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APONTAMENTOS DE INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO

TEXTOS RECOMENDADO PELO PROFESSOR ERNESTO KAMBALI

Introdução:
a) Objecto da Introdução ao Estudo do Direito
Fornece conhecimentos básicos, gerais e comuns a qualquer área do Direito.
Estuda noções fundamentais para a compreensão da ciência jurídica, isto é,
diversos conceitos científicos utilizados no Direito, com finalidades
pedagógicas.

A Introdução ao Estudo do Direito leva o estudante a uma visão global da


linguagem jurídica, de todo o conteúdo existente na área do Direito, que é difícil
obter através do estudo isolado das disciplinas/ou ramos do Direito.
b) O que é o Direito?

O termo “Direito”, genericamente, significa tudo aquilo que tem especiais


atinências com o iustum (justo, exacto, o devido). Intuitivamente a palavra
direito nos outorga a noção do que é certo, correcto, equânime (Jean Patrício
da Silva, 2014)1.
Etimologicamente2, o termo Direito vem do latim “Directum” do verbo
“dirigere” (dirigir, orientar, endireitar), significando aquilo que é “direito” ou
“conforme à razão”. “Directum” não deriva de “derectum” (de-rectum =não
torto), mas houve um tempo em que “derectum” e “directum” eram usadas ao
mesmo tempo, indistintamente, chegando-se até a confundir o significado das
duas palavras. Com efeito, os lexicógrafos (Batista e Costa, 2006, p. 36)
corroboram com essa explicação, que a palavra direito se origina da palavra
latina directus, do verbo dirigere e significa algo que está conforme ou em
sintonia com a regra, no caso, com a lei.

Como dizia Cretella Jr. (2009, p. 17), na sua obra “Curso de Direito Romano”:
“Não conheciam os antigos romanos a palavra direito. O vocábulo cognato e
etimológico deste – directus – era um adjetivo que significava: aquilo que é
conforme a linha reta.

Historicamente, o termo que traduz o nosso actual direito é, em latim, o


vocábulo “jus”. O vocábulo jus pertence à mesma raiz do verbo “jubere”, isto
é ordenar, e substantivado, “Jus” significa o ordenado, o sagrado,
o consagrado. Entretanto, as opiniões de diversos juristas e linguistas são
divergentes, uma das explicações para a origem da palavra “jus” (indo-
europeia) é que ela provém do termo Sânscrito “yeus” (yu?). Com efeito, com
a expansão do império romano, consequentemente, do latim por toda a

1
Instituto de Educação Superior da Paraíba, Brasil.
2
Jéssica Cavalcanti Barros Ribeiro e Guilherme Sabino nascimento Sidrônio de Santana, outro,
Introdução ao Estudo do Direito, disponível em https://conteudojuridico.com.br/consultas/artigos

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APONTAMENTOS DE INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO
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Europa, verificou-se a transição do termo “jus” para o termo “ius” (séc. III
a.C.).
Sublinhar que o termo “Ius” não é procedente da palavra “Iustitia” (deusa
romana da justiça), “Iustitia” é quem produz o “ius”, é ela quem produz o
Direito, “ius” é o ordenamento de “Iustitia”. Portanto, o termo Direito é
equivalente do latim “ius”, iuris, que, do Latim popular, remete-nos à palavra
“jus”, Latim clássico.
Outrossim, o termo “ius” com o significado de “Direito” que utilizamos hoje
começou pelos juristas romanos: Ulpianus (228) e Paulus (226), segundo o
testemunho do Digesto (ver Corpus Iuris Civilis, justinianus = 530 a 565). Ius,
chama-se assim porque vem de “Iustitia”, como definido por Celsus3, Ulpiano
define o direito como a arte do bom e do justo. Porém, os romanos usaram o
termo ius com muitos e múltiplos significados. Por exemplo:

 D.1.1.1pr. (livro, titulo, fragmento, paragrafo) (Ulp. 1 inst.): Celsus definit,


ius est ars boni et aequi: direito como ciência, saber jurídico
 D.50.17.54 - Nemo plus iuris transferre potest quam ipse habet
“Ninguém pode transferir mais direito do que ele próprio tem”: direito
como poder, faculdade;
 D.5.2.17.1 – “ius fieri ex sententia iudicis”: o direito determina-se bem
por uma sentença do juiz – direito com o significado de “iussum”=
ordem, realidade justa – aquilo que os romanos designavam por “natura
rerum” = natureza das coisas.
 Lei das XII tábuas4 – “Si in ius vocat, ito”= se alguém é chamado ao
Tribunal, vai”.
Contudo, com estes muitos e múltiplos significados, os Romanos apontavam
para duas acepções: usavam “ius” (Direito) ora para indicar o direito
objectivo ora para indicar o direito subjectivo.

Direito objectivo - É o conjunto de regras gerais, abstractas e imperativas,


vigentes num determinado momento, para reger as relações humanas, e
impostas, coactivamente, à obediência de todos. Ou seja, podemos definir o
Direito como sendo um conjunto de normas jurídicas
necessárias/imprescindíveis à convivência do Homem em sociedade, fundadas

3
Celso fez parte do conselho do imperador Adriano (Publius Aelius Hadrianus, 117 a 138 DC). Ulpiano foi
o primeiro assessor do prefeito do pretório Papiniano, durante os governos de Septímio Severo e
Caracala. Depois do assassinato de Caracala em 217, o seu sucessor, imperador Heliogábalo passou a
perseguir Ulpiano. Já o sucessor de Heliogábalo, Alexandre Severo, o tornou encarregado de
suprimentos e comandante da guarda pretoriana em 222, sendo o principal conselheiro do imperador.
Impopular com a guarda pretoriana, por ter diminuído seus privilégios concedidos por Heliogábalo,
Ulpiano foi morto pelo liberto Epagate, sob o olhar de Alexandre Severo, no final de 223.
4
Primeiro trabalho de codificação das leis que vigoravam na era da Monarquia (surgiu 451, 449?), feito
por um colégio de 10 magistrados Formava o cerne da constituição da República Romana e do mos
maiorum (antigas leis não escritas e regras de conduta).

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na ideia de justiça e que na coercibilidade encontram uma importante condição


de eficácia (António Santos Justo). Direito em sentido jurídico. Pode ser
estudado atendendo a várias disciplinas jurídicas. “O direito Português…” 5 –
law.
Com efeito, existem diversas Disciplinas Jurídicas6:

História do Direito – analisa a formação e evolução do direito. Olha para o


direito como uma realidade cultural, pelo que muitas vezes tem por base várias
parecenças entre culturas. É o exemplo do Direito Romano e o Direito
Português.

Sociologia do Direito – trata do direito enquanto factor social e, assim,


determina as suas funções e a sua eficácia na sociedade. Conclui ser válido o
direito que é observado e aplicado e defende que o direito existe para dar
resposta a problemas sociais, pelo que a cada época história corresponde um
direito distinto. Divide-se em Sociologia do Direito Empírica (forma como o
direito é utilizado e aplicado na sociedade) e Sociologia do Direito Teorética
(análise teórica do direito como objecto social).

Filosofia do Direito – ocupa-se com questões como o que é o direito ou quais


os valores a que este se sujeita. Estuda, então, o fundamento, a essência e o
fim do direito. Divide-se em correntes, como a corrente jusnaturalista - não
aceita a separação entre o que o direito que é e o que deve ser. Sé o direito é
assim, é porque assim deve ser. O direito é definido em função de critérios
como a justiça e a moral – critérios suprapositivos - e a corrente positivista -
direito é definido em função de critérios jurídicos, baseando-se, ao contrário da
corrente anterior, na distinção entre o direito que é e o direito que deve ser. “Se
vigora, é direito”. Recorre a conceitos (soft concepts) como justiça, equidade,
etc.

Teoria do Direito – analisa o direito vigente de maneira teórica (independente


das consequências jurídicas). Procura elaborar conceitos para a análise do
direito (hard concepts), como os de fontes do direito e de regras jurídicas,
tentando construir o sistema jurídico (conjunto de regras). É, por exemplo, no
tipo de conceitos utilizados que a Teoria do Direito contrasta com a Filosofia do
Direito.
Direito subjectivo – É constituído pelos poderes, posições ou faculdades que
as normas de direito objectivo atribuem às pessoas de modo a que estas
possam salvaguardar os seus legítimos interesses: ex.: direito à vida, direito
à integridade física, direito ao bom-nome e à privacidade, direito ao

5
Professor Miguel Teixeira de Sousa, Introdução ao Estudo do Direito I, Faculdade de Direito da
Faculdade de Lisboa, Apontamentos, pág. 2, disponível em https://aafdl.pt
6
Texto abaixo do Prof. Miguel Teixeira de Sousa, ob. cit. pag. 2

3
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casamento, etc. Ou seja são consequências jurídicas, dado que derivam de


regras jurídicas. Verifica-se a posição de um sujeito (titular do direito) quanto a
uma determinada circunstância. “O direito do credor”; “o direito do
proprietário”7 - right

Didacticamente, o Direito é o ramo da ciência que estuda as regras gerais,


abstractas e imperativas do relacionamento social, criadas pelo Estado e por
estas impostas, se necessário, de forma coerciva. Consubstancia-se no saber
sobre os deveres e obrigações impostas à conduta de todas as pessoas no
convívio ou relações sociais em geral, familiar ou sucessórias, na vida laboral e
com outros entes soberanos, bem como a solução dos conflitos, que perigam a
existência da vida em sociedade.

Assim, do ponto de vista científico, mais do que procurarmos responder apenas


à questão “Quid est ius?” (“o que é o Direito?”), que cabe à filosofia do direito,
a Ciência do Direito visa responder à questão “Quid Iuris?” (“qual a solução
dada pelo direito?”), objecto da Ciência do Direito.

A Ciência do Direito “é uma ciência social que considera o direito não só


como ele é legislado, mas também como é praticado e aplicado. É, também,
uma ciência normativa porque determina como devem ser resolvidos os casos
práticos de acordo com os critérios jurídicos. Isto significa que estudar o Direito
é compreender o Direito e não explicar, por exemplo, as regras jurídicas. Em
contraste, ciências como a Biologia não procuram compreender o que é a
Biologia, mas sim explicar os fenómenos biológicos. Relativamente às tomadas
de decisão em Direito, não temos de descobrir ou explicar, mas sim de
fundamentar a decisão através de argumentos racionais (e não empíricos). A
Ciência do Direito tem valores próprios porque não é arbitrária – justiça,
segurança, equidade.
Assim, Direito não é somente o conjunto de normas gerais, abstractas
obrigatórias e coercitivas (normas jurídicas) que regulam, ordenam ou
disciplinam os aspectos mais relevantes da vida societária mas é também o
ramo da ciência que tem por objecto o estudo dessas normas. A ciência
jurídica tem por objecto discernir, de entre as normas que regem a conduta
humana, as que são especificamente jurídicas. Ou seja, “o Direito não se limita
a apresentar e classificar regras, mas tem como objetivo analisar e estabelecer
princípios para os fenômenos sociais tais como os negócios jurídicos; a
propriedade; o casamento, etc.8”

7
Professor Miguel Teixeira de Sousa, ob cit.
8
Jean Patrício da Silva, 2014, apontamentos, pág. 3.

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Concluímos com as palavras, na sua A Ciência Nova (Livro I, CIX), de


Giambattista VICO: "Os homens de ideias curtas denominam direito tudo o que
vem explicado por palavras". “Os homens inteligentes”definem assim o direito:
“tudo o que se mostra necessário à distribuição equitativa da utilidade” (ibid.,
CXVIII). Ou seja, é necessário que a palavra seja justificada: que tenha uma
"causa". A causa consiste, no essencial, num porta-palavra: o que suporta a
palavra e lhe confere sentido. Se não existe causa, não existe palavra dada ou
esta não pode ser dada sem cair em injustiça.
c) Funções do Direito na ordem social

Enquanto forma de ordenação da vida na sociedade, a ordem jurídica cumpre


duas -funções primordiais:

a) Função primária ou prescritiva: a ordem jurídica funciona como princípio


de acção ou conduta do Homem (coloca os cidadãos num plano de igualdade
jurídico-social, atribuindo-lhes direitos e poderes e prescrevendo-lhes deveres
e responsabilidades) e como critério de sanção (prevê as consequências da
violação das normas jurídicas, ou seja as punições) (orientadora).

b) Função secundária ou organizatória: a ordem jurídica estabelece as


regras de organização da sociedade e das instituições sociais. Para que a
ordem jurídica se materialize, ela precisa estabelecer as suas instituições,
determinando-lhes o estatuto funcional e organizando os processos jurídicos de
actuação da função primária.
d) Valores fundamentais do Direito:

Desde que foi assumido como uma das dimensões mais importantes da
cultura, o Direito está ligado ao esforço histórico de realização de valores
fundamentais na convivência social, a saber:
i) - Justiça:

É o fim último do Direito9. O filósofo Aristóteles define a justiça como sendo


uma “disposição da alma” que todas as pessoas têm, a qual caracteriza como
certa aptidão em “fazer o que é justo, a agir justamente e a desejar o que é
justo10”. O pensamento de Aristóteles consiste em examinar a justiça a partir da
análise do comportamento justo e injusto, no que se refere ao modo de
tratamento entre as pessoas11. É “na justiça que se resume toda a excelência”.

9
Segundo Felice Battaglia (1902-1977), só o suum cuique tribuere tem origens gregas, na senda de
Pitágoras, Sócrates e Platão. E são os romanos que acrescentam os outros dois, acentuando o aspecto
volitivo da justiça, como virtude essencialmente prática, onde o honeste vivere vem de Zenão e o
alterum non laedere, de Epicuro.
10
ARISTÓTELES, Ética a Nicômacos. p. 91, STACCIARINI, Samantha, nota a seguir
11
STACCIARINI, Samantha. Teoria da justiça em Aristóteles. Revista Eletrônica Direito e Política,
Itajaí, v.2, n.1, 1º quadrimestre de 2007. Disponível em: www.univali.br

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Diz ainda que as disposições naturais presentes no caráter da pessoa


humana como a inteligência, o discernimento, a intuição. São acções
consideradas como Virtude ou Excelência, que Aristóteles subdivide em
intelectual e moral.

Aristóteles versa sobre a justiça que se manifesta do convívio entre os homens,


na maneira pelo qual se orientam à prática do bem (no sentido do bom), do que
é considerado correcto na sociedade em que vivem (idem). Estas pessoas
realizam acções como bondade, honestidade, justiça, moderação,
coragem, prudência e humildade, as quais são designadas como virtude ou
excelência, que reflete atitudes do bem, as quais se fundam no próprio caráter
do ser humano.

A Excelência Intelectual é entendida como a virtude que nasce e se aperfeiçoa


com a experiência e com o tempo. Funda-se em dois tipos de conhecimento
sendo o primeiro o conhecimento teórico (que formula ideias universais) e o
segundo, o conhecimento pela experiência (que produz ideias limitadas ao
particular). A partir das próprias potencialidades do ser humano, ambos os
conhecimentos são desenvolvidos pela Educação, a qual nasce no âmbito das
orientações familiares e/ou transmitidos pela Instrução, através do ensino, do
ato de educar12, que se expressa por meio de acções habituais voltadas para o
bem, para o aperfeiçoamento intelectual da pessoa não só individualmente,
como também de toda sociedade (idem, nota 8)).

No entanto, a Excelência Moral apresenta-se de maneiras diversas, mas seja


qual for esta maneira, a excelência moral não se constitui pela natureza. Ao
contrário, nasce do hábito, entendido como repetição consciente de ato, uso ou
costume. Assim a natureza atribuiu ao homem uma aptidão mental “de
inteligência para desenvolver a excelência moral” tornando-o capaz de
modificar-se pelo hábito, tanto para o caminho do bem como para o mal. Neste
sentido a pessoa é livre para escolher qual caminho irá seguir (idem, nota 8).

Excelência moral busca sempre o meio-termo. Segundo ARISTÓTELES,


este meio-termo significa o igual, pois em cada tipo de acção em que existe
um “mais” e um “menos” existe também um “igual”.
No mundo romano, como vem definida por Celsus (apud Ulpianus) “Justitia
est constans et perpetua voluntas jus suum cuique tribuere (A justiça é a
vontade constante e perpétua de dar a cada um o que é seu). A justiça reflecte-

12
SILVA, Moacyr Motta da. Direito, justiça, virtude moral & razão: p. 47-48.

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se nos tria praecepta iuris dos romanos: o honeste vivere, o alterum non
laedere e o suum cuique tribuere13.
Designa, segundo alguns autores (como Leibniz, 1646-1716, alemão),
proporção, ponderação, adequação, correspondência a um fim. Na Grécia
Antiga, a Justiça fazia-se equivaler à igualdade; na tradição judaico-cristã,
supõe conformidade do agir humano com a vontade divina; expressa-se
também no conceito de carácter social que diz respeito à repartição dos
bens escassos entre os homens.
A Justiça é ainda encarada em função do tipo de relações que se estabelecem
entre os indivíduos (justiça comutativa) entre os indivíduos e a sociedade, em
termos de sujeição às normas fixadas pelo Estado (justiça geral ou legal) e
entre o Estado e os indivíduos, tendo estes direitos em relação àquele (justiça
distributiva).
A Justiça comutativa – orienta as “transacções entre os indivíduos”. Trata das
relações “horizontais”, seguindo um princípio de proporcionalidade aritmética -
“é justo que aquele que mais trabalho receba uma maior remuneração” –
equilíbrio prestação/contraprestação. A justiça comutativa pode dividir-se em
iustitia vindicativa (não adoptada nos dias de hoje) – “olho por olho, dente por
dente” – e em iustitia restitutiva -“aquele que violou um bem jurídico deve
reconstituir a situação que existia antes da violação”. A justiça comutativa exige
que cada pessoa dê a outra o que lhe é devido.
Justiça distributiva – orienta a distribuição de bens (materiais e imateriais).
Regula as relações “verticais” entre a comunidade (Estado) e um indivíduo,
gerindo-se pelo princípio da proporcionalidade geométrica – “o mesmo para os
que precisam do mesmo, mais para os que precisam de mais”. Verifica-se um
tratamento igual do que é igual e diferente do que é diferente, assentando
assim num princípio de descriminação positiva. Conclui-se que, nesta
perspectiva, “aquele que necessita de mais tem direito a receber mais do que
aquele que não necessita de tanto”. A Justiça distributiva manda que a
sociedade (o Estado) dê a cada particular o bem que lhe é devido.

Justiça legal – Segundo S. Tomás de Aquino, temos de ter em conta o seu


contrário da justiça distributiva, ou seja, o contributo devido por cada
indivíduo à comunidade, que é a justiça legal. A justiça legal determina os
deveres/encargos de cada um para atingir o bem comum, sendo que essa
contribuição deve ser proporcional às possibilidades de cada um. Entre os
interesses individuais e o bem comum pode haver concordância – interesse
individual coincide com o bem comum - ou conflito – interesse individual não

13
Os juristas romanos resumem esta atitude conforme ao "direito" em três preceitos: "viver
honestamente" (honeste vivere), "não prejudicar outrem" (alterum non laedere) e "dar a cada um o
que é devido" (suum cuique tribuere) — cfr., Institutos, I, 1, 7.

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coincide com o bem. Dentro do conflito, pode dar-se o caso de interesse


individual e o bem comum não coincidirem mas haver algum benefício para o
prejudicado, como também pode dar-se o caso de tal não acontecer. A Justiça
geral, social ou legal determina que as partes da sociedade (os indivíduos)
deem à comunidade o bem que lhe é devido14.
EXEMPLO: Construção de uma auto-estrada beneficia a colectividade, mas prejudica
quem vive perto dela com barulho. No entanto, estes podem também vir a beneficiar
da mesma. (2) Experiências clínicas realizadas num doente em estado terminal não
lhe salvarão a vida, mas poderão salvar a vida de quem venha um dia a ter a mesma
doença.

A justiça distributiva em conjunto com a justiça legal origina a justiça


social, que rege as relações entre os particulares e o Estado. Existe ainda a
justiça material que se baseia em critérios de justificação e adequação. A
chamada “pena justa” é uma pena que é justificada e adequada
Como dizia Aristóteles, cada tipo de acção em que existe um “mais” e um
“menos” existe também um “igual”. E a justiça distributiva ou justiça em sentido
estrito, revela-se na distribuição de funções elevadas de governo, da honra, do
mérito das pessoas, de dinheiro, da fixação de critérios sobre tributos,
distribuição de cargos, ou de outras coisas que devem ser divididas entre os
membros da sociedade política, visto que a participação de uma pessoa pode
acontecer de maneira igual ou desigual à de outra.

Para poder vigorar na sociedade, o Direito deve impor uma ordem de


convivência justa. A validade do Direito reside na Justiça, isto é, na justeza da
ordem jurídica.
ii) - Equidade: aequitas= igualdade, conformidade, e equus = justo, igual,
simétrico. “ius est ars boni et aequi” (direito é arte do bom e do justo”. para
Aristóteles, o conceito de equidade está interligado ao conceito de justiça: dar a
cada pessoa o que é proporcionalmente igual. No entanto, o equitativo é
considerado o mais justo, não de acordo somente com a lei, e sim como uma
correção da justiça legal que não deixará lacuna sociais – pois irá prever
particularidades e diferenças não observadas pelo tratamento generalizado da
lei.

Significa procurar ou promover a justiça, tendo em devida conta as


desigualdades sociais, o que implica dar tratamento diferenciado a situações
desiguais, dentro de parâmetros legalmente aceitáveis. Para o ser realmente, a
Justiça exige a consideração dos casos concretos na aplicação das normas,
não podendo cingir-se a uma aplicação cega. Por isso, o Juiz, na sua função

14
João Baptista Herkenhoff, http://www.dhnet.org.br

8
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de julgar, obedece à lei mas também à sua consciência, além de considerar o


convencionado pelas partes, sempre que as normas o permitam.
“O uso da equidade tem de ser disposta conforme o conteúdo expresso da
norma, levando em conta a moral social vigente, o regime político do Estado e
os princípios gerais do Direito. A equidade em síntese, completa o que a justiça
não alcança, fazendo com que a aplicação das leis não se tornem muito rígidas
onde poderia prejudicar alguns casos específicos onde a lei não alcança”15. Por
exemplo, a vítima de acidente grave passa à frente de quem necessita de um
atendimento menos urgente, mesmo que esta pessoa tenha chegado mais
cedo ao hospital.
Equidade, significa dar às pessoas o que elas precisam, de modo que todos
tenham, realmente, acesso às mesmas oportunidades. A igualdade é baseado
na premissa de que ninguém deve ter menos oportunidades em razão da cor,
origem, família, sexo, etc.

iii) – Segurança jurídica: Quer dizer que aos cidadãos deve ser dada a
necessária confiança na estabilidade (ou permanência) das normas jurídicas.
As normas jurídicas não podem ser alteradas a cada dia que passa, a fim de
garantirem aos cidadãos a possibilidade de orientar a sua conduta presente e
futura com a necessária estabilidade. Traduz-se na “tranquilidade psicológica
que resulta da certeza de que não há qualquer perigo a temer ou de que se
está protegido contra as ameaças”16. Tendo por segurança social o “conjunto
das medidas coletivas e legais que têm por objetivo garantir os indivíduos
contra riscos17”. A segurança e certeza, portanto, não se opõem, antes são
interdependentes. Formalmente a segurança jurídica é assegurada pelos
princípios seguintes18: irretroatividade da lei, caso julgado, respeito aos direitos
adquiridos, outorga de ampla defesa e contraditório aos acusados em geral,
ficção do conhecimento obrigatório da lei, prévia lei para a configuração de
crimes e transgressões e cominação de penas, declarações de direitos e
garantias individuais, justiça social, devido processo legal, independência do
Poder Judiciário, vedação de tribunais de excepção, vedação de julgamentos
parciais etc.
iv) - Certeza Jurídica: O termo certeza provém do latim certitudo, certitudinis.
Certeza do direito, tem um significado assente nos valores: ter confiança no
direito. Assenta, não apenas na existência das normas jurídicas, mas também
na validez dessas mesmas normas e na força que elas têm para guiar os
comportamentos sociais. Deste modo, no contexto do Estado de Direito há a

15
https://www.facebook.com/messages/read/?fbid=100010377826776#fua
16
https://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/467/r141-20.pdf?sequence=4&isAllowed=y
17
Idem.
18
SOIBELMAN. Leib. Enciclopédia jurídica. Elfez. Edição em CD-ROM, Apud ELIEZER PEREIRA MARTINS,
Segurança e certeza jurídica …, pág. 143.

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certeza jurídica, há certeza jurídica quando todos conhecem seus direitos,


porque positivados, assegurados pelo Estado. Assim, as pessoas vivem na
expectativa de que é assim que se deve agir socialmente, podendo prever
acções alheias. Portanto, conhecer o conteúdo das leis vigente no país
corresponde a ter uma certeza de como agir, actuar e se comportar.

Desta feita, aos cidadãos deve ser dada a possibilidade de terem um


conhecimento preciso acerca do sistema de normas jurídicas vigentes na
sociedade, para orientarem convenientemente a sua conduta e defenderem os
seus interesses. Os cidadãos devem estar em condições de gerir e prever os
efeitos da sua conduta com base em normas jurídicas vigentes e do
conhecimento geral. Por isso, em regra, as normas jurídicas, escritas de forma
clara, com rigor e objectividade, devem ser publicadas.
Com efeito, “O fim atribuído ao Direito não é o de criar uma ordem ideal, mas
uma ordem real de convivência” (Thomas Hobbes (1588 1679)19.
PRIMEIRA PARTE:
O HOMEM, A SOCIEDADE E O DIREITO
I – A problemática da ordem social:
1. A natureza social do Homem

O Homem sempre viveu em comunidade: clã, tribo, família, cidade (polis),


Sociedade e Estado são, entre outras, formas organizativas em que se tem
manifestado a natureza societária ou a sociabilidade do homem ao longo da
História.

Já na Grécia Antiga, o Homem tomara consciência de que a sua vida social


(política) lhe conferia uma condição superior à Natureza (mineral, vegetal,
animal). Aristóteles dizia que “o Homem, mais do que qualquer outro animal
que viva em enxames ou rebanhos, é, por natureza, um animal social (zoon
politikon) ”.

Podem ser agrupadas em dois grandes grupos as tentativas de explicação da


razão de ser da vida do Homem em sociedade20, segundo diversos autores:

19
Apud Jean Patrício da Silva, 2014, apontamentos, pág. 4
20
Entendemos aqui Sociedade como um conjunto de indivíduos que produzem e reproduzem as
condições de sua sobrevivência, relacionando-se uns com os outros, com base em determinadas regras,
para a satisfação de suas necessidades individuais e colectivas. Para a satisfação de determinadas
necessidades (nomeadamente as de segurança e bem estar), a sociedade tem de se organizar a um nível
superior, dotando-se de uma Autoridade capaz de empregar os meios para se impor, se necessário, de
força coerciva, a toda a colectividade, de modo incontornável. Tem-se, assim, a Sociedade Política, que
aglutina e se impõe a todas as sociedades ditas primárias ou de primeiro grau, como a família,
vizinhança, clubes, associações, etc., que visam satisfazer necessidades de menor alcance...

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APONTAMENTOS DE INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO
TEXTOS RECOMENDADO PELO PROFESSOR ERNESTO KAMBALI

a) Concepção naturalista da sociedade: Autores como Aristóteles, Cícero, S.


Tomás de Aquino, Stº Agostinho, Leão XIII, etc., acreditam na origem natural
da sociedade, isto é, entendem que a origem da sociedade tem o seu
fundamento ou explicação na natural sociabilidade do homem, na tendência
natural para o homem conviver com outros homens de modo a satisfazer as
suas necessidades e realizar-se como pessoa.

b) Concepção contratualista da sociedade: Segundo autores como John


Locke, Thomas Hobbes e Jean-Jacques Rousseau, a origem da sociedade
baseia-se no contrato social. Pare eles, a vida do Homem em sociedade não
era natural, mas antes resultava de um acordo de vontades entre os homens.
Defendem que, antes de viverem em sociedade, os homens viviam num estado
pré-social ou “estado de natureza” (status naturalis), caracterizado por uma
vida solitária e errante, sem vínculo comunitário, em que não havia leis nem
autoridade. A passagem à vida em sociedade ou ao “estado de sociedade”
(status civilis), com regras e princípios de convivência colectiva, processar-se-
ia mediante um contrato social ou acordo de vontades em que os homens
prescindiram da vida errante (ou do estado da natureza) em que viviam
anteriormente. Por esse contrato social os homens criam um ente regulador da
vida em sociedade tendo em vista o bem comum, surgindo, desta forma, o
Estado e, com ele, as normas que constituem o Direito (normas jurídicas).

Estas duas explicações sobre a origem da sociedade não são de todo


incompatíveis, antes se complementam, contribuindo para melhor se
compreender a natureza social da vida humana. Na verdade, o Homem é um
ser eminentemente social, na medida em que não consegue viver só ou isolado
dos outros homens: ele tende a viver em sociedade, porque só assim pode
desenvolver todas as suas capacidades. Viver em sociedade é uma
necessidade inata do Homem e representa a mais elementar e natural forma
de convivência humana.
Em suma, a natural sociabilidade do Homem é o fundamento da sua vida em
sociedade, a qual é regulada por uma diversidade de normas, de entre as quais
as normas jurídicas, como veremos adiante.
2. A necessidade da existência do Direito

A necessidade do Direito no mundo social Já na Antiguidade se dizia que onde


existe o Homem existe Sociedade (ubi homo, ibi societas). Mas também se
dizia que onde houver Sociedade haverá Direito (ubi societas, ibi ius).

Com efeito, sendo a sociedade indispensável à vida do Homem, a convivência


humana em sociedade exige que se defina e prevaleça uma ordem, a que a
todos se submetam, isto é, um conjunto de regras gerais e padrões que
orientem de forma imperativa o comportamento do Homem e estabeleçam as
regras de organização dessa sociedade bem como as instituições que dela
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APONTAMENTOS DE INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO
TEXTOS RECOMENDADO PELO PROFESSOR ERNESTO KAMBALI

fazem parte. Dessa ordem social, destaca-se a ordem jurídica, ou seja o


Direito.

A ordem jurídica é, pois, a ordem social regulada ou constituída pelo Direito, ou


seja, por um conjunto de normas gerais, abstractas e imperativas, cuja
observância pode ser assegurada de forma coerciva pelo Estado.

A sociedade é, ao mesmo tempo, a forma de vida por excelência do Homem e


uma realidade ordenada pelo Direito. De facto, o meio social ordenado em que
vive o homem (a sociedade) é instituído pelo Direito, através da definição de
regras de conduta e padrões de comportamento individual e colectivo e de um
sistema organizativo em que se estrutura e funciona a sociedade.

O Direito regula, assim, um conjunto de relações que poderíamos figurar num


“triângulo normativo” da seguinte forma: relações entre cidadãos (linha de
base), que têm lugar num plano de igualdade jurídico-social; relações entre os
cidadãos e o Estado (linha ascendente), determinando-se aquilo que os
cidadãos devem à sociedade (Estado) como contribuição para o bem comum;
relações entre o Estado e os cidadãos (linha descendente), em que o primeiro
(Estado) aparece com obrigações face aos seus segundos (cidadãos). As
linhas da estrutura da ordem jurídica esboçada correspondem, assim,
respectivamente, às três intenções normativas clássicas da Justiça: justiça
comutativa, justiça geral ou legal; justiça distributiva.

O carácter societário do Direito fica assim evidente: esse carácter societário


determina-se pela ligação estreita e necessária entre o Direito e a Sociedade.

OBS: estes apontamentos são Extractos da obra de Bartolomeu Varela,


Introdução ao Estudo do Direito, 2ª edição, revista, Praia: Uni-CV, 2011,
versão digital disponível em http://unicv.academia.edu/ Bartolomeu Varela

3. As diversas ordens sociais normativas


Ao contrário da ordem natural, em que os fenómenos ocorrem segundo uma
sucessão invariável (ciclo de reprodução animal, marés, ciclo de água,
movimentos da terra, etc.), a ordem social é constituída por uma rede complexa
e mutável de regras provenientes de ordens normativas de diversa índole, a
saber:

a) A ordem moral – aponta normas ou regras que tratam de influenciar a


consciência e moldar o comportamento do indivíduo em função daquilo que se
considera o Bem e o Mal; As normas morais visam o indivíduo e não
directamente a organização social em que se integram; a ordem moral tem
como sanção a reprovação da formação moral da pessoa ou a má reputação.

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APONTAMENTOS DE INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO
TEXTOS RECOMENDADO PELO PROFESSOR ERNESTO KAMBALI

Ex. obrigação moral de conceder esmola a um mendigo, não se prostituir, não


ao casamento homossexual, etc.

b) A ordem religiosa – tem por função regular as condutas humanas em


relação a Deus, com base na Fé;

c) A ordem de trato social – aponta normas que se destinam a permitir uma


convivência agradável entre as pessoas mas que não são propriamente
indispensáveis à subsistência da vida em sociedade. Inclui normas sobre a
maneira de estar e se comportar em acontecimentos sociais (normas de
etiqueta e boas maneiras, de cortesia e urbanidade); normas sobre a forma de
vestir (moda), normas típicas de uma profissão (deontologia), normas de uma
determinada região (usos e costumes), etc.;

d) A ordem jurídica - é constituída pelas normas mais relevantes da vida em


sociedade e, ao contrário, das outras ordens normativas, serve-se da coacção
como meio de garantir a observância das suas normas, caso estas não forem
acatadas voluntariamente. É, pois, um conjunto de normas que regulam as
relações sociais, impondo-se aos homens de forma obrigatória e com recurso à
coercibilidade.

Mas, note-se bem: todas as ordens sociais enunciadas têm em comum o facto
de as suas normas (normas morais, religiosas, de trato social e jurídicas)
serem gerais, abstractas e obrigatórias. A generalidade, a abstracção e a
imperatividade ou obrigatoriedade são, pois, características comuns às
mesmas. No entanto, e como marca diferenciadora, só a ordem jurídica (ou de
Direito) se caracteriza pela coercibilidade, assegurada pelo Estado em caso de
não cumprimento voluntário das suas normas (normas jurídicas).
Relações entre Direito e Moral

A vida social só é possível se forem efectivas as regras determinadas para o


procedimento dos homens. Tais regras, de cunho ético, emanam,
fundamentalmente, da Moral e do Direito, que procuram ditar como deve ser o
comportamento de cada um. Sendo ambos – Moral e Direito – normas de
conduta, evidentemente apresentam um campo comum. Assim, aquele que
estupra uma menor infringe, ao mesmo tempo, norma jurídica, contida no
Código Penal, e norma moral (neminem laedere = não prejudicar a ninguém).

Miguel Reale elucida que "o Direito representa apenas o mínimo da Moral
declarado obrigatório para que a sociedade possa sobreviver. Como nem todos
podem ou querem realizar de maneira espontânea as obrigações morais, é
indispensável armar de força certos preceitos éticos, para que a sociedade não
soçobre. A Moral, em regra, dizem os adeptos dessa doutrina, é cumprida de
maneira espontânea, mas, como as violações são inevitáveis, é indispensável

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APONTAMENTOS DE INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO
TEXTOS RECOMENDADO PELO PROFESSOR ERNESTO KAMBALI

que se impeça, com mais vigor e rigor, a transgressão das regras que a
comunidade considerar indispensáveis à paz social".

Haveria, portanto, um campo de acção comum, sendo mais amplo o da


Moral. Mas seria correcto dizer-se que todas as normas jurídicas estão
contidas no plano moral? A resposta é, obviamente, negativa.

Acções existem, entretanto, que interessam apenas ao Direito, como ocorre,


por exemplo, com as formalidades de um título de crédito. Existem outras que
são indiferentes ao Direito, mas que a Moral procura disciplinar. É o que
acontece, v.g., com a prostituição. Com efeito, a mulher que se dedica à
prostituição não sofre qualquer sanção jurídica, posto que a prostituição, em si,
não é crime. Contudo, como salienta Bassil Dower, é considerada como
“câncer social” e a mulher que a prática, por um motivo de ordem ética, fica
marginalizada, sujeitando-se à repulsa geral.
Conquanto tenham um fundamento ético comum, as normas morais e jurídicas
possuem caracteres próprios que as distinguem, embora as regras da Moral
exerçam, normalmente, enorme influência sobre as de Direito.

Esses caracteres distintivos podem ser sistematizados sob um tríplice aspecto:


em razão do campo de acção, da intensidade da sanção que acompanha a
norma em cada caso ou dos efeitos de cada uma delas.

Sob o aspecto do campo de acção, a Moral actual, sobretudo, no foro íntimo


do indivíduo, enquanto o Direito se interessa, essencialmente, pela acção
exteriorizada pelo homem, ou seja, por aquilo que ele fez ou deixou de fazer na
vida social. Assim, a maquinação de um crime, podendo ser indiferente ao
Direito, é repudiada pela Moral, encontrando reprovação na própria
consciência. Já a exteriorização desse pensamento, com a efectiva prática do
crime, importa em conduta relevante para o Direito, que mobiliza o aparelho
repressivo do Estado para repor o equilíbrio social.

Quanto à intensidade da sanção, a Moral estabelece sanções individuais e


internas (remorso, arrependimento, desgosto) ou de reprovação social (ex.: a
prostituta é colocada a margem da sociedade). O Direito estabelece sanção
mais enérgica, consubstanciada em punição legal (ex.: aquele que mata fica
sujeito a uma pena de prisão maior).

Quanto aos efeitos, observa-se que da norma jurídica decorrem relações de


carácter bilateral, ao passo que da regra moral deriva consequência unilateral,
isto é, quando a Moral diz a um que ame o seu próximo, pronuncia-o
unilateralmente, sem que ninguém possa reclamar aquele amor; quando o
Direito determina ao devedor que pague a prestação, proclama-o
bilateralmente, assegurando ao credor a faculdade de receber a dita prestação.

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APONTAMENTOS DE INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO
TEXTOS RECOMENDADO PELO PROFESSOR ERNESTO KAMBALI

De forma sucinta, podemos fazer a distinção entre a ordem jurídica (Direito)


e a ordem moral com base nos seguintes critérios:

a) Critério do “mínimo ético”: O Direito só acolhe e impõe as regras morais


cuja observância é imprescindível para a subsistência da paz, da liberdade e
da justiça em sociedade. O Direito constitui aquele mínimo ético ou moral, que
resulta da coincidência das suas normas com as regras morais. Isto equivale a
dizer que o Direito não se propõe, como seu fim essencial, garantir certa
concepção ética da sociedade, mas tampouco ignora as normas morais; na
verdade, o Direito não prescreve condutas imorais.

b) Critério da coercibilidade: As normas morais só têm relevância para a


consciência de cada um, enquanto as normas jurídicas se impõem ao indivíduo
na medida em que são coercivas, ou seja, podem ser impostas pela força;

c) Critério da exterioridade: Ao Direito, que se preocupa essencialmente com


a conduta externa ou visível do homem, basta que o indivíduo cumpra as
normas em vigor, enquanto a Moral exige, além disso, uma adesão íntima
(interior) aos valores éticos que prescreve.
Entretanto, há outros critérios de distinção referidos pela doutrina, tais como:

i) O critério teleológico, segundo o qual a Moral visa a perfeição a pessoa


humana, enquanto o Direito tem por objectivo a realização da justiça na vida
social.

ii) O critério do objecto, conteúdo ou matéria, segundo o qual a Moral


regula toda a conduta humana, individual e social, interessando-lhe
inclusivamente o que é puramente interno, enquanto o Direito respeita
exclusivamente aos comportamentos sociais.

iii) O critério da perspectiva, conforme o qual a Moral considera a conduta


preferentemente “do lado interno”, enquanto o Direito considera sobretudo o
lado externo, a conduta exteriorizada.

Pode dizer-se, em suma, que as condutas que nem todas as condutas


humanas entram na esfera do Direito, mas sim aquelas que são susceptíveis
de pôr em causa a ordem social de convivência, os fundamentos da própria
sociedade.

Todavia, entre as diversas ordens sociais normativas estabelecem-se relações,


influenciando-se reciprocamente, como facilmente nos damos conta no
quotidiano.

Em suma, há de facto uma relação de coincidência (todos punem o homicídio,


genocídio, violência domestica, adultério, etc), de indiferença (ex. regras de
transito para a moral ou a prostituição para o direito) e de conflitos entre a

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APONTAMENTOS DE INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO
TEXTOS RECOMENDADO PELO PROFESSOR ERNESTO KAMBALI

moral e a ordem jurídica (Direito) (certos aspectos do aborto, a eutanásia, uso


de anti-concepcionais, masturbação, etc.
4. O Direito como produto cultural

Trata-se de uma questão colocada pela Sociologia Jurídica, disciplina científica


que investiga o fenômeno social jurídico diante da realidade social, se
ocupando do direito enquanto facto social (vide: SOUTO, Cláudio; SOUTO,
Solange. Sociologia do direito: uma visão substantiva. 3. ed. Rev. e atual, Porto
Alegre: Sérgio Antônio Fabris Editor, 2003, p. 80-89).

Dentre os precursores da Sociologia Jurídica, destaca-se o jurista alemão


Eugen Ehrlich (1862-1922). A sua principal obra, intitulada Fundamentos de
Sociologia do Direito, é referência obrigatória para aqueles que se dedicam ao
estudo da Sociologia Jurídica.

Em sua obra, Ehrlich busca demonstrar que a verdadeira Ciência do Direito


deve ser feita por meio da análise do direito no momento de sua aplicação na
vida social. Para Ehrlich, o verdadeiro direito, ou ainda, o direito como ele
realmente é, é o direito “vivido” na sociedade por meio dos fatos sociais, ou
seja, o direito da sociedade, independentemente de ser ele legislado, cujo
objetivo é a organização social pacífica (MALISKA, Marcos Augusto. Introdução
à sociologia do direito de Eugen Ehrlich. Curitiba: Juruá, 2001, p. 71).

O direito é um bem cultural, uma vez que é produto da cultura humana, sendo
criado e desenvolvido em meio às relações sociais. Segundo Machado Neto, o
direito é objeto cultural “porque criação do homem na convivência social”;
criador de cultura “porque submete a inteira extensão do planeta a um
sistema de regulamentação jurídica e, possibilitador de cultura porque”
“sem a relativa margem da segurança que o ordenamento jurídico desenvolve
e garante, impossível se faria a norma realização da cultura”. (Machado Neto,
Antônio Luís. Sociologia jurídica. São Paulo: Saraiva, 1979, p. 158-159).
5. O Direito e a evolução social

As diversas e múltiplas mudanças culturais, sociais, económicas e políticas


caracterizam a evolução social. Ou seja, esta processa-se pela ocorrência
daqueles factores.

De facto, hoje assiste-se um grande desenvolvimento económico e tecnológico.


Com efeito, os problemas culturais gerados pelo desenvolvimento assumem
uma escala mundial, colocando problemas muito delicados, tais como a
desertificação, a poluição dos rios, as alterações climáticas, inseminação
artificial, homossexualismo, etc., que perigam o equilíbrio ecológico e o futuro
da própria Humanidade.

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APONTAMENTOS DE INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO
TEXTOS RECOMENDADO PELO PROFESSOR ERNESTO KAMBALI

A nível internacional, o contacto e a troca de experiências trazem novos


desafios, tais como a assimilação de costumes, tradições e culturas entre todos
os povos. De facto, no relacionamento entre povos em estádios diferentes de
evolução socioeconómica e de sistemas políticos tende-se a uma evolução
social no sentido global.

Além disso, a estrutura e organização das sociedades sofrem, por vezes,


transformações associados a eventos revolucionários (ex. Revolução do 25 de
Abril) que rompem com os princípios ideológicos vigentes e abrem novos
horizontes culturais, sociais e políticos às sociedades.

Neste contexto, o Direito não fica indiferente às dinâmicas da sociedade e sofre


a influência das novas realidades socioeconómicas, políticas ideológicas e
culturais. Além disso, sendo um fenómeno cultural, o Direito é influenciado
pelos valores e ideologias dominantes em cada sociedade. Por isso, o
legislador, atento a essas mudanças, é chamado a adaptar as leis às novas
realidades, criando novas normas jurídicas.

Por outro lado, o Direito pode provocar a mudança de valores e mentalidades,


estimulando novas práticas e modelos de comportamento. Neste caso, o
Direito faz com que a sociedade se adapte a novas realidades, criando leis que
sejam factores de progresso e de dinamismo da sociedade e surgindo nos
ramos de Direito (o Direito do Ambiente, O Direito do Consumo e o Direito da
Informação).

6. A PESSOA, FUNDAMENTO E FIM DA ORDEM JURÍDICA

O Direito existe para regular as relações entre pessoas. As relações sociais


(relações entre pessoas), uma vez reguladas pelo Direito, transformam-se em
relações jurídicas. Entende-se, pois, por relação jurídica toda a relação entre
pessoas a que o Direito atribui efeitos. Na verdade, qualquer relação da vida
social que seja juridicamente relevante.

Enquanto formas de conduta social reguladas pelo Direito, as relações jurídicas


produzem efeitos jurídicos sobre as pessoas, pois que estas são os sujeitos de
toda a relação jurídica. Pessoa, em sentido jurídico, é o sujeito susceptível de
direitos e obrigações, isto é, titular de personalidade jurídica.
1. Noção de personalidade jurídica e capacidade jurídica21

Os códigos oitocentistas (Napoleão, BGB, Código de Seabra) conheceram as


noções de personalidade e capacidade jurídica, mas a distinção entre ambas
as noções é bastante recente. Ou seja, conheceram as noções de capacidade
jurídica, mas não as definiram. Com efeito, é patente na doutrina que durante o
21
Texto do Prof. Doutor Diogo Costa Gonçalves, personalidade vs. capacidade jurídica — um regresso ao
monismo conceptual? Disponível em https://www.oa.pt/upl/%7Ba1bc248a-bd79-453c-8f3c-4520273

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APONTAMENTOS DE INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO
TEXTOS RECOMENDADO PELO PROFESSOR ERNESTO KAMBALI

seculo XIX prevaleceu o monismo conceptual entre personalidade e


capacidade jurídica. Ademais, o Código de Seabra acolheu no seu art.º 1.º
como expressões sinónimas.

Porém, no início do seculo XX, concretamente em 1918, surge o dualismo


conceptual entre personalidade e capacidade jurídica, em virtude do jurista
alemão Haff, quando na sua obra distinguia entre corporações com e sem
personalidade jurídica.
O entendimento ilustra-se na seguinte afirmação “O conceito de direito
(subjetivo), reconhecido pelo ordenamento como um poder relevante dirigido à
satisfação de interesses humanos, requer um sujeito a quem o poder é
conferido, um sujeito jurídico ou, como igualmente se diz no discurso jurídico,
uma pessoa. A personalidade não é um direito subjetivo mas sim uma
qualidade jurídica, pressuposto de todos os direitos e obrigações, da
capacidade jurídica”22.

Ilustra-se aqui um “conceito qualitativo da personalidade jurídica, como uma


qualidade jurídica em virtude da qual se é pessoa em Direito e que, do mesmo
modo, expressa o denominador comum a todos os sujeitos jurídicos. A
capacidade jurídica poderá ser imanente à personalidade, não podendo existir
separadamente desta, mas surge conceptualmente distinta”.

A influência alemã veio sedimentar-se na doutrina europeia, ganhando espaço


nas legislações que se seguiram.

Em Portugal, logo com o Professor Guilherme Moreira, a distinção entre


personalidade jurídica e capacidade jurídica23 ganhou terreno. Segundo
este jurista, personalidade corresponde à qualidade jurídica de ser pessoa,
à suscetibilidade de direitos e obrigações. Já capacidade é entendia como a
“medida do poder jurídico” ou a “susceptibilidade do exercício pessoal dos
poderes que por lei são atribuídos a uma pessoa”24. Contudo, Cabral Moncada
viria a aperfeiçoar esta distinção, sustentando que a personalidade é a mesma
para todos os sujeitos, enquanto suscetibilidade genérica. Já o conceito de
capacidade expressa o quantum de direitos e obrigações que pode cada sujeito
titular e exercer25.

Apesar do acolhimento feito pelo Prof. Guilherme Moreira, acerca da distinção


entre capacidade de gozo e capacidade de exercício, verifica-se que ele
dedicou maior atenção. Desta feita, Cunha Gonçalves, seguindo a mesma

22
LUDWIG ENNECCERUS/ThEODOR KIPP/MARTIN WOLLF, Lehrbuch des Bürgerlichen Rechts, 1926, §
76.º, p. 185, apud Diogo Costa Gonçalves, ob cit. 125.
23
O conceito de capacidade jurídica foi introduzido na doutrina alemã por Thibaut,
24
GUILhERME MOREIRA, instituições, I, pp. 170 e 171, Idem.
25
CABRAL DE MONCADA, Lições de Direito Civil (Parte Geral), 2.ª ed., 1954, p. 263., Apud Diogo C. Gonç.
Ob cit. pag. 127.

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APONTAMENTOS DE INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO
TEXTOS RECOMENDADO PELO PROFESSOR ERNESTO KAMBALI

distinção, realçou com veemência a dimensão estática/dinâmica da


abordagem. Segundo este autor, “a personalidade, enquanto suscetibilidade de
direitos e obrigações, pressupõe uma compreensão estática da pessoa,
separada do seu agir. in actu, a pessoa é exercício de direitos e obrigações.
Daqui decorre a seguinte sistematização: “personalidade jurídica é apenas
sinónimo de capacidade de gozo”. Em ambos os conceitos subjaz a
consideração estática do sujeito, a sua qualidade de pessoa. Neste sentido,
são conceitos idênticos. A capacidade de agir ou de exercício é de outra
grandeza. No mesmo diapasão, segue o José Tavares. Personalidade e
pessoa são tomados como conceitos jurídicos sinónimos. Já capacidade de
exercício surge entendida como a idoneidade do sujeito para praticar atos
jurídicos. No mesmo sentido vai MANUEL DE ANDRADE, sublinhando que o
conceito de personalidade e capacidade de gozo se implicam mutuamente 26.

Em suma, a personalidade jurídica é a susceptibilidade (a possibilidade) de


qualquer pessoa ser titular de relações jurídicas, ou seja, de direitos e
obrigações. De acordo com o Código Civil, a personalidade adquire-se no
momento do nascimento completo e com vida e cessa com a morte (n.º 1
do art. 68º, do CC) ou morte presumida (art.º 115º, do CC). Assim, todos os
seres humanos têm personalidade jurídica e, desde logo, titular sobretudo de
direitos de personalidade, tais como: o direito à vida e à integridade física,
direito ao nome, ao bom-nome e à reputação, direito à honra, direito à
imagem, direito à reserva sobre a intimidade privada, etc.

Se a personalidade jurídica significa a susceptibilidade de a pessoa ser titular


de direitos e obrigações, e sendo certo que todas as pessoas podem gozar
direitos (a capacidade de gozo de direitos é dada a todos os que tem
personalidade jurídica), a verdade é que nem toda a pessoa é efectivamente
capaz de exercer total ou mesmo parcialmente os seus direitos e responder
pelas suas obrigações (a capacidade de exercício de direitos pode ser maior ou
menor). A medida em que uma pessoa pode ser sujeito de relações jurídicas,
ou seja, titular de direitos e obrigações é dada pela sua capacidade jurídica.

Assim, a capacidade Jurídica é, pois, é a capacidade ou faculdade que o


ordenamento jurídico confere a uma pessoa para ser sujeito de quaisquer
relações jurídicas, salvo disposição legal em contrário (art.º 67.º do CC).
Qualquer sujeito de relações jurídicas é titular de direitos e poderá dispor deles
desde que não sofra de qualquer incapacidade prevista na lei, como a
menoridade ou a anomalia psíquica, surdez, mudez, etc. Se tal acontecer, o
incapaz deve ter um representante legal que actuará em seu nome e defenderá
os seus direitos. A capacidade jurídica envolve, assim, a capacidade jurídica
de gozo de direitos, que em regra todos possuem, e capacidade jurídica de

26
Diogo Costa Gonçalves, ob cit. 126 e segs.

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APONTAMENTOS DE INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO
TEXTOS RECOMENDADO PELO PROFESSOR ERNESTO KAMBALI

exercício de direitos, que é maior ou menor consoante os casos e conforme a


lei.

No que concerne à incapacidade jurídica de exercício, situação em que a


pessoa é incapaz de gerir a sua vida e o seu património, ela pode ser relativa
ou absoluta. A incapacidade relativa permite que o incapaz pratique actos da
vida civil, desde que assistido por seu representante legal, sob pena de
anulabilidade. A incapacidade absoluta acarreta a proibição total do
exercício, por si só, do direito. Assim, o acto somente poderá ser praticado pelo
representante legal do absolutamente incapaz. A inobservância dessa regra
provoca a nulidade do acto. As incapacidades resultam da menoridade, da
inabilitação ou da interdição, do casamento e da incapacidade acidental.

A menoridade funda-se na idade da pessoa, isto é, desde o seu nascimento


completo e com vida até certa idade. Trata-se de diversas fases do
crescimento da pessoa humana (física), e liga a questão de saber que idade a
pessoa é admitida validamente praticar actos em direito. Os ordenamentos
jurídicos não são unanimes quanto a idade legal.

Em Roma Antiga, as idades mínimas para casar encontravam-se relacionadas


com o atingir da puberdade (pubertas). No caso dos homens, esta idade
estava fixada aos 14 anos e nas mulheres aos 12 anos. Na prática, era raro um
homem casar antes dos 25 anos. Mulheres, a tendência era esperar até aos 18
anos.
No caso de Angola, a menoridade cessa ao atingir 18 anos de idade (art.º 24º
CRA27) ou se for emancipado (art.º 129.º, 133º do CC), o previsto no art.º 131º
do CC, que “estando, porém, pendente contra o menor, ao atingir a maioridade,
acção de interdição ou inabilitação, manter-se-á o poder paternal ou a tutela
até ao trânsito em julgado da respectiva sentença. Não limite superior da idade.

Na verdade, a maturidade física ou psíquica das pessoas não é igual para


todos, sobretudo quando se trata de homem e mulher. As condições sociais e
culturais podem ser determinantes para aferir a maioridade da pessoa humana.
Com efeito, há algumas fases a ter em conta no desenvolvimento da criança,
como decorre no disposto dos art.ºs 617.º al. c do CPC, ao 7 anos cessa a
incapacidade de depor como testemunha; art.º 203.º do CF, que aos 10 anos
de idade torna-se indispensável o consentimento do menor para adopção ou no
caso de divórcio dos cônjuges; 282.º da LGT, L. 2/00, aos 14 anos pode
trabalhar, com consentimento dos pais ou pessoa responsável do menor; art.º
24º do CF, aos 15 anos a mulher, excepcionalmente, adquire capacidade de
casar, para os homens 16 anos de idade, podem administrarem os bens

27
A idade de 18 anos resulta da alteração feita pela Lei n.º 68/76, de 05 de Outubro ao Código Civil de
1966, que no seu art.º 122.º estabelecia o fim da menoridade aos 21 anos de idade, transcrição do art.º
97.º do CC de 1867, Código de Seabra.

20
APONTAMENTOS DE INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO
TEXTOS RECOMENDADO PELO PROFESSOR ERNESTO KAMBALI

obtidos do seu próprio trabalho, são validos os negócios jurídicos da vida


corrente do menor (art.º a) e b) do 127ºdo CC), a de procurador (por força
do art.º 263.º do CC), fazer testamento se é emancipados (art.º 2.189º do
CC).
A menoridade têm como meio de suprimento a representação legal (por ser
designada por lei ou em conformidade com ela), que consiste em outra pessoa
agir em nome e no interesse do incapaz (exercido pelos pais = poder paternal
e, subsidiariamente, através da tutela (exercido por um tutor, quando não é
possível obter o poder paternal). A tutela visa realizar o principio da protecção
da família relativamente às crianças e jovens previsto constitucionalmente (art.º
35º, n.º 6 e 7 da CRA). A nomeação do tutor é feita pelo Tribunal, da residência
do menor.
A inabilitação aplica-se a indivíduos que, devido a anomalia psíquica, surdez-
mudez, cegueira (primeira categoria), habitual prodigalidade, uso de bebidas
alcoólicas ou de estupefacientes (segunda categoria) isto é menos grave, que
se mostrem incapazes de reger convenientemente o seu património (artigo
152º do Código Civil). Deve resultar de uma decisão judicial. Pode produzir
uma incapacidade de gozo, relativamente ao direito de casar, mas em casos
específicos (art.º 25º CF). A inabilitação abrange os actos de disposição de
bens e de todos os que constar da sentença proferida ou decretada pelo
tribunal. Para suprir a incapacidade jurídica dos inabilitados temos: o instituto
da assistência (art.º 153º CC) = que tem que ser feita por um curador - ou o
instituto da representação - quando a administração dos bens é dada ao
curador). O legislador cautelosamente estabelece período bastante alargado
(período de 5 anos, art.º 155º CC) de avaliação para evitar fingimentos ou
dissimulação, para o levantamento da inabilitação.
A interdição tem em vista todos aqueles incapazes que, por anomalia
psíquica, surdez-mudez ou cegueira, (grave) se mostrem totalmente incapazes
de governar suas pessoas e bens (artigo 138º, n.º 1, do Código Civil). Se é
menor só pode ser requerida e decretada dentro do ano anterior à maioridade,
para produzir efeitos no dia que se torne maior. (n.º 2, 138º). A interdição deve
ser declarada pelo tribunal, em processo especial. Não é oficiosa, a
legitimidade de interpor a acção especial de declaração da interdição cabe
aos progenitores (sob poder do menor) ou ao Ministério Público, além deste,
têm legitimidade o cônjuge, o tutor ou curador do interditando ou qualquer
parente sucessível. Meio de suprimento recorre-se ao instituto de
representação (139º do CC). A sentença deve ser registada, sob pena de não
ter efeitos para com terceiros de boa-fé (art.º147º CC).

Só os interditos por surdez-mudez ou cegueira têm capacidade matrimonial e


fazer testamento. Os interditos por anomalia psíquica há uma incapacidade

21
APONTAMENTOS DE INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO
TEXTOS RECOMENDADO PELO PROFESSOR ERNESTO KAMBALI

de gozo, insuprível, não podem casar e não pode fazer testamento. Há


possibilidade de levantamento da interdição, que pode ser declarada pelo
Tribunal, e interposta a acção de levantamento da interdição pelo próprio
interdito ou qualquer as pessoas com legitimidade para tal.

Quanto ao casamento (conubium). Em Roma antiga havia duas formas: era


matrimónio cum manum e matrimónio sine manum.

Havia três tipos de matrimônio cum manum reconhecidos como uma união
legal28:

 Confarreatio (literalmente "com espelta" [tipo de trigo]) - O típico


casamento patrício, caracterizado por uma cerimônia na qual um bolo de
espelta e pão era compartilhado. Também conhecido como um
casamento manus (mão) porque a noiva era concedida pela mão do pai
para a do noivo. Era solene Antes do matrimônio, consultavam-se os
presságios na casa do pai da noiva, decorada com flores e tapeçarias.
Se os presságios fossem bons, a cerimônia poderia prosseguir. A noiva
e o noivo eram trazidos para um aposento público da residência no qual
os convidados pudessem se reunir. Estas cerimônias geralmente
ocorriam logo após o nascer do Sol, simbolizando a nova vida que o
casal estava iniciando. Era monogâmico, o divórcio era admitido.

 Coemptio ("por aquisição") - um casamento plebeu, no qual alguém


adquiria uma noiva da família desta por quaisquer meios. Tempo remoto
em que os homens compravam as mulheres para poderem casar.
Requeria apenas cinco testemunhas, em presença das quais o noivo
pagava ao pai da noiva uma moeda de prata ou bronze, colocada
numa balança segurada por um homem.

 Usus ("experiência" ou "uso") - um casamento plebeu reconhecido pela


longa coabitação por ambos os parceiros. É preciso que tenha coabitado
de forma ininterrupta por um ano com um homem. Contudo, se durante
este ano a mulher tivesse passado três noites seguidas fora de casa
(trinoctio), continuava solteira e sob tutela do pai.

O casamento cum manum era autocrática, pois a mulher não tinha qualquer
tipo de direitos sobre os seus bens nem mesmo sobre a sua própria vida. A sua
situação era semelhante à dos filhos sujeitos à patria potestas ou a dos
escravos sujeitos à domenica potestas.
O casamento cum manum caiu em desuso mesmo antes do fim da República,
tendo dado lugar ao matrimónio sine manum. Nesta forma, a mulher
permanecia sob a tutela do seu pai (ou tutor, caso o pai tivesse falecido),

28
A seguir texto de Ricardo Albuquerque, em https://www.worldhistory.org/user/ricardorangelgo/

22
APONTAMENTOS DE INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO
TEXTOS RECOMENDADO PELO PROFESSOR ERNESTO KAMBALI

poderia dispor dos seus bens e receber heranças; em caso de divórcio, o dote
não ficaria por completo para o marido.

A capacidade jurídica matrimonial recebia o nome de conubium e dela só


gozavam os cidadãos romanos. Os estrangeiros, os escravos, os actores e os
que trabalhavam na prostituição estavam impedidos casar. O conubium poderia
ser concedido em casos excepcionais. Também não se verifica conubium entre
pais e filhos (mesmo que o filho ou filha tivesse sido adoptado) e entre irmãos
(mesmo que apenas meios-irmãos). Não era também permitido o casamento
de um homem com a filha do seu irmão, mas a interdição foi alterada pelo
senado para permitir o casamento do imperador Cláudio com a sua sobrinha
Agripina em 49, invocando-se razões de Estado29.

No nosso caso, temos as chamadas incapacidades (ilegitimidades) conjugais,


que, não visando uma incapacidade natural, visa proteger o outro cônjuge e a
família. Trata-se de situações de alienação dos bens do casal que deve ser por
acordo de ambos cônjuges (art.º 56º e 57º do CF), a responsabilidade solidária
quanto as dividas para satisfazer os encargos da vida familiar no regime de
comunhão de adquiridos e conjunta no regime da separação dos bens (61º
CF). A ilegitimidade conjugal é sancionada com a anulabilidade, que o direito
de anulação seja exercido no prazo de um ano contados desde o requerente
teve conhecimento, mas nunca decorridos 3 anos sobre a celebração do
negócio. A anulabilidade não se opõe a terceiro de boa-fé (art.º 60º CF).

O meio de suprimento é o consentimento do outro cônjuge (art.º 56º, n.º 2, 57.º


e 59º do CF). Exige habitualmente a intervenção conjunta e simultânea dos
cônjuges ou procuração com poderes especiais.

O art.º 257.º do CC encontramos a previsão da incapacidade acidental, quando


por embriaguez, estado hipnótico, intoxicação, delírio, ira, etc.., alguém estiver
transitoriamente incapacitado de entender e querer. Os actos praticados
naqueles estados são cominados com anulabilidade, desde que sejam notórios
ou conhecido do declaratário.

Prevê-se ainda o estado do falido ou insolvente, devido a incapacidade de


cumprimento das suas obrigações (1.135º CPC).
1.1 A condição jurídica dos nascituros.

Os nascituros já concebidos (nascituros, propriamente ditos), bem como os


nascituros não concebidos (os concepturos), gozam de proteção e garantias
jurídicas. Ou seja, embora, o legislador angolano, e não só, faça depender o
exercício dos direitos a eles reconhecidos do seu nascimento (n.º 2 do art.º 66º
co CC), os nascituros (concebidos ou não) são legalmente protegidos.

29
Ob. cit.

23
APONTAMENTOS DE INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO
TEXTOS RECOMENDADO PELO PROFESSOR ERNESTO KAMBALI

A propósito, o legislador permite que se façam doações aos nascituros


concebidos ou não concebidos (art.º 952º do CC), a perfilhação de nascituro
(artº. 176º do CF), confere a capacidade sucessórias a pessoas concebidas (nº
1 do art. 2.033º, do CC), e, por testamento ou contratual, aos não concebidos
(nº 2 do artº. 2.033º, do CC). Além disso, de modo reflexo, os nascituros gozam
ainda da protecção jurídica no facto de a lei confere o direito de ter alimentos à
mulher grávida (art. 264º, CF). Portanto, apesar de não terem ainda a
personalidade jurídica e, portanto, dependo do seu nascimento, a lei reconhece
as pessoas que ainda não nasceram e confere protecção jurídica.
2. Direitos da personalidade30.
Persona, vem da expressão prósopon que foi utilizada em um primeiro
momento para designar as máscaras utilizadas no teatro. Superada esta
acepção passou a significar o papel encenado pelo ator em uma peça.
Posteriormente passou a significar a função ocupada pelo indivíduo na
sociedade, sem, contudo, significar o indivíduo em si mesmo.

A noção de pessoa como subjetividade humana, de que decorre a


sedimentação dos Direitos da Personalidade, surge com a tradição teológico-
cristã e sua reflexão sobre a trindade e a origem do homem. A este homem,
feito à imagem do divino, deve se reconhecer os Direitos da Personalidade,
afinal este é um indivíduo dotado de racionalidade.

“Segundo Maria Celina Bodin de Moraes (TEPEDINO et al, 2004, p.31), que
somente a partir do século XIX, com a elaboração das doutrinas francesa e
alemã que se iniciou a construção dos direitos da personalidade”31.

“O termo “pessoa” foi utilizado pela primeira vez em seu sentido técnico pelos
juristas do século XVI. No século seguinte, a liberdade pessoal aparece como
objecto de estudo de Grozius, enquanto a expressão “direito da
personalidade” se pode atribuir a Gierke, o qual no fim do século XIX,
individualizava os aspectos pertinentes ao indivíduo, como a vida, a honra, a
liberdade física e o nome. Na contradição de uma sociedade que lutava
contra o privilégio de classe e, que todavia, teorizava o privilégio do Rei, não se
visualizava espaço para colocar a tutela da personalidade em termos
completos, como valor absoluto. Somente mais tarde começa a prosperar a
possibilidade de estruturar a sociedade sobre a base da reciprocidade entre
indivíduo e soberano (com obrigações e direitos recíprocos), a qual é
concebida com a teorização da divisão dos poderes.

30
Texto de Silvio Romero Beltrão, direito da personalidade – natureza jurídica, delimitação do objeto e
relações com o direito constitucional, em https://www.cidp.pt/revistas/ridb/2013/01/2013
31
Idem.

24
APONTAMENTOS DE INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO
TEXTOS RECOMENDADO PELO PROFESSOR ERNESTO KAMBALI

“O reconhecimento da existência de um direito natural do homem, une-se à


Declaração solene com a qual se proclamava na França revolucionária o
Direito do Cidadão e a liberdade e igualdade de todos os “homens”. Com a
Revolução Francesa, portanto, obtém-se a afirmação da existência de um
direito inato ao homem, inserido no contexto histórico de contraposição ao
Estado. Ainda sob o ponto de vista histórico, os conceitos de pessoa e de
homem nem sempre tiveram correspondência. No período da escravidão,
despia-se o homem da condição de sujeito de direito para considerá-lo coisa,
desprovido da faculdade de ser titular de direitos, ocupando na relação jurídica
a situação de objecto. No sentido jurídico, é para a pessoa que o direito foi
feito, conceituando-se pessoa todo ser humano capaz de direitos e obrigações.

Noção: os direitos de personalidade são vários modos de ser físico, ou morais


da pessoa humana. Os direitos de personalidade visam a protecção da pessoa
física e moral e da dignidade pessoal de cada cidadão, protegendo-o contra
qualquer ofensa ilícita. São absolutos (oponíveis erga omines= todos são
chamados a respeitar), indisponível (excluído do livre arbítrio do seu titular,
relativamente indisponíveis), não patrimoniais (não avaliáveis em dinheiro),
intransmissíveis (não se transmite entre vivos ou por morte), irrenunciável
(não se pode renunciar), imprescritíveis (não se perdem pelo não uso). São
eles: direito ao nome, à imagem, à vida, integridade pessoal (moral =
reputação, prestigio ou decoro (decência), crédito; integridade intelectual =
pensamento, autoria; integridade física), à liberdade, privacidade, etc.

Direitos de personalidade previstos no Código Civil: o art.º 70.º prevê a tutela


geral da personalidade humana. Os direitos especiais de personalidade no
Código Civil encontram-se nos seguintes artigos: 72.º ao 74.º, o direito ao
nome e ao pseudónimo desde que tenha notoriedade; art.º 75.º ao 78.º, o
direito acartas missivas, integram bens protegidos pelo direito à intimidade
privada ou segredos da pessoa, o direito à imagem (79.º), e o direito à
reserva sobre a intimidade da vida privada32.

Quanto ao previsto no art.º 70.º do CC, estamos perante uma norma que
constitui uma cláusula de tutela geral da personalidade., pela qual a Lei protege
os indivíduos a qualquer ofensa ilícita ou ameaça à sua personalidade física ou
moral. Consagra-se pois um direito geral de personalidade face aos direitos
especiais previstos no CC. Um direito que incide sobre a personalidade
humana no seu todo (ius in se Ipsum), independemente do reconhecimento dos
diferentes direitos especiais que têm como objecto aspectos parcelares da
pessoa humana (iura in se Ipsum)33. O direito geral de personalidade é um

32
Carlos Alberto B. da Silva, ob cit. p. 127
33
Carlos Alberto B. da Silva, ob cit. p. 127

25
APONTAMENTOS DE INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO
TEXTOS RECOMENDADO PELO PROFESSOR ERNESTO KAMBALI

direito- matriz ou direito fundante no qual estão enraizados todos os outros


direitos de personalidade34.

O direito ao nome, ou pseudónimo, quando este tenha notoriedade. Este


direito está genericamente na Constituição de Angola (32.º, n.º 1). Por isso, a
pessoa tem a faculdade de o usar, de modo exclusivo, podendo consentir em
fixá-lo em objectos ou personagens. O direito ao nome é o que consta no
assento de nascimento e é protegido mesmo depois da morte do respectivo
titular.

O direito a cartas missivas confidenciais, engloba o âmbito de protecção


dos bens tutelados pelo direito à intimidade privada ou os segredos da pessoa,
direito reflectido na previsão do art.º 34º da Constituição: inviolabilidade da
correspondência e das comunicações. Caso falecer destinatário, a carta deve
ser devolvida ao autor ou aos familiares, ou destruição.

O direito à imagem (art.º 79.º CC), também previsto na CRA (art.º 32º) tutela-
se a aparência física da pessoa que é distinta dos demais, que pode ser
reproduzida pelo desenho, maquina fotográfica, câmaras etc. Imagem:
representação de uma pessoa na sua configuração exterior35. A imagem não
pode ser exposta, reproduzida ou lançado ao comércio sem consentimento da
pessoa, seu titular. A proibição inclui, não apenas divulgação, mas também
todas as formas de captação. O n.º 2 do art.º 79.º a notoriedade da pessoa, o
cargo que desempenha, exigências policiais ou da justiça, finalidades
científicas, didácticas ou culturais, captação decorrida publicamente, com
interesse público, dispensa o consentimento da pessoa de quem é titular da
imagem, por conseguinte a ilicitude da divulgação ou captação. O n.º 3 do art.º
79.º, tem a ver com o direito à honra, nos casos em que a captação, divulgação
ou reprodução ou exposto ao comércio do retrato resulte prejuízo à honra,
reputação ou simples decoro da pessoa retratada.

O direito à reserva sobre a intimidade da vida privada (80º, do CC) e na


Constituição (32.º). Considera-se como um direito residual, já que aparece para
preencher o espaço deixado em branco dos outros direitos de personalidade,
tais como a imagem, honra, reserva da palavra escrita, etc. é um direito que
está intimamente ligado à liberdade fundamental da pessoa humana, que é de
orientar a sua vida como bem entender, sem por em causa os direitos de
terceiros e refere-se a tudo o que não seja público, profissional ou social36.

34
Idem.
35
A. Menezes Cordeiro, Tratado de direito civil Português, I, Tomo III, pessoas, p. 194
36
Carlos Alberto B. da Silva, ob cit. p. 137

26
APONTAMENTOS DE INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO
TEXTOS RECOMENDADO PELO PROFESSOR ERNESTO KAMBALI

Os direitos de personalidade previstos na Constituição da Republica de Angola


(CRA): direito à vida (30.º), o direito à integridade pessoal (física) (31.º), o
direito à liberdade (36.º, 40.º, 41.º,) que se desdobra em vários aspectos da
vida da pessoa humana e o direito da propriedade intelectual /42.º e 43.º).

O Direito à vida, trata-se de um direito inato, isto é, adquirido no nascimento e


termina com a morte. Enquanto direito de personalidade, a vida é
intransmissível, irrenunciável e totalmente indisponível, que a pessoa deve
gerir e defender, sem que possa dela dispor (fazer com ela o que lhe vem na
gana). Diz Gomes Canotilho, “O indivíduo tem o direito perante o Estado a não
ser morto por este, o Estado tem a obrigação de se abster de atentar contra a
vida do indivíduo, e por outro lado, o indivíduo tem o direito à vida perante os
outros indivíduos e estes devem abster-se de praticar atos que atentem contra
a vida de alguém”37.

Afirma Alfredo Orgaz que “a vida constitui um pressuposto essencial da


qualidade de pessoa e não um direito subjetivo desta, sendo tutelada
publicamente, independente da vontade dos indivíduos. O consentimento dos
indivíduos é absolutamente ineficaz para mudar esta tutela, não sendo
possível, assim, haver um verdadeiro "direito" privado à vida. Neste sentido,
são absolutamente nulos todos os atos jurídicos nos quais uma pessoa coloca
sua vida à disposição de outra ou se submeta a grave perigo38.

Do ponto de vista constitucional, “o direito à vida é o mais fundamental de


todos os direitos, já que constitui-se em pré-requisito a existência e exercício
de todos os demais direitos”39.

A Integridade pessoal (art.º 31º, 1. A integridade moral, intelectual e física das


pessoas é inviolável. 2. O Estado respeita e protege a pessoa e a dignidade
humanas). A integridade pessoal integra a integridade física (físico-psíquica,
sanidade mental, não a drogas) integridade moral (honra objectiva e
subjectiva, decoro, reputação ou bom nome, o crédito) e integridade
intelectual (protecção da liberdade de pensamento e no direito autoral, usufruir
das produções do seu espirito, tendo a garantia de publicar, reproduzir. A
pessoa é um ser psíquico actuante).

O direito à liberdade A liberdade desdobra-se em: liberdade física


(locomoção, disposição do corpo, que inclui a liberdade sexual positiva e
negativa, dentro como fora do casamento, mas depois de atingida certa idade,

37
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 4ª edição. Coimbra
[Portugal]: Livraria Almedina, 2000. p. 526 segs..
38
ORGAZ, Alfredo. Personas Individuales. Buenos Aires, Argentina: Editorial Depalma, 1947.
39
Vide MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 8ª ed. São Paulo: Editora Atlas S. A., 2000, p. 61.

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APONTAMENTOS DE INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO
TEXTOS RECOMENDADO PELO PROFESSOR ERNESTO KAMBALI

limitado por proibição de relações adulterinas), liberdades morais (liberdade


de expressão, de consciência, de vontade (proteger-se de álcool,
estupefacientes, hipnoses), liberdade de sensibilidade e da alma (não a odio
racial, politico, religioso etc), liberdades profissionais (liberdade de escolher a
profissão que quer, emprego que quer), liberdades jurídicas (liberdade de
praticar actos jurídicos, tais como liberdade de contratar, de possuir, de casar,
de testar etc).

Limites aos direitos de personalidades: a própria natureza do bem da


personalidade (no que toca ao direito geral de personalidade, procurar ainda
que direito foi violado, deixando a pessoa no seu todo), as exigências da vida
em comum (a lesão só é relevante se exceder os limites da adequação social),
ponderação dos interesses em jogo (no caso de estado de necessidade, etc,
quando exista conflito entre dois ou mais direitos = 335.º do CC), o
consentimento do lesado (exclusão do facto ou justificação da lesão ou do
facto).

Quanto ao jogo do consentimento, são três espécies de consentimento: o


consentimento vinculante - quando há assunção de um autêntico
compromisso jurídico, um contrato, apesar disso, o n.º 2 do art.º 81.º do CC
estabelece o princípio da revogabilidade do consentimento, sem afastar a
responsabilidade civil pelos danos causados; o consentimento autorizante -
não deixa de dar origem a um compromisso jurídico (não negocial), a
responsabilidade resulta da frustração das expectativas. Ex. Cirurgias em
benefício alheio, actividades perigosas, intervir em benefício alheio;
consentimento tolerante – ocorre nas intervenções em benefício próprio,
como cirurgia em benefício próprio, ou actividade perigosa em benefício
próprio.

7. Direito Constitucional – conceito e importância

O Direito Constitucional é um ramo de direito público que estuda o conjunto de


normas que regulam a organização, funcionamento e limites do poder do
Estado, garantindo um equilíbrio entre a força coerciva deste e a autonomia e
liberdade da comunidade em nome da qual aquele poder é exercido e
estabelece também os direitos das pessoas que pertencem à respetiva
comunidade política.

É importante porque posiciona o poder público na sua dimensão de suprema


autoridade soberana, regulando os seus poderes, bem como as relações com
as pessoas e outros poderes e estabelecem as orientações da vida colectiva
de uma determinada sociedade.

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APONTAMENTOS DE INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO
TEXTOS RECOMENDADO PELO PROFESSOR ERNESTO KAMBALI

1. Os direitos fundamentais dos cidadãos

São os Direitos do Homem em vigor num ordenamento jurídico concreto num


dado momento histórico. Um catálogo de direitos fundamentais dos cidadãos
que têm fundamento na dignidade da pessoa humana, na liberdade, na
fraternidade e na igualdade do Homem.
2. Direitos, Liberdades e garantias (Breve referência)

A actual Constituição angolana consagra a velha ou/e tradicional divisão


dicotómica e dogmática dos direitos fundamentais em dois grandes grupos: por
um lado, os «direitos, liberdades e garantias» e, por outro, os «direitos
económicos, sociais e culturais», também designados, abreviadamente, por
direitos sociais.

Tradicionalmente, os direitos, liberdades e garantias são direitos de


natureza tendencialmente «defensiva» e «negativa», ou seja, são, em geral,
“direitos de liberdade, cujo destinatário é o Estado, e que têm como obrigação
de abstenção do mesmo relativamente à esfera jurídica-subjectiva por eles
definida e protegida; estando-lhe vedada toda e qualquer possibilidade de
interferência ou intromissão no sentido da limitação do exercício destes
direitos, cuja função imediata é a protecção da autonomia da pessoa,
salvaguardando, deste modo, bens jurídicos fundamentais, indispensáveis à
concretização da dignidade da pessoa humana (Canotilho, Gomes, Direito
Constitucional e Teoria da Constituição, 7ª Edição, Almedina Editora, 2003, p.
399).
Ex. O Direito à vida, Garantia é a proibição da pena de morte (art. 59.º),
o direito de antena, direito à identidade, à privacidade e à intimidade (art.
32.º/1) – os direitos à identidade pessoal, à capacidade civil, à
nacionalidade, ao bom-nome e reputação, à imagem, à palavra e a
reserva da vida privada”; o direito à inviolabilidade do domicílio (art. 33.º)
e o direito à inviolabilidade da correspondência e das comunicações (art.
34.º) – este direito, tal como o anterior, são “invioláveis”, pois ambos
visam a protecção de bens jurídicos fundamentais comuns, como a
dignidade da pessoa, o desenvolvimento da personalidade, e, sobretudo,
a garantia da liberdade individual, da autodeterminação existencial, a
garantia da privacidade, nos termos do art. 32.º; os direitos relativos à
família, ao casamento e a filiação (art. 35.º) – consagração importante no
âmbito do reconhecimento e garantia dos direitos relativos à família, ao
casamento e a filiação; o direito à liberdade física e à segurança pessoal
(art. 36.º) – relativamente ao direito à liberdade, a Constituição consagra
algumas garantias ou meios específicos de garantia, designadamente no
que toca à lei criminal, às penas e medidas de segurança; a extradição e
expulsão; o direito de asilo; o direito ao processo criminal e o habeas

29
APONTAMENTOS DE INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO
TEXTOS RECOMENDADO PELO PROFESSOR ERNESTO KAMBALI

corpus (neste âmbito seria verdadeiramente importante a positivação de


uma outra garantia intimamente ligada ao direito à liberdade, ou seja, a
prisão preventiva, desprovida de dignidade constitucional em face da
nova Constituição angolana, e constitui ao nosso ver, um retrocesso
relativamente a Lei Constitucional anterior, que consagrava este direito,
nos termos dos arts. 37.º e 38.º da LCA de 92). Quanto ao direito à
segurança “representa mais uma garantia de direitos do que um direito
autónomo” . A liberdade de expressão e de informação (art. 40.º) – estes
dois direitos ou “conjunto de direitos” (n.º 1) – têm como uma das
consequências mais importantes a proibição da censura em sentido
amplo, ou seja, é proibida “todo tipo ou forma de censura” (n.º 2); o direito
de consciência, de religião e de culto (art. 41.º) – etc.

3. A problemática dos Direitos Humanos

Os Direitos do Homem são direitos aceites como válidos por toda a


Humanidade (para todos os povos e todas as épocas), com base no carácter
inviolável, intemporal e universal da natureza da pessoa humana. Derivam da
natureza da pessoa humana, fazem parte da essência da Humanidade
(entendida aqui como uma comunidade de gerações presentes e futuras).
Fazendo parte da essência da Humanidade e sendo conaturais ao próprio
Homem, os Direitos Humanos têm por objectivo a protecção da personalidade
humana na sua dimensão social e impõem limites à autoridade e soberania dos
Estados modernos. Os Direitos Humanos têm um carácter universal e
indivisível e a Comunidade Internacional possui organizações (como a Amnistia
Internacional) e normas, tratados ou convenções que visam a sua protecção ou
salvaguarda (como a Declaração Universal dos Direitos do Homem) A
condenação generalizada da pena de morte, da tortura e da prisão por motivos
políticos ou religiosos, do racismo e da xenofobia, do genocídio e da violação
do princípio da autodeterminação dos povos constitui expressão do combate
universal em prol da promoção dos Direitos Humanos.

8. Norma Jurídica

Conceito de normas jurídicas: são regras de conduta social gerais,


abstractas e imperativas, adoptadas e impostas de forma coercitiva pelo
Estado, através de órgãos ou autoridades competentes.

a. Estrutura
Estrutura da norma jurídica A norma jurídica tem uma estrutura interna
constituída, amiúde, por três elementos, a saber:

a) Previsão: a norma jurídica regula situações ou casos hipotéticos da vida que


se espera venham a acontecer (previsíveis), isto é, contém, em si mesma, a
representação da situação futura;

30
APONTAMENTOS DE INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO
TEXTOS RECOMENDADO PELO PROFESSOR ERNESTO KAMBALI

b) Estatuição: a norma jurídica impõe uma conduta a adoptar quando se


verifique, no caso concreto, a previsão da norma:

c) Sanção: a norma jurídica dispõe os meios de coacção que fazem parte do


sistema jurídico para impor o cumprimento dos seus comandos.

As sanções jurídicas apresentam diversas modalidades, destacando-se as


seguintes: - Sanções civis – têm por fim impor o cumprimento das obrigações
e ou o ressarcimento de danos morais e materiais causados por quem age em
violação das normas a que está obrigado. Traduzem-se, designadamente, na
reconstituição do interesse lesado, ou uma indemnização, destinada a cobrir os
prejuízos ou danos causado, - Sanções criminais (ou penais) – visam
responsabilizar o criminoso perante a sociedade em virtude de actos ou
omissões que violem normas imperativas de convivência social, podendo as
penas revestir-se as mais diversas formas: pena de multa, privação da
liberdade (pena de prisão), imposição de medidas de segurança,
indemnizações (nalguns casos), etc.; - Sanções disciplinares – traduzem-se
na aplicação de sanções a indivíduos pela violação de normas que disciplinam
a conduta no seio de organizações a que pertençam esses mesmos indivíduos.
As penas disciplinares podem ser de mera censura, pecuniárias (multas),
suspensivas (suspensões) e expulsivas (aposentação compulsiva e demissão).

Nas sanções jurídicas revela-se a coercibilidade que se traduz na associação


entre o Direito (Justiça) e a Força. Entretanto, não é imprescindível a utilização
da Força em todos os casos para se assegurar o cumprimento das normas
jurídicas. Com efeito, na maioria das vezes, o acatamento destas a acontece
de forma voluntária ou natural, sem a intervenção da Força.

b. Características
Características da norma jurídica A partir da própria definição acabada de
apresentar, podem extrair-se as características mais marcantes da norma
jurídica, que são:

a) Generalidade: Todos os cidadãos são iguais perante a lei, razão por que a
norma jurídica se aplica a todas as pessoas em geral. As normas jurídicas são
válidas para todos e a todos obrigam de igual forma;

b) Abstracção: As normas jurídicas aplicam-se a um número abstracto de


situações, a situações hipotéticas em que poderão enquadrar-se as condutas
sociais e não a um indivíduo ou facto concreto da vida social;

c) Imperatividade: As normas jurídicas são de cumprimento obrigatório;

d) Coercibilidade: As normas jurídicas podem impor-se mediante o emprego


de meios coercivos (ou da força) pelos órgãos estaduais competentes, em caso
de não cumprimento voluntário.
31
APONTAMENTOS DE INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO
TEXTOS RECOMENDADO PELO PROFESSOR ERNESTO KAMBALI

A norma jurídica, ao revestir as características de imperatividade e


coercibilidade, limita a liberdade do indivíduo, impelindo-o a conter os impulsos
pessoais e a eleger as condutas a seguir de modo a não pôr em causa a
liberdade dos outros e as bases de convivência social. Assim, para que a
norma jurídica possa ser observada efectivamente, a par da sua justeza
intrínseca, joga um papel importante a responsabilidade do indivíduo, que pode
levá-lo a ter uma conduta conforme ao direito. O acatamento voluntário ou
natural dos deveres jurídicos afasta a necessidade de coerção na aplicação da
norma jurídica.

Bilateralidade: O Direito existe sempre vinculado a duas ou mais pessoas,


atribuindo poder a uma parte e impondo dever à outra.

A regra jurídica deve reunir os três requisitos de validade: fundamento


(valor); eficácia social, em virtude de sua correspondência com o querer
coletivo (facto) e validade formal ou vigência, por ser emanada do poder
competente, com obediência aos trâmites legais (norma).

9. O DIREITO E A ORGANIZAÇÃO DA SOCIEDADE

a. Direito Público e Direito Privado

É discutível a divisão do Direito entre Direito Público e Direito Privado. A


distinção entre Direito público e Direito privado tem sido polémica ao longo dos
tempos, sendo vários os critérios propostos pelos vários autores de que se
destacam: Critério da natureza dos interesses, Critério da qualidade dos
sujeitos, Critério da posição dos sujeitos na relação jurídica. Esta ultima
tem maior consenso. Critério do interesse
O critério do interesse é o mais antigo e conhecido. Dizia Ulpiano. “Hujus
studii duae sunt positiones, publicum et privatum. Publicum jus est, quod ad
Tum rei Romanae spectat, privatum quod ad singulorum utilitatem.” Isto é o
direito público diz respeito às coisas públicas de Roma, isto é, ao Estado, o
direito privado se refere à utilidade ou interesses dos indivíduos.3 Nessa
perspectiva, o direito público regula os interesses do Estado (ou da sociedade
representada pelo Estado); o direito privado, por sua vez, regula o interesse
dos sujeitos privados.
Critério da qualidade dos sujeitos - De acordo com este critério, é direito
público aquele que regula as relações em que ambos os sujeitos, ou pelo
menos um deles, são sujeitos públicos (autarquias locais ou os institutos
públicos). É direito privado aquele em que ambos os sujeitos da relação são
particulares, isto é, indivíduos ou pessoas coletivas privadas (como as
associações, fundações ou sociedades privadas).

32
APONTAMENTOS DE INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO
TEXTOS RECOMENDADO PELO PROFESSOR ERNESTO KAMBALI

Critério da posição dos sujeitos na relação jurídica - Este critério surge


para responder às insuficiências do critério anterior. De acordo com estre
critério, não é a qualidade dos sujeitos da relação jurídica que serve de base à
distinção, mas é antes a posição que nela assumem na relação jurídica. Assim,
o direito público é o conjunto de normas que regulam as relações jurídicas
entre os particulares e o Estado ou outros entes públicos, intervindo este com
“ius imperii”. Ao passo que o direito privado as relações em que intervêm os
particulares, ou mesmo o Estado e outras pessoas coletivas de direito público,
quando atuem em posição de igualdade ou paridade com outros sujeitos, ou
seja, o Estado despido do seu “ius imperii”.

Direito Público:

Direito constituído por um conjunto de normas que regulam relações em


intervenham o Estado ou outro ente público, doptado de ius imperii. Tem
ramos, designadamente o Direito Constitucional (tem por objecto fixar a
estrutura do Estado e estabelecer os direitos fundamentais da pessoa
humana); o Direito Administrativo (que estabelece os preceitos relativos à
administração pública), o Direito Penal (que define as condutas criminosas,
visando preveni-las e reprimi-las), o Direito Financeiro (que cuida da
organização das finanças do Estado), o Direito Processual Civil e Penal, (que
tratam da realização da Justiça, regulando o processamento das acções
perante o Poder Judicial) Direito Tributário (tem por objecto de estudo o
conjunto de normas que regulam a actividade de arrecadação das receitas,
efectuada essencialmente através de impostos (prestações unilaterais
estabelecidas por lei e calculadas com base nos rendimentos auferidos pelos
cidadãos e entregues ao Estado) e taxas (prestações efectuadas pelos
cidadãos como contrapartida de serviços que lhes são prestados pelo Estado
ou pela utilização de bens do domínio público), Direito Fiscal (que se ocupa do
sistema de normas jurídicas que disciplinam as relações de imposto e definem
os meios e processos através dos quais se realizam os direitos emergentes
daquelas relações). Direito Económico (que se ocupa do estudo do conjunto
de normas jurídicas reguladoras das relações de realização e de direcção da
actividade económica, tendo em vista a produção e a distribuição de bens e a
prestação de serviços susceptíveis de satisfazer as necessidades de
subsistência e desenvolvimento da sociedade).

Direito privado: constituído por normas que regulam as relações que se


estabelecem entre os cidadãos, entre estes e o estado ou qualquer ente
público, desde que seja despido de ius imperii.

O Direito Privado, por seu turno, compreende, essencialmente, o Direito Civil


(regula os direitos e obrigações de ordem privada concernentes às pessoas,
aos bens e às relações que as pessoas estabelecem entre si e a respeito dos
bens: dto das obrigações, dtos reais, dto da família, dto das sucessões,
33
APONTAMENTOS DE INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO
TEXTOS RECOMENDADO PELO PROFESSOR ERNESTO KAMBALI

especializações: dto do autor, dto das associações, dto do trabalho) e o


Direito Comercial (que regula a profissão dos comerciantes, seus actos ou
contratos = especializações: dto marítimo, bancário, dos seguros, propriedade
industrial, dos transportes, do consumo).

Com o fenómeno de iuspublicização e iusprivatização, a divisão dto publico


e privado tem sofrido influências mútuas (dto do trabalho e dto administrativo
em matéria dos contratos). Ademais, dado o fenómeno de convergência (dto
publico e privado a caminharem no mesmo sentido), há certos ramos do direito
que não cabem nos limites formais da distinção entre dto público e dto privado.
Ex: o Dto do Ambiente, o Dto do Ordenamento do Território. Incluímos neste
tópico O Direito internacional privado

b. Noção e elementos do Estado

O Estado é uma figura abstrata criada pela sociedade. O Estado é uma


sociedade política criada pela vontade de unificação e desenvolvimento do
homem, com intuito de regulamentar, preservar o interesse público. Conjunto
de pessoas doptado de soberania e situado num determinado território. O
Estado originou-se da vontade de preservação desse interesse ou bem
comum, posto que a sociedade natural não detinha os mecanismos
(regulamentação) necessários para promover a paz e o bem-estar de seus
membros. Assim, a única forma de preservação do bem comum foi a
delegação de poder a um único centro, o Estado.
O Estado seria uma organização social, dotada de poder e com autoridade
para determinar o comportamento de todo o grupo (SILVA, Enio Moraes da. O
estado democrático de direito. a.42 n. 167. Brasília: Revista de Informação
Legislativa, jul/set 2005, p. 216).

O Estado possui três elementos constitutivos, sendo que a falta de qualquer


elemento descaracteriza a formação do Estado. Para o reconhecimento do
Estado perfeito se faz necessária a presença do povo, território e soberania
(MALUF, Sahid. Teoria Geral do Estado. São Paulo: Saraiva, 1998, p. 23).
c. Poderes e funções do Estado

O Legislativo: estabelece normas que regem a sociedade. Cabe a ele criar leis
em cada uma das três esferas e fiscalizar e controlar os atos do Poder
Executivo. O presidente da República também pode legislar, seu principal
instrumento é a medida provisória.

O Executivo: é responsável pela administração dos interesses públicos,


sempre de acordo com nossa carta magna e as ordenações legais.

O Judiciário: possui duas tarefas principais, a primeira é a de controlo de


constitucionalidade, ou seja, é a averiguação da compatibilidade das normas

34
APONTAMENTOS DE INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO
TEXTOS RECOMENDADO PELO PROFESSOR ERNESTO KAMBALI

com a Constituição da República, pois só assim serão válidas. A segunda


obrigação é justamente solucionar as controvérsias que podem surgir com a
aplicação da lei.
d. Órgãos de soberania

Nos termos do artigo 105º da constituição, são órgãos de soberania o


Presidente da República, a Assembleia Nacional e os Tribunais, que devem
respeitar a separação e interdependência de funções, cujo abaixo se
descrevem:
Presidente da República

O Presidente da República é o Chefe de Estado, o titular do Poder Executivo e


o Comandante-em-Chefe das Forças Armadas Angolanas. O Presidente da
República simboliza a unidade nacional e representa a nação no plano interno
e internacional. O Presidente da República é eleito por sufrágio universal,
directo, igual e secreto, por um período de cinco anos, entre os cidadãos
angolanos maiores de 35 anos, bem como garante o direito constitucional.

O Presidente da República exerce o poder executivo, auxiliado por um Vice-


Presidente, Ministros de Estado e Ministros. O Vice-Presidente é um órgão
auxiliar do Presidente da República no exercício da função executiva.

O poder executivo é exercido pelo Presidente da República, Vice-presidente e


pelo Conselho de Ministros, sendo os governadores das 18 províncias
nomeados pelo Chefe de Estado e executam as suas directivas.
Assembleia Nacional

A Assembleia Nacional é o parlamento da República de Angola. É um órgão


unicamaral, representativo de todos os angolanos, que exprime a vontade
soberana do povo e exerce o poder legislativo do Estado.

Os Deputados são eleitos por sufrágio universal, periódico pelos cidadãos


nacionais maiores de dezoito anos de idade residentes no território nacional, no
estrangeiro.

Os deputados são eleitos por círculos eleitorais, para um mandato de cinco (5)
anos, existindo um círculo eleitoral nacional e círculos eleitorais
correspondentes a cada uma das províncias. Para a eleição dos Deputados
pelos círculos eleitorais é fixado o seguinte critério:

• Um número de 130 Deputados é eleito a nível nacional, considerando-se o


País, para esse efeito, um círculo eleitoral nacional único;

• Um número de 5 Deputados é eleito em cada província, constituindo, para


esse efeito, um círculo eleitoral provincial.

35
APONTAMENTOS DE INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO
TEXTOS RECOMENDADO PELO PROFESSOR ERNESTO KAMBALI

Qualquer cidadão Angolano (maior de 18 anos) pode ser Deputado. A lei


eleitoral prevê algumas excepções que decorrem da natureza de certas
funções, tais como as de Magistrado, Militar no activo, Diplomata, entre outras.
Cada Ano Parlamentar é designado por Sessão Legislativa e inicia-se a 15 de
Outubro. Sendo que, uma Legislatura corresponde a 5 Sessões Legislativas. O
mandato dos Deputados só termina com a primeira reunião da Assembleia
após novas eleições. Direcção: o Presidente da Assembleia Nacional,
coadjuvado por vice-presidentes, comissões parlamentares.
Tribunais

Os tribunais são órgãos de soberania com competência de administrar a justiça


em nome do povo. Compete aos tribunais dirimir conflitos de interesses público
ou privado, assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos,
bem como os princípios do acusatório e do contraditório e reprimir as violações
da legalidade democrática. Todas as entidades públicas e privadas têm o dever
de cooperar com os tribunais na execução das suas funções, devendo praticar,
nos limites da sua competência, os actos que lhes forem solicitados pelos
tribunais. No exercício da função jurisdicional, os Tribunais são independentes
e imparciais, estando apenas sujeitos à Constituição e às leis. Neste particular,
os Tribunais superiores da República de Angola são o Tribunal Supremo, o
Tribunal Constitucional, o Tribunal de Contas, o Supremo Tribunal Militar e a
Procuradoria-Geral da República., provedoria da justiça.
10. FONTES DE DIREITO

Fontes de Direito são os meios pelos quais se formam ou se revelam as


normas jurídicas.
São várias as classificações das fontes do Direito. "A mais importante
divide-as em fontes directas ou imediatas e fontes indirectas ou mediatas.

Fontes directas ou imediatas são aquelas que, por si só, pela sua própria
força, são suficientes para gerar a regra jurídica”. São a lei, o Costume e o
Tratado Internacional.
Fontes indirectas ou mediatas são as que não têm tal virtude, porém
encaminham os espíritos, mais cedo ou mais tarde, à elaboração da norma.
São o costume, a doutrina e a jurisprudência, os usos, os princípios gerais do
Direito".

1. Fontes imediatas ou directas:


Como vimos, são fontes imediatas a lei, o costume e o tratado internacional.

A Lei: Para dirimir uma questão submetida à apreciação do Poder Judicial, a


primeira fonte de que se lança mão é a lei. Em países como o nosso, em que o

36
APONTAMENTOS DE INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO
TEXTOS RECOMENDADO PELO PROFESSOR ERNESTO KAMBALI

Direito é escrito, a lei assume papel de suma importância, figurando como a


principal fonte do Direito.

Lei é uma regra geral, que, emanando de autoridade (estadual) competente, é


imposta, coactivamente, à obediência de todos". Com efeito, ela caracteriza-se
por ser um conjunto de normas dotadas de generalidade, isto é, que se dirigem
a todos os membros da colectividade, sem exclusão de ninguém. A lei é ainda
provida de coacção, com o objectivo tornar induzir os indivíduos a não violar os
seus preceitos.

A mais importante das Leis é a Constituição, que contém as normas


jurídicas superiores, às quais se subordinam as normas contidas em leis e
outros actos legislativos e normativos.

Lei, em sentido restrito, é aprovada pelo Parlamento, órgão legislativo,


Assembleia Nacional.

A Constituição: o termo “Constituição” é definido por certos autores em vários


sentidos:
a) Como ordem de formação e funcionamento dos órgãos do poder do
Estado, independentemente da essência social do regime estatal estabelecido
e sem ter em conta as bases deste regime (a lei, o costume, ou a coerção
directa) nem a existência ou falta de formalização directa do mesmo e seu
procedimento de alteração. Neste caso, a Constituição é entendida como
estrutura das sociedades que sempre está constituída de alguma maneira
(organização do trabalho, distribuição, relações sociais, políticas, ideológicas,
etc.);

b) Como o procedimento da regulação jurídica das bases da vida do


Estado. Neste sentido, a Constituição é o conjunto de normas jurídicas que
legalizam as bases do sistema social e económico e da organização política da
sociedade.

c) Como a Lei Fundamental do Estado, como o acto que regula as bases da


vida estatal. Pode ser que o Estado não tenha a Constituição como uma Lei
Fundamental única, sistematizada. Porém, desde a aparição da burguesia,
existe sempre a Constituição no sentido do conjunto de normas que
consolidam as bases da organização social e estatal.

De acordo com diversos autores, nomeadamente Miranda, a Constituição


pode ser encarada de várias perspectivas, designadamente: a) –

Perspectiva formal - em que se atende à disposição das normas


constitucionais ou do seu sistema em face das demais normas ou do
ordenamento jurídico em geral. Assim, fala-se da Constituição em sentido

37
APONTAMENTOS DE INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO
TEXTOS RECOMENDADO PELO PROFESSOR ERNESTO KAMBALI

formal, como conjunto de normas formalmente qualificadas de constitucionais


e revestidas de força jurídica superior à de quaisquer outras normas;

Perspectiva material - em que se atende ao objecto, conteúdo ou função da


Constituição. Assim, fala-se da Constituição em sentido material, como
conjunto de normas que se referem aos fins e titularidade do poder político,
órgãos que o exercem e direitos que o limitam.

Por outras palavras, existe Constituição sentido material quando se está


perante normas (escritas ou não, e até dispersas que versem matéria
considerada constitucional (estabelecimento e funcionamento das instituições
políticas, regulamentação do sistema de governo, direitos individuais e sociais,
etc.

Perspectiva institucional, em que se fala de Constituição institucional,


porque qualquer Estado, por ser Estado, e seja qual for o seu sistema político,
a implica, porquanto possui normas jurídicas superiores que regulam a
formação e o funcionamento das instituições do Estado;

Perspectiva instrumental, em que se toma a Constituição como o documento


onde se inserem ou se depositam normas constitucionais. Neste sentido se fala
de Constituição em sentido instrumental, como todo e qualquer texto
constitucional, seja ele definido material ou formalmente, ou como qualquer
texto que contenha normas formal ou materialmente constitucionais.

Perspectiva substancial (que pode reconduzir-se à perspectiva anterior), em


que se toma a Constituição como fonte originária do ordenamento jurídico,
como fundamento de validade das demais normas jurídicas estaduais. Assim
se tem o conceito genético da Constituição, como conjunto das normas cuja
validade ou eficácia não se fundamenta em nenhuma outra do mesmo
ordenamento jurídico, como conjunto de normas conexas com o exercício do
poder constituinte que, portanto, não podem deixar de se ligar à definição do
Estado e do poder político em geral.
As leis da Assembleia Nacional, Decretos presidenciais, Decretos
legislativos presidenciais, Regulamentos, Decretos Executivos,
Despachos, Avisos, etc. ver CRA.

O Tratado Internacional

O Tratado Internacional é o acordo de vontades entre estados e outros sujeitos


internacionais40. Por força constitucional, os tratados fazem parte da ordem
jurídica. Para tanto, devem ser aprovados (a aprovação pode ser, consoante os
casos, da competência do Governo ou da Assembleia) e ratificados
40
6 São sujeitos internacionais os Estados, as Organizações Internacionais e outros sujeitos
internacionais.

38
APONTAMENTOS DE INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO
TEXTOS RECOMENDADO PELO PROFESSOR ERNESTO KAMBALI

(confirmados) pelo Presidente da República. Há diferentes tipos de Tratados:


tratados normativos (que definem normas ou regras de Direito), tratados-
contratos (que visam a realização de uma operação concreta, extinguindo-se
os seus efeitos com o término dessa operação), tratados colectivos (que
envolvem mais do que dois estados) e tratados particulares ou bilaterais (que
envolvem dois estados).
2. Fontes mediatas ou indirectas:
O Costume: Norma não escrita que resulta de prática reiterada e habitual,
acompanhada da consciência ou convicção colectiva acerca do seu carácter
obrigatório.

Nas sociedades primitivas, antes que se conhecesse a escrita, as normas se


traduziam pela repetição de práticas que se entranhavam no espírito social e
passavam a ser entendidas como obrigatórias ou normativas.

No Direito Romano, desde a fundação de Roma (753 a.C data presumível) até
meados do século V a.C, o costume foi a única fonte do direito. A Lei das
XII Tábuas surge como uma representação dos costumes. A partir de então os
costumes passam a desempenhar um papel menor no Direito Romano.

Apesar da predominância da lei como fonte em nosso ordenamento jurídico, o


costume desempenha papel importante, principalmente porque a lei não tem
condições de predeterminar todas as condutas e todos os fenômenos. O uso
reiterado de uma prática integra o costume.

Na verdade, as leis escritas não compreendem todo o Direito. Há normas


costumeiras, também chamadas consuetudinárias, que obrigam, igualmente,
ainda que não constem de preceitos votados por órgãos competentes.
Realmente, havendo lacuna na lei, não se segue que a ordem jurídica seja
lacunar, e então a questão será resolvida mediante recursos aos costumes, a
segunda fonte mediata do Direito.

A obediência a uma conduta por parte de uma colectividade configura um uso.


A reiteração desse uso forma o costume, que vem a ser a regra de conduta
criada espontaneamente pela consciência comum do povo, que a observa por
modo constante e uniforme, e sob a convicção de corresponder a uma
necessidade jurídica.

É o produto de uma elaboração entre os homens. O emprego de uma


determinada regra para regular determinada situação, desde que se repita
reiteradamente, quando igual situação se apresente de novo, constitui uma
prática, um uso, cuja generalização através do tempo leva a todos os espíritos
a convicção de que se trata de uma regra de Direito. Esse hábito que
adquirem os homens de empregar a mesma regra sempre que se repete a

39
APONTAMENTOS DE INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO
TEXTOS RECOMENDADO PELO PROFESSOR ERNESTO KAMBALI

mesma situação, e de segui-la como legítima e obrigatória, é que constitui


o costume.

Nestas condições, e como pondera Ricardo Teixeira Brancato, "algumas


normas há em nossa sociedade que, embora não escritas, são obrigatórias.
Tais normas são ditadas pelos usos e costumes e não pode deixar de ser
cumpridas, muito embora não estejam gravadas numa lei escrita. Aliás, mais
cedo ou mais tarde determinados costumes acabam por ser cristalizados em
uma lei, passando, pois, a integrar a legislação do país.

Para que um costume seja reconhecido como fonte de Direito deve reunir
determinados requisitos. Assim, é preciso: a) que seja contínuo (factos
esporádicos, que se verificam vez por outra não são considerados costumes);
b) que seja constante (a repetição dos factos deve ser efectiva, sem dúvidas,
sem alteração); c) que seja moral (o costume não pode contrariar a moral ou
os bons hábitos, não pode ser imoral); d) que seja obrigatório, isto é, que não
seja facultativo, sujeito a vontade das partes interessadas".
A Doutrina
Do latim, docere (ensinar, instruir, mostrar), em sentido jurídico a doutrina é
entendida como o conjunto de princípios explanados nos livros de Direito, onde
se materializam teorias e analisam interpretações quanto às ciências jurídicas.
Savigny denominava doutrina como "Direito científico" ou "Direito dos juristas".
É o conjunto de opiniões, estudos e pareceres jurídicos elaborados por
professores e técnicos de Direito de reconhecida competência sobre a forma
adequada e correcta de aplicar, articular e interpretar as normas jurídicas.

Não possui carácter vinculativo; a doutrina resulta de investigações e


reflexões teóricas e de princípios metodicamente expostos, analisados e
sustentados pelos autores, tratadistas, jurisconsultos, no estudo das leis.

Como salienta Caio Mário da Silva Pereira, "em determinadas fases da cultura
jurídica sobressaem escritores, a cujos trabalhos todos recorrem de tal forma
que as suas opiniões se convertem em preceitos “obrigatórios41”... Com efeito,
é de grande valor o trabalho dos doutrinadores na elaboração e na aplicação
do direito objectivo, já que, analisando criticamente as diferentes opções
jurídicas, apontando as falhas, os inconvenientes e defeitos da lei vigente,
ajuda o legislador na feitura de lei mais perfeita e o aplicador do direito na
procura das soluções mais adequadas aos casos em apreço.

41
“Obrigatórios” no sentido de que essas orientações são pacificamente seguidas, pela sapiência
revelada pelos doutrinadores e pela consistência e razoabilidade de suas tomadas de posição. Em todo o
caso, entre nós, e nos sistemas romano-germânicos em geral, a Doutrina não é uma fonte de direito de
carácter vinculativo, tal como acontece, também, com a Jurisprudência

40
APONTAMENTOS DE INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO
TEXTOS RECOMENDADO PELO PROFESSOR ERNESTO KAMBALI

A Jurisprudência

A palavra Jurisprudência é derivada do latim jus (direito) e prudentia


(sabedoria), ou seja aplicação do direito com sabedoria, devendo ser entendida
como a forma de revelação do direito através do exercício da jurisdição,
mediante uma sucessão de decisões harmônicas (em um mesmo sentido) dos
tribunais, aplicadas a casos concretos que apresentem similitude.

A Jurisprudência é o resultado da actividade jurisdicional, atribuída aos


magistrados por força da jurisdição (juris + diccio - dizer o direito = poder legal
dos magistrados de conhecer e julgar os litígios). A Jurisprudência evidencia-
se, pois, através de regras gerais que se extraem das reiteradas decisões
de tribunais (em geral, de maior hierarquia) num mesmo sentido, numa
mesma direcção interpretativa. Sempre que uma questão é decidida
reiteradamente no mesmo modo surge a jurisprudência. Como fonte indirecta
do Direito, não vincula o juiz, mas costuma dar a este importantes subsídios na
solução de cada caso.
A Jurisprudência é um conjunto de regras gerais e orientações que se retiram
das decisões judiciais emanadas dos tribunais da mais alta hierarquia para
efeitos de consideração ulterior no julgamento de casos semelhantes
submetidos a outros tribunais de igual ou menor nível. Com efeito, as
sentenças ou acórdãos dos tribunais superiores sobre determinados casos
servem de referência no julgamento de casos idênticos, contribuindo para uma
interpretação e aplicação uniformes (ou tendencialmente uniformes) das
normas jurídicas.
Os princípios gerais de Direito

A Ciência Jurídica costuma enunciar ainda como Fonte de Direito os chamados


Princípios Gerais do Direito, que são os pressupostos lógicos em que se
baseiam as diferentes normas jurídicas. No seu livro “Lições preliminares de
Direito”, Miguel Real considera que os princípios gerais do Direito são
enunciações normativas de valor genérico, que condicionam e orientam a
compreensão do ordenamento jurídico em sua aplicação e integração ou
mesmo para a elaboração de novas normas. Podem considerar-se como os
alicerces do ordenamento jurídico, informando o sistema independentemente
de estarem formalizados na norma legal. Assim, admitem-se como princípios
gerais.

 Não condenar alguém se não se pode provar sua culpa;


 A ninguém é permitido causar dano a outrem e, se o fizer, deverá
indemnizá-lo;
 Não se pode punir ninguém pelos seus pensamentos;

41
APONTAMENTOS DE INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO
TEXTOS RECOMENDADO PELO PROFESSOR ERNESTO KAMBALI

 Ninguém pode ser obrigado a citar os dispositivos legais em que se


apoia a sua pretensão, pois parte-se do pressuposto de que o julgador
os conhece;
 A ninguém é obrigado fazer o impossível;
 Não há crime nem criminoso se não houver lei anterior que o prescreva
como tal.
Assim, a justiça, a igualdade, a equidade, a liberdade, a legalidade, o direito à
vida, à defesa e à resistência contra a opressão – tais são alguns desses
princípios cuja relevância na configuração e na realização do Direito é
indiscutível, mas que, no entendimento de muitos autores, não constituem
mais uma fonte de Direito, porquanto: não constituem propriamente uma via
pela qual o direito “nasce” ou “se dá a conhecer”;

11. CONTROLO DA LEGALIDADE


O controlo da legalidade traduz-se em assegurar a não violação da lei e
processa-se através da:

a) Tutela privada (excepcional)


b) Tutela pública
Tutela privada ou autotutela (excepcional)
Por tutela entende-se a protecção que é atribuída pela ordem jurídica
às posições jurídicas dos sujeitos. Nestes termos, pode ser necessário disponib
ilizar mecanismos para que uma pessoa “faça valer” situações jurídicas que lhe
são reconhecidas (p. ex. anular um negócio) e/ou acautelar a sua violação, ou
ainda assegurar a reparação dessas mesmas situações jurídicas, se já tiverem
sido lesadas.
Admissibilidade da autotutela dos particulares, estes podem actuar manu
militari na defesa dos seus direitos:

1. Estado de necessidade
2. Legítima defesa
3. Acção directa

Não são, contudo, admissíveis:- Tutela privada preventiva, salvo em caso de


agressão iminente – Desforço, o castigo do infractor pela vítima ou por terceiro,
Excepção:- Tutela da posse, ex. possuidor esbulhado pode restituir-se por sua
própria força, Direito de retenção: interessado aplica uma sanção à sua conta e
risco.
Os meios de Autotutela - Pressuposto comum: carácter subsidiário, isto é, só
são concedidos perante a impossibilidade de recurso em tempo útil

42
APONTAMENTOS DE INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO
TEXTOS RECOMENDADO PELO PROFESSOR ERNESTO KAMBALI

à autoridade pública: autoridades administrativas, policiais ou judiciais.


Necessidade de verificação cumulativa de todos os requisitos legais.

Estado de necessidade, art. 339º. É reacção sobre a esfera jurídica de


outrem contra ameaça de um perigo actual- Sacrifício de um bem alheio
para defesa de um interesse ou bem manifestamente superior -
Exclusão de ilicitude do acto em estado de necessidade: agir
altruisticamente - Pressupostos: Remoção de um perigo [iminência de um
dano. Só pode incidir sobre coisa ou direito patrimonial [do agente ou de
terceiro]. destruição / danificação de coisa alheia [conduta típica].
proporcionalidade mínima [ponderação de danos]. objectivo: evitar a
consumação ou a ampliação de um dano.

Consequência: prejuízo provocado em estado de necessidade deve


ser indemnizado pelo agente ou por aqueles que tiraram proveito do acto .
Legítima defesa, art. 337º- CC. Pressupostos: agressão ilegal, injusta ou
ilícita e actual, já iniciada, não consumada. Objectivo: obstar a que o mal se
consuma. Pode ser pessoal, pode ser patrimonial - do próprio ou de terceiro.
Necessidade ou racionalidade dos meios de defesa. Proporcionalidade mínima
[ponderação de danos

Acção directa, art. 336º CC- Meio de autotutela que visa assegurar o próprio
direito, e não o direito de outrem- Admitida em termos cautelosos -
Pressupostos: defesa de um direito próprio [a agressão já é finda e
consumada - justiça privada repressiva] conduta típica: apropriação,
destruição ou deterioração de uma coisa, racionalidade dos meios
empregados: proporcionalidade directa [em caso algum pode excedê-la] -
quando não existe outro meio de impedir a perda do direito.
Tutela pública

A pública é controlada pelo estado, e pode ser administrativa, quando é


tratada pela administração pública, ou judiciária, quando é tratada pelos
tribunais.

Tutela judiciária é o processo que protege os interesses dos particulares,


exercendo não só entre os particulares mas também entre os particulares e o
estado. Existe para que não haja violações do princípio da legalidade,
fiscalizando a garantia dos direitos e controlando a sua actuação com os
seguintes meios: Tribunais, Provedores da Justiça, Presidente da Republica,
Procuradoria-Geral da Republica.
Dentro da tutela pública existe a tutela preventiva ou cautelar, esta funciona
antes da violação das normas jurídicas suceder, através de medidas de
segurança e de procedimentos cautelares, ou seja destina-se a prevenir a
violação da ordem jurídica ou ajudar no cumprimento das regras.
43
APONTAMENTOS DE INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO
TEXTOS RECOMENDADO PELO PROFESSOR ERNESTO KAMBALI

No conjunto de meios destinados a ajudar salientam-se a atuação da


autoridade pública- ou seja a intervenção das forças policiais. Os processos
cautelares- são um conjunto de medidas que tentam evitar danos num
dificilmente reparáveis no direito, como por exemplo acontece na prisão
preventiva, na qual uma pessoa é presa para prevenir mais danos do que já
pode ter causado. As medidas de segurança- estas medidas existem para
categorizar pessoas que têm probabilidade de no futuro vir a cometer uma
ilegalidade, e por isso estas medidas têm por objetivo impedir que estas
pessoas cometam crimes, normalmente o que é feito é afastar as pessoas de
tentações, situações ou pessoas. Para isto é necessário haver indícios de
prejuízo, para depois ser posto em prática um procedimento cautelar ate a
acção principal ser tomada.

12. MECANISMOS DE DEFESA DO CIDADÃO PERANTE A


ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
O Estado de Direito surge da necessidade ou como contestação ao poder
ilimitado do Rei, o soberano absolutista. O poder antes atribuído ao soberano
pelo divino para seu exercício na terra, passa ser uma expressão da soberania
popular. O princípio básico do Estado de Direito é o da eliminação do arbítrio
no exercício dos poderes públicos com a consequente garantia dos direitos dos
indivíduos perante esses poderes” (Canotilho).
A fórmula encontrada é que todos fossem tratados de forma igual, de forma
distinta se em situações distintas foi a submissão de todos à vontade da lei.
Mediante o mecanismo de representação e do processo legislativo, a vontade
popular, expressa no texto da lei, passou a ser o limite para a liberdade dos
indivíduos e para a acção dos governantes (Canotilho).
Assim, o fazer e deixar de fazer não mais depende do comando ou da intenção
pessoal dos governantes, mas daquilo que se infere do texto da lei.

Por isso, o primeiro mecanismo de defesa do cidadão perante a administração


pública é o conhecimento da lei, dos seus direitos e garantias constitucionais.

Através de garantia administrativas (direito de apresentar petições, queixas


ou reclamações, representações perante qualquer órgão de soberania ou
entidade publicas).

Garantias jurisdicionais (tribunais cíveis, recursos contenciosos, acção


popular, indemnização)

Meios de tutela pessoal (greves).

44
APONTAMENTOS DE INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO
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13. DA RELAÇÃO JURÍDICA


1. Noção de Relação Jurídica

Toda a relação social que é disciplinada pelo direito. A relação jurídica é fruto
de vínculo, elo entre pessoas, tutelado pelo Direito, por criar direitos e deveres.
O conceito de relação jurídica pressupõe um conjunto de elementos cuja
sistematização tradicional é a seguinte:

Exemplificação: “O Pedro vendeu à Maria um chapéu”. Estabeleceu-se,


assim, entre Pedro e Maria uma relação jurídica em que se distinguem os
seguintes elementos: Sujeitos: Pedro e Maria, Objecto: chapéu, facto
Jurídico: o contrato de compra e venda, Garantia: A faculdade que cada um
dos sujeitos dispõe de recorrer ao tribunal para obrigar o outro a cumprir a sua
obrigação, no caso de recusa.
2. O Objecto da relação jurídica

O objecto da relação jurídica “é tudo aquilo sobre que incidem os poderes d


titular activo da relação”. É corrente identificar-se o objecto da relação jurídica
com o objecto do Direito subjectivo, que constitui o lado activo da mesma
relação. Diferente do objecto é o conteúdo do Direito subjectivo, que se traduz
no conjunto de poderes ou faculdades que este comporta.

Exemplo: No direito de propriedade, o conteúdo é o conjunto de poderes ou


faculdades que cabem ao proprietário. O objecto será o bem sobre o qual
recaem esses mesmos poderes.
3. Modalidades de objecto da relação jurídica

Esta distinção entre objecto imediato e mediato nem sempre se verifica, pois
nos direitos reais não há intermediário entre o titular do direito e o bem. O
proprietário está em contacto directo com o objecto do seu direito, como vimos
no primeiro exemplo.
Porém, a distinção verifica-se nas obrigações de prestação de coisa
determinada. Nestas, o objecto imediato de direito do credor é o
comportamento do próprio devedor, isto é, a prestação do devedor e o objecto
mediático é a própria coisa. Assim, entre o credor e a coisa intromete-se a
pessoa do devedor. Por exemplo: o contrato de depósito. O objecto imediato
torna-se o comportamento do devedor (depositário), que é guardar a coisa. O
objecto mediato será a coisa depositada.
4. Possíveis objectos da relação jurídica

Pessoas: No Direito Moderno, as pessoas só podem ser objecto da relação


jurídica nos determinados poderes-deveres ou poderes funcionais, que não são
verdadeiros direitos subjectivos. Exemplos desta figura: O poder paternal, o

45
APONTAMENTOS DE INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO
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poder tutelar. Só que os direitos inseridos no poder paternal ou no poder tutelar


não conferem qualquer domínio sobre a pessoa do filho ou do pupilo, no
interesse dos pais ou do tutor. São meramente direitos que conferem poderes
destinados a habilitarem os pais e os tutores ao cumprimento dos deveres que
lhes são impostos por lei, são poderes deveres ou poderes funcionais, pois são
exercidos em função dos direitos dos menores ou do incapaz. Pelo que, as
pessoas são sempre sujeitos da relação jurídica, nunca objecto propriamente
da relação jurídica.

Coisas Corpóreas: São as coisas físicas, isto é, aquelas que podem ser
apreendidas pelos sentimentos. Artigo 202º do Código Civil. Diz-se coisa, tudo
aquilo que pode ser objecto de relações jurídicas. Está neste caso o objecto
dos chamados direitos reais, maxime do direito de propriedade, que é o direito
real por excelência. O artigo 1302º do Código Civil: Objecto do direito de
propriedade “Só as coisas corpóreas, móveis ou imóveis, podem ser objecto
do direito de propriedade regulado neste código”. Exemplo: Propriedade sobre
um automóvel.

Coisas Incorpóreas: Não são mais do que valores da natureza que não
podem ser apreendidos pelos sentidos. São concebidos apenas pelo espírito.
Assim, o objecto de tais direitos é a respectiva obra na sua forma ideal e não
as coisas materiais que constituem a sua corporização exterior, como o livro, o
filme, etc. Exemplo: Um determinado autor pode adaptar a sua obra literária ao
cinema e daí auferir lucros, mas pode também mantê-la inédita ou impedir que
depois de publicada seja posteriormente reproduzida com modificações. Assim,
apenas a obra na sua concepção ideal é o objecto de direitos.

Direitos Subjectivos: também podem ser objecto da relação jurídica.


Exemplo: Penhora de Direitos (acto de apreensão judicial dos bens do devedor
em acção executiva. Os bens são entregues a um depositário nomeado pelo
juiz no despacho que ordena a penhora). Ao relacionarmo-nos com outras
pessoas sejam físicas ou jurídicas, estamos mantendo consciente ou
inconscientemente uma Relação Jurídica.
5. Direito subjectivos e dever jurídico
A Estrutura Interna da Relação Jurídica
A Estrutura Interna da Relação Jurídica é o seu conteúdo e integra um Direito
subjectivo e um dever jurídico ou uma sujeição, Direito potestativo e sujeição.
Dever jurídico: é o comando imposto pelo direito objectivo, através do qual o
sujeito deve observar determinada conduta, sob pena de sanção, trata-se de
gênero do qual obrigação é espécie. Obrigação: É um termo restrito, aplicável à
relação credor-devedor, seu objeto é a prestação, que via de regra é aplicável
aos contratos.

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APONTAMENTOS DE INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO
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Sujeição: O estado de sujeição se opõe a um direito potestativo (aquele que


não admite contestações), que pode ser exercido sem a concordância, ou
mesmo contra a vontade da outra parte.
Por exemplo, a revogação de um mandato ou demissão do emprego.

Direitos potestativos: aquele exercido pelo titular per si, não depende da
conduta de ninguém.

Direito potestativo é um direito que depende da vontade exclusiva de uma


das partes, ou seja, não admite contestações. É prerrogativa jurídica de impor
a outrem a sujeição ao seu exercício. É o imperativo da vontade que gera um
estado de sujeição na outra parte.

Direitos Subjectivos podem se absolutos ou relativos. Absolutos: São


aqueles que se impõem a todas as pessoas (erga omnes), às quais
corresponde um dever geral de respeito, a que também se costuma chamar
obrigação passiva universal. Exemplo: os direitos reais sobre coisas, como o
direito de propriedade. Relativos: São aqueles que se impõem apenas a
determinada ou determinadas pessoas, às quais corresponde o dever de
realizar uma conduta que é devida ao titular do direito. Exemplo: os direitos de
crédito.

Direitos Subjectivos podem ser patrimoniais ou não patrimoniais ou


pessoais: São aqueles direitos subjectivos que são redutíveis a dinheiro.
Exemplos: os direitos reais, direitos de crédito. Pessoais: São aqueles direitos
subjectivos que não são susceptíveis de expressão pecuniária. Exemplos: os
direitos de personalidade, os direitos de família.

Direitos Subjectivos inatos e não inatos: São direitos subjectivos que


nascem com a pessoa, que, assim, não necessita de os adquirir. Exemplo: a
generalidade dos direitos de personalidade – direito à vida, direito à integridade
física, direito à liberdade. Não inatos: São os restantes direitos subjectivos que
não se adquirem com o nascimento, mas posteriormente. Exemplo: os direitos
de personalidade – direito ao nome e os direitos de autor.

6. Noção de facto jurídico

Facto jurídico é todo o acto humano ou acontecimento natural juridicamente


relevante. Esta relevância jurídica traduz-se, principalmente, senão mesmo
necessariamente, na produção de efeitos jurídicos. Nem todos os factos reais
ou sociais são factos jurídicos.
7. Classificação dos factos jurídicos

A primeira grande classificação dos factos jurídicos é a que se pode


estabelecer entre factos jurídicos voluntários e factos jurídicos
involuntários (stricto sensu). Os primeiros resultam da vontade como
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APONTAMENTOS DE INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO
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elemento juridicamente relevante; são manifestação ou actuação de uma


vontade. Os segundos são estranhos a qualquer processo subjetivo - ou
porque resultam de causas de ordem natural, ou porque a sua eventual
voluntariedade não tem relevância jurídica.
Os factos jurídicos voluntários podem ser lícitos e ilícitos. Os actos ilícitos
são contrários à ordem jurídica e por ela reprovados; importam uma sanção
para o seu autor (infractor de uma norma jurídica). Os actos lícitos são
conformes à ordem jurídica e por ela consentidos.
Os factos voluntários também se podem distinguir em negócios
jurídicos e simples actos jurídicos. Os negócios jurídicos são factos
voluntários cujo núcleo essencial é integrado por uma ou mais declarações de
vontade, a que o ordenamento jurídico atribui efeitos jurídicos concordantes
com o conteúdo da vontade das partes, tal como este é objetivamente (de fora)
apercebido. Os simples atos jurídicos são factos voluntários cujos efeitos se
produzem mesmo que não tenham sido previstos ou queridos pelos seus
autores, embora muitas vezes haja concordância entre a vontade destes e os
referidos efeitos.

Dentro dos simples actos jurídicos é usual fazer-se uma distinção entre: quase-
negócios jurídicos, que se traduzem na manifestação exterior de uma
vontade (interpelação do devedor, gestão de negócios, etc.); e operações
jurídicas (materiais) que se traduzem na efetivação ou realização de um
resultado material ou factual a que a lei liga determinados efeitos jurídicos
(acessão industrial, ocupação de animais ou coisas móveis, etc.).

Os Negócio podem se unilateral e bilateral. Unilateral: acontece quando há


declaração de vontade de apenas uma das partes (ex: testamento, promessa
pública, oferta pública).

Negócio bilateral - ocorre com a declaração de vontade de ambas as partes,


tendo efeitos no momento por elas determinadas enquanto vivas. São os
chamados contratos, que podem ser unilaterais e bilaterais, dependendo se
ambas as partes no contrato ficam ou não adstritos a uma obrigação.

8. A Garantia

À infração dos deveres que as normas jurídicas impõem, segue-se um


procedimento sancionatório, a aplicação de sanções jurídicas. A sanção em
matéria de direito privado não actua geralmente por iniciativa directa do Estado,
mas a solicitação dos titulares dos correspondentes direitos subjetivos. E toma
sobretudo a forma de uma reparação, da garantia de obter coativamente à
realização do interesse reconhecido por lei, ou indenização equivalente.

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APONTAMENTOS DE INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO
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14. NOÇÃO DE DIREITO COMERCIAL

O Direito Empresarial/Comercial/Mercantil é o ramo do direito privado, que


regula todas as relações jurídicas advindas do comércio (lato sensu), bem
como a situação jurídica dos comerciantes. Ou seja, inclui não só as relações
específicas e os atos em si, mas também os locais e contratos comerciais,
regulando assim, a atividade empresarial/comercial e abarcando suas
organizações.
Os comerciantes em nome individual

Podem ser comerciantes as pessoas singulares que não estando impedidas


legalmente de exercerem uma actividade mercantil por si ou por representante
e outras pessoas jurídicas que nos termos da lei possam ser qualificados
comerciantes e as sociedades, art.º 13.º C.Com.

Para ser comerciante é necessário que se tenha para praticar actos e fazer do
comércio uma profissão. A profissionalidade significa a prática reiterada e
regular de actos de comércio por natureza ou absolutos. Ou seja, não é
necessário exclusividade na prática de actos de comércio, daí que pode ser
comerciante e a par disso exercer outra actividade em simultâneo.
As sociedades comerciais

As sociedades comerciais são consideradas comerciantes desde que tenham


personalidade jurídica através do seu registo definitivo, art.º 13.º nº 2 C.Com.
elas podem ser: sociedade em nome coletivo – sociedade em comandita
simples – sociedade por quotas – sociedade anônima – sociedade em
comandita por ações.

As sociedades comerciais são a estrutura típica das empresas nas economias


de mercado, embora a empresa possa revestir outras formas jurídicas. Nos
termos do art.º 1º e 2.º da Lei das Sociedades Comerciais, as sociedades
comerciais têm necessariamente por objecto a prática de actos de comércio e
as sociedades que tenham por objecto a prática de actos de comércio devem
revestir um dos tipos previstos no Código comercial.
Conceito de empresa

A empresa é a célula base da economia moderna. A disposição fundamental


para a determinação do conceito de empresa em Direito Comercial é o art.º
230º CCom.

Do elenco de empresas apresentado neste artigo ressalta a conjugação de


factores de produção – pessoas e bens – o exercício de actividades
económicas nos diversos sectores, e a existência de um complexo
organizacional estável.

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APONTAMENTOS DE INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO
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Artigo 980º – Noção do contrato de sociedade


Contrato de sociedade é aquele em que duas ou mais pessoas se obrigam a
contribuir com bens ou serviços para o exercício em comum de certa actividade
económica, que não sejam de mera fruição, a fim de repartirem os lucros
resultantes dessa actividade.

1. Facto jurídico: contrato de sociedade


2. Elemento pessoal: pluralidade de sócios;
3. Elemento patrimonial: obrigação de contribuir com bens ou serviços;
4. Elemento finalístico (fim imediato ou objecto): exercício em comum de
certa actividade económica que não seja de mera fruição;
5. Elemento teleológico: repartição dos lucros resultantes dessa
actividade.
O art.º 1.º e 2.º da LSC, conjugado com o art.º 13.º do CCom, aponta dois
elementos específicos do conceito de sociedade comercial:
1) Objecto comercial: prática de actos de comércio;
2) Tipo comercial: adopção de um dos tipos configurados e disciplinados
na lei comercial (principio da tipicidade).

15. NOÇÃO DE DIREITO DO TRABALHO


Objecto e âmbito do Direito do Trabalho

O Direito do Trabalho não é o Direito de todo o trabalho, não toma como


objecto de regulação todas as modalidades de exercício de uma actividade
humana produtiva ou socialmente útil. Como ramo de Direito, o seu domínio é
o dos fenómenos de relação. Assim, excluem-se dele as actividades
desenvolvidas pelos indivíduos para satisfação imediata de necessidades
próprias.
Tratar-se-á apenas de formas de trabalho livre, voluntariamente prestado.
Assim, afastam-se assim as actividades forçadas ou compelidas, isto é, de um
modo geral, aquelas que não se fundam num compromisso livremente
assumido mas numa imposição externa. Mas a “liberdade” que está em causa
na definição do objecto deste ramo de Direito é uma liberdade formal: consiste
na possibilidade abstracta de aceitar ou recusar um compromisso de trabalho,
de escolher a profissão ou género de actividade, e de concretizar tais escolhas
mediante negócios jurídicos específicos.

O Direito do Trabalho desenvolve-se em torno de um contrato – o contrato


de trabalho – que é o título jurídico típico do exercício dessa liberdade. O
trabalho livre, em proveito alheio e remunerado traduz-se sempre na
aplicação de aptidões pessoais, de natureza física, psíquica e técnica; para a

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APONTAMENTOS DE INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO
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pessoa que o realiza, trata-se de “fazer render” essas aptidões, de as


concretizar de modo a obter, em contrapartida, um benefício económico.

São as relações de trabalho subordinado que delimitam o âmbito do Direito do


Trabalho. Assim, as situações caracterizadas pela autonomia de quem realiza
trabalho em proveito alheio estão fora desse domínio e são reguladas no
âmbito de outros ramos de Direito.
Em suma: o Direito do Trabalho regula as relações jurídico-privadas de
trabalho livre, remunerado e subordinado. A dependência ou subordinação que
caracteriza esse modelo de trabalho não é imposição legal, é um dado da
realidade.

O ordenamento legal do trabalho surgiu e desenvolveu-se como uma reacção


ou “resposta” às consequências da debilidade contratual de uma das partes (o
trabalhador), perante um esquema negocial originariamente paritário como
qualquer contrato jurídico-privado. Essa disparidade originária entre os
contraentes deve-se não só à diferente natureza das necessidades que levam
cada um a contratar, mas também às condições do mercado de trabalho.
O Direito do Trabalho apresenta-se, assim, ao mesmo tempo, sob o signo da
protecção ao trabalhador e como um conjunto de limitações à autonomia
privada individual. O contrato de trabalho é enquadrado por uma constelação
de normas que vão desde as condições pré-contratuais, passam pelos direitos
e deveres recíprocos das partes, atendem com particular intensidade aos
termos em que o vínculo pode cessar, e vão até aspectos pós-contratuais.

Não obstante a tipicidade da relação de trabalho subordinado como esquema


polarizador e delimitador do Direito do Trabalho, é preciso notar que nela se
não esgota o objecto deste ramo de Direito. Incluem-se nele, e com grande
saliência, as relações colectivas que se estabelecem entre organizações de
trabalhadores (as associações sindicais) e empregadores, organizados ou não.
Essas relações apresentam, entre outras, a peculiaridade de, em simultâneo,
serem objecto de regulamentação – porque exprimem a actuação de conflitos
de interesses – e de terem, elas próprias, um importante potencial normativo,
visto tenderem para o estabelecimento de regras aplicáveis às relações de
trabalho em certo âmbito.
As formas de acção colectiva laboral – a negociação, os meios conflituais – são
reguladas pelo ordenamento do trabalho, na dupla perspectiva da
“normalização” social e da “formalização” jurídica: as normas do chamado
direito colectivo do trabalho visam oferecer meios de racionalização e disciplina
dos conflitos de interesses colectivos profissionais e definir as condições da
recepção, na ordem jurídica, das determinações que eles venham a produzir.
Esse sector do Direito do Trabalho fundamenta-se no reconhecimento da
autonomia e da autotutela colectivas.
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APONTAMENTOS DE INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO
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O objecto do Direito do Trabalho define-se em torno da prestação de trabalho


subordinado, livre, remunerado, no quadro de uma relação contratual jurídico-
privada.

Fala-se aqui de trabalho subordinado livre porque se alude a uma situação em


que a colocação de uma pessoa “sob a autoridade e direcção” de outra.

Fonte: https://docs.google.com/a/ucan.edu
15. DIREITO DA CONCORRÊNCIA
Lei n.º 5/18 de 10 de Maio, Lei da Concorrência.
Concorrência: existência das empresas, independentes entre si, que exerçam
a mesma actividade e compitam umas com as outras, em igualdade de
circunstâncias, para atrair clientela (art.º 3.º al. b) da Lei da concorrência).
(Defesa da concorrência) art.º 4º da proposta LGS.

É vedada à sociedades ou comerciantes em nome individual a adopção de


práticas concertadas de qualquer natureza, tendentes a assegurar uma posição
de domínio sobre o mercado segurador ou provocar alterações nas condições
normais de funcionamento.

2. As sociedades e comerciantes em nome individual não devem


sistematicamente aplicar condições discriminatórias em relação às empresas
do mesmo ramo, salvo existindo justificação objectiva de risco ou solvabilidade.

Em termos gerais, as políticas de concorrência actuais procuram garantir que a


concorrência nos diferentes mercados não seja restringida de uma forma que
reduza o bem-estar social constituem práticas lesivas à concorrência, como:

 O abuso de posição dominante (por ex: romper, total ou parcialmente,


uma relação comercial de forma injustificada);

 O abuso de dependência económica (por ex: impor de forma directa ou


indirecta, preços de compra, venda ou outras condições de transacção
não equitativas);

 Práticas colectivas proibidas, nomeadamente, os acordos restritivos da


concorrência (por ex: limitar ou impedir o acesso de novas empresas no
mercado), as práticas concertadas e as decisões ou deliberações de
associações de empresas lesivas à concorrência.

Constituem infracção as práticas empresariais que assim procedam, puníveis


por lei. E a lei comina com nulidade os acordos que promovam a concorrência
desleal ou práticas restritivas da concorrência (art.º 7.º da Lei n.º 5/18 de 10 de
Maio, Lei da Concorrência.

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APONTAMENTOS DE INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO
TEXTOS RECOMENDADO PELO PROFESSOR ERNESTO KAMBALI

17. DEFESA DO CONSUMIDOR

Lei n.º 15/03 de 22 de Julho, Lei da Defesa do consumidor


Nos termos do artigo 3.°, o consumidor é toda pessoa física ou jurídica a
quem sejam fornecidos bens e serviços ou transmitidos quaisquer direitos e
que os utiliza como destinatário final, por quem exerce uma actividade
económica que vise a obtenção de lucros.

Fornecedor é toda a pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou


estrangeira, bem como os entes despersonalizados que desenvolvem
actividades de produção, montagem, criação, construção, transportação,
importação, exportação, distribuição ou comercialização de bens ou prestação
de serviços.

Direitos do consumidor
Nos termos do art.º 4.º, o consumidor tem direito:
a) A qualidade dos bens e serviços;

b) A protecção da vida, saúde e segurança física contra os riscos


provocados por práticas no fornecimento de bens e serviços
considerados perigosos ou nocivos;

c) A informação e divulgação sobre o consumo adequado dos bens e


serviços, asseguramento à liberdade de escolha e a igualdade nas
contratações;

d) A protecção dos interesses económicos e contra a publicidade enganosa


e abusiva;

e) A efectiva prevenção e reparação dos danos patrimoniais e morais,


individuais, (…) e colectivos;

f) A protecção jurídica, administrativa, técnica e a facilitação da defesa dos


seus direitos em juízo.

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APONTAMENTOS DE INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO
TEXTOS RECOMENDADO PELO PROFESSOR ERNESTO KAMBALI

BIBLIOGRAFIA.

 Amaral, Diogo Freitas do – Manual de Introdução ao Direito, Volume I,


Almedina, Coimbra, 2004 (reimpressão 2017)
 Ascensão, José de Oliveira – O Direito. Introdução e Teoria Geral, 13.ª
edição, Almedina, Coimbra, 2005 (reimpressão 2017)
 Brito, Miguel Nogueira de – Introdução ao Estudo do Direito, AAFDL,
Lisboa, 2017
 Bronze, Fernando José Pinto – Lições de Introdução ao Direito, 2.ª
edição, Coimbra Editora, Coimbra, 2006 (reimpressão 2010)
 Carlos Alberto B. Burity da Silva. Teoria geral do direito civil / - 4ª ed.,
[reimp.]. - Luanda: Ed. da Fac. de Direito da UAN, 2013;
 Chorão, Mário Bigotte – Introdução ao Direito, Volume I, O Conceito de
Direito, Almedina, Coimbra, 1998
 Duarte, Maria Luísa – Introdução ao Estudo do Direito. Sumários
Desenvolvidos, AAFDL, Lisboa, 2003
 Gomes, Nuno Sá – Introdução ao Estudo do Direito, Lexr, Lisboa, 2001
 Justo, A. Santos – Introdução ao Estudo do Direito, 8.ª edição, Coimbra
Editora, Coimbra, 2017
 Lamego, José – Elementos da Metodologia, Almedina, Coimbra, 2016
 Machado, João Baptista – Introdução ao Direito e ao Discurso
Legitimador, reimpressão, Almedina, Coimbra, 2017
 Marques, José Dias – Introdução ao Estudo do Direito, 2.ª edição,
Lisboa, 1994.
 Mendes, João Castro – Introdução ao Estudo do Direito, AAFDL, Lisboa
1994.
 Silva, Germano Marques da – Introdução ao Estudo do Direito,
Universidade Católica Editora, Lisboa, 2006 (reimpressão 2015)
 Sousa, Marcelo Rebelo de e Sofia Galvão – Introdução ao Estudo do
Direito, 5.ª edição, Lex, Lisboa, 2000
 Sousa, Miguel Teixeira de – Introdução ao Estudo do Direito, Almedina,
Coimbra, 2017
 Telles, Inocêncio Galvão – Introdução ao Estudo do Direito, 2 Volumes,
11.ª e 10.ª edição, Coimbra Editora, Coimbra, 1999/2000 (reimpressão
2010)

LEIS
 Código Civil
 Constituição da República
 Lei n.º 15/03 de 22 de Julho, Lei da Defesa do consumidor
 Lei n.º 5/18 de 10 de Maio, Lei da Concorrência.

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