (não sendo confundidos nunca).
Para a cultura anglo-saxónica, falar de moral rights não significa necessariamente falar de
moral substancial e referente a valores agregadores da sociedade, pois, embora inicialmente
seja a pressuposição objetiva de um sentido orientador dos valores em que assenta a
subjetividade, existem propostas sobre o que seja a morality (há autores que veem na
moralidade um referencial crítico unicamente procedimental, outros que veem a projeção
social e política através da political morality, etc.).
Portanto, dizer que human rights são moral rights pode ter significados diferentes.
Por outro lado, dizer que são direitos jurídicos implica outra reflexão: para direitos humanos
serem jurídicos, na pressuposição do sentido do direito que assumimos, aos direitos humanos
hão de corresponder deveres (diferente dos direitos morais, que não pressupõe deveres).
Na verdade, os direitos humanos são uma manifestação histórica daquilo que se assumiu
como um certo tipo de ser humano.
Positivismo:
O positivismo surge no século XIX e trata o direito como estando pura e simplesmente
identificado como lei, era posto e imposto pelo poder legislativo. O direito era um dado pré
suposto.
Época medieval:
▪ O direito era uma iurisprudentia, mas agora radicava numa hermenêutica de textos;
▪ Mas, o texto era apenas a manifestação de algo que estava para além dele – os valores
fundamentais da filosofia prática;
Época moderna:
▪ Direito como uma construção dedutiva feita a partir de uma racionalidade axiomaticamente
afirmada;
▪ Arranca de si mesma, para construir o mundo através dos seus axiomas (máxima);
▪ O homem liberta os seus interesses individuais, uma vez que se libertou das teias ético-
religiosas que o “agarravam”;
▪ Lucro e sucesso como realização pessoal, a acumulação de capital é o seu maior símbolo;
Essa pressuposição será conjugada com a assunção racional de que o direito não se
compromete com a intenção de quem age dentro da forma/determinação formal que a lei
lhes concede.
Fator político
Contratualismo:
▪ O homem é um ser livre, de vontade, racional, que prossegue os seus interesses. Como
consegue então construir um mundo de convivência social?
▪ Pensou-se o contrato social como uma vinculação das liberdades, por afirmação das próprias
liberdades, com o objetivo de gerir os interesses e resolver o problema da convivência social;
▪ Assenta na vontade, que afirma a liberdade e igualdade dos contratantes, onde cada um
satisfaz os seus interesses;
Para:
Falaremos da proposta de John Locke, onde se estabelece a organização política que vai
conferir ao poder legislativo o estatuto de the supreme power, o que estabelecerá uma
institucionalização segundo uma perspetiva liberal (diferente da institucionalização segundo
uma perspetiva liberal, mas mais democrática de Rosseau).
▪ Como se garante que na passagem do estado de natureza para o estado social nós
permanecemos tão livres e iguais como éramos antes? Através da legislação – regras;
▪ Só é direito o que o contrato social determina – as regras de convivência que o definem são
leis;
▪ Gerais – iguais para todos, “atos de todo o povo para e sobre todo o povo”;
▪ Formais – a lei deve limitar-se a impor limites de ordem formal (formalidade em sentido
estrito) e não definir conteúdo sobre como poderemos usar esse direito.
Estas duas ideologias mostram-nos que tudo se encaminha para que, por via do facto político
da Revolução Francesa, se estabeleçam as condições para a institucionalização do ideal
moderno-iluminista do Estado, que será o Estado de Direito de legalidade formal (Estado
demoliberal).
Esta transição, na medida em que representa uma cisão com o direito natural, vai acabar por
conduzir ao positivismo.
c) Facto político
▪ A Revolução Francesa é o facto político que acabou por instituir o estado de legalidade
formal.
Que características tem a lei para que o seja, segundo a corrente moderno-iluminista?
✓ Generalidade
✓ Abstração
Ainda segundo Rosseau, estas duas traduzem a ideia de que a lei é um ato de todo o povo
para todo o povo sobre uma matéria comum, existindo uma conjugação do ideário liberal com
o ideário democrático.
-A generalidade quanto aos sujeitos, pois a lei é geral porque se aplica a todos.
-A abstração quanto à matéria, pois a lei é universal quanto ao conteúdo, não versando casos
concretos (faz um padronização da realidade para determinar um certo tipo de situações a que
se dirige).
Neste sentido, falamos da formalidade que Kant faz corresponder à lei jurídica (para a
diferenciar da lei moral). Se para Rosseau a ideia de contrato social era tão fundamental para a
institucionalização dos poderes, para Kant era uma exigência racional que vai institucionalizar
os poderes de forma tripartida e, simultaneamente, considerar o poder legislativo o poder
superior que cria o direito.
a “Escola Histórica”
Falando apenas da Europa Central: ao confrontarmos o que se passa no contexto francês com
o que se passa no contexto alemão, verificamos que, se no contexto francês tudo se
encaminha para a revolução liberal e, após esta, a constituição e a codificação (CC), no
contexto alemão, por várias razões, a escola histórica do direito que domina o início do século
XIX empenha-se numa construção histórica/historicista da construção do direito europeu
desde a construção romana.
Portanto, temos a Escola Histórica na busca das origens romanas do direito germânico.
▪ Contraria a racionalidade abstrata dominante em França, sustentando que o direito não era
um produto de uma vontade racionalizada em termos abstratos-universais;
▪ Para a EH, o direito é um produto da história cultural de cada povo, deve ser procurado nas
instituições do povo; é a expressão das tradições de um povo;
Na Escola Histórica vemos o direito enquanto normatividade, mas o modo e o pensar não é
tão diferente assim: como vimos, o pensamento jurídico para o positivismo quis ser ciência e
teve de seguir os métodos das outras ciências para isso – isto foi comum tanto em França como
na Alemanha.
▪ A EH vai trabalhar os materiais dispersos onde o direito está (corpus iuris civilis) e transforma-
os em normas, acabando por se afastar deles;
▪ É na segunda fase, em que cai num conceitualismo, que há um contributo para a afirmação
do positivismo.
Positivismo epistemológico
▪ O pensamento jurídico vai querer construir-se como ciência também, pelo que os juristas
teriam de ser cientistas e o seu objeto seriam as normas legais. Se o pensamento jurídico foi
prático durante todo o arco pré-moderno e durante boa parte da idade moderna, na transição
para o positivismo vai-se assumir o pensamento como uma determinação de verdade sobre um
objeto (ideia de que pensar é conhecer).
Dualismo metodológico:
▪ Por um lado, temos uma técnica: interpretação da lei e aplicação; decisão das questões de
quid iuris → tarefa do juiz, imediatamente prática;
▪ Por outro lado, temos a teoria da ciência do direito: o pensamento jurídico fornece, para
auxiliar, uma teoria da interpretação e aplicação das leis pré criadas pelo poder legislativo.
Dualismo intencional:
▪ A intenção teorética do discurso decisório era deixada aos juristas que deviam apenas
conhecer esse direito objetivado nas leis, interpretá-lo segundo a teoria da ciência do direito e
aplica-lo depois lógico-objetivamente, de modo neutral.
Essa analítica será feita em função da compreensão da conjugação entre a dimensão político-
institucional e a dimensão científica.
Sabemos que, do ponto de vista científico, opera o corte decisivo entre o direito positivo e
natural, que deixa de ser fundamento do positivo – o corte fundamental é a assunção definitiva
que o direito é uma regulação que deve abster-se de interferir materialmente na intenção com
que os sujeitos atuam e o pensamento jurídico é um pensamento teoréticocognitivo, sobre um
objeto dado que é esse direito objetivo vigente que é pressuposto ou criado (sobre a forma de
lei ou qualquer outra).
Este vinha sendo construído por vários autores, nomeadamente John Locke, Montesquieu e
Kant, em sentidos diferentes. Agora, irá projetar-se numa efetiva atribuição de cada poder aos
sujeitos que o titulam de modo constitucionalmente consagrada e legislativamente
estabelecido.
▪ Para Montesquieu e Locke, a melhor forma de impedir o absolutismo régio é através da
repartição do poder.
▪ Pretendiam uma moderação do poder através da separação dos poderes, que seria a chave
do poder moderado.
▪ Portanto, o poder era exercido por vários titulares diferentes que se fiscalizavam, moderavam
e limitavam reciprocamente.
2. Princípio da legalidade
▪ A lei (geral, abstrata e formal) estava na base de todos os poderes, por isso, todos estes
tinham de atuar de acordo com o que está plasmado nela (supremacia da lei), sendo esta a
única fonte imediata de direito (reserva de lei).
Este determina que o direito é criado sob a forma de lei, o que nos traz as noções de reserva
de lei e de preferência de lei (i.e., em princípio o direito é preferencialmente criado sob a forma
de lei).
Há matérias sobre as quais só a lei pode criar direito – mantemos, em parte, essas matérias
na reserva de competência legislativa da AR (absoluta, no art. 164º da CRP, e relativa, no art.
165º da CRP).
Existem momentos e movimentos positivistas que nem admitem sequer outra fonte de
direito que não a lei, p.e., o legalismo positivista centra o direito positivo na lei.
Nota:
- Não esquecer que há outros positivismos (p.e., o alemão que vimos anteriormente e que não
assenta exclusivamente na lei pois admite outras fontes de direito);
- Ser legalista não garante que estamos perante um positivismo como o do século XIX (p.e.,
existem legalismos finalistas
– reduções do direito económico, social, etc. que podem assumir como única fonte do direito a
lei que são legalistas e não positivistas no sentido do século XIX.
– se o direito for instrumento para a realização de objetivos externos, deixa de existir um
descomprometimento com o conteúdo, contudo podemos assumir que apenas a lei é fonte
desse direito);
- Os formalismos que o século XIX nos legou não foram apenas normativistas-legalistas (como o
positivismo francês), pois também há formalismos nos sistemas de common law, p.e.. Página
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- Positivismo alemão não foi legalista mas foi normativista porque, do direito consuetudinário a
ciência do direito elaboraria proposições normativas gerais, abstratas, formais e com
hipótese/estatuição que eram objeto do direito.
Este leva-nos a considerar o poder judicial como um poder, de certo modo, nulo (como disse
Montesquieu). Ser nulo não significa que tenha a sua relevância reduzida, mas no sentido em
que, para além de não representar nenhuma classe social, assume a função de aplicação a lei
(i.e., ao juiz cabia apenas declarar direito através da sua aplicação lógico-dedutiva).
▪ A independência do poder judicial remete para o facto de que a função do juiz era uma de
mera obediência à lei.
▪ Pretende-se que o juiz aplique o direito, de forma neutra, pois está submetido a um
paradigma de aplicação, um silogismo lógico dedutivo.
▪ O juiz devia aplicar a lei, como expressão objetiva da vontade popular, aos casos concretos.
▪ Assim, garantia-se que o juiz não estaria a receber ordens de outro e que as suas decisões
eram efetivamente neutras e lógicas
Dizer que os juízes apenas estão submetidos à lei garante a sua independência e autonomia.
▪ O direito surge quando os homens livres manifestam a sua vontade em constituí-lo, sendo
que este surge depois criado pelo poder legislativo.
▪ Esta lei era geral (igual para todos), abstrata (não considera casos concretos, prevendo
situações em abstrato e resolvendo-as como tal), formal (limita-se a impor limites formais e
não definia conteúdo sobre como se poderia usar esse direito), e imutável/estável (garante
previsibilidade e segurança).
Que norma?
o Coordenada axiológica
▪ Esta coordenada pretende garantir certos valores: valor de igualdade e valor de certeza (ou
segurança).
▪ O objetivo das leis de garantir o exercício das liberdades por parte de cada indivíduo garante
o valor de certeza, uma vez que essas liberdades seriam exercidas em termos previsíveis. A lei
definida como geral, abstrata, formal e imutável, garante o valor de certeza/segurança porque
permite a previsibilidade e a antecipação das consequências e ações.
▪ Nesta coordenada vemos uma axiologia puramente formal, que não oferece densidade
substantiva ou material à normatividade jurídica/direito (A validade concedida ao direito não
é, agora, substancial/material), reduzindo o direito a uma determinada forma (a forma legal),
nada adiantando sobre os valores que o direito deve preservar.
▪ Comprova-se que o positivismo foi um pensamento formal até nos valores que defendeu.
Consolidando…
A lei jurídica é formal porque não faz relevar a intenção com que os sujeitos atuam; a lei
moral é autónoma porque é legisladora de si própria (o sujeito impõe à sua consciência o
cumprimento da norma moral), o direito é heterónomos porque não compromete a realização
da ação livre e moralmente boa mas apenas regular os arbítrios (e não o seu conteúdo),
consoante o horizonte da lei geral de liberdade.
Neste ponto, os valores que estão em causa são a igualdade perante a lei, que é garantida por
essas características de universalidade que vimos (todos são iguais perante a lei, por isso esta
aplica-se a todos).
Estas são duas características cruciais para a compreensão desses dois valores aqui vistos
num sentido puramente formal.
▪ Durante todo o período pré-positivista, dominou uma compreensão de que o direito é uma
ordem normativa prática e o pensamento jurídico é um pensamento intencionalmente prático,
assim, não se verificava essa distinção.
▪ Contudo, quando a constituição do direito passa a ser feita pelo poder legislativo através da
lei, afasta-se a ideia que o pensamento jurídico tem a ver com a determinação do seu respetivo
conteúdo.
▪ Comprova-se uma cisão metódica entre o pensamento jurídico e o direito, distinguindo-se
dois momentos, o momento de criação do direito (normativo-intencional), do momento de
aplicação deste (metodológico), sendo que estes momentos cabiam a diferentes órgãos.
▪ Neste caso, o jurista tem uma função meramente cognitiva do direito, ou seja, o jurista
apenas deve conhecer as leis para as aplicar, não se envolvendo no seu conteúdo normativo.
• Dualismo normativo: o direito é criado pelo poder legislativo e não pelo pensamento jurídico
ou pelo poder judicial
o Coordenada epistemológica-metodológica
▪ Podemos olhar para o direito como uma ciência uma vez que podemos identificar nele um
objeto e um método.
▪ No positivismo, que foi influenciado pela explosão das ciências empírico-analíticas, o direito
afirma-se também como ciência, sendo que os juristas serão os cientistas, cuja tarefa é
interpretar e aplicar as normas legais (objeto).
Isto não significa que a norma não seja interpretada e que o juiz ou outro operador jurídico)
não interpretasse a norma, mas sim que a interpretação era feita num momento anterior ao
momento da aplicação.
Que aplicação?
A aplicação lógico-dedutiva das normas no positivismo do século XIX, seja ele legalista ou
científico-dogmático.
Isto é, a aplicação é considerada como uma operação de lógica formal que é feita através da
convocação de um silogismo jurídico, onde teremos uma premissa maior, uma premissa menor
e a conclusão.
- A premissa menor é a subfunção do facto à hipótese da norma (só faz sentido falar de uma
relação entre facto e norma se o facto for uma espécie em concreto do género que a norma
descreve em abstrato).