Você está na página 1de 15

APELAÇÃO CÍVEL Nº 663.

183-6, 9ª VARA CÍVEL DO FORO


CENTRAL DA COMARCA DA REGIÃO METROPOLITANA
DE CURITIBA.
APELANTE : SUL AMÉRICA SEGUROS DE VIDA E
PREVIDÊNCIA S/A
APELADO : VALMOR HERMES DUARTE
RELATOR : DES. JOSÉ LAURINDO DE SOUZA NETTO

APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO ORDINÁRIA – APÓLICE DE


SEGURO DE VIDA PRORROGADA AUTOMATICAMENTE
POR MAIS DE 25 ANOS – CANCELAMENTO UNILATERAL
DO CONTRATO - INADMISSIBILIDADE – NOVAS
PROPOSTAS MAIS ONEROSAS E DESVANTAJOSAS AO
CLIENTE – ABUSIVIDADE – AFRONTA AO CÓDIGO DE
DEFESA DO CONSUMIDOR E PRINCÍPIOS DA BOA-FÉ
OBJETIVA E FUNÇÃO SOCIAL DO CONTRATO –
MANUTENÇÃO DA CONTRATAÇÃO NOS MOLDES DO
CONTRATO ORIGINÁRIO - RECURSO DESPROVIDO.
1. “O contrato de seguro de vida é caracterizado por uma
continuidade inerente à expectativa legítima do segurado, que
se estende ao longo da vida do contratante, sendo chamados
de “contratos cativos” de longa duração”.
2. “Sendo contrato cativo, de trato sucessivo e longa duração,
o seu rompimento, da forma como notificado, caracteriza-se,
sim, por unilateral, tendo em vista que, em caso de não
aceitação das novas regras, não seria o mesmo mantido na
forma original, rumando, pois à abusividade, incindindo nas
regras insculpidas nos artigos 39, V e 51, IV, do Código de
Defesa do Consumidor”.

Documento assinado digitalmente, conforme MP n.° 2.200-2/2001, Lei n.° 11.419/2006 e Resolução n.° 09/2008, do TJPR/OE
O documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.tjpr.jus.br
Página 1 de 15
Apelação Cível nº 663.183-6 fls. 2

3. “Cumpre verificar que o contrato não pode ser injusto entre


as partes. Isso é o que decorre de uma interpretação
solidarista havida tanto no art. 1º, III (dignidade da pessoa
humana) e IV (valor social da livre iniciativa), no art. 3º, I, como
no art. 170 e seus incisos da Constituição Federal; no art. 5º da
Lei de Introdução ao Código Civil; nos arts. 421 e 2.035 e seu
parágrafo único do CC/2002; e no art. 2º e parágrafo único do
CDC, nos quais se vê substancialmente presente a função
social do contrato” (in Coleção Prof. Agostinho Alvim, “Princípio
da Justiça Contratual”, Fernando Rodrigues Martins).

VISTOS, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível


nº 663.183-6, da 9ª Vara Cível do Foro Central da Comarca da Região Metropolitana
de Curitiba, em que é apelante Sul América Seguros de Vida e Previdência S/A e
apelado Valmor Hermes Duarte.
I - Trata-se de Apelação Cível interposta por Sul América
Seguros de Vida e Previdência S/A, em face da sentença prolatada nos autos de
Ação Ordinária com Pedido de Antecipação de Tutela promovida por Valmor
Hermes Duarte, em que o MM. Juízo da 9ª Vara Cível do Foro Central da Comarca
da Região Metropolitana de Curitiba julgou procedente o pedido inicial, extinguindo o
processo com resolução de mérito, nos termos do art. 269, I do CPC, confirmando a
antecipação de tutela antes deferida por este Tribunal de Justiça em sede de agravo
de instrumento, para declarar ilegal a não renovação do contrato de seguro nos
termos originais e determinar sua renovação com a manutenção das cláusulas
vigentes, inclusive prêmio mensal e capital segurado. Condenou, ainda, a ré ao
pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, estes fixados no
importe de R$ 2.500,00 (dois mil e quinhentos reais).
Inconformada, alega a apelante, em síntese, que o contrato

Documento assinado digitalmente, conforme MP n.° 2.200-2/2001, Lei n.° 11.419/2006 e Resolução n.° 09/2008, do TJPR/OE
O documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.tjpr.jus.br
Página 2 de 15
Apelação Cível nº 663.183-6 fls. 3

firmado entre as partes é, e sempre foi, temporário, pactuado por prazo determinado
de um ano, sendo facultada a ambas as partes a possibilidade de sua não
renovação, fato esse incontroverso, como narrado à fl. 614 da sentença.
Afirma que, segundo previsto nas Condições Gerais da Apólice
VG 636, cláusula XIX, o único requisito para que se opere a extinção da avença pelo
termo é o aviso prévio de trinta dias, o que foi cumprido com ampla vantagem de
prazo.
Destaca, ainda, que o contrato de seguro de vida (atualmente,
seguro de pessoa) tem cunho estritamente patrimonial, que é o pagamento de
indenização pela ocorrência de sinistro indenizável, cujo risco deve ser, na forma da
lei (atual art. 757, do CC/2002), predeterminado, in casu, pelo período de um ano
(prazo do contrato), até porque os cálculos atuariais são realizados a cada ano,
levando-se em conta diversos aspectos para que se chegue ao prêmio devido em
razão dos riscos oferecidos.
Insiste que é absolutamente jurídico que, advindo o termo final
do contrato em exame, a seguradora não o renove nas mesmas bases, ante a
prejudicial e gravosa alteração das suas bases objetivas.
Assevera que se revela injurídica a decisão que determina a
manutenção ad eternum de um contrato findo no tempo, desconforme com a
legislação vigente, e que contém cláusula expressa de não renovação mediante
comunicação prévia de qualquer das partes (bilateralidade).
Aduz que os novos contratos não estão, de forma alguma,
sendo impostos, mas sim oferecidos. Assim, a nova contratação depende,
fundamentalmente, da vontade e do livre-arbítrio do apelado.
Alega, também, que o contrato de seguro ora discutido,
pactuado entre as partes, com termo final previsto para o último dia do mês de
setembro de 2006, foi estabelecido em Regime Financeiro de Repartição Simples,
no qual “as contribuições dos participantes são calculadas segundo os conceitos de
receita e despesa, arrecadando-se o suficiente para a cobertura dos eventos

Documento assinado digitalmente, conforme MP n.° 2.200-2/2001, Lei n.° 11.419/2006 e Resolução n.° 09/2008, do TJPR/OE
O documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.tjpr.jus.br
Página 3 de 15
Apelação Cível nº 663.183-6 fls. 4

garantidos e das despesas de administração, à medida em que ocorram”. Portanto,


trata-se de um modelo onde não há formação de reservas técnicas.
Argumenta que diante das alterações promovidas pelo Código
Civil de 2002 (arts. 757/802), o CNSP – Conselho Nacional de Seguros Privados e a
SUSEP – Superintendência de Seguros Privados, órgãos públicos federais
responsáveis pela regulação do mercado de seguros no país, editaram normas que
tinham por função adaptar os seguros de vida e acidentes pessoais às novas regras
civis. São elas: Resolução CNSP 117 e Circulares SUSEP 301, 302, 303 e 317.
Afirma que foi essa conjuntura (nova regulamentação +
elevação da sinistralidade + risco de desequilíbrio técnico) que deu ensejo a uma
iniciativa da seguradora que restou batizada como Programa de Readequação da
Carteira de Seguros de Pessoas, de que reclama, sem maiores razões, o apelado.
Requer que este Tribunal se manifeste acerca da violação, pela
r. sentença recorrida, às garantias constitucionais da “autonomia privada”, da
“liberdade” e da livre iniciativa, segundo as quais ninguém pode ser obrigado a
contratar contra a sua vontade (Constituição Federal, arts. 1º, IV, 3º, I, 5º, caput e II,
170, caput e parágrafo único).
Observa, por fim, que houve violação também de preceitos
legais, uma vez que, por se tratar de contrato temporário de seguro de vida (regime
mutualista), a ele se aplicam as disposições autorizadoras de alteração da
convenção, por incidência da regra que autoriza a resolução por onerosidade
excessiva decorrente de fato superveniente, ou por força do princípio da boa-fé
objetiva, que protege o equilíbrio contratual (Código Civil, art. 478).
Pugna, ao final, pela reforma da r. sentença atacada, lançada
contra legem, data venia, e que determinou a manutenção compulsória do contrato
de seguro de vida do apelado, após o seu regular termo final, nas mesmas e
ruinosas bases objetivas atuais, de maneira que sejam julgados totalmente
improcedentes os erradíssimos pedidos autorais, recaindo sobre o apelado a
integralidade do ônus da sucumbência.

Documento assinado digitalmente, conforme MP n.° 2.200-2/2001, Lei n.° 11.419/2006 e Resolução n.° 09/2008, do TJPR/OE
O documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.tjpr.jus.br
Página 4 de 15
Apelação Cível nº 663.183-6 fls. 5

O apelado apresentou contrarrazões às fls. 678/682,


requerendo o não provimento do apelo.
É o relatório.

II - Presentes os pressupostos de admissibilidade, o recurso


deve ser conhecido.
Conforme se depreende dos autos o apelado, em 01/11/1980,
aderiu ao seguro de “Vida em Grupo e Acidentes Pessoais Coletivo”, através do
Clube dos Executivos, com previsão para morte acidental, natural ou outros sinistros
(documentos de fls. 26/28).
Tal contrato vinha sendo prorrogado automaticamente até que,
em 22 de fevereiro de 2006, a apelante enviou uma correspondência ao apelado
comunicando-lhe o início do Programa de Readequação da Carteira de Seguros
de Pessoas, “que visa substituir os conteúdos de todos os seguros de Vida e
Acidentes Pessoais comercializados, por outros novos e mais modernos,
promovendo a necessária adequação técnica dos contratos e sua adaptação à nova
legislação e às exigências atuais do mercado”
Referido documento “oferecia” três opções em substituição ao
seguro vigente. Da mesma forma, informava que caso a seguradora não recebesse
a resposta no prazo de 90 dias, o seguro originário seria mantido nas mesmas
condições, até o término da vigência da apólice, em 30/09/2006, quando seria
extinto e não haveria renovação (fl. 22).
Ocorre que as propostas de substituição do seguro originário,
“sugeridas” pela apelante, são mais onerosas e desvantajosas ao segurado (fls.
23/25).
Inicialmente, cabe ressaltar que contratos de seguro como o
dos autos se enquadram nas relações negociais alcançadas pelo Código de Defesa
do Consumidor (Lei nº 8.078/90).
Referido diploma legal prevê em seus artigos 39, inciso V e 51,

Documento assinado digitalmente, conforme MP n.° 2.200-2/2001, Lei n.° 11.419/2006 e Resolução n.° 09/2008, do TJPR/OE
O documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.tjpr.jus.br
Página 5 de 15
Apelação Cível nº 663.183-6 fls. 6

inciso IV que:

“Art. 39 – É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços dentre


outras práticas abusivas:
(...)
V - exigir do consumidor vantagem manifestamente excessiva;
(...)
Art. 51 – São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas
contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:
(...)
IV – estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que
coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam
incompatíveis com a boa-fé ou a equidade;”

Exatamente nestes dispositivos esbarra a pretensão da


apelante, pois nas três propostas apresentadas o valor do capital segurado reduz
drasticamente em relação ao valor segurado originalmente, já o valor cobrado
(prêmio proposto para readequação) sofre significativo aumento com o avançar da
idade do segurado.
Outrossim, a cláusula XIX, da Apólice VG 636, também é nula,
em razão de sua abusividade, tendo em vista que confere vantagem manifestamente
excessiva e desproporcional à seguradora, em nítido prejuízo ao consumidor.
Acrescente-se que o contrato de seguro de vida é
caracterizado por uma continuidade inerente à expectativa legítima do segurado,
que se estende ao longo da vida do contratante, sendo chamados de “contratos
cativos” de longa duração.
E, no caso dos autos, a apólice de seguro contratada entre as
partes foi sendo prorrogada automaticamente, por mais de 25 anos, sem
necessidade de nova manifestação da vontade.
Desta feita, sendo contrato cativo, de trato sucessivo e longa

Documento assinado digitalmente, conforme MP n.° 2.200-2/2001, Lei n.° 11.419/2006 e Resolução n.° 09/2008, do TJPR/OE
O documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.tjpr.jus.br
Página 6 de 15
Apelação Cível nº 663.183-6 fls. 7

duração, o seu rompimento, da forma como notificado, caracteriza-se, sim, por


unilateral, tendo em vista que, em caso de não aceitação das novas regras, não
seria o mesmo mantido na forma original, rumando, pois à abusividade, incindindo
nas regras insculpidas nos artigos 39, V e 51, IV, do Código de Defesa do
Consumidor, acima transcritos.
De outra banda, imperioso se faz privilegiar o princípio da boa-
fé objetiva e atentar para o fim social do contrato que, sobrepõem-se à liberdade
contratual e à autonomia da vontade, como se pode verificar dos termos dos arts.
421, 422 e 2.035, parágrafo único, do Código Civil/2002.
Ao discorrer sobre a função social do contrato, em sua obra
“Princípio da Justiça Contratual”, Fernando Rodrigues Martins, deixa claro que:

“Neste passo, não se pode esquecer que o contrato, sendo um


instrumento de cooperação, acaba informado pelo princípio
constitucional da solidariedade, isso porque “não há lugar, no projeto
constitucional, para a exclusão; mas também não há espaço para
resignação submissa, para a passiva aceitação da enorme massa de
destituídos com que (mal) convivemos. De acordo com o que
estabelece o texto da Lei Maior, a configuração de nosso Estado
Democrático de Direito tem por fundamentos a dignidade humana, a
igualdade substancial e a solidariedade social, e determina, como
sua meta prioritária, a correção de desigualdades sociais e regionais,
como propósito de reduzir os desequilíbrios entre as regiões do País,
buscando melhorar a qualidade de vida de todos que aqui vivem”.
Destarte, cumpre verificar que o contrato não pode ser injusto
entre as partes. Isso é o que decorre de uma interpretação
solidarista havida tanto no art. 1º, III (dignidade da pessoa
humana) e IV (valor social da livre iniciativa), no art. 3º, I, como
no art. 170 e seus incisos da Constituição Federal; no art. 5º da
Lei de Introdução ao Código Civil; nos arts. 421 e 2.035 e seu
parágrafo único do CC/2002; e no art. 2º e parágrafo único do

Documento assinado digitalmente, conforme MP n.° 2.200-2/2001, Lei n.° 11.419/2006 e Resolução n.° 09/2008, do TJPR/OE
O documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.tjpr.jus.br
Página 7 de 15
Apelação Cível nº 663.183-6 fls. 8

CDC, nos quais se vê substancialmente presente a função social


do contrato.
Tenha-se, aliás, que o disposto no art. 421 do CC/2002, ao limitar a
liberdade contratual à função social do contrato, parece buscar
inegavelmente o aporte da socialidade nas relações jurídicas
contratuais, dando vazão à justiça da avença. Luiz Guilherme
Loureiro relembra nesse viés o papel dos aplicadores do direito, que
devem harmonizar o jurídico com o econômico, tanto que “o contrato
como conceito jurídico com o contrato como operação econômica,
não tendo em vista apenas o interesse do mercado, mas, sobretudo,
a justiça contratual. O regime contratual deve cumprir sua função
econômica realizar o valor utilidade que lhe é próprio, mas
sempre com vistas à realização da justiça e à preservação da
dignidade da pessoa humana, que é o verdadeiro sujeito de
direito” (in Coleção Prof. Agostinho Alvim, São Paulo: Saraiva, 2009,
p. 295/296) (grifo nosso).

No mesmo sentido o escólio de Claudia Lima Marques, ao se


manifestar sobre a nova concepção de contrato e o Código de Defesa do
Consumidor:

"A nova concepção de contrato é uma concepção social deste


instrumento jurídico, para a qual não só o momento da manifestação
da vontade (consenso) importa, mas onde também e principalmente
os efeitos do contrato na sociedade serão levados em conta e onde a
condição social e econômica das pessoas nele envolvidas ganha
importância (...)
À procura do equilíbrio contratual, na sociedade de consumo
moderna, o direito destacará o papel da lei como limitadora e como
verdadeira legitimadora da autonomia da vontade. A lei passará a
proteger determinados interesses sociais, valorizando a confiança

Documento assinado digitalmente, conforme MP n.° 2.200-2/2001, Lei n.° 11.419/2006 e Resolução n.° 09/2008, do TJPR/OE
O documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.tjpr.jus.br
Página 8 de 15
Apelação Cível nº 663.183-6 fls. 9

depositada no vínculo, as expectativas e a boa-fé das partes


contratantes.
Conceitos tradicionais como os do negócio jurídico e da autonomia
da vontade permanecerão, mas o espaço reservado para que os
particulares auto-regulem suas relações será reduzido por normas
imperativas, como as do próprio Código de Defesa do Consumidor. É
uma nova concepção de contrato no Estado Social, em que a
vontade perde a condição de elemento nuclear, surgindo em seu
lugar elemento estranho às partes, mas básico para a sociedade
como um todo: o interesse social.
Haverá um intervencionismo cada vez maior do Estado nas relações
contratuais, no intuito de relativizar o antigo dogma da autonomia da
vontade com as novas preocupações de ordem social, com a
imposição de um novo paradigma, o princípio da boa-fé objetiva. É o
contrato, como instrumento à disposição dos indivíduos na sociedade
de consumo, mas, assim como o direito de propriedade, agora
limitado e eficazmente regulado para que alcance a sua função
social" (in Contratos no Código de Defesa do Consumidor – O novo
regime das relações contratuais. São Paulo: RT, 2002, 4ª Ed, p.
175/176).

No ponto, cumpre anotar os percucientes fundamentos da


ilustre julgadora singular:

“Diante de todos estes princípios, a intenção da ré de impossibilitar


ao autor renovar o contrato de seguro da maneira como vinha
fazendo e lhe impor um novo contrato, com aumento do valor do
prêmio e diminuição de cobertura que só a ela (ré) beneficiaria,
certamente afigura-se como ofensivo ao princípio da boa-fé, em claro
ataque ao CDC e ao Código Civil.
Restou provado que o autor, no decorrer de toda a relação contratual

Documento assinado digitalmente, conforme MP n.° 2.200-2/2001, Lei n.° 11.419/2006 e Resolução n.° 09/2008, do TJPR/OE
O documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.tjpr.jus.br
Página 9 de 15
Apelação Cível nº 663.183-6 fls. 10

cumpriu com seus deveres (fls. 578), tanto que ocorreram diversas
renovações, agindo pautado pela boa-fé e criando a pretensão de
que a manutenção do contrato ocorreria ao longo da vida. Isto
porque com o decorrer dos anos, os riscos tornam-se cada vez mais
previsíveis, o que, de fato, faz com que se torne mais oneroso o seu
ingresso num contrato de seguro novo, ainda mais se considerarmos
que o autor já conta com mais de 66 anos de idade.
É evidente a quebra da boa-fé por parte da ré ao obstar a
contratação do seguro nos termos em que vinha sendo contratado
pelo autor há 25 anos.
Veja-se que durante todo este período a ré permitiu que o autor
renovasse automática e anualmente o contrato de seguro mediante o
simples pagamento dos prêmios consecutivos, sem impor qualquer
óbice à contratação. Não se pode admitir que após tantos anos a ré
pretenda modificar o contrato, alterando-o de forma a desfavorecer o
autor, sob a alegação de que o contrato foi pactuado por prazo
determinado e que, então, teria ela o direito de não renová-lo
embasada no princípio da autonomia contratual” (fls. 609/618).

Incabível, portanto, a pretensão da apelante de rompimento


unilateral da avença, após a prorrogação do contrato originário por mais 25 (vinte e
cinco) anos, obrigando o apelado, que conta, atualmente, com 70 anos de idade, a
aderir a novo contrato mais oneroso, justamente quando as chances de necessitar
da cobertura contratada são maiores.
Este Tribunal já julgou diversos recursos cuidando da mesma
matéria, sempre no sentido de garantir a renovação contratual, senão vejamos:

“APELAÇÃO CÍVEL ­ AÇÃO ORDINÁRIA ­ CONTRATO DE


SEGURO DE VIDA ­ NÃO RENOVAÇÃO ­ ALEGAÇÃO DE
INCIDÊNCIA NORMATIVA E IMPOSSIBILIDADE TÉCNICA ­ NOVO
CONTRATO PARA READEQUAÇÃO DA CARTEIRA DE SEGUROS

Documento assinado digitalmente, conforme MP n.° 2.200-2/2001, Lei n.° 11.419/2006 e Resolução n.° 09/2008, do TJPR/OE
O documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.tjpr.jus.br
Página 10 de 15
Apelação Cível nº 663.183-6 fls. 11

­ ALEGAÇÃO DE QUEBRA DA BASE OBJETIVA DO CONTRATO ­


AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO - SENTIDO PROTETIVO DA
LIBERDADE CONTRATUAL. 1. A ausência de demonstração fática
comprobatória das alegadas alterações objetivas das bases do
contrato implica a procedência de pedido de manutenção de
contrato de seguro de pessoas, nos termos originariamente
pactuados, não se sustentando a negativa da renovação, diante de
diretrizes regulamentares que não afastam a tutela do Código do
Consumidor. 2. Inexiste violação da autonomia privada na justa
chancela judicial de manutenção de contrato como limite obstativo
de discricionariedade unilateral, uma vez que a liberdade
assegurada constitucionalmente se traduz em proteção à atuação
livre de ambas as partes, reciprocamente. RECURSO CONHECIDO
E NÃO PROVIDO.” (TJ/PR – 9ª C.CÍVEL – Ap. Cível 0638077-4 –
Rel. Des.ª Rosana Amara Girardi Fachin – DJe 02/06/2010)
Em seu voto a ilustre Relatora enfatiza que:

“Evidente que a pretensão da Seguradora, de rescindir o contrato


unilateralmente, caso não haja concordância do Segurado com as
novas condições impostas, coloca o Apelado em situação de
instabilidade, e desvantagem na relação contratual.
A Seguradora, ao rescindir unilateralmente, contraria toda a
finalidade do contrato de seguro, que é justamente a de conferir
segurança, tranqüilidade e estabilidade ao contratante, mediante o
oferecimento de uma contraprestação, para se garantir quanto aos
riscos cobertos, nos limites de abrangência da sua apólice.
Não há dúvida, portanto, que o direito de contratar encontra escopo
na liberdade contratual, porém, no caso em comento se trata de
contrato de adesão, onde o aderente não discutiu as cláusulas do
contrato, razão pela qual o enquadramento do Apelado no Código de
Defesa do Consumidor, não merecendo provimento o Apelo.
Denota-se que a pretensão da seguradora de simplesmente não

Documento assinado digitalmente, conforme MP n.° 2.200-2/2001, Lei n.° 11.419/2006 e Resolução n.° 09/2008, do TJPR/OE
O documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.tjpr.jus.br
Página 11 de 15
Apelação Cível nº 663.183-6 fls. 12

renovar o contrato para os casos de não readeqaução contratual,


sem que para isso apresente qualquer justificativa é eminentemente
potestiva, contrariando toda a legislação acerca da matéria.
(...)
Impende ainda sublinhar que a tutela constitucional da ordem
econômica e da livre iniciativa compreende, induvidosamente, a
proteção ao autorregulamento dos interesses privados e à liberdade
contratual. Sem embargo, é da função protetiva da liberdade que se
trata, isto é, da guarida ao interesse de ambas as partes
contratantes. A liberdade protegida não pode ser a discricionariedade
unilateral, especialmente ao não se configurar direito potestativo.
Diante dos direitos subjetivos próprios, é inerente à posição jurídica
a presença de deveres jurídicos recíprocos.
Por conseguinte, inexiste liberdade sem responsabilidade, sendo o
ato livre precisamente o espelho constitucional de um quadro de
direitos e deveres recíprocos, em equilíbrio substancial e não apenas
formal”.

Confira-se, ainda:

“APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO RENOVATÓRIA DE SEGURO DE VIDA


INDIVIDUAL - NEGATIVA DE RENOVAÇÃO POR PARTE DA
SEGURADORA, SOB A ALEGAÇÃO DE OBEDIÊNCIA ÀS
NORMAS DA SUSEP E CONSELHO NACIONAL DE SEGUROS
PRIVADO, COM APRESENTAÇÃO DE CONTRATOS MAIS
ONEROSOS E DESVANTAJOSOS AO CLIENTE - EXCLUSÃO DE
GARANTIAS - INADMISSIBILIDADE - RESGUARDO DO DIREITO
DO CLIENTE EM MANTER A CONTRATAÇÃO NOS MESMOS
MOLDES DO CONTRATO ORIGINÁRIO, FIRMADO HÁ MAIS DE
SETE ANOS - APLICAÇÃO DO CÓDIGO DE DEFESA DO
CONSUMIDOR. APELAÇÃO PROVIDA.

Documento assinado digitalmente, conforme MP n.° 2.200-2/2001, Lei n.° 11.419/2006 e Resolução n.° 09/2008, do TJPR/OE
O documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.tjpr.jus.br
Página 12 de 15
Apelação Cível nº 663.183-6 fls. 13

1 - Conforme orientação deste Tribunal de Justiça, não é aceitável a


negativa de renovação - por parte da seguradora - com base em
normas excludentes e manifestamente desvantajosas ao cliente que
mantém idêntica contratação há vários anos.
2 - A tese de que não se pode obrigar ninguém a firmar ou manter
contrato não socorre a seguradora apelada, dada a peculiaridade e
relevância das avenças securitárias.” (TJ/PR – 8ª C.CÍVEL – Ap.
Cível 0532104-0 – Rel. Substituta em Segundo Grau Denise Krüger
Pereira– DJe 17/08/2009)

“APELAÇÃO CÍVEL. SEGURO DE VIDA E DE ACIDENTES


PESSOAIS. CONTRATO PRIMEVO CELEBRADO EM 1981.
RENOVAÇÃO AUTOMÁTICA POR 26 ANOS REGEU A RELAÇÃO
CONTRATUAL ENTRE AS PARTES - NEGATIVA DE RENOVAÇÃO
DO CONTRATO PELA SEGURADORA. NULIDADE DE CLÁUSULA.
INTELIGÊNCIA DO ARTIGO 54, §2º DO, C/C 51, IV DO CÓDIGO
DE DEFESA DO CONSUMIDOR. MANUTENÇÃO DO CONTRATO
NOS TERMOS DE SUA CELEBRAÇÃO. CABIMENTO. DANO
MORAL. INEXISTÊNCIA DE ABALO NA PSIQUE. ROMPIMENTO
CONTRATO. MERO DISSABOR. RECURSOS DESPROVIDOS”.
(TJ/PR – 10ª C.CÍVEL – Ap. Cível 0554399-3 – Rel. Des. Arquelau
Araujo Ribas – DJe 06/10/2009)

No mesmo sentido caminha o entendimento de outros


Tribunais pátrios:

“APELAÇÃO CÍVEL. SEGURO DE VIDA EM GRUPO E ACIDENTES


PESSOAIS. SUCESSIVAS RENOVAÇÕES AUTOMÁTICAS.
RESCISÂO UNILATERAL. IMPOSSIBILIDADE. VÍNCULO DE
TRATO SUCESSIVO. CDC. PRINCÍPIO DA CONFIANÇA.
MANUTENÇÃO DO CONTRATO. SENTENÇA MANTIDA.

Documento assinado digitalmente, conforme MP n.° 2.200-2/2001, Lei n.° 11.419/2006 e Resolução n.° 09/2008, do TJPR/OE
O documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.tjpr.jus.br
Página 13 de 15
Apelação Cível nº 663.183-6 fls. 14

HONORÁRIOS MAJORADOS.
Tratando-se de típica relação de consumo, caracterizada pela
vulnerabilidade da contratante, implica nulidade da cláusula que
ampara o rompimento unilateral do contrato, desprovido de
justificativa plausível.
Mostra-se arbitrária e descompromissada a conduta da seguradora,
ferindo os princípios basilares dos contratos, mormente o da
confiança.” (TJ/RS – 6ª C.CÍVEL – Ap. Cível 70032628422 – Rel.
Des. ARTUR ARNILDO LUDWIG – DJ 11/05/2010)

“SEGURO DE VIDA E ACIDENTES PESSOAIS EM GRUPO – AÇÃO


DECLARATORIA - RECUSA DA SEGURADORA À RENOVAÇÃO
DO CONTRATO - DISPOSIÇÃO CONTRATUAL QUE AUTORIZA A
DENÚNCIA MOTIVADA - NULIDADE - VIOLAÇÃO DE
DISPOSITIVOS DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR E
AFRONTA AOS PRINCÍPIOS DA BOA-FÉ OBJETIVA E FUNÇÃO
SOCIAL DO CONTRATO - É nula de pleno direito a cláusula que
admite a rescisão unilateral, pela seguradora, de contrato de seguro
de vida, com fulcro em simples manifestação de vontade no sentido
de não pretender a renovação da apólice Permitir tal rescisão, após
sucessivas renovações automáticas, por diversos anos, e no
momento em que a idade do segurado o torna mais suscetível á
ocorrência do sinistro, importa em violação à boa-fé objetiva e função
social dos contratos e coloca o consumidor hipossuficiente em
desvantagem excessiva, o que não se pode admitir - Apelo
improvido” (TJ/SP – 35a Câmara de Direito Privado – Ap. Cível n°
992.07.033003-3 – Rel. Des. JOSÉ MALERBI – Data do julgamento
03/05/2010)

Diga-se, por fim, que, o Código de Defesa do Consumidor,


aplicável ao caso em tela, prevalece sobre eventuais normas oriundas do CNSP –

Documento assinado digitalmente, conforme MP n.° 2.200-2/2001, Lei n.° 11.419/2006 e Resolução n.° 09/2008, do TJPR/OE
O documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.tjpr.jus.br
Página 14 de 15
Apelação Cível nº 663.183-6 fls. 15

Conselho Nacional de Seguros Privados e a SUSEP – Superintendência de Seguros


Privados, que contrariam ou retiram os direitos de clientes consumidores, como já
exaustivamente demonstrado.
Pelos fundamentos acima, voto no sentido de conhecer e negar
provimento ao recurso de apelação.

Ante ao exposto,
ACORDAM os Desembargadores da Oitava Câmara Cível do
Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimidade de votos, em conhecer e
negar provimento ao recurso.
Acompanharam o voto do eminente Desembargador Relator, o
Exmo Des. Presidente Miguel Kfouri Neto e o Exmo. Des. Guimarães da Costa.
Curitiba, 07 de outubro de 2010.

Des. JOSÉ LAURINDO DE SOUZA NETTO


Relator

Documento assinado digitalmente, conforme MP n.° 2.200-2/2001, Lei n.° 11.419/2006 e Resolução n.° 09/2008, do TJPR/OE
O documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.tjpr.jus.br
Página 15 de 15

Você também pode gostar