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1. O que é o Direito?
No sentido de ajudar na reflexão proposta fornecem-se alguns tópicos que, baseados no Manual Teoria Geral do
Direito, de Paulo Ferreira da Cunha, nos podem dar algumas “pistas” para a questão apresentada: “O que é o
Direito?”:
O Direito é um empreendimento humano e societário. Não há Direito fora das sociedades humanas e faz
parte da nossa vida, desde o nascimento até à morte;
O Direito está presente e submerge toda a sociedade, mas nem todas as normas de conduta humana são
jurídicas (existem outras como as morais, religiosas, etc.);
O que pode alterar o Direito são os factos sociais;
O Direito é imposto de um “locus” soberano, coativamente;
O Direito deve ter “raízes” (tradição) e “asas” (imaginação) para responder aos desafios colocados pelas
sociedades. No entanto, é preciso evitar o “senso-comum” (que nem sempre é “bom-senso”) e os
conceitos pré-definidos (“preconceitos”);
Paulo Ferreira da Cunha assume-se como “neojusnaturalista crítico”, sabendo-se que podemos distinguir
uma conceptualização “positiva” do Direito (que o vê como o resultado de um conjunto de normas
escritas e não-escritas. Assim, seria Direito o que está escrito na Lei), de uma conceptualização
“naturalista” (que aponta no sentido de um Direito comum a toda a humanidade e válido em qualquer
lugar, que ou brota da natureza e razão humanas, ou do Universo, ou de Deus, conforme a abordagem
utilizada);
O Direito tem um discurso legitimador que pode transformar-se em “discurso alienante” se for colonizado
por outros discursos (p.e. discursos morais, políticos, de “moda”, religiosos, etc.);
O Direito é absolutamente indispensável para a vivência em sociedade.
4. Numa visão positivista, o Direito é um conjunto de normas impostas pelo Estado – institui o “homus
normativus” ou burocrata. A visão antagónica a esta seria a de um Direito aplicado conforme as
conveniências (“para os amigos tudo, para os outros, a lei”). O Direito positivo é aquele “que é”, num
determinado espaço e lugar;
5. O Direito natural ou jusnaturalismo apela à obediência às leis que forem justas; debruça-se, já não sobre o
que o “Direito é”, mas sobre “o que devia ser”;
6. Uma lei poder ser legal (por exemplo a pena de morte, imposta pelo Direito positivo em alguns Estados) e
não ser legítima (porque vai contra o princípio do Direito natural, do direito à vida);
7. O jusnaturalismo procura os fundamentos num ordenamento natural, deificado, ou fundado num
qualquer outro “locus” primordial. Nesta visão, o Direito implica Justiça (o que provoca a critica positivista
da contaminação do Direito por outras áreas do saber);
8. Há um “lugar híbrido” das duas visões em que é necessário, ao jurista, conhecer bem o corpo da lei, para
ter “segurança jurídica”, mas tendo como horizonte o “fazer justiça”;
9. Em suma, o Direito natural é o Direito inerente a todo o ser humano, desde o nascimento. Ele não
depende do Estado nem de nenhuma lei, sendo de carácter universal, imutável e intemporal. Este Direito
funda-se nos princípios humanos e na moral.
10. O Direito positivo é um conjunto concreto de normas jurídicas, construído de forma cultural. Estas normas
são garantidas pelo Estado através das leis. Depende de uma manifestação de vontade, seja da sociedade
ou de uma autoridade.Como esse direito assenta num ordenamento jurídico, a sua validade é temporal e
com base territorial.
11. Atualmente, o Direito natural é visto como um conjunto de princípios que os legisladores têm em conta na
criação da legislação (Direito positivo). Princípios como o direito à vida, à igualdade e à liberdade,
encontram-se plasmados na Constituição da República Portuguesa, Lei fundamental do País.
1. Lei e Direito não são a mesma coisa (antes de mais porque a Lei não é a única fonte do Direito).
2. Não é possível “capturar” o Direito com classificações simplificadoras.
3. O Direito é uma disciplina (episteme) híbrida onde devem imperar as questões de «finalidade»
(teleológicas). Desta forma podemos dizer que é uma disciplina social de episteme normativa.
4. O Direito é uma episteme em ação que toca todas as disciplinas (científicas e não-científicas).
5. O autor designa por “margens do Direito”, os “saberes” que, não sendo Direito, são por ele amplamente
“banhados”. Podem ser Ciências Jurídicas humanísticas (como a Sociologia do Direito ou a Filosofia do
Direito, p. e.) ou disciplinas complementares (como acontece na relação, por exemplo, entre o Direito
Penal e a Criminologia ou o Direito Constitucional com a Ciência Política).
6. Assim, podemos definir: Transdisciplinaridade – visão de outras disciplinas pela ótica de uma dada
disciplina; Interdisciplinaridade - diálogo entre diversas disciplinas; Pós-disciplinaridade - utilização de
outros saberes para descrever ou explicar determinada disciplina.
7. É necessária uma razão jurídica não obcecada pela “pureza”. Assim, procura-se o paradigma do «Direito
Fraterno Humanista» que traduza as exigências de Justiça no Direito.
1. Ferreira da Cunha considera que as tentativas de definição ou descrição simples do direito são
“armadilhas positivistas” (p. 116) que conduzem a conceções dogmáticas e necessariamente incompletas
de uma realidade abrangente e complexa. Assim, a estratégia mais adequada para chegar a um
entendimento mais completo do fenómeno jurídico – bem como a uma praxis mais informada - será a
mobilização de uma perspetiva crítica, baseada em conhecimento interdisciplinar, e orientada pela defesa
da Justiça no Direito (“suum cuique tribuende” (p.119)).
2. Assim, ensaia uma definição de Direito como “o conjunto de princípios (e valores) e regras que orientam
a vida em sociedade, estruturando-a, distribuindo papéis, reconhecendo ou atribuindo direitos, impondo
deveres, evitando e dirimindo conflitos, não de forma arbitrária, mas de acordo com um ideal de Justiça,
contribuindo assim para a paz social, a ordem e a hierarquia do grupo e assim dotando a existência de um
sentido” (p.112). Esta definição, construída para ir além da “armadilha positivista” acima mencionada,
desdobra-se em vários elementos merecedores de análise:
a) Direito como princípios, valores e normas : um dos elementos básicos do Direito, decorrente do
seu caráter eminentemente social, é o facto de refletir os valores e princípios dominantes na
comunidade que o cria e aplica. Estes são traduzidos em normas, ou regras, cujo cumprimento é
promovido pelo poder coativo do Estado e que estabelecem padrões de comportamento e
permitem aos cidadãos criar e manter expectativas legítimas em relação ao comportamento dos
outros e das instituições. É por estes princípios subjazerem às normas positivadas que se recorre à
sua interpretação quando é necessário integrar lacunas na lei.
b) Direito como ordenador social: mais do que pretender a “realização da convivência ordenada”
(p.123) – papel que não lhe é exclusivo -, o Direito deve pretender concretizar essa realização
através de uma “série diferenciada de ações ordenadoras” (p.123), i.e., deve estruturar a
sociedade, definir determinados papéis a desempenhar no seu funcionamento, e reconhecer
direitos e impor deveres aos cidadãos:
ii. Para além disso, o Estado reconhece diversos tipos de direitos aos seus cidadãos.
Alguns são considerados inerentes a todos os seres humanos – como os direitos
naturais, humanos, e fundamentais -, e os estados ficam vinculados ao seu
reconhecimento e proteção através de numerosas convenções e tratados
internacionais, como a Declaração Universal dos Direitos Humanos. Outros direitos
menos próximos daquele núcleo são estatuídos em diversos códigos jurídicos.
iii. A proteção destes direitos é garantida pelos mecanismos de tutela estabelecidos pelo
Estado. Estes têm o objetivo de reestabelecer o status quo ante, i.e., restituir a situação
ao estado inicial sempre que possível, através da restituição ou indemnização. Desta
forma, o Direito cumpre a sua função reconstitutiva, contribuindo para sanar conflitos
e, por conseguinte, evitando que escalem.
3. A Justiça deve iluminar o Direito na prossecução de todas as suas funções, “é ela que confere uma ordem
à ordem” (p.139), adequada à sociedade que serve. De outra forma, o Direito deixaria de ser aceite pelos
cidadãos, perdendo a sua eficácia. Ferreira da Cunha considera que o facto de atribuir aquele papel à
Justiça é, necessariamente, uma tomada de partida pelo Direito Natural – cujo único fundamento lógico
pragmático é aquilo que é considerado justo por determinada sociedade, em determinado momento,
tendo noção da sua contínua evolução. É, aliás, esse o entendimento dominante desde o século XVIII.
Igualmente, é importante não fazer equivaler o Direito ao Poder, significando que deve ser influenciado
pelo pluralismo democrático.
3. Dinâmica do Direito
3.1. A dupla tridimensionalidade do Direito
Apesar de o universo jurídico conter alguns elementos de ficção (exemplificados pelo facto de os ovos, a lã ou os
juros serem, juridicamente, tratados como frutos – p. 171), ele é, sobretudo, concreto, um facto social com o qual
os cidadãos lidam diariamente, mesmo não sendo especialistas.
Assim, o Direito pode ser encarado como um fenómeno tridimensional: é, simultaneamente, facto, valor e norma.
Para além disso, o Direito é também tridimensional no que diz respeito às suas funções, pelo que podemos falar
de uma dupla tridimensionalidade, conforme a teorização do jurista conservador brasileiro, Miguel Reale.
a) Tridimensionalidade fenoménica:
i. Direito como facto: O Direito é uma criação humana; porém, como diz respeito a factos reais
(naturais ou humanos) e cria factos, é, ele próprio, um facto. Com Kelsen (apud p. 174), pode-se
dizer que o Direito transforma tudo o que toca em matéria jurídica;
ii. Direito como valor: ao lidar com factos, o Direito confere-lhes sentido ao analisá-los, medi-los,
sob o prisma de valores como a liberdade, igualdade, paz, segurança, etc., subordinados ao valor-
fim da justiça. Assim, os valores mencionados funcionam como “filtros” do Direito que, por seu
turno, os impõe sobre a sociedade;
iii. Direito como norma: este é o aspeto mais facilmente reconhecível do Direito. Após analisar os
factos e os valorar, o Direito produz normas, regra geral escritas.
b) Tridimensionalidade funcional:
i. Avaliar: ao relacionar os factos que são postos à sua análise, “o Direito frequentemente mede. E
medir é uma forma de conhecer e avaliar” (p.175);
ii. Dirigir: a partir da avaliação dos factos, o Direito frequentemente emite recomendações ou
imposições (permissão, proibição, etc.). Quando o faz, exerce a sua função diretiva;
iii. Decidir: o Direito decide tanto quando um juiz dá razão a uma das partes em determinado
caso, como quando um funcionário pratica um ato administrativo (que implica sempre uma
decisão sobre o modo mais adequado de agir).
Não apenas o Direito é criado como forma de atingir a Justiça pela imposição de normas de conduta nas relações
interpessoais que se desenvolvem numa sociedade, como aquela é também o seu fim, atingido através das
finalidades parciais ou instrumentais da Justiça, a segurança, o equilíbrio (isonomia), a paz social, a ordem, etc. No
mundo jurídico coexistem diferentes tipos de princípios:
a) Princípios doutrinais: são construções dogmáticas (e, por conseguinte, intelectualmente produzidas)
derivadas de generalizações feitas a partir da análise das normas. O seu interesse é sobretudo
metodológico, sistemático e didático;
b) Princípios fundamentais: os juristas positivistas tendem a considerar que os princípios fundamentais do
Direito podem ser retirados do próprio texto normativo de um país, generalizando-o (lógico-
construtivistas), ou, em alternativa, generalizados a partir da comparação do direito positivo de ordens
jurídicas distintas (lógico-comparatistas). Do ponto de vista jusnaturalista, os princípios fundamentais são
os do próprio Direito Natural.
1. Fontes de Direito
A expressão “fontes de Direito” é uma metáfora referente aos sítios de onde o Direito vai retirar inspiração e
fundamento. A sua polissemia pode significar um desafio interpretativo, já que se refere a realidades muito
diferentes:
a. Fontes de Direito em sentido histórico: diz respeito à influência que ordens jurídicas vigentes no
passado exercem sobre as atuais. Um exemplo é a influência decisiva do Direito Romano sobre o
ordenamento jurídico português atual. Atualmente, a influência da globalização também se faz sentir
sobre o mundo jurídico, que hoje atua em rede, abrindo espaço à relativa homogeneização ou, pelo
menos, à integração jurídica (de que é exemplo o acquis communautaire);
b. Fontes de Direito em sentido político/orgânico: refere-se às instituições com competência para tornar
obrigatória uma determinada regra. Em Portugal, essa prerrogativa pertence, em primeiro lugar, à
Assembleia da República. Ferreira da Cunha inclui aqui também as normas consuetudinárias
(decorrentes do costume), bem como as que provêm da prática dos Tribunais.
c. Fontes de Direito em sentido sociológico/material: são os contextos que tornam necessária a adoção
de normas – “Toda a norma tem um contexto normativo, e quer este quer a norma concreta possuem
um entorno, um contexto, uma circunstância social.” (p.205).
d. Fontes de Direito em sentido filosófico: proximamente relacionado com os dois sentidos
anteriormente referidos, diz respeito à inspiração filosófica das normas, aos valores que lhe subjazem,
e ao tipo de sociedade que pretendem regular.
e. Fontes de Direito em sentido instrumental: designa o suporte o físico onde as normas são plasmadas.
Isto é, atualmente, aos livros onde estão impressos os Códigos e outra legislação, ou, por exemplo, ao
Diário da República Eletrónico (https://dre.pt/).
f. Fontes de Direito em sentido técnico-jurídico/formal: designa as formas ou processos pelos quais se
forma e revela o direito normativo, objetivo e positivo – são os meios de formação ou produção
jurídica. Em Portugal, estas são elencadas nos primeiros artigos do Código Civil.
Não há um consenso doutrinal quanto à hierarquia das fontes de Direito. Subsiste um debate entre as
orientações filosófico-jurídicas positivistas - que colocam a lei no topo da “pirâmide” -, jusnaturalistas - que
colocam os princípios fundamentais do Direito nesse lugar - e legalistas – que dão primazia às normas
supraconstitucionais, “no fundo uma Ordem de Valores (…), ou seja, uma estruturada articulação de
princípios fundamentais hierarquizados, ou então dos valores.” (p.236).
O legislador, grosso modo, não tomou partido naquele debate. Embora procure salvaguardar o valor da
norma por si emitida, demonstra abertura à utilização de outras fontes, como o costume e a equidade.
9. O Direito das Obrigações é um direito dinâmico que tem no contrato e na liberdade contratual das partes
o seu principal instituto (artigo 405.º do CC).
10. Os Direitos Reais ou das Coisas é um sub-ramo mais estático, com direitos tipificados, nele sobressaindo o
direito de Propriedade (artigo 1302.º do CC), que é um direito absoluto, e o instituto da Posse (artigo
1251.º e segs), mas também outros direitos reais mais limitados, como a Compropriedade (artigo 1403.º
do CC).
11. O Direito da Família regula as relações jurídicas constitutivas, modificativas e extintivas dos laços
familiares, como o casamento (artigo 1587.º e segs. do CC), a filiação (artigo 1796.º e segs. do CC) e a
adopção (artigo 1973.º e segs do CC), a separação judicial de pessoas e bens (artigos 1767.º e 1794.º e
segs. do CC) e divórcio (artigo 1773.º e segs do CC) e ainda as responsabilidades parentais (artigo 1877.º e
segs. do CC).
12. O Direito das Sucessões regula a sucessão e o chamamento dos herdeiros e legatários nos bens do
falecido, através de diversos títulos de vocação sucessória.
13. Além do Direito Civil, compreendem também o Direito Privado: o Direito Comercial; o Direito do Trabalho;
o Direito Internacional Privado.
14. O Direito Comercial é um ramo do Direito Privado, que cuida da qualificação dos atos como comerciais ou
não comerciais, das sociedades comerciais, dos contratos comerciais, dos títulos de crédito, etc.
15. O Direito Internacional Privado integra as normas de direito interno de cada País destinadas a resolver
conflitos de competência espacial das diversas ordens jurídicas. As situações tuteladas por este ramo
jurídico são aquelas em que houver conexão relevante (nacionalidade ou domicílio dos sujeitos,
localização do objeto, local da ocorrência do facto) com mais de uma ordem jurídica estadual.
1. Apesar de o Direito não ser composto exclusivamente por normas jurídicas (o direito está para além da
norma), estas não devem ser descuradas. É importante que se faça uma defesa da legalidade, não no
sentido estrito, mas na defesa do próprio Estado de Direito: “o respeito pelas leis é ainda o grau zero do
Estado de Direito”.
2. Estrutura da norma jurídica: as proposições legais (normas) fazem corresponder um facto (hipótese) a um
outro (estatuição ou efeito jurídico), que dele é consequência jurídica: de forma esquemática, se A, então
B. Ou será B se A. Sendo, portanto, A a hipótese e B a estatuição.
3. As características das normas jurídicas são elementos indiciadores fundamentais de estarmos perante
Direito, daí distinguirem-se de outras normas de índole moral, religiosa, de cortesia, etc.
4. As normas jurídicas estão dotadas de várias características, dividindo-se em dois planos fundamentais: o
plano externo e o plano interno.
5. O Plano Externo das normas jurídicas e seus elementos: imperatividade, generalidade, abstração,
coercibilidade, violabilidade.
7. Generalidade – a norma dirige-se não a uma concreta pessoa, mas a uma multiplicidade que se encaixam
na situação hipotética à qual corresponde a estatuição: se A faz x, a reacção jurídica é y.
8. Abstracção – é a qualidade de a norma se não prender ao caso concreto, tratando por igual o leque de
casos subsumíveis na sua previsão (hipótese).
10. Violabilidade – Sujeitando-se à sanção, pode o seu destinatário arriscar-se a não cumprir a norma.
11. O Plano Interno das normas jurídicas: os preceitos legais fundam-se na Justiça.
12. A Justiça determina limites ao Abuso do direito (honeste vivere – não abusar dos direitos que o Direito
confere); ao Uso do direito (alterum non laedere – não prejudicar ninguém); e impõe o Respeito pelos
direitos alheios (suum cuique tribuere – atribuir a cada um o que é seu).
A hermenêutica é a ciência, arte ou técnica da interpretação, seja de que área do saber for, incluindo do Direito,
designadamente pela aplicação de normas jurídicas no tempo e no espaço.