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APONTAMENTOS DE INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO

RECOMENDADO PELO PROFESSOR ERNESTO KAMBALI

ISAF MARÇO DE 2023

Introdução:

a) Objecto da Introdução ao Estudo do Direito

Fornece conhecimentos básicos, gerais e comuns a qualquer área do Direito.


Estuda noções fundamentais para a compreensão da ciência jurídica, isto é,
diversos conceitos científicos utilizados no Direito, com finalidades
pedagógicas.

A Introdução ao Estudo do Direito leva o estudante a uma visão global da


linguagem jurídica, de todo o conteúdo existente na área do Direito, que é difícil
obter através do estudo isolado das disciplinas/ou ramos do Direito.

b) O que é o Direito?

O termo “Direito”, genericamente, significa tudo aquilo que tem especiais


atinências com o iustum (justo, exacto, o devido). Intuitivamente a palavra
direito nos outorga a noção do que é certo, correcto, equânime (Jean Patrício
da Silva, 2014).

Etimologicamente, o termo Direito vem do latim “Directum” do verbo


“dirigere” (dirigir, orientar, endireitar), significando aquilo que é “direito” ou
“conforme à razão”. “Directum” não deriva de “derectum” (de-rectum =não
torto), mas houve um tempo em que “derectum” e “directum” eram usadas ao
mesmo tempo, indistintamente, chegando-se até a confundir o significado das
duas palavras. Com efeito, os lexicógrafos (Batista e Costa, 2006, p. 36)
corroboram com essa explicação, que a palavra direito se origina da palavra
latina directus, do verbo dirigere e significa algo que está conforme ou em
sintonia com a regra, no caso, com a lei.

Como dizia Cretella Jr. (2009, p. 17), na sua obra “Curso de Direito Romano”:
“Não conheciam os antigos romanos a palavra direito. O vocábulo cognato e
etimológico deste – directus – era um adjetivo que significava: aquilo que é
conforme a linha reta.

Historicamente, o termo que traduz o nosso actual direito é, em latim, o


vocábulo “jus”. O vocábulo jus pertence à mesma raiz do verbo “jubere”, isto
é ordenar, e substantivado, “Jus” significa o ordenado, o sagrado,
o consagrado. Entretanto, as opiniões de diversos juristas e linguistas são
divergentes, uma das explicações para a origem da palavra “jus” (indo-
europeia) é que ela provém do termo Sânscrito “yeus” (yu?). Com efeito, com
a expansão do império romano, consequentemente, do latim por toda a
Europa, verificou-se a transição do termo “jus” para o termo “ius” (séc. III
a.C.).

Sublinhar que o termo “Ius” não é procedente da palavra “Iustitia” (deusa


romana da justiça), “Iustitia” é quem produz o “ius”, é ela quem produz o
Direito, “ius” é o ordenamento de “Iustitia”. Portanto, o termo Direito é
equivalente do latim “ius”, iuris, que, do Latim popular, remete-nos à palavra
“jus”, Latim clássico.

Outrossim, o termo “ius” com o significado de “Direito” que utilizamos hoje


começou pelos juristas romanos: Ulpianus (228) e Paulus (226), segundo o
testemunho do Digesto (ver Corpus Iuris Civilis, justinianus = 530 a 565). Ius,
chama-se assim porque vem de “Iustitia”, como definido por Celsus, Ulpiano
define o direito como a arte do bom e do justo. Porém, os romanos usaram o
termo ius com muitos e múltiplos significados. Por exemplo:

• D.1.1.1pr. (livro, titulo, fragmento, paragrafo) (Ulp. 1 inst.): Celsus definit,


ius est ars boni et aequi: direito como ciência, saber jurídico
• D.50.17.54 - Nemo plus iuris transferre potest quam ipse habet
“Ninguém pode transferir mais direito do que ele próprio tem”: direito
como poder, faculdade;

• D.5.2.17.1 – “ius fieri ex sententia iudicis”: o direito determina-se bem


por uma sentença do juiz – direito com o significado de “iussum”=
ordem, realidade justa – aquilo que os romanos designavam por “natura
rerum” = natureza das coisas.

• Lei das XII tábuas – “Si in ius vocat, ito”= se alguém é chamado ao
Tribunal, vai”.

Contudo, com estes muitos e múltiplos significados, os Romanos apontavam


para duas acepções: usavam ora para indicar o direito objectivo ora para
indicar o direito subjectivo.

Direito objectivo - É o conjunto de regras gerais, abstractas e imperativas,


vigentes num determinado momento, para reger as relações humanas, e
impostas, coactivamente, à obediência de todos. Direito subjectivo – É
constituído pelos poderes, posições ou faculdades que as normas de direito
objectivo atribuem às pessoas de modo a que estas possam salvaguardar os
seus legítimos interesses: ex.: direito à vida, direito à integridade física,
direito ao bom-nome e à privacidade, direito ao casamento, etc.

Didacticamente, o Direito é o ramo da ciência que estuda as regras gerais,


abstractas e imperativas do relacionamento social, criadas pelo Estado e por
este impostas, se necessário, de forma coerciva. Consubstancia-se no saber
sobre os deveres e obrigações impostas à conduta de todas as pessoas no
convívio ou relações sociais em geral, familiar ou sucessórias, na vida laboral e
com outros entes soberanos, bem como a solução dos conflitos, que perigam a
existência da vida em sociedade.

Assim, Direito não é somente o conjunto de normas gerais, abstractas


obrigatórias e coercitivas (normas jurídicas) que regulam, ordenam ou
disciplinam os aspectos mais relevantes da vida societária mas é também o
ramo da ciência que tem por objecto o estudo dessas normas. A ciência jurídica
tem por objecto discernir, de entre as normas que regem a conduta humana, as
que são especificamente jurídicas. Ou seja, “o Direito não se limita a
apresentar e classificar regras, mas tem como objetivo analisar e estabelecer
princípios para os fenômenos sociais tais como os negócios jurídicos; a
propriedade; o casamento, etc.”

2. Carácter necessário do Direito

1. A necessidade da existência do Direito

A necessidade do Direito no mundo social Já na Antiguidade se dizia que onde


existe o Homem existe Sociedade (ubi homo, ibi societas). Mas também se
dizia que onde houver Sociedade haverá Direito (ubi societas, ibi ius).

Com efeito, sendo a sociedade indispensável à vida do Homem, a convivência


humana em sociedade exige que se defina e prevaleça uma ordem, a que a
todos se submetam, isto é, um conjunto de regras gerais e padrões que
orientem de forma imperativa o comportamento do Homem e estabeleçam as
regras de organização dessa sociedade bem como as instituições que dela
fazem parte. Dessa ordem social, destaca-se a ordem jurídica, ou seja o
Direito.

A ordem jurídica é, pois, a ordem social regulada ou constituída pelo Direito, ou


seja, por um conjunto de normas gerais, abstractas e imperativas, cuja
observância pode ser assegurada de forma coerciva pelo Estado.

A sociedade é, ao mesmo tempo, a forma de vida por excelência do Homem e


uma realidade ordenada pelo Direito. De facto, o meio social ordenado em que
vive o homem (a sociedade) é instituído pelo Direito, através da definição de
regras de conduta e padrões de comportamento individual e colectivo e de um
sistema organizativo em que se estrutura e funciona a sociedade.

O Direito regula, assim, um conjunto de relações que poderíamos figurar num


“triângulo normativo” da seguinte forma: relações entre cidadãos (linha de
base), que têm lugar num plano de igualdade jurídico-social; relações entre os
cidadãos e o Estado (linha ascendente), determinando-se aquilo que os
cidadãos devem à sociedade (Estado) como contribuição para o bem comum;
relações entre o Estado e os cidadãos (linha descendente), em que o primeiro
(Estado) aparece com obrigações face aos seus segundos (cidadãos). As
linhas da estrutura da ordem jurídica esboçada correspondem, assim,
respectivamente, às três intenções normativas clássicas da Justiça: justiça
comutativa, justiça geral ou legal; justiça distributiva.

O carácter societário do Direito fica assim evidente: esse carácter societário


determina-se pela ligação estreita e necessária entre o Direito e a Sociedade.

OBS: estes apontamentos são Extractos da obra de Bartolomeu Varela,


Introdução ao Estudo do Direito, 2ª edição, revista, Praia: Uni-CV, 2011,
versão digital disponível em http://unicv.academia.edu/ BartolomeuVarela

3. Os fins específicos do Direito

Desde que foi assumido como uma das dimensões mais importantes da
cultura, o Direito está ligado ao esforço histórico de realização de valores
fundamentais na convivência social, a saber:

i) - Justiça:

É o fim último do Direito. O filósofo Aristóteles define a justiça como sendo


uma “disposição da alma” que todas as pessoas têm, a qual caracteriza como
certa aptidão em “fazer o que é justo, a agir justamente e a desejar o que é
justo”. O pensamento de Aristóteles consiste em examinar a justiça a partir da
análise do comportamento justo e injusto, no que se refere ao modo de
tratamento entre as pessoas. É “na justiça que se resume toda a excelência”.
Diz ainda que as disposições naturais presentes no caráter da pessoa
humana como a inteligência, o discernimento, a intuição. São acções
consideradas como Virtude ou Excelência, que Aristóteles subdivide em
intelectual e moral.

Aristóteles versa sobre a justiça que se manifesta do convívio entre os homens,


na maneira pelo qual se orientam à prática do bem (no sentido do bom), do que
é considerado correcto na sociedade em que vivem (idem). Estas pessoas
realizam acções como bondade, honestidade, justiça, moderação,
coragem, prudência e humildade, as quais são designadas como virtude ou
excelência, que reflete atitudes do bem, as quais se fundam no próprio caráter
do ser humano.

A Excelência Intelectual é entendida como a virtude que nasce e se aperfeiçoa


com a experiência e com o tempo. Funda-se em dois tipos de conhecimento
sendo o primeiro o conhecimento teórico (que formula ideias universais) e o
segundo, o conhecimento pela experiência (que produz ideias limitadas ao
particular). A partir das próprias potencialidades do ser humano, ambos os
conhecimentos são desenvolvidos pela Educação, a qual nasce no âmbito das
orientações familiares e/ou transmitidos pela Instrução, através do ensino, do
ato de educar, que se expressa por meio de acções habituais voltadas para o
bem, para o aperfeiçoamento intelectual da pessoa não só individualmente,
como também de toda sociedade (idem, nota 8)).

No entanto, a Excelência Moral apresenta-se de maneiras diversas, mas seja


qual for esta maneira, a excelência moral não se constitui pela natureza. Ao
contrário, nasce do hábito, entendido como repetição consciente de ato, uso ou
costume. Assim a natureza atribuiu ao homem uma aptidão mental “de
inteligência para desenvolver a excelência moral” tornando-o capaz de
modificar-se pelo hábito, tanto para o caminho do bem como para o mal. Neste
sentido a pessoa é livre para escolher qual caminho irá seguir (idem, nota 8).

Excelência moral busca sempre o meio-termo. Segundo ARISTÓTELES, este


meio-termo significa o igual, pois em cada tipo de acção em que existe um
“mais” e um “menos” existe também um “igual”.

No mundo romano, como vem definida por Celsus (apud Ulpianus) “Justitia
est constans et perpetua voluntas jus suum cuique tribuere (A justiça é a
vontade constante e perpétua de dar a cada um o que é seu). A justiça reflecte-
se nos tria praecepta iuris dos romanos: o honeste vivere, o alterum non
laedere e o suum cuique tribuere.

Designa, segundo alguns autores (como Leibniz, 1646-1716, alemão),


proporção, ponderação, adequação, correspondência a um fim. Na Grécia
Antiga, a Justiça fazia-se equivaler à igualdade; na tradição judaico-cristã,
supõe conformidade do agir humano com a vontade divina; expressa-se
também no conceito de carácter social que diz respeito à repartição dos
bens escassos entre os homens.

A Justiça é ainda encarada em função do tipo de relações que se estabelecem


entre os indivíduos (justiça comutativa) entre os indivíduos e a sociedade, em
termos de sujeição às normas fixadas pelo Estado (justiça geral ou legal) e
entre o Estado e os indivíduos, tendo estes direitos em relação àquele (justiça
distributiva).

A Justiça comutativa – orienta as “transacções entre os indivíduos”. Trata das


relações “horizontais”, seguindo um princípio de proporcionalidade aritmética -
“é justo que aquele que mais trabalho receba uma maior remuneração” –
equilíbrio prestação/contraprestação. A justiça comutativa pode dividir-se em
iustitia vindicativa (não adoptada nos dias de hoje) – “olho por olho, dente por
dente” – e em iustitia restitutiva -“aquele que violou um bem jurídico deve
reconstituir a situação que existia antes da violação”. A justiça comutativa exige
que cada pessoa dê a outra o que lhe é devido.

Justiça distributiva – orienta a distribuição de bens (materiais e imateriais).


Regula as relações “verticais” entre a comunidade (Estado) e um indivíduo,
gerindo-se pelo princípio da proporcionalidade geométrica – “o mesmo para os
que precisam do mesmo, mais para os que precisam de mais”. Verifica-se um
tratamento igual do que é igual e diferente do que é diferente, assentando
assim num princípio de descriminação positiva. Conclui-se que, nesta
perspectiva, “aquele que necessita de mais tem direito a receber mais do que
aquele que não necessita de tanto”. A Justiça distributiva manda que a
sociedade (o Estado) dê a cada particular o bem que lhe é devido.

Justiça legal – Segundo S. Tomás de Aquino, temos de ter em conta o seu


contrário da justiça distributiva, ou seja, o contributo devido por cada
indivíduo à comunidade, que é a justiça legal. A justiça legal determina os
deveres/encargos de cada um para atingir o bem comum, sendo que essa
contribuição deve ser proporcional às possibilidades de cada um. Entre os
interesses individuais e o bem comum pode haver concordância – interesse
individual coincide com o bem comum - ou conflito – interesse individual não
coincide com o bem. Dentro do conflito, pode dar-se o caso de interesse
individual e o bem comum não coincidirem mas haver algum benefício para o
prejudicado, como também pode dar-se o caso de tal não acontecer. A Justiça
geral, social ou legal determina que as partes da sociedade (os indivíduos)
deem à comunidade o bem que lhe é devido.

EXEMPLO: Construção de uma auto-estrada beneficia a colectividade, mas


prejudica quem vive perto dela com barulho. No entanto, estes podem também
vir a beneficiar da mesma. (2) Experiências clínicas realizadas num doente em
estado terminal não lhe salvarão a vida, mas poderão salvar a vida de quem
venha um dia a ter a mesma doença.

A justiça distributiva em conjunto com a justiça legal origina a justiça


social, que rege as relações entre os particulares e o Estado. Existe ainda a
justiça material que se baseia em critérios de justificação e adequação. A
chamada “pena justa” é uma pena que é justificada e adequada

Como dizia Aristóteles, cada tipo de acção em que existe um “mais” e um


“menos” existe também um “igual”. E a justiça distributiva ou justiça em sentido
estrito, revela-se na distribuição de funções elevadas de governo, da honra, do
mérito das pessoas, de dinheiro, da fixação de critérios sobre tributos,
distribuição de cargos, ou de outras coisas que devem ser divididas entre os
membros da sociedade política, visto que a participação de uma pessoa pode
acontecer de maneira igual ou desigual à de outra.

Para poder vigorar na sociedade, o Direito deve impor uma ordem de


convivência justa. A validade do Direito reside na Justiça, isto é, na justeza da
ordem jurídica.

ii) - Equidade: aequitas= igualdade, conformidade, e equus = justo, igual,


simétrico. “ius est ars boni et aequi” (direito é arte do bom e do justo”. para
Aristóteles, o conceito de equidade está interligado ao conceito de justiça: dar a
cada pessoa o que é proporcionalmente igual. No entanto, o equitativo é
considerado o mais justo, não de acordo somente com a lei, e sim como uma
correção da justiça legal que não deixará lacuna sociais – pois irá prever
particularidades e diferenças não observadas pelo tratamento generalizado da
lei.

Significa procurar ou promover a justiça, tendo em devida conta as


desigualdades sociais, o que implica dar tratamento diferenciado a situações
desiguais, dentro de parâmetros legalmente aceitáveis. Para o ser realmente, a
Justiça exige a consideração dos casos concretos na aplicação das normas,
não podendo cingir-se a uma aplicação cega. Por isso, o Juiz, na sua função
de julgar, obedece à lei mas também à sua consciência, além de considerar o
convencionado pelas partes, sempre que as normas o permitam.

“O uso da equidade tem de ser disposta conforme o conteúdo expresso da


norma, levando em conta a moral social vigente, o regime político do Estado e
os princípios gerais do Direito. A equidade em síntese, completa o que a justiça
não alcança, fazendo com que a aplicação das leis não se tornem muito rígidas
onde poderia prejudicar alguns casos específicos onde a lei não alcança”. Por
exemplo, a vítima de acidente grave passa à frente de quem necessita de um
atendimento menos urgente, mesmo que esta pessoa tenha chegado mais
cedo ao hospital.

Equidade, significa dar às pessoas o que elas precisam, de modo que todos
tenham, realmente, acesso às mesmas oportunidades. A igualdade é baseado
na premissa de que ninguém deve ter menos oportunidades em razão da cor,
origem, família, sexo, etc.

iii) – Segurança jurídica: Quer dizer que aos cidadãos deve ser dada a
necessária confiança na estabilidade (ou permanência) das normas jurídicas.
As normas jurídicas não podem ser alteradas a cada dia que passa, a fim de
garantirem aos cidadãos a possibilidade de orientar a sua conduta presente e
futura com a necessária estabilidade. Traduz-se na “tranquilidade psicológica
que resulta da certeza de que não há qualquer perigo a temer ou de que se
está protegido contra as ameaças”. Tendo por segurança social o “conjunto das
medidas coletivas e legais que têm por objetivo garantir os indivíduos contra
riscos”. A segurança e certeza, portanto, não se opõem, antes são
interdependentes. Formalmente a segurança jurídica é assegurada pelos
princípios seguintes: irretroatividade da lei, caso julgado, respeito aos direitos
adquiridos, outorga de ampla defesa e contraditório aos acusados em geral,
ficção do conhecimento obrigatório da lei, prévia lei para a configuração de
crimes e transgressões e cominação de penas, declarações de direitos e
garantias individuais, justiça social, devido processo legal, independência do
Poder Judiciário, vedação de tribunais de excepção, vedação de julgamentos
parciais etc.

iv) - Certeza Jurídica: O termo certeza provém do latim certitudo, certitudinis.


Certeza do direito, tem um significado assente nos valores: ter confiança no
direito. Assenta, não apenas na existência das normas jurídicas, mas também
na validez dessas mesmas normas e na força que elas têm para guiar os
comportamentos sociais. Deste modo, no contexto do Estado de Direito há a
certeza jurídica, há certeza jurídica quando todos conhecem seus direitos,
porque positivados, assegurados pelo Estado. Assim, as pessoas vivem na
expectativa de que é assim que se deve agir socialmente, podendo prever
acções alheias. Portanto, conhecer o conteúdo das leis vigente no país
corresponde a ter uma certeza de como agir, actuar e se comportar.

Desta feita, aos cidadãos deve ser dada a possibilidade de terem um


conhecimento preciso acerca do sistema de normas jurídicas vigentes na
sociedade, para orientarem convenientemente a sua conduta e defenderem os
seus interesses. Os cidadãos devem estar em condições de gerir e prever os
efeitos da sua conduta com base em normas jurídicas vigentes e do
conhecimento geral. Por isso, em regra, as normas jurídicas, escritas de forma
clara, com rigor e objectividade, devem ser publicadas.

Com efeito, “O fim atribuído ao Direito não é o de criar uma ordem ideal, mas
uma ordem real de convivência” (Thomas Hobbes (1588 1679).

4. O Direito e a Sociedade.
1. A natureza social do Homem

O Homem sempre viveu em comunidade: clã, tribo, família, cidade (polis),


Sociedade e Estado são, entre outras, formas organizativas em que se tem
manifestado a natureza societária ou a sociabilidade do homem ao longo da
História.

Já na Grécia Antiga, o Homem tomara consciência de que a sua vida social


(política) lhe conferia uma condição superior à Natureza (mineral, vegetal,
animal). Aristóteles dizia que “o Homem, mais do que qualquer outro animal
que viva em enxames ou rebanhos, é, por natureza, um animal social (zoon
politikon)”.

Podem ser agrupadas em dois grandes grupos as tentativas de explicação da


razão de ser da vida do Homem em sociedade, segundo diversos autores:

a) Concepção naturalista da sociedade: Autores como Aristóteles, Cícero, S.


Tomás de Aquino, Stº Agostinho, Leão XIII, etc., acreditam na origem natural da
sociedade, isto é, entendem que a origem da sociedade tem o seu fundamento
ou explicação na natural sociabilidade do homem, na tendência natural para o
homem conviver com outros homens de modo a satisfazer as suas
necessidades e realizar-se como pessoa.

b) Concepção contratualista da sociedade: Segundo autores como John


Locke, Thomas Hobbes e Jean-Jacques Rousseau, a origem da sociedade
baseia-se no contrato social. Pare eles, a vida do Homem em sociedade não
era natural, mas antes resultava de um acordo de vontades entre os homens.
Defendem que, antes de viverem em sociedade, os homens viviam num estado
pré-social ou “estado de natureza” (status naturalis), caracterizado por uma
vida solitária e errante, sem vínculo comunitário, em que não havia leis nem
autoridade. A passagem à vida em sociedade ou ao “estado de
sociedade” (status civilis), com regras e princípios de convivência colectiva,
processar-se-ia mediante um contrato social ou acordo de vontades em que os
homens prescindiram da vida errante (ou do estado da natureza) em que
viviam anteriormente. Por esse contrato social os homens criam um ente
regulador da vida em sociedade tendo em vista o bem comum, surgindo, desta
forma, o Estado e, com ele, as normas que constituem o Direito (normas
jurídicas).

Estas duas explicações sobre a origem da sociedade não são de todo


incompatíveis, antes se complementam, contribuindo para melhor se
compreender a natureza social da vida humana. Na verdade, o Homem é um
ser eminentemente social, na medida em que não consegue viver só ou isolado
dos outros homens: ele tende a viver em sociedade, porque só assim pode
desenvolver todas as suas capacidades. Viver em sociedade é uma
necessidade inata do Homem e representa a mais elementar e natural forma
de convivência humana.

2. Funções do Direito na ordem social

Enquanto forma de ordenação da vida na sociedade, a ordem jurídica cumpre


duas -funções primordiais:
a) Função primária ou prescritiva: a ordem jurídica funciona como princípio
de acção ou conduta do Homem (coloca os cidadãos num plano de igualdade
jurídico-social, atribuindo-lhes direitos e poderes e prescrevendo-lhes deveres
e responsabilidades) e como critério de sanção (prevê as consequências da
violação das normas jurídicas, ou seja as punições).

b) Função secundária ou organizatória: a ordem jurídica estabelece as


regras de organização da sociedade e das instituições sociais. Para que a
ordem jurídica se materialize, ela precisa estabelecer as suas instituições,
determinando-lhes o estatuto funcional e organizando os processos jurídicos de
actuação da função primária.

3. O Direito como produto cultural

Trata-se de uma questão colocada pela Sociologia Jurídica, disciplina


científica que investiga o fenômeno social jurídico diante da realidade social, se
ocupando do direito enquanto facto social (vide: SOUTO, Cláudio; SOUTO,
Solange. Sociologia do direito: uma visão substantiva. 3. ed. rev. e atual, Porto
Alegre: Sérgio Antônio Fabris Editor, 2003, p. 80-89).

Dentre os precursores da Sociologia Jurídica, destaca-se o jurista alemão


Eugen Ehrlich (1862-1922). A sua principal obra, intitulada Fundamentos de
Sociologia do Direito, é referência obrigatória para aqueles que se dedicam ao
estudo da Sociologia Jurídica.

Em sua obra, Ehrlich busca demonstrar que a verdadeira Ciência do Direito


deve ser feita por meio da análise do direito no momento de sua aplicação
na vida social. Para Ehrlich, o verdadeiro direito, ou ainda, o direito como ele
realmente é, é o direito “vivido” na sociedade por meio dos fatos sociais,
ou seja, é o direito da sociedade, independentemente de ser ele legislado, cujo
objetivo é a organização social pacífica (MALISKA, Marcos Augusto. Introdução
à sociologia do direito de Eugen Ehrlich. Curitiba: Juruá, 2001, p. 71).

O direito é um bem cultural, uma vez que é produto da cultura humana,


sendo criado e desenvolvido em meio às relações sociais. Segundo
Machado Neto, o direito é objeto cultural “porque criação do homem na
convivência social”; criador de cultura “porque submete a inteira extensão do
planeta a um sistema de regulamentação jurídica e, possibilitador de cultura
porque “sem a relativa margem da segurança que o ordenamento jurídico
desenvolve e garante, impossível se faria a normal realização da
cultura” (Machado Neto, Antônio Luís. Sociologia jurídica. São Paulo: Saraiva,
1979, p. 158-159).
5. Outras ordens normativas.

Ao contrário da ordem natural, em que os fenómenos ocorrem segundo uma


sucessão invariável (ciclo de reprodução animal, marés, ciclo de água,
movimentos da terra, etc.), a ordem social é constituída por uma rede complexa
e mutável de regras provenientes de ordens normativas de diversa índole, a
saber:

a) A ordem moral – aponta normas ou regras que tratam de influenciar a


consciência e moldar o comportamento do indivíduo em função daquilo que se
considera o Bem e o Mal; As normas morais visam o indivíduo e não
directamente a organização social em que se integram; a ordem moral tem
como sanção a reprovação da formação moral da pessoa ou a má reputação.
Ex. obrigação moral de conceder esmola a um mendigo, não se prostituir, não
ao casamento homossexual, etc.

b) A ordem religiosa – tem por função regular as condutas humanas em


relação a Deus, com base na Fé;

c) A ordem de trato social – aponta normas que se destinam a permitir uma


convivência agradável entre as pessoas mas que não são propriamente
indispensáveis à subsistência da vida em sociedade. Inclui normas sobre a
maneira de estar e se comportar em acontecimentos sociais (normas de
etiqueta e boas maneiras, de cortesia e urbanidade); normas sobre a forma de
vestir (moda), normas típicas de uma profissão (deontologia), normas de uma
determinada região (usos e costumes), etc.;

d) A ordem jurídica - é constituída pelas normas mais relevantes da vida em


sociedade e, ao contrário, das outras ordens normativas, serve-se da coação
como meio de garantir a observância das suas normas, caso estas não forem
acatadas voluntariamente. É, pois, um conjunto de normas que regulam as
relações sociais, impondo-se aos homens de forma obrigatória e com recurso à
coercibilidade.

Mas, note-se bem: todas as ordens sociais enunciadas têm em comum o facto
de as suas normas (normas morais, religiosas, de trato social e jurídicas)
serem gerais, abstractas e obrigatórias. A generalidade, a abstracção e a
imperatividade ou obrigatoriedade são, pois, características comuns às
mesmas. No entanto, e como marca diferenciadora, só a ordem jurídica (ou de
Direito) se caracteriza pela coercibilidade, assegurada pelo Estado em caso de
não cumprimento voluntário das suas normas (normas jurídicas).

6. Relações entre Direito e Moral

A vida social só é possível se forem efectivas as regras determinadas para o


procedimento dos homens. Tais regras, de cunho ético, emanam,
fundamentalmente, da Moral e do Direito, que procuram ditar como deve ser o
comportamento de cada um. Sendo ambos – Moral e Direito – normas de
conduta, evidentemente apresentam um campo comum. Assim, aquele que
estupra uma menor infringe, ao mesmo tempo, norma jurídica, contida no
Código Penal, e norma moral (neminem laedere = não prejudicar a ninguém).

Miguel Reale elucida que "o Direito representa apenas o mínimo da Moral
declarado obrigatório para que a sociedade possa sobreviver. Como nem todos
podem ou querem realizar de maneira espontânea as obrigações morais, é
indispensável armar de força certos preceitos éticos, para que a sociedade não
soçobre. A Moral, em regra, dizem os adeptos dessa doutrina, é cumprida de
maneira espontânea, mas, como as violações são inevitáveis, é indispensável
que se impeça, com mais vigor e rigor, a transgressão das regras que a
comunidade considerar indispensáveis à paz social".

Haveria, portanto, um campo de acção comum, sendo mais amplo o da


Moral. Mas seria correcto dizer-se que todas as normas jurídicas estão
contidas no plano moral? A resposta é, obviamente, negativa.

Acções existem, entretanto, que interessam apenas ao Direito, como ocorre,


por exemplo, com as formalidades de um título de crédito. Existem outras que
são indiferentes ao Direito, mas que a Moral procura disciplinar. É o que
acontece, v.g., com a prostituição. Com efeito, a mulher que se dedica à
prostituição não sofre qualquer sanção jurídica, posto que a prostituição, em si,
não é crime. Contudo, como salienta Bassil Dower, é considerada como
“câncer social” e a mulher que a prática, por um motivo de ordem ética, fica
marginalizada, sujeitando-se à repulsa geral.

Conquanto tenham um fundamento ético comum, as normas morais e jurídicas


possuem caracteres próprios que as distinguem, embora as regras da Moral
exerçam, normalmente, enorme influência sobre as de Direito.

Esses caracteres distintivos podem ser sistematizados sob um tríplice aspecto:


em razão do campo de acção, da intensidade da sanção que acompanha a
norma em cada caso ou dos efeitos de cada uma delas.

Sob o aspecto do campo de acção, a Moral actual, sobretudo, no foro íntimo


do indivíduo, enquanto o Direito se interessa, essencialmente, pela acção
exteriorizada pelo homem, ou seja, por aquilo que ele fez ou deixou de fazer na
vida social. Assim, a maquinação de um crime, podendo ser indiferente ao
Direito, é repudiada pela Moral, encontrando reprovação na própria
consciência. Já a exteriorização desse pensamento, com a efectiva prática do
crime, importa em conduta relevante para o Direito, que mobiliza o aparelho
repressivo do Estado para repor o equilíbrio social.

Quanto à intensidade da sanção, a Moral estabelece sanções individuais e


internas (remorso, arrependimento, desgosto) ou de reprovação social (ex.: a
prostituta é colocada a margem da sociedade). O Direito estabelece sanção
mais enérgica, consubstanciada em punição legal (ex.: aquele que mata fica
sujeito a uma pena de prisão maior).

Quanto aos efeitos, observa-se que da norma jurídica decorrem relações de


carácter bilateral, ao passo que da regra moral deriva consequência unilateral,
isto é, quando a Moral diz a um que ame o seu próximo, pronuncia-o
unilateralmente, sem que ninguém possa reclamar aquele amor; quando o
Direito determina ao devedor que pague a prestação, proclama-o
bilateralmente, assegurando ao credor a faculdade de receber a dita prestação.

De forma sucinta, podemos fazer a distinção entre a ordem jurídica (Direito)


e a ordem moral com base nos seguintes critérios:

a) Critério do “mínimo ético”: O Direito só acolhe e impõe as regras morais


cuja observância é imprescindível para a subsistência da paz, da liberdade e
da justiça em sociedade. O Direito constitui aquele mínimo ético ou moral, que
resulta da coincidência das suas normas com as regras morais. Isto equivale a
dizer que o Direito não se propõe, como seu fim essencial, garantir certa
concepção ética da sociedade, mas tampouco ignora as normas morais; na
verdade, o Direito não prescreve condutas imorais.

b) Critério da coercibilidade: As normas morais só têm relevância para a


consciência de cada um, enquanto as normas jurídicas se impõem ao indivíduo
na medida em que são coercivas, ou seja, podem ser impostas pela força;

c) Critério da exterioridade: Ao Direito, que se preocupa essencialmente com


a conduta externa ou visível do homem, basta que o indivíduo cumpra as
normas em vigor, enquanto a Moral exige, além disso, uma adesão íntima
(interior) aos valores éticos que prescreve.

Entretanto, há outros critérios de distinção referidos pela doutrina, tais como:

i) O critério teleológico, segundo o qual a Moral visa a perfeição a pessoa


humana, enquanto o Direito tem por objectivo a realização da justiça na vida
social.

ii) O critério do objecto, conteúdo ou matéria, segundo o qual a Moral regula


toda a conduta humana, individual e social, interessando-lhe inclusivamente o
que é puramente interno, enquanto o Direito respeita exclusivamente aos
comportamentos sociais.

iii) O critério da perspectiva, conforme o qual a Moral considera a conduta


preferentemente “do lado interno”, enquanto o Direito considera sobretudo o
lado externo, a conduta exteriorizada.
Pode dizer-se, em suma, que as condutas que nem todas as condutas
humanas entram na esfera do Direito, mas sim aquelas que são susceptíveis
de pôr em causa a ordem social de convivência, os fundamentos da própria
sociedade.

Todavia, entre as diversas ordens sociais normativas estabelecem-se relações,


influenciando-se reciprocamente, como facilmente nos damos conta no
quotidiano.

Em suma, há de facto uma relação de coincidência (todos punem o homicídio,


genocídio, violência domestica, adultério, etc), de indiferença (ex. regras de
transito para a moral ou a prostituição para o direito) e de conflitos entre a
moral e a ordem jurídica (Direito) (certos aspectos do aborto, a eutanásia, uso
de anti-concepcionais, masturbação, etc.

6. Direito Natural e Direito Positivo

O Direito Natural, para os que aceitam a sua existência, é aquele que não se
consubstancia em regras impostas ao indivíduo pelo Estado, mas de uma lei
anterior e superior ao Direito Positivo, que se impõe a todos os povos pela
própria força dos princípios supremos dos quais resulta, constituídos pela
própria natureza e não pela criação dos homens, como, por exemplo, o direito
de reproduzir, o direito de viver etc. Numa palavra, o Direito Natural, é o que
independe do acto de vontade, por reflectir exigências sociais da natureza
humana, comuns a todos os homens.

Direito Natural é o direito justo por excelência, fundado na natureza


humana e ou que tem origem na vontade divina. O Direito Natural teria assim
por função dar legitimidade ao Direito Positivo (ordenamento jurídico) que,
por sua vez, para ser respeitado como válido deve conformar-se com os
princípios do Direito Natural, entendido como: - aquilo que é devido como
justo em virtude da natureza das coisas (Lei Natural); - as normas
emanadas da vontade divina; - os direitos subjectivos que todos os homens,
enquanto pessoas, devem desfrutar (Direitos Fundamentais, Direitos
Humanos).

O Direito Positivo compreende o conjunto de regras jurídicas em vigor num


país determinado e numa determinada época. É o Direito histórico e
objectivamente estabelecido, encontrado em leis, códigos, tratados
internacionais, decretos, regulamentos, costumes, etc.; é o Direito cuja
existência não é contestada por ninguém. É com esse significado que nos
referimos ao direito romano, ao direito alemão, ao direito português, ao
direito brasileiro. O Direito Positivo é o direito que depende da vontade
humana.
7. A Pessoa Humana, fundamento e fim da ordem jurídica

O Direito existe para regular as relações entre pessoas. As relações sociais


(relações entre pessoas), uma vez reguladas pelo Direito, transformam-se em
relações jurídicas. Entende-se, pois, por relação jurídica toda a relação entre
pessoas a que o Direito atribui efeitos. Na verdade, qualquer relação da vida
social que seja juridicamente relevante.

Enquanto formas de conduta social reguladas pelo Direito, as relações jurídicas


produzem efeitos jurídicos sobre as pessoas, pois que estas são os sujeitos de
toda a relação jurídica. Pessoa, em sentido jurídico, é o sujeito susceptível de
direitos e obrigações, isto é, titular de personalidade jurídica.

1. Noção de personalidade jurídica e capacidade jurídica

Os códigos oitocentistas (Napoleão, BGB, Código de Seabra) conheceram as


noções de personalidade e capacidade jurídica, mas a distinção entre ambas
as noções é bastante recente. Ou seja, conheceram as noções de capacidade
jurídica, mas não as definiram. Com efeito, é patente na doutrina que durante o
seculo XIX prevaleceu o monismo conceptual entre personalidade e
capacidade jurídica. Ademais, o Código de Seabra acolheu no seu art.º 1.º
como expressões sinónimas.

Porém, no início do seculo XX, concretamente em 1918, surge o dualismo


conceptual entre personalidade e capacidade jurídica, em virtude do jurista
alemão Haff, quando na sua obra distinguia entre corporações com e sem
personalidade jurídica.

O entendimento ilustra-se na seguinte afirmação “O conceito de direito


(subjetivo), reconhecido pelo ordenamento como um poder relevante dirigido à
satisfação de interesses humanos, requer um sujeito a quem o poder é
conferido, um sujeito jurídico ou, como igualmente se diz no discurso jurídico,
uma pessoa. A personalidade não é um direito subjetivo mas sim uma
qualidade jurídica, pressuposto de todos os direitos e obrigações, da
capacidade jurídica”.

Ilustra-se aqui um “conceito qualitativo da personalidade jurídica, como uma


qualidade jurídica em virtude da qual se é pessoa em Direito e que, do mesmo
modo, expressa o denominador comum a todos os sujeitos jurídicos. A
capacidade jurídica poderá ser imanente à personalidade, não podendo existir
separadamente desta, mas surge conceptualmente distinta”.

A influência alemã veio sedimentar-se na doutrina europeia, ganhando espaço


nas legislações que se seguiram.

Em Portugal, logo com o Professor Guilherme Moreira, a distinção entre


personalidade jurídica e capacidade jurídica ganhou terreno. Segundo este
jurista, personalidade corresponde à qualidade jurídica de ser pessoa, à
suscetibilidade de direitos e obrigações. Já capacidade é entendia como a
“medida do poder jurídico” ou a “susceptibilidade do exercício pessoal dos
poderes que por lei são atribuídos a uma pessoa”. Contudo, Cabral Moncada
viria a aperfeiçoar esta distinção, sustentando que a personalidade é a mesma
para todos os sujeitos, enquanto suscetibilidade genérica. Já o conceito de
capacidade expressa o quantum de direitos e obrigações que pode cada sujeito
titular e exercer.

Apesar do acolhimento feito pelo Prof. Guilherme Moreira, acerca da distinção


entre capacidade de gozo e capacidade de exercício, verifica-se que ele
dedicou maior atenção. Desta feita, Cunha Gonçalves, seguindo a mesma
distinção, realçou com veemência a dimensão estática/dinâmica da
abordagem. Segundo este autor, “a personalidade, enquanto suscetibilidade de
direitos e obrigações, pressupõe uma compreensão estática da pessoa,
separada do seu agir. in actu, a pessoa é exercício de direitos e obrigações.
Daqui decorre a seguinte sistematização: “personalidade jurídica é apenas
sinónimo de capacidade de gozo”. Em ambos os conceitos subjaz a
consideração estática do sujeito, a sua qualidade de pessoa. Neste sentido,
são conceitos idênticos. A capacidade de agir ou de exercício é de outra
grandeza. No mesmo diapasão, segue o José Tavares. Personalidade e
pessoa são tomados como conceitos jurídicos sinónimos. Já capacidade de
exercício surge entendida como a idoneidade do sujeito para praticar atos
jurídicos. No mesmo sentido vai Manuel de Andrade, sublinhando que o
conceito de personalidade e capacidade de gozo se implicam mutuamente.

Em suma, a personalidade jurídica é a susceptibilidade (a possibilidade) de


qualquer pessoa ser titular de relações jurídicas, ou seja, de direitos e
obrigações. De acordo com o Código Civil, a personalidade adquire-se no
momento do nascimento completo e com vida e cessa com a morte. Assim,
todos os seres humanos têm personalidade jurídica e, desde logo, titular
sobretudo de direitos de personalidade, tais como: o direito à vida e à
integridade física, direito ao nome, ao bom-nome e à reputação, direito à
honra, direito à imagem, direito à reserva sobre a intimidade privada, etc.

Se a personalidade jurídica significa a susceptibilidade de a pessoa ser titular


de direitos e obrigações, e sendo certo que todas as pessoas podem gozar
direitos (a capacidade de gozo de direitos é dada a todos os que tem
personalidade jurídica), a verdade é que nem toda a pessoa é efectivamente
capaz de exercer total ou mesmo parcialmente os seus direitos e responder
pelas suas obrigações (a capacidade de exercício de direitos pode ser maior ou
menor). A medida em que uma pessoa pode ser sujeito de relações jurídicas,
ou seja, titular de direitos e obrigações é dada pela sua capacidade jurídica.

Assim, a capacidade Jurídica é, pois, é a capacidade ou faculdade que o


ordenamento jurídico confere a uma pessoa para ser sujeito de quaisquer
relações jurídicas, salvo disposição legal em contrário (art.º 67.º do CC).
Qualquer sujeito de relações jurídicas é titular de direitos e poderá dispor deles
desde que não sofra de qualquer incapacidade prevista na lei, como a
menoridade ou a anomalia psíquica, surdez, mudez, etc. Se tal acontecer, o
incapaz deve ter um representante legal que actuará em seu nome e defenderá
os seus direitos. A capacidade jurídica envolve, assim, a capacidade jurídica
de gozo de direitos, que em regra todos possuem, e capacidade jurídica de
exercício de direitos, que é maior ou menor consoante os casos e conforme a
lei.

2. Direitos da personalidade.

Persona, vem da expressão prósopon que foi utilizada em um primeiro


momento para designar as máscaras utilizadas no teatro. Superada esta
acepção passou a significar o papel encenado pelo actor em uma peça.
Posteriormente passou a significar a função ocupada pelo indivíduo na
sociedade, sem, contudo, significar o indivíduo em si mesmo.
A noção de pessoa como subjetividade humana, de que decorre a
sedimentação dos Direitos da Personalidade, surge com a tradição teológico-
cristã e sua reflexão sobre a trindade e a origem do homem. A este homem,
feito à imagem do divino, deve se reconhecer os Direitos da Personalidade,
afinal este é um indivíduo dotado de racionalidade.
“Segundo Maria Celina Bodin de Moraes (TEPEDINO et al, 2004, p.31), que
somente a partir do século XIX, com a elaboração das doutrinas francesa e
alemã que se iniciou a construção dos direitos da personalidade”.
“O termo “pessoa” foi utilizado pela primeira vez em seu sentido técnico pelos
juristas do século XVI. No século seguinte, a liberdade pessoal aparece como
objecto de estudo de Grozius, enquanto a expressão “direito da
personalidade” se pode atribuir a Gierke, o qual no fim do século XIX,
individualizava os aspectos pertinentes ao indivíduo, como a vida, a honra, a
liberdade física e o nome. Na contradição de uma sociedade que lutava
contra o privilégio de classe e, que todavia, teorizava o privilégio do Rei, não se
visualizava espaço para colocar a tutela da personalidade em termos
completos, como valor absoluto. Somente mais tarde começa a prosperar a
possibilidade de estruturar a sociedade sobre a base da reciprocidade entre
indivíduo e soberano (com obrigações e direitos recíprocos), a qual é
concebida com a teorização da divisão dos poderes.
“O reconhecimento da existência de um direito natural do homem, une-se à
Declaração solene com a qual se proclamava na França revolucionária o
Direito do Cidadão e a liberdade e igualdade de todos os “homens”. Com a
Revolução Francesa, portanto, obtém-se a afirmação da existência de um
direito inato ao homem, inserido no contexto histórico de contraposição ao
Estado. Ainda sob o ponto de vista histórico, os conceitos de pessoa e de
homem nem sempre tiveram correspondência. No período da escravidão,
despia-se o homem da condição de sujeito de direito para considerá-lo coisa,
desprovido da faculdade de ser titular de direitos, ocupando na relação jurídica
a situação de objecto. No sentido jurídico, é para a pessoa que o direito foi
feito, conceituando-se pessoa todo ser humano capaz de direitos e obrigações.
Noção: os direitos de personalidade são vários modos de ser físico, ou morais
da pessoa humana. Os direitos de personalidade visam a protecção da pessoa
física e moral e da dignidade pessoal de cada cidadão, protegendo-o contra
qualquer ofensa ilícita. São absolutos (oponíveis erga omines= todos são
chamados a respeitar), indisponível (excluído do livre arbítrio do seu titular,
relativamente indisponíveis), não patrimoniais (não avaliáveis em dinheiro),
intransmissíveis (não se transmite inter-vivo ou por morte), irrenunciável
(não se pode renunciar), imprescritíveis (não se perdem pelo não uso). São
eles: direito ao nome, à imagem, à vida, integridade pessoal (moral =
reputação, prestigio ou decoro, crédito; integridade intelectual = pensamento,
autoria; integridade física), à liberdade, privacidade, etc.
Os direitos de personalidade previstos no Código Civil: o art.º 70.º prevê a
tutela geral da personalidade humana. Os direitos especiais encontram-se nos
seguintes artigos: 72.º ao 74.º, o direito ao nome e ao pseudónimo que tenha
notoriedade, 75.º ao 78.º, direito acartas missivas, integram bens protegidos
pelo direito à intimidade privada ou segredos da pessoa, o direito à imagem
(79.º), direito à reserva sobre a intimidade da vida privada. Os direitos de
personalidade previstos na Constituição da Republica de Angola (CRA): direito
à vida (30.º), direito à integridade pessoal (física) (31.º), direito à liberdade
(36.º, 40.º, 41.º,) direito da propriedade intelectual /42.º e 43.º).
A Integridade pessoal integra a física (físico-psíquica, sanidade mental, não a
drogas) moral (honra objectiva e subjectiva, decoro, reputação ou bom nome,
o crédito) e intelectual (protecção da liberdade de pensamento e no direito
autoral, usufruir das produções do seu espirito, tendo a garantia de publicar,
reproduzir. A pessoa é um ser psíquico actuante).
A liberdade desdobra-se em: liberdade física (locomoção, disposição do
corpo, que inclui a liberdade sexual positiva e negativa, dentro como fora do
casamento, mas depois de atingida certa idade, limitado por proibição de
relações adulterinas), liberdades morais (liberdade de expressão, de
consciência, de vontade (proteger-se de álcool, estupefacientes, hipnoses),
liberdade de sensibilidade e da alma (não a odio racial, policio, religioso etc),
liberdades profissionais, liberdades jurídicas (contratar, possuir, casar,
testar etc).
Limites aos direitos de personalidades: a própria natureza do bem da
personalidade (no que toca ao direito geral de personalidade, procurar ainda
que direito foi violado, deixando a pessoa no seu todo), as exigências da vida
em comum (a lesão só é relevante se exceder os limites da adequação social),
ponderação dos interesses em jogo (no caso de extado de necessidade, etc,
quando exista conflito entre dois ou mais direitos = 335.º do CC), o
consentimento do lesado (exclusão do facto ou justificação da lesão ou do
facto). São três espécies de consentimento: consentimento vinculante -
quando há assunção de um autêntico compromisso jurídico, um contrato,
apesar disso, o n.º 2 do art.º 81.º do CC estabelece o princípio da
revogabilidade do consentimento, sem afastar a responsabilidade civil pelos
danos causados; consentimento autorizante - não deixa de dar origem a um
compromisso jurídico (não negocial), a responsabilidade resulta da frustração
das expectativas. Ex. Cirurgias em benefício alheio, actividades perigosas,
intervir em benefício alheio; consentimento tolerante – ocorre nas
intervenções em benefício próprio, como cirurgia em benefício próprio, ou
actividade perigosa em benefício próprio.
3. Direitos, liberdades e garantias fundamentais dos cidadãos

São os Direitos do Homem em vigor num ordenamento jurídico concreto num


dado momento histórico. Um catálogo de direitos fundamentais dos cidadãos
que têm fundamento na dignidade da pessoa humana, na liberdade, na
fraternidade e na igualdade do Homem.

A actual Constituição angolana consagra a velha ou/e tradicional divisão


dicotómica e dogmática dos direitos fundamentais em dois grandes grupos: por
um lado, os «direitos, liberdades e garantias» e, por outro, os «direitos
económicos, sociais e culturais», também designados, abreviadamente, por
direitos sociais.

Tradicionalmente, os direitos, liberdades e garantias são direitos de


natureza tendencialmente «defensiva» e «negativa», ou seja, são, em geral,
“direitos de liberdade, cujo destinatário é o Estado, e que têm como obrigação
de abstenção do mesmo relativamente à esfera jurídica-subjectiva por eles
definida e protegida; estando-lhe vedada toda e qualquer possibilidade de
interferência ou intromissão no sentido da limitação do exercício destes
direitos, cuja função imediata é a protecção da autonomia da pessoa,
salvaguardando, deste modo, bens jurídicos fundamentais, indispensáveis à
concretização da dignidade da pessoa humana (Canotilho, Gomes, Direito
Constitucional e Teoria da Constituição, 7ª Edição, Almedina Editora, 2003, p.
399).

Ex. O Direito à vida, Garantia é a proibição da pena de morte (art. 59.º),


o direito de antena, direito à identidade, à privacidade e à intimidade (art.
32.º/1) – os direitos à identidade pessoal, à capacidade civil, à
nacionalidade, ao bom-nome e reputação, à imagem, à palavra e a
reserva da vida privada”; o direito à inviolabilidade do domicílio (art. 33.º)
e o direito à inviolabilidade da correspondência e das comunicações (art.
34.º) – este direito, tal como o anterior, são “invioláveis”, pois ambos
visam a protecção de bens jurídicos fundamentais comuns, como a
dignidade da pessoa, o desenvolvimento da personalidade, e, sobretudo,
a garantia da liberdade individual, da autodeterminação existencial, a
garantia da privacidade, nos termos do art. 32.º; os direitos relativos à
família, ao casamento e a filiação (art. 35.º) – consagração importante no
âmbito do reconhecimento e garantia dos direitos relativos à família, ao
casamento e a filiação; o direito à liberdade física e à segurança pessoal
(art. 36.º) – relativamente ao direito à liberdade, a Constituição consagra
algumas garantias ou meios específicos de garantia, designadamente no
que toca à lei criminal, às penas e medidas de segurança; a extradição e
expulsão; o direito de asilo; o direito ao processo criminal e o habeas
corpus (neste âmbito seria verdadeiramente importante a positivação de
uma outra garantia intimamente ligada ao direito à liberdade, ou seja, a
prisão preventiva, desprovida de dignidade constitucional em face da
nova Constituição angolana, e constitui ao nosso ver, um retrocesso
relativamente a Lei Constitucional anterior, que consagrava este direito,
nos termos dos arts. 37.º e 38.º da LCA de 92). Quanto ao direito à
segurança “representa mais uma garantia de direitos do que um direito
autónomo” . A liberdade de expressão e de informação (art. 40.º) – estes
dois direitos ou “conjunto de direitos” (n.º 1) – têm como uma das
consequências mais importantes a proibição da censura em sentido
amplo, ou seja, é proibida “todo tipo ou forma de censura” (n.º 2); o direito
de consciência, de religião e de culto (art. 41.º) – etc.

4. A problemática dos Direitos Humanos

Os Direitos do Homem são direitos aceites como válidos por toda a


Humanidade (para todos os povos e todas as épocas), com base no carácter
inviolável, intemporal e universal da natureza da pessoa humana. Derivam da
natureza da pessoa humana, fazem parte da essência da Humanidade
(entendida aqui como uma comunidade de gerações presentes e futuras).
Fazendo parte da essência da Humanidade e sendo conaturais ao próprio
Homem, os Direitos Humanos têm por objectivo a protecção da personalidade
humana na sua dimensão social e impõem limites à autoridade e soberania dos
Estados modernos. Os Direitos Humanos têm um carácter universal e
indivisível e a Comunidade Internacional possui organizações (como a Amnistia
Internacional) e normas, tratados ou convenções que visam a sua protecção ou
salvaguarda (como a Declaração Universal dos Direitos do Homem) A
condenação generalizada da pena de morte, da tortura e da prisão por motivos
políticos ou religiosos, do racismo e da xenofobia, do genocídio e da violação
do princípio da autodeterminação dos povos constitui expressão do combate
universal em prol da promoção dos Direitos Humanos.

8. DA RELAÇÃO JURÍDICA

1. Noção de Relação Jurídica

Toda a relação social que é disciplinada pelo direito. A relação jurídica é fruto
de vínculo, elo entre pessoas, tutelado pelo Direito, por criar direitos e deveres.
O conceito de relação jurídica pressupõe um conjunto de elementos cuja
sistematização tradicional é a seguinte:

Exemplificação: “O Pedro vendeu à Maria um chapéu”. Estabeleceu-se,


assim, entre Pedro e Maria uma relação jurídica em que se distinguem os
seguintes elementos: Sujeitos: Pedro e Maria, Objecto: chapéu, facto
Jurídico: o contrato de compra e venda, Garantia: A faculdade que cada um
dos sujeitos dispõe de recorrer ao tribunal para obrigar o outro a cumprir a sua
obrigação, no caso de recusa.

2. O Objecto da relação jurídica

O objecto da relação jurídica “é tudo aquilo sobre que incidem os poderes d


titular activo da relação”. É corrente identificar-se o objecto da relação jurídica
com o objecto do Direito subjectivo, que constitui o lado activo da mesma
relação. Diferente do objecto é o conteúdo do Direito subjectivo, que se traduz
no conjunto de poderes ou faculdades que este comporta.

Exemplo: No direito de propriedade, o conteúdo é o conjunto de poderes ou


faculdades que cabem ao proprietário. O objecto será o bem sobre o qual
recaem esses mesmos poderes.

3. Modalidades do objecto da relação jurídica

Esta distinção entre objecto imediato e mediato nem sempre se verifica, pois
nos direitos reais não há intermediário entre o titular do direito e o bem. O
proprietário está em contacto directo com o objecto do seu direito, como vimos
no primeiro exemplo.

Porém, a distinção verifica-se nas obrigações de prestação de coisa


determinada. Nestas, o objecto imediato de direito do credor é o
comportamento do próprio devedor, isto é, a prestação do devedor e o objecto
mediático é a própria coisa. Assim, entre o credor e a coisa intromete-se a
pessoa do devedor. Por exemplo: o contrato de depósito. O objecto imediato
torna-se o comportamento do devedor (depositário), que é guardar a coisa. O
objecto mediato será a coisa depositada.

4. Possíveis objectos da relação jurídica

Pessoas: No Direito Moderno, as pessoas só podem ser objecto da relação


jurídica nos determinados poderes-deveres ou poderes funcionais, que não são
verdadeiros direitos subjectivos. Exemplos desta figura: O poder paternal, o
poder tutelar. Só que os direitos inseridos no poder paternal ou no poder tutelar
não conferem qualquer domínio sobre a pessoa do filho ou do pupilo, no
interesse dos pais ou do tutor. São meramente direitos que conferem poderes
destinados a habilitarem os pais e os tutores ao cumprimento dos deveres que
lhes são impostos por lei, são poderes deveres ou poderes funcionais, pois são
exercidos em função dos direitos dos menores ou do incapaz. Pelo que, as
pessoas são sempre sujeitos da relação jurídica, nunca objecto propriamente
da relação jurídica.

Coisas Corpóreas: São as coisas físicas, isto é, aquelas que podem ser
apreendidas pelos sentimentos. Artigo 202º do Código Civil. Diz-se coisa, tudo
aquilo que pode ser objecto de relações jurídicas. Está neste caso o objecto
dos chamados direitos reais, maxime do direito de propriedade, que é o direito
real por excelência. O artigo 1302º do Código Civil: Objecto do direito de
propriedade “Só as coisas corpóreas, móveis ou imóveis, podem ser objecto
do direito de propriedade regulado neste código”. Exemplo: Propriedade sobre
um automóvel.

Coisas Incorpóreas: Não são mais do que valores da natureza que não
podem ser apreendidos pelos sentidos. São concebidos apenas pelo espírito.
Assim, o objecto de tais direitos é a respectiva obra na sua forma ideal e não
as coisas materiais que constituem a sua corporização exterior, como o livro, o
filme, etc. Exemplo: Um determinado autor pode adaptar a sua obra literária ao
cinema e daí auferir lucros, mas pode também mantê-la inédita ou impedir que
depois de publicada seja posteriormente reproduzida com modificações. Assim,
apenas a obra na sua concepção ideal é o objecto de direitos.

Direitos Subjectivos: também podem ser objecto da relação jurídica.


Exemplo: Penhora de Direitos (acto de apreensão judicial dos bens do devedor
em acção executiva. Os bens são entregues a um depositário nomeado pelo
juiz no despacho que ordena a penhora). Ao relacionarmo-nos com outras
pessoas sejam físicas ou jurídicas, estamos mantendo consciente ou
inconscientemente uma Relação Jurídica.

5. A Estrutura Interna da Relação Jurídica

Direito subjectivos e dever jurídico

A Estrutura Interna da Relação Jurídica é o seu conteúdo e integra um Direito


subjectivo e um dever jurídico ou uma sujeição, Direito potestativo e sujeição.
Dever jurídico: é o comando imposto pelo direito objectivo, através do qual o
sujeito deve observar determinada conduta, sob pena de sanção, trata-se de
gênero do qual obrigação é espécie. Obrigação: É um termo restrito, aplicável à
relação credor-devedor, seu objeto é a prestação, que via de regra é aplicável
aos contratos.

Direitos potestativos e sujeição

Direito potestativo é um direito que depende da vontade exclusiva de uma


das partes, ou seja, não admite contestações. É prerrogativa jurídica de impor
a outrem a sujeição ao seu exercício. É o imperativo da vontade que gera um
estado de sujeição na outra parte. Direitos potestativos: aquele exercido pelo
titular per si, não depende da conduta de ninguém.

O estado de sujeição se opõe a um direito potestativo (aquele que não admite


contestações), que pode ser exercido sem a concordância, ou mesmo contra a
vontade da outra parte.

Por exemplo, a revogação de um mandato ou demissão do emprego.

Direitos Subjectivos podem se absolutos ou relativos. Absolutos: São


aqueles que se impõem a todas as pessoas (erga omnes), às quais
corresponde um dever geral de respeito, a que também se costuma chamar
obrigação passiva universal. Exemplo: os direitos reais sobre coisas, como o
direito de propriedade. Relativos: São aqueles que se impõem apenas a
determinada ou determinadas pessoas, às quais corresponde o dever de
realizar uma conduta que é devida ao titular do direito. Exemplo: os direitos de
crédito.

Direitos Subjectivos podem ser patrimoniais ou não patrimoniais ou


pessoais: São aqueles direitos subjectivos que são redutíveis a dinheiro.
Exemplos: os direitos reais, direitos de crédito. Pessoais: São aqueles direitos
subjectivos que não são susceptíveis de expressão pecuniária. Exemplos: os
direitos de personalidade, os direitos de família.

Direitos Subjectivos inatos e não inatos: São direitos subjectivos que


nascem com a pessoa, que, assim, não necessita de os adquirir. Exemplo: a
generalidade dos direitos de personalidade – direito à vida, direito à integridade
física, direito à liberdade. Não inatos: São os restantes direitos subjectivos que
não se adquirem com o nascimento, mas posteriormente. Exemplo: os direitos
de personalidade – direito ao nome e os direitos de autor.

6. Noção de facto jurídico

Facto jurídico é todo o acto humano ou acontecimento natural juridicamente


relevante. Esta relevância jurídica traduz-se, principalmente, senão mesmo
necessariamente, na produção de efeitos jurídicos. Nem todos os factos reais
ou sociais são factos jurídicos.

1. Classificação dos factos jurídicos

A primeira grande classificação dos factos jurídicos é a que se pode


estabelecer entre factos jurídicos voluntários e factos jurídicos
involuntários (stricto sensu). Os primeiros resultam da vontade como
elemento juridicamente relevante; são manifestação ou actuação de uma
vontade. Os segundos são estranhos a qualquer processo subjetivo - ou
porque resultam de causas de ordem natural, ou porque a sua eventual
voluntariedade não tem relevância jurídica.

Os factos jurídicos voluntários podem ser lícitos e ilícitos. Os actos ilícitos


são contrários à ordem jurídica e por ela reprovados; importam uma sanção
para o seu autor (infractor de uma norma jurídica). Os actos lícitos são
conformes à ordem jurídica e por ela consentidos.

Os factos voluntários também se podem distinguir em negócios


jurídicos e simples actos jurídicos. Os negócios jurídicos são factos
voluntários cujo núcleo essencial é integrado por uma ou mais declarações de
vontade, a que o ordenamento jurídico atribui efeitos jurídicos concordantes
com o conteúdo da vontade das partes, tal como este é objetivamente (de fora)
apercebido. Os simples atos jurídicos são factos voluntários cujos efeitos se
produzem mesmo que não tenham sido previstos ou queridos pelos seus
autores, embora muitas vezes haja concordância entre a vontade destes e os
referidos efeitos.

Dentro dos simples actos jurídicos é usual fazer-se uma distinção entre: quase-
negócios jurídicos, que se traduzem na manifestação exterior de uma
vontade (interpelação do devedor, gestão de negócios, etc.); e operações
jurídicas (materiais) que se traduzem na efetivação ou realização de um
resultado material ou factual a que a lei liga determinados efeitos jurídicos
(acessão industrial, ocupação de animais ou coisas móveis, etc.).

Os Negócio podem se unilateral e bilateral. Unilateral: acontece quando há


declaração de vontade de apenas uma das partes (ex: testamento, promessa
pública, oferta pública).

Negócio bilateral - ocorre com a declaração de vontade de ambas as partes,


tendo efeitos no momento por elas determinadas enquanto vivas. São os
chamados contratos, que podem ser unilaterais e bilaterais, dependendo se
ambas as partes no contrato ficam ou não adstritos a uma obrigação.

2. A Garantia

À infração dos deveres que as normas jurídicas impõem, segue-se um


procedimento sancionatório, a aplicação de sanções jurídicas. A sanção em
matéria de direito privado não actua geralmente por iniciativa directa do Estado,
mas a solicitação dos titulares dos correspondentes direitos subjetivos. E toma
sobretudo a forma de uma reparação, da garantia de obter coativamente à
realização do interesse reconhecido por lei, ou indenização equivalente.

9. A NORMA JURÍDICA

Conceito de normas jurídicas: são regras de conduta social gerais,


abstractas e imperativas, adoptadas e impostas de forma coercitiva pelo
Estado, através de órgãos ou autoridades competentes.

a. Estrutura

Estrutura da norma jurídica A norma jurídica tem uma estrutura interna


constituída, amiúde, por três elementos, a saber:

a) Previsão: a norma jurídica regula situações ou casos hipotéticos da vida que


se espera venham a acontecer (previsíveis), isto é, contém, em si mesma, a
representação da situação futura;

b) Estatuição: a norma jurídica impõe uma conduta a adoptar quando se


verifique, no caso concreto, a previsão da norma:

c) Sanção: a norma jurídica dispõe os meios de coacção que fazem parte do


sistema jurídico para impor o cumprimento dos seus comandos.

As sanções jurídicas apresentam diversas modalidades, destacando-se as


seguintes: - Sanções civis – têm por fim impor o cumprimento das obrigações
e ou o ressarcimento de danos morais e materiais causados por quem age em
violação das normas a que está obrigado. Traduzem-se, designadamente, na
reconstituição do interesse lesado, ou uma indemnização, destinada a cobrir os
prejuízos ou danos causado, - Sanções criminais (ou penais) – visam
responsabilizar o criminoso perante a sociedade em virtude de actos ou
omissões que violem normas imperativas de convivência social, podendo as
penas revestir-se as mais diversas formas: pena de multa, privação da
liberdade (pena de prisão), imposição de medidas de segurança,
indemnizações (nalguns casos), etc.; - Sanções disciplinares – traduzem-se
na aplicação de sanções a indivíduos pela violação de normas que disciplinam
a conduta no seio de organizações a que pertençam esses mesmos indivíduos.
As penas disciplinares podem ser de mera censura, pecuniárias (multas),
suspensivas (suspensões) e expulsivas (aposentação compulsiva e demissão).

Nas sanções jurídicas revela-se a coercibilidade que se traduz na associação


entre o Direito (Justiça) e a Força. Entretanto, não é imprescindível a utilização
da Força em todos os casos para se assegurar o cumprimento das normas
jurídicas. Com efeito, na maioria das vezes, o acatamento destas a acontece
de forma voluntária ou natural, sem a intervenção da Força.

b. Características

Características da norma jurídica A partir da própria definição acabada de


apresentar, podem extrair-se as características mais marcantes da norma
jurídica, que são:

a) Generalidade: Todos os cidadãos são iguais perante a lei, razão por que a
norma jurídica se aplica a todas as pessoas em geral. As normas jurídicas são
válidas para todos e a todos obrigam de igual forma;

b) Abstracção: As normas jurídicas aplicam-se a um número abstracto de


situações, a situações hipotéticas em que poderão enquadrar-se as condutas
sociais e não a um indivíduo ou facto concreto da vida social;

c) Imperatividade: As normas jurídicas são de cumprimento obrigatório;

d) Coercibilidade: As normas jurídicas podem impor-se mediante o emprego


de meios coercivos (ou da força) pelos órgãos estaduais competentes, em caso
de não cumprimento voluntário.

A norma jurídica, ao revestir as características de imperatividade e


coercibilidade, limita a liberdade do indivíduo, impelindo-o a conter os impulsos
pessoais e a eleger as condutas a seguir de modo a não pôr em causa a
liberdade dos outros e as bases de convivência social. Assim, para que a
norma jurídica possa ser observada efectivamente, a par da sua justeza
intrínseca, joga um papel importante a responsabilidade do indivíduo, que pode
levá-lo a ter uma conduta conforme ao direito. O acatamento voluntário ou
natural dos deveres jurídicos afasta a necessidade de coerção na aplicação da
norma jurídica.

e) Bilateralidade: O Direito existe sempre vinculado a duas ou mais pessoas,


atribuindo poder a uma parte e impondo dever à outra.

A regra jurídica deve reunir os três requisitos de validade: fundamento


(valor); eficácia social, em virtude de sua correspondência com o querer
coletivo (facto) e validade formal ou vigência, por ser emanada do poder
competente, com obediência aos trâmites legais (norma).

10 - VALIDADE, VIGÊNCIA E EFICÁCIA DA NORMA JURÍDICA OU DA LEI

a) Validade

Para ser considerada válida a norma jurídica precisa ter sido inserida no
sistema normativo seguindo as exigências previstas para a Técnica da
Formulação das normas jurídicas. Uma lei só terá validade se houver sido
submetida ao poder competente e passar por todos os trâmites da ou
procedimentos tais como a votação, promulgação e publicação da lei, na forma
prevista na Constituição. Essa primeira análise é denominada de validade
formal.

Além da validade formal, a norma jurídica necessita de que o seu conteúdo


esteja em sintonia com o sistema jurídico, ou seja, com as normas
hierarquicamente superiores a ela, não podendo ser contrária à Constituição.
Esta é denominada como validade material.

b) Vigência

A lei começa a vigorar em todo o país depois de oficialmente publicada. A


vigência é propriedade das regras jurídicas que estão prontas para propagar
efeitos, tão logo aconteçam, no mundo fáctico, os eventos que elas descrevem.
Isto é, sendo válida, a norma pode iniciar sua vigência, que é a aptidão para
produzir seus efeitos no mundo jurídico e no mundo fático. Segundo Paulo de
Barros Carvalho, “Vigorar é ter força para disciplinar, para reger, cumprindo a
norma seus objetivos finais”. Não se confundem vigência e validade. Validade é
a condição de estar a norma integrada ao ordenamento jurídico, formal e
materialmente. Vigência é a própria existência fáctica da norma no universo
jurídico, o que ocorre após sua publicação, ou seja, transcurso do período da
vacatio legis (vacância da lei).

c) Eficácia

A eficácia está relacionada com a produção de efeitos. Paulo de Barros


Carvalho divide este instituto em Eficácia Técnica, Eficácia Jurídica e Eficácia
Social. EFICÁCIA TÉCNICA quando a lei descreve factos que, uma vez
ocorridos, tenham aptidão de irradiar efeitos jurídicos. EFICÁCIA JURÍDICA
está presente quando os factos jurídicos desencadeiam as consequências que
o ordenamento prevê. Está relacionada com o facto de o Estado ter aparato
jurídico para fazer a norma ser cumprida. Isto é, se os agentes estatais têm
condições de fazer a norma ser exigida.

EFICÁCIA SOCIAL ocorre quando há produção concreta de resultados na


ordem dos factos sociais. A norma pode ser válida, estar em vigência, mas não
ter eficácia social. Isso pode ocorrer por dois motivos: a) impossibilidade
material ou ausência de condições (ex. norma que prevê obrigação de uso de
certo equipamento para certa atividade, mas que ainda não está disponível ou
acessível a todos os que devem observar, como aconteceu no início de
exigências como a de ponto eletrônico no trabalho ou de cadeirinha para
criança no automóvel); b) por desobediência a norma, quando a norma não tem
sucesso, ou no popular, quando a norma “não pega” (ex.: norma que prevê o
fim das sacolinhas plásticas nos supermercados). Exemplo, estipulação em
dólares em certos contratos de arrendamentos em Angola por vários anos.

11- CLASSIFICAÇÃO DA NORMA JURIDICA

1. Quanto à obrigatoriedade

Normas imperativas: possuem obrigatoriedade absoluta. Vale dizer, mandam


ou proíbem de modo incondicionado – não podem deixar de ser aplicadas.
Podem nos obrigar a fazer algo (preceptivas) ou a não fazer algo (proibitiva).

Normas dispositivas: também denominadas indicativas, são as que se limitam a


permitir determinado acto ou a suprir a manifestação da vontade das partes.
Podem ser subdivididas em: permissivas: Correspondem ao Direito
Faculdade. Ela nos permite fazer algo mas não nos obriga. “O estudante pode
desistir da prova dentro dos 15 minutes do início da prova” e supletivas:
aquelas que suprem a falta de manifestação da vontade das partes. Só se
aplicam quando os interessados não disciplinarem suas relações. Ex:
“comunhão de bens adquiridos”.

2. Quanto à sanção

Perfeitas: São aquelas cuja sanção consiste na nulidade automática ou na


possibilidade de anulação do ato praticado contra sua disposição. Violando
uma lei perfeita o ato praticado é nulo. Ex.: Contrato de algo ilícito.
Imperfeitas: ao contrário da perfeita, não prevê anulação do ato nem qualquer
outra penalidade quando são violadas. Não são dotadas de sanção, apenas
visam orientar ou dificultar determinados atos. Ex.: Direito à educação, saúde.
Mais que perfeitas: a sua violação acarreta nulidade do acto e ainda a
imposição de uma pena ou castigo. Ex.: Bigamia. Menos que perfeitas:
Aquelas cuja violação não provoca a nulidade do acto, mas traz uma
penalidade para o acto. Ex. compra e venda de Liamba.

3. Quanto à natureza de suas disposições

Materiais (substantivas) definem normas de conduta, estabelece sanções,


direitos, relações concretas da vida em sociedade: Ex. de direito civil, penal etc.

Processuais: assegura procedimentos para a aplicação do direito substantivo,


regula a existência de processos, como se inicial, desenvolvem e terminam,
desencadeados pelos aplicadores de direito. De Direito Processual, penal, civil,
laboral etc.

12- FONTES DO DIREITO

1. O problema das fontes de Direito

A palavra “fonte”, como uma metáfora tradicionalmente usada na Ciência do


Direito e, nesse sentido, a define tal como Harvarth: “extensão do termo, as
imediações do ponto de emergência de um curso d’água natural, o lugar onde
ele passa de invisível a visível, onde sobe do solo à superfície” (HARVATH
apud GUSMÃO, 2003, p.101).

Fonte do Direito seria “a forma que o pré-jurídico toma no momento em que se


torna jurídica a origem do Direito, ou seja, de onde ele provém” (GUSMÃO,
2003, p.101). Para Miguel Reale (1994, p.29) as fontes do Direito são os factos
jurídicos de que resultam normas, não sendo objetivamente a origem da
norma, mas o canal no qual ela se torna relevante. As fontes do Direito seriam
os modos de formação e revelação das normas jurídicas, o ponto de partida
para a busca da norma.

Entendamos que fontes de Direito são os meios pelos quais se formam ou se


revelam as normas jurídicas.

São várias as classificações das fontes do Direito. "A mais importante divide-as
em fontes directas ou imediatas e fontes indirectas ou mediatas.

Fontes directas ou imediatas são aquelas que, por si só, pela sua própria
força, são suficientes para gerar a regra jurídica”. São a lei, o Costume
Internacional e o Tratado Internacional.

Fontes indirectas ou mediatas são as que não têm tal virtude, porém
encaminham os espíritos, mais cedo ou mais tarde, à elaboração da norma.
São o costume, a doutrina e a jurisprudência, os usos, os princípios gerais do
Direito".

2. Fontes imediatas ou directas:

Como vimos, são fontes imediatas a lei, o costume internacional e o tratado


internacional.

A Lei: Para dirimir uma questão submetida à apreciação do Poder Judicial, a


primeira fonte de que se lança mão é a lei. Em países como o nosso, em que o
Direito é escrito, a lei assume papel de suma importância, figurando como a
principal fonte do Direito.

Lei é uma regra geral, que, emanando de autoridade (estadual) competente, é


imposta, coactivamente, à obediência de todos". Com efeito, ela caracteriza-se
por ser um conjunto de normas dotadas de generalidade, isto é, que se dirigem
a todos os membros da colectividade, sem exclusão de ninguém. A lei é ainda
provida de coacção, com o objectivo tornar induzir os indivíduos a não violar os
seus preceitos.

A mais importante das Leis é a Constituição, que contém as normas jurídicas


superiores, às quais se subordinam as normas contidas em leis e outros actos
legislativos e normativos.

Lei, em sentido restrito, é aprovada pelo Parlamento, órgão legislativo,


Assembleia Nacional.

A Constituição: o termo “Constituição” é definido por certos autores em vários


sentidos:

a) Como ordem de formação e funcionamento dos órgãos do poder do Estado,


independentemente da essência social do regime estatal estabelecido e sem
ter em conta as bases deste regime. Neste caso, a Constituição é entendida
como estrutura das sociedades que sempre está constituída de alguma
maneira (organização, relações sociais, políticas, ideológicas, etc.);

b) Como o procedimento da regulação jurídica das bases da vida do Estado.


Neste sentido, a Constituição é o conjunto de normas jurídicas que legalizam
as bases do sistema social e económico e da organização política da
sociedade.

c) Como a Lei Fundamental do Estado, como o acto que regula as bases da


vida estatal. Pode ser que o Estado não tenha a Constituição como uma Lei
Fundamental única, sistematizada. Porém, desde a aparição da burguesia,
existe sempre a Constituição no sentido do conjunto de normas que
consolidam as bases da organização social e estatal.

De acordo com diversos autores, nomeadamente Jorge Miranda, a


Constituição pode ser encarada de várias perspectivas, designadamente: a) –
Perspectiva formal - em que se atende à disposição das normas
constitucionais ou do seu sistema em face das demais normas ou do
ordenamento jurídico em geral. Assim, fala-se da Constituição em sentido
formal, como conjunto de normas formalmente qualificadas de constitucionais e
revestidas de força jurídica superior à de quaisquer outras normas;

b) – Perspectiva material - em que se atende ao objecto, conteúdo ou função


da Constituição. Assim, fala-se da Constituição em sentido material, como
conjunto de normas que se referem aos fins e titularidade do poder político,
órgãos que o exercem e direitos que o limitam.

As leis da Assembleia Nacional: leis ordinárias são consideradas atos


normativos primários, ou seja, criam, modificam e extinguem direitos seguindo
um processo legislativo e preceitos expressos diretamente na Constituição.

Lei em sentido amplo, a palavra lei ou legislação é empregada para indicar


quaisquer normas jurídicas escritas, sejam as leis propriamente ditas, oriundas
do Poder Legislativo, sejam elas decretos legislativos presidenciais, decretos
executivos, regulamentos, resoluções, Avisos do BNA, estatutos etc. (ver
designação no CRA).

O Tratado Internacional

O Tratado Internacional é o acordo de vontades entre estados e outros sujeitos


internacionais. Por força constitucional, os tratados fazem parte da ordem
jurídica. Para tanto, devem ser aprovados (a aprovação pode ser, consoante os
casos, da competência do Governo ou da Assembleia) e ratificados
(confirmados) pelo Presidente da República. Há diferentes tipos de Tratados:
tratados normativos (que definem normas ou regras de Direito), tratados-
contratos (que visam a realização de uma operação concreta, extinguindo-se
os seus efeitos com o término dessa operação), tratados colectivos (que
envolvem mais do que dois estados) e tratados particulares ou bilaterais
(que envolvem dois estados).

3. Fontes mediatas ou indirectas:

O Costume: Norma não escrita que resulta de prática reiterada e habitual,


acompanhada da consciência ou convicção colectiva acerca do seu carácter
obrigatório.

Nas sociedades primitivas, antes que se conhecesse a escrita, as normas se


traduziam pela repetição de práticas que se entranhavam no espírito social e
passavam a ser entendidas como obrigatórias ou normativas.

No Direito Romano, desde a fundação de Roma (753 a.C data presumível) até
meados do século V a.C, o costume foi a única fonte do direito. A Lei das XII
Tábuas surge como uma representação dos costumes. A partir de então os
costumes passam a desempenhar um papel menor no Direito Romano.

Apesar da predominância da lei como fonte em nosso ordenamento jurídico, o


costume desempenha papel importante, principalmente porque a lei não tem
condições de predeterminar todas as condutas e todos os fenômenos. O uso
reiterado de uma prática integra o costume.

Na verdade, as leis escritas não compreendem todo o Direito. Há normas


costumeiras, também chamadas consuetudinárias, que obrigam, igualmente,
ainda que não constem de preceitos votados por órgãos competentes.
Realmente, havendo lacuna na lei, não se segue que a ordem jurídica seja
lacunar, e então a questão será resolvida mediante recursos aos costumes, a
segunda fonte mediata do Direito.

A obediência a uma conduta por parte de uma colectividade configura um uso.


A reiteração desse uso forma o costume, que vem a ser a regra de conduta
criada espontaneamente pela consciência comum do povo, que a observa por
modo constante e uniforme, e sob a convicção de corresponder a uma
necessidade jurídica.

É o produto de uma elaboração entre os homens. O emprego de uma


determinada regra para regular determinada situação, desde que se repita
reiteradamente, quando igual situação se apresente de novo, constitui uma
prática, um uso, cuja generalização através do tempo leva a todos os espíritos
a convicção de que se trata de uma regra de Direito. Esse hábito que adquirem
os homens de empregar a mesma regra sempre que se repete a mesma
situação, e de segui-la como legítima e obrigatória, é que constitui o costume.

Nestas condições, e como pondera Ricardo Teixeira Brancato, "algumas


normas há em nossa sociedade que, embora não escritas, são obrigatórias.
Tais normas são ditadas pelos usos e costumes e não pode deixar de ser
cumpridas, muito embora não estejam gravadas numa lei escrita. Aliás, mais
cedo ou mais tarde determinados costumes acabam por ser cristalizados em
uma lei, passando, pois, a integrar a legislação do país.

Para que um costume seja reconhecido como fonte de Direito deve reunir
determinados requisitos. Assim, é preciso: a) que seja contínuo (factos
esporádicos, que se verificam vez por outra não são considerados costumes);
b) que seja constante (a repetição dos factos deve ser efectiva, sem dúvidas,
sem alteração); c) que seja moral (o costume não pode contrariar a moral ou os
bons hábitos, não pode ser imoral); d) que seja obrigatório, isto é, que não seja
facultativo, sujeito a vontade das partes interessadas".

Os Usos por serem práticas reiteradas, sem a convicção de obrigatoriedade,


urge a questão de saber se todos os usos são fontes de direito. A propósito, a
resposta deve ser negativa. Neste sentido, surge outra questão de saber como
podemos saber ou determinar que um determinado uso é fonte de Direito?

De facto, é o Código Civil, no seu art.º 3.º n.º 1, que leva a saber, quando este
dispõe que “os usos que não forem contrários aos princípios da boa fé são
juridicamente atendíveis quando a lei o determinar”. Desta feita, entende-se
que os usos serão considerados fontes mediatas do direito aqueles que, não
sendo contrários à boa-fé, a lei comercial determina a sua relevância jurídica.

Concretizando, temos algumas disposições e normativas que assim se


enquadram no âmbito do critério acima referido: o art.º 32.º do CCom “não
havendo acordo no mandato comercial oneroso quanto à remuneração do
mandatário, o montante será fixado de acordo com os usos da praça onde for
executado o mandato; o art.º 404.º do CCom, relativamente ao depósito, a
remuneração do depositário pelos usos da praça onde o depósito tiver sido
constituído; o art.º 373.º do CCom – na falta de guia de transporte, a realização
do transporte é determinada pelos usos comerciais, temos outros exemplos de
usos: os art.ºs 238.º, 271.º, 382.º, 399.º todos do CCom.

A Doutrina

Do latim, docere (ensinar, instruir, mostrar), em sentido jurídico a doutrina é


entendida como o conjunto de princípios explanados nos livros de Direito, onde
se materializam teorias e analisam interpretações quanto às ciências jurídicas.
Savigny denominava doutrina como "Direito científico" ou "Direito dos juristas".

É o conjunto de opiniões, estudos e pareceres jurídicos elaborados por


professores e técnicos de Direito de reconhecida competência sobre a forma
adequada e correcta de aplicar, articular e interpretar as normas jurídicas.

Não possui carácter vinculativo; a doutrina resulta de investigações e reflexões


teóricas e de princípios metodicamente expostos, analisados e sustentados
pelos autores, tratadistas, jurisconsultos, no estudo das leis.

Como salienta Caio Mário da Silva Pereira, "em determinadas fases da cultura
jurídica sobressaem escritores, a cujos trabalhos todos recorrem de tal forma
que as suas opiniões se convertem em preceitos “obrigatórios ”... Com efeito, é
de grande valor o trabalho dos doutrinadores na elaboração e na aplicação do
direito objectivo, já que, analisando criticamente as diferentes opções jurídicas,
apontando as falhas, os inconvenientes e defeitos da lei vigente, ajuda o
legislador na feitura de lei mais perfeita e o aplicador do direito na procura das
soluções mais adequadas aos casos em apreço.

A Jurisprudência

A palavra Jurisprudência é derivada do latim ius (direito) e prudentia


(sabedoria), ou seja aplicação do direito com sabedoria, devendo ser entendida
como a forma de revelação do direito através do exercício da jurisdição,
mediante uma sucessão de decisões harmônicas (em um mesmo sentido) dos
tribunais, aplicadas a casos concretos que apresentem similitude.

A Jurisprudência é o resultado da actividade jurisdicional, atribuída aos


magistrados por força da jurisdição (juris + diccio - dizer o direito = poder legal
dos magistrados de conhecer e julgar os litígios). A Jurisprudência evidencia-
se, pois, através de regras gerais que se extraem das reiteradas decisões de
tribunais (em geral, de maior hierarquia) num mesmo sentido, numa mesma
direcção interpretativa. Sempre que uma questão é decidida reiteradamente no
mesmo modo surge a jurisprudência. Como fonte indirecta do Direito, não
vincula o juiz, mas costuma dar a este importantes subsídios na solução de
cada caso.

A Jurisprudência é um conjunto de regras gerais e orientações que se retiram


das decisões judiciais emanadas dos tribunais da mais alta hierarquia para
efeitos de consideração ulterior no julgamento de casos semelhantes
submetidos a outros tribunais de igual ou menor nível. Com efeito, as
sentenças ou acórdãos dos tribunais superiores sobre determinados casos
servem de referência no julgamento de casos idênticos, contribuindo para uma
interpretação e aplicação uniformes (ou tendencialmente uniformes) das
normas jurídicas.

Os princípios gerais de Direito

A Ciência Jurídica costuma enunciar ainda como Fonte de Direito os chamados


Princípios Gerais do Direito, que são os pressupostos lógicos em que se
baseiam as diferentes normas jurídicas. No seu livro “Lições preliminares de
Direito”, Miguel Real considera que os princípios gerais do Direito são
enunciações normativas de valor genérico, que condicionam e orientam a
compreensão do ordenamento jurídico em sua aplicação e integração ou
mesmo para a elaboração de novas normas. Podem considerar-se como os
alicerces do ordenamento jurídico, informando o sistema independentemente
de estarem formalizados na norma legal. Assim, admitem-se como princípios
gerais.

• Não condenar alguém se não se pode provar sua culpa, na dúvida, não se
condena.

•A ninguém é permitido causar dano a outrem e, se o fizer, deverá indemnizá-


lo;

•Não se pode punir ninguém pelos seus pensamentos;

•Não há crime nem criminoso se não houver lei anterior que o prescreva como
tal.

Assim, o da dignidade da pessoa humana, o da justiça, da igualdade, da


equidade, da liberdade, da legalidade.

11. RAMOS DO DIREITO

1. Direito Internacional e Direito Interno.

Direito Internacional

Conjunto de regras e princípios que regulam relações entre os sujeitos


internacionais (os Estados, Organizações Internações, entidades).
Características:

• Descentralizado, sem órgão central como órgão legislativo.

• Não há uma hierarquia (não norma maior: constitucional);


• Coercitivo;

• Coordenação (os Estados vivem em igualdade);

• Consenso; Jurisdição mediante consenso;

• Dirigido para a sociedade internacional.

Direito Interno.

• Centralizado (a norma parte de um lugar – legislativo, executivo);

• Hierárquico (há uma norma maior que rege todas as outras);

• Coercitivo e punitivo;

• Subordinação (as normas jurídicas se subordinam e o cidadão está


submetido a essas normas);

• Representação da maioria (criadas as normas pela maioria


representativa);

• Jurisdicionáveis (todos nos submetemos ao tribunais – Jurisdição


obrigatória);

• Dirigido para a sociedade de cidadãos.

2. Direito Internacional Privado

Conjunto de regras de Direito Interno que objetiva solucionar os conflitos de lei


originários de Estados diversos, indicando, em cada caso que se apresente, a
lei competente a ser aplicada (Luiz Ivani de Amorim Araújo) .

Faz parte do direito interno de cada país, aplica-se às situações


plurilocalizadas (mais de um ordenamento jurídico).

Conjunto de normas que apontam o ordenamento jurídico aplicável a um


determinado facto em regra.

São normas indiretas, ou seja, são aquelas que apontam o ordenamento


jurídico que será aplicado a determinada situação.

O DIP é aplicável quando houver um elemento de conexão (estrangeiro) no


facto (domicílio, nacionalidade, localização do bem (lex loci), o foro (lex fori).

O DIP refere-se à aplicação da lei, seja nacional ou estrangeira, a um caso


concreto.

3. Direito do Comércio Internacional


O Direito do Comércio Internacional tem como objeto de estudo toda a
atividade mercantil internacional, abrangendo todas as áreas do direito
comercial e do direito industrial, caracterizando-se como um verdadeiro direito
econômico, mais amplo, que inclui o direito monetário-cambial, o direito
financeiro, o direito fiscal, em síntese, faz parte do direito internacional
econômico.

Fontes principais:

• As Convenções Internacionais, ex.: a Convenção de Viena sobre


Compra e Venda Internacional de mercadorias de 1980 e a Convenção
do BIRD para Solução dos Litígios Relativos a Investimentos entre
Estados e Nacionais de outros Estados de 1965.

• Direito costumeiro ou consuetudinário, as práticas e usos comerciais de


determinados sectores mercantis, como é o caso, entre outros, dos
Incoterms, dos Créditos Documentários.

• Os contratos- tipo, ou standards, que são regulamentações ou formulas


de contratos, padronizadas com inúmeros pontos em comum, somente
se diferenciando nas particularidades de cada ramo de comércio. São
elaborados por organizações ou associações internacionais que buscam
uniformizar a prática comercial. Como exemplo, a London Corn Trade
Association para o comércio de trigo que fornece cerca de 60 contratos-
tipo

4. Direito Público e Direito Privado

É discutível a divisão do Direito entre Direito Público e Direito Privado. A


distinção entre Direito público e Direito privado tem sido polémica ao longo dos
tempos, sendo vários os critérios propostos pelos vários autores de que se
destacam: Critério da natureza dos interesses, Critério da qualidade dos
sujeitos, Critério da posição dos sujeitos na relação jurídica. Esta ultima
tem maior consenso.

Direito Público:

Direito constituído por um conjunto de normas que regulam relações em


intervenham o Estado ou outro ente público, doptado de ius imperii. Tem
ramos, designadamente o Direito Constitucional (tem por objecto fixar a
estrutura do Estado e estabelecer os direitos fundamentais da pessoa
humana); o Direito Administrativo (que estabelece os preceitos relativos à
administração pública), o Direito Penal (que define as condutas criminosas,
visando preveni-las e reprimi-las), o Direito Financeiro (que cuida da
organização das finanças do Estado), o Direito Processual Civil e Penal, (que
tratam da realização da Justiça, regulando o processamento das acções
perante o Poder Judicial) Direito Tributário (tem por objecto de estudo o
conjunto de normas que regulam a actividade de arrecadação das receitas,
efectuada essencialmente através de impostos (prestações unilaterais
estabelecidas por lei e calculadas com base nos rendimentos auferidos pelos
cidadãos e entregues ao Estado) e taxas (prestações efectuadas pelos
cidadãos como contrapartida de serviços que lhes são prestados pelo Estado
ou pela utilização de bens do domínio público), Direito Fiscal (que se ocupa do
sistema de normas jurídicas que disciplinam as relações de imposto e definem
os meios e processos através dos quais se realizam os direitos emergentes
daquelas relações). Direito Económico (que se ocupa do estudo do conjunto
de normas jurídicas reguladoras das relações de realização e de direcção da
actividade económica, tendo em vista a produção e a distribuição de bens e a
prestação de serviços susceptíveis de satisfazer as necessidades de
subsistência e desenvolvimento da sociedade).

Direito privado

É constituído por normas que regulam as relações que se estabelecem entre


os cidadãos, entre estes e o estado ou qualquer ente público, desde que seja
despido de ius imperii.

O Direito Privado, por seu turno, compreende, essencialmente, o Direito Civil


(regula os direitos e obrigações de ordem privada concernentes às pessoas,
aos bens e às relações que as pessoas estabelecem entre si e a respeito dos
bens: dto das obrigações, dtos reais, dto da família, dto das sucessões,
especializações: dto do autor, dto das associações, dto do trabalho) e o
Direito Comercial (que regula a profissão dos comerciantes, seus actos ou
contratos = especializações: dto marítimo, bancário, dos seguros, propriedade
industrial, dos transportes, do consumo).

Com o fenómeno de iuspublicização e iusprivatização, a divisão dto publico


e privado tem sofrido influências mútuas (dto do trabalho e dto administrativo
em matéria dos contratos). Ademais, dado o fenómeno de convergência (dto
publico e privado a caminharem no mesmo sentido), há certos ramos do direito
que não cabem nos limites formais da distinção entre dto público e dto privado.
Ex: o Dto do Ambiente, o Dto do Ordenamento do Território. Incluímos neste
tópico O Direito internacional privado.
12. A INTERPRETAÇÃO DA LEI

1. Necessidade de interpretação

Antes de se aplicar a lei, ou qualquer norma jurídica), há que interpretá-la, para


se ter uma clara percepção do sentido e alcance do que nela se contém, ou
seja, do pensamento do legislador.

2. Fim da interpretação

A interpretação da lei é o processo técnico-jurídico que visa determinar qual o


conteúdo e alcance das normas jurídicas.

3. Sujeitos da interpretação da Lei

São os aplicadores de direito: juízes, advogados, administração pública, como


notários, registo civil, comercial, predial, bairro fiscais etc.

4. Formas de interpretação quanto a sua origem e valor

Atendendo ao critério da fonte ou origem da interpretação, esta pode ser


autêntica ou doutrinária:

i. Interpretação autêntica - É uma interpretação que é feita pelo próprio


órgão que criou a norma (não pode ser feita por um órgão de hierarquia
inferior) e deve assumir a mesma forma de acto que a utilizada na
produção da norma que ora se interpreta.

ii. Interpretação doutrinal - É uma interpretação feita por especialistas e


técnicos de Direito, como os magistrados, juristas, assim como pelos
tribunais, fazendo uso da doutrina e da ciência jurídicas.

5. Elementos da Interpretação

Elemento literal – atende-se à letra da lei, ao sentido das palavras que a


compõem;

Elemento lógico. – Vai-se explorar todas as possibilidades de análise do texto


legal, para se determinar a razão de ser das normas, o espírito da lei;
Elemento sistemático – Tem-se em conta a norma não numa perspectiva
isolada mas sim no âmbito do sistema em que a norma está inserida;

Elemento histórico – Para se interpretar bem a norma, deve-se considerar o


contexto histórico em que a mesma foi adoptada, sendo para isso importante a
consulta dos documentos que fazem parte dos trabalhos preparatórios do
diploma.
Formas de interpretação quanto ao resultado

a) Interpretação declarativa - É um método de interpretação em que o


intérprete entende que o sentido da norma está de acordo com o respectivo
texto.

b) Interpretação extensiva - É um método através do qual se faz uma


interpretação de modo a corrigir a não conformidade entre a letra da norma e o
pensamento do legislador, no entendimento de que este expressou na lei
menos do que queria, não abarcando todas as situações que caberiam
razoavelmente no seu pensamento. Assim, o intérprete alarga o alcance da
norma de modo a abarcar essas situações, adequando-se, assim, a letra da
norma ao pensamento do legislador.

c) Interpretação restritiva - É um método através do qual se faz uma


interpretação de modo a corrigir a desconformidade existente entre a letra da
norma e o pensamento do legislador, no entendimento de que este expressou
na lei mais do que queria, usando uma formulação demasiado ampla que foi
além da realidade que pretendia abarcar. Assim, o intérprete restringe ou reduz
o alcance da norma de modo a abarcar apenas as situações que caberiam
razoavelmente no pensamento do legislador.

Espécies de interpretação

Subjectivismo e objectivismos na interpretação da Lei

a) Interpretação subjectivista - É um método de interpretação através do qual


se procura reconstituir o pensamento concreto do legislador.

b) Interpretação objectivista - É um método de interpretação em que se


busca apurar o sentido da norma abstraindo-se de quem foi o legislador ou de
quem produziu essa norma.

13. INTEGRAÇÃO DA LEI

Lacunas na lei são os casos omissos no sistema normativo (de ausência de


normas aplicáveis a certas situações). De facto, o legislador não consegue, por
mais previdente que seja, prever todas as hipóteses que podem ocorrer na vida
real. Esta, em sua manifestação infinita, cria a todo instante situações que o
legislador não lograra fixar em fórmulas legislativas.

Contudo, é proibida a denegação de justiça por parte do Juiz.

Na integração de lacunas, o juiz deve começar por procurar no ordenamento


jurídico uma norma que embora não regule especificamente a situação em
causa, possa contudo ser-lhe aplicável em virtude da semelhança da situação
regulada pela mesma norma. Deste modo, estará a aplicar a analogia. A
analogia é, pois, a aplicação ao caso omisso a norma reguladora de um caso
semelhante (análogo).

Espécies de analogia

Analogia legis (legal) – é aplicação de uma norma legal estabelecida para um


caso afim, ao fato pelo qual não há regulamentação.

Analogia juris (jurídica) – essa analogia implica em recurso mais amplo, isto
é, na ausência de regra estabelecida para o caso sub judice, o juiz recorre aos
princípios gerais do direito.

Limites à admissão da analogia

Há casos em que não é aplicável a analogia nem, por conseguinte, a


integração de lacunas. Como os casos de:

a) Leis excepcionais - que regulam um sector particular das relações sociais


de modo diverso do regime geral adoptado para relações situações do mesmo
género (ora, nas situações excepcionais reguladas pelo Direito, a ausência de
norma de excepção não é susceptível de suprimento por analogia);

b) Leis penais - que se regem pelos princípios da legalidade e da tipicidade,


nos termos dos quais não é possível condenar ninguém por condutas e ou com
penas não previstas expressamente na lei;

c) Leis tributárias (normas do Direito Fiscal ou Tributário) - ninguém é


obrigado a pagar impostos que não tenham sido criados nos termos da lei.

14. APLICAÇÃO DAS LEIS NO ESPAÇO

Quanto à vigência das normas jurídicas no espaço, vigora o princípio básico da


territorialidade, isto é, a lei é ditada para reger no território de um determinado
Estado. Todavia, em determinadas situações, as normas jurídicas podem ter
um alcance maior em termos de aplicação espacial, casos em que se revestem
da característica de extraterritorialidade, ou seja, podem aplicar-se a cidadãos
ou organizações que se encontrem fora do território do Estado em questão.

Acontece também que, em certos casos, se admite a aplicação num Estado de


lei estrangeira. Tal ocorre fundamentalmente se o ordenamento jurídico do país
assim o permite e se a aplicação da lei não põe em causa o princípio da
“ordem pública internacional”. Tal como ensina o Direito Internacional Privado,
a eficácia extraterritorial das leis depende de sua natureza.

Assim, e em termos sucintos:

a) As leis pessoais (que se referem à cidadania, nacionalidade, domicílio,


residência, sede) são leis que se aplicam a todos os nacionais ou domiciliados
de um país onde quer que vão ou se encontrem. É o princípio da personalidade
das leis: estas “perseguem” as pessoas lá onde se encontrem. Referem-se a
tipos legais como a capacidade ou a incapacidade, o estado civil, as relações
de família, as relações de direito sucessório.

b) As leis voluntárias, que são aquelas que se ditam para produzir efeitos no
território mas que podem produzir efeitos fora desse território quando as partes
contratantes assim o estipulam. Por exemplo: num contrato de prestação de
serviços, as partes, que podem ser de distintos países, podendo estipular que
em caso de controvérsia na aplicação das cláusulas contratuais.

Já as leis territoriais, que, como vimos, se aplicam a todas as pessoas que se


encontrem no território do respectivo Estado, sejam eles cidadãos, estrangeiros
ou apátridas, obedecem ao princípio da territorialidade, ou, por outro, não têm
eficácia extraterritorial. Variam segundo os Estados e referem-se a tipos legais
ou normas de direito constitucional, penal, processual e, em parte, de direito
civil.

15. APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO

As normas de Direito aplicam-se às condutas humanas e às relações sociais


que têm lugar em determinados contextos temporais.

Assim como começam a ser aplicadas, as normas jurídicas deixam de ter


vigência ou aplicação no tempo, ou seja, extinguem-se com o tempo os seus
efeitos. A cessação da vigência das normas jurídicas pode verificar-se por
caducidade ou revogação.

A caducidade é a forma de cessação de vigência das leis pelo decurso tempo


(do respectivo período de eficácia), pelo desaparecimento do objecto ou fim a
que se destina ou em virtude de se tornar obsoleto, insusceptível de regular
eficazmente as situações.

A revogação das normas jurídicas consiste na manifestação da vontade do


legislador, através de uma nova lei, de igual ou superior hierarquia, no sentido
de as normas anteriormente vigentes deixarem de produzir efeitos. A
revogação das leis pode ser expressa ou tácita. Há revogação expressa,
quando a lei nova declara, de forma explícita, que a lei anterior deixa de vigorar
no seu todo ou em parte, indicando, no segundo caso, as normas jurídicas
abrangidas pela revogação. Há revogação tácita, quando o legislador nada diz
sobre a cessação da vigência de uma lei ou normas jurídica, mas essa
cessação se depreende, inequivocamente, do conteúdo da lei nova ao regular
de modo diferente a totalidade ou parte das matérias contidas na lei anterior, ou
seja, a vontade revogatória do legislador se infere (ou se depreende) das
diferentes soluções que adoptou na nova lei.

A revogação das leis pode ainda ser total ou parcial, conforme a lei nova
tiver alterado global ou parcelarmente a lei anterior, respectivamente. Uma e
outra destas formas de revogação podem ser, igualmente, expressas ou
tácitas. A revogação total também costuma designar-se por ab-rogação,
enquanto a revogação parcial chamar-se de derrogação.

16.O DIREITO E A ECONOMIA

d) Relação entre a Economia e o Direito.

Economia é entendida como a ciência social que observa de que forma a


sociedade decide aplicar recursos produtivos escassos na produção de bens e
serviços, para distribuí-los entre as várias pessoas e grupos da sociedade, com
o objetivo de atender as necessidades humanas (VASCONCELLOS; GARCIA,
2012, p. 2 citado abaixo). Estuda “como pessoas, empresas, governos e outras
organizações de nossa sociedade fazem escolhas e como essas escolhas
determinam a forma como a sociedade utiliza seus recursos” (STIGLITZ;
WALSH, Introdução à microeconomia. trad. de Helga Hoffmann. 3 ed. Rio de
Janeiro: Elsevier, 2003, p. 8).

De facto, o conhecimento de institutos econômicos e do funcionamento dos


mercados contribui para a aproximação das normas jurídicas à realidade
econômica. Outrossim, o ordenamento jurídico exerce influência sobre o
comportamento dos agentes econômicos.

A integração Direito e Economia surgiu na América do Norte e atinge de


forma crescente todo o mundo (50 anos atrás). A correlação entre o Direito e a
Economia tornou-se notória nos Estados Unidos e a disciplina passou a incluir
a grade curricular do curso de Direito das mais destacadas Universidades
(COOTER; ULEN, Direito & economia. Porto Alegre, Bookman, 2010).

No que se refere à interação entre o Direito e a Economia, afirma-se que a


análise conjunta destas especialidades detém como importante marco a obra
de Roland Coase. O advogado norte-americano ganhou o Prêmio Nobel de
Economia no ano de 1991 (VASCONCELLOS; GARCIA, 2012, p. 41, citado
abaixo). Ele propiciou relevante crítica em relação à ortodoxa análise
econômica ao evidenciar que, “ao contrário do que inferem os neoclássicos
tradicionais, as instituições legais impactam significativamente o
comportamento dos agentes econômicos”.

Com efeito, a Economia centra-se na análise da alocação de recursos e no


emprego destes de modo mais eficiente para os indivíduos, para as empresas
e à sociedade (STIGLITZ; WALSH, ob. cit. p. 08).

Alguns economistas acreditam que as decisões acerca da alocação de


recursos podem ser mais eficientes conforme a quantidade e amplitude das
regulamentações do mercado, pois estas normalmente ensejam restrições.

Além disso, entendem que tais regulamentações quando existentes devem


deter a maior estabilidade e o menor grau de interferências possíveis, sob o
argumento de que a instabilidade e a insegurança provenientes de diferentes
decisões judiciais reduzem a oferta e crédito e aumentam a taxa de juros.
Desta forma, a análise de aspectos legais dissociados dos aspectos dos
sistemas econômicos pode não ser suficiente e, em determinados casos, tende
a prejudicar a sociedade.

Na sua essência o Direito é verbal, hermenêutico, almeja a justiça e analisa


questões sob o enfoque da legalidade. A Economia, por sua vez, embora
também verbal, é primordialmente matemática, almeja ser científica e
examina questões tendo em vista o custo (SALAMA, 2008, p. 49).

Roland Coase tratou das externalidades – impactos econômicos – positivas e


negativas acerca do consumo e produção, indagando se determinado indivíduo
teria o direito de prejudicar outro e como refrear sua ação quando prejudicial.
Como exemplo, o autor examina o caso de uma fábrica que polui um rio.
Primeiramente, se o bem produzido pelo empreendimento, apesar da poluição
ocasionada, é mais eficiente para a comunidade na medida em que gera
empregos e impostos do que a cessação das atividades da fábrica (apud
PINHEIRO; SADDI, 2005, p. 106).

Assim, a lei pode conceder o direito de poluir e permitir o dano causado,


todavia, impondo condições como a instalação de filtros para atenuar os efeitos
da poluição. Observa-se desse modo uma conexão entre o Direito com os
fundamentos da Economia dos custos de transação.

Ademais, o Direito muitas vezes preocupa-se com o retorno ao status quo ante,
ao passo que a Economia focaliza o futuro para se antecipar. Por isso, as
referidas diferenças normalmente acarretam dificuldades no diálogo entre
operadores do Direito e economistas.

Todavia, consoante Bruno Meyerhof Salama, o Direito e a Economia


apresentam pontos comuns, pois ambos procuram solucionar problemas de
coordenação, estabilidade e eficiência na sociedade (2008, p. 49). Os Preceitos
jurídicos relativos aos custos do processo litigioso, normas legais e
constitucionais acerca da responsabilidade civil, direitos de propriedade e
direitos contratuais, influenciam o crescimento econômico e constituem apenas
alguns exemplos da relação entre o Direito e a Economia.

A globalização, também caracterizada pelo processo de integração econômica


internacional que envolve contratos e regulamentações, ressalta a necessidade
de integração entre as disciplinas.

Em razão da concorrência no mercado internacional desencadeada pela


globalização, o Direito, ao regulamentar a produção de bens e a prestação de
serviços, e a Economia, ao buscar formas ou modelos econômicos adequados
a um melhor desempenho diante da competição, encontram-se em progressivo
intercâmbio.

Assim, fica demonstrado que um apropriado tratamento jurídico também


pode derivar da análise de questões econômicas. Por outro lado, um
tratamento econômico adequado do mesmo modo requer sejam
ponderadas as questões jurídicas, “para não correr o risco de chegar a
conclusões equivocadas ou imprecisas, por desconsiderar os constrangimentos
impostos pelo Direito ao comportamento dos agentes
econômicos” (ZYLBERSZTAJN; SZTAJN, 2005, p. 3).

Portanto, é de destacar que o estudo da Economia e do Direito são


complementares e não excludentes.

e) O sistema económico e as regras de Direito.

Segundo Vasconcellos, a busca pela solução dos problemas econômicos


fundamentais ocorre conforme o sistema econômico adotado por cada país.
Sistema econômico corresponde a forma de organização econômica para a
produção, distribuição e consumo, podendo ser classificado em: sistema
capitalista, também chamado de economia de mercado, ou sistema
socialista, por vezes denominado de economia centralizada. Algumas
nações se organizaram adotando uma forma intermediária entre estes dois
sistemas (Marco Antonio Sandoval de; GARCIA, Manuel Enriquez.
Fundamentos de economia. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 4).

A partir das questões concernentes aos problemas econômicos fundamentais,


observa-se que as decisões econômicas se relacionam a um juízo de valor,
pois decorrem de decisões humanas admitindo diversos modos de
interpretação e diferentes correntes de entendimentos econômicos (ob. cit., p.
3).

Sob este prisma destaca-se também a congruência entre o Direito e a


Economia, competindo ao ordenamento jurídico (leis, regulamentos,
decretos, despachos, avisos e directivas do BNA, estatutos, contratos etc…)
nortear a aplicação das ferramentas da política econômica, pois constitui dever
do Estado a promoção do bem-estar e da justiça sociais tanto sob o aspecto
econômico como sob o aspecto jurídico.

Segundo Robert Cooter e Thomas Ulen, “a análise econômica do direito é um


assunto interdisciplinar que reúne dois grandes campos de estudo e facilita
uma maior compreensão de ambos” (COOTER; ULEN, ob. cit., p. 33).

A convergência dos fundamentos da Economia e dos fundamentos do Direito


oferece a compreensão do real sentido e da razão de ser da norma jurídica,
pois a empresa, como agente econômico e como sujeito de relações
jurídicas, assume importante papel social. A regulamentação jurídica pode
influenciar empreendimentos econômicos a fim de promover o desenvolvimento
e a mudança social (idem).

A almejada justiça social, cuja busca encontra-se constitucionalmente traçada,


insere-se na ordem econômica e na ordem social, de modo que sua realização
necessariamente detém implicações econômicas e sociais (idem).

Segundo Vasconcellos e Garcia “as normas jurídicas buscam, em última


análise, regular as atividades econômicas, no sentido de tornar os mercados
eficientes (função alocativa) e buscar melhor qualidade de vida para a
população como um todo (função distributiva) (ob. cit. p. 42)

Disponível: https://ambitojuridico.com.br/edicoes/revista-107/

Fim da matéria

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