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Cristiano Vieira Sobral Pinto

Misael Montenegro Filho

prático DE
MANUAL

DIREITO DO
CONSUMIDOR

edição
revista
atualizada
ampliada

2023

Manual Pratico de Dir do Consumidor-3ed.indd 3 06/12/2022 13:57:33


Parte I

1. UMA ABORDAGEM AO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR

A nossa Constituição Federal de 1988 destaca em seu art. 5º, XXXII,


que “o Estado irá promover, na forma da lei, a defesa do consumidor”.
Assim, é possível afirmar que não se trata de uma mera faculdade, mas de
um dever de o Estado proteger o elo mais fraco na relação de consumo.
Ainda é possível encontrar uma determinação do constituinte no art.
48 do ADCT. Observe: “O Congresso Nacional, dentro de cento e vin-
te dias da promulgação da Constituição, elaborará Código de Defesa do
Consumidor”.
Não só nesses dispositivos está expressa a defesa do consumidor,
como também pode ser observada nos arts. 24, VIII, 150, § 5º, e 170, V,
da nossa lei maior.
A terminologia utilizada pela Lei n. 8.078/90 é perfeita, pois não se
está diante de um código de consumo, mas sim de uma lei que tutela a
proteção do consumidor.
Trata-se de uma lei que é um microssistema jurídico multidisciplinar.
O que isso significa? Significa a máxima proteção desse vulnerável, que é
transparecida por meio de tutelas específicas, como nos ramos civil (arts.
8º a 54), administrativo (arts. 55 a 60 e, ainda, 105 e 106), penal (arts. 61
a 80) e jurisdicional (arts. 81 a 104).
O art. 1º do CDC dispõe: “O presente código estabelece normas de
proteção e defesa do consumidor, de ordem pública e interesse social, nos

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termos dos arts. 5º, inciso XXXII, 170, inciso V, da Constituição Federal e
art. 48 de suas Disposições Transitórias” (grifos nossos).
O que é uma norma de ordem pública? Consiste em uma norma co-
gente, de observância obrigatória. O CDC é uma norma de ordem públi-
ca! Veja decisão:
Recurso especial (art. 105, III, “a”, da CRFB). Demanda ressarcitória de se-
guro. Segurado vítima de crime de extorsão (CP, art. 158). Aresto estadual
reconhecendo a cobertura securitária. Irresignação da seguradora. 1. Viola-
ção do art. 535 do CPC1 inocorrente. Acórdão local devidamente funda-
mentado, tendo enfrentado todos os aspectos fático-jurídicos essenciais
à resolução da controvérsia. Desnecessidade de a autoridade judiciária
enfrentar todas as alegações veiculadas pelas partes, quando invocada
motivação suficiente ao bom desate da lide. Não há vício que possa nuli-
ficar o acórdão recorrido ou ensejar negativa de prestação jurisdicional,
mormente na espécie em que a recorrente sequer especificou quais te-
mas deixaram de ser apreciados pela Corte de origem. 2. A redefinição
do enquadramento jurídico dos fatos expressamente mencionados no
acórdão hostilizado constitui mera revaloração da prova. A excepcional
superação das Súmulas 5 e 7 desta Corte justifica-se em casos particula-
res, sobretudo quando, num juízo sumário, for possível vislumbrar primo
icto oculi que a tese articulada no apelo nobre não retrata rediscussão
de fato e nem interpretação de cláusulas contratuais, senão somente da
qualificação jurídica dos fatos já apurados e dos efeitos decorrentes de
avença securitária, à luz de institutos jurídicos próprios a que se reportou
a cláusula que regula os riscos acobertados pela avença. 3. Mérito. Viola-
ção ao art. 757 do CC. Cobertura securitária. Predeterminação de riscos.
Cláusula contratual remissiva a conceitos de direito penal (furto e roubo).
Segurado vítima de extorsão. Tênue distinção entre o delito do art. 157
do CP e o tipo do art. 158 do mesmo Codex. Critério do entendimento
do homem médio. Relação contratual submetida às normas do Código
de Defesa do Consumidor. Dever de cobertura caracterizado. 4. Firmada
pela Corte a quo a natureza consumerista da relação jurídica estabelecida
entre as partes, forçosa sua submissão aos preceitos de ordem pública da
Lei n. 8.078/90, a qual elegeu como premissas hermenêuticas a interpre-
tação mais favorável ao consumidor (art. 47), a nulidade de cláusulas que
atenuem a responsabilidade do fornecedor, ou redundem em renúncia ou
disposição de direitos pelo consumidor (art. 51, I), ou desvirtuem direitos
fundamentais inerentes à natureza do contrato (art. 51, § 1º, II). 5. Embora
a aleatoriedade constitua característica elementar do contrato de seguro,

1. Correspondente ao art. 1.022 do CPC.

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é mister a previsão de quais os interesses sujeitos a eventos confiados ao


acaso estão protegidos, cujo implemento, uma vez verificado, impõe o
dever de cobertura pela seguradora. Daí a imprescindibilidade de se ter
muito bem definidas as balizas contratuais, cuja formação, segundo o art.
765 do Código Civil, deve observar o princípio da “estrita boa-fé” e da
“veracidade”, seja na conclusão ou na execução do contrato, bem assim
quanto ao “objeto” e as “circunstâncias e declarações a ele concernentes”.
6. As cláusulas contratuais, uma vez delimitadas, não escapam da inter-
pretação daquele que ocupa a outra extremidade da relação jurídica, a
saber, o consumidor, especialmente em face de manifestações volitivas
materializadas em disposições dúbias, lacunosas, omissas ou que com-
portem vários sentidos. 7. A mera remissão a conceitos e artigos do Có-
digo Penal contida em cláusula de contrato de seguro não se compatibi-
liza com a exigência do art. 54, § 4º, do CDC, uma vez que materializa
informação insuficiente, que escapa à compreensão do homem médio,
incapaz de distinguir entre o crime de roubo e o delito de extorsão, dada
sua aproximação topográfica, conceitual e da forma probatória. Dever
de cobertura caracterizado. 8. Recurso especial conhecido e desprovido
(REsp 1.106.827/SP, Rel. Min. Marco Buzzi, Quarta Turma, julgado em
16-10-2012, DJe de 23-10-2012).

Por ser uma norma de ordem pública, o magistrado deveria ter o po-
der de apreciar qualquer cláusula abusiva em um contrato de consumo de
ofício, mas não é esse o posicionamento do STJ. Examine:
Agravo regimental no Recurso Especial. Afastamento de ofício de cláusulas
abusivas. Impossibilidade. Cobrança do coeficiente de equiparação salarial.
Possibilidade desde que pactuado. Agravo regimental a que se nega pro-
vimento. 1. Encontra-se consolidado no Superior Tribunal de Justiça o
entendimento acerca da impossibilidade de revisão de ofício de cláusulas
consideradas abusivas em contratos que regulem relação de consumo. 2.
Nos termos da jurisprudência pacífica desta Corte, a cobrança do Coefi-
ciente de Equiparação Salarial – CES é legal, mesmo antes do advento da
Lei n. 8.692/93, desde que previsto contratualmente. 3. Agravo regimen-
tal a que se nega provimento (AgRg no AgRg nos EDcl no REsp 957.158/
RS, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 21-8-2012,
DJe de 29-8-2012).

Tal entendimento fica ainda mais forte diante da leitura da Súmula


381 do STJ que informa:
Nos contratos bancários, é vedado ao julgador conhecer, de ofício, da
abusividade das cláusulas.

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Segue julgado confirmando o texto:


Agravo interno no agravo em recurso especial – Ação declaratória c/c pedi-
do condenatório – Decisão monocrática que negou provimento ao reclamo.
Irresignação da parte autora.
1. Eventual vício na decisão monocrática que julga o recurso com base no
art. 932 do NCPC é superado pelo exame colegiado da pretensão.
2. Não se verifica violação aos arts. 128 e 460 do CPC/73, quando o Tri-
bunal local pronuncia-se de forma fundamentada, clara e coerente sobre
as questões postas para análise, ainda que contrariamente aos interesses
da parte recorrente. Precedentes.
3. Sem pedido expresso da parte autora, configura julgamento extra peti-
ta a declaração de nulidade de cláusulas de contrato bancário.
4. Agravo interno desprovido.
Trecho do acórdão: “[...] a tese firmada na Súmula 381/STJ, vedando-
-se a declaração de nulidade de cláusulas de mútuo bancário sem pedido
das partes, está consolidada na Segunda Seção desta Corte Superior [...]”.
(Agint no Aresp 442.974/PR, rel. Ministro Marco Buzzi, Quarta Turma,
julgado em 01-06-2020, DJe 10-06-2020)

A Súmula citada está de acordo com o art. 1º do CDC? Entende-se


que esta é um verdadeiro contrassenso jurídico. Viola totalmente o que
fora salientado no artigo da lei consumerista. O respeitável magistrado
Gerivaldo Neiva faz as seguintes ponderações:
Ora, da forma em que foi editada a Súmula, quando o STJ diz que o Juiz
não pode conhecer de ofício de tais cláusulas, por outras vias, está que-
rendo dizer que os bancos podem inserir cláusulas abusivas nos contra-
tos, mas o Juiz simplesmente não pode conhecê-las de ofício. Banco man-
da, Juiz obedece!
Conforme o jargão de uma comediante da televisão: Cláusula abusiva?
“Pooooooode!!” Nesta lógica absurda, considerando que as cláusulas
abusivas são sempre favoráveis aos bancos e desfavoráveis ao cliente, o
STJ quer que os juízes sejam benevolentes com os bancos e indiferentes
com seus clientes. Devem se omitir, mesmo sabendo que esta omissão
será favorável ao banco, e não podem agir, mesmo sabendo que sua ação
poderá corrigir uma ilegalidade2.

2. Disponível em: <http://www.bahianoticias.com.br/justica/artigo/3-reflexoes-sobre-a-sumu-


la-381-do-stj.html>.

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Desse modo, descreve o art. 1º da legislação consumerista que norma


de interesse social é aquela que visa à proteção de interesses individuais
relativos à dignidade da pessoa humana e interesses metaindividuais, ou
seja, da coletividade. Prolata o Tribunal da cidadania:
Direito do consumidor. Administrativo. Normas de proteção e defesa do
consumidor. Ordem pública e interesse social. Princípio da vulnerabilidade
do consumidor. Princípio da transparência. Princípio da boa-fé objetiva.
Princípio da confiança. Obrigação de segurança. Direito à informação.
Dever positivo do fornecedor de informar, adequada e claramente, sobre
riscos de produtos e serviços. Distinção entre informação-conteúdo e in-
formação-advertência. Rotulagem. Proteção de consumidores hipervul-
neráveis. Campo de aplicação da lei do glúten (Lei n. 8.543/92 ab-rogada
pela Lei n. 10.674/2003) e eventual antinomia com o art. 31 do Código de
Defesa do Consumidor. Mandado de segurança preventivo. Justo receio
da impetrante de ofensa à sua livre-iniciativa e à comercialização de seus
produtos. Sanções administrativas por deixar de advertir sobre os riscos
do glúten aos doentes celíacos. Inexistência de direito líquido e certo. De-
negação da segurança (REsp 586.316/MG, Rel. Min. Herman Benjamin,
Segunda Turma, julgado em 17-4-2007, DJe de 19-3-2009).

Dica!
Diante do exposto, fica clara a relação entre a Constituição Federal e o Código de Defesa
do Consumidor. Por ter sido incluída a defesa do consumidor no art. 5º, XXXII, no rol dos
direitos fundamentais, pode ser sustentado o chamado fenômeno da constitucionalização
do direito privado. Dessa maneira, é possível aplicar os preceitos constitucionais nas rela-
ções privadas, a chamada eficácia horizontal dos direitos fundamentais. Um dos maiores
exemplos é a aplicação do princípio da dignidade da pessoa humana nas relações de con-
sumo. Também merece destaque o texto da Súmula Vinculante 25: “É ilícita a prisão civil de
depositário infiel, qualquer que seja a modalidade do depósito”.

2. RELAÇÃO JURÍDICA DE CONSUMO

Fica estabelecida a relação de consumo com a presença dos elementos


subjetivos e objetivos. Os elementos subjetivos dividem-se em duas par-
tes: consumidor e fornecedor. Já os objetivos, referem-se à prestação em
si, isto é, o produto e o serviço.

2.1. Quem é o consumidor?

A lei transparece o assunto no art. 2º, perceba:

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Art. 2º Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza


produto ou serviço como destinatário final.

Esse é o tipo de consumidor intitulado standard, stricto sensu ou


padrão.
O que significa ser um destinatário final? Encontra-se agora um dos
pontos mais discutidos na doutrina e na jurisprudência. Uma primeira
corrente sustenta que o consumidor é o destinatário final fático, isto é,
uma pessoa que adquire o produto ou utiliza o serviço, sem que se releve
se eles serão utilizados no desenvolvimento de uma atividade econômi-
ca ou não. Em síntese, não é relevante se o consumidor fará uso parti-
cular ou profissional do bem. Tal corrente é minoritária e chamada de
maximalista ou objetiva. A segunda corrente defende que o conceito de
destinatário final significa que o consumidor valer-se-á do produto ou
serviço para fins pessoais. Essa corrente, adotada por nossos tribunais, é
intitulada finalista ou subjetiva.
Vejamos alguns acórdãos que abordam, respectivamente, as teorias
maxilimalista e finalista:
Processo civil. Conflito de competência. Contrato. Foro de eleição. Rela-
ção de consumo. Contratação de serviço de crédito por sociedade empre-
sária. Destinação final caracterizada.
- Aquele que exerce empresa assume a condição de consumidor dos bens
e serviços que adquire ou utiliza como destinatário final, isto é, quando o
bem ou serviço, ainda que venha a compor o estabelecimento empresarial,
não integre diretamente – por meio de transformação, montagem, bene-
ficiamento ou revenda – o produto ou serviço que venha a ser ofertado a
terceiros.
- O empresário ou sociedade empresária que tenha por atividade precípua
a distribuição, no atacado ou no varejo, de medicamentos, deve ser conside-
rado destinatário final do serviço de pagamento por meio de cartão de cré-
dito, porquanto esta atividade não integra, diretamente, o produto objeto
de sua empresa. (CC 41.056/SP, Rel. Ministro Aldir Passarinho Junior, rel.
p/ acórdão Ministra nancy Andrighi, Segunda Seção, julgado em 23-06-
2004, DJ 20-09-2004, p. 181) (grifos nossos)
Conflito positivo de competência. Medida cautelar de arresto de grãos de
soja proposta no foro de eleição contratual. Expedição de carta precató-
ria. Conflito suscitado pelo juízo deprecado, ao entendimento de que tal
cláusula seria nula, porquanto existente relação de consumo. Contrato
firmado entre empresa de insumos e grande produtor rural. Ausência de

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prejuízos à defesa pela manutenção do foro de eleição. Não configuração


de relação de consumo.
- A jurisprudência atual do STJ reconhece a existência de relação de consu-
mo apenas quando ocorre destinação final do produto ou serviço, e não na
hipótese em que estes são alocados na prática de outra atividade produtiva.
- A jurisprudência do STJ entende, ainda, que deve prevalecer o foro de elei-
ção quando verificado o expressivo porte financeiro ou econômico da pessoa
tida por consumidora ou do contrato celebrado entre as partes. Conflito
de competência conhecido para declarar competente o Juízo de Direito
da 33ª Vara Cível do Foro Central de São Paulo – SP, suscitado, devendo
o juízo suscitante cumprir a carta precatória por aquele expedida. (CC
64.524/MT, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Segunda Seção, julgado em
27-09-2006, DJ 09-10-2006, p. 256) (grifos nossos)

Dica!
Em certos casos, o STJ busca abrandar o critério subjetivo aplicado pela lei desde que
presente a vulnerabilidade, que é a principal característica do consumidor. Ocorre desse
modo a denominada Teoria Finalista Aprofundada. Confira o teor do julgado:
Direito do consumidor. Consumo intermediário. Vulnerabilidade. Finalismo aprofundado. Não
ostenta a qualidade de consumidor a pessoa física ou jurídica que não é destinatária fática
ou econômica do bem ou serviço, salvo se caracterizada a sua vulnerabilidade frente ao for-
necedor. A determinação da qualidade de consumidor deve, em regra, ser feita mediante
aplicação da teoria finalista, que, numa exegese restritiva do art. 2º do CDC, considera des-
tinatário final tão somente o destinatário fático e econômico do bem ou serviço, seja ele
pessoa física ou jurídica. Dessa forma, fica excluído da proteção do CDC o consumo inter-
mediário, assim entendido como aquele cujo produto retorna para as cadeias de produção
e distribuição, compondo o custo (e, portanto, o preço final) de um novo bem ou serviço.
Vale dizer, só pode ser considerado consumidor, para fins de tutela pelo CDC, aquele que
exaure a função econômica do bem ou serviço, excluindo-o de forma definitiva do mer-
cado de consumo. Todavia, a jurisprudência do STJ, tomando por base o conceito de con-
sumidor por equiparação previsto no art. 29 do CDC, tem evoluído para uma aplicação
temperada da teoria finalista frente às pessoas jurídicas, num processo que a doutrina vem
denominando “finalismo aprofundado”. Assim, tem se admitido que, em determinadas hi-
póteses, a pessoa jurídica adquirente de um produto ou serviço possa ser equiparada à
condição de consumidora, por apresentar frente ao fornecedor alguma vulnerabilidade,
que constitui o princípio-motor da política nacional das relações de consumo, premissa
expressamente fixada no art. 4º, I, do CDC, que legitima toda a proteção conferida ao con-
sumidor. A doutrina tradicionalmente aponta a existência de três modalidades de vulne-
rabilidade: técnica (ausência de conhecimento específico acerca do produto ou serviço
objeto de consumo), jurídica (falta de conhecimento jurídico, contábil ou econômico e de
seus reflexos na relação de consumo) e fática (situações em que a insuficiência econômica,
física ou até mesmo psicológica do consumidor o coloca em pé de desigualdade frente ao
fornecedor). Mais recentemente, tem se incluído também a vulnerabilidade informacional
(dados insuficientes sobre o produto ou serviço capazes de influenciar no processo decisó-
rio de compra). Além disso, a casuística poderá apresentar novas formas de vulnerabilidade

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aptas a atrair a incidência do CDC à relação de consumo. Numa relação interempresarial,


para além das hipóteses de vulnerabilidade já consagradas pela doutrina e pela jurispru-
dência, a relação de dependência de uma das partes frente à outra pode, conforme o caso,
caracterizar uma vulnerabilidade legitimadora da aplicação do CDC, mitigando os rigo-
res da teoria finalista e autorizando a equiparação da pessoa jurídica compradora à con-
dição de consumidora (Precedentes citados: REsp 1.196.951/PI, DJe de 9-4-2012, e REsp
1.027.165/ES, DJe de 14-6-2011. REsp 1.195.642/RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em
13-11-2012).

Veja os acórdãos:
Processual civil. Agravo regimental no agravo em recurso especial. Relação
de consumo. Existência. Aplicabilidade do CDC. Teoria finalista. Mitiga-
ção. Possibilidade. Vulnerabilidade verificada. Revisão. Análise do conjunto
fático-probatório dos autos. Óbice da Súmula 7/STJ. Decisão mantida. 1. A
Segunda Seção desta Corte consolidou a aplicação da teoria subjetiva (ou
finalista) para a interpretação do conceito de consumidor. No entanto,
em situações excepcionais, esta Corte tem mitigado os rigores da teoria
finalista para autorizar a incidência do CDC nas hipóteses em que a parte
(pessoa física ou jurídica), embora não seja propriamente a destinatária
final do produto ou do serviço, apresenta-se em situação de vulnerabili-
dade ou submetida a prática abusiva. 2. No caso concreto, o Tribunal de
origem, com base nos elementos de prova, concluiu pela vulnerabilidade
do agravado em relação à agravante. Alterar esse entendimento é inviá-
vel em recurso especial a teor do que dispõe a Súmula 7/STJ. 3. Agravo
regimental a que se nega provimento (AgRg no AREsp 415.244/SC, Rel.
Min. Antonio Carlos Ferreira, Quarta Turma, julgado em 7-5-2015, DJe
19-5-2015).

Sobre a matéria, insta mencionar o Enunciado n. 20, aprovado na I


Jornada de Direito Comercial, que dispõe que:
Não se aplica o Código de Defesa do Consumidor aos contratos celebra-
dos entre empresários em que um dos contratantes tenha por objetivo
suprir-se de insumos para sua atividade de produção, comércio ou pres-
tação de serviços.

Destacamos recentes julgados acerca da pessoa jurídica como consu-


midora:
Direito do consumidor. Aplicação do CDC a contrato de seguro empresarial.
Há relação de consumo entre a seguradora e a concessionária de veículos que
firmam seguro empresarial visando à proteção do patrimônio desta (desti-
nação pessoal) – ainda que com o intuito de resguardar veículos utilizados

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em sua atividade comercial –, desde que o seguro não integre os produtos


ou serviços oferecidos por esta. Cumpre destacar que consumidor é toda
pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza, como destinatário final,
produto ou serviço oriundo de um fornecedor. Por sua vez, destinatário
final, segundo a teoria subjetiva ou finalista, adotada pelo STJ, é aquele que
ultima a atividade econômica, ou seja, que retira de circulação do mercado
o bem ou o serviço para consumi-lo, suprindo uma necessidade ou satisfa-
ção própria, não havendo, portanto, a reutilização ou o reingresso dele no
processo produtivo, seja na revenda, no uso profissional, na transforma-
ção do bem por meio de beneficiamento ou montagem, ou em outra for-
ma indireta. Nessa medida, se a sociedade empresária firmar contrato de
seguro visando proteger seu patrimônio (destinação pessoal), mesmo que
seja para resguardar insumos utilizados em sua atividade comercial, mas
sem integrar o seguro nos produtos ou serviços que oferece, haverá carac-
terização de relação de consumo, pois será aquela destinatária final dos
serviços securitários. Situação diversa seria se o seguro empresarial fosse
contratado para cobrir riscos dos clientes, ocasião em que faria parte dos
serviços prestados pela pessoa jurídica, o que configuraria consumo inter-
mediário, não protegido pelo CDC. Precedentes citados: REsp 733.560-RJ,
Terceira Turma, DJ 2-5-2006; e REsp 814.060-RJ, Quarta Turma, DJe 13-4-
2010. REsp 1.352.419-SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em
19-8-2014 (ver Informativo n. 548).

Agravo interno no recurso especial. Ação de obrigação de fazer. 1. Incidên-


cia do CDC. Impossibilidade. Teoria finalista mitigada. Não aplicação ao
caso. Insumo para incrementar as atividades empresariais. Súmula 83/STJ.
2. Utilização de serviços ou aquisição de produtos com o intuito de incre-
mentar a atividade produtiva do agravante. Revisão. Impossibilidade. Inci-
dência das Súmulas 5 e 7 do STJ. 3. Agravo improvido.
1. Em relação à incidência do Código de Defesa do Consumidor, a juris-
prudência desta Corte Superior tem ampliado o conceito de consumidor
e adotou aquele definido pela Teoria Finalista Mista, isto é, estará abarca-
do no conceito de consumidor todo aquele que possuir vulnerabilidade
em relação ao fornecedor, seja pessoa física ou jurídica, embora não seja
tecnicamente a destinatária final do produto ou serviço.
1.1. Desse modo, o conceito-chave no finalismo aprofundado é a presun-
ção de vulnerabilidade, ou seja, uma situação permanente ou provisória,
individual ou coletiva, que fragiliza e enfraquece o sujeito de direitos,
desequilibrando a relação de consumo.
1.2. Na hipótese dos autos, o acórdão recorrido afastou a incidência do
CDC pelo fato de que a relação estabelecida entre as partes, encartada
na utilização de equipamentos e demais operações de cartão de crédito,

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tem o intuito de aquisição de produto ou utilização de serviço para in-


crementar sua atividade empresarial e, portanto, desenvolvimento de sua
atividade lucrativa.
2. Ademais, para reverter a conclusão do Tribunal local, (acerca da utili-
zação de serviços ou aquisição de produtos pelo agravante com o intuito
de incrementar a atividade produtiva, não se caracterizando como rela-
ção de consumo), seria necessário o reexame das cláusulas contratuais e o
revolvimento do acervo fático-probatório dos autos, o que não se admite
em âmbito de recurso especial, ante os óbices das Súmulas 5 e 7/STJ.
3. Agravo interno a que se nega provimento. (AgInt no REsp 1805350/DF,
Rel. Ministro Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, julgado em 14-10-
2019, DJe 22-10-2019)

Direito do Consumidor. Pessoa jurídica. Insumos. Não incidência das nor-


mas consumeristas.
In casu, a recorrente, empresa fornecedora de gás, ajuizou na origem ação
contra sociedade empresária do ramo industrial e comercial, ora recorri-
da, cobrando diferenças de valores oriundos de contrato de fornecimento
de gás e cessão de equipamentos, em virtude de consumo inferior à cota
mínima mensal obrigatória, ocasionando também a rescisão contratual
mediante notificação. Sobreveio sentença de improcedência do pedido.
O tribunal de justiça negou provimento à apelação. A recorrente interpôs
recurso especial, sustentando que a relação jurídica entre as partes não
poderia ser considerada como consumerista e que não é caso de equipa-
ração a consumidores hipossuficientes, uma vez que a recorrida é deten-
tora de conhecimentos técnicos, além de possuir fins lucrativos. A Turma
entendeu que a recorrida não se insere em situação de vulnerabilidade,
porquanto não se apresenta como sujeito mais fraco, com necessidade de
proteção estatal, mas como sociedade empresária, sendo certo que não
utiliza os produtos e serviços prestados pela recorrente como sua desti-
natária final, mas como insumos dos produtos que manufatura. Ademais,
a sentença e o acórdão recorrido partiram do pressuposto de que todas
as pessoas jurídicas são submetidas às regras consumeristas, razão pela
qual entenderam ser abusiva a cláusula contratual que estipula o con-
sumo mínimo, nada mencionando acerca de eventual vulnerabilidade –
técnica, jurídica, fática, econômica ou informacional. O art. 2º do CDC
abarca expressamente a possibilidade de as pessoas jurídicas figurarem
como consumidores, sendo relevante saber se a pessoa – física ou jurídi-
ca – é “destinatária final” do produto ou serviço. Nesse passo, somente se
desnatura a relação consumerista se o bem ou serviço passam a integrar a
cadeia produtiva do adquirente, ou seja, tornam-se objeto de revenda ou
de transformação por meio de beneficiamento ou montagem, ou, ainda,

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Parte II
QUESTÕES PROCESSUAIS RELACIONADAS
À PRÁTICA NO DIREITO DO CONSUMIDOR

CONSIDERAÇÕES GERAIS

Na Parte 1, o Professor Cristiano Sobral fez uma ampla abordagem


sobre as questões relacionadas ao direito material, aplicáveis às ações
fundadas nas relações de consumo, esgotando o assunto. Com a intenção
de aliar a teoria à prática, analiso as questões processuais que envolvem
as mesmas ações, iniciando pelo exame da sua dinâmica, pelo rito co-
mum e pelo rito sumaríssimo, do primeiro ao último ato, passando pelo
estudo dos principais atos processuais, finalizando com a apresentação
de petições comentadas.

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322 MANUAL PRÁTICO DE DIREITO DO CONSUMIDOR  Cristiano Vieira Sobral Pinto e Misael Montenegro Filho

1. DINÂMICA DAS AÇÕES DE RITO COMUM QUE VERSAM SOBRE


RELAÇÃO DE CONSUMO

Petição inicial75


Determinação de emenda da petição inicial76, indeferimento77, julgamento
liminar do pedido78 ou designação da audiência de conciliação ou da sessão
de mediação79


Emenda da petição inicial , interposição do recurso de apelação81 ou
80

realização da audiência de conciliação ou da sessão de mediação


Apresentação da defesa82

75. Que deve preencher os requisitos relacionados no art. 319 do CPC, além de requisitos espe-
cíficos, como o dano, o ato do agente e o nexo de causalidade, nas ações de indenização por
perdas e danos.
76. Quando o magistrado constatar a existência de vício sanável, e que, por isso, pode ser eli-
minado. O pronunciamento em que o magistrado determina que o autor emende a petição
inicial não está inserido na relação constante do art. 1.015 da lei processual, e por isso, não
pode ser atacado pelo recurso de agravo de instrumento. A emenda da petição inicial deve
ser providenciada pelo autor no prazo de 15 (quinze) dias úteis.
77. Com fundamento no art. 330 do CPC, quando o magistrado constatar a existência de vício
insanável, como a ilegitimidade da parte, a ausência do interesse de agir, ou quando verificar
que o autor formulou pedido indeterminado, o que é vedado pelo inciso II do § 1º do mesmo
dispositivo, ressalvadas as hipóteses em que é permitida a formulação de pedido genérico.
78. Com fundamento no art. 332 do CPC, o que não é frequente nas ações fundadas nas relações
de consumo.
79. Se o autor manifestar interesse pela autocomposição, na petição inicial (inciso VII do art. 319
do CPC).
80. No prazo legal de 15 (quinze) dias úteis.
81. No prazo legal de 15 (quinze) dias úteis.
82. Sob a forma da contestação, no prazo legal de 15 (quinze) dias úteis, contado em dobro, se a
ação for proposta contra pessoa jurídica de direito público (art. 183/CPC), contra réu represen-
tado pela defensoria pública (art. 186/CPC) ou contra réus (litisconsórcio passivo) representa-
dos por diferentes procuradores, que integrem escritórios de advocacia igualmente distintos, e
desde que o processo tenha curso em autos físicos, o que não é a regra (art. 229/CPC). Além de
contestar, o réu pode opor reconvenção, na própria contestação (art. 343/CPC), contra o autor
e contra terceiro (§ 3º do mesmo dispositivo), como na situação em que, mesmo sendo culpado
por acidente de trânsito, o autor propõe ação contra o proprietário do outro veículo envolvido
na colisão, que contesta a demanda e opõe reconvenção contra o autor e a seguradora.

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PARTE II 323


Réplica83

Saneamento do processo84

Julgamento antecipado do mérito ou do pedido (expressões sinônimas, do
ponto de vista processual)85 ou designação de dia e hora para a realização da
audiência de instrução e julgamento

Produção de provas


Razões finais86


Sentença


Embargos de declaração87


Julgamento dos embargos de declaração88

83. No prazo legal de 15 (quinze) dias úteis (art. 351/CPC), em cuja petição o autor se manifesta
sobre preliminares arguidas pelo réu e/ou sobre documentos que instruíram a contestação.
84. Com fundamento no art. 357 do CPC.
85. Com fundamento no art. 355 do CPC, quando o réu for revel ou quando o magistrado enten-
der que as provas constantes dos autos são suficientes para a formação do seu convencimento,
não havendo necessidade da produção de outras provas.
86. Que devem ser apresentadas por escrito ou oralmente, a depender da complexidade da causa.
87. Com fundamento no art. 1.022 do CPC, quando a parte entender que o pronunciamento é
omisso, obscuro e/ou contraditório, ou que apresenta erro material. O recurso de embargos
de declaração deve ser apresentado no prazo de 5 (cinco) dias úteis, e interrompe o prazo
para a interposição da apelação, em favor de ambas as partes.
88. Independentemente da intimação da outra parte para impugnar o recurso, exceto quando for
interposto com pretensão modificativa ou infringente.

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324 MANUAL PRÁTICO DE DIREITO DO CONSUMIDOR  Cristiano Vieira Sobral Pinto e Misael Montenegro Filho

Interposição da apelação89


Apresentação das contrarrazões90


Encaminhamento dos autos ao Tribunal91


Negativa de seguimento da apelação92, julgamento monocrático93 ou
designação de dia e hora para a realização da sessão de julgamento94


Interposição do recurso de agravo interno ou sessão de julgamento


Interposição do recurso de embargos de declaração95


Julgamento do recurso de embargos de declaração


Interposição do recurso extraordinário e/ou do recurso especial96

89. No prazo legal de 15 (quinze) dias úteis, exceto quando o apelante for beneficiado pela regra
da contagem dos prazos em dobro.
90. No prazo legal de 15 (quinze) dias úteis.
91. Independentemente da realização de juízo de admissibilidade pelo juiz (§ 3º do art. 1.010/CPC).
92. Por decisão monocrática do relator, com fundamento no inciso III do art. 932 do CPC, que
pode ser atacada pelo recurso de agravo interno, no prazo legal de 15 (quinze) dias úteis.
93. Pelo relator, com fundamento no inciso IV ou no inciso V do art. 932 do CPC, pronunciamento
que pode ser atacado pelo recurso de agravo interno, no prazo legal de 15 (quinze) dias úteis.
94. Que deve ser antecedida da publicação da pauta, no mínimo 5 (cinco) dias antes da sessão de
julgamento.
95. No prazo legal de 5 (cinco) dias úteis, sobretudo para prequestionar a matéria, preparando
a interposição do recurso especial e/ou do recurso extraordinário, evitando a aplicação da
Súmula 282 do STF.
96. No prazo geral de 15 (quinze) dias úteis, com fundamento no inciso III do art. 102 e/ou no
inciso III do art. 105 da CF. Como esses recursos não são dotados do efeito suspensivo, a
partir desse momento, o vencedor pode requerer a instauração da execução provisória, com
fundamento no art. 520 da lei processual.

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PARTE II 325

2. DINÂMICA DAS AÇÕES DE RITO SUMARÍSSIMO QUE VERSAM


SOBRE RELAÇÃO DE CONSUMO

Apresentação da queixa97


Designação de audiência una ou da audiência de tentativa de conciliação


Realização de acordo, apresentação da defesa98, manifestação do autor99,
produção de provas


Sentença


Interposição do recurso de embargos de declaração100
ou do recurso inominado101


Apresentação de impugnação ou de contrarrazões pelo vencedor


Encaminhamento dos autos ao Colégio Recursal


Julgamento do recurso inominado

97. Que, quando apresentada por escrito, não exige o preenchimento dos requisitos relacionados
no art. 319 do CPC, limitando-se a conter o nome, a qualificação e o endereço das partes, os
fatos e os fundamentos, de forma sucinta, e o objeto e seu valor (incisos I, II e III do § 1º do
art. 14 da Lei 9.099/95).
98. Que pode ser escrita ou oral.
99. Oralmente, na própria audiência.
100. No prazo de 5 (cinco) dias, quando a parte entender que o pronunciamento é omisso, obscu-
ro e/ou contraditório ou que apresenta erro material.
101. Que deve ser interposto no prazo de 10 (dez) dias, dispondo o recorrente do prazo de 48
(quarenta e oito) horas para realizar e comprovar o preparo.

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326 MANUAL PRÁTICO DE DIREITO DO CONSUMIDOR  Cristiano Vieira Sobral Pinto e Misael Montenegro Filho

Interposição do recurso de embargos de declaração


ou do recurso extraordinário102

Apresentação de contrarrazões pelo vencedor

Encaminhamento dos autos ao STF

3. ESTUDO DOS PRINCIPAIS ATOS PROCESSUAIS PRATICADOS


NAS AÇÕES QUE VERSAM SOBRE RELAÇÃO DE CONSUMO
3.1. Petição inicial
Como toda e qualquer ação, a que advém de uma relação de consumo
deve ser iniciada por meio da apresentação de uma petição inicial, que
se submete ao preenchimento dos requisitos relacionados no art. 319 do
CPC, adiante transcrito:
“Art. 319. A petição inicial indicará:
I - o juízo a que é dirigida;
II - os nomes, os prenomes, o estado civil, a existência de união estável,
a profissão, o número de inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas ou no
Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica, o endereço eletrônico, o domicílio
e a residência do autor e do réu;
III - o fato e os fundamentos jurídicos do pedido;
IV - o pedido com as suas especificações;
V - o valor da causa;
VI - as provas com que o autor pretende demonstrar a verdade dos fatos
alegados;
VII - a opção do autor pela realização ou não de audiência de conciliação
ou de mediação.
§ 1º Caso não disponha das informações previstas no inciso II, poderá
o autor, na petição inicial, requerer ao juiz diligências necessárias a sua
obtenção.
§ 2º A petição inicial não será indeferida se, a despeito da falta de infor-
mações a que se refere o inciso II, for possível a citação do réu.

102. No prazo de 15 (quinze) dias, com fundamento no inciso III do art. 105 da CF.

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PARTE II 327

§ 3º A petição inicial não será indeferida pelo não atendimento ao dis-


posto no inciso II deste artigo se a obtenção de tais informações tornar
impossível ou excessivamente oneroso o acesso à justiça”.

Entendemos que a petição inicial se constitui num dos atos mais im-
portantes do processo, por definir os chamados elementos da ação (par-
tes, causa de pedir e pedido), e por limitar a atuação do magistrado, em
respeito ao princípio da correlação, da adstrição ou da congruência (art.
141 do CPC103).
Por conta da aplicação desse princípio, se o autor ajuíza ação e requer
que o réu seja condenado ao pagamento de indenização por danos mo-
rais, em valor simbólico, o juiz não pode arbitrar indenização em mon-
tante superior ao postulado pelo demandante, mesmo que entenda que o
prejuízo é maior do que o que foi relatado na primeira peça.
Nas próximas seções, estudamos cada um dos requisitos considera-
dos como sendo essenciais, com base nas normas processuais, nas nor-
mas específicas que constam no CDC e na jurisprudência.

3.1.1. O juízo a que é dirigida

Em decorrência da exigência de preenchimento do requisito que es-


tudamos nesta seção, é que encontramos as expressões “Exmo. Sr. Dr.
Juiz de Direito da Vara Cível da Comarca de Niterói” ou “Juiz de Direito
da Vara Cível da Comarca de Florianópolis”, no cabeçalho da primeira
página da petição inicial, que nada mais é do que o endereçamento feito
pelo autor, a uma autoridade jurisdicional.
A competência é definida por exclusão, o que nos faz inicialmente
examinar se seria hipótese de competência da justiça federal, com base
no art. 109 da CF, adiante transcrito:
“Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar:
I - as causas em que a União, entidade autárquica ou empresa pública fe-
deral forem interessadas na condição de autoras, rés, assistentes ou opo-
nentes, exceto as de falência, as de acidentes de trabalho e as sujeitas à
Justiça Eleitoral e à Justiça do Trabalho;

103. “Art. 140. O juiz decidirá o mérito nos limites propostos pelas partes, sendo-lhe vedado co-
nhecer de questões não suscitadas a cujo respeito a lei exige a iniciativa das partes”.

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328 MANUAL PRÁTICO DE DIREITO DO CONSUMIDOR  Cristiano Vieira Sobral Pinto e Misael Montenegro Filho

II - as causas entre Estado estrangeiro ou organismo internacional e Mu-


nicípio ou pessoa domiciliada ou residente no País;
III - as causas fundadas em tratado ou contrato da União com Estado
estrangeiro ou organismo internacional;
IV - os crimes políticos e as infrações penais praticadas em detrimento de
bens, serviços ou interesse da União ou de suas entidades autárquicas ou
empresas públicas, excluídas as contravenções e ressalvada a competência
da Justiça Militar e da Justiça Eleitoral;
V - os crimes previstos em tratado ou convenção internacional, quando,
iniciada a execução no País, o resultado tenha ou devesse ter ocorrido no
estrangeiro, ou reciprocamente;
V - as causas relativas a direitos humanos a que se refere o § 5º deste
artigo;
VI - os crimes contra a organização do trabalho e, nos casos determina-
dos por lei, contra o sistema financeiro e a ordem econômico-financeira;
VII - os habeas corpus, em matéria criminal de sua competência ou quan-
do o constrangimento provier de autoridade cujos atos não estejam dire-
tamente sujeitos a outra jurisdição;
VIII - os mandados de segurança e os habeas data contra ato de autori-
dade federal, excetuados os casos de competência dos tribunais federais;
IX - os crimes cometidos a bordo de navios ou aeronaves, ressalvada a
competência da Justiça Militar;
X - os crimes de ingresso ou permanência irregular de estrangeiro, a exe-
cução de carta rogatória, após o ‘exequatur’, e de sentença estrangeira,
após a homologação, as causas referentes à nacionalidade, inclusive a res-
pectiva opção, e à naturalização;
XI - a disputa sobre direitos indígenas.
§ 1º As causas em que a União for autora serão aforadas na seção judiciá-
ria onde tiver domicílio a outra parte.
§ 2º As causas intentadas contra a União poderão ser aforadas na seção
judiciária em que for domiciliado o autor, naquela onde houver ocorrido
o ato ou fato que deu origem à demanda ou onde esteja situada a coisa,
ou, ainda, no Distrito Federal.
§ 3º Lei poderá autorizar que as causas de competência da Justiça Federal
em que forem parte instituição de previdência social e segurado possam
ser processadas e julgadas na justiça estadual quando a comarca do domi-
cílio do segurado não for sede de vara federal. (Re­dação dada pela Emenda
Constitucional nº 103, de 2019)

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PARTE II 329

§ 4º Na hipótese do parágrafo anterior, o recurso cabível será sempre para


o Tribunal Regional Federal na área de jurisdição do juiz de primeiro grau.
§ 5º Nas hipóteses de grave violação de direitos humanos, o Procurador-
-Geral da República, com a finalidade de assegurar o cumprimento de
obrigações decorrentes de tratados internacionais de direitos humanos
dos quais o Brasil seja parte, poderá suscitar, perante o Superior Tribunal
de Justiça, em qualquer fase do inquérito ou processo, incidente de deslo-
camento de competência para a Justiça Federal”.

Para ilustrar a possibilidade de ajuizamento de ação que versa sobre


relação de consumo na Justiça Federal, pensemos que determinado con-
sumidor sofreu prejuízo advindo da má prestação de serviços pela ECT
– EMPRESA DE CORREIOS E TELÉGRAFOS, empresa pública federal,
conforme previsto no art. 1º do Decreto lei nº 509, de 20 de março de
1969104, prejuízo que decorre do extravio de encomenda, caracterizada a
relação de consumo105.
Nesse caso, a ação deverá ser proposta na justiça federal, que exerce
competência de natureza absoluta, o que significa dizer que, se a ação for
indevidamente proposta na justiça comum estadual, o juiz deve reconhe-
cer a sua incompetência de ofício, independentemente de provocação do
réu (§ 1º do art. 64 do CPC106).

104. “Art. 1º - O Departamento dos Correios e Telégrafos (DCT) fica transformado em empresa
pública, vinculada ao Ministério das Comunicações, com a denominação de Empresa Bra-
sileira de Correios e Telégrafos (ECT; nos termos do artigo 5º, item II, do Decreto lei nº.200
(*), de 25 de fevereiro de 1967. Omissis”.
105. “EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELÉGRAFOS – ECT. EXTRAVIO DE EN-
COMENDA. RESPONSABILIDADE CIVIL DA ADMINISTRAÇÃO. DANOS MORAIS E
MATERIAIS CARACTERIZADOS. CONSTITUIÇÃO FEDERAL – ART. 37, § 6º. CÓDIGO
DE DEFESA DO CONSUMIDOR – ART. 14. SENTENÇA CONFIRMADA. Comprovado
nos autos o nexo de causalidade entre o evento danoso e a conduta da empesa pública, incide
na espécie a hipótese de responsabilidade objetiva da Administração, prevista no art. 37, § 6º,
da Constituição Federal e, na hipótese dos autos, combinada com o art. 14 da Lei 8.078/90.
In casu, o autor logrou trazer aos autos comprovação do prejuízo material por ele sofrido
em razão do extravio de sua encomenda. Na hipótese, na esteira da jurisprudência deste
Tribunal, estruturado o pedido de indenização por danos morais no simples extravio de cor-
respondência pela ECT, sem maiores desdobramentos, afigura-se adequada indenização no
valor de R$ 1.000,00 (mil reais). Apelação da ECT conhecida e não provida” (Apelação Cível
00103512920124013304, TRF da 1ª Região, publicado em 2.2.2018).
106. “Art. 64. Omissis. § 1º A incompetência absoluta pode ser alegada em qualquer tempo e grau
de jurisdição e deve ser declarada de ofício. Omissis”.

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330 MANUAL PRÁTICO DE DIREITO DO CONSUMIDOR  Cristiano Vieira Sobral Pinto e Misael Montenegro Filho

É importante destacar que o inciso I do art. 109 da CF não inclui as


sociedades de economia formadas com capital federal na relação de
pessoas jurídicas que têm as suas ações julgadas na justiça federal. Por
isso, e mais uma vez de forma exemplificativa, se um correntista do Ban-
co do Brasil sofre prejuízo decorrente da indevida devolução de cheques,
querendo demandar, deverá fazê-lo na justiça comum estadual.
Empresa pública federal Sociedade de economia mista

Justiça Federal Justiça Estadual

Não sendo a hipótese de competência da justiça federal, a ação deverá


ser proposta na justiça estadual, por exclusão, sendo necessária a defini-
ção da sua natureza jurídica, se fundada em direito real sobre imóveis ou
em direito pessoal ou em direito real sobre bens móveis.
No primeiro caso, a ação deve ser proposta no foro de situação do
bem imóvel (art. 47 do CPC107), enquanto, no segundo, a competência é
do foro do domicílio do réu (art. 46 da lei processual108), regra de aplica-
ção mais frequente, nas ações fundadas em relação de consumo.
Embora essa seja a regra geral, tanto a doutrina quanto a jurisprudên-
cia admitem a propositura da ação que versa sobre relação de consumo
no foro do domicílio do autor, com fundamento no inciso VIII do art.
6º do CDC, que tem a seguinte redação:

107. Art. 47. Para as ações fundadas em direito real sobre imóveis é competente o foro de situação
da coisa. § 1º O autor pode optar pelo foro de domicílio do réu ou pelo foro de eleição se o
litígio não recair sobre direito de propriedade, vizinhança, servidão, divisão e demarcação de
terras e de nunciação de obra nova. § 2º A ação possessória imobiliária será proposta no foro
de situação da coisa, cujo juízo tem competência absoluta”.
108. “Art. 46. A ação fundada em direito pessoal ou em direito real sobre bens móveis será pro-
posta, em regra, no foro de domicílio do réu. § 1º Tendo mais de um domicílio, o réu será
demandado no foro de qualquer deles. § 2º Sendo incerto ou desconhecido o domicílio do
réu, ele poderá ser demandado onde for encontrado ou no foro de domicílio do autor. § 3º
Quando o réu não tiver domicílio ou residência no Brasil, a ação será proposta no foro de
domicílio do autor, e, se este também residir fora do Brasil, a ação será proposta em qualquer
foro. § 4º Havendo 2 (dois) ou mais réus com diferentes domicílios, serão demandados no
foro de qualquer deles, à escolha do autor. § 5º A execução fiscal será proposta no foro de
domicílio do réu, no de sua residência ou no do lugar onde for encontrado”.

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PARTE II 467

Apresentação de impugnação à impugnação


Julgamento da impugnação


Agravo de instrumento


Designação de dia e hora para a realização do leilão


Arrematação do bem


Pagamento ao credor


Extinção da execução

3.14. Algumas petições iniciais de ações que versam sobre relação


de consumo
3.14.1. Redução de mensalidade escolar

Exmo. Sr. Dr. Juiz de Direito da Vara Cível da Comarca do Recife - a


quem a presente demanda vier a ser distribuída.
JOÃO DE DEUS, brasileiro, casado, advogado, inscrito no CPF/
MF sob o nº 000.222.333 – 54, residente e domiciliado na Rua 10, nº 8,
no bairro da Boa Viagem, município do Recife, Estado de Pernambuco,
por seu advogado infra-assinado, conforme instrumento procuratório
em anexo, com endereço profissional sito na Rua Cel. Anízio Rodrigues
Coelho, nº 464, sala 902, no bairro da Boa Viagem, nesta capital, local
em que receberá as intimações que se fizerem necessárias, vem, por meio
desta, com fundamento no art. 476 e seguintes do Código Civil, no art.
319 e seguintes do CPC e nos demais dispositivos legais aplicáveis à ma-
téria, propor

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468 MANUAL PRÁTICO DE DIREITO DO CONSUMIDOR  Cristiano Vieira Sobral Pinto e Misael Montenegro Filho

AÇÃO DE RITO COMUM COM PEDIDO DE TUTELA


PROVISÓRIA DE URGÊNCIA
contra o COLÉGIO JOÃO E MARIA, pessoa jurídica de direito pri-
vado, inscrita no CNPJ sob o nº 01.200.200/0001 – 35, sediada na Rua
27, nº 49, no bairro da Boa Viagem, município do Recife, capital do Esta-
do de Pernambuco, de acordo com as razões de fato e de direito adiante
aduzidas:

DOS FATOS
01. O autor é genitor da menor BEATRIZ DE DEUS, regularmente ma-
triculada na instituição demandada, sendo aluna do estabelecimento
desde o ano de 2018, encontrando-se, atualmente, com 4 (quatro) anos
de idade.
02. Acessando a plataforma wikipedia.org, obtemos a informação de que a
educação infantil consiste “na educação de crianças, com idades entre
0 e 5 anos (entre 0 e 6 anos de idade para nascidos no segundo semes-
tre). Neste tipo de educação, as crianças são estimuladas – através de
atividades lúdicas, brincadeiras e jogos – a exercitar as suas capacidades
e potencialidades emocionais, sociais, físicas, motoras, cognitivas e a
fazer exploração, experimentação e descobertas. A educação infantil é
ministrada em estabelecimentos educativos divididos nas modalidades
creches e pré-escolas”.
03. Como percebemos, a educação infantil é base para o aprendizado dos
alunos, tendo como finalidade o desenvolvimento integral da criança
até seis anos de idade, em seus aspectos físicos, psicológicos, intelec-
tuais e sociais, complementando a ação da família e da comunidade
(LDB, art. 29).
04. A importância da educação infantil é detalhada pelo MEC no por-
tal www.educacaointegral.mec.gov.br, do qual extraímos as seguintes
informações:
“Esse tratamento integral das várias dimensões do desenvolvimento infantil
exige a indissociabilidade do educar e do cuidar no atendimento às crianças.
A educação infantil, cuja matrícula na pré-escola é obrigatória para crianças
de quatro a cinco anos, deve ocorrer em espaços institucionais, coletivos, não
domésticos, públicos ou privados, caracterizados como estabelecimentos
educacionais e submetidos a múltiplos mecanismos de acompanhamento e
controle social”.

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PARTE II 469

05. A educação infantil, repita-se, base para o aprendizado, exige o contato


constante do aluno com os professores, não se concebendo, sequer, que
o ensino à distância possa complementar essa exigência.
06. Como é do conhecimento desse douto Juízo, a pandemia causada pelo
coronavírus, dentre outras consequências e efeitos, impôs modificação
da rotina educacional no país, tendo o MEC editado a Portaria nº 343,
de 17 de março de 2020, em que dispõe sobre a substituição das aulas
presenciais por aulas em meios digitais, por 30 (trinta) dias, prorro-
gáveis a depender da orientação do Ministério da Saúde e dos órgãos
estaduais, municipais e distrital (§ 1º do art. 1º).
07. Contudo, e no que toca à educação infantil, não há norma prevendo
a possibilidade do oferecimento do curso à distância, considerando a
peculiaridade da faixa etária dos alunos.
08. Mesmo que a adoção dessa técnica fosse permitida, no ensino infantil, a
adversa parte não vem a oferecendo, o que significa dizer que a filha do
autor se encontra sem qualquer atividade efetiva desde o dia 15.3.2020,
exceto atividades esporádicas, que representam apenas 30% (trinta por
cento) da carga horária mensal prevista para ser ministrada, como con-
dição para totalizar 800 (oitocentas) horas no ano, exigidas pelo MEC.
09. O peticionário enviou notificação extrajudicial para a adversa parte,
propondo a redução da mensalidade escolar em 70% (setenta por cen-
to) do valor original, não recebendo qualquer resposta, o que denota a
existência de conflito de interesses, a ser dirimido por órgão do Poder
Judiciário.

DO DIREITO
10. O art. 476 do CC apresenta a seguinte redação:
“Art. 476. Nos contratos bilaterais, nenhum contratante, antes de cumprida a
sua obrigação, pode exigir o implemento da do outro”.

11. Interpretando a norma, a doutrina nos fornece a seguinte lição:


“Trata-se de se garantir ao contratante a sustação em atender o que lhe com-
pete, enquanto não satisfaz a outra parte a obrigação que lhe foi incumbida.
É o que se convencionou chamar de exceção do não cumprimento do con-
trato, ou da ‘exceptio não adimpleti contractus’, que não remonta do direito
romano, apesar de ter se consagrado universalmente como a denominação
dada pela língua latina” (RIZZARDO, Arnaldo. Contratos. Rio de Janeiro:
Forense. 3. ed. 2003).

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470 MANUAL PRÁTICO DE DIREITO DO CONSUMIDOR  Cristiano Vieira Sobral Pinto e Misael Montenegro Filho

12. No caso dos autos, não há dúvidas de que a adversa parte não vem adim-
plindo a principal obrigação que assumiu, como tal, a de prestar serviços
educacionais, o que já se estende por mais de 40 (quarenta) dias.
13. O peticionário não discute se esse descumprimento obrigacional é ou
não voluntário, tendo consciência de que a paralisação da atividade
educacional no Brasil (e em grande parte do mundo) decorre de deter-
minação do poder público.
14. Contudo, é evidente que, não prestado o serviço (que seria a prestação),
não há que se falar na exigência do pagamento das mensalidades esco-
lares (contraprestação), pelo menos não de forma integral.
15. O réu se propôs a ministrar aulas no sistema virtual, mas não vem se
desincumbindo a contento do encargo, disponibilizando aulas grava-
das com duração muito inferior à da carga horária exigida pelo MEC.

DA NECESSIDADE DE CONCESSÃO
DA TUTELA PROVISÓRIA DE URGÊNCIA
16. Como é do conhecimento desse douto Julgador, a concessão da tutela
provisória de urgência está condicionada à comprovação da coexistên-
cia da probabilidade do direito e do perigo de dano ou do risco ao re-
sultado útil do processo.
17. Quanto à probabilidade do direito, é inquestionável, já que a LBD não
permite que as escolas que se propõem a prestar serviços na educação
infantil ministrem aulas exclusivamente on-line, para esse público, nem
mesmo em momentos de pandemia.
18. Além disso, e mesmo que a lei permitisse a adoção dessa técnica, a ad-
versa parte não vem prestando serviço satisfatório, ministrando aulas
que preenchem apenas 30% (trinta por cento) da carga horária exigida
pelo MEC, o que, por si só, já poderia fundamentar o pedido de resci-
são do contrato de prestação de serviços celebrado entre as partes.
19. Contudo, a despeito de ter o direito de requerer a rescisão do contra-
to, de extrema boa-fé, o peticionário se limita a requerer a redução
das mensalidades escolares, na proporção do serviço que vem sendo
prestado.
20. No que toca ao perigo de dano, também é inquestionável, já que o pe-
ticionário sofreu severa redução da sua renda mensal, por ser advoga-
do, estando a justiça fechada desde o dia 20.3.2020, com a consequente
suspensão dos prazos dos processos físicos e eletrônicos, como dispõe
a Resolução 314 do STJ.

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PARTE II 471

DOS PEDIDOS
21. Pelo exposto, demonstrado o interesse e a legitimidade do peticionário
em propor a ação sub examine, este requer se digne Vossa Excelência a:
(a) Conceder TUTELA PROVISÓRIA DE URGÊNCIA ANTECI-
PADA, initio littis e inaudita altera parte, determinando que a ad-
versa parte reduza o valor das mensalidades escolares da filha do
demandante, em 70% (setenta por cento) do valor cobrado no mês
de março do ano em curso, emitindo boletos com os valores redu-
zidos, já em relação à mensalidade a se vencer no dia 10.5.2020, e
até a revogação do decreto que reconheceu o estado de calamida-
de pública no Brasil, sob pena do pagamento de multa diária, na
quantia de R$ 1.000,00 (mil reais).
(b) Designar dia e hora para a realização da audiência de tentativa de
conciliação (inciso VII do art. 334 do CPC), manifestando seu in-
teresse pela autocomposição.
(c) Determinar o aperfeiçoamento da citação do réu, para que con-
teste a ação no prazo legal (não havendo acordo na audiência de
tentativa de conciliação), sob pena de revelia.
(d) Ao final, JULGAR A AÇÃO PELA PROCEDÊNCIA DOS PEDI-
DOS, para modificar provisoriamente o contrato celebrado entre
as partes, reconhecendo o direito do autor de adimplir a princi-
pal obrigação assumida (pagamento das mensalidades escolares
de sua filha) com a redução de 70% (setenta por cento) do valor
previsto no contrato, durante o período de duração da pandemia
causada pelo coronavírus, com a consequente condenação do réu
ao pagamento das custas, das despesas processuais e dos honorá-
rios advocatícios, que devem ser fixados no percentual máximo.
22. Protesta provar o alegado por todos os meios de prova em direito
admitidos, tais como a juntada de novos documentos e a ouvida de
testemunhas.
23. Dá à causa a quantia de R$ 1.000,00 (mil reais), para efeitos meramente
fiscais.
Nestes termos,
Pede deferimento.
Local e data.
Nome do advogado
Número de inscrição na OAB

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472 MANUAL PRÁTICO DE DIREITO DO CONSUMIDOR  Cristiano Vieira Sobral Pinto e Misael Montenegro Filho

3.14.2. Extravio de bagagem

Exmo. Sr. Dr. Juiz de Direito da Vara Cível da Comarca do Recife – a


quem a presente ação vier a ser distribuída.
JOÃO DE DEUS, brasileiro, casado, advogado, inscrito na OAB/PE
sob o nº 100.00, e no CPF/MF sob o nº 001.002.003 – 04, e sua esposa,
MARIA DE DEUS, brasileira, funcionária pública federal, inscrita no
CPF/MF sob o nº 002.003.005 – 07, residentes e domiciliados na Av. En-
genheiro Domingos Ferreira, nº 35000, apto 3401, no bairro da Boa Via-
gem, município do Recife, capital do Estado de Pernambuco, o primeiro
em causa própria, a segunda por seu advogado infra-assinado, conforme
instrumento procuratório em anexo, com endereço profissional sito na
Rua Cel. Anísio Rodrigues Coelho, nº 464, sala 902, no bairro da Boa
Viagem, município do Recife, capital do Estado de Pernambuco, local
em que receberão as intimações que se fizerem necessárias, vêm, pela
presente, com fundamento no art. 1º e seguintes do CDC, e nos demais
dispositivos legais aplicáveis à matéria, propor

AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS


contra a LINHAS AÉREAS ABC S/A, pessoa jurídica de direito pri-
vado, inscrita no CNPJ/MF sob o nº 23.056.862/0001-60, com filial na
cidade do Recife, no endereço sito no Aeroporto Internacional do Recife/
Guararapes – Gilberto Freyre – 1º Pavimento, Praça Ministro Salgado
Filho, S/N, no bairro da Imbiribeira, CEP 51210-010, de acordo com as
razões de fato e de direito adiante aduzidas:

DOS FATOS
01. Os autores, juntamente com os seus filhos CAIO DE DEUS e CAMI-
LA DE DEUS viajaram para os EUA no dia 23.10.2020, partindo da
cidade do Recife, fazendo conexão em São Paulo, onde embarcaram
no voo TAM 8090, que chegou em Miami no início da manhã do dia
24.10.2020.
02. Ao desembarcar na cidade americana referida em linhas anteriores, os
autores constataram a ausência de uma das malas embarcadas ainda
em Recife, identificada com a etiqueta JJ 267275, o que os fez procu-
rar por funcionário da LINHAS AÉREAS ABC, providência seguida
do preenchimento de formulário, intitulado RIB, documento que segue
em anexo.

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